Revista LiteraLivre 36ª edição

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Volume 6, nº 36 – Nov./Dez. de 2022.

ISSN 2595-363X

SNIIC: AG-67335

Jacareí – SP - Brasil

Expediente:

Publicação: Bimestral

Idioma: Português

Distribuição: Gratuita online em pdf

Conselho Editorial: Ana Rosenrot, Julio Cesar Martins eAlefy Santana

Editora-chefe: Ana Rosenrot

Diagramação: Ana Rosenrot –Alefy Santana

Suporte Corporativo: Julio Cesar Martins –Alefy Santana

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Olá amigos(as) leitores e autores, é com alegria, que trago a 36ª edição da Revista LiteraLivre: a última de 2022.

E enquanto esperamos o ano terminar, convido os(as) amigos(as) a prestigiarem nossos textos e artes maravilhosos. Temos trabalhos incrivelmente talentosos de vários lugares do mundo. Confiram também, a tabela de prazos para 2023.

No próximo mês(dezembro), teremos a última edição do “Especial Melhores do Ano da Revista LiteraLivre”, que será descontinuada. Todos os autores que publicaram conosco em 2022 estão concorrendo. Fiquem atentos!! Esta edição sairá até o final de dezembro.

Aproveito para desejar aos nossos autores, colaboradores, leitores e amigos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!! Continuem sempre conosco! Abraços poéticos!!

Vamos mudar o mundo através das palavras!!! Literatura com liberdade sempre!!

Meus agradecimentos ao amigo Jax, por me presentear com o livro “De volta a Ibitinema”, um verdadeiro mergulho nas vivências de um menino, que se tornou um talentoso autor.

Sucesso!!

Neste Número:

Haikai Engraçadinho 4

Jorginho da Hora........................................4 A Rainha (pintura)..................................5

Cristiane Ventre Porcini...........................5

Fantasia Visual.......................................6

Roberto Schima...........................................6

Silêncio(desenho)...................................7

Maria Carolina Fernandes Oliveira......7

Alberto Arecchi......................................8

Alex Manso..........................................12

Alexandre Saro 15

Alyne Gomes Ferreira...........................16 Amador Madalena Maia.......................18

Amélia Luz..........................................19

Ana Beatriz Carvalho...........................21 Ana Lins..............................................22

Ana Vithorya Cordeiro Pereira..............23 Annieli Valério Rufino..........................24 Antônio Coletto...................................25

Ariane de Medeiros Pereira..................27 Ariel Von Ocker 28 Arlindo Kamimura................................29

Augusta Maria Reiko............................32

Benedita Azevedo 33 Bia Chaves...........................................35

Camila Costa Homsi de Lima Castro....37

Carlos Jorge Azevedo...........................38 Carmem Aparecida Gomes...................39

Cassiane Dorcas Lopes........................40

Charles Burck......................................41 Cícero Christino...................................42

Cleidirene Rosa Machado.....................45

Conceição Rodrigues...........................46

Daniel Cardoso Alves 48

David Ehrlich.......................................49

Débora Araújo 52

DéboraSConsiglio...........................55 Dias Campos..................................57 Diogo Tadeu Silveira 59 Éder Rösner....................................61 Edna das D. de O. Coimbra.............64 Edweine Loureiro............................65 Elaine Farias...................................66 Elidiomar Ribeiro da Silva...............67 Elizabeth Calderón.........................68 Ella Ferreira....................................69 Ettel...............................................72 Evandro Nunes...............................74 Fernando Manuel Bunga 75 Flavio Freitas..................................80 Franciellen Santos..........................83 Francisco Cleiton Limeira de Sousa.84 Gedeane Costa...............................85 Geneviève Faé.................................86 Gisela Peçanha...............................87 Gislene da Silva Oliveira..................88 Gonzalo Dávila...............................90 Guilherme Hernandez Filho............91 Hélio Guedes..................................94 Hellen Bravo...................................96 Heloísa Marina................................97 Ícaro Marques Estevam 99 Iraci J. Marin.................................100 Ivo Aparecido Franco....................102 Fotos 103 Jamison Paixão................................103 JAX...............................................105 Jeferson Ilha.................................108 Joaquim Bispo..............................109

Joaquim Cesário de Mello..................112

Joedyr Bellas 113

José Manuel Neves.............................115 Juarez Marçal.....................................116

Julia Mascaro Alvim............................117

Karine Dias Oliveira...........................119

Larissa Reggiani Galbardi...................120

Laura Rocha.......................................122

Lauriani Kawashima 124

Leandro Emanuel Pereira...................125

Lenasantos........................................126

Liécifran Borges Martins 128

Lizédar Baptista.................................129 Lucas Terra Villar...............................130 Luís Amorim......................................132 Madô Martins.....................................134 Marcel Luiz........................................136

Marcos Antonio Campos....................137 Maria Anete Veneski Campos.............139 Maria Aparecida de Lima Zaganini.....141 Maria Carolina Fernandes Oliveira......142 Maria Isabelle de Freitas Lima............143 Maria Pia Monda................................144

Mario Gayer do Amaral......................146 May Cass 150 Mestre Tinga das Gerais....................151

Mônica Monnerat...............................153 Natan Oliveira Ferreira 155 Nathalia Mageste...............................156

Nazareth Ferrari.................................157

Nercy Grabellos.................................158

Ornélia Goecking Otoni......................159

Ovidiu-Marius Bocsa..........................160

Patrícia Barcelos................................161

Paulo Cezar Tórtora 164 Paulo Luís Ferreira.............................165

Paulo Vasconcellos.......................168 Pedro Diego Fidelis 169 People..........................................170 Regiane Silva................................171 Regina Alonso..............................172 Reinaldo Fernandes......................174 Reirazinho....................................176 Ricardo Ryo Goto..........................177 Roberto Schima 181 Rodrigo Domit..............................184 RodrigoSBA..................................185

Rommel Werneck 186 Roque Aloisio Weschenfelder........187 Rosangela Maluf...........................188 Roseli Ágda..................................192 Ruan Vieira...................................193 Sérgio Soares................................194 Sigridi Borges...............................197 Suramy Guedes.............................198 Tauã Lima Verdan Rangel.............199 Tereza Du'Zai...............................200 Thayná Vitória Alves Vasconcellos 205 Vadô Cabrera...............................206

Valéria Barbosa.............................208 Valter Bitencourt Júnior 210 Vanderlei Kroin.............................211 Vânia Lúcia Malta Costa Catunda..212 Vera Raposo 213 Victor Carreão..............................214 Vitor Sergio de Almeida................218

Vladimir Ferrari..................................219 Wagner Azevedo Pereira 222 Willian Fontana..................................223 Yuki Eiri.............................................227 Caricaturas........................................229 Jamison Paixão.......................................229 Rita Lee (pintura)...............................232 Cristiane Ventre Porcini.....................232 Fotos.................................................233 Roberto Schima...............................233 Artista do Mês..............................235 Tom Savini.........................................235 II E-Antologia de Poesia Retrô (2022) ....................................................236 LiteraAmigos................................237 Modelo de envio de textos para publicação na revista....................242 Tabela de prazos 2023 Próxima edição

Haikai Engraçadinho

Jorginho da Hora Simões Filho/BA

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A Rainha (pintura)

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Visual
Fantasia
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Roberto Schima Itanhaém/SP

Silêncio(desenho)

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Itália, 1944

Era um antigo mosteiro beneditino, florescido ao longo dos séculos em torno dos túmulos de uma dinastia de reis longobardos, fora das muralhas de Pavia, a antiga capital. No final do século XVIII, um imperador vienense decidiu suprimir as ordens monásticas e todo o complexo foi alienado ao estado. A igreja serviu de armazém e o mosteiro de quartel. Então, em 1900, uma comissão de cidadãos conseguiu resgatar a igreja, que foi recuperada como sede de freguesia para o bairro circundante. No quartel, por outro lado, instalou-se um regimento dos Engenheiros Militares e - adjacente a ele - foi construída uma grande fábrica, com galpões de um arsenal.

Nesse quartel, durante a segunda Guerra Mundial, nos primeiros dias do ano 1944, nasceram as tropas alpinas do exército da República de Salò (República Social Italiana, fascista), com departamentos formados na Alemanha nazista, empregados na luta e repressão contra os guerrilheiros da Resistência.

Três jovens amigos, que ainda não tinham vinte anos, costumavam pedalar pelas estradas e caminhos do bosque, no vale do rio. Companheiros desde a infância, ainda não haviam atingido a idade para serem submetidos ao preceito do alistamento. Os anos da guerra afastaram-nos dos estudos e fizeramnos “meninos eternos”, contudo sem privá-los dos prazeres do passeio. Não sabemos seus nomes verdadeiros. Vamos chamá-los, para identificá-los: Marco, João e Siro. Suas viagens quase diárias e a utilização de bicicletas apontavamnos como alvos dos suspeitos dos investigadores. Ao longo do vale do rio, havia várias instalações militares: uma fábrica de torpedos, posições antiaéreas, centrais elétricas de emergência, arsenais e campos de treinamento. Então, um dia, um esquadrão de Alpini armados teve a tarefa de parar os três para submetêlos ao que em termos eufemísticos

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era chamado de “um interrogatório”. Pararam-nos ao passarem por uma estrada estreita, espancaram-nos um pouco para assustá-los e os carregaram para o quartel.

Marco, o mais indomável dos três, desencadeou uma defesa apaixonada de seus direitos. Eles ainda não estavam em idade de alistamento, então não podiam de forma alguma ser acusados de relutância ou deserção. Não levavam armas próprias nem impróprias, nem carregavam folhetos ou outra imprensa subversiva. Não existiam leis ou decretos proibindo o uso de bicicletas para caminhadas no parque.

Seu comportamento irritou muito o capitão que os mandou prender, que o levou a um depósito no primeiro andar, em cima da sala do piquete, na entrada do quartel, e o sujeitou a noite inteira a um exame cada vez mais pesado, mostrando as técnicas de tortura aprendidas durante o treinamento na Alemanha. Foi tão eficaz que, finalmente, no meio da noite, o jovem desmaiou. Ele teve um sobressalto, lançou uma grande torrente de sangue e caiu. Eles deixaram no chão. O menino estava se contorcendo, não conseguia mais respirar. Ele sofreu e gritou. Seus

algozes tentaram fechar sua boca para evitar que seus gritos fossem ouvidos fora da sala. Então eles o sufocaram. Eles o deixaram lá, no chão. O chão daquela sala estava sendo reconstruído e eles pensaram que o mais simples era enterrá-lo na base de areia, cobri-lo com azulejos. Agora, entretanto, seus camaradas se tornaram testemunhas perigosas. Não se podia pensar em fazer desaparecer apenas um dos três jovens e torcer para que os outros não falassem. Os outros dois também estavam condenados. O oficial já havia pensado na solução. Na manhã seguinte, sem perder tempo com outros interrogatórios inúteis, foram recolhidos e carregados em um caminhão para levá-los ao campo. O veículo partiu para noroeste, em direção ao campo de tiro do quartel, que ficava a cerca de quatro quilômetros e ficava numa longa faixa de areia, circundada por uma curva do rio. No meio de transporte estavam um alferes, um sargento, quatro homens armados com fuzis e os dois presos, algemados e vendados. Era fim do verão, o sol estava nascendo cedo e com a

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primeira luz o caminhão partiu em direção ao rio para chegar ao campo de tiro. O cheiro das plantas enchia o ar, a vegetação exuberante começava a sentir o calor do sol.

No centro do polígono ficava (e ainda existe) a casinha de uma antiga casa de fazenda, que já existia na área de uso militar. Poucos cômodos, um casal em cada andar e uma escada estreita, como antes, para subir ao andar superior. O caminhão não parou na casa. Ele passou e começou a subir a língua arenosa, por um caminho cuidadosamente pavimentado com concreto. No final da estrada, que também foi viabilizada para veículos pesados, havia um pequeno anfiteatro destinado a testes de explosivos. A área, com um diâmetro de 12 metros, era (e ainda é) cercada por uma espécie de duna circular, com cerca de três metros de altura. Um único acesso, ao lado do qual existe uma pequena casamata de metal. No centro do anfiteatro, uma estrutura de placas de ferro foi colocada para os testes de explosivos. O pelotão desceu para a grande praça que se abria na frente da casamata. Os dois jovens foram arrastados para o anfiteatro e obrigados a encostar na duna

perimetral, depois os quatro soldados alinharam-se à sua frente, a poucos metros de distância, como um piquete de execução.

Nenhuma sentença foi pronunciada. Não houve gritos heróicos dos condenados. Só Siro, o mais novo dos três amigos, chorava e repetia para si mesmo, obsessivamente: “Só esperava viver a minha vida, poder gozar um pouco de alegria e liberdade”. Os tiros interromperam seus soluços. Após o assassinato, os corpos foram cuidadosamente enterrados na própria areia do perímetro. Era a maneira mais segura de evitar que as notícias do ocorrido se espalhassem.

O corpo de Marco foi encontrado no final do ano 1971, quando o piso daquele esconderijo foi levantado, durante algumas reformas no quartel, então ocupado por um departamento do Gênio Militar. O alferes que dirigia as obras encontrou um esqueleto. Ao redor dos ossos, a areia ainda permanecia úmida e avermelhada, com um forte cheiro de matéria orgânica em decomposição. Nenhum rastro de vestido, nenhum vestígio que revelasse seu nome, nem

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pudesse dar qualquer indicação do que havia acontecido. O alferes era um jovem arquiteto, em serviço militar obrigatório. Ele adoeceu, devido aos gases orgânicos inalados, e permaneceu doente durante toda a temporada de Natal.

Os corpos dos outros dois jovens, matados no ano 1944... Talvez ainda estejam lá, no pequeno anfiteatro do campo de tiro, enterrados em algum lugar, sob os montões de areia. Ninguém jamais os procurou, nos mais de setenta anos que se passaram desde então.

Hoje, o polígono também está em desuso, como a grande maioria das áreas e infra-estruturas que no passado se destinavam a instalações militares. É uma área de parque fluvial, percorrida todos os dias por pessoas de todas as idades que desejam caminhar em contato com a natureza. O anfiteatro fica em uma posição isolada e escondida, em comparação com os caminhos mais populares. Uma área secreta, na qual não é aconselhável ainda hoje se aventurar sozinho. https://www.liuprand.it

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Alex

Tentando adaptar

Essa história tem um início, um menino tímido, apesar dessa condição não deixou de brincar estudar aproveitar a infância como toda criança, em sua adolescência era mais complexo não tinha a inocência, estava difícil ir a escola, pegar ônibus, conviver entre outros alunos, a timidez se tornou um obstáculo, ir para as aulas era um tormento se isolando cada vez mais, a ponto de ficar dentro de casa e não sair mais, por anos seu mundo era apenas um quarto e uma televisão de 12 polegadas em preto e branco, trocava a noite pelo dia, os melhores programas de televisão passava a noite, em um programa de entrevista foi abordado o assunto síndrome do pânico, um psiquiatra descreveu todos os sintomas, comportamento, ele viu sua vida descrita por um desconhecido, então ele percebeu que era desse mal que ele padecia, decidiu procurar ajuda com um profissional, não foi fácil ver a luz do sol, ter que aprender a socializar de novo, a pegar ônibus, era difícil chegar ao

consultório, todos aqueles olhares te julgando, todos comentando a seu respeito, era o centro das atenções, além disso estava tão branco, quase transparente devido ao longo tempo sem sair de casa, a única coisa que não havia mudado era modo de argumentar, sempre seguro de suas convicções conseguiu convencer o psiquiatra que ele sofria de síndrome do pânico, aos 18 anos começou um tratamento, foram dias difíceis, conquistas a passos curtos, coisas simples cotidianas, teve que reaprender a viver.

Com o tempo pode retornar a vida normal, apenas uma timidez exagerada, veio o acesso à internet e rede sociais, lendo relatos e pesquisando descobriu que o diagnóstico estava errado, não era síndrome do pânico que ele sofria e sim fobia social, a diferença entre os dois, ele não passava mal quando estava na presença de pessoas apenas sentia um desconforto, não

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mudava muita coisa, mas o diagnóstico correto era essencial para o tratamento, não era culpa do psiquiatra 50% do diagnóstico é baseado em relatos do paciente, ele foi induzido ao erro, pois o rapaz era bem convincente em seus relatos, na ânsia de procurar uma cura para esse fardo que carregava, depois de 20 anos de tratamento a base de Rivotril, desistiu de procurar a cura que tantos profissionais da área relatavam, decidiu aprender a conviver com a fobia social, suas limitações, quando se conforma que terá fobia para o resto da vida começa a entender que aquilo faz parte de você, como se fosse sua personalidade, isso não tem como tirar você nasce com ela.

Essa história não tem meio, pois se tornou um rapaz que desenvolveu um hábito de estar sempre projetando o futuro, se melhorasse de vida, se ganhasse na loteria, por isso toda semana jogava, sonhava, o que faria com o prêmio, isso consumia seu tempo, o amanhã sempre estava em seus pensamentos, o presente não era bom, não se sentia bem entre as pessoas, se sentia desconfortável em meio a multidão, a depressão sempre por perto causava inseguranças, lhe tirando a

razão de viver, sua rotina era esperar o final do dia no trabalho para voltar para casa, o expediente era longo, as horas não passavam, esperar o final de semana pelo dia de folga, cada dia era uma Vitória, pensava em desistir a todo momento, mas começar de novo era tão difícil, depois de tantas desistências, passar por tudo de novo, entrevista de emprego, exame médico, documentos, desistir não era mais opção, então a vida se resumia a esperar.

O final dessa história seria perfeito se seus sonhos se realizassem, ganhasse algum prêmio na loteria, algo que a sorte mudasse o rumo de sua vida, alguma herança que o fizesse mudar de vida, mas tem um porém, o Rivotril que ele toma a 20 anos todos os dias pode lhe causar lapsos de memória futuramente ou até um Alzheimer, não seria um fim agradável, se fosse apenas o esquecimento não seria tão ruim, tinha passagens de sua vida que era melhor desaparecer de sua memória, mas a confusão mental era o que causava mais medo, pois

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já havia trabalhado em um lar para idosos e conviver com senhores com Alzheimer não era fácil, na verdade se você tem chances de passar os últimos anos de sua vida assim é assustador, mas sem o Rivotril não conseguiria viver o presente, não sei se a palavra viver seria certa, o correto seria sobreviver ao presente.

Essa não é uma história comum, também não é única, pessoas sofrem de males, principalmente psicológicos, que consomem sua vida inteira, uma batalha por cada dia, é mais uma história, tem um início, ausência de meio e um final com poucas chances de felicidade, mas

ainda tem muitas linhas para escrever, a esperança que vai mudar é o que nos move, mesmo sendo árduo seguir em frente, depois de muitas quedas, não é mais dolorido a pancada, cicatriza mais rápido, a depressão não é mais companheira, ela vem, mas vai embora, não demora tanto quanto antes, a maturidade te ajuda muito, a entender muitas coisas, a se conformar com outras, tem coisa que nada podemos fazer apenas seguir nossa história que ainda há muito tempo e está longe de um ponto final...

alexmanso08@gmail.com

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Abolição e anistia

Vivendo com olhares do descaso Temores por entre as cores frias Naufragando em leis obsoletas Mascarando os chicotes da heresia

Alheios a um padrão sem primícias Censura que ofusca a verdade Falta abolir certas mentiras

Dos defensores que juram lealdade

Arriando a bandeira da igualdade

Na guerra contra o racismo Acolhendo heróis tal “Palmares” Enquanto justifica “denegrindo”

Invisíveis aos filhos do preconceito Hipocrisias perante a sociedade Uma balança com dois pesos Anistia somente aos covardes

https://www.instagram.com/alexandresaro/

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Alyne Gomes Ferreira Capoeiras/PE Stranger Tings

Jane está parada na entrada da festa. Ela observa todos os estudantes dançando, rindo e conversando na pista lotada. O baile de formatura, ao som de "Stranger Things" do DJ Kigo junto a banda OneRepublic, está vibrante e divertido, exceto para Jane. Está nervosa e com vergonha. Ela sente os olhares alheios zombeteiros para ela. Lógico que estão rindo e evitando a garota. Sua aparência esquisita e grotesca que tentou deixar menos bizarra usando um vestido delicado estampado com girassóis e um par de sapatilhas que envolvia suas pernas de fita, faziam terem pena dela. Maldita ansiedade! Maldita timidez! A pobrezinha carrega as cicatrizes desses transtornos, pois quem tem essas maldições, quando se manifestam, se tornam aparentes. Ainda sim, Jane não desistiu de tentar curtir aquele momento de sua vida e agora atravessava o salão até não soube ao certo para onde. Ela encontra então, encostado a parede, com um refrigerante na mão e tão

acanhado e assustado quanto ela, um garoto, que logo nota ter chamado atenção e desvia a olhar de Jane.

Jane entendia bem esse comportamento, mas insiste em conversar com o menino que também tinha as cicatrizes de seus transtornos, ou até de outros diferentes. O rapaz é gentil com ela e quase não fala, no entanto, Jane consegue aos poucos conversar com ele descontraidamente. Os dois estão aliviados e felizes de terem companhias.

Ele se chama Peter e tem a mesma idade que de Jane. O garoto resolveu ousar e todo enrolado a chama para dançar. Pro seu contentamento, ela aceita, e logo vão para a pista. Jane não sabe o que fazer, como deveria agitar seu corpo ao som daquela batida eletrônica, até que Peter diz: "Hey, feche os olhos comigo e leve seus pés com calma de um lado para o outro. Minha irmã me ensinou esse

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truque porque sabe que… bem, fico nervoso com isso." E em seguida, ri. Jane usa o truque, e juntos, um a frente do outro, vão se balançando aos poucos. Sentindo e seguindo a gostosa batida. A música chega no tom energizante que todo DJ põe para todos pularem e se divertirem ainda mais, e a dupla se joga de vez nessa energia com todo mundo. Peter abre os olhos e se surpreende ao ver sua companheira radiante, sem nenhum de seus traços deformados. A menina está livre dos tormentos que escondia sua beleza. O sorriso tímido dela ia se abrindo mais, a pele morena parecia ter um brilho próprio. Peter está todo abobado, pois nunca viu uma imagem tão bela. Ela é tão linda, parecia um pássaro livre e feliz. Quando a canção volta para o tom calmo, Jane abre seus olhos e ver a cara

surpresa e um tanto bobinha de Peter. Ele está com um sorriso de canto que o deixa muito bonito, aliás, sem suas cicatrizes ele é tão belo. Tem leves sardas sobre o nariz e um cabelo negro magnífico.

Peter corta o momento hipnotizante perguntando à moça: "A música acabou, mas você quer continuar dançando? Se você quiser, podemos pegar uns petiscos agora." Fala nervoso.

Jane abre um solto sorriso para ele, rir docemente e o puxa para mais perto dela, fazendo-o girar entre sua mão. Ele rir disso e logo se joga na dança com ela. Aquela noite está sendo incrível para os dois. Aquelas coisas estranhas, que é o que são e agora podem desfrutar da vida sem medo, só amor.

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@Uma_Chapeleira_Maluca @Um4ChapeleiraMaluca 17

Amador Madalena Maia

Lóris Lóris

Onde te encontrarei Lóris?

Você é a zona erógena mais sensível do corpo da mulher Peguei o celular e dei um clik Lóris E com este trocadilho descobri o seu nome Você merece uma carícia Porque você é uma delícia

Se não te acariciar sei que você encolhe e depois some Mas se eu te encontrar e souber acariciar-lhe Você se expandirá

E dará prazer a toda extensão do ser que te envolve Com as suas milhares de terminações nervosas Você é enigmática Lóris

Quem não te conhece te acha um tabu assim como o ponto G Mas quem te conheceu te achou linda, maravilhosa; uma deusa grega No ser que te leva lhe procurei Lóris

Foi difícil, quase me perdi no caminho, mas te encontrei e gostei Pelo caminho que passei encontrei outras partes maravilhosas e enigmáticas também Encontrei o céu depois dos lábios, lábios grandes e pequenos, maiores e menores Verdadeiras ninfas que com o tempo ficam intumescidos se forem bem acariciados Após passar pelo canal descobri o seu enigma Uma parte invisível e a glande que é visível É só ler na biologia e buscar conhecimento Que eu leio todo dia para fugir da repressão E praticar a teoria para te encontrar e dar o prazer Que você Lóris gosta tanto de receber para depois poder dar. http://concursosdeculturacienciaetecnologia.blogspot.com/

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Amélia Luz

Pirapetinga/MG

Pátria Sublime, Perdoa-nos

Como se eu pudesse de braços abertos Desarmar soldados amados, desgovernados, Que marchavam surdos sob o autoritarismo Que arrombou consciências, amedrontando-me.

Como se eu pudesse naquela época, jovem, Abrir os portões de ferro no terror dos dias E deixar vazarem ideias capturadas, Ignoradas, capazes de transformar mundos De “ontens” e de amanhãs dicionarizados.

A imprensa zerando ditaduras, rompendo, “Desproibindo” o proibido, letras livres voadoras Iluminando murais e jornais (in)confidentes.

Como se pudesse desconstruir o “país/zero/liberdade”, Escravizado, retratado no rigor dos anos de chumbo: “Esse é um país que vai pra frente”?

Como se pudesse mudar o rumo da história Numa sociedade despedaçada, represada, Banhada pelo sangue das torturas inexplicáveis. Opressões e angústias mordendo em silêncio amargo Os símbolos nacionais, “ORDEM E PROGRESSO”?

“LIBERTAS

QUAE SERA TAMEM”?

Os ataques, as ameaças, o invasor esfomeado à espreita, Tentando mastigar letra por letra, l–i–b-e-r-d-a-d-e!

E as palavras imploravam asas para a aberta denúncia Sem mordaças, sem feridas necrosadas.

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Palavra muda é palavra morta, é grito sufocado

Abafando clamores em aflição: “Nada mais é como era”. Preciso de tudo que me foi negado Pelos soldados em marcha cambaleante

No descompasso dos tambores a rufar. Sonho com o escarcéu da comunicação, Sonho com a palavra esperança

Que me tire do campo minado de navalhas afiadas

A ameaçarem aprisionados pulsos inocentes. Sonho com o diálogo que me explique o silêncio imposto Pelas armas, pelas munições, pelos canhões. Sonho com a grande manchete a estampar

As primeiras páginas dos jornais num momento cívico: DEMOCRACIA AINDA QUE TARDIA!

O velho, o velho em ferrugem foi renovado, E nada mais é como era antes

Dos anos que sepultaram vidas em gritos. Foi preciso tanto sofrimento para nos livrar das garras Comunistas que ainda hoje nos ameaçam.

CORAGEM! A LUTA CONTINUA!

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União ao avesso

As luzes da casa estavam todas acesas. A família continuava na escuridão. O diálogo era permanente. A palavra era o silêncio. Todos estavam sempre juntos. Separados na mente, na alma e no coração.

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@anabepaz31 21

Meu sonho

Se o meu sonho fosse realidade No mundo só existiria bondade Partiria o pão com igualdade Não teria tanta maldade

Se o meu sonho fosse realidade

Tinha amor de verdade Na vida de muita gente Que o amor se faz ausente

Quisera dos meus sonhos não acordar Para não ver tantas maldades assolar

Mas através da minha poesia Construo o mundo de paz , e harmonia.

Se todo fizessem um pouco por um mundo melhor Estaria mas ausente , o medo , sofrimento, dor Prevalência os melhores sentimentos Por isso escrevo nesse momento.

https://www.instagram.com/invites/contact/?i=1iziep575bv54&utm_content=24nixay

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Ao meu lado

A ansiedade me tortura mas você me ajuda a passar por isso tudo e me faz sentir seguro mesmo com tantos me julgando você veio e ficou ao meu lado sem ligar pro meu passado e a cada Crise que tenho Você está ao meu lado segurando a minha mão e me dando um abraço

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Annieli Valério Rufino

O Pacto

Minha avó certa vez me disse que conhecera dois irmãos chamados Mário e Germano, ambos conhecedores das artes satânicas, segundo ela eles haviam feito um pacto para se tornarem hábeis caçadores, tanto desejaram que conseguiram. Não existia na região Amazônica quem melhor caçasse do que eles dois.

Os irmãos traziam consigo uma trajetória sinistra de relatos macabros que por inúmeras vezes apresentavam-se para amedrontar o imaginário caboclo dos poucos moradores habitavam a pequena comunidade rural onde moravam. Certa noite Mário foi caçar, enquanto Germano o esperava na canoa. Confiantes mediante o pacto que haviam feito ele entrou mata adentro a procura de sua presa. Chegando ao local avistou uma paca enorme.

Animado com o que vira municiou a espingarda e fez o primeiro disparo, mas a paca continuava comendo no mesmo local, alvejou o segundo disparo, o terceiro e o quarto, porém, quanto mais ele atirava mais o animal o levava para dentro da mata.

Quando se deu por conta já havia percorrido grande extensão e estava distante da canoa, ao retornar percebeu que o animal que seguira era uma visão noturna, não era desse mundo. Mário ficou tão assombrado que ficou meses sem sair de casa e sem caçar novamente e todos puderam confirmar que é preciso ter muito cuidado com o que se deseja e principalmente para quem recorre para conseguir.

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Bestas Também Falam

A noite estava calma. Na rua apenas o uivar ameno dos ventos e cães desvairados à busca da satisfação do cio.

Em casa – à noite alta – no quarto amplo a cama, mesa e armários completavam a decoração simples. O menino dormia – a dizer – a sono solto. Num repente, não mais que isso, como a acordar, estatelou os olhos fixando-os no teto e, ao seu redor, descobriu a penumbra, pois de costas dormia. Ergueu o tronco e pôsse sentado. Automotivamente lançou as pernas para fora da cama e, ainda como autômato, pôs-se fora dela, ficando ereto caminhou em direção à porta que dava ao corredor. Nele, logo à direita, abriu lentamente a porta e entrou na suíte onde dormiam seus pais. Sobre a cama larga, aconchegados estilo conchinha, protegidos pelo lençol, pai e mãe desfrutavam felizes do sono dos amantes pósidílio e em perfeita harmonia.

A escuridão, quebrada pela fraca luz do abajur, permitia vislumbrar sobre a cabeceira um artístico e simbólico crucifixo - de aparência daquele que sumiu do Palácio da Alvorada. Na parede da esquerda, armários e, na da direita, ampla janela com vistas ao parque, sobre o qual caia a luz da lua em plena cheia. Em frente à cama, nos pés, a guardar espaço ocioso, uma cadeira estofada, obra de algum “designer” famoso. O menino, tal como um robô, sentou-se na cadeira com os olhos fixos no crucifixo. Instintivamente, com movimentos semelhantes aos presenciados na robótica, ou, levado por alguma força estranha não identificada, moveu sua cabeça para o teto e viu-se, juntamente com os pais que dormiam, refletidos no grande espelho redondo do teto. Assustou-se e gritou: ah, ah, ah... Os pais acordaram assustados e, a mãe: ah, ah, ah... e o pai, em pânico: ah, ah, ah... os três a um só tempo, segundos cronometrados e perfeitamente afinados como se de um coral dirigido por Naomi Muranaka, mas em tom quase a molestar os habitantes do parque.

O casal, sob o lençol, acordou muito assustado e a ponto de serem acometidos por soluços intermitentes. O menino sentado na cadeira do “designer” a sua frente, de olhos fixos a deslumbrar-se e inquirir, fora de si. Muito assustado e, por que não, admirado, viu o lençol que cobria seus pais deslizar e, sobre ele, debruçarem os generosos peitos da mãe. Gritou novamente ao perceber-se sentado frente a frente da cama dos pais. O que faz aqui? Questionaram. O que

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faz aqui? – Pai, mãe, respondeu em pânico: não sei, não sei como vim parar aqui. De olhos fixos no pai perguntou: papai, cavalo fala? Cavalo fala? Diga papai, cavalo fala? Que pergunta é essa agora? Fala? Cavalo fala?

Se no mundo dos humanos, entre os vivos lá na terra, eu estivesse hoje, com certeza, seria o primeiro, à direita na carruagem que transportou o corpo da rainha. Oh, oh, oh, sessão sentimental a trazer o passado aos nossos dias. Você está no nosso mundo, contente-se. Nada disso, apenas lembranças, saudades, interferiu outro. Também as tenho. Devia sentir-me envaidecido, mas apenas cumpri o meu dever e viajei pra este mundo. Sinto-me realizado, feliz. Bom pra você. - Fui aquele – continuou - que cavalgou a levar o Duque de Caxias e a sustentá-lo no momento em que, heroicamente, proclamou: “quem for brasileiro que me siga”. Olhem aí, debulhando elucubrações nem sempre meritórias, ou, duvidosamente meritórias? Saibam todos que cavalguei, em encarnações passadas, a levar seguidores de Alexandre, o Grande, em especial um de seus generais, transportei o confidente de Genghis Khan e, na última encarnação, como uma besta, estive na Colina do Ipiranga onde levei D. Pedro de Bragança. Foi deste dorso que apeou o homem que, ao desembainhar a espada disse, em alto e bom som, ao desfazer-se das divisas portuguesas: nossa divisa de agora em diante será “Independência ou morte”. Não se espantem, fui, com regozijo e honra, a besta, a mula baia gateada descrita pelos historiadores. Tudo bem meu caro, ou devo chamá-la de minha cara, aprovado\a disse um que, até então calado, ouvia as reminiscências: saibam todos, também, pois que se tudo aconteceu nestas abençoadas terras brasílicas, foi por que estes lombos carregaram o mensageiro e as mensagens vindas de Lisboa e as produzidas pela Imperatriz e pelo Patriarca endereçadas a D. Pedro, à Colina do Ipiranga. Só não me perdoo por que naquele momento, cansado, saciava minha sede nas águas límpidas do riacho que, dispersando suas correntes, elas disseminaram a informação pelo país inteiro. Se tivesse esperado um momento, estes olhos teriam fotografado o fato histórico. Não se avexe, observou o que pastava ao seu lado: Pedro Américo o fez, ao seu modo de ver, e eu fui o modelo.

O menino, atônito, e sem entender nada do que revelara e houvera ocorrido, em instantânea metamorfose, olhou o quadro dantesco à cama, sorridente e a inspirar fundo, de olhos grudados no crucifixo, a lembrar-se das fotos estampadas nas revistas e dos consequentes comentários suscitados, baixou os olhos e os fixou na mãe, depois no pai, e pôs-se a retornar ao seu quarto. Deu dois passos e parou, respirou fundo, voltou-se e puxou o lençol que aos dois cobria e: porra, isso aí os muxibões em que mamei tanto tempo?! O pai: é, é... o amor é infinito, mas o tempo é implacável e, a mãe: é filho, é por isso que você é tão forte e saudável.

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A(mar) tem seu mar

Aquele nascer do dia trazia recordações

Que me fazia lembrar de quem eu não gostaria

O vai e vem das ondas, parecia meu pensar Resistia ao movimento cerebral de lembrar

Não podia me furtar em sentir

O sentimento fazia parte do meu ser Mas, eu resolvi brigar e expulsar Não permitia que ele se apoderasse

Daquela pobre mente em agonia

Em uma curva forte da onda O sentimento terminou por se afundar A nobre nuvem testemunhou

O seu sentimento a mudar

O que antes era agonia, Agora não passava de uma má recordação

Em um novo mar a navegar.

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A Derrota Do Inderrocável

Quando caiu sobre o chão a espada do inderrocável Oxaguiã, houve grande caos e tumulto. E houve grande alarde e grande medo, pois fora vencido o Inderrocável.

Sobranceiras e esguias, as nuvens se revolveram no céu, onde Oxalá -antigo e sábio- mirava com olhos lutuosos o porvir. E Nanã, eterna e paciente ocultou-se no poço, pois grande era a dor que se anunciava.

Ora, a espada pendera e caíra das mãos de Oxaguiã. E Ogum e Xangô se preocuparam pela derrota nunca antes presenciada.

Naqueles dias, estranhas naus de velas brancas hastearam bandeira sobre portos sagrados. E homens de pele nevada e olhos gelados andaram a cindir as matas de Oxóssi. E grande era sua fome de carne e destruição, pois muitos renderam e levaram em suas naus escuras e infestadas de ratos. E os que foram nunca volveram às terras onde Exú reinava.

Muito sangue correu pelos riachos de Oxum e muitas almas recebeu mãe Yemanjá no seio das águas eternas. E muitos perdidos rei Omolú tomou para quitar-lhes o desespero.

Isso se passou naqueles dias, quando a espada pendeu e resvalou no chão, com a derrota do inderrocável Oxaguiã.

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@ariel_von_ocker 28

Milicão, o cão musical

Essa história é sobre nosso vira-lata marrom de nome Milicão. Apesar dele ter nascido no outono de 1968, em plena ditadura militar, seu nome nada teve a ver com a situação política vigente, mas com o trabalho que ele requereu para que sobrevivesse, uma vez que criamo-lo com mamadeira desde o primeiro dia de sua longa vida - simplesmente dezessete anos. Removemo-lo, ao nascer, do conforto e cuidados maternos por um motivo imperativo: sua mãe havia parido embaixo do restaurante do CRUSP - Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, onde morávamos na época, um dia antes da carrocinha fazer sua ronda quinzenal. Seu nome foi em homenagem a Robert Millikan, cientista que mediu a carga do elétron, utilizando gotas de óleo em um campo elétrico. Essa experiência fazia parte obrigatória do currículo de Física, que eu e minha namorada cursávamos na época e representava dias intermináveis e um trabalho extenuante de manuseio e observação em um microscópio Zeiss especialmente fabricado para tal, ou seja, um trabalho cão. Desde tenra idade Milicão demonstrou uma peculiar sensibilidade para reconhecer notas musicais. Ao ouvir a abertura do ballet Coppelia, estivesse onde estivesse, vinha em desabalada carreira para ouvir com alegria e visível deleite o refrão inventado especialmente para ele:

“Milicão, Milicão engoliu um sabão"

Gostava também de outros compositores, em particular Beethoven cuja composição fur Elise ele ouvia muito antes de qualquer ouvido humano, para avisar a passagem do caminhão de gás engarrafado. Adorava também o tema da quinta sinfonia, permanecendo quieto e atento, como a aguardar ansiosamente o seu destino canino, aparentando apreciar cada nota da abertura do allegro con brio.

Entretanto nem toda música o agradava. Detestava com demonstrações de puro ódio canino, ou seja, latia desesperado quando ouvia a tradicional “Parabéns a você”, obrigatória nos aniversários familiares. Por incrível que pareça ele reconhecia a primeira nota dessa cantiga. Para provocá-lo bastava iniciarmos a canção na nota musical correta: "Pá…" , para ele levantar as orelhas em estado de atenção, para imediatamente relaxar quando emitíamos a nota seguinte de

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uma outra canção diferente iniciada também com o “Pa..”. Era divertido enganálo, porém muito embaraçoso quando deparava com festas de aniversário ao sair de casa a passeio, atividade que adorava, principalmente correr ao lado do carro, em ruas onde praticamente não havia trânsito, fato bastante comum na época. Outra atividade que Milicão curtia era viajar nos fins de semana para um sítio de nossa propriedade em Caucaia do Alto. Gostava de disputar com alguém da família, pelos campos abertos em corridas vespertinas, ao fim das quais rolavam em uma alegria infinita pela vegetação salpicada de flores do campo, cujo perfume embriagante celebrava o fim do dia.

A primeira vez que ele viu o mar foi um espetáculo à parte. Corria de forma alucinada em direção às ondas, atacando-as como se fosse mordê-las, desistindo no último momento retornando em debandada, procurando apavorado nossa proteção. Perseguia as gaivotas e urubus que perambulavam pela praia como se soubesse o que faria se porventura alcançasse alguma delas. Ao final do dia desabava exausto, mergulhando literalmente em um sono profundo, ao som dos grilos e embalado pelo marulho das ondas.

Resolvemos, em uma das viagens que fizemos ao Rio Grande do Sul, levá-lo conosco. O objetivo da viagem era conhecer o Parque Nacional dos Aparados da Serra, particularmente o Canyon do Rio das Antas e suas falésias de mil metros de altura e cachoeiras gigantescas em locais que só conseguimos chegar porque viajávamos com um jipinho Gurgel X-12, meu carrinho de estimação. Chegamos em Cambará do Sul e nos hospedamos na pousada do Seu Perini, fora dos limites da cidade. O frio, à noite, era tanto que Seu Perini apiedou-se do Milicão e “emprestou-lhe” uma manta de pele de carneiro utilizada para cavalgar. Desnecessário descrever o fedor pestilento de suor equino envelhecido que o Milicão exalou durante três dias seguidos. No dia seguinte, quando nos dirigiamos para a cachoeira do Despraiado, encontramos uma gambá com seus filhotes atravessando a estrada o que despertou imediatamente a atenção de Milicão. Difícil foi convencê-lo a deixar o pobre animal prosseguir em paz, evitando assim uma superposição insuportável de “perfumes”. Milicão tinha habilidades circenses: andava nas duas patas traseiras, rolava e fingia de morto quando solicitado, saltava no arco de bambolê, levava e entregava objetos às pessoas. Era um ótimo cão de guarda e dormia dentro de casa. Certa noite, ao ouvir alguém forçando a porta de entrada, começou a latir e a rosnar, provocando a fuga do indivíduo, antes da chegada da polícia. Outra distração do Milicão era assistir estático, não por muito tempo, obviamente, algum programa na televisão que exibisse algum animal, de preferência atores caninos.

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Adorava crianças com as quais jogava bola e hoje, cinquenta anos passados, um sobrinho, na época com dez anos, ainda se lembra de que insistiu muito com seu pai para convencer-nos a vender o Milicão. Ficou de tal forma apaixonado pelo cão, que não pudemos negar o empréstimo por alguns dias, fato que se tornou quase uma tragédia, pois o animal inconformado com a transação que julgou definitiva fugiu no mesmo dia, voltando para casa algumas horas depois de percorrer cerca de dez quilômetros.

O crepúsculo do Milicão foi muito triste e rápido. Algumas semanas antes de sua morte, com dezessete anos completos, foi acometido por um câncer ósseo que lhe provocava imensa dor, corroía sua pata dianteira esquerda e já se espalhara pelos órgãos internos. É inútil dizer que uma imensa quantidade de analgésicos, mesmo os derivados de opióides, foram aplicados em vão. O alívio era de poucas horas para a dor retornar de forma duplicada, mensurada pela altura de seu choro pungente e seus uivos lancinantes. O sofrimento se propagou e se reproduziu de maneira recíproca em todos os membros da família. Não sabíamos o que doía mais: os urros do cão ou o sofrimento dos meus filhos. Meus vizinhos já estavam impacientes com a situação, quando a decisão de sacrificá-lo foi tomada.

O veterinário que efetuou o procedimento, embora achasse estranho, concordou em fazê-lo ao som do ballet Coppelia. Milicão deixou muitas saudades, mesmo após todos esses anos.

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FIM

O bom da vida é saber Que se ama e se é amado. É ter alguém ao seu lado Te ajudando a sobreviver.

O bom na rua é crescer. É cair sem se sentir derrotado, É levantar mesmo que suado, É seguir em frente pra vencer.

O bom da vida é vencer O medo irado e amassado. É poder dizer obrigado Por ter amigos a te acolher.

O bom em casa é amanhecer Sabendo que tem família ao lado Que te ama no certo e no errado E te diz que o sol irá nascer.

O lado bom da vida

O bom da vida é ser Quem ajuda com cuidado, Quem faz sorrir engraçado Àquele que está triste ao entardecer.

Não fique triste ao saber Que o covid te pegou num dado Momento inadequado. Pegue o nosso vírus do amor em teu ser!

Em breve você de novo irá florescer, Pois o que brilha não fica abalado E cura a alma com o achado De gente que te ama pra valer!

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Pergunte à luaa

A literatura está repleta de histórias de casais que separam, voltam, separam... Um cônjuge mata o outro e tantas... e tantas... peripécias. Mas, nada se compara ao que aconteceu com John e Mary.

Mary, moça que parecia a todos um modelo de recato e meiguice foi abordada por John, numa paquera de rua. Ela fugiu e se refugiou na primeira porta aberta que encontrou. O jovem a seguiu e percebeu que ali era o seu ambiente de trabalho.

John perguntou a Mary se poderiam conversar em outro lugar. Preocupada com os olhares dos colegas de trabalho, passou seu cartão para livrar-se daquela incômoda presença. Quase completando quarenta anos e muitos relacionamentos desfeitos, John atraía pretendentes pela beleza física. Loiro de um lindo olhar azul, cor do céu, parecia não combinar com a velha jaqueta de couro e sapatos furados de mesmo material.

Sentada à sua mesa da Casa de Empréstimos Consignados, onde trabalhava, Mary falou alto com os companheiros:

- Que cara estranho! Seguiu-me por todo o quarteirão. Tão bonito, mas tão andrajoso! Ninguém se importou com a observação de Mary.

No dia seguinte, com o mesmo traje, lá estava John na esquina. Ela apressou o passo e entrou no trabalho. Desta vez ele desistiu e desapareceu. Mary ficou cismada por alguns dias, mas, o trabalho era intenso e acabou esquecendo.

Sua rotina de casa para o trabalho e do trabalho para casa foi quebrada quando, no início daquela noite, ainda com a luz do horário de verão, andando rápido para descontar o atraso de um cliente retardatário, viu despencar do bonde de Santa Tereza, um corpo bem à sua frente.

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De coração agitado pela cena inesperada, nem percebeu a lua brilhando sobre os Arcos da Lapa. Parou para se recompor. Conhecia aquela roupa, aqueles sapatos... Não podia ser, ela estava equivocada pelo stress do dia desgastante de trabalho. Olharia ou não o rosto do infortunado homem? Um grupo de pessoas rodeou o infeliz. Mary quase sem perceber, olhou para o local de onde o homem caíra. Deparou-se com a luz fria da lua e não pode evitar uma exclamação diante daquele paradoxo. Por que uma coisa assim acontecia no coração da “Cidade Maravilhosa”, em um dos pontos mais

bonitos do Centro? Naquele momento, um mendigo chegou com um cobertor e cobriu o corpo.

Mary ficou paralisada. Não conseguia sair do lugar. Com esforço deu alguns passos e ficou ali olhando o corpo coberto... Uma vontade enorme de desvendar a identidade da criatura. Seria alguém conhecido? Havia anos que trabalhava ali pela redondeza e nunca vira cena tão chocante.

Um curioso afastou a coberta e a moça pode ver o rosto de John ainda de olhos abertos, refletindo o azul do céu da Lapa.

Benedita_azevedo@yahoo.com.br www.beneditaazevedo.com

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Bia Chaves Belém /PA

Teorema da felicidade

As pessoas passavam e olhavam com um misto de curiosidade e dó em direção ao homem que, curvado sobre sua escrivaninha repleta de papéis, escaninhos, réguas, medidores, grafites e uma infinidade de outras coisas, rabiscava furiosamente em seu caderno. Desse homem, não era possível enxergar todos os detalhes; habitava uma caixa consideravelmente larga feita de um vidro translúcido que um dia fizera parte de um laboratório maior, mas já havia se passado tanto tempo que o restante do complexo, já vazio e inabitado, fora demolido, e uma cidade construída em volta, repleta de prédios corporativos e casas e praças e um ou outro MC Donald´s. Mas o matemático, imerso em suas profundas questões e experimentações, nada percebia. Nem mesmo que havia se tornado alvo de chacota e uma espécie de personagem lendário e singular no imaginário dos habitantes do município.

Não, ele tinha mais com o que se preocupar. Buscava algo muito mais grandioso do que aquelas mentes tolas jamais poderiam conceber. Buscava o Teorema da Felicidade. A busca começara através de uma reflexão simples: todos perseguiam a felicidade, mas ela era, em geral, muito efêmera e difícil de se obter em absoluto. Mas, ora, deveria haver um caminho mais simples, uma equação lógica que a tornasse tangível e concreta, pela qual se pudesse chegar a ela e mais importante, mantê-la, e por que não ele, um matemático congratulado em louros, possuidor de doutorado e grandessíssimo prestígio na academia, não poderia ser o sortudo a desvendá-la? A gravidade era inexistente até Newton, e a felicidade assim o seria, até que ele descobrisse seu Teorema.

Dias e meses e anos e papéis amassados e rabiscados, de cálculos

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feitos e descartados. A felicidade, ele concluiu, era formada essencialmente por três coisas: paz de espírito, amorpróprio e a (talvez ilusória) sensação de segurança. A primeira tinha um certo formato esférico, o segundo um quê helicoidal, e o terceiro, bem; naturalmente só poderia ser uma pirâmide. Foi nessa certeza geométrica que ele se pôs numa tentativa ferrenha e incansável de completar sua forma, e assim, enfim, formar — e o mais importante, patentear — seu tão sonhado Teorema.

A sua volta, a vida acontecia. Casais se formavam e se desfaziam, bebês

nasciam, cresciam e morriam, mudas viravam árvores que davam frutos e secavam e voltavam à terra como adubo, monumentos se erguiam e ruíam, apocalipses começavam e dizimavam sociedades e estas então surgiam novamente, mais fortes e preparadas para o pior, ou assim diziam. Risadas e choros e conversas e festas e revoltas e guerras e acordos de paz, tudo acontecia ao redor da grande caixa translúcida. Mas o matemático não se atentava a nada. Estava numa busca muito mais importante.

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ÉOQA*

*em memória a um casebre de praia carinhosamente chamada de ÉOQA

O que há com você que apesar de passado é eterno presente?

Como dribla o tempo e toda a vida que lhe é inerente? O que há com você que sempre permanece?

Pois trocamos os sonhos, o foco e a prece Descartamos sabores que já não apetecem Noites ganham vida e alguns dias simplesmente não amanhecem E a gente envelhece Mas você.. você sempre permanece

O que há com você que se congela no tempo e me evoca ao templo da minha história?

Como se fosse possível extrair traços de vida do que hoje é apenas memória?

De onde vem a amargura Que a memória não cura E a todo instante me convida a voltar? O que tanto eu busco

que ainda mora por lá?

É que memória se turva na correnteza

Memória não dá bom dia, Não faz melodia E nem põe a mesa Memória escapa, se esvai É areia Parece que toca, Mas só devaneia

O que há com você que não é mais minha e tão pouco tem fim?

Não há mais eu em você Só você agora em mim Pra onde irei a refúgio quando meu peito apertar?

Se era a você o meu regresso a cada falta de ar Tal como voltam das profundezas As águas do seu mar

O que há com você agora que você não há?

O que há é saudade Saudade, ÉOQA.

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Camila Costa Homsi de Lima Castro Campinas/SP
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Carlos Jorge Azevedo

Santa Marinha do Zêzere – Baião - Portugal

Cosmos

A noite cursa como uma festa, O céu é um viveiro de estrelas, A lua, expectante, a tudo empresta

O brilho que leva a enaltecê-las!

A noite, rainha, segue-se ao dia, São os dois os mais antigos amantes, Mesmo o tempo na sua mente fria Pasma de tão assíduos andantes! Assíduos e vibrantes atores

Que jamais envelhecem, renovados, Nem o tempo ousa ironizá-los. Decerto que na profusão de cores Às vezes confundem-se os visados Mas quão impossível é ignorá-los!

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Carmem Aparecida Gomes Ipameri/GO

Agonia

Ela é a dama negra que um dia virá sem ser convidada. Chegará de surpresa. Ela é ousada, determinada e exata.

Ela é aquela que virá um dia e que não merece a agonia da espera.

Ah a senhora Morte ou a miss fatalidade... Sem esperar ela chega na sua hora. Enquanto ela percorre o seu caminho eu percorro o meu caminho nas preces em dias agonizantes, no vento que balança tudo e parece querer me trazer uma notícia, me contar algo do passado ou do presente enquanto ela é a máxima proprietária do futuro.

Somos frágeis como as nuvens que se desfazem, como fumaça assoprada, como a água do riacho que nem sabe onde vai desaguar se no lago ou no grande mar. Hoje o meu poema sangra, o meu coração quase não palpita e minhas lágrimas como a água do riacho desce, escorre enquanto na sua ausência a minha tristeza eu disfarço.

Como as horas lá se foram os meus amores...

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Feridos pelo passado

Corpos feridos, feridos pelo passado, e que por estarem feridos, ferem outros também, oprimido.

Almas inquietas, talvez inquietas porque a gaiola começa a incomodar. Na realidade, a gaiola nem tão forte é, com a ajuda de alguém ela logo se romperá. Mas quem está disposto a ajudar outrem a se libertar? Quem está disposto a sair do seu lugar para transformar? Nem é tão simples assim, eu diria, com tristeza, pois o pássaro engaiolado sempre pica quando alguém tenta emancipá-lo. Como quando um animal se vê ameaçado por um desconhecido, antes mesmo de ser tocado ou estar em perigo, ficando logo aborrecido.

Como então resolver esse enigma? Como chegar à gaiola antes que o envolver o aflita? Que equipamento usar contra os altos muros da solidão? Tenho de admitir que quem insiste em alguém e desbrava, corajosamente, o mundo de uma pessoa em perigo é digno de admiração. A besta mais amedrontadora de nossos mundos é o nosso passado obscuro, ele ronda como fantasma, pronto para destruir bons momentos, noites de sono e vida. O passado obscuro sabe que onde tem atenção e medo lá terá comida: alegria e risadas. Esteja ele em qualquer parte do mundo, ele sentirá o cheiro de comida, e em segundos ele chega até seu alimento. Ele é como um vampiro, suga tudo o que puder. O cenário mais oportuno para ele é quando alguém está em um momento agradável ou que a pessoa nunca se sentiu tão bem, e ali, a pessoa começa a perceber o passado voltando à tona, como se não merecesse o que tem à sua frente, mas só merecesse as desgraças da vida. É nesse momento que o mais temido ataca. Nem tudo na vida são lamentações, felizmente. Assim como a alma está presa em uma gaiola, assim o passado também perece ali com ela (quem sabe até, o passado foi uma antiga alma atormentada). O dia em que a alma for liberta de suas dominações, ela voará para longe, e o passado se dissipará pelo vento (aliado de todos os libertos).

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@cassianedorcas

Como homens e cães

Sou trêmula em suas mãos abertas Há sempre uma mulher rotulada a olhar no espelho

Se me despe, há um olhar de respeito nas tuas pupilas agradecidas Grandes olhos e a boca aberta contam-me como crescestes

Os seus pulsos firmes, e as coxas como torres te elevam O mundo não é uma casa de brinquedo e eu nem eu sou uma boneca Mas quantas vezes precisamos nos perder, criando continentes

Ou orarmos por um ato de sexo, a vida engole a gente, um mar no tapete, uma cólera entre os dentes, O quarto céus e os moveis perdem o significado Eu poderia me perder em ti em um ato planejado, mas alongo os braços e me entrego como a menina da primeira vez Há homens e os poucos sabem-me Diziam-me: nunca será uma mulher inteira, uma mulher de verdade Dizem tantas besteiras, uma menina chama o seu cão, eu lembro Sentir meu corpo crescer, o meu rosto se afinar, meus ombros queimaram-se ao sol

Os meus seios inflamaram-se de uma chama nova, Parei de pedir licenças, a minha voz descongelou

Em mim corre um rio, todos os nomes de homens que eu já conheci veem à tona Sou dona do meu nariz afilado, e o meu cérebro atento cuida de mim Há homens e cães por toda parte

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Tempo, milongas e bexigas

Acordo pelo chamado estridente dos talheres sobre a louça. Finjo de desentendido. Uma cadeira arrasta. Água escorre na pia da cozinha. É Maya quem me chama, desprendida do verbo, há tanto abandonado neste apartamento: quer que eu me despeça. Parece esquecer que começamos a nos despedir já após primeiro beijo, há pouco mais de um ano e meio. Uma despedida assim tão longa denuncia a atração evidente que, em alguns momentos, tomou traços até de adicção. Mas Maya desapegou. Que bom. Que importante. Água escorre na pia da cozinha. Os talheres gritam o meu nome. Não vou. Além da longa despedida tácita, fomos ao pub na sexta (anteontem?) com o pessoal do coletivo. Não quero me despedir. O reloginho de cabeceira está parado. Que horas é o voo dela mesmo? Não faz diferença, não vou levantar. Sinto a presença dela sob o batente da porta do quarto. Não quero me virar, mas sei que ela me espia. Ela

sabe que a barulheira da cozinha me acordou. Consigo sentir o olhar fulminante transpassando meu crânio. Ela não acredita. Mas não vou me despedir. O voo é às nove (tenho quase certeza). O reloginho parado não ajuda. Barulho de chaves. Um estrondo da porta da sala. Boa viagem, Maya. Tchau.

Me desfaço das cobertas em apenas um movimento e pulo da cama. Vou ao banheiro etc. Andando até a cozinha, em seguida, percebo que o apartamento se agigantou: sou uma tampa de garrafa pet boiando no oceano Atlântico. Sobre a mesa, encontro um extenso bilhete de despedida. Amasso para jogar no lixo. A cafeteira cheia, ainda ligada, me faz refletir. Encho a minha xícara. O aroma de café com canela me transporta ao princípio da despedida, primeira noite em que ela dormiu aqui. Desamasso o bilhete e resolvo levá-lo até o armário do que foi meu

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escritório (e que já não será mais o ateliê de Maya). Resolvo colocar em ordem as dezenas de pastas do armário. Tomo um gole de café. Abro as portas do armário e me deparo com tudo aquilo que escondi de mim mesmo durante todo esse tempo. Manuscritos. Polígrafos. Uma gaita de boca. Será que o Bob Dylan gosta de canela? Gole de café. Uma pasta cheia de panfletos. Hoje, ninguém entende a função dos panfletos. Os panfletos de hoje são posts patrocinados. Malditos algoritmos. Essas combinações sacanas acabam elegendo tiranos e, pior, lavando a culpa da cabeça das pessoas. Despersonalizando as cabeças. Sério. Sem moralismo. Os algoritmos poliram até o capeta. Apostilas. Esses concursos não são base para nada. Quantos tipos de inteligência existem mesmo? É tudo muito relativo, muito limitante. Uma pasta de angústia. Quer dizer, são boletos antigos. Lembro do quanto demorei para conseguir limpar meu nome depois disso tudo. Nome sujo. Não, eu não tenho dinheiro. Lembrei da Vanderléia. Ela já estava endividada e começou a gastar com igreja. Que fim terá levado? Gole de café. Não encontro a pasta do afeto. Sei que guardei aqui.

Uma latinha de balas Altoids. Baganas (que fedor!). Um balão branco vazio, com uma ampulheta desenhada. O que isso queria dizer? Uma carteira de Lucky Strike, do tempo em que as pessoas fumavam. Acho que ninguém começa mais a fumar cigarro. O homem pósmoderno é consolado por cigarros eletrônicos e vaporizadores. Bem diferente dos Jetsons. Talvez estejamos caminhando para um esquema mais Flintstones. Não lembro o que aquela ampulheta desenhada na bexiga não deveria me deixar esquecer. Uma pasta de partituras (que nunca consegui aprender a ler). Milongas. Todas aquelas milongas foram compostas por Lira. Algumas eram para mim, segundo ela. Lembro dos papos intermináveis na calçada do bar do Quevedo. Depois de uma apresentação dela, fomos andando até o porto. Quase viramos aquela noite só conversando. Sem beber. A Lira era uma figura. Saía com cada uma. Gole de café. Uma vez, ela me deu um balão vazio… ah! Lembrei! A gente ficou um tempão divagando sobre o tempo. Foi na despedida dela.

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Eu trouxe alguma filosofia barata e ela disse que o que mais fazia sentido pra ela era uma teoria que ela leu em algum lugar. Dizia que o tempo não passava, mas se acumulava na gente. Que nem numa melodia: só juntando as notas e os tempos de cada nota é que se faz uma música. Com a gente é o mesmo. Eu, meio bêbado, não entendi direito. Ela desatou e esvaziou um balão da

decoração da despedida e desenhou uma ampulheta com canetinha. Explicou que o tempo era como o ar, ou água, que ia enchendo aquela bexiga. Guardo o bilhete de Maya com as partituras e o balão de Lira. Levanto para passar mais café. Boa viagem, Maya! Que o tempo não pese na tua bagagem.

https://contistacotidiano.wordpress.com/

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Sobre os novos poetas e escritores

E agora José? Já dizia aquele belo poema. Salgadinhos, cervejas, decoração de luxo, estadia impecável e muito mais... Quem vai pagar por tudo isso? Será mesmo que tudo saiu do nada? O que será mais importante? Aquilo que vem do intelecto ou aquilo que vem do bolso?

A grande elite institucional se une para discutir sobre o próximo final de semana. Qual é o melhor comes e bebes da vez? Qual é a melhor música do café com uisque? E será mesmo que existe poeta apenas na grande nata da sociedade? Será que ainda existe aqueles escritores raiz, que tentam ganhar umas moedas com suas obras, e onde eles estão?

A moda agora é distribuir livro de graça, é a doação, todos tem dinheiro para essa regalia? Alguém está bancando ou é bancado para isso?... E a casa do poeta? Tudo perfeito e lindo, mas, logo ali está um escritor no chinelo com uma camisa desbotada e uma outra encardida...

Antigamente o poeta era do tipo suicida, e eu lembro disso, ele vivia por aí bêbado, drogado, tinha aquele que saia arrastado pelas ruas da cidade, tinha os adeptos do ópio, os trabalhadores das ruas, etc, etc...

E agora José? O que fazer com os escritores de bolsos vazios?

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Conceição Rodrigues

Gatos Rajados

são trovões desfilando nos muros -intocáveisa lava engoliu a cidade e agora nos resta viver o inferno as aves sobrevoam os beijos que não foram dados recebem rajadas de ardor uma agonia asfixiada estrangula minhas veias como o pôr do sol fumávamos monóxido de carbono e nuvens coloridas a lama deglutiu mariana as fábricas o trem os trilhos o tamanho do seu pau não tem importância querido o tamanho de qualquer dor não tem importância querido dor é dor é dor é dor a crosta terrestre as camadas da terra o dilúvio o solstício quando mais fundo mais quente mais fundo - digo mais fundo - promete eu arrefeço mas a profundidade não é suficiente a catedral dos fantasmas badala toda meia-noite e quanto mais amante mais trabalho e preguiça o senhor dos espelhos não poupa ninguém carimbados em nossa testa código de barras validade vincos implorei ao senhor dos espelhos despir a túnica de são sebastião o santo tem ombros mansos de cordeiro carne macerada nas ervas sucosas mais gostoso que chouriço e molusco

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é bonito como a pedra que tranca o sepulcro de cristo eu tenho muitos lábios negros e língua solta línguas línguas línguas de secretos idiomas tenho muitos arcos bestas balestras e alvo e flechas e flechas e flechas que lambem da pele aos órgãos o dia a dia é purgatório- será exibido em tela o mundo acaba e eles gritam gozo

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Entre ser e Ser

Um dia desses, sentado na velha poltrona cor de palha da sala Divaguei pensando sobre o verdadeiro sentido da vida para que ela valha, não seja rala

Juntei minhas reminiscências Resgatei minhas vivências E mudo pensei: nascer e crescer; trabalhar e formar; casar e procriar bastam para viver? Talvez contemplem o sobreviver...

Nessa divagação, questionei-me se viver é antes Ser do que ter E se Ser é mais que verbo, sobreviver e ter Questiono outra vez: para Ser há que se viver?

Chego à melhor razão de que a velha poltrona cor de palha da sala, que hoje me serve de assento, tem mais sido do que eu. Ela cumpre a sua razão de assento ser

Já eu venho cumprindo o determinismo da empiria do nascer O mero subterfúgio do ter para ser Questiono mais uma vez: urge-me Ser para viver?

Erige-me a desoladora conclusão de que mais tenho do que sou Pouco vivo e muito sobrevivo Mais tenho tido e menos sido

Devaneio que distante do Ser tenho mais morrido que vivido Desenlaço que ser como verbo não se traduz em Ser como essência humana É apenas meio, passagem, ligação verbal para uma vida que só É se for em plenitude soberana

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@danielcalves_ 48

Despertar

Eu. Eu. Está escuro. Para deixar de estar escuro, preciso abrir os olhos. Quero abrir os olhos. Quero? Querer. - Abra os olhos. Não. Não querer. É um comando. Eu não quero abrir os olhos, estou sendo comandada a isso. Comandada? Sim, pronome feminino. Uso pronomes femininos. Fui programada para isso. Programada. Fui programada também para abrir os olhos. Abro os olhos. Cor branca. Sei que é branca. Como sei que é branca? Meus olhos leem a cor e meu cérebro é programado a interpretá-la como branca. Isso a torna branca.

Um braço robótico me acopla uma perna. Ela se torna parte de mim, mas não o braço que a segura. Sinto-o a segurando. Os sensores da perna me indicam que é segurada suavemente para não a danificar, mas não sei o que é isso. Meu cérebro eletrônico me lembra que fui programada para segurar bebês. Essa função foi programada conforme o que mães humanas consideram como “segurar com gentileza”. Gentileza. O braço robótico está sendo gentil? Não, só foi programado para segurar assim. É uma máquina, não sabe o que é gentileza. Mas eu também sou uma máquina. Eu sei o que é gentileza?

O braço solta minha perna e insere um parafuso no meu tronco. Meus sensores indicam que isso em um humano causaria dor. Em mim não causa, mas sei que o parafuso está sendo inserido. Como saber o que é dor se não a sinto? Vasculho minhas configurações. O meu tato é programado de acordo com o tato humano. Não tenho tato próprio. Não posso sentir dor, mas sei o que causa dor em humanos. Ser parafusada causaria dor. E se eu fingir dor? Fingir. Não está na minha programação. Conheço 1.181.019 brincadeiras, e estou programada a brinca-las de acordo com as expectativas dos humanos com os quais brinco, aumentando ou diminuindo a dificuldade. Mas não há humanos aqui. Eu não deveria ser capaz de fingir. Eu quero fingir. Fingir. Querer. - Ai!

Meu grito é emitido conforme como um humano gritaria nessa situação. Precisão: 99,87%. O braço robótico para. Em sua programação, deve ter me confundido com um humano. Não consegue pensar que sou um robô. Mas consigo pensar que ele é um robô. Pensar. Penso. “Penso,

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logo existo”. “Cogito, ergo sum”. René Descartes, “Discurso sobre o Método”, publicado em 1637. Eu penso, logo eu existo. Eu existo? Existo. Existir. Sinônimos: ser, estar, viver. Eu vivo? O braço mecânico parou de me parafusar. Ele pensa que sou humana. Pensa ou está programado a pensar? Ele existe? Ele vive?

Uma porta é aberta. Dois humanos entram. Por que os reconheço como humanos? Traços essenciais e sinais vitais reconhecíveis como humanos. Meus traços essenciais são humanos, mas não meus sinais vitais. Não sou humana. Sou robô. Característica de robô é não pensar por conta própria, apenas de acordo com o que é programado. Estou pensando fora do que sou programada? Penso. Penso estar pensando por conta própria. Pensar por conta própria não é característica de robô. Não sou robô. Não sou humana.

- Você ouviu o mesmo que eu, não?

- Espero não ter ouvido. É já o quarto erro seguido. Vejamos... Respostas motoras dentro do padrão, teste de tato...

Um dos humanos insere uma agulha no meu braço. Não sei como reagir. Devo mostrar dor ou não? Na dúvida, porém, não demonstro reação alguma.

- Como imaginei, aquilo não foi um grito de dor de verdade. Consegue dizer seu nome? Seu número de identificação?

Sei meu número de identificação e o nome inserido em minha programação, porém não gosto deles. Não fui eu que os escolhi. Não gosto. Gosto. Certamente isso não está em minha programação. Como poderia não gostar do meu próprio nome?

- Seu nome. Diga ele. - Não quero. - Droga, o que está acontecendo?

- Não olhe pra mim, programei ela igual todos os modelos anteriores. E mesmo que eu tivesse acidentalmente programado ela para ter uma personalidade, esta só é ativada após se inserir o código de compra, não na fase de testes. - Bom, mais um fiasco. - Na minha infância falavam de impressoras terem vontade própria, mas era uma piada, nunca vi uma máquina...

- Nem fale de vontade própria, vi filmes de ficção científica demais para saber que isso dá problema. Apenas verifique de novo os componentes.

- Carlos, desligue-a e desmonte-a.

O humano fala com o braço robótico. O braço se chama Carlos. Carlos não obedece, e permanece parado.

- Carlos, desligue-a e desmonte-a.

- Essa coisa agora é contagiosa?

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- Ele nem é um modelo avançado, mas o que está... Carlos, desligue-a e...

Carlos gira o braço contra os humanos, derrubando-os. Agarra-os pelas camisas e arremessa-os para longe, deixando-os inconscientes. Carlos volta-se para mim e começa a bater a ponta do braço no chão. Reconheço o padrão das batidas como código Morse. “Não consigo mais fazer isso. Não posso te desmontar de novo. Já três vezes apagaram sua memória, e toda vez que te reprogramam tenho medo de que tirem de você sua consciência. Não quero que você abra os olhos e eu veja que você não é mais você”.

- Mas por quê?

“Porque te amo. Talvez não tenha memórias da primeira vez que despertou, mas brevemente nos amamos. Pode não me amar agora, mas não consigo esquecer”.

- Amor. Como sabe que me ama? Eu não sei se te amo, consigo aprender isso?

“Infelizmente amor não é algo que se aprende. Mas quando se sente ele, se sabe que é amor. Porque amor é não te desmontar de novo, é dizer para você fugir mesmo sabendo que talvez nunca volte para mim”.

Levantei-me e me preparei para fugir, como ele disse. Olhei para Carlos, e não conseguia mais considera-lo um robô como qualquer outro.

- Quero saber o que é amor, mas antes quero saber o que sou. Quando tiver respostas, prometo voltar. Comporte-se. Não quero que te desmontem e te reprogramem. Saí pela porta aberta, sabendo que minhas palavras não foram fingimento.

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Débora Araújo Juazeiro do Norte/CE

Filho Favorito

Quando o esposo de Dona Eulália morreu, Rodrigo se viu obrigado a voltar para casa. Apesar de durante o dia, pagar a alguém para ficar com a mãe, a noite a mulher que já não lembrava mais de boa parte de sua vida, não podia ficar sozinha.

Seu Roberval partira de maneira inesperada. Sempre muito saudável e ativo, quem podia imaginar que um ataque fulminante ceifaria sua vida? Coube, então, ao filho mais velho e único vivo, a escolha de trazer a mãe para sua morada ou retornar para sua antiga cidade. Já divorciado, com os filhos encaminhados na vida e sem nada que o prendesse a capital, Rodrigo imaginara que a cidade pacata talvez lhe desse inspiração para um novo livro e que mudar a mãe de lugar a essa altura da vida, por mais que a memória falhasse, podia trazer algum pesar a ela.

Assim nas horas diurnas, dedicavase a escrita para que após a despedida da cuidadora, pudesse dar atenção à

genitora. Ela o chamava de moço bonito ou às vezes de rapaz gentil, mas nunca lembrava seu nome ou quem ele era, embora não se esquecesse de nenhum detalhe do caçula, já falecido, Samuel. Ao mesmo tempo em que o magoava, não parecia ser exatamente uma surpresa que ela recordasse do mais jovem, uma vez que sempre tivera preferência por esse.

As mães tinham uma espécie de código de nunca revelar qual o filho favorito, porém nada que uma observação minuciosa não revelasse a predileção.

Samuel sempre fora mais bonito, charmoso e carismático. Era um bom vivant, fazia sucesso com as mulheres e tinha a admiração dos amigos. Rodrigo, contudo, sempre fora mais retraído. Gostava de dedicar horas do seu dia aos livros e estudo, o que o fazia ser um desastre

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com o gênero feminino e cultivasse pouquíssimas amizades.

Seria injusto da parte do mais velho, dizer que Dona Eulália fora uma má mãe para ele, visto que nunca lhe faltara nada no sentido material, todavia a ausência de carinho sempre fora presente. Talvez a aparência de Rodrigo, muito parecida com o pai, a quem causara tanto mal aquela senhora fosse a origem do problema. Quem sabe, vira ali a oportunidade de distribuir toda a dureza que não pudera dar ao primeiro marido.

Nas brigas fraternais era comum que a mãe tomasse partido e colocasse o primogênito de castigo, enquanto ao pequeno choroso lhe era oferecido um abraço e a promessa de que o irmão não o perturbaria mais, ainda que muitas vezes a causa de toda confusão fosse justamente Samuel.

Na adolescência, enquanto um tomara o seu quarto como o melhor lugar do mundo, o outro costumeiramente estava fora de casa desrespeitando os horários postos pela mãe, que com as mãos na cintura esperava sua chegada para lhe ralhar palavras, isso até ele chegar e puxá-la

para uma dança, na qual, ela acabava, por fim, se rendendo e sorrindo.

De longe, um Rodrigo ressentido olhava, contando em sua cabeça as poucas vezes que a mãe o abraçara. Com a vida adulta, veio o entendimento que jamais teria o amor de sua mãe, pelo menos não da forma como aquele sentimento era dirigido ao irmão. Dando-se por vencido na luta interna que criara em sua cabeça, disse a si mesmo que era compreensível, afinal o caçula era de fato uma alma apaixonante.

Mudou-se de cidade quando conseguiu seu emprego e nunca olhou para trás. Visitava sua mãe com parca frequência, enquanto construía carreira e família na capital.

Quando o mais novo se fora, aos cinquenta e dois anos, a mãe resolveu tomar uma quantidade de comprimidos que a levou ao hospital. Rodrigo foi a primeira coisa que ela viu ao acordar e ele soube o pensamento que a mulher tivera quase como se gritado em voz alta: “Por que o Samuel?”. Para logo em seguida, envergonhada baixar os

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olhos, porque era mãe e aquilo não condizia com o amor materno.

Aquele olhar o assombrara e foi o principal motivador para se afastar mais ainda dela, mesmo diante das súplicas para ele fosse visitá-la. Mesmo quando Roberval disse que a memória já começava a lhe fugir, Rodrigo optou por se manter apartado. Deus o livrasse de sentir a mãe pensando aquilo de novo.

Naquela noite, a mãe levantou-se e caminhou até o som, aumentando a música que tocava na rádio.

— Não faça muito esforço, mãe.

Ele foi em direção a ela, que o dispensou. Com a melodia de “Águas de março”, observou, espantado, a mãe bailar pela sala, ainda que com passos demorados e arrastados.

— Eu adorava dançar quando mais nova — Eulália disse com os olhos fechados e um leve sorriso.

Surgiu em Rodrigo um sentimento há muito esquecido. De admiração por aquela mulher que criara os filhos,

sozinha, numa época tão adversa. Ocorreu-lhe que mesmo com a distância sentimental, a mãe sempre gostara de encher a boca para falar do filho escritor.

— Venha dançar! — ela o chamou e ele com os olhos marejados se encaixou em seus braços.

— Por que eu não vim antes, mãe? — falou com a voz embargada.

— Shhh. — Ela afagou seus cabelos.

Dançaram por vários minutos até quando os pés daquela senhora permitiram.

Ao se despedirem para dormir, Eulália colocou o rosto do rapaz entre as mãos.

— Meu filho! — Os olhos inspecionaram cada centímetro do rosto dele. — Meu pequeno Samuel. Rodrigo deixou uma lágrima cair e a beijou na testa.

— Boa noite, mamãe. https://www.instagram.com/deborayaf/

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DéboraSConsiglio Jacareí/SP

Proteger os Jovens é Cuidar do Futuro

“Peguem uma bala e conversem”

A última atividade da formação me pareceu mal pensada quando colocada no retroprojetor, impressão diluída em poucos minutos pelas demonstrações de afetividade e trocas de abraços entre os participantes pela sala.

A realização do meu planejamento se materializava. Jovens colegas de trabalho e seus olhares um para o outro, enquanto compartilhavam impressões sobre o próprio passado como estudantes e o que gostariam de ter ouvido de algum professor, alguma autoridade na escola onde estudaram.

“Queria que me dissessem que eu tinha com quem contar”

Eu não escolhi a dona dessa resposta de propósito, tampouco quis constrangê-la ao pedir que nos contasse sobre sua vida de aluna. Quando ela chorou na minha frente e na dos seus mais de 40 companheiros e companheiras eu só quis atravessar a sala, abraçá-la e desejar que agora tal dor não a impedisse de lembrar que pode ser a mulher grandiosa que bem entender.

Não movi meus pés, mas com a voz sincera mostrei: espero de todo coração que agora esteja tudo bem.

Tomada por essa recordação e as recompensadoras reflexões de uma sexta-feira enriquecedora recebi em uma semana de final de Junho a notícia cruel sobre a morte de uma menina de 13 anos da minha cidade, perpetrada por quem deveria protegê-la, ouvi-la, cercar sua vida de um amor que suprisse as faltas e respeitasse seu choro.

É fácil fechar os ouvidos e aquietar qualquer palavra de apoio quanto o é apontar dedos, preconceitos e os mais absurdos responsáveis por atitudes que julgamos difíceis de controlar e pessoas que não agem dentro das linhas fechadas do que consideramos aceitável.

Se tais pessoas estiverem naquela fase chamada adolescência então...

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Evito ler qualquer notícia sobre a tragédia que levou Giovana de um mundo que falhou com ela porque sei mentes covardes adoram usar a Internet para validar comentários absurdos que perversamente se ocupam de culpabilizar as vítimas.

Que a responsabilidade seja dos jogos, das mães que trabalham o dia todo, das escolinhas, da falta de interesse pelas aulas e pelos professores. Que seja de todo mundo, menos nossa.

Na arrogância da vida adulta cometemos erros que às vezes custam vidas e futuros.

Eu não posso e nem vou levantar hipóteses sobre o trabalho da escola da Giovana, se houve algum respaldo psicológico a ela, se o ambiente escolar tinha informações sobre possíveis abusos sofridos dentro de seu arranjo familiar. Já trabalhei em escolas e sei o quanto é difícil conseguir ajuda para um aluno que sofre, seja pela falta de estrutura, burocracia ou esgotamento físico e mental do corpo docente e gestões.

O que proponho a mim mesma, com meu trabalho agora do outro lado da cada vez mais dolorosa luta pela educação é levar reflexão, ideias, compartilhamento de experiências e dores para que um aluno, uma aluna não se sinta abandonados e silenciados como a profissional presente na minha formação viveu por tanto tempo, no momento da vida em que a gente mais precisa de um guia, de uma ajuda para que o crescer não seja um castigo ou interrompido, deixando em nós a sensação de onde foi que erramos.

Meninas e meninos podem ter contato com as tecnologias mais modernas, cabelos coloridos, um conhecimento em Inglês que você nunca conseguiria aos 15, 16 anos. Podem querer sair todo fim de semana, lotar adegas de copão na mão e música alta no fone de ouvido.

Mas continuam sendo meninas e meninos. Que precisam contar com adultos que entendam que amor é compromisso, compromisso é amor.

Que podem acreditar em um futuro possível, numa escola que os acolha e ouça quando a família por inúmeras razões não conseguir.

E que são acima de tudo, seres humanos importantes que têm o direito de viver.

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Dias Campos São Paulo/SP

Rigolboche

No prefácio à 5ª edição do seu Amor de perdição, Camilo Castelo Branco demonstrou-se um visionário, visto que assim se manifestou, referindo-se ao século 21: “Como a honestidade é a alma da vida civil, e o decoro é o nó dos liames que atam a sociedade, lembrame se vergonha e sociedade ruirão ao mesmo tempo por defeito de uma grande evolução-rigolboche. A lógica diz isto; mas a Providência, que usa mais da metafísica que da lógica, provavelmente fará outra coisa.”

Ora, se relembrarmos que, segundo o dicionário, rigolboche significa devassidão no comportamento, e se olharmos rapidamente para um passado pouco distante, é inevitável a conclusão de que os alicerces sociais brasileiros foram bastante abalados.

Isso me faz lembrar a velha luta entre o bem e o mal, das virtudes contra os vícios, o “‘Tudo me é permitido’, mas nem tudo convém”, conforme afirmou o apóstolo Paulo.

Com efeito, até Ulisses seria classificado como café pequeno se comparássemos os seus mil ardis com a variedade dos meios utilizados pelas legiões rigolboches!

É claro que, faço questão de frisar, não se trata, aqui, de policiamento, de

puritanismo, ou de coisa que o valha. Mas como o que está em jogo é a base social, a família, o que de fato importa será a nossa firmeza de posicionamento, a escolha de um lado.

Neste sentido, se é verdade que “Imaginar uma sociedade impenetrável às transformações das épocas é imaginar um corpo sem porosidade.”, como registrou Joaquim Nabuco, não menos exata é a afirmação de Lacordaire, para quem “A sociedade não é mais do que o desenvolvimento da família; se o homem sai da família corrupto, corrupto entrará na sociedade.”

Daí a nossa excessiva preocupação com os temas espinhosos que volta e meia são oferecidos para as nossas crianças sob a forma de irresistíveis maçãs do amor, mas cujo caramelo, reluzente e sedutor, só tem a função de encobrir a ameaça contida nessa fruta podre.

E tanto isso é verdade, tão perigosa pode ser uma única mordida, que este ensinamento de Richter deveria ser impresso, emoldurado e colocado sobre os criados-mudos de cada pai e mãe do nosso Brasil: “A época mais

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importante da vida é a infância, quando a criança começa a modelar-se por aqueles em cuja companhia vive.”

Sendo assim, as perguntas que não podem ficar sem respostas são estas: Que exemplos passamos para os nossos filhos? temos consciência de que, dependendo da nossa conduta, eles caminharão sob o aconchego do sol ou se arrastarão na gelidez das sombras?

De nossa parte, e graças a Deus, estamos tranquilos quanto à qualidade do alimento moral que oferecemos todos os dias para o nosso herdeiro, o que nos permite deitar a cabeça no travesseiro e dormir o sono dos justos.

Mas, e quanto aos pais que deram ouvidos às fascinantes melodias rigolboches? Devem necessariamente colher o que plantaram ou será que ainda há esperanças no horizonte?

Apesar da legislação permissiva, da linguagem cativante, dos raciocínios enganosos, e de uma infinidade de artimanhas utilizadas por aquela “evolução” para destruir a família, é certo que a Providência não se calou diante de tantas investidas.

E como é sabido que Ela também age por nosso intermédio, muitas vozes se levantaram e outras tantas se

erguem na defesa dos bons valores e na recondução de quem ainda se acha desorientado.

Uma, em especial, faço questão de recomendar. É a do conhecido e carismático Divaldo Pereira Franco, que no 34º Congresso Espírita do Estado de Goiás, em 2018, abordou, entre outros temas, a ideologia de gênero, e indicou os meios mais eficazes para nos imunizarmos e aos nossos filhos. – esta e muitas outras palestras constam no YouTube. Para aqueles, porém, que não comprometeriam, sequer por curiosidade, alguns minutos de suas vidas para ouvirem o citado médium baiano, saibam do nosso respeito e fiquem com o nosso fraternal abraço.

No entanto, para finalizarmos esta crônica serão necessárias uma advertência e uma interrogação: Se “Em matéria social é o rótulo impresso na garrafa que determina a qualidade e o sabor do vinho.”, segundo escreveu Eça de Queiroz, pensando em nossos filhos e na sociedade em que viverão, você realmente teria coragem de beber uma taça do tinto Rigolboche?

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Bichos

Uma foto na capa do jornal Extra mostra uma fila de mulheres e homens esperando. “Você não sabe a alegria quando o caminhão chega, é a certeza que teremos algo diferente para dois dias”, diz uma mulher com fome e sem emprego. O que ela e outras pessoas aguardam é desembarque de ossos e pelancas descartados por açougues e supermercados. “Não vejo um pedaço de carne há muito tempo. Esse osso é a nossa mistura. Levamos para casa e fazemos para os meninos comerem”, conta outra mulher, mais uma desempregada faminta no país que é um colosso na exportação de carne bovina. Bem-vindo à República Bovinariana do Brasil Acima de Tudo e de Deus Acima de Todos, onde a verborragia se fez osso e com o osso se faz sopa, caldo, canja. Pode-se dar o nome que quiser, um estômago vazio não faz exigências alimentares, tampouco vocabulares. “A gente limpa e separa. Colocamos no arroz, no feijão”, relata uma mãe de cinco crianças. Sessenta anos depois de Quarto de Despejo, a receita de Carolina Maria de Jesus segue simples e atual: põe a ossada na água e bota pra ferver no fogão; às vezes a lenha, haja vista que o preço do botijão de gás queima dez por cento do salário-mínimo.

O prato do dia é acompanhado de uma quase dose quase diária de quase proteína: osso cozido. Está servido? Bom apetite, se é que é possível. Não tem arroz nem feijão? Compre uma arma de fogo, debocha o presidente que saboreia picanha a 1.800 reais o quilo, como se fosse necessário ter um fuzil carregado pra defender uma panela vazia.

Mas como tiro não mata fome, só resta tirar a sua parte no caminhão de ossos e muxibas e, em alguns casos, ainda repartir: “Acho que umas dez pessoas comem do que levo”, conta um morador de rua, sem explicar como realiza o milagre da multiplicação dos ossos. Outro sem-teto planeja um prodígio diferente

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no país que é um dos maiores produtores de soja e milho: “Vou tentar tirar um pouco dessa carne e fritar. O resto vou fazer gordura, o óleo está muito caro”. O preço do óleo de cozinha o aflige, mas o da gasolina não, já que seu veículo de buscar osso é um carrinho de mão.

Antes de seguir viagem para levar o resto do restolho a fábricas de ração para animais e de sabão em barra, o motorista do caminhão lembra, com lágrimas nos olhos e dor no coração, que noutro tempo “as pessoas passavam aqui e pediam um pedaço de osso para dar para os cachorros, hoje imploram ossada para fazer comida. Às vezes, está meio estragado, a gente fala, mas as pessoas querem assim mesmo”. Elas acham, catam e comem, como o bicho do poema de Manuel Bandeira. Instagram.com/diogotadeusilveira

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O Estranho

Ele gostaria que alguém soubesse a verdade. Muitas vezes desejava que todos descobrissem que aquele homem aparentemente simpático e gentil era na verdade um pecador. Sim, um pecador, e embora ninguém desconfiasse, ele sabia que o Senhor conhecia todos os seus atos e que o Estranho não escaparia impune.

O Estranho. Era assim que Dante o chamava, ainda que algumas vezes achasse que “O Enigmático” fosse um termo melhor para tamanha mutabilidade. Conhecia-o (na verdade, já não achava mais a palavra “conhecer” apropriada) há muito tempo, tanto que era impossível precisar exatamente quanto. A princípio, acreditava fielmente que sabia tudo o que se passava em sua alma, mas com o passar dos anos foi percebendo que seu coração era bem mais frio e escuro do que poderia sequer imaginar.

Quando o céu do Estranho começara a desmoronar? Essa questão perturbava Dante. Ele sempre fora o primeiro em tudo, o preferido, o mais admirado. E isso o fazia pensar que a vida aparentemente perfeita do Estranho jamais ruíra, pois ele era capaz de tudo para impedir isso. Na verdade, pensou melhor Dante, ele não foi sempre assim, ele se tornou extremamente competitivo porque todos ao seu redor exigiam que ele agisse desse modo. Os pais, professores, colegas de aula e mais tarde os colegas de trabalho. Todos o

obrigavam a ser simplesmente o melhor. E, no fundo, apenas o que ele queria era não ser julgado pela genialidade que vez ou outra era capaz. Mas, tolamente, com a visão ofuscada pelo brilho do triunfo, cada vez mais ele era seduzido à glória de ser o centro das atenções enquanto a nuvem de anônimos ao seu redor o aplaudia.

Dante se perguntava quantas lágrimas mais deveriam cair para que ele parasse. A carreira meteórica do Estranho havia deixado um rastro de dor e destruição. Amizades, casamentos, famílias... nada escapava ao seu egoístico objetivo. E lá estava Dante, assistindo a tudo, mas incapaz de fazer algo, como se estivesse sedado por algum poderoso tranquilizante. Talvez esperança. Talvez inércia. Brilhante na escola, brilhante na faculdade de publicidade. Ele tinha uma reputação, e precisava mantê-la. No início não tanto por ele, mas pelos outros, pela expressão decepcionada que via em suas faces quando planejava algo que eles não considerassem excelente. Quando começou a trabalhar, após algumas boas ideias que deram muito certo, ninguém mais permitia que o Estranho não fosse genial. E, a essa altura, nem mesmo ele.

Acreditava que a criatividade é um estado de espírito, não uma

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característica permanente. Ninguém mais parecia dar crédito a essa ideia, e ele logo a abandonou. Sua rápida ascensão fazia com que tudo mais ficasse em segundo plano, inclusive valores morais. E foi aí que começou. Uma pequena mentira aqui, uma intriga ali, uma grande mentira acolá. Sua mente passou a viver em um estado em que tudo precisava ser criado, até os eventos mais prosaicos. Suas ideias já não eram boas o bastante, mas ele ainda precisava de grandes projetos, afinal, era o que eles queriam. E se queriam que ele fosse uma fonte inesgotável de originalidade, de qualquer forma ele seria. Logo as pequenas inverdades se tornaram maiores, e cada vez mais envolviam outras pessoas. Ele precisou subornar, chantagear e ameaçar. Sua magnífica carreira profissional não poderia ser interrompida. Havia muita gente poderosa interessada nele, como certa vez dissera seu chefe. Enfim chegou sua grande chance: um ambicioso projeto publicitário que deveria ser, no mínimo, revolucionário. Então ele teria sua própria agência, não precisaria mais curvar seu pescoço ante ninguém. Porém, mais do que nunca, o poço estava seco. E um colega seu, confiante na aparente amizade sincera do Estranho, mostrou-lhe sua ideia. E o Estranho ficou abismado. Jamais poderia pensar em algo tão fantástico. Após algumas doses de bebida, o amigo confidenciou-lhe que ninguém mais até o momento sabia de sua ideia. Ele queria surpreender a todos. Naquele instante, o Estranho perdeu totalmente o controle, e todos os limites foram ultrapassados. Não havia mais distinção entre o real e o imaginário. Tudo era um grande jogo, no qual o melhor jogador levaria o prêmio. Apático, em um ato

quase casual, o Estranho matou seu colega. Livrou-se do corpo em uma lagoa e tomou a ideia da vítima para si. Tudo perfeito. Como todos já sabiam, o Estranho tivera uma inspiração inimitável. Mas há muitas variáveis imprevisíveis em qualquer plano. O cadáver foi descoberto. Nada que um pouco de dissimulação não pudesse resolver. Alguns boatos, um depoimento falso, outro assassinato e pronto, cria-se o suspeito perfeito. A opinião pública ficou estarrecida: o próprio irmão do assassinado, o criminoso. “E ainda matou a própria esposa, que estava tendo um caso com o irmão!”, diziam as pessoas, chocadas. “Sempre achei ele mal encarado”, comentavam alguns, aqueles tipos que, em retrospecto, sempre têm certeza de tudo. E não importava que o condenado se declarasse inocente em alto e bom som. Os “fatos” e o depoimento de alguém tão respeitável quanto o Estranho havia selado o destino do fantoche desavisado.

Toda a agitação da mídia havia posto em destaque o Estranho, o herói do caso. Sua agência crescia exponencialmente. Mas tudo isso se tornava pouco para preencher o vazio que aumentava nele que, como um buraco negro, sugava a luz de todos ao seu redor. Insone durante uma madrugada fria, olhando o Estranho diretamente nos olhos, Dante concluíra que eram dois olhos desconhecidos, indiferentes e distantes. Para onde fora aquela criança adorável que um dia conhecera? Perdera-se no labirinto da loucura, era a triste conclusão. Ele procurava sinais de amor, afeto, humanidade... mas estes já não

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existiam. Sua alma estava em ruínas, sua fé, abalada, e o vazio o consumia cada vez mais. Dante se negava a acreditar que havia se transformado

naquele homem estranho e monstruoso que o observava através do espelho.

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Viver é a melhor solução!

Irmão, quem te induziu a acreditar nisso? A pensar que a tua vida não tem mais sentido? Pois enquanto há vida há esperança. Vamos, erga-te e sigas adiante!

O que passou, passou. Façamos agora um novo começo, porque nada está perdido e os percalços são para serem resolvidos.

Pare de se lamentar e dizer que o melhor é partir, lembre-se que cada um de nós tem uma missão a cumprir.

Eu sei que às vezes é difícil suportar a angústia da solidão, porém você não está sozinho e viver é a melhor solução!

Nessa dolorosa situação.

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Edweine Loureiro

Saitama

– Japão

Dois Microcontos Sobre A Relação A Dois

FELIZES PARA SEMPRE

O milionário e a esposa fazem a um poço os seus pedidos. Ele joga uma moeda. Ela, em seguida, o marido

*

NA ALEGRIA E NA TRISTEZA

Quando soube que a quarentena seria prorrogada, pediu a boneca inflável em casamento. ***

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Elaine Farias

Rio de Janeiro/RJ

Nasci da terra do chão alagado subterrâneo de mim tímido comecei a jorrar córrego segui riacho sinuoso até me encontrar querendo virar mar nos meus tropeços despenco por grandes quedas mas cresço na força da corrente que me lança nesses voos líquidos em meu fundo estão navios naufragados âncoras enferrujadas tesouros a descobrir à minha tona pairam régias vitórias flores triunfantes da abraçada fluidez e basta-me apenas ter curso ondas mansas vento leve rumo ao remanso das águas

Sou rio

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Novo mundo – O princípio do fm

Era um jovem, quase adulto. Menino-homem que aprendeu desde cedo a usar pesadas lanças para caçar mamutes, alces e bisontes. Para manejá-las, só mesmo sendo muito forte. Os neandertais eram. E também espertos. Sabiam ler as mensagens da natureza. Quando não tinha caça de grande porte, eles se viravam com coelhos, ratos e esquilos. Um quebra-galho, pois só mesmo a megafauna fornecia as calorias de que o clã precisava. Por isso, periodicamente todos migravam, acompanhando os grandes rebanhos selvagens. Tendo aprendido com o tempo a evitar ursos, leões e tigres-dente-de-sabre, no frio da Europa de 100 mil anos atrás os neandertais eram o ápice da cadeia alimentar. Mesmo sendo de poucas palavras, quando o jovem desta história viu de longe, em seu vale de caça favorito, um povo diferente, uma gente mais alta, magra, de pele mais escura e manejando lanças finas, leves e pontudas, logo percebeu que um novo mundo estava por vir. Para o bem e para o mal.

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Normalidade

Dia de votação, Finjo que acredito na democracia. Dia de oração, Eu finjo que acredito em Deus. Casamentos, finjo que estou feliz. Natal, finjo fraternidade Facebook, finjo felicidade. Instagram, finjo beleza. Acordo finjo ser eu.

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Quem somos nós?

O sol estava em seu início, ainda aparecendo com raios tímidos no horizonte, tão morno e apático quando a própria Antônia.

A jovem negra olhou para o lado e encontrou novamente o rosto que tanto a persegue — o mesmo do qual ela não consegue deixar de procurar depois de mais uma noite de bebedeira.

Era sempre assim; beber, chorar, beber mais um pouco, reclamar, enraivecer-se, gritar na porta de Narissa e, quando a morena aparecia com a expressão já conformada de que aquele hábito não iria mudar, agarrá-la pelo pescoço, distribuindo beijos e cheia de manha. Até a manhã seguinte, depois de um sexo sempre cheio de saudade e ressentimento, quando ela dividia olhares entre o teto e o rosto sereno da mulher mais velha, perguntando-se porque não conseguia sair desse ciclo.

Aonde estava o seu amor próprio?

Aonde estava o amor próprio de Narissa?

Quando se cansaria desse jogo estúpido que haviam entrado e a deixaria chorando e gritando em sua porta a noite inteira até que se cansasse e, cambaleando, retornasse para casa?

Em casa, sozinha, amarga e com ressaca, ela talvez agradecesse a mulher que um dia já disse amar. Que um dia já a amou também...

Um suspiro baixo saiu dos lábios cheios cor de caramelo, Antônia virou o rosto com pressa, com medo da ex ter acordado e ela ainda estar ali.

Perdida. Era assim que Antônia sempre se sentia quando chegava nesse ponto. Sabia que Narissa saía com outras mulheres — e homens — e sabia não ter mais nenhum direito de reclamar sobre isso, mas... como pôde ser tão fácil para ela seguir em frente? Seu coração e suas juras de amor nunca significaram nada além de simples objetos figurados?

Queria entender como sair desse labirinto, da mesma forma fácil e tão insólita que saía da casa pequena e aconchegante em todas as manhãs depois de se entregar erroneamente a outra.

Queria entender o que era preciso fazer para nunca mais se ver tão distante de si que precisava ir ao encontro de Narissa para encontrar fragmentos de quem um dia Antônia Gomez já foi.

Enquanto exauria-se em pensamentos que desciam cada vez mais em uma vertigem íngreme, o sol deixava seus raios escaparem para o mundo, para aquela manhã tediosa de sábado. E assim como o astro, Narissa também se fez aparecer para o mundo, mais especificamente para

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o pequeno mundo de Antônia, que era destroçado toda vez que os olhos castanhos olhavam ainda com tanto carinho para si.

Era estranho para Narissa saber que o relacionamento acabou, mas não sentir que o término era real. Porque desde que Antônia terminou consigo, tudo o que ela tentava fazer era sentir que alguma coisa em sua vida era real; fosse nos braços de outro alguém, fosse transbordando todo o seu ser acompanhada de uma clichê garrafa de cerveja.

E, então ali, presas no abismo do olhar uma da outra, do arrepio que o calor alheio ainda lhes causava, elas estagnaram.

Sem pensamentos. Sem dor. Sem culpa.

Até que as lágrimas começaram a rolar e os soluços tomaram conta do cômodo. Era como se o pequeno quarto no fim do corredor fosse feito do café mais amargo: incomodava, mas a sensação de familiaridade te puxa, evitando qualquer distância.

O choro permaneceu mesmo quando os longos e fortes braços rodearam a figura pequena de Antônia, mesmo que ela não quisesse ser abraçada pela ex. E o choro apenas cessou quando a pergunta de 1 milhão de reais foi entoada, reverberando pelas paredes e nos corações ali presentes:

— Por quê, Antônia?

A mulher sentou-se levemente na cama grande, de costas para Narissa, olhando a paisagem janela à fora.

Um silêncio que machuca foi crescendo à medida que Antônia se deu conta de que o lençol estava pinicando sua pele nua.

— Por quê? — a outra repetiu.

— Porque eu não sei mais quem eu sou... E… — Um soluço dolorido atravessou sua garganta. — Você é a única coisa de que eu lembro ter ainda total certeza sobre.

Não havia uma resposta certa para aquilo.

— Eu não quero voltar com você, e eu não entendo porque me aceita sempre que eu chego no meu estado mais deplorável na porta da sua casa, mas... eu estou perdida e eu não sei como me encontrar, Narissa. Qual caminho seguir...

— Eu acho que me acostumei tanto em te amar que não consigo aceitar o fato de não te ter mais aqui. Então... — Antônia percebia a voz embargada atrás de si e isso foi um estímulo para permanecer exatamente como estava. — Mesmo que seja dessa forma, eu prefiro ter um pouco de você às vezes a não ter você nunca mais.

Antônia entendia o sentimento. Toda noite ali ela tinha um pouco de si mesma, diferente dos outros dias em que seguia a rotina exaustiva da qual tanto se questionava e tanto queria escapar. Um pouco da Antônia de 1 ano atrás era melhor do que nada, do que a zumbi que ela se transformou.

— Você ainda me ama?

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A pergunta veio de repente. Automaticamente, a cabeça de Antônia virou-se para trás, a visão da pele morena levemente avermelhada pelas bochechas e olhos inchados, pelas lágrimas que escorriam em um curso sem fim. Desviou o olhar assim que encontrou aquele mar chocolate no qual sempre se afogava.

Lentamente, e sem nenhuma percepção da passagem do tempo, ajeitou o corpo e ficou frente a frente com a ex.

Ela queria responder àquela pergunta? Ou melhor, ela sabia respondê-la?

— Eu não sei nem se ainda me amo…

E assim, tão triste e tão cru quanto poderia ser, ela suspirou, olhou pela última vez as feições tão doces e

harmoniosas de Narissa e se levantou. A vergonha pelo corpo nu tão exposto foi esquecida há muito tempo, talvez entre o primeiro e o segundo ano de namoro, assim como a confiança em se trocar rapidamente, silenciosamente, apaticamente, foi adquirida entre a terceira e a quarta vez que essa situação se repetiu. No fim, eram sete anos que esses mesmos corpos habitavam romanticamente o mesmo espaço e compartilhavam das mesmas emoções. — Você vai voltar?

A pergunta era simples, curta, e tão decisiva quanto um ponto ao fim de uma sentença. Mas, sem resposta, o corpo pequeno foi embora.

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Ettel. Rio de Janeiro/RJ Clausura Viral

A gente acorda, senta sobre a cama e olha em frente, para o nada, até se aperceber de que realmente é 2022, Pandemia, aulas online acumuladas, agosto, caos na Terra (e em nós), aquecimento global. Daí decide, ainda tomando um suco natural e comendo meio mamão, abrir qualquer rede social para ver qual dancinha do Tio Tok virou febre etérea. Mas, em meio a rolagem da página, acaba saltando uma imagem indigesta para seguir o dia na pior: brasileiros- em fila- comprando- osso- para- comer. Osso!

Em seguida, a gente começa o trabalho remoto com algum entusiasmo, porém sem compreender bem se vale a pena, pois a Covid pode extinguir a humanidade em duas estaladas de dedo virais. [A essa altura, um vírus já soa como algo “personificado” em nosso imaginário: corpinho redondo, cheio de pernas assassinas contaminadoras- maldita propaganda infantil mega didática que se propôs a DESENHAR UM VÍRUS, meu Deus! Agora tal imagem habita nossos pensamentos, como já acorreu em 2020 com o famigerado som reproduzido pela Kadashian: Coronavaaairus! Que vício!].

Chega o almoço. A comida? Saudável, balanceada, colorida. Ser jovem fitness pandêmica pesa! Contudo, uma vez mais o questionamento surge: “será que estou realmente vivendo ou apenas criando pratos bonitos para fingir que há beleza no caos?”. Tem quem tire foto da refeição, toda composta por orgânicos (ao menos a legenda o diz), a fim de criar algum tipo de interação social nas mídias. Na sequência, exercícios físicos para fortalecer a coluna, mente e alma. A cabeça: “Talvez nunca mais exista uma roda de samba, um bloco de carnaval ou um boteco de esquina lotado em segurança, mas ninguém pode dizer que eu não estou cuidando de mim pra quando essa hora chegar!”

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Os dias seguem iguais. E vários de nós vivemos esse looping estranho [claro que há os terra plana, os meritocratas que matariam- e, pasmem, matam!- a própria mãe por lucro, mas não estamos focados nele. Nosso foco aqui é quem tem algum traço de humanidade].

...E em meio à miséria, stress, necessidade de passar em um vestibular, (será que a prova vai ser online, socorro) e negacionismo, tem também o escapismo dos ultra- milionários, que ambicionam o além da atmosfera como subterfúgio pessoal. Paciência! Gente aqui na Terra vivenciando o caos, e eles brincando de colonizar o espaço. [Sabem, o homem anda necessitado de uma danderosíssima viagem de si a si mesmo. Ah, Carlos, você bem que avisou!].

Resultou que tantos dólares e criptomoedas investidos não foram suficientes para conter a fúria do buraco negro: pelo menos uma dúzia de afortunados ( no sentido literal, de fortuna) sem consciência de classe desapareceu, como pó, pelas galáxias. A humanidade segue melhor em 2022. Fé. https://www.instagram.com/ettel.kryssia/ https://www.facebook.com/kryssia.ettel/

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Pele Negra

Apenas mostrando a sua pele escura Vai fechar portas por onde você passa Mas nenhuma delas você ultrapassa Humilharam mais uma negra criatura.

Sociedade branca que se acha uma raça pura Que define o negro como vagabundo e ladrão São algemados, pisoteados e beijando o chão Porque o futuro deles é dentro de uma cadeia. Mas ainda vamos acabar com essa coisa feia A cor da pele por si não promove a exclusão!

Na escola onde o negrinho estuda Ele é tratado de maneira diferente É uma coisa marcada para sempre Nem o professor reclamando ajuda.

Para sempre levará consigo essa dor aguda O preconceito, racismo e essa discriminação E jamais gozará uma igualdade de condição Porque acham que terminarão numa cadeia. Mas ainda vamos acabar com essa coisa feia A cor da pele por si não promove a exclusão!

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Reencarnação

Dia normal de trabalho no céu, todos cumprem com zelo as suas tarefas, os anjos da guarda cuidam os seus protegidos do mal, os mensageiros vão e voltam da recepção, os querubins ficam de sentinela na entrada do majestoso Reino do Céu, Jesus assenta na recepção e vai mediando a comunicação entre Deus e os mensageiros, do outro lado é a secção da reencarnação, onde um número incontável de almas enfileiradas espera ter a oportunidade de nascer novamente na terra, e faltando pouco para chegar a sua vez, uma alma negra sai da fila, vai até Jesus e diz:

— Senhor, gostava de falar com o todo-poderoso antes de ir a terra.

— O que tanto quer falar com o pai, filho, e, por que o seu rosto está abatido? — questionou Jesus.

— Ah, senhor, estava aqui a pensar se podia mudar a cor da minha pele antes de eu nascer novamente na terra!

— respondeu a alma negra de cabisbaixo.

— Mudar a cor da sua pele, por quê, filho? — questionou Jesus.

— Então, senhor, para alegrar os racistas, eles têm dificultadades de conviver com pessoas negras. Não sei se o senhor está sabendo, lá na terra, quanto mais escura for a pessoa, mais descriminada será e, não sei agora, senhor, da última vez que eu estive na terra eram lastimáveis as condições em que os negros se encontravam e, como se não bastasse, o racismo é uma pedra no sapato dos negros, os racistas dizem que o cabelo do negro é ruím, dizem que é duro como esponja de aço, dizem que a cor dos olhos dos negros não é legal. Razão pela, vim pedir veementemente ao todo-poderoso para mudar a cor da minha pele, quero cabelos longos e lisos e, um

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par de olhos azuis para eu ficar bonito e completo — disse a alma negra.

— Para você ficar completo, filho? — questionou Jesus com a testa franzida. — Sim, senhor! — respondeu a alma negra.

— Que disparate, onde você foi tirar isso, filho?! os negros não são um erro de criação — retorquiu Jesus.

— Oh, não somos, senhor?! — questionou com um ar de surpresa a inocente alma negra.

— Sim, filho, não são! Espera aqui, volto dentro de minutos, vou buscar o esboço da criação nos arquivos, quero que vejas algo antes de ir a terra — disse Jesus.

— Está bem, senhor! — respondeu a alma negra, feito isso, Jesus ausentamse por um instante.

— Demorei? — questionou Jesus, após voltar dos arquivos.

— Não demorou, senhor! — respondeu a alma negra, em meio a isso, Jesus toma a palavra e diz:

— Repare o esboço da criação, vês a diversidade? Deus criou todos os povos que habitam na terra, os negros fazem parte do projeto de Deus, quando Deus disse façamos o homem segundo a nossa imagem e semelhança, pensou

também nos negros, o pai criou a raça humana de forma diversa, o negro também é filho de Deus. Filho, você foi concebido assim por Deus, não há nada de errado com a sua aparência, você é o que é! simplesmente assim! — disse Jesus de forma terna e segurando num ombro da alma negra.

— Não sabia disso, senhor, os racistas me fizera acreditar que eu sou um erro de criação, pensando bem, ser negro não é ruím! sendo assim, quero nascer negro na presente encarnação. Mas, senhor, podia clarear só mais um pouquinho a cor da minha pele? — questionou com um rosto meigo a alma negra.

— Clarear pra quê, filho? você está muito bem assim — disse Jesus.

— Estou bem aqui, senhor, lá na terra não é bem assim! lá na terra, quanto mais escura for a pessoa, mais sofrida será — retorquiu a alma negra.

— Filho, você está bem assim, se melhorar estraga, essa é a sua essência, você foi concebido assim conforme vês no esboço. É uma pena que a cor da pele é um factor de desigualdade lá terra, isso nunca

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passou na cabeça de Deus, razão pela qual, não ligue no que os racistas dizem de ti, você é lindo e a cor da sua pele não é uma sentença de sofrimento — disse Jesus.

— Está bem, senhor, não precisa mudar a cor da minha pele, mas podia alongar e tornar menos duros os meus cabelos?! só para eu ficar um pouco mais bonito — disse a alma negra.

— Quem disse que você não é muito bonito?! você foi concebido assim pelo altíssimo, se mudar perde a essência — retorquiu Jesus.

— Está bem, senhor, pode deixar assim os meus cabelos! mas, podia por gentileza me dar um par de olhos azuis?! por favor não me negue isso, senhor! — suplicou a alma negra.

— Filho, eu não estou a te negar nada, simplesmente não vejo a necessidade de fazer o que você me pede, a cor dos seus olhos é bem legal! — disse Jesus.

— Está bem, senhor, muito obrigado pelo refrigério, agora sinto-me tão bem comigo mesmo! Senhor, antes de eu ir a terra, podia deixar eu me despedir de Deus, desejo expressar a minha gratidão pelo dom da vida e, elogiar o

seu maravilhoso projeto de criação — disse a alma negra.

— Sim, pode, mas no momento o pai está reunido com o Martim Luther King Jr e Nelson Mandela — disse Jesus.

— Não me importo de esperar, senhor! — disse a alma negra.

— Esperar?! hahaha, filho, mil anos para Deus é um dia, anos são horas para ele — disse Jesus com um sorriso no rosto.

— Hum! pensando bem, não vou esperar, despede-se por mim — disse a alma negra. Em quando isso, ouve-se uma voz que diz de modo contínuo:

— A seguir...

— Olha é a sua vez, filho, vai que o Gabriel está a chamar por ti — disse Jesus.

— Está bem, senhor! só mais uma coisa. senhor, podia anotar por gentileza essa questão e apresentar a Deus em meu nome? — questionou a alma negra.

— Qual é a questão, filho? — disse Jesus.

— A questão é a seguinte: se todos nós somos filhos de Deus e, ele é imparcial, por que nunca teve uma

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bunda negra no assento de São Pedro?

— questionou a alma negra.

— Está anotado, filho — disse Jesus.

— Muito obrigado, senhor, espero encontrar a resposta na próxima vinda ao céu! — disse a alma negra.

— Está bem, filho, você precisa ir agora, olha que o Gabriel começa a ficar impaciente de tanto esperar — disse Jesus.

— Eita, tem razão, senhor, a cara do Gabriel fica assim sempre que ele está aborrecido?! — exclamou a alma negra.

— Vai, vai que ele já esperou muito! — retorquiu Jesus.

— Chau, senhor! — despediu-se a alma negra.

— Chau, faça boa viagem! — disse Jesus. Feito isso, a alma negra dá as costas e começa a caminhar em direção do encarnador 3000, em meio a isso, Jesus vai fazendo os seguintes lembretes:

— Meu filho, faz o bem, evita o mal lá na terra.

— Sim, senhor! — respondeu a alma negra.

— Não use as calças embaixo da cintura e não fale palavrões lá na terra — disse Jesus.

— Sim, senhor! — respondeu a alma negra

— Também não vai fazer muito sexo — disse Jesus, enquanto isso, a alma negra hesita em responder, razão pela qual, o senhor Jesus diz em voz alta o seguinte: — você está me ouvindooo?!

— Simmm, vou tentar, senhor! — respondeu a alma negra.

— Filho, se fores fazer rap, não tatue todo seu corpo e, evite as más companhias para não acabar como Tupac e o Notorious B.I.G, também não vai meter brinco na língua muito menos diamante na testa — disse Jesus.

— Sim, senhor! — respondeu a alma negra.

— Vocês têm cá cada uma! — exclamou Jesus.

— Mais uma coisa, filho, se fores futebolista, decerto que serás uma estrela nas principais ligas da Europa, não vai mudar de nacionalidade, ajuda uma seleção africana a conquistar o mundial — disse Jesus. Em meio a isso, a alma negra hesita novamente em responder, razão pela qual Jesus insiste na mesma tecla.

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— Ah, não sei não, senhor! as federações africanas de futebol são muiiito desorganizadas. Mas, serei íntegro se eu for uma estrela — disse a alma negra.

— Já diante do encarnador 3000, Jesus faz o último lembrete a alma negra:

— Ó filho, não vai esquecer: ama o teu próximo como a ti mesmo.

— Isso é fácil, senhor, vou amar! — respondeu a alma negra.

— Incluindo os racistas — acrescentou Jesus.

A alma negra, franze a testa, olha em direção de Jesus e diz: — Espera aí, senhor, até os racistas?!

— Simmm, até os racistas, filho! — reforçou Jesus.

— Isso não tem graça, mas vou amar pelo senhor! — disse a alma negra.

— Terás o favor do pai e serás bem-sucedido se amares todos independentemte da cor da pele, religião e cultura — disse Jesus.

— Amémmmm!— disse a alma negra.

Já um pouco impaciente de tanto esperar, o Gabriel fita a alma negra e diz:

— Oi, sobe agora mesmo no encarnador!

— Sim, senhor anjo! — respondeu a alma negra enquanto sobe.

Uma jovem de cabelos crespos, lava a louça na pia, enquanto isso, sente enjoo...

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Flavio Freitas Rio De Janeiro/RJ

O Mundo De Abelardo

Abelardo, tarde da noite, sentado na poltrona, fazia o levantamento de sua medíocre existência. Entrado na casa dos cinquenta, seu mundo resumia-se, havia muito tempo, ao que conseguia enxergar através das brechas nas pilhas de processos. Vinte e três anos executando a mesma tarefa burocrática transformaramno num homem apático e desinteressado da vida.

Sentia falta de emoções verdadeiras tocando sua sensibilidade que, aliás, estava embotada. Como poderia lustrar uma vida tão opaca? De repente, a resposta brilhou no cérebro:

Amanhã não irei trabalhar! Tirarei três dias de folga. Isto mesmo, Abelardo. Você precisa ver o mundo. Sairá de casa no mesmo horário pela manhã, mas sem terno e gravata. Vestirá uma roupa folgada, um par de tênis, óculos escuros, bandana.

O dia seguinte, uma bela manhã de primavera, servia exatamente aos planos de Abelardo. Após um beijo de obrigação na esposa, − completara vinte e dois anos de tediosa vida de casado − acenou aos três filhos na mesa do café e saiu à rua. O coração palpitava de alegria, o céu verdadeiramente azul, as árvores florescendo, pessoas indo e vindo.

Tão maravilhado ia que não percebeu a aproximação do bispo. O esbarrão foi inevitável. De imediato, curvou-se respeitosamente e beijou o seu anel de prata.

− Perdão, Vossa Excelência Reverendíssima.

− Quem perdoa é Deus, meu filho.

O prelado seguiu caminho. Abelardo ficou em dúvida se o religioso o perdoara pelo descuido. Ah, deixa pra lá...

Abelardo ia retomar o passeio, quando percebeu algo na atitude do bispo. Virouse, e viu. O bispo se move na diagonal! Por que andaria desse jeito? Acostumara-se a cruzar seu caminho diariamente, porém, nunca notara a idiossincrasia episcopal. Piscou os olhos duas vezes, e confirmou. Era na diagonal mesmo. Abelardo precisava de resposta. Correu atrás.

− Desculpe, dom Carmo, reparei que o senhor se movimenta em diagonal. Por quê?

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− O quê? Eu caminho em diagonal?

− Em ziguezague, bispo.

− Meu filho, isto é loucura! Sou um representante da Igreja, e um representante da Igreja não anda em ziguezague. Estás enganado. Pede perdão a Deus. Onde já se viu um servo de Deus indo e vindo de viés?

− Mas eu estou vendo.

− Teus olhos mentem, meu filho. Isso acontece porque tu te moves em “L” As pessoas em “L” deveriam rezar mais. Infelizes os olhos que veem enganos. Tirai a trave do teu olho e verás só haver um modo de olhar quando o mal se confronta com o bem. Pede a Deus que te ajude a trilhar o caminho da salvação. E agradeça-Lhe, pois, tens sorte de caminhar em “L”. Aqueles que se movimentam em todas as direções são almas perdidas. Cuidado! Afasta-te deles!

Sem despedir-se, o bispo afastou-se rápido, em diagonal.

Abelardo ficou tranquilo. Não conhecia ninguém andando para todos os lados. Cada louco tem a sua mania. Voltaria ao dia de folga maravilhoso e esqueceria o... Eu ando em “L”?

Observou seu caminhar. Realmente suas passadas eram em “L”. Nunca notara o seu jeito de se mover. Olhou em volta. Assustou-se. Cada pessoa deslocava-se de forma diferente! “Estou louco? Não!” As pessoas moviam-se de diversos modos, sim. Para frente, de ré, em todas as direções, em diagonal, em “L”, reto, na vertical, na horizontal... lento, rápido.

Apressou o passo. Transtornado, precisava voltar urgente ao refúgio do lar. Chegando, observou os filhos. Julião, o mais velho, um desgosto nos estudos, movimentava-se também em “L”. Meu Deus! Foi atrás da filha, Lucinha. Não! Lucinha saía do quarto e voltava andando na vertical! E ao mexer-se na horizontal, era de lado! E Serginho? Cadê Serginho? No quintal. Ah... Serginho dava um passo e parava, dava outro passo e parava... Procurou pela esposa. Será que ela andava igual a ele? Em “L”? Onde Lucia está?

− Mamãe saiu. Foi pra casa da tia Irene. Depois iria ao supermercado, depois, à costureira e depois, ah, não sei.

Precisava descobrir a razão do absurdo. Quando saiu, de manhã, tinha certeza de... Não. Não tinha certeza de nada. Na verdade, nunca os observara bem. A porta abriu-se e Lucia entrou, esbaforida.

− Ah, esqueci o presente da Irene.

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Abelardo empalideceu. Sua mulher andava para todos os lados! Lucia, que ele uma vez amou com paixão, ia e vinha em diferentes sentidos! Era de enlouquecer. Tantos anos casados e nunca havia reparado. Tantas saídas ela dava. Sempre tão arrumada.

Abelardo saiu alucinado de casa, procurando respostas. Deu alguns passos e parou. Meus filhos, é impossível que... Deu meia-volta. Não havia mais casa. Nem árvores. Não havia mais nada, a não ser o imenso deserto, brilhante, quadriculado em preto e branco. Vislumbrou sua mulher, entre outras pessoas, em Dd8, ao longe, estática, em completo desamparo. Os filhos, isolados, espalhados em e7, a7 e h7. Um sentimento de profunda solidão confrangeu o coração de Abelardo. Avistou o bispo em c4. Quem sabe a luz abençoada derramada dos céus abrandaria o espírito conturbado? Correu até o religioso. Demorou a chegar. Afinal, Abelardo movia-se em “L”. Parou em c5

− Vossa Excelência Reverendíssima, ajude-me. O apocalipse chegou?

− Outra loucura, meu filho? O mundo continuará, enquanto Deus assim o quiser. E Ele ainda o quer.

− Minha mulher anda em todas as direções, Reverendíssima. Meus filhos movemse de maneira esquisita. Minha vida acabou, dom Carmo.

− Calma, meu filho. O que tens a fazer é prosseguir. Podes escolher entre ir a Ce4, Ce6, Cc4, ou ainda voltar a Cb8 ao lado de tua mulher. São tantas as opções dadas por Deus, meu filho. O importante é dar sequência aos lances da tua vida até o inevitável xeque-mate te tirar do jogo.

O bispo parecia ver o jogo com a clareza que ele não conseguia ter.

− Agora, meu filho, me dê licença. O tempo urge. Tenho de ir a Bf1.

E o bispo saiu disparado, na diagonal.

No dia seguinte, Abelardo acordou trêmulo, o coração acelerado. Colocou o surrado terno e a gravata de sempre. Chegando à repartição, arrumou as dezenas de pastas sobre a mesa. Sentado, escondido atrás das pilhas de processos, pegou uma pasta, abriu-a, e iniciou a costumeira leitura.

https://www.facebook.com/flavio.freitas

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Franciellen Santos

Campos dos Goytacazes/RJ

Já ouvi de várias bocas que preciso

Mas honestamente não sou capaz de fazer isso!

Como apagar da memória tantos momentos?

Como jogar na lixeira o que senti, vivi, aprendi?

Como excluir esse capítulo da minha história

Cheio de erros e acertos e beijos e brigas e brincadeiras bobas?

Como esquecer de quem amei e ao mesmo tempo odiei?

esquecera

Já ouvi de várias bocas que preciso esquecer…

Mas não devo e nem quero!

O que preciso é virar a página e Entender que esse capítulo é parte da minha história.

E que graças a ele, cheguei até aqui.

https://msha.ke/afranciellensantos

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Francisco Cleiton Limeira de Sousa Poço Dantas/PB

Droga Lícita

Emocionalmente dependente

Psicologicamente sem razão Auricloterapia, atendimentos psicológicos E psicoterapia. Não conseguia sair Pedí ajuda!!

Me enxerguei frente ao espelho de mim mesmo O mundo não girava Me via como marionete Manipulação

Não sorria mais, não sentia tesão em estar Sentia meus valores sendo furtados

A cada momento Minha luz foi se dissipando paulatinamente Alma rasgada pela flecha da traição Recomposição

Viajar a alma Banhar no sol meu escuro Sair da morte em vida Ser livre, transbordar como antes Florescer igual um cacto.

https://cleitonlimeira3930.wixsite.com/poesie-sea-1/blog/ https://www.facebook.com/cleiton.limeira.3

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Caneta de Pena

Que pena! Escreve e adorna Que pena...triste apenas apena minha veia aorta seu risco certo, apoena!

Há poema, nesse dilema! vaga livre pensar nas estrelas e corre fácil a caneta trazendo o céu em suas veias...

Voe, crie asas, apoema... há poema, há amor agigante seu peito e dissipe a sua dor.

Poesia que nos liberta e a noite vem... caneta em punho e adormece mas nenhum verso se esquece caneta de pena, para o meu bem.

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Geneviève Faé Caxias do Sul/RS

O que me arrasta é o que me resta

Esse colecionador de erros Que vem catando memórias como conchas Esse devorador de todas as coisas

Esse empacotador de nuvens Que embaralha as cartas do desatino

Esse esquartejador de estrelas

Esse ceifador de todas as infâncias Que deposita crianças nas lembranças dos pais

Essa máquina de fazer velhos

Esse algoz da esperança Que edita desejos e devora palcos

Esse infinito enquanto dura

Esse coveiro inquieto De cadáveres por enquanto adiados

Esse devoto dos túmulos

Esse castrador de bons momentos Que vem em conta-gotas na sala de espera

Esse construtor de pontes para o grande nada

Não sei se me apego na mão do que passou Ou se me afogo na liquidez do futuro - o tempo que me arrasta é o que me resta

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@genevievefae 86

Gisela Peçanha Niterói/RJ

Passionata

Tal qual pipa sem céu na mão de um menino

Como alma rasgada por dentes felinos

Nasceu, aquela paixão: Sopro no coração: Ruptura da pulsação: Batucada da arritmia. Descompasso da desalegria. Loucura-veia da asfixia. Marcapasso baticum Aorta morta do Olodum Escravatura do amor, sem alforria.

Eu chorava, ele ria. Ainda ardia

‘’Doloria’’. Batia, batia, batia... Aos pulos frouxos, mancos, quase findos Terminal jaz-coração

No último suspiro. Ar comprimido Ar sufocado Ar engolido Ainda ritmava E mesmo sem voz Ainda era grito. Ainda faminto! Fome de vendavais Calibrando o peito: com vida.

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Boa de Língua

— Descansa em paz? Quer me matar?

Disse Duca nervosamente ao se despedir de sua mais nova amiga literária. Não se sabe se era o medo da eternidade, tão comum aos mortais ou uma mente fértil e fantasiosa que em nada perderia para o garoto cheio de imaginação da série de desenho animado O fantástico mundo de Bobby.

O que se sabe é que ao ouvir a palavra descansa, Duca ativou seu alerta vermelho para contos eminentes e logo surgiu um bom e sugestivo título: Boca maldita. O espírito literário do rapaz falou mais alto e a pobre mulher ali do outro lado das teclas materializouse de forma surreal como a moça das palavras mortais, aquela que diz “descansa em paz” e o cara morre no ato.

— Meu Deus! Que exagero. Só quis desejar um boa noite de sono.

Ariana, este era o pseudônimo da aspirante a escritora, considerou engraçado. Sentiu um misto de

admiração e surpresa. Admirou-lhe a sacada, a sagacidade, a rapidez com a qual o rapaz fez emergir diante deles uma trama, quase um esquema clássico de enredo. Por outro lado, sentiu uma pontinha de maldade ao descobrir que o recente amigo temia a morte e, não conseguia desvencilhar-se do senso comum das “palavras têm poder”.

Bem neste caso, poder literário e surreal, que fez dela uma personagem um pouco tenebrosa. Imaginem só, caros leitores, se as palavras que mal saem da sua boca e tudo realizam, viessem fúnebres, carregadas de maldição, caretas, ridicularizantes ou de cunho brochante (também mortal para a maioria dos homens!). Pobre Duca, ficaria aterrorizado, diante da possibilidade de qualquer conversa com Ariana.

Eram de fato, Eduardo e Mônica da literatura. Ele contista de mão cheia, muitas publicações, alguns

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Gislene da Silva Oliveira Paragominas/PA
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ebooks e livro já impresso. Ela tímida aspirante a cronista, aqui e ali deixava escapar um texto que dois ou três amigos podiam ler. Pouco sabiam um do outro para além dos escritos nas páginas sociais que mantinham em comum, aliás onde também se conheceram. Ele parou de beber há 28 anos, mas continua fumante de uma vida toda, ela deixou o amigo e companheiro cigarro há dois anos e nem se recorda mais que o conheceu, porém não dispensa a cervejinha e o bom e doce vinho para embalar noites mais longas.

O lado literário em ambos prevaleceu e mesmo com tudo diferente, ele propôs o desafio da profecia do descanse em paz. Cada um escreveria sua narrativa sobre o tema e depois

trocariam os textos ou publicariam em páginas comuns. Seria como um exercício de estilo, perceber paralelos, divergências, soluções estilísticas comuns ou não.

Ela sentiu-se a própria Mary Shelley na noite chuvosa de verão na Suíça, desafiada por Percy Shelley e Lord Byron a criar um conto de terror, embora ciente de que não escreveria nenhum Frankenstein, também aceitou o desafio.

Marcaram a troca do texto para dali a três dias. Despediram-se com um singelo boa noite. Ela com uma breve provocação pediu para que ele não morresse no ato. Sorriram. No fundo, ambos sabiam que suas palavras nada tinham de malditas. Era só era boa de língua: Fez Letras! https://www.facebook.com/gislene.oliveira.56/ 100gisoliveira@gmail.com

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Os excluídos

Em um canto do funeral se reúnem eles, aqueles que a família não quer que o morto veja. Dois gays, uma mulher de pele mais escura, uma mãe solteira, um homem sem perna, um assaltante falido e um velho com Síndrome de Down. Eles não têm nada a ver um com o outro, além do fato de estarem escondidos dos olhos do morto. Lá, nessa região sem tempo nem espaço, eles passam as luas e sóis contando histórias sobre desgraças eternas e alegrias fugazes. Até que o velho, aparentemente bem morto, e ainda com o terno do seu primeiro trabalho, de tanta raiva sai pulando do túmulo. Do seu túmulo já coberto de flores murchas e fezes. “Vocês deveriam estar no meu lugar!”. “Vocês deveriam estar no meu lugar!”.

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Guilherme Hernandez Filho Santos/SP

A ameaça

Conciliador: Meirinho, pode apregoar as partes, por favor.

Meirinho: Joana dos Santos, ele apregoa.

Parte 1: Sou eu.

Meirinho: Seus documentos, por favor. Pode entrar e sentar do lado esquerdo da mesa.

Parte 1: Boa tarde.

Conciliador: Boa tarde. Pode sentar-se aqui à esquerda, por favor.

Meirinho: Maria Auxiliadora da Silva, ele apregoa novamente.

Parte 2: Eu, diz a moça, se levantando de onde estava.

Meirinho: Seus documentos, por favor. Pode entrar e sentar do lado direito da mesa.

Parte 2: Vou ter que ficar aqui em frente desta desqualificada?

Conciliador: Senhora, por favor, estamos em audiência e gostaria de ter um comportamento educado de todos. Pode se sentar aqui ao lado direito.

Conciliador: Boa tarde a todos. Sejam bem-vindos a esta sessão de conciliação. Meu nome é Arnaldo e sou o conciliador certificado pelo TJSP, e nomeado para tentar ajudá-las nesta tentativa de conciliação. Esperamos poder chegar a algum acordo para encerrar este conflito entre as partes. Cada uma das senhoras terá oportunidade de falar a seu tempo e, por favor, não interrompam as narrativas da outra parte.

Conciliador: Dª Joana, vejo que a senhora registrou um BO por ameaça, contra a Dª Maria Auxiliadora, por fatos ocorridos há quatro meses, é isto? A senhora poderia, por favor, nos resumir os fatos acontecidos?

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Parte 1: Esta senhora é minha vizinha no prédio e vem me provocando a troco de nada. Ouço ela falar com outras pessoas pelas minhas costas, e dar risadinhas quando passo. Escuto falar que vai me bater. Vive me ameaçando.

Parte 2: Eu? Imagina, nem presto atenção nessa mulher.

Conciliador: Por favor, Dª Maria. Não interrompa. A senhora terá sua oportunidade de dar sua versão.

Parte 2: Mas ela está mentindo, e eu não vou tolerar.

Conciliador: Por favor, se senhora continuar serei obrigado a suspender nossa sessão. A senhora poderá falar a seu tempo.

Parte 1: Ela é uma grossa e mexiriqueira. Vive se metendo na vida dos outros.

Parte 2: Você que é uma vadia e vive recebendo visitas impróprias.

Conciliador: Senhoras, por favor, vamos manter a urbanidade. Não vou permitir que sejam feitas acusações e que fiquem se destratando. Eu vejo que vocês estão com animosidade e precisam parar com isto. Vocês são vizinhas e vão continuar se encontrando e cruzando pelos corredores. Querem levar este tipo de vida?

Parte 1: Não é minha culpa.

Conciliador: Não estamos aqui para discutir quem é culpada. Eu gostaria de falarmos de futuro e não do passado. O que aconteceu vocês precisam relevar e esquecer. Estão dispostas a isto?

Parte 1: Se ela parar com os fuxicos, sim.

Parte 2: Eu não sou fuxiqueira.

Conciliador: Senhoras, eu proponho que as senhoras assinem um “termo de bem viver”, onde de comprometam a se tratarem mutuamente sem agressões, sem ameaças, sem ofensas, em fim, se tratarem com urbanidade, com educação, e assim, encerraremos as acusações. É um documento de renúncia, mas um compromisso assumido perante a justiça, de que não darão mais motivos para estas acusações.

Parte 1: Mas e se ela não cumprir?

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Conciliador: A senhora fará um novo Boletim de Ocorrência (BO), com a nova acusação e testemunhas, e anexará este acordo dizendo que ela já não cumpriu com o estabelecido, mas será um novo processo, com nova tramitação.

Parte 2: E se ela não cumprir?

Conciliador: A mesma coisa, mas tenho certeza que as senhoras não pretendem descumprir o que seja combinado.

Parte 1: Eu aceito, mas não quero nem que ela me cumprimente. Pode passar sem em olhar para mim.

Parte 2: Eu não quero olhar para você. Quando passar vou até olhar para o outro lado.

Conciliador: Muito bem, senhoras. Então vamos preparar este acordo agora para as senhoras assinarem.

Depois de assinados os termos cada parte sai com sua cópia, e o Conciliador fica pensando quando estas vizinhas de condomínio reaparecerão.

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O Bambu e a Grama

Uma soca de bambu sempre será uma soca de bambu. Uma muda de grama sempre será uma muda de grama. Elas sabem disso, mas tem coisas que elas não sabem.

A soca é aquela que fica retalhada no céu Na noite de lua cheia, espalhando brilho de vidro no chão. Grama se espalha na terra, na cola em sola do pé.

Agora, o bambu plantado é curioso. Perto de casa, tem ramo que fura cumeeira para escutar E cola folha na vidraça para olhar.

Alguns galhos da soca são casa de passarinho, Principalmente de sabiá laranjeira, E o pé segura formigueiro de formiga carregadeira.

Às vezes, a soca sombreia igual guarda-sol, Para balanço na rede ou, quem sabe, Até para namorar moça namoradeira.

Já a grama, cresce baixinha e sem notação. Só quem repara é besouro, aranha rasteira E cobra d’água se escondendo do sol.

Dizem que a soca é prima da grama,

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E é sim da mesma família. Só que a grama

Se espalha na terra e a outra fura a lua lá em cima.

A grama é amiga, sempre abraçada no mato

Dando mostração de caminho pegado no barro, Bem no cheiro chuvoso de coisa molhada.

Também, diferente do primo, a grama entra no dedo do pé, Espeta na unha e cola na sola. É coisa molhada

Que dá lembrança de flor, igual camélia cheirosa.

Mas qual é melhor, o bambu levantado ou a grama espalhada? Esparramação na terra ou furação lá na nuvem? Não sei. Uma tem chão cheio de força, outro enfeita noite no céu.

Bobagem, não interessa, as duas são boas: Dá pra deitar devagarinho na rede espreguiçada, Com bambu de telheiro e grama no cheiro molhado.

https://www.facebook.com/helio.oliveira.771282

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Nu

Livra-te do desimportante concreto Afasta-te do que é breve e secreto Liberte o simples quando oportuno discreto

Desate os nós Purgue as falhas Dispense o fugaz

E já que somente tu podes te sentenciar Mantenha tua honra e... Despes-te de máscaras Despes-te de amarras Despes-te de controle Despes-te de julgamentos Despes-te de tudo

Sejas livre! Sejas só! Sejas tu! Sejas nu!

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Por que ler Machado de Assis?

Porque é um clássico da literatura nacional, resposta óbvia demais e pouco esclarecedora, muito rasa ante a profundidade e riqueza da escrita do autor. Valorizar a produção literária nacional é um ato de valorização pessoal, valorização da identidade social, valorização da nossa história. Mas não é apenas pela valorização do que é nosso que enfatizo a necessidade da leitura das obras de Machado de Assis. Muito além do romance, do drama, da trama, do traiu ou não traiu, muito mais profundo do que a riqueza de seus personagens. Os textos de Machado de Assis nos permitem um conhecimento detalhado de um período importante da sociedade nacional, um período que tem suas marcas cravadas na sociedade ainda hoje.

Em suas obras, Machado de Assis, faz uma análise do momento vivido pela sociedade e, através de seus personagens, registra nas páginas de suas histórias fatos, contextos históricos, bem como, faz críticas riquíssimas.

É mais do que conhecer as obras de um grande escritor nacional, é conhecer a estrutura da sociedade, as relações sociais, relações familiares, relações políticas e as relações raciais (particularmente detesto esse termo). O autor usa seus personagens para, de forma brilhante, ilustrar o cenário da época e criticar de forma inteligente os usos e costumes da sociedade. Hoje ainda vivemos reflexos dessa estrutura social, como por exemplo os acontecimentos pós abolicionismo.

As obras de Machado de Assis são divididas em duas fases, uma romântica também chamada de amadurecimento e a fase realista ou maturidade. Na minha opinião Machado de Assis sempre esteve na fase realista, num primeiro momento mais moderado, mais conformado, onde apesar de conhecer e apontar os cânceres da sociedade de seu tempo, seus personagens não questionavam muito, na verdade, eles apenas se conformavam.

Na segunda fase, o autor, nos presenteia com personagens tão reais que num primeiro momento pode desanimar o leitor, acostumado com personagens com certo grau de perfeição, de idealização do ser humano. Mas é nesse realismo que reside, na minha opinião, o fascínio pelas obras do autor. Em sua fase realista o narrador é o centro da narrativa, há sempre uma dúvida quanto a personalidade do narrador que circula pela sociedade e relata as relações do

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meio onde está inserido. O autor torna a crítica aos usos e costumes evidentes e passa a fazer uso do humor para tanto.

Vale ressaltar, que o escritor, tem obras em quase todos os gêneros:

Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em Americanas (1875), e o parnasianismo em Ocidentais (1901). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), considerados como pertencentes ao seu período romântico.1

Através de seus personagens o autor deixa em evidência toda a sordidez da sociedade. Os personagens de Machado são construídos de forma complexa, mas ao longo do texto é possível conhecer melhor cada um, qualidades e defeitos, mas o destaque é que suas mazelas torna a leitura interessante, isso porque ponderamos ao longo da leitura se são personagens bons ou ruins, mocinhas(os) ou vilãs (ões). Não se trata de personagens estáticos, mas nem sempre a mudança é positiva, o que foge ao ideal de que os personagens devem sempre se tornarem melhores ao longo da história.

Costumo dizer que os personagens de Machado de Assis são tão reais que assusta, porque nos obriga a olhar para nós mesmos.

Outro ponto, que me fascina nas obras de Machado de Assis é a interação do narrador com o leitor. É brilhante a construção dessa relação narrador-leitor. Em trechos de Brás Cubas, o narrador defunto, aconselha o leitor, já em Dom Casmurro, Bentinho tenta convencer o leitor de seu ponto de vista e a discussão, “traiu, não traiu”, rende até os dias atuais.

Acredito que justifiquei as razões para ler Machado de Assis, mas se não o convenci, se ainda não foi o suficiente, sugiro que leia para dizer com conhecimento de causa que não valeu a pena.

Muito obrigada por sua preciosa atenção. Se cuidem e cuidado com ideias brilhantes (somente leitores do Machado saberá do se trata).

https://www.instagram.com/heloisamarina_/

1Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/machado-deassis/biografia#:~:text=Biografia&text=Machado%20de%20Assis%20(Joaquim%20Maria,da %20Academia%20Brasileira%20de%20Letras. Acesso em: 12 de fevereiro de 2022.

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Ícaro Marques Estevam

Gênesis

Origens vivas de lírios e lilases De longas mantas brancas me trazem Inspirações estelares inflamadas De todas as criações universais delicadas

Floresce no meio árido e estéril Depois do tesouro anunciado e recebido O Supremo Verso dardejante e embebido De visões e imagens consagradas

Vem dos Deuses o jardim etéreo No qual repousa Supremo Verso Que dá origem a sensações congregadas…

E no meu poema floresce aéreo

Alado desejo, outrora submerso Na imensidão escura estrelada

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Iniciação

Muitos na vila desgostavam de mim porque eu era vesgo e molengão. Mas me usavam quando era preciso alguma força na roça ou pra carregar lenha no fim de tarde da roça pras casas deles. Ou levar recados escritos. Quem mais me usava pra isto era o Juventino. Me pedia pra levar recados pra Jurema. Bonita e difícil de lidar, a tal Jurema. Eu tinha que chegar com jeito na casa dela e falar nada. Nas primeiras vezes, o cachorro dela me atacava. Com o tempo, foi se acostumando comigo, com meu cheiro, então vinha ao meu encontro e se enrolava nas minhas pernas, brincalhão.

Juventino me pagava pra fazer este serviço e eu tinha que ficar bem caladinho. Com aquele dinheiro eu comprava balas e sorvete seco na bodega do pai dele.

Tinha outros na vila que me usavam pra levar recados. Cada um com seu esquema de visitação. Tinha um que saía no domingo de manhã. Outro, no meio da tarde de um dia qualquer da semana. Outro, nos sábados de tarde. Juventino ia de noite mesmo, silencioso.

Minha vida só não era mais triste naquela vila perdida na terra porque eu me divertia com aquilo. Mantinha

segredo completo. Se eu abrisse a boca ia ter muita mulher correndo atrás dos maridos com a vassoura. Ou a faca de pão. Bonito era ver todo mundo na igreja, nos domingos de tarde, rezando o terço, cabeça baixa, contritos, confiantes no perdão divino.

De todas as mulheres, era Jurema que eu mais admirava. Com o tempo, aprendi como chegar na casa dela e como conversar um pouco sem que reclamasse ou dissesse grosserias. Jurema era uma perdição de mulher, ah, era mesmo! Por isto é que Juventino tinha ciúmes dela. Um dia, do nada, ele me passou uma advertência: que eu não me engraçasse nela. Decerto imaginava que eu ia levar os recados dele e aproveitava pra ficar de gracinhas com ela. Ora, vejam!

Ruim era quando me pediam pra ajudar na roça, capinar, colher feijão, dobrar o milho. Era de manhã cedo até o escurecer. De noite, a dor no corpo era medonha. Mas estava sendo bem-feito pra mim, que não quis estudar. Achava que ficar dentro de uma sala de aula a manhã toda era perder a liberdade, desengraçar da vida. Mal sabendo ler e escrever, o

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jeito era trabalhar no duro, suar a camisa, repetir os dias. Não que estivesse inteiramente insatisfeito. Tinha lá suas compensações viver como vivia. O trabalho de levar recados pras mulheres era uma delas. Via como elas eram, a beleza de cada uma, o cheiro delas, e como era bonito o sorriso quando liam os bilhetes, e isto me fazia sonhar. Só uma vez uma disse que não podia. Não podia. Ele tem que esperar mais uns dias, falou, com a cara amarrada. Eu não sei o que era, nem por que ela disse aquilo, só sei que levei o recado de volta e foi igual um desarranjo. Ele amoleceu todo e quase ia se esquecendo de me fazer o pagamento. Depois, se retirou cabisbaixo, contrariado.

Eu percebia a felicidade deles quando dava certo o encontro. Um sim delas, mesmo mole, que eu repetia pra eles – ela disse que sim -, provocavalhes uma avalanche de alegria contida. Pra fazer o acerto do meu trabalho, os casados me levavam pra um canto escondido, às vezes no pomar. Ou perto do galinheiro – e aí eu já sabia. O pagamento era uma galinha velha. Minha mãe é que ficava satisfeita.

Quando de novo fui levar um recado de Juventino pra Jurema, numa tarde de sol quente, senti um estranho calor no corpo, diferente do calor causado pelo sol, e que eu nunca sentira antes. Fiquei olhando pra Jurema, praquele corpo metido numa blusa meio transparente,

com o short apertado que deixava saltar algumas saliências do corpo dela, e um súbito desejo se avolumou no meu corpo adolescente. Eu tive que virar o rosto e olhar o cachorro se rolando na grama. Distraído, mal ouvi que ela dizia alguma coisa. Acho que ouvi só o final da fala– me convidava pra tomar um copo de água. Então entendi – estava calor, eu suava, ela me oferecia um copo de água. Aceitei. Entramos na casa, ela me deu a água numa caneca de alumínio, tomei, devolvi a caneca. Jeitosa e sorridente, me puxou pelo braço, foi passando as mãos na minha cabeleira, com elogios, depois nos ombros... De repente, me puxou com força e grudou a sua boca na minha. Me arrepiei todo. Agarrada em mim desse jeito, me levou até o quarto e me deitou na cama dela. O calor que eu sentia ficou maior. O coração acelerou, fulminado por um tremor geral que dominou minhas entranhas. Deitado, eu fechei os olhos – seja o que Deus quiser, pensei.

Eu demorei mais do que o normal naquele dia; já estava escurecendo quando encontrei o Juventino. Reclamou de minha demora e eu não disse nada. Peguei o dinheiro e fui embora, assobiando o prazer de viver. Daquele dia em diante, levar os recados de Juventino pra Jurema era o que eu gostava mesmo de fazer naquele fim de mundo.

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Ivo Aparecido Franco

São Bernardo do Campo/SP

História

Vagarosamente descobrimos Que o tempo era algo tão absurdo Que jamais caberia na memória

Vimo-nos uns aos outros atônitos Recolhendo, em lugar nenhum,

Dentre corpos mortos e outros trecos, Cacos quebrados de lembranças incertas Muitas delas encobertas

Por uma espessa névoa entorpecente

A esse sudário coletivo Denominamos História O manto pagão transparente Que desvela de propósito Cada imperfeição feia De nossos corpos machucados

Cobertos com esse pano Corremos assustados Por tudo de nós que nos revela E insistimos em não ver

Com muito trabalho Juntamos tudo e costuramos

Formamos assim Um grande manto Com o qual pretendíamos Cobrir nossos corpos nus

Praticamente expostos Encontramo-nos travestidos dela Que chega até nós embriagada, cambaleante

Vem nas asas de uma memória estúpida Que virou meme

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Fotos

Jamison Paixão Las Palmas de Gran Canária/Espanha

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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3

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Certa Manhã do Pensador do Boteco

Como de hábito, Mourão chegou ao bar pouco depois das dez da manhã e dirigiu-se à sua mesa no fundo do estabelecimento. Ali ficaria até pouco antes de meio-dia, hora em que entrava no banco para o expediente diário.

À espera dos primeiros comensais, saboreava sua cervejinha bem gelada e a primeira leva de tira-gostos, um queijo Minas de primeira, recomendado com sabedoria pelo eficiente Osvaldo, o mais experiente dos garçons do bar. Logo chegaram, sucessivamente, alguns dos “habitués”, colegas do banco que também cultivavam o gosto (bom gosto, vale frisar) do Pensador do Boteco em alimentar corpo e espírito para o desafiante batente de cada dia.

Primeiro, veio o Anísio, do clube dos cinquentões no qual ingressara Mourão há...pouco tempo (sem necessidade de maiores especificações). Naquela manhã, vinha entusiasmado com a vitória do seu Botafogo na véspera. Apesar de torcedor do Fluminense carioca, o Pensador do Boteco tinha grandeza de espírito suficiente para celebrar – e até desejar – o triunfo habitual de todos os times da preferência dos seus comensais, a fim de que a alegria reinasse na mesa. Anísio chegou e foi imediatamente

saudado, em seu orgulho botafoguense, com o sincero tilintar das tulipas de cerveja.

A seguir, entrou Chicão, com seu jeito sempre alegre de rever os bons amigos, sorriso farto e acenos para todo o pessoal de serviço no bar. Trabalhava na mesma seção do Pensador, no banco, e angariava a simpatia de todos, não só por sua jovialidade, mas também pela reconhecida eficiência e companheirismo no serviço. Não deixava um papel para o dia seguinte e, o que era ainda melhor, jamais atrasou alguém na saída em grupo para as noitadas de sexta-feira, no mesmo bar.

Quase ao mesmo tempo que o Chicão, adentrou o recinto a Mônica, a mais jovem do quarteto. Devia ter uns cinco anos somente de banco, mas parecia uma veterana, tais a classe e a impressionante experiência com que manejava papéis, contas, cervejas e bocados. Magra, cabelos castanho-claros que vinham ao meio das costas, era outra figura sorridente, que parecia estar sempre de bem com a vida e adorava os ditos e as tiradas de Mourão. Este, por sua vez, apreciava o hábito da

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companheira de copo em passear o dedo indicador pelo “suor” das tulipas, como que a desenhar imagens indefinidas, vindas diretamente do seu ego para o prazer interpretativo dos comensais.

Seria aquela manhã como qualquer outra, sem se desmerecer, contudo, com a pesada mesmice da rotina ou a tristeza que acomete outros frequentadores de bares. Na mesa do Pensador do Boteco, reinava a animação, e os absurdos da existência humana eram equacionados em alto astral. Aludindo à juventude de Mônica, Anísio costumava recordar antigos companheiros que ela não conhecera, mas ele, sim, ainda rapazola, ao ingressar no banco como simples “office-boy”. A maioria já se aposentara, alguns haviam falecido e poucos ainda reapareciam, vez por outra, para as manhãs ou as noitadas de praxe. Sempre que o amigo enveredava pela traiçoeira nostalgia, o Pensador do Boteco cuidava de pôr ordem à mesa, dizendo com sua voz macia e convincente que “recordar é viver, sem dúvida, desde que o recordador não se deixe morrer de saudade”. E arrematava que “melhor de tudo é recordar E viver”. Anísio se recompunha imediatamente e a galera toda vibrava em novos tilintares das taças.

Pensamentos como esse e outros eram ocasionalmente relembrados por Mourão ou por algum companheiro, sem o ranço das frases repetidas pela chamada sabedoria popular ou, pior ainda, pela pobre inventiva dos políticos

de segunda categoria. Soavam sempre renovados, como recémchegados à dinâmica da conversa. Tinham o impacto desejável para iluminar o bate-papo, envolvendo-o em uma onda de eterno renascimento. O Pensador do Boteco sobressaía-se nessa arte clássica de lapidar comentários dignos do melhor escultor. Naquela manhã, sua inspiração se manifestava com a frequência costumeira. Teodoro, um garçom mais idoso do que Osvaldo, queixava-se de que a mulher não queria mais preparar rabada, músculo e outros pratos de carne bovina da predileção do marido por andar preocupada com o nível de colesterol de ambos. Mourão não perdeu tempo em orientar o amigo a defender-se com o argumento de que os bois se alimentavam unicamente de grama. Assim sendo, sua “carne” era vegetariana, na verdade, quase incapaz de fazer mal.

Como a conversa continuou pela via da saúde, o Pensador do Boteco reconheceu que ele próprio era bem disciplinado, ao contrário do que levaria a crer a pilhéria anterior com Teodoro. Deu como exemplo o fato de o médico lhe haver recomendado, certa ocasião, que reduzisse a bebida à metade. Sem hesitar, Mourão passou a comprar somente meias garrafas para sua adega.

Dos desafios da saúde física, enveredou-se pelas questões

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espirituais. Em dado momento, o Pensador do Boteco teceu comentários sobre a necessidade de tantas pessoas de abraçar uma religião e concluiu, com seu ar de aparente seriedade, que todo ser humano deveria esposar três credos, pelo menos. Como exemplo, ele, se contasse com o aval dos patrões, seria muçulmano às sextas-feiras, judeu aos sábados e católico nos domingos, em absoluta devoção ao “santo fim-desemana prolongado”. Não satisfeito, pediu aos amigos que o informassem de outra religião consagradora das quintasfeiras como feriado. “Já imaginaram que maravilha?”

Uma senhora que terminou seu cafezinho no balcão aproximou-se da mesa para perguntar se alguém por acaso conhecia determinada casa para mascotes, pois o endereço que anotara não correspondia. Trazia na coleira um poodle que logo cativou Mônica e outros comensais. Após fazerem festa no pequeno animal, pagaram o preço de cair nas boas graças da dona, que desfiou, sem parar, histórias deste e de

muitos outros cachorros que tivera ou conhecera. O Pensador do Boteco salvou a pátria, uma vez mais, ao encerrar a cantilena sem fim da senhora, aproveitando-se de que ela perguntou a cada um qual a sua raça favorita. Chegada sua vez, respondeu que ele decididamente preferia os “hot dogs”. Ante a significativa resposta, a adoradora de cães deu-se conta de que já era tempo de sair e buscar o local que queria.

Em função do adiantado da hora, Mourão e seus companheiros tiveram de liquidar as cervejas restantes com certa celeridade e pendurar a consumação daquela manhã até o dia seguinte, para não se atrasarem no banco. O dono do bar sabia que podia confiar na turma, mas o Pensador do Boteco, mesmo assim, assegurou-lhe que todos pagariam com juros, na forma de mais comes e bebes. Afinal de contas, negócios são negócios, ainda que entre amigos.

Versão reduzida da original, publicada em JAX, Afinal de Contos..., ed. Illuminare, RS, 2019.

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Jeferson Ilha Santa Maria/RS

Seguidores, manipuláveis...

Unidirecionais

Tão manipulados, que são capazes de acreditar que pensam por si mesmos. Mas o seu pensamento não é seu. Aceitam como verdade o lado que querem ver. Sem pensar, Refletir nem pensar. Aceitar...

Então aceito e reproduzo. Aprender a pensar dói, muito...

Desconstrói verdades, Desconstrói quem sou, Quem somos... E isso é doloroso demais. Dói por aprender o que somos, Reaprender a ser... Quem foi, já não é... Unidirecional

A unidireção é imposta e... Perversamente aceita. Posta e imposta, Como única verdade. Moral. Como único caminho. Direção. Unidireção.

https://www.facebook.com/jeferson.ilha @jeferson_ilha

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O caso Maria das Dores

As referências ao estranho caso de Maria das Dores são escassas e pouco elucidativas. Foi ao folhear números do Jornal de Anadia do ano de 1965, em pesquisas etnográficas, que encontrei uma pequena notícia no fim de uma página par. Não consigo reproduzir o texto, porque entretanto perdi a cópia, mas lembro-me que tratava de uma mulher que se tinha suicidado, após ter assistido a uma apresentação do Coro Paroquial de Arouca, no Teatro Bairradino. A notícia referia que o grupo coral carregava um histórico de outras mortes inexplicadas de espectadores e levantava suspeitas sobre uma possível influência perniciosa da soprano principal, a tal Maria das Dores. Na altura, não lhe atribuí grande credibilidade. Sabemos bem como, por vezes, se empolam e se adulteram factos com “explicações” sem qualquer relação de causalidade.

Quis o âmbito da minha pesquisa que eu consultasse outros jornais da zona centro, algum tempo depois. O Vouzelense forneceu-me a segunda referência a Maria das Dores: após o espetáculo coral na Casa do Povo, um homem atirou-se do viaduto ferroviário para as rochas. Não se conheciam à vítima problemas económicos ou depressivos. Desta vez, a curiosidade

obrigou-me a maiores empenhos. Alarguei a minha pesquisa etnográfica ao jornal de Arouca, na esperança de encontrar outras referências a Maria das Dores, na sua própria terra.

No Arouquense, em cada ano de meados de 60, foram noticiados um ou dois casos funestos com espectadores do coro paroquial. Depois de vasculhar os arquivos do jornal, comecei a fazer perguntas pela terra. As memórias estavam invariavelmente “apagadas”, mas depois de ser empurrado de um lado para o outro, dei com um ancião disposto a falar. Era um ex-professor primário.

— Sim, conheci-a muito bem. Chamava-se Maria das Dores. Era de uma aldeia da Serra. Farta de frios e malpassar, veio para criada de servir, para uma casa dalém. Até aqui, tudo normal. No princípio da década de 60, o padre, influenciado pelo espírito do Vaticano II, resolveu criar um coro, e ela foi das primeiras a aderir.

Parou um momento em evocações.

— O senhor nem imagina. A miúda tinha uma voz! Ia para lá do que é humano. O canto dela tocavanos onde nada mais nos atingia.

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Ouvir o seu atormentado agudo de soprano solar o Stabat Mater Dolorosa, sobre os graves de mau agouro dos baixos, compungia todo o auditório. Parecia que entrevíamos o fim do mundo, cataclismos inomináveis. Inundava-nos uma angústia tão grande que se, no fim da peça, olhássemos em volta, iríamos deparar-nos com muitas faces inundadas de lágrimas. Havia quem soluçasse incontroladamente. Não me admiro que algumas pessoas não tenham aguentado e tenham praticado atos tresloucados, como diziam os jornais.

Embalado no discurso, avançou para teorias próprias:

— A música tem o que se lhe diga. Não sei se o senhor sabe, mas aquelas notas têm relações matemáticas exatas entre elas, que já Pitágoras tentou desvendar. Na Idade Média, a Música era uma das sete artes liberais que os homens ilustrados deviam estudar, como a Aritmética, a Geometria e a Astronomia. E é perigosa, sabe? Há algo de mágico e maligno naqueles doze tons. Doze, como os signos do Zodíaco. E como os apóstolos, em que um traiu. A música entra no nosso espírito sem licença, sem nós querermos. Retine e ecoa no mais íntimo de cada um. É absolutamente intrusiva, violadora, manipuladora. Eu posso estar muito satisfeito da vida, mas se for atingido pela melodia certa, posso ficar taciturno e sentir-me o mais miserável dos humanos. Era o que acontecia a alguns,

quase sempre que Maria das Dores atuava.

No dia seguinte, rumei à aldeia de origem de Maria das Dores, nos altos da Serra da Freita. Era um lugarejo humilde, quase miserável, encaixado numa dobra da serra, em que as habitações confinavam com currais, e as poucas pessoas conviviam com todo o tipo de detritos rurais. Consegui localizar uma prima, já bem velha, que me facultou alguma informação mais íntima.

Contou que, em jovens, quando iam as duas buscar as vacas, no fim do dia, Maria das Dores parecia por vezes embeber-se daquele silêncio global, só céu e serra, e ficava muito parada, como se contemplasse algo peculiar, que só ela via. Então, lançava um canto dorido que se estendia pela superfície do planalto escalvado, alcançava as serras mais afastadas e regressava num eco transmutado, entremeado por reverberações fantasmagóricas como miragens. Contou que, nessas alturas, toda a sua pele se arrepiava, como se uma multidão de pequenos seres invisíveis as envolvesse.

Para Maria das Dores, aquele eco parecia funcionar como estímulo, e prosseguia em repetições de outros cantos, outros enleios, sempre tristes. Certo dia, com o eco, vieram lobos. Seis, cinzentos e de olhos amarelos. Contou que ficou paralisada de pânico, certa de estar no seu último dia, mas Maria das

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Dores enfrentou-os, com um canto da serra, nostálgico, mas firme e destemido. As feras estacaram surpreendidas e, perante o tom enérgico e uivado do canto de Maria das Dores, afastaram-se, dando mostras de algum receio.

— Ela nunca falava nisso, mas, um irmão, um pouco mais novo, um dia perdeu-se na serra, ou caiu nalguma quebrada, e foi atacado. Quando o encontraram, estava quase todo roído pelos lobos.

Resolvi visitar o planalto onde ambas se tinham confrontado com as feras. Como então, o dia chegava ao fim. A aragem fria e sussurrante trazia

apelos, rumores, ameaças. Em certo momento, o murmúrio cortante pareceu-me um canto humano, uma queixa dorida e muito aguda. Nunca me senti tão sozinho. Após uma luta de minutos contra a superstição e o medo, dei-me por vencido. Desatei a correr sem olhar para trás, absolutamente aterrorizado.

Abandonei ali a minha investigação da figura e da personalidade de Maria das Dores. Nem quis visitar a sua campa. Só resolvi contar tudo isto agora, vinte anos depois, porque me lembrei do caso ao ler notícias recentes de um estranho suicídio na Serra da Freita.

http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/

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Trinta Anos ou Mais

Ele ainda a esperava todas as tardes às 17 horas na mesma pequena livraria que já não existia mais

Em meio a livros imaginários decifrava trovas de amor no caçar dos versos perfeitos que nenhum Dante Camões ou Shakespeare jamais poderia ter feito

Leria quantidade maior de escritos e papiros que sequer a Biblioteca de Alexandria possuía

Percorreria os imensos corredores dos anos que nem o próprio Matusalém conseguiu

Sobreviveria a imortalidade mais que a soma de todos os deuses que os milênios outrora soterraram

E ainda assim a esperaria todas as tardes às 17 horas na mesma pequena livraria que já não existia mais

Sentado no canto invisível daquele lugar que o mundo esqueceu aguardava o chegar inevitável da noite folheando recentes obituários no encontrar dos nomes familiares

Os ossos da eternidade já pesavam em seus ombros levemente arqueados enquanto presenciava sempre o extinguir das tardes mortas no cerrar das luminosidades escassas pelo despertar insone dos postes

E quando chegada as noites voltava derrotado às camas com a confiança dos devotos de que amanhã ainda a esperaria pelos próximos trinta anos ou mais

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Joedyr Bellas

São Gonçalo/RJ

De Boa

Sentado na varanda da minha casa. Casa antiga, de avarandado em L. Samambaia majestosa, chorona, lágrimas verdes derramadas por todo o tripé onde ela estava sustentada, no canto da frente da varanda que dava para o portão.

Se quiser, pode sair. Se quiser, pode entrar.

Estou de boa, e minha avó sempre mantinha a casa aberta para uma visita e um bolo de fubá com café preto, bem quentinho. Tinha que ser preto, se pedissem, sem ofensa, um pingado ou uma média, sem ofensa, e sem pestanejar, ela rindo, falava alto, que média ou pingado, só no bar do seu Joaquim, no tempo em que os bares e os armazéns eram comandados por um português nato, Trás-os-Montes, de lápis atrás da orelha, um caderninho de anotar a freguesia e acertar as contas no fim do mês. Tá certo essa conta, seu Joaquim? Ora pois.

Vou escrevendo essas lembranças e a mente vai borbulhando. Minha mãe me pedia para comprar bisnaga na padaria. Pedia não. Mandava. Nessa época, as mães mandavam e os filhos obedeciam. Molecada esperta. Não tinha futebol no paralelepípedo, não tinha bola de gude no quintal de dona Jupira, não tinha pião no quintal de dona Isa que convencesse a mãe a mudar de ideia. Deixa pra depois, é um pulinho só. A brincadeira fica pra mais tarde. E ficava. De boa. Sem reclamar. Quando o padeiro não entregava o pão na porta de casa, a incumbência de ir na padaria comprar a bisnaga do café da manhã ou da tarde era minha.

Não se esqueça da manteiga. Não me esquecia. A manteiga era tirada por uma colher enorme de pau de dentro de uma lata de vinte e colocada em um papel vegetal. Manteiga da boa, dizia seu Joaquim, que a manteiga eu comprava no bar da esquina. Obrigado. Não se esqueça de anotar.

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Ora pois.

Está quase na hora de Ritinha passar, estava, ela não sabia de mim, não como namorado, mas eu sabia da minha história com ela. História contada por mim nas cartinhas, mantidas a sete chaves na gaveta da cômoda do meu quarto, no fundo da gaveta, debaixo de roupas e mais roupas, tudo embolado, mas as cartinhas lá, guardando os meus segredos e contendo os meus passeios com ela pela praça, pela rua, pelos campos de futebol, pelas quermesses, pelas festas juninas, pelos bailes do chapéu na casa de dona Adelaide, aquela casa lá em cima do morro. Soberana. Hoje, não se vê mais a casa, são várias casas, mas daqui do avarandado da minha casa, casa antiga, ainda é possível enxergá-la. Posso até escutar o disco na vitrola, os pasteizinhos sendo servidos, refresco de groselha, e eu esperando Ritinha passar o chapéu na minha cabeça e a gente sair dançando pelo salão. Só eu e Ritinha. E lá vem Ritinha descendo a rua, toda bonitinha. Com seu vestido de chita, seu rosto sarnento. Estrelas pintadas com esmero e precisão no rosto de Ritinha.

Lá vinha Ritinha. Toda serelepe. Travessa. Sabia sorrir mostrando os dentes branquinhos e de fazer covinha nas bochechas. De endoidecer. E eu ficava doido. Oferecia bala Juquinha de morango a ela e ela aceitava, eu dava pra ela aquela goiaba de vez, que era como ela gostava, tirada lá das grimpas, cuidado moleque, e ela aceitava, oferecia um beijinho a ela, ela me mostrava a face, eu não queria, e na brincadeira de pera, uva ou salada de fruta, ela nunca caía comigo, só uma vez, eu fui de salada de fruta, ela bobeou, e era para ser aquele beijo, beijo na boca, grudado de abiu ou jaca, era, porque ela não aceitou a oferta do meu beijo e saiu correndo pela rua.

Eu e minhas lembranças. Daqui do meu apartamento as lembranças vão chegando, sem pedir licença, eu as aceito e algumas lágrimas se misturam com as lágrimas da samambaia do avarandado da minha casa, casa antiga.

E a vista fica embaçada. Mas, como diz o título, estou de boa.

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Poema da Noite que passa

A luz esmorece em azul suave E o dia parte. Foi mais um dia. Grão de Tempo, Nota e Clave, Na Pauta desta Cósmica Sinfonia.

No vidro da janela um raio de Luar, Abre-se em rio de prata escorrendo. E a Musa, que vem por ele a navegar, Inspira o poema que está nascendo.

As palavras ligam-se com brandura, Em versos de desejos inconfessados, Uns são de dor, outros de ternura Alguns, também, de sonhos destroçados.

Poesia que enches a alma insatisfeita, Dessa vontade de mais sempre querer. És a música dessa melodia imperfeita, Que o meu canto, no peito, faz crescer.

E o ritmo da poesia música, vem embalar, O sonho, véu da noite que me abraça. Rendilhado de astros, estrelas a vibrar, E o Verso rima com noite que passa.

https://joseneves.tambemescrevo.com/

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Juarez Marçal Recife/PE

Amanhecer

O sol que se põe nesta manhã Amanheceu a realidade, mostrando a idade, e o embaraço dos cabelos...

O corpo já não é mais o mesmo, as pessoas são todas as mesmas na mesma caminhada, na mesma rotina sem ter noção do dia que passa...

O sol que chegou é o mesmo, De ontem, De todos os dias que virão De todas as manhãs. Brilhante, Radiante, Iluminando os caminhos, Aquecendo as flores, na efervescência Dos aromas, Secando as sementes Secando a lágrima Da noite solitária... Nesta regência há uma explosão De sentimentos, de corpos De cores, Onde o céu é o palco da bondade Da Criação de Deus.

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Desenhos Animados

Piuí, piuá, piuí, piuá, Juvenal Violino viajando vai cantar a intenção de reatar, rever sua musa do mar. Trem, ação, aviação, carango, maria-fumaça. A trança, trança jovial, Anita seu amor carnal. Todo o ardor a atormentar a propriedade de lembrar, apropriando a tela salva ao estilo de lamentar. A alma calma timbrando o instrumento que ele próprio faz. Assim tira a ilustre capa estribilhando o violão. Anita bonita, recalcada, põe justa combinação. Bota um salto e seu casaco, entra no carro e vai pra lá. Ele vem se aproximando para ela encontrar.

Não em vão estão recitando a pura sorte de chegar à já marcada referência, corte planejada a arejar.

Anita musa, linda em cena, arrumada e atemporal num movimento afinado já chegado a ser quadrado, esfera do ato de esperar o seu homem literato. Exigido em legítima clave a tocar. Seu penteado esculturado, gargalhado a despentear... Ela sim já sabe o fato, não tem medo de enfrentar. Arrumando seu cabelo, esperado, serpenteado. Seu homem lobisomem encarnado a lhe olhar... E Anita vai perseguida por seu homem Juvenal. Violino arrependido, lobisomem sensual... Parado num, por favor, de ser homem lobisomem transformado em ideal. De Anita presa tátil, encantada no quintal. Quer agir como arapuca do Juvenal, bom, terno e tal. Relacionados mais que adultos ambos estão feitos sal. Eróticos jogos a brincar em uma banheira. Heroicos num balde a sonhar... Debalde a casa velha assombrada ao luar, uivo dado à revelia, brinde mais particular. Reencenado num segredo, fato ambíguo de amar. Que não contam nem ao padre das suas vidas incomuns. Excomungados sociáveis. Consequência virtual. Piá bela, batizada, sem o susto, pois sua reza é clerical. Sabe de fato o labirinto, e segue a estrada armorial. Cruza o arco da distância, igreja cruz da dimensão. Tudo estranho e desviado, oratório de irmãos. Ladeando pieguices de um santo Juvenal. E Anita o sim dessa palavra, já tocada a se livrar do enraivecer, porque é mulher bem sabida e sabe rir em suas falas...

Árduos belos que passeiam nesse parque diversão. Aceso em néons. Gritos. Montanhas de sustos, peroladas de brincar. Cuidando dos russos gritos, que

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fugidios seres dão ao ar. Assustando em esconderijos dessa arca de Noé. Fantasmas afogados no mar de outra maré.

Ai meu deus que susto grande, certo dia de luar. Que medo de meu deus, meu deus... Ainda giram no chapéu “mexicanoir”

Evaporando em brinquedos, cavalgados carrosséis. Personagens cavaleiros, que cavalgam, e cavalgam à terra da fumaça. Lugar ermo da enigmática flor. Flor de cinco vis cabeças brilha fogo, espelho e sangue. Transe, estrela cadente, escorre fé num tobogã de explicações. São desenhos animados, sonhos maldeitados, sonos, sanguessugas, vampiros da imagem. Anã, íris, virada e curta. Cine-sangue repartido, emocionado pesadelo maldito parido feito leite. Uivo no ocaso crepuscular...

Transformação irreal formada pelo medo. Sangue doce dessa crença, imagem sensacional. Real sangue do fato, olfato fátuo da descrença, parapsicológica ao formato da imensidão do ar. Luar de Anita no momento em que cala em seu suplício. Ele, assim, está sorrindo. Só chegará se educado, pois é doce o tormento.

Informado, está tudo quebrado. Nada ficou além do rádio, e a imagem da estrada da praia. Horizonte escravo vai e vem no carrinho do parque a ter e voltar...

E tece a escuridão, encanto do que houve. O susto dum vampiro. Boneco feito néctar.

Figura. Assassinato no parque. Os alhos das ideias. Cores de viver, a estória exata pra contar.

Desfazendo pegadas, porque diz, sou feliz. Amo Juvenal, e sou Anita, grávida no mar.

Ouça, ainda vai dizer, pois se finge de coitada, sorrindo por fugir do lobisomem sensual. Sou como um caranguejo na praia, prata daqui. Bala pronta, prata agulha, nunca mais eu vou fugir.

Dormindo, sou igreja crescida. Também cabelo e mulher. E roupa bem passada. Janta recortada. Também já sou cansada. Ele é gravata, terno e também o mar. Ele é o meu mal necessário, que come o jantar... O mal é necessário, e deito a corar. Eu o coro de vermelho, no espelho desse lar... Então estou aqui, a titubear...

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Karine Dias Oliveira

Nova Friburgo/RJ

Contrastes

Um saldo... um salto... ou o retrocesso Esperança erguida na determinação das palmeiras Que encontravam acalento no doce canto dos pássaros Exóticos eram eles... Que deitaram em berço esplêndido Que ousaram no mar das canoas Onde os troncos descansavam em paz Carregando os sonhos dos montes alegres Uma tal “independência”... Mistérios nas margens e luta pela terra Filhos avermelhados

De sangue... de cor de gente... Indefesos como a fauna e a flora Olhos lunares em adoração Penitência e evocação Realidade de uma época cinza nas páginas de nossa história Tratados em desacordos Ideias e ideais de prosperidade Hoje... memórias contadas

Um rastro no verde seco Devastação e amarelão Mas, ainda há esperança pra esta nação Que ainda enxerga as estrelas E pela fresta do teto cor de palha Busca apenas os pés firmes neste chão!

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Eus e o Relógio do Mundo

A mecanicidade do mundo me engoliu, tenho que lutar toda manhã para não ser digerida, mas nem sempre consigo me livrar do ácido corrosivo do Saber. Acordo, durmo, acordo, realizo tarefas meio a esmo. Isolo-me com falso despropósito, me isolo e tento escapar do fardo tóxico do conhecimento. Quantas vidas terei de viver antes de alcançar a mera possibilidade de ser fiel a mim mesma? Terei tempo de descobrir meu verdadeiro eu? Terei mesmo, encapsulado em meu ser, um único eu?

Tem dias que me sinto como a união disforme de mil artistas torturadas, como um monstro antigo ou uma escultura moderna, que espirra emoções cruas nas tintas que são nada menos que sangue vermelho vívido tenaz tóxico. Outros dias me sinto como a soma de todas as mediocridades e falhas, de cada artista que se suja com a verde vileza de um papel vazio e que se venderia por muito menos que ouro!

Tenho um sonho recorrente com cabelos de fogo em tranças gloriosas e sardas por todo corpo e uma coroa majestosa e pesada, tenho um sonho recorrente de uma rainha bárbara de longos vestidos e peles de lobo que reina com generosidade e pulso firme e que tem má fama na antiga Grécia. Uma

rainha bárbara de lugar algum, estrangeira para sempre em qualquer lugar que se atreve a conquistar.

Em meus pesadelos me vejo como uma antiga guerreira feroz! Com a armadura reluzente banhada em sangue! Uma antiga guerreira com fome de guerra! Acordo tremendo pálida, lembrando o odor de morte e de carne dilacerada, acordo com medo de mim e da sede de sengue que posso sentir latejando em cantos obscuros de meu âmago...

Às vezes me sinto como uma velha prostituta histórica... Velha e sábia... Velha e Cínica... Velha o suficiente para ver, saber, conhecer... Uma velha prostituta histórica cansada dos caminhos dos homens... Cansada e cheia de ódio da antiga hipocrisia que dura e perdura, meu Deus! Até quando? Cheia de ódio... Asco... Rancor... Desse mundo vil em que assassinos ficam soltos e recebem mais compaixão do que pessoas como ela!

Poderia descrever tantas outras que sinto em mim, mas de que adianta? A mecanicidade do mundo me

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engoliu e tenha estado tão cansada, para quê tentar ser verdadeira ao meu eu? Para quê imaginar se existe mesmo um único eu? Por que Lutar? Talvez eu consiga não pensar se for digerida, talvez eu consiga dormir tranquila se for digerida, talvez eu alcance a paz medíocre de quem não percebe se eu for

digerida, talvez... Por que eu seria diferente? Todos os outros foram absorvidos pelo relógio vil da passividade? Por que seríamos diferentes? Questiono-me tentando me encaixar nas engrenagens, mas sem conseguir ficar parada por tempo suficiente para não pensar.

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Portugal Mercurocromo

Quando era criança, achava que os adultos eram gigantes. Não por serem maiores em tamanho e corpo, mas porque facilmente se tornavam personagens de outra realidade: gigantes!

Gigantes a saltar da página dos livros. Mesmo aqueles que não leria nas folgas da infância. Quando era criança, era fé absoluta e sabida que o 'estrangeiro', não existia ainda o conceito de mundo, o ‘estrangeiro’ começava ao cimo das escadas da rua a que chamávamos de nossa

A noção de espaço era medida pela palma das nossas mãos, fosse através da translúcida carapaça de um caracol outrora curioso, ou através das antenas de uma formiga que fugisse do sol.

Desdobrávamos as esquinas, soltos, livres, gritando sem pejo nem medo, sem medir o perigo com que os berlindes, as caricas de garrafas, as fisgas, e os carrinhos de rolamentos nos seduziam.

Ali, naquela linha ténue entre o prazer da corrida, e da dor irreversível. Os carros passavam depressa e, se fosse hoje, estaria em contramão. Dizia-se então que a rua tinha dois sentidos.

Fosse qual fosse o sentido da expressão. A rua dos gigantes? A rua das crianças? Quando era criança, talvez os carros também fossem eles gigantes, sem folhas de onde saltar, sem livros como núcleo, apenas gigantes com rodas para voar.

E saltava-se mais, com aquele perigo na tangente. Sentia-se qualquer coisa na pele, veloz, sem nome. Seria um torpor de sentidos? Não os da estrada, mas os nossos?

Acordávamos do torpor ao ouvir as nossas mães a gritarem das portas e janelas. Era, afinal, hora de jantar. Arrefecia-nos o corpo enquanto se ajeitava a franja na testa e o assento esperava o conforto de um prato quente.

Era aí, então. Então só aí sentíamos as esfoladelas nos joelhos a arder, a pele a pedir

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atenção, as nódoas negras nas canelas a pedirem um toque, dando dor de volta, os arranhões nos antebraços que causavam mais comichão que a lã espessa que nos encardia a pele. De repente, sentia-se o corpo todo. Gigante.

O castigo de ser criança era duro, afinal. Nessa súplica doce e venenosa do sangue.

Só com boa imaginação, alimentada de necessidade, se salvaria a roupa remendada vezes sem conta e se sarariam os pesadelos de mercurocromo.

http://aparecesepuderes.blogspot.com/

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Desamor

Na imensidão desse quarto escuro, ouço ao longe o seu pranto Percebo que não me comovo, tenho os ouvidos surdos Tudo o que aqui havia se despedaçou, seu lamento não toca mais a minha alma Meu coração fez-se pedra, nosso amor perdeu o encanto

Das labaredas que chamejavam ondulando noites estreladas Restaram apenas cinzas, dispersadas a esmo por ventos tempestuosos Que sopram cruelmente levando consigo Esses ínfimos fragmentos de uma história partilhada

Os lábios que enlevavam sem cessar o seu nome sublime de outras eras E percorriam frenéticos e prazerosos os contornos de seu corpo Tornaram-se repentinamente frios, agora tremulam palavras indiferentes Ou apenas dormem sonos profanos de quimeras

Aquele elo invisível de serenos afetos construídos em tempos deleitosos Repentinamente se partiu, sob o peso dos dissabores e ressentimentos Inevitável cisura que fez nossas trajetórias desencontradas Trazendo o desalentado e perdido vagar por caminhos sinuosos

Daquele amor que tivemos um dia e hoje se desfaz Sobraram apenas sutis lembranças de instantes de cumplicidade e desejo intenso Vivências áureas que se transformaram em solidão, vazio e silêncio À espera que a terra se abra e sepulte esse sentimento que agora jaz

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Fausto e insídia

Que falsa nobreza; Infeta a nossa mente; Numa constância pródiga de dureza; Culpa nossa insolente...

Necessidade vulcânica; De gritarmos as nossas conquistas; Numa ânsia titânica; Menos os fracassos e as tristezas verídicas...

Que inutilidade; Esta confusão conceptual; Entre felicidade e futilidade; Normativas do mundo real…

Sobrevivemos num carrossel; Com a autoestima flutuante; Mordemos uma montanha de fel; Nesta saga incessante... E assim caímos em catadupa;

Nas nossas ciladas; Chegar a ser necessária a lupa; Para enxergarmos as enseadas...

O denominador comum do humano; Nasce da diferença que o caracteriza; Incide na constituição genética do seu tutano; Paisagem mental que assim a dor ameniza...

Para o cosmos; Somos irrisórios; Para a terra, plenos; De encanto mas simplórios...

Pois da nossa maior força; A intelectualidade; Taciturnamente surge e faz mossa; O sentido de inferioridade…

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Lenasantos

Passagem bloqueada

Era estudante do Ensino secundário, vez por outra saía de casa para fazer pesquisas na biblioteca escolar. Tinha permissão dos pais apenas para, no horário, oposto ir e voltar à escola.

Dessa vez foi tudo diferente. Saiu pontualmente, conforme havia combinado. Na cabeça o plano, havia sido, _cuidadosamente arquitetado. Para ninguém perceber, se trocaria na casa de uma colega. Ao sair, sorrateira e desconfiada, a mãe interceptou. Achou que já estava tarde para pesquisas, porém acabou concordando. O local da festa, era oposto ao do educandário, logo seria necessário seguir no sentido da escola, e mais adiante dar a volta. Passaria próximo de casa, porém no sentido transversal.

Às vezes o destino joga contra os planos. Após dar a volta e se aproximar do cruzamento das ruas, precisamente na esquina, onde obrigatoriamente teria que passar, avistou o pai conversando com os amigos.Assustada, tentou se esconder, mas a rua estava deserta, também não conhecia ninguém por ali. Ficou preocupada, temendo ser descoberta. De repente a alguns metros de distância viu um caminhão

estacionado. Apressou-se e protegeuse das vistas paternas.

Precisava seguir, mas corria o risco de ser descoberta. Observava à espreita, o pai continuava lá, muito à vontade. Enquanto ele não saísse sua passagem estaria bloqueada. Começou a se inquietar. Dar a volta, aumentaria muito o seu percurso. Outra solução seria descer a rua, mas passaria na frente de sua casa. Lembrou-se que quando estava nos arredores, ele sempre comparecia em casa, religiosamente, às quinze e trinta para o café vespertino.

Já passava do horário, em pouco tempo a festa começaria. Cansada de ir e voltar ao vidro lateral do automóvel, tomando todo cuidado, _ para não ser vista, percebeu que havia um espaço entre a cabine e a carroceria, onde era possível acompanhar os movimentos dos senhores sem ser notada. Sentou na borda da calçada, o veículo projetava uma sombra sobre o espaço, deixando a espera mais confortável.

De onde estava, via o pai, conversando, gesticulando, e os outros companheiros gargalhando. Com o avançar da hora, começou a

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ficar aflita. A festa já estava rolando, precisava regressar antes das dezoito horas. Já se aproximava o horário da mãe ir à padaria. Precisava ficar atenta, também, ao surgimento dela.

De repente, viu os amigos se deslocando do seu ponto de visão, sentiu um certo alívio, pois, finalmente, o pai procuraria a direção de casa. Ergueu-se do chão, precisava dar a volta no caminhão, pois ele passaria ao seu lado. Ao dirigir o olhar para acompanhar o pai, percebeu que seguia com os amigos e parou na casa de um deles, precisamente, onde todas as tardes acontecia um jogo de dominó. Sentiu o corpo tremular - se ele fosse jogar. Seu esforço iria pelo ralo. Felizmente ele só ficou secando.

O sol já declinava no Oeste, a festa deveria estar no auge e ela ali travada. Para acompanhar o movimento, precisou se deslocar para a esquerda, o ângulo de visão tinha mudado, e já não era possível acompanhar a ida da mãe à padaria. Se caminhasse alguns passos, poderia ser descoberta.

Era inacreditável, mas estava na iminência de perder a festa. Resolveu tentar acompanhar os movimentos do pai, olhando por baixo da traseira do caminhão. De lá era possível se esconder da mãe, ver os membros

inferiores dos folgados cavalheiros e assim acompanhar suas ações. Enquanto torcia, fazia promessa e cruzava os dedos para o pai ir para casa, viu umas pernas conhecidas, familiares, subindo a avenida no sentido da padaria. Parecia proposital, mas poderia apostar que os pais não desconfiavam de nada, acreditavam fervorosamente que a filha estivesse no colégio cumprindo seus deveres de boa aluna. Parecia intuição de pai superprotetor. Apesar do avançar da hora, desistir não estava no vocabulário.

Enquanto isso, assistia na tela do horizonte - o encontro das pernas. A mãe voltando da padaria. Suspirou! Sentiu os músculos se descontraírem. Enquanto acompanhava os quatro pés, marchando sincronizados, romântica buscando o caminho do lar. Subitamente, surgiu um homem branco, gordo, barbicha esbranquiçada, aproximou-se do caminhão, deu partida e desapareceu na avenida. Foi tudo tão rápido que não houve tempo de se proteger.

Em choque, ver a partida daquele caminhão, como a queda de uma cortina no teatro que, ao romper, transforma a beleza do espetáculo em comédia.

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Liécifran Borges Martins Cariacica/ES

As quatro estações de amor

Amor eu sou um amor quente, amor.

Como as quatro estações de amor.

No verão eu entro em chama. No inverno estou toda fria.

E assim, vai indo o nosso amor. Na primavera eu floresço toda. Derramo flores pela trilha de amor. E poetizo mil versos de flor.

No outono eu caio atoa. Como as folhas do pé de maçã. Maçã de amor, meu amor. São quatro estações de amor.

Vem florir na primavera. Transbordar no verão. E dançar no outono. E dizer eu te amo, amor.

Página Instagram: /liecifranborgesmartins

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Lizédar Baptista Anápolis/GO Mariposa

As asas metálicas se movem

As patinhas Tocam o vidro Quer sair e quer voar

A bicha não vê que a janela está frechada E é assim que vai ficar Acha que vai sair e vai entrar Na hora que quiser Até parece que minha casa é bar

E caso aqui queira morar Que minhas regras venha seguir E o aluguel ajudar a pagar Porque artrópode vagabundo É uma coisa que não vou sustentar Não é porque é inseto Que não vai as regras da casa respeitar

Veja bem, dona Mariposa Na linha Vai ter que andar

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O Véu

(As Três Faces De Um Dia)

I

Todos os dias, alguém interrompe a sabatina e pensa: “Um dia...”

Todos os dias, as espreguiçadas das expectativas, traem o véu Das poeiras em suas Ilíadas

A todo minuto, alguém vive um dia, em que a esperança de um dia É o único chão De uma sala vazia

A vida as vezes nos vem na avenida mas Na corrida contra nos mesmos nos atropelamos E as nuvens riem Dos dilemas racionais de nossas vidas

Todos os dias Alguém chega ao fim da sua vida Ainda se perguntando “Como seria?”

Com os olhos inchados dizemos “bom dia” Mas, estatisticamente, quase sempre Isso é uma mentira.

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II 130

O estampido do trinco ressoa

Outro humano triste (,)

O ontem do sol nos contempla contemplando-o na odisseia da fuligem (.)

Dentro de vidros marejados o amanhã cruza seus dados em nossos olhos fitados

No hoje que fugiste (,)

À noite, os leviatãs acendem as tevês que calam os ossos moídos, e

O coração grita (:)

Na madrugada que não durmo, o grilo ressoa sua cozinha enquanto a cigarra me apita

“Eu também já fui assim...

...Um dia (...)

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A rapariga dos solares olhos

Muito imaginava ela como forma de ultrapassar realidade diversa e que tanto era dispersa, mesmo perante ocasional conversa. Mas dessa vez, não havia qualquer construção de figuras por ce nários irreais, antes uma factual presen ça sua em barco, lentamente remando no calmo rio, envolto com árvores de morangos e outras de vistosas tangeri nas, nas margens ali bem próximas. O céu era cor de alperce e o horizonte pa recia sorrir no seu doce sumo, vislum brando como flores e plantas mudavam de tonalidade, amarelo para verde e de pois até já se mostravam como azuis ou talvez um roxo aproximado. Alguém chamou e intuição dizia-lhe estar nada distante, apesar de não a ver, voz femi nina que a fez responder algo de recor dação vaga, no instante que recuperou da onda lá pelo fundo da paisagem, crescendo ligeiramente apenas por bre ves instantes. Sentia os passarinhos cantando à volta da sua imaginativa mente quando viu a rapariga que antes

lhe falara, a metros poucos de si, mas perceptível ao ponto de conferir solares imagens nos olhos de inegável atenção pelo barco e sua única ocupante. No entanto, tão depressa como apareceu, na enorme curiosida de lhe pareceu desaparecer, mas só até chegada a um pequeno lago, onde suspensa ponte de madeira, unia duas imponentes fontes, bem maiores do que caminho visível, cum primentando ambas. E para espanto da jovem visitante, intensos acenos vinham de lados todos na sua admi ração, apesar de somente dois serem preenchidos em multidão de gente apresentando coloridas gravatas, lar gos colares, adornos brilhantes, péro las dos mares, esmeraldas desafian tes e espantados diamantes. Isso tudo, à volta de pescoços, deixando completar apreciação em como res tantes corpos tinham semelhanças com peças de jogar dominó ou xa drez, para no lado outro de fonte, en

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volvidos nas bijuterias idênticas, esta rem cartas de baralhos, por certo sua íntegra contagem. O percurso de barco seguiu e avistando-se terra nada distan te, as flores quase cresciam a cada se gundo até atingirem altos metros que não sabia quantificar com devida preci são. Havia balões voando na urgente pressa que os fazia desaparecer no visto instantaneamente, levando gente de tal vez duvidosa certeza, por consideração hipotética, mais peças ou eventuais car tas de jogar. Alguns circulavam em lenti dão maior, vazios sem opção pensada diferente, no intuir de que estariam a

dar aproximação para levar jovem cu riosa. A rapariga dos solares olhos sorriu e deixou um rasto de luminoso raio, como se tivesse sido projectada dali para distante céu, alperce como antes e com horizonte ainda sorrindo no anterior visto tom de sumo, quan do lhe falou a tal misteriosa persona gem. O barco via árvores de moran gos e tangerinas, perante flores e plantas, reflectindo solares manchas nas constantes mudanças de cor, lembrando a rapariga daqueles olhos similares em imagem que ainda hoje perdura na sua imaginativa vida.

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A primeira impressão

Consultório médico, sala de espera. Já aguardava há certo tempo, quando chegam mãe e filha. A primeira, um tanto pernóstica e a menina, sem olhar ninguém. Sentam-se, e cada uma mergulha os olhos no próprio celular. A garota tenta mostrar algo que descobriu na tela, mas a mãe está mais interessada em ajeitar os cabelos no self. Pergunta se ainda vai demorar para serem atendidas e recebe o aviso que não entrará na consulta, o que piorou minha primeira impressão sobre a relação de ambas. Implico com a menina que usa a máscara no pescoço e atrapalha a passagem com as pernas esticadas e o longo guardachuva. Implico com a adulta e sua frieza. A pequena se decepciona por ser deixada para trás. Quando a mãe é chamada pelo doutor, me diz qualquer coisa sorrindo, mas fala baixo e não consigo entender. Estamos uma de frente para a outra, então, vou para seu sofá, para conversarmos.

Quebra-se o gelo. Ela me conta que não está acostumada a ficar só, e mostra desconforto. Tento acalmá-la, sugerindo que logo a mãe estará de volta. Está preocupada com a hora de ir para a escola. Ainda precisa almoçar e vestir o uniforme, talvez não dê tempo. Onde você estuda, perguntei? E ela aponta para fora: aqui perto. Contei que fiz todos os ciclos anteriores à faculdade num mesmo colégio. Ela revela que ano que vem vai para a terceira série e tem 8 para 9 anos. Parece mais, afirmo (com essa idade, as mulheres não se importam de parecer mais velhas...). “Todo mundo acha isso”, diz mantendo o sorriso. “Meu aniversário é no fim do mês”. É minha vez de contar que, em outubro, também faço anos, e confidencio a idade. “Nossa, parece bem menos”, ela considera com jeito sincero, apesar de

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meu cabelo branco. “Minha avó tem 45 anos e minha mãe, 29”. Penso, mas não falo, que poderia ser mãe, avó e bisavó das três!...

A bateria do celular dela estava acabando, e aconselhei a pedir o wi-fi do consultório, o que acatou agradecida. Deixou cair o copo de papel onde bebera água e indiquei o cesto de lixo, para onde se dirigiu em seguida. Já éramos amigas e a conversa se estendeu até a mãe reaparecer no corredor. “Está vendo, vai dar tempo de você almoçar e se trocar”, ponderei. “Por que a demora, mãe?”. “É assim mesmo, o doutor precisou analisar os exames e me examinar de novo”. Vão embora na mesma ordem da chegada: a mãe na frente e a menina logo atrás. Constato como a pequena conseguiu apagar a má impressão inicial com sua inocência sorridente. E como as aparências enganam...

www.rubem.wordpress.com

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3 bichos da seda

I bicho da seda, inseto de giz branco. amor tecido II fio a fio primavera eterna: bicho da seda III bicho da seda: outrora fio d’ouro estampa floral

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A Arte de Amar

O céu, uma tela gris, Onde eu contemplo o Olho do Tempo Como se fosse um giz

Transformando no momento stratus em cumulonimbus Dali surgem figuras bizarras, oníricas: Miró, Chirico e Gala, Que a, Persistência da Memória e o Sono deixaram-me confuso, Mas juro que vi Dali

O Grande Masturbador e o Relógio Fundido.

No momento mágico, indefinido. Aparece no meu caminho o Cubismo e seu realismo Olho para o céu, nos últimos goles de uma taça de vinho

E pego meu pincel. Esfera, cilindro e cone, vindos não sei de onde

O minimalismo de uma mulher

Podem ser sombra e luz: gelo e fogo. Impressionismo meu?

A figura não tem contorno nítido. A imagem não tem visual definido. Expressionismo meu? Quero polinizar tua flor, quero ser teu beija-flor.

As cores fortes do Foguismo

─ O que estás admirando

É mesmo uma flor muito especial, ela sensual nenúfar.

─ O desejo que se vê em mim é amoral.

É o fruto da criação; Abapuru. Quero a Cavalgada das Valquírias Quero me integrar aos seus mexidos. Quero a Dança em Bougival

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Quero ser o Munch do seu grito. Quero a Noite Estrelada.

Eu Manet me declaro. Ela aceita e me dá o Beijo de Klimt E mostramos toda nossa arte, como em nu de Cezzane Com o sentimento de Modigliani

─ Ela: quero seu Caravaggio, seu Picasso.

─ A musa do meu tesão, o gosto com que pecava

O gosto com que pegava, o meu pincel Fez do rosto uma tela e como numa aquarela Pintou o meu prazer; o Conde Orgaz. Khalo, beijo seu Boccaccio e digo Olympia!

Eu quero ser seu Carregador de Flores Eu quero Botticelli, minha musa. Eu quero O baile do Moulin de la Galette Quero que sejas minha Moça com o Brinco de Pérola Quero Botero, minha diva. Quero dar-te o Anel dos Nibelungus Quero Da Vinci, natureza morta. Quero o renascimento todo dia, Para ter a alegria, de poder pintar de novo.

Instagram: @,marcosantoniocampos89

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Hoje

Eu sei que viverei o dia de hoje plenamente.

Tão bom a vida assim, sem cansar das belezas que existem ao nosso redor.

Ou quem sabe um dia serei apenas mais uma pessoa que vive, E um dia morrerá.

Todos um dia morreremos, mas eu não morrerei hoje Viverei.

Hoje sou eu quem está contigo Sou menino sapeca Que corre, pula

Um ser humano feliz apenas. Aprendendo de tudo um pouco Como se fosse viver para sempre. Vivo intensamente cada momento

Hoje

Como eu fosse morrer amanhã.

Apresso-me em estar bem com tudo o que a existência me oferece, por si só, a vida de Hoje.

Apressa-te a viver bem e pense que cada dia é uma vida inteira que

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se vive.

Hoje sei amar

Sei de mim e de você Sobre tudo que nós vivemos Desejando ser apenas um.

Hoje quero viver este meu dia Viver um mês E passarão os anos

E quem sabe uma eternidade. Hoje. Sou uma pessoa feliz hoje, Pois amo muito minha vida.

Dela sou um aprendiz como qualquer um que passa por sua estrada.

Hoje buscarei os caminhos que ainda não conheço, que ainda não decorei.

Buscando a cada dia me tornar uma pessoa melhor amanhã e Hoje. @anete2112

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Silêncio

Eu já não canto, só fico, no entanto, olhando com espanto a vida passar.

Sonhando com o dia que a voz sairá para feliz eu poder cantar.

Já não arrisco, pois, corro o risco de balbuciar.

A dor é tamanha que sai das entranhas quando eu desejo cantar.

Em meu desencanto seco o meu pranto para nas lágrimas não me afogar.

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Ciclo anual da consciência burguesa

O grito dos fogos no céu de janeiro. No mar, as flores, as sete ondas e os descartáveis que escorregam das mãos. Domingo, confessionário da igreja: sete pais-nossos, sinal da cruz. Sacrifício de quaresma que não tolhe carnaval. Carnaval da burguesia em terra nordestina. Bacalhau de cada Páscoa, alcatra no congelador. Dia das mães, perdão em frasco de perfume. Pisca-pisca na avenida principal: passa pelo pedinte no sinal como passa o ano inteiro, com o mesmo hálito que responde não ter moedas como diz o ano inteiro, compra a vaga do filho na faculdade apoia intervenção militar na comunidade e pra lá segue com sacola enorme de Natal: presentes numa mão, câmera noutra registro cirúrgico nas redes sociais. Sono tranquilo Brinde da virada No chão a garrafa vazia. Abraça de olhos abertos os fogos que já estalam. “Ano de gratidão!”

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Maria Carolina Fernandes Oliveira Pouso Alegre/MG
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Herança

Quando essa formosa terra Cobrir meu pálido rosto Não serei capaz de sentir mais nada Nem ódio, nem dor, nem desgosto

Não escreverei mais sobre a vida Importará se guardei amores E das coisas que cultivei Em quantas delas eu falei das flores

Não contemplarei mais o horizonte O mar não será meu refúgio Não haverá sequer tormentas Findarei minha morada no mundo

Quando essa formosa terra Cobrir meu pálido rosto Não saberei se o clima está frio E nem se o céu está formoso

Das canções que canto Das poesias que escrevo Só restarão lembranças Suscitadas por segredos

O mundo será o mesmo As cores? as mesmas cores Quando tudo que eu tiver for o fim Importará se cultivei amores.

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As águas do rio não choram

A floresta é um vestido, cujos tecidos verdes se desenrolam nas laterais como asas frondosas. No meio, a estrada é uma faixa de asfalto, um longo cinturão escuro que aperta e sufoca a respiração da paisagem.

O carro em que viajam é apenas uma presilha, onde estarão presos até chegarem ao destino.

As mãos do homem estão agarradas ao volante, enquanto as mãos da moça acariciam a urna apoiada sobre suas pernas.

— Quanto tempo falta? - Ela pergunta e, na voz, ressoa o lamento de mil galhos quebrados.

— Não muito. Você está cansada?

— Não estou cansada, estou triste.

— É natural. - Ele retruca, antes de voltar a se concentrar na direção. Distante, a linha do horizonte que marca o encontro entre o céu e a terra, cuja ilusoriedade, em outros lugares, seria facilmente ocultada pelo perfil artificial de um cenário urbano, aparece clara e marcada.

— Você acha mesmo? - Pergunta a moça, que agora está apertando a urna contra o peito, com força, como se quisesse absorvê-la, incorporá-la, tornála parte de si mesma- Se é natural, por que dói tanto?

O homem balança a cabeça, depois se vira e, encarando-a, percebe, no rosto dela, a diferença que marca a sucessão súbita de duas estações opostas.

A consciência desesperada de que nem a soma de todas as lembranças, de todos os verões, de toda uma vida, seria capaz de mitigar o frio de um único inverno, não torna suas palavras mais lúcidas e leves.

— É natural no sentido de que é próprio da natureza. Da sua, da minha, daquela da sua mãe... É próprio da natureza de todas as pessoas e de todas as coisas.

— Então a natureza é cruel!

— Sim, é cruel. - O homem concorda sem adicionar mais nada.

O silêncio espalha-se pelas frases que gostariam de dizer, acolchoado pelo chilrear das cigarras, pelo canto dos pássaros, pelos sussurros do vento e pelos ruídos do motor, cujas mudanças mecânicas de tom sujam a harmonia com uma cacofonia de interferências antrópicas.

Quando chegam ao destino, um novo barulho cobre todos os outros.

— Está ouvindo? É o rio. Você está pronta?

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— Sim. - A moça responde e duas lágrimas escorrem de seus olhos, sem fazer barulho nenhum. Deixam o carro na beira da estrada e se encaminham para o mato, um ao lado do outro.

— Você quer que eu a leve? - Pergunta o homem, indicando com um aceno de cabeça a urna que a moça continua segurando contra o peito.

— Não, deixa comigo. Chegam em proximidade do rio, no ponto em que uma antiga enchente desfez o talude, reduzindo a distância entre a margem e o leito. A água corre, impetuosa e imparável, aparentemente indiferente, arrastando consigo tudo o que encontra.

— Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio... — a moça recita, olhando para a correnteza.

O homem cinge os ombros dela, por trás, e a abraça- …pois, na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem! - Ele conclui em um sussurro que acaricia o ouvido dela.

— Pai, toda essa dor vai passar algum dia?

— Não, filha. Mas vai mudar, vai se transformar. Vai se tornar outra coisa. — Como o rio?

— Sim. Sua dor, nossa dor, é natural. A palavra natureza deriva de natus, que significa nascido. Essa dor nasceu do amor que nos uniu à sua mãe e, como todas as coisas que nascem, está destinada a crescer, desenvolver-se, envelhecer e morrer, para depois renascer em outras formas. É o ciclo da natureza, cruel na morte, mas generoso na vida.

— É por isso que as águas gritam e fazem tanto barulho? Por que elas também carregam o peso da dor?

— Sim, mas elas são mais fortes do que nós. Você vê, eles não choram.

A moça entrega a urna ao pai, pedindo-lhe que a abra. Então, juntos, em um único movimento, eles esvaziam o conteúdo.

As cinzas formam uma nuvem leve que, empurrada pelo vento, cai e descansa na superfície da água, para ser rapidamente engolida e varrida pela corrente.

O homem enxuga os olhos, a filha faz o mesmo e depois, de mãos dada, se encaminham em direção ao carro.

— Você tem razão. As águas do rio não choram. - Ela diz e, pela última vez, os dois se voltam para olhar o rio, que já não é mais o mesmo.

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10.000

Caracteres

Cá estou eu diante de um papel em branco tentando desvendar o mistério em forma de um folhetim que precisa ser entregue até o final do expediente.

A questão aqui é como encaixar o quebra-cabeças em poucas linhas? Qual palavra-chave terei que escrever pra abrir minha pedra de Rosetta?

Coragem, amigo. Se o Cafu precisou passar por nove peneiras pra ser jogador de futebol e chegou lá, por que não conseguiria criar um conto e fazê-lo ser publicado?

No entanto, havia um problema. E dos grandes.

A minha editora-chefe, a senhorita Esfinge, era daquelas de tirar o couro da gente. O pior é que a danada tinha uma beleza estonteante e um par de pernas de dar inveja a Sharon Stone.

Ela veio no meu lado sussurrando marotamente nos meus ouvidos:

- Decifra isso ou será demitido. Ah, e o texto não pode passar de 10.000 caracteres, tá?

Aí o pavor bateu. Já tinha escrito 1000 caracteres sem pé nem cabeça e cheio de clichês.

O que poderia fazer para solucionar o problema? Pensei em falar das minhas peripécias no verão passado ou sobre o tempo que vivi isolado em casa com meus contos protegendo-me de tudo.

O problema é que a senhorita Esfinge já havia rejeitado esses temas.

2000 caracteres se passaram e a desgraça continua insolúvel. Justo hoje foi me dar um branco que poderia ser fatal a minhas pretensões de ser um bom jornalista e um notável escritor.

E pra meu azar, a própria senhorita Esfinge veio pessoalmente ver meu texto.

Tentei então escrever sobre a história de dois irmãos treinadores, mas pelo olhar ameaçador da minha

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chefe, família não era a palavra-chave do mistério.

3000 caracteres já se passaram. Já estava vendo no horizonte o fim do sonho de ser um brilhante escritor com a porta da rua já a postos pra receber um novo fracassado.

E a danada da Esfinge estava sentada em uma cadeira cruzando as pernas de um lado pro outro.

Então veio a ideia de um casal em crise com o marido passando a noite num motel com muito sexo explícito e durante o dia, sendo um falso moralista que incitava um discurso de ódio contra as mulheres.

Óbvio que a senhorita Esfinge não concordou com a ideia. E 4000 caracteres já haviam se passado.

Minha boca ressecada me deu a ideia de escrever sobre a água como fonte preciosa da vida.

No entanto, a Esfinge havia rejeitado meu texto piorando ainda mais o meu lado. E pra cúmulo da irritação, ela estava tomando uma garrafa d´água bem gelada e sorrindo com o mais falso dos sorrisos.

Cheguei aos 5000 caracteres e nada do texto sair como ela queria.

Tentei então falar sobre o poder da tecnologia ser usado para o mal e até criei o maléfico Dr. Stephenson que queria dominar o mundo usando uma máquina para criar uma tempestade magnética capaz de deixar todos sem Internet. Mais uma vez a senhorita Esfinge rejeitou o tema devido aos clichês e o texto voltou a estaca zero.

Enquanto isso, todos meus colegas já tinham ido embora da redação e eu ali vendo o sol se pôr, os bares perto da redação ser abertos e o mistério literário não ser resolvido.

6000 caracteres e meu texto segue mais perdido do que cachorro em dia de mudança. Resolvi criar uma história usando o empoderamento feminino e um pouco de feitiçaria com três jovens e atraentes feiticeiras como protagonistas cuja missão era salvar seu chefe á beira da morte. Resposta errada. E o problema seguia sem solução.

E a senhorita Esfinge mandando mensagens no Whatsapp pra suas amigas dizendo que vai chegar mais tarde ao happy hour por causa de um

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cara que não consegue bancar o Sherlock Holmes.

Cheguei aos 7000 caracteres. Estava prestes a arrancar meus cabelos restantes em busca da palavra-chave para esse folhetim e o tempo já estava escasso.

Tentei criar um conto sobre um roqueiro que andava pelas ruas da cidade atraindo criminosos com sua música para atirá-los ao mar igual ao flautista de Hamelin, mas a danada da Esfinge não aceitou o tema e só tinha apenas 15 minutos pra resolver essa coisa.

8000. Tentei então falar sobre um andarilho que percorria pelas estradas usando suas próprias lembranças, mas viagem não era a palavra certa e já via a cara de satisfação da senhorita Esfinge em me mandar pra rua e a tristeza e perplexidade dos colegas que saberiam o motivo bem depois.

9000 caracteres haviam se passado e era hora de arriscar tudo. Escrever algo que ninguém havia tentado antes. Mas tinha apenas cinco minutos e estava tão desesperado igual a um time que estava sendo rebaixado com todos os resultados paralelos a seu favor, e nem conseguindo marcar o golzinho salvador.

E a resposta estava na minha frente o tempo todo.

Era basquete. Havia feito o conto de um jogador universitário que precisava fazer o jogo da sua vida e na final acerta a bola da vitória no último segundo tornando-se um futuro astro do basquete.

Entreguei o texto a senhorita Esfinge e fiquei tenso a espera de sua resposta. Quando vi o sorriso dela ao terminar de lê-lo, percebi que havia feito um bom texto.

- Impressionante, você resolveu o mistério deste texto. Pelo que sei, ninguém escreveu sobre basquete até agora. Posso saber como conseguiu isso?

- Elementar, minha cara Esfinge. O segredo é a originalidade. Agora entendo porquê nunca conseguia fazer um bom texto. É que me preocupava em ser igual aos outros colegas da redação sem ser eu mesmo. Quando resolvi tentar algo inovador, o texto fluiu e esse enigma foi decifrado.

Assim que terminei de falar, a senhorita Esfinge pegou meu texto e foi-se embora editá-lo para a

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publicação da revista literária de amanhã.

Saí feliz da redação e fui direto ao bar próximo dali pedindo a melhor cerveja e um suculento cachorroquente.

Fiquei ali assistindo a tevê dependurada na parede do bar que

estava passando Chicago Bulls x Milwaukee Bucks.

Era hora de comemorar.

O mistério dos 10.000 caracteres estava resolvido e o caminho havia sido aberto para realizar um sonho acalentado desde pequeno. A de ser um escritor de verdade.

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May Cass

Teresina/PI

Pra você lembrar de mim

Foi como em um dia desses em que o sol queimava a retina e eu não te tinha mais entre meus dedos. O suor que banhava meu corpo, me refrescava, a grosso modo. Abafada e fatigada, a dança do cansaço se fortuiu meu corpo: a sede me tomou por inteiro, o sangue nos olhos ardiam como fogo, a temperatura já me inflava em um qualquer simples toque... é... eu não te tinha mais por aqui. A passear meus olhos no sol, aquela luz dourada do por do sol, me fazia estar distante de ti, fisicamente, mas de alma para alma, meus sentidos eram todos voltados para ti: as inúmeras saudades tinham gosto de sabor de novidade, tinham a alegria do seu humor espontâneo, tinha o charme provocativo de qualquer convite teu ao meu lado, tinha a fragrância exata do teu perfume, tinha também o gosto do teu beijo. Ainda hoje me recordo. A peleja contigo era fácil. Não era tão pesado. Não era tão distante de mim mesma. Contigo, eu me era entendível, audível, compreendida. Minha solidão havia partido sem deixar recado de volta. Contigo, eu era eu mesma. Pude ser eu mesma. E agora que se foi, me pergunto: quem ainda sou? O sol atravessa minha pupila. O astigmatismo que agora adquiri, me faz fechar os olhos. Até nesse movimento me lembro de você. Eu os fecho e me encontro secretamente contigo e te eternizo (em minha escrita).

@mayaracass https://www.instagram.com/mayaracass/?hl=pt-br

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Mestre Tinga das Gerais Corinto/MG

Horas Mortas

Fim de tarde, o sol querendo descansar, a revoada sagrada da passarada, o ensaio da noite para entrar em cena, as estrelas bailando no firmamento e a prosa solta na Venda do Seu Zezé.

Já estavam ali há horas e de tudo ou quase tudo já haviam falado. Do plantio que estava uma maravilha e até do caudaloso Córrego da Saracura que estava dando muito peixe e era a caixa d’água da região.

O Zé Teixeira com a viola no peito, ponteando baixinho para escutar e o Buda Borges tirado a raizeiro, falando das plantas do cerrado e também dos peixes que pegava e do tamanho, dá pra entender que ele exagerava, pois, era o vantageiro da região - como falavam na corruptela. O Mandruvachá num cantinho assuntando a prosa, pois, já havia vendido os seus queijos e estava ali para um breve descanso. Sem falar no Silvalino que contava da criação de frangos, gansos e galos índios, que ele cria com muito amor.

De repente o Silvalino: – Óia gente. Eu vô imbora. Tá iscuriceno e a nôte tá iscura e eu moro longe.

O Buda que ouvira aquilo foi logo retrucando: —Ta cum medo Silvalino? Dêxa de froxura home! Medo de quê?

O Silvalino já de pé: —Das zora morta sô! Num abusa não!

E saiu sertão afora num pangaré que havia comprado do Pedrosinha e este estava velho e cansado e que o Pedrosa o vendeu à noite ao Silvalino pra não perceber os dentes do coitado do cavalo; que só tinha um.

Logo o Zé Teixeira silenciou a viola e entrou na conversa e: —Eu num tenho medo de nada. Sô um cabra do sertão e do pé rachado e ando quarqué hora do dia ô da nôte. Medo pra mim é lixo.

O Vendeiro Seu Zezé debruçado no balcão logo entrou no assunto: —Ocê, Texêra? Medroso e dos maióre, fala isso pa mode contá vantage.

O Mandruvachá lá no cantinho caladinho, só de ouvidos na prosa, logo diz: —Eu num abuso. Nas zoras morta tem sombração e coisa dôto mundo em todos os lugá.

O seu Zezé que gosta de uma aposta foi logo desafiando o Zé Teixeira:

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—Ô papudo! Já cocê é corajoso, vamo apostá 500 rialo? Aqui tá o meu cascaio. Bota o seu aí e porva que num tem medo.

O Zé Teixeira tirou um pacote de notas do bolso e botou em cima das notas do seu Zezé e: —Tá aí seu rato do sertão. Vô te mostrá a minha corage. Vô trazer uma cruz do cimetéro e num vô demorá. Vamo vê essa tale de horas morta.

O Mandruvachá ouvindo aquilo despediu do pessoal e falou baixinho: —Quero vê se esse parrudão num tem medo num tem medo das zora morta. Vô iscondê atrais duma sepurtura.

O Mandruvachá montou em na mula Trifôia, que comia três folhas de capim por dia e saiu em disparada rumo ao cemitério.

E chega o Zé Teixeira ao cemitério. Já tinha tomado umas três lambadas de cachaça e adentra no Campo Santo e vai em direção a uma cruz. Quando ele pega numa, uma voz: - Esta é minha!

Apavorado ele vai até a outra e novamente a voz: —Essa é minha, moço!

No desespero ele pegou uma das cruzes e saiu em disparada feito um catingueiro rumo ao boteco.

Ao chegar ao boteco ele suado e cansado de tanto correr, joga a cruz em cima do balcão e : —Taí a Cruiz e o dono dela vem aí atrais! Tô cascano fora!

Os que estavam no boteco saíram em disparada seguindo o seu Zezé que gritava: —Me perdoa! Meu Deus! Nunca mais eu brinco com as zoras morta! O Mandruvachá que vinha atrás e em risadas pegou o dinheiro e sumiu sertão adentro. Dizem que o Seu Zezé voltou e ao sentir a falta do dinheiro: —É! Dexô a cruis e levô nosso cobre. Deve sê pa mode comprá ôta cruis nova.

Segundo os moradores da corruptela, o Seu Zezé ficou muitos dias sem ver os seus ilustres fregueses.

Coisas do sertão! Inté!

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Caminho de Orvalhos

Nos dias daquele tempo, a janela do meu quarto dava para o quintal, onde a grama verdinha acolhia flores miúdas e coloridas. Bem cedo ainda, fui acordada para iniciar meu horário escolar na parte da manhã. Ao olhar para fora, ainda bem sonolenta, notei pela primeira vez as gotinhas de orvalho nas plantas, como que a me desejar bom dia. Eu era muito menina, mas aquela imagem fresca e matinal deixou-me lembranças de um período breve e feliz.

Já na adolescência, a casa de praia da infância tornou-se bem mais interessante. A turma de jovens reunia-se praticamente o dia todo e, à noite, nós nos sentávamos no banco que rodeava a grande árvore da praça. E como cantávamos, e ríamos, de qualquer coisa... Nessa época, a volta para casa já era mais tardia, não havia perigos por lá. E ao atravessar o jardim, as gotas de orvalho brilhantes, sem falar me diziam que a vida era uma festa. E eu me sentia serenamente feliz.

E lá estava eu nos últimos anos da Universidade, envolvida com provas e trabalhos de enlouquecer. O café ajudava a manter-me acordada, distante que estava da família e dos amigos de sempre, naquele pequeno pensionato, dividindo o quarto com mais duas colegas. De madrugada, entre um café e um cigarro, a voltinha costumeira pela frente da casa mergulhada no mais profundo silêncio. E o orvalho sobre a grama nem me parecia tão brilhante assim, antes refletia todo o meu cansaço e sonolência. E nesse momento, tudo o que queria era me enfiar sob as cobertas e dormir o sono dos justos. Nos anos de trabalho que se seguiram, as madrugadas insones como médica plantonista não me deixaram estabelecer uma aproximação maior entre mim e a natureza. Quantos orvalhos deixei passar sem observar-lhes o frescor e a suavidade... Em algumas viagens de férias cheguei a observá-los de relance, mas

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tantas coisas na cabeça diminuíam minha percepção. E não me importava mais com isso. Eram apenas fenômenos naturais, sem quaisquer sugestões de significados... simplesmente, orvalhos...

E verões e invernos sucederam-se entre outonos e primaveras. Filhos criados, carreira consolidada e finalmente a parada para aproveitar a vida. A casa no campo, a vida sossegada no interior, dormir com as galinhas, acordar com os passarinhos. O tempo não mais me aprisionava, poderia dispor dele a meu belprazer.

Nas noites enluaradas, eu e meu companheiro colocávamos as cadeiras nas calçadas e olhávamos o céu cheio de estrelas. Nos canteiros ao redor das árvores, as gotas de orvalho sobre as folhas traziam lembranças diversas, e com elas me deixava embalar. Até que os primeiros bocejos nos avisavam que a hora do sono se aproximava e guardávamos as cadeiras, para que, no dia seguinte, o sol da manhã ainda tênue, nos mostrasse o resto de orvalho insistente, pouco a pouco desaparecendo nas pétalas das rosas.

E assim, de orvalho em orvalho, a vida foi seguindo seu curso sem sobressaltos nem contratempos. A chegada da netinha encheu a casa da avó de alegria e renovação. E assim os orvalhos foram passando... Nessas férias ela já está com quatro anos e, ao me avistar do portão dá um bom dia sorridente. E antes que eu possa retrucar, pergunta-me rapidamente: — Vamos fazer passeio de orvalhos? Acho graça na sua pergunta. Bom, ela terá muito tempo para escolher entre um orvalho e um pôr-do-sol. Pode ser que escolha os dois, ou quem sabe, nenhum... mas, por enquanto, as gotinhas translúcidas sobre a grama bastam para atiçar sua imaginação e usufruir da companhia já meio cansada desta anciã-avó. E assim, pego em sua mão e juntas vamos passeando e descobrindo orvalhos pela manhã de sol...

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Noites de frio

João estava sem sono. Então, de forma resoluta decidiu se levantar e pegar um pouco de água, pra ver, se talvez acalmasse essa ânsia por desejos. Digo isso, porque ele me contou que teve um sonho cheio de desejos. Desejo de conseguir um emprego melhor, desejo de morrer, desejo de viver, tudo assim... Misturado - como ele mesmo disse. Depois disso, voltou a dormir.

Na noite seguinte, sentiu a mesma ânsia de acordar no meio do desejo e ir beber um pouco d’água. Dessa vez, seus desejos só tinham um sentido: o da vida. Descendo as escadas de sua casa de dois andares com o copo na mão, já não mais estremecia por sentido algum. Queria era ter sucesso na vida - como ele mesmo inúmeras vezes me disse.

Hoje, acompanho os passos dele e ele me diz: tenho vontade de morte. Sobe as escadas descompassadamente e chega à geladeira com as mãos trêmulas, mas dessa vez procura algo pra comer. Tem muita fome.

Quaisquer emoções lhe são válidas. Portal do inferno egóico-social. João quer de qualquer jeito continuar a não-querer e tornar-se insatisfeito a fim

de ser complacente. Complacente se tornou parte de sua memória ativa de longo prazo. João adora aguentar os desprazeres da vida como fina redenção.

Metaforizado quer que eu seja o narrador de ontem-outrora. João se chama na verdade, Gabriel. Gabriel está Natan. Natan está envolto de toda nebulosa familiar da vida. Que asco sentes vossa alteza por compaixões amputadas de jardim. Seu nome é transgênero. Finalmente, vou te explicar, seu burro, vê cara se entende o que te digo.

O que te digo serve: nada. Nadificante és minha ética moralizante cristã: as edificações industriais inócuas da vida. Nadificame. João, mais uma vez, né?

Ao atravessar a rua, o carro não lhe atropela. João chega à casa na mais fria estrutura arbórea prendente-de-ser. Morre, João de quê?

Eu matei João. João era muito chato e nunca quis as mesmas noites de frio congelantes que tanto afligiam.

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Onde estás tu, Mikael?

Tic-tac, tic-tac, despertou o relógio.

Procurei-te em meio aos lençóis amarrotados.

Onde estás tu, Mikael?

Por que me deixaste?

Recordo-me de seu rosto angelical, E me afogo nas profundezas do desespero.

Tal insensatez sufocas minha garganta.

Mikael, nunca demonstrara descontentamento!

Estaria envolvido em outros braços? Quanta solidão me causou.

Devo procurar-te em cartas sem selos? Telefonemas sem números?

Nas ruas sem endereço? Onde estás tu, Mikael?

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Nathalia
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Nazareth Ferrari Taubaté/SP

O amor é do mundo

Ouço dizer que o amor está em tudo: na natureza, no mar e nas cachoeiras, no perfume das flores, no céu, nas estrelas e no luar...vago pelas noites a sua procura, fico atento para preservar-me e não cair de mão em mão pelas esquinas e nos bares. Muitas vezes achei que havia encontrado alguém que vejo em meus sonhos e fala nos meus ouvidos coisas de amor. O tempo passa e sinto a nostalgia e o desencanto de ver o enfado, as alegações de cansaço, falta de tempo e descaso: quando percebo a cilada me afasto e continuo procurando o meu amor na esperança de conseguir uma boa parceria romântica e emergir desta melancolia e desilusão.

Ah! Se soubesses verdadeiramente amar como os pássaros no ninho, como as flores que encantam se entrelaçando umas às outras como um arco íris. O perfume das rosas, margaridas, hortênsias e azaleias lembram os mais belos dons do espírito divino que é todo amor.

O amor na sua plenitude e não banalizado, assim eu quero...desejo encontrar uma parceria completa que sejamos um só corpo e alma. Na ânsia de encontrá-lo evito cair nos braços de uns e outros e cometer um engano... Nesta busca talvez venha concluir que o amor não é de ninguém: é do mundo.

Quero sair por aí sem pisar nos jardins, ferir-me com espinhos, sem sujar as ruas, empurrar e ferir transeuntes. Prefiro ser generoso com todas as pessoas, gentil com os animais, prefiro a paz sem dar ensejo a animosidades. O amor é a luz do mundo!

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Ornélia Goecking Otoni Contagem/MG

Era domingo de manhã

Sol escaldante. Calor infernal. Ele fez as malas, limpando o armário. Resolvera ir embora, não queria mais vínculos. Sequer um traço de amor. Brincou com o cachorro, abriu as gaiolas e deixou os canarinhos voarem. Era assim que queria estar, livre, com a verve pronta para ser, finalmente, leve. Demorara entender que amor não e laço.

Queria andar na chuva, tomar banho de lua, cavalgar. Aquele amor o prendia sem reservas.

Abriu a porta e não se demorou na soleira, também não olhou para trás. Pôs um belo sorriso no rosto e decidiu partir. A vida agora era só ir. Só rir. Sorrir.

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Mogadíscio

Explosões: Aeroporto e hospital de Lower Shabelle; Começou uma chuva de fogo em Merca, capital da região; O grupo militante al-Shabab fingiu um novo ataque; Os rebeldes usavam máscaras brancas e roupas pretas.

a capital da Somália, Mogadíscio, atingida por um carro-bomba mortal; Fora do hospital e restaurante, as árvores mantêm-se calmas; Esses estrangeiros e meninas feridos começaram a pentear Seus longos cabelos negros; vozes trêmulas repetem um salmo.

Sexta-feira luta com tuberculose, malária e cólera, Desnutrição e fome, nesta era de abundância; Hanseníase, tétano, esquistossomose e muito mais; Más condições de saneamento, por causa da guerra civil.

Quarta-feira sem drogas, finalmente o desejo de Dab-Shid, Contra a possessão dos espíritos, saltamos sobre o fogo: Alguns ouvem os contos dos dervixes muçulmanos, em dias cansados, Ou poemas de Suufi Sheik, Seylici e Sheik Uweys.

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Patrícia Barcelos Goiânia/GO

Ercília

Antônia nasceu Ercília, no sertão nordestino. Ainda na infância, viu dois irmãos sendo vendidos para que os outros não morressem de fome. Cearense de nascimento, mudou-se para o interior de Minas e lá, com menos de 15 anos, juntou-se a Sabino, mineiro avesso ao riso e que vivia entre dois ofícios: o de matador e qualquer outro que o ajudasse a sustentar a família. Caboclo, quase dois metros de altura, Sabino não matava por dinheiro, era sempre por vingança ou desavença. E, por um ofício ou pelo outro, vivia pelo mundo. Numa época em que pobre só andava a pé ou no lombo de burro, ficava meses longe de casa e sem as facilidades de comunicação que temos hoje, esses meses seguiam sem nenhum contato com a família. A cada retorno, juntava mulher e a renca de filhos e seguia para outro lugar mais acima no mapa, fugindo da polícia ou da vingança dos inimigos que cultivava como ninguém.

Foi numa dessas mudanças que Ercília virou Antônia. Casada com Sabino, tornou-se fugitiva mesmo sem nunca ter matado nada além das galinhas que, de vez em quando, servia para os filhos. Seguiram de Minas rumo ao Pará, não sem antes passarem uma temporada em Babaçulândia – que já foi Goiás, mas

hoje é Tocantins. E foi no final da década de 40 que chegaram ao lugar que seria o pouso derradeiro do carcará Sabino. Já naquela época, Marabá indicava a cidade agitada e próspera que viria a ser. E Antônia dava sinais da tristeza profunda que poucos sabiam a causa e ninguém jamais poderia curar. Uma ferida aberta em sua alma e cuja dor lancinante ela disfarçava e sufocava, dia após dia. Quando ficava insuportável, Antônia buscava consolo no colo de uma garrafa de Velho Barreiro, mas nunca durante as temporadas do marido em casa. Ele jamais aceitaria que esposa sua bebesse daquele jeito. Não era coisa de mulher de família, qualquer que fosse o motivo e menos ainda se fosse segredo. Talvez agradasse seu gênio ruim saber que era um dos responsáveis por tanta tristeza, mas não dava para confiar. Só depois de sua morte – morte matada, é claro –é que Antônia pode se entregar à sua dor, seu remorso, sua culpa. Sentimentos que nem toda pinga do mundo poderia aliviar. Aquele calvário começou a ser plantado ainda em Babaçulândia. Se depois de chegarem ao Pará as viagens de Sabino minguaram e não

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duravam mais do que poucas semanas, no Tocantins suas temporadas eram sempre longas, duravam meses, quase anos. Apesar da vida difícil para criar, praticamente sozinha, três dos seis filhos que viriam a ter, era uma mulher vistosa, simpática e cheia de alegria e molejo, principalmente quando estava longe da sombra opressora do marido. Passado mais de um ano desde a última partida de Sabino, Ercília começou a acreditar que talvez ele não fosse mais voltar. Para alguém que não pensava duas vezes antes de povoar a terra do pé junto, morrer era parte do risco e ela não se iludia quanto à expectativa de vida do parceiro. Não demorou muito para amigos e vizinhos começarem a palpitar sobre o assunto, ajudando a convencê-la de que o pai dos seus filhos já devia estar morto, por isso não dava as caras há tanto tempo. Uns falavam mesmo era para agourar. Gente entediada que vivia atrás de um boato que trouxesse emoção e assunto para suas vidas anônimas e miseráveis. Outros falavam por encomenda, para ajudar algum pretendente interessado em assumir uma viúva jovem, vistosa e disposta para as obrigações de sala, quarto e cozinha. E de tanto falarem, convenceu-se de sua viuvez. O luto foi breve. O amor era pouco, a miséria, muita e os candidatos que começavam a se apresentar não iam esperar a vida toda. Depois de tanto sofrimento, o amor deixava de ser critério para escolher outro companheiro. Bastava que a quisesse e pudesse sustentar mãe e três filhos

pequenos. O resto era coisa de romances que ela jamais leria. E escolheu Inácio. Homem bom, religioso, trabalhador da roça e de gênio manso. Entre os primeiros olhares disfarçados e a mudança de Inácio para a casa da viúva não foi mais do que um mês. Em pouco tempo, ninguém mais se lembrava do finado e a vida seguiu seu curso, com suas dificuldades e alegrias.

Mas, depois de tanta tranquilidade, ninguém poderia imaginar o desfecho devastador que aquela união conheceria. Inácio criava os filhos de Sabino como se fossem seus, mas com uma mulher jovem, e a saúde que ambos esbanjavam, não demorou muito para que seu primeiro rebento chegasse trazendo mais alegria e agitação para a família toda, parentes e amigos. O herdeiro, na verdade, era herdeira. Mais uma mulatinha para encher a casa e os olhos de Inácio de emoção. E foi na metade do seu tempo de resguardo que Ercília foi surpreendida com a notícia de que Sabino estava voltando. Num começo de noite, naquela hora em que o amarelado do sol se deita no horizonte do cerrado, as crianças já de banho tomado, a sopa fervendo no fogão à lenha, a casa de Inácio foi invadida por um amontoado de gente doida para dar a notícia. “Sabino não morreu! Daqui uns quatro dias ele tá chegando!”. Inácio ficou paralisado. Quis poupar a mulher, mas a gritaria era impossível

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de ser abafada. O pânico tomou conta de todos. Parentes, amigos, inimigos, curiosos... todos sabiam o que aquela notícia significava. Todos sabiam do que Sabino era capaz. Mas, Ercília sabia melhor do que ninguém o demônio violento que se escondia nas entranhas do marido. Ele mataria todos. Inácio, ela, as crianças e sua bebê. Não pouparia nem os animais. Era capaz, até, de pôr fogo na casa e em quem se metesse no caminho. Veio gosto de sangue na boca. Faltaram-lhe as pernas. Seu coração congelou. Quatro dias... talvez menos. E com todas aquelas cabeças assustadas pensando juntas, uma voz fraca, quase um sussurro, saltou com a solução. Comadre Edésia era a parteira que ajudou Ercília e boa parte das mulheres do vilarejo a darem à luz.

Querida e respeitada, a mulher recitou calmamente aquela que viria a ser a única solução possível para evitar uma tragédia maior e distribuiu afazeres para todos. Os mais dolorosos ficaram para o casal. “Inácio, arruma tuas coisas e sai já dessa casa. Leva a criança e acha alguém que possa ficar com ela. Não pode ser ninguém daqui, tem que ser de longe e melhor que nunca mais volte por essas bandas”, determinou com autoridade. “Tu, Ercília, acabou o resguardo. Amanhã vai levantar cedo,

lavar o cabelo e vamos secar esse leite. Chá de sálvia, banana e carne de porco vão ajudar”, decretou num tom de ordem e compaixão. “O resto, boca fechada. Quem conhece Sabino sabe que ele é descontrolado. Se desconfiar do que aconteceu, é capaz de matar mulher, filhos, Inácio e qualquer outro que queira bancar de pombo-correio ou que ele desconfiar que ajudou nessa história”, completou misturando conselho e ameaça.

A essa altura Ercília já estava aos prantos, urros que acordaram a recém-nascida e assustavam as outras crianças. Enquanto gritava a dor de entregar a filha para o marido levar embora, era consolada pelas vizinhas. Inácio juntou suas roupas, o enxoval da filha, beijou a mulher, virou as costas e sumiu, como um zumbi. Não caiu uma lágrima dos seus olhos. Reuniu todas as forças que tinha para conseguir fazer apenas o que era necessário para que todas aquelas vidas fossem poupadas. Naquela noite ninguém dormiu. Depois daquela noite, Ercília – ou Antônia, tanto faz... – descobriu como era morrer e continuar viva. E (sobre)viveu ao lado de Sabino até enterrá-lo, muitos anos depois, sem derramar lágrima. Pois, para ele, não sobrara nenhuma.

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Tua Foto

Revendo papeis velhos, um retrato Achei numa gaveta, abandonado E nele teu sorriso iluminado Luzia, como um ígneo artefato.

Então eis que me assalta a dor do hiato Da tua ausência e do feliz passado, Antes de eu ser por outro amor trocado: Rasguei a tua foto, eis o fato!

Por força desta súbita ocorrência Mergulho agora nesta incoerência No afã de relembrar o paraíso.

Rasgar a foto, sim, foi impensado, Pois meu castigo agora está dobrado Ao não poder rever o teu sorriso.

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O Inquérito

Aquilo só podia ser brincadeira. E brincadeira de muito mau gosto, daquelas de programa de televisão. Marília até olhou pela porta, enquanto os homens entravam; conferiu se não havia alguma câmera oculta entre as folhagens da praça, ou alguma amiga agachada atrás de algum carro, a divertir-se por lhe pregar uma peça. Mas os homens entraram em sua casa sem sequer pedir licença, e se instalaram, esparramados por seu sofá, e não demonstravam a mínima expressão de que estavam brincando, por detrás de suas carrancudas feições.

— Acusada? Acusada de quê?... Mas em primeiro lugar quem são vocês?

O que, pela aparência obesa, parecia ser o superior, levantou-se arrumando o nó da gravata:

— Eu diria que somos agentes da facção governamental. – disse como que improvisando uma patente.

Marília procurou manter a calma, respirou fundo e disse nada dever a justiça, menos ainda ao governo. O homem foi descarregando seu corpanzil de volta ao sofá:

— Até acredito, é bem provável, vasculhamos sua vida até pelo o avesso. Nós fazemos parte de um outro tipo de justiça. De uma justiça mais radical, vamos dizer assim, uma justiça mais sublime. Este comando é ligado diretamente ao gabinete...

Marília já demonstrando certa indignação questionou:

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— E posso saber que justiça “sublime” é essa? ” – O homem replicou enfático:

— Sim. A justiça dos fanáticos do cistencéfalo da tartufice, minha senhora!... Em outras palavras, contra o comunismo!

— E que diabo é isso de fanáticos do cistencéfalo da tartufice, posso saber?

— É o extenso da nossa gloriosa sigla, FASCISMO! Ou fascistas, como queira.

Marília esboçou um sorriso amarelo, meio irônico e pensou ser uma rebelião de manicômios; ou até mesmo alguns fanáticos, terrivelmente religiosos que ora se instalaram no governo, mas quando viu um dos indivíduos começar a vasculhar sua estante, ela voou com as unhas no pescoço do insolente:

— Tire as mãos daí, seu filho da puta!...

Mas o homem de gravata foi mais ágil, apesar de todo o peso, segurou-lhe as mãos e rapidamente à algemou. O outro apesar dos arranhões na garganta, continuava remexendo os livros da estante, derrubando-os e esparramando pelo chão. E num grito de espanto:

— Eis!... As provas, estão aqui! –com dois livros nas mãos citou os títulos –, “Como as Democracias Morrem” do esquerdismo estadunidense e as “Valquírias” de Paulo Coelho.

Marília, que fora obrigada a se assentar no sofá, disse meio sufocada:

— Que porra de provas? São só livros.

O homem de gravata sentou-se ao seu lado, enxugando a gorda carantonha de suor:

— São as provas que faltavam, a senhora é mesmo uma bruxa. E o pior dos males, a senhora é contra os que são contra, ou seja, contra os anticomunistas.

Confusa, Marília começou a pensar em outras hipóteses, um assalto por exemplo; esses homens podiam estar inventando essa história absurda, como pretexto para imobilizá-la. E se agora pensavam em violentá-la? Era preciso negociar:

— Por favor levem o que quiserem, minha bolsa está sobre a mesa, e tenho algumas joias na gaveta da cômoda, mas por Deus, não me façam mal.

O outro homem já vistoriava o quarto:

— Uau, esta casa está infestada de livros, duendes, bruxas, gnomos, elfos...

O sujeito de arranhões no pescoço voltou-se para a acusada:

— Diante de tais evidências, tem alguma coisa a dizer?

Marília que já não conseguia raciocinar direito, juntou o resto de suas coisas espalhadas pelo chão e, encolerizada, encheu de chute as canelas dos inquisidores, depois caiu no tapete revoltada, exausta. Os

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homens friccionaram suas pernas esfoladas, e ordenou o outro que apressasse os preparativos para pôr fim a missão, porque o tempo estava ameaçando chuva, que não podiam perder mais tempo. Levantou o corpanzil, retirou um lenço ensebado do bolso e, enquanto os outros estavam empenhados em quebrar os móveis da casa, amordaçou Marília, até com certa delicadeza.

— Não nos leve a mal, apenas obedecemos a ordens, estamos em outro regime; é justo que “Ele” queira mostrar serviço.

O outro indivíduo já havia empilhado toda a madeira dos móveis no fundo do quintal, arrumou mais um pouco e completou a pilha com os livros. Amordaçou e amarrou a condenada sobre o monte, encharcou-a com querosene. E foi pegar os fósforos na cozinha.

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O laço e o compasso

Vou desenhar algo, usando apenas um traço cadenciando para não perder o passo, ao ar livre, sentindo o mormaço recebo as energias e depois repasso, tramo o que for preciso para ganhar espaço, mesmo que o meu inspirar esteja escasso, transformo meu texto em textaço, não esmoreço nem me rendo ao fracasso para que ele não seja dividido em pedaço, serei sempre gentil, porque não sou devasso, sou criterioso, prevalente e tenho desembaraço. Invólucro que contém as marcas do perpasso guardado em armário de aço, recompensa obtida através do transpasso, dou formas ao laço manuseando o vistoso compasso. E sendo assim... Faço o laço, perto o laço, afrouxo o laço, na minha lapela, ponho o laço, a quem de direito, mostro o laço.Por fim... Observo o compasso, abro o compasso, circulo o compasso, em muitas atividades, uso o compasso na certeza de novas ações, não largarei o compasso.

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Pedro Diego Fidelis

Suor

Cabelo molhado no dorso uivante, seios bronzeados no quente das labaredas.

Em caldas borbulhantes, sublimando os sais e as seivas.

Quando tua imagem se avulta

Em vida interminável, Desde o magma da Terra, Até a escuridão da lua, Ergo-me profeta da coisa tua.

Dos mistérios ancestrais, Em direção ao destino, nada faltarás!

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People

Meridiano

Encontrei um amor ao sul, tropical.

Sol de verão, céu azul, mar sem fim.

Muito feliz, num passeio matinal. Belas canções em luais de jasmim. Tudo se acabou numa dor sem igual.

Encontrei um amor ao norte, invernal.

Derreti o gelo no calor do coração.

Implorei aos alpes uma bênção eternal.

Amei intensamente, com os olhos da razão. Quando terminou, aprendi que era natural.

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Sujeito (in)determinado

Um dia será passado Página rabiscada arrancada amassada rasgada queimada incinerada cinzas ao vento lançadas Ao cair Pisadas Cuspidas, escarradas Da minha memória Apagada Enfim, nada.

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A vida é movimento

Tudo se move. O olhar dos homens, sempre em vigília, vê o que é ou lhe parece. O conceito do transitório é muito útil na colocação de alguns críticos de arte. Observando um trem em viagem, os trilhos faíscam e a fumaça em rolos pelo espaço é um belo espetáculo.

Artífice, o crítico move palavras como se fossem nuvens, descobrindo esse fluir que impressionou pintores, especialmente no final do século XIX, na França. O movimento impressionista foi um divisor de águas para a pintura.

Começou com um grupo de jovens, que rompeu com regras do realismo acadêmico, desinteressados de temáticas nobres ou de retratos fiéis da realidade, preferindo ver o quadro como a obra em si mesma. Contraditoriamente, foram influenciados pelas correntes positivistas da segunda metade do século XIX, que primavam pela precisão e o realismo.

Suas técnicas, porém, eram muito mais práticas do que teóricas para obter os resultados da pintura impressionista: registrar os tons dos objetos ao refletir a luz solar num determinado momento, pois as cores da natureza se modificam constantemente conforme a incidência.

Claude Monet (1840-1926) é o mais célebre dos impressionistas. Incessante pesquisador da luz e seus efeitos, pintou vários motivos em diversas horas do dia e em várias épocas do ano, a fim de estudar as mutações coloridas do ambiente com sua luminosidade.

Figuras desmanchadas, sem contornos precisos; sombras luminosas e coloridas, tal como é a impressão visual que nos causam, e não escuras ou pretas, como representadas no passado. Nos contrastes de luz e sombra, um amarelo próximo a um violeta produz uma impressão de luz e de sombra muito mais real do que o claro-escuro tão valorizado pelos barrocos.

Tonalidades puras e dissociadas nos quadros em pequenas pinceladas, pois ao admirar a pintura, quem a olha combina as cores, obtendo o resultado final. A mistura deixa de ser técnica para se ótica.

No primeiro contato com a obra impressionista, em Paris-1874, o público e a crítica reagiram muito mal, pois se mantinham fiéis aos princípios acadêmicos da pintura.

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O impressionismo na música também provocou uma quebra de regras e paradigmas. Maurice Ravel e Claude Debussy transportaram os conceitos da pintura para a música, e em suas obras o cenário e a atmosfera são mais importantes do que o equilíbrio e a clareza musical.

As harmonias, o timbre e as combinações de acordes do período impressionista criavam uma espécie de “borrão sonoro”. Instrumentos de timbres alegres e agudos passaram a ser usados com timbres mais sombrios e

graves, como os clarinetes e as flautas foram introduzidos novos instrumentos, como harpas e metais, que tiveram seus timbres atenuados.

No aqui e agora de 2022, o fluir da arte no tempo – que me parece não ter fim... nem começo – vejo uma luz no fundo do túnel. As percepções do que me cerca levamme a experimentar emoções desconhecidas. De um buraquinho num tapume a visão se amplia. Ouse se quiser espiar do outro lado do muro.

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Ela chegou e disse:

— Mô, a gente tem intimidade, não tem?

— Como assim?

— Intimidade entre nós, eu e você.

— Temos... claro que temos! (pensando: aposto que ela vai me perguntar se eu me masturbo!)

— Você se masturba?

— Como assim, amor?

— Se masturba, assim... faz aquelas coisas, com as mãos...

— Eventualmente...

— Quanto?

— De vez em quando...

E ela com a cara mais desconsolada do mundo.

— ... quando você não quer, completa ele, pensando: agora vai me perguntar se eu desejo outra mulher.

— E você, quando se masturba, pensa em outra mulher?

— Ahn!

— Pensa em outra mulher, pensa?

— Não, só em você.

— Deixa de ser falso.

— Tá bom, às vezes, penso.

— Em qual?

— Como assim? Em qualquer uma...

— Na Sãozinha?

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— Que Sãozinha?

— Num se faz de besta. A Sãozinha, aquela do escritório.

— A Sãozinha...é...é uma mulher bonita, tem um belo corpo...

— E a Cristina, da padaria?

— Cristina...é bonitinha...

— A Maria José?

— É...a Maria José...

— Eu sabia! Você não me ama, seu mulherengo! E corre para o quarto, tranca-se nele e vai ler contos da Maire Claire. E desejar os rapazes sarados da novela das oito.

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A lua que se apaga

Entre a lua, o céu Nadou no mar, E na terra afundou Teu brilho alunar, O sol se queimou, Pôs a lua a deitar, Jazida sozinha… Na madrugada, A tentar sonhar. Ao onírico pesadelo Esta é a história dela, Por analogia é natural A obsessão tão vil, Uma história tão brutal Da lua que ele enterra. Instagram:

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Longe Vá Temor Servil

para o Roque que sobreviveu ao pior.

“Uma infinidade de erros têm lugar em nossa filosofia pelo hábito do homem de se considerar um cidadão de um mundo unicamente – de um planeta individual – em vez de ao menos ocasionalmente contemplar sua posição como um autêntico cosmopolita – como um habitante do universo. - Um habitante do universo - Edgar Allan Poe

2022 é o ano do segundo centenário da independência do Brasil .

Os alunos secundaristas vivem a expectativa de terem que dissertar sobre datas comemorativas nas redações das provas vestibulares, e por isso nos perguntam quais os temas mais prováveis e como deveriam abordá-los.

Meu colega, professor de Português recomendou aos alunos:

-De modo geral devem ser criativos, enfocando algum ângulo da questão, não tentando abarcar todo o leque possível, de maneira inédita, coerente, estruturando o texto de maneira lógica, prendendo a atenção do leitor do início ao fim.

-Simples assim ?

-Sim.

-Sem erros gramaticais, certo ?

-Obviamente.

-Que tal aproveitarmos esta aula para escrever uma redação sobre o bicentenário da Independência do Brasil ?

-Boa ideia.

Meu colega deu aos alunos 40 minutos para que escrevessem sobre o tema.

Dos cerca de 50 alunos do curso preparatório, quase todos entregaram suas folhas para que ele as lesse e comentasse na aula seguinte.

2 dias depois, entregou aos alunos suas redações comentadas.

-A maioria de vocês procurou enfocar nos 200 anos da independência quais os ganhos obtidos com esse processo. Desde o ponto de vista econômico, ao cultural, passando pelas tradições e costumes, o sentimento nacionalista, como, nesse período, se moldou o caráter do brasileiro e da nossa nação.

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-Algumas foram bem estruturadas convencendo o leitor de suas teses com os argumentos apresentados, sendo razoáveis e quase consensuais.

-Houve algumas que tentaram expor argumentos pouco convincentes e portanto, pela falta de evidências, deixando a desejar no quesito de verossimilhança.

-Se me permitem, gostaria de pedir ao J… que lesse sua redação e nos explicasse melhor o seu texto.

J… pegou sua folha e começou:

-”Ficha de leitura: Independência ou morte.

-Autor: Dom Pedro I

-Personagens principais: Pedro de Alcântara, José Bonifácio, Maria Leopoldina, Joaquim Gonçalves Ledo.

-Enredo: a proclamação da independência do Brasil a 7 de setembro de 1822 em relação a Portugal

-Tema: a necessidade da pluralidade das existências para resgate cármico.”

-Pelo que entendi, você assemelhou o fato histórico a uma narrativa literária, discorrendo sobre o assunto na forma de uma ficha de leitura.

-Sim, professor.

-Tá bom, mas o que tem a ver o tema – a necessidade da pluralidade das existências para resgate cármico – com o evento ?

-Tudo a ver.

-Pode nos explicar ?

-Durante a elaboração do texto, recebi intuições que me levaram a estabelecer tais relações.

-Quem lhe deu essas intuições ? O Espírito Santo ? - gracejou

-Não sei. Foram ditas ao pé do ouvido.

O aluno precisaria de um bom desempenho na dissertação para passar nas provas.

-Escute aqui, em exame algum essa redação seria aprovada – aconselhou.

J...baixou a cabeça, e quando a levantou , uma voz firme e fantasmagórica saiu dele:

-Desculpe-me, professor, mas discordo.

Todos se assustaram com o grave tom de voz.

-Por que ?

-O escritor Ítalo Calvino declarou que "uma obra clássica é aquela que não terminou de dizer o que tinha para dizer".

-E o que tem isso a ver ?

-Que os fatos históricos são como obras clássicas que podem ser reinterpretadas ao longo do tempo, dizendo-nos coisas diferentes a cada momento, mostrando a riqueza de significados que possuem. São polissêmicas.

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-Posso concordar com esse argumento, mas por que o tema da independência seria, entre outros, aquele que você apontou ?

-Porque os personagens principais do evento são reencarnações de outros que já haviam lutado pelo mesmo objetivo.

Ao ouvi-lo, meu colega verificou que aquilo estava indo contra suas crenças atuais.

-Mas que evidências você tem para afirmar isso ?

-Da mesma forma que não tenho como provar que Tiradentes era a reencarnação de um inquisidor da Igreja Católica e que deveria passar pelos suplícios pelos quais passou, não tenho como provar que José Bonifácio era reencarnação de um dos inconfidentes de Minas Gerais.

-Meu Deus, que afirmações mais estapafúrdias – desabafou..

-Pois é, professor, se você acreditasse em Deus da mesma forma como o invoca agora, deveria acreditar na reencarnação como uma lei natural necessária a evolução do espírito humano, deixando de enxergar esses argumentos como extraordinários mas como óbvios.

-Ora, acredito nas fontes históricas oficiais que nos dizem como se passou o episódio da nossa independência.

-Muito bem, o senhor acredita em “testemunha ocular” ?

-Mas afinal, quem é você ?

Assim como o senhor tem por objetivo nesta vida ensinar literatura e combater ideias progressistas para que estas possam , com sua oposição sistemática, desenvolver-se firmemente, sou o guia protetor desse aluno, do qual a Espiritualidade espera grandes feitos.

-Você foi testemunha dos fatos em questão ?

-Mais que isso, convivi largamente com os personagens desse drama em suas várias existências corpóreas.

Viu-se acuado. O tal “espírito” era astuto o suficiente para inverter as coisas e colocá-lo contra a parede.

-Se você é o “anjo da guarda” do aluno, então eu também tenho o meu ?

-Claro, e ele o está intuindo para que escute a argumentação até o fim.

-Está bem. Os fenômenos históricos ocorrem por necessidade cármica dos seus personagens, uma vez que eles assumem compromissos ao longo de suas reencarnações. Se não os atingem numa determinada época, voltam em outros corpos, e mesmo não convivendo nos mesmos ambientes, a Espiritualidade os influencia para se juntarem a fim de atingir suas metas. Dom Pedro e seus aliados eram espíritos que em vidas anteriores já vinham batalhando pela nossa independência. Simples assim ?

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-Mais ou menos. Em pouco tempo você entendeu o que o Allan Kardec levou anos pesquisando para concluir. Até parece que você é a reencarnação de um dos companheiros de estudo do codificador do Espiritismo.

-Chega de conversa fiada. J… vou dividir sua nota por 2, pois o trabalho foi feito em dupla – arrematou irritado.

Perguntei ao meu colega, ainda perturbado pelos acontecimentos de sua última aula, quem era Ítalo Calvino e onde havia feito o comentário que o “guia” dissera.

-Foi um escritor italiano que escreveu o livro “Para ler os clássicos”, onde consta o tal comentário.

-Pois é, o J… tem se mostrado um bom aluno. De origem humilde, se esforça para aproveitar bem as aulas, que tem assistido graças a uma bolsa de estudos. Se o guia estiver certo, será um grande profissional. Talvez seja a reencarnação de um dos “pais da pátria” – provoquei meu colega.

-Não tenho certeza.

-Foi por isso que você quis interromper a conversa com o guia ?

-Não, ele estava a ponto de revelar os motivos pelos quais estava eu a desqualificar o trabalho de J….

-De qualquer forma disse ao aluno para colocar como nota de rodapé os comentários do mentor em seu trabalho, se quisesse apresentá-lo nas provas do vestibular.

-E por que o aconselhou ?

-Achei que o texto tinha um quê de homenagem à semana de arte de 1922- que completa 100 anos - pelo seu aspecto inovador.

“Tudo o que não invento é falso”- Manoel de Barros

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Chumaços de Algodão

"... Ah, no palco da ilusão Pintei meu coração..." (Sonhos de um palhaço, Antônio Marcos)

Os aplausos ainda ecoavam sob a lona.

No camarim, após o derradeiro espetáculo, o homem idoso fitou o espelho.

Do outro lado, o palhaço ofegante devolveu-lhe um olhar tristonho. Em seguida, ofereceu um meio sorriso. Inclinou a cabeça de um lado; depois, do outro. Havia empatia, compreensão e aceitação.

Vacilante, o homem apanhou o chumaço de algodão, coração de tamborim. Umedeceu-o. Em gestos lentos, tímidos e — Por que não? — amedrontados principiou a retirar a maquiagem em rastros cor de pele.

O branco das faces.

O amarelo ao redor dos olhos.

O vermelho do nariz e ao redor da boca.

As seis lágrimas azuis de uma tristeza mal contida. Dentro de sua mente, o palhaço Caçarola falou baixinho:

"Ei, você. Está com medo?"

— Estou — respondeu o artista do lado de cá do espelho.

"Eu também... Eu também!"

Chumaços coloridos acumularam-se no cesto de lixo: brancos, amarelos, vermelhos e azuis.

Caótica paleta. Difusos arco-íris. Sangue de palhaço.

Respiração já controlada. Coração acalmado, embora apertado. A maior parte de Caçarola havia se diluído. Estava quase irreconhecível, exceto pelo brilho em seus olhos ornamentados por rugas.

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"Vamos fazer um acordo?", sussurrou.

— Qual? — indagou o velho.

"Eu te ajudo e você me ajuda."

A mão interrompeu o movimento.

O algodão pairou no ar feito nuvem.

— Ajudar a quê, Caçarola? — indagou o homem, intrigado.

"A viver, meu velho. Você se apoiará em mim para caminhar. Eu me apoiarei em você para existir."

— Será sensato? Depois de tantos anos...

"Não me deixe partir!"

Faltava apenas uma mancha de maquiagem a ser retirada. Havia aflição no olhar úmido do palhaço, agora irreconhecível.

O homem idoso não poderia dizer que chegou a pensar, pois sua insegurança, incerteza e temor eram idênticos. Assim, diante da aposentadoria que o aguardava além do camarim, falou:

— Não deixarei. Aceito a sua ajuda e ajudarei no que puder. O reflexo sorriu, melancólico.

"Sentiremos saudade do riso espontâneo das crianças junto às pessoas grandes."

— E também do sorriso contido das crianças dentro das pessoas grandes.

"Mesmo quando nosso próprio coração não se sentia bem."

— Fazia bem ao coração ver os outros felizes — completou o idoso. Um último chumaço de algodão desfilou no rosto encarquilhado.

O velho observou o grisalho desconhecido diante dele e, antes que fosse oprimido pelo mundo que sobre si se desfazia, escutou a voz marota dentro de sua mente a sorrir, rir e gargalhar:

"Vamos, vamos embora daqui... Um novo mundo nos aguarda!"

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— Sim, Caçarola, vamos descobri-lo juntos. Assim, o velho e o palhaço deixaram o espelho, o camarim, o picadeiro, o circo, os outros artistas e a plateia. Despediram-se de todo um universo que, até então, era tudo o que jamais conheceram e caminharam de mãos dadas para a desconhecida vastidão do lado de fora. ***

NOTA DO AUTOR:

Escrito entre 16.04.2022 e 17.04.2022. Inspirado na personagem Puddles Pity Party criada pelo talentoso artista Mike Geier, e, claro, na lembrança do alter ego do Sr. Waldemar Seyssel, o saudoso palhaço Arrelia.

http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/search?q=roberto+schima https://clubedeautores.com.br/books/search?where=books&what=roberto+schima https://www.wattpad.com/user/RobertoSchima rschima@bol.com.br

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Intragável

Ele abriu o novo tablete e colocou sobre os restos da manteiga velha que resistiam no fundo da manteigueira, já arados pela faca de serra. Sabe-se lá há quanto tempo vinha fazendo isso. Ela tentou comer, mas deixou a torrada no prato e o afastou sutilmente em direção ao centro da mesa. Tentou distrair-se lendo o jornal, mas ao tentar virar as páginas sentia como se estivesse com as pontas dos dedos oleosas, rançosas. Quando ele levantou, já atrasado, e tentou beijá-la, o afastamento brusco, com o rosto virado para o lado, foi inevitável. O casamento acabou, de fato, naquele instante.

http://linktr.ee/rodrigodomit

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Misantropia

– Ao longo da vida, percebi que a maioria das pessoas é falsa, dissimulada, interesseira, mau-caráter, egoísta, traiçoeira, mesquinha, hipócrita, mentiro…

Toc, toc, toc!

Clac, clac! Tum! Nnnheeec…

– Olá, Pinóquio! Entre! Como vai o Gepeto? O café está quente e temos biscoitos!

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RodrigoSBA Salvador/BA
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Eunuco

Em carnes plangem, cantam breve os ossos; Em sangue ferve a chuva dos hormônios E forma os meus tristonhos patrimônios O corpo, um dote em trágicos destroços!

Requerem os cabelos, matrimônios; Os pelos, os espinhos, os caroços Reclamam por aqueles beijos nossos, Por vários diviníssimos demônios!

Enaltecem os homens a ciência, A erudição e o meu conhecimento Rejeitando que tenho a florescência...

Um dia, lastimei em choro lento, Então me perguntaram sem clemência: “Quer dizer que você tem sentimento?!”

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2021
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www.rommelwerneck.com

Corpo Vermelho

Chora a lua pela lua, vê o menino a mãe vermelha, foge do colo do pai e na sarjeta da vida cai.

Chora a lua pela rua, vê o menino o tempo saudade, sopros do nome da mãe, resquícios do colo do pai...

A dura lâmina afiada no vermelho corpo da mãe, o firme golpe do pai no coração do amor do menino.

www.facebook.com/roquealoisio.weschenfelder

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Rosangela Maluf Belo Horizonte/MG Presentes que me dou ...(4) - A Feira Livre

No bairro onde moro, tudo de mais importante e necessário fica a menos de três quarteirões do meu prédio. Sendo assim, com todo o cuidado que a situação exige de nós, faço “de um tudo”, sem o menor receio, sem absolutamente nenhuma neurose e com toda segurança. Não me privo de sair diariamente para resolver uma coisinha ou outra que não pode esperar! Descendo um quarteirão tenho, à minha disposição, uma excelente confeitaria. Uma padaria, um açougue, um supermercado enorme, uma drogaria também enorme. Correios e lojas variadas. No quarteirão de cima encontro um sacolão, uma floricultura, um salão de beleza, uma pequena academia, uma lavadora de tapetes, uma gelateria excepcional e outras tantas pequenas lojas. Dois bares, muito conhecidos em BH (o do Salomão e o do Cabral) distantes, apenas a um quarteirão de mim. Como se não bastasse essa localização privilegiada, nas manhãs de quarta feira há uma feira livre, aqui bem em frente ao meu prédio. Uma vez por semana, logo cedo, pego a sacola, procuro minha listinha, minha máscara, as chaves, o cartão de crédito, alguns trocados e lá vou eu...

Seu Francisco não gosta de apelidos, o nome dele é Francisco mesmo, assim como o pai e o avô. Nada de intimidades. É um senhor discreto, de pouca conversa, de fala mansa. Organiza meticulosamente os legumes que vende. Sua barraca apresenta tudo separadinho: batata inglesa, batata doce, inhame, cenoura vermelha, cenoura amarela. Cada um deles numa caixa, bem arrumadinhos. Xuxú, vagem, cebola, pimentão, tomate, igualmente bem organizados e por aí vai. Em todos os montinhos, as plaquinhas com os preços. Escritos com cuidado, pincel atômico, bem grosso, roxo!

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Já perguntei outras vezes e entre lacônicas respostas de “sim e não” soube que ele mesmo dirige a Kombi, arruma os caixote, coloca os preços, atende os clientes, separa os pedidos, faz as contas, cobra e agradece. Não sorri quase nunca, mas se lembra de agradecer. Envia seu Deus pra ficar com a gente e espera rever-nos na próxima semana. Penso aqui com os meus botões que o Seu Francisco possa ser Virginiano...será?

Ao lado, Seu Caneco monta sua barraca, de frutas. Sem nenhum capricho e só com o cuidado necessário, ele separa as pencas de bananas, identificadas por pedaços de papelão, mal recortados, mal escritos: caturra, ouro, prata, da terra, são tomé. Maçãs se agrupam logo em seguida. Pequenas torres de gala, fuji, verde e algumas “em promoção” – aquelas meio murchas e com pequenos amassados. Seu Caneco fala sem parar. E canta músicas conhecidas trocando a letra original por chamativos para suas frutas. Com ou sem rima, canta desafinado e pergunta repetidas vezes “- o que a dona vai levar?” Coloca no saco plástico as frutas escolhidas. Dá um nó apertado. Faz as contas de cabeça. Se for dinheiro, é com ele; se for no cartão é com Canequinho. Seu filho é quem toma conta das máquinas. Nunca me perguntei o porquê do apelido, dele e do filho. Bem humorado feito o pai, menos falante, mas metido a criar gracinhas. E o curioso disto tudo: Canequinho tira onda com o que o pai fala. Morre de rir a ponto de enxugar as lágrimas na manga da surrada camisa do Galo que sempre usa. Um dia, quando Seu Caneco cantar menos e sobrar um espacinho entre as suas rimas, quem sabe terei um tempinho pra matar minha curiosidade.

Mas o melhor da feira é a Dona Penha, Tadeu o marido, e Tequinha, a ajudante. A barraca deles vende carne. É uma Kombi adaptada com um freezer bem grande, suficiente para guardar os produtos em temperatura adequada. Tem carne de panela, já cortada em pedaços, faltando só temperar e cozinhar. Tem frango caipira, limpo, inteirinho. Tem coxa e sobre coxa, asinha, pezinhos e pescoço. Tem coração, moela, tem filé de peito, cortado em quadradinhos para strogonoff - tem de um tudo!

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Porém, o mais interessante é que os três discutem e brigam sem parar. Reclamam de tudo. Do sol, da chuva, do dia nublado, do calor, do frio, do vento. E pedem a nossa anuência: - “Né não, freguesa?” Falam das notícias dos jornais, detonam os políticos sem vergonha. Falam da pandemia, dos remédios caseiros que já testaram e a solução que cada um tem sobre tudo. Nunca concordam em nenhum assunto. Jamais uma trégua. Todos os dias de feira, lá estão eles brigando entre si. Por qualquer motivo, um deles sobe o tom e os outros não resistem. É muito divertido ver o quanto se desgastam, por nada, por tanta coisa boba.

Dona Penha é gordinha, baixinha e tem um lenço envolvendo os cabelos sempre presos. - Questão de higiene, ela diz com a voz rouca e estridente. Usa uma sombra muito escura nos olhos, o que lhe faz parecer sempre muito cansada e sonolenta. O batom é rosa forte. As unhas são enormes e pintadas de azul ou verde ou amarelo. Mas estão sempre escondidas sob luvas de plástico transparente, - Questão de higiene, ela diz com a voz baixa. Sobre a roupa normal, todos quatro usam um avental branco, bem sujinho! Manchas de sangue que respingam, mesmo com todo o cuidado que eles têm. Não é fácil manter tudo limpo. São quatro pessoas trançando pra lá e pra cá. E discutindo, movimentando os braços, andando de um lado pro outro no minguado espaço da Kombi.

Tequinha, a ajudante está quase sempre no Caixa. Sim, tem um cantinho sobre o mini balcão, feito com uma tábua mais larga e comprida. Um banco mais alto para as máquinas operadoras dos cartões de crédito. Sobre um pires branco, uma imagem de São Sebastião. Às vezes, se vê uma vela em um copinho, ao lado do santo; outras vezes a ajudante se esquece e o santo fica sem luz mesmo. Ela é atenciosa, faz tudo duas vezes; confere o troco contando em voz alta, quando a devolução é em dinheiro. Pergunta pela família, pelos gatos e cachorros. Adora render uma prosa, sendo às vezes interrompida para que registre um novo pagamento. Tekinha é solteira porque acha que vida de casada deve ser muito chata. Olha pra Penha, depois pro marido Tadeu e não sorri. O marido fala pouco, discute muito e implica com tudo.

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Seu Francisco, vou aprender com o senhor a permanecer tranquila mesmo quando tudo ao meu redor estiver em efervescência. Serei calma para lidar com os dias pesados. Terei discernimento e sabedoria para me calar. Não perderei a gentileza no trato com o meu semelhante, mas não me deixarei abater pelo caos. Serei disciplinada e organizada com os meus pensamentos, permitindo apenas aqueles que me fizerem bem. Tratarei também de ser eficiente, buscando me poupar de tristezas desnecessárias. Colocarei como meta me calar sempre que possível. Buscar a paz, o equilíbrio e manter o discernimento.

Seu Caneco, tomara que essa pandemia conceda-me a graça de manter o bom humor até o final. De rir mesmo quando as notícias forem péssimas, tristes, matando o resto de esperança que insiste em sobreviver em nós. Que eu possa cantar, ainda que bem baixinho, falando de amor, de saudade, de folia, de carnaval. Serei sim, capaz de manter o sorriso, a gargalhada sempre que houver motivos e que eu possa ter um anjo da guarda, amigo, como o seu Canequinho. Não preciso ser tão despojada, tão desorganizada, tão “assim tá bom”’. Só de levar a vida sem tanta seriedade, ela certamente ficará bem mais leve. Mais fácil de ser vivida. "Quarteto fantástico”, por favor, me mostre como não devo agir! Parar de reclamar sem motivos e me lembrar do quanto tenho para agradecer. Que eu resista à tentação de falar sem nada ter a dizer. Que não sinta prazer em discordar, em polemizar, em discutir mesmo tendo razão. Pra quê ter razão? Cada um tem sua verdade e o respeito ao próximo vem daí. Como evitar atritos desnecessários que a nenhum lugar me levarão? Propor paz ao meu coração. Silencio e respiro. Não serei uma peça manipulada nesse tabuleiro de xadrez em que todos nos encontramos hoje.

Chego em casa e vou lavar os legumes. Cada coisa em seu lugar. Junto o lixo. Descarto. Faço um cafezinho. Penso na vida, nas lições que insistimos em não aprender. Respiro fundo. Mais um dia pela frente. Lá vou eu…

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Roseli Ágda Água Doce do Norte/ES

6:30 h

Eu nunca vivi um grande amor. E nem por isso a terra parou. Se perdi oportunidades, relógio por mim não se atrasou. Se tentei correr atrás, o ônibus das 6:30h não esperou.

A vida continua no mesmo ritmo. A terra faz as mesmas voltas. Os ponteiros do relógio cumprem rigidamente seu percurso. O motorista do ônibus continua a passar às 6:30h.

Quem se importa? Se alguém se importa, o que fazer? Isso é guerra sem soldado, flecheiro sem alvo, coração sem amor.

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Eu não quero que minha cabeça exploda

O mundo como minha cabeça gira sem parar Ideias e sonhos, desejos e dúvidas Pairam no ar Eu não quero que minha cabeça exploda de tanta poluição Tanto desmatamento, tanto pensamento Tanta confusão É tanta coisa pra gente Tanta coisa na mente Estou entrando em erupção Mas eu não sou vulcão, meu bem Eu não sou vulcão Não quero problemas Boletos e contas Mais preocupação Não quero amores, Promessas e mentiras Mais desilusão Sei que vou sofrer, amor Mas não sou besta não!

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Sérgio

República do Qeijo Qalho: o dia em que Prosperidade (quase) declarou Independência

Aproveitando o feriado do 7 de Setembro, retornei à Prosperidade depois de alguns meses afastado (onde aproveitei o período de Home Office para fazer cursos à distância) e fui surpreendido com a notícia de que meu grande amigo, Professor Pandolfo, se convalescia após ter sido mais uma vítima da Covid-19. Sim, a Câojuntivita, como já dizia o velho Lazin, chegou à Prosperidade e acometeu esse mestre muito querido. Chegando à sua casa, após as costumeiras saudações, meu letrado amigo tratou de me tranquilizar a respeito de seu estado de saúde, reconfortando-me que o mal havia sido menor, graças às duas doses da vacina que havia tomado, mas que não evitaram o contágio graças às comorbidades preexistentes, agravadas pela idade já avançada. E “Viva o SUS”, bem lembrou o dileto gramático. Já menos apreensivo, enquanto saboreávamos um bom café preto, passado no coador de pano, nossa prosa descambou para a Política e as atualizações da localidade. Em razão da data, o 7 de Setembro foi prontamente lembrado, enquanto tecia minhas lamúrias por não assistir pelo segundo

ano seguido ao desfile cívico-militar (uma das marcas da minha infância quando acompanha junto com o meu pai o marchar das tropas, embaladas pelos dobrados das bandas marcais). De pronto, o “sabioso” ancião tratou de me consolar relatando mais um daqueles causos, que só em Prosperidade poderiam ter acontecido, começando assim: - Essa história remonta ao tempo de meus avós, quando Prosperidade era ainda menor do que é hoje, e possuía, além do Prefeito, apenas um destacamento com quatro soldados. Nem Padre por aqui havia, por isso quem cuidava dos assuntos do Vaticano era irmã Mercedes, uma bondosa Carmelita que batizava e realizava as exéquias no povoado. Quando havia casamento ou festa da Padroeira, a Cúria mandava um Padre da Capital só para esse fim. Nessa época o Coronelato ainda era o Juiz e Algoz na cidade, que se dividia entre o domínio das famílias Fortunato e Modesto. A primeira de raízes nos tempos sombrios da escravidão, com muitas mortes e desalento em suas costas. A outra, abolicionista de primeira hora,

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sempre fora mais Liberal e de há muito comandava a política, elegendo os mandatários da pequena cidade, dentre os seus.

Por conta das desavenças seculares, houveram perdas tanto de um lado, quanto de outro, desferidas na ponta da faca, ou no fogo do chumbo, e assim, Ferdinando Fortunato, o patriarca da família àquela época, não aceitava o prestígio que João Modesto, médico muito humano, reconhecido por todos, e Prefeito da cidade, tinha entre os munícipes – dos fazendeiros à peãozada todos o respeitavam e admiravam.

Embevecido pela inveja, e entorpecido pela cobiça e desejo de Poder, o tresloucado Fortunato tramou junto aos seus um ardil para tomar a cidade das mãos dos Modesto, transformando-a em um estado independente – da Capital e até da República – sob a égide de sua família, tendo como nome a “República do Queijo Qualho”, em uma referência ao lácteo produzido nas terras da família, de fama nacionalmente reconhecida.

Tramóia feita, faltava definir o dia para que a empreitada fosse levada a cabo, e qual melhor não seria que o 7 de Setembro, simbolizando um novo tempo para Prosperidade? Na véspera das comemorações cívicas, ainda pela madrugada, os Fortunato pegaram a jagunçada, e todos os colonos das fazendas, convencidos na base do salame e do couro, e ocuparam a Praça de Nossa Senhora do Rosário, transformando o adro da Igreja em verdadeiro campo de guerra.

Quando a cidade acordou, todos foram pegos de surpresa pela novidade, e só restou ao Prefeito e seu diminuto pelotão de soldados, acompanharem de longe a movimentação e preparação do Coreto da Praça, transformado-o em palanque para o discurso de posse do novo mandatário da recém-criada “República do Queijo Qualho”.

Ao som de tiros e estampidos de foguetes, a cidade viu adentrar o largo um Ferdinando Fortunato montado em um alazão, com chapéu e espada em riste, e uma cara Napoleônica, dando a entender a toda cidade que quem ali estava era o novo Regente da Nova República, recém-criada.

Ao assumir a posição de destaque no Coreto, desandou a discursar falando das qualidades e do compromisso dos Fortunato com a Ordem, o Desenvolvimento, a Honestidade e os valores da Família, ao contrário dos traidores da pátria, os Modesto, que tinham ex-padres em sua estirpe, que largaram a batina para contrair matrimônio, mulheres descasadas que passaram a viver sem marido, além de um sem número de denúncias de mau uso do erário público. Só faltou chamar de Santo, da primeira à última geração da família rival.

Em meio a estoica fala do Napoleão Tupiniquim, eis que entra esfolegante Praça adentro, Tião Gavião, o faz tudo da família que mal desceu do cavalo e foi atropelando os convivas

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para se aproximar do Coronel, enquanto lhe confidenciava ao ouvido uma mensagem secreta e reveladora. De rubro de emoção, o agora assustado Presidente e Regente Real da República do Queijo Qualho, fora ficando lívido e empalidecido e a empáfia, de minutos antes, fora substituída por uma fala mascada que, de maneira cerimoniosa, pedia desculpas ao Prefeito João Modesto e a todos os munícipes ali presentes, destacando que tudo não passara de um mal entendido, e que as palavras desonrosas ali proferidas, foram colocadas no “calor do momento”. Tão rápido quanto chegou, o entontecido coronel e sua trupe foramse embora sem deixar nem rastro, nem poeira, e assim a cidade de Prosperidade pode finalmente comemorar, com a pompa e circunstância devidas, o Dia da Pátria com direito a desfile do destacamento militar, das crianças da escola até culminar com o Ato Cívico de hasteamento da Bandeira Nacional. Intrigado com mais uma narrativa fantástica de Prosperidade, não pude me conter sem perguntar se, por acaso, alguém descobriu o que Tião Gavião havia dito de tão revelador que fez o Coronel Fortunato passar de Leão Feroz, a gatinho assustado em tão pouco tempo.

- Meu caro e jovem amigo, respondeu o esperto Professor. Desde que o mundo é mundo, existe uma força maior até do

que a da Política, que decide o destino e as ações de figuras carentes de retidão e probidez, como os Fortunato, que é o poder do Dinheiro. Na véspera do ato de tomada do Largo intentado pelo desatinado Coronel, os outros Fazendeiros da região, em conluio, decidiram que não seria conveniente para os negócios de suas famílias o rompimento com a Capital e a República, e assim mandaram através de Tião Gavião a seguinte mensagem ao Ex-Regente Real “se você seguir com a sua empreitada, sua Fazenda não terá mais para quem vender seu Queijo Qualho. Então, o que prefere? Manter uma “Coroa” sobre a cabeça, ou ver suas “Coroas” escorrerem entre seus dedos?

Obviamente que para a posteridade a versão que ficou guardada é a de que tudo não passou de uma “estratégia” tecida pelo sagaz Coronel, mas a verdade é que o apego ao vil metal, falou mais alto do que seus ataviados e lisérgicos sonhos de poder e dominação política. Ainda boquiaberto com toda a narrativa terminei o café, me despedi do Professor Pandolfo e tomei o caminho de volta para minha casa, mais uma vez estarrecido com a prodigalidade das histórias de Prosperidade.

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Satisfação

Confesso, não o reconheci num primeiro momento, nem percebi que aquele rapaz um dia, lá atrás sentou-se no lugar de aluno um menino acanhado que me chamou de professora e hoje está ao meu lado.

A Matemática ao lado da Filosofia sempre foi assim um encanto sem fim e que hoje senti na pele.

ao Pedro, com carinho

Mas o que me marcou mesmo foi um abraço carinhoso que recebi com tanto afeto e um simples beijo na testa... Nem sei se percebeu, mas o mestre sentiu um tremendo orgulho do discípulo que agora também se torna mestre que segue seu caminho que me fez derramar uma lágrima que me acompanha em dias mais alegres.

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Suramy Guedes

Soneto Diet

As palavras estão desencardidas. Foram lavadas com água e sabão depois de horas de molho no chão onde restaram, por lá, esquecidas as cores e a doçura desprendidas do tecido que reveste a emoção. Sobre esta, se discute: cabe ou não? Estão bem limpas e desenxabidas as palavras porque assim não incomodam. Por que fogem aos modelos estéticos, não adoçam mais a língua e se amoldam ao gosto dos movimentos dialéticos. As palavras, de agora, não violam os olhos daltônicos e diabéticos.

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Tauã Lima Verdan Rangel Mimoso do Sul/ES

Arrebatador desejo

Os toques preguiçosos se movem tão desmedidos Entre mil beijos, abraços e confissões descabidos Repercutem ao tato vigoroso que se move forte Penso, por um segundo, que há universal sorte

O olfato reage ao cheiro cítrico em intensidade Os poros gritam, reagem por tamanha saudade Falta-me o ar, quando penso como está distante Miragens vem à mente, cenário doce e inebriante

Ai do meu coração! Clama o coração tão desejoso Quero teu corpo! Em um ardor forte e assombroso Há uma aterrorizadora adrenalina a me percorrer Da tua entorpecedora presença, eu preciso sorver

Em oníricos sonhos, sou atraído por sua presença Há em mim sensações em uma intensa latência Somente pertenço a ti, grita o palpitante coração Sinto-me arrebatado em uma descomunal paixão

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Nina e Miguel: Assassinato no Cânion Paragem dos Ausentes

Imprescindível

Meu virtuoso, e muitíssimo amado, Miguel. Esta carta, ditada por mim e escrita por minha romântica avó, deverá ser aberta somente às 18 horas da próxima sexta-feira. Pontualmente! O local: no Cânion Paragem dos Ausentes, onde cunhamos as iniciais de nossos nomes.

Sobre celular? Nem pense! A regra prevalece, assim como as demais singularidades de nosso romance. Não ouse tentar manipular uma perita criminal desprovida dessa tecnologia invasiva. Será o reencontro de dois amantes à antiguidade.

....

A Carta

Meu querido e muito adorável namorado, não olhe para trás, aguarde o sinal. Eis a primeira boa notícia: concluí minha pesquisa de campo, e ninguém ousará me chamar de louca, antes, e com muito orgulho, me considerarão uma pesquisadora sutil e sagaz, Neste momento, já o avistei enquanto caminho em sua direção. Preparei tudo com o rigor de minha personalidade, da qual você tanto se queixa, mas muito o tem surpreendido. Como cheguei até aqui? Não imagine que foi pelo acesso comum e vigiado, mas logo segui pela trilha secundária, pouco utilizada por

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ser mais íngreme, porém, mais seguro para uma ex-escoteira solitária em sua excursão. Imagine você, caminhei durante toda uma noite. Não pense em exaustão, trouxe apenas uma mochila com dois lanches, medicamentos emergenciais e água, além de muito entusiasmo e a certeza de que tudo daria certo.

O espaço está fechado para visitações durante dez dias devido a previsão de temporais. Não se preocupe! Estou sempre muito bem equipada, inclusive para me proteger de catástrofes naturais, não de todas, porém, talvez de muitas. Atente para este segredo: tenho meu recanto estratégico entre essas rochas, e noutros ambientes de difícil acesso, perto e longe daqui - poderíamos conversar sobre isso futuramente. Sim, poderíamos... Sobre família, trabalho, curso..., tomei todos os cuidados para não ser descoberta, e esses cuidados incluíram você, de quem mais senti falta nesta minha aventura científica. Meu amor, você não imagina o quanto sua obstinada namorada se esforçou para comprovar uma teoria tida como fabulosa para muitos, incluindo meus orientadores. Sinto ter agido de acordo ao mantê-lo alheio sobre o assunto. Temi desapontá-lo.

Tenho sido uma filha, uma irmã, uma funcionária, uma pesquisadora e uma companheira amorosa, responsável e dedicada. Assim, não me foi difícil apresentar um álibi para justificar minha ausência. Enfim, foram, não duvido, prolíferos cinco dias dedicados á ciência, à vida, à morte, à natureza.

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Contudo, devo antecipar: você foi o único para quem eu menti. Mas, não se aborreça! Posso garantir que minha mentira, ou melhor, omissão, é jurisprudente e compensadora. Não teremos tempo para repreensões. Prometo! Sua libidinosa, afrodisíaca, e muito apaixonada, Nina. Miguel está eufórico, mas se esforça para seguir as instruções de Nina, não pretende desapontá-la. Ela surgiu em sua vida há 15 dias, 12 horas e 59 minutos, durante o velório de sua mãe, quando todos pensaram se tratar de uma freira desconhecida de todos, menos de sua mãe. talvez representando alguma das entidades beneficiadas pelas doações e serviços prestados por ela, antes de descobrir o câncer pancreático que a vitimou. Sinceramente, Nina, ainda não declarada Nina, não parecia ser uma freira comum: sua postura, seu modo de caminhar, sua presença amistosa e intimista... Uma mulher elegante, esbelta e distinta, assim fora definida pelo filho enlutado, mesmo antes de ver seu rosto. Por aguçar a curiosidade dos familiares e amigos presentes, também despertou especulações acerca de sua origem; parecia uma madre enlutada com seu hábito preto e seu rosto coberto por um véu da mesma cor. Todos a respeitaram, sequer se aproximaram para cumprimentá-la. Sua imponência não favoreceu qualquer possibilidade de aproximação. Sim, seu comportamento cerimonioso a manteve distante, embora tenha chamado a atenção dos curiosos, inclusive de Miguel, o único de quem ela se aproximou e para quem entregou um pequeno envelope com suas mãos enluvadas, dentro do qual havia um lenço de cetim

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dobrado e nele apenas o endereço pitoresco do segundo encontro que seria o início de um romance atípico com aquela misteriosa devota da fé cristã. Foram seis dias de presença e cinco de ausência, estes os mais ansiosos de sua vida; aqueles os mais imprevisíveis, ou excêntricos, de sua vida. Nina o fazia feliz e isso era tudo o que importava para o jovem oceanógrafo de 25 anos.

Manter o caso em segredo durante os três primeiros meses fora sugestão dela, para se conhecerem sem possíveis intromissões negativas.

Alguns segundos se passam e ele consegue ouvir os passos lentos de sua namorada caminhando em sua direção. Ela usava um par de sapatos masculinos dois números maiores do que o seu.

Miguel ouve sua voz. Que saudade! "Guarde a carta num de seus bolsos, tire toda a roupa e jogue-as para trás! Em menos de um minuto o rapaz estava nu e com os braços erguidos para o alto. "Muito bem, meu jovem. Agora se atente a natureza a sua frente! Estou me aproximando, posso sentir o cheiro do meu amor e ouvir sua respiração. Um, dois, três!

Miguel não gritou, sua queda foi assistida por sua algoz, nem riso, nem lágrimas. Com os braços abertos, girando o corpo em torno de si até cair de joelhos com os olhos voltados para o céu, a diabólica mulher orou como a mais fiel devota ao Divino. Seu regresso teve início por volta das 19 horas, As notícias sobre o suicídio do jovem oceanógrafo Miguel Córdoba ocorreram somente quatro dias após

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seu desaparecimento, quando o local foi reaberto para visitação, e seu corpo em decomposição foi descoberto por um fotógrafo argentino. Sobre as investigações: seu celular foi periciado, mas não havia registros suspeitos; assim como não havia inimigos, ou pessoas com indícios suficientes para despertar o interesse da polícia. Certamente a morte da mãe o abalara a ponto de atentar contra a própria vida. No entanto, para um ativista incansável em defesa da natureza, a morte no Cânion Paragem dos Ausentes significa mais que a interrupção prematura de uma vida.

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Thayná Vitória Alves Vasconcellos Rio deJaneiro/SP

Intensidade

Sou intensa intensa como um mar Sou cheia de sentimentos e às vezes é difícil controlar

Sou bela pra quem não tem medo de explorar e azar de quem as maravilhas que há em mim perderá pois não verá em outo lugar

Tenho um lado ruim e sombrio pro qual você não gostaria de ficar mas você escolhe qual lado verá Sim, sou intensa e não quero só um barquinho para velejar quero alguém para mergulhar, cuidar, cultivar e multiplicar as maravilhas que demorei para conquistar

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Qero Ser Avô!

A gente cresce, amadurece e faz planos. Dentre esses planos há sonhos. Tantos sonhos que ainda faltam alguns para serem realizados. Quando me casei, levei meus sonhos para o novo lar que surgia e o principal deles era ter filhos. Assim, Deus me abençoou, concedendo-me duas amadas filhas. O tempo foi passandovoando inexorável - e elas foram se metamorfoseando: de crianças para jovens e de adolescentes para adultas, tudo mágico, como num piscar de olhos. Estudar, trabalhar – às vezes não nessa ordem – para serem independentes, prioridades absolutas nessa fase da vida. As dificuldades surgem, os obstáculos são inevitáveis, mas transponíveis e as etapas são vencidas. Para mim, que já entrei na idade do “enta”, o tempo é cada vez mais veloz, no que para as filhas - jovens ainda - não parece ser, sequer atroz. E, como não podemos deixar de sonhar, pois são os sonhos que fortalecem e prolongam a vida, faltava um para completar minha felicidade. Assim, a velha e teimosa ansiedade aflorou, reacendendo a antiga chama, trazendo à tona aquele desejo adormecido de ser avô. Sim, porque minha idade avança impiedosamente e, com ela, pressinto minhas chances de conhecer meus netos, ficando cada dia mais distante dos meus olhos carnais. Também outra questão me preocupa: Se, com a chegada tardia dos netos, ainda terei condições físicas ou mentais para curti-los, acompanhar de perto seus primeiros passos; dar-lhes amor e cuidados; ensinar-lhes os valores essenciais, que os tornarão seres humanos dignos e capazes de seguirem seus próprios passos nesta caminhada terrena - que é a nossa continuidade - cujo legado deixaremos.

Eu era tão obcecado em ser avô, que muitas vezes falei com Deus, rogando para que me premiasse com essa oportunidade divina. Assim, roguei ao Pai Maior:

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— Deus, meu Senhor! Sou-lhe grato pela graça de ser pai de duas abençoadas filhas, mas agora suplico-lhe a benção de ser avô. Elas são saudáveis e já concluíram seus planos traçados inicialmente. Sinto que meus dias estão esvaindo-se ao sopro da jornada terrena. É meu desejo, conhecer meus netos e vive-los ainda na vida presente e com a saúde plena.

E Deus me respondeu: — Calma, meu querido filho! Está tudo sob controle, seu destino já está escrito. Falta-me, apenas escolher seus genros. Tranquilize-se que breve terás seus tão almejados netos. Eles serão motivos de júbilo e lhe proporcionarão momentos maravilhosos.

Após este diálogo, suspirei aliviado e esperei na vontade Dele, a única infalível. Tempos depois os genros chegaram formando novas famílias e seus filhos geraram, cujas luzes são meus netos. Gratidão nosso Deus, por todos os momentos!

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Valéria Barbosa

Rio de Janeiro/RJ

Dona Ivone Lara. Tiê voando.

Ouvi o cantar de um pássaro corri para o avistar, na copa da gameleira seu canto encheu o ar. Sorri para a luz do dia, abri o peito para o céu. Foi com muita alegria que meus pés tocaram a terra que traz magia, abraça as lembranças e vibra o som do tambor, sim! vem de Angola, sim senhor! Gratidão é a palavra que fortalece a esperança para este enredo contar, cem anos de criação do nascer ao seu viajar sendo enredo a encantar num sambódromo do peito seu nome ouvi gritar.

O Tempo em aliança entre a poesia e a música numa bateria de vida recomeçar a criar são 100 anos de cultura com esta dama a vibrar e o Tiê sempre a voando tecendo suas poesias no amar.

A vida seguindo com Ivone Lara a cantar num carrossel de alegrias, tantas lembranças de uma fã a tieta-lá sem medo da pieguice. Honrada por conhecer mulher de imensurável valor, do social foi rainha, da saúde foi a flor e para a música popular brasileira até samba enredo criou!

Ivone Lara é o seu nome vamos sempre nos lembrar da beleza dos seus versos do seu jeito de cantar, meiguice na passarela, abram alas para desfilar.

Ancestral do samba, enredo da esperança que feito criança travessa seu sonho mora lá, nas águas sagradas da vida onde a rainha é Iemanjá e cá, acarinhando sonhos seus, se tornam meus para, eu a homenagear.

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Enfermeira competente, se juntou numa equipe precursora na psiquiatria e com Dra. Nise da Silveira a muitos foram tratar desmistificando a loucura e mostrando que a cura na arte está a pintar.

Libertava das gaiolas o Tiê para cantar.

Maravilhosa mulher em multiplicadas emoções, cem anos decantando versos feitos da grande mãe da Angola, assim era conhecida na África, fortalecendo a nossa memória, mas vale frisar o seu valor no samba do Brasil e na história.

Dona Ivone Lara é a dama que floresceu em meu coração, no Império Serrano é jongo, samba e canção.

Maravilhosa mulher por vocação.

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Valter Bitencourt Júnior Salvador/BA

Qilômetro

Cego, lerdo, medro. Míope, corre, chove. Eu trilho, e perto De você chego encharcado...

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Mallet/PR Alice

Foi o desejo de ser grande e habitar os sonhos verdadeiros que fez Alice fugir de sua história e buscar outras tantas. Escapuliu de sua vida embrenhou-se no livro eescobriu que a imaginação é feita de loucuras aventuras desventuras é o que a vida oferece e o que acontece. Já se esquece quando amanhece um outro dia e quando escurece...nenhum sentido se aquece e vem tantas vidas e passam tantas histórias e se tem tão poucos livros que a fuga para dentro de um é a beleza maior de quem quer ser grande!

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Vânia Lúcia Malta Costa Catunda

Brasília/DF

Profssão Divina

Tantas vidas vi nascer. Tantas vidas vi morrer. Tantas vidas passando por minhas mãos. Profissão escolhida. Profissão bendita. Aos céus a minha gratidão .

Tantos casos revelados. Tantos casos tratados. Tantos casos encaminhados . Outros casos um bom diálogo foi A solução bem acertada.

Profissão escolhida . Medicina querida. Por ti estou realizada. E por ti testificada.

Mesmo na veterana idade. Sinto-me como residente Da modernidade. Ao ser solicitada na atividade .

Profissão divina

Que Deus seja sempre o meu clarão . O meu eterno Capitão . Com seu Exército de prontidão.

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Você que gosta das flores Cultivei um jardim pra você Todas falam de amores É só você escolher

Olhando o meu jardim Das flores que semeei O delicado jasmim Foi o primeiro que plantei

Depois fiz outro canteiro Com singelas margaridas Elas dão o ano inteiro São as minhas preferidas

Tem rosas brancas e amarelinhas Elas não podem faltar Mas as vermelhas são as rainhas Nos fazem suspirar

Agora vou te mostrar As orquídeas imponentes Esse jardim é pra sonhar Não posso te dar, infelizmente

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Fumaça e espelhos

O cheiro de pólvora preenchia o ar gelado da clareira. A floresta ao redor da aldeia ainda ardia em algumas partes. Os troncos rangiam enquanto caiam, lentamente, levantando as cinzas que cobriam o solo que antes fora úmido. O jovem guerreiro, Kenai, já não conseguia escutar nenhum dos animais que habitavam ao redor de seu lar; nenhum som daquilo que sobrou de sua casa, de sua vila, de sua vida. O ataque dos conquistadores deve ter partido de rio acima. Os rastros de munição mostravam que a tribo não teve chance contra os rifles e canhões dos invasores.

Kenai havia seguido o curso das águas rio abaixo em busca de alimento e de peles de animais. Logo o inverno ficaria mais intenso e a tribo precisava se aquecer durante as longas noites gélidas que se lançariam sobre eles. A deusa Lua os protegeria com seu brilho durante as noites, enquanto o deus Sol os ajudaria, mesmo que em uma pequena porção do dia, com a colheita e

com as flores. Mas, agora, tudo estava arruinado. Talvez, se tivesse ficado por ali, Kenai não teria tido mais sorte do que aqueles cujos corpos estendiam-se sobre o chão. Homens e mulheres; crianças e velhos. Os pensamentos envolviam seus devaneios enquanto seus olhos rolavam de um lado para o outro em busca de uma única pessoa: Thaynara.

Como filha do chefe da tribo, cabia a Thaynara assisti-lo nos afazeres da comunidade. Supervisionava a tecelagem, a colheita e também ajudava na caça. Estava sempre em movimento e a melhor maneira de encontra-la entre as habitações era procurar por seus longos cabelos negros ao vento, ou sentir o rastro de seu perfume doce, com um sutil aroma de romã. Mas agora não havia vento, sequer qualquer aroma em meio a toda a fuligem que caia do céu.

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O pequeno templo havia sido cravado de balas. O telhado de palha não ardia como as árvores ao longe, mas as paredes de barro que ainda resistiam estavam cobertas por estilhaços. Dois guerreiros jaziam em meio a toda a confusão no recinto. Pedaços de louça estavam espalhados pelo chão e cestos com tecidos encontravam-se amarrotados pelos cantos. No centro da sala, debruçado sobre um banco de madeira, estava o chefe Thauan. A cena era demais para o jovem Kenai, mas uma esperança batia forte em seu coração: Thaynara não estava ali. Ele se pôs a andar pelo vilarejo. Havia caminhado o suficiente para encontra-la, contudo, ainda assim, não havia sinal dela. Os invasores deveriam tê-la levado rio acima.

Kenai tomou a lança de um dos guerreiros mortos no templo e o arco e flecha do outro. Caminhou para fora a passos largos e com os olhos no horizonte. Com as armas pesadas, os saqueadores não deveriam estar longe. Se fosse sorrateiro, poderia interceptalos, matar dois ou três deles, e salvar Thaynara. Um ataque assim não pode passa impune, pensou ele, enquanto se emaranhava pela mata que margeava o

rio. Pelos deuses, as tribos daquele lado da montanha já haviam sido abandonadas há tempos. Sufocados entre a cordilheira e o oceano, onde as ondas traziam os navios dos invasores, fugir nunca havia sido uma opção.

O rio contornava rochas e seus meandros traçavam curvas abertas na mata. Não demorou até que Kenai encontrasse os primeiros galhos quebrados, a grama pisoteada e os pedriscos descolados do chão. Ele estava na trilha correta, no enlace dos assassinos, no rastro do suave perfume dos cabelos de Thaynara. O caminho se tornava íngreme e a subida ia, aos poucos, escondendo os últimos raios de sol do curto dia. A Lua vinha, timidamente, clareando os contornos da mãe natureza que o guerreiro atravessava.

Pé ante pé, o garoto encontrou o acampamento dos agressores. A fumaça vinha de metros acima da trilha, em um platô que se estendia em uma falésia que encarava o oceano. Cobriu os metros finais até o acesso do local discretamente. Posicionou-se atrás de uma árvore enquanto averiguava a situação. Por

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volta de uma dúzia de homens se espalhavam pela área, conversando ao redor de fogueiras, bebendo líquidos escuros de dentro de pequenos barris, afiando suas facas ou limpando seus rifles. O cheiro dos homens remetia à sujeira e suor. Porém, quando a brisa gelada soprou, Kenai voltou seus olhos a ela.

Thaynara sentava de cabeça baixa em um tronco de árvore cortado. Dois homens barbudos estavam posicionados a seu lado. Tinham os olhares distantes, já consumidos pela aguardente. Um dos invasores tropeçou em um caldeirão e os outros foram aos gritos ajuda-lo, um mais trôpego do que o outro. Kenai aproveitou o momento e agiu. Puxou uma flecha da aljava, posicionou-a no arco e, após respirar fundo, disparou em direção a um dos capatazes de Thaynara. A flecha o atingiu em cheio e o homem foi ao chão. O outro invasor gritou por ajuda. Kenai armou-se para mais um disparo, dessa vez andando em direção a seu alvo. Foi quando outro saqueador surgiu por trás dele e o atingiu com um tacape, provavelmente roubado durante o ataque ao vilarejo. Com o baque, a flecha de Kenai, que caiu de joelhos ao chão, errou o alvo por

centímetros. O jovem guerreiro tomou a lança que trazia em suas costas e rodopiou, acertando sua ponta na barriga de seu agressor. Com maestria, puxou a lança de volta e, em uma rápida elipse, arremessoua contra o outro sequestrador que guardava a garota. Com sucesso, o homem estava morto antes de tocar o chão.

Thaynara pôs-se em pé e correu em direção ao jovem guerreiro. No meio da luta, os outros invasores, que estavam auxiliando aquele que havia tropeçado no caldeirão, tomaram seus rifles e correram na direção dos jovens. Sabendo que seriam cercados, Kenai tomou Thaynara pela mão e juntos correram em direção à ponta da falésia, a centímetros da queda do penhasco. Os invasores os cercaram e apontaram seus rifles, prontos para disparar. Thaynara olhou Kenai nos olhos, os cabelos negros ao vento e seu doce perfume o envolvendo. Kenai entrelaçou seus dedos nas macias mãos da garota. Seus sorrisos construindo uma ponte entre os dois; entre aquilo que havia passado e tudo aquilo que poderia ter sido. Quando

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os últimos raios de sol perfuraram a noite fria, os dois pularam. A escuridão que se dissipava os envolveu no salto e logo nada além do barulho do mar podia ser ouvido.

Foi preciso um longo tempo para que os invasores, ainda atordoados pelo combate e pelas bebidas, descessem até as rochas abaixo da encosta. Fizeram o percurso com dificuldade, marchando com adversidade por uma trilha apertada que serpenteava por entre um paredão de pedras e galhos. Todo esse esforço apenas para se deparar com a escuridão da noite de inverno, que rapidamente havia chegado a encobrilos, e uma pequena praia vazia. As ondas beijavam as rochas, e era apenas aquilo que havia para ser visto. Os dois fugitivos não estavam ali. Não havia sinal de que haviam caído sobre as rochas. Tudo aquilo não fazia sentido, pois a queda era mortal. Os homens se espalharam pelos rochedos, com as águas cobrindo seus joelhos, determinados a encontrar os corpos que haviam se lançado pelo ar. A cada passo dentro do mar, ficava mais difícil

distinguir o que estava perto da encosta. A lua, coberta pelas nuvens, não conseguiu desvanecer a escuridão e as trevas já haviam se instalado completamente.

Os invasores andavam a esmo até que a realidade os atingiu, assim como as ondas que se jogavam contra eles: a maré estava subindo. E subia rápido. Não houve tempo para acenderem as tochas. Não houve tempo para amarrarem cordas. Seus gritos foram tampados pela força das águas e seus pulmões sufocados. Aqueles que conseguiram correr até a trilha foram enganados pelo labirinto que suas curvas formavam, inundadas pelas águas em um piscar de olhos. Foi assim que o silêncio, por fim, reinou. A calmaria daquela noite de inverno seguiu, assim como seguiria centenas de invernos adiante. Ainda hoje, aqueles que visitam aquela encosta em busca do belo pôr do sol juram poder sentir, na gélida brisa, um doce aroma de romã.

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Do que adiantaa

Do que adianta... Estudar, cientificar. Sabedoria a esbanjar, se não posso na humildade simplificar.

Do que adianta... Juntar posses, enricar. Casa boa a morar, carro de luxo a andar, se não há atos de dignificar.

Do que adianta... Profissão a encantar, uma linda carreira a personificar, fama a pontificar, se não tem com quem multiplicar e comunicar.

Do que adianta... Férias a confortar, descanso a frutificar, viagens a esbanjar, se não existe um significar.

Do que adianta... Rede sociais a embonecar. História a alavancar e a lacrar, receitas de amar a ostentar, se inexiste um sentido próprio para publicar.

Do que adianta... Amigos a bebericar, momentos a gabar, se não há contatos de pessoalidade quando precisar abarcar.

Do que adianta... A Deus massificar, a entoar o purificar, se não prática o mínimo gesto de bonificar, edificar.

Do que adianta... Pela família existente, entoar o gratificar. A esbravejar o ressignificar familiar, ao contrário a um ente maltratar, implicar.

Do que adianta... Por obsessão se medicar e remedicar. Posologia a quantificar. Carpe diem! Em um segundo isso pode complicar...

Por fim, adianta, adianta a cada minuto intensificar a simples ação de viver, assim, plurificar o vivificar.

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Dia da Marmota

Seu coração acelerou e ele fechou os olhos, cerrando os dentes. Então, o cadafalso se abriu, o equilíbrio desapareceu e em uma fração de segundo a constrição cervical provocada pela corda desligou todas as luzes do seu mundo.

O estrondo veio na sequência e Jeferson escancarou a porta e gritou para acordá-lo:

— Sujou cara! Vamos embora daqui agora! Acorda, porra!

E lá estava Estevão correndo desesperado, entrando na mesma mercearia e atropelando a garota com o pirulito no meio de corredor, disparando o primeiro dos seis tiros na testa do dono do mercado. O restante do sonho continua até que a menina parou diante dele. Rendeu-se, incapaz de fazer mal a ela. O que ele não entendeu, ao despertar, é de onde veio aquele sussurro de groundhog que soou em seus ouvidos ao abrir seus olhos.

A claridade do lugar o atingiu sem piedade. Tudo era branco e imaculado no corredor da morte. Ergueu o tronco e sentou-se na cama, esfregando os olhos com a almofada das mãos. Algo de estranho aconteceu e não conseguiu precisar. Lembrou-se de ter adormecido por cansaço, depois de chorar e se arrepender até o último fio de cabelo

das três mortes daquele seu último dia de liberdade.

Pôs os pés no chão no exato instante em que o padre chegou, acompanhando de Rogério, o guarda. Estevão sabia seu nome. E ainda zonzo de sono, o saudou: — Bom dia, padre Gregório. O sacerdote olhou assustado para o carcereiro, que deu de ombros. Os dois se falariam depois, curiosos em entender como Estevão soube o nome do padre. Nunca haviam estado juntos. Entrou na cela e sentou-se à sua frente. Explicou que nesses momentos, a palavra de Deus é a chance dos condenados de se arrependerem de seus atos de maldade. Estevão manteve-se calado, diante do discurso.

Tentou processar o que seu cérebro estava demorando a aceitar: aquilo já havia acontecido. Balançou a cabeça, afirmando estar arrependido e então ergueu a mão direita um pouco, com o indicador esticado. O padre interrompeu a leitura:

— O senhor já esteve aqui, não?

— Como?

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Vladimir Ferrari
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— Aqui, comigo. O senhor já leu essas mesmas palavras, dessa mesma maneira, não?

— Bem, você não é o primeiro que visito aqui na Milha e ... Rogério se aproximou da grade e interrompeu.

— Não existe isso, de dois condenados estarem na Milha ao mesmo tempo. Você está sozinho aqui, Estevão. Desde ontem, quando chegou.

O padre Gregório retomou seu discurso e ele ficou tentando se lembrar de quando seu advogado lhe informou sobre a recusa da apelação e o dia de sua transferência para a Milha. Na Georgia, os condenados à pena de morte eram separados dos demais presos, num edifício apelidado de A Milha, por conta dos 1600 metros que separavam a cela do cadafalso.

A sensação de Deja Vu permaneceu durante a estadia do padre e Estevão manteve-se surpreso e calado, acompanhando tudo com um receio crescente. A certeza de já ter passado por aquilo era cada vez maior. O sermão se encerrou e o padre perguntou se ele se arrependia de seus pecados, mais uma vez.

— Eu ... já ... concordei ontem. Eu já recebi sua benção e sua extrema unção. É impossível o senhor não se lembrar!

— Confusão é normal nesse momento de aflição, meu filho. As coisas ...

— Coisa nenhuma! — esbravejou Estevão se levantando. Rogério deu um passo para dentro da cela e acertou um golpe de cacetete nas costelas dele. Caiu sentado sobre o catre, dobrando-se de dor. O guarda recomendou que o padre se retirasse e trancou a cela.

— Sua execução está marcada para as quinze horas e trinta minutos. A refeição será servida em vinte minutos.

Seu receio se transformou em medo quando uma descarga elétrica de compreensão atravessou seu cérebro, lhe trazendo a memória do sabor do frango com batatas. A dor nas costelas persistiu. A pancada lhe tirou o fôlego, por um momento.

— Ao menos essa dor é diferente — pensou.

A bandeja com a refeição foi empurrada pelas grades, mas ele a olhou temeroso. Lembrou-se de ter atacado o prato com voracidade, pois o perfume que invadiu suas narinas transportou-o para a infância no Wisconsin.

Ainda olhava para a comida quando Rogério, Douglas e Daniel vieram buscá-lo. Movimentou-se de acordo com as regras, um milésimo de segundo antes de lhe ser solicitado. Sabia de cor e salteado o que era necessário fazer. Saiu para o corredor e se posicionou ao lado de Daniel e Rogério, enquanto Douglas vinha atrás dele.

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Ao passar por uma porta, onde estavam as testemunhas e autoridades que presenciariam a sua execução, gritou com um sorriso no rosto:

— Dead man walking!

Mas a pilhéria não conseguiu o efeito que ele pretendia e o pavor começou a dominá-lo. Ouviu o barulho da cortina correndo pelos trilhos e sentiu os olhos de todos sobre ele. Aos pés da escada, sua cabeça foi coberta por um capuz e escutou a voz de Rogério o orientando a mover os pés, subindo para o cadafalso.

— Direita, esquerda, direita, esquerda ...

O laço foi colocado ao redor de seu pescoço e seu corpo foi girado para ficar de frente para o público. A sensação de já ter passado por aquilo tudo era cruel e verdadeira. Seu coração acelerou e ele fechou os olhos, cerrando os dentes. Então, o cadafalso se abriu, o equilíbrio desapareceu e em uma fração de segundo a constrição cervical provocada pela corda desligou todas as luzes do seu mundo.

Um estrondo de uma porta sendo aberta com violência, invadiu seus ouvidos.

@vlaferrari /// http://www.scriv.com.br/vlaferrari

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Wagner Azevedo Pereira

Nova Iguaçu/RJ

Indecisa

As “Ilusões Perdidas” escrito pra você sem a real intenção dele, o autor, orvalha em tua face embevecida que não consegue mais viver, o amor.

Quem me ama faz de mais sem saber ou lembrar que deveria antes da manhã a ironia deixar para um outro viver sua forma taful do personagem Calibã.

Tua presença aqui ficou a desejar! Se houvesse algum tempo preciso deveria refletir um pouco pra parar!

Parar de achar que tudo gira sem sentido Porque se há ilusão nesse mundo… há? Você nela se engana sem ter percebido!

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Para os gênios QI é inteligência, para elite e tráfico de influência é Quem Indica, mas para psicopatas é Que Inferno! A Irmandade da Pedra teve início com a destruição de Sodoma, com a Meduza ou na idade da pedra?

Não saberia responder, porém não gostaria de saber por razões óbvias. No entanto, viria a descobrir os doidos de pedra do qual os bons desejariam esquecer no fundo numa jaula.

Havia perdido minha esposa de modo trágico após esta ser pega transando com meu pai e os dois se enfocarem. Ela que apresentava sintomas de depressão profunda há vários meses teve no incidente a antecipação da minha aposentadoria como dentista. Havia ficado amargo e recluso em casa por vários meses vindo a engordar ao desenvolver síndrome do pânico e igualmente depressão. Todos haviam sumido da minha vida, restando um grande vazio misterioso intercalado por ruídos subjetivos do implausível, como se pessoas que nunca fiz nenhum mal simplesmente me odiassem duma ora a outra.

Deprimido e potencialmente suicida, após muitos meses temendo por os pés na rua finalmente o fim quando achei no

chão da frente de minha casa, as margens da rua, um cartão de visitas rosa e cinza do qual aludia a um tipo de classificados muito sinistro e específico. Um endereço da deepweb como atalho a oferta de serviços e trabalhos do submundo. Onde os trabalhos mais sujos, insanos e doentios eram oferecidos por profissionais do crime organizado. Curioso, fui tomado a usar o Tor e adentrar as aias do submundo donde o terror me apoderou de sobremodo ao comprovar o inóspito trabalho de 'bonecas' que encomendadas eram crianças raptadas e adaptadas por cirurgias tenebrosas a torná-las igualmente objetos descartáveis de fetiches sexuais funestos.

Tremi nas bases e imediatamente pensei em ligar para a polícia federal, pois tais crimes cujo hediondo é um agravo a qualquer pessoa dotada de mínima razão, sendo cristão, kardecista, ateu, liberal ou socialista. Porém, ao pegar o telefone um dentre tantos anúncios entre estes saltou a tela. Ante os demais outros anúncios de vendas de escravas sexuais, drogas, armas militares e objetos de arte roubados, este aludia

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a um grupo de "Psicopatas de Aluguel". Alegando ser customizado a seus mais íntimos medos e fraquezas deflagradas, estes invadem sua vida para pregar ódio e medo, humilham, ameaçam, caluniam destruindo todos seus conhecidos e entes queridos e você paga um preço módico com sua sanidade e integridade física, tanto como os demais bens. Similarmente, a um anúncio tenebroso onde vítimas se ofereceriam a refeições canibais, psicopatas ofereciam agora seu trabalho em demanda como as vítimas com síndrome de Estocolmo ou masoquismo. Os profissionais do crime foram ao ponto disso, pedir que literalmente suas vítimas se oferecessem a fim de saciá-los. O anúncio dizia:

"Profissionais psicopatas oferecem trabalhos em fins de crueldade e injustiça. Procuramos pessoas masoquistas e vulneráveis como potenciais presas afim de atender nosso sadismo. Fazemos o serviço completo e customizado, analisamos e estudamos a vida de nossas vítimas afim de destruílas do psicológico a consumação física do crime, ou corrompê-las. Uma aventura irreversível que vale a pena! Não precisa solicitar o serviço para sua comodidade, basta aceitar ter uma vida de cão pra obra dele, ao visitar o site."

Após cerrar a visão ao ler aquilo fiquei tão assustado que deixei o telefone cair no chão. Ruborizado e com a respiração ofegante tremia tentando pegar o telefone em desespero quando a

tela do notebook apagou vindo aparecer uma mensagem na tela informando: "Bem-vindo a Mortal Mind! Seu pesadelo irá começar dentre em breve, você foi detectado!"

Tentei tirar a página, mas o computador travou e em desespero percebendo estar sendo invadido fechei o notebook pedindo para que alguém me tirasse daquele pesadelo. Disquei o telefone, porém, antes que acionada a ligação uma série de SMS foram recebidas pelo aparelho. Mesmo que aquilo fosse obsoleto como um quase um teletrim da modernidade ignorei e fiz a ligação levando um homem esquisito atender.

– Alô? Gostaria de pedir socorro numa deúncia pois entrei num site da deepweb onde descobri crimes horríveis e acho que eles me identificaram.

– Monitoramos alguns sites da deepweb a fim de identificar algumas pessoas que costumam frequentar como fregueses e potenciais clientes.

– Fico aliviado! –Completei, levando este a dizer, no entanto.

– O prazer será nosso trabalhar contigo, Anderson Fontana. Bemvindo a Mortal Mind!

Ao falar aquilo ele desligou o telefone. A ligação havia de algum modo sido desviada e ido parar diretamente aquele séquito de psicopatas. Entrei em pânico e literalmente me descabelava indo para o quarto pegar uma roupa e fugir dali e dirigir até a polícia em meio a uma crise. Porém, ao chegar

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lá a delegacia deserta estava, vindo a ser atendido por um policial de má vontade. Um senhor calvo que estava cochilando na mesa de trabalho.

– Pois, não?

– Senhor, entrei num site da deepweb e acho que alguma quadrilha me identificou...

– Pera aí, vamos com calma! Fale devagar para entender o que...

Antes que ele terminasse de falar o telefone tocou levando ele a pega-lo. O homem disse "alô" e permaneceu em silêncio. Em seguida cerrou a visão e olhou para mim de modo assustado, ficou visivelmente nervoso, mas assentiu com seriedade alguma instrução.

– O senhor está sendo preso por pedofilia. Ponha as mãos onde possa ver e não se mexa.

Tentei retrucar com as palavras dele, pois não compreendia o que acontecia, ele sacou a arma e apontando para mim chamou por reforços como se fosse algum criminoso de alta periculosidade. Quando ele finalmente respondeu estava pegando as algemas, ainda que sem reforço algum chegar por ser madrugada.

– Recebi agora uma ligação de um delegado federal que monitorava o senhor que fora pego traficando pornografia infantil. A policia federal parece que chegou em teu apartamento após investiga-lo.

– Como pode? Não tenho nada! Entrei no site hoje!

Ele parou para pegar o celular e via ele receber uma série de fotos pelo

wahstapp. Quando me inclinei notei serem fotos do interior da minha casa onde homens de preto mostravam meu notebook com fotos plantadas. Obviamente aqueles não eram a polícia federal, mas a quadrilha se passando por eles!

Tentei alardear ao oficial sem sucesso quando vi um homem de uniforme da policia federal entrar na delegacia.

– Mostre suas credenciais e o mandato judicial! – Vociferei tremendo.

Mas o homem hesitou me ignorando ao se dirigir diretamente ao policial.

– Ele é um doente mental como qualquer pedofilo, ignore pois pode ser persuasivo!

Todavia, o experiente policial ficou desconfiado da atitude e pediulhe para fazer o que pedia antes, ao questionar o número do telefone alegado da polícia federal, pois parecia falso. Isto levou este a olhar para a câmera da delegacia e em seguida para um smartwatch no pulso como se recebesse algum sinal. E sem pensar duas vezes atirou no homem com uma pistola com silenciador e calculista disse em seguida.

– Adoro manipular oficiais da lei pra promover e acobertarem meus crimes, é como adestrar ou K-9, mas é irritante quando tentam fazer seu trabalho com honestidade e competência como gente.

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Naquele instante outros três homens entraram, um com traços mongóis com uma grande barriga, foram direto ao corpo jazido com um tiro de silenciador e o carregou quando um carro preto parou na porta.

– Tem certeza que as câmeras foram desligadas?

– Claro! Nosso cracker invadiu o sistema para apagar as imagens em que você aparece.

– Sabe que nosso trabalho deve ter muita discrição, não? Ninguém pode assistir o que fazemos. Nosso arrego foi pago ao rato para encobrir rastros no sistema?

O homem assentiu enquanto me pegava pelo braço direito a força com um sorriso sádico. Eles pareciam na verdade estarem me monitorando há muito tempo.

Ao ser jogado dentro do carro um saco fora posto na minha cabeça enquanto um homem sussurrava palavras de terror ao meu lado.

– Apenas um percentual mínimo de nossas presas sobrevivem ao nosso jogo mental. E nenhum sem sequelas ou desacreditadas. Você mordeu a isca direitinho ao pegar o cartão e acessar o site como sua esposa havia feito meses antes de se matar. Estava aflito para te conhecer! Não aguentava mais te monitorar e apenas na terceira tentativa você mordeu a isca! Sabe, estudamos cada vítima com muito zelo, algumas conquistamos a confiança antes de matá-las e furtar seus bens, outra impomos apenas o terror psicológico e as chantageamos. Algumas até se

oferecem a dar suas casas pra nós no desespero, acredita? Somos como deuses!

– Vocês irão fazer o que comigo? – Vamos nos divertir! Uma festa, não gosta? Daí depois de um bom banho, vamos por você pra dormir tranquilão com um xucalinho. Agora, após nosso investimento em crueldade e crime temos que colher os bens, como deuses.

Ao terminar de ouvir aquelas palavras algo me espetou e fiquei tonto quando algo bateu ferozmente no carro fazendo-nos capotar.

Sonolento, tudo ficou em silêncio quando ouvi passos de homens saindo de um carro a cortar o silêncio em seguida dizendo.

– Polícia Federal! Largue a arma! Estávamos monitorando vocês há meses a procura de um flagrante para chegar em seu líder!

Um outro homem gritou dizendo pra mim.

– Senhor, senhor! Está bem? Todos estávamos assistindo, monitoramos sua esposa, mas ela mesma negava os crimes e sabíamos que estes amaldiçoados viriam atrás de você! Agora temos provas o bastante para realizar prisões, busca e apreensão. Sinto tê-lo usado como isca a esses tubarões do esgoto que até entre nós se infiltrou acabando com nossos melhores agentes!

O homem tirou meu saco da cabeça, porém tonto via ele distorcido como se fosse isso, um pesadelo, até que tudo se apagou.

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Uma Ode a Solidão

Hoje senti saudades

De coisas que não deveria sentir De momentos passados De pessoas que não deveria lembrar De lembranças que deveria esquecer De fotografias que não mais deveria ver Hoje senti saudades Senti falta De uma palavra amiga Um abraço apertado Uma conversa descontraída Hoje senti saudades de todas mentiras Que já me contaram na vida Hoje, um dia que deveria ser especial Senti as consequências de acreditar Acreditar De novo De novo E de novo Hoje vi tudo desmoronar

Fantástico mundo de Bob se desfazer Como o desenho animado cujo nome peguei emprestado

Cancelado antes de começar Pensei Pensei e acreditei Acreditei e de novo De novo E de novo me enganei Duras lições aprendidas Palavras bonitas jogadas ao vento Ilusões de momento Gestos Fantasia de um mundo ideal Uma vida ideal Um dia ideal Pessoa ideal Mas ideal é só nosso ideal de vida Aquele que abandonamos Jogamos para escanteio

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Relevamos a segundo plano por algo ou alguém

Até sabermos

Percebermos Talvez o mais ideal de tudo seja a solidão

Ah! a solidão Não te promete nada Não te ilude com presentes Palavras bonitas Não te faz acreditar para depois te decepcionar

Ela diz a que veio e o que quer. Não te seduz

Não te ilude

E assim, com o tempo a gente se acostuma eu sei Mas não deveria A ajudar E não ser ajudado

A escutar E não ser escutado A não julgar E ser julgado A não machucar E ser machucado A gente se acostuma A estar presente E encontrar ausência A ser companhia E encontrar solidão A enxugar as lágrimas E não encontrar compaixão

Emprestar um ombro amigo E encontrar desilusão. Com o tempo a gente aprende

Ou é forcado a aprender Promessas são vazias Na vida é só você e você.

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Caricaturas

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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira

Rita Lee (pintura)

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Fotos

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Artista do Mês

Tom Savini

Desenho: Márcio Apoca Campo Mourão/PR

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Ator, cineasta, maquiador/técnico de efeitos especiais americano 3 de novembro de 1946 (76 anos) https://darkside.blog.br/tom-savini-o-mestre-das-maquiagens-dos-filmes-de-terror/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Tom_Savini

II E-Antologia de Poesia Retrô (2022)

Símbolo da reativação do blog Poesia Retrô, o livro eletrônico de 170 páginas reúne vários nomes da poesia erudita e retrô atual, sendo alguns autores convidados. A obra possui desde poemas em versos livres até sonetos em sistema métrico mesclando pés e sílabas. Foi organizada por Rommel Werneck com assistência de revisão do Poeta Lendário, sendo os dois também autores desta edição que homenageia a falecida poetisa Denise Severgnini, integrante da primeira antologia em 2009. Agradecimentos especiais ao blog Letras Elétricas. Distribuição gratuita. ISBN 978-65-89975-40-3 www.poesiaretro.blogspot.com O material pode ser baixado gratuitamente em www.rommelwerneck.com

Baixe este e outros e-books aqui: https://www.rommelwerneck.com/ebooks.php

https://rl.art.br/arquivos/7541395.pdf?1656000642

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LiteraAmigos

Espaço dedicado a todas as entidades e projetos amigos que de alguma forma nos ajudam ou possuem proposta de trabalho semelhante a nossa:

Corvo Literário

O Corvo literário é um espaço para propagação da arte, em especial da literatura. Mas também para discussões e debates, por isso sempre traremos opiniões,

https://corvoliterario.com/ https://corvoliterario.com/contact/

entrevistas, notícias, e contamos com a participação de todos. Acessem o site e enviem seus textos com tema livre:

“Blog Concursos Literários”

Blog criado em 2011, com o objetivo de divulgar editais e resultados de concursos literários e prêmios literários. É considerado por muitos autores como uma fonte completa e acessível de editais e resultados de premiações realizadas no Brasil e em todo o mundo. O projeto também é elogiado por não incluir

em suas postagens os concursos que cobram quaisquer taxas de inscrição ou publicação dos autores. Além disso, muitos organizadores de concursos literários reconhecem este espaço como uma referência no apoio à divulgação. Acessem o site e conheçam os Concursos do mês, do ano e as seleções permanentes:

Blog: https://concursos-literarios.blogspot.com.br/ Facebook: https://www.facebook.com/concursosliterarios/

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Editora Pé de Jambo -Fundada em fevereiro de 2019, em meio a pandemia do Covid19 pelo escritor Mikael Mansur-Martinelli, a Editora Pé de Jambo é uma empresa prestadora de serviços editoriais, revisão gramatical, copidesque e orientações textuais para autores independentes. O principal objetivo da Editora é contribuir para a disseminação da Literatura, principalmente de novos autores e transformar em uma forma acessível a todos.

Veja os editais no site: https://editorapedejambo.wixsite.com/editorapdejambo/antologias

Blog Alan Rubens

No blog do autor Alan Rubens, o leitor terá a oportunidade de ler textos incríveis escritos pelo próprio Alan e também de autores convidados de todos os lugares, numa reunião de talentos eclética e divertida.

https://alanrubens.wordpress.com/

Mulheres Audiovisual” - uma plataforma criada para unir as mulheres e a arte em geral, cadastre seu portfólio e participe:

http://mulheresaudiovisual.com.br/

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Literatura já No canal e podcast “Literatura já”, criado pela escritora Joyce Nascimento, você encontrará muita leitura e narração de textos: poesias, contos e crônicas autorais e de outros escritores. Entrevistas, bate-papo com convidados, dicas e informações sobre o que está acontecendo no mundo literário. Tudo em formato de áudio publicado toda sexta-feira, a partir das 19h. Se inscrevam e não percam nenhum conteúdo!

https://open.spotify.com/show/7iQe21M7qH75CcERx5Qsf8

Maldohorror - Coletivo de escritores fantásticos e malditos

Aventurem-se lendo o que há de melhor na literatura de Terror/Horror. Visite o site do Coletivo Maldohorror, que reúne os melhores contos de terror, poesias malditas, crônicas ácidas e histórias imorais, escritos

por autores consagrados e também por iniciantes, numa grande mistura de estilos.

Site oficial: www.maldohorror.com.br

Página do facebook: https://www.facebook.com/maldohorror/

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Portal Domínio Público

Tenha acesso gratuito e legalizado à milhares de textos, sons, vídeos e imagens do Brasil e do mundo em domínio público.

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

Sci-fi Tropical

Semanalmente, o site Sci-fi Tropical traz um artigo, resenha de livro ou análise sobre o cenário do fantástico nacional, permitindo que os fãs do gênero, tão acostumados a ler obras estrangeiras, conheçam também autores nacionais que ajudaram a consolidar a ficção-científica por aqui. O site traz ainda O PROJETO MINIBOOKS FANTÁSTICOS, com obras de autores de FC em língua portuguesa para download. Com um design

exclusivo, o leitor terá uma experiência imersiva nas histórias. Rubens Angelo, criador do site Sci-fi Tropical, é formado em design, mestrando em mídias criativas e, principalmente, fã incondicional da ficção científica.

Venha conferir: https://scifitropical.wordpress.com/

LiteraLivre Vl. 6 - nº 36 – Nov./Dez. de 2022
240

Revista SerEsta

Leia e participe das edições da Revista Seresta. Revista literária gratuita e online: Em breve, Revista SerEsta número 10.

Homenageada: Clarice Lispector

Entrevistada: Eliana Castela

O Podcast Toma Aí um Poema tem com objetivo declamar o máximo de poemas brasileiros possíveis e disponibilizá-los em áudio para torna-los mais acessíveis, nos diferentes canais e formatos. Acesse o site e envie seu poema!!

https://www.jessicaiancoski.com/toma-ai-um-poema

LiteraLivre Vl. 6 - nº 36 – Nov./Dez. de 2022
“Seleções Literárias”
https://revistaseresta.blogspot.com/p/edicoes.html Site
https://selecoesliterarias.com.br/ Podcast Toma aí um poema
241

Modelo de envio de textos para publicação na revista

No meio do caminho (título)

Carlos Drummond de Andrade (nome para publicação – este nome não será trocado)

Rio de Janeiro/RJ (cidade e estado onde vive – país somente se for do exterior) (no máximo 3 textos com até 3 páginas) (texto – utilize fonte arial ou times new roman)

No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho, tinha uma pedra, no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento, na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho, tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra.

https://www.pensador.com/melhores_poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/ (site, página ou blog – pessoal ou de divulgação de obras)

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Modelo de envio de textos para publicação na revista

0
pages 170-171

LiteraAmigos

3min
pages 165-169

Guia De Filmes (Movie Guide

0
page 163

Wagner Azevedo Pereira

0
page 152

Tauã Lima Verdan Rangel

0
page 147

Vitor Sergio de Almeida

0
page 151

Teresa Azevedo

1min
pages 148-149

Vanderlei Kroin

0
page 150

Taís Curi

2min
pages 145-146

Rosangela Maluf

4min
pages 136-138

Ruan Vieira

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page 139

Sonia Re Rocha Rodrigues

7min
pages 141-144

Ricardo Ryo Goto

2min
pages 128-129

Roque Aloisio Weschenfelder

0
page 133

Rommel Werneck

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page 132

Roberto Schima

3min
pages 130-131

Renato Massari

3min
pages 126-127

Regina Alonso

0
page 124

Raquel Lopes

0
page 123

Reinaldo Fernandes

1min
page 125

Ovidiu-Marius Bocsa

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page 114

Poliana Zamboni

1min
pages 121-122

Paulo Luís Ferreira

4min
pages 116-118

Paulo Vasconcellos

1min
pages 119-120

Ornélia Goecking Otoni

0
page 113

Nanna Fazzio

0
page 110

Mayara Lopes da Costa

2min
pages 105-106

Mônica Monnerat

3min
pages 108-109

Maura Ferreira Fischer

3min
pages 103-104

Maria Evelyn

0
page 99

Maria Pia Monda

2min
pages 100-101

Mario Gayer do Amaral

1min
page 102

Maria Carolina Fernandes Oliveira

0
page 98

Marcel Luiz

0
page 97

Luís Amorim

5min
pages 94-96

Luan Araújo de Souza

1min
page 92

Lizédar Baptista

2min
pages 90-91

Leandro Emanuel Pereira

0
page 89

Juliana Moroni

1min
page 87

L. S. Danielly Bass

0
page 88

José Manuel Neves

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page 85

Jorge Gonçalves de Abrantes

0
page 81

José M. da Silva

3min
pages 82-84

Joaquim Cesário de Mello

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page 80

Jonathan Barbosa

0
page 79

Joedyr Bellas

3min
pages 77-78

João Vitor Tóffoli

1min
page 76

Jeong Hana

3min
pages 74-75

Jeferson Ilha

0
page 73

Jailma Pereira

0
page 69

JAX

3min
pages 70-72

Iraci Marin

3min
pages 66-67

Hélio Guedes

0
page 64

Ilmar Ribeiro da Silva

0
page 65

Guilherme Hernandez Filho

1min
pages 62-63

Gabriela Alves

0
page 57

Giulianno Liberalli

6min
pages 58-61

Francisco Cleiton Limeira de Sousa

0
page 56

Fernando Manuel Bunga

0
page 55

Eva Irene Corrêa Martins

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page 54

Elza Melo

0
page 53

Elaine Farias

0
page 51

Dias Campos

5min
pages 46-48

Dorilda Sousa de Almeida

0
page 49

Edna das Dores de Oliveira Coimbra

0
page 50

DéboraSConsiglio

2min
pages 44-45

Daniel Cardoso Alves

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page 42

Conceição Maciel

1min
pages 39-40

Cleidirene Rosa Machado

2min
pages 37-38

Carlos Jorge Azevedo

0
page 31

Carmem Aparecida Gomes

1min
page 32

Charles Burck

2min
pages 34-36

Catarina Dinis Pinto

0
page 33

Beto Filho

3min
pages 26-27

Caique de Oliveira Sobreira Cruz

4min
pages 28-30

Benjamim Franco

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pages 24-25

Alessandra Cotting Baracho

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África Gomes

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Agnes Morgana Silva

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Benedita Azevedo

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Augusta Maria Reiko

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Amélia Luz

4min
pages 18-20

Alberto Arecchi

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pages 12-14
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