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Luís Fernando Gurgel

Luís Fernando Gurgel Itabirito/MG

Conto de Rita Bee, a abelha filósofa - A polaridade

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Entre diversos pontos de vida no Vasto Terreno, onde existem diversos Reinos, há o Reino de Colmeia, morada de abelhas e zangões.

Lá moram Rita Bee e Lina Bee, duas abelhas muito especiais. Lina Bee, neta de Rita, é uma abelha jovem, muito curiosa e questionadora que possui um ardente espírito aventureiro. Vovó Rita Bee é acolhedora e amansa a vontade de fogo da neta com pílulas de sabedoria, afinal é uma abelha filósofa e das mais experientes do Reino. Acredita que tudo nesta vida está conectado e que há uma consciência superior que rege com maestria o universo.

Lina Bee estava na varanda da casa da vovó Rita Bee passando uma agradável tarde de domingo regada a mel orgânico, favinhos crocantes, música dos “Bee Tall’s” e filosofia. Lina Bee adorava levar seus questionamentos de vida para a vovó. A velha sábia abelha sempre acolhia a neta com alguma história aprendida nos anos de experiência neste plano. — Vovó, por que existe tanta guerra no Reino? Eu ouvi que estamos novamente brigando com as nossas vizinhas Vespas. Por que elas não respeitam a nossa gente? — Porque, minha neta, a maioria de nós prefere estar certo do que ter paz. — Como assim? Para ter paz não precisamos fazer o certo? — O que é o certo? — Seguir as normas do Reino. — Quem faz as normas?

Lina Bee olhou para a avó e encostou o seu lombinho na cadeira em silêncio. Vovó Rita Bee se ajeitou na sua cadeira de balanço feito de madeira nobre, levou a canequinha com o delicioso mel orgânico à boca, degustou e fechou os olhos por alguns segundos, sentindo a música que tocava na vitrola: “Ah, olhe todas essas pessoas solitárias”. — Sabe, minha querida neta — quebrou o breve silêncio vovó Rita —, estou neste Reino há muito tempo e fico com a sensação que estamos todos separados. Você não acha isso engraçado?

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— Estamos mesmo, existem as fronteiras do nosso Reino para nos proteger. — Eu estou dizendo a separação mais sutil, não neste plano físico. Vespas e abelhas não se entendem, procuram se separar, pois as ideias são imiscíveis. A contenda se arrasta há gerações e cada lado entende que está certo, pois as próprias motivações são vistas como justificáveis. Algo se quebrou há muito tempo entre nós e não se sabe o que exatamente, contudo isso foi se armazenando no inconsciente coletivo e direciona as nossas ações hostis. Não é esquisito? Quanto mais se combate mais se fortalecem as diferenças.

A cabecinha de Lina Bee fervilhava com essas ideias da vovó Rita. Durante toda a sua vida de abelha ela ouvia que as vespas eram inimigas do Reino. Lina se serviu de mais uma canequinha de mel. — Vou te contar uma história, minha neta, que ouvi em uma viagem que fiz para além do nosso Reino. Fui para além daqueles montes — apontou para um conjunto de morros que podiam ser vistos da varanda —, lá conheci um dos meus melhores amigos, o velho Akame.

Lina Bee endireitou o corpo para frente. Adorava escutar as histórias da vovó Rita Bee.

— Akame é de uma espécie completamente diferente da nossa. Ele é um ser grande, tem uma carapaça dura nas costas e anda bem devagar. Eu até penso que Akame já vivia antes de existir o nosso Reino. — Puxa vida, vovó! Como é possível isso? — É possível, minha querida neta. Há muitos outros reinos, além do nosso, no mundo de Hymenoptera.

— Uau!

— Vamos à história que Akame me contou. Havia no Monte um mestre sábio muito famoso. Certa vez ele ensinava aos seus discípulos e, ao terminar o sermão, um deles se aproximou do mestre e expressou a sua compreensão do ensinamento. O mestre disse: “Sim, você está certo”. O discípulo ficou muito satisfeito e se retirou da presença de todos. Um outro discípulo, por sua vez, se aproximou do mestre e deu uma interpretação completamente oposta do ensinamento. Mais uma vez, o mestre disse: “Você está certo”. Este estudante se afastou, também satisfeito. Um terceiro discípulo estava sentado à distância, mas ouvindo tudo. Ele confrontou o seu mestre, dizendo: “Mestre, o senhor está ficando velho. Ambos não podem estar certos.” O mestre olhou para ele e disse: “Você também está certo”.

Lina Bee nem piscava. Vovó fez uma pausa, como de costume, para que as informações fossem assimiladas.

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— Que história bonita, mas confusa, vovó! — Sim, é muito desafiante o entendimento. Porém, é possível. Há uma Lei no Universo que aprendi com o meu amigo Akame. Ela se chama Lei da Polaridade, vinda de um livro muito antigo escrito por mestres antepassados. Diz que “os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau. Todos os paradoxos podem ser reconciliados.” — Os opostos podem ser reconciliados… — Isso mesmo, pois para esses sábios tudo está conectado. No fim, todos desejamos a paz na unidade. De acordo com esta ideia os opostos podem existir simultaneamente e as coisas contraditórias podem existir ao mesmo tempo. — Ai vovó, deu um nó nas anteninhas! Como é possível realizar isso? No nosso caso, por exemplo. As vespas continuam nos fazendo mal. Como não reagir? — Mais um desafio. Claro que em determinados casos precisaremos nos defender ou proteger quem amamos de atos percebidos como prejudiciais praticados pelo outro. Contudo, minha querida neta, você consegue perceber que se elevarmos o grau dessa hostilidade ao extremo, podemos nos transformar na própria coisa que estamos combatendo? — Nossa vovó, não tinha pensado por este ângulo.

A canção dos “Bee Tall’s” ainda tocava na vitrola com uma melodia suave ritmada por um violino e a letra sendo cantada em tom harmonioso que dizia “Todas essas pessoas solitárias (aah, olhe todas essas pessoas solitárias), de onde elas vêm?”. Lina Bee mordiscava um favinho crocante, estava pensativa. — Como não reagir, você me perguntou — retomou Rita Bee. — Em minha opinião e experiência, o remédio para isso é a consciência. Quanto maior o grau de consciência, menos reativos ficamos. Quanto mais inconscientes, mais inconsciência produzimos. E as atitudes hostis irão se perpetuar sem que percebamos o motivo original e irão se cristalizar na nossa cabeça, fortalecendo um ciclo vicioso de separação e, ainda, retroalimentando o inconsciente coletivo. — Como eu fico mais consciente, vovó? — Ah, que boa pergunta. A resposta, penso eu, é praticar a presença sustentada.

— Presença sustentada?

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— Sim, estar presente no aqui e no agora. Ser testemunha dos próprios pensamentos. A voz do pensamento não somos nós, Lina. Se você conseguir perceber que há algo que observa o pensamento, você estará começando a jornada do herói: despertando a consciência. Uma boa dose de consciência pode dissolver pensamentos hostis e ver o outro além da sua inconsciência. Afinal, tudo caminha para a unidade. — Nossa, vovó, que bonito isso. Será que eu consigo? — Claro, requer esforço, mas é possível. Eu pratico todos os dias, meu amigo Akame já é mestre. Pense que você irá frequentar uma academia diariamente, porém esta academia não é para fortalecer os seus músculos e asinhas. Esta é uma academia da mente para fortalecer a sua consciência e para reduzir o poder que os pensamentos do inconsciente pessoal e coletivo têm sobre você. — Entendido. Vou fazer “flexões de mente”.

Rita Bee gargalhou. — Flexões de mente. Gostei disso!

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