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Dialogismo e metaforização entre a ilustração e a linguagem jornalística
from Palau vol.3 n.1
by revistapalau
entre
a ilustração e a linguagem jornalística
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Por Rivaldo Alfredo Paccola e Nelyse A. Melro Salzedas
A proposta deste artigo é discutir, embora em torno de um texto, a possibilidade da mescla de gêneros, de linguagens na produção de sentido. Uma ilustração do jornal O Estado de São Paulo, de 05/03/2006, uma outra, do mesmo jornal e Caderno 2, de 31/03/2006, e mais três outras da Revista Pesquisa Fapesp nº 118, dez./2005, constituem o corpus da análise. Todas elas, contextuadas por textos verbais, constroem sentidos paralelos de vozes diferentes, acentuadas pelo “ethos” temático dos artigos assinados por Ignácio de Loyola Brandão, Wilson Bueno e Carlos Haag, respectivamente. Com apoio na polifonia discursiva de Bakthin, a leitura dos textos iniciou-se pela metaforização do discurso que constrói os títulos: O fantástico num circo de horrores; Rainha da bateria dos absolvidos; e Decifra-me ou devoro-te. Os textos apresentam-se sob o formato de hipertexto cujas janelas abrem-se para novos sentidos; esse tipo de discurso carnavalizado e polissêmico exige do leitor uma atenção especial, construindo uma espiral sêmica. O campo semântico não está restrito aos textos verbais, uma vez que a ilustração presente em cada um deles oferece, também, um aspecto polissêmico e poderá ser considerada uma síntese discursiva pela mídia impressa. Assim, o leitor segue os caminhos traçados no texto, quando se estabelece uma relação dialógica entre o leitor e o texto no processo de leitura. Jogando o texto, o leitor não escapa de ser jogado por ele.
Linguagem jornalística: polissemia
A ídi i ( j l) l
a ilustração para criar um diálogo om o verbal, meio de expressão dos rtigos O fantástico num circo de orrores e Rainha da bateria dos bsolvidos, utilizando-se da charge e elas famosas, como aquela tualizada por José Siqueiros da Balsa da Medusa, de Gericault, onjugando-as com os títulos e matéria conteudística. A questão levantada diz respeito à produção e à recepção de tais textos onstruídos com duas linguagens, erando alguma dificuldade ao eitor, quanto ao processo de leitura indagações: o seu horizonte de xpectativa permite um mergulho o texto? Quanto à produção, o cronista ou rticulista Ignácio de Loyola Brandão trabalha com um fato corrido no Congresso Nacional, por casião da crise da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Correios: o valerioduto. O título Rainha da bateria dos absolvidos ndica o fio temático e os motivos da rama que irão enrolar o carretel arrativo: escola de samba; rainha a bateria; mensalão; absolvição; e ança. Citamos alguns fragmentos orrelatos: “Ela saltou elétrica e xcitada de sua cadeira no Parlamento assim que um ompanheiro foi absolvido da cusação de receber o mensalão ” “[...] dançava e ria de mim, ria do Brasil, ria dos tolos que acreditam em integridade?” Separamos esses fragmentos para arrolá-los com o título, um vetor para a leitura e produção de sentido, bem como para discuti-lo com um outro produzido pelo ilustrador. Parecenos que o ilustrador – Cido Gonçalves – ateve-se ao toque da bateria; à dança de sua personagem, como o diabo gosta; à bandeira do Brasil, rota, sem estrelas, e sem o dístico “ordem e progresso” ; a um tocadisco, sustentado por um D.J. infernal; a um disco, aliás uma metáfora de “pizza” . Essa ilustração revela uma leitura, ou melhor, uma releitura crítica do texto de Loyola Brandão. Que relação teria entre o diabo, um D.J., portador do tocadisco e da “pizza”? Estaria o “pizzaiolo” produzindo, ouvindo a música e direcionando-a à protagonista? O leitor leria essa ilustração, seus detalhes, seus índices, como o buraco do assoalho disfarçado por um tapete, a camiseta amarela, os botões do toca-disco, a dança sobre a bandeira rota e sem estrelas? A euforia diabólica da protagonista? O texto de Brandão instila ironia, é uma escrita crítico-satírica instrumentada pela mídia carnavalesca e televisiva, como os fragmentos a seguir:
foi criticada por preconceito, por ser mulher, por ser gor-da, não possuir os padrões de beleza convencionais exigidos pela mídia. ” (grifo nosso) “Lula, então, nunca sabe nada, parece aquele personagem do Sílvio de Abreu em Belíssima, o Jamanta. ” Essa referência atualiza o texto, a novela ainda estava sendo exibida pela rede Globo de televisão. Naturalmente, o leitor – presume o autor – é um telespectador e fará a ligação com a ação do referido personagem. É uma alusão midiática.
Em outro fragmento:
“A senhora Ângela dançava e poderia cantar ‘I could have dance all night’ , como se fosse uma personagem de My Fair Lady. ” É um referência a um musical e a um filme, também linguagens midiáticas. O leitor deverá, mais uma vez, fundir seu horizonte de expectativa ao do texto, a fim de concretizar a leitura. O texto dessa crônica, preferimos chamá-la assim, é um tecido crítico irônico, fruto intertextual de referências musicais, fílmicas, televisivas, o que faz do seu leitor, o do Caderno 2, possuir um horizonte de expectativa diferenciado para construir o sentido profundo, gerado pela escrita, pela imagem e pelas vozes dos comentários, dos diálogos, criando uma polifonia. Esse tipo de texto apresenta-se sob o formato de um hipertexto, cujas janelas abrem-se para novos sentidos, exigindo do leitor atenção especial aos detalhes da escrita e da ilustração, produtores de vários sentidos a construir uma espiral sêmica. Aponta, também, o texto de Brandão a possibilidade da mídia impressa operar com várias linguagens e tipos de textos, enriquecendo o tecido comunicativo pelo diálogo entre meios expressivos (as várias linguagens), pois os traços caricaturais construtores dos personagens (a dançarina e o diabo) casam-se para gerar atmosfera irônico-satírica. Dois autores, dois textos. Um só tom. O outro texto/ilustração objeto deste estudo é uma resenha do livro de Marcelo Rezende, Arno Schmidt, feita por Wilson Bueno, com a imagem de uma tela de José Siqueiros, muralista mexicano, O Nascimento do Fascismo, uma atualização da tela do pintor francês Gericault, A Balsa da Medusa, que, nesse texto, a mídia impressa utilizou-se de uma obra de arte. A sua leitura é mais complexa, pois é um texto decorrente de um outro texto e uma questão levanta-se a priori: a imagem ilustradora conjugase com o romance ou com a resenha? Quantas associações deverá o leitor realizar para concretizar o ato de leitura? A formação do horizonte de expectativa é mais comcomplexa
pela quantidade de leituras que deverá realizar. Uma outra questão impõe-se: por que a mídia impressa usou de uma obra artística como ilustração? Por que uma tela atualizada daquela de Gericault? A de Siqueiros teria conhecimento do fato histórico que motivou o francês? Remeterse-ia ao naufrágio do navio La Meduse? À mesma querela quando da exposição do óleo de Gericault no Salon Officiel, em 1919, em Paris; à mesma quando da exposição no l’Egyptian Hall, em Londres, 1920? O pincel do francês teria motivação nacional? Patriótico? E o de Siqueiros? Parece-nos que a atualização de Siqueiros, O Nascimento do Fascismo, compõe-se de elementos interventivos plásticos: uma causa e um efeito. Uma causa: a deusa Minerva parindo um monstro – um polvo com vários tentáculos; um efeito: bombas despejadas sobre o mar, cadáveres a boiar, e a suástica nazista por sobre as ondas revoltas. Esse episódio, pode-se dizer, casa-se com o motivo nacional e patriótico de Gericault. A reprodução da tela de Siqueiros junto do texto de Rezende tem algumas funções. Enumeremo-las: 1) evocativa, em relação ao título; 2) visual em relação à matéria jorna “[...] dar conta de um mundo onde o fantástico não é, em hipótese alguma, encantando ou encantatório, mas o fruto repulsivo de um circo de horrores. ” ; 4) emblemática, em relação ao nazifascismo italiano, alemão e espanhol (serão eles os tentáculos do polvo?); 5) didascálica, em relação a um capítulo de Arno Schmidt “Nacional Socialismo. Mas a proposta deste texto recai sobre o uso da ilustração pela mídia impressa. Assim, analisamos os textos verbais para discutir, posteriormente, a função da ilustração como linguagem midiática em dois tipos de escrita: uma crônica e uma resenha, buscando a coerência plausível entre elas, com vistas à leitura e a concretização de sentido. A crônica de Brandão desenha uma caricatura explícita, resultante da implicitação que seu texto contém. Seu ilustrador preenche os vazios e visualiza a atmosfera irônica que o envolve, através da deformação plástica dos personagens, dos objetos e cenário compositivos. A ilustração é uma causa e efeito da C.P.I. dos Correios, do mensalão, da absolvição.
A resenha de Wilson Bueno do livro de Marcelo Rezende, Arno Schmidt, oferece um outro tipo ilustração: uma obra de arte, tematizada politicamente pelo fascismo, o que nos parece coerente com as considerações formuladas pela mencionada resenha, principalmente nas linhas finais do penúltimo parágrafo, acima transcritas no item 3.
O jogo do texto
A entrada do leitor no texto é um processo gradual. Para tanto, é necessária a formação do leitor, com a ampliação de seu horizonte de expectativa, ou seja, é preciso aguçar-lhe a sutileza interpretativa. Tal como num jogo de xadrez, não basta dispor as peças no tabuleiro e ir movimentando-as, mecanicamente, segundo as regras instrumentais. É preciso algo mais: estudar os lances, as possibilidades, antever jogadas, descobrir novas escapatórias, isto é, ao mergulhar no jogo proposto pelo texto, o leitor vai preencher os vazios do texto. Para ilustrar esse ponto de vista, enfocaremos a maneira pela qual os atos de apreensão de sentido são orientados pelas estruturas do texto, mas não são completamente controlados por elas, pois entram em jogo as disposições do leitor –i i á i O objeto estético é um produto da interação entre o fictício (texto ficcional) e o imaginário pelo jogo do texto. O jogo de oscilar significa desconectar o componente imitativo de sua referência com o objeto, a fim de utilizá-lo para visualizar o que é simbolizado. Desse modo, a simbolização perde seu caráter de substituto, de modo a utilizar o componente imitativo para tornar imaginável o que não é passível de objetivação, ou não existe. Pelo jogo o leitor entra no texto. Para discutirmos a maneira como se dá essa entrada, encontramos um artigo de Carlos Haag com ilustrações de Hélio de Almeida (2005, p.78-83), no qual o primeiro autor discute “o que se esconde atrás das capas de revistas e das primeiras páginas dos jornais” , analisando o fato de que “no princípio era o verbo. Mas ele, sozinho não vendia muita revista e jornal, em especial num mundo onde a luz se fez e encheu-se de imagens fotográficas. ”O que nos interessa, particularmente, são as três ilustrações do segundo autor, que dialogam com o texto verbal, posto que deixam patente o processo de sedução do leitor: primeiramente, o leitor está em
ca de algo para ler; tem de ser provocado pelo texto. Seduzido pelo efeito estético do texto, aproxima-se cada vez mais dele, num processo gradual, de interação, de esgarçamento. Numa relação lúdica, começa o jogo. Nesse jogo, o fictício e o imaginário só podem funcionar como interação, e o próprio jogo originase dessa interação, quando o leitor, jogando o texto, não escapa de ser jogado por ele. Assim, pouco a pouco, o estético transforma-se em estésico, levando o leitor ao prazer do texto, de tal maneira que vai criar o seu próprio tempo, isto é, o tempo da leitura.
Considerações finais
Dois textos verbais diferentes, dois tipos de ilustração: uma críticosatírica; outra trágico-dramática; uma é charge, outra, obra de arte. Esse fazer, leva-nos a concluir que a linguagem midiática usa de um mecanismo, se nos permitem o neologismo, linguofágico para criar e produzir seu processo expressivo ao buscar, manipular, servir-se da cultura popular e erudita como fontes compositivas e representativas, o que confere ao seu discurso aspectos polifônicos e riqueza semântica pelo grau de intextualidade. Quanto ao leitor, terá possibilidade de concretizar várias leituras, descobrir a pluralidade do texto, participar da construção de sentido e, como diz Vincent Jouve, tornar-se um leitante. A linguagem midiática vista nestes textos parece-nos apresentar graus de complexidade pelo uso conjugado com a ilustração e exigir do leitor um horizonte de expectativa crítico e pesquisador.
Referências
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Rainha da bateria dos absolvidos. O Estado de São Paulo, São Paulo, 31 mar. 2006. Caderno 2, D20.
BUENO, Wilson. O fantástico num circo de horrores. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 mar. 2006. Cultura, D4.
ELSAESSER, Thomas et al. Writing for the medium: television in transition. Amsterdam: Amsterdam University Press, 1994.
HAAG, Carlos; ALMEIDA, Hélio de. Decifra-me ou devoro-te. São Paulo, Revista Pesquisa Fapesp, dezembro 2005, nº 118, p. 78-83.
da imagem. Tradução de Marina Appenzeller. 2.ed. Campinas: Papirus, 1999.
JOUVE, Vincent. La lecture. Paris: Hachette, 1993.
MITCHELL, W.J.T. Iconology: image, text, ideology. Chicago: The University of Chicago Press, 1986.