5 minute read

Os efeitos do “boi China” na pecuária brasileira

As exigências do mercado externo estão contribuindo para melhorar os índices de desempenho do rebanho nacional

OBrasil nunca mais foi o mesmo depois da China “dominar” as compras de carne bovina. Eles respondem por mais de 65% das exportações da proteína, exercendo influência sobre os sistemas de produção de gado de corte. “Devido às rígidas exigências sanitárias e de padrão de qualidade do mercado chinês, o pecuarista brasileiro precisou se adequar. Foi preciso produzir animais cada vez mais precoces, com até 30 meses de idade, e com padronização de acabamento de carcaça referente à cobertura de gordura. Tais exigências têm impulsionado a intensificação da pecuária brasileira, estimulando investimentos em tecnologias, gestão, nutrição, sanidade etc.”, explica a médica-veterinária Julia Zenatti, analista de mercado e coordenadora do Confina Brasil.

Advertisement

A busca pelo abate cada vez mais precoce refletiu positivamente em índices como GMD (ganho médio diário) e na eficiência de conversão alimentar. Para isso, os produtores tiveram de fazer uso de estratégias capazes de possibilitar um ganho de peso mais acelerado em menor tempo. A avaliação feita em 2022 pela DSM em confinamentos de todo o país mostrou que, em média, os bovinos ganharam 9 arrobas em 122 dias, entrando com média de peso vivo inicial de 12,7 arrobas e saindo com 21,77 arrobas. “Com o estímulo para atender o mercado com animais mais jovens, o produtor investiu mais em nutrição e, com isso, reduziu a idade de abate dos bovinos. Isso trouxe um ganho de produtividade para a nossa pecuária, pois permitiu a diminuição do ciclo, ao mesmo tempo em que aumentou o desfrute”, esclarece Juliano Sabella, diretor de Marketing da DSM-Firmenich e presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (Asbram).

O “boi China” ainda levou a uma maior ênfase na segurança dos alimentos. Para atender a esses requisitos, entre outros benefícios, os produtores brasileiros têm aderido cada vez mais a sistemas de rastreabilidade animal. Segundo Julia, essa prática impacta positivamente nos padrões produtivos além de permitir um acompanhamento muito mais criterioso da origem e desempenho produtivo do rebanho, possibilitando maior rentabilidade dentro da atividade.

Os especialistas acreditam que houve ganhos também na parte ambiental. “Um ciclo mais rápido dos bovinos, traz uma menor emissão dos chamados gases de efeito estufa, além do benefício econômico, mantendo bovinos com eficiência alimentar maior dentro do plantel”, assegura a coordenadora do Confina Brasil.

O presidente da Asbram concorda. “Percebemos que houve e está havendo uma mudança considerável e cada vez maior em relação a questões que impactam diretamente o meio ambiente. O investimento em tecnologias e ferramentas que contribuem com a diminuição das emissões do seu rebanho estão na pauta desses pecuaristas brasileiros, que sabem que um setor mais sustentável é benéfico para toda a sociedade”, pontua Sabella.

Para a coordenadora do Confina Brasil, de certa forma, as demandas do mercado chinês tiveram influência na intensificação da produção e, portanto, na popularização do sistema de confinamento. “Além de possibilitar a aceleração do giro, o sistema possibilita produzir mais em um espaço menor, disponibilizando área para outras finalidades, além do pastejo, como o cultivo de lavouras e produção de silagem”, diz Julia.

Ela explica que, apesar de atrativo, o sistema tem um custo mais elevado e exige infraestrutura. “Temos acompanhado, neste ano de 2023, produtores mais cautelosos após um 21/22 difícil, apesar dos maiores patamares de preços para a arroba. A pressão sobre a arroba do boi gordo, estoques caros e prejuízos ainda não realizados, têm feito muitos confinadores de pequeno e médio porte, recuarem, principalmente nesse primeiro giro, que pode sentir um pouco mais a pressão baixista. Em contraste, vimos grandes unidades confinadoras, apostando em um desempenho ao menos páreo com o ano anterior, e aproveitando oportunidades no mercado para investirem em ampliações, sistemas integrados e até mesmo na compra to no Brasil vem da implementação de tecnologia nas fazendas. Nos últimos anos, o país saltou de 3,8 milhões de cabeças, em 2016, para 7 milhões em 2022. A estimativa do Censo DSM de Confinamento é de esse número fique em 6,995 milhões de cabeças este ano. Mato Grosso, São Paulo, Goiás e Minas Gerais lideram o ranking de confinadores.

Atualmente, há uma concentração dos grandes confinadores (acima de 10 mil animais), com as operações respondendo por 52% do total de cabeças confinadas no país. Em 2021, esse percentual era de 46%.

MERCADO CHINÊS É VANTAJOSO?

A decisão de investir ou não em operações mais intensivas de terminação depende de diversos fatores, mas o diferencial de preço (ágio) pago pelo chamado “boi China”, definitivamente, foi um fator influente na adesão a esse sistema. O prêmio pelo animal padrão exportação serve de incentivo em meio a um cenário de preços pressionados. No entanto, o ágio que já chegou a ser 20, até 30, $/@ mais elevados que o gado destinado ao mercado interno, hoje vem estreitando cada vez mais. “O momento do ciclo pecuário em que vivemos, com maior descarte de fêmeas, demanda mais comedida e, portanto, boa oferta, tem derrubado os preços da arroba. Além disso, no mercado ex- avaliar cuidadosamente os demais fatores relevantes antes de tomar a decisão de qual sistema é o ideal para sua operação e objetivos”, orienta Julia.

Nos levantamentos realizados pela equipe do Confina Brasil, a grande maioria das propriedades estão preocupadas em terminar animais até 4 dentes, como é exigido pelo mercado chinês. Para acelerar o ganho de peso, a dieta foi impactada, com os produtores apostando em formulações mais quentes, com cada vez menor proporção de volumoso, uso de aditivos, investimentos em tecnologias, desde a mistura e distribuição do trato até a precisão no momento da leitura de cocho. “Práticas de bem-estar animal visando maior produtividade também são frequentes nos confinamentos visitados: irrigação e aspersão para a redução de poeira nos currais de engorda, sistemas de sombreamento, aplicação de manejo racional e até mesmo investimentos em enriquecimento ambiental como estratégia para reduzir o estresse foram identificadas”, diz a coordenadora do Confina Brasil.

E os pecuaristas estão investindo não só na qualidade dos animais, mas também na melhoria de máquinas, das estruturas de curral/piquetes, no conceito de “Nutrição de Precisão”, adotando uma gestão por indicadores, dietas mais desafiadoras e manejo de cocho limpo. Outros investimentos têm sido feitos para adequação às leis ambientais vigentes, garantir a sustentabilidade e o bem-estar animal. “O que o Censo de Confinamento da DSM-Firmenich mostra é que, cada vez mais, os confinadores estão enxergando que existem ferramentas disponíveis para travar os custos e preços de vendas, reduzindo muito o risco da atividade. Dessa forma, entendemos que há investimentos para aumento da capacidade e, principalmente, crescimento das operações mais profissionalizadas”, diz Sabella.

Para o diretor de Marketing da DSM, os avanços provocados pelas exigências chinesas é um caminho sem volta dentro dos confinamentos. “Hoje em dia, o pecuarista que sobe um degrau na escada da tecnologia, dificilmente retrocede. Esse produtor que investe em novas ferramentas para aprimorar o manejo da sua propriedade e influenciar na dieta de seus animais influencia outros pecuaristas a adotarem mais tecnologias para a gestão da sua propriedade. Então, eu acredito que os impactos positivos de qualquer exigência de mercado ficam incorporados na atividade, fazendo com que tenhamos um novo patamar médio do mercado”, finaliza Juliano Sabella.

Outros Mercados Externos

Outros dois novos mercados exigentes que estão sendo prospectados para a carne brasileira são a Coreia do Sul e o Japão. Ambos podem acabar sendo conquistados a partir da não necessidade de vacinação da febre aftosa, e devem ter exigências semelhantes ao vizinho.

Países do Oriente Médio como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, também têm sido importantes importadores de carne bovina e gado vivo brasileiro.

Outro exemplo são empresas interessadas em servir ao consumidor islâmico, que precisam obter a certificação halal, obrigatória aos exportadores, que envolve uma série de mudanças na produção, abate e processamento da carne. “O mercado agropecuário brasileiro é adaptável! Somos um país extenso e diverso, com grande potencial de crescimento, o que nos permite produzir em quantidade e qualidade, atendendo diferentes mercados”, finaliza a coordenadora do Confina Brasil.

This article is from: