6 minute read

Reforma Tributária e os impactos para o agronegócio A

Reforma Tributária, que antes parecia uma utopia, depois de a Proposta de Emenda Constitucional 45/2019 ter sido aprovada às pressas pela Câmara dos Deputados, tornou-se algo iminente e, ao mesmo tempo, um dos assuntos mais discutidos nas últimas semanas. E não poderia ser diferente, a mudança de um sistema complexo, construído e reparado ao longo de anos e com regimes específicos, gera diversas incertezas, especialmente para o agronegócio.

Advertisement

Esse cenário de indefinição é muito impulsionado pelo fato de que o setor rural, que é uma das principais locomotivas da economia brasileira, por razões economicamente justificadas, se submete à um modelo diferenciado de tributação, com créditos de ICMS, isenções, reduções de alíquota e base de cálculo, entre outros. Por isso, invariavelmente a principal preocupação dos produtores se torna a retirada ou diminuição de incentivos fiscais, essenciais não só para baratear o custo dos alimentos, como também para viabilizar financeiramente a atividade e a competitividade com outros países produtores.

A PEC 45/2019 nos permite trazer um panorama muito introdutório daquilo que está começando a ser desenhado como um modelo de tributação para todos os setores, em especial o agronegócio, até porque muitas questões ficarão a cargo de futura Lei Complementar. De qualquer forma, alguns dos principais pontos que impactam diretamente o setor serão abordados através desse artigo.

Cesta B Sica Nacional De Alimentos

Depois de pressões causadas por cálculos de estimativa, que indicavam um aumento da carga tributária, o texto da PEC 45/2019 foi modificado. O enunciado votado e aprovado pela Câmara dos Deputados criou a chamada “Cesta Básica Nacional de Alimentos”. Por meio dessa medida, serão listados alguns produtos destinados à alimentação e sobre os quais as alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) serão reduzidas a zero.

Por enquanto, não é possível precisar, contudo, quais serão os produtos beneficiados, já que a PEC delegou para a Lei Complementar a competência para definir os alimentos abrangidos. Assim, embora o texto preveja a instituição do programa, a definição de quais itens da cesta básica irão usufruir desse favorecimento fiscal ficará para um próximo momento.

Regimes Diferenciados Com Al Quota Zero Ou Reduzida

A PEC dispõe, ainda, que a Lei Complementar poderá prever regimes diferenciados de tributação para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), desde que uniformes em todo o território nacional. Na ocasião em que for instituído o regime, e se instituído, deverão ser definidas as hipóteses em que será concedida redução de 100% das alíquotas dos tributos para produtos hortícolas, frutas e ovos, bem como operações realizadas pelo produtor integrado, de que trata o art. 28, III, da Lei n°. 10.865/04.

O racional é basicamente o mesmo para operações com bens e serviços referentes à produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, bem como insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal. Nessas hipóteses, contudo, a alíquota do IVA poderá ter redução de 60%.

Quanto aos regimes diferenciados, uma questão de ordem mais técnica tem ganhado espaço nos debates. E é justamente em razão dela que indicamos os regimes diferenciados de tributação como uma possibilidade futura e incerta, ao invés de algo certo e inconteste.

Isso porque, embora exista quem indique a instituição dos modelos favorecidos de tributação para as operações

Zona Rural

e grupos acima listados como ponto inconteste, a redação dada aos artigos acaba por não transferir essa certeza. Isso se dá pela utilização da expressão “A Lei Complementar (...) poderá prever os regimes diferenciados”, que tanto tem espaço para ser interpretada como uma atribuição/ dever do legislador, quanto uma faculdade, isto é, aquilo que pode ou não ocorrer.

E nunca é demais lembrar que a dubiedade do texto legal é hoje um dos principais fatores da elevada judicialização da matéria tributária. Exemplifica-se com o julgamento do Tema n°. 325 da Repercussão Geral, em que a palavra “poderão” contida no artigo 149, §2º, inciso III, da Constituição Federal, após anos de discussão entre fisco e contribuintes, foi interpretada pelo Supremo Tribunal Federal como uma faculdade do legislador, o que implicou no reconhecimento da constitucionalidade da incidência da contribuição ao SEBRAE sobre a folha de salários, que se trata de base de cálculo não prevista no dispositivo constitucional.

Ainda sem maiores definições, o que se pode dizer hoje é que a Lei Complementar pode ter a atribuição/dever ou a faculdade de instituir regimes diferenciados. São interpretações com consequências distintas e, por isso, deve ser um ponto de atenção para o agronegócio.

Pequeno E M Dio Produtor

O produtor rural, pessoa física ou jurídica, que obtiver receita anual inferior a R$3.600.000,00, atualizada anualmente pelo IPCA, contará com regime diferenciado de tributação, desde que instituído por Lei Complementar. Não sendo de adesão obrigatória, o produtor terá condições de optar pelo recolhimento comum da CBS e do IBS.

Fica autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica não contribuinte. O Poder Executivo da União e o Conselho Federativo do IBS poderão, contudo, revisar anualmente o valor do crédito presumido concedido, seguindo os critérios que serão estabelecidos em Lei Complementar.

Regras De Creditamento

A CBS e o IBS (IVA DUAL) não serão cumulativos, compensando-se o imposto devido com o montante cobrado na aquisição de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, exceto para uso e consumo pessoal. Apesar dessa garantia, também foi transferida para a Lei Complementar a competência para dispor sobre o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do recolhimento do imposto incidente sobre a operação.

Aqui se viu um desvirtuamento da proposta original, que era de garantir uma não-cumulatividade plena e eficiente, sem resíduos tributários ao longo da cadeia. Atribuir para a Lei Complementar a possibilidade de condicionar o direito do crédito ao efetivo recolhimento do imposto incidente na operação parece ir na contramão desses preceitos.

O excesso de poderes da Lei Complementar, que tem sido alvo de críticas, abre espaço para que seja instituído, por vias indiretas, um novo regime complexo cheio de exceção das exceções, que impõe inúmeras condições e/ou restrições para o aproveitamento dos créditos do imposto e, por consequência, gera judicialização. Algo muito parecido com o que se vê hoje na disputa entre reconhecimento das validades dos créditos de ICMS.

E POR FALAR EM ICMS, COMO FICARÃO OS ATUAIS CRÉDITOS E BENEFÍCIOS FISCAIS?

Os créditos de ICMS existentes ao final de 2032, desde que homologados, expressa ou tacitamente, poderão ser compensados com o IBS em 240 parcelas mensais (20 anos). Se os créditos forem decorrentes da entrada de mercadorias destinadas ao ativo permanente, o prazo para compensação seguirá as regras da Lei Kandir.

Os incentivos de ICMS serão mantidos somente até 12/2032, com redução progressiva a partir de 2029. Depois da data limite, fica expressamente proibida sua prorrogação.

Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo incidirá sobre a produção, comercialização ou importação dos bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente; não incide nas operações de exportação e sobre produtos e serviços que tenham a alíquota reduzida, dentre eles, insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura.

Biocombust Veis

Como forma de garantir diferencial competitivo, incumbirá ao Poder Público manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis, na forma da Lei Complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior a incidente sobre os combustíveis fósseis, em relação a CBS e ao IBS.

FUNDOS ESTADUAIS P/ OBRAS DE INFRAESTRUTURA E HABITAÇÃO

Ao longo dos últimos anos, os produtores rurais de diversos estados se submeteram ao recolhimento de diversos fundos instituídos como condição para fruição de benefícios fiscais. Um Frankenstein que tem cheiro, aparência e gosto de tributo e, ao mesmo tempo, não se submete às limitações tributárias impostas pela Constituição Federal em razão de sua ‘suposta’ facultatividade.

A reforma tributária corrigirá esse problema, correto?

Errado!

No último minuto da votação, a PEC resolveu trazer a boa e velha conhecida jaboticaba, que, dessa vez, se resume à possibilidade de os Estados e o Distrito Federal instituírem contribuição sobre produtos primários e semie- laborados produzidos nos respectivos territórios, para o financiamento de obras de infraestrutura e habitação, em substitução aos fundos estaduais hoje vigentes, recolhidos como condição para fruição do diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado.

Ou seja, essa disposição, que será aplicada até 31 de dezembro de 2043, permite que os Estados, mesmo com a reforma, reinstituam a exigência de fundos atuais, como FETHAB, FUNDERSUL, FUNDEINDRA, entre outros.

Ou seja, mais um aspecto que acaba desvirtuando o objetivo da reforma tributária de alcançar a cumulatividade plena e deve ser atentamente acompanhado pelos produtores rurais, afinal de contas o custo desses fundos, à medida em que integrará o preço do produto, vai ser considerado na base de cálculo do IBS e da CBS.

São, portanto, diversas as questões que seguem pendentes de definição e nos trazem incertezas, tornando atualmente a Reforma Tributária um ‘salto no escuro’, demandando a todos os envolvidos no agronegócio máxima vigilância e coordenação para que seus interesses e direitos sejam ouvidos e respeitados.

This article is from: