Polyteck | Edição 13

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Distribuição Gratuita - nº 13 | Ago / Set 2015

soluções O tratamento adequado de esgoto, a recuperação de fontes de água e o desenvolvimento de novas tecnologias serão essenciais para garantir a disponibilidade de água Leia na página 10

em água

O CAOS DO AMOR

CIRURGIA CARDÍACA

DESSALINIZAÇÃO

equaçõeds diferenciais são utilizadas para estudar relacionamentos página 3

como a bioimpressão vai revolucionar as cirurgias do coração página 6

novas membranas de osmose reversa prometem baratear a técnica página 16


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O caos

do amor A aplicação de teorias matemáticas em áreas das ciências humanas tem levado a resultados surpreendentes. Entre os exemplos mais notáveis está a modelagem de histórias de amor. Texto por Adonai Sant’Anna

H

á um preconceito muito comum de que a matemática tem um caráter frio e determinista, ao passo que relações humanas são imprevisíveis e não quantificáveis. No entanto, a quantificação de conceitos vagos ou obscuros referentes a sentimentos humanos ou até mesmo escolhas pessoais não é novidade. Estatísticos e profissionais que trabalham com análise multivariada de dados - técnicas que utilizam simultaneamente todas as variáveis na interpretação teórica do conjunto de dados obtido - conhecem várias aplicações bem sucedidas de modelos matemáticos para antecipar preferências de clientes sobre produtos e serviços. As equações diferenciais constituem a ferramenta mais empregada por cientistas para descrever a dinâmica de problemas complexos, que vão desde modelagens em física e engenharia até a tomada de decisões estratégicas em empresas. Em cálculo diferencial e integral, o conceito de derivada é empregado para modelar localmente fenômenos do mundo real, como a queda livre de um corpo ou o decaimento radioativo de uma porção de plutônio enriquecido. Já o conceito de integral é empregado para resgatar a dinâmica desses fenômenos em escalas que transcendem um comportamento localizado em torno de um único instante.

As primeiras aplicações de equações diferenciais ocorreram em física teórica. Tradicionalmente, a sua aplicação se restringiu, nos últimos três séculos e meio, quase que exclusivamente a áreas científicas e tecnológicas já muito acostumadas com a quantificação de grandezas como massa, carga elétrica, corrente, campos e potenciais. Com o passar do tempo, elas passaram a ser empregadas em áreas do conhecimento como engenharia, química, biologia, medicina, economia e, recentemente, até mesmo em psicologia e artes. O matemático francês Henri Poincaré em 1890 surpreendeu cientistas do mundo inteiro ao perceber que mudanças mínimas em condições iniciais de um sistema dinâmico descrito por equações diferenciais apresentavam repercussões gigantescas com o passar do tempo. A ideia de que pequenas causas poderiam repercutir na forma de grandes efeitos era algo já antecipado séculos antes por historiadores, mas Poincaré foi o primeiro a discutir um fenômeno análogo em um contexto matemático: a evolução dinâmica de um caso particular do problema de três corpos - em mecânica clássica - em relação às condições iniciais. E a ferramenta matemática empregada foi justamente equações diferenciais. Nascia então um campo de estudo de sistemas de equações diferenciais não-lineares cujas soluções são extremamente sensíveis a condições iniciais: a chamada teoria do caos. Desde então, inúmeras aplicações advindas desta descoberta têm surgido em diversas áreas. Nos últimos anos inclusive foi possível acompanhar aplicações surpreendentes em áreas das ciências humanas que, tradicionalmente são avessas a modelagens matemáticas. Entre os exemplos mais notáveis está a modelagem de histórias de amor. De acordo com Sergio Rinaldi, Pietro Landi e Fabio Della Rossa, “[a] evolução de relações românticas é marcada por todas as características típicas já conhecidas na teoria dos sistemas não-lineares”. Isso porque relações amorosas se modificam com o passar do tempo, frequentemente passando por tumultos e então evoluindo para estados praticamente estacionários, mas ainda extremamente sensíveis a perturbações, mesmo que sejam pequenas. Os três pesquisadores acima citados estão se especializando no tema, principalmente por conta da liderança de Sergio Rinaldi, um engenheiro eletricista italiano que tem se destacado consideravelmente tanto em estudos sobre aplicações de sistemas dinâmicos quanto em divulgação científica. Entre os resultados alcançados e recentemente publicados, há sistemas de equações diferenciais usados para: (i) descrever a dinâmica do relacionamento entre Scarlett e Rhet, no filme E o Vento Levou...; (ii) interpretar matematicamente a história de amor entre Elizabeth e Darcy, no grande clássico da literatura Orgulho e Preconceito, de Jane Austen; (iii) analisar a instabilidade do relacionamento entre a Bela e a Fera, na conhecida produção dos estúdios Disney; (iv) e até mesmo avaliar a frequência de relações sexuais entre casais estáveis.

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Henri Poincaré O matemático francês Henri Poincaré surpreendeu cientistas ao perceber que pequenas mudanças nas condições iniciais de um sistema dinâmico descrito por equações diferenciais apresentavam repercussões gigantescas com o passar do tempo.

Em geral, os modelos propostos para descrever histórias de amor são compostos por duas equações diferenciais ordinárias, uma para cada parceiro. As variáveis de estado correspondem a sentimentos e são funções reais dependentes do tempo. Valores positivos dos sentimentos podem ser interpretados como variando de simpatia a paixão, e valores negativos podem ser associados com estados emocionais que variam de antagonismo a desdém. As equações diferenciais costumam ser descritas a partir de uma igualdade entre a taxa de variação de sentimentos (dada por uma derivada em relação a tempo) e uma função que depende explicitamente do estado emocional de ambos e do apelo sexual do(a) parceiro(a). A modelagem matemática de relações amorosas serve não apenas ao propósito de identificar zonas de estabilidade e instabilidade emocional, como também para avaliar a consistência de histórias de amor imortalizadas pela literatura e cinema. Se uma história de amor não cativa o público, é possível que exista nela uma inconsistência matemática. Daí o interesse desses modelos na arte milenar de contar histórias. Um dos resultados obtidos no caso do filme A Bela e a Fera foi a interpretação de uma bifurcação de sela-nó (bifurcação de dobra) que permite compreender a evolução de uma história de amor. Tal história seria caracterizada por uma surpresa repentina provocada pela inevitável explosão de sentimentos dos envolvidos. Outro resultado curioso e recente é a evidência de que o caos emocional pode se manifestar, em certos casos particulares, de forma independente de qualquer contexto social em que os protagonistas de uma história de amor estejam inseridos. Há, naturalmente, questões em aberto no que se refere ao emprego de equações diferenciais para o estudo de relações amorosas. Um deles é o caso de triângulos amorosos, tema ainda não estudado neste contexto. Rinaldi e colaboradores chegaram a desenvolver um estudo muito particular sobre o triângulo amoroso retratado no filme Jules et Jim, de François Truffaut. Mas as condições exploradas no modelo proposto ainda são bastante idealizadas. Esta é uma área de pesquisa que está claramente apenas engatinhando, uma vez que a maioria dos artigos se refere a estudos de caso (E o Vento Levou..., A Bela e a Fera, Orgulho e Preconceito, entre outros). Uma descrição mais ampla sobre relações de amor ainda precisa ser feita.

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Amor, rejeição e ciência Relações de amor e rejeição não precisam se referir necessariamente a casos amorosos de casais. Por que não modelar matematicamente, por exemplo, processos de discussão, aceitação e rejeição em ciência? A teoria da relatividade geral de Einstein é um ótimo exemplo. Ele introduziu uma constante cosmológica em sua equação de campo para sustentar uma crença pessoal em um universo finito, fechado e estático, no qual a densidade de energia da matéria define a geometria do espaço-tempo. Pouco depois, de Sitter apresentou uma solução para a equação de campo de Einstein, com constante cosmológica, sem conter matéria alguma. Ao longo das décadas seguintes, a constante cosmológica passou por altos e baixos, sendo aceita ou rejeitada por físicos em uma intrincada sequência de argumentos - ocasionalmente até ingênuos. Os físicos ainda estavam aprendendo com a própria teoria iniciada por Einstein. A teoria da relatividade geral não foi desenvolvida por Albert Einstein, como muitos pregam, em virtude de profundas sutilezas teóricas e de sensíveis


observações experimentais. Pode-se dizer que ela foi concebida pelo físico alemão. O crescimento e o amadurecimento desta teoria foi um processo gradual que já dura um século, e ainda continua graças ao árduo e refinado empenho de muita gente. Um exemplo que certamente vale a pena lembrar é o trabalho do físico brasileiro George Matsas que, em 2003, resolveu o célebre paradoxo do submarino, no contexto da teoria da relatividade geral. Até hoje persistem casos de físicos que procuram insistentemente rejeitar as ideias de Einstein sobre a gravitação. Em contrapartida, há também toda uma cultura de mistificação em torno da física quântica, como bem aponta Giancarlo Ghirardi, em seu excelente livro Sneaking a Look at God's Cards. Essas dinâmicas sociais em torno de ideias científicas não poderiam também ser modeladas via equações diferenciais? As relações entre cientistas e teorias científicas não seguem padrões que podem ser descritos através da matemática? A teoria do caos tem por meta exatamente a compreensão de fenômenos imprevisíveis. E a aceitação de uma nova ideia, assim como o amor, é um fenômeno com consequências difíceis de serem antecipadas.

Para saber mais • Rinaldi S. et al., “A conceptual model for the prediction of sexual intercourse in permanent couples”, Archives of Sexual Behavior, 41(6):1337-1343 (2012) • Rinaldi S. et al., “A mathematical model of ‘Gone with the Wind’”, Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, 392(15):3231-3239 (2013) • Rinaldi S. et al., “Small discoveries can have great consequences in love affairs: The case of Beauty and The Beast”, International Journal of Bifurcation and Chaos, 23(11):1330038 (2013) • Dercole F. e Rinaldi S., “Love stories can be unpredictable: Jules et Jim in the vortex of life”, Chaos, 24(2):023134 (2014) • Philip Ball, “General relativity sinks submarine”, Nature, 30/07/2003

Adonai Sant’Anna é professor associado do Departamento de Matemática da UFPR. Autor de dois livros sobre lógica publicados no Brasil, e de dezenas de artigos publicados em periódicos especializados de matemática, física e filosofia, no Brasil e no exterior.

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Bioimpressão em cirurgia

cardíaca A bioimpressão tem ganhado destaque no meio científico como uma alternativa terapêutica para diversas áreas da medicina. Entenda os principais métodos, aplicações e desafios que a técnica ainda terá que superar para que no futuro (não tão distante) possamos inclusive fabricar corações bioartificiais para transplante. Texto por Gabriel Liguori

A

cirurgia cardíaca é uma das especialidades cirúrgicas mais novas dentre suas pares. Até a década de 1950, tocar no coração era considerado uma verdadeira heresia e os médicos que o fizessem eram taxados de, no mínimo, loucos. Porém, com a coragem de alguns pioneiros como o Dr. Alfred Blalock, cuja história está ilustrada no filme ‘Quase Deuses’, este tabu foi quebrado e a cirurgia cardíaca começou a dar os seus primeiros passos. No entanto, foi apenas a partir do surgimento da circulação extra-corpórea que a especialidade tomou força e evoluiu ao que é hoje. Área extremamente inovadora e exigente em termos de investimento tecnológico, a cirurgia cardíaca apesar de jovem se desenvolveu rapidamente - uma vez que sempre se beneficiou de avanços e inovações de outras áreas. Uma das tecnologias recentemente incorporadas por este ramo é a bioimpressão, que vem ganhando destaque no meio científico devido à sua capacidade de

superar alguns velhos desafios da engenharia de tecidos, como os mencionados na matéria “Bioimpressão de Tecidos Humanos” da quinta edição da Revista Polyteck.

A Impressão 3D e a Cirurgia Cardíaca

Mesmo antes da bioimpressão se tornar uma realidade, a impressão 3D tradicional trouxe grandes avanços para a cirurgia cardíaca. Um exemplo é o uso de modelos impressos em plástico a partir de exames de imagem como método de ensino, diagnóstico e, principalmente, planejamento cirúrgico. O processo de fabricação destes modelos se inicia com a coleta de imagens bidimensionais por ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, que são então agrupadas e convertidas para uma configuração tridimensional. A modelagem virtual da estrutura é realizada e, em seguida, os arquivos são enviados para impressoras 3D de alta definição. Em geral, esses modelos são utilizados para simular o órgão real,

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permitindo melhor visualização do coração durante os preparativos para as cirurgias de correção de cardiopatias congênitas - malformações cardíacas encontradas em até 1% das crianças. Contudo, eles também podem ser utilizados para operações em adultos, como em casos de valvopatias, por exemplo. Os modelos tridimensionais constituem um método preciso, rápido e relativamente barato de representar a anatomia de cada paciente, facilitando sua compreensão pelo cirurgião e otimizando a tomada de decisões pela equipe médica. A boa notícia é que o uso desses modelos não é uma exclusividade dos países desenvolvidos. No Brasil, a empresa 3DUX, dos médicos radiologistas Bruno Aragão Rocha e Virginio Rubin Netto, começou a modelar alguns protótipos para cirurgiões do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP ainda em 2012 e, atualmente, a tecnologia já é comercializada.


Engenharia de Tecidos A engenharia de tecidos procura organizar polímeros, células e biomoléculas de maneira a construir tecidos vivos para a reposição e regeneração de órgãos (ou parte deles). Entretanto, o método tradicional, no qual os tecidos são cultivados sobre moldes pré-fabricados, tem se mostrado incapaz construir tecidos mais complexos. Os desafios que limitam esta técnica estão ligados, principalmente, à dificuldade de reconstruir a microestrutura dos tecidos. Na maioria das vezes, eles são formados por vários tipos celulares organizados de maneira específica. A estrutura do tecido vascular, em particular, é essencial para a nutrição e oxigenação das demais células. A bioimpressão surge, então, como uma ferramenta para a construção de tecidos complexos, uma vez que possibilita a alocação dos polímeros, células e biomoléculas de maneira pré-definida e organizada. Podemos classificar esta tecnologia em duas modalidades, conforme o método de impressão: a bioimpressão por jateamento e a bioimpressão por extrusão. A primeira é uma técnica livre de contato, na qual gotas de biotinta são depositadas, uma a uma, através de diferentes métodos (térmico, piezoelétrico, induzida por laser ou por pressão pneumática) sobre um substrato, até se chegar ao formato desejado. Já a bioimpressão por extrusão é uma técnica que consiste na dispensação contínua de filamentos de biotinta através de pressão pneumática, por pistão ou rosca. A biotinta, em ambas as técnicas, é uma mistura de polímeros, células e biomoléculas que variam de acordo com as necessidades da impressora, do tecido e do método de impressão. Cada uma das técnicas apresenta suas vantagens e desvantagens. Numa comparação geral, os tecidos criados pela bioimpressão por jateamento apresentam melhor resolução, mas levam mais tempo para serem contruídos do que os criados pela bioimpressão por extrusão. Outro ponto levado em conta é que na bioimpressão por jateamento a biotinta utilizada deve ter baixa viscosidade, o que, consequentemente, acarreta em piores propriedades biomecânicas na estrutura final. Essa limitação, somada ao fato de os tecidos impressos por extrusão apresentarem melhor viabilidade celular, tem favorecido a última como o método de escolha de diversos pesquisadores.

Bioimpressora por Jateamento Térmica

Aquecedor

Piezoelétrica

Atuador piezoelétrico

Bolhas de vapor

É uma técnica livre de contato, na qual gotas de biotinta são depositadas uma a uma sobre um substrato, até se chegar ao formato desejado. Cada gota é composta por células, polímeros e biomoléculas. Apresenta melhor resolução, porém a baixa viscosidade da biotinta acarreta em piores propriedades mecânicas do tecido impresso.

Bioimpressora por Extrusão Pneumática

Pistão

Rosca

Consiste na dispensação contínua de filamentos de biotinta através de pressão pneumática, por pistão ou rosca. Apesar de possuir menor resolução, a bioimpressão por extrusão possibilita a construção mais rápida dos tecidos e também apresenta melhor viabilidade celular. polyteck.com.br | Revista Polyteck | 7


Aplicações na Cirurgia Cardíaca

A bioimpressão tem um enorme potencial de impacto na cirurgia cardíaca. Apesar das inúmeras possibilidades, as aplicações que potencialmente causarão o maior impacto na especialidade são a construção próteses de vasos e valvas e, futuramente, a fabricação de corações bioartificiais para transplante cardíaco. Atualmente, veias safenas, artérias torácica interna (ou mamária) e radial são consideradas as melhores opções para a substituição das artérias coronárias. Ainda assim, limitações devidas a tamanho inadequado, variações anatômicas ou realização de procedimentos prévios nestes vasos restringem o número de pacientes que podem se beneficiar destas opções de enxerto. Além disso, o tempo necessário para a extração destes vasos durante a cirurgia pode ser bastante longo, o que leva a pior morbimortalidade pós-cirúrgica. As tentativas de utilização de materiais sintéticos, comumente usados para a substituição de vasos calibrosos, apresentaram resultados desastrosos para os vasos de pequeno diâmetro, principalmente devido a fatores como a trombogenicidade do enxerto e o desenvolvimento de hiperplasia intimal nos locais de anastomose. Nessa aplicação, a bioimpressão surge como uma alternativa mais eficaz para a produção de vasos de pequeno diâmetro e, consequentemente, como uma terapêutica promissora para a doença arterial coronária e uma alternativa para a cirurgia vascular como um todo. Pacientes com doenças valvares, por sua vez, frequentemente precisam ser submetidos à cirurgia de troca valvar, pois em muitos casos não é possível realizar a correção através da simples plastia. Assim eles podem ter suas valvas substituídas por próteses biológicas ou mecânicas. As primeiras são produzidas a partir de tecidos animais, em geral a partir de valvas de corações suínos. Já as próteses mecânicas são produzidas industrialmente com materiais biocompatíveis, como o politetrafluoretileno (PTFE) e o grafite pirolítico. Entretanto, os dois tipos apresentam potenciais

complicações. As próteses biológicas estão sujeitas à calcificação, o que as torna incompetentes a longo prazo. Enquanto isso, as próteses mecânicas exigem esquemas de anticoagulação para evitar a formação de trombos, submetendo o paciente ao risco de sangramento e à necessidade de exames de sangue frequentes para o acompanhamento da coagulabilidade sanguínea. Em crianças, existe ainda o desafio de criar valvas que sejam capazes de crescer juntamente com o resto do corpo. Nesses contextos a bioimpressão se mostra uma alternativa promissora, já que permitiria a construção de valvas idênticas às originais do paciente. Finalmente, a maior e mais revolucionária aplicação da bioimpressão na cirurgia cardíaca será a fabricação de corações bioartificiais para transplante. Os transplantes cardíacos são o destino final dos pacientes acometidos pela insuficiência cardíaca, que nada mais é do que a incapacidade do coração de exercer sua função de bombear sangue para o resto do organismo, e pode ter como causas desde uma cardiopatia congênita até um infarto do miocárdio, entre muitas outras. De maneira geral, a insuficiência cardíaca é a evolução natural de praticamente qualquer doença cardíaca. Embora existam medicamentos e técnicas cirúrgicas para o tratamento desta condição, nenhum deles é capaz de impedir a progressão da doença a longo prazo ou, muito menos, curá-la, sendo o transplante a única alternativa até o momento. Os transplantes, entretanto, apresentam dois grandes problemas: a escassez de órgãos e a rejeição do órgão transplantado. O resultado se reflete nas listas de espera por um transplante de órgão, que têm crescido constantemente nas últimas décadas e hoje contam com dezenas de milhares de pacientes somente no Brasil. Há uma enorme crise no atendimento a esta demanda, de maneira que todos os dias dezenas de pessoas morrem enquanto aguardam um transplante. Como o órgão transplantado não é do próprio paciente, o corpo o reconhece como um organismo

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invasor e o ataca, levando à rejeição. E mesmo quando o procedimento ocorre com sucesso, o periodo pós-transplante é marcado por uma luta pelo equilíbrio entre a imunossupressão e o risco de rejeição. A única solução é utilizar medicações imunossupressoras, que apresentam diversos efeitos colaterais e podem colocar o paciente em risco de contrair infecções. Com a bioimpressão, seria possível fabricar sob demanda, um coração igual ao original, construído a partir das células do próprio paciente.

Desafios

Embora a bioimpressão já seja uma realidade para estruturas mais simples, a construção de órgãos inteiros ainda é um grande desafio. Quatro grandes dificuldades que ainda não foram superadas são: (i) o desenvolvimento de materiais biocompatíveis com propriedades mecânicas adequadas; (ii) a capacidade de construir redes microvasculares complexas; (iii) a melhoria na resolução das bioimpressoras; (iv) e a redução no tempo de impressão dos tecidos. Atualmente, as biotintas ainda carecem de algumas características fundamentais para a construção de tecidos complexos. O grande desafio, neste caso, é equilibrar a viscosidade da biotinta, que deve ser baixa o suficiente para permitir sua extrusão pela bioimpressora, com suas propriedades mecânicas, que devem proporcionar a força e integridade necessárias para manter a forma e suportar as pressões do ambiente intra-corpóreo. A construção de redes microvasculares complexas é essencial para a construção de tecidos complexos e órgãos inteiros. Embora a bioimpressão consiga endereçar esse problema de uma forma como nenhuma outra técnica o fez até hoje, ainda existem desafios para efetivar a construção de tais redes, que vão desde a melhoria na resolução das bioimpressoras até a dificuldade de organizar estruturas relativamente complexas envolvendo muitos subtipos celulares, como é o caso dos tecidos vasculares. É necessário garantir que os vasos apresentem as caracteristicas mínimas necessárias, como, por exemplo, um leito


endotelizado e fisiologicamente ativo. O terceiro desafio, a melhoria na resolução das bioimpressoras, está intrinsecamente relacionado tanto ao primeiro quanto ao segundo desafios. Enquanto as biotintas de menor viscosidade permitem uma maior resolução (aproximadamente 50 µm) e, portanto, possibilitam a construção das tão necessárias redes microvasculares, elas sofrem com as questões mecânicas mencionadas anteriormente. Por outro lado, as biotintas de maior viscosidade, com propriedades mecâncias adequadas, apresentam resolução mais baixa (entre 100 µm e 300 µm), impossibilitando a criação de redes microvasculares complexas. Desta forma, é preciso encontrar alternativas, seja nas próprias biotintas, seja no método de impressão, para melhorar a resolução sem interferir nas propriedades mecânicas da estrutura final. Finalmente, caso todos os desafios anteriores sejam superados, uma última dificuldade seria quanto ao tempo necessário para a impressão de um órgão inteiro, o que limitaria sua viabilidade clínica em um cenário de alta demanda. No momento, tentativas de aumentar a velocidade de impressão resultam em um aumento do estresse de cisalhamento no bico de impressão, levando a lesão e morte celular. A bioimpressão tem ganhado destaque no meio científico como uma potencial alternativa terapêutica em diversas áreas da medicina. Em um futuro não tão distante, poderemos estar imprimindo órgãos inteiros para serem transplantados. Esse avanço trará, com certeza, muita esperança aos pacientes, que hoje se sentem impotentes frente a um cenário de incertezas como é o das filas de espera por um doador. Por outro lado, novas questões éticas surgirão e deverão ser debatidas, o que é natural acontecer sempre que há uma expressiva mudança no status quo científico. Embora prever como exatamente será o futuro seja uma tarefa impraticável, uma coisa é certa: em questão de tempo, a ciência sempre encontrará soluções para o impossível e renovará a fé da humanidade.

Bioimpressão de tecidos. Imagem: Wake Forest Institute for Regenerative Medicine

Para saber mais • Hoch E, Tovar GE, Borchers K., “Bioprinting of artificial blood vessels: current approaches towards a demanding goal.”, Eur J Cardiothorac Surg. (2014) • Lueders C, Jastram B, Hetzer R, Schwandt H., “Rapid manufacturing techniques for the tissue engineering of human heart valves.”, Eur J Cardiothorac Surg. (2014) • Beyersdorf F., “Three-dimensional bioprinting: new horizon for cardiac surgery.”, Eur J Cardiothorac Surg. (2014) • Alan Faulkner-Jones et al., “Development of a valve-based cell printer for the formation of human embryonic stem cell spheroid aggregates”, Biofabrication, 5, 015013 (2013)

Gabriel Liguori é médico graduado com honras pela Universidade de São Paulo. Criou o Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular (DBLACCV) e publicou o ‘Manual Acadêmico de Cirurgia Cardiovascular’. Atualmente, desenvolve seu Ph.D., na área de Engenharia de Tecidos, pela University of Groningen, com o objetivo de um dia construir órgãos artificiais que possam solucionar a escassez de órgãos e a rejeição dos transplantes.

Gostou dessa matéria? Estamos procurando profissionais e estudantes das mais diversas áreas para integrar a futura equipe de acadêmicos e empreendedores que irá revolucionar a medicina no Brasil (e talvez no mundo!). Se você tem interesse em bioimpressão e gostaria de fazer parte do nosso time, entre em contato através do e-mail gabriel.liguori@usp.br.

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soluções em

água

O tratamento adequado de esgoto, a recuperação de fontes de água e o desenvolvimento de novas tecnologias serão essenciais para garantir a disponibilidade de água potável Texto por Raisa Jakubiak

A

água não é só é um fator essencial no desenvolvimento econômico e social do planeta, mas também tem um papel de função básica na manutenção da integridade do meio ambiente. Ela não é como ouro, platina ou outro recurso precioso de alto valor comercial: sem água não se vive, não se faz nada. As regiões do globo que carecem totalmente da presença deste recurso são inóspitas e praticamente sem vida, tornando-o um imperativo na manutenção da vida. No entanto, há grandes diferenças na disponibilidade de água de acordo com a região do planeta. Enquanto florestas tropicais exibem índices pluviométricos elevadíssimos, há lugares no mundo (e muitos no Brasil) onde não chove há anos. Na Floresta Amazônica, por exemplo, o índice pluviométrico médio é de 2.300 mm3 por ano. As chuvas

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O Deserto do Atacama, no Chile, é a região mais árida do mundo.

intensas são trazidas pelos ventos alíseos de leste da Zona de Convergencia Intertropical (ZCIT). Já o Deserto do Atacama, com um índice pluviométrico médio de apenas 1 mm3 por ano, é a região mais árida do mundo. Barradas pelos Andes, chuvas não são registradas em algumas partes deste deserto há mais de 400 anos. Além disso, há variações na ocorrência de chuvas ao longo do tempo devido às sazonalidade e variações ano a ano. Na maioria das vezes é impossível prever a magnitude da variação e a duração dos períodos de alta e baixa incidência de chuvas. Isso coloca um grande desafio na mão dos governos e da população em geral. A maioria dos países desenvolvidos já conseguiu superar a disponibilidade natural de água com soluções artificiais de infraestrutura em grande escala (como o investimento em barragens, reservatórios ou tubulações que trazem água de outras localidades) que diminuem o risco de falta de abastecimento. No entanto, isso foi conseguido a altos custos e muito frequentemente com grandes impactos ao meio ambiente. Muitos países em desenvolvimento e até outros países desenvolvidos estão chegando à conclusão de que apenas estas soluções não são suficientes para resolver o problema devido à crescente demanda causada pelos crescimentos demográfico e econômico, e às mudanças no clima nas últimas décadas. Assim, programas de reciclagem, tratamento de resíduos e mudanças da administração da demanda têm sido implantados em todo o mundo. O Relatório The Application


of Integrated Approaches to Water Resources Management (“A Aplicação de Ações Integradas ao Gerenciamento de Recursos Hídricos”, em tradução livre), feito após a conferência Rio+20 em 2012, mostrou que 64% dos países desenvolveram planos integrados de gerenciamento de recursos hídricos e que 34% destes estavam em estado avançado de implementação na época. No entanto, o progresso havia aparentemente desacelerado em países com baixos e médios Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), restando ainda muito a ser feito.

Consumo de Água no Brasil

Os problemas de abastecimento de água não se resumem à quantidade de água disponível numa localidade. Há também o problema da qualidade, que afeta tanto para os usuários quanto para o ecossistema local. Mudanças nos cursos e nas margens dos rios decorrentes do crescimento da população e o desenvolvimento urbano também provocam mudanças nos ecossistemas aquáticos. A degradação das características hidromorfológicas causa mudanças no habitat, resultando na diminuição da diversidade biológica de um corpo de água. Em seu mestrado pela Universidade da Jaguelônica de Cracóvia, Polônia, a bióloga paranaense Carolina Moeniki estudou o status ecológico do rio polonês Prądnik. O trabalho mostrou que o braço do rio que fica dentro de uma área de conservação, no Parque Nacional de Ojców, é três níveis mais “natural” do que a porção que cruza a grande cidade de Cracóvia. Esta classificação foi feita através da análise de índices que levam em consideração as modificações do habitat aquático (HMS - Habitat Modification Score) e da avaliação da qualidade do habitat (HQA - Habitat Quality Assessment) para calcular o estado hidromorfológico de um rio, lago, etc. Esta grande diferença na classificação entre as duas regiões foi causada principalmente pela influência urbana como dejetos industriais, esgoto doméstico, modificação do curso e das margens e poluição humana. Não é difícil imaginar a classificação do rio Tietê. Em muitas regiões, a disponibilidade de água, tanto em quantidade quanto em qualidade, também é fortemente afetada pelas mudanças climáticas e por variações sazonais no clima como as causadas pelo El Nino e La Nina - fenômenos que levam a mais ou menos precipitações em diferentes regiões ou a eventos climáticos extremos. Consequentemente, muitas regiões sofrem com falta de água constante, como certas regiões do Nordeste, ou atravessam períodos críticos de falta de água ao longo do ano – como o que ocorre em São Paulo desde o ano passado.

AGRICULTURA / IRRIGAÇÃO: 72%

CONSUMO ANIMAL: 11%

ABASTECIMENTO HUMANO: 9%

SETOR INDUSTRIAL: 7%

ABASTECIMENTO HUMANO RURAL: 1%

Desperdício de água

37%

DA ÁGUA TRATADA NO PAÍS

É DESPERDIÇADA EM RAZÃO DE FALHAS NAS TUBULAÇÕES, FRAUDES E LIGAÇÕES CLANDESTINAS.

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Dados do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, BOLETIM LEGISLATIVO Nº 27 de Abril de 2015

Qualidade da água


O Grande Fedor Londres, verão de 1858. Maior calor registrado na história até então. Os parlamentares cogitam mudar a sede do Parlamento para longe do rio Tâmisa, pois o mal cheiro é tão intenso que o evento ganhou até nome: O Grande Fedor de 1858.

A Revolução Industrial, no final do século XVIII, trouxe consigo um aumento significativo na população e poluição produzida pelas cidades. O acúmulo de lixo e excrementos nas ruas era tão exacerbado que se tornou evidente a necessidade da criação de um sistema de esgotos que desse conta da demanda. No entanto, a solução mais comum era descartar esgoto diretamente nos rios das cidades. A combinação era desastrosa: lixo, efluentes de fábricas, abatedouros e outras atividades industriais sobrecarregavam o sistema de esgoto. Com a introdução das privadas de descarga, no caso de Londres, o esgoto de quase três milhões de habitantes completava a conta. Quase tudo era descarregado diretamente no rio Tâmisa. Além das alterações no ecossistema, a transmissão de doenças como a cólera trouxe uma

série de surtos e milhares de mortes. Até o cientista Michael Faraday escreveu uma carta ao The Times em julho de 1855 considerando “todo o rio como um verdadeiro esgoto”. O cheiro insuportável e o medo da população em torno de seus efeitos fez com que as autoridades finalmente aceitassem a proposta do engenheiro civil Joseph Bazalgette de mover os efluentes para longe do centro urbano ao longo de uma série de novas redes de esgoto. As obras começaram em 1859 e só terminaram em 1875, mas o trabalho de Bazalgette garantiu que os resíduos não fossem mais despejados nas margens do Tâmisa. Neste meio tempo também foram implantados sistemas de tratamento de esgoto, que filtravam as águas dos rios com areia, “coando” o

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esgoto antes de devolvê-lo ao ambiente. O longo processo burocrático de sanitarização da era Vitoriana também foi acompanhado de esforços heróicos de engenheiros e reformistas de várias áreas do conhecimento, e a ação iniciou uma revolução não apenas na Inglaterra, mas também ao longo de todo o mundo industrializado. A conexão entre os surtos de cólera e a poluição da água, por exemplo, só foi descoberta em 1857, um ano antes do Grande Fedor, pelo médico John Snow (calma, não o Jon Snow de Game of Thrones). Ele realizou uma pesquisa epidemiológica no Soho, um bairro de Londres, enumerando cada casa e estabelecimento da região e cruzando os dados com o padrão de consumo de água dos habitantes. Ele provou que a água retirada de um cano específico na Broad Street era o denominador comum na maioria dos casos. Com sua descoberta, Snow conseguiu que este cano fosse retirado. No entanto, apesar de hoje ser considerado um momento icônico no nascimento da saúde pública, a teoria de Snow de que o cólera era transmitida pela água foi ignorada em primeiro momento, sendo apenas aceita em 1866 após outra epidemia. Hoje em dia é difícil imaginar um mundo onde informações científicas tão importantes demoravam tanto para ser descobertas.


Tratamento de água e esgoto

Hoje o tratamento de água e esgoto é visto como um investimento fundamental na presernvação de recursos hídricos. “Tratar a água” consiste em retirar água doce de bacias e rios para torná-la própria ao consumo, enquanto “tratar esgoto” consiste em tratar água residual para devolvê-la às bacias com o mínimo impacto possível à natureza. Este processo tem impacto não somente na saúde da população, como também na disponibilidade de água. Há diversas técnicas envolvidas no tratamento de ambos, assim como muitas inovações tecnológicas na área. Tradicionalmente, o tratamento de água é dividido em duas partes: um tratamento inicial, com apenas processos mecânicos, e o tratamento final, onde há reações químicas envolvidas. No tratamento inicial é feito o peneiramento, então a sedimentação, onde as impurezas não retiradas pelo peneiramento são decantadas, e finalmente o aeramento, para retirar substânticas voláteis e inflamáveis. O aeramento para a remoção de metano de águas residuais em decomposição anaeróbica já é uma realidade também no tratamento de efluentes industriais com alta carga biológica. Elas produzem gases inflamáveis que, em espaços fechados, como tubulações ou estações, podem se concentrar a níveis perigosos. O tratamento final consiste na floculação, onde se formam precipitados de hidróxido de alumínio (Al2(OH)3). Como este material é insolúvel, ele leva as impurezas para o fundo do tanque. Ocorre então o processo de sedimentação e água contida na parte superior do tanque é filtrada por diversas camadas de cascalho e areia para que as impurezas menores sejam retiradas. Finalmente, um composto bactericida e fungicida é adicionado à água. O Brasil conta hoje com a maior Estação de Tratamento de Água (ETA) do mundo, a ETA Guandu, no Rio de Janeiro. A ETA produz 43.000 litros de água por segundo, abastecendo cerca de nove milhões de habitantes em oito municípios. Já no tratamento de esgotos há o processo chamado de lodos ativados, que tem como objetivo eliminar determinados poluentes orgânicos biodegradáveis existentes em águas residuárias, efluentes e esgoto. O processo consiste em provocar o desenvolvimento de uma cultura microbiológica em flocos

num tanque de aeração alimentado por determinado efluente. Aos flocos de microorganismos dá-se o nome de lodo. Como a cultura é formada por bactérias aeróbias, a aeração visa fornecer o oxigênio necessário aos microorganismos para que os flocos se mantenham em suspensão e se misturem de maneira homogênea ao efluente, formando o “licor”. O licor então passa continuamente por um decantador secundário para que o efluente tratado seja separado do lodo. O lodo, por sua vez, também é reenviado ao tanque de aeração para que a concentração biológica seja mantida dentro da proporção adequada para degradar a matéria orgânica restante no efluente. O lodo vai se acumulando devido ao crescimento biológico no decantador e, sempre que sua concentração excede os valores de projeto, o excesso é retirado do tanque. Após isso, este material pode ser espessado, desidratado e utilizado na agricultura como fertilizante. Em algumas partes do mundo, o processo de tratar e transportar água representa até 20% do consumo total de energia. Há pesquisadores trabalhando em formas de recuperar um pouco desta energia com a utilização de células combustível microbianas, que aproveitam os microorganismos presentes nas águas residuais para gerar energia elétrica. Estes microorganismos se alimentam de matéria orgânica e, como resultado da digestão, transferem elétrons para o eletrodo através de metabólitos eletroativos naturais ou condução direta por nanofios. Leia mais sobre elas na edição 03 da Revista Polyteck, no artigo “O robô que “come” urina. A água já utilizada também contém materiais que são prejudiciais ao meio ambiente, mas que possuem valor comercial se reciclados. Um exemplo disso é o fósforo, elemento essencial para o crescimento de plantas e animais, mas que se descartado em rios pode chegar às regiões da costa e destruir a vida aquática, criando as chamadas “zonas mortas”. Estudos mostram que as reservas de fósforo em rochas se esgotarão dentro dos próximos 100 anos. No entanto, é possível recuperar o material a partir do esgoto, e uma série de empresas, como a Unitika no Japão, já vem trabalhando em tecnologias para isso há um bom tempo. A Ostara Nutrient Recovery Technologies, além de recuperar fósforo e outros nutrientes, converte todos em fertilizantes com valores comercialmente desejáveis de fósforo, nitrogênio e magnésio.

Tratamento de Água A Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, no Rio de Janeiro, é hoje a maior do mundo. A ETA produz 43.000 litros de água por segundo, abastecendo cerca de nove milhões de habitantes em oito municípios. Foto por TP Ferreira

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A Ostara Nutrient Recovery Technologies, sediada em Vancouver, Canadá, além de recuperar fósforo e outros nutrientes converte todos em fertilizantes com valores comercialmente desejáveis de fósforo, nitrogênio e magnésio. A empresa afirma que vê as águas residuais não como lixo, mas sim como uma fonte de redução de custo e impacto ambiental da produção de fertilizantes. Para recuperar os nutrientes das águas residuais, a Ostara desenvolveu e patenteou um processo chamado de Pearl®. O magnésio é o principal causador de entupimentos em ETAs, pois se aglomera com facilidade e criando estruvita, ou fosfato amoníaco magnesiano. Este é o mesmo material que forma alguns cálculos renais. No processo Pearl, a formação de cálculos é estimulada para a sua retirada posterior. Isso é feito controlando o pH da solução através da adição de hidróxido de sódio (soda caustica). Para evitar entupimentos, uma bomba de reciclagem controla as condições hidráulicas do sistema. Os grânulos de fertilizante começam a se formar como aglomerados micriscópicos criados no reator. Ao longo do tempo, eles vão se acumulando em camadas sobre a superfície da partícula – assim como ocorre numa ostra durante a formação de uma pérola, daí o nome do processo. O Pearl resulta em grânulos extremamente puros de estruvita que são recolhidos do reator quando atingem um tamanho suficiente para serem vendidos como fertilizante. Em seguida, outro processo, o WASSTRIP™ (Waste Activated Sludge Stripping to Remove Internal Phosphorus – Lodo Ativado para Remover o Fósforo Interno), é aplicado no efluente. Esta etapa emprega o processo de lodos ativados para liberar magnésio, potássio e fosfato antes do espessamento do lodo. O WASSTRIP regula a formação de estruvita na corrente de lodo e garante a proporção ideal entre nitrogênio e fósforo para o uso em agricultura. A melhor parte é que o líquido restante é um efluente tratado e pronto para ser devolvido ao corpo de água receptor. O resultado é o Crystal Green®, que foi a primeira tecnologia em fertilizantes de liberação controlada a conter fósforo, nitrogênio e magnésio numa única capsula, justamente devido ao seu método de obtenção. Fertilizantes de liberação controlada consistem em grânulos de nutrientes encapsulados por um revestimento polimérico. Ao invés de liberar todos os nutrientes de uma só vez, o polímero age como uma barreira semi-permeável que permite a liberação do material aos poucos. Desta maneira, os nutrientes podem ser fornecidos durante todo o período de cultura, sem excessos e perigo de contaminação de lençóis freáticos. Além de tudo, a assinatura de carbono da produção do Crystal Green é cerca de 10 toneladas de CO2 menor do que da produção de fertilizantes convencionais. Há uma necessidade bem conhecida de aplicar medidas efetivas na manutenção e recuperação de fontes de água potável, pois apenas ações de armazenamento e transporte de água não são suficientes para suprir a crescente demanda. É necessário investir tanto em novas tecnologias de tratamento de água e esgoto quanto na conscientização da população e governos, pois apesar de o percentual da população mundial com acesso a água potável ter aumentado de 50% em 1990 para 67% em 2012, cerca de 14% da população, ou um bilhão

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de pessoas, ainda praticam defecação a céu aberto. Em pleno 2015, apenas uma parte do esgoto é tratado antes de ser reintegrado aos rios, a maioria ainda é apenas despejado em sua forma crua - assim como na Londres de 1858.

Para saber mais • ONU, “Status Report on The Application of Integrated Approaches to Water Resources Management” (2012) • ONU, “Status Report on Integrated Water Resources Management and Water Efficiency Plans” (2008) • The United Nations World Water Assessment Programme, “Integrated Water Resources Management in Action”, prepared by DHI Water Policy and UNEP-DHI Centre for Water and Environment • Carolina S. Moeniki, “The River Habitat Survey method as a tool for the assessment of environmental changes brought about by humans reshaping of a river valley”, Dissertação de Mestrado pela Universidade da Jaguelônica de Cracóvia. • Gilberto Fisch, José A. Marengo e Carlos A. Nobre, “Clima da Amazônia”, Centro Técnico Aeroespacial (CTA/IAE-ACA) e Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE) • Global Water Intelligence, “Top 10 new water technologies to save the world” •

Ostara Technologies, “Pearl® 2000 Nutrient Recovery Process”

Laboratório de Química Ambiental da USP, “Tratamento de Água”

• Acqua Engenharia e Consultoria, “Manual de operação: Lodos Ativados” • Ben Fawcett e Maggie Black, “A new global sanitary revolution: lessons from the past”, 33rd WEDC International Conference, Accra, Ghana (2008) • Halliday, Stephen, “The Great Filth”, Stroud: History Press Limited (2011) •

Associação Brasileira de Recursos Hídricos

Haifa Group - http://www.haifa-group.com/

Raisa Jakubiak é diretora de redação

da Revista Polyteck. Bacharela em Física pela Universidade Federal do Paraná, foi bolsista de iniciação científica no Group of Optoloectronic Organic Devices (GOOD), na UFPR, onde trabalhou no desenvolvimento de memórias orgânicas voláteis e aprendeu sobre a construção de transístores. Também trabalhou no LITS, na caracterização de um protótipo de lab-on-a-chip capaz de diagnosticar várias doenças com poucas gotas de sangue. Apaixonada por ciência desde o berço, acha que o segredo para quem quer mudar o mundo é nunca parar de aprender. Trabalha na Polyteck para continuar aprendendo, e porque acha que faltam meios de comunicação feitos por quem vive a ciência no seu dia a dia.


Novas membranas para dessalinização

Cerca de 16 mil usinas de dessalinização já estão em funcionamento no mundo, porém os altos custos envolvidos no processo de retirar sais da água torna a técnica economicamente inviável em muitas regiões, impedindo que a água chege onde é mais necessária. Por isso vários pesquisadores trabalham no desenvolvimento de novos filtros para a dessalinização por osmose reversa. Foto da usina de dessalinização em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Texto por André Sionek

U

m relatório conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostra que, de 1990 para 2012, cerca de 2,3 bilhões de pessoas ganharam acesso a uma fonte segura de água potável: 1,6 bilhão com água encanada e tratada e 700 milhões com melhorias no abastecimento (torneiras públicas, bombas manuais, poços artesianos e nascentes

protegidas). Desde 1990, a cobertura mundial de água potável cresceu cerca de 13 pontos percentuais, de 76% para 89%. A Meta de Desenvolvimento do Milênio (MDM) para água potável foi atingida em 2010 - 88% da população com acesso a uma fonte confiável. Porém, apesar do forte progresso, 748 milhões de pessoas ainda não tinham acesso a água potável em 2012, sendo que duas em cada cinco

destas pessoas vivem na África. Além dos recursos hídricos serem escassos em muitos países do continente Africano, as altas taxas de crescimento da população tornam os desafios de ampliar o acesso à água potável ainda maiores. Outra dificuldade é que muitas vezes a água existe, porém não é própria para o consumo por diversos motivos, entre eles, as altas concentrações de sal. No nordeste semi-árido brasileiro, por exemplo, a água da chuva tem sua concentração salina aumentada em até quatro vezes após escorrimento superficial. Após infiltração e coleta por drenos, essa concentração ainda pode aumentar mais de cinquenta vezes, o que a torna imprópria para consumo humano e até mesmo para irrigação. A dessalinização - conversão de água salgada em potável - é vista como uma das soluções para atender a população que vive nestas regiões. Um método de dessalinização muito comum é a osmose reversa, porém seu ponto fraco é que ela requer uma grande quantidade de energia para fazer a água passar por uma membrana semi-permeável permeável para o solvente e impermeável para solutos. Além do custo da energia, a troca constante das membranas e o tratamento para a remoção de microorganismos tornam o processo ainda mais caro. Isso faz com que a água fresca criada por este processo não chegue nos locais onde é mais necessária. Embora cerca de 16 mil usinas de dessalinização já estejam em funcionamento no mundo, a técnica só é economicamente viável em alguns lugares - geralmente onde é mais

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Reverse Osmosis Reverse osmosis is a water purification technology and one of the processes that makes desalination possible. It uses a semipermeable membrane to remove particles that are larger than water molecules. The process is widely used in laboratories where fresh and pure water is required for experiments, because it can remove many types of molecules and ions from solutions, including bacteria. In the normal osmosis process, the solvent naturally moves from lower solute concentration to higher solute concentration. This flow of solvent through the membrane generates an osmotic pressure. This movement occurs in order to reduce the system’s free energy by equalizing solute concentrations on each side of a membrane. In reverse osmosis, an external pressure is applied to reverse this natural flow of solvent. The membrane has to be “selective”, not allowing large molecules or ions through the pores, but letting the solvent pass freely. The result is that the solute is retained on the pressurized side of the membrane and solvent is allowed to pass to the other side. It is a common method of desalination - used in 66% of installed desalination capacity in 2011. Other methods include thermal distillation, that are mainly used by the remaining plants. In recent years, energy consumption in reverse osmosis has dropped with the development of more efficient energy recovery devices and improved membrane materials. New ultrathin graphene semipermeable membranes - one atom thick - are expected to save up to 50% of the energy used to pressurize water in reverse osmosis.

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barato retirar o sal do que transportar água de um local distante. O governo da Califórnia, por exemplo, investiu um bilhão de dólares na construção da maior usina de dessalinização do Ocidente impulsionado pela dramática seca que atinge a região desde 2012. Quando concluída, no final deste ano, a Usina de Carlsbad deverá retirar 380 milhões de litros de água do Oceano Pacífico todos os dias para produzir 200 milhões de litros de água potável. Apesar de utilizar as tecnologias mais recentes, o custo dessa água ainda será cerca de 80% maior do que o da água tratada importada de outras regiões.

Novas membranas semipermeáveis

Os elevados custos dos processos de dessalinização e o fato da água ser um recurso crítico para manutenção da vida têm levado vários pesquisadores a trabalhar no desenvolvimento de filtros que custem menos, durem mais e sejam mais finos do que as membranas poliméricas utilizadas atualmente. No Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, a equipe do engenheiro mecânico Rohit Karnik está trabalhando para construir membranas que tenham a espessura de um único átomo para facilitar a passagem das moléculas de água e bloquear sais e impurezas. Para construir essas membranas, os pesquisadores desgastam o grafeno com feixes de íons e o mergulham em banho químico para abrir poros com menos de um nanometro de diâmetro. Simulações computacionais realizadas por outro grupo de pesquisa do MIT mostraram que essas membranas de grafeno poderiam reduzir em até 50% a energia necessária para a osmose reversa. Isso porque, em teoria, uma membrana bidimensional ofereceria a menor resistência possível para a passagem de moléculas de água. Em um trabalho conjunto, pesquisadores do MIT e do Laboratório Nacional Oak Ridge, ambos nos EUA, e da Universidade de Petróleo e Minerais King Fahd, na Arábia


Saudita, criaram uma membrana de grafeno para dessalinização com uma única camada de átomos de carbono organizados em uma estrutura de favo de mel. A estrutura forma um cristal hexagonal onde são criados poros nanométricos pelo processo de plasma etching de oxigênio, que permite que o tamanho dos poros seja ajustado. Para ser viável em uma usina comercial, uma membrana dessas deveria idealmente ter dimensões da ordem de um metro. Contudo até o momento a a equipe só conseguiu obter membranas com dimensões de alguns milímetros. Em 2013, a Lockheed Martin, empresa americana de tecnologias aeroespaciais, defesa e segurança, patenteou uma membrana feita de uma única camada de átomos de carbono chamada de Perforene. A empresa afirma que a membrana é capaz de melhorar drasticamente o fluxo de moléculas de água, reduzindo

entupimentos e a pressão necessária para a osmose reversa. O grafeno pode ser um dos materiais mais promissores para a construção de membranas, mas não é o único. O professor Darren Sun da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, desenvolveu nanofibras feitas de cristais de dióxido de titânio que foram utilizadas em conjunto com uma membrana polimérica para múltiplas aplicações, incluindo um método de dessalinização conhecido como osmose direta - que utiliza significativamente menos energia do que a osmose reversa. Além disso, o dióxido de titânio tem efeito bactericida e pode reduzir os entupimentos que requerem a substituição da membrana polimérica. Novas membranas feitas com melhores materiais podem algum dia tornar a dessalinização mais rápida e barata. Entretanto, muitas dessas tecnologias ainda não saíram dos

laboratórios e só funcionam em pequena escala. Para torná-las comercialmente viáveis, serão necessários mais mais alguns anos de financiamentos e pesquisas em grafeno e em outros materiais para membranas. Eventualmente teremos usinas que ocupam metade do tamanho das atuais e que usam significativamente menos energia, além de unidades de dessalinização móveis que poderão ser utilizadas em regiões onde a água potável é escassa. Porém, em lugares que não sofrem com a falta de recursos hídricos, a melhor alternativa é - e sempre será - a conservação dos mananciais e o tratamento e reutilização do esgoto. A dessalinização deve ser considerada como um último recurso, pois além dos altos custos para construir e operar uma usina, as instalações inevitavelmente causam danos ao ambiente e à vida marinha.

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Usina de dessalinização

Para saber mais

tanque de água dessalinizada vasos de pressão de osmose reversa

• Sumedh P. Surwade et al., “Water desalination using nanoporous single-layer graphene”, Nature Nanotechnology 10, 459–464 (2015)

microfiltro filtro multiestágio

• Kristin Majcher, “What Will It Take to Commercialize Better Desalination Technologies?”, MIT Technology Review (2015) • Kristin Majcher, “How Can Desalination Become Cheaper?”, MIT Technology Review (2014) • David Talbot, “Desalination out of Desperation”, MIT Technology Review (2014) •

Lockheed Martin, http://www.lockheedmartin.com/

• David Cohen-Tanugi e Jeffrey C. Grossman, “Nanoporous graphene as a reverse osmosis membrane: Recent insights from theory and simulation”, Desalination 366, 59–70 (2015) • Sean C. O’Hern et al., “Nanofiltration across Defect-Sealed Nanoporous Monolayer Graphene”, Nano Lett. 15 (5), 3254– 3260 (2015) • Peng Gao et al., “Hierarchical TiO2/V2O5 Multifunctional Membrane for Water Purification”, ChemPlusChem 78 (12), 1475–1482 (2013)

água de descarte água potável água salgada

água de descarte

água potável

vaso de pressão membrana de osmose reversa água potável tubo de coleta perfurado

água salgada

André Sionek é estudante de administração na Universidade Federal do Paraná. Cursou, e não concluiu, Bacharelado em Física na mesma instituição. Durante o bacharelado foi bolsista de iniciação científica no Laboratório de Inovação e Tecnologia em Sensores (LITS) na UFPR, e também trabalhou no Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), no desenvolvimento de um teste lab-on-achip para diagnóstico pré-natal. Foi estudante de graduação sanduíche na University of Pennsylvania, nos EUA, pelo programa Ciência Sem Fronteiras. Voltou para o Brasil querendo que o estudante brasileiro vá além da sala de aula. Criou a Polyteck como forma de retribuição pela bolsa de estudos que recebeu.

água potável

Revista Polyteck - Edição 13 | Agosto / Setembro 2015 A Polyteck é uma plataforma de educação e divulgação científica que complementa a formação dos estudantes brasileiros. Motivamos e inspiramos o universitário a ir além da sala de aula. Informações sobre anúncios e parcerias estão disponíveis em: www.polyteck.com.br/anuncie Envie sua crítica, elogio ou sugestão para: contato@polyteck.com.br

Distribuição gratuita em mais de 80 universidades de todo o Brasil. Saiba mais em: www.polyteck.com.br/distribuicao Diretor Executivo: André Sionek Diretora de Redação: Raisa Requi Jakubiak Diretor Comercial: Fábio A. S. Rahal Revisão: Rudolf Eckelberg Imagens: Shutterstock, stock.xchng Impressão: Gráfica Exklusiva

Patrocínio Editora Polyteck Ltda - ME 41 3011-6080 / 9269-4372 / 9622-3369

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