Polyteck | Edição 18

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R$ 8,00 | ISSN 2447-6897 | nº 18 - Dez 2016/Jan 2017

SEM SUOR, SEM GANHO O que faz de nós, seres humanos, bons corredores?

página 10

DESPEDIDA

POLÍMEROS

CICLO DE VIDA

Como não fazer uma revista de tecnologia e ciência página 4

Mudanças de paradigma da indústria petroquímica página 16

Determinando a pegada de carbono de polímeros renováveis e fósseis página 21


COM NOVAS TECNOLOGIAS, GANHA-SE TEMPO. COM TEMPO, NOVAS TECNOLOGIAS SÃO CRIADAS.

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COMO NÃO FAZER

UMA REVISTA DE TECNOLOGIA E CIÊNCIA Saiba como conseguimos criar e distribuir gratuitamente uma revista sobre ciência e tecnologia em mais de 80 universidades no Brasil. Conheça também alguns dos erros que nos levaram a encerrar a Polyteck depois de 18 edições publicadas. Por André S ionek

O

lha André, a sua ideia é muito... nobre, e acredito que um material desse pode realmente causar algum tipo de transformação nas universidades. Mas não no Brasil. Uma revista nesses moldes não vai pegar por aqui. O universitário não quer ler, alguns não sabem sequer interpretar. Os meus alunos não leem nem os textos obrigatórios da minha matéria, que valem nota, você acha mesmo que eles vão ler artigos sobre ciência e tecnologia sem nenhuma obrigação? Foi o que ouvi de um dos primeiros professores com quem conversei a respeito da ideia de criar a Polyteck. Depois de 18 edições impressas e distribuídas gratuitamente, posso afirmar que ele estava errado, afinal a Polyteck fez muito sucesso como um instrumento de divulgação científica e tecnológica. Porém, esse sucesso não se refletiu no nosso modelo de negócios que, apesar de permitir sustentar a impressão e distribuição gratuita desta revista por três anos, não mostra perspectivas de crescimento futuro. Embora este artigo destoe dos outros aqui já publicados, sentimos a obrigação de compartilhar um pouco da nossa história, dos resultados alcançados e dos erros cometidos antes de efetivamente encerrar a publicação da versão impressa após esta edição. Iniciei em 2012 meu intercâmbio de graduação sanduíche na Universidade da Pensilvânia (uPenn), nos EUA, com bolsa do programa Ciência Sem Fronteiras. A experiência de estudar em uma das melhores universidades do mundo me fez perceber que a ementa das matérias na instituição americana e na UFPR, minha universidade de origem aqui no Brasil, eram muito semelhantes. Porém, na uPenn os estudantes eram muito mais motivados, preparavam-se para as aulas, faziam os exercícios, liam os textos e estudavam para as provas desde o começo do semestre - um grande contraste com a realidade brasileira. Estudar no exterior também me fez perceber que, comparativamente, as universidades brasileiras possuem áreas do conhecimento muito mais segmentadas e isoladas do que as americanas. Aqui no Brasil, por exemplo, são ofertadas poucas disciplinas com temas interdisciplinares - geralmente são essas as que mais se relacionam com o mundo externo à academia e com o mercado de trabalho. Comecei, então, a me questionar se a baixa motivação dos alunos brasileiros não poderia ter relação direta com esta falta de conteúdos interdisciplinares. Se eu me senti mais motivado nos EUA ao estudar conteúdos que fugiam da rotina dos livros texto, será que os outros estudantes não se sentiriam da mesma maneira?

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Foto oficial da Class of 2016 da uPenn. Onde está o André? A ideia para criar a Polyteck nasceu durante o intercâmbio de graduação sanduíche pelo programa Ciência Sem Fronteiras. Dica: próximo à marca de 50 jardas no gramado.

O intercâmbio também me mudou como pessoa. Participei de eventos e assisti a inúmeras palestras de ex-alunos da uPenn. Todos eles demonstravam um imenso respeito e sentimento de gratidão à universidade. Muitas vezes falavam das formas de devolver à sociedade um pouco do conhecimento que eles receberam durante a sua formação. Foi nesse ponto que eu comecei a me questionar sobre qual seria a minha forma de retribuir o ensino que recebi gratuitamente na UFPR e também a bolsa de estudos que me levou até ali. Se a minha universidade não oferece disciplinas com temas interdisciplinares, será que eu não conseguiria fazer algo para mudar isso? Uma alternativa seria tentar intervir politicamente: lutar por alterações nas grades curriculares, convencer os departamentos a ofertar mais disciplinas optativas, e cobrar que os professores façam conexões entre diferentes disciplinas. Porém, esta opção me pareceu demorada e com alcance limitado (as mudanças seriam no meu curso, no máximo na universidade). Foi uma matéria de empreendedorismo para engenharia que cursei na uPenn que me instigou a criar um jornal de ciência e tecnologia para universitários quando eu retornei ao Brasil. Eu tinha observado alguns modelos de jornais estudantis gratuitos que circulavam por lá e pensei que o mesmo modelo de negócio poderia ser aplicado aqui no Brasil. Esse jornal deveria colocar o estudante em contato com a vanguarda da ciência e tecnologia através de notícias embasadas em artigos científicos publicados em revistas internacionalmente reconhecidas. Não seria uma publicação segmentada para Física, Engenharia Civil, ou Biologia, como já existem muitas. O objetivo era unir todas as chamadas STEM (ciência,


tecnologia, engenharia e matemática) em uma única publicação interdisciplinar. Esta seria a minha forma de retribuir, e de tentar aproximar o estudante universitário brasileiro de conteúdos interdisciplinares e de tecnologia e ciência de ponta. Convenci dois amigos, Fábio Rahal e Raisa Jakubiak, que trabalharam comigo no LITS, um laboratório do departamento de Física da UFPR, a ajudar na execução da Polyteck. Fizemos uma pesquisa de mercado - onde recebemos o feedback descrito no primeiro parágrafo deste artigo - e formatamos o negócio: uma revista impressa e distribuída gratuitamente nas universidades; sem vínculos institucionais; com conteúdo embasado por publicações acadêmicas; artigos interdisciplinares e a obtenção de recursos financeiros através da venda de espaços publicitários. Com estas diretrizes em mente, publicamos a primeira edição em setembro de 2013. O tema de capa foi “O efeito antibacteriano do grafeno”, que mostrava resultados experimentais e teóricos obtidos por pesquisadores da Shanghai University, na China, de como nanofolhas de grafeno podem penetrar e extrair grandes quantidades de fosfolipídios das membranas celulares de bactérias, induzindo a sua degradação. Imprimimos e distribuímos 10 mil exemplares da Revista Polyteck em quatro universidades de Curitiba. Os resultados foram praticamente imediatos: logo no primeiro dia de distribuição várias pessoas pediram mais informações, elogiaram a qualidade da revista e dos artigos e nos incentivaram a publicar outras edições. Desde então recebemos inúmeros relatos de professores que utilizaram nossos textos para ilustrar conceitos em sala de aula, para ensinar os estudantes a escrever relatórios, como temas para trabalhos ou ainda em questões de prova. Ou seja, conseguimos inserir temas interdisciplinares dentro das salas de aula muito mais rápido do que se tentássemos intervir politicamente. E sim, conseguimos motivar os alunos, como retratou a Ana Souza no depoimento abaixo transcrito. “Oi André. Em 2013 eu recebi a primeira a revista da Polyteck na PUCPR e desde então acompanho a revista. Inclusive um dia eu recebi a revista e tinha uma matéria sobre Redes Neurais e eu a levei pra sala de aula. A aula era de Inteligência Artificial. O professor também estava com a revista. Ele simplesmente começou a aula falando de Redes Neurais e discutindo sobre a matéria. Foi uma aula diferente. Foi como ver na prática aquilo que você está aprendendo. Me formei e ainda me lembro deste dia.” Para financiar as primeiras edições da Polyteck, eu vendi o meu carro e o Fábio usou as suas economias. Muitas pessoas nos falaram que estávamos fazendo uma loucura ao gastar dinheiro para criar uma revista impressa na era da internet - muito mais inteligente seria investir em um website ou em um aplicativo. No entanto, nos questionamos se um site cumpriria o objetivo do projeto - levar conteúdos interdisciplinares para dentro das salas de aula. Provavelmente não. Um website não teria o mesmo impacto que uma publicação impressa. Assim, logo na primeira edição da Polyteck tivemos um prejuízo de R$5.400,00 (R$6.000,00 em custos de impressão, R$600,00 de receita em vendas). Porém, de certa forma,

o modelo de negócios estava provado, pois vendemos um anúncio antes mesmo da publicação. Também é totalmente natural ter prejuízo nos primeiros meses (ou anos) de operação de um novo negócio.

Capa da primeira edição da Revista Polyteck, publicada em setembro de 2013. A matéria de capa mostrava como nanofolhas de grafeno poderiam induzir a degradação das membranas celulares de bactérias.

Nós não tínhamos nenhuma experiência com o mercado editorial e de publicidade (para não ser totalmente injusto, o Fábio já havia vendido anúncios em listas telefônicas e a Raisa distribuído panfletos na rua). Gastamos muito tempo e dinheiro tentando vender através das agências de publicidade que atendem empresas que supúnhamos ter interesse em anunciar na Polyteck. Não tivemos resultados. Descobrimos posteriormente que a falta de capital social - conhecer as pessoas certas - foi um fator determinante na nossa falha em vender anúncios através de agências. Mesmo assim, conseguimos vender alguns anúncios diretamente para algumas empresas, o que amenizou os prejuízos. Também gastamos dinheiro desnecessário com advogados para a elaboração de alguns contratos, quando nós mesmos poderíamos elaborá-los, e com o aluguel de espaços de coworking nos primeiros meses, quando poderíamos ter trabalhado em casa. Um dia, enquanto eu distribuía os exemplares da terceira edição da Polyteck, o professor Adonai Sant’Anna, do departamento de matemática da UFPR, parou para conversar comigo. Nas palavras dele, publicadas em seu blog Matemática e Sociedade: “No entanto, no final do ano passado, vi algo que me abalou profundamente. Eu estava saindo do Prédio da Administração

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do Centro Politécnico da UFPR - tentando seguir meu caminho para casa - quando encontrei completamente por acaso um rapaz que distribuía exemplares de algo que parecia uma revista. Ele mais se assemelhava a um fanático religioso tentando pescar novos adeptos para uma igreja ou um militante político disseminando palavras de ordem tão comuns quanto os apelos de crianças que querem ganhar presentes de Natal independentemente de se comportarem bem durante o ano. Mesmo assim interrompi minha caminhada para perguntar o que ele estava distribuindo gratuitamente para os transeuntes. Fiquei atônito ao perceber que se tratava de uma revista de divulgação científica de alto nível: a Polyteck.” Depois de algumas semanas, Sant’Anna publicou um artigo na Scientific American Brasil retratando o nosso trabalho. O resultado também foi imediato, já que estudantes e professores de várias partes do Brasil nos procuraram para saber como poderiam receber os exemplares impressos. As primeiras universidades (fora de Curitiba) a recebê-los foram a UFAM, em Manaus, e a UFU, em Uberlândia. Com perspectivas de crescimento, a Valquiria, minha namorada, se juntou à equipe da revista para vender anúncios e aumentar a nossa receita. Saiu alguns meses depois, pois não tivemos condições de lhe pagar um salário. Nesta época lançamos uma campanha de financiamento coletivo, onde almejamos arrecadar R$62.000,00 para ampliar a distribuição da revista Polyteck e levá-la a mais universidades. Falhamos catastroficamente - arrecadamos somente R$ 9.033,00 - e, devido às regras da campanha, o dinheiro foi integralmente devolvido aos apoiadores. Nosso caixa estava zerado e por pouco não encerramos a revista em março de 2014, logo após a quarta edição. O que nos salvou foi justamente a campanha de financiamento coletivo, pois, apesar de termos falhado na arrecadação dos fundos, conseguimos ampliar muito a divulgação do nosso trabalho e chamar a atenção de pessoas de todo o Brasil. Foi assim que o Pedro Marchi, da LAE - Educação Internacional, nos conheceu e começou a patrocinar as novas edições.

A falta de conhecimentos sobre o público universitário fez com que definíssemos uma meta muito alta na campanha de financiamento coletivo que realizamos em 2014. O projeto não foi financiado, porém essa campanha, mesmo mal sucedida, tornou a Revista Polyteck conhecida em todo o Brasil e só conquistamos nosso primeiro patrocínio graças a ela.

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Mapa com a localização das mais de 80 universidades que receberam exemplares da Polyteck gratuitamente. Os anúncios e patrocínios pagavam a impressão e também o frete para enviar revistas para centros acadêmicos, empresas juniores, professores e alunos de instituições de todo o Brasil. Em pouco tempo construímos uma lista de espera com mais de 150 interessados em distribuir os exemplares nas suas instituições.

Desde o começo do projeto, nos responsabilizamos por fazer a pesquisa, redação e revisão técnica dos artigos. A revisão ortográfica foi feita pelo Rudolf Eckelberg, um amigo nosso, físico por formação, mas com vocação para escritor. Ele sempre nos auxiliou com a revisão nos horários mais malucos, nos finais de semana e nos feriados, sem nunca reclamar. Conforme a Polyteck foi se tornando mais popular, diversas pessoas enviaram artigos para publicação, mas, infelizmente, por questões de falta de espaço físico e, em muitos casos, pela falta de adequação dos artigos com a proposta da revista, selecionamos somente uma pequena parcela para publicação. Também optamos por publicar um artigo em língua inglesa a cada edição, visando incentivar os alunos a ler e compreender artigos técnicos no idioma mais utilizado na divulgação científica. Por falta de recursos para contratar um designer, a diagramação e design da revista também ficou sob nossa responsabilidade desde o início. Aprendemos a operar os programas de edição e, observando outras publicações e recebendo feedback dos leitores, conseguimos melhorar a apresentação e layout da Polyteck a cada edição. No começo de 2015, a revista, publicada a cada bimestre, já se sustentava financeiramente. Naquele ano, recebemos inúmeros pedidos de alunos, professores, centros acadêmicos e empresas juniores que queriam receber e distribuir os exemplares nas suas instituições. Em pouco tempo atingimos a marca de 80 universidades parceiras e tivemos que parar de aceitar novos pedidos, pois não tínhamos mais recursos para arcar com os custos de envio. Começamos, então, a montar uma lista de espera que chegou ter 150 instituições diferentes aguardando para receber e distribuir os exemplares. Em posse desses resultados e com o apoio dos nossos leitores nas redes sociais, conseguimos marcar reuniões com


Para saber mais

A equipe da Polyteck no LITS, laboratório da UFPR onde os três fundadores se conheceram e onde depois se reuniram para criar uma revista de tecnologia e ciência gratuita para universitários. Nosso maior desafio foi financiar a publicação com anúncios e patrocínios sendo que ninguém da equipe tinha experiência prévia com o mercado editorial e de publicidade. Para não ser totalmente injusto: o Fábio já havia vendido anúncios em listas telefônicas e a Raisa distribuído panfletos na rua. Da esquerda para a direita estão André Sionek, Raisa Jakubiak e Fábio Rahal.

executivos de grandes empresas multinacionais que certamente poderiam nos apoiar. Nas reuniões percebemos que esses executivos realmente gostaram da proposta da revista Polyteck e viram um grande potencial para se comunicar com um público universitário especializado - principalmente para atrair talentos para seus programas de trainee e estágio. Contudo, não conseguimos concretizar nenhum contrato de patrocínio ou anúncio com essas empresas, e provavelmente a falha foi nossa. Acredito que desperdiçamos algumas grandes oportunidades por falta de habilidade e experiência com esse tipo de negociação. Nestes três anos de publicação recebemos vários reconhecimentos e mensagens de apoio ao nosso trabalho, incluindo uma carta do Dr. Glaucius Oliva, então diretor do CNPq; de Douglas Falcão, diretor do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); apoiamos o Esquadrão Antibombas do BOPE PMPR a lançar uma revista especializada; também recebemos uma carta de apoio do Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Administração da Universidade Federal de Itajubá - além de várias mensagens de apoio de professores e estudantes de todo o país. Também fomos convidados a ministrar várias palestras em universidades e Institutos Federais, um TEDx Talk, e até mesmo uma palestra nos EUA a convite do Consulado do Brasil em Nova Iorque. Para essa última, recebermos o convite somente um mês antes da data do evento e não havia nenhuma garantia de ajuda de custo, então essa oportunidade de divulgar nosso trabalho e conhecer pessoas e realidades

novas parecia um sonho impossível. Recorremos a outra campanha de financiamento coletivo, onde nos propomos a gravar uma série de vídeos e entrevistas em várias universidades americanas. Desta vez conseguimos arrecadar recursos para pagar as passagens, minhas e da Raisa. Nos hospedamos gratuitamente na casa de pessoas maravilhosas que não nos conheciam, mas conheciam a Polyteck. Além disso, o diretor de inovação e tecnologia da Braskem, Patrick Teyssonneyre, se solidarizou com o impacto do nosso trabalho e nos auxiliou com diárias em hotéis da região e, duas semanas após voltarmos dos EUA, nos convidou para participar da Braskem Innovation and Technology Conference 2015. Pensamos que essa viagem seria outra ótima oportunidade de divulgar o nosso trabalho e conseguir novos apoios financeiros com empresas. Mas estávamos enganados. Cumprindo a nossa promessa da campanha de financiamento coletivo, gravamos alguns vídeos e entrevistas por lá, mas a realidade é que não nascemos YouTubers, e falar para uma câmera nos deixa desconfortáveis… nós gostamos mesmo de escrever. Publicamos alguns vídeos, mas logo vimos que este não era o nosso ponto forte. Não conseguimos novos anunciantes, mas mesmo assim continuamos a publicação e distribuição da revista para cerca de 100 universidades em todo o país. Em meados de 2016, alguns dos nossos anunciantes tiveram problemas internos e cancelaram os contratos de patrocínio. Consequentemente, começamos a perder receita e então tentamos outras formas de financiamento: a assinatura individual, onde o leitor paga

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para receber os exemplares em casa; a venda de artigos patrocinados para empresas; publieditoriais no nosso website. Finalmente, pedimos para que as pessoas que realizam a distribuição pagassem pelo frete dos exemplares. Nenhuma dessas ações trouxe os resultados esperados. Os custos de impressão e distribuição aumentaram nos últimos meses e, diante de uma perspectiva de estagnação, começamos a

Publicamos alguns vídeos no YouTube, mas logo vimos que este não era o nosso ponto forte. Gostamos de escrever e conseguimos tratar de temas mais complexos em texto do que em vídeo.

desanimar com o projeto. Mesmo se dedicando à Polyteck, cada um de nós, Fábio, Raisa e eu, sempre teve outros projetos e trabalhos - afinal também precisávamos pagar contas e investir nas nossas carreiras. Uma espécie de plano B para caso a revista não fizesse todo o sucesso que esperávamos. Mesmo um artigo curto às vezes pode levar cerca de 10 horas apenas para ser escrito, sem contar o tempo de pesquisa, revisão e diagramação. O produto final pode até não parecer algo tão complexo, mas a verdade é que a Polyteck demanda muito tempo e dedicação. Não tínhamos problema com isso, afinal era um investimento em nós mesmos e na nossa empresa - mas começamos a ver que a situação financeira não mudaria. Então passamos a focar mais nas outras tarefas e diminuímos a nossa dedicação à revista, até que chegamos a este artigo. Decidimos encerrar a publicação da versão impressa desta revista, mesmo sabendo da importância que estes 180 mil exemplares que distribuímos gratuitamente tiveram para muitos professores e estudantes ao longo dos últimos três anos. Vamos continuar mantendo o nosso site, e ainda temos alguma esperança de, no futuro, retomar a publicação da revista impressa (a criação de uma lei de incentivo à ciência e tecnologia, nos moldes da Lei de Incentivo à Cultura, por exemplo, poderia incentivar mais empresas a investirem em projetos como a Polyteck). Agradecemos muito a cada leitor e a todos os que nos apoiaram e nos fizeram chegar até aqui, em especial à LAE Educação Internacional, Identifique, Tecnicópias, Comsol, Avell, Grade Up e Nuffic por acreditarem no nosso trabalho e financiarem este projeto através de anúncios. Esperamos que nossa parceria tenha atendido às suas expectativas. Hoje, sabemos que aquele professor que acreditava que os alunos não sabiam interpretar e que nunca leriam um conteúdo sério sobre tecnologia e ciência estava errado.

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Com a Polyteck nós oferecemos aos estudantes e professores uma abordagem mais interdisciplinar, menos focada no livro texto e mais conectada com o mundo real. Felizmente essa iniciativa funcionou muito bem para motivar e engajar estudantes a se envolverem com temas complexos, mas falhamos na criação de um modelo de negócios sustentável. Temos certeza de que iniciativas como a Polyteck não são suficientes para melhorar a educação no Brasil, mas percebemos que pequenas iniciativas independentes podem sim causar grande impacto sem depender de apoio governamental. Escrevemos esta última edição com o senso de dever cumprido e esperamos ver mais estudantes dispostos a devolver para a sociedade um pouco de tudo aquilo que aprenderam nas universidades. Esperamos ter contribuído, pelo menos um pouquinho, com a formação dos estudantes que acompanharam nosso trabalho. E, finalmente, esperamos que esta carta sirva como um guia sobre como não fazer uma revista de tecnologia e ciência para um aventureiro que, algum dia, queira criar uma publicação desse tipo de forma independente, como foi o nosso caso.

Para saber mais • André Sionek, "Como o intercâmbio mudou a minha vida", TEDxLaçador (2015) - https://youtu.be/fkf3QSQXnJg • Adonai Sant'Anna, " O Verdadeiro Milagre Brasileiro na Scientific American Brasil ", Matemática e Sociedade (2014) - http:// adonaisantanna.blogspot.com.br/ • Adonai Sant'Anna, "Enfrentando o Ceticismo", Scientific American Brasil, ano 12, nº 143, pp 79-81 (2014) • André Sionek, "Como o Ciência sem Fronteiras mudou a minha vida", Polyteck (2014) - http://www.polyteck.com.br • Primeira campanha de financiamento coletivo (2014) - https:// www.catarse.me/RevistaPolyteck • Segunda campanha de financiamento coletivo (2015) - https:// www.catarse.me/Polytecksemfronteiras • Canal no YouTube - https://www.youtube.com/user/ PolyteckBrasil

Sobre o autor André Sionek já estudou Bacharelado em Física e Administração na Universidade Federal do Paraná. Porém a vida é uma caixinha de surpresas, e ele ainda não concluiu nenhuma graduação. Durante o bacharelado foi bolsista de iniciação científica no Laboratório de Inovação e Tecnologia em Sensores (LITS) na UFPR e também trabalhou no Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) no desenvolvimento de um teste lab-on-a-chip para diagnóstico pré-natal. Foi estudante de graduação sanduíche na University of Pennsylvania, nos EUA, pelo programa Ciência Sem Fronteiras. Voltou para o Brasil querendo que o estudante brasileiro vá além da sala de aula. Criou a Polyteck como forma de retribuição pela bolsa de estudos que recebeu.



SEM SUOR, SEM GANHO Por Raisa Jakubiak

A cidade de São Paulo registrou nos últimos cinco anos um aumento de 45% no número de corridas autorizadas pela Companhia de Engenharia e Tráfego. Já Luiz Paulo Moura, diretor de Propriedades Esportivas da Dream Factory, empresa que organiza a Maratona do Rio de Janeiro, afirma que o número de participantes na prova cresceu de 22 mil para 29 mil de 2013 para 2016. Foto: A. Ricardo / Shutterstock.com

M Por muito tempo, correr maratonas foi considerado loucura e potencialmente perigoso: a própria história de Fidípides era tomada mais como um alerta do que uma celebração da capacidade humana. Contudo, a popularidade das corridas de fundo ou endurance (distâncias maiores do que 5 km utilizando o metabolismo aeróbico) entre atletas de todas as idades, profissionais ou não, só aumenta, provando que nossa espécie como um todo é capacitada a correr. Com certeza você tem algum amigo que nunca tinha se exercitado e, de repente, virou um corredor assíduo, e ainda algum que já praticava esportes e se engajou de vez nas corridas de rua. Talvez você mesmo tenha entrado neste mundo de solas desgastadas, suor escorrendo pelo rosto e pelas costas e uma tremenda sensação de bem estar quando acaba - sim, eu também corro. Mas o que faz de nós, seres humanos, bons corredores?

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esmo sendo extremamente velozes, fortes e aerodinâmicos, você não verá leopardos ou até antílopes correndo por longas distâncias sem parar. A maioria dos animais é eficiente em sprinting (tiros desenvolvendo altas velocidades em curtas distâncias, como numa prova de 100 m): alguns por serem predadores que necessitam de velocidade e agilidade para perseguir suas presas, como os grandes felinos, outros porque precisam escapar dos predadores, como antílopes. Se existisse uma “Corrida dos 100 m interespécies”, a maioria dos mamíferos ultrapassaria os humanos, que, por serem bípedes, não têm a habilidade de galopar. Enquanto a velocidade média recorde registrada por um ser humano é de "apenas" 44,72 km/h, alcançada por Usain Bolt na prova dos 100 m no Campeonato Mundial de Berlim, em 2009, um guepardo pode alcançar até 100 km/h. Contudo, quando se trata de corridas de fundo, a velocidade de uma pessoa com um bom condicionamento físico é em torno de 12 a 15 km/h e pode chegar perto de 24 km/h em atletas de elite , o que excede a velocidade de transição entre trote e galope de outros mamíferos independente do porte. Essa diferença é significativa porque o trote é a modalidade de corrida que os quadrúpedes utilizam para fundo. Assim, alguns deles realmente conseguem trotar por longas distâncias, mas a


Se existisse uma “Corrida dos 100 m interespécies”, a maioria dos mamíferos ultrapassaria os humanos, que, por serem bípedes, não têm a habilidade de galopar. Porém, numa distância de maratona, humanos conseguiriam ultrapassar facilmente quase todos os outros mamíferos, principalmente sob altas temperaturas. Foto: Shutterstock.com

velocidades menores do que os humanos. Por exemplo, um cachorro de porte parecido com o de uma pessoa (cerca de 65 kg) consegue manter velocidade de galope de cerca de 28 km/h por apenas 10 ou 15 minutos, e sua velocidade de transição trote-galope é de cerca de 13,7 km/h. Cavalos, animais largamente utilizados pelo homem há séculos como meio de transporte, inclusive em longas distâncias, podem alcançar velocidades de galope de 32 km/h, mas, assim como os cachorros, só conseguem manter este ritmo por 10 a 15 minutos. Em trote, um cavalo consegue cobrir apenas cerca de 20 km em um dia. Assim, numa distância de maratona, humanos conseguiriam ultrapassar facilmente quase todos os outros mamíferos, principalmente sob altas temperaturas.

Reis do endurance

A melhor performance que temos em relação a corridas de endurance se dá devido a duas vantagens que temos em relação a outros animais. A primeira é o fato de sermos bípedes, característica que os hominídeos começaram a apresentar há cerca de 4,4 milhões de anos. Enquanto um quadrúpede consegue executar apenas um movimento de inspiração

a cada ciclo locomotivo, já que seu tórax precisa absorver o impacto das patas dianteiras com o chão, nós podemos modular nossa frequência respiratória de acordo com diferentes necessidades. A respiração é um dos aspectos mais importantes na hora de melhorar o condicionamento físico ou até mesmo de ser capaz de realizar alguns movimentos no ioga e na dança, por exemplo. O segundo aspecto que nos favorece é que somos muito bons em transpirar. Sim, nós suamos muito, mas muito mesmo quando comparados a outros animais. O maior desafio encontrado por corredores é a termorregulação, já que o grande número de pontes transversais necessárias para as contrações musculares na corrida gera cerca de dez vezes mais calor do que andar. A hipertermia implica na desnaturação das enzimas, proteínas que funcionam como catalizadores das reações metabólicas, o que compromete o funcionamento do organismo como um todo. Assim, a maioria dos mamíferos para de correr após curtas distâncias por não conseguir baixar a temperatura corporal rapidamente. Já nós temos a pele mais fina, mais glândulas exócrinas sudoríparas e muito menos pelos,

o que torna o processo de umedecer a pele e evaporar a água muito mais eficiente. Isso nos faz muito competentes em controlar a temperatura corporal, mesmo em dias muito quentes e com o sol a pino. Durante uma hora de transpiração, um ser humano pode perder facilmente 500 g/m2 de água, o que é suficiente para remover 550 a 600 W equivalente em calor. Em média, a taxa de perda de líquido de um atleta durante a prática de exercícios é de 0,8 kg/m2 a 1,4 kg/m2 por hora. O recorde é de 3,7 litros em uma hora, registrado pelo maratonista cubano Alberto Salazar enquanto se preparava para as Olimpíadas de Los Angeles em 1984, uma das mais quentes da história. Essas taxas ainda podem variar de pessoa para pessoa, dependendo do condicionamento físico e da experiência do atleta. Um amador correndo uma maratona num pace lento (tempo que se leva para percorrer um quilômetro) consome energia numa taxa de 700 a 800 W. Enquanto isso, um maratonista experiente que percorre os 42,195 km em 2,5 horas consegue metabolizar numa taxa de aproximadamente 1300 W. Isso só é possível porque conseguimos regular nossa temperatura corporal

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de maneira eficiente. Há até estudos que tentam entender a relação entre a sudorese e o condicionamento físico de atletas, indicando que quanto melhor o atleta, mais ele sua, pois usa mais energia durante a realização do exercício. É de se esperar que isso gere altas demandas de água e sais minerais, mas seres humanos podem tolerar desidratação desde que reponham os estoques dentro de aproximadamente um dia. Para se ter uma ideia, os maratonistas de elite, mesmo perdendo altas quantidades de líquido durante uma prova, bebem apenas cerca de 200 ml de água por hora de corrida.

Água eliminada pela transpiração em diferentes animais

Camelo

Cavalo

250 g/m2 /h

100 g/m2 /h

Homem 500 g/m2 /h

A corrida e a evolução humana Mas se as informações fornecidas por esses estudos nos trazem imediatamente à cabeça atletas de elite correndo maratonas e ultramaratonas, também podemos usá-las para voltar no tempo e entender como isso favoreceu a dominação do planeta pelos nossos ancestrais. As evidências da inclusão de carne na dieta dos hominídeos se dão, entre outras características, pelo aumento do tamanho do cérebro e do corpo. Além disso, achados arqueológicos incluem marcas de cortes

em ossos de animais de grande porte que habitavam o leste da África há cerca de 2,6 milhões de anos. Um dado curioso é que, nessa época, os hominídeos utilizavam apenas ferramentas rudimentares feitas de pedra (ferramentas mais avançadas, como lanças, só apareceram cerca de 400 mil anos atrás). Na pré-história, as únicas maneiras de se conseguir carne eram ou garimpar as sobras deixadas por predadores maiores ou caçar suas próprias presas. Os humanos

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obtiveram sucesso em ocupar esse segundo nicho ecológico (ou seja, a função de um organismo dentro do habitat) graças às suas características. Nós conseguimos fazer o que um leão não consegue: correr rápido e por longas distâncias com o sol a pino. Esse fato, inclusive, é a base da teoria que sugere a importância da corrida na evolução da espécie humana e sua consolidação como “predador supremo” através da Caça de Persistência (PH, do inglês Persistence Hunting), mesmo


Fidípedes foi, segundo Heródoto, um soldado ateniense que foi enviado para buscar ajuda em Esparta antes da batalha de Maratona, em 490 a.C., e que morreu de exaustão após correr mais de 200 km em dois dias. A prova da maratona deriva dos 42,195 km que separavam Atenas de Esparta. Foto do queniano Dennis Kimetto em 2014, quando quebrou o recorde mundial com o tempo de 2:02:57. O vencedor da maratona dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 foi Eliud Kipchoge, fazendo 2:08:44. Nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, mesmo depois de atacado por um torcedor que invadiu a área de prova, o brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima obteve o bronze com o tempo de 2:12.11. Apesar das evidências mais antigas de cortes feitos por ferramentas rudimentares em ossos de animais de grande porte datarem de 2,6 milhões de anos atrás, recentemente um artigo publicado da revista Nature revelou o que aparentam ser machados primitivos e ferramentas de corte de 3,3 milhões de anos de idade. Eles foram encontrados no leito de um rio seco a oeste do lago Turkana, no Quênia. Uma hipótese de como os hominídeos conseguiam caçar animais de grande porte é a de que eles praticavam caça de persistência – emboscar e caçar animais por longos períodos de corrida no calor do dia até esgotá-los. Os bosquímanos no Kalahari já foram observados caçando antílopes utilizando caça de persistência. Fotos: Franco Lucato / Shutterstock.com

sendo menores, mais lentos e mais fracos do que a maioria dos grandes mamíferos. Enquanto um leão adulto pode pesar mais do que 250 kg, um bosquímano do Kalahari pesa em média 50 kg (se você já assistiu o filme Os Deuses Devem Estar Loucos, essa é uma figura conhecida. Se não assistiu, assista). Mesmo assim, os hominídeos foram capazes de alcançar seu espaço na cadeia alimentar competindo com predadores muito maiores. Acredita-se que, apesar das desvantagens, um ou mais caçadores perseguiam uma presa

nas horas mais quentes do dia, até que ela atingisse um estado de hipertermia. Isso permitia que os caçadores abatessem a presa utilizando métodos de curta distância de maneira segura. Esta teoria vem ganhando força nos últimos anos, mas ainda encontra resistência de muitos cientistas, pois há poucas evidências arqueológicas que a suportem. Algumas tribos inclusive são conhecidas por realizarem este tipo de caça em tempos mais modernos, como os Aborígenes, na Austrália ou os Navajos no sudeste dos Estados Unidos. No entanto, os

únicos realmente observados caçando antílopes dessa maneira foram os bosquímanos no Kalahari. O matemático sul africano Louis Liebenberg juntou-se aos bosquímanos numa caçada bem sucedida a um cudo – o que quase o matou de exaustão também. Há mais de 20 anos, o maratonista queniano Andrew Musava também matou um cudo depois de persegui-lo por duas horas em seu país natal. Em 2011, ele e mais oito maratonistas repetiram a caçada com o objetivo de testar a teoria, desta vez com um antilocapra, e tiveram sucesso.

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Solução tecnológica: robôs que suam

Assim como nós, robôs dinâmicos, principalmente os humanoides, estão sempre sob altos torques gerados por motores para realizar movimentos. Isso gera calor, e é um dos maiores desafios para os desenvolvedores e fabricantes. Normalmente, esse tipo de problema é resolvido com ventiladores ou radiadores, formando um sistema inteiramente dedicado ao resfriamento do robô que adiciona peso extra e ocupa espaço. Porém, recentemente, na conferência IEEE/RSJ International Conference on Intelligent Robots and Systems, cientistas da Universidade de Tóquio apresentaram uma maneira de resfriar as estruturas robóticas baseada no metabolismo humano: fazendo-os suar. Com 108 motores e centenas de componentes estruturais, não havia espaço para um sistema de refrigeração no robô Kengoro. Assim, a saída que os pesquisadores encontraram foi utilizar a sua estrutura esquelética para isso. Ao invés de apenas fazer água circular pela armação de metal, eles desenvolveram um método que permite que a água se infiltre através da estrutura ao redor dos motores e evapore, assim como no processo de sudorese. As peças da estrutura são criadas por sinterização seletiva a laser, uma tecnologia de manufatura utilizada para fundir materiais para formar objetos 3D. Para criar

a estrutura do Kengoro, o laser funde seletivamente as partículas sobre a superfície de uma camada de pó de alumínio, construindo secções transversais geradas a partir de um desenho CAD 3D. Essa técnica é precisa o suficiente para construir estruturas de alumínio com áreas de diferentes permeabilidades, possibilitando construir peças de metal com microcanais que permitem o fluxo de água, atuando como glândulas sudoríparas. Leia

mais sobre esta técnica na reportagem “Impressão 3D” na 10ª edição da revista Polyteck. Apesar de ainda não ser tão eficiente quanto um radiador, testes mostraram que esse método é três vezes mais eficiente do que refrigeração a ar. O robô Kengoro pode funcionar por 12 horas com apenas um copo de água deionizada, além de conseguir fazer flexões por 11 minutos seguidos sem fundir seus motores.

Para saber mais

Sobre a autora

• Vaclav Smil, “The Energy Balance of Running”, IEEE Spectrum, (20/10/2016) • Gale Bernhardt, "Cracking the Code on Sweat Rates", Active.com • Matthew Glaub, “Persistence Hunting: The Origin of Humans, Department of Environmental and Forest Biology”, (05/2015) • Lieberman, Daniel E., and Dennis M. Bramble, “The evolution of marathon running: Capabilities in humans”, Sports Medicine 37(4-5): 288- 290 (2007) • Helen Thompson, The Oldest Stone Tools Yet Discovered Are Unearthed in Kenya,”, Smithsonian. com (2015) • Sonia Harmand, “3.3-million-year-old stone tools from Lomekwi 3”, West Turkana, Kenya, Nature 521 (2015) • Louis Liebenberg, “The relevance of persistence hunting to human evolution”, Journal of Human Evolution 55 (2008) •

Charles Bethea, “Fair Chase”, Outside (2011)

The Naked Scientists, University of Cambridge

• Evan Ackerman, “This Robot Can Do More Push-Ups Because It Sweats”, IEEE Spectrum (13/10/2016)

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Raisa Jakubiak

é diretora de redação da Revista Polyteck. Bacharela em Física pela Universidade Federal do Paraná, foi bolsista de iniciação científica no Group of Optoloectronic Organic Devices (GOOD), na UFPR, onde trabalhou no desenvolvimento de memórias orgânicas voláteis e aprendeu sobre a construção de transístores. Também trabalhou no LITS, na caracterização de um protótipo de lab-on-a-chip capaz de diagnosticar várias doenças com poucas gotas de sangue. Apaixonada por ciência desde o berço, acha que o segredo para quem quer mudar o mundo é nunca parar de aprender. Trabalha na Polyteck para continuar aprendendo, e porque acha que faltam meios de comunicação feitos por quem vive a ciência no seu dia a dia.


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Polímeros sustentáveis do petróleo para a cana-de-açúcar PEAD, PEBD, PP, PVC, PET e PS. São siglas que você encontrará impressas na maior parte dos plásticos utilizados no dia a dia. Tratam-se de abreviações para os nomes de polímeros comerciais que, apesar de diferentes em suas propriedades físicas e químicas, possuem um denominador comum: são produzidos a partir de insumos petroquímicos. Enquanto nos últimos anos a indústria de energia investiu pesado em maneiras de produzir mais petróleo, a petroquímica procurou maneiras de produzir polímeros sem precisar dele. E já existem alguns casos de sucesso. Por André S ionek

Politereftalato de etileno

Polietileno de alta densidade

Policloreto de vinila

Polietileno de baixa densidade

Polipropileno

Poliestireno

garrafas de refrigerante, água e sucos, isolante em capacitores

frascos de bebidas não carbonatadas, shampoo, detergentes e agentes de limpeza

tubulação de água e esgoto, plástico bolha e filme plástico para cobrir alimentos

sacolas e sacos plásticos, fraldas descartáveis, embalagens flexíveis, mangueiras

móveis, peças automotivas, brinquedos, tecido-nãotecido (TNT), tubulações

gavetas de geladeira, embalagens duras, bandejas para hortifrúti, isolante térmico

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N

ão será hoje nem amanhã, mas a era do petróleo pode estar próxima do fim. O petróleo convencional, aquele que sai do solo na forma líquida e requer relativamente pouco processamento, está se esgotando rapidamente. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), os principais campos de óleo convencional vão perder dois terços de sua produção ao longo dos próximos 25 anos e as reservas podem se esgotar facilmente em uma geração. Para enfrentar esse problema, a aposta da indústria de energia foi investir na exploração de campos não convencionais - aqueles em que o óleo não está na forma líquida e que geralmente requerem maior energia para extração,como o pré-sal brasileiro. Explorar campos não convencionais implica em maiores custos de recuperação e processamento, o que pode tornar esse petróleo economicamente inviável. As fontes renováveis de energia são uma excelente alternativa para esse problema, e várias tecnologias já estão provadas e em uso. Contudo, existe uma commodity proveniente dos combustíveis fósseis que é extremamente importante para a economia global e que não pode ser obtida a partir dos painéis solares ou usinas eólicas: os polímeros, popularmente conhecidos como plásticos. As aplicações para materiais poliméricos são variadas: peças automotivas, embalagens, dispositivos médicos, tubulações, entre outros. Entre 2000 e 2008 a produção mundial de plásticos cresceu em aproximadamente 20%, de 200 megatoneladas (Mton) para 245 Mton. Essa produção representa uma grande aplicação não energética dos combustíveis fósseis, correspondendo a quase 4% do consumo total de petróleo. Segundo a Braskem, o consumo de resinas (PE, PP, PVC) nos EUA em 2014 foi de cerca de 69 kg por habitante, enquanto no Brasil foi de 25 kg por habitante. Isso demonstra um grande potencial para crescimento no consumo de plástico no mercado brasileiro. A tendência é que o mercado continue a crescer nos próximos anos, puxado principalmente pelos mercados de transporte, saúde e embalagens. Muitas peças de metal em automóveis e aviões, por exemplo, serão substituídas por plásticos na busca por alternativas mais leves. No mercado de dispositivos médicos, o uso de metais e cerâmicas também está sendo gradualmente substituído por polímeros. Todo esse crescimento gera impacto ambiental, seja através da emissão de gases estufa, do consumo dos recursos fósseis ou do descarte inadequado dos plásticos.

Síntese de polietileno fóssil Todos os polímeros passam por processos de produção semelhantes, em maior ou menor grau. A ideia básica é sempre a mesma: obter um monômero e então executar uma reação de polimerização para chegar ao polímero. Um monômero é essencialmente uma molécula de baixa massa molecular que pode se ligar quimicamente a outra, formando um polímero. A essa reação química dá-se o nome de polimerização. O monômero utilizado para produzir o polietileno (PE) é o etileno (eteno, pela IUPAC), um hidrocarboneto de fórmula CH2=CH2. Ele é obtido na indústria petroquímica a partir do craqueamento da nafta ou do gás natural provenientes do petróleo. Esse processo quebra grandes hidrocarbonetos em outros menores e também introduz insaturações nas cadeias, formando vários petroquímicos básicos tais como o etileno, propileno e aromáticos. O gás etileno é então purificado em repetidos processos de compressão e destilação e encaminhado para um reator de polimerização. Ali, ele é aquecido na ausência de oxigênio e na presença um iniciador e de catalisadores. Nessas condições, o iniciador se decompõe em radicais livres (átomos ou moléculas altamente reativos com elétrons não pareados) e reage com moléculas de etileno. A dupla ligação do etileno é quebrada e o radical livre se liga ao monômero, que fica com um elétron não pareado e pronto para reagir com outras moléculas de etileno. Essa reação de polimerização por adição se propaga dentro do reator, de forma que os monômeros vão se ligando uns aos outros e formam uma macromolécula. O processo continua até que um outro iniciador se ligue à cadeia em crescimento. O resultado é um sólido branco com estrutura molecular e propriedades que podem variar dependendo das condições de temperatura e pressão no reator. Cadeias altamente ramificadas (PE de baixa densidade) são produzidas a altas temperaturas e pressão no reator. O polímero resultante - de baixa resistência e dureza - é utilizado, por exemplo, em sacolas e sacos descartáveis. Já moléculas lineares (PE de alta densidade) são produzidas quando o reator trabalha a baixas pressões e temperatura. Este plástico é mais cristalino, apresenta maior ponto de fusão, é relativamente forte e duro e também é menos transparente que o PE de baixa densidade. É utilizado em objetos como brinquedos e utensílios de cozinha. É claro que o processo acima descrito está excessivamente simplificado, pois em uma indústria petroquímica existem inúmeros outros aspectos que precisam ser considerados. Um fator que é extremamente importante para a produção de polímeros é a escolha de um catalisador adequado para a reação. A arquitetura molecular do polímero, incluindo o peso molecular e a sua distribuição, a taticidade, a regioquímica e a distribuição dos monômeros na formação de copolímeros dependem fortemente do catalisador escolhido. A indústria petroquímica trabalha com baixas margens de

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Reação de polimerização por adição do etileno. 1) o iniciador reage com uma molécula de etileno e a dupla ligação é quebrada; 2) o monômero fica com dois elétrons livres, altamente reativo; 3) outras moléculas com elétrons livres ficam prontas para reagir umas com as outras; 4) uma ligação covalente é formada entre as duas moléculas e a reação se propaga, formando o polietileno.

lucro, pois os principais polímeros são commodities e seus preços flutuam no mercado internacional - como o petróleo ou o aço. Por isso ela investe muito no desenvolvimento de novos catalisadores que, geralmente, são patenteados ou mantidos sob segredo industrial e representam vantagem competitiva sobre os concorrentes. Porém, nos últimos anos, várias empresas começaram a investir também na pesquisa de biopolímeros e de polímeros verdes. Entre as muitas razões para essa mudança de paradigma - a transição da petroquímica para a bioquímica - pode-se destacar o esgotamento das fontes de petróleo convencional e o aumento do consumo de energia em todo o mundo. Isso

provavelmente causará aumento nos preços da nafta e do gás natural no médio e longo prazo, o que pode prejudicar o custo/benefício e a competitividade dos plásticos. Essa transição de matérias primas fósseis para renováveis representa uma espécie de “seguro” em que a indústria petroquímica está apostando para o caso de uma futura crise do petróleo. Existe também a preocupação com o aquecimento global e o consequente aumento da demanda por produtos sustentáveis. As novas legislações e regulações ambientais também impulsionam o desenvolvimento de produtos com baixa pegada de carbono. ■ O poli(ácido lático) (PLA) é um biopolímero amplamente utilizado em impressoras 3D de baixo custo. Os filamentos para extrusão podem ser facilmente adquiridos e utilizados para imprimir diversos objetos tridimensionais. Foto: Shutterstock.com

Biopolímeros Os polímeros naturais (ou biopolímeros), como o nome já indica, ocorrem naturalmente. São produzidos por organismos vivos ou produzidos pelo homem a partir de matéria prima encontrada na natureza, como a celulose, seda, DNA, proteínas e PLA . Embora a sua produção industrial venha crescendo constantemente nos últimos anos, eles correspondem a menos de 1% das cerca de 300 milhões de toneladas de plásticos produzidos anualmente no mundo. Esses polímeros são muito utilizados na indústria farmacêutica e de dispositivos médicos, que requerem materiais biocompatíveis e/ou biodegradáveis. Os biopolímeros também são aplicados nas indústrias de construção, adesivos, embalagens, cosméticos e tintas. O poli(ácido lático) (PLA) é um polímero natural que apresenta boas propriedades físicas e mecânicas, sendo por isso considerado um dos principais polímeros biodegradáveis. O interesse comercial nesse polímero se deve ao fato de que ele possui boa transparência, alta rigidez, aparência brilhosa e tolerância a vários tipos de processamento - propriedades semelhantes a de polímeros fósseis como o politereftalato de etileno (PET). Entretanto, suas propriedades térmicas são pouco atrativas, pois possui baixa temperatura de transição vítrea (Tg ≈ 60 °C). As primeiras aplicações de PLA na área médica surgiram com a produção de fios de sutura. Suportes celulares bioreabsorvíveis

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produzidos com PLA já são utilizados em implantes para o crescimento de células. Ele pode sofrer hidrólise e consequente degradação dependendo da sua composição e fatores ambientais, tornando-se um plástico desejável para a produção de embalagens biodegradáveis. O PLA também é um dos principais polímeros utilizados em impressoras 3D de baixo custo; seus filamentos para extrusão podem ser facilmente adquiridos e utilizados para imprimir objetos tridimensionais. Porém, embora suas resistências térmica e mecânica sejam das maiores entre os biopolímeros, o PLA não é adequado para aplicações em eletrônica ou engenharia. A sua produção se dá a partir do monômero ácido lático, que pode ser obtido via fermentação bacteriana de amido de milho ou açúcares de fontes renováveis. O ácido lático possui carbono quiral e, consequentemente, dois isômeros ópticos (dextrógiro e levógiro), que podem ser obtidos dependendo da cepa bacteriana que é utilizada durante o processo de fermentação. O PLA pode ser sintetizado a partir do ácido lático por reação de condensação, porém com baixo rendimento. Outros métodos mais eficientes já foram desenvolvidos, como o utilizado pela Nature Works LLC. Vários tipos de PLA com propriedades finais distintas podem ser obtidos a partir de diferentes proporções de isômeros (d ou l) na cadeia do polímero. Atualmente, a empresa Nature Works é a maior produtora de PLA do mundo, com capacidade nominal de 140 kton/ano, seguida pela tailandesa

PURAC com 75 kton/ano. Outros polímeros naturais podem ser produzidos a partir de monômeros obtidos do amido, celulose, óleos vegetais, ácidos graxos e de resíduos orgânicos. Muitos biopolímeros podem ser reciclados, porém alguns possuem propriedades químico-físicas que inviabilizam esse processo e por isso são descartados e enviados para compostagem.

Estrutura química do Poli(ácido lático) (PLA) um polímero natural biodegradável amplamente utilizado em fios de sutura, embalagens e em impressoras 3D de baixo custo. Embora possua as maiores resistências térmica e mecânica entre os biopolímeros, o PLA não é adequado para a maioria das aplicações em eletrônica ou engenharia. Gráfico: Shutterstock.com

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POLÍMEROS VERDES Os polímeros verdes são aqueles que utilizam a química verde, ou sustentável, de modo a reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias perigosas para humanos, animais, plantas e meio ambiente. Exemplos de materiais que atendem as demandas da química verde são as poliolefinas como o polietileno (PE) e o polipropileno (PP), que juntos somam quase metade da produção mundial de polímeros. Em contraste com os processos de biotecnologia, que consomem grandes quantidades de água e geram resíduos, as reações de polimerização de olefinas não geram subprodutos. Esses plásticos também podem ser facilmente reciclados por remoldagem ou por clivagem térmica da cadeia polimérica. Em termos de custo/benefício, as poliolefinas superam todos os biopolímeros, porém a sua matéria prima ainda é o etileno proveniente do petróleo. Produzir poliolefinas a partir de recursos renováveis seria o cenário ideal para obter um polímero que se classifica nos dois grupos: biopolímero e verde. É exatamente isso que uma empresa brasileira, a Braskem, tem feito desde 2010 com a produção de polietileno verde em sua planta em Triunfo, no Rio Grande do Sul. A empresa é a maior produtora mundial de polietileno verde, com capacidade instalada de 200 kton/ano. Para produzir polímeros verdes como o PE ou PP, o monômero etileno é obtido a partir da cana-de-açúcar, um recurso renovável. Antes da Segunda Guerra Mundial, uma grande quantidade de rotas químicas era baseada em produtos agrícolas, e o etileno produzido na época era obtido em plantas de desidratação catalítica de etanol. Depois da década de 50, como resultado da queda nos preços do petróleo, o etileno passou gradualmente a ser obtido a partir do craqueamento de nafta e gás natural, e quase todas as plantas que o produziam a partir do etanol foram desativadas na década de 90. Entretanto, nos últimos anos a desidratação catalítica do etanol começou a chamar a atenção novamente,

Colheita mecânica da cana-de-açúcar em Bariri, São Paulo. Segundo a Braskem, 1 hectare de terra produz 77 toneladas de canade-açúcar, que geram 6700 litros de etanol, que então viram 3 toneladas de polietileno verde. Foto: Alf Ribeiro / Shutterstock.com

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principalmente no Brasil, devido à competitividade do etanol proveniente da cana-de-açúcar. A capacidade de produção de etanol no Brasil começou a aumentar na década de 70 em virtude das crises do petróleo de 73 e 79. O governo brasileiro instituiu o Programa Nacional do Álcool, que visava a substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por álcool. Hoje, os dois principais produtores mundiais de etanol são os Estados Unidos e o Brasil, que produziram respectivamente 56 bilhões e 30 bilhões de litros em 2015. Uma grande preocupação ambiental com a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é a emissão de dióxido de carbono devido às práticas de queimada realizadas para a colheita manual. Entretanto, a colheita mecânica, que é muito mais eficiente e não emite gases estufa, está se popularizando nos últimos anos. Boa parte da água utilizada nas lavouras é proveniente da chuva, e a produção brasileira de etanol não causou um aumento significativo no preço do açúcar. No Brasil, o álcool é produzido a partir da cana-de-açúcar, enquanto nos EUA é feito com amido hidrolisado de grãos de milho. O balanço de energia - número obtido pela divisão da energia de combustíveis fósseis colocada no processo desde a plantação pelo conteúdo energético do biocombustível - é de cerca de 1/9 para o combustível proveniente da cana-de-açúcar, enquanto o etanol americano possui balanço de energia de 1/1,5. O etanol é obtido pela fermentação de uma fonte de açúcar pela levedura Saccharomyces cerevisiae e produz um caldo com cerca de 6 a 8% em massa de etanol. Esse caldo é então destilado e obtêm-se etanol hidratado (aproximadamente 93% em massa), que é utilizado para a produção do etileno. No processo de desidratação, o etanol é misturado inicialmente com uma corrente preaquecida de vapor que passa através de uma fornalha, elevando sua temperatura a um nível desejado. A mistura de etanol e vapor d’água é então inserida no reator onde ocorre a desidratação catalítica. A principal reação desejada é a da desidratação do etanol [CH3-CH2-OH -> CH2=CH2 + H2O] que possui rendimento usualmente maior que 95%. Também ocorrem algumas reações paralelas que geram contaminantes: em sua maioria acetaldeído, ácido acético, metanol, metano, etano, propano, monóxido e dióxido de carbono. O produto da reação é purificado e esses contaminantes são removidos, restando um etileno com grau químico (pureza acima de 99%). Para obter o etileno grau polímero é necessário ainda remover outros contaminantes leves e pesados através de destilação criogênica. Como o produto final tem pureza adequada, a etapa de polimerização é idêntica à de um polietileno convencional de base nafta, sendo que a única diferença técnica existente entre os dois polímeros (verde e fóssil) é a sua matéria-prima. O polietileno verde produzido pela Braskem não é biodegradável como o PLA ou outros biopolímeros. Ele possui exatamente as mesmas características químicas, mecânicas, de processabilidade e aparência que um PE convencional. Isto significa que não é necessário investir em equipamentos ou na readequação de processos para o seu uso em injeção, sopro e filme, resultando em economia e maior velocidade de adoção pelas empresas. Além disso, o PE verde é 100% reciclável e pode ser processado com os atuais métodos de reciclagem.


QUÍMICA VERDE Definida pela IUPAC como: "A invenção, desenvolvimento e aplicação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias perigosas." Onde o termo “perigosas” deve ser entendido como substâncias nocivas à saúde humana ou ao meio ambiente. A USEPA e a American Chemical Society propuseram 12 princípios para nortear a pesquisa em Química Verde que, de maneira geral, resumem-se à busca da redução de: rejeitos; do uso de materiais e energia; do risco; da periculosidade; e do custo de processos químicos. Exemplos de materiais que atendem essas demandas são o polietileno (PE) e o polipropileno (PP), que juntos somam quase metade da produção mundial de polímeros. Alguns exemplos de pesquisa em Química Verde são: •

desenvolvimento de catalisadores;

eliminação ou substituição de solventes;

uso de matérias-primas renováveis;

substituição de produtos tóxicos por outros ambientalmente aceitáveis;

monitoramento, controle e a intensificação de processos;

uso eficiente de energia;

melhoria nos processos de separação;

reagentes e reações intrinsecamente mais seguras.

Green Polymer in Space. Photograph of the 3D printer in orbit at the International Space Station. Objects printed in microgravity environment will be returned to Earth for comparison to similar objects manufactured by the printer before it was launched. Image credit: Jeff Williams, Nasa (July 12, 2016)

Green Plastic in Space Thanks to a partnership between Braskem and Made In Space, a company that works in the development of 3D printers for microgravity environments, the green polyethylene made from sugarcane is being used in the additive manufacture of tools and spare parts at the International Space Station (ISS). It is the first step toward establishing an on-demand machine shop in space - a critical component to sustain deep-space crewed missions and in-space manufacturing. Various objects such as tools, personal items, pipe connectors, flexible cable hooks and test tube holders can be printed as needed. Astronauts receive an e-mail with the object's 3D drawing and can print it immediately, reducing the need to send replacements from Earth and generating a drastic reduction in time and cost. For more than a year, Braskem's Innovation and Technology team has been working alongside Made In Space to develop a green polyethylene solution for 3D printing in microgravity environments. The green plastic was chosen for the project because it gathers characteristics such as flexibility, chemical resistance and recyclability, as well as the fact that it comes from renewable sources. There is great expectation about the benefits of the project, since 3D printing in space was defined by NASA as one of the essentials steps towards a possible mission to Mars. Braskem's technology is also present in the printer's structure. The equipment's printing table is made of Ultra High Molecular Weight Polyethylene (UHMW-PE), which stands out for providing better printing adhesion with green PE and offers mechanical properties such as high abrasion and impact resistance.

Avaliação do Ciclo de Vida Existem algumas estratégias para mitigar os impactos ambientais causados pelos plásticos. O uso de polímeros biodegradáveis ou a adição de agentes que aceleram a degradação dos polímeros convencionais, por exemplo, pode reduzir o problema de descarte inadequado. Entretanto, o processo de degradação dos polímeros pode liberar moléculas tóxicas nos cursos d’água e solo. Essa estratégia também não reduz o consumo de combustíveis fósseis, nem diminui as emissões de gases estufa. Outra possibilidade consiste no uso de recursos renováveis para neutralizar, ou até mesmo criar uma pegada de carbono negativa (onde o processo de produção fixa mais CO2

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do que emite). Porém, novamente, outros fatores, tais como o uso de solo, o impacto na biodiversidade e a emissão de gases estufa a partir do uso da terra, podem cancelar as suas vantagens. Uma das metodologias mais utilizadas para medir o impacto ambiental é a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) (ABNT ISO14040). Trata-se de uma técnica de avaliação e quantificação de impactos ambientais feita sobre todo os estágios do ciclo de vida do produto ou processo, desde a aquisição da matéria-prima ou sua geração a partir de recursos naturais, até sua disposição final, passando por todas as etapas intermediárias. A ACV permite uma análise científica sobre as questões ambientais relacionadas a um produto ou processo. Os pesquisadores Christin Liptow e Anne-Marie Tillman da Chalmers University of Technology, na Suécia, realizaram ACV com o foco na identificação dos maiores contribuidores para o impacto ambiental do PE da cana-de-açúcar produzido no Brasil e utilizado na Europa com o PE de petróleo produzido e consumido na Europa. Segundo eles, os principais argumentos para a produção de PE a partir da cana-de-açúcar são a expectativa na redução de emissão de gases estufa e a redução no uso de energia fóssil. O último se provou verdadeiro: o plástico verde consome muito menos energia fóssil que o PE convencional. Entretanto, isso veio ao custo de um aumento no consumo de energia renovável, o que resulta num consumo total de energia maior para o polietileno verde. O estudo mostrou que os maiores contribuidores para o impacto ambiental do polietileno da cana-de-açúcar são a produção do etanol, a polimerização e o transporte marítimo de longa distância. A respeito do potencial de aquecimento global (GWP) - a medida de como uma determinada quantidade de gás do efeito estufa contribui para o aquecimento global - os pesquisadores concluíram que as emissões podem variar de zero, caso em que o plástico verde é preferível, até uma quantidade em que faz com que as emissões do PE verde sejam comparáveis às do PE fóssil. Eles argumentam que a contribuição das Mudanças de Uso da Terra (MUT) é decisiva para os resultados, porém devido a incertezas nos dados, não é possível chegar a uma estimativa segura para o impacto ambiental das MUT causadas pela produção de cana-de-açúcar e, consequentemente, para as estimativa de GWP do polietileno verde. Outro estudo foi realizado pela consultoria ACV Brasil, com revisão técnica de um painel composto pelo Institute for Energy and Environmental Research GmbH (IFEU) e pela Michigan State University. Neste estudo, foi realizada a ACV do plástico verde da Braskem e os resultados apontam para uma captura 2,78 toneladas de CO2 para cada tonelada de resina de origem renovável produzida. Essa pegada de carbono negativa indica que o plástico verde ajuda a sequestrar dióxido de carbono da atmosfera. As diferenças entre os estudos da Chalmers University of Technology e da ACV Brasil devem-se principalmente aos parâmetros e modelos adotados na metodologia de cada grupo de pesquisa. O modelo usado pela indústria sucroenergética brasileira é mais favorável ao sequestro de carbono, pois considera que o plantio da cana-de-açúcar geralmente é feito

Revista Polyteck - Edição 18 | Dezembro 2016 / Janeiro 2017 Distribuição gratuita em mais de 40 universidades de todo o Brasil. Diretor Executivo: André Sionek Diretora de Redação: Raisa Requi Jakubiak Diretor Comercial: Fábio Adhemar da Silva Rahal Revisão: Rudolf Eckelberg Imagens: Shutterstock; Impressão: Gráfica Exklusiva Editora Polyteck Ltda - ME 41 9269-4372 / 9622-3369

em áreas de pasto degradadas, o que contribui para a recuperação do solo. Além disso, as unidades produtoras de etanol utilizam bagaço para a cogeração de energia, tornando o processo autossuficiente energeticamente e com exportação do excedente para o Sistema Integrado Nacional. O mercado de biopolímeros e polímeros naturais ainda é recente e pouco desenvolvido quando comparado aos polímeros convencionais. O polietileno verde, por exemplo, apresenta uma dinâmica de mercado muito diferente dos polímeros fósseis: o PE verde é considerado um polímero de nicho, com características construídas em torno da sustentabilidade, enquanto o PE convencional tem dinâmica de commodity, um material de grande consumo global, com vasto número de produtores e clientes. Enquanto os polímeros fósseis estão em um patamar avançado de desenvolvimento, sem grandes revoluções tecnológicas previstas, os biopolímeros e polímeros naturais apresentam uma expectativa de grandes mudanças tecnológicas e de crescimento nos próximos anos. Muitos processos químicos estão sendo revisitados, otimizações estão em andamento e também há previsão de inauguração de inúmeras plantas industriais com processos produtivos inéditos. Seja pelo possível esgotamento das reservas de petróleo ou pela necessidade de alternativas ecologicamente sustentáveis, pode-se afirmar que uma mudança de paradigma na indústria petroquímica está em curso. A promessa é de uma junção cada vez maior dos processos químicos com os biológicos e da criação de plásticos mais sustentáveis e com origem em matéria orgânica. A curva de aprendizado com os polímeros naturais e os biopolímeros está apenas no começo.

Para saber mais • A. Sionek, “A era do petróleo e gás não convencional”, Revista Polyteck, edição 01, pp 10-12 (2013) • W. Brostow e T. Datashvili, “Environmental Impact of Natural Polymers”, Natural Polymers, Capítulo 10 (2016) • International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), “Green Polymer Chemistry” (2014) • R. Belloli, “Polietileno Verde do Etanol da Cana-de-açúcar Brasileira: Biopolímero de classe mundial”, Trabalho de Conclusão de Curso, UFRGS (2010) • U.S. Energy Information Administration, Monthly Energy Review, Table 10.3 (2016) • Empresa de Pesquisa Energética (EPE), “Análise de Conjuntura dos Biocombustíveis no Brasil” (2015) • A. Morschbacker, “Bio-Ethanol Based Ethylene”, Polymer Reviews, 49:2, 79-84 (2009) • “Escola de Química Verde”, Instituto de Química, Universidade de São Paulo (2012) - http://www.usp.br/quimicaverde/ • C. Liptow e A. Tillman, “A Comparative Life Cycle Assessment Study of Polyethylene Based on Sugarcane and Crude Oil”, Journal of Industrial Ecology, 16-3, pp 420-435 (2012) •

http://seeg.eco.br/mudanca-de-uso-da-terra/ (acesso em 01/12/2016)

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