Polyteck | Edição 09

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Distribuição Gratuita - nº 09 | Dez 2014 / Jan 2015

Vai além da sala de aula

Biônica

EXTREMA Levando a performance humana além da natureza página 8

A David Foto:

rk y

LUZ EFICIENTE

TWISTED LIGHT

I’M BATMAN

os desafios superados na criação do LED azul página 6

orbital angular momentum of photons used to transfer data página 13

sonar auxilia deficientes visuais a perceber o ambiente página 16


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(11) 3149-3149


Equipe da Universidade Federal de Itabjubá desenvolveu seu protótipo em um ano, competiu na Espanha e consagrou-se em 13º lugar dentre as 32 equipes inscritas na competição. Além do protótipo, estudantes desenvolveram habilidades de gestão, trabalho em equipe e realizaram um projeto de linha de montagem capaz de fabricar 600 motos por ano. O protótipo criado está apto até mesmo para competições profissionais da categoria, como o Moto3.

Fotos: Vinícius Belon

A

Competição de motovelocidade desafia universitários

a construírem suas

próprias motos texto por Márcio Augusto Pereira edição por André Sionek

cada dois anos é realizado, no autódromo de MotorLand, atual Circuito Oficial de Aragón na Espanha, o MotoStudent, uma competição realizada pela MEF (Moto Engineering Foundation). A competição reúne as principais equipes universitárias de motovelocidade do mundo, com o objetivo é projetar, produzir e avaliar um protótipo de uma moto de corrida, cumprindo os requisitos mínimos de segurança e dimensão especificados pelo regulamento. A competição em si representa um desafio para os alunos, que terão de provar suas habilidades de criatividade e inovação, aplicando diretamente suas habilidades de engenharia. As motocicletas são submetidas a rigorosas inspeções e passam por diversas provas estáticas e dinâmicas. Os projetos são avaliados não somente pelo seu desempenho na pista, mas também pelo ponto de vista industrial, avaliando aspectos como custo, design, inovação, industrialização, projeto de engenharia, apresentação, e também pela sua segurança e funcionalidade. Cada prova tem uma pontuação especifica, seguindo um critério de importância, e garantindo que o melhor conjunto vença a competição.​Durante os dias de competição, cada equipe é alojada em um box no qual são realizados os ajustes finais da moto e onde a equipe é abrigada durante as provas.

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Fotos: Vinícius Belon

Fotos do projeto em CATIA, fabricação da carenagem, protótipo em exposição e equipe que representou a UNIFEI no MotoStudent na Espanha.

Modalidades O MotoStudent é dividido em duas modalidades, com premiação em dinheiro para os melhores colocados de acordo com os critérios a seguir: Na modalidade MS1, cada equipe tem de realizar o projeto industrial mais completo possível de uma empresa cuja fabricação chegue a 600 motos por ano. É uma parte importante, pois visa unir todo o conhecimento técnico adquirido no projeto e fabricação da moto à parte burocrática de uma empresa. Os participantes devem considerar desde o layout da fábrica até as ferramentas de controle de qualidade, fornecendo aos membros da equipe uma noção de como funciona uma empresa, além de uma análise técnica e administrativa da viabilidade de um projeto numa linha de produção. A MS2 avalia a parte técnica do protótipo através de importantes testes de segurança e funcionalidade até a corrida final. Vale ressaltar que nenhuma moto compete no circuito sem ter passado pelos testes de segurança, pois a integridade física do piloto deve ser prioridade devido à alta velocidade das motos. Além disso, são realizados testes de frenagem, aceleração, dirigibilidade, etc. que somam pontos no MS2.

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Desenvolvendo uma moto de competição

A Universidade Federal de Itajubá, tradicional por seus projetos especiais, tem a primeira e única equipe brasileira a competir no MotoStudent. A Coyotes Moto Racing UNIFEI nasceu com um grupo de estudantes de engenharia que teve a ideia de trazer mais uma modalidade de competição para dentro da universidade. Após um período de estruturação, em outubro de 2013, a equipe deu início ao primeiro protótipo brasileiro universitário de moto. Apesar de ser um projeto universitário, o protótipo é de altíssimo desempenho, estando apto até mesmo para competições profissionais da categoria, como o Moto3. O sonho de levar o Brasil a um novo patamar da engenharia em motovelocidade fez com que a equipe desse o melhor de si. O trabalho deu resultado: a Coyotes Moto Racing foi ao MotoStudent, na Espanha, no começo de outubro deste ano e terminou a corrida final em 13º lugar dentre 32 equipes inscritas na competição. Porém, conquistar essa colocação em menos de um ano de trabalho não foi fácil. "Diversos fatores dificultaram todo o processo de projeção e construção do protótipo, sendo o principal deles a falta de experiência, pois até então pouquíssimos membros tinham experiência com softwares de engenharia ou até mesmo com trabalho em equipe." Conta Márcio Augusto Pereira, Graduando em Engenharia Elétrica da UNIFEI e membro da Subequipe Motor e Transmissão da Coyotes. A equipe também teve dificuldades financeiras. Partes do projeto tiveram de ser adaptadas para atender a um orçamento mais enxuto, pois por ser um projeto pioneiro e ainda sem resultados, a Coyotes teve dificuldade para


nas universidades brasileiras. A Coyotes Moto Racing conta atualmente com 26 membros. São estudantes das engenharias: mecânica, aeronáutica, produção, elétrica, computação, civil, ambiental e controle e automação. A equipe também tem estudantes de administração e um intecambista que atualmente reside na França e colabora pela internet. Os participantes estão divididos em seis subequipes que, apesar de terem nomes e definições distintas, trabalham em conjunto para entregar o melhor protótipo.

Subequipes técnicas

encontrar patrocinadores. Todo o desenho da moto é feito e simulado no software CATIA, um dos melhores programas de CAD 3D e de análise de peças e produtos. Atualmente, a subequipe de aerodinâmica está aprimorando o trabalho com simuladores CFD como o Ansys e o FEMAP/NASTRAN para análise do comportamento de fluidos. Alguns outros softwares como o Excel e o MatLab também são utilizados na confecção de alguns gráficos e definição de parâmetros. O espaço físico da equipe conta com uma oficina para a montagem e ajustes na moto e com um laboratório de compósitos para o desenvolvimento da carenagem, além dos lugares fornecidos pelos patrocinadores. O quadro e a carenagem foram as principais peças projetadas e fabricadas pela Coyotes, desde o processo de corte e soldagem dos tubos até o lixamento e acabamento da carenagem da moto. Devido à complexidade da motocicleta, os membros se especializam em vários sistemas que compõem o veículo, como: motor, transmissão, freios, direção, suspensão, telemetria, chassi, carenagem (aerodinâmica), segurança, injeção eletrônica. O excepcional resultado conquistado pela equipe mostra que desenvolver projetos como este durante a vida acadêmica aumentam ainda mais a qualidade dos profissionais formados

A subequipe de Estrutura e Suspensão é responsável pelo projeto e desenvolvimento de partes estruturais como quadro, subquadro e swingarm, além de atuar nos sistemas de amortecimento, direção e freios. Para melhorar o desempenho final, são utilizados materiais com melhores propriedades estruturais e menor peso aliados a projetos inovadores e estruturas inteligentes. O objetivo final é aperfeiçoar os componentes de amortecimento e projetar sistemas mais eficientes e confiáveis. Embora fornecido pela organização, o motor Sherco 250cc depende de vários subsistemas que influenciam seu funcionamento. Por exemplo: os componentes da admissão, arrefecimento, exaustão e transmissão devem ser precisamente projetados para otimizar o desempenho e a segurança na pilotagem do protótipo. O tanque de combustíveis é fabricado em alumínio para diminuição de custos e riscos e seu volume é calculado para que o combustível dure exatamente o número de voltas necessárias na competição. Um filtro de ar esportivo melhora o desempenho e faz com que os gases sejam completamente queimados e despejados para fora do motor através de um sistema de escapamento especial. A potência gerada pelo motor é despejada nas rodas através de um sistema de transmissão calculado para equilibrar o torque e velocidade máxima necessária no circuito de alta velocidade de Aragón. Outra subequipe é responsável por projetar toda a carenagem da moto, fazendo desde simulações de fluxo de ar até testes de resistência dos materiais compósitos utilizados, como a fibra de vidro. É uma das subequipes

que enfrenta complexidade em todas as etapas de fabricação, por isso muitos cuidados foram tomados quanto à estabilidade em altas velocidades. Além de todo o desenvolvimento aerodinâmico e estético, a carenagem deve ainda oferecer conforto ao dirigir, tornando seu desenvolvimento ainda mais complexo. A fabricação da carenagem começou com a construção do modelo 3D. A partir dele foram construídos moldes em espuma de poliuretano e massa plástica. Os paralamas foram obtidos a partir de usinagem por comando numérico, garantindo precisão no encaixe com as suspensões. Vibrações e forças aerodinâmicas foram levadas em conta no cálculo da espessura da fibra permitindo a redução no peso do conjunto. O resultado foi uma moto com baixa vibração e interface piloto-máquina sob medida, garantindo uma pilotagem segura. A equipe de eletrônica e telemetria utiliza diversos softwares de modelagem de circuitos eletrônicos e de captação e análise de dados a fim de definir, manter e aperfeiçoar o funcionamento do sistema elétrico da moto; obter dados através de sensores; realizar a programação de componentes para armazenar, transferir, analisar e interpretar os dados para uma melhoria de desempenho e identificação de problemas.

Subequipes de gestão

Para ser bem sucedido, um projeto precisa de uma gestão eficaz. A subequipe de gestão tem a função de auxiliar o desenvolvimento técnico com busca de recursos financeiros ou de serviços, divulgação, contatos, etc. Tendo em mente que equipes motivadas alcançam resultados inesperados, essa subequipe leva os membros a acreditar que podem ir mais longe. Dado o desafio da competição de criar um projeto para a produção de motocicletas em larga escala, a equipe viu a necessidade de criação de um grupo especializado em manufatura e negócios para a formulação da empresa fictícia do MS1. Nela são estudadas a análise do fluxo e descrição dos processos de manufatura, logística, recursos humanos, plano de controle de qualidade, estratégias de marketing, aspectos legais da empresa e estratégias de pós venda, por exemplo. ■

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D

Porque o LED azul

ganhou o Nobel de

Física? texto por André Sionek

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iodos emissores de luz, mais conhecidos como LEDs, são dispositivos que emitem luz visível quando energizados. Eles são eficientes fontes de luz que hoje são utilizadas em uma infinidade de aplicações que vão de displays tela plana até iluminação pública. Os LEDs revolucionaram a iluminação, pois podem alcançar uma eficiência de até 300 lumen por watt, cerca de 20 vezes maior que as lâmpadas incandescentes, além de durarem 100 vezes mais que as lâmpadas convencionais. Um LED é um sanduíche de cristais semicondutores dopados com diferentes impurezas. Um material é dopado positivamente - elétrons são retirados, deixando em seu lugar uma carga positiva chamada de buraco. Outro material é dopado negativamente, ficando com excesso de elétrons em sua estrutura. Quando uma corrente elétrica é aplicada, os elétrons e buracos se combinam na junção entre as camadas desses materiais e emitem luz. A cor da luz emitida depende do cristal semicondutor e da impureza utilizada na dopagem do componente. Por exemplo, fosfeto de gálio dopado com nitrogênio pode emitir luz verde ou amarela. Já a luz branca é uma combinação de vários comprimentos de onda. Para propósitos caseiros ou industriais de iluminação, a luz branca pode ser obtida pela combinação de LEDs que emitem luz vermelha, verde e azul. Outra alternativa é depositar fósforo em cima do material semicondutor de um LED azul ou ultravioleta. Assim, parte da luz emitida pelo diodo é convertida em vários comprimentos de onda, formando a luz branca como em uma lâmpada fluorescente comum. As versões que emitem luz verde e vermelha, baseados em Gálio e Fósforo, existem desde meados da década de 50. Porém, criar emissores azuis foi um desafio técnico que demandou décadas de esforços. Tanto que três inventores japoneses foram laureados com o Nobel em Física de 2014 devido à criação do LED azul, num raro exemplo do prêmio sendo dado a uma invenção prática. Logo no começo do seu desenvolvimento, físicos identificaram o Nitreto de Gálio (GaN) como um potencial candidato para a criação de LEDs azuis de alta potência. Porém, desafios na dopagem e crescimento das heteroestruturas baseadas neste material atrasaram o desenvolvimento do LED azul por mais de 30 anos. Uma dificuldade foi criar cristais finos e de alta qualidade, outra foi dopar o GaN de forma que ele emitisse luz de forma eficiente. Na década de 80, Isamu Akasaki e Hiroshi Amano, da Universidade de Nagoya, Japão, otimizaram o processo de crescimento e conseguiram obter cristais de GaN de alta qualidade. Eles também fizeram importantes observações


sobre as propriedades de GaN dopado com cargas positivas, que foram explicadas posteriormente para Shuji Nakamura, abrindo caminho para a fabricação de heteroestruturas baseadas em Nitreto de Gálio. Akasaki, Amano e Nakamura, laureados com o Nobel em 2014, persistiram no GaN por muito tempo depois de seus competidores terem desistido e trocado de material. Somente no começo dos anos 90 eles conseguiram a emissão de luz azul a partir de estruturas baseadas em Nitreto de Gálio.

eficientes diodos emissores de luz azul que possibilitaram fontes de luz branca brilhantes e econômicas." ■ Fontes: »» Elisa De Ranieri, Nature Nanotechnology 9, 880 (2014) »» Elizabeth Gibney, Nature 514, 152–153 (2014)

Da luz azul para a branca

Estas descobertas levaram ao desenvolvimento de fontes de luz branca que utilizam somente 10% da energia consumida por lâmpadas incandescentes. Quase todas as lâmpadas de LED brancas consistem em um emissor de luz azul combinado com um ou mais materiais luminescentes, que convertem parte da luz azul para comprimentos de onda maiores. Considerando que quase um quarto do consumo de energia mundial é atribuído à iluminação, o potencial desta invenção fica claro. No futuro, LEDs azuis serão provavelmente usados em dispositivos portatéis que podem desinfetar ou esterilizar água, ou talvez até mesmo em memórias de computador que utilizem luz em vez de de eletricidade para guardar dados. O prêmio foi entregue aos cientistas em reconhecimento "pela invenção de

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Biônica

EXTREMA Como componentes eletromecânicos estão ajudando deficientes a superar limitações - e ir além texto por Raisa Jakubiak

Prótese biônica de tornozelo e pé que se encaixa por meio de um soquete ao corpo humano. Com uma massa de 2 kg, é equivalente ao pé de uma pessoa de 80 kg.

H

ugh Herr alcançou feitos impressionantes já na infância, como escalar o Monte Temple, de aproximadamente 3544 m de altura, com apenas oito anos. Quando chegou à adolescência, já era considerado um dos melhores escaladores da costa oeste dos EUA pela revista Rock and Ice. Em janeiro de 1982 Herr, 17 anos, e o amigo Jeff Batzer, 20, preparavam-se para escalar o Monte Washington (1917 m), famoso pelas bruscas mudanças de tempo, localizado no estado americano de Nova Hampshire. A montanha manteve durante 76 anos o recorde da maior rajada de vento medida diretamente na superfície da Terra, 372 km/h, medido por um observatório climático no pico da montanha na tarde de 12 de abril de 1934. Foi esta natureza errática do Monte Washington que mudou para sempre a vida de Hugh Herr. O que começou como uma subida normal e sob condições climáticas favoráveis transformou-se e um pesadelo com ventos de mais de 160 km/h e sensação térmica de -43 ºC. Durante quatro dias os dois sobreviveram fazendo cavernas de gelo e se mantendo abraçados para minimizar a perda de calor. Os dois foram resgatados, mas Herr teve as pernas amputadas abaixo do joelho devido ao congelamento.

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Fotos: David Arky

Performance sobrehumana

Mesmo com limitações, Herr voltou a escalar após o acidente. E as ravinas rochosas foram os seus primeiros laboratórios. Ele passou a ver um grande potencial em seu novo corpo. À medida que avançava em uma escalada, Herr percebia que seu corpo ficava cada vez mais frio e mais dolorido, mas suas pernas não. Ele era capaz de se mover mais rápido e subir mais alto do que antes, em parte por ter perdido mais de 6 kg na cirurgia. Durante uma escalada, Herr fez a pergunta que mudou sua vida: “Por que as próteses não podem superar a performance dos membros reais?” Neste momento, ele chegou à conclusão de que não havia razão para que seus novos pés tivessem que, necessariamente, imitar os antigos. Ele sentiu que a tecnologia dos membros artificiais era inadequada, e não o seu corpo. E essa ideia simples, mas poderosa, foi como um chamado para mudar os paradigmas da tecnologia assistiva. Ele poderia cortar os calcanhares para reduzir o peso, aumentar a dureza das pernas onde fosse útil, adicionar pinos para escalada no gelo ou fazer pés estreitos o suficiente para entrar em pequenas reentrâncias. Depois de um ano, Hugh estava escalando melhor do que nunca: “Eu comecei escalar faces rochosas que eu não conseguiria escalar antes do acidente, com minhas pernas biológicas”, disse ele para a revista de escalada Ascent. Obtendo sucesso com o desenvolvimento de membros artificiais para escalada, Herr decidiu cursar faculdade com a missão desenvolver tecnologia para ajudar não só a si mesmo, mas a outras pessoas. Durante a graduação, ele cursou matérias de matemática e ciência, além de ter descoberto uma nova paixão: a física. Ele então começou a trabalhar com um fabricante de próteses local

Após acordar da cirurgia, uma enfermeira disse a Herr que ele seria capaz de andar utilizando “aquelas coisas chamadas de pernas artificiais”. Andar, não escalar. “Elas eram muito mais rudimentares do que eu imaginava”, disse Herr à REEL Entrepreneurs, “Eu basicamente disse: é isso? Você está brincando comigo?”

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Biônica: a interface entre a biologia e o design Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 15% da população mundial, ou seja, mais de 1 bilhão de pessoas, sofre com algum tipo de deficiência motora. Devido à tecnologias ineficientes, essas condições levam muito frequentemente a indivíduos com baixíssima qualidade de vida, principalmente porque, segundo um relatório da ONU, 80% das pessoas com deficiência motora estão localizadas nos países em desenvolvimento. Cientistas, engenheiros e designers têm observado a natureza através do olhar da ciência para extrair princípios, processos e materiais que estão revolucionando a área: desde materiais sintéticos que mimetizam materiais biológicos até métodos computacionais que emulam processos neurais. Os modelos presentes na natureza inspiram o design, e a recíproca também é verdadeira: no campo da genética, medicina regenerativa e biologia sintética estão surgindo novas tecnologias não existentes na natureza. Herr acredita que um trabalho muito melhor deve ser feito em biônica para dar reabilitação total a pessoal com lesões deste tipo, e não apenas mantê-los em cadeiras de rodas, como é feito desde o século VIII. O seu trabalho no Centro para Biônica Extrema do MIT Media Lab tem como missão desenvolver ciência fundamental em biomecânica e controle biológico de movimentos, aliada à capacitação tecnológica em prol da reabilitação das funções de uma grande gama de deficiências cerebrais e corporais. A equipe do laboratório tenta devolver funções biológicas normais a indivíduos que tiveram a mobilidade comprometida devido a traumas ou doenças. O grupo também desenvolve tecnologias que aumentam a performance humana além do que “é previsto pela natureza”. Estes objetivos são alcançados combinando a ciência da neuromecânica celular e de organismos com o design de dispositivos biônicos. O centro inclui estudantes e pesquisadores das áreas de biomecânica, neurociência e biofísica, além de engenheiros mecânicos, biomédicos e de tecidos. A biônica encabeça a engenharia de interfaces extremas. Nas pernas de Herr existem três interfaces extremas. A mecânica diz respeito a como as suas próteses são anexadas à parte biológica do corpo; a dinâmica a como elas se movem como carne e osso e a elétrica; a elétrica se relaciona a como as próteses se comunicam com o sistema nervoso do usuário.

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em um esforço para melhorar a aderência das pernas artificiais aos seus usuários. Em seguida, ele continuou seus estudos e fez seu mestrado em engenharia mecânica no MIT, um PhD em biofísica em Harvard e, finalmente, pós-doutorado novamente no MIT. Foi assim que de um escalador profissional que nem cogitava ir à universidade, Herr pivotou para a carreira acadêmica e fundou o Centro para Biônica Extrema no MIT.

“Cerca de 80% dos desabilitados vive em países em desenvolvimento, o que torna o acesso a novas tecnologias assistivas ainda mais difícil.”

Interface mecânica:

Na área de projetos, ainda não há um entendimento completo de como anexar dispositivos ao corpo mecanicamente. Herr afirma ficar surpreso que até hoje não temos ideia de como anexar “coisas” a nossos corpos sem causar desconforto. Os membros biônicos dos usuários são anexados a seus corpos através de peles sintéticas com rigidez variadas, que mimetizam as características biomecânicas dos tecidos biológicos. Para imitar os tecidos naturais, a equipe do MIT Lab desenvolveu um modelo matemático dos membros biológicos de Herr. Para isso, foram usadas ferramentas de imagem, como a ressonância magnética, para olhar dentro do corpo humano e compreender as geometrias e localizações de diferentes tecidos. Eles também utilizaram ferramentas robóticas, como um círculo com 14 atuadores que se encaixam ao redor do membro biológico. Os atuadores se aproximam e tocam a superfície do membro, medindo seu formato natural. Em seguida eles exercem pressão sobre os tecidos para medir a compliância (propriedade inversa à rigidez de um material) em cada ponto anatômico. A equipe então combina os dados para criar uma descrição matemática dos membros biológicos. A equipe também tem adicionado materiais

Atuadores utilizados para medir o formato e compliância dos membros biológicos para posterior descrição matemática.


A prótese contém um atuador ligado em série com um sistema de suspensão de lâminas de fibra de carbono. Toda a sola do pé é feita em lâminas para fornecer elasticidade. O atuador é composto por um motor DC brushless de 200 W e transmissão ballscrew. Uma bateria lítio-polímero recarregável de 0,22 kg fornece energia para o motor. A prótese tem eficiência de cerca de 67%: 30 J de energia elétrica produzem 20 J de trabalho líquido durante o período de caminhada. A bateria carregada tem autonomia de 4000-5000 passos, o suficiente para caminhar de 4 a 5 km a uma velocidade de 1.75 m/s. - Uma pessoa comum dá em média 3060 ± 1.890 passos por dia.

Infográfico: Herr H M, Grabowski A M, Proceedings of the Royal Society B

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Interface elétrica

Por fim, como os membros biônicos se comunicam com o sistema nervoso dos pacientes? Eletrodos são colocados ao redor dos membros residuais dos pacientes. Esses medem o pulso elétrico dos músculos, que são então enviados ao membro biônico. Assim, quando um paciente pensa em mover o membro, a parte robótica rastreia estes sinais. Através de pesquisa, os pesquisadores foram capazes de criar um modelo do membro biológico faltante. Eles descobriram como os reflexos ocorrem e como os reflexos na medula espinhal controlam os músculos. Assim, incluíram estas capacidades em chips embutidos nos membros biônicos. Após este processo, os pesquisadores passaram a trabalhar em modular a sensibilidade do reflexo e o reflexo espinhal modelado, com o sinal neural. Assim, quando o usuário relaxa os músculos do membro residual, há pouco torque e potência. Porém, quanto mais ele aplica força nos músculos, mais torque é fornecido inteligentes nas peles sintéticas como, por exemplo, um mate- pelo membro biônico, permitindo até a realização de atividarial desenvolvido pelo Stanford Research Institute International des mais pesadas como a corrida. que muda de rigidez sob efeito eletrostático. Quando não há tensão aplicada, o material é frouxo, como uma folha de papel. Futuro dos membros biônicos Mais de 1000 pacientes já usam as próteses como as de No entanto, quando uma tensão é aplicada, ele se torna rígido. Herr, chamadas BiOMs, dos quais 400 são soldados americanos Este material é adicionado às peles sintéticas que unem os lesionados em combate. Hoje em dia estas pessoas são capamembros biônicos aos corpos biológicos dos pacientes. Na zes de realizar as atividades cotidianas de forma confortável sua palestra para o TED, Herr explica que, quando ele anda, e estável, melhorando consideravelmente sua qualidade de não há tensão aplicada, logo a interface é mole e anatômica. vida. Além disso, um estudo recente da equipe, publicado na No entanto, quando se aperta um botão, tensão é aplicada e Conferência Internacional da Sociedade de Medicina e Biologia a interface então enrijece, oferecendo mais possibilidades de em agosto deste ano, visa melhorar a performance das próteses “manobras” com o membro biônico. em diferentes terrenos, como rampas e escadas, assim como a melhora na transição entre estes obstáculos através do estudo do controle volitivo (processo cognitivo pelo qual um indivíA equipe de Herr estuda como seres humanos com fisio- duo decide a praticar uma ação). logia normal ficam em pé, andam, correm e realizam diversas Porém eles querem ir mais longe do que isso, a ideia é atividades do cotidiano para desenvolver próteses que se movem estreitar o laço entre os humanos e os membros biônicos extercomo carne e osso. Entender o que os músculos fazem e como nos. Para isso, estão realizando experimentos com o crescimento eles são controlados pela medula espinhal é fundamental para de nervos através de arranjos de microcanais. O nervo se fixa construir o tipo de membro biônico desenvolvido pela equipe. a células epiteliais e musculares e assim é possível saber como Mas como as próteses funcionam? Quando o calcanhar a pessoa quer se mover. Esta informação pode ser enviada via atinge o chão, o sistema controla a rigidez dos materiais para wireless ao membro biônico, fazendo com que seus sensores atenuar o impacto do membro com a superfície. O membro biô- convertam este estímulo em canais sensoriais. Assim, quando nico fornece torque e potência para erguer a pessoa durante as este projeto estiver totalmente desenvolvido para uso humano, passadas – algo comparado ao trabalho dos músculos da região pessoas com deficiências, assim como o próprio Herr, não apeda panturrilha. Essa propulsão biônica é muito importante para nas usarão membros biônicos que se movem como carne e osso, os pacientes clinicamente pois, ao contrários de próteses pas- mas realmente vão se sentir como se tivessem seus membros biológicos novamente – ou pela primeira vez. ■ sivas, faz com que atividades diárias, como subir as escadas da própria casa, possam ser realizadas da mesma maneira que um Fontes: indivíduo com funções biológicas normais. Não só isso, mas a »»TED Talk: The new bionics that let us run, climb and dance (2014) biônica também é capaz de feitos atléticos incríveis, como correr »» Kannape O A, Herr H M, International Conference of the IEEE Engineering sobre superfícies rochosas e, obviamente, escalar montanhas. in Medicine and Biology Society, Agosto de 2014. Eles também estão trabalhando em exoesqueletos usando »» Leslie Baehr, Business Insider Australia, 14/08/2014 os mesmos princípios das próteses. Eles são colocados ao redor »» http://biomech.media.mit.edu/ de um membro biológico e aplicam torques e potências idênticas »» REEL Entrepreneurs, Inc - “The Innovators: Dr. Hugh Herr, Director, aos dos músculos, reduzindo o custo metabólico e protegendo Biomechatronics at MIT” as articulações. Herr comenta que uma pessoa saudável que »» Organização das Nações Unidas (ONU) use o exoesqueleto por 40 minutos, deve sentir suas próprias »» Organização Mundial da Saúde (OMS) pernas ridiculamente pesadas e esquisitas ao retirar o aparelho.

Interface dinâmica

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A twisted light in

communications text by Raisa Jakubiak

Who lived the Space Race times, during Cold War, may be a little disappointed nowadays. Just eight years after launching the first man into space (Yuri Gagarin, April 1961), mankind was already stepping on the moon surface for the first time (Apollo 11 Mission, July 1969). Following this perspective, people would have imagined that, by now, we should have been spending Holidays in Mars since long ago. Reality: the year is 2014 and we still don’t have flying cars, teleportation, suspended animation of humans, human space colonies and strong artificial intelligence, like the computer Hal in 2001, a Space Odyssey, by director Stanley Kubrik. However, two technology fields developed impressively in the last decades, to levels that surpass the imagined in past science fiction: electronics and telecommunications.

F

Helical modes of the electromagnetic field are characterized by a wavefront that is shaped as a helix, with an optical vortex in the center, at the beam axis. The columns shows the light beam helical structures, phase fronts, and corresponding intensity distributions.

rom giant computers, which processors occupied several rooms, to smartphones – Apollo 11’s computer processing capacity was lower than nowadays pocket calculators – we are witnessing a real revolution. This evolution in electronics is also leading to striking and rapid improvement in other fields, like telecommunications. With the advent of the broadbands, it became possible to transfer large amounts of data per second. For example, personal video communication, exalted in 70’s sci-fi movies, is now a daily reality. Computer graphics increased impressively, and that is no obstacle for you to receive beautiful images from Mars or just watch astronauts working in the International Space Station seated on your couch – live and wireless. However, the demand for even higher bandwidth capacities have been inducing scientists to research new technologies, capable of transmitting huge amounts of data in little time. One of them is through understanding quantum properties of light. In the 90’s, it was discovered that light beams with helical phase fronts have orbital momentum. Angular momentum, which is one of the most fundamental physical quantities in both classical and quantum mechanics, can be divided into two components in paraxial beams (a beam is considered paraxial if their wave fronts form small angles with the propagation axis): spin angular momentum

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Transfering data through orbital angular momentum

Left upper image: Anton Zeillinger, a quantum physicist at the University of Vienna, who implied that the amount of data that a light beam can carry could be increased using the orbital angular momentum of photons. Right upper image: Small grey-scale images from Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig Boltzmann and, of course, Erwin Schrödinger were transfered using orbital angular momentum of a laser beam. The 3 kilometer free-space experiment was performed in the city of Vienna. Right lower image: Cross Talk Matrix for different OAM superposition settings (in logarithmic scale), that shows the distinguishability of OAM mode superposition. They were able to distinguish the modes with an average error rate of 1.7% and a channel capacity of 3.89 bits. The image also shows two grayscale images encoded and transmitted in these OAM-mode superpositions. The upper image (Wolfgang Amadeus Mozart) has 4 bits per pixel, which corresponds to 16 grayscale settings. As a result, the full available set of modes was used to encode this image. The received image has a bit error ratio of 1.2%. The lower image (Ludwig Boltzmann) has 3 bits per pixel, which required 8 different modes. The average error rate for this image was measured to be 0.8%. Image at bottom of next page: Sketch of the experimental setup. The 3 kilometer free-space experiment was performed in the city of Vienna. The sender modulates a 532 nm laser with an SLM. The different phase holograms that modulate the beam correspond to superpositions of OAM modes. At the receiver, the transmitted modes were observed and recorded with a CCD camera. By analyzing the images, they characterized the atmospheric stability of the OAM modes and used them for transmitting real information.

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Most recently, free-space information transfer has also took use of the advantages of the OAM: in contrast to SAM, which has only two possible states, the angular momentum can assume, in theory, infinite values – resulting in infinite possibly achievable OAM states. Thinking geometrically, each state is associated with an integer which indicates its helicity. The helical modes are characterized by an integer number m, positive or negative. If m=0, the mode is not helical and the wavefronts are multiple disconnected surfaces, for example, a sequence of parallel planes (from which the name “plane wave”). The larger m is, more “twists” the helix has. This property gives the angular momentum the potential to increase significantly the capacity of communication systems when using the OAM states of the beam as information. Being capable of carrying angular momentum, photons have proven to be good candidates for the development of this technology. In 2001, Anton Zeillinger, a quantum physicist at the University of Vienna, implied that the amount of data that a light beam can carry could be increased using the orbital angular momentum of photons. Indeed, among other experiments, in 2012 a team composed by researchers in several countries and leaded by USC has succeeded at transmitting data through twisted light beams at a rate of simply 2.56 TERABITS per second. What is the rate of your broadband? 30 megabits/s? That is just 85,000 times slower.


(SAM), which relates to photon spin, and orbital angular momentum (OAM), associated with spatial distribution. Allen demonstrated, in 1996, that helically phased beams (helical modes of the electromagnetic field are characterized by a wavefront that is shaped as a helix, with an optical vortex in the center, at the beam axis.These discoveries lead to several applications in technology, mainly in optics and quantum information processing.

Can twisted light survive to air turbulence?

Although some successes were obtained, researchers asked themselves if this kind of transmission would be affected by turbulence in free-air long distance transmissions, especially above big cities. In 2012, a group of researchers from Italy and Sweden succeeded in transmitting two radio beams at the same frequency for 442 m. The signal was transmitted from one Venice’s island to another, and they were received and decoded clearly. In a more recent work, Zeillinger and his team investigated the effects of air turbulence in the transmission of photon OAM states above big cities. They restricted the light beam to 16 OAM modes and transmitted it directly from the radar tower of the Central Institute for Meteorology and Geodynamics from Vienna’s University to the rooftop of their own institute building. What information did they transmit? Small grey-scale images from Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig Boltzmann and, of course, Erwin Schrödinger – three of the most important Viennese of all time, the latter two having studied the physics that has direct impact on this accomplishment. In accordance to Mario Krenn, a physicist at the University of Vienna, since they performed the experiment with a laser, the results are very far from the single-photon regime. In order to obtain the OAM modes, the researchers used a spatial light modulator. It is a device that imposes some form of spatially varying modulation on a beam of light. A simple example is an overhead projector transparency. In

this case, Krenn explained to IEEE Spectrum that the modulator used in this experiment “is a usual pixel display with about one thousand by one thousand pixels where you can change the reflective index of each pixel. This allows us to introduce phase changes of 0 and 2π for each pixel. When we direct the laser beam at this spatial structure, the laser light undergoes these phase changes and develops specific intensity energy patterns”. The group also discovered that high quality lenses were necessary if they intended to maintain the OAM modes “untouched”, since lower quality seemed to kill the OAM modes as soon as they reached them. So using high quality lens, they collimated the reflected light into a 6 cm wide beam, which projects the light patterns on a screen 3 km away. Finally, all 16 different patterns, resulting from each one of the orbital angular momentum modes, were recorded by a CCD camera. Fortunately, although turbulence caused the patterns position on the screen to move, the OAM modes were not largely affected by open air turbulence. The patterns were recognized and then associated with the 16 OAM starts using an artificial neural network. The results of the successful 3 km transmission were communicated in the New Journal of Physics, with Krenn as lead author. He states that, since they triumphed in imparting OAM modes without much interference from open-air turbulence, their method brings promising implications as far as ground-satellite communications are concerned, for Earth’s atmosphere is about 6 km thick. We may still don’t have flying cars, for in this world it is information that flies quick and high. ■ Sources: »» Jian Wang et al., Nature Photonics 6, 488–496 (2012) »» Mario Krenn et al., New J. Phys. 16, (2014) »» Graham Gibson et al.,Optics Express Vol. 12, No. 22 - 5448 (2004) »» IEEE Spectrum, Alexander Hellemans, 20 Nov 2014 »» IEEE Spectrum, Alexander Hellemansd 25 Apr 2012

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I’M

BATMAN texto por Raisa Jakubiak

“Eu sou o verdadeiro Batman” – afirma Daniel Kish em sua palestra ao Poptech, entre risos. Daniel perdeu a visão com pouco mais de um ano de idade devido a um retinoblastoma. No entanto, isso não o impediu de ter uma infância normal correndo, subindo em árvores e até andando de bicicleta. Na década de 70 não havia bengalas brancas para crianças deficientes visuais, então, para poder se locomover pelo ambiente, ele aprendeu a “enxergar” fazendo “cliques” com a língua. Isso possibilita a identificação de relações espaciais utilizando a emissão e reflexão dos sons – assim como morcegos utilizam. Sabe-se que alguns animais, como morcegos e animais marinhos, utilizam ecolocalização com fins de orientação e navegação. Eles emitem sinais acústicos e analisam os ecos resultantes para extrair informações sobre o ambiente em questão. Isso oferece diversas vantagens funcionais em termos de orientação e aquisição de alimento, ajudando a compensar a falta de informações visuais devido à escuridão noturna ou águas turvas. Assim como Daniel, outros deficientes visuais também utilizam a ecolocalização para se mover no espaço com alta precisão. Eles são capazes de distinguir desde texturas de superfícies até estimar distâncias. Através do sistema perceptual, o cérebro tenta descobrir e explorar o ambiente, de maneira que as informações relevantes acumuladas durantes as experiências sejam melhoradas. Quando um deficiente visual utiliza as técnicas de ecolocalização, o sistema visual do cérebro é recrutado para auxiliar no processamento dos estímulos não visuais, construindo imagens que representam os estímulos percebidos.

T

anto a visão quanto a audição podem interpretar padrões de ondas refletidas por superfícies, sendo as ondas sonoras refletidas chamadas de ecos. O uso de ecos, ou localização por sonar, pode ajudar uma pessoa a perceber três características de objetos presentes no ambiente: localização, dimensão, e superfície (sólida ou esparsa, refletiva ou absorvedora). Estas informações auxiliam o cérebro na extração de uma imagem funcional do ambiente por até centenas de metros, dependendo do tamanho dos elementos e da intensidade do sinal sonoro. Por exemplo, um carro estacionado, detectável a 5 ou 6 metros de distância, pode ser percebido como um objeto grande que começa baixo em uma extremidade, fica mais alto no meio e depois fica baixo novamente na outra extremidade. Já uma árvore é entendida como estreita e sólida na parte mais baixa, aumentando em todas as direções e ficando mais espaçada no topo. Características mais específicas, como tamanho, quantidade de folhas e altura dos galhos também podem ser determinadas.

Sonar ativo e sonar passivo

Existem dois tipos de processamento de sons do ambiente: ativo e passivo. O sonar passivo é o mais utilizado pelos seres humanos, e consiste nos sons produzidos involuntariamente por quem está ouvindo, como passos e batidas com a bengala branca. As imagens produzidas são relativamente vagas e sem foco. O sonar passivo é suficiente para a detecção da presença de

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Ecolocalização é uma forma de acústica que utiliza sonares ativos para localizar objetos. Muitos animais, como morcegos e golfinhos, utilizam este método para caçar, evitar predadores, e para navegar emitindo sons e analizando as ondas refletidas. Animais com a habilidade de ecolocalização contam com vários receptores que permitem ter uma melhor percepção sobre a distância e direção de um objeto. Ao perceber uma diferença na intensidade do som e um atraso na chegado do som refletido, o animal é capaz de detectar a localização, tamanho, densidade e outras características do objeto. Humanos com deficiência visual também são capazes de utilizar biosonares para facilitar sua navegação.

objetos, mas não permite a distinção de características de maneira detalhada. Já o sonar ativo envolve o uso de um sinal sonoro que é produzido ativamente pelo indivíduo. Esta modalidade permite a percepção de características específicas, assim como objetos a maiores distâncias. David descreve o método como “uma conversa ativa com os elementos do ambiente”. Emitindo sons, pode-se “realizar perguntas” específicas para o ambiente e receber respostas claras. Os cientistas que estudam o sistema de ecolocalização de morcegos dão a este processo o nome de interrogar o ambiente. O morcego está envolvido ativamente em sondar características do local para extrair determinadas características através de um arranjo de emissões sonoras complexas, quase tão variadas quando um idioma. Apenas recentemente descobriu-se que seres humanos podem aprender a fazê-lo da mesma maneira.

Todos dizem que eu sou “ muito bom nisso, mas eu nunca penso. Simplesmente me vem naturalmente, assim como a respiração.” - Daniel Kish sempre se orientou desta maneira, sem perceber que agia como um morcego – ou Batman.

Testando o sonar humano

Interessados em estudar o quanto seres humanos podem compensar a falta de visão através desta técnica, uma equipe liderada por Lutz Wiegrebe, um neurologista na Universidade Ludwig Maximilian em Munique, Alemanha, recrutaram oito estudantes para aprender certas habilidades básicas de ecolocalização. Todos tinham visão normal e realizaram os testes utilizando vendas. Para a prova de conceito, dois professores de ecolocalização, cegos desde a infância, também realizaram os testes. Primeiramente, os estudantes foram ensinados a como produzir os “cliques” corretos utilizando suas línguas. Depois foram vendados e levados a um corredor longo e estreito, onde praticaram como descobrir a localização e distância das paredes através do tempo que cada clique levava para ser ecoado aos seus ouvidos. Wiegriebe comenta que, apesar de alguns alunos terem mais facilidade do que outros, a maioria apresentou resultados bons após duas ou três semanas de treinamento, conseguindo se orientar através dos cliques sem esbarrar em nenhuma parede. Num segundo teste, os pesquisadores criaram uma versão virtual do corredor para verificar a importância movimentos da cabeça e do corpo na exatidão da percepção dos participantes. Novamente, para garantir a eficiência do experimento e que a acústica simulada era realista, os dois deficientes visuais e experts em ecolocalização foram convocados para testar o equipamento.

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Fotos: Thatcher Cook

Os alunos foram instruídos a utilizar os cliques e seus ecos para alinhar seu corpo com o corredor virtual. Eles foram vendados e permaneceram sentados em uma cadeira, fazendo cliques em um microfone enquanto um programa de computador simulava o corredor. Na primeira parte do teste, eles foram instruídos a “se mover” pelo corredor virtual sem movimentos da cabeça ou do corpo, apenas utilizando um joystick. Já na segunda, eles eram autorizados a se mover nas cadeiras e girar suas cabeças para determinar a posição no cômodo. A diferença entre os dois experimentos foi impressionante: quando os participantes não podiam mexer seus corpos, eles não eram capazes de se mover de maneira correta pelos corredores, batendo nas paredes. Já quando eles tinham permissão para se mover, os “ecolocalizadores novatos” se adaptaram rapidamente e foram capazes de se mover pelos corredores virtuais sem maiores dificuldades. Desta maneira, o estudo tornou evidente que não só a utilização de cliques e ecos fornece vantagens funcionais e uma vida normal a pessoas com deficiência visual, mas também é possível aprender as habilidades da utilização da ecolocalização tendo visão normal. Estes experimentos são importantes inclusive no estudo das práticas de ecolocalização em animais já que, segundo Lore Thaler, psicóloga na Universidade de Durham, Reino Unido, “um morcego não consegue usar um joystick”. ■

Daniel Kish tem mestrados em Psicologia e Educação Especial. Ele foi a primeira pessoa cega no mundo a receber uma certificação de Especialista em Orientação e Mobilidade. Fundou a World Acess for the Blind, uma associação que oferece treinamentos de ecolocalização a pessoas com deficiência visual, principalmente crianças, para que tenham uma vida normal.

Fontes: »»Wallmeier L, Wiegrebe L, “Self-motion facilitates echo-acoustic orientation in humans”, R. Soc. open sci. 1: 140185. (2014) »»Thaler L, “Echolocation may have real-life advantages for blind people: an analysis of survey data”, Front Physiol. 4: 98 (2013) »»World Acess for the Blind »»Teaching the blind to navigate the world using tongue clicks: Daniel Kish at TEDxGateway 2012 »» Daniel Kish: Blind Vision - Poptech

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Edição 09 Dezembro 2014 / Janeiro 2015 Distribuição Gratuita

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