Revista RAIZ. 10

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MINISTÉRIO DA CULTURA, ASSOCIAÇÃO RAIZ E GALERIA BRASILIANA APRESENTAM

A ARTE VISIONÁRIA DE

RANCHINHO

A SENSIBILIDADE FALA MAIS DO QUE UM MILHÃO DE PALAVRAS

Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.

Ele tem um talento artístico extraordinário. Agora, sua história e sua obra estão descritos nesse livro. Ricamente ilustrado com dezenas de obras do artista Texto dos experts Antônio Fernando Franceschi, Oscar D´Ambrósio e Roberto Rugiero.

Realização

Nas melhores livrarias ou no portal Raiz:

www.revistaraiz.com.br


A edição 11 da RAIZ. apresenta muitas ideias e caminhos para se pensar a nossa cultura e a nossa identidade. São tantas as perspectivas abordadas, que vamos descrevê-las acompanhando o sumário da revista, para que juntos possamos entender seus múltiplos desenvolvimentos. Começamos com nossa religiosidade, misturada nas procissões católicas dos europeus, nas festas de matriz africanas e na fé em santos não-canônicos, traduzidas em belos retratos cearenses e pernambucanos. Então, apresentamos o Fórum Internacional de Gestão Cultural na USP realizado em São Paulo, para discutir a cultura como um bem social, fora dos meandros mercantilizadores e achatadores de diferenças e possibilidades. Continuando em São Paulo vamos o Instituto Tomie Otake acompanhar uma exposição ímpar que se inicia, com 10 artistas da maior significância para nossa arte popular oriundos de 8 estados brasileiros. Eles vem para expor e dialogar diretamente com o público, sem intermediários ou tradutores. E nós agraciados com o texto sempre elegante e profundo de Maria Lucia Montes. Dos nosso artistas populares, homenageamos os 100 anos de Jorge Amado, com mais um texto marcante, este de Gustavo Rossi, que nos apresenta o grande legado desse autor popular e erudito para a definição de nossa identidade brasileira. Nossa negritude aceita pelo endosso do autor. Das letras aos bits com a ocupação digital do espectro eletromagnético e milhares de ondas, que as tecnologias nos permitem utilizar, assim como já fazemos no mundo da Internet. Seguimos com a potencialização das redes do Fora do Eixo, que tem feito escola e realizado um dos trabalhos mais sérios na geração de um economia colaborativa. Daí mergulhamos em nossa identidade. Com a apresentação de uma das coleções mais belas da nossa arte popular, a coleção Gambarotto e indo direto para Iguape, em São Paulo, onde o carnaval é mais do que uma festa popular. Em uma edição, focada na formulação de políticas para a cultura, abordamos dois casos de sucesso de metodologias inclusivas: os trabalhos do Instituto Olga Kos e da Associação Cultural Cachuera! O primeiro, incluindo portadores de deficiência intelectual através da arte e do esporte; o segundo, trazendo os folguedos para o entendimento e consumo ampliado dos centros urbanos. Continuando para o novo MinC, já mais rodado agora, que apresenta seus diferenciais no debate sobre a Economia Criativa e na análise do processo de Gilberto Gil a Ana de Hollanda, a dobrada da MPB, que mudou e pretende mudar a Cultura do país. Para se divertir, rótulos de cachaças históricos e iconográficos para o deleite do olhar. Continuando nosso entretenimento, nada como escutar a música analógica do Acervo Origens, com os LPs antológicos da música brasileira e pegar a estrada com a Rede de Turismo Comunitário, que com muito conforto oferece uma experiência diferenciada aos viajantes. Para terminar, um bom cafezinho. Ainda mais se misturado com o caldo de cana em uma receita tradicional. Nunca experimentou? Não sabe o que está perdendo.

Boa leitura!

Edgard Steffen Junior


COLABORADORES Jefferson Duarte Apaixonado e disseminador da cultura

Raquel Gonçalves é jornalista, formada pela Universidade

popular brasileira. Nasceu em Cascadura subúrbio do Rio de

Federal do Ceará - UFC. Mestre em Comunicação e Semiótica

Janeiro, mora atualmente em São Paulo. Cenógrafo autodi-

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC

data por ofício, foi responsável pelas exposições: Na Terra de

SP. Membro fundador do extinto grupo Tr.e.m.a. (Território

Macunaima; 100 anos de Cordel - a história que o povo conta;

de Expressão no Mundo Anônimo) que atuou na cidade de

O Chão de Graciliano; Choro do Quintal ao Municipal; Estação

Fortaleza com intervenções e produções alternativas de comu-

Cartola; Cariri Sertão Cultura; Sertão Brasil – uma viagem pelas

nicação. Trabalhou no caderno de cultura do jornal O POVO,

veredas do Rosa, Memorial da Inclusão – Mostra permanente

em Fortaleza. Desde 2009 mora em São Paulo. Possui um blog

da Secretaria estadual da pessoa com deficiência; A Arte nos

jornalístico de viagem. www.estradadosventos.blogspot.com`

tempos do café; entre outras. Hoje está à frente da Celophane Cultural como produtor, cenógrafo e blogueiro.

com

Gustavo Rossi éGraduação em Ciência Sociais pela Unesp

atuação há 10 anos na cultura popular brasileira, Pesquisador,

(Araraquara) e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social

membro da Comissão e Paulista de Folclore com especialização

pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do

em inventário de Patrimônio Imaterial pela Crespial/Unesco.

livro As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos

Diego Dionísio Jornalista e assessor de comunicação

anos 30.

EXPEDIENTE EDITOR-CHEFE: Edgard Steffen Junior EDITORA ASSISTENTE: Thereza Dantas

RAIZ É UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO RAIZ. COM APOIO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO.

JORNALISTA: Cleber Erik da Silva PROJETO GRÁFICO: Uirá Peixeiro

E-MAIL: faleconosco@revistaraiz.com.br

DIREÇÃO DE ARTE: Uirá Peixeiro e Igor Busquets

PORTAL RAIZ.: www.revistaraiz.com.br

VÍDEOS: Célia Harumi Seki VINHETA: Rodolfo Nakakubo

AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 10ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ:

INTERNET: Leo Flauzino

Muda Cultural - Race Gestão Cultural - Primavera Filmes - Programa

ADMINISTRAÇÃO: Marcela Carvalho Campos

Cultura Viva - Galeria Brasiliana – Rede Mocambos (Margareth Silva, TC e PC) – Rede Cananéia – Museu Afro Brasil – Emanoel Araújo - Felipe Melo

COLABORADORES: Cristina Astolfi, Lauro Ramos, Marcos Linhares, Mauro

- Bárbara Tércia – MinC Regional São Paulo.

Dias, Patrícia Dunker, Raul Lody e Roberto Ruggiero (TEXTOS); Fernando Cavalcante, Guma, Julio Pereira, Lauro Rocha, Luiz Claudio Mayerhofer e

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: RR Donnelley

Luiz Santos (FOTOGRAFIAS) JORNALISTA RESPONSÁVEL: Thereza Dantas – MTB 22.194

APOIO INSTITUCIONAL

Este é um projeto com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91)


SUMÁRIO 6

ACONTECE......................

O que rola de bom em nossa cultura

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PROSA..............................

A fala digital de Marcelo Branco

30

VERSO...............................

O libertador de livros: João Corujão

36

FIGURAS............................

Tracunhaém, a cidade feita de barro

40

RAIZ DA QUESTÃO...........

Debates sobre os caminhos da cultura brasileira

48

PATRIMÔNIO....................

Caboclinho 7 Flexas, o índio urbano do carnaval

56

POLÍTICAS.........................

Fernando Duarte, exclusiva com o secretário de cultura de Pernambuco

60

ENSAIOS...........................

A coleção de João Maurício de Araújo Pinho

70

BENS DE RAIZ....................

Livros, filmes, DVDs e CDs de RAIZ

84

MÚSICA............................

O erudito e o popular do Sagrama, PE

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VIAGENS...........................

A exuberante Porto Alegre

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COMIDAS.........................

Comida com axé

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PONTOS DE CULTURA.....

Arte e transformação social em ação


acontece

DEZ ANOS, DEZ PAÍSES E DES... CENTRALIZAÇÃO EM SUA DÉCIMA EDIÇÃO, O FESTIVAL INTERNACIONAL DE BONECOS DE BRASÍLIA DESCENTRALIZOU O EVENTO E FEZ ARTISTAS DE ONZE PAÍSES PARTILHAREM EXPERIÊNCIAS E SONHOS Por Marcos Linhares

Foto: Cia. Comédia Liberarte – Foto Artur Leonardo

Fotos Artur Leonardo, Flávio Manoel e Karim Sauro

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Fotos: Artur Leonardo

acontece

Público interage no Festival Internacional de Bonecos de Brasília

“O fato é que o mundo do teatro de bonecos já há muito encanta o Brasil, e a capital federal também não conseguiu resistir à criatividade e à irreverência dessa nobre manifestação de cultura popular.”

E

moção. Brilho nos olhos do espectador que brota quando da manipulação de um boneco que ganha vida. O fato é que o mundo do teatro de bonecos já há muito encanta o Brasil, e a capital federal também não conseguiu resistir à criatividade e à irreverência dessa nobre manifestação de cultura popular. Colocando o Distrito Federal na rota mundial, o Festival Internacional de Bonecos de Brasília tem aberto espaços, discutido o fazer cultural, e construído um ambiente democrático da arte humanística. Na décima edição, realizada de setembro a outubro deste

ano, pôde-se notar uma preocupação com a descentralização, no sentido de realizar apresentações não só no centro da capital federal (no chamado Plano Piloto) mas também alcançar as outras regiões administrativas, antigamente chamadas de cidades-satélites, com população ávida por atrações culturais e normalmente esquecida dos grandes espetáculos. “Nós apostamos na descentralização. Nós queremos consolidar esse projeto. Afinal, fora do Nordeste, o DF o local com a maior concentração de bonequeiros do Brasil, e o festival deve cumprir uma função social: gerar empregos dire-

tos e indiretos, tanto para artistas quanto para prestadores de serviços de áreas variadas. São dez anos e isso também faz parte de nossa missão,” defende o coordenador-geral, Ricardo Moreira. Moreira conseguiu reunir grupos brasileiros de várias unidades da Federação (CE, DF, GO, MG, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RS, SP) com artistas da Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, Espanha, Quênia, México, Portugal e Uruguai.

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acontece

Breve histórico dos bonecos no Brasil

Foto: Cia. Nazarenos de Bonecos – Foto Flávio Manoel

O mamulengueiro, ventríloquo, educador e um dos precursores da arte dos bonecos no DF, Chico Simões, explica que no Brasil os bonecos chegaram com os primeiros portugueses. Religiosos ou profanos tinham vários nomes: Presépio de Fala, Bonifrates, Briguela, Engonços, mas logo adquiriram o sabor africano e indígena e novos apelidos. “O mamulengo é para todos, sem distinção de idade, credo religioso ou classe social. Apresenta-se em qualquer parte, desde os salões da realeza até as feiras e casas mais pobres, da casa grande à senzala. Os bonecos são feitos, geralmente de madeira e tecido, de feições caricaturais e movimentos engraçados, sempre lembram algum conhecido nosso, um político, um reli-

“Quando não existia a televisão e outras formas de diversão o mamulengo fazia muito sucesso em todo o Brasil.” gioso, um aventureiro, um patrão, um empregado, alguns bichos naturais e até criações do outro mundo. O palco pode ser qualquer tecido onde o mamulengueiro se esconda atrás e os bonecos possam subir para brincar,” explica Simões.

Quando não existia a televisão e outras formas de diversão o mamulengo fazia muito sucesso em todo o Brasil, depois passou por uma grande crise, mas hoje em dia tem se tornado meio de vida de muita gente que vai descobrindo novas funções para os bonecos. Outras características marcantes do mamulengo são o improviso e a comunicação direta com o público. A cultura popular brasileira compõe um universo vivo em permanente estado de ebulição. “As histórias geralmente partem de roteiros transmitidos oralmente, são clássicos que, adaptados livremente por cada mamulengueiro, se renovam. De vez em quando um mamulengueiro inventa um texto totalmente novo, o que é muito bom pois renova a tradição,” finaliza Simões. Mestres Presentes em todas as edições do Festival, os mestres chamados de mamulengueiros são um capítulo à parte: talentosos, normalmente com pouco estudo, de certa idade e com muitos anos de estrada, eles encantam pela simplicidade de seu brincar que demove barreiras culturais, étnicas, etárias e sociais. Em comum, o riso fácil, a alegria de viver e a honra pela profissão sofrida e normalmente carente de apoio governamental. Representando o estado do Ceará, o mestre Gilberto Calungueiro participa do Festival há anos e em 2006, recebeu do governo cearense o título de Mestre da Cultura. “Participar do Festival foi a maior alegria que já tive na vida. Gostei

da viagem, do povo de Brasília. Minha vida é assim mesmo. Nunca pensei em ser calungueiro. Nunca pensei em andar de

“Minha vida é assim mesmo. Nunca pensei em ser calungueiro. Nunca pensei em andar de avião. Nunca pensei em ir para Brasília. E olha só: deu tudo certo e estou muito feliz”, mestre Gilberto Calungueiro avião. Nunca pensei em ir para Brasília. E olha só: deu tudo certo e estou muito feliz,” contou o artista. O evento conseguiu ocupar o status de maior Festival de Bonecos do país, graças ao público de cerca de 400 mil expectadores, sendo que aproximadamente 80% do total era composto por alunos de escolas públicas urbanas e rurais que puderam assistir a tudo gratuitamente.

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Fotos: Karim Sauro

acontece

LIVRO CONTA HISTÓRIA DOS MAMULENGOS DO PAÍS Da Redação Fotos Divulgação

Espetáculo “O princípio do Espanto” da Morpheus Teatro de São Paulo

Os artistas que trabalham com bonecos exibem os diversos “sotaques” (características, estilos) desse “brinquedo” mais conhecido pelo nome de mamulengo, como é chamado em Pernambuco. No Brasil há outras alcunhas que mudam de acordo com a região. Na Paraíba, por exemplo, é chamado de Babau; no Rio Grande do Norte, de João Redondo ou Calunga; no Ceará, Piauí, Maranhão e Pará como Cassimiro Coco; na Bahia, quando existiu, se chamou João Minhoca. Mais do que falar do Festival Internacional de Bonecos de Brasília, o livro Uma década de Brincadeiras – Uma desculpa para falar de Bonecos, dos jornalistas Marcos Linhares e Vitor Ferns, foca em quem o faz: os artistas. É o caso do cearense Toni Bonequeiro que comprou o lote onde reside com o dinheiro do Bolsa-Família e começou a construir

a casa com o cachê recebido pelas apresentações no evento, anos atrás.

“Os artistas exibem os diversos “sotaques” desse ‘brinquedo’” Finalmente, com a participação dele este ano, conseguirá finalizar a tão sonhada moradia. “Sem o Festival de Brasília eu jamais conseguiria,” revela feliz. Fazendo um devido registro de seus sonhos, dores e amores, os autores abordam a maravilhosa dádiva da cultura popular por meio de seus protagonistas e da paixão pelo teatro internacional de bonecos.

Serviço: Livro: Uma década de Brincadeiras – Uma desculpa para falar de Bonecos de Marcos Linhares e Vitor Ferns Editora Thesaurus, 144 págs. Quanto: 30 reais

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Fotos: Acervo Associação Raiz

acontece

BRINQUEDOS DO BRASIL BRINCAR COM ARTE – O BRINQUEDO POPULAR DO NORDESTE, COM MAIS DE MIL OBJETOS DA COLEÇÃO DE DAVID GLAT. da Redação Fotos Acervo Associação RAIZ

Na coleção do curador David Glat brinquedos criados com materiais diversos, tais como madeira, arame, tecido e latinhas de refrigerante.

Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste traz objetos da coleção de David Glat, curador do Museu do Brinquedo Popular na Bahia. A exposição tem uma grande diversidade de objetos, de bonecos representando figuras populares, como bailarinas e forrozeiros, e mitológicas, como o saci e sereias, a miniaturas de veículos feitas de materiais diversos, tais como madeira, arame, tecido e latinhas de refrigerante. O Museu Afro Brasil pretende nessa mostra, com mais de mil itens, pela via da estética, recuperar as raízes brasileiras contidas nesses brinquedos, que embalaram gerações de infâncias de meninos e meninas brasileiros.

Serviço: Exposição: Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste Até dia 01 de abril de 2012, de terça a domingo das 10h às 17h Local: Museu Afro Brasil – Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo Fone: (11) 3320-8900 ramal 8921 Agendamento para visitas monitoradas www.museuafrobrasil.org.br 17


Fotos: Guma

acontece

AFRO-SAMBAS

UMA MANEIRA DE OUVIR O BRASIL

Quando Quartin bolou o nome “afro-sambas” e lançou o disco, em 1966, vários dos temas já haviam sido gravados e feito sucesso (nas vozes de Odete Lara, Elisete Cardoso, Rosinha de Valença, Nara Leão, por exemplo).

Por Mauro Dias Fotos Guma

T

alvez Vinicius de Moraes não tenha incorrido em redundância, afinal, ao chamar de afro-sambas (ou afro sambas, as duas grafias são corretas) o resultado de seu trabalho em parceria com Baden Powell realizado no início dos anos 1960, um grupo de canções inspiradas em personagens, timbres, pulso rítmico do candomblé. Seria redundância se consideramos que todo samba brasileiro tem origem africana. Não seria redundante se Vinicius pensasse – e nem mesmo que José Castello, seu melhor biógrafo, que se debruçou sobre a questão – que o samba, tal como era praticado comercialmente naquele momento, estava um tanto afastado de suas origens, acomodado, adocicado de modo a ser palatável para

a classe média formadora do crescente negócio da fonografia. Seja como for, Vinicius apenas adotou o nome “afro-sambas”. Quem batizou assim o conjunto de peças foi o produtor Roberto Quartin, dono da gravadora independente Forma. Homem de grande conhecimento musical, bom gosto e tino comercial, Quartin havia criado a Forma em 1960. Lançou, pelo selo, discos importantes (as estreias de Moacyr Santos e do Quarteto em Cy, a trilha sonora de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”) e seria o produtor do encontro de Tom Jobim com Frank Sinatra. Pois bem, foi esse sujeito especial que viu o que havia de especial naqueles sambas que Baden e Vinicius haviam composto ao longo de alguns anos. E percebeu que seria interessante reuni-los de forma temática.

“Os afro-sambas de fato têm, como conjunto, um grande peso simbólico – tão ideológico quanto musical ou poético.” E, seja como for, os afro-sambas de fato têm, como conjunto, um grande peso simbólico – tão ideológico quanto musical ou poético. Em linhas gerais, pode-se dizer que o samba, de fato, afastou-se de seu berço quando passou a ocupar lugar de importância na cadeia da indústria de entretenimento. O que seria mesmo inevitável – ou não entraria

na cadeia da indústria de entretenimento. Abandonou a temática de origem (dos jongos, das rodas do recôncavo baiano), sempre reverente às divindades de origem africana, para abarcar universo mais amplo. E como não há conteúdo novo sem forma nova, esse universo mais amplo solicitou do criador uma nova estética. Que deu no samba tal como era criado pelo carioca Noel Rosa, pelo baiano Assis Valente ou pelo mineiro Ari Barroso. Baden Powell de Aquino nasceu numa cidadezinha do interior do Estado do Rio, uma antiga pousada de boiadeiros. Seu pai era mestre de banda e mudou-se com a família quando Baden era garoto. No Rio de Janeiro, Baden começou a conviver com chorões – muito mais do que com sambistas. Pois seu pai, que tinha conhecimento teórico de música, era amigo de gente musicalmente instruída como ele – os instrumentistas do choro. A turma do samba era outra, mais intuitiva, sem dúvida talentosa, mas de outro mundo. Em pouco tempo o precoce violonista Baden Powell começou a acompanhar

gente importante do mundo do rádio – tocando valsas, boleros, beguines, modas, muito samba-canção. Seu contato com o samba foi, portanto, quase nenhum. E seu conhecimento da música mais próxima das raízes africanas praticamente não existiu. Na cidade natal, porque era muito novo. Na capital, porque foi frequentar outro meio. Mas histórias certas escrevem-se por linhas tortas. E foi assim que, em 1962, acompanhando Sílvia Telles, Baden fez uma viagem à Bahia. Lá foi ouvido pelo compositor (também cantor, jornalista, homem de teatro etc.) Carlos Coqueijo, que, encantado com sua habilidade, lhe deu de presente um disco de sambas de roda e temas do candomblé. Aquilo era totalmente novo para o violonista. Baden ficou extasiado. Muito estudioso e disciplinado (apesar da imagem pública de boêmio não muito responsável), mergulhou de cabeça nos sambas de roda e músicas de terreiro. Baden isolou células harmônicas, examinou intervalos, escandiu os complexos rítmicos e, ao cabo, redimensionou as possibilidades técnicas do violão de modo que o instrumento 17


acontece

50 ANOS DE AFRO SAMBAS “Em qualidade sonora – foi a pior naquele tempo; só existiam dois canais em hi-fi. Foi gravado num daqueles dias, em que caía um temporal histórico – o estúdio estava transbordando de água e chuva – cantava e tocávamos em cima de algumas caixas de cerveja e uísque que há muito já havíamos consumidos – estávamos todos com muita raça, mas também bastante bêbados. Poucos profissionais – até as namoradas, mulheres e amigos participaram da gravação”. (Baden Powell em carta ao amigo Joel em 1º de novembro de 1990) 2012, ano em que se completam cinquenta anos da primeira parceria entre Baden Powell e Vinícius de Moraes, a Cia Jazzcira de Repertório, buscando trazer luz a esta importante obra, coloca em circulação o Projeto Afro Sambas – 50 anos:

Foto: Guma

Foto: Guma Fotos: Guma

Circulação do show O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius, que além da série de músicas dos Afro-Sambas, traz os clássicos “Apelo”, “Deixa”, “Formosa”, “Samba em Prelúdio”, “Samba da Benção”, “Tem Dó”, “Pra que chorar”, “Queixa”, “Tempo Feliz” e “O Astronauta”. O show teve a sua estreia em maio de 2011, e já foi apresentado nas bibliotecas municipais de Pinheiros, Vila Mariana, Vila Maria e Guaianazes, no SESC Santo Amaro, e na AABB–Associação Atlética do Banco do Brasil.

pudesse abrigar e explicitar a quantidade de novas informações. O primeiro afro-samba – que, nunca é demais lembrar, não era chamado de “afro-samba” na ocasião – foi “Berimbau”, e é notável o fato de que não haja alusão religiosa na letra da canção. Pois o que encantou tanto Baden quanto Vinicius não foi a religiosidade da música do candomblé e do samba de roda, mas a riqueza harmônica, melódica e rítmica contida naquelas formulações, e o universo – musical, poético – que se abria como direta consequência. Os afro-sambas, hoje, são totens da expressão criativa popular, página sofisticada que definiu critérios qualitativos para autores que os ouviram. Edu Lobo diz que sua música não seria a mesma sem aquela série de canções; Chico Buarque faz coro, e

“E como não há conteúdo novo sem forma nova, esse universo mais amplo solicitou do criador uma nova estética.” assim por diante. O violão brasileiro ganhou dimensões novas e passou a ser reconhecido como um dos mais importantes – senão o mais importante – da cena internacional. Os nomes das divindades de origem africana, os orixás, integraram-se ao vocabulário cotidiano inclusive como reforço na afirmação de brasilidade que a cultura tentava estabelecer naquele momento em que se vivia o início da ditadura militar.

Baden – Vinicius com ele, mas Baden, em primeiro lugar – criou um marco divisório ali naquele início dos anos 1960, um marco ainda não bem examinado (mesmo que muito mencionado), talvez de compreensão menos imediata do que o outro, um pouco anterior, da bossa nova, que veio pelas mãos de João Gilberto. São em tudo oponentes. Se João é a contenção, a economia, o intimismo, o distanciamento, Baden é a explosão, o ruído, a busca da harmonia no ruído, a porta aberta para a rua em festa, o corpo, o contato. Essas expressões, esses brasis estiveram em contraponto naquela época, estão em contraponto ainda hoje. Para entender Brasil é preciso ouvir essas duas vozes, estudá-las em suas características e, fundamentalmente, estudar o que as distancia.

Circulação da exposição coletiva Doze Artes. Doze Canções. Nove artistas brasileiros recriam nas artes plásticas os doze afro-sambas que compõem a coleção de Baden Powell e Vinícius de Moraes (“Berimbau”, “Bocochê”, “Canto de Iemanjá”, “Canto de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Canto do Caboclo Pedra Preta”, “Consolação”, “Labareda”, “Lamento de Exu”, “Samba da Benção”, “Tempo de Amor” e “Tristeza e Solidão”). Exposição inaugurada na Galeria do Banco do Brasil. Produção de documentário (ainda sem título). A partir do depoimento de alguns protagonistas (Quarteto em Cy, Dulce Nunes, Alfredo Bessa, Betty Faria, César Proença, Otto Gonçalves Junior), recria os quatro dias da gravação do LP, ocorrida nos dias 03, 04, 05 e 06 de janeiro de 1966. Serviço: O Projeto e a agenda dos shows podem ser acompanhados no blog: www.afrosambas.com.br Ficha Técnica do show: Show: O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius Direção Musical: Igor de Bruyn Direção Artística: Henrique Barros Cia Jazzcira: Adriana Aragão (percussão), Daisy Cordeiro (voz), Edson Negrita (cavaquinho), Igor de Bruyn (violões), Mauricio Paixão(percussão), Paula Souto(voz), Susie Mathias (voz), Vinicius Batucada (percussão) Exposição: Doze Artes, Doze Canções Cida Carvalho, Malu Perlingeiro (Brasilia/DF), Carlos Martins (Teresina/PI), Heraldo Candido (Belém/PA), R. Francolino (Guarulhos/SP), Jair Guilherme, Shidon Soares, Sopa Grafix, Zaza Jardim (São Paulo/SP) Liga dos Raros: www.ligadosraros.com.br Afro Sambas: www.afrosambas.com.br O Amor nos Tempos de Baden e Vinícius: oamornostempos.wordpress.com 19


prosa

Marcelo D’Elia Branco mantém uma discreta porém ativa militância na implementação da Cultura Digital no Brasil.

MARCELO BRANCO

DESPLUGADO Por Thereza Dantas Fotos Fernando Cavalcante

S Foto: Fernando Cavalcante

egundo a Wikipedia, ele é “consultor para sociedade da informação e também ocupa o cargo de professor honorário da Cevatec, além de ser membro do conselho científico do programa internacional de estudos superiores em Software Livre na Universidade Aberta de Catalunha. Foi coordenador do projeto Software Livre Brasil, através do qual também coordenou o Fórum Internacional de Software Livre. Também foi diretor do Campus Party Brasil por três anos. Deixou estas duas funções para se dedicar à coordenação de campanha nas redes sociais da candidata Dilma Rousseff do PT nas eleições 2010 do Brasil”. Uma das referências da cultura digital no Brasil, Marcelo D’Elia Branco frequenta o ciberespaço há mais de trinta anos. Iniciou sua carreira na Em-

brapa, criou e produziu diversos projetos de inclusão digital para a prefeitura de Porto Alegre e para o governo do Estado do Rio Grande do Sul. Foi um dos consultores em cultura digital na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Em meio à gestação da primeira filha e aos encontros nacionais e internacionais sobre os temas do ciberespaço, concedeu uma entrevista no café da Casa de Cultura Mario Quintana, na capital gaúcha, Porto Alegre, para a revista RAIZ. Marcelo Branco fala das mudanças do século 21 com segurança e da certeza de que o mundo já mudou. Militância, ativismo, políticas públicas e direito autoral foram alguns temas das quase duas horas de bate-papo. Sem pressa, desplugado...

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prosa

RAIZ.: Você tem uma longa experiência no desenvolvimento da Cultura Digital. Como foi a sua relação com o Ministério da Cultura na gestão Gilberto Gil, na qual esse movimento se transformou em política pública? Marcelo Branco: Primeiro, eu acredito e compartilho essa opinião com outras pessoas: que estamos vivendo uma revolução digital e não tecnológica que está alterando de forma intensa as relações pessoais. E de forma tão profunda como foi a revolução industrial do século 18 para o século 19.

“Estamos vivendo uma revolução digital e não tecnológica que está alterando de forma intensa as relações pessoais.” Durante mais de dois séculos todas as organizações, instituições e relações foram mediadas por formas criadas na revolução industrial. As disputas políticas, econômicas se deram nesse espaço que tem como base a revolução tecnológica industrial. A internet está

mudando isso. Ela tem alguns atributos que ampliam de forma intensa os relacionamentos humanos. A Cultura Digital é uma das novidades que surgem com essa revolução digital. Na economia, a acumulação do capitalismo era baseada no segredo industrial, na propriedade intelectual, na reserva do conhecimento, esses eram os valores que acumulavam capital. Na economia hoje, diante da revolução tecnológica digital, o valor a ser perseguido até por grandes corporações é o valor da abertura, do compartilhamento, da busca do conhecimento que está distribuído na rede, para agregá-lo às empresas e à vida das pessoas. A Cultura Digital tem origem no início da internet. O movimento do Software Livre surge nos anos 1980 com o hacker Richard Stallman e com ele os primeiros conceitos de copyleft e Creative Commons. E aí surgem os primeiros sujeitos políticos da internet. A origem da Cultura Digital está ligada a movimentos de acadêmicos e hackers. A primeira grande comunidade, a primeira grande rede social de pessoas que se aglutinaram em torno das possibilidades colaborativas foi a do Software Livre da qual eu faço parte. Hoje a Cultura Digital está associada a cultura nerd, geek e hacker. O próprio ministro Gilberto Gil se considerava um ministro hacker, porque ele tentou construir as ações do Ministério a partir

dessa cultura. É bom deixar claro que há diferenças entre hackers e crackers. Os hackers são os criadores (ou desenvolvedores) que usam seu conhecimento para ampliar a ação da rede através de parcerias, já os crackers são os que violam privacidade, criam vírus, os que invadem sites ou trabalham na CIA. Então, os valores de origem da Cultura Digital são os valores da colaboração, do compartilhamento do conhecimento e do conhecimento aberto. E na Cultura Digital não existe o antigo conceito de obra original, porque a obra pode sofrer uma colaboração e virar uma obra derivada a partir de várias obras originais. No Rio Grande do Sul há mais de dez anos incentiva-se o Fórum Internacional do Software Livre, mas como uma política de desenvolvimento da tecnologia. No governo Lula iniciei a provocação e a crítica sobre a questão do Software Livre e conheci o Gilberto Gil no primeiro ano do governo. Poderia ter sido o ministro da Ciência e Tecnologia ou o ministro da Indústria, não foi nenhuma Secretaria da Tecnologia da Informação, mas foi o Gilberto Gil que abraçou a questão. A Cultura Digital só surgiu como política pública na gestão do Gilberto Gil, quando ministro da Cultura. Já havia grandes redes sociais, mas na gestão Gil muitas delas foram incentivadas – como foi o caso da rede das Mídias Livres. Nas duas cúpulas da Sociedade da Informação em

“Poderia ter sido o ministro da Ciência e Tecnologia ou o ministro da Indústria, não foi nenhuma Secretaria da Tecnologia da Informação, mas foi o Gilberto Gil que abraçou a questão da Cultura Digital.” Genebra (2003) e Túnis (2005), o Brasil defendeu posições já baseado nas orientações das políticas do Gil. Ele é um cara ligado e isso tem origem lá na Tropicália, quando ele e o Caetano utilizaram a tecnologia no campo da música popular brasileira. Na época também foram muito combatidos porque adicionaram a guitarra à música brasileira... O Gilberto Gil projetou o país internacionalmente na área da Cultura Livre, da cibercultura, da Cultura Digital!

RAIZ.:No processo de criação dos Pontos de Cultura eram cedidos equipamentos como computadores, câmeras fotográficas e filmadoras para diversos grupos como comunidades indígenas, quilombolas ou grupos urbanos do movimento hip-hop. Vocês chegaram a fazer uma avaliação sobre o que foi produzido a partir desse encontro da Cultura Popular com a Cultura Digital? Marcelo Branco: Não chegamos a fazer essa avaliação, mas posso dizer que existem vários programas de inclusão digital de instituições como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Secretaria Nacional de Inclusão Digital com políticas nacionais de inclusão digital. Todas essas iniciativas são incomparáveis à iniciativa de inclusão digital do MinC. E a grande diferença é que a maioria dos programas já vinha com projetos criados dentro do governo, e os Pontos de Cultura, dentro de um pequeno orçamento, é um projeto horizontal que respeita o trabalho das organizações culturais já existentes e potencializa suas ações. Foi um projeto ousado e exitoso porque transferiu toda a gestão para a própria organização, para a sociedade civil. Não havia ninguém do governo dizendo o que tinha o que ser feito. O segredo do sucesso foi esse: foi deixar os quilombolas, as aldeias indígenas, as comunidades urbanas que já tinham sua 23


“Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou a “oportunidade” de expor suas obras, porque todo bem cultural tinha uma indústria que intermediava, que tinha a capacidade e a tecnologia do poder da cópia e o monopólio da distribuição.”

história, ampliarem seus trabalhos com o apoio da Cultura Digital. Não foi necessário construir nada a partir da iniciativa do governo, ao contrário, os Pontos de Cultura eram instituições que já existiam, nunca foram órgãos do governo! A grande sacada da gestão Gil foi inverter a ordem. Sair da política da cultura dos consagrados – e não tenho nada contra os consagrados – e potencializar a Cultura Popular que não tem espaço na indústria criativa – indústria do cinema, indústria fonográfica, até nas comunicações. Foi um espaço de protagonismo da cultura popular – Selma do Coco, Mestre Felipe do Tambor de Criola do Maranhão ou projetos culturais de grupos quilombolas puderam ser vistos e se entenderem como criadores de cultura. Pela primeira vez, nunca antes no Brasil...[risos]

RAIZ.: Mas foi feito algum balanço? Marcelo Branco: Eu sei que o Programa Pontos de Cultura atingiu cerca de oito milhões de pessoas, que são quase dois mil pontos de cultura, mas não fizemos um balanço final sobre isso porque acreditávamos que esse programa teria uma continuidade... Mas, voltando, as ações do MinC impulsionaram as mídias livres, a CulturaDigital.Br, a ideia da meta-reciclagem, de transformação dos equipamentos digitais em arte, tudo isso associado a uma discussão de possibilidades de remuneração da nova cadeia produtiva da cultura a partir da chegada da internet. Foi um período de intensa discussão que foi interrompido... Vimos nesses oito anos de governo Lula uma grande discussão, e não havia

um modelo acabado mas que valorizava a internet como nova possibilidade de produção colaborativa de arte, uma nova possibilidade de divulgação da arte – essa que não tem espaço nos grandes meios de comunicação. Iniciou-se a discussão sobre a remuneração, como o autor se sustentaria nesse novo modelo, como o produtor, enfim não se negou o desafio da remuneração nesse novo contexto mas abria a discussão contando com a internet como aliada e não como inimiga! No mundo inteiro os maiores ataques contra as liberdades civis na internet vêm da chamada indústria criativa, que historicamente vê a internet como inimiga. A indústria do cinema, a indústria fonográfica, a indústria do copyrigth, têm lobbys fortes com a adesão de políticos e governos para que se adotem ações de vigilância, controle e censura na internet, porque a internet ameaça o modelo de negócio deles. RAIZ.: No século 20 a economia era baseada no bem material, e no século 21 se baseia na informação ou no bem imaterial. Quais seriam as alternativas de remuneração, com exemplos, e as questões do direito do autor com as novas licenças Creative Commons (CC) ou copyleft.

Foto: Fernando Cavalcante

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Para Marcelo Branco a Cultura Digital viveu seu melhor momento na gestão do ministro “hacker” Gilberto Gil.

Marcelo Branco: Olha, a gente tem que partir do princípio de que o modelo de remuneração e reconhecimento do século 20 não era justo. O modelo anterior era excludente, a grande maioria dos artistas não conseguia chegar ao conhecimento do grande público porque o sistema funcionava como um funil. Poucos tinham a “sorte”, o “talento” ou

a “oportunidade” de expor suas obras, porque todo bem cultural tinha uma indústria que intermediava, que tinha a capacidade e a tecnologia do poder da cópia e o monopólio da distribuição. Então funcionava assim: a extração da matéria-prima – o autor ou compositor, entregava suas obras para a indústria da cópia – impressão de CDs ou livros, que 25


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“Existem crimes no mundo virtual, mas, como no mundo real, as pessoas têm direitos de defesa e todos são inocentes até que se prove sua culpa via investigação, provas e uma decisão judicial.” também detém o poder da distribuição dos produtos culturais, para chegar ao público. Entre o criador e o público havia uma indústria intermediária, talvez a indústria mais poderosa do século 20, a indústria do copyright que detinha a tecnologia da cópia e o monopólio da distribuição. O autor recebia uma pequena parte desses rendimentos financiados pelo público, e o varejo, que vendia o produto, também ganhava uma pequena parte. A maior parte do valor que nós cidadãos pagávamos pelo bem cultural ficava na mão dessa indústria intermediária que controlava a cópia e a distribuição. O que acontece quando chega a internet? Esse produto imaterial – a obra, que não precisa de um suporte físico – não precisa da produção fabril e muito menos do controle da distribuição... ou seja, a indústria da intermediação evapora com a internet. Ela não é mais necessária – não existe mais a necessidade de fábrica de cópias de CDs ou de livros, nem precisa mais de uma estratégia de distribuição – e ela precisa se reinventar. Mas ela ainda quer dar as cartas do jogo, ela ainda é poderosa, ela ainda quer manter as regras de quanto

o músico ou o autor devem ganhar ou quanto a loja pode lucrar com a venda do produto, ela quer também censurar a internet... Então nós tínhamos um modelo injusto, que, se não contasse com as “bençãos” de uma gravadora ou editora para ter seu trabalho exposto, não chegava ao grande público. Quem enfrentava esse modelo era chamado de marginal, meio “hippongo”, mas eles também repetiam o mesmo modelo de produção de cópias e tentativas de distribuição. Então a internet veio para alterar tudo isso, e as licenças alternativas como a Creative Commons ou o copyleft vieram de forma incidental. A ideia das licenças alternativas começou com o movimento dos programadores, na área da tecnologia digital. A Microsoft e várias indústrias de software vendem programas em forma de códigos binários (01) aos consumidores e os programadores não têm como reprogramar sem o acesso ao código fonte. O Richard Stalmann, um hacker do MIT (Massachusetts Institute of Technology) percebeu que os programas de computadores compartilhados pelos desenvolvedores ou programadores passaram a ser

licenciados e secretos. O código-fonte não estava mais disponível. Percebendo o movimento dessas apropriações, ele criou quatro regras na comunidade do Software Livre, ainda nos anos 1980: liberdade do uso a qualquer propósito; liberdade da cópia; liberdade de modificar a obra original, poder transformá-la em obra derivada; e distribuir a obra derivada com a mesma licença. E mesmo com essas quatro regras não há nenhuma limitação de uso comercial do código livre. Inclusive várias empresas usam os softwares livres comercialmente, mas o que não é permitido é a restrição do acesso - o conhecimento e tudo o que for desenvolvido abaixo da licença livre tem que ficar a disposição de outros desenvolvedores. E o Richard Stalmann, percebendo a apropriação de um conhecimento compartilhado, criou, com um grupo de advogados, o copyleft. Ao invés de criar uma nova lei, ele criou a licença copyleft que está baseada no copyright. Ele subverteu a ideia do direito autoral. Com o passar do tempo a internet foi atraindo outros usurários, além dos desenvolvedores, e nessa evolução percebeu-se que era necessário expandir a questão do direito das obras de artistas que começavam a utilizar a rede para divulgar suas obras. Nos anos 2000 não eram somente os códigos-fonte que estavam na rede, mas músicas, filmes, textos, e surgiu a ideia de um tipo de copyleft para proteger a obra cultural. Essa discussão começou a fervilhar no ciberespaço. A licença número 1 (Gene-

ral Public Licence) do Software Livre, que tem como base a defesa do direito do autor, foi criada para os desenvolvedores. Em 2001, por iniciativa do advogado norte-americano Lawrence Lessig foi lançado o Creative Commons, uma alternativa de licença para proteger as obras culturais. Era uma necessidade da área da cultura e ela flexibiliza o uso da obra. O Creative Commons não é uma empresa “gringa”, é uma licença. Existe uma entidade jurídica criada para estimular o debate e ela reconhece o direito do autor, que deve ser reconhecido ao ser criada uma obra derivada, pois essa é uma prática comum no mundo virtual. Na licença Creative Commons há várias formas de você disponibilizar seus trabalhos, permite-se a livre circulação com direito a remix ou não, mas ela fecha o atributo comercial. Enfim, essa licença dá o direito de utilizar a obra de um autor, mas sem fins comerciais. Há licenças CC que são quase as mesmas regras da licença do copyleft – pode remix, cópia e distribuição, desde que o autor seja citado, – ou mesmo próximas das regras do copyright – onde se bloqueia o remix e a cópia e permite-se a divulgação da obra citando o autor. RAIZ.: Afinal, por que a criação e a existência dessas licenças? Marcelo Branco: Era uma necessidade do ciberespaço que fossem criadas licenças. No caso da CC, houve uma grande sacada por que ela tem três linguagens: a linguagem jurídica, para que os advo-

gados entendessem e pudessem tratar das questões legais ligadas ao direito do autor, uma linguagem para leigos, onde artistas e criadores pudessem facilmente indicar como utilizar sua obra no ciberespaço, e a linguagem binária, onde a licença pode ser interpretada pelas máquinas. É uma evolução do direito autoral na perspectiva de se adequar aos novos tempos e às novas relações que surgiram através da internet. E quero deixar claro que nunca existiu da parte da gestão Gilberto Gil ou de grupos da sociedade civil a defesa da obrigatoriedade de utilização de quaisquer dessas licenças. Sempre houve ativismo para divulgar essas licenças, mas sempre respeitou-se o direito do autor de proteger a sua obra a partir de suas escolhas! No caso do CC no site do MinC, durante a gestão Gilberto Gil, foi uma opção política licenciar o conteúdo no Creative Commons – por entender que aquilo que é feito a partir do dinheiro público deve estar livremente à disposição dos internautas e cidadãos brasileiros. O MinC estimulava através de seus programas de governo o uso das licenças livres. Agora presenciamos uma opção política ao retirar essa mesma licença do site do MinC. E essa antiga política dos direitos autorais nunca beneficiou o Brasil, beneficia um grupo seleto – que merece o reconhecimento de seu valor artístico, mas que permite que milhões de royalties saiam do Brasil para pagar os direitos de autor ou do fonograma para selos de gravadoras multinacionais. E o MinC tem que pensar como poder 27


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público e desenvolver políticas públicas para os milhões de artistas populares ou não que precisam de espaço para divulgar a sua obra. Graças a essa indústria cultural multinacional, ao Brasil não foi permitido criar a sua própria indústria cultural. E durante a gestão Gil estávamos num processo de efervescência de discussão das novas possibilidades criadas pela internet. Quem sabe não seria nesse processo de abertura de novos modelos econômicos que o Brasil finalmente criaria uma indústria cultural? RAIZ.: Há uma onda conservadora para preservação do copyright no mundo. Inclusive com montagem de lobbys e reuniões com representantes da política nos parlamentos e governos no mundo. Como você vê isso? Marcelo Branco: Realmente há uma onda conservadora há alguns anos que está tentando reprimir as novas possibilidades. Por exemplo, a indústria fonográfica há dez anos arrecadava 26 milhões de dólares ao ano, e dez anos depois ela arrecada 10 milhões de dólares ao ano. Esse é um exemplo de uma indústria ameaçada por esses novos modelos, mas que, ao invés de se reinventar, resolve reprimir o seu público – no jargão empresarial, os seus clientes. A indústria fonográfica se voltou contra o público, através da vigilância e quebra do direito da privacidade. Os artistas historicamente sempre quiseram ser ouvidos e conhecidos pelo público e não ficar caçando quem ouve suas músicas. Há várias ações contra as novas mídias e a mais recente é a ACTA. Esse é um acordo contra a falsificação que

está sendo orquestrado por alguns países como o Japão e Estados Unidos de forma secreta, e, graças ao WikiLeaks, documentos sobre esse acordo vazaram e iniciou-se um movimento de oposição a esse acordo que defende que todo usuário deve ser vigiado através de um filtro na porta da sua conexão da internet. Eles defendem que entidades privadas como Associações de Combate a Pirataria analisem as ações dos internautas e avaliem se você está usando obras protegidas ou não; que provedores ganhem poderes de polícia que grampeiem a sua internet, e que se um usuário for descoberto assistindo uma cópia de um filme seja acionado judicialmente. A França foi o primeiro país a penalizar internautas com as leis duras que podem até desconectar o usuário. Essa mesma lei inspirou o Brasil, com a Lei Azeredo, que chega ao extremo de culpabilizar qualquer usuário que copia um CD para seu pendrive com uma pena de prisão de até três anos! Nesse momento há questões curiosas como a grande imprensa que elogia a queda de “ditadores” árabes pela mobilização de jovens via internet e rede sociais, e se cala sobre a tomada das praças espanholas mobilizadas através de um protesto contra a Lei Sind – que é o sobrenome da ministra da Cultura da Espanha, Ángeles González Sind – que restringiu de forma severa os direitos civis dos internautas para defender o direito autoral convencional, fechando sites ou desconectando a internet de algumas pessoas. Nesse momento, os militantes da Cultura Digital iniciaram uma reação com o movimento “No Les Vote” contra os partidos PSOE, Convergência e União e o Partido Popular que aprova-

ram essa Lei, e incitaram a ocupação das praças espanholas no dia 15 de março, o 15M, e deram origem ao movimento “Democracia Real Ya”... Creio que nós devemos refletir sobre o que aconteceu na Espanha. A partir de um movimento de defesa dos direitos civis na internet, estudantes e desempregados tomaram as praças, ampliaram suas reivindicações com críticas ao sistema financeiro e derrubaram o primeiro ministro Zapateiro... Nesse sentido, o Marco Civil da Internet que está em trâmite no parlamento brasileiro é uma vitória. De acordo com o projeto, só quem pode retirar um site do ar é o poder judiciário através de uma decisão judicial, e não um provedor, um prestador de serviço alçado a condição de órgão fiscalizador das ações dos internautas como determina essa AI-5 Digital brasileira, a Lei Azeredo. Existem crimes no mundo virtual, mas, como no mundo real, as pessoas têm direitos de defesa e todos são inocentes até que se prove sua culpa via investigação, provas e uma decisão judicial. RAIZ.: Existe uma vigilância na internet. Não só do ponto de vista da uso da obra cultural mas também do uso de informações do usuário por grandes empresas. Marcelo Branco: Há uma luta dos ativistas da Cultura Digital pelo direito a privacidade. Hoje as grandes empresas são responsáveis pela violação da nossa privacidade e não os hackers como espalham por aí. Nossos dados, preferências e desejos são utilizados e vendidos – aí sim há um uso econômico abusivo – por grandes empresas e para grandes empresas. Nós que estamos no

“Afinal, o que estamos discutindo? O livro ou a literatura? O CD ou a música? Antes do advento da indústria cultural já existia músicos e música, livros e autores, eles viviam de suas obras e agora essa indústria quer se impor através de mecanismos de repressão.” início da internet sempre defendemos o direito a privacidade. RAIZ.: E na sua opinião como a internet pode ajudar a “economia criativa”? Marcelo Branco: Na minha opinião, o Brasil pode criar uma indústria cultural a partir desses novos modelos que surgem com a internet. Incentivos de negócios na área da cultura podem ser criados pelo poder público. Há casos de grupos como o Teatro Mágico que tem toda a sua obra disponível na internet e fazem shows com casa lotada ou mesmo como o Leoni (ex-Kid Abelha) – que declarou ter nessas novas formas uma possibilidade real de divulgação e vendas de seu trabalho. O Paulo Coelho, numa ação curiosa de marketing, declarou recentemente que tinha um site pirata para vender sua obra. Ele é um defensor do Pirate Bay... [risos] Participei de uma mesa no Seminário do Plano Estadual de Cultura em Porto Alegre com um poeta muito respeitado, o Arlindo Trevisan, que tem mais de cinquenta livros editados. Ele declarou que não tem esse apego ao livro impresso, que existe uma grande dificuldade para

vender mil livros e que o seu blog tem milhares de visitas diárias de pessoas dos mais diferentes lugares como Rússia ou China. Afinal, o que estamos discutindo? O livro ou a literatura? O CD ou a música? Antes do advento da indústria cultural já existia músicos e música, livros e autores, eles viviam de suas obras e agora essa indústria quer se impor através de mecanismos de repressão. Os nativos digitais nasceram baixando música, compartilhando conhecimento. Tente explicar para esses jovens que eles estão pirateando, que eles podem responder judicialmente por essa troca de informações. Cópia privada é bem diferente de pirataria: a pirataria é o uso comercial de algo que não é seu, e a cópia privada é o direito de ouvir, ler ou assistir uma obra copiada, sem fins comerciais, para seu conhecimento, sua formação e prazer. A verdade é que a música, a literatura, o cinema não estão sob ameaça, nunca se produziu tantos filmes, nunca se leu tanto, mas os intermediários da indústria cultural estão sob a ameaça de sumir!

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O Sarau do Corujão da Poesia nasceu na zona sul carioca e hoje distribui livros pelo estado do Rio de Janeiro.

A ANIMADA POESIA DO JOÃODOCORUJÃO Da Redação Fotos Julio Pereira

O SARAU CARIOCA CORUJÃO DA POESIA COMPLETA SEIS ANOS MONTADAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS

Foto: Julio Pereira

COM ENCONTROS ESPECIAIS E CENTENAS DE BIBLIOTECAS

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Foto: Divulgação

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Mais uma biblioteca solidária montada com os livros enviados pela UNIVERSO e Corujão da Poesia e da Música, no Lar Samaritano no bairro do Zé Garoto, em São Gonçalo, RJ.

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Rio de Janeiro tem uma longa tradição de saraus, literatura e poesia. E essa tradição é mantida no Corujão da Poesia, uma vigília literária que acontece todas as terças-feiras, das 21h até o último poeta, no Bar Cariocando, no Catete, um bairro histórico da cidade. Organizado pelo animador João Luiz de Souza, o João do Corujão, assessor de Cultura da Universidade Salgado de Oliveira, o Corujão da Poesia promove a “inclusão do livro nos espaços de convivência e a formação do prazer da leitura individual e coletiva”, segundo João. São seis anos de existência do Corujão da Poesia - Universo da Leitura. Durante cinco anos e três meses os encontros aconteceram na Livraria Letras & Expressões no bairro do Leblon, da meia-noite às seis horas da manhã, mas, com o fechamento da Livraria 24 horas, há quase dois anos encontraram outro abrigo, o Bar Cariocando, onde o sarau acontece das 21h às 4h da madrugada, “para que as pessoas pudessem usufruir, mais cedo, um espaço democrático, criativo e aglutinador de amantes dos livros e da leitura,” avisa João. “O movimen-

to estimula os poetas e escritores em geral a editarem seus livros, mas nossa principal missão é a formação do prazer da leitura e a difusão da literatura em geral. Formar leitores é um compromisso político primordial no Corujão da Poesia-Universo da Leitura. Se eles vão tornar-se autores, ainda é uma decisão que julgamos de cunho muito pessoal que cada um estabelece para a sua vida,” explica. Com curadoria e apoio emocional do músico Jorge Benjor, não é difícil encontrar músicos e atores conhecidos nas noites do Corujão da Poesia. João do Corujão é um personagem sui generis no universo dos amantes da literatura. Quem já presenciou as suas performances sabe que ele lidera com firmeza e certa graça as intervenções poéticas dos artistas que sobem ao palco. “Eu sou um Animador Cultural, tal como fui designado pelo Mestre Darcy Ribeiro. O que posso garantir é que vivo permanentemente num estado poético e a minha percepção do dia-a-dia passa pela lente da poesia, mas, o que amo mesmo é ler poemas”, avisa. O único alerta para quem participa é que esteja sempre preparado, pois o microfone está aberto à sua apresentação/ performance/ leitura,

tal como manda a democrática e libertária tradição do evento que mantém um formato único em toda a América Latina. Além da presença de moradores da Zona Sul carioca e de diversos bairros da cidade, o espaço é de intercâmbio também com poetas e escritores de outros locais do país e do exterior que, ao chegarem à cidade, apresentam ali seus trabalhos em suas próprias línguas ou sendo traduzidos por algum voluntário.

“Formar leitores é um compromisso político primordial no Corujão da Poesia-Universo da Leitura.” Com tantas referências fica uma curiosidade: quais são os poetas que João Corujão lê? Ele responde: “Agora complicou. Neste momento eu estou debruçado sobre os livros de poetas afrodescendentes. Gosto de muitos novos poetas. Destaco Pedro Lago, Pedro Rocha, Marcos Vinícius Rodrigues, Betina

Kopp, Paulo Betto Meirelles, Beatriz Provasi, Juliana Hollanda e um poeta mais antigo, mas que precisa ser revisitado, o Éle Semog. O Semog é um gênio, e embora sua trajetória tenha começado nos anos 1970, década em que nasciam ou nem eram nascidos os outros poetas que citei, ele tem a cara do nosso tempo e fala de nossa negritude. Semog precisa ser lido por todos nós”. O Corujão da Poesia mantém um trabalho social, o programa Universo da Leitura - Bibliotecas Solidárias que ocorre graças à mobilização de centenas de pessoas que o frequentam. O programa consiste na arrecadação permanente de livros novos e usados para a formação de bibliotecas solidárias e caixas de leitura que chegam aonde os recursos da população não permitem o acesso aos livros. Já são centenas de Bibliotecas montadas, com acervo de até dois mil livros, elas estão em presídios, orfanatos, hospitais, espaços culturais, cineclubes e tantos outros lugares que se dispuserem a receber os livros e atender a população que os queira ler. “Em todos os eventos que realizamos pelo estado do Rio de Janeiro, promovemos sorteios de livros e brindes como estímulo à cultura e

formação de plateias para os produtos de arte em geral. É por isso que, mais do que nunca, precisamos de colaboradores e de pessoas dispostas a receber os livros e dinamizar os pontos de leitura. Não aceitamos dinheiro, queremos livros e agentes voluntários e solidários para a promoção do prazer da leitura. Muitos livros são destinados à formação de leitores e cidadãos sensíveis aos problemas de nosso tempo, mas também às infinitas possibilidades que temos de reinventar a vida e melhorar este planeta que é nossa casa-mãe,” explica João Luiz. A Universidade Salgado de Oliveira vem disponibilizando transporte para recolher as doações e realizar a entrega do acervo aos destinatários, além de professores e alunos que colaboram na seleção dos livros e no encaminhamento deles às bibliotecas que estão sendo montadas nos mais diversos pontos do estado. O telefone para contato e doações é (21) 2138-4851 ou (21) 9856-3543, com João Luiz, das 16h30 às 22h, e o e-mail é a.cultura@nt.universo.edu.br. Para saber mais sobre as datas dos encontros do Corujão da Poesia: http://www.softzonebr.com/corujao 33


Foto: Julio Pereira

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QUEM É JOÃO DO CORUJÃO? Da Redação Foto Julio Pereira

“Eu sou um Animador Cultural, tal como fui designado pelo Mestre Darcy Ribeiro.”

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nimador Cultural, ele diz, “tal como fui designado pelo Mestre Darcy Ribeiro”. João Luiz de Souza é o João do Corujão, assessor de Cultura da Universidade Salgado de Oliveira, e responsável pela criação do Sarau Corujão da Poesia. Formado em Letras, João do Corujão é um apaixonado pela poesia e divulga esse gênero lírico em encontros semanais onde podem participar livremente poetas e músicos. Promover a poesia, apesar de não criar, é o desafio autoimposto pelo animador cultural. O sarau, criado há seis anos na Livraria Argumento do bairro carioca do

Leblon, tem hoje “filiais” na Barra da Tijuca e na cidade de Niterói. “O que posso garantir é que vivo permanentemente num estado poético e a minha percepção do dia-a-dia passa pela lente da poesia, mas, o que amo mesmo é ler poemas. Ainda não sinto muita necessidade de escrevê-las. Uma vez ou outra sou tomado por uma premência de escrever e aí nasce um poema escrito em caderno… bem à moda antiga. Ressalvo que o grande entusiasmo realmente é ler os poetas e apresentá-los ao público em geral,” explica.

A irreverência de João Luiz de Souza, o João do Corujão, não esconde o trabalho sério e libertador do livro. 35


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A CIDADE FEITA DE BARRO

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racunhaém é sinônimo do barro. Cidade nascida pela exploração do pau-brasil e da cana, é na década de 60, que milhares de utensílios de barro vendidos nas ruas vão contando um pedaço importante da história do artesanato e da arte popular brasileira. Das cerâmicas utilitárias e decorativas do começo, vão surgindo os santeiros e artistas do barro, muitos com produção de sotaque próprio, que muito influenciou a maneira de se esculpir e queimar esse elemento primal da nossa arte popular. Ao contrário do Alto do Moura, também em Pernambuco, os artistas de Tracunhaém primam pela técnica e pelo estilo do barro puro, sem cores ou outros acabamentos. Queimados em rústicos fornos à lenha nos ateliês, sempre abertos à visitação do público interessado. Tracunhaém fica a setenta quilômetros de Recife. Na entrada da cidade, uma singela exposição de peças de tamanho avantajado dos artistas locais. Seguindo o fluxo encontramos muitas placas dos artesãos, algumas com a chancela do Governo do Estado. As ruas são simples, mas espaçosas, com casas pequenas e nenhum edifício. Tão comum em nosso urbanismo colonial, aqui também as praças se organizam em volta das igrejas. O barro construiu muitas famílias, a cidade que se expandiu e vive de sua cultura. Levou vários artistas locais para todo país e o exterior. Agora Tracunhaém enfrenta o paradigma da continuidade e da renovação de seus saberes, uma vez que o primeiro ciclo de seus artistas e artesãos já não produz como antigamente, seja pela idade avançada, ou por doenças como a diabete ou a artrose. Alguns foram agraciados como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, como os mestres Nuca e Zezinho – o primeiro com seus leões imponentes, o outro com seus santos delicados, mesmo quando em grandes dimensões. Alguns já se foram, como Baé, Severino e Lídia Vieira. Outros artistas continuam atuantes, como Manoelzinho perpetuando a tradição dos santeiros ou Betinho, o estranho no ninho, com sua arte erótica. Mas, os famosos ateliês hoje são tocados pelos filhos dos grandes mestres da região, ainda sob os olhares atentos de Zezinho, Nuca ou Maria Amélia, mas sem o toque direto das mãos dos artistas que marcaram época. A seguir, uma pequena homenagem que a RAIZ. presta à cidade símbolo da arte feita de barro. Uma menção de três ícones, que emprestaram tecnologia, fama e beleza, não só para Tracunhaém, mas para a arte brasileira.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Fotos Acervo Associação RAIZ.

O LEÃO DA ZONA DA MATA NORTE Da Redação

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Da Redação

Os leões sentados do mestre Nuca são conhecidos em todo o Brasil. Feitos do barro de Tracunhaém, uma das cidades da zona da Mata Norte de Pernambuco, onde a tradição popular vai dos maracatus do baque virado às cerâmicas de mestres como “Seu” Nuca. Seus leões, galinhas e anjos de cabelos encaracolados fazem parte do acervo de alguns dos grandes colecionadores de arte popular brasileira. Mestre Nuca ou Nuca dos Leões trabalha com o barro desde os dez anos de idade e foi com a sua esposa, a também artista Maria Gomes da Silva, que iniciou e desenvolveu na década de 60 em Tracunhahém, toda a sua obra em terracota. Considerado dono de uma obra original pelos críticos de arte, Manuel Borges da Silva nasceu em Nazaré da Mata em 1937, e, hoje, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), mantém a produção de sua obra pelas mãos de seu filho Marco. Em 2006 o governo de Pernambuco prestou uma justa homenagem quando o reconheceu como um Patrimônio Vivo do estado. 9


AS GRANDE IMAGENS DE ZEZINHO

Da Redação

Da Redação

A santeira Maria Amélia nasceu em 1924 em Tracunhaém e de lá nunca saiu. Uma das ceramistas pioneiras da cidade, seus santos de terracota primam pelas faces expressivas e mantos pregueados. Filha de ceramista, Maria Amélia inicia sua vida com o barro através de peças utilitárias, passando a modelar animais, e finalmente encontra sua fonte de inspiração na criação de imagens de santos. Suas peças feitas em terracota mantém a tradição da queima em forno a lenha e medem de cinquenta a setenta centímetros. De todas as imagens que faz, a que Maria Amélia gosta mais de criar é a de São José.

Inspirado no trabalho da santeira Lídia Vieira (1911 – 1974), José Joaquim da Silva, o Zezinho de Tracunhaém, se encantou pela modelagem do barro quando foi trabalhar numa olaria da cidade. Começou modelando imagens de seu cotidiano como animais e cangaceiros, mas ficou conhecido com a criação de imagens de São Francisco segurando pássaros, sua peça preferida. Suas obras costumam medir entre setenta centímetros e dois metros de altura, e possuem um colorido vermelho brilhante resultado de uma pintura com açúcar e café torrado antes da queima das peças. Para os delicados detalhes, o artista costuma utilizar espátulas de cobre e madeira. No seu ateliê, Zezinho de Tracunhaém conta com a ajuda de seus filhos e de ajudantes que estão sendo iniciados no ofício de ceramistas. Em 2007 ele foi escolhido como Patrimônio Vivo de Pernambuco.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

OS SANTOS DE MARIA AMÉLIA

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

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raiz da questão

CULTURA VIVA NA AMÉRICA LATINA Por Célio Turino

UMA NOTÍCIA ESTÁ CHEGANDO LÁ DO EXTERIOR NÃO DEU NO RÁDIO NO JORNAL OU NA TELEVISÃO

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m minhas centenas de viagens aos Pontos de Cultura pelo interior do Brasil, eu sempre cantarolava a música Notícias do Brasilde Milton Nascimento com letra de Fernando Brant. Queria compartilhar este país que eu tinha oportunidade de ver com meus próprios olhos, um Brasil energizado e compartilhado pelos Pontos de Cultura, com gente criativa e valente, fazendo coisas diferentes na defesa do bem comum. De certa forma, pude contar essas histórias no meu livro PONTO de CULTURA – o Brasil de baixo para cima, tanto que abro o livro fazendo um diálogo com esta música e a história dos Meninos e Meninas de Araçuaí (Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais) e o presente que deram à sua cidade: um cinema.

“Queria compartilhar este país que eu tinha oportunidade de ver com meus próprios olhos, um Brasil energizado e compartilhado pelos Pontos de Cultura” Agora, estando há mais de um ano e meio fora do ministério da cultura, me lembro da música e apenas faço uma mudança na letra, trocando “interior”por “exterior”. A vida tem me leva-

do para fora do Brasil, e desde março tenho recebido incontáveis convites para conferências e cursos em outros países, sobretudo América Latina, mas também Europa. No período em que estava trabalhando no Ministério da Cultura evitei as viagens oficiais ao exterior, pois tinha consciência de que, naquele momento, minhas responsabilidades estavam em dar conta de meu trabalho para o povo brasileiro, atendendo às milhares de entidades culturais comunitárias do Brasil, e assim fiz. Agora, sem responsabilidades de governo, posso sair difundindo, não mais um programa governamental, mas teoria, conceitos e experiências que podem e devem ser compartilhadas. Com isso já estamos realizando uma campanha continental pela Cultura Viva Comunitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de 0,1% do orçamento público para o “fazer cultural” autônomo e protagonista, potencializando os Pontos de Cultura existentes em cada país. Esta é uma experiência de lei continental, que se estende da Terra Fogo ao Rio Grande (o rio seco que separa o México do estado norte-americano do Texas), unindo 21 países. Uma primeira percepção com estas viagens: é tudo tão comum! Eu nos vejo quando estou na Guatemala, junto com a Caja Lúdica fundada por um casal de colombianos de Medellin. Neles encontro os tantos casais que diariamente levam adiante seus Pontos de Cultura no Brasil (entre os muitos Pontos de Cultura que conheci, aqui e no exterior, sempre encontro a presença dedicada e cúmplice de casais). Em verdade, a Caja Lúdica de Guatemala atua como um Pontão de Cultura, articulando, capacitando e difundindo Pontos de Cultura por todo o país e

“Estamos realizando uma campanha continental pela Cultura Viva Comunitária, que busca assegurar em lei um orçamento mínimo de 0,1% do orçamento público para o “fazer cultural” autônomo e protagonista” mesmo entre seus vizinhos da América Central. São cinquenta pessoas em trabalho diário, vivendo da caixa lúdica, sendo remunerados por ela (não muito, pois sabemos o quanto é dura a vida de quem opta para trabalhar em uma perspectiva do bem comum, mas suficiente para uma vida digna e feliz). Des-silenciam um povo silenciado pelos genocídios recentes (a guerra civil que assolou o país até o final do século XX deixou mais de 50 mil desaparecidos e 200 mil mortos, isso em um país com pouco mais de 14 milhões de habitantes) e passados (a Guatemala está no centro da civilização Maya), recuperando a medicina tradicional dos povos Maya, seus ritos e histórias; mobilizando jovens e difundindo a cultura e a paz no país com o segundo maior índice de homicídios do mundo (setenta assassinatos para cada 100 mil habitantes - no Brasil, a taxa é de 22 por 100 mil); recuperando 41


raiz da questão

“Com a arte dos primeiros habitantes do El Dorado (os conquistadores espanhóis supunham que a cidade de ouro estava no território da atual Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles, os Pontos de Cultura tem um significado: des-esconder a Colômbia ancestral e religar o presente com a paz.” brincadeiras infantis e ocupando as ruas e praças com teatro, dança e música. Lá na Guatemala eles não contam com uma política pública como o Cultura Viva e obtém recursos financeiros através de acordos de colaboração internacional; mas querem que o Estado assuma sua responsabilidade reconhecendo a Cultura como um direito humano inalienável. Em agosto deste ano participei de uma Comparsa (passeata festiva) nas ruas da Cidade da Guatemala, a capital; estávamos em mais de quinhentos manifestantes, gente em perna de pau (lá descobri que a perna de pau era usada pelos Mayas há milênios), com roupas diferentes, máscaras, e muito sorriso no rosto. O que queriam e querem? Pontos de Cultura como base e a Cultura Viva como alavanca para o desenvolvimento sustentável. Em outro extremo da América, a Argentina, nova manifestação (foi em novembro de 2010, se bem me recordo): El Pueblo Hace Cultura! Igualmente, mais de quinhentas pessoas nas ruas. Grupos de Teatro do Oprimido se apresentaram en las calles (com sotaque bem portenho, em que dois eles formam “gê”). As avenidas largas de Buenos Aires foram palco de uma linda manifestação com tambores e caminhões artísticos do Calderon Timbal (outro Pontão de Cultura que preenche a periferia da grande Buenos Aires com arte). Juntos, saímos do Congresso Nacional e fomos até a Casa Rosada (palácio presidencial), concentrando-nos na histórica Plaza de Mayo e provando que Crear vale la pena! (mais um Ponto de

Cultura). E para lavar a festa, uma chuva de verão, com direito a sol e arco-íris. Na Argentina já há edital do governo para seleção de Pontos de Cultura e projeto de lei no Congresso. Mais ao norte, no Peru, novas manifestações pela Cultura Viva por una Nueva Lima! O governo da capital do Peru já está implantando o programa como estratégia para o desenvolvimento local, e o Ministério da Cultura, após a vitória do presidente Ollanta Humalla, definiu os Pontos de Cultura como prioridade; há até um slogan no site do ministério: “Punto de Cultura, la identidad en la diversidad!”. Tudo começou com uma moça peruana que esteve presente na Teia de Fortaleza e que leva o nome de pomba: Paloma; mas hoje já são tantas as pessoas engajadas nas terras Incas que nem é possível contá-las. Tudo em tão pouco tempo e já voam como a Cultura Viva que se espalha pelo mundo. Atravessando os Andes, e regressando à América Central: Costa Rica. Pura Vida! É assim que eles definem a vida por lá, Pura Vida, um país de gente corajosa, que há sessenta anos decidiu viver sem forças armadas e priorizar o investimento em cultura e educação. Um país pequeno, com um povo feliz e educado; eles se autodefinem como ticos, isso porque têm o hábito de se referir a tudo no diminutivo. O ministro da cultura e juventude, Manuel Obregón, é um músico entre o erudito, o tradicional e o jazz e há anos sai recolhendo ritmos e sons da cultura popular da América Central,

depois compõe em coisas novas com a Orquesta de la Papaya – pura mistura, como a realizada a partir dos prêmios do Interações Estéticas do Cultura Viva. Há redes de cultura no interior do país, na montanha, no litoral, entre vulcões, na capital; surpreendam-se: em San Jose (a capital, com 1 500 000 habitantes) há vinte teatros com programação regular, de quarta a domingo. Todos querem ser Ponto de Cultura; ou melhor: PunTICOS de Cultura! Mais ao norte: México. Um país continente como o Brasil. A terra das cores vibrantes, das mil culturas, das pirâmides e da sabedoria ancestral ameríndia. O ponto de encontro foi a Cidade do México, enorme, e para lá foi gente de todo país. Na divisa com os Estados Unidos, uma cidade assolada pelos cartéis do tráfico de drogas e a super exploração da mão de obra em fábricas maquiladoras, Ciudad Juarez combate o genocídio de mulheres com biblioteca comunitária e ações de leitura e gênero; mais um Ponto de Cultura que já é. Há outros, na periferia da capital, nos estados de Oxaca, Chiapas, falando em espanhol ou em idiomas indígenas. Além de um enorme interesse das universidades mexicanas por toda a experiência brasileira; na faculdade de economia da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México) a conferência foi “Economia Viva e Economia Criativa?”, na IberoAmericana, sobre Cultura Digital, e na Universidade do Distrito Federal, sobre Cultura e Direitos Humanos. Pura troca em que fui acompa-

nhado por um Ponto de Cultura do Brasil, o Vídeo nas Aldeias. Unindo as partes desta América diversa e ensolarada, a Colômbia. Uma surpresa! Eu próprio, acostumado a combater estereótipos e preconceitos, me surpreendi com aquele país. Um povo tão gentil e amável. Como podem viver em meio a tanta violência? Narcotraficantes, contras, guerrilheiros. Como pode? Em sua cultura ancestral, vi uma das mais delicadas metalurgias, só trabalhos em ouro, com imagens de flores, pássaros, macacos, nenhuma arma, nenhuma cena de violência. Enquanto visitava esta bela ourivesaria no Museu do Ouro de Bogotá, comparava com a cultura grega, romana ou dos demais povos europeus ou asiáticos e lembrava das imagens de guerra e destruição, das armas e batalhas aterradoras. Com a arte dos primeiros habitantes do El Dorado (os conquistadores espanhóis supunham que a cidade de ouro estava no território da atual Colômbia) só vi beleza e paz. Para eles, os Pontos de Cultura tem um significado: des-esconder a Colômbia ancestral e religar o presente com a paz. Em Bogotá, há toda uma articulação da prefeitura municipal pela Cultura Viva; em Cali, mais de cem grupos a defender os conceitos da Cultura Viva (autonomia, protagonismo e empoderamento social) e em Medellin, um dos mais instigantes laboratórios de tecnologias sociais no mundo. Uma cidade que se reinventa pela Cultura (5% do orçamento público vai para a pasta da Cultura), que faz lindas bibliotecas

em meio a favelas, que estabelece um compromisso cidadão e trata bem ao seu povo; assim estão superando as marcas do narcotráfico e das desigualdades. Mas faltava um ponto a aproximar ainda mais governo e povo, um ponto de potência que só se encontra nas comunidades ativas. Quem fez este ponto e alavanca, foi um Ponto de Cultura que já é, Nuestra Gente, uma casa comunitária em meio à favela, com Jorge Blandon e tantos amigos gentis. Nuestros hermanos, em todos os países, gente comum a todas as outras que conheci em cada viagem pelo interior do Brasil e agora por nuestra América.

Célio Turino - Historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi idealizador e gestor do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, tendo exercido diversas funções públicas, entre elas: Secretário de Cultura e Turismo em Campinas/ SP (1990/92), Diretor de Esporte e Lazer em São Paulo/SP (2001/2004) e Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/2010). Autor dos livros: Na Trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade (Ed. SENAC, 2005) e PONTO de CULTURA – o Brasil de baixo para cima (Ed. Anita Garibaldi, 2009), entre outros.

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raiz da questão

CULTURA SEM SOCIEDADE Por Saulo Di Tarso Foto Fábio Domingues

A

cultura é tão importante para as políticas públicas de desenvolvimento da educação e da economia do país quanto para o desenvolvimento da própria cultura de um país. Não existe cultura sem cultura. E avanço do conhecimento não significa avanço da cultura tal como crescimento da economia pode significar avanço da economia. Um país entendido como célula planetária da civilização e como lei da existência coletiva e multiplicadora das soberanias nacionais que não se dignifica a estruturar sua identidade, simplesmente, destitui seus cidadãos do direito à sociedade. Direito à sociedade pressupõe plenitude, aplicação do que é apreendido por meio da educação supõe também que a educação seja cultivada e exercida pela inteligência local e pela globalidade das inteligências. Este direito depende das “reservas de mercado” para sua construção. São elas a arte, a noção da inteligência e a memória organizada pela história, além da manifestação livre e as inúmeras formas de registro social que produz. Muito embora haja várias definições de cultura propaladas pela sociologia, a maior noção que se pode ter da cultura é que ela é o “DNA de uma sociedade”– aliás, ela é o “DNA da humanidade” em suas

diversas formas de organização a partir de um contexto próprio que possibilita a identificação de uns pelos outros com a mesma autenticidade de 7 bilhões de rostos diferentes entre si que compõe uma população em busca permanente de integração no tempo de hoje. Ninguém mais é brasileiro sem ser coexistente a outros povos; e a relação não é mais de hegemonia de uns pelos outros, é pela notoriedade das diferenças e semelhanças existentes entre culturas diversas. Um dos exemplos mais potentes que possuímos nesse sentido é o fato da arte ser responsável não pela existência da cultura, mas pela criação das passagens entre ciência e sociedade, ciência e economia, educação e inteligência, sistemas privados e política. Uma sociedade pode possuir cultura e não possuir arte, mas não pode possuir arte e não possuir cultura. A cultura da cultura, por um lado, não leva necessariamente o desenvolvimento da arte à noção de cultura; mas, a arte, por outro lado, depende, visceralmente, da cultura da própria arte para existir. E a arte, naquilo que é sua atribuição como forma de conhecimento, ou seja, possibilitar ao ser humano o exercício das diferenças humanas, longe da exatidão da ciência como existência e daquilo que é, via de regra, aceito pela sociedade, poderia parecer antítese da ciência que domina nosso tempo. Mas não

OU O ERRO DE ARISTÓTELES é. Isso é apenas o que se quer que a arte pareça para que não se perceba o quanto a arte tem influenciado as principais áreas de

“Direito à sociedade pressupõe plenitude, aplicação do que é apreendido por meio da educação supõe também que a educação seja cultivada e exercida pela inteligência local e pela globalidade das inteligências.” poder e a formação da personalidade das principais lideranças de nossa época assim como um grande número de estratégias de poder público e privado.

Durante a Revolução Industrial o homem foi perdendo espaço para a máquina; durante o século 20 – graças à genialidade inventiva de muitos artistas e da extrapolação de suas linguagens na sociedade via meios de comunicação de massa e, principalmente, rádio e cinema – a hegemonia da máquina foi exaltada por uma década e esfacelada por nove décadas no século 20 também com o auxílio involuntário da difusão da psicanálise nas nações ocidentais. E como a anatomia pregnou o sentido de organização da sociedade, chegando ao ápice no século 17 e não nos deixou até hoje, a noção de máquina também persiste, mas sua persistência não permanece nas posturas individuais e sim nos sistemas políticos da nação. A mecânica mais poderosa é a que se apropriou da lógica das instituições, comprovando pela primeira vez em 2 000 anos que Aristóteles estava errado ao vincular a arte à mimésis. A mimésis não é arte. Mimésis é cultura. Arte é poder, pois na sua epistemologia ela não copia, mas cria e regenera. Portanto, o poder se utiliza da capacidade criadora para dominar a cultura e impor modelos culturais com e sem cultura: é uma questão de opção. E como nos dias de hoje a hegemonia do poder é a dos intelectuais do mercado financeiro e mesmo os que não são são contratados por eles, forma-se o grupo dos engenheiros máximos das dinâmicas de

uma economia pós-utópica e mais defensiva do que a tradicional economia territorial de séculos antes, que só pode sofrer alterações pela prática do desconhecimento econômico. Ou seja, a informalidade é um fenômeno fundamental para a criatividade, tanto quanto a artesania da exatidão foi necessária para a arte ser inventiva, contradizendo a informalidade, há quatro décadas atrás, com a presença do Concretismo. É como se o melhor que temos em termos tecnológicos e de educação tivesse que depender da outra face do pêndulo, onde estão a ignorância e a privação da ciência. Não há regra para se definir a posição da arte em nenhum tempo da história. A arte para existir, necessariamente, muda de lugar na sociedade de seu tempo. Mas a cultura é o organismo que, embora rajado por uma infinidade de ocorrências, permanece ali. Essa permanência compõe o corpo das nações. A noção individual, por outro lado, é o novo elemento da cultura que faz com que a cultura, estando ao mesmo tempo baseada em seu local de origem, circule, dissemine e colha elementos de outras culturas para retornar a sua cultura de origem. Este fenômeno de universalidade colaborativa é o maior exemplo do que não acontece quando um país se furta de cultivar a cultura. O problema maior é quando a cultura fica sem a sociedade, ou seja quando a sociedade deixa de agir em 45


Foto: Fábio Domingues

raiz da questão

Saulo Di Tarso

favor do organismo da cultura. Isso não quer dizer que sejamos uma sociedade sem cultura, mas que somos uma sociedade que não distribui a cultura como direito. Se um país educar sem cultura, a educação não terá sentido; e, se a educação não tiver sentido, a economia não terá um direcionamento dinâmico do ponto de vista da constituição social. Sem esse dinamismo a cultura de um país não transita e estaciona. E tudo que não pode ocorrer no tecido de um país da sociedade atual é a paralisação, pois os biomas naturais e culturais, vale dizer, patrimônio natural e urbano, só se distinguem através da identidade de suas populações. Sem a cultura como força de ação estratégica nos modelos de governo o que haverá é um território ocupado mas

não um país. Nossa educação está sem cultura. Se alguém não percebe a importância estratégica da cultura nos modelos de integração econômica e nas distinções dos conteúdos de educação, basta começar a imaginar um mundo onde não haja a possibilidade de ler, ouvir música, ver cinema, viver, lembrar, vender e comprar. Se ninguém for às próximas eleições, não haverá eleitos; e se nossos eleitos não compreenderem que cultura é estratégia de educação, ficaremos condenados ao PIB quando, na verdade, a propriedade intelectual e os bens culturais necessariamente passam a compor a nova lógica do capital. A nós brasileiros basta saber se queremos continuar exportando minério e importando inteligência ou se queremos sentir conforto cultural

dentro de nossos corpos e do nosso locus, longe das violações do darwinismo social e próximos da reverberação de uma máxima poética deixada para nós pelo geógrafo Milton Santos: “o Brasil não tem que ser feito para ser potência, o Brasil tem que ser feito para os brasileiros”. Esse Brasil não ouso dizer quem pode fazê-lo, mas afirmo com todas as letras que ele só poderá ser construído por brasileiros cultos acerca do que é a cultura brasileira e do que são as riquezas que o Brasil dispõe para o mundo enquanto nação. E o grande desafio para que isso ocorra é que temos que baixar a guarda, economistas precisam fazer arte e artistas precisam respeitar o que a economia pode lhes prover pois ambas são forças produtivas da sociedade

e nascem dos modelos de educação. Mas, se a cultura continuar sendo mal educada

“E, no fundo esta é a pergunta fundamental: nós não temos cultura ou a nossa cultura está sem sociedade?”

2% do orçamento para a cultura quando na verdade 100% do PIB brasileiro é resultado da cultura brasileira. Se é a cultura que queremos ou não, são outros quinhentos. E, no fundo esta é a pergunta fundamental: nós não temos cultura ou a nossa cultura está sem sociedade? Nada se cria tudo se copia, ou tudo se cria e nada se copia – mas aquilo que se cria, quando agrada aos olhos de quem vê, se copia.

e a educação continuar se fazendo sem cultura, o que veremos é a disputa pelos 47


patrimônio

AS SETE FLECHAS DO CABOCLO RITUAIS INDÍGENAS NAS RUAS DE RECIFE NO FIM DA TARDE, CHEGANDO NA RUA ESTREITA DE

Foto: Acervo Associação RAIZ.

PARALELEPÍPEDOS NO BAIRRO DE ÁGUA FRIA, ZONA NORTE DO RECIFE, UM NEON VERDE E VERMELHO SE SOBRESSAI Da Redação Fotos Acervo Associação RAIZ.

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Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

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Nas fantasias dos Caboclinhos 7 Flexas existe um grande cuidado com a beleza e o luxo

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neon marca a presença da iluminada sede do Caboclinho 7 Flexas. A agremiação foi fundada no início dos anos 1970 por José Severino dos Santos, o Mestre Zé Alfaiate, hoje com 84 anos. São mais de quarenta anos de atividades na cultura do caboclo, seus ritmos e danças, expressos em inúmeras apresentações no Brasil e no mundo. Vizinha à sede fica a residência do mestre Alfaiate e dona Marlene, com

portas sempre abertas à comunidade, num entra e sai frenético de pessoas que vão beber uma água ou trocar uma prosa. A casa simples com porta e janela para a rua contrasta com os panos de vidro, o neon, os cadeados e o ar condicionado da sede ao lado. Ter uma sede é a maior preocupação do mestre, talvez por conta de sua idade avançada. “O clube com sede é difícil de se acabar. Mesmo que não tenha um presidente, a gente tem onde botar a cabeça”. Completa: “Temos vida porque temos sede”.

Paulinho 7 Flexas é o responsável por manter a tradição do folguedo

Zé Alfaiate vive da construção e preservação da cultura do Caboclinho e do culto ao Caboclo 7 Flexas, entidade que descreve em detalhes. “Sujeito forte, moreno, alto, do rosto afilado, que sendo filho de um casamento entre casal de tribos rivais, foi expulso e vive nas matas,” explica. A religiosidade, sempre perpassando nos nossos folguedos é o grande motivador do Caboclinho. Paulinho 7 Flexas, filho do mestre Zé Alfaiate, conta que: “Quando estava com o braço deslocado na Europa, todo

enfaixado e proibido de dançar, minha paixão foi tão grande pelo Caboclinho, que bati com o ombro na parede e o braço encaixou. No dia seguinte, fui ao mercado e comprei ervas como a jurema, alfavaca-de-caboclo e outras e fiz um chá. Logo depois, pela graça do Caboclo, dancei normalmente”. A lenda vai virando história. José Severino, alfaiate de profissão, desenha e tece com maestria as fantasias e adereços que sua agremiação desfila. Usa e abusa das palhas, lante-

joulas, espelhos, plumas e tudo que for preciso para tornar a apresentação do 7 Flexas um deleite estético. Na dança é o filho que puxa a qualidade. Pina Bausch, depois de ver Paulinho dançando, convidou-o para inúmeras oficinas e apresentações na Europa. Antônio Nóbrega, sempre que pode, tem o mesmo Paulinho ensinando no seu Espaço Brincante, em São Paulo. Algumas das tribos de caboclinhos são seguidoras do candomblé ou da umbanda. Para esclarecer; o 7 Flexas não 51


Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

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Mestre Zé Alfaiate, um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

Detalhes das fantasias dos integrantes do Caboclinhos 7 Flexas

é tribo, mas é da vertente da jurema ou catimbó, outro componente da religiosidade dos caboclos. A jurema, como apresentada na literatura de José de Alencar no século 19, tem Iracema como a guardiã da bebida e é ela quem protege a brincadeira do Caboclinho. Com vários preparos, a receita do 7 Flechas pede ervas da mata, vinho, champanhe, mel, alfavaca–de-caboclo, liamba, mastruz e cimento de caboclo. Zé Alfaiate dança o Caboclinho desde os dez anos de idade, quando

se iniciou com os Carijós de Alagoas. Seguindo a tradição da nossa cultura popular, onde a vida do comandante se funde com a entidade que representa, o mestre passou recentemente o comando para seu filho Paulinho 7 Flexas. Além de Paulinho, outros integrantes da família também participam. A estrutura do Caboclinho obedece a seguinte hierarquia: o cacique, a “cacica”, o pajé, o capitão ou guia, o tenente ou contra-guia, as crianças chamadas de curumins. Toda essa dedicação e busca

pela perfeição tornaram o Caboclinho 7 Flexas uma referência cultural nacional. A agremiação é um dos destaques do carnaval pernambucano e foi reconhecida como “Patrimônio Vivo” do estado. O Caboclinho é uma expressão bastante recorrente no estado de Pernambuco, mais numeroso que o Maracatu, por exemplo. Presente há mais de um século na região, com agremiações como os Carijós, de 1889, e os Canindés, de 1897, o caboclinho é uma dança tradicional do carnaval pernambucano. Seus 53


Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Acervo Associação RAIZ.

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Mestre Zé Alfaiate entre os troféus da agremiação

participantes vêm vestidos de índios, ornamentados com caprichados cocares, adornos de pena e colares, representam cenas de caça e de combate. Uma dança de muita agilidade nos pés, que é acompanhada do arco e flecha rítmicos – chamados de preacas, instrumentos de marcação que produzem um som seco. Os instrumentos musicais também são bem particulares: a flauta, chamada de gaita; as maracas ou chocalhos; e um surdo de zinco com couro de bode em ambos os lados. Na frente, o apito para o caboclos puxarem o cordão para os ritmos do toré, mais lento; depois, guerra e baião, mais acelerados – sempre variando conforme a agremiação praticante. Assim, dançando habilmente e estalando suas preacas, homens, mulheres e crianças, os caboclos e as caboclas, vão contagiando a assistência. Todos que passam pela rua param para acompa-

nhar o ensaio do 7 Flexas. Muitos da zona norte de Recife participam da vida da agremiação, sempre rigidamente orientados pelo Mestre Alfaiate e seu filho Paulinho 7 Flexas. A vida associativa começa cedo e vemos muitas crianças participando do ensaio. Algumas bem pequenas nos mostrando a importância que um Caboclinho tem nesse exercício intuitivo de perceber o mundo, de pertencer a esse mundo e de ser reconhecido por ele. A militância pela identidade que o mestre Zé Alfaiate e seu Caboclinho 7 Flexas praticam tem a força da verdade que os impulsiona a atravessar a zona norte do Recife para os palcos eruditos da Pina Bausch em Paris. É tão popular, é tão bem feito, que é do erudito.

Loa (cântico de louvor) do caboclo 7 Flexas Tupiriçá, Taquá. Que caboclo são vocês? 7 flexas. 7 flexas em cima, do alto daquela serra pede o grito de paz ou guerra. Guerra! Vinte e quatro candeia. Corta o pau do caboclo. Corta o pau tira o mel. Uma abelha no sul, Outra no céu.

Dona Marlene, a parceira de toda a vida de Zé Alfaiate. 55


políticas

FERNANDO DUARTE, VIVA A CULTURA DA DIVERSIDADE! Da Redação Foto Acervo Associação RAIZ.

Foto: Julio Pereira

“A complexidade está em estabelecer os parâmetros para acomodar tantas diferenças, sem hierarquizar ou proteger algumas em detrimento de outras”. (Fernando Duarte)

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Fotos: Julio Pereira

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m 27 de dezembro de 2010, o Governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nomeou Fernando Duarte para substituir o famoso Ariano Suassuna na Secretaria de Cultura do Estado. Uma secretaria que em Pernambuco tem um significado maior, pois a rica cultura pernambucana tem sido a chave mestra da propulsão do seu reconhecimento diferenciado como estado no país, alavancando várias outras economias como a do turismo e do carnaval. Fernando Duarte da Fonseca tem 53 anos, é piauiense de nascimento, mas pernambucano de vida. Uma vida dedicada à política e às artes, como gestor público e artista plástico. Iniciou-se nas artes na década de 70. Sua militância política vem de longa data também, nos anos 1970 e 1980. Estudante militante da POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária) na Engenharia Civil na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e sindical, quando atuOU no Sindicato dos Bancários pelo Banco do Brasil. Fernando também é um dos fundadores do PT (Partido dos Trabalhadores) no estado, do qual é filiado desde 1979. Entre 2005 e 2008, ele foi presidente da Fundação de Cultura da Cidade do Recife e foi assessor-executivo da Secretaria, em 2009 e 2010, até a sua nomeação como Secretário do Estado. Fernando Duarte tem se desdobrado entre as duas vocações, a política e a arte, que busca articular de maneira equilibrada, uma vez que sempre dialogou no cenário pernambucano

como um artista militante. Some-se a isso, muita disciplina. Seja na produção artística constante de pinturas e xilogravuras, seja nos expedientes administrativos culturais de Pernambuco. Exemplo desses empenhos são os Cadernos de Arte e os Diários que escreve compulsivamente. Hoje já são 240 cadernos de folhas sem pauta com 35 mil páginas desenhadas. Como administrador, o artista atua na gestão pública desde 2001, quando assumiu a secretaria-adjunta de Cultura na Prefeitura do Recife; na gestão de José Roberto Peixe, também artista plástico e hoje Secretário de Apoio Institucional do Ministério da Cultura. O resultado dessa administração é notório no Carnaval Multicultural do Recife. Uma política de valorização da diversidade artística marcante desse estado tão plural no campo da cultura. Ao mesmo tempo, traz artistas renomados para os shows emblemáticos no Marco Zero, no centro histórico do Recife, promovendo os diálogos e os encontros multiculturais, que dão nome ao evento. O Carnaval Multicultural do Recife se revelou uma política pública democratizante, também nos processos que cria, descentralizando o evento em Polos nos diversos bairros da cidade, valorizando os mestres e suas agremiações. Tudo sem cordões de isolamento, ou venda de pacotes de fantasias ou abadás. Hoje, o carnaval pernambucano é um dos maiores do país em visibilidade, movimentação

“No famoso carnaval da Bahia, por exemplo, o frevo que era tocado nos trios elétricos, foi substituído pelo ‘dial’ das rádios FM. ” da economia local e captação financeira de patrocínio e publicidade. Tudo feito sem abrir mão de suas características e ritmos próprios. No famoso carnaval da Bahia, por exemplo, o frevo tocado nos trios elétricos, foi substituído pelo “dial” das rádios FM. A preocupação com a identidade e de todo universo que a cerca é a locomotiva sobre a qual as políticas culturais em Pernambuco tem trilhado seu caminho. Essa valorização da cultura própria é intensa e intrínseca à alma pernambucana. No caso de Fernando Duarte é a premissa básica da sua maneira de fazer política cultural. Ele nos diz: “A complexidade está em estabelecer os parâmetros para acomodar tantas diferenças, sem hierarquizar ou proteger algumas em detrimento de outras”. O secretário continua desafiando seu conhecimento sobre a grande di-

versidade que administra: “Na música temos frevo, coco, maracatu, afoxé, ciranda, caboclinho, blocos líricos, samba, entre outros. Já na literatura temos João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Josué de Castro. Nas artes plásticas temos manifestações em cerâmica, telas e tintas, xilogravuras, barro. São tantas as possibilidades, que isso realmente nos oferece um cenário desafiador”. A política da cultura de Pernambuco foi estruturada sobre quatro eixos que visam preparar a infraestrutura legal e institucional para apoio às demais iniciativas, como a geração de redes locais e regionais, intenso programa de fomento e finalmente a promoção e divulgação das ações programadas. São eles: EIXO 1 - Constituinte Cultural de Pernambuco e Reestruturação Organizacional. Gerando leis e equipamentos necessários.

Todas as proposições e iniciativas da gestão pública da Secretaria de Cultura podem ser acompanhadas pelo projeto “Pernambuco Nação Cultural”. O total de ações é alto, disponibilizou quase 124 milhões de reais em editais de fomento, com mais de 20 mil shows realizados e a criação de 175 mil postos de trabalho, para apresentarmos alguns parâmetros. O “american way of life” do pós-guerra; que vendeu a cultura americana por todo planeta, fruto de uma política com fortes intuitos territorialistas e econômicos; percebeu que a cultura vale por mil tanques em operação. Hoje o Jazz, Blues, R&B, Rock, Rap, Hip Hop fazem parte do nosso cardápio e de nossa economia de consumo. Que o “Pernambuco way of life” possa levar sua riqueza para todos também. Sem tendências imperialistas, mas pela sua estética: diversa, harmônica, bela e fruto de nossa identidade jovem e renovadora.

EIXO 2 - Dinamização da Rede de Equipamentos e Implantação da Rede Regional nos 185 municípios com as Escolas Públicas. EIXO 3 - Desenvolvimento da Política Cultural, que visam o fomento, a preservação, a formação, a difusão, a distribuição da cultura no estado. EIXO 4 - Comunicação, conexões e difusão cultural, também responsável pela implementação do portal de internet Pernambuco Nação Cultural (www.nacaocultural.pe.gov.br). 63


ensaio JOÃO MAURÍCIO DE ARAÚJO PINHO,

O CURIOSO DA BELEZA

J

Foto: Edgard Steffen Jr.

oão Mauricio Ottoni Wanderley de Araujo Pinho, nascido em 1936, é um dos advogados tributaristas mais requisitados do país, em especial no Rio de Janeiro onde nasceu e reside. Foi professor de 1967 até 1992, trilhou vários percursos públicos e privados até formar seu concorrido escritório em 1979 no centro da cidade, com janelas voltadas para o Palácio Tiradentes e a Baia de Guanabara ao fundo. No campo da cultura, foi dirigente dos grandes museus da cidade maravilhosa. João Maurício presidiu o Museu Histórico do Rio de Janeiro, a Associação de Amigos do Museu Nacional de Belas Artes, a Casa de Cultura Laura Alvim, a Casa de Rui Barbosa, o Museu do Pontal de Arte Popular, a Casa FrançaBrasil e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Num incansável amor pela arte. Amor maior, Araújo Pinho nos revela através de sua enorme e belíssima coleção de arte popular brasileira. O advogado tributarista trata da sua paixão pela arte popular – coleciona também peças africanas – com um conhecimento que desfila sua erudição. Muita diversidade, variedade, artistas e estilos, mas com foco total na contribuição de cada peça para o seu olhar e a sua alma. Como ele nos diz: “Eu não me motivo pela coleção, mas pelo que me diz cada peça. Elas conversam comigo”. E foi de peça em peça, que o colecionador gerou as dimensões do seu vasto acervo. Se perguntado sobre o volume de obras adquiridas, em sua longa trajetória de colecionador, diz não saber. Mas, não há onde olhar no escritório do tributarista, que não se veja as milhares de obras, onde a cor, o barro, a madeira, o ferro esculpido não estejam presentes. Outros ambientes no centro e no bairro de Botafogo estão à serviço de sua coleção. Humilde ele revela: “Sou um curioso da beleza”.

Esculturas africanas fazem parte do acervo de João Maurício de Araújo Pinho

Texto e Fotos por Edgard Steffen Jr.

“Eu não me motivo pela coleção, mas pelo que me diz cada peça. Elas conversam comigo” famoso na tradução do modo de vida dos sertanejos. Como de todos os pontos produtores de arte do país, são vários os artistas de Pernambuco presentes: Manoel Eudócio, J. Borges, Ana das Carrancas, os artistas de Tracunhaém. João Maurício tem predileção por aqueles que retratam o seu entorno e a sua realidade, daí a força das obras que encantam seus ambientes de estar e trabalhar. Dialoga também com as várias superfícies. Vemos obras em três dimensões, mas também muitas pinturas: Ranchinho, João da Silva, Heitor dos Prazeres, Mirian, Alcides, Zé do Carmo, e tantos, e muitos. A coleção de João é um painel do melhor da nossa arte popular. A arte que o colecionador chama de pura. “Coleção é a busca da beleza por assemelhação, coleção é a busca da verdade,” arremata João Maurício.

Vitalino é um dos artistas populares de maior destaque da sua coleção. Em uma prateleira de vidro vemos o dentista e o paciente sempre tenso; uma procissão de beatos e bêbados, onde o padre é protegido do sol por uma mesa de bar; os famosos e tão particulares bois; os cangaceiros de barro, mas com olhos vivos; são muitas as peças do gênio pernambucano 61


Foto: Edgard Steffen Jr.

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bens de raiz

A BARKA AFRICANA

VAMOS TODOS CIRANDAR...

Da Redação

Da Redação

Foto Divulgação

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Foto: Divulgação

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a semana da consciência negra estreou o documentário Barka na Cinemateca, em São Paulo. Filmado em 2008, Barka é um retrato de uma comunidade de Burkina Faso, na África. Dirigido por Carlinhos Antunes e Márcio Werneck, o média-metragem vai muito além do dia-a-dia da população, revelando os valores, a identidade cultural e os sonhos de jovens e adultos moradores da cidade de Koudougou. O documentário não cai na tentação de retratar o país como uma terra exótica, distante e diferente. Nas cenas finais, a montagem intercala com agilidade cenas de Burkina e da periferia de São Paulo e o espectador se dá conta de que as semelhanças são muitas. Dentro de uma realidade difícil, ganham destaque iniciativas que buscam a superação da pobreza, da opressão, do desemprego e do analfabetismo, promovendo o desenvolvimento e a cultura dos habitantes. Um dos exemplos é o da Associação Benebnooma, dirigida pelo protagonista do documentário Koudbi Koala, que provê a educação de cerca de quinhentas crianças e adolescentes. Para o diretor Márcio Werneck, o documentário mostra uma África que muitos não conhecem. “O documentário mostra uma África que tem muita dignidade, com pessoas magníficas tentando com suas possibilidades melhorar suas vidas e as que estão ao seu lado. O continente africano é muito grande, são muitas realidades diferentes. Burkina Faso é um país especial. Felizmente lá não há guerras étnicas e o número de aidéticos é pequeno em relação a outros

O documentário Barka nos mostra a vida na cidade Koudougou, em Burkina Faso.

países da África. O país é pobre, mas ser pobre num país pobre é bem diferente de ser pobre num país rico como o Brasil. Mas para entender melhor este conflito só assistindo o documentário”, explica o diretor. Barka é o segundo documentário dirigido por eles nessa região. Em 2007, os músicos e documentaristas Carlinhos Antunes e Márcio Werneck participaram do Festival NAK de música e dança e produziram Sete Dias em Burkina, que retrata a experiência deles naquele país. Em 2008, eles voltaram para Koudougou, em Burkina Faso, tocaram novamente no Festival NAK, apresentaram ao ar livre o documentário nos vilarejos por onde passaram e aprofundaram ainda mais a relação com essa comunidade, realizando esse segundo documentário na região.

a estrada desde 2005, jovens músicos dão cara nova à tradicional ciranda caiçara de Paraty, RJ. Pandeiros, violas, tambores, baixos e guitarras, trazem uma nova forma e um novo tempero para a roda. De lá pra cá, o interesse por suas raízes e tradições gerou um grande movimento cultural na cidade. “Só os mais velhos tocavam ciranda e só os mais velhos dançavam ciranda. O mesmo jovem que faz as baladas de música eletrônicas, a gente está trazendo para dançar ciranda também”, diz o percussionista e vocalista Leandro Campelo. Cada músico foi trazendo a sua influência musical – rock, hip hop, samba, funk – para a mistura com os ritmos caiçaras, com destaque para cana-verde, caranguejo, ciranda, felipe, jongo e canoa. Criaram, assim, uma nova maneira de se tocar ciranda: uma Ciranda Elétrica! Com um CD na praça, Caiçaras de Raça, o espírito da novidade da banda Ciranda Elétrica agora está na internet.

A banda criou o site Cirandas de Paraty, fruto de uma parceria com a Secretaria do Estado da Cultura do Rio de Janeiro. Um espaço virtual sobre a rica história desse estilo musical caiçara. O projeto é motivo de orgulho para Leandro Campelo, o Doutor. Para ele, o site é um espaço “importante para a divulgação de nossa cultura. Pela primeira vez os cirandeiros tradicionais de Paraty terão a chance de apresentar e compartilhar suas histórias, sua arte e suas músicas de maneira profissional e com alta qualidade”. Para Leandro, graças às conexões digitais “a secular tradição caiçara mostra seu ritmo e seu legado para o mundo. Pela internet, a velha guarda da ciranda paratiense (os Coroas Cirandeiros) apresenta seu perfil autêntico, sua simplicidade e grandeza cultural junto com a Ciranda Elétrica de Paraty e a proposta de uma Ciranda Eletrônica representada pelo DJ Kobna”, avalia.

Serviço: Documentário: BARKA Direção: Carlinhos Antunes e Márcio Werneck Elenco: Koudbi Koala, participações de Alpha Blondy, Didier Awadi, Sinfonia da Kora do Mali (família Diabate), Balé nacional de Burkina, entre outros. Produção: Divina Imagem Produções e Mundano Produções Realização: SESCTV Trailer no Youtube: Trailer Barka

Serviço: Cirandas de Paraty – Passado, Presente e Futuro www.cirandasdeparaty.com.br Ciranda Elétrica www.myspace.com/cirandaeletrica 69


benz de raiz Pierre Verger fez da África a inspiração de sua obra.

Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático, de Jérôme Souty

O SOBRE O OLHAR DE PIERRE VERGER Da Redação Da Divulgação de Pierre Verger

antropólogo francês Jérôme Souty lançou o livro Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático. Nesse trabalho, ele analisa o processo de transformação do fotógrafo Pierre Verger, um dos mais respeitados fotógrafos franceses do século 20, em um etnólogo, botânico e historiador da vida de brasileiros e africanos. Jorge Amado escreveu certa vez que Pierre Verger (1902-1996) “de tão extraordinário, parece uma invenção”. De fato, a trajetória do fotógrafo francês é bastante singular. Aos trinta anos, deixou Paris, sua cidade natal, para

descobrir o mundo, libertar seu olhar e se afastar de seu meio familiar e cultural. Fotógrafo e viajante, desenvolveu uma curiosidade por outras formas de viver que o levou muito além da fotografia. Os cinquenta anos que dedicou às pesquisas sobre as culturas negras do Brasil e da África, especialmente na Nigéria e no Benim, fizeram com que se tornasse etnólogo, botânico e historiador e o levaram a desenvolver um conjunto de saberes que o fizeram uma espécie de embaixador entre os dois continentes, restituindo laços rompidos pela escravidão. Homem da imagem que custou a enveredar na escrita, acabou por escrever obras etnográficas

definitivas, em que registrou a riqueza e a especificidade dessas culturas e de sua oralidade. O itinerário singular e o método de trabalho original permitiram que ele recolhesse um material artístico, documental e científico notável. Este livro, que se aproxima de um estudo biográfico, é mais que uma análise da produção científica e artística de Pierre Verger ou uma reflexão geral sobre a originalidade de sua experiência. Ao narrar os passos dessa vida-obra, o antropólogo francês Jérôme Souty interroga com profundidade a etnologia, seu valor e seus limites, e contribui para a renovação dos métodos e para a reconsideração dos objetivos da antropologia.

Serviço: Livro: Pierre Fatumbi Verger: do olhar livre ao conhecimento iniciático de Jérôme Souty Editora Terceiro Nome Patrocínio: Banco Pine Apoio: Fundação Pierre Verger, Maison de France, MinC, Secretaria de Cultura do Estado da Bahia Quanto: 60 reais site: www.terceironome.com.br 71


Foto: Nelson Kon

Foto: Guilherme Gaensly

benz de raiz

Fachada do novo espaço cultural da cidade de São Paulo: A Casa da Imagem

SÃO PAULO TEM UM NOVO ESPAÇO CULTURAL:

A CASA DA IMAGEM O fotógrafo Guilherme Gaensly produziu imagens da cidade de São Paulo entre os séculos 19 e 20

Da Redação Fotos Divulgação de Nelson Kon e Guilherme Gaensly

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oltado à pesquisa e difusão da história da imagem documental da cidade e à preservação dos acervos Iconográfico e Gestões Municipais, o novo espaço da fotografia: A Casa da Imagem. Instalado na centenária Casa nº 1, depois do restauro iniciado em 2008, seu acervo, que reúne 710 mil imagens da cidade de São Paulo (entre as quais 120 mil já digitalizadas), recebeu tratamento para conservação, além de ter sido constituída uma base de dados de gerenciamento e recuperação de informações. Localizada na antiga Rua do Carmo, hoje Rua Roberto Simonsen, a Casa da Imagem fica ao lado do Beco do Pinto e do Solar da Marquesa de Santos, que também passaram por processo de restauro e foram reabertos ao público. “Promover ações de pesquisa junto ao acervo da Secretaria Municipal de Cultura garante o conhecimento, difusão e preservação de suas coleções, como é caso desta exposição”, afirma Henrique Siqueira, gestor do novo museu.

Eventos de abertura Muita gente conhece o trabalho de Guilherme Gaensly, mas poucos são aqueles que conhecem a exata dimensão de sua importância para a iconografia da cidade de São Paulo. Por isso, a obra do fotógrafo foi escolhida para inaugurar o novo museu da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que fará parte da rede do Museu da Cidade. Esta exposição – Guilherme Gaensly, o fotógrafo Cosmopolita – inaugura a Casa da Imagem, com curadoria de Rubens Fernandes Junior, coloca luz sobre o mais importante conjunto de fotografias produzidas ao longo de três décadas – entre 1890 e 1920 –, momento em que a cidade radicalizou sua transformação urbana. Gaensly não se preocupou em documentar a cidade em obras, mas produziu uma coleção de fotografias cuja principal preocupação foi evidenciar a nova dinâmica da cidade: seus edifícios públicos, seus parques e praças reurbanizados,

seus palacetes e os trilhos dos bondes elétricos recém-chegados ao espaço urbano. Esse conjunto de imagens, especialmente criado para divulgar os novos atributos da capital, foi decisivo para São Paulo adquirir um status de metrópole emergente. “Essas fotografias são um dos mais expressivos documentos visuais da história da cidade e estimulam o visitante a se envolver com o passado da cidade, por isso escolhermos mostrá-las na inauguração da Casa da Imagem”, afirma Rubens Fernandes Junior. Ele aponta, por exemplo, como a fotografia do Largo do São Bento de Gaensly deverá se chocar com a imagem metal que o visitante tem hoje do mesmo

espaço. A proposta busca estimular a criação de vínculos afetivos que possam dar ao cidadão uma leitura crítica sobre o desenvolvimento econômico da cidade e, ao mesmo tempo, capacitá-lo para uma melhor compreensão da evolução do espaço urbano. Beco do Pinto – No ar, de Laura Vinci A Casa da Imagem é responsável pela programação do Beco do Pinto, logradouro público, entre o novo museu e o Solar da Marquesa de Santos. Era uma passagem utilizada na São Paulo colonial para o trânsito de pessoas e animais, ligando o largo da Sé à várzea do rio

Tamanduateí. A proposta é convidar artistas plásticos para conceberem instalações para o local que será inaugurado com a obra da artista Laura Vinci, No ar. A instalação (site specific) sugere uma reflexão sobre a transformação e a passagem do tempo. A passagem do tempo é tema recorrente na obra da artista paulista. Sua obra também se destaca por estabelecer um diálogo com o espaço no qual se insere. Essas características sublinham a instalação criada para o Beco do Pinto, onde a artista instaura ainda uma delicada poética sobre um tempo em suspensão.

Serviço: Exposição: Guilherme Gaensly, o fotógrafo Cosmopolita Instalação: No ar, de Laura Vinci Até 8 de abril de 2012 - de terça a domingo, das 9h às 17h - Entrada gratuita Casa da Imagem - Rua Roberto Simonsen, 136-B, Centro, SP fone: (11) 3106 5122 – e-mail: contato.casai@prefeitura.sp.gov.br Visitas monitoradas: Equipe disponível para atendimento de grupo escolares, organizações da sociedade civil, associações e visitantes. 73


Fotos: Pedro Martinelli

benz de raiz

Mosaico das imagens produzidas nos 40 anos do fotógrafo Pedro Martinelli

PEDRO MARTINELLI GANHA Da Redação

LIVRO DA COLEÇÃO FOTÓGRAFOS VIAJANTES

TERRA VIRGEM EDITORA LANÇA TERCEIRO VOLUME DA COLEÇÃO EM AGOSTO

fotos Pedro Martinelli

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uas versões de livros de Pedro Martinelli, fotógrafo brasileiro que conquistou o prêmio Esso (1996) e diversos prêmios Abril de Jornalismo, foram lançadas no segundo semestre de 2011. Uma com custo acessível e outra para colecionadores, mas ambas apostando na divulgação do trabalho de um ícone do fotojornalismo tupiniquim. O livro Martinelli, Pedro, da coleção Fotógrafos Viajantes, chegou às livrarias em agosto pela Terra Virgem Editora e reúne 64 imagens feitas durante os quarenta anos de carreira em que Martinelli atuou em grandes jornais e revistas do país. A coleção Fotógrafos Viajantes teve início com Pierre Verger (2009), seguido de Cássio Vasconcellos (2010). “A coleção apresenta grandes fotógrafos, suas imagens e viagens, editadas de forma a contar um pouco sobre a visão peculiar de cada um deles. O que me interessa é a diversidade de olhares, de lugares, de desejos,” diz Linsker, editor da coleção.

“Pedro Martinelli se encaixa perfeitamente nessa proposta. Desde os anos 1970, realiza um trabalho importantíssimo sobre a Amazônia e suas imagens carregam uma reflexão essencial, e muitas vezes incômoda, sobre as escolhas da sociedade brasileira para a região,” completa. Uma versão do livro tem formato de bolso e capa dura. O livro é gigante no que se refere à variedade de temas, épocas e emoções retratadas por Pedro Martinelli. A outra versão foi criada para amantes da fotografia, colecionadores de obras de arte ou para quem quer adquirir fotografias exclusivas de artistas importantes a preços acessíveis. As paisagens, os índios, o desmatamento e os detalhes da Amazônia permeiam todos os livros e dividem espaço com campos de futebol; políticos como Lula, Maluf ou Juruna; uma modelo tcheca em Paris, e uma versão “dona de casa” de Sonia Braga, cozinhando em Paraty. “Pela primeira vez um livro mostra os diversos temas com

os quais trabalho. É um primeiro balanço, uma amostra do meu arquivo editada pelo Roberto Linsker, de quem recebi o convite para fazer o livro e a quem dei total liberdade para recontar minhas histórias,” diz Pedro. “Vivi mais da metade da minha vida no mato, conheço o Brasil todo, e acompanho a desgraça na Amazônia desde os anos 1970. Em 1995 pedi demissão e fui fotografar o que sobrou

da floresta e resgatar o que existia dos índios, que agora usam camisa de time de futebol, bermuda até o meio da canela, tênis desamarrados e boné,” completa. Linsker é responsável pela escolha e sequência das imagens do livro. “A edição do livro é uma leitura minha, muito particular, sobre a obra do Pedro”, explica o curador. “Gosto desta ideia do vai e volta, das semelhanças e contrastes entre a

floresta e a cidade, da Amazônia impregnada na vida do Pedro, desses diálogos silenciosos entre mundos que pela primeira vez se encontram lado a lado nas páginas do livro. Como o saltador em Acapulco que se larga para o mar e para a vida e a vítima que, durante o incêndio de 1974, pula para a morte no edifício Joelma em chamas,” completa Linsker.

em jato de tinta K3 sobre papel Hahnemühle Classic Velour 290g/m2 Quanto: 3.000 reais

Onde encontrar: A edição simples está disponível nas principais livrarias do Brasil. A edição limitada estão à venda na própria editora e em galerias selecionadas.

80 livros assinados e numerados de 21/100 a 100/100 Quanto: 190 reais

Informações: terravirgem@terravirgem.com.br.

Serviço: Livro: Martinelli, Pedro Texto: Pedro Martinelli e Roberto Linsker Terra Virgem Editora 64 imagens Características e preços: Edicão limitada (100 exemplares) 20 livros assinados e numerados de 1/100 a 20/100, acompanhados de cópia fotográfica no tamanho 55 X 44 cm numerada e assinada pelo autor, com impressão

Edição simples Quanto: 45 reais 75


Fotos: Ana Beatriz Chebel

Fotos: Rosa Bastos

APLICATIVO INSTAGRAM REVELA O BRASIL

Fotos: Renato Stockler

benz de raiz

Da Redação

Sob a curadoria da fotógrafa Mônica Maia foi criada uma nova possibilidade de colecionar imagens do Brasil.

Fotos Renato Stockler, Rosa Bastos e Ana Beatriz Chebel

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om 25 anos no mercado de fotografia, Mônica Maia foi responsável pela primeira exposição em São Paulo de fotos tiradas com o aplicativo Instagram impressas em papel algodão, que aconteceu no Clube Alberta em abril de 2011. A coleção Revelar #azulejos nasceu no processo da montagem dessa exposição. “Eram cópias 20x20cm e na parede lado a lado me veio a imagem de azulejos decorados. Fiz várias pesquisas e a técnica da impressão brilhante se aproximou muito do aplicativo e dos efeitos retrôs obtidos através dos filtros,” comenta a fotógrafa. Seguiu-se

a mostra Inspir.ação, o Revelarparaty, cobertura colaborativa do evento de fotografia Paraty em Foco, e a InstaSampa, que selecionou trinta imagens entre as 1.200 inscritas, no Armazém Piola, em São Paulo. A coleção Revelar #azulejos traz para o mundo real as fotos feitas através do Instagram, um dos aplicativos mais populares para iPhone. O aplicativo, criado pelo brasileiro Mike Krieger e pelo americano Kevin Systrom, atingiu, em apenas um ano de lançamento a marca de 10 milhões de usuários com mais de 200 milhões de imagens. Atualmente o sistema possibilita o uso de diversos fil-

tros que recriam estéticas de processos fotográficos que remetem às câmeras analógicas como Lomo e Polaroid. O azulejo tem 15 x 15cm e a moldura, de cor nogueira, tem 16,5 x 16,5 x 3,7cm. O preço do azulejo na moldura é 240 reais. A foto compartilhada na rede social é quadrada, por isso quando aplicada neste suporte fica muito fiel ao que se vê na tela do aparelho. Além do formato, a impressão brilhante ressalta o estilo retrô das fotos. As fotos selecionadas pela dona da Agência Revelar, Mônica Maia, mostram um Brasil de verdade em todos os aspectos, com fotos reais, documentais, que vão

desde grandes acontecimentos até cenas do dia a dia. As imagens são impressas em azulejos, que podem ser emoldurados ou aplicados diretamente na parede. Profissionais experientes estão entre os fotógrafos selecionados pela curadora para esta primeira linha Revelar #azulejos. São eles: Aurch, Ana Beatriz, Chebel, Daigo Oliva, Filiperama, Garrida, Helena de Castro, Letsvamos, Paulo Pampolin, Renato Stockler, Ricky Arruda, Rosa Bastos, T.Pires, entre outros. Fotógrafos selecionados por Mônica Maia direto do aplicativo Instagram. “Procuro selecionar aqueles que criam uma identidade visual, seja pelas cores, enquadramentos, filtros, temas

fotografados, ou seja, procuro trabalhos com personalidade e, claro, que ficam bem em paredes, prateleiras e ambientes internos e externos,” explica. Existe a intenção de fazer exposições pelo país, não só de azulejos mas com ações na rede Instagram. “Fizemos em São Paulo a exposição InstaSampa, onde fotos da cidade eram compartilhadas na rede,” conta Mônica Maia. Mas caso haja interesse em adquirir algum dos azulejos a compra pode ser feita pelo site www.revelarbrasil.com.br na sessão Impressões - coleção #azulejos, ou sob encomenda pelo email: contato@revelarbrasil.com.br 77


Foto: Ernesto de Carvalho

bens de raiz especial

Vincent Carelli na aula de edição com o Ashaninkas, no Acre

VÍDEOS NAS MUITAS ALDEIAS Da Redação Fotos Ernesto de Carvalho e Carlos Fausto

Ashaninka, Asurini, Baniwa, Enawenê-Nawê, Gavião–Parakatejê, Guarani-Kaiowá, Guarani-Mbya, Kaxinawá, Ikpeng, Kaingang, Kanoê, Kisêdjê, Krahô, Kuikuro, Makuxi, Manchineri, Maxacali, Nambiquara, Panará, Pankararu, Parakanã, Tariano, Waiãpi, Waimiri (alguns dos 250 povos indígenas do Brasil)

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ídeo nas Aldeias é uma ONG, um Ponto de Cultura e um projeto precursor do audiovisual indígena no Brasil. Com mais de quarenta títulos de autoria indígena lançados, o acervo do VNA proporciona uma visão única no diálogo com a temática dos nossos índios. Um diálogo cultural direto da fonte. Uma fonte complexa e que traz o mito de origem do país, que envolve memórias e lendas, mas também manejo florestal e divisas territoriais. O VNA aporta equipamentos de áudio e vídeo, forma técnicos e fotógrafos, e ajuda no processo de distribuição dos produtos gerados. Traz à tona nossa grande diversidade de povos e etnias, abordando parte significativa dos mais de 250 povos indígenas do país.

Em meio a caça às bruxas das ONGs, fruto do aparelhamento partidário de algumas entidades envolvidas em escândalos recentes, falar do Vídeo nas Aldeias é colocar de volta à mesa, a temática realizadora e impulsionadora original dessas empresas militantes de suas causas. As ONGs têm sido um fenômeno mundial com forte influência na formação da humanidade. Atuando em causas nobres como meio-ambiente, trabalho infantil, minorias, tortura, entre outros; estando presente, muitas vezes, na ausência do Estado ou do responsável pelos direitos. ONGs também cresceram como empresas, rompendo fronteiras e se configurando em verdadeiras multinacionais. Muitas sem

perder o elã inicial, como os Médicos sem fronteiras, a nível mundial, e o Vídeo nas Aldeias, aqui no Brasil.

“Um diálogo cultural direto da fonte.” O Projeto Vídeo nas Aldeias – originário da ONG Centro de Trabalho Indigenista e, em particular, da atuação militante de Vincent Carelli - desde 1986 é um exemplo ímpar na construção de uma política cultural estruturante, democratizante e de visibilidade da questão indígena. Com uma produção audiovisual constante e invejável, o VNA não impõe, ao contrário, compõe com seu 79


Foto: Carlos Fausto

benz de raiz especial

Vincent Carelli entre os Kuikuru

interlocutor com o respeito às características e a história de cada povo indígena abordado. Os produtos audiovisuais do VNA surgem do olhar dos próprios índios, que em oficinas e reuniões dispõem como quiserem dos recursos intelectuais e ferramentais aportados para construir uma narrativa própria e autônoma. No primeiro trabalho, com os Nambiquara, com o equipamento VHS do próprio Vincent (pronuncia-se em francês ‘vanssant’) sempre à disposição, uma surpresa: Os índios não gostaram de muita coisa que viram e promoveram ajustes na sua imagem, uma vez, revelada pelo espelho das câmeras. Esse potencial de gerar novas dinâmicas, que se configuram em alavancas para a expressão individual e coletiva das aldeias, é a chave do sucesso do projeto VNA. Mais do que o seu fim como produto consumível, o filme, pelo olhar intimista e diferenciado do realizador de cada povo, alavanca uma interlocução especial com quem não conhece o tema – os de fora. Mas também, movimenta, na sua confecção e resultado final, os povos retratados – os de casa. Num círculo virtuoso em que os processos se alavacam positivamente; com os de fora rompendo o estranhamento comum e compreendendo que o nosso índio não

é só aquela figura mítica do alto Xingu, forte, desnudo e dançando o Quarup. E os de casa se vendo e se reconhecendo como uma cultura específica.

“Os índios não gostaram de muita coisa que viram e promoveram ajustes na sua imagem...“ Se num primeiro momento o VNA retrata, num segundo forma cineastas índios. Em 1997 foi realizada a primeira oficina de formação na aldeia Xavante de Sangradouro. Numa ciranda que não para nunca. Em 2004, o encontro com o Programa Cultura Viva alavancou ainda mais a iniciativa indigenista audiovisual do VNA. Vincent nos conta: “O projeto levou tempo para decolar. Havia muita ignorância sobre as questões indígenas. Até nos tornarmos Ponto de Cultura, nunca tínhamos recebido nenhum centavo. Agora podíamos equipar as aldeias e dar mais autonomia a elas”. Vincent continua: “Junto, vem a revolução digital e a política de fortalecimento da nossa

diversidade cultural na gestão do Ministro Gilberto Gil”. Estruturado e preparado, o Vídeo nas Aldeias ganha energias renovadas num cenário favorável. Com mais musculatura, amplia a extensão de suas ações em novas e diferentes nações indígenas. Caminha então para a terceira via de suas atividades. Entra a distribuição e a promoção dos conteúdos gerados, sempre apresentados em português e mais uma língua, além da indígena falada. O Vídeo nas Aldeias vai para a TV aberta no programa de Marcos Palmeira “A’uwe”, na TV Cultura por quase três anos, com boa aceitação do público, em uma empatia que envolveu humor, intimidade e toda densidade das várias histórias indígenas do presente. Atualmente, o Vídeo nas Aldeias vive o paradigma da esperança e da decepção. Esperança nas novas Leis 11 645 e 10 630 de inclusão das culturas indígenas e afrodescendentes no ensino médio, onde a distribuição dos produtos do VNA podem atingir os três dígitos. Decepção com o desmonte de vários programas em favor da diversidade e da cultura popular no Ministério da Cultura e outras instituições culturais hegemônicas. Independente dos cenários que o cercam, o Vídeo nas Aldeias se renova

e começa a focar o público infantil, com conteúdo adequado e dublado para as crianças. Iniciando uma nova fase de sua evolução como entidade e projeto indigenista. Em um quarto de século o VNA gerou um acervo de mais de 3 mil horas de

“Em 25 anos de vida o VNA gerou um acervo de mais de 3 mil horas de imagens de quarenta povos indígenas brasileiros e uma coleção de oitenta vídeos, metade de autoria dos próprios índios.” imagens de quarenta povos indígenas brasileiros e uma coleção de oitenta vídeos, metade de autoria dos próprios índios. Para celebrar uma vida rica de histórias e momentos publica: Vídeo nas Aldeias

– 25 anos. Um livro que apresenta uma abordagem diferenciada, que privilegia os processos de sua centena de produtos e seus principais atores, os cineastas indígenas, valorizando cinco povos que mais produziram pelo projeto: os índios Ashaninka (AC), Kuikuro, Xavante (MT), Huni Kui (AC) e Mbya-Guarani (RS). Diz Vincent: “Os depoimentos revelam o impacto da chegada do vídeo às aldeias: a apropriação do meio incita a retomada de rituais esquecidos, evidencia disputas políticas entre facções diversas, expõe conflitos geracionais; mais do que tudo, possibilita projetar para o mundo uma imagem mais fiel dos realizadores”. Em uma edição caprichada, o livro com 255 páginas ricamente ilustradas e dois DVDs busca captar a visão dos realizadores, oficineiros, produtores e público na busca de contar como chegaram até aqui, 25 anos depois.

Serviço: Livro-Vídeo: Vídeo nas Aldeias – 25 anos 256 páginas, 10 filmes Quanto: 200 reais 81


música

Ensaio do grupo pernambucano Sagrama Sagrama é: Sérgio Campelo (Direção artística / arranjos) - Flautas Frederica Bourgeois - Flautas Crisóstomo Santos - Clarinetes Cláudio Moura (Assistente de direção) - Violão / Viola nordestina Fábio Delicato - Violão João Pimenta - Contrabaixo Antônio Barreto - Marimba / Vibrafone / Percussão Tarcísio Resende - Percussão Hugo Medeiros - Percussão

E AS FRONTEIRAS DO POPULAR E ERUDITO Por Cristina Astolfi

Foto: Divulgação

SAGRAMA

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úsica erudita é aquela consagrada, a dos compositores universais. Ela possui estruturas formais muito bem demarcadas: abertura, desenvolvimento, a construção de um clima de tensão e depois relaxamento”. Foi assim que Sérgio Campello, flautista e diretor artístico do Sagrama, começou a contar a sua visão sobre a música erudita × música popular. Para ele, música erudita é aquela que interpreta fielmente a composição do autor, respeitando-a nota por nota. O erudito estuda a música de maneira formal, tem mais bagagem e referências musicais que o músico popular. “Veja os sanfoneiros, a maioria não conhece teoria musical, mas tocam por intuição e pelo aprendizado que tiveram com os pais, com as pessoas da sua comunidade, em casa, nas festas”.

Fotos Divulgação

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música

“A música erudita é inserida em um campo artístico até certo ponto autônomo, com músicos seguindo regras rigorosas e em um diálogo interno com os compositores que os antecederam e seus contemporâneos.” Enquanto a música erudita é inserida em um campo artístico até certo ponto autônomo, com músicos seguindo regras rigorosas e em um diálogo interno com os compositores que os antecederam e seus contemporâneos, a música popular se dá intrinsecamente ligada ao contexto das culturas de onde emergem, vinculada a práticas, festividades periódicas, a aspectos religiosos e sociais. Além disso, ela é mais solta, espontânea. Também possui determinadas regras, mas são menos amarradas, abertas a improvisações e recriações constantes dos seus autores. Para Sérgio, “o erudito cria a obra a partir do popular, que traz em si a essência, onde nasce tudo, o ritmo, o gênero, o autêntico. Expressa um povo, um costume, um lugar, uma cultura”. Ele define a música feita pelo Sagrama como uma mistura baseada na cultura popular, nas fontes, nos folguedos (festas populares), mas feita em uma “linguagem mais elaborada”. O grupo não altera a rítmica (baião, maracatu, frevinhos etc.) e a instrumentação aplicada é um misto de popular e erudito. Muito dessa miscelânea se deve à própria formação heterogênea dos nove músicos: há desde integrante da Orquestra Sinfônica do Recife a percussionista com “formação de rua”. Além disso, Sérgio reconhece a influência do Movimento Armorial, do Manguebeat, das Orquestras de Frevos e do Ciclo Carnavalesco. Só mesmo quem visitou Recife pode ter a dimensão de como a música e a cultura pulsa viva nas ruas daquela cidade.

Para entender um pouco melhor a relação entre o erudito e o popular na música, e para avaliar a produção do próprio Sagrama, recorri ao professor José Roberto Zan, da Unicamp, que iluminou a minha investigação com generosidade a partir de um olhar histórico muito pertinente à questão. Segundo o professor, a música erudita remonta à Idade Média, mas a partir do século 19 ela estabelece uma relação especial com a música popular. Nessa época, a Europa passa por uma grande crise e reconfiguração socioeconômica: o desenvolvimento do capitalismo industrial; os desdobramentos da Revolução Francesa; o desencanto com os ideais iluministas; e a necessidade de consolidar a incipiente unificação de países como Inglaterra, Itália e Alemanha. Impulsionadas pela necessidade de erigir um projeto nacional, as elites intelectuais desses jovens Estados buscam na cultura popular elementos para a constituição de uma identidade comum, de Povo, de Nação, para aquele agrupamento artificial de comunidades tão diversas. Surgem as pesquisas dos folcloristas, dos quais podemos destacar os alemães. Se, por um lado, o conhecimento das diferentes comunidades tradicionais sempre existiu; por outro, é essa elite que o traz à tona, tornando-o visível ao valorizá-lo e pesquisá-lo. De certa forma, é o folclorista quem inventa o folclore (do inglês, folk e lore: “povo” e “saber”). Os artistas dessas

classes hegemônicas no contexto do Romantismo brasileiro, do qual também faziam parte músicos, compositores de tradição clássica, passam a pesquisar as práticas, festas e sonoridades do povo não para reproduzi-las, mas para reelaborá-las e rearranjá-las de forma a construir o verdadeiro Espírito do Povo (Volksgeist, em alemão). Do lado de cá, o Brasil proclama a sua independência em relação a Portugal. O dilema que o funda é a busca da sua própria identidade, procurando se distinguir da metrópole que o colonizou. Um movimento de construção de um projeto nacional semelhante ao europeu, firmado na reelaboração e organização das práticas populares, inicia-se e pode ser observado nos ideais do movimento romântico brasileiro. No entanto, ele ganha força e repercussão a partir do século 20, com a vanguarda dos modernistas, tendo como marcos a Semana de Arte Moderna de 1922 e o Manifesto Pau-Brasil (1924). Nas discussões sobre música destacou-se o escritor Mário de Andrade com o seu Ensaio Sobre a Música Brasileira (1929). Para ele, era fundamental o desenvolvimento da música brasileira, que deveria ser erudita, a partir da fonte popular. É o que fazia Heitor Villa-Lobos (que se apresentou, inclusive na Semana de 22) em trabalhos como Uirapuru e Amazonas: colhia no folclore, na cultura indígena e popular determinados elementos e os trabalhava a partir dos procedimentos formais da música europeia. Ele sinfonizava o folclore. Mais uma vez, como na Europa, temos o entrelaçamento da música erudita e

da música popular segundo um projeto da classe dominante: a expressão da identidade nacional através do rearranjo de elementos populares segundo a estrutura formal erudita. Até agora tratamos da música popular como aquela produzida fora do mercado, sem fins lucrativos, ligada aos valores e práticas de comunidades específicas, ligadas à vida cultural e religiosa. Porém, a partir da industrialização do século 20, temos uma tendência mundial de descaracterização do folclore devido à separação entre artista e obra, que passa a ser comercializada, a ser construída para o mercado.

europeia, é frágil, um reduto de poucos artistas e ouvintes. E por requerer uma estrutura cara, com um grande elenco de músicos, ela é dependente de subsídio estatal para sobreviver. Como aponta Sérgio, “a música erudita feita no Brasil é restrita, mas respeitada. Existem grandes orquestras, grandes escolas. Mas há uma ligação muito forte com o governo”. E como podemos ler essa relação entre popular e erudito no caso do Sagrama? O grupo pode ser visto como uma manifestação inserida em um movimento regional, e não no movimento de projeto nacional, que ocorreu com a música erudita brasileira até a década de 60. O Sagrama realiza cortes locais e regionais, em busca não da construção de uma identidade nacional, mas sim da construção da sua própria identidade, os músicos afirmam os valores do lugar onde moram, da cultura pulsante que vivenciam. Algo parecido aconteceu com o movimento Manguebeat, também pernambucano. Mas se o Sagrama seleciona e colhe determinados elementos da música folclórica pernambucana e dá a eles um tratamento erudito, os grupos do movimento Manguebeat recolhem esses mesmos elementos, mas dão a ele um tratamento pop. Zan arrisca: talvez possamos afirmar que no contexto global o projeto nacional perde força, enquanto o movimento regional se fortalece. É uma boa aposta, não?

“A música popular se dá intrinsecamente ligada ao contexto das culturas de onde emergem, vinculada a práticas, festividades periódicas, a aspectos religiosos e sociais.” A música popular se profissionaliza e se racionaliza, perde a espontaneidade, transforma-se em resultado de estudo e pesquisa. Além disso, o diálogo entre as sonoridades de diferentes lugares se acirra na proporção do desenvolvimento da comunicação e da globalização. Surge o pop, o popular internacional. No Brasil tivemos um grande florescimento dessa música popular de mercado (a nossa riqueza musical é mundialmente notória), mas também a manutenção de práticas folclóricas. Aqui coexistem diferentes estéticas, sonoridades, hegemônicas ou não. Por outro lado, a esfera da nossa música erudita, comparada à

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PORTO ALEGRE

E O TURISMO CULTURAL

Foto: Lauro Rocha

Texto e Fotos por Lauro Rocha

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Foto: Lauro Rocha

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Centro Histórico no fim da tarde

O

mês é novembro. As calçadas estão tomadas de flores, caídas dos ipês-roxos que, assim como os manacás e os jacarandás, dão graça às ruas. A primavera é a mais generosa das estações do ano para os que querem conhecer Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul, um estado conhecido – quase caricaturado – por seu inverno e pela imagem de um povo descendente de europeus, ou então, a do gaúcho pampiano, uma figura mítica tal qual a de Centauro na mitologia grega. A beleza da cidade pode ser percebida em qualquer das quatro estações, mas o

rigor do inverno fica mais bonito no interior do estado, especialmente na serra,

“A primavera é a mais generosa das estações do ano para os que querem conhecer Porto Alegre” acompanhado de um bom vinho. O verão é impiedoso. A cidade é banhada por um enorme lago, o Guaíba. A combinação da baixa altitude com a

proximidade do estuário transforma a cidade numa panela de pressão entre os meses de dezembro e março. Em 2010, por exemplo, a cidade figurou como o lugar mais quente do mundo durante quase uma semana. Imagino que pontos do deserto do Saara ou de Gobi não tenham aferição permanente de temperatura, mas a sensação térmica de 50ºC é suficiente para espantar qualquer viajante. Mas, ainda assim, a cidade guarda boas atrações aos que se aventurarem ao turismo durante o verão. A cidade ferve - perdoem o trocadilho, foi inevitável – com atrações artísticas que lotam

teatros, auditórios e espaços públicos, oferecendo cultura a preço baixo e até mesmo de graça. O centro da cidade, agora rebatizado para Centro Histórico, concentra grande parte dos chamados pontos turísticos de Porto Alegre. Mas é em novembro que a cidade mostra aquela que talvez seja a sua característica mais marcante, a diversidade artístico-cultural. Por onde se passa há uma exposição, um show, uma busca pela interação das pessoas com a arte de rua e da arte na rua. A Praça da Alfândega está lotada com as bancas da Feira do Livro. A impressão

que se tem é de que o centro da cidade inteiro se transformou em uma imensa livraria a céu aberto. Não muito distante dali, a Bienal do Mercosul e suas instalações também agregam vida e cultura ao cenário colorido da Capital gaúcha. Dois quarteirões acima, a Praça da Matriz, berço histórico da cidade está tomada de manifestantes. Pedem o fim da impunidade e da corrupção. Na rua acima fica o Palácio Piratini, sede do Governo do Estado, e a Assembleia Legislativa. Do outro lado, fica o centenário Theatro São Pedro e o novíssimo Multipalco, que juntos formam o maior complexo cultural da América Latina. 71


Fotos: Lauro Rocha

Fotos: Lauro Rocha

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Fotos: Lauro Rocha

Bloco de carnaval Maria do Bairro

Artistas de rua se apresentam no Cais do Porto

A cidade está tomada de cor, cultura, arte e inconformismo.

“A cidade está tomada de cor, cultura, arte e inconformismo.” É também no centro que fica o Cais do Porto e seus galpões, cuja utilização principal, atualmente, é para abrigar feiras e eventos culturais. Há anos se espera pela sua revitalização e um projeto ambicioso pretende, finalmente, transformá-lo numa espécie de Puerto Madero.

Travessa Venezianos

É no centro que está a Casa de Cultura Mario Quintana. O prédio era um antigo hotel, o Majestic, e serviu, durante anos, de residência ao poeta que lhe dá nome. Bem perto, na Praça da Alfândega, ficam dois museus: Júlio de Castilhos, que conta a história do Estado e o MARGS, que possui em seu acervo obras de artistas brasileiros como Xico Stockinger, Ado Malagoli e Cândido Portinari e estrangeiros como Jean Geoffroy. Outro ponto, e certamente o mais movimentado de todos, é o Mercado Público, que segue sendo referência de produtos alimentícios de boa qualidade, bons restaurantes e ponto de encontro

de trabalhadores que buscam um chope no fim de tarde. Não muito longe dali está a Usina do Gasômetro, uma antiga estação de geração de energia que, desde sua reforma e transformação em espaço cultural, é uma referência em lazer e cultura aos porto-alegrenses. Atualmente, ela abriga nada menos que dezesseis companhias de teatro e dança, além de possuir cinema e amplo espaço para exposições e shows. Ela possui também um mirante, de frente para o lago, de onde se tem uma das mais belas vistas para o pôr do sol. A cidade tem inúmeros festejos ao longo do ano. O mais famoso deles é o Vinte

de Setembro, alusivo à Revolução Farroupilha, com direito a desfile de gaúchos com roupas típicas montados em cavalos e tudo mais. O segundo, adivinhem, é o carnaval. No bairro Cidade Baixa, berço da colonização açoriana da cidade, ainda no século 18, uma brincadeira de rua chamada “entrudo”, onde os recém chegados portugueses jogavam frutas, ovos e água uns nos outros, é considerada a introdução da festa de Momo na capital. Mais tarde, os chamados “negros urbanos”, no período pós abolição, inseriram o ritmo africano na brincadeira lusitana e colocaram o carnaval na história da cidade. No início dos anos de 1930 a cidade tinha pelo menos duas grandes socie-

dades carnavalescas, a Esmeralda e os Venezianos. A história conta que a rivalidade dos grupos era grande e os carnavais memoráveis, tanto na rua quanto nos bailes de gala, realizados no Theatro São Pedro. Atualmente o bairro conta com o bloco Maria do Bairro, que faz a alegria daqueles que optam por ficar na capital e fugir dos engarrafamentos em direção ao litoral. Visitar Porto Alegre sem conhecer o Parque da Redenção é como não ter passado pela cidade. Localizado entre os bairros Bom Fim, Centro e Cidade Baixa, ele é uma espécie de “quintal” dos moradores locais. A ampla área verde, com direito a chafariz, lago, espelho d’água 73


Parque da Redenção

“Visitar Porto Alegre sem conhecer o Parque da Redenção é como não ter passado pela cidade.” e jardins temáticos é tomada por moradores de todos os cantos da cidade. Aos domingos, ele abriga o Brique da Redenção, onde artistas, artesãos e colecionadores vendem suas obras e antiguidades. Há duas versões sobre o nome “Brique”. A primeira é de que seria uma

Fotos: Lauro Rocha

Fotos: Lauro Rocha

Fotos: Lauro Rocha

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Iberê Camargo

derivação de brique, expressão francesa para tijolos vermelhos, em alusão ao calçamento. A segunda, de bric-a-brac, uma gíria utilizada para denominar os mercados de pulgas da Inglaterra, cujas mercadorias eram colocadas também no chão. Um pouco mais distante da região central, costeando a margem do Lago Guaíba e rumando para a zona sul da cidade cruza-se com um prédio imponente. Fachada curva, de concreto branco, incrustado no pé de um morro. É o prédio da Fundação e Museu Iberê Camargo. O acervo possui obras (pinturas, gravuras e desenhos) e mais de 20 mil documentos que registram a trajetória do artista que lhe dá nome, além de acolher inúmeras exposições ao

longo do ano. Projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza, o prédio do museu é, igualmente, uma obra merecedora de admiração. Uma viagem só é completa quando se tem acesso à culinária local, e neste caso, é impossível não pensar numa visita a uma das inúmeras churrascarias existentes na cidade. Uma indicação óbvia são aquelas que possuem algum dos chamados “shows típicos”, mas, se o seu interesse for tão somente comer bem, procure ir às mesmas churrascarias que os moradores locais costumam ir. Seu bolso irá agradecer. No geral, o preço das refeições é baixo se comparado com outras capitais do país. A cidade tem variedade de

Viaduto Otávio Rocha

“É impossível não pensar numa visita a uma das inúmeras churrascarias existentes na cidade.” restaurantes, das mais diversas correntes gastronômicas, famosos por servir porções de tamanho avantajado. O poder público vem tentando ao longo dos últimos anos alavancar a cidade como um pólo turístico no Brasil. A aposta na sua multiplicidade cultural

talvez seja o caminho mais curto para o sucesso nesta empreitada. Mas é preciso que a cidade receba investimentos efetivos na manutenção e conservação dos pontos turísticos. Recentemente, o Ministério Público do Estado precisou intervir junto ao município para que este revitalizasse o viaduto Otávio Rocha, obra inaugurada em 1932, que se encontra em péssimo estado de conservação. Se tudo der certo, será mais um destino merecedor de visita por parte dos turistas.

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comidas

Pai Brivaldo oferece o ajeum, termo yorubano usado para designar a comida, uma das motivações para que as pessoas participem das festas dos terreiros.

Fotos: Luis Santos

COM AXÉ NÃO TENHO FOME Por Raul Lody Fotos Luis Santos

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Fotos: Luis Santos

comidas

Mãe Neide oferece o xinxim de porco afinal a comida enquanto elo de renovação da relação entre os iniciados e seus orixás

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em dúvida, o papel histórico, social e nutricional dos terreiros de matriz africana no Brasil reafirma sua função de dar de comer a milhares de brasileiros que se alimentam com fartura e qualidade. Isso se dá nas muitas festas dos calendários em louvor aos Orixás.

No terreiro, costuma-se fazer comida farta, variada e gostosa. Essa comida é servida para os membros do terreiro, para a comunidade do entorno, e para os visitantes. O valor dessa comida une-se ao sentido ritual, como acontece com qualquer religião organizada. A comida é um elo sagrado da vida, por isso o que se come nos terreiros é

preparado com o maior cuidado culinário. Tudo é gostoso e tem estética própria, pois os Orixás apreciam o que é bom e belo. As carnes dos animais são preparadas, como nas nossas casas, com as técnicas culinárias apropriadas. As carnes são cozidas, guisadas ou fritas. Há acompanhamentos como: feijão, milho, acarajé, abará, acaçá, inhame, vatapá, caruru, farofa de dendê.

Nos terreiros, os animais são abatidos como acontece com a carne kosher dos judeus; como no Ramadã dos muçulmanos, quando são sacrificados milhares de carneiros, cujas carnes são partilhadas e consumidas. Assim, a comida ritual é um exercício de dignidade e de identidade, e tudo isso é garantido na liberdade religiosa como está na Constituição Brasileira. 71


Pai Cleiton oferece o acaça. O acaçá é uma comida feita com milho branco ou com massa de arroz, geralmente sem tempero

Fotos: Luis Santos

Fotos: Luis Santos

comidas

RECEITA DO TRADICIONAL ACAÇÁ A pasta branca tem como base a farinha de milho branco. O milho deve ficar alguns dias de molho, e depois deve ser passado no moinho ou pilado. Essa farinha deve ser cozida com água até formar uma pasta, e, então, devese pegar uma porção da pasta ainda quente e envolvê-la em um pedaço de folha de bananeira e deixá-la esfriando até enrijecer. Em alguns países da África é utilizada folha do èpàpo.

O acaçá de Mãe Elza é uma comida de santo tradicional nos rituais e oferendas da religião afrobrasileira. O acaçá é a única comida capaz de restituir o axé e restaurar a paz, segundo os que seguidores do Candomblé. 73


TURISMO COMUNITÁRIO EM CANANÉIA Por Patrícia Dunker Fotos Luis Meyerhofer

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Foto: Luis Meyerhofer

eve inicio em julho de 2011 o projeto de turismo comunitário intitulado “A vivência da cultura tradicional gerando renda para a comunidade local, através do turismo cultural de base comunitária: rede de produtores culturais”, com apoio da Secretaria da Cidadania Cultural, do Ministério da Cultura, através do Prêmio Economia Viva em 2010. Sendo assim, uma série de ações estão sendo realizadas no município de Cananéia, litoral sul de São Paulo. O projeto é em parceria com o Ponto de Cultura Caiçaras. O Ponto de Cultura terá um importante papel na elaboração dos meios de divulgação do turismo comunitário e no fortalecimento de uma rede virtual entre os pontos de cultura do Vale do Ribeira, para a discussão sobre temas como o turismo comunitário, comunidades tradicionais, entre outros. Busca-se fomentar o turismo comunitário em Cananéia com ações locais de fortalecimento de seis grupos/comunidades, que fazem parte da Rede Cananéia, e ações coletivas. Entre as ações coletivas está prevista a estruturação de uma Rede de Turismo Comunitário. Esta Rede é formada por comunidades e grupos do município que trabalham direta ou indiretamente com o turismo e pretendem desenvolver o turismo comunitário, colocando-os em contato para a troca de experiências e a construção colaborativa de roteiros de turismo cultural de base comunitária de Cananéia. Para isso foram levantados os possíveis atrativos junto às comunidades e grupos envolvidos e os roteiros serão formados com apoio do Projeto Bagagem, organização que trabalha com a elaboração de roteiros de turismo comunitário com comunidades de todo o Brasil. Um dos roteiros elaborados será testado pelos participantes do projeto e representantes dos

Pontos de Cultura do Vale do Ribeira. Outra ação do projeto está focada na divulgação do turismo comunitário de Cananéia. Isso se dará através da elaboração de um site e de um vídeo que mostrem um pouco da essência da cultura local, ou seja, o que o visitante poderá entrar em contato e vivenciar ao realizar algum dos roteiros dentro da proposta do turismo comunitário de Cananéia. O projeto também prevê campanhas e oficinas para a difusão de informações sobre turismo comunitário e consumo consciente para a comunidade cananeense, entre outras atividades. A Rede Cananéia faz parte da Rede Turisol – Rede Brasileira de Turismo Comunitário, que se caracteriza pela união de diversas organizações no Brasil que desenvolvem projetos de turismo solidário e que buscam, através da união e troca de experiências, fortalecer as iniciativas existentes e despertar outras comunidades para a construção de um turismo diferente. Devido a um apoio da TAM a esta rede, será possível que lideranças de comunidades e grupos de Cananéia conheçam a experiência da Rede Tucum, no Ceará. Entre as comunidades e grupos que participam da rede de turismo comunitário de Cananéia estão: as comunidades tradicionais caiçaras do Itacuruçá, Marujá e Enseada da Baleia, que se localizam na Ilha do Cardoso; a comunidade tradicional caiçara do Ariri; a comunidade tradicional do Santa Maria, a comunidade quilombola do Mandira, localizadas na parte continental do município; seis sítios da agricultura familiar; grupos culturais e grupos de artesanato local, além do Ponto de Cultura Caiçaras.

Serviço: Enseada da Baleia no litoral sul do estado de São Paulo

Para mais informções acesse: www.redecananeia.org.br/ 103


Foto: Divulgação

ENCONTROS DE PARATY da Redação

Fotos Divulgação

Na sala do cineclube da Casa na Praça, a Associação Casa Azul organizou um ciclo de palestras e debates sobre a identidade e o patrimônio cultural de Paraty, cidade no sul do estado do Rio de Janeiro. O evento que aconteceu no segundo semestre de 2011 reuniu personagens do cenário cultural da cidade para falar da cultura popular paratiense, sua evolução e estratégias de promoção e preservação deste patrimônio no século 21. Os temas tratavam do patrimônio imaterial – como as Festas de Paraty ou 3x Cultura – A Ciranda ontem, hoje e amanhã – aos personagens culturais da cidade – como o poeta José Kleber e a criação ciclo do cinema em Paraty. Os outros temas trataram das experiências culturais da cidade: A origem e a tradição do Bloco da Lama; A Eco TV e o patrimônio cultural de Paraty; A poesia e o teatro em Paraty e as Histórias da Banda Santa Cecília, onde se reuniram pensadores e artistas como Luiz Perequê, Lia Capovilla, Thêmis Corrêa, Leônidas Passos, Marcelo Assis, Pardinho da Tarituba, Hélio Braga, Zé Malvão e Leandro Doutor, entre outros. Todos os “Encontros de Paraty” foram gravados e serão reunidos em um DVD que ficará disponível para o público em geral, mas especialmente para a rede escolar de Paraty, para ser utilizado em pesquisas e como suporte pedagógico em Educação Patrimonial.

Foto: Divulgação

O músico Luiz Perequê e o artista Hélio Braga em um encontro sobre sobre o ciclo do cinema em Paraty, RJ

Serviço: Blog da FlipZona: flipzona.wordpress.com 105


TENDA DOS SABERES da Redação

Fotos Divulgação

A Pajelança Quilombólica aconteceu em outubro de 2011. Reuniu mestres, griôs e aprendizes de diversas comunidades quilombolas do Brasil em Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo, para discutir e trocar experiências. As Pajelanças têm a função de apontar soluções práticas para os vários temas que vem surgindo: novas tecnologias, questões sociais, econômicas e ambientais, direitos humanos, territórios e outros. O nome Pajelança Quilombólica é uma homenagem à miscigenação, às fusões de culturas, que foi dado por mãe Dango, uma referência da cultura afro-brasileira na região de Campinas (SP). No quarto encontro promovido pela Rede Mocambos, o tema da reunião foi o bambu e o compartilhamento de conhecimento ancestral e atual de técnicas de seu desenvolvimento e manejo. Os mestres dividiram seus saberes, metodologias, pedagogias e tecnologias das formas de construção de casas como feito antigamente por seus pais e avós. Esses conhecimentos respeitam as características de cada lugar, segundo muitos dos mestres presentes.

Alguns dias antes do encontro, o mestre de obras Raimundo Chagas do Maranhão ministrou uma oficina sobre o feitio do tijolo adobe, considerado um tijolo ancestral onde o processo construtivo é uma forma rudimentar de alvenaria. Para essa oficina ele utilizou barro e água na confecção dos tijolos e tudo foi seco ao sol, exatamente como se fazia antigamente. Do Rio Grande do Sul, da cidade de Porto Alegre, vieram o mestre Paraqueda e o griô Paulo Romeu. Do Quilombo de Morro Alto, que fica na Serra Gaúcha, mestre Antônio também esteve presente no encontro; ele aprendeu com seus avós o método de construção baseado nas paredes forradas com guanxuma e erva-da-bruxa, ervas típicas do Rio Grande do Sul. Esses saberes que vão do Norte ao Sul do Brasil serão reunidos em forma de catálogo e a proposta é que no ano de 2012 o material possa ser apresentado ao governo brasileiro e organizações privadas e públicas que tratam da moradia no Brasil.

Bambu

Problemas da terra

O bambu como matéria-prima permite a fabricação de diversos produtos, como móveis, e pode também ser aplicado na construção civil. Assim, o levantamento, desenvolvimento e transferência de conhecimento acerca do bambu para as comunidades quilombolas, permite geração de renda por um cultivo ecologicamente sustentável e criação de moradia com técnicas desenvolvidas a partir dos conhecimentos tradicionais das próprias comunidades. Geração de renda, impacto ambiental positivo, solução de moradia – assim o bambu pode se tornar um caso de Tecnologia Social segundo os organizadores da Pajelança Quilombólica. O estudo do bambu que já vem sendo feito por membros da Rede Mocambos com o apoio de diversos parceiros, entre eles o Instituto Agronômico de Campinas, e encontra agora na “Lei do Bambu” (Lei nº 12 484/2011), publicada em 09 de setembro de 2011 no Diário Oficial da União (DOU), institui a Política Nacional de Incentivo ao Manejo Sustentado e ao Cultivo do Bambu (PNMCB). Com a lei, o governo visa estimular a transformação do bambu brasileiro, são cerca de duzentas espécies em florestas, e gerar renda a partir de uma matéria-prima que permite a produção de artesanato, móveis, alimentação, moradia e, inclusive, geração de créditos de carbono.

Nas rodas, mestres, griôs, aprendizes, quilombolas rurais e urbanos, povo de Santo (terreiro), representantes do poder público de Campinas (SP) e Hortolândia (SP), movimentos sociais e ativistas dos movimentos de software livres, MNU e da Rede dos Pontos de Cultura, voltaram a discutir a questão da posse da terra. Mestre Antonio, do Quilombo Morro Alto do RS, relatou suas vivências na comunidade quando ocuparam o INCRA. “Os grandes agricultores que invadiram as terras quilombolas estão se articulando com políticos locais da região, deputados e senadores para a legalização da posse das terras cercadas. Existe um clima de medo por parte dos quilombolas, pois existem casos de Quilombos que foram ameaçados e constrangidos por parte dos “brancos”, denunciou o mestre Antonio. Mas em todo país essa situação não é diferente, e, na reunião, muitos dos presentes reforçaram que o poder público tem agido de forma branda e lenta, tolerando uma série de injustiças, aceitarndo uma série de recursos a favor dos invasores do território quilombola. Segundo muitos mestres, a Justiça muitas vezes tem dificultado o andamento do processo de regularização fundiária no país.

Serviço: Participantes do IV Encontro Pajelança Quilombólica Casa de Cultura Tainã: Antônio Carlos Santos Silva -TC, Denise Xavier, Layla Xavier, Kimba Xavier, Jorge Matheus Dersu, Fábio Invamoto- Peetssa, Alcídes Antonio, Anatalino José da Silva e Mercedes dos Santos Projeto Território Livre da Cultura Afro Brasileira: Alceu José Estevan Ponto de Cultura Jongo Dito Ribeiro: Heberth de Souza Ponto de Cultura Nos Caminhos de São Paulo Grupo Urucungos MST de Americana Quilombo de Brotas (SP) Quilombo de Jaó – Itapeva (SP) Quilombo de Cafundó Ponto de Cultura NINA/Ação Griot Casa de Cultura Aquarela Brasil: Marcos Brytto Centro de Cooperativa Toninha Diretora de Cultura de Hortolândia (SP): Elaine Tozzi Inzo Musambu Hongolo Menha - Casa do Arco Íris: Mãe Dango Mestre do Maranhão Raimundo Chagas – São Luiz (MA) Instituto Agronômico de Campinas: Chico de Assis e Leandro Pereira Mestres do Griôs do Rio Grande do Sul Ação Griô: Antonio Carlos, Paulo Romeu e Eugênio Alencar Cooperativa Rizoma: Paulo Barbosa 107


COMMUNE NO CORAÇÃO DA CIDADE da Redação

Foto: Augusto Paiva

Fotos Augusto Paiva

Um dos personagens da Commedia dell’arte no palco do Teatro Commune em São Paulo.

O Teatro Commune fica em plena Avenida da Consolação, no centro da cidade de São Paulo. Luta com tantas informações – bares, restaurantes, e outros teatros – que poderia fazer seus responsáveis procurarem por um lugar mais calmo. Mas o espaço é Ponto de Cultura e trata de aglutinar artistas e produtores culturais para discussões sobre teatro e política cultural.

RAIZ.: O Ponto de Cultura Commune abriu um espaço para a discussão sobre a Commedia dell’arte e o teatro em pleno burburinho do centro de São Paulo…

O ator José Augusto Marin é o responsável por este trabalho. E ele concedeu uma entrevista para a RAIZ. contando detalhes do processo que busca na estética da Commedia dell’arte – um tipo de teatro tradicional italiano baseado no improviso e comicidade, mas com personagens fixos - contar a história de tantos brasileiros. Segundo o produtor José Augusto, “esses personagens da urbis paulistana podem se transformar no jogo da comédia ao mesmo tempo que revelam a característica mais marcante dessa gente: a construção da tolerância em relação à diversidade, mesmo após conflitos, desconfianças e preconceitos.”

José Augusto Marin: Sim, na verdade, o Ponto de Cultura vem subsidiando o projeto de pesquisa, criação e formação do Coletivo Teatral Commune desenvolvido a partir da metodologia das máscaras e da estética da Commedia dell’arte, aliadas à obra de Dario Fo, de outros dramaturgos italianos e da dramaturgia do próprio grupo, coordenada por mim e Michelle Gabriel. Temos desenvolvido uma dramaturgia voltada para a adaptação de textos clássicos, a criação de farsas, a encenação de roteiros (canovacci) de Commedia dell’arte e de paródias.

RAIZ.: Como foi a montagem do projeto do Ponto de Cultura? José Augusto Marin: O projeto do Ponto se chama Teatro Cidadão e prevê a formação de jovens atores e aprendizes por meio da metodologia das máscaras, ou seja, da formação de um ator cômico, um jogador, um fabulador, uma máscara! O projeto vem sendo desenvolvido desde 2004, e no Ponto de Cultura desde 2005. Atendemos aproximadamente quarenta jovens por ano e pessoas de várias idades e condições sociais, por meio de ciclos de leituras, palestras, workshops, debates e apresentações públicas.

RAIZ.: Quantas oficinas foram oferecidas? José Augusto Marin: São sete oficinas, sendo uma delas o processo de montagem do espetáculo teatral que permanece dois meses em cartaz no Teatro Commune, algo raro nos dias de hoje. O projeto compreende a realização de Oficinas de Commedia dell’arte (interpretação e confecção de máscaras) nas quais o jovem apreende a fazer e jogar com a máscara, Oficina de Circo e Expressão Corporal, Dramaturgia, Produção e Formatação de Projetos, Iluminação e Sonoplastia, Oficina de Cenografia e Figurinos e conhecimentos gerais sobre as necessidades de um espetáculo e um teatro (bilheteria, limpeza, contra-regragem, etc.) 109


Foto: Augusto Paiva

Foto: Augusto Paiva

O Teatro Commune também tem uma galeria onde acontecem exposições de fotos e máscaras.

O trabalho com as máscaras cria uma versatilidade subjetiva que favorece a assunção dos papéis sociais que o aluno virá a desempenhar ao longo de sua vida pessoal e profissional como cidadão, possibilitando que ele transite com mais desenvoltura por esses papéis. O processo de construção das identidades é desenvolvido no projeto a partir da utilização das máscaras e personagens da Commedia dell’arte para a criação de personagens-tipos brasileiros, paulistas e até paulistanos, revelando a diversidade da maior capital da América do Sul e, ao mesmo tempo, o espírito de amálgama cultural do Brasil, em que levas de imigrantes italianos e de várias outras etnias vão pintando com cores próprias e

múltiplas a gente da nossa nação. Os jovens vivenciam todo o processo de criação e montagem de um espetáculo teatral, percebendo como um espetáculo é construído e quais atividades e profissionais estão envolvidos – desde as leituras e ensaios até as apresentações públicas e a criação de cartazes, banners, fotografias, vídeos e imagens. As aulas, oficinas e ensaios do Laboratório de Montagem Teatral serão conduzidas de forma sistemática e integrada, permitindo ações simultâneas: enquanto os jovens do grupo teatral criam gags (cenas), máscaras, figurinos e cenários e ensaiam a peça, os jovens da área técnica montam projetos de luz e som, participam da produção executiva

“Este ano foi tudo muito difícil para nós e para os outros pontos de cultura do país. Verbas foram brutalmente cortadas, a burocracia venceu temporariamente a criatividade e a inovação!” e os jovens da cultura digital registram em foto e vídeo o dia-a-dia do trabalho e criam propostas para o layout dos cartazes e programa do espetáculo. Todo o processo e a montagem são desenvolvidos no Teatro Commune, sede do Ponto de Cultura, no qual os jovens apreendem o oficio teatral na prática, realizando temporada de 24 apresentações

consecutivas (dois meses), algo cada vez mais raro no mundo profissional e quase impossível para alunos que se formam em escolas de teatro. O projeto visa não apenas a manutenção do núcleo estável de atores profissionais e jovens do Teatro Commune, mas, também, a formação de monitores e agentes multiplicadores, entre os jovens

do atual projeto, que possam replicar a experiência bem sucedida e gerando dessa forma autossustentabilidade. RAIZ.: E quais foram os resultados p r á t icos? Exposiçã o o u mo n ta g e m de espet áculos ? José Augusto Marin: Os resultados foram a criação de alguns espetáculos, A verdadeira História de Adão e Eva (paródia), com dramaturgia feita por mim; O Arlecchino e Nem Todo Ladrão vem para Roubar, de Dario Fo; O Mentiroso de Carlo Goldoni; e A Comédia da Esposa Muda, de autor anônimo do século 16. Agora, Liberatropa e a Greve das Pernas Cruzadas (inspirada em Lisístrata, de 111


Foto: Augusto Paiva

Foto: Divulgação

Oficinas sobre Commedia dell’arte são oferecidas aos jovens de diversos bairros da cidade de São Paulo.

Aristófanes) que estreiam em janeiro. Paralelamente aos espetáculos, realizamos na Galeria de Exposições do teatro, que leva o nome do cenógrafo Cyro Del Nero, uma mostra de todo o processo de criação da peça, com esboços de cenários, figurinos, maquetes, máscaras, recortes de jornais etc. dialogando com o público de hoje sobre os temas em discussão na peça. RAIZ.: Quais são os novos projetos para 2012? José Augusto Marin: Temos um projeto de uma pesquisa sobre a comédia. O

projeto se chama O Cômico, a Comicidade e os Comediantes, e prevê a montagem de um roteiro de Commedia dell’arte, uma oficina sobre a comicidade realizada por mim e pela Imara Reis, palestras e debates sobre o cômico e uma pequena exposição sobre comediantes do teatro brasileiro, além da apresentação de todo o repertório do Coletivo Teatral Commune. Outro projeto é a montagem da peça Os Figurantes, de Jose Sanchis Sinisterra, com direção e adaptação minha e tradução de Daniela De Vecchi., A peça foi lida recentemente no Projeto Letras em Cena, do Masp,

com grande sucesso. Participaram com dezenove renomados atores – entre eles, Carlos Capeletti, Djin Sganzerla, Imara Reis, Salete Fracarolli, Nyrce Levin, Eudes Carvalho. Outro projeto – estamos cheios de projetos [risos] –, chama-se Teatro Obrigatório e propõe a discussão de pra quê e pra quem fazemos teatro hoje em São Paulo, a partir dos textos Teatro Obrigatório e Por que os teatros estão vazios? de Karl Valentin. RAIZ.: Houve grandes mudanças na relação com o Ministério da Cultura (MinC)?

José Augusto Marin: Infelizmente, sim. Este ano foi tudo muito difícil para nós e para os outros pontos de cultura do país. Verbas foram brutalmente cortadas, a burocracia venceu temporariamente a criatividade e a inovação! Vencemos o Prêmio Areté em 2010 para realizar a TEIA da Capital dos Pontos de Cultura e no meio de 2011, o edital foi cancelado e o prêmio foi destinado a outro grupo, sem a menor consideração nem respeito pelo nosso trabalho. Nós sequer fomos avisados do cancelamento. Até hoje não conseguimos receber o Prêmio Asas por termos sido classifica-

dos em primeiro lugar entre os pontos de cultura de todo o país por culpa da burocracia dos setores de prestação de contas do MinC. Agora estamos acionando advogados e a Justiça para tentar receber o prêmio que é nosso por mérito e direito. Estamos pasmos como um governo que fez tantas coisas importantes para a cultura pôde mudar tanto em tão pouco tempo. Mas como temos esperança, esperamos que as coisas mudem em 2012! E que a Cultura volte a ser uma prioridade política deste governo.

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O AFROTRAÇO

DA BÁRBARA da Redação

B

árbara Tércia da Silva Almeida, a Bárbara Tércia, foi uma das artistas selecionadas no Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura 2010 promovido pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) em parceria com a Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura, na categoria nacional. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, Bacharel em Design Gráfico pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, a ex-aprendiz do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia ganhou uma residência de seis meses no Museu Afro Brasil em São Paulo. Sua residência rendeu, além da troca de experiências, um outro olhar para com o Museu Afro Brasil e sua esquipe.“ O Museu é um espaço importante para conhecer a nossa ancestralidade africana. E todos os integrantes da equipe, dos bombeiros ao Emanoel Araújo, entendem essa responsabilidade,” explicou a artista. Os ganhadores do Prêmio Interações Estéticas têm que oferecer contrapartidas, e a artista plástica baiana promoveu oficinas. “Dei oficinas para o público do Museu e para algumas pessoas da equipe. E aproveitei e pesquisei muito sobre arte

afro-brasileira, principalmente as obras do Mestre Didi, artista baiano, hoje com 93 anos,” conta. A partir das famosas esculturas de Mestre Didi, ela produziu uma série chamada AFROTRAÇO, que consiste em 28 imagens PB. Para Bárbara Tércia, além da produção das obras, a residência foi uma oportunidade para entender as etapas pelas quais uma obra de arte passa. “Deu uma ampliada no conceito do que é Arte. Que ele vai desde o meu lápis até as crianças que participam do projeto de arte educação do Museu Afro Brasil”. Com esse trabalho, Bárbara Tércia foi convidada para a exposição coletiva Espiritualidades Atávicas – Diálogos entre a antropologia y arte contemporânea em Cuernavaca, no México. “Criei duas imagens exclusivas para a exposição no México, fiz performance projetando e editando ao vivo todas as imagens,” conta Bárbara Tércia. Agora ela está desenvolvendo obras com cores. “É a segunda etapa do processo que já foi visto na exposição do México. Mas o Brasil também terá a oportunidade de ver essas obras pois já recebi o convite para uma exposição no Museu Afro Brasil em 2012,” avisa.

Serviço: AFROTRAÇO, de Bárbara Tércia Em exposição virtual no site oficial da artista plástica www.barbaratercia.com Venda: na Galeria da Bárbara Tércia - R. Laranjeiras, 25 – Pelourinho, Salvador, BA Fone: (71) 3488-2273


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