Revista RAIZ. 11

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MINISTÉRIO DA CULTURA, ASSOCIAÇÃO RAIZ E GALERIA BRASILIANA APRESENTAM

A ARTE VISIONÁRIA DE

RANCHINHO

A SENSIBILIDADE FALA MAIS DO QUE UM MILHÃO DE PALAVRAS

Conheça mais os tons e cores de Ranchinho.

Ele tem um talento artístico extraordinário. Agora, sua história e sua obra estão descritos nesse livro. Ricamente ilustrado com dezenas de obras do artista Texto dos experts Antônio Fernando Franceschi, Oscar D´Ambrósio e Roberto Rugiero.

Realização

Nas melhores livrarias ou no portal Raiz:

www.revistaraiz.com.br


Amigos da RAIZ. A edição 11 da RAIZ. apresenta muitas ideias e caminhos para se pensar a nossa cultura e a nossa identidade. São tantas as perspectivas abordadas, que vamos descrevê-las acompanhando o sumário da revista, para que juntos possamos entender seus múltiplos desenvolvimentos. Começamos com nossa religiosidade, misturada nas procissões católicas dos europeus, nas festas de matriz africanas e na fé em santos não-canônicos, traduzidas em belos retratos cearenses e pernambucanos. Partindo daí vamos para o Fórum Internacional de Gestão Cultural na USP em São Paulo, para discutir a cultura como um bem social, fora dos meandros mercantilizadores e achatadores de diferenças e possibilidades. Continuando em São Paulo vamos o Instituto Tomie Otake acompanhar uma exposição ímpar que se inicia, trazendo para o mesmo local 10 artistas da maior significância para nossa arte popular oriundos de 8 estados brasileiros. Eles vem para expor e dialogar diretamente com o público, sem intermediários ou tradutores. E nós agraciados com o texto sempre elegante e profundo de Maria Lucia Montes. Dos nosso artistas populares, vamos homenagear os 100 anos de Jorge Amado, com mais um texto marcante, este de Gustavo Rossi, que nos apresenta o grande legado desse autor popular e erudito na definição do povo brasileiro. Nossa negritude aceita pelo endosso do autor. Das letras vamos para os bits com a ocupação digital do espectro eletromagnético acima de nossas cabeças e que, as tecnologias digitais nos permitem utilizar, assim como já fazemos no mundo da Internet. Seguimos com a potencialização das redes para o Fora do Eixo, que tem feito escola e realizado um dos trabalhos mais sérios na geração de um economia colaborativa. Daí mergulhamos em nossa identidade com a apresentação de uma das coleções mais belas da nossa arte popular, a coleção Gambarotto. Indo direto para Iguape, em São Paulo, onde o carnaval é mais do que uma festa popular. Em uma edição, focada na formulação de políticas para a cultura, abordamos dois casos de sucesso de metodologias inclusivas; através dos trabalhos do Instituto Olga Kos e da Associação Cultural Cachuera! O primeiro, incluindo portadores de deficiência intelectual através da arte e do esporte; o segundo, trazendo os folguedos para o entendimento e consumo ampliado dos centros urbanos. Continuando vamos para o novo MinC, já mais rodado agora, que apresenta seus diferenciais no debate sobre a Economia Criativa e na análise das gestões de Gilberto Gil a Ana de Hollanda, a dobrada da MPB, que mudou e pretende mudar a Cultura do país. Para se divertir, rótulos de cachaças históricos e iconográficos para o deleite do olhar. Continuando nosso entretenimento nada como escutar a música analógica do Acervo Origens, com os melhores LPs da música brasileira. Pegando a estrada vamos conhecer a rede de Turismo comunitário, que com muito conforto oferece uma experiência diferenciada aos viajantes. E para terminar, nada como um bom cafezinho. Ainda mais se misturado em uma receita tradicional com o caldo de cana. Nunca experimentou? Não sabe o que está perdendo. Boa leitura! Edgard Steffen Junior


COLABORADORES Jefferson Duarte apaixonado e disseminador da cultura

Raquel Gonçalves é jornalista, formada pela Universidade

popular brasileira. Nasceu em Cascadura subúrbio do Rio de

Federal do Ceará - UFC. Mestre em Comunicação e Semiótica

Janeiro, mora atualmente em São Paulo. Cenógrafo autodi-

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC

data por ofício, foi responsável pelas exposições: Na Terra de

SP. Membro fundador do extinto grupo Tr.e.m.a. (Território

Macunaima; 100 anos de Cordel - a história que o povo conta;

de Expressão no Mundo Anônimo) que atuou na cidade de

O Chão de Graciliano; Choro do Quintal ao Municipal; Estação

Fortaleza com intervenções e produções alternativas de comu-

Cartola; Cariri Sertão Cultura; Sertão Brasil – uma viagem pelas

nicação. Trabalhou no caderno de cultura do jornal O POVO,

veredas do Rosa, Memorial da Inclusão – Mostra permanente

em Fortaleza. Desde 2009 mora em São Paulo. Possui um blog

da Secretaria estadual da pessoa com deficiência; A Arte nos

jornalístico de viagem. www.estradadosventos.blogspot.com`

tempos do café; entre outras. Hoje está à frente da Celophane Cultural como produtor, cenógrafo e blogueiro.

Diego Dionísio jornalista e assessor de comunicação com

Gustavo Rossi graduação em Ciência Sociais pela Unesp

atuação há 10 anos na cultura popular brasileira, Pesquisador,

(Araraquara) e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social

membro da Comissão e Paulista de Folclore com especialização

pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor do livro

em inventário de Patrimônio Imaterial pela Crespial/Unesco.

As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos Anos 30.

EXPEDIENTE EDITOR-CHEFE: Edgard Steffen Junior

JORNALISTA RESPONSÁVEL: Thereza Dantas – MTB 22.194

EDITORA ASSISTENTE: Thereza Dantas JORNALISTA: Cleber Erik da Silva

RAIZ É UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO RAIZ. COM APOIO DA EDITORA CULTURA EM AÇÃO.

PROJETO GRÁFICO: Uirá Peixeiro DIREÇÃO DE ARTE: Uirá Peixeiro e Igor Busquets

E-MAIL: faleconosco@revistaraiz.com.br

VÍDEOS: Célia Harumi Seki

PORTAL RAIZ.: www.revistaraiz.com.br

VINHETA: Rodolfo Nakakubo INTERNET: Leo Flauzino

AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 11ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ:

ADMINISTRAÇÃO: Marcela Carvalho Campos

Acervo Zélia Gattai, Fundação Casa de Jorge Amado, Acervo Origens, Muda Cultural, Celophane Cultural, Egeus Laus, Museu Afro Brasil.

COLABORADORES: Jefferson Duarte, Marcelo Feitosa, Maria Lucia Montes, Gustavo Rossi, Sérgio Amadeu, Ney Hugo, Tatiana Oliveira, Rafael Vilela, Cris

IMPRESSÃO E ACABAMENTO: RR Donnelley

Albuquerque, Diego Dionísio, Katia Gomes, Yves Barros, Marcos Linhares, Raquel Gonçalves

APOIO INSTITUCIONAL

Este é um projeto com o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91)


SUMÁRIO Esculturas de Isabel Mendes da Cunha

6

ACONTECE......................

O que rola de bom em nossa cultura

12

PROSA..............................

Tradição e teimosia

VERSO...............................

Jorge Amado

28

CULTURA DIGITAL............

Pipoca ali, aqui

32

RAIZ DA QUESTÃO...........

Espectro Commons e Pós Ocuppy

40

PATRIMÔNIO....................

O engenheiro da arte popular e o Carnaval vivencial de Iguape

52

POLÍTICAS.........................

Instituto Olga Kos, Cachuera, MinC e a nova economia criativa

68

ENSAIOS...........................

Cachaça não é água

74

BENS DE RAIZ....................

Livros, filmes, DVDs e CDs de RAIZ

82

MÚSICA............................

Vem tudo do vinil

88

VIAGENS...........................

A rede do Turismo comunitário

98

COMIDAS.........................

Café caiçara

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PONTOS DE CULTURA.....

Arte e transformação social em ação

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FESTA SANTA O Por Jefferson Duarte

Fotos Marcelo Feitosa

povo brasileiro é um povo que tem fé, ele se apropria, se adapta, se transforma, transcende e pronto. Um povo misturado que colocou no mesmo caldeirão as procissões católicas dos europeus, as festas de matriz africanas e a fé em santos não-canônicos. Estes movimentos populares, religiosos ou não, estão espalhados por todo o Brasil. Mas é no Nordeste que esta fé se revela com mais força como por exemplo os seguidores de Antônio Conselheiro em Canudos e o fenômeno Padre Cícero em Juazeiro. Um fantástico e ferrenho imaginário de devoção e um relacionamento íntimo, corpo, suor, lágrimas e sangue com o sagrado. As regras são criadas, as formas de expressão são próprias, mas a fé é única e inabalável. O Fotógrafo, carioca de nascença e pernambucano de coração, Marcelo Feitosa, lançou-se em duas romarias de regiões distintas do Nordeste – Juazeiro do Norte, sertão do Ceará, terra sagrada do líder político/ religioso Padre Cícero e o Morro da Conceição, uma procissão da “bandeira” no meio da região metropolitana de Recife. Seu objetivo era conhecer de perto, juntinho enfronhado estas manifestações, trazendo um retrato crítico e profano desta força que move essa gente, desta fé cega e impressionantemente verdadeira expressada nos olhos, mãos e símbolos carregados por estes devotos. A curadora da exposição Andrea Vizzotto destaca: “Tanto no ambiente rural quanto no urbano, observamos práticas religiosas semelhantes, em que tradição e modernidade interagem em hibridismos que buscam novos sentidos para as suas práticas.” A “Festa Santa” de Feitosa fez parte da exposição do MAP “Caminhos do santo”, em 2010, no Recife. Segundo Marcela Wanderlei, curadora e coordenadora do MAP “...a mostra compôs um mapa sobre a temática no nordeste, evidenciando particularidades e expressando diálogos na representação de um universo religioso (re)elaborado.” No meio desta “Festa Santa” o fotógrafo nos empresta seu olhar crítico destacando outras manifestações de fé contemporânea onde Xuxa e Michael Jackson desfilam lado a lado com Cícero e Conceição. A Curadora reflete em seu texto de apresentação: “Afinal, é o seu olhar que dessacraliza o ritual de fé dos romeiros ou é o conceito que não consegue explicar a vivência do sagrado e do profano entre esses romeiros?”

A Festa em Madureira: Agora será a vez de Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, receber esta procissão de fotos, participar desta “Festa Santa”. Os moradores da terra do Samba são pessoas que, de imediato, vão se identificar com o tema. O subúrbio carioca tem como grande parte da população imigrantes nordestinos, desta forma, a identificação destas manifestações típicas das suas regiões, do seu povo, elevam sua identidade a patrimônio cultural da humanidade. Festas como a de Nossa Senhora da Penha, Iemanjá, São Sebastião e São Jorge, mesmo vindas de tradições europeias misturadas às tradições dos povos afrodescendentes, mostram esta aproximação, este “(re)conhecimento” de uma fé que não é só do homem do Nordeste e sim das “gentes” brasileiras. Marcelo Feitosa nasceu no Rio de Janeiro (RJ), onde vive atualmente após um período morando em Recife (PE). Começou a fotografar ainda jovem, nos anos 1980. Fotógrafo independente, trabalha com jornalismo e é repórter fotográfico associado à FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas). Entre os prêmios que recebeu, destacam-se o Prêmio SENAD de fotografia 2009, em Brasília, e o IV Prêmio Pernambuco Nação Cultural 2010. Participou de todas as edições da Mostra Recife de Fotografia e também de outras mostras de arte, tais como a I Mostra de Videoarte do Memorial Chico Science, dentro da programação do SPA das Artes 2009, e a Semana de Artes Visuais do SESC Santa Rita (Recife). Ainda em 2009, participou da exposição “Caminhos do Santo”, realizada pelo Museu de Arte Popular da cidade do Recife (MAP), em 2010, participou da exposição “Além da Imaginação”, realizada pelo Centro Europeu de Curitiba (PR), em 2011 foi finalista do concurso internacional Prix Photo Web, promovido pela Aliança Francesa e em 2012 realiza sua primeira exposição individual, no SESC Madureira – RJ, com o projeto Festa Santa. Possui imagens no acervo dos Museus Oscar Niemayer (MON), em Curitiba, e na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE). Atualmente trabalha na cobertura jornalística de eventos para diversas agências de notícia e é professor da escola de fotografia Beco Limon Fotografia. Serviço: “Festa Santa” – Fotografias de Marcelo Feitosa Curadoria - Andrea Vizzotto SESC Madureira Rua Ewbanck da Câmara, 90. Tel.: (21) 3350-7744. www.sescrio.org.br

A partir do dia 06 de Março 3a a 6a, 13h30 às 21h30. Sábados, domingos e feriados, 9h30 às 17h30. 7


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A CULTURA ALÉM DO MERCADO Por Redação Fotos Divulgação

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Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC ) é um núcleo de pesquisa interdepartamental criado na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo em 1996 e está vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. Com linhas de pesquisa que tratam da Construção Teórica em Cultura e Comunicação, da Cultura e Comunicação na Integração Latino-Americana e do Turismo e Identidade Cultural, a CELACC promoveu em São Paulo no mês de março, um encontro internacional para discutir a cultura como um bem social, saindo um pouco do discurso (e prática) neoliberal de que a cultura é uma mercadoria que obedece as regras do Mercado. A partir do princípio de que a cultura é vista como um direito dos seres humanos e a diversidade cultural como um patrimônio a ser defendido pelos Poderes Públicos, segundo a Convenção Mundial de Proteção à Diversidade Cultural da Unesco, a CELACC promove de 21 a 23 de março o Fórum Internacional de Gestão Cultura no Teatro Eva Hertz, no Conjunto Nacional, em São Paulo. Para pensar a gestão cultural nesta dimensão social e política, necessária para que ela não se torne meramente uma prática heterônoma, subordinada aos grandes monopólios da indústria cultural e sim articulada com projetos políticos de construção de espaços do efetivo

diálogo intercultural, foram convidados diversos nomes da meio acadêmico, do setor privado, gestores públicos e ativistas da área cultural. Programação O evento iniciou-se no dia 21 de março, ás 19h, com Cerimônia de Abertura com as presenças do ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira e o ex-secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, Alfredo Manevy , mediados pelo jornalista Juarez Xavier. O evento contou com a performance de João Bá e banda, no show “João Bá 80 Anos” no Cine Livraria Cultura. No dia 22 de março seguiram a mesa “Geopolítica da cultura” com o sociólogo Fábio Kobol e Ángel Mestres (Espanha), um dos autores de “Controle social da Administração Pública”, mediada pelo jornalista Silas Nogueira no Teatro Eva Herz. A tarde o antropólogo Frederico Brabosa e a engenheira venezuelana especializada em Gestão Cultural e Cooperação Internacional, Maria Claudia Rossel, participaram da mesa “O papel do gestor cultural na promoção da diversidade cultural”, mediada pela jornalista Bernadete Toneto. Ainda no dia 22 de março, a mesa “O gestor e as políticas públicas e privadas de promoção à cultura” contou com a presença do historiador e ex-secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC

na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, Célio Turino e o pesquisador musical e músico Benjamim Taubkin, mediados por Wilton Garcia. No último dia, 23 de março, a mesa sobre “Cultura e economias criativas” sob a mediação Juliana Oliveira, teve a presença da especialista em Economia Criativa & Desenvolvimento Sustentável, Lala Deheinzelin e da arquiteta argentina Silvina Martinez, no Teatro Eva Hertz. Duas mesas fecharam o Fórum Internacional de Gestão Cultural: “Cidades, economias criativas - Agenda 21 da cultura” com as presenças do historiador espanhol Luís Pablo Milanez e da coordenadora de Cultura e Educação do Instituto Asas, Juliana Nolasco; e a mesa “Culturas periféricas”, que tratou dos fenômenos culturais que ocorrem nas periferias da sociedade e contou com as participações do Eleilson Leite, da Agenda da Periferia/ONG Ação Educativa, e Leandro Hoehne, da Rede Livre Leste, sob a mediação da Fabiana Amaral no Teatro Eva Hertz. Os organizadores anunciaram ainda uma mesa virtual. O Aquecimento Fórum será uma mesa redonda, composta por membros da organização e convidados, com o objetivo de iniciar, no espaço virtual, algumas das discussões que foram tratadas no encontro. O Aquecimento Fórum foi transmitido ao vivo pelo portal Terra.

Serviço: Fórum Internacional de Gestão Cultural aconteceu de 21 a 23 de março Programação: forumigc.com/forum/imprensa/apresentacao-imprensa.pdf No Teatro Eva Hertz, Conjunto Nacional, Avenida Paulista, 2073 - São Paulo/SP Site oficial: www.livrariacultura.com.br/teatro 9


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BRINQUEDOS POPULARES DO NORDESTE BRASILEIRO Por Redação Fotos Acervo Associação RAIZ

Acervo David Glat

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aminhando num dia ensolarado e sem nuvens pelo paisagismo de Burle Marx, contornando as marquises de Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera, chegamos ao Museu Afro Brasil. O verde do parque pulsa aos olhos e as exposições que encontramos lá nos arrebatam o olhar. O Museu Afro Brasil tem o seu encanto na composição entre o entorno, a arquitetura e o conteúdo, que apresenta ao público paulistano, de maneira consistente e bela. Pelo comando de Emanoel Araújo o Museu Afro Brasil tem impresso, desde 2004, diversidade temática e conhecimento acumulados, sempre numa apresentação esmerada. Soma-se a isso, a moldura do vistoso conjunto arquitetônico da década de 50, o Pavilhão Padre Manuel da Nóbrega. Um museu pulsante, que traz para São Paulo renovados ares estéticos. Passamos pela porta de entrada, vemos uma lojinha com pegada étnica, daí temos

que escolher entre as exposições temporárias e o acervo no último andar. Como nosso destino eram os brinquedos populares fomos pela esquerda. Foi então que mergulhamos no sertão nordestino brasileiro, apresentado com uma plasticidade nunca vista para o tema, na exposição: “O sertão: da caatinga, dos santos, dos beatos e dos cabras da peste”. Deixando o cheiro de couro e terra para trás seguimos para nosso destino: “Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste”. Uma explosão lúdica de cores, formas, materiais e maneiras de interagir, sintetizada nas mil peças-brinquedos apresentadas. Separada em painéis temáticos, que chamam nossa atenção pelo volume de obras. Da atração inicial somos impactados pela visão particular de cada peça. Pião, pipa, pula-corda, empurra aro, bolinha de gude, carrinho, caminhão, barcos, foguetes, mamulengos, mulher gorila, bichos, roda-gigante e muito mais. Nas brincadeiras populares o dinheiro

não significa necessariamente a falta de recursos. Que o digam os múltiplos objetos apresentados para a felicidade de nossos olhos e das crianças que querem brincar. Aqui, uma sandália de tiras vira um singelo barco e um pássaro carrega um coelho em seu voo imaginário. A exposição “Brincar com Arte” é fruto da coleção de David Glat, curador do Museu do Brinquedo Popular na Bahia. Como ele mesmo nos conta: “Comecei curiosamente comprando brinquedos em feiras nas minhas viagens como fotógrafo profissional. Quando me dei conta, o volume era grande”. Partindo daí para a profissionalização de sua coleção, completou e catalogou seu acervo, que foi exposta parcialmente, com sua face nordestina, no Ibirapuera, em São Paulo.

Foto: Divulgação

Serviço: Exposição: Brincar com Arte – O Brinquedo Popular do Nordeste Aconteceu de janeiro a abril de 2012 Local: Museu Afro Brasil – Avenida Pedro Álvares Cabral, s/n - Parque do Ibirapuera, portão 10, São Paulo Fone: (11) 3320-8900 ramal 8921 Site: www.museuafrobrasil.org.br 11


prosa

Jadir - escultura em madeira

TEIMOSIA DA IMAGINAÇÃO Por Maria Lucia Montes Fotos Divulgação

EXPOSIÇÃO, LIVRO E DOCUMENTÁRIO TRAZEM A OBRA E O PENSAMENTO DE CADA UM DESTES MESTRES DA ARTE DE RAIZ

Foto: Divulgação

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Instituto Tomie Ohtake abriu seu espaço para uma grande exposição da arte do povo brasileiro. Teimosia da Imaginação reúne obras de 10 artistas de diferentes partes do Brasil com linguagens plásticas diferenciadas, da cerâmica de dona Isabel Mendes e do falecido Mestre Galdino à pintura de Nilson Pimenta e Aurelino dos Santos, passando pela escultura em madeira de Antonio de Dedé, Francisco Graciano, José Bezerra, Cícero Alves dos Santos – o “Véio” – Jadir João Egídio e Getúlio Damado. De Minas Gerais a Pernambuco, do Mato Grosso à Bahia, de Alagoas, Ceará e Sergipe ao Rio de Janeiro, algumas das melhores criações da arte popular brasileira estarão ali representadas. Exposições como esta não são frequentes nos museus e galerias de arte. Para a arte do povo, o direito de acesso a esses espaços requer um insidioso adjetivo que a distingue

do que tradicionalmente ali se exibe: arte ”popular”. No entanto, um crítico como Eduardo Subirats há muito nos fez reconhecer que a classificação – ou desqualificação – de um conjunto de obras de arte sob a designação de “popular” não se baseia em categorias estéticas, mas na identificação do meio social de proveniência de seus criadores. Um meio politicamente colonizado, economicamente depauperado e delimitado por barreiras étnicas quase intransponíveis. “A arte popular não é branca. Tampouco cristã. Ou não é suficientemente cristã”, ele nos alerta, chamando a atenção para os seus vínculos com uma compreensão mística da natureza, deuses perseguidos e comunidades espoliadas, o que associa sua criação a um universo desdenhosamente chamado de “superstição” e não “cultura”. Seu pouco valor mercantil “é uma consequência de sua sub-valorização artística e intelectual”, ele conclui. 13


prosa

Mestre Gaudino - escultura

Foto: Divulgação

Cícero - escultura em miniatura

Assim, exilada do grande circuito artístico, conhecida apenas em um círculo restrito de colecionadores e galeristas – na Galeria Estação ou na Brasiliana em São Paulo, na Karandash em Maceió, na Paulo Darzé em Salvador, na Pé de Boi ou, como uma admirável exceção, no Museu do Pontal no Rio de Janeiro – raramente essa arte do povo pode ser apreciada em conjunto, como ocorre nas tradicionais coletivas em torno de correntes estéticas ou períodos históricos. Às vezes ela pode figurar em grandes mostras híbridas de “cultura popular” em algum evento de repercussão internacional – a Eco 92, a Mostra do Redescobrimento, ou o ano do Brasil na França – quando então, curiosamente, é chamada a representar, para os outros, uma “verdadeira” identidade nacional... À parte isso, porém, raramente tais obras são vistas em conjunto como criação de artistas com identidade própria. A exposição do Instituto Tomie Ohtake felizmente é exceção a essa regra. Trata-se, além disso, de uma mostra inédita também por outra razão. Ela nos oferece não só obras a serem vistas, mas uma oportunidade de apreciá-las da perspectiva de seus criadores. Uma série de vídeos produzidos pela TalTV resultou em entrevistas editadas para o catálogo da mostra, contando com apresentação de Rodrigo Naves. Mas, por uma vez, será possível ver essas obras não só pelo olhar do crítico, e sim tal como vistas e entendidas pelos próprios artistas. Uma exposição, portanto, para se ver e ouvir, porque é aí que se desvenda o significado da “teimosia da imaginação” que, apesar de tudo, sustenta sua arte. 15


prosa

Getúlio - escultura com reciclados

Foto: Divulgação

Antônio de Dedé - esculturas

Quase todos esses artistas invocam seu pouco ou nenhum estudo e a experiência de um passado de trabalho duro no meio rural ou em ocupações urbanas humildes e mal remuneradas, antes de se descobrirem – serem descobertos! – como artistas. Louceiros, roceiros, lidadores de gado, pedreiros, carroceiros, seguranças, vendedores de ferro velho – eis o que se encontra nesse universo. Muitos aprenderam nesses ofícios o domínio de seu material e dos instrumentos de sua arte, que manejam com admirável maestria. E, como tradição de família, muitos transmitem generosamente aos filhos, netos e vizinhos o ensino de sua arte. Mas a criação ela própria é, para eles, quase sempre, um dom, quando não fruto de uma revelação mística, ao que se acrescenta, depois, uma vida de dedicação

e trabalho árduo a serviço dessa dádiva que é sua imaginação criadora. A imaginação é uma referência onipresente, quando falam de sua obra. Seguindo uma trilha que o Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro vem buscando explorar como via de acesso a essa arte, foi preciso buscar outros parâmetros estéticos para entender o significado da imaginação que esses artistas invocam e mapear o imaginário que atravessa seus trabalhos, de linguagens e formas de criação tão diferenciadas. A obra de Gaston Bachelard sugeriu a “ruptura epistemológica” necessária para nos distanciar das categorias estéticas tradicionais e reunir esses artistas numa base comum. Seu conceito de “imaginação da matéria” forneceu o roteiro, ao focar o embate entre a mão que trabalha e a matéria que lhe resiste

ou, dócil, se amolda à ideia do artista, fazendo brotar daí a sua criação. Terra, água, fogo e ar, os quatro elementos aos quais, na filosofia pré-socrática, se atribuía a origem, a forma e o movimento do mundo, são a matéria imaginária de que trata Bachelard, percorrendo territórios de poesia, devaneios e sonhos: A poética do espaço, O ar e os sonhos, A Terra e os devaneios do repouso, A água e os sonhos, A psicanálise do fogo... Assim também se pode entender a matéria com que trabalha a imaginação desses artistas, nela encontrando as formas que sugere ou às vezes impõe à sua arte. Vindas da profundeza de um idioma em que, desde tempos imemoriais, todas as culturas construíram suas cosmologias e narraram seus mitos, são imagens arcaicas que desenham os contornos da imaginação da matéria. E nessas imagens

se expressa não só a poética própria de um artista, mas toda uma estética, uma metafísica, uma ética, uma filosofia, uma linguagem, ideias, valores e sentimentos que conformam uma visão de mundo. Isso é o que nos revela a palavra desses artistas, sem a qual passaríamos ao largo

“Quem disse que artistas populares são “ingênuos” ou “primitivos” distantes de nós?” do significado mais profundo de suas obras. E é também o que valida por si mesma essa arte, para além da legitimidade que lhes conferem as categorias estéticas de nosso próprio universo cultural.

Contudo, ao assim revelar esse imaginário de formas arcaicas que permanecem na longa duração da história, a palavra desses artistas não nos permite esquecer que eles estão firmemente ancorados na realidade contemporânea em que vivem, cujas agruras conhecem de perto e das quais a arte em parte os redime. Sendo a criação o trabalho que lhes garante o ganha-pão, muitas vezes parece não ter sentido para eles a distinção entre artesão e artista que, para nós, deveria ser evidente. Mas nem por isso deixam de perceber o valor que a circulação no mercado de arte agrega à sua obra. Muitos trafegam com desembaraço nesse universo onde se sabem valorizados por críticos e curadores como Lélia Coelho Frota e Janete Costa, que tanto os prestigiaram durante toda a sua vida, e também colecionadores como Paulo Vasconcelos, Roberto Rugiero, 17


prosa

“O arcaísmo do imaginário que sustenta a sua criação não é, pois, o oposto da modernidade contemporânea em que vivem.” Serviço: Exposição “Teimosia da Imaginação, dez artistas brasileiros” Curadoria: Germana Monte-Mór e Rodrigo Naves - de 30 de março a 13 de maio – de terça a domingo, das 11h às 20h Instituto Tomie Ohtake - Av. Faria Lima, 201, Pinheiros - SP Fone: (11) 2245-1900

Foto: Divulgação

Livro “Teimosia da imaginação – dez artistas brasileiros” (edição bilíngue) Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro e Editora WMF Martins Fontes Prefácio: Rodrigo Naves - Textos: Maria Lucia Montes - Fotos: Germana Monte-Mór Quanto: 120 reais Documentários “Teimosia da imaginação – dez artistas brasileiros” - Exibição na TV Cultura De 04/04 a 02/05, às quartas-feiras, às 23h30, e reprise aos domingos, às 15h. Estreia 04/04 - reprise 08/04 JOSÉ BEZERRA – Coisas Que Esses Olhos Me Mostram - VÉIO – Sertão Esculpido na Madeira Nilson Pimenta – pintura Estreia 11/04 - reprise 15/04 MANOEL GALDINO – Tudo é Folclore - FRANCISCO GRACIANO – Eu Olho e Eu Vejo

João Maurício de Araújo Pinho e tantos outros galeristas como Vilma Eid ou Maria Amélia Vieira. E, mais ainda, embora ignorem tudo sobre o funcionamento das modernas tecnologias de informação e comunicação, alguns conhecem até mesmo o valor de um site na internet para a divulgação e reconhecimento de seu trabalho, como José Bezerra e Francisco

Graciano. Todos têm também consciência da circulação de suas obras no mercado internacional e alguns até já participaram de exposições no exterior... Quem disse que artistas populares são “ingênuos” ou “primitivos” distantes de nós? O arcaísmo do imaginário que sustenta a sua criação não é, pois, o oposto da modernidade contemporânea em que

vivem. Ele representa o legado de uma força criadora que seu talento soube re-apropriar, permitindo-lhes escapar da condição de miséria a que pareciam condenados, e é também o que define o significado profundo dessa teimosia da imaginação que os distingue de modo próprio como grandes artistas e admiráveis seres humanos.

Estreia 18/04 - reprise 22/04 AURELINO - Sombra Viva - IZABEL MENDES – Mãos que Moldam um Mundo Estreia 25/04 - reprise 29/04 ANTONIO DE DEDÉ – Dias Transparentes - NILSON PIMENTA – A Caminho de Tudo Estreia 02/05 - reprise 06/05 JADIR JOÃO EGÍDIO – Caso Com a Madeira - GETÚLIO DAMADO – A Arte é Reciclagem 19


verso

IMAGINAÇÃO NACIONAL

E AS CORES DO BRASIL Por Gustavo Rossi Fotos Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

“ASSINATURA DAS MAIS MARCANTES JÁ SURGIDAS NA HISTÓRIA CULTURAL E LITERÁRIA BRASILEIRAS, O NOME DE JORGE AMADO (1912-2001) LOGROU ACUMULAR UMA COMBINAÇÃO RARA DE FORÇA E RECONHECIMENTO SIMBÓLICOS...”

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verso

“Nessa “configuração nova”, o negro, considerado por séculos um dos principais obstáculos para o progresso, começava a ser visto como um vetor representativo de cultura e civilização para a formação do caráter nacional.”

Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

A

ssinatura das mais marcantes já surgidas na história cultural e literária brasileiras, o nome de Jorge Amado (1912-2001) logrou acumular uma combinação rara de força e reconhecimento simbólicos, a qual contribuiu decisivamente para investi-lo de poderes quase mágicos no que diz respeito à sua capacidade de fazer coagular, de pronto, imagens e sentimentos caros a certa noção de brasilidade. Eloquente neste sentido, foram as homenagens prestadas ao escritor neste carnaval de 2012, ano em que se comemora o centenário de seu nascimento. Lembrada em algumas das principais festas carnavalescas do país, como as do Rio de Janeiro, de São Paulo e, evidentemente, Salvador, a data serviu de mote para que

Jorge Amado e suas criaturas se (con) fundissem nas ruas e nos sambódromos como personagens de um único espetáculo lúdico das ficções sociais sobre o Brasil, sua morenidade e seu legado africano. Amado e sua obra mimetizariam e celebrariam a nação em suas dimensões mais autênticas e profundas, como tão bem explicitou o samba-enredo da agremiação paulistana Mocidade Alegre: “É magia... / Na mistura das raças surgiu / A pele morena, linda é a cor do Brasil [...] Eternizado, é coroado Obá de Xangô / Jorge... Orgulho da nação / Amado... Em cada coração / Feliz, o povo canta em oração” . Decerto, não há nada de aleatório ou natural nesta magia evocatória que faz surgir e “coroar” um Jorge Amado e um Brasil “eternizados” pela “oração”

redentora da “mistura das raças”. Grosso modo, pode-se dizer que a carreira de Jorge Amado e a visão positiva da mestiçagem são feitos que se embaralham. Ou melhor dizendo, constituem fenômenos que ganharam feição e substância em um solo comum de transformações da sociedade brasileira destravadas, sobretudo, pela chamada Revolução de 30: momento em que, nas palavras do crítico Antonio Candido, a cultura brasileira foi disposta numa “configuração nova” [...], projetando na escala da Nação fatos que ocorriam no âmbito das regiões” . Nessa “configuração nova”, o negro, considerado por séculos um dos principais obstáculos para o progresso, começava a ser visto

como um vetor representativo de cultura e civilização para a formação do caráter nacional. Um outro Brasil estava sendo imaginado: só que agora, a partir de chaves de leitura menos recalcadas

efervescente de interesses (literários, etnográficos, políticos etc.) que incidiam sobre a população negra, estava a estruturação de um Estado igualmente empenhado em incorporá-la ao corpus de representações de sua memória pública. Durante tanto tempo um desterrado, um estrangeiro em sua própria terra, o negro passava a ser amalgamado a um tipo de discurso que, solenizado nas comemorações cívicas e encampado pelas políticas culturais promovidas pelo Estado varguista, buscava exaltar não apenas uma história do congraçamento entre as raças formadoras do país como também a singularidade e a homogeneidade de seu povo miscigenado.

“… a nação nunca está no passado, ela se constrói a partir das lembranças e dos esquecimentos dos agentes do presente.” e mais desembaraçadas dos antigos jargões deterministas e biologizantes, hegemônicos no século XIX. De outra parte, subjacente a este ambiente

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Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

verso

Foi, deste modo, em meio aos dilemas políticos e estéticos associados às suas posições e aliado à apropriação destes estoques simbólicos sobre o Brasil e a Bahia, que Amado iniciou a modelagem de um projeto literário que encontrou no negro e na cultura afro-brasileira um de seus repertórios mais persistentes, expressivos e vigorosos. A carreira de Jorge Amado foi se

do intelectual engajado se convertia no

bustez de estilo e forte apelo ideológico.

construindo em fina sintonia com este

modelo de excelência, e, de outro, a

Ao mesmo tempo, interessado em invo-

movimento de “ida ao povo” que sin-

demanda por retratos e diagnósticos da

car o PCB como mandatário legítimo dos

gularizou os intelectuais de sua geração,

realidade do Brasil, de seu cadinho étnico

cujos esforços de busca e pesquisa por

e de seus regionalismos aumentava a

uma literatura e um Brasil autênticos

fim de suprir um mercado editorial em

justificaram muitos dos romances do

expansão. Autor precoce, com pouco

período . Por uma conjunção de fatores

mais de vinte de anos Amado já gozava

biográficos, sociais, políticos e regionais,

de prestígio como escritor de romances

Amado esteve em condições de ofere-

proletários e membro combativo do

cer um produto próprio e original num

Partido Comunista Brasileiro (PCB), se

momento em que, de um lado, a figura

destacando por um texto que aliava ro-

interesses dos proletários e explorados, o escritor plasmava na ficção uma representação de povo nutrida de sua terra natal, Bahia. E mais especificamente, a “Roma Africana”, Salvador , um espaço extremamente caro para o imaginário nacional e que, já na década de 1930, se transformava, mesmo internacionalmente, num modelo paradigmático para 25


Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

Foto: Acervo Zélia Gattai / Fundação Casa de Jorge Amado

verso

se divulgar a ideia de como o Brasil teria encontrado soluções harmônicas nas relações entre brancos e negros, sendo a larga miscigenação que ali se processou um dos elementos centrais para muitos argumentassem em favor da suposta ausência de preconceito racial entre nós. Foi, deste modo, em meio aos dilemas políticos e estéticos associados às suas posições e aliado à apropriação destes estoques simbólicos sobre o Brasil e a Bahia, que Amado iniciou a modelagem de um projeto literário que encontrou no negro e na cultura afro-brasileira um de seus repertórios mais persistentes, ex-

pressivos e vigorosos. Uma modelagem que certamente não foi homogênea no decorrer de sua longa produção, mas que, mesmo sob diferentes roupagens e com distintas motivações, sempre flertou com certa utopia nacional-popular – populista diriam alguns –, chancelada e sacralizada pelo código da mistura racial: seja como quadro do PCB entre as décadas de 1930 e 1950, quando o povo emergia colado a uma narrativa de nação em perigo, a qual precisava ser protegida do imperialismo e dos inimigos estrangeiros, seja a partir do momento em que, ao abandonar a militância, sua

obra, perdendo a sisudez da linguagem ideológica, se abriu à fabulação de um Brasil da festa, mais carnavalizado, sensual, feminino e picaresco. Não é demais lembrar que, em 1945, quando se candidatou a deputado federal pelo PCB, foi sob o slogan de “romancista do povo” e não dos proletários que ele se elegeu. Assim como foi em nome do povo que Amado buscou infundir coerência e unidade tanto estética quanto programática a sua obra, evidentemente, cheia de ranhuras, mudanças e descontinuidades. Inútil perguntar, se, de fato, a nação brasileira corresponde ou não à utopia

popular defendida por Amado, sacralizada e “eternizada” por ele sob código da mistura, da morenidade e da harmonia racial. Até porque, a nação nunca está no passado, ela se constrói a partir das lembranças e dos esquecimentos dos agentes do presente. Como observa Benedict Anderson, não havendo um “criador original da nação, sua biografia nunca pode ser escrita de uma forma evangélica, ‘avançando no tempo’ ao longo de uma cadeia generacionista de procriações. Essa modelagem [...] é marcada por mortes que, numa curiosa inversão da genealogia convencional,

começam num presente originário. A segunda Guerra Mundial gera a Primeira Guerra Mundial; de Sedan vem Austerlitz; o antepassado no Levante de Varsóvia é o Estado de Israel” . Em síntese, menos do que essências culturais inefáveis pertencentes a tempos longínquos, são as experiências e as políticas identitárias travadas contemporaneamente que irão conformar quais as cores, as mortes, os martírios, os passados e os esquecimentos através dos quais a sociedade brasileira imaginará seus destinos como povo e nação. 27


cultura digital

CULTURA DIGITAL: PIPOCA ALI, AQUI “PIPOCA ALI, AQUI, PIPOCA ALÉM / DESANOITECE A MANHÃ / TUDO MUDOU” (trecho da música Pipoca Moderna) Textos e Fotos por Thereza Dantas

O

Brasil passa por mudanças no mundo da Cultura Digital. Se durante os mandatos do governo Luiz Inácio Lula da Silva iniciou a ideia de Cultura Digital partilhando a vida política do país com programas de adesão ao Software Livre, a criação de editais de fomento, discussões sobre Banda Larga, Direito Autoral e projetos e programas que prevêem a criação de redes e telecentros, o que acontece na gestão Dilma Rouceff é a popularização dessa onda digital.

Foto: Thereza Dantas

Antes era o analógico, agora somos cada vez mais digitais Se a digitalização da matéria aconteceu de forma progressiva ao longo da nossa história , os avanços da Cultura Digital no tecido social brasileiro caminham cada vez mais rápido com a adesão ora alegre, ora desconfiada dos brasileiros. A medida que avançamos na relação com as máquinas estabelecemos várias alterações no nosso modo de vida, com as novas tecnologias estas mudanças estão ocorrendo de forma violenta na área da Informação e na foma de se obter Conhecimento. Segundo o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião e Pública e Estatística) de cada dez brasileiros, oito participam de alguma rede social. O brasileiro já é o segundo país com mais usuários no Twitter superando o Japão, alcançando a marca de 33,3 milhões de usuários.

O processo começou no século 19 quando surgiram as máquinas que iniciaram a escrita a distância: o telégrafo e telefone. A fotografia, cinema e a televisão garantiram o armazenamento, a reprodutibilidade e a distribuição das imagens. Mas a partir do desenvolvimento dos computadores, a produção da escrita, imagens e sons passam por um sofisticado sistema de decodificação que transformam sua forma física e a estética. Agora estamos diante de processos de desterritorialização e biopoder tecnológico, conceitos defendidos por intelectuais do porte do espanhol Javier Bustamante, e prática de diversas pessoas em bairros periféricos dos grandes centros, aldeias indígenas e quilombos do país. Hackers não são bichos papões segundo o professor e comunicador Messias Bandeira da UFBA (Universidade Federal da Bahia), mas uma figura com importante papel social. Com direito ao novo verbo “hackear “, que é a ação de apropriação social da tecnologia, Bustamente e Bandeira defendem a figura e a ética do hacker. Pipoca ali, aqui, pipoca além Essas mudanças estão provocando uma efervercência de festivais, congressos e encontros pelo país. O tradicional Campus Party em São Paulo, já na quinta edição, ganhou 29


Foto: Thereza Dantas

Foto: Thereza Dantas

Foto: Thereza Dantas

Foto: Thereza Dantas

cultura digital

status nos meios de Comunicação e mantém espaços para a cobertura das atividades “desse estranho mundo” nos programas de TV e revistas da imprensa tradicional. Os nerds agora estã na moda. O pragramador de linguagem Java, Marcus Vinicius Bastos, exibia feliz a camiseta “NERD sim, e daí?” pelo Anhembi durante o encontro Campus Party desse ano. “Essa foi minha primeira participação no evento, espero participar novamente”, contou o estreante no evento. Já o Festival Internacional de Cultura Digital, em sua terceira edição, mudou de cidade. O coordenador Claudio Prado não viu nenhum problema em planejar em São Paulo, sede da Casa de Cultura Digital que organiza o evento, e produzí-lo nas dependências do MAM (Museu de Arte Moderna) e Cine Odeon, no Rio de Janeiro. “As mudanças ocorreram por questões financeiras e políticas. Mas o Rio de Janeiro tem um fator aglutinador que vai ampliar a participação das pessoas da área da Cultura Digital. Estamos crescendo na produção de conteúdos e vamos aumentar essa produção na próxima edição que também ocorrerá no Rio”, avisa Claudio Prado. O Festival Internacional de Cultura Digital tem uma programação voltada às questões filosóficas e comportamentais da Cultura Digital. Para o gerente de tecnologia da MSYSTelecom, Eric Viana, a Campus Party cumpre uma função de apresentar as novidades do mercado das novas tecnologias: “há uma entrada maior de empresas privadas que, creio eu, estão ali para buscar novos talentos para seus quadros de colaboradores ou para passar a imagem de inovadoras ao estar num evento que trata de futuro.”

Mas não é só no eixo Rio/São Paulo que se discute Cultura Digital. O Rio Grande do Sul tem tradição e propriedade sobre o assunto com a organização do Fórum Internacional de Software Livre que em 2012 produzirá sua décima terceira edição no mês de setembro na capital gaúcha. Milhares de pessoas participam das discussões e desconferências que contam com a participação de diversos políticos. Aliás, a Cultura Digital não é uma cultura desprovida de opiniões e atividades políticas – e em alguns casos partidários. Durante o Fórum Mundial Social Temático que ocorreu no início de 2012 em Porto Alegre, aconteceu o Conexões Globais 2.0, que reuniu militantes e ativistas das redes sociais. Nas contas dos organizadores mais de 10 mil pessoas participaram dos debates sobre “os limites e rumos da democracia representativa na era da internet” e que contou com a particpação de representantes dos movimentos Occupy Wal Street e o M15 (movimento dos indignados espanhol). Occupy internet Os poderes do ativismo digital invadem os diálogos das telenovelas e instituições públicas e privadas que investem em encontros, editais e concursos para conquistar um público (consumidor) crescente. Se cinco em cada dez brasileiros já utilizam o e-commerce não é de estranhar que dentro do ciberespaço também se movimentem grupos promovendo todo o tipo de campanhas humanitárias e políticas. Para Pablo Capilé , um dos integrantes do Coletivo Fora de Eixo, o crescimento da participação das pessoas é a consequência dessas mudanças. “Está surgindo

uma geração digital que quer discutir música, audiovisual, literatura. Há uma coalização de espaços – virtual e real – onde a mobilização ecooa com mais força.”, avalia. O encontro Digitália – Congresso Internacional de Música e Cultura Digital , organizado pela Audiosfera, que aconteceu em fevereiro de 2012 em Salvador (BA) sob os cuidados de Yemanjá, discutiu de políticas públicas à transumanização, de Direitos Autorais às novas plataformas para divulgação gravação, arquivo e divulgação da música. Sob o guarda-chuva da Cultura Digital novas posturas diante do sistema político, econômico, artísticos, filosóficos e estéticos estão mudando as relações pessoais no mundo real. Para Capilé “semânticamente é interessante manter o nome Cultura Digital mas o ciberespaço é só uma extensão do mundo real, um espaço para ativismo através dos auto-mobilizadores.”

Serviço: Campus Party: www.campus-party.com.br/2012/index.html Festival de Cultura Digital: www.culturadigital.org.br Fórum Internacional de Software Livre: www.softwarelivre.org/fisl12 Conexões Globais 2.0: www.conexoesglobais.com.br Digitália – Congresso Internacional Música e Cultura Digital: www.digitalia.com.br 31


raiz da questão

ESPECTRO COMMONS Texto Sérgio Amadeu Foto Divulgação

UM ESPECTRO RONDA AS ONDAS DE RÁDIO E ATORMENTA O PODER ECONÔMICO ...

Foto: Divulgação

Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”, escreveu Shakespeare em Hamlet. Ele nem imaginava que uma delas seriam as ondas eletromagnéticas. O chamado espectro eletromagnético é um espaço de radiação que contém desde as ondas de rádio, o infravermelho, a luz visível e até os raios gamas. Como era de se esperar, os Estados e o Capital desde o princípio perceberam que era fundamental tomar conta deste espectro como um espaço que deve ser controlado para fins políticos, militares e ideológicos, de um lado, e, principalmente econômicos, de outro. Durante anos o espectro não interessou aos produtores de cultura e aos comunicadores populares, pois seu domínio parecia muito técnico e distante da criação cultural. Foi com o movimento de rádios livres e comunitárias que muitos artistas e ativistas das artes perceberam que seria importante ocupar um pedaço deste espaço não-visível, mas fundamental para transmitir ideias e conteúdos pelas ondas de rádio. Se consultarmos a Wikipedia veremos que as “ondas de rádio são um tipo de radiação eletromagnética com comprimento de onda maior (e frequência menor) do que a radiação infravermelha. Como todas as outras ondas eletromagnéticas, viajam à velocidade da luz no vácuo. Elas são geradas naturalmente por raios ou por objetos astronômicos.” O importante é notar que as ondas de rádio podem ser produzidas artificialmente e servem para transportar nossas mensagens. Por que elas não podem ser usadas livremente? Eis a questão? No início do século XX, o uso deste espectro foi completamente estatizado. Interesses políticos e econômicos confluíram para declarar o espectro um espaço estratégico e escasso. Isto quer dizer que somente o Estado deveria decidir quem poderia utilizá-lo. Com o controle do espectro, buscava-se controlar a comunicação. O uso militar era evidente, mas as finalidades comerciais também ficaram claras para a maioria da população. Depois do estupendo sucesso do rádio, a utilização do espectro para transmitir imagens e sons gerou uma revolução na comunicação de massas. Não vamos esquecer que as ondas eletromagnéticas são também denominadas ondas hertzianas e popularmente conhecidas como ondas de radiofrequência ou simplesmente ondas de rádio. Ainda recorrendo a Wikipedia é importante ressaltar que “é comum dividir as ondas hertzianas em faixas de frequência, que variam entre as frequências de 30 quilohertz (muito baixas) a 300 mil mega-hertz (extremamente altas). Essas bandas de frequências são classificadas em grupos, e estes grupos são comumente chamados por: onda curta, onda média e onda longa. Dentro destes segmentos, encontram-se as estações de radiodifusão, serviços de comunicação aérea, marítima, telegrafia etc.” Há 3 tipos básicos de apropriação do espectro eletromagnético no mundo atual. Todos eles são definidos dentro de um território nacional pelo seu Estado. O primeiro é a concessão de uso exclusivo de determinadas frequências por um certo tempo, para um

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raiz da questão

“Foi com o movimento de rádios livres e comunitárias que muitos artistas e ativistas das artes perceberam que seria importante ocupar um pedaço deste espaço não-visível, mas fundamental para transmitir ideias e conteúdos pelas ondas de rádio.” determinado agente, em geral, uma empresa. Este é o modelo empregado no Brasil. A Globo, a Record, o SBT, entre outras empresas de radiodifusão recebem o direito de explorar determinado pedaço do espectro. O segundo tipo é o da privatização de faixas do espectro. Desse modo, o Estado venderia, em leilões, determinadas frequências em todo território nacional ou em partes do mesmo. Assim, uma empresa poderia comprar e ser dona, por exemplo, da faixa de 2 a 2,5 Ghz, tal como podemos comprar um terreno em uma cidade. Por ser proprietária privada e não concessionária do Estado, este segundo tipo representa a privatização efetiva do espectro. Já o terceiro tipo denomina-se de espectro aberto. Trata-se de transformar o espectro em uma via pública, tal qual uma avenida ou rodovia. É praticamente o oposto da privatização das frequências de radiodifusão. Alguns argumentariam que seria impossível permitir que todos utilizassem o espectro livremente porque o ruído destruiria nossas possibilidades de comunicação. Isto seria verdade, com o uso de tecnologias analógicas. Com as possibilidades trazidas pelos aparelhos digitais, não há mais sentido técnico em controlar privadamente esse que deve ser um bem público tão relevante quanto a água ou o ar. Rádios inteligentes, operados por software, podem transmitir suas programação em pacotes de bits.

Tal como ocorre na Internet, cada pacote de bits é parte de uma mensagem maior que é remontada no aparelho destinatário da mesma. Para isto, os pacotes possuem um cabeçalho que permitem identificar sua origem, seu destino e sua aplicação, no caso de um programa de rádio ou TV, o cabeçalho do pacote pode dizer qual é o nome do evento, jornal, novela ou filme que está sendo transmitido. Já os aparelhos receptores digitais são completamente diferentes dos aparelhos analógicos. São máquinas de processamento de bits, são pequenos computadores. Basta você observar seu aparelho celular. Ele é um pequenino computador com um rádio digital receptor e um rádio digital transmissor. Quando alguém liga para o seu celular, exceto por defeito da Operadora de Telecomunicação ou do aparelho, a comunicação é realizada, mesmo que você esteja fora da sua cidade. É possível alguém interferir na sua comunicação e realizar escutas na sua frequência, mas independente disto, entre milhões de telefones celulares, sua ligação é realizada, isto quer dizer que seu aparelho é encontrado entre milhões de opções existentes. O aparelho ao lado não recebe a ligação que é para o seu aparelho, pois a comunicação digital é inteligente e realizada por software e por máquinas de processar informações.

A interferência é um problema maior para o rádio receptor do que para o transmissor. Pense em uma sala com 50 pessoas. Se todas falarem ao mesmo tempo em voz alta, dificilmente conseguiremos ouvir o que cada pessoa está dizendo. Existe um ruído que logo se ins-

“Temos oportunidade de começar a mudar esta situação. Um passo inicial é montarmos o movimento pelo espectro aberto, pela liberdade das ondas de rádio.” tala em nossos ouvidos. Nossos aparelhos receptores analógicos são incapazes de separar exatamente as vozes que queremos ouvir naquela sala. O aparelho digital não tem este problema. Devido ao modo como a transmissão digital é realizada, podemos separar exatamente qual canal de TV queremos assistir ou qual estação de rádio queremos ouvir, se a transmissão e a recepção forem digitalizadas e operadas por softwares de rádios transmissores e receptores inteligentes.

Com isso, não precisamos definir que a rádio X deva ocupar somente uma determinada frequência. Ela deve transmitir o programa com aparelhos digitais homologados pelos órgãos fiscalizadores. Se uma dada frequência, tal como em uma estrada, ficou congestionada, a transmissão logo mudará de faixa, assim como mudamos de pista. Os rádios receptores que ficam o tempo todo escaneando o espectro também mudam de frequência e encontram os pacotes de bits daquele programa que nos interessa. Isto ocorre quando nos locomovemos com telefones celulares e mudamos de antena de transmissão. Tecnicamente é cada vez mais trivial. Podemos utilizar o espectro, as ondas de rádio, como uma grande via aberta e democrática, como um espaço comum, um commons. O impede disto acontecer? Primeiro, os interesses econômicos que pretendem manter a situação de “escassez” do uso das ondas eletromagnéticas típicas do mundo industrial. Os radiodifusores acreditam que seus impérios ruiriam com a abertura do espectro. Pensam que sucumbiriam com a dispersão de verbas publicitárias diante de tanta concorrência, o que pode não ser verdade. Na Internet, os grandes grupos de comunicação de massa perderam espaço para outros grandes grupos de comunicação digital, basta ver o Google e o Facebook. Isto ocorreu, principalmente, pela incapacidade de senhores como Murdock entenderem e

aceitarem a comunicação em rede e o direito da cópia dada pelas novas tecnologias. Não foi resultado só da quantidade de concorrentes. Segundo, as burocracias especializadas do Estado estão comprometidas com grandes grupos econômicos, pois consideram que isto é o melhor para o seu país. Terceiro, as autoridades políticas nascidas no mundo pré-informacional tem dificuldade de aceitar a liberdade comunicacional distribuída. Isto não quer dizer que o uso do espectro não seria regulamentado. Ao contrário, tratar o espectro como um espaço comum exigirá uma grande fiscalização dos aparelhos transmissores para que cumpram as regras definidas. Mas isto também ocorre nas estradas com os carros. Ninguém é impedido de dirigir, desde que tenha condições de passar em um exame para obter uma carteira de habilitação e que cumpra as regras de trânsito. Falando por analogia, acontece atualmente no mundo do espectro eletromagnético que temos estradas onde só podem passar carros de uma determinada marca e apenas em uma direção. Temos oportunidade de começar a mudar esta situação. Um passo inicial é montarmos o movimento pelo espectro aberto, pela liberdade das ondas de rádio. O segundo passo é nos prepararmos para transformar em espaço comum as faixas de frequência que serão liberadas quando o sinal da TV analógica não for

mais transmitido. Os radiodifusores e as operadoras de telecomunicação estão juntas na defesa do modelo atual de uso do espectro, pois isto lhes dá um enorme poder econômico e por conseguinte um gigantesco poder político. A luta pela democratização das comunicações precisa chegar ao espectro, do contrário ela será um trabalho incompleto. Quando nossas lideranças perceberem, a comunicação quase que totalmente digitalizada estará sob o controle de um reduzido oligopólio de telecomunicação transnacional. A pior censura é a do capital. A censura e a manipulação políticas são combatidas nas disputas públicas pelas mudanças de governo. Não se muda a gestão e a direção de empresas sem termos suas ações, sem termos capital. Por isso, não vamos perder a oportunidade de democratizar radicalmente nossas comunicações, a fronteira é o espectro.

Sergio Amadeu da Silveira - Professor da UFABC e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. É membro do Conselho Científico da ABCiber (Associação Brasileira de Pesquisadores de Cibercultura). Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.

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raiz da questão

PÓS OCUPPY:

E AGORA? Por Ney Hugo e Tatiana Oliveira Foto Rafael Vilela

OS NOVOS TEMPOS DE MOBILIZAÇÃO ONLINE CHEGAM ÀS RUAS E ABREM ESPAÇO PARA

Foto: Rafael Vilela

UMA DEMOCRACIA RESSIGNIFICADA

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“Atualmente, os agentes integrados ao Fora do Eixo têm forte presença no ambiente virtual, onde sistematizam e operacionalizam a rede, superando distâncias e diferenças sócio-político-culturais.”

C

omo explicar a engrenagem de uma rede que em cinco anos alcançou centenas de cidades brasileiras e outras dezenas de localidades na América Latina, usando como maior ferramenta a arte, as trocas solidárias e a cultura digital? São perguntas como estas que (re)estruturam diariamente o Fora do Eixo, uma rede elaborada a partir de iniciativas autogestionárias no campo da cultura e do compartilhamento de tecnologias sociais. A rede iniciou os trabalhos em quatro cidades no final de 2005, tendo a música como carro chefe, ao buscar relações de mercado favoráveis às iniciativas solidárias que desafiassem a indústria fonográfica. Ao longo de sua trajetória, a conexão entre agentes locais se expandiu e as tecnologias alternativas geraram novas possibilidades de cadeias produtivas sustentáveis. Consequentemente, outras temáticas artísticas e sócio-culturais passaram a ser compreendidas como pauta prioritária, como o meio-ambiente, a homo-afetividade e o esporte.

Atualmente, os agentes integrados ao Fora do Eixo têm forte presença no ambiente virtual, onde sistematizam e operacionalizam a rede, superando distâncias e diferenças sócio-político-culturais. Cada vez mais autônomos e auto gestores, eles apontam para novas formas de protagonismo e, para isso, sistematizam suas ações através de quatro simulacros: Banco, Partido, Universidade e Mídia, que desafiam e desconstroem modelos e cópias do sistema vigente. Assim, o Banco FdE, por exemplo, planeja, sistematiza e mapeia ações da rede que gerem sua própria sustentabilidade, além de pautar a troca de serviços e tecnologias sociais, como o Card, moeda complementar criada como alternativa à renda em espécie. Já o Partido se apresenta como uma mobilização diferenciada da política partidária, passando a ser uma prática cotidiana que expresse a ciência do relacionamento, favorecendo o encontro de pontos de convergência de ativistas do Brasil e do mundo que lutam por melhores políticas sociais.

Foto: Rafael Vilela

raiz da questão

Neste campo de diálogo, foras do eixo de todo o país se encontram virtual e presencialmente em Congressos, Fóruns, Festivais e mobilizações urbanas que intentam uma espécie de “Occupy permanente”. Como exemplo há as Casas Fora do Eixo, onde os moradores, desafiados por sua própria desterritorialidade e desapego, se dedicam ao movimento social em igual acesso ao caixa coletivo da sede onde vivem e trabalham, laboratoriando novos processos de articulação e formação livre. Também caminham favoráveis a este movimento os avanços da internet e sua interface multi-midiática que faz com que as fronteiras entre emissor e receptor se fundam e deixem o espaço de “espectadores” desta produção. Novos sujeitos de uma Democracia 2.0 surgem a todo momento e de todo lugar, potencializando a difusão

e o surgimento de novos mediadores de cultura, que descentralizam cada vez mais as ferramentas e as técnicas utilizadas, como é o caso da Mídia FdE, outro simulacro da rede.

E a descentralização de informações neste contexto tem feito com que se levante uma sucessão de “Pós” manifestados espontânea e proativamente, como o pós partido, pós rancor, pós marca, entre muitas outras pós-relações-sociais-obsoletas, em uma formação de conhecimento livre, aliada a reflexões históricas e ações pragmáticas que geram uma nova consciência social, mais autônoma e propositiva, trazendo muito mais resultados no campo das transformações do que o velho modelo de sabotagem-teórico-ideológica.

“A rede iniciou os trabalhos em quatro cidades no final de 2005, tendo a música como carro chefe, ao buscar relações de mercado favoráveis às iniciativas solidárias que desafiassem a indústria fonográfica.” Para que se firmem tais pilares, a UniFDE - Universidade Fora do Eixo prioriza a formação livre e empírica que complementa os quatro simulacros base da rede, colaborando com trocas de informações, conhecimentos, tecnologias sociais e experiências, em busca da autonomia do sujeito e de respostas mais digitais na construção de sua própria história.

Serviço: Para conhecer mais o Coletivo Fora do Eixo acesse: foradoeixo.org.br 39


patrimônio

RICCARDO GAMBAROTTO O ENGENHEIRO DA ARTE POPULAR BRASILEIRA Da Redação Fotos por Cris Albuquerque e Acervo Associação RAIZ.

Foto: Cris Albuquerque

Uma coleção construída no contato direto com os artistas e seus ateliers

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Foto: Acervo Associação RAIZ.

Foto: Cris Albuquerque

patrimônio

Vista parcial da Coleção Gambarotto de arte popular brasileira

R

iccardo Gambarotto é engenheiro de produção, formado pela Poli USP, e consultor corporativo dos mais qualificados do mercado. Foi presidente de empresas e ajudou outras grandes companhias a obterem resultados positivos, mesmo nas situações críticas em que muitas delas se encontravam. A excelência de sua ação pode ser medida na fusão de sua consultoria, a MGDK, com a americana Monitor, do papa do marketing Michael Porter, no final dos anos 90. Riccardo, além da paixão por carros, tem uma das coleções de arte popular brasileira das mais significativas em número e qualidade das peças. Coleção elogiada por muitos, entre os quais, a saudosa Lélia Coelho Frota, que notou

o olhar estético do engenheiro na composição geral de seu acervo. Foi a sua coleção e o seu conhecimento da nossa arte popular um dos inspiradores da Revista RAIZ., projeto que participou desde a sua criação e que ajudou, como ninguém, a colocar de pé. A coleção Gambarotto de arte popular brasileira não foi construída na compra à distância das peças, mas no contato direto com os artistas populares, que o colecionador visitou em inúmeras viagens por todo país. Muitos deles, Riccardo ajudou de maneira recorrente. Caso de Joel Gaudino, filho do famoso mestre Manuel Gaudino do Alto do Moura em Pernambuco, que o olhar do engenheiro já reconhecia e, que agora, o mercado começa a comprar e qualifi-

car. Também João Borges de Timon do Maranhão, que se considera piauiense, uma vez que está a apenas uma ponte do estado vizinho; são peças de barro que guardam as expressões faciais e a alma dos personagens que representa em técnica apurada. Com predileção por esculturas em seus vários materiais, excepcionalmente encontramos pinturas nas prateleiras repletas de obras, que por acaso ou não, vem de ex-escultores, como o Mestre Zé do Carmo de Goiana, Pernambuco. O acervo colecionado por Riccardo só muda

de escopo quando falamos em arte indígena. A sua coleção de arte plumária e objetos é de tirar o fôlego. Mais uma vez a curadoria revela a qualidade excepcio-

país. Nos conta Riccardo: “Conheci vários trabalhos indígenas de todo mundo, fui algumas vezes ao Museu Nacional de Arte Indígena Americana (National Museum of the American Indian) de Washington, nos EUA; nada se compara em qualidade, variedade e acabamento artístico que são realizados pelos índios brasileiros”. A riqueza encontrada nas múltiplas estantes em que o colecionador guarda suas aquisições; a arte indígena armazenada com esmero, envelopadas em mapotecas e estantes

“Conheci vários trabalhos indígenas de todo o mundo, e nada se compara em qualidade, variedade e acabamento artístico do que os realizados pelos índios brasileiros”. (Riccardo Gambarotto) nal dos cocares, vestimentas, máscaras, arcos, flechas, tacapes e bordunas, utensílios; de muitas tribos e regiões do

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patrimônio

Foto: Cris Albuquerque

Foto: Cris Albuquerque

Mestre Gaudino - cerâmica

José Celestino - escultura em madeira

desumidificadas; nos revelam um mundo de beleza e energia que empolga o olhar,

Índios Marubo - cerâmica

“O rico ou o novo rico tem vergonha de colocar ‘coisa de pobre’ na parede.

Foto: Cris Albuquerque

“O rico ou o novo rico tem vergonha de colocar ‘coisa de pobre’ na parede. Temos em nossa arte popular a melhor relação custo-benefício em se tratando de mercado, mas muitos ainda preferem colocar coisas duvidosas nas suas casas por puro preconceito”. (Riccardo Gambarotto) colocando a questão de como ainda pouco nos conhecemos “gigantes pela própria natureza”. O desconhecimento sobre nossa arte popular não assusta o colecionador. Como ele mesmo nos diz:

Temos em nossa arte popular a melhor relação custo-benefício em se tratando de mercado, mas muitos ainda preferem colocar coisas duvidosas nas suas casas por puro preconceito”.

As obras em 3D que compõe o seu acervo são um painel dinâmico da arte brasileira atual e criativa, uma vez que a coleção Gambarotto só adquire peças de artistas vivos. Grande parte dos estados brasileiros estão representados nas dezenas de milhares de quilômetros percorridos pelo colecionador, em sua busca pela arte do povo. Do Alto do Moura em Pernambuco ao Vale do Jequitinhonha nas Minas Gerais, encontramos o rosto de Riccardo Gambarotto em fotografias que decoram muitos dos ateliers que frequentou, mostrando a intimidade do engenheiro com os autores e a cultura brasileira. Construindo sua coleção o engenheiro vai armazenando nossa memória. A memória da uma arte que saindo da pobreza expande sua estética por novos patamares da imaginação. O cenário que contemplamos nas paredes repletas de obras na casa de Riccardo, de certa forma se configura na casa de todos nós brasileiros. 45


patrimônio

CARNAVAL NA TERRA DO BOM JESUS, PATRIMÔNIO VIVO DE IGUAPE Por Diego Dionísio

Fotos Diego Dionísio e Katia Gomes

COM BONECÕES DO ZÉ PEREIRA, BLOCOS DO BOITATÁ, LITRÃO, Foto: Diego Dionísio e Katia Gomes

GALO E BANHO DA DOROTHÉIA, AS RUAS TOMBADAS DO CENTRO HISTÓRICO DO MUNICÍPIO GANHAM MOVIMENTO, CORES E MUITA ANIMAÇÃO, LEVANDO FOLIÕES DE TODAS AS GERAÇÕES NUM GRANDE FESTEJO POPULAR CULTURAL. 47


Foto: Diego Dionísio e Katia Gomes

Foto: Diego Dionísio e Katia Gomes

patrimônio

Praça central de Iguape, SP

O

s blocos e cordões tem ganho as ruas no carnaval brasileiro. Já famoso no Nordeste, explodiu este ano no Rio de Janeiro e em São Paulo ganhando até expressão midiáticas. O carnaval de rua, com bonecos, cabeções e marchinhas, foi destaque em todo país. Em muitas cidades do Estado de São Paulo acontecem os cortejos carnavalescos e as saídas dos blocos de ruas que mantêm traços dos antigos entrudos.

Na Estância Turística de Iguape, localizada no Vale do Ribeira no Estado de São Paulo, em frente às edificações do século XVII, XVIII e XVIII acontece um carnaval de rua singular, espontâneo próprio da identidade regional expressado nos blocos de tradição e bonecos gigantes num pulsar intensivo para um público circulante no cinco dias de folia, mais de 100 mil pessoas de todas as gerações e classe sociais. A cidade, fundada em 1538, contemplada pela beleza natural da Mata

Atlântica, banhada pelo Rio Ribeira e o mar do litoral sul, desde 2009 é tombada como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN. Além de suas edificações, várias manifestações culturais, como a festa de São Benedito, Festa de Bom Jesus de Iguape, Santíssima Trindade e o carnaval tradicional remanescentes do passado, sobrevivem ao tempo e são consagradas como referência da memória do povo ribeirinho. Neste período de carnaval, as ruas

pacatas do Centro Histórico, que abriga quase 700 edificações tombadas como patrimônio material ganham cores, movimentos e música. De trás das paredes das casas, o intangível ganha forma e o patrimônio imaterial da cidade se materializa nos blocos nos quais, durante vários meses, comunidades trabalharam para preservar o festejo popular, a segunda maior manifestação cultural da cidade. O comércio central, que geralmente vende lembranças do Santuário do Bom Jesus de Iguape, dá foco aos artifícios

carnavalescos: perucas, máscaras e as camisas dos blocos. Como um torcedor de time de futebol que veste sua camisa para mostrar o amor e a dedicação ao seu time, dias antes do carnaval os moradores da terra do Bom Jesus desfilam a camisa de seu bloco anunciando a hora de festar. Para participar do carnaval a regra é simples: basta colocar a fantasia, ou a camisa de seu bloco e entrar na folia. Ao meio dia da sexta feira de carnaval, de longe é possível ouvir os tambores do Zé Pereira – bloco tradicional em 49


Fotos: Diego Dionísio e Katia Gomes

patrimônio

Rio Ribeira

várias regiões do Brasil – turistas, comerciantes e moradores começam a embalar na marchinha cantada há gerações: “Viva o Zé Pereira, viva o Zé Pereira, viva o Zé Pereira no meu carnaval”. O bloco formado por um conjunto percussivo de bumbos, caixas, taróis, pratos e instrumentos de sopro é acompanhado do bonecão Zé Pereira e Dona Juritica, há quase 40 anos. Num processo contínuo de preservação e salvaguarda dos bens materiais e imateriais da cidade, o Departamento de Cultura e a Casa do Patrimônio da cidade fomentam tradição do carnaval, oferecendo uma oficina de produção de Bonecões com todo o processo de empapelamento, pintura e costura para um grupo de jovens da cidade. Resultante desta ação, seis novos bonecos acompanharam o Zé Pereira, nos quatro dias de festa encantando crianças e adultos. Anoitece e o Centro Histórico fica lotado. Os 20 blocos começam a fazer sua passagem pelas ruas em torno do Santuário do Bom Jesus e o público acompanha dançando, pulando e brincando o carnaval. Uma lei municipal perMestre Zé Alfaiate, um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco. mite a execução apenas de marchinhas

Corso da folia carnavalesca

e canções produzidas pelos moradores facilmente embalados pelos foliões. Dentre os blocos há uma expectativa para o Boitatá. Os bois no carnaval aparecem em várias regiões do Brasil e não seria diferente em Iguape. Dias antes de sua saída, a comunidade se reúne diariamente numa esquina onde abriga a grande estrutura do Boi de quase 10 metros de comprimento e dois de altura. E neste local uma prévia do carnaval acontece. Um aparelho de som instalado na calçada toca repetidamente o hino do boi que numa estrofe fala: “Vem me abraçar, vem me beijar, vem de novo, atrás do Boitatá vou te beijar de novo.” No dia de sua saída para o cortejo, os moradores mais antigos ficam pelas calçadas, ansiosos para a passagem do Boitatá. O berrante toca e a cada mugido, gritos e aplausos são exaltados pelos foliões. À medida que o grande boi passa, a multidão se reveza para encostar no boi pois, segundo a tradição, o contato trará sorte no ano e este revezamento segue até o final do seu cortejo. O bloco seguinte, também muito esperado, é o Banho da Dorothéia, que tem origem em Santos e se espalhou

para todos os municípios do litoral paulista. Trata-se de um grande cortejo de homens e mulheres travestidos e fantasiados, tendo como figura central um homem de noiva grávida ao lado de seu noivo. Durante o cortejo, param num sobrado de uma família tradicional de Iguape e na varanda diante da multidão é realizado o casamento. O cortejo, de quase quatro horas, termina com o banho da Dorothéia no mar pequeno, onde os foliões também se banham. São muitas as manifestações populares que se mostram vivas nos quatro dias de carnaval. Tem ainda os blocos do “Litrão”, da “Chaleira” e do “A corda”. O processo dinâmico dos movimentos culturais populares permite o surgimento de novos blocos e alegorias, como o “Kai e Sara” e outros. O cenário para encerramento é a varanda do sobrado onde a Dorothéia casou. Os músicos tocam as últimas canções, formando um grande bloco diversificado de foliões. Ao lado desta efervescência cultural, das ruas cheias e dos blocos e marchinhas, na rua paralela ao Centro Histórico, ainda no escuro, pescadores passam

Bonecos gigantes

com seus barcos para a pesca do robalo. O cenário é surpreendente. Os primeiros raios de sol fazem do mar pequeno uma aquarela de nuances azuis projetadas na água e no céu, e um prateado nas ondas provocadas pelos barcos. Na quarta de cinzas, o dia acorda com mais preguiça, mais quieto. Na pequena rodoviária de Iguape, pessoas de várias regiões do Estado, ainda com purpurinas, dormem encostadas em suas malas. Ligações para Presidente Prudente, São Paulo, Santo, Sorocaba, Pindamonhangaba são feitas pelas pessoas que esperam o ônibus chegar. É hora de voltar para casa. A pacata cidade volta a ter seu ritmo natural, moradores nas praças, pescadores voltando do mar, reverberações sobre o carnaval, a saída do Boi, o colorido Galo e o quanto foi animado o festejo. Os moradores de Iguape se despedem dos amigos, familiares e visitas, os convidando para Via Sacra. O sagrado e o profano caminham juntos o tempo todo na terra de Bom Jesus. E por trás das janelas moradores descansam para o próximo festejo.

Blocos: “Litrão”, do bairro Guaricama, onde tem um tradicional bar do senhor “Belo” e que há 20 anos é homenageado com uma garrafa alegórica de 5 metros, que no meio do caminho vai distribuindo a cachaça tradicional preparada pelos moradores e conhecida popularmente como “paletó vermelho”. “Chaleira”, um dos blocos mais antigos que há 80 anos carrega a identidade de vários carnavais da cidade é esperado pelos foliões por trazer os carros e as temáticas mais criativas do carnaval “A corda”, formado pelos foliões com todos os tipos de instrumentos, baldes e panelas, que por volta das 5h da manhã transitam pelas ruas segurando uma corda, cantando e gritando “acorda”. O processo dinâmico dos movimentos culturais populares permite o surgimento de novos blocos e alegorias, como o “Kai e Sara”, que neste ano completou 10 anos levando um público com perfil mais jovem.

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polテュticas

A INCLUSテグ DE VERDADE DO

INSTITUTO OLGA KOS Por Edgard Steffen Junior Fotos Divulgaテァテ」o

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Fotos: Divulgação

Fotos: Julio Pereira

políticas

Oficinas de arte do Instituto Olga Kos

Fotos: Divulgação

A

s diferenças sempre nos proporcionam fortes emoções. Muitas vezes provocam sentimentos de inquietude, tantas vezes nos afastam daquilo que não consideramos semelhante. “Narciso acha feio o que não é espelho”? Não é o caso do Instituto Olga Kos. Aqui as diferenças são a razão de existir e são tratadas com muito amor. Amor estruturado em metodologias inclusivas, onde a arte e o esporte proporcionam novos patamares de vida. Amor expresso pelo respeito e a consideração pelo outro. Amor feito de puro carinho aos portadores da Síndrome de Down. Amor às eternas crianças dessa síndrome que atinge, em número estimado, quase

meio milhão de brasileiros. Amor que é revelado nos resultados das atividades do Instituto, que hoje é o que mais emprega no mercado de trabalho portadores de deficiência intelectual. A Síndrome de Down é uma doença genética, causada por uma alteração cromossômica. Ocorre quando crianças nascem dotadas de três cromossomos 21, e não dois, como é o padrão. Isso leva à produção exagerada de proteínas, que acaba por desregular a química do organismo de seus portadores. No Brasil, acredita-se que ocorra um caso em cada 500 nascimentos, isso quer dizer, que nascem quase 10 mil bebês com a síndrome por ano, segundo a Associação dos Pais e Filhos com Síndrome de Down.

Sem olhar as limitações geradas pela síndrome, o Instituto Olga Kos vai em busca da superação de seus alunos. Ampliando os horizontes de seus espíritos pela arte e de seus corpos pelo esporte. Ou vice-versa, ou tudo junto, num diálogo constantemente avaliado pelos próprios impactados nas atividades do Olga Kos. Esse é o grande legado do Instituto: abolir as fronteiras limitantes, reconhecer como pares as diferenças, sem preconceitos ou discriminações, com muito respeito e crença na superação mútua, sempre dispostos à mudar para se atingir o melhor resultado. Nas atividades que envolvem a arte são dois projetos: “Pintou a Síndrome do Respeito” e “Resgatando Cultura”. 55


políticas

Trabalhos dos alunos das oficinas de arte

Fotos: Divulgação

“Construímos, desconstruímos, reconstruímos o todo. E ai, a imaginação voa livre e solta, liberando frustrações e amarras dos meninos, a alma viaja com ela”. (Wolf Kos) O primeiro com oficinas de arte e o segundo pela publicação de livros de artistas contemporâneos. No Esporte são aulas de Karate-do e Taekwondo. Ambos ativando as atividades motoras e cognitivas das crianças, jovens e adultos portadores atendidos pelo Olga Kos. “Pessoas com deficiência intelectual engordam, tem colesterol, cáries, não terão sempre por perto pessoas que adivinhem o que elas querem. Precisam ter sentimento de posse e pertencimento, como qualquer pessoa sem deficiência, mesmo porque se relacionam com o mundo e, como em uma via de mão dupla, é necessário que ao menos conheçamos as leis que regem esta via. Em outras palavras, o mundo deve ser apresentado à elas, bem como devemos ser apresentados ao seu modo de interagir com o mundo”, diz a psicóloga Paula Ayub, que atua no Instituto. Na busca pela autonomia de seus alunos desenvolveu-se uma metodologia própria, realizada por equipe multidisciplinar formada por psicólogos, pedagogos, artistas plásticos, produtores de mídia, mestres em artes marciais, professores de educação física e médicos, que medem as evoluções e corrigem rotas, sempre em

busca da segurança e da autoconfiança dos alunos portadores do Down. Como nos diz, Wolf Kos, presidente do Instituto: “Construímos, desconstruímos, reconstruímos o todo. E ai, a imaginação voa livre e solta, liberando frustrações e amarras dos meninos, a alma viaja com ela”. A metodologia é única e vem sendo reconhecida com o Prêmio Cultura e

“Na busca pela autonomia de seus alunos desenvolveu-se uma metodologia própria”. Saúde Nota 100 e a Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura; como também o 2° Prêmio Brasil de Esporte e Lazer de Inclusão Social, promovido pelo Ministério do Esporte. Tudo começa com o chamado ‘Aquecimento’, onde trabalha-se a interação e a socialização dos alunos. Depois vem a fase da ‘Produção’, copiar aqui é proibido e os sentimentos são expressos em cores e

formas livres. Para fechar o ‘Encerramento’ com a releitura de tudo que foi feito. Pinturas são rasgadas e coladas em novos suportes, tudo feito coletivamente por todos participantes. A cada aula é rememorada a atividade anterior, no encerramento todo trabalho é relembrado e avaliado. Por isso, os saltos são rápidos e visíveis em períodos tão curtos como o ciclo de oficinas artísticas com dois meses de duração. Em mais um diferencial, que mostra o respeito e a consideração que o Instituto Olga Kos tem por seus alunos, muitas atividades de arte são ministradas por artistas renomados como Gustavo Rosa, Inácio Rodrigues, Sara Bellz, Marysia Portinari, Eduardo Iglesias e Isabelle Tuchband. “Uma experiência libertadora, uma forma de soltar as próprias amarras!”, diz Gustavo Rosa sobre a sua experiência nas oficinas. O testemunho de uma das mães atendidas pelo Instituto é revelador: “Nunca tinha visto o Cadu dar risada antes”. O riso foi uma conquista do menino antes irritadiço, que só fazia resmungar, ficava de canto e não se enturmava. A participação nas oficinas, transformou a personalidade do Cadu. Revelou-se como artista e hoje, de bem consigo mesmo, 57


políticas

Fotos: Divulgação

Hoje, Denis conta até dez em japonês e não perde uma aula que o mestre Sérgio ministra semanalmente. O karatê é a sua paixão.

Aulas de taekwondo e karatê e do Instituto Olga Kos

orienta até os colegas menos habilidosos. Esses artistas anônimos do Down e seus mestres reconhecidos no mundo das artes são publicados em livros, que são promovidos em exposições ao término de cada módulo das artes da colagem, aquarela, fotografia e reciclagem. No esporte não é diferente. Os alunos passam por uma bateria de exames, mudam de faixa ao final de cada período e fazem apresentações em vários locais como federações de artes marciais, festivais, eventos internacionais, feiras de

esporte e faculdades de educação física. Dos muitos exemplos, citamos o do menino Denis, um aluno que quando entrou nas oficinas do Olga Kos só falava duas palavras: vô e mãe. Hoje, Denis conta até dez em japonês e não perde uma aula que o mestre Sérgio ministra semanalmente. O caratê é a sua paixão. Nascido em 2007, hoje o Instituto Olga Kos conta em seu quadro 42 pessoas trabalhando regularmente. O investimento inicial foi originado da coleção de arte contemporânea brasileira doada

à causa pelo casal Wolf e Olga Kos, sim ela dá o nome ao Instituto. Foram os leilões de obras de Aldemir Martins, Volpi, Antonio Peticov, Djanira, Di Cavalcanti, Emanoel Araújo, Mario Gruber, Lasar Segall, Tunga, Atos Bulcão e tantos outros grandes artistas, que geraram o capital que viabilizou as atividades do Instituto. Hoje, o trabalho já disseminado conta com inúmeros patrocinadores: Bancos Bradesco e Daycoval, Eternit, Volkswagen, Siemens, Tecnisa, entre outras empresas. Mas, Wolf Kos quer mais. Quer

que o incremento de patrocínios permita à dispersão do Instituto e de suas ações para todo país. “Nossos projetos poderiam estar em todos os estados do Brasil. Só não estão por falta de mais recursos”, explica Wolf. A atuação do Instituto Olga Kos na capital São Paulo e nos municípios de Guarulhos e Diadema, no ABC paulista, já contemplou milhares de alunos. Gerou a felicidade dos portadores da síndrome e o conforto de suas famílias. O Instituto é um exemplo de uma ação inclusiva com

resultados efetivos. Seus participantes saem fortalecidos, as famílias satisfeitas, uma produção artística gerada com qualidade e beleza, portadores da síndrome de Down empregados e a construção de uma tecnologia que permite replicação. Pois como questiona o casal Wolf e Olga: “Se não o fizermos, quem o fará? Que herança pretendemos deixar”? E pedem com o mesmo entusiasmo que promovem em sua atuação e presença constantes no dia-a-dia do Instituto: “Abracem essa causa”. 59


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O DIÁLOGO DO CACHUERA Da Redação Fotos Yves Barros

“1.800 horas transcritas e indexadas de som digital, 10.000 fotografias e 900 horas de vídeo, mantidos em reserva técnica climatizada. Soma-se a esse material, coletado em 140 localidades brasileiras, uma discoteca, uma videoteca e uma biblioteca com cerca de 3.700 títulos”

Fotos: Yves Barros

A

Associação Cultural Cachuera!, comandada por Paulo Dias, tem realizado um mergulho profundo na discussão e entendimento da identidade brasileira e de suas culturas tradicionais. Com pesquisa notadamente musical, realizada desde o início dos anos 90, o Cachuera busca a formação de público para um incentivo ao consumo e, a decorrente, perpetuação dessas culturas. A metodologia desenvolvida respeita sobremaneira o artista e suas manifestações individuais ou coletivas, procurando revelar as idiossincrasias inerentes às obras apresentadas, sempre num diálogo constante com os ouvintes. A pesquisa do Cachuera se transmuta em shows, oficinas e workshops promovidos em seu privilegiado espaço no bairro das Perdizes, em São Paulo. O respeito pela nossa cultura e sua gente começa na sede do Cachuera, com estúdio de gravação, salas de aula, biblioteca, computadores e palco caprichados para bem receber os folguedos e seus protagonistas. Nesse processo, revela a formação histórica e cultural dos grupos e artistas, através da exposição e debate dos contextos e características próprias das atividades apresentadas. O diálogo revela, sem medos ou rodeios, aquilo que o público desconhece ou não tem o entendimento devido. No Cachuera você pode assistir um show de jongo, aprender a dançar, ouvir suas histórias e tudo termina na comida coletiva dos terreiros do batuque. Não folcloriza o jongo, ao contrário, revela seu valor e maneira de ser, dando voz aos jongueiros. O legal é que o público pode interagir e se inserir nesse processo, degustando e participando das atrações do palco e das oficinas do Cachuera. 61


Fotos: Yves Barros

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Paulo Dias

Iniciando suas atividades decanas com o jongo do sudeste do Brasil, em especial no paulista Vale do Ribeira, o Cachuera também promove encontros internacionais e a música erudita, em sua busca constante de empoderar a nossa cultura e fomentar à sua disseminação, em uma troca constante entre ideais e estéticas. No Cachuera assistimos o jongo do Tamandaré, o pianista cubano Harold Lopez-Nussa, acordes de Bach entoando as antigas catedrais, a Festa do Divino e seus cortejos, ladainhas, música, dança e o oferecimento de refeições, entre tantas atrações. Tudo é feito para ser, além de consumido, entendido. Mesmo que isso possa demorar um pouco, pois para o Cachuera o tempo sempre joga a seu favor, que diga o extenso acervo musical coletado e produzido nesses vinte anos. O acervo da Associação conta com 1.800 horas transcritas e indexadas de som digital, 10.000 fotografias e 900

horas de vídeo, mantidos em reserva técnica climatizada. Soma-se a esse material, coletado em 140 localidades brasileiras, uma discoteca, uma videoteca e uma biblioteca com cerca de 3.700 títulos, voltada para os estudos afro-brasileiros e africanos, sociologia, antropologia, folclore, música, religião, arte popular e temas afins. O Cachuera também possui significativo catálogo de produtos que compartilha, da sua produção a comercialização, com as comunidades tradicionais populares; objetos de sua pesquisa e relacionamento. São 15 CDs, 4 DVDs e 4 livros versando sobre os mais variados temas: caixeiras do divino, velhas guarda do samba paulista, capoeira, quilombolas, congado mineiro e tantas outras manifestações culturais e artísticas. Mas, para a Associação Cultural Cachuera! o mais importante é o processo, onde o diálogo transparente

estabelecido se traduz no cuidado com os produtos gerados e comercializados. Com consistência e dinamismo o Cachuera promove agora o financiamento coletivo (www.movere.me ) da 13° edição da sua tradicional Festa do Divino, com as caixeiras da família Menezes do Maranhão. Paulo Dias é a potência da Associação,

com destaque ao trabalho que realiza com o grupo Anima, músicos que promovem o diálogo entre o erudito e o popular. Sempre presente no cotidiano da Associação, Paulo Dias é símbolo de uma luta de muitas dificuldades pela falta de recursos, fruto do desconhecimento e até do preconceito sobre a temática popular abordada. Mas isso motiva o guerreiro que nos

“Dentro dessa visão positivista do progresso, em que só o pensamento racional é que consegue enxergar e interpretar a realidade, tudo o que é da religião, das tradições orais populares é excluído”. (Paulo Dias) um militante ativo na defesa dos interesses do Cachuera. Paulo é pianista erudito de formação e percussionista de coração,

conta: “Dentro dessa visão positivista do progresso, em que só o pensamento racional é que consegue enxergar e interpretar

a realidade, tudo o que é da religião, das tradições orais populares é excluído”. Lutando com esse (des) entendimento, arremata: “Com o Cachuera, através da assimilação de conteúdos informativos, a pessoa vai, gradativamente, mergulhando em uma determinada tradição popular, até chegar a ter contato com a comunidade; a gente prepara as pessoas para isso”.

Serviço: site da Associação Cachuera www.cachuera.org.br Blog da Associação Cachuera www.cachuera.org.br/cachuerablog site do Grupo Anima www.animamusica.art.br 63


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Luciano Lub, Secretário de Cultura de Osasco, SP

Américo Córdula, diretor MinC

O MINC DE GIL A ANA Da Redação Fotos Acervo Associação RAIZ.

A

mérico José Córdula Teixeira é o atual Diretor de Estudos e Monitoramento, da Secretaria de Políticas Culturais do MinC (SPC) e, como o Secretário da pasta Sérgio Mamberti, remanescente da administração anterior da era Lula/Gil nesse ministério. Ator de profissão tem se especializado na gestão pública, sendo um dos membros mais atuantes e presentes nos grandes debates e eventos culturais por todo país. Nascido em Pernambuco, filho de artistas, desde criança dialoga com nossas manifestações de raiz, fruto da sua criação nesse estado pródigo pela riqueza de expressões da nossa cultura popular. Américo, em uma conversa com a RAIZ., debateu com a elegância de sempre, a trajetória que o MinC tem percorrido entre as duas gestões do PT no governo do país. E defende que; embora os ministros Gilberto Gil, Juca Ferreira e Ana de Hollanda, não serem filiados ao Partido dos Trabalhadores; são as bases lançadas pelo programa petista para a cultura “A imaginação a serviço do Brasil” o direcionamento percorrido pelo MinC desde as eleições de 2002. Nele, defende Américo, a questão da identidade do povo brasileiro já aparece como a nossa maior alavanca cultural. Portanto, conclui, o que temos hoje é uma continuidade transparente da política cultural para o país de valorização simbólica e cidadã de nossa cultura. Na abertura do documento “A imaginação a serviço do Brasil” essa questão já é colocada. “A valorização da cultura nacional é um elemento fundamental no resgate da identidade do país. É preciso, pois, abrir espaço para a expressão de nossas peculiaridades culturais (inclusive de corte regional), sem que isso se confunda com um nacionalismo estreito, mas sim articulado e aberto às culturas de todo o mundo”. Mais a frente expressa com contundência: “A lógica da homogeneização nos oprime”. Detalhando o processo Américo relata: “Gil vem a ampliar esse Programa, como figura midiática e com uma inteligência privilegiada, carrega com doses de tropicalismo a universalização e ampliação dos conceitos apresentados no Programa Cultural do PT. Nesse movimento surgem o Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, a Secretaria da Diversidade Cultural, atendendo segmentos que ainda não estavam consolidados ou representados como os índios, o LGBT, os quilombolas, os ciganos, o hip-hop, entre outros. Foi a apresentação e explosão de manifestações, artistas e conceitos, que estavam calados, reprimidos. A Cultura ganhou status e voz e, junto com essa repercussão, mais verbas”. Foram deixadas para o Congresso Nacional nove pautas para resolução e aprovação, com destaque para: o Vale Cultura (PL 5798/09), o Sistema Nacional de Cultura (PEC 416/05), o Plano Nacional de Cultura (PL 6835/06), a cultura entre os direitos sociais previstos na Constituição (PEC 49/07), o percentual mínimo de 2% de verbas para a cultura (PEC 150/03).

“Na gestão atual de Ana de Hollanda, o foco é estabelecer processos e consolidar as conquistas”, diz Américo. A pedido da Presidenta Dilma Roussef, todos os programas e políticas foram consolidados por pasta, para o melhor gerenciamento dos vários Ministérios. Na ocasião existiam mais de 300 projetos para avaliação do Planalto. No Ministério da Cultura as várias plataformas foram agrupadas no Plano Nacional de Cultura (PNC), que depois de múltiplos debates online e presenciais foi consolidado pelo Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). O PNC formulou uma política ousada em metas, com direcionamento para o próximos 10 anos. Estruturados em mecanismos de diálogo para muitos, pois enumera Américo: “Somos atualmente 198 milhões de habitantes, temos 212 milhões de celulares, 75 milhões de pessoas com acesso a internet, 1 milhão de indígenas com 180 línguas diferentes, 50% de afrodescendentes, 3500 quilombos , 600 mil ciganos...”. “Com essas 53 metas, aprovadas na reunião do CNPC de 29 de novembro de 2011, pretende-se aumentar, entre outras coisas, a quantidade de espaços culturais, privilegiando municípios menores ou territórios de cidadania, superar em mais que o dobro o número de livros lidos fora da escola e implementar projetos de apoio à sustentabilidade econômica da produção cultural local”. As metas propostas tem uma grande amplitude e apontam o longo caminho a percorrer. Citamos alguns exemplos

como: 100% de bibliotecas públicas e 70% de museus e arquivos disponibilizando informações sobre seu acervo; participação da produção audiovisual independente brasileira na programação dos canais de televisão, na seguinte proporção: 25% nos canais da TV aberta, 20% nos canais da TV por assinatura; 4,5% de participação do setor cultural brasileiro no Produto Interno Bruto (PIB); 15 mil Pontos de Cultura em funcionamento, compartilhados entre o governo federal, as Unidades da Federação (UF) e os municípios integrantes do Sistema Nacional de Cultura (SNC). Como vemos a perspectiva apresentada é da construção de uma política pública de Estado para nossa cultura, que se perpetue independente dos governantes. Objeto de uma das 53 metas, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) está com andamento acelerado, gerenciada com dedicação pelo secretário José Roberto Peixe da Secretaria de Articulação Institucional (SAI). Conta atualmente com o envolvimento de quase 900 municípios de 18 estados da federação. A meta para o Sistema Nacional de Cultura é de 100% de impacto em 10 anos. Pois, é o SNC a plataforma de diálogo com os vários setores e segmentos, a serem representados pela capilaridade municipal. A Raiz. esteve em Osasco, São Paulo, conversando com o Secretário de Cultura Luciano Jurcovichi Costa, mais conhecido como Luciano Lub, que recentemente finalizou o processo de implantação do Sistema Municipal de Política Cultural

(ComCultura), célula atuante do SNC. Num processo que partiu de diálogos setoriais, com às várias manifestações culturais e artísticas da cidade debatendo suas questões e seus anseios em assembleias e reuniões, que culminaram num diálogo com o poder legislativo local. O processo normatizou o funcionamento deliberativo desse Conselho representativo da cultura de Osasco. Foram eleitos oito representantes da classe artística e dois da sociedade civil, representando as Centrais Sindicais e a Educação; todos com seus suplentes. Num processo que mobilizou as artes e a cultura local gerando uma pauta comum acordada. Como posiciona Américo: “Um projeto indígena, cigano, é distinto de um projeto de teatro, de música, de livro, de audiovisual. Há especificidades e é preciso ter pessoas com essa noção, entre elas os conselheiros da comissão, para que se possa dar pareceres e entender essas necessidades”. Américo Córdula coloca, que uma grande diferença entre as gestões do Ministério da Cultura está no mundo hoje conectado, onde o uso de celulares e Internet está largamente disseminado. Todas as discussões, projetos e levantamentos estão disponíveis online. Finaliza: “Mas temos muito que aprender ainda na utilização desse ferramental tecnológico e digital pra alavancagem das atividades que hoje realizamos e, com o Plano Nacional de Cultura, estarão caminhando na direção do futuro”. 65


políticas

A NOVA

ECONOMIA

CRIATIVA DO MINC

Valério Benfica, Diretor da Regional do MinC São Paulo

Cláudia Leitão, Secretaria de Economia Criativa do MinC

Da Redação Fotos Acervo Associação RAIZ.

A

maior novidade da gestão de Ana de Hollanda, no Ministério da Cultura da presidenta Dilma Roussef, foi a criação da Secretaria da Economia Criativa (SEC) com Cláudia Leitão, socióloga especialista em políticas públicas à frente da pasta. O Brasil, mundialmente reconhecido por sua cultura rica e diversa, não conta até agora com a contrapartida econômica merecida; nem leis que regulem, à luz das dinâmicas próprias da cultura, suas atividades. Assim, é grande a esperança depositada nessa nova Secretaria. No site do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) a economia criativa é definida como “um novo modelo de gestão e negócios baseado no bem intelectual, e não no industrial ou agrícola”. Ainda no mesmo site, alguns dados mundiais, retirados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento – UNCTAD apontam, que em 2008, apesar de queda de 12% no comércio global, os serviços e bens da economia criativa cresceram até 14%”. Valério Benfica, diretor da Regional do MinC São Paulo, esclarece de maneira direta: “O artesanato, uma economia que sustenta muitas famílias e regiões do país, se baseia na agregação do valor criativo a materiais pouco nobres como: barro, conchas, sementes, casca de árvores, restos de madeira, etc.”. Ou nas palavras de Cláudia Leitão: “A economia criativa é, portanto, a economia do intangível, do simbólico”. O potencial dessa gestão é o tema da conversa travada com a Secretária da SEC, que fala com entusiasmo e conhecimento de causa sobre o potencial criativo do país, da economia que gera e que pode ser incrementada geometricamente. Cláudia Leitão é Doutora em Sociologia pela Université de Paris V e professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde lidera o Grupo de Pesquisa sobre Políticas Públicas e Indústrias Criativas. Foi Secretária da Cultura do Estado do Ceará no período de 2003 a 2006, quando imprimiu grande dinâmica a rica cultura cearense através de um Plano Estadual, cujo lema era “Valorizando a diversidade e promovendo a cidadania cultural”. Nesse período, realizou diversas reformas na formulação e avaliação das políticas para a cultura cearense. Destacou-se pela implementação do Sistema Estadual de Cultura, que lhe rendeu o primeiro lugar do Prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura, na categoria Gestão Pública. Duas palavras aparecem com constância no discurso de Cláudia, inspirada no seu guru de cabeceira, o economista Celso Furtado: regionalização e transversalidade. A experiência como Secretária de Cultura do Ceará despertou o seu olhar para as diferenças regionais, como fundamentais para não achatar o conhecimento, nem dizimar as diversi-

dades. “A infra-estrutura para o circo é completamente diferente daquela para se desenvolver softwares. Assim como, o artista do sul do país confronta realidades bastante diferenciadas daqueles do norte, por exemplo”, diz a Secretária do SEC. Para se regionalizar as ações, grande montante de informações precisam ser levantadas, pois são múltiplos os entendimentos necessários. E foi essa a sua primeira ação, o mapeamento e o levantamento de dados que eram praticamente inexistentes e que, ainda de forma embrionária, começam a tomar consistência. Cláudia conta: “Praticamente tínhamos somente dados sobre o carnaval como perspectiva, tivemos que iniciar do zero, da própria metodologia para os levantamentos”. Na transversalidade da economia criativa está sendo realizado intenso intercâmbio com os demais ministérios, em particular os da Educação, Turismo, Desenvolvimento Social, Ciência e Tecnologia, Esportes, Relações Exteriores e Trabalho. Pois, diz a Secretária: “Como dissociar nosso turismo das culturas que o abraçam, ou a criação de softwares do nosso desenvolvimento tecnológico?”. A transversalidade articulada pela SEC vai agora para as instituições de crédito, agências de fomento e órgãos bilaterais, leia-se: BNDES, SEBRAE, IBGE, UNESCO, entre outros. Para o desenvolvimento das ações da SEC foram definidos quatro eixos que devem orientar as políticas públicas definidas: diversidade cultural, inclusão social, sustentabilidade e inovação. Cláudia pontua: “A geração de princípios norteadores são

balizadores importantes para dar transparência e um norte claro para as múltiplas ações desejadas, vamos entender que se trata de uma atividade nova e inovadora, sem referências anteriores para se orientar as políticas”. Esses princípios vão ser o guia dos cinco desafios colocados como metas pela SEC: o levantamento de informações e a articulação ao fomento, anteriormente citados. Como também, a educação para competências criativas, com a formação e especialização de profissionais; infra-estrutura para a criação, produção, distribuição e consumo de bens e serviços criativos; a criação de marcos legais, sejam tributários, previdenciários, trabalhistas ou da propriedade intelectual. Valério Benfica cita o exemplo dos marcos regulatórios do audiovisual na França, que na disputa com a indústria Hollywoodiana mantém, ainda que em menor proporção, sua reserva de mercado significativa para sua economia e perpetuação como cultura: “Lá o mercado publicitário deixa um percentual para um fundo de investimento, que retorna para os próprios realizadores, sem falar nas cotas de exibição de filmes franceses nos cinemas do país”. Aqui no Brasil basta lembrar o lançamento do filme “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 “, quando mais de 70%, das nossas pouco mais de duas mil e quinhentas salas de exibição, passavam somente este filme. Cláudia Leitão arremata: “O Ministério da Cultura retoma a difícil tarefa de repensar, de reconduzir, de liderar os debates e a formulação de políticas sobre a cultura e o desenvolvimento no Brasil, com a missão

de transformar a criatividade brasileira em inovação e a inovação em riqueza: riqueza cultural, riqueza econômica, riqueza social”. Algumas iniciativas concretas no apoio ao empreendedor cultural já começam a sair do papel: o Criativa Birô, cujo papel é se tornar uma casa do empreendedor criativo brasileiro, oferecendo todos os serviços para que ele possa se tornar autônomo e pensar seu projeto de sustentabilidade de uma forma ampla: ambiental, social e econômica. Nós, artistas e arteiros, estamos torcendo para que a cultura não seja somente um eterno potencial, mas efetivamente uma atividade viva e rentável para os milhares de brasileiros, que embora criativos, vivem com grandes dificuldades para gerar, produzir e distribuir sua cultura. Cultura brasileira que é nosso diferencial competitivo mundial, tão admirada por todos que se encantam com nossas múltiplas formas, cores, sotaques, sabores e jeitos de se enxergar e dialogar com o mundo moderno. Serviço: Site da SEC MinC www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/economia-criativa-2/ Site da Regional São Paulo MinC www.cultura.gov.br/site/categoria/representacoes-regionais/regional-sp/ Site do Sebrae – Cultura e Entretenimento /www.sebrae.com.br/setor/cultura-e-entretenimento 67


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CACHAÇA

NÃO É ÁGUA Da Redação Fotos Divulgação

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arvada, pinga, parati ou ‘água que passarinho não bebe’ são alguns dos sinônimos conhecidos da cachaça, destilado da cana de açúcar e tradicional bebida dos brasileiros desde os tempos coloniais. A comunicação visual criada para as garrafas de cachaça traduzida em seus rótulos, também apresentam uma farta e divertida diversidade. Os rótulos da nossa cachaça tem sido objeto de pesquisa nos últimos anos, por conta do vivo interesse despertado pelos pesquisadores e historiadores da nova história material focada nos temas da vida cotidiana dentro do contexto das histórias da vida privada. E se por um lado, os rótulos da cachaça contam a própria história do Brasil, já que não há grande acontecimento que não tenha sido homenageado em alguma marca de cachaça (fundação de Brasília, Copa do Mundo, etc.); por outro, o design contemporâneo tem aprofundado seu olhar para a nossa cultura material popular como reação à uniformidade das estéticas ocidentais transnacionais. Alguns desses rótulos podem ser conhecidos na exposição Rótulos de Cachaça, que passou por São Paulo no Instituto Tomie Ohtake, em fevereiro de 2011. Os rótulos contam fatos da nossa história, mostrando um Brasil profundo (e nem sempre visível), mas inscrito e enraizado solidamente na cultura popular brasileira. Na exposição, o público pode ver exemplares de rótulos desde de 1940 do acervo de Egeu Laus, gestor cultural, designer e pesquisador de Memória Gráfica Brasileira, curador da exposição que acontece agora no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro.

“ Por um lado, os rótulos da cachaça contam a própria história do Brasil já que não há grande acontecimento que não tenha sido homenageado em alguma marca de cachaça.” 69


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Estética da cachaça Segundo Egeu Laus: “são cerca de 2 mil rótulos em arquivo digital e 600 originais em papel.”Onde podemos conhecer a estética que trazem em seu bojo todas as influências, ao mesmo tempo: indo do barroco e o rococó para a pop art e o psicodelismo. São um excelente material para os estudos de experimentação da colagem moderna, iniciada nas artes plásticas nas primeiras décadas do século 20 e reforçada na música popular dos anos 60, e que, com o advento das ferramentas digitais tem proporcionado uma extrema facilidade nas apropriações, citações, mashups, misturas e inclusões utilizando formas e imagens populares, construindo uma iconografia

pós-moderna de grande impacto visual no design contemporâneo. Não são poucos os rótulos desenhados pelo próprio “alambiqueiro”, o produtor da cachaça. O rótulo da cachaça manteve com características artesanais

“à margem” do conhecimento erudito os rótulos de cachaça contribuem, no mundo globalizado, para um olhar ao local e ao regional, compreendendo que o erudito e o popular são faces da mesma cultura. Na entrevista concedi-

“O rótulo da cachaça manteve com características artesanais até o final do século 20 constituindo-se num dos grandes exemplos do que conhecemos como design vernacular.” até o final do século XX constituindo-se num dos grandes exemplos do que conhecemos como design vernacular. Se o vernacular é aquilo que se construía

da a RAIZ., o curador Egeu Laus conta um pouco sobre as dificuldades que os colecionadores encontram para manter e organizar seus acervos. 71


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“É um dos poucos trabalhos gráficos de expressão e feitura popular inseridos na era da reprodutibilidade técnica.” RAIZ.: Quando iniciou seu interesse pela coleção dos rótulos? E quantos rótulos fazem parte do seu acervo? Egeu Laus: Minha pesquisa sobre rótulos começou há mais ou menos 10 anos. Tenho em formato digital cerca de 2 mil rótulos e uns 600 originais em papel. RAIZ.: Você afirma que os rótulos mostram um Brasil profundo. Poderia explicar isso? Egeu Laus: Brasil profundo no sentido de expressão do design vernacular ou seja o design produzido popularmente por artistas anônimos (o trabalho gráfico de nenhum rótulo é assinado). É um dos poucos trabalhos gráficos de expressão e feitura popular inseridos na era da reprodutibilidade técnica (as capas dos livrinhos de literatura de cordel é outra). Por outro

lado, os rótulos de cachaça costumam homenagear todos os grandes momentos da história do Brasil (Copa do Mundo, inauguração de Brasília, etc) e são a visão popular desses acontecimentos. Mostram também uma enorme gama de paisagens rurais e urbanas das cidades do interior onde se fabricam as cachaças, além de uma impressionante fauna e flora deste Brasil profundo, distante dos grandes centros urbanos. RAIZ.: Quando as indústrias no Brasil começaram a se preocupar com o design de seus produtos? Egeu Laus: Preocupação no sentido do design estratégico aliado ao marketing como abordado pelos grandes escritórios de design contemporâneo somente nos últimos 10, 20 anos, mas ainda em pequena escala frente ao universo de

cerca de 40 mil produtores no Brasil hoje. Embora a primeira cachaça engarrafada tenha surgido possivelmente na virada do século 19 para o século 20. RAIZ.: Quais são as cachaças que não mudaram seus rótulos? Egeu Laus: Existem centenas de cachaças com rótulos ainda próximos aos originais principalmente as que tem uma abordagem “all-type” (somente texto). Mas o surgimento da impressão offset em substituição a impressão tipográfica (e antes a litografia) ocasionou mudanças mesmo que pequenas no design dos rótulos. RAIZ.: Quais as dificuldades de se manter um acervo, ou uma coleção particular? Egeu Laus: As coleções são mantidas por seus colecionadores, de modo geral,

de forma bastante amadora. Faltam abordagens sistematizadas, com acondicionamento apropriado por técnicas museológicas e um registros das informações mais profissionalizado. No caso dos rótulos de cachaça, que eu saiba, apenas o acervo da Fundação Joaquim Nabuco, recebe um cuidado profissional, e talvez, justamente, por estar numa instituição com recursos e pessoal para este fim. No entanto, sem esses abnegados colecionadores amadores espalhados por todo o Brasil (e são milhares!) muito da nossa história visual já estaria perdida. A recomendação que faço é que instituições, entidades e centros culturais de modo geral se interessem mais pelo tema e realizem exposições com curadorias apropriadas, trazendo para o universo desses colecionadores o conhecimento de abordagens mais

corretas para a manutenção e guarda de suas coleções e por outro lado, trazendo para a população esse riquíssimo legado da nossa cultura.

Serviço: Rótulos de Cachaça - exemplares de rótulos desde de 1940 do acervo de Egeu Laus. De 2 de janeiro a 26 de fevereiro – de terça a domingo das 10h as 19h. No Centro Cultural Laurinda Santos Lobo - Rua Monte Alegre, 306 - Santa Teresa, Rio de Janeiro. Fone (21) 2242-9741 Para mais informações sobre a exposição: egeulaus@gmail.com 73


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RARA PERCUSSÃO CACAU DO PANDEIRO – UM DOS MAIS NOTÁVEIS PERCURSIONISTAS BRASILEIROS - CHEGA AO RIO DE JANEIRO COMO DOCUMENTÁRIO,

Fotos: Peterson Azevedo

Da Redação Fotos: Peterson Azevedo

Serviço: Documentário: Cacau do Pandeiro – O mundo na palma da mão DVD: a venda em abril/2012 Mais informações: (71) 88138251 e-mail: cabecafeitaproducao@gmail.com

Como fazer um documentário? Tudo começou em 2009, quando três professores - Armando Alexandre Castro, Marcus Leone Coelho e Peterson Azevedo - que fazem parte da equipe pedagógica da TV Anísio Teixeira , ligada à Secretaria da Educação do Estado da Bahia, resolveram registrar, por meio do audiovisual, a vida do excelente percussionista baiano que não tem o devido reconhecimento. O que começou como uma brincadeira, no final custou R$100 mil reais, pagos pelos próprios autores, e dois anos e meio de produção. Aos 83 anos, Cacau do Pandeiro é um virtuoso, cuja versatilidade não encontra fronteiras: sua atuação e talento profissionais podem ser comprovados, tanto em gêneros musicais mais tradicionais, como em grupos que experimentam novas propostas estéticas. Nascido e criado na localidade de Vila Matos, no boêmio bairro do Rio Vermelho, em Salvador (BA), cidade onde reside. “O principal motivo de eu aceitar o convite para dirigir este documentário foi a chance de homenagear um profissional de tamanha competência e relevância para música do Brasil. E a possibilidade de fazer isso enquanto o personagem ainda está vivo, coisa muito difícil de acontecer em nosso país” afirma o diretor Márcio Santos.

Fotos: Peterson Azevedo

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ançado em março pela Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, o documentário “Cacau do Pandeiro – O mundo na palma da mão” apresenta a trajetória artística de Carlos Lázaro da Cruz, nas artes conhecido como “Cacau do Pandeiro”, percursionista baiano que dá nome ao projeto integrado pelo filme, com direito a uma mostra fotográfica, oficina coordenada pelo artista e palestras. Mestre de nomes importantes da MPB, como Carlinhos Brown e Juliana Ribeiro, entre outros artistas, as turnês nacionais e internacionais de Cacau do Pandeiro já o colocaram no mesmo palco, com estrelas como J. Veloso, Dona Ivone Lara, Elza Soares, entre outros “pesos pesados” das artes musicais, entre os quais figura Frank Sinatra. Produzido pela produtora baiana de audiovisual Cabeça Feita, o documentário sobre o artista, todo rodado na Bahia, tem direção de Márcio Santos.

Fotos: Peterson Azevedo

MOSTRA FOTOGRÁFICA, PALESTRAS E OFICINAS.

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DESIGN + ARTESANATO: O CAMINHO BRASILEIRO DE ADÉLIA BORGES A CURADORA,ESCRITORA E PROFESSORA DA HISTÓRIA DO DESIGN, ADÉLIA BORGES,LANÇOU NO DIA 2 DE FEVEREIRO O LIVRO DESIGN + Fotos: Divulgação

ARTESANATO: O CAMINHO BRASILEIRO PELA EDITORA TERCEIRO NOME. Da Redação

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délia Borges é uma jornalista especializada em arte popular brasileira. Jornalista pela ECA-USP, foi na direção editorial da revista Design e Interiores, de 1987 a 1994, que passou a se especializar em design. Professora de história do design na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e na Escola São Paulo, é autora ou co-autora de mais de 10 livros. Seus artigos, textos para catálogos ou capítulos de livros de sua autoria já foram publicados – além de português – em alemão, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês. Desde o início dos anos 1990 Adélia realiza exposições e projetos culturais, em vários locais do Brasil e do exterior. De 2003 a 2007 dirigiu o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Em 2008, coordenou a equipe encarregada da elaboração do projeto conceitual do Pavilhão das Culturas Brasileiras, que ocupa o edifício projetado no início dos anos

1950 por Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera. Em 2010, foi curadora-chefe da Bienal Brasileira de Design. `No novo livro “Design + Artesanato: o caminho brasileiro” ela faz uma radiografia da revitalização recente do objeto artesanal brasileiro. Ela decorre da aproximação dos campos do design e do artesanato, atividades que até então eram vistas como em oposição e que hoje se complementam. Em comunidades espalhadas pelo país, iniciativas marcadas pelo empreendedorismo e pela inovação social trazem um novo impulso ao desenvolvimento sustentável local. Esse fenômeno vem ocorrendo, sobretudo, desde meados dos anos 1990, e a autora acompanha suas manifestações desde então, o que lhe permite analisar acertos e equívocos dos caminhos percorridos e fazer indagações para o futuro. “Não há um procedimento padrão ou receituário para as ações de revitalização do artesanato – e nem poderia ser de outra forma, já que diferentes

situações exigem diferentes respostas”, diz Adélia Borges no livro. Cerâmicas com motivos de pinturas rupestres no Piauí; cuias feitas de massa de papelão reciclado e fibras de bananeira em Minas Gerais; sementes de urucum utilizadas como corante de tecido no Amazonas; o avesso e o direito com igual importância em um tapete de nozinhos no Rio de Janeiro; flores feitas de couro de peixe no Mato Grosso do Sul; bolsas e cestos feitos de capim-dourado em Tocantins; a fauna local transformando-se em peças originais no Rio Grande do Sul. Esses e muitos outros casos, seus alcances, potencialidades e riscos, são o objeto da instigante análise de Adélia Borges. O público potencial da publicação é amplo, englobando as pessoas que se interessam pelo design e pelo artesanato como expressões culturais e também aqueles que apostam no poder de transformação decorrente do empreendedorismo social e da economia solidária.

Com quase três décadas de dedicação ao estudo do design, Adélia Borges faz uma análise meticulosa das ações desenvolvidas em todo país e contribui para enfraquecer o preconceito que atribui conotação de inferioridade ao que é feito à mão e de superioridade ao que é projetado pelo intelecto. Sobre o futuro do artesanato, Adélia Borges é categórica ao discordar dos que apregoam seu fim há décadas. “Os prognósticos de desaparecimento não se confirmaram. Há vários indícios, ao contrário, de que o lugar do artesanato na sociedade contemporânea está se expandindo”, escreve a autora. Fartamente ilustrado, o livro tem 240 páginas e edições em português e inglês. O patrocínio é do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da agência de publicidade Leo Burnett Taylor Made (LBTM), com apoio do Ministério da Cultura por meio da Lei Rouanet.

Fotos: Divulgação

Fotos: Divulgação

Serviço: Livro: Design+artesanato: o caminho brasileiro – de Adélia Borges Editora: Terceiro Nome Formato: 240 páginas, 21 x 27 cm Edições separadas em português e inglês Quanto: R$ 80 Site oficial de Adélia Borges: www.adeliaborges.com Site oficial da Editora Terceiro Nome: www.terceironome.com.br 77


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OS 100 ANOS DA SANFONA

DO REI LUIZ GONZAGA Da Redação

Fotos Divulgação

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grupo Falamansa, uma banda conhecida dos forrozeiros, lança mais um novo trabalho, desta vez ao lado de grandes nomes da música brasileira. “As sanfonas do rei” Tributo aos 100 anos de Luiz Gonzaga”, pela Deckdisc, será lançado no mês de abril, para homenagear o centenário do nosso eterno “Rei do baião. O Falamansa completa 14 anos em 2012 e, para comemorar com chave de ouro, buscou no fundo do baú gravações de Luiz Gonzaga ainda muito pouco divulgadas, mas com enorme riqueza musical e temática como: ”Indiferente” (Severino Ramos-Luiz Guimarães), “Xote ecológico” (Luiz Gonzaga-Agnaldo Batista), “O fole roncou” (Nelson Valença-Luiz Gonzaga), “Alegria pé de serra” (Dominguinhos-Anastácia); unidas aos grandes sucessos já consagrados na voz do rei como “Sabiá” (Luiz Gonzaga-Zé Dantas), “Súplica Cearense “(Gordurinha-Nelinho), “Pense n’eu” (Gonzaga Júnior), “Qui nem giló”

(Humberto Teixeira-Luiz Gonzaga), essa última com participação especial dos “Meninos do Morumbi”, um projeto social de crianças que tem, desde 2007, ligação com o Falamansa. O disco conta ainda com as participações de grandes nomes da nossa música como: Elba Ramalho numa releitura de “Sanfoninha choradeira” (Luiz Gonzaga-João Silva), que ela mesmo havia gravado com o rei na década de 80; do inigualável Dominguinhos, um dos grandes responsáveis pela continuidade da história musical de Luiz Gonzaga, que marca sua presença na animada “Nem se despediu de mim” (Luiz Gonzaga-João Silva) e Jorge du Peixe, vocalista do Nação Zumbi, que solta a voz no “pout pourri” de forró e maracatu” Erva Rasteira/A Festa “(Gonzaga Júnior). O lado tradicionalista do disco fica por conta do Trio Nordestino cantando o baião “Amei a toa” (João Silva-Joquinha Gonzaga), e do carismático Trio Virgulino no xote “Bom? Pra uns” (Onildo

Almeida-Juarez Santiago). Completam as participações do disco, o grande compositor e músico Miltinho Edilberto e a talentosíssima Janaína Pereira da banda Bicho de pé, cantando “Serena no mar” (Sivuca-Glorinha Gadelha). O CD tem até o “dueto digital” entre o Falamansa e o homenageado, que faleceu em 1989, com a música “A hora do Adeus” (Luiz Gonzaga), e a composição inédita “As sanfonas do rei” (Tato), música tributo ao eterno Rei do Baião. Homenageado no carnaval carioca pela vitoriosa Unidos da Tijuca, o nosso rei do forró merece o CD “As sanfonas do rei” - Tributo aos 100 anos de Luiz Gonzaga” produzido pelo Falamansa. É uma justa troca de energias dos alegres forrós e a oportunidade dos jovens conhecerem um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos: Luiz Gonzaga!

Serviço: CD: As sanfonas do rei - Tributo aos 100 anos de Luiz Gonzaga do grupo Falamansa. Site oficial: www.falamansa.art.br Teaser: http://migre.me/8tz2Q

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OS CAMINHOS DO AÇÚCAR MAIS UM LIVRO DO ANTROPÓLOGO RAUL LODY, INTÉRPRETE CONSAGRADO DA OBRA DE GILBERTO FREYRE. Da Redação

Fotos: Divulgação

Fotos por Jorge Sabino

Serviço: Livro: Caminhos do Açúcar de Raul Lody Editora: Topbooks com o apoio da Fundação Gilberto Freyre disponível nas melhores livrarias de todo país.

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açúcar sempre esteve presente na economia brasileira, desde os primórdios tempos coloniais. As nossas primeiras cidades, Olinda de Duarte Coelho em Pernambuco e São Vicente de Martim Afonso de Sousa, em São Paulo, já nasceram ao redor dos engenhos da cana de açúcar no início da nossa construção civilizatória a partir de 1530. De uma economia cercada da mono cultura da cana, muitas outras economias derivam; os doces, a cachaça, a culinária, as máquinas, os animais, os costumes e tantos. Os olhares eruditos não poderiam deixar de focar esse período e essa construção da nação brasileira, em especial, Gilberto Freyre numa busca amplificada do povo nordestino: afro, português, mouro, índio e acima de tudo, brasileiro. Prescrutando o trabalho de Gilberto Freire, o antropólogo Raul Lody vem acrescentando um fôlego único sobre sua vasta obra, nos brindando com novidades a cada novo olhar publicado. Como diz o próprio Lody em texto publicado para Associação dos Restaurantes

da Boa Lembrança: “Gilberto Freyre oferece em sua obra civilizatória inúmeras opções para provar em textos consistentemente bem temperados, gostosos, como um diversificado e sedutor cardápio das relações sociais, da formação da cultura brasileira. Assim, profundamente inspirado em Açúcar de Gilberto Freyre, venho realizando sistemático trabalho de antropologia do sabor desde a década de 1970, vendo, vivendo e provando pratos, inteirando-me dos cotidianos das festas, da religiosidade, pois experimento e gosto é o meu projeto brasileiro, comprometido com o povo brasileiro”. “Caminhos do Açúcar. Ecologia, gastronomia, moda, religiosidade e roteiros turísticos a partir de Gilberto Freyre” é o mais novo fruto desse percurso. O livro dialoga sobre a multiculturalidade da comida, da estética, das manifestações religiosas e populares. Além de outros temas da obra de Gilberto Freyre, como o Regionalismo, a Tropicologia, e a Ecologia do açúcar nos cenários sociais do Nordeste. Destaca também a nossa profunda relação com continente africa-

no, em especial, o legado deixado pelas culturas do Magreb – norte da África. Parece de grande ousadia uma abordagem tão amplificada em assuntos e temas. Mas, Raul Geovanni da Motta Lody é um antropólogo, museólogo e professor com rara formação e energia para replicar de forma lúdica e científica as coisas do povo brasileiro; da culinária ao cabelo afro, do artesanato à arte sacra, tudo é tema para seu desenvolvimento. Formado em Etnografia e Etnologia pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra, especializado no Laboratório Etnográfico desta Universidade e ainda no Instituto Fundamental da África Negra, em Dakar; com doutorado em Etnologia pela Universidade de Paris; é membro da Academia Brasileira de História, da Academia Brasileira de Belas Artes, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, dentre outras atribuições e participações. Na Revista RAIZ e suas atividades, Raul já esteve várias vezes presente, nos brindando com sua simpática sabedoria. 81


música

VEM TUDO DO VINIL

PROJETO ACERVO ORIGENS, DE CACAI NUNES, RESGATA A FORÇA

MÚSICAS LIGADAS A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA Por Marcos Linhares

Foto: Divulgação Acervo Origens

Foto: Divulgação

Fotos Divulgação Acervo Origens

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música

I

magine a cena, uma ligação, e uma voz trêmula e chorosa do outro lado da linha: “Cacai, aqui é Carlos, falo da Argélia, você não me conhece, mas ouvi em seu programa Acervo Origens, na internet, uma música que meu pai tocava no interior do Nordeste quando eu era pequeno. Foi uma emoção única. Obrigado!”. Esse é apenas um dos muitos casos que acontecem regularmente com o DJ, pesquisador e violeiro caipira pernambucano, radicado em Brasília, Cacai Nunes. Filho de pianista, desde 2006, ele tem entrado na vida das pessoas e compartilhado músicas, vídeos e fotos, de artistas de música regional brasileira, em grande maioria forró, acrescido de samba de roda,

“Hoje, o Acervo Origens conta com cerca de três mil unidades, fruto da pesquisa criteriosa de Nunes, não só em Brasília, mas pelo Rio, São Paulo, Nordeste e até, Paris.” música do litoral do Paraná, do interior do Rio, coco, maracatu, chorinho, enfim, músicas que não costumam ter tanto espaço e que, de comum, estão todas gravadas em vinil e disponibilizadas no portal Acervo Origens.com. Por acaso O DJ relembra que tudo começou sem o menor planejamento: Em 1996, ele começou a produzir uma festa chamada “Origens”, em um bar de Brasília. Ali, ele mesclava de tudo: uma banda de pífanos brasiliense (Ventoinha de Canudo), uma de Samba de Coco (Raízes de Arcoverde), uma de Samba Chula (Os Filhos da Pitangueira, de São Francisco

do Conde/BA), com mais outra brasiliense, de Tambor-de-Crioula (Boi de Seu Teodoro). “O impressionante foi a receptividade. Os grupos, tocando e dançando, manifestações culturais brasileiras, em um bar bem no coração da capital federal, em pleno Setor Bancário Sul, e a alegria era indescritível”, relembra o músico. Nessa época, falece um grande colecionador de discos de Brasília, Oscar Henriques. “Esse cara foi o fundador da União do Vegetal, na cidade. E nunca imaginei que eles gostassem tanto de forró, o que o levou a ter uma bela coleção”, afirma Nunes. Pronto, estava fisgado o jovem que amava o rock e viola. Ele já tinha uma mini-coleção de discos do pai - de Luiz Gonzaga, Clara Nunes, Sivuca -, daí, virou

comprador, colecionador de vinis raros, daqueles com tiragem pequena feita por artistas sonhadores e obstinados, que apesar das poucas posses, se arriscavam a colocar a voz e a arte nos chamados “LPs” e a ganhar o mundo, mesmo sem saber ou ter tamanhas pretensões. “Comecei a me relacionar com pessoas de Salvador e Minas que também colecionavam esse tipo de música, e criamos, sem querer, uma rede informal, que acabou até fazendo que eu fosse usar meu acervo em grandes festas no Rio e em Sampa”, recorda. Hoje, o Acervo Origens conta com cerca de três mil unidades, fruto da pesquisa criteriosa de Nunes, não só em Brasília, mas pelo Rio, São Paulo, Nordeste e até, Paris. Quem diria?

Os gramofones de Jacob do Bandolim Em uma das apresentações que fez pelo mundo como violeiro caipira - ele já se apresentou por meio do Itamaraty, entre outros países, na Suíça, na Áustria, na Itália, na Alemanha-, Cacai Nunes deparou-se com uma loja de gramofones (foto). Impressionado, entrou na loja e qual não foi a surpresa quando percebeu que também vendiam vinis, usados demonstrar os produtos. Em meio a tantos, encontrou e prontamente adquiriu dois tesouros do Acervo Origens: Um disco de 10 polegadas, de 1955, de Jacob do Bandolim (Jacob Revive Músicas de Ernesto Nazareth) e um LP clássico que mesclou atabaques e afoxés, agogôs, 85


saxofones e pandeiros, o segundo LP da dupla Baden Powell/Vinícius de Moraes, de 1996, “Os Afro-sambas”. Apesar da aquisição, o músico avisa logo: “Mas também tenho raridades do forró, como discos do Dorival Caymmi das praias de Pernambuco, o Gilvan Chaves, da década de 1950. Em geral, esses discos estão inflacionados nomercado, e giram em torno de R$ 400 a R$ 500”, explica. Reabertura de mercado O fato é que mesmo sem pretender, Cacai Nunes e o Acervo Origens, além de outros diletantes defensores e disseminadores da música regional brasileira têm feito com que artistas que já haviam parado de se apresentar e outros que estavam quase desconhecidos, tenham voltado à ativa. “Percebi depois, que cantores como o forrozeiro Edson Duarte (AL), e o terceiro trio em atividade mais antigo do Brasil (criado em 1967), o Trio Nordeste (PB), estejam no mercado com força e agenda. Esses entre tantos outros, acabaram voltando a tocar em festas e à alegria de poder se apresentar”, comemora o pesquisador.

sobre o tema. E com isso, o trabalho segue firme, disseminando a diversidade da boa música. “Muitos blogs, até com boas propostas já abriram e fecharam. Em nosso caso, não trabalhamos com CDs e não compartilhamos trabalhos novos e recém-lançados. Tudo vem do vinil, somos fiéis a isso”, alega o produtor.

Foto: Divulgação Acervo Origens

música

Rádio O Acervo Origens cresceu, ganhou adeptos e além do Blog, ganhou as ondas do rádio e quem quiser pode sintonizar o programa que vai ao ar aos sábados, às 19h, na Rádio Nacional FM Brasília 96,1mhz, e às 20h, na Nacional AM Brasília 980khz, passando também na Rádio Nacional da Amazônia. “Chegamos na rádio e tive que sistematizar o trabalho. Agora, conto com ajuda para digitalizar e escrever os textos do programa. Mas, vale tudo para encontrar e divulgar esses artista desconhecidos e que merecem carinho. O Acervo Origens está no coração assim como a viola está no peito”, finaliza Cacai Nunes.

Cacai Nunes em seu escritório

Alguns exemplos da milhares de mensagens que o Acervo Origens recebe: borgi disse... “Os “blogs” são o exemplo de como a iniciativa privada derruba a burocracia insana que enterra a música brasileira. Em 40 anos O MIS não reeditou este Lp assim como muitos outros. Aí está ele, facilmente em MP3. Parabéns é pouco pra vocês” Leonel Laterza disse... “Sem palavras! Lindo mesmo. Vou baixar já! Um recado pro Cacai: PARABÉNS! A IMPORTÂNCIA DESSE SEU ACERVO E DO SEU TRABALHO É INFINITA!”

Serviço: Ecad Cacai Nunes procurou o Ecad para ver se haveria problema em disponibilizar as músicas do Acervo Origens para download, mas foi tranquilizado já que não há ainda, segundo eles, legislação específica

Site oficial do Acervo Origens: www.acervoorigens.com Acesse Acervo Origens no no Facebook, no Twitter e no soundcloud.com: soundcloud.com/acervo-origens

Querco disse... “Cacai, parabéns pelo blog, pelo trabalho no programa de rádio e pelo carinho que você dispensa para com a música caipira do nosso Brasil. Se um dia o grande Raul Torres foi a pedra fundamental dessa música que

é parte do nosso DNA, você hoje é do mesmo modo importante por querer e trabalhar para que ela perdure.” moodyxadi disse... “Maravilhoso álbum que, junto com “brincadeiras de roda...”, meu filho de 1 ano e 8 meses ouve e vibra sem parar! Parabéns pelo resgate!” luizinho disse... “Sou Rosariense, hoje moro em Sao paulo mais nao esqueço da minha raiz, curti muito o bumba mee boi, e ainda curto é pena que sempre nas festas juninas não posso ir a minha cidade querida Rosario, a terra do bumba meu boi quem sabe este ano irei curti-lo, abraços Luiz rocha” giovanna disse... “que coisa incrível é visitar este espaço tão democrático...salve toda energia que ronda este trabalho !! muito obrigado !! Giovanna Tamires - Rondônia”

Stenio disse... “Pô, Cacai! Teu trabalho é de suma importância para o descobrimento culrural do país. Que Deus te ilumine sempre mais.” Amanda disse... “Cacai, parabéns blog, pelos projetos, e principalmente, pelo teu som. Você torna minhas andanças por SP muito mais felizes! Não há metrô em horário de pico que apague a alegria da tua música! Obrigada” Kleber disse... “Parabéns, já baixei todos os programas e minha vida se encheu de luz e vida novamente...” Fabricio disse... “Acervo inacreditável, parabéns mesmo de verdade... Os melhores dos melhores estão aqui, ótimo trabalho. Desde já mais um seguidor... 87


viagens

A REDE DO TURISMO

COMUNITÁRIO

PRAINHA DO CANTO VERDE E PONTA GROSSA. DOIS PARAÍSOS CEARENSES REFERÊNCIAS NACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO DO TURISMO COMUNITÁRIO E SUSTENTÁVEL. Texto e Fotos por Raquel Gonçalves

Foto: Raquel Gonçalves

Duna em Ponta Grossa, município de Icapuí

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Foto: Raquel Gonçalves

viagens

Praia de Redonda, município de Icapuí. Ao final da enseada, avista-se a Ponta Grossa, praia com dunas, falésias e sítios arqueológcos.

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ntre as dunas, os moradores silenciam e se escondem em suas casas quando o sol ainda queima. À medida que ele baixa e a areia esfria, a vila se movimenta. Quando os últimos raios colorem a paisagem antes de apagar-se, quase todas as portas das casas se abrem e a paisagem se transforma. O pescador prepara a tarrafa no alpendre de casa, a meninada joga bola ameaçando os espetinhos do jovem churrasqueiro, o padeiro aguarda os clientes deitado na rede. De passagem pela região, o circo Imperial já aciona as caixas retumbantes que lhes garantem o público do espetáculo noturno. O vento forte do final da tarde atenua o calor do dia e dá boas vindas a todos que chegam à aconchegante Prainha

do Canto Verde, localizada a 120km de Fortaleza, capital do Ceará. O atrativo desse tipo de turismo são lugares com tranquilidade, o sossego, a natureza e, principalmente, o cotidiano da vida local. Quem escolhe esta tímida vila de 1.050 habitantes para descansar e se deliciar com os frutos do mar, certamente não procura os exageros e a subserviência do turismo tradicional. Os moradores da Prainha do Canto Verde desenvolveram um modelo de turismo coerente com os anseios da comunidade. Não se vende terreno para estrangeiros, o planejamento e a gestão dos serviços prestados são de responsabilidade da organização comunitária, o turismo não representa a principal atividade econômica da vila. Desta maneira, moradores buscam a sustentabilidade sócio-ambien-

tal, garantindo a geração e distribuição equitativa da renda, a valorização da produção e da cultura local. O trabalho na comunidade, que começou em 1998, hoje é referência nacional quando o assunto é o Turismo Comunitário. A Prainha se destaca entre as experiências nacionais pelo seu caráter pioneiro. Desde os anos 80 os moradores desta vila lutam em defesa de suas terras contra a especulação imobiliária, com um vasto histórico de conquistas. Atualmente, são centenas de pesquisadores, estudantes e turistas de várias partes do Brasil que visitam o local para conhecer a maneira como essa comunidade encontrou de preservar a cultura e a natureza. Qualquer morador pode construir seu próprio estabelecimento ou se juntar ao grupo de prestadores de serviço.

Hospedagem, alimentação, serviço de guia, passeios de Bugue possuem percentuais diferenciados de contribuição para o Conselho de Turismo. O recolhi-

“O atrativo desse tipo de turismo são lugares com tranquilidade, o sossego, a natureza e o cotidiano da vida local.” mento varia de R$5 a R$50 por mês. Um condutor de trilha, por exemplo, paga o valor mínimo. Já aquele que possui uma

pousada com até 5 apartamentos paga o valor máximo. O Conselho fornece a capacitação necessária para viabilizar a inclusão daquele morador interessado na atividade desejada e auxilia na construção do estabelecimento. “Desenvolvemos atividades em benefício de todos. Já tivemos parte do nosso dinheiro arrecadado aplicado na merenda escolar, no posto de saúde, na organização da Festa dos Idosos, em casas soterradas. Agimos de acordo com a demanda da comunidade”, explica o coordenador de Turismo, Antônio Aires. A infra-estrutura da Prainha do Canto Verde é simples, mas sempre supriu a demanda turística anual de forma satisfatória. Com o crescimento gradual anualmente, a necessidade de investimentos fala alto. “Seria interessante construirmos 91


Fotos: Diogo Arakilian

Fotos: Raquel Gonçalves

viagens

Falésias coloridas em Ponta Grossa.

“Desenvolvemos atividades em benefício de todos. Agimos de acordo com a demanda da comunidade.” Antônio Aires, coordenador de Turismo. um estacionamento na entrada da cidade para diminuir o fluxo de carros na vila”, sugere René Scharer. O suíço, que mora na comunidade desde 1992, foi peça fundamental na organização da comunidade, conseguindo financiamentos internacionais para projetos, articulando encontros e

criando o Instituto Terramar, ONG atuante em defesa dos povos do mar. Todas as sugestões dos moradores para a comunidade são analisadas em assembleias e avaliadas. “Nós já começamos a ter uma demanda de visitantes maior que o número de pousadas que possuímos. Quando isso acontece, nós desocupamos algumas casas para receber os visitantes e apresentar nosso trabalho. Mas precisamos melhorar nossa estrutura. Por exemplo, não possuímos um restaurante noturno. Este serviço ainda está nas mãos dos proprietários das pousadas que acabam cozinhando para os hóspedes”, avalia Antônio Aires. Nem tudo são flores Desde 2009, quando a comunidade finalmente conseguiu a assinatura do decreto de criação da Reserva Extrativista

Paredão de falésias em Ponta Grossa, município de Icapuí

– RESEX (processo que se estendia desde 2001), algumas dissidências locais apareceram. De acordo com René Scharer, as desavenças internas surgiram principalmente quando um empresário da região que não possuía a documentação regulamentada de seu terreno teve sua propriedade ameaçada, depois de perder uma ação de usucapião na justiça. Ele tentou convencer alguns moradores de que a RESEX seria prejudicial para os moradores, alegando que a Associação teria entregado as terras da comunidade para o governo. “Estas brigas internas não afetarão o desenvolvimento do Turismo Comunitário da Prainha do Canto Verde. Nossas conquistas vêm de anos de trabalho e já estão bem consolidadas. A maioria dos moradores percebe que este empresário está agindo por interesse próprio e não em nome da comunidade”, destaca otimista René Scharer.

Companheiros de luta Em parceria com as lideranças da Prainha do Canto Verde, a comunidade de Ponta Grossa se espelhou no exemplo pioneiro e, desde 1998, também desenvolve o Turismo Comunitário e Sustentável. Localizada a 200 km da capital, Ponta Grossa é uma das 13 comunidades litorâneas do município de Icapuí. Possui 240 moradores e guarda um areal colorido de histórias. Há quem diga que naquelas terras Vicente Pinzón chegou ao Brasil antes do marco oficial de Pedro Álvares Cabral, em 1500. Com uma infra-estrutura modesta, a praia de Ponta Grossa oferece um serviço de qualidade, com moradores extremamente hospitaleiros. Com a defasagem da pesca e o aumento da demanda de visitantes, o Turismo Comunitário apareceu como uma solução sustentável

para a comunidade. “Uma atividade não elimina a outra. O turismo precisa da atividade da pesca artesanal para o peixe chegar até o turista fresquinho”, explica Eliabe Crispyn, coordenador do Turismo Comunitário de Ponta Grossa que, atualmente, ocupa um cargo técnico na Secretária de Turismo da Prefeitura de Icapuí. “Nós hoje sabemos exatamente o que queremos. Nós temos muitos exemplos no entorno de comunidades que deixaram de ser protagonistas de seus negócios para serem funcionários de grandes empreendedores”, desabafa. Arqueologia de várias cores Arqueologia, história, sossego, tranquilidade, turismo responsável e frutos do mar. Se estes temas lhe interessam, sua parada é em Ponta Grossa. Começando pelo paladar, a dica é o desbunde 93


Fotos: Diogo Arakilian

Fotos: Raquel Gonçalves

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Jangada na praia de Ponta Grossa, município de Icapuí

Talheres de prata compõem os objetos do “mini-museu” do

Fotos: Raquel Gonçalves

Fotos: Raquel Gonçalves

Prainha do Canto Verde, município de Beberibe.

Com a defasagem da pesca e o aumento da demanda de visitantes, o Turismo Comunitário apareceu como uma solução sustentável para a comunidade. gastronômico que o Festival da Lagosta proporciona aos amantes do crustáceo. Em novembro de 2011, ele chegou a sexta edição, atraindo turistas de vários estados. Todos os restaurantes da Praia

entram no circuito com pratos requintados a preços jutos. Vale a pena conferir. Para descansar o corpo no fundo da rede, a pedida vai para a Pousada Refúgio Canaã (R$ 60, o casal). A proprietária Dona Santana, 57 anos, recebe os turistas com sorriso no rosto. Ela adora jogar conversa fora, mas avisa logo àqueles que querem tirar o sossego da comunidade: “Se vier ligando som alto, fazendo bagunça, pode parar. Se não arruma a malinha e vai embora”, dispara Dona Santana. Além dos quartos, a pousada também disponibiliza chalés individuais com camas de casal e solteiro, frigobar, ventilador e varanda espaçosa. Durante o dia, não deixe de fazer o passeio de jangada (R$10 por pessoa), com direito a demonstração da pesca artesanal e mergulho com peixes e corais. Aproveite o fim de tarde para

Fotos: Raquel Gonçalves

colecionador arqueólogo Josué Crispim

Conhecido como Nem, apelido de infância, o pescador Júlio prepara a

Peças encontradas nos sítios arqueológicos de Ponta Grossa

rede na Prainha do Canto Verde, município de Beberibe.

por Josué Crispim, município de Icapuí.

fazer a trilha ecológica e admirar o pôr-do-sol do alto das falésias. Com guias locais capacitados, a trilha ecológica (R$ 30) tem 1km de extensão e dura cerca de 1h20, passando pelas dunas e sítios arqueológicos. O guia Ozéas Ferreira, 37 anos, explica que apesar de ter muitas subidas e descidas, o caminho está todo sinalizado. “Eu falo um pouco da cultura local, fauna, flora, da luta pela preservação. Adoro meu trabalho!”, conta. A trilha termina na beira da praia, no pé da duna. Sugiro uma pausa para o banho nas piscinas naturais que se formam em volta das pedras quando a maré está baixa. Inesquecível! Embora o passeio de Bugue esteja entre os atrativos de Ponta Grossa, é necessário cuidado na hora de contratar o serviço. Assegure-se de que o bugueiro é da Ponta Grossa e irá respeitar os limi-

tes dos sítios arqueológicos que existem na região. O passeio pode ser feito pela orla do município de Icapuí (64km), indo até a divisa do estado do Rio Grande do Norte ou em direção a praia de Canoa Quebrada, passando por fontes naturais de água doce, coqueirais, labirinto e esculturas de falésias. O problema é que muitos bugueiros de Canoa Quebrada vendem os passeios até a Ponta Grossa passando por cima das dunas, garantindo “emoção” aos turistas e degradando a natureza. Apesar da mobilização da comunidade, infrações como estas ainda são comuns na região. Visite a casa de Josué Pereira Crispim. Este homem de 53 anos já soma 30 de escavações arqueológicas e mais de 2 mil objetos encontrados. Ele guarda a história do município de Icapuí num quartinho de sua humilde casa e segue na luta

pela construção de um museu em Ponta Grossa. Arqueólogo por natureza, Josué visita os sítios diariamente e afirma sem medo: “Sou especialista na área, mas acadêmico nunca. Eu não preciso disso. Aprendi no campo!”, orgulha-se. Parte do material coletado por Josué já foi catalogado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Objetos como cachimbos indígenas, fragmentos de cerâmica, ponta de lança, pedras lascadas, moedas e até talheres marcam a presença indígena e a passagem holandesa pela região. “Eu encontrei peças aqui que já estão catalogadas no Museu Nacional. Mas meu sonho é construir o museu de Ponta Grossa”, partilha. Vale um dedo de prosa com esse sábio homem Icapuiense. 95


Foto: Raquel Gonçalves

viagens

Linha do horizonte em Icapuí.

SOMBRA E ÁGUA FRESCA

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ada vez mais o Turismo Comunitário se fortalece graças às redes de integração entre as experiências espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. A Prainha do Canto Verde integra a Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM), que conta com mais 12 comunidades em todo o estado. Os roteiros paradisíacos são bastante econômicos. Vale a pena conferir! A pousada Sol e Mar, uma das pioneiras da Prainha, oferece seis apartamentos confortáveis com frigobar, ventilador, rede, camas de casal e solteiro (R$ 60, casal). Mas o ponto forte do aconchego da Aila e do João, os proprietários, são as varandas no primeiro andar. O vento constante dispensa qualquer ar condicionado. Perfeito para embalar o descanso na rede. O café da manhã é regado de sucos, frutas, café, leite, pão, queijo e tapioca com manteiga. Tudo de dar água na boca. Durante o dia, a indicação é caminhar na praia, tomar banho de mar e almoçar no restaurante da Pousada Recanto da Mãezinha, na beira da praia. O cardápio variado oferece peixes, camarões e lagostas frescas. O Peixe ao Molho de Manga

(R$ 40) é uma iguaria da casa e agrada aos paladares mais exóticos. Serve bem 2 pessoas e acompanha salada, arroz e farofa. Outro prato suculento é a tradicional Moqueca de Arraia, servida com leite de coco. A arraia desfiada vem macia e bem temperada, sem uma espinha sequer. Vale a pena experimentar como tira gosto (R$ 15) ou como prato principal para 2 pessoas (R$ 30), acompanhando arroz, farofa e salada. A Pousada Recanto da Mãezinha também tem boa estrutura e é ótima pedida para quem quer usufruir de apartamentos com ar condicionado e piscina (R$100, casal). No final da tarde, se ainda tiver disposição para uma trilha sobre as dunas, espere o sol baixar, contrate um guia (R$ 25) e siga para a lagoa do Córrego do Sal. A caminhada dura cerca de uma hora e a recompensa é garantida. O oásis no meio das dunas possibilita uma paisagem deslumbrante. Se preferir, alugue um Bugue (R$ 100, para 4 pessoas) e aproveite o passeio com duração de 2 horas. Para o jantar, encomende uma Peixada a Aila (R$ 30, para 2 pessoas), acompanhado de pirão e arroz branco. O peixe vem regado no delicioso caldo de

legumes cozidos. Ela fará com dedicação e capricho, enquanto você toma uma cervejinha (R$ 4, 600ml) na varanda da casa. O local ainda é o único que oferece uma cerveja gelada até perto de meia-noite, se tiver movimento. As redes consolidam as experiências de Turismo Comunitário, legitimando e divulgando as iniciativas por meio da internet. Além da Rede Tucum, outras organizações mapeiam as iniciativas. No Brasil, a Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário (TURISOL) consolida experiências de várias partes do país, promovendo a integração entre comunidades ribeirinhas de Santarém – PA, quilombolas de Itacaré – BA, assentamento em Quixadá – CE, artesãs de Coqueiro do Campo – MG, desde 2003. No contexto sul-americano, a Bolívia possui o Plano Nacional de Turismo integralmente dedicado ao fomento do Turismo Comunitário desde 2006. Em níveis continentais, merece destaque a Rede de Turismo Comunitário da América Latina (REDTURS) que congrega iniciativas de 13 países.

Serviço: Redes www.tucum.org (Brasil) www.turisol.org.br (Brasil) www.redturs.org (América Latina) www.tusoco.com (Bolívia) www.turismocomunitario.ec (Equador)

Experiências brasileiras www.prainhadocantoverde.org (Ceará) www.acolhida.com.br (Santa Catarina) www.aldeiadoslagos.com (Amazonas) www.viverde.com.br (Amazonas) www.fundacaocasagrande.org.br (Ceará) www.mamiraua.org.br (Amazonas) www.projetobagagem.org (São Paulo) www.graosdeluzegrio.org.br (Bahia) www.saudeealegria.org.br (Pará) www.redecananeia.org.br (São Paulo)

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comidas

O DOCE CAFEZINHO CAIÇARA Texto e Fotos Thereza Dantas

Fotos: Fotos:Luis Thereza Santos Dantas

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eber chicaras de café durante o dia é um hábito dos brasileiros. Importante iguaria da nossa culinária e principal produto de exportação produzida no país durante muitos anos, o café dominou a paisagem da região Sudeste e gerou um curioso casamento: o café coado no caldo de cana. O café caiçara como é conhecido o

café coado no caldo de cana, é muito apreciado na região que abrange os litorais sul carioca, paulista e paranaense. Para o casal Marineli Mendonça Viana e José Luiz Barros Gonçalves, o Kinho, o café caiçara tem gosto de tradição familiar. “O café caiçara é uma receita da minha mãe, a Dona Patica”, explica Kinho. De família caiçara de Paraty, o Kinho é um comerciante que já trabalhou com

verduras e hoje vende café caiçara na barraca com seu nome na Feira Municipal de Paraty, cidade do litoral sul fluminense. Durante vinte anos o casal cuidou de uma quitanda nesse endereço mas com o crescimento da cidade e o surgimento de supermercados, veio a necessidade da mudança no perfil do ponto comercial. Hoje a Barraca do Kinho é o lugar onde se encontram os moradores de 99


Fotos:Thereza Dantas

comidas

Etapas do preparo do café caiçara

Paraty para tomar o café caiçara e provar a poçoca de banana da terra com toucinho e o cuscus. “São comidas típicas da nossa gente e que são ótimas para saborear no meio da manhã ou no final da tarde”, explica Marineli. Nessa sociedade quem raspa e moe o caule da cana é o Kinho e quem coa, é a Marineli. “Tem alguns cuidados para se fazer o café caiçara. Primeiro ao ferver o caldo da cana é importante retirar a borra, senão você não consegue coar. E é bom esquentar o pó de café numa chapa antes de coar”, avisa a comercian-

te. Segundo Marineli, o ato de esquentar o pó do café na chapa o deixa mais gostoso e espalha um perfume pela Feira. Mas há um outro segredo: o uso de pouco pó de café. “Se colocar muito pó, a pessoa não percebe o sabor do caldo da cana”, avisa Marineli. E de onde veio a ideia de unir o caldo da cana com o café? “Nos tempos antigos muitos não tinham como comprar o açúcar mas tinham canas plantadas nas fazendas e sítios. Era só moer, ferver e adicionar o café e já saia assim: bem docinho”, explica Marineli.

Receita do Café Caiçara Ingredientes 2 caules médios de cana-de-açúcar uma colher e meia de sopa de café Modo de preparo Raspar oa casca dos caules e moer num moedor de cana de açúcar. Ferver o caldo da cana numa panela e após a fervura retirar a borra com uma escumadeira. Colocar o pó do café no coador de pano e jogar o caldo de cana fervente. Esperar coar e servir. Serve quatro pessoas.

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É ARTE PÚBLICA! E TÁ NA RUA Da Redação

Foto: Divulgação

Fotos: Divulgação

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O MAPA DA CULTURA

“Não podemos vender o melhor que temos para dar” Amir Haddad.

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grupo e ponto de cultura Tá Na Rua há trinta e dois anos reflete sobre a realidade política, social e cultural da sua cidade e sobre o papel do artista na sociedade. Sempre se colocando como resistência aos modelos capitalistas de produção – onde tudo está a venda e tudo tem seu preço. Com isso o grupo desenvolveu uma arte que se faz e se produz para todos, sem distinção de classe e nenhuma outra forma de discriminação, podendo assim ocupar todo e qualquer espaço, e com plena função social de organizar o mundo. Chegamos ao que entendemos como Arte Pública, que não é e nem pode ser produção do Poder Público. Não é! Mas cabe ao Poder Público reconhecer sua existência e importância. E como faz com as Artes Privadas, criar para elas Politicas Públicas de estímulo e amparo. É isso que a Prefeitura da Cidade do Rio de

Janeiro, através da Secretaria de Cultura, em uma atitude extremamente moderna e contemporânea, está fazendo ao apoiar projetos que vão ao encontro direto da população carioca. O projeto Arte na Praça é resultado dessas reflexões. E com uma linguagem profundamente ligada às raízes populares brasileiras, e mais especificamente à cultura carioca, nos programamos para acompanhar o calendário litúrgico da cidade. Com muito teatro e muita festa, ocuparemos as praças levando um pouco das nossas crenças, da nossa ancestralidade, dos nossos problemas e principalmente do nosso enorme amor pela nossa cidade maravilhosa. Nossas trouxas já estão prontas! E até outubro de 2012, estaremos circulando pelos quatro cantos da cidade, com os espetáculos: “Auto de Carnaval”, “A Revolta de São Jorge Contra os Invasores da Lua”, “Antônio de Lisboa e a Sereia do

Fundo do Mar” e “Cosme e Damião”. Serão ao todo vinte apresentações. Gostaríamos de convidar a todos para o grande lançamento do projeto que será no dia 02 de março às 16hs na Cinelândia, e contará com a presença de representantes da Saúde Pública e o grupo teatral Cia Brasileira de Mystérios de Novidades. E para abrir os festejos, o grupo irá apresentar o seu “Auto de Carnaval”. Espetáculo de cordel que conta a história das festas carnavalescas desde suas origens remotas no homem das cavernas, passando pelos rituais dionisíacos, pelo carnaval venezianos, até o carnaval em todo Brasil. A arte pública se realiza no contato direto do artista ou de sua obra com a população, sem distinção de nenhuma espécie. Neste sentido o teatro de rua é a modalidade que mais se aproxima de um conceito antigo e moderno do que pode ser a Arte Pública. Venha conferir!!

Serviço: Projeto Arte na Praça 2012 Confira a programação completa que acontece durante o ano nas ruas e praças do Rio de Janeiro no site: www.tanarua.art.br

CANDANGA Da Redação Fotos: Divulgação

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Cartografia da Cultura Candanga é um mapa das entidades culturais da capital federal do país para orientar brasilienses, turistas, governos e estudiosos sobre os seus processos e atuação. Seu objetivo fundamental é mapear os grupos e as entidades ligadas ao fazer cultural em Brasília e extrair diagnósticos do setor, para o melhor entendimento de como esse fazer cultural se organiza e se articula, para uma visualização qualificada da rede formada por esses atores e agentes. Segundo Raoni Machado, coordenador do mapa cultural; “o desenvolvimento deste projeto permitirá o acesso às informações detalhadas sobre o cenário cultural da cidade e a cadeia produtiva, com as possibilidades que se abrem no campo das associações e empreendimentos”. Com isso, ganham todos. O grande público, composto por moradores da região e turistas, que terão oportunidade de conhecer os grupos, as informações detalhadas e as atividades culturais desenvolvidas na região; assim como, os grupos e as associações, que terão os seus trabalhos divulgados, potencializando as atividades por eles

Metodologia de uma cartografia

desenvolvidas. Seja pelo aumento do número de pessoas que visitarão os espaços e participarão das atividades, seja pelas possibilidades de novas oportunidades no campo da economia da cultura. Por fim, o Estado, que terá um instrumento eficiente para subsidiar a elaboração de políticas públicas e ações pertinentes ao campo cultural da região. Desenvolvida pelo Ponto de Cultura “Artéria – Cultura e Cidadania”, a Cartografia da Cultura Candanga em sua primeira versão, em 2009, mapeou e diagnosticou um objeto amostral de 39 grupos e 75 equipamentos culturais. Na segunda versão, em 2011, chegou a 59 grupos e com o mesmo número de equipamentos.

Em cada visita foi aplicado um questionário para o coordenador ou o responsável pelo grupo, e questionários para aqueles que participavam de ao menos uma das atividades desses grupos. Os contatos com os grupos inicialmente se basearam em três tipos de listas públicas: - lista dos Pontos de Cultura do MinC, - a lista de Entes e Agentes Culturais da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, - as listas das Administrações Regionais do Distrito Federal. Para Raoni Machado, mudanças metodológicas devem acontecer. “Sabemos que não foram identificados todos os espaços, tampouco todos os grupos atuantes nas cidades do DF. A partir de 2012, o mapeamento será feito de uma nova forma, mais dinâmica e democrática. Buscaremos aperfeiçoar esta ferramenta, já disponível em nosso site www.redecandanga.com em sua versão interativa, para que haja o auto-mapeamento desses grupos. Através do preenchimento de um rápido formulário, ou pelo envio de informações para o email redecandanga@gmail.com, os grupos serão identificados no mapa virtual”, avisa. 105


Esta nova metodologia, segundo o coordenador, é mais econômica e pode atingir um número maior de atores e instituições culturais. “Frente à pesquisa de campo e aplicação presencial de questionários, essa ação é mais econômica, permite maior alcance em menos tempo e, principalmente, é sustentável, no sentido de permitir a atualização periódica dos dados, uma vez que o setor cultural é extremamente dinâmico: muitos grupos nascem, outros fecham as portas, mudam de endereço, alteram suas atividades, passam a atuar em novos projetos, enfim, é preciso utilizar uma metodologia que dê conta de captar este dinamismo, assim como criar indicadores, que apreendam as especificidades de cada segmento ou circuito cultural, muitas vezes sem um respaldo metodológico”, avalia. O coordenador Raoni Machado respondeu algumas perguntas via e-mail para a revista RAIZ. RAIZ.: Como surgiu a necessidade da impressão da Cartografia da Cultura Candanga? Raoni Machado: A publicação da Cartografia, também disponível de forma interativa e com registros audiovisuais dos grupos culturais mapeados em nosso portal (www.redecandanga.com), é importante como veículo de informações para turistas e para as pessoas do DF e entorno que ainda não conhecem o portal. Esta é uma estratégia para divulgação do nosso portal Rede Candanga, além de ser um mapa cultural útil de ter sempre em mãos para quem quiser conhecer o universo cultural da região.

RAIZ.: Os dados culturais incluem informações do DF e as cidades satélites, quais são as áreas que merecem mais atenção? Teatros, salas de cinema ou oficinas? Raoni Machado: Na primeira edição foram mapeados 39 grupos e associações culturais e 75 equipamentos culturais, e na segunda edição ampliamos o mapeamento para 59 grupos e associações. Segundo Frederico Soares, geógrafo que fez o seu mestrado na Universidade de Brasília sobre a Catografia da Cultura Candanga e teve participação fundamental na sua construção metodológica, entre os dados que chamam atenção, na primeira edição, observa-se que, do total de grupos mapeados, mais da metade possuem atividades de ensino voltadas para o teatro, mas apenas 14% dos entrevistados indicaram uma frequência mensal ou semanal ao teatro, e o restante dos entrevistados indicou que raramente vão ao teatro ou que nunca foram ao teatro. O padrão de resposta que indica que a maior parte dos entrevistados nunca foi ou raramente frequenta um equipamento cultural se repete quando relacionado a outras atividades de formação. Ou seja, normalmente, os entrevistados que participam de alguma atividade ligada ao audiovisual nunca ou raramente foram ao cinema, assim como pessoas ligadas ao desenvolvimento de artesanato nunca ou raramente foram a museus (incluindo aí centros culturais). Assim, a pesquisa indica que esses grupos mapeados possivelmente são a única forma de contato que os entrevistados possuem com algum tipo de atividade cultural. É claro que toda in-

formação relacionada a esse trabalho deve levar em consideração que essa não é uma pesquisa amostral e que esses dados refletem apenas a realidade dos entrevistados (363 no total, na sua maioria estudantes entre 12 e 24 anos). A baixa frequência nesses espaços está associada a fatores sociais de maior densidade, como a segregação socioespacial que concentra equipamentos (principalmente museus, centros culturais e teatros) no Plano Piloto, Região Administrativa distante da residência de grande parte dos entrevistados. A concentração de equipamentos culturais no Plano Piloto é o inverso da distribuição da população, já que a maior parte da população encontra-se na região que abrange Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, Riacho Fundo e Recanto das Emas. É justamente na região de maior população que estão localizados os agentes mapeados com maior articulação, ou seja, com maior comunicação com outros grupos, o que, dentro da uma concepção de rede, é fundamental para o dinamismo do setor. Os de maior articulação desta rede são os Pontos de Cultura. RAIZ.: Vocês afirmam que há mudanças na relação do Estado com a Cultura. Você poderia citar alguns exemplos nas esferas municipais, estaduais e federal? Raoni Machado: Sabemos que desde a gestão do Gil, iniciada em 2003, cresceu o entendimento das dimensões simbólicas, econômicas e cidadãs como parte das variadas práticas culturais. Essa compreensão ampliada do conceito de cultura, dentro do âmbito político-governamental, demandou novos modelos de gestão, onde os concei-

tos de participação social, gestão compartilhada, formação de redes, mapeamento, etc., ganharam mais força. A formulação e implementação de políticas culturais parece, enfim, que ganhou uma maior vinculação com a realidade, transformando a forma de fazer política desde um escritório na esplanada, distante e desinteressada das dinâmicas e especificidades das realidades culturais que compõem o universo das culturas brasileiras. Esta proximidade com a realidade obriga, também, à transversa-

“Existe uma grande distância entre a poesia dos conceitos, a inovação da proposta de gestão e a realidade” lidade das políticas. Na prática, sabemos que cultura não se desvincula de educação, de saúde, de cidadania, enfim, está permeada e permeia todos os fatores da vida das pessoas. Logo, uma política que quer ser efetiva, deverá considerar isso. Os PPAs, desde o ano passado passaram a incorporar esta visão, permitindo que um ministério aloque ações e recursos em outros ministérios, aumentando a integração entre eles e com suas respectivas vinculadas. O resultado efetivo,

ainda não sabemos. Mas eu considero uma tentativa válida. Primeiramente em âmbito federal e, hoje, em todos os âmbitos, o Programa Cultura Viva, tendo os Pontos de Cultura como carro-chefe, é um exemplo desta mudança de paradigma de que falávamos. A proposta de “desvendar o Brasil Profundo”, “de massagear os pontos vitais, adormecidos, do corpo cultural do país”, idéias sempre reforçadas pelo ex-Ministro Gil e o então Secretário da Cidadania Cultural, Célio Turino, idealizadores do Programa, nunca tiveram tanta força no universo político da cultura. O modelo de gestão também é algo inovador em diversos pontos, por exemplo, na tentativa de aproximação da gestão política e econômica entre Estado e sociedade civil, que prevê a gestão de dinheiro público ao longo de 3 anos pelo Pontos; no forte papel desempenhado pelo Conselho Nacional dos Pontos de Cultura – CNdPC nas decisões políticas tomadas com relação aos Pontos; na utilização dos Pontos de Cultura para implementação de outras ações governamentais, inclusive advindas de áreas outras que não a cultura; na utilização, por parte da sociedade civil, dos Pontos como canais de comunicação com o Estado; entre outras. Claro que existe uma grande distância entre a poesia dos conceitos, a inovação da proposta de gestão e a realidade. Os aperfeiçoamentos são necessários, e o próprio ministério vem reconhecendo isso, impulsionado pelas pesquisas elaboradas pelo IPEA que, apesar de 107


não incluir os aspectos intangíveis da experiência de ser um ponto de cultura, apontam para modificações necessárias. A reivindicação por marcos legais que facilitem a prestação de contas e contratação de serviços é um dos temas mais discutidos. Outra forte reivindicação, mais ampla, mas ainda tocante ao marco legal, se refere à legislação que rege o funcionamento de organizações não-governamentais que, ao se basearem em contextos externos, não se adequam à realidade do setor cultural brasileiro, tal como a determinação pela proibição da remuneração dos membros da direção de uma OnG. A articulação em rede, apesar de ser um dos conceitos originários dos Pontos e do Programa Cultura Viva, é um outro ponto fraco. O MinC tem tentado compartilhar responsabilidades e aumentar a capilaridade do Programa, passando para as secretarias estaduais a responsabilidade pela implementação dos pontos e de sua articulação em rede. Mas existe muito por fazer. Vejo este processo, apesar das críticas feitas, não sem embasamento, como um amadurecimento para ambos os lados, Estado e sociedade civil organizada. Todas estas propostas são muito recentes. Acho fundamental o momento de avaliação e a posterior correção de distorções. No nível distrital, universo que conheço mais de perto, a reestruturação do Fundo de Apoio à Cultura – FAC – trouxe avanços, ao meu ver, para região do Distrito Federal: a ideia de dinamizar o

processo lançando mais editais por ano; de iniciar uma integração concreta entre as esferas nacional e distrital do Estado por meio da plataforma SALIC WEB, do Ministério da Cultura; e preocupação por ampliar e aumentar o fomento da cadeia produtiva por meio da divisão dos editais em ações da cadeia produtiva (Apoio ao Registro e à Memória, Apoio à Montagem de Espetáculos, Apoio à Difusão e Circulação, Apoio à Manutenção de Grupos e Espaços, Apoio à Criação e Produção; e Indicadores, Informações e Qualificação); a preocupação por escutar os segmentos em avaliações coletivas do fundo, com a participação da sociedade civil. As perspectivas que se abrem com a implementação do Sistema Nacional de Cultura e das metas do Plano Nacional de Cultura que permeiam os exemplos acima, são animadoras. Os desafios são enormes, mas, como vocês podem ver, eu sou otimista. Acredito na construção política feita nos últimos nove anos, apesar de alguns câmbios de concepção durante o caminho, que servem, também, para amadurecer a crítica e aumentar a definição dos objetivos a serem alcançados. RAIZ.: A criação de redes - virtuais e presenciais - tem dado bons resultados na relação com o Estado? Raoni Machado: Acho que a palavra rede tem sido uma das mais faladas no universo cultural. A disseminação da ideia, por vaga que pareça e por polêmi-

ca que seja, é interessante, mas eu acho que precisa haver maior alinhamento deste conceito por parte do Estado. Muito vezes escutamos a palavra rede sem saber do que trata: pode ser um grupo de email, uma lista de contatos ou um grande número de pessoas, grupos e/ou instituições em comunicação constante. Outras vezes, o conceito é muito bem construído e na prática aquilo não acontece. O conceito ou a discussão sobre, uma vez que existem uma grande pluralidade de conceitos, ainda não está bem apropriada pelo Estado. No campo das redes, o Estado precisa aprender muito com a sociedade civil, afinal foi em seu interior que elas nasceram, muito antes, inclusive, de terem este nome. As redes estão por aí, crescendo em diversidade e em número de pessoas. As redes estão cada vez mais em rede. Essa foi uma relação entre pessoas que os meios de comunicação, principalmente na internet, onde é possível a contra-hegemonia, consolidaram. Não tem volta. O Estado vai precisar lidar com isso, inclusive apropriando conceitos para aumentar a efetividade de suas ações. Quer dizer, executar as suas ações

em rede é fundamental para o Estado. Por isso o Sistema Nacional de Cultura é tão interessante e parece apontar para resultados expressivos. Diversos princípios da teoria e da prática das redes podem eventualmente ameaçar as gestões de governo pelo

“No campo das redes o Estado precisa aprender muito com a sociedade civil, afinal foi nela que nasceram as redes.” poder político descentralizado que têm: horizontalidade, gestão compartilhada, transversalidade, livre adesão, autonomia, enfim, são conceitos revolucionários que precisam mesmo ser estudados e trabalhados cuidadosamente, evitan-

do distorções de poder. Os conceitos citados muitas vezes não são alcançados plenamente, nem mesmo por grupos anarquistas da sociedade civil, quanto mais pelo Estado. Acho que a sociedade civil tem mesmo que forçar as mudanças, somando-se e organizando-se, mas também precisa entender a dificuldade que é incorporar estes conceitos na dinâmica do Estado, que é mais rígida. Digo isso para o caso brasileiro, onde, por incipiente que seja, existe uma intenção da inclusão social nos processos de decisão política. Em outros contextos, como o que levou à primavera árabe, o embate mais radical foi necessário. Acho que o diálogo entre sociedade civil e Estado é tímido e precisa ser ampliado. O Estado precisa se apropriar das discussões sobre rede, dos modelos de redes para as suas ações e criar os meios para escutar a sociedade organizada. A sociedade precisa qualificar as críticas, compreendendo a dinâmica do Estado. Acho que esse é o caminho para o diálogo construtivo e para as necessárias mudanças.

Serviço: Para ter acesso a Cartografia da Cultura Candanga entrar em contato com a Artéria – Cultura e Cidadania Fone: (61) 3964-0661 Emails: redecandanga@gmail.com / shantijardim@hotmail.com / vick.educavida@gmail.com Site: www redecandanga.com Registro audiovisual dos grupos mapeados: www.redecandanga.com/cartografia. 109


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MINC DÁ INÍCIO AOS INVESTIMENTOS DO FUNDO NACIONAL DE CULTURA DE 2012 Da Redação Fotos: Divulgação

Ministra da Cultura Ana de Hollanda

A

primeira reunião da Comissão do Fundo Nacional da Cultural (FNC), realizada no dia 6 de março, possibilitou que a ministra Ana de Hollanda anuncie os investimentos do fundo neste 8 de março com mais de 50% dos seus recursos já com destinação definida. Assim, do orçamento de R$ 256 milhões do FNC em 2012, nada menos que R$ 133 milhões (ou 51,95%) já têm rumo traçado.

Alguns projetos se destacam, inclusive pela magnitude dos recursos que receberão. O Programa Cultura Viva terá um total de R$ 46 milhões, sendo R$ 35 milhões dedicados ao empenho da segunda e da terceira parcelas dos convênios em andamento; outros R$ 11,6 milhões se voltarão ao edital Pontões de Cultura. Mas o fundo alavancará um leque amplo de rubricas, que vão da economia criativa ao patrimônio, passando pela

área do livro e leitura e financiamento de microprojetos e outras (veja planilha com áreas e valores). Economia Criativa – No que se refere ao Projeto Criativas Birô, que evidencia o avanço da Economia Criativa como um dos temas do MinC, o FNC reservou R$ 16 milhões para as 12 unidades que serão instaladas das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014. Os Criativas Birô são voltados ao atendimento e suporte téc-

nico de profissionais e empreendedores criativos. Chegam no momento em que o Brasil dá um salto em função dos projetos relacionados ao Plano de Aceleração do Crescimento que impactam diretamente o cenário do Mundial de futebol. No âmbito da Funarte, os micro-projetos culturais para a Bacia do São Francisco receberão R$ 16,8 milhões. Serão 1.050 projetos contemplados com R$ 15 mil cada para o desenvolvimento das suas

propostas. O programa engloba um total de 500 municípios na região do rio. Na área do livro e leitura, foram reservados pelo FNC cerca de R$ 10,5 milhões. A maior parcela –R$ 5 milhões– ficará para o edital de incentivo a feiras do livro de estados e municípios. O programa Bolsas de Tradução, de internacionalização da literatura brasileira, dedicará R$ 1,5 milhão; a promoção do livro brasileiro na Feira de Bogotá 111


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Os perna de pau do Ilu Obá De Min

ILÚ OBÁ DE MIN,

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A FORÇA DAS MULHERES PARA A CULTURA NEGRA

(Colômbia), que homenageará o Brasil e cuja abertura ao público será em 18 de abril, terá R$ 1 milhão. R$ 16 milhões para o Pelourinho – O FNC destinou também recursos para a recuperação de imóveis no Pelourinho, no centro histórico de Salvador. Dos 111 casarões sob risco de desabamento, 70 se inserem em área tombada pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Para este ano já estão destinados R$ 16,9 milhões para contratação das obras de estabilização dos imóveis. Adicionalmente, o MinC está recebendo cerca de R$ 300 milhões para as

Praças dos Esportes e da Cultura, que fazem parte do PAC. “Isso é importante para que possamos entender que o recurso para esse programa não compete com os recursos de nosso orçamento. Pelo contrário, é um fator que agrega, uma importante conquista, pois o valor representa mais do que o orçamento total do FNC”, afirma o secretário-executivo do MinC, Vitor Ortiz. A Comissão do Fundo Nacional da Cultura (CFNC) é responsável por apreciar e orientar os processos públicos de seleção de projetos, avaliar as programações específicas, políticas nacionais e setoriais, entre outras atribuições.

Suas decisões servem para subsidiar a aprovação final pelo MinC. A Comissão é presidida pela ministra Ana de Hollanda. Dela também fazem parte secretários e presidentes das instituições vinculadas do Sistema MinC (Funarte, Ibram, Iphan, Casa Rui Barbosa, Fundação Cultural Palmares, Ancine e Fundação Biblioteca Nacional).

Da Redação Fotos Acervo Associação RAIZ.

M

ulheres tocando tambores e homens dançando os orixás parece uma inversão de valores, mas não é. O Ilú Obá De Min – Educação, Cultura e Arte Negra é uma entidade feminina atuante, Ponto de Cultura com vários projetos em andamento como oficinas, aulas, cineclubes, banda afro e outros. Fruto de um trabalho desenvolvido ao longo de vinte anos de pesquisa, tendo como base as culturas de matriz africana

e afro-brasileira. O objetivo é preservar e divulgar a cultura negra no Brasil, mantendo diálogo cultural constante com o continente africano através dos instrumentos, dos cânticos, dos toques no processo de fortalecimento das mulheres na sociedade. Criado por Beth Beli e Adriana Aragão, esta, uma rara mulher que tem a permissão de tocar os tambores sagrados dos cultos afro-brasileiros dos terreiros em São Paulo. O grupo Ilú Obá De Min vem se firmando como nome

importante dentro da cultura afro-brasileira e da cena musical paulistana. Participando múltiplos eventos como a noite de premiação da Mostra Internacional de Cinema Negro, ‘Colombia Y Brasil a Una Solo Voz”, comemorações dos Aniversários da cidade de São Paulo, Parada GLBT, Congresso Internacional de Psicoterapia Corporal, recepção da Delegação de Mali em Diadema, exposição de Pierre Verger no Masp, encontro Quilombos do Brasil e, principalmente, do carnaval de rua paulistano. 113


O carnaval é o momento onde todas as atividades do Ilu Obá De Min convergem, em suas saídas para interação com a cidade e o público. Torna assim possível, o envolvimento de muitos na alegria genuína do carnaval nas ruas do centro de São Paulo, sob um prisma diferente de arquitetura, espaço, ocupação.

Realizando um trabalho sério e comprometido, o Ilu Obá De Min não para de crescer seus participantes e suas atividades. Este ano o grupo mal cabia nas ruas centrais da cidade com seus adereços, batuques e pernas de pau, cercado pela multidão que se divertia e conhecia um pouco mais de nos-

sa cultura afro, pela voz e mãos das mulheres do Ilú, como a entidade é carinhosamente chamada.

O Ilú Obá De Min realiza hoje cinco projetos: Bloco Afro Ilú Obá De Min: para divulgar as tradições percussivas, musicais e coreográficas africanas e afro-brasileiras a partir de oficinas de rua para mulheres. Banda Ilú Obá De Min: de pesquisa musical. Composta por 30 mulheres ritmistas tocando djembês, alfaias, ilús, agogôs e xequerês. Corpo de baile Ilú Oba De Min: com seu trabalho voltado para a dança. Ilú na Mesa ciclo de palestras e debates: voltado à promoção do debate sobre temas voltados para educação, cultura e arte negra. Triunfo das Heranças Africanas: para divulgar e dialogar com os inúmeros grupos culturais brasileiros com ações voltadas para as culturas de raiz africana. Os orixás representados

Serviço: Ilú Obá De Min - Educação, Cultura e Arte Negra Alameda Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos São Paulo/SP Fone: (11) 3222-5566 Site: www.iluobademin.com.br O Ilú Obá De Min recomenda: www.criola.org.br www.palmares.gov.br www.planalto.gov.br/seppir www.cultura.gov.br www.amulherada.org.br www.casadeculturadamulhernegra.org.br www.sec.rj.gov.br/atabaquevirtual www.cedefes.org.br/new

A bateria de mulheres


O QUE É DE RAIZ TAMBÉM ESTÁ NA REDE O tambor de crioula, o maracatu, o carnaval de rua, o cordel. A Arte e a Cultura de do nosso Brasil vem que cada canto, de cada gueto, vem do sertão, vem do artesão mineiro, da escritora baiana, do cordel pernambucano, da pintora catarinense, vem da Raiz do nosso país.

E da Raiz., vai pra todos os lugares. Onde existir alguém conectado vai haver um artista brasileiro em destaque, seja nas páginas impressas da Raiz., no Portal, no tablet ou nas redes sociais.

A #NovaRevistaRaiz vai trazer muito mais informação, dicas e acesso a uma cultura genuinamente brasileira.

www.revistaraiz.com.br www.facebook.com/revistaraiz youtube.com/revistaraiz @revistaraiz



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