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POR QUE SOU A FAVOR DO TRATAMENTO PRECOCE

Um tipo de tratamento precoce que podemos fazer enquanto sociedade: um pacto de entendimento de que o capitalismo não vai dar conta de nos tirar dessa situação porque foi ele que nos trouxe até aqui

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Eu não tenho muito problema em afirmar que tratamento precoce contra a Covid-19 existe e funciona. Ele envolve, pra início de conversa, comer e dormir bem. Acho, aliás, que todos nós deveríamos estar fazendo esse tratamento e me causa enorme tristeza saber que apenas alguns têm esse privilégio.

Estamos comendo cada vez pior e dormindo cada vez menos. Numa sociedade orientada exclusivamente para o trabalho remunerado, e valoriza enquanto pudermos produzir. Depois disso, estamos prontos para o descarte. Quem tem um trabalho fora de casa normalmente passa o dia inteiro nessa função, chega tarde, precisa seguir trabalhando porque preparar o jantar, cuidar de filho, lavar e pendurar a roupa, arrumar a cozinha e esfregar o banheiro são atos que constituem trabalho. Não remunerado, claro, mas também trabalho.

Mesmo aos que podem pagar alguém que execute as tarefas domésticas, não garante uma boa noite de sono. Contas atrasadas, salário, ser demitido e preocupações com os preços do supermercado que não param de aumentar: tudo colabora para que a gente durma pouco e mal. Já aos que estão se tratando precocemente têm tempo para dormir, não têm dívidas impagáveis, meditam, fazem exercícios físicos, conseguem prestar atenção no que comem

,ingerem em boa parte apenas o que é saudável e visitam médicos regularmente.

São pessoas que têm a possibilidade de estarem no exercício de suas criatividades – um direito que deveria ser de todos porque se houver uma natureza humana ela passa pela capacidade que temos de ser criativos. Todos nós temos talentos, mas nem todos podem se dar ao luxo de buscar saber que talento é esse porque estão preocupados apenas em sobreviver.

Outro tipo de tratamento precoce é um pacto de entendimento de que o atual sistema econômico, chamado capitalismo, não vai dar conta de nos tirar dessa situação, até porque foi ele que nos trouxe até aqui. O desmatamento desenfreado das nossas florestas para que a pecuária se desenvolva e a soja seja plantada, para então virar ração animal são causas de pandemias na medida em que, ao deteriorarem um ecossistema, provocam a migração de espécies que, fora de seu habitat, interagem com o ser humano e fazem nascer novos vírus.

A Covid-19 não é a primeira e não será a última pandemia. Antes dela houve outras mais letais – o Ebola, por exemplo – e outras mais contagiosas, como o sarampo. Da próxima vez talvez a gente não tenha tanta sorte e precise lidar com um vírus que seja tão contagioso quanto o sarampo e tão mortal quando o Ebola.

A gente divide esse planeta com uma infinidade de outros seres vivos e seria importante que entendêssemos que não somos os protagonistas dessa história. Se a gente deixar de existir amanhã, todo o sistema Terra floresce. Se os insetos deixarem de existir amanhã, não duraremos mais 50 anos. Ainda assim, a arrogância humanaW faz com que a gente se sinta a espécie mais inteligente e poderosa. Não somos. E se conseguirmos a façanha de nos auto-extinguir estaremos certamente entre as espécies mais estúpidas que já passaram por esse planeta tão lindo e gentil.

O sistema econômico, as relações de produção, o dinheiro, o capital, o lucro, a propriedade privada, o complexo sistema financeiro que faz com que os ricos fiquem muito mais ricos através de transações complicadíssimas não são leis da natureza. Eles foram criados por alguns homens – portanto, pela raça humana – e podem ser destruídos.

É razoável supor que se tudo o que a gente fez de bom até aqui foi através da solidariedade e da comunidade, da troca de conhecimento e de experiências passando de geração para geração, então o espaço do comum deveria ser mais fértil às nossas imaginações. Nossa espécie se desenvolveu porque é capaz de atuar de forma colaborativa. Essa é a melhor explicação para o nosso – até aqui – sucesso evolutivo. Mas o acúmulo de riqueza, e portanto de poder, está criando a ilusão de que existimos separadamente.

Jeff Bezos não criou a Amazon sozinho. Steve Jobs não criou a Apple sozinho. Bill Gates não criou a Microsoft sozinho. Todas essas criações têm, na origem, investimento público e conhecimento compartilhado. Mas o sistema é perverso e atua de modo a esconder nossa participação no sucesso ilusoriamente individual de alguns.

O fato é que já sabemos que, sozinhos, não vamos sobreviver, ainda que meia dúzia de famílias consigam realizar o sonho já iniciado de, em algumas décadas, colonizar Marte. Nossas chances de sobrevivência reside na nossa capacidade de colaborar; como comunidade ainda temos uma chance. A hora é agora. E nem um minuto depois disso.

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