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O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
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FUCAPI
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Charles Clement Adalberto Val José Arnaldo de Oliveira
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Pó
Ano I - Número 1II - Dezembro de 2003 . ISSN - 1678-3824 Publicação Quadrimestral da FUCAPI - Fundação Centro d Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica.
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serragem da madeira Roxinho, também cha
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T&C Amazônia
Biopirataria desafia o Brasil a Tomar conta da Amazônia age m
Reportagem
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Mu ira pir a
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Estratégias do governo para resgatar a economia e preservar os recursos naturais do Estado
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectivas Moisés de Souza Marcos Silveira Maria Rosélia Lopes Lisandro Vieira Edson Guilherme Armando Calouro Elder Morato
Cava a co de serragem da madeira da Macacaú b
ac acaú ba
Entrevista com Virgilio Viana ,Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas
Pó d
M da a r i e serragem da made
E D I TO R I A L
SUMÁRIO
No atual estágio evolutivo da sociedade, o conhecimento tem alcançado o status de principal propulsor da produtividade e, conseqüentemente, do desenvolvimento econômico. Contribui de modo efetivo para a construção de uma realidade para a qual tem sido cunhado o termo sociedade do conhecimento. A conquista de um nível superior de qualidade de vida para uma parcela cada vez mais significativa de cidadãos – um objetivo a ser coletivamente perseguido – não é um desafio a ser sobrepujado apenas pela ampliação da capacidade da sociedade de gerar ou absorver conhecimento. É necessário, sobretudo, disseminá-lo, permitindo a sua disponibilização e uso ampliados, estimulados por esse compromisso com a construção do bem comum. A mesma perspectiva que impõe ao conhecimento uma performance econômica, catapulta ao desempenho de um novo papel – agora de protagonistas – as variáveis informação, tecnologia e aprendizado. Associada a uma crescente codificação do conhecimento, observa-se uma demanda por soluções cada vez mais arrojadas para a transmissão dos grandes volumes de informação. Com isto, ampliam-se as redes de comunicação, que por sua vez provocam a sofisticação dos requisitos técnicos vigentes. Estas são as características do ambiente no qual tem germinado a sociedade da informação. A sociedade do conhecimento acelera o metabolismo da sociedade da informação, e vice-versa. A informática é um instrumento crucial para ambas. Tomando parte nessa estimulante discussão, T&C Amazônia dedica o espaço desta edição a uma diversificada combinação de relato de projetos, apresentação de idéias e opiniões, contribuições através de textos técnicos. Um mosaico,
ENTREVISTA Estratégias do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado Virgílio Viana........................................ 02 REPORTAGEM Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia.............................07 De Espécies a Especiarias Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca, Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi....16 O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Charles R. Clement, Alberto L. Val, José Arnaldo de Oliveira...............................21 REPORTAGEM A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia.............32 Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - AM Andréa Viviana Waichman, João Tito Borges...................................................39 Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva Moisés B. de Souza, Marcos Silveira, Maria Rosélia M. Lopes, Lisandro Juno S. Vieira, Edson Guilherme, Armando M. Calouro, Elder F. Morato.......................44 Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativas para a Planetaridade Sustentável Maria Katherine Santos de Oliveira, Regina Melo..........................................56
em escala reduzida, representando as inúmeras possibilidades de abordagem do amplo alcance da informática.
Um tema
sempre atual, renovado, e talvez por isso mesmo inesgotável. O propósito deste volume está fundamentalmente voltado ao fomento de uma discussão que, justamente por essa
Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importação + Industrialização Orientada para as Exportações Antônio José Botelho............................60
amplitude, exigirá sequência em edições futuras. E T&C Amazônia não se furtará a oferecer espaço a esses desdobramentos. Os editores.
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus Maciel, Jussara Socorro Curi, Nogueira, Vicente Paulo Queiroz..........................67
Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado
ESTRATÉGIAS DO GOVERNO PARA RESGATAR A ECONOMIA E PRESERVAR OS RECURSOS NATURAIS DO ESTADO Declarando-se comprometido com a efetiva implantação de um modelo econômico que promete resgatar não só a dignidade da sobrevivência no interior do Estado, como a ética e as relações da geração atual com as gerações futuras, o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Governo do Amazonas, VirgílioViana, aposta da posição estratégica do Estado, que é o menos degradado, e do País - o primeiro no ranking mundial dos países com maior cobertura de florestas,
para
estabelecer
parcerias
internacionais e assim incentivar a inovação tecnológica e uma maior acesso dos produtores locais ao mercado justo. Nesta entrevista à T&C Amazônia, Virgílio Viana descreve os caminhos do projeto Zona Franca Verde e fala também como
QUEM É VIRGÍLIO VIANA
pretende estimular o desenvolvimento, garantindo, ao mesmo tempo, a preservação
Ph.D. formado pela Universidade de Harvard,
ambiental no Amazonas, que já conta com um
professor da Esalq/USP e secretário de Meio
área protegida, correspondente ao território total
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do
da Costa Rica ou da Suíça. Ele não só acredita
Estado do Amazonas (SDS).
que isto é possível, como afirma ter nas populações tradicionais da Região os seus maiores aliados. T&C Amazônia - O que é o programa Zona Franca Verde (ZFV) e em que contexto ele se insere?
VV - É um programa de desenvolvimento sustentável que tem os tripés convencionais da sustentabilidade econômica, social e ambiental. 2
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado
Uma preocupação com a ética e as relações
e que envolvem articulações de quinze
da nossa geração com as gerações futuras. Ele
secretarias
se insere num contexto de um Estado que é o
mesorregionais, algumas dessas ações
maior do Brasil, é o menos degradado e é, depois
desenvolvidas pela própria Secretaria do Meio
do Brasil, o segundo lugar no ranking
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Uma
internacional de cobertura de floresta tropicais.
delas está relacionada com o estímulo ao
É um Estado que tem uma posição estratégica
manejo florestal de pequena escala, onde nós
não só para o Brasil como para o mundo.
já tivemos um número muito grande de ações
Possuímos uma área superior à
feitas.
Há
em
torno
também
de
o
programas
estímulo
ao
existente na República Democrática do Congo,
etnodesenvolvimento dos povos indígenas por
segundo colocado no ranking mundial dos
meio do planejamento participativo com as
países com maior cobertura de florestas
comunidades indígenas. O licenciamento
tropicais. O Brasil é o primeiro colocado. Por
ambiental, o estímulo à produção de borracha
isso, essa posição estratégica do Amazonas
e da castanha, enfim, são diversas realizações,
precisa ser utilizada com inteligência,
como a educação ambiental, em parceria com
transformando essa riqueza em oportunidade
a Seduc e outras diversas parcerias com
para a melhoria da qualidade de vida,
secretarias de Governo. Além disso, podemos
especialmente
incluir a criação de novas unidades de
dos
segmentos
mais
empobrecidos da população.
conservação no Estado.
Além disso, o Programa Zona Franca
As prioridades do programa incluem
Verde foi concebido com a missão de enfrentar
ações emergenciais de melhoria de saúde e
os descaminhos sociais e ambientais que
educação, combinadas a ações de melhoria da
acompanham o Amazonas desde o pós-ciclo
segurança alimentar, de manejo sustentável de
econômico da borracha, no início do século
recursos florestais e pesqueiros, além da
passado, aliados aos desafios proporcionados
proteção ambiental. A estratégia é baseada num
pelas imensas distâncias, heterogeneidades,
enfoque de cadeia produtiva, direcionado para
dificuldades logísticas e custos de transporte
resolver os gargalos identificados pelos atores
do maior Estado brasileiro. O resultado disso
sociais e agentes econômicos envolvidos.
criou grandes bolsões de pobreza e
Esses desafios são diversos: regularização
analfabetismo, com fortes identidades culturais,
fundiária, crédito, assistência técnica,
sociais e étnicas.
tecnologias de produção e gestão apropriadas, infra-estrutura de transporte, energia e
T&C Amazônia - Quais os projetos
comunicação; dentre outros.
que a Secretaria do Meio Ambiente está desenvolvendo como prioritários entre os
T&C Amazônia - O Governo do
inúmeros que compõem o Zona Franca
Amazonas
Verde?
compromisso com a conservação ambiental.
é
reconhecido
por
seu
De que maneira a Secretaria do Meio VV - São projetos direcionados para
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
ações multisetoriais, de caráter transdiciplinar
pretende estimular o desenvolvimento e ao
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
3
Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado
mesmo tempo garantir a manutenção dos
institucional da área de ciência e tecnologia se
recursos naturais da Região?
deu somente agora. Um exemplo prático disso é a parceria com a FUCAPI, com quem estamos
VV
-
Estamos
promovendo
a
implementando um programa de apoio ao Pólo
conservação dos recursos naturais criando
Moveleiro de Itacoatiara, incorporando tecnologia
novas unidades de conservação com um total
de design e fabricação de móveis, em
de 4, 2 milhões de hectares de áreas protegidas
colaboração com o SENAI, SEBRAE, prefeitura,
no Estado, o que equivale mais ou menos ao
empresas privadas (Mil Madeiras e Gethal) e
tamanho da Costa Rica ou Suíça. Estamos
associações de produtores locais.
também estimulando o uso sustentável dos recursos naturais por meio de uma nova lei de
T&C Amazônia - Qual o papel que a
incentivos fiscais que promove a produção
Fapeam vai desempenhar no incentivo à
sustentável e desestimula o desmatamento e
inovação? Que estratégias o Governo do
uso predatório da floresta.
Amazonas pretende adotar para consolidar
Medidas de ordenamento ambiental e
a marca Amazônia, a nível internacional?
lazer começam a ser implementadas com apoio de parcerias internacionais junto às reservas de
VV - A Fapeam já vem desempenhando
desenvolvimento sustentável, florestas
um papel muito importante no que diz respeito
estaduais, reservas extrativistas, parques
à inovação tecnológica uma vez que ela é a
estaduais e outras unidades de conservação,
instituição responsável por isso. E o Governo
pelo Ipaam e Florestas do Amazonas.
do Amazonas tem a intenção de fortalecer aquilo que é sua logomarca original, o nome
T&C Amazônia - Como o Estado do
Amazonas. E isso está sendo feito por meio da
Amazonas pretende incentivar a inovação
associação do estado e das políticas de governo
tecnológica de forma a se ampliar o leque
com o desenvolvimento sustentável. Uma face
dos produtos amazônicos? Alguma interface
disso é o estímulo às empresas que são do
com as instituições de ensino e pesquisa?
Estado, para que elas associem os seus produtos a este programa.
VV - A inovação tecnológica é fundamental e para isso o Governo do Amazonas
T&C Amazônia - Os produtos
via Secretaria de Ciência e Tecnologia e da
amazônicos, embora bastante demandados
Fapeam vem desenvolvendo diversos
no
programas. Um deles é o Programa Ciência e
esbarrando nos padrões de exigência de
Sustentabilidade, voltado exatamente para
qualidade. De que forma o Governo
resolver os gargalos tecnológicos das cadeias
pretende certificar a qualidade dos produtos
produtivas relacionadas com o desenvolvimento
amazônicos e não só a procedência deles?
mercado
internacional,
acabam
sustentável, e aí se encaixam a produção florestal, pesqueira e a agropecuária. Então,
VV - Nós pretendemos usar a
esta é a forma de parceria com as instituições
certificação como uma estratégia central das
de pesquisa do Estado e essa construção
políticas de Governo. Inclusive na própria lei de
4
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado
incentivos fiscais inserimos o reconhecimento
sim, segmentos que promovem isso e que,
da certificação como algo que merece um
aliás, promoveram a destruição da mata
tratamento diferenciado. Nós estamos
atlântica brasileira. Mas nos temos também, e
trabalhando com sistemas de certificação que
muitas vezes isso passa despercebido,
são aceitos no mercado tanto nacional quanto
populações indígenas, pescadores e ribeirinhos
internacional, e nós queremos fazer com que a
que conservam a cobertura florestal. É funda-
certificação se dê dentro dos mais exigentes
mental que a comunidade nacional e
padrões de qualidade que hoje são aceitos no
internacional de outros países veja nestas
mundo.
populações tradicionais os aliados mais importantes para a promoção e a conservação
T&C Amazônia - Que canais ou
da Amazônia.
possibilidades de acesso ao mercado justo o programa do Governo do Estado pretende implantar?
T&C Amazônia - E quanto à proteção dos produtos decorrentes do incentivo à inovação e dos muitos que já estão no
VV - O mercado justo cresce bastante.
mercado? Qual a política para as patentes?
O Estado já tem acesso a isso e o melhor exemplo seria a exportação de guaraná dos
VV - É fundamental fazer com que estes
indígenas saterês maué, na região de Maués,
produtos tenham a sua proteção devida como
para a Itália, que consegue um preço muito su-
forma de incentivo ao desenvolvimento de novas
perior ao praticado no mercado normal. Nós
tecnologias e novos processos. É muito
estamos trabalhando com diversas parcerias
importante considerar o direito autoral das
nacionais e internacionais, com objetivo de
populações indígenas e tradicionais que
acessar o mercado justo ou mercado solidário.
possuem um saber muito valioso e que,
Existem outros projetos que estão em
freqüentemente, não é adequadamente valorado
discussão como o cacau, a madeira, o cipó e
e recompensado pelos sistemas de produção
vários outros.
do mundo.
T&C Amazônia - A imagem que o brasileiro tem no mercado internacional é de que não tem consciência ecológica e não sabe cuidar da Amazônia. O senhor acha que este pode ser um empecilho ao acesso ao mercado justo? Qual a estratégia para se reverter a negatividade dessa imagem?
T&C Amazônia - Para produzir e concorrer nos mercados nacional e internacional e também para ter visibilidade nas estatísticas de geração de empregos, os pequenos fabricantes precisam estar formalizados. De que maneira acontecerá o incentivo à legalização? VV - A legalização está sendo feita por
VV - Não diria que a imagem é assim. A
meio de vários programas. Um deles é o Projeto
imagem de que o brasileiro não tem consciência
Cidadão
ambiental, talvez, não seja apropriada para a
documentação dos indivíduos. Além disso, nós
sociedade brasileira como um todo. Nós temos
estamos trabalhando com o objetivo de agilizar
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
que
estimula
o
acesso
à
5
Estratégia do Governo para Resgatar a Economia e Preservar os Recursos Naturais do Estado
as ações de legalização de todos os agentes
construir uma ampla rede de parcerias, acima
econômicos, especialmente, na área ambiental.
de interesses partidários, vaidades individuais
O incentivo aos pequenos produtores é um dos
e visões coorporativas.
pontos estratégicos do programa de Governo. Um deles é o cartão Zona Franca Verde, que é um programa de crédito desburocratizado que vai de R$ 200 a R$ 3 mil para o cidadão que normalmente está à margem do sistema. Não tem conta bancária, não possui garantias para empréstimos e precisa de pequeno aporte de recursos para melhorar sua capacidade de produção. T&C Amazônia - De que forma a secretaria do Meio Ambiente quer combater a Biopirataria, uma vez que sabemos que a criação de uma legislação específica para preencher o vácuo jurídico que existe em relação à preservação ambiental é fundamental, mas não é tudo? Que outras medidas serão tomadas? VV - Ao nosso ver a melhor forma de combater a biopirataria é estimulando o uso sustentável da nossa biodiversidade. É muito difícil fazer com que tenhamos sucesso apenas com as ações de polícia e de fiscalização. Nós precisamos
fazer
com
que
a
nossa
biodiversidade seja usada, em primeiro lugar, por nós mesmos. Para isso precisamos ter muita competência e muita qualidade tecnológica e capacidade de gestão empresarial de pequenos, médios e grandes negócios, especialmente aqueles voltados para o uso sustentável da biodiversidade. A implementação do desenvolvimento sustentável do Amazonas não é o desafio de um Governo apenas, mas sim, da sociedade toda. Sem isso nosso futuro e o dos nossos filhos e netos estará comprometido. Precisamos 6
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
BIOPIRATARIA DESAFIA O BRASIL A TOMAR CONTA DA AMAZÔNIA Com
5
milhões
de
hectares,
correspondentes à metade de todo o Território Nacional,
e uma bacia hidrográfica que
concentra um terço de toda água doce existente no planeta, a Amazônia Brasileira está sendo alvo de uma escalada crescente por seus recursos naturais, devido à ação dos chamados biopiratas, em sua maioria turistas e pesquisadores estrangeiros, que fazem o contrabando das riquezas da fauna e da flora amazônica, movimentando mundialmente US$ 20 bilhões / ano e constituindo a que hoje já é a terceira atividade ilícita do planeta, graças sobretudo ao interesse da indústria químico farmacêutica
internacional em conhecer e
absorver como matéria-prima as 20 mil espécies botânicas e as mais de 100 mil espécies de bichos, vertebrados, invertebrados e microorganismos da Região. Apesar de tão rica e por isso mesmo exaltada no mundo inteiro, entretanto, a Biodiversidade Amazônica continua a ser um desafio para todos que por ela se interessam . Os pesquisadores que se dedicam a estudar a diversidade da vida na Região, se ressentem de que até agora somente 1% de todo o potencial amazônico seja conhecido e que, por falta de fundos de amparo à pesquisa, o Brasil, muitas vezes, tenha que comprar de fora uma tecnologia desenvolvida a partir de uma amostra furtada da sua Amazônia. Nesta reportagem, eles são uníssonos ao afirmar que a falta de uma política nacional estratégica para orientar
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
7
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
as ações de Ciência e Tecnologia, a falta de
recursos genéticos e modelos moleculares que
interesse e investimentos em pesquisa no Brasil
venham a beneficiar a indústria químico -
e a incapacidade, também brasileira, de se
farmacêutica é enorme. Segundo ele, o “grande
transformar conhecimento em inovação são os
caldeirão” em que a Natureza trabalha ao longo
principais fatores
para que o interesse
de tantos anos, gerando e mantendo a vida ,
internacional recaia de forma cada vez mais
apesar da agressão das devastações, é
acentuada sobre a Região, embora a
inimitável até pelo mais moderno e bem
inexistência de uma legislação que permita punir
equipado laboratório do mundo, e que por este
a biopirataria também seja uma dificuldade a
motivo torna-se, cada vez mais, foco da
ser vencida.
atenção mundial, que tem a biopirataria apenas como uma de suas facetas.
O BRASIL PRECISA ASSUMIR O COMANDO E DEFINIR AS REGRAS O INTERESSE INTERNACIONAL PARA O INTERCÂMBIO Para se combater a biopirataria é preciso
Quase tão atraente quanto a diversidade
que se compreenda cada um dos fatores que
da vida na Amazônia para os grandes
contribuem para a sua existência, ou seja, a
laboratório internacionais - segundo ele - são
consciência internacional cada vez mais clara
os conhecimentos tradicionais, que embora já
sobre as múltiplas possibilidades oferecidas pela
não sejam os mesmos, devido à grande erosão
vida na Amazônia; a inexistência de uma política
cultural sofrida ao longo dos últimos anos, ainda
nacional estratégica para Ciência e Tecnologia;
são muito expressivos e determinantes quanto
o interesse crescente pelos conhecimentos
se trata de economizar tempo e reduzir custos
tradicionais, que reduzem o tempo e o custo
nas pesquisas científicas. “Mexer no caldeirão
das pesquisas científicas; a defasagem brasileira
que a Natureza criou custa caro, frente a enorme
em pesquisa, desenvolvimento e produção; a
diversidade” – afirma o professor – e é aí que
falta de uma legislação que regule a exploração
os conhecimentos tradicionais, que na sua
dos recursos naturais e, ainda, a exclusão
opinião já deveriam, há muito, ter sido
social. A opinião é do pesquisador e professor
equiparados em importância às outras formas
da Universidade Federal do Amazonas,
de conhecimento e ao conhecimento científico,
Frederico Arruda, recentemente nomeado
tornam-se
também o presidente do Grupo de Trabalho de
consequentemente interessantes para os
Assessoria e Articulação – GTAA, criado pela
financiadores da biopirataria. “O binômio grande
Assembléia Legislativa do Estado para a
extensão de biodiversidade X conhecimento
formulação de um Anteprojeto de Lei para
tradicional é irresistível para quem sabe
disciplinar o acesso aos recursos genéticos do
transformar conhecimento em inovação” -
Amazonas.
destaca.
Frederico
Arruda
explica
que
Outro
ainda
mais
aspecto
de
valiosos
e
fundamental
considerando-se a grande extensão do cinturão
importância que o Brasil precisa corrigir para
de biodiversidade existente ao longo da linha do
efetivamente combater a Biopirataria – na opinião
equador, a possibilidade de se encontrarem
de Arruda - é a exclusão social, que vitima a
8
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
grande maioria da sociedade brasileira e que
Amazonas é categórico ao afirmar que uma
pode ser considerada um fermento para o tráfico
política estratégica de C&T é fundamental e
de recursos genéticos e modelos moleculares.
decisiva , pois jamais o Brasil conseguirá
Ele explica que os excluídos da Amazônia
vencer sozinho o desafio de conhecer e
perderam o mítico, a cosmovisão e até o sentido
explorar de forma sustentável a biodiversidade
de beleza dos conhecimentos tradicionais, mas
amazônica. A estratégia, portanto, a ser
não perderam o conhecimento em si, real e
adotada, segundo ele defende, é a de
objetivo, até porque para sobreviver precisam
intercâmbio em pesquisa, desenvolvimento e
aplicá-lo diariamente e assim tornam-se
produção com os países do Primeiro Mundo,
cúmplices da biopirataria, que passa a tirar
que “é o que vai abrir caminho também para
proveito destes excluídos, da mesma forma que
que possamos usufruir de uma repartição justa
o narcotráfico do Rio de Janeiro usa aqueles
e equitativa sobre a exploração dos recursos
que vivem nos morros cariocas.
genéticos nacionais, como se apregoa nos
O foco do interesse internacional pela
meios jurídicos”. Para Frederico Arruda, a
Amazônia associado à realidade social do País
realidade atual pode ser lida da seguinte forma
e à total inexistência de uma política nacional
: o Brasil tem a Amazônia, mas não a conhece
estratégica para as atividades de Ciência e
e nem dispõe de recursos para conhecê-la e
Tecnologia, voltada toda a biomassa brasileira,
muito menos explorá-la, enquanto o Primeiro
incluindo não só a Amazônia, mas também Mata
Mundo dispõe dos recursos, reconhece o valor
Atlântica, Serrado e Alagados, tornam-se fatais
da Amazônia, mas não possui a Amazônia e
para estimular os biopiratas e as indústrias que
como o Brasil não tem política, nem Lei para
os patrocinam, sobretudo considerando-se que
regular e disciplinar a exploração da Região, o
eles são muito melhores que os brasileiros
único meio do acesso internacional torna-se a
quanto se trata de pesquisa, desenvolvimento
biopirataria. Essa realidade, segundo Frederico
e produção. Segundo Frederico Arruda,
Arruda, é um contra-senso. Na opinião dele, o
enquanto o Brasil não adotar uma estratégia de
Brasil precisa assumir o comando e determinar
relacionamento internacional em relação à
as regras .
biodiversidade amazônica, a biopirataria vai
Ao definir uma política estratégica de
continuar a existir, a despeito de todas as ações
C&T o País vai estimular – segundo o professor
punitivas que se queira adotar, até porque com
- também os investimentos de empresas
o avanço tecnológico as amostras que
idôneas que têm interesse de investir na
interessam aos grandes laboratórios podem ser
Amazônia, mas que por não terem uma
enviadas por meios virtuais e livres de qualquer
definição clara de seus direitos e deveres,
tipo de fiscalização. “As medidas punitivas são
abandonam a idéia e lançam - se em outras
importantes e precisam existir, mas não são
investidas, bem distantes daqui. “ O Brasil perde
decisivas “- arremata.
por todos os lados” – enfatiza Arruda.
ESTATÉGIA PARA PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO O professor da Universidade do T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Neste
sentido ele destaca também a importância de se implementar uma legislação que discipline o acesso aos recursos genéticos brasileiros, uma vez que, no seu entendimento, a MP 2186 -16 9
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
de 2000, além de inibir a pesquisa básica, nada
os direitos das populações detentoras deste
acrescenta de efetivo para o controle da
conhecimento. Para Frederico Arruda este
biopirataria. “Sem definição de como a
dispositivo é importante não só no presente
exploração deve ser feita, acaba-se por ter que
como também no futuro próximo e distante, pois
conviver com ela de forma ilícita e desordenada,
possibilita o resgate das bases, hoje perdidas,
além de perderem-se os investimentos idôneos
da cultura tradicional. No anteprojeto proposto
“- destaca.
pelo GTAA o conhecimento tradicional é também equiparado ao conhecimento científico.
LEGISLAÇÃO EM BLOCO
Outro benefício contemplado no anteprojeto, que Frederico Arruda destaca como
Especificamente sobre legislação, o
de especial importância, é o que determina que
professor apregoa a implementação de uma
para acessar a biodiversidade no Estado do
legislação geral para o acesso à biodiversidade
Amazonas, quer para fins de pesquisa, quer
amazônica e a ela se relacionando um conjunto de leis estaduais, que contemplem as peculiaridades de cada Estado. Ele recomenda ainda que na legislação a ser adotada nacionalmente estejam previstos acordos com os demais países amazônicos, justamente para garantir uma coerência legislativa da Amazônia como um todo frente às negociações internacionais. Frederico Arruda enfatiza que implementar a legislação é fundamental também para se criar e consolidar uma consciência nacional e internacional sobre a importância da fauna e da flora amazônicas.
OS GANHOS PARA O AMAZONAS Como presidente do GTAA, grupo de trabalho que elaborou o anteprojeto que Lei para disciplinar o acesso à Biodiversidade no Amazonas, Frederico Arruda explica que a proposta dispõe também sobre a proteção do patrimônio genético , o conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios, no âmbito estadual, e que se aprovada em forma de Lei trará ganhos bastante significativos. Entre eles, ele destaca um inédito sistema de registro do conhecimento tradicional, que coloca nas
para fins comerciais, os interessados terão, obrigatoriamente, que estabelecer um acordo de parceria com pelo menos uma das instituições locais de ensino, pesquisa e desenvolvimento, que por sua vez deverão estar devidamente credenciadas. Ele explica que esta é uma importante garantia para assegurar que o conhecimento sobre a biodiversidade esteja em nossas mãos, ou seja, para “evitar que outros saibam mais sobre a nossa região do que nós mesmos” – arremata. Concluindo a sua análise, Frederico Arruda arremata que o combate efetivo à biopirataria passa por um ciclo de fatores que interagem entre si , como ele destacou, e que ao invés de se debater contra uma realidade irrefutável o que o Brasil precisa fazer é aumentar a sua competência como detentor das riquezas amazônicas, ditar as regras e assumir o comando de um amplo intercâmbio internacional para fins da preservação e da exploração responsável da Amazônia.
Biopirataria deve ser vista como oportunidade para inovação
mãos do Estado a responsabilidade pela guarda deste conhecimento, bem como de assegurar 10
Para Charles Clement, pesquisador do T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
Inpa na área de botânica, a biopirataria precisa
biodiversidade amazônica, que reúne cerca de
ser vista como um sinal do mercado ou uma
180 línguas indígenas nativas, 5 a 7 mil animais
oportunidade para se redirecionar a pesquisa
vertebrados, 15 a 20 mil espécies de plantas
científica no Brasil, que ainda peca por valorizar
superiores, 20 a 100 mil microorganismos, e 1
projetos totalmente desconectados da demanda
a 10 milhões de animais invertebrados. Em
mercadológica e que por isso mesmo, em sua
contrapartida, o pesquisador informa que
maioria, acabam por não obter aplicabilidade
somando-se o conhecimento científico ao
prática. Sobretudo quando se trata de pesquisas
conhecimento tradicional, acumulados ao longo
sobre a biodiversidade amazônica, segundo
de 10 mil anos de investimentos financeiro e
Charles Clement, transformar conhecimento
vivencial , não se chegou ainda a 1% de
em inovação continua sendo um desafio que
conhecimento da biodiversidade amazônica, já
só pode ser vencido com a união da cultura
incluindo as plantas medicinais que ele
científica e tecnológica, geradora do
considera as “vedetes” do interesse e do
conhecimento, à cultura empreendedora,
noticiário internacional.
geradora das idéias inovadoras. Para defender
Para ilustrar o quanto é complexo de falar
o seu ponto de vista, entretanto, o botânico diz
da bioamazônia, Charles Clement enfatiza que
ser necessário considerarem-se uma série de
somente 100 espécies comestíveis são
fatores e, sobretudo a magnitude do universo
atualmente conhecidas e que destas apenas
ao qual se referem as pesquisas na Amazônia.
duas, milho e mandioca, se tem em domínio e
Para Clement, a afirmação de que o
isto porque sempre formaram a base da
futuro da Amazônia está ligado à sua
alimentação indígena. Ele cita também os
Biodiversidade, idealizada como o “ouro verde”
animais, entre os quais apenas o pato se
e difundida como fonte inesgotável de riquezas,
conseguiu domesticar até hoje. Analisando
não passa de um sonho, uma vez que para se
todos os dados que apresenta, o pesquisador
fazer uma afirmação é necessário que se
conclui que qualquer afirmação categórica
conheça a realidade a que ela se refere e no
sobre a biodiversidade amazônica não
caso da Amazônia o conhecimento ainda é , e
corresponde à realidade, uma vez que não se
não se pode afirmar que um dia deixará de ser,
sabe ainda o que ela, efetivamente, nos oferece
um grande desafio. Para fundamentar a
ou desafia a conhecer e usufruir. Clement
irrefutável amplitude bioamazônica, o
comenta que “por traz da arrogância da nossa
pesquisador se socorre da legislação que define
ciência, temos muito mais a aprender do que a
biodiversidade como a “variabilidade de
afirmar”.
organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, ecossistemas
A FALTA DE INVESTIMENTOS
terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que
Prosseguindo em sua análise sobre a
fazem parte; incluindo ainda a diversidade
potencial biodiversidade amazônica e as
dentro das espécies e dos ecossistemas”.
dificuldades que se precisa ultrapassar para
A partir do que afirma MP 2186-16 de
conhecê-la, Charles Clement destaca a falta
2000, ele destaca os grandiosos números da T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
11
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
de investimentos públicos em pesquisa ,
com todos os investimentos feitos ao longo de
informando que os grandes laboratórios
10 mil anos não conseguimos conhecer 1% da
internacionais, que movimentam cerca de 350
nossa biodiversidade, quantos mais serão
bilhões de dólares por ano, investem mais em
necessários até que possamos afirmar que
pesquisa e desenvolvimento do que o Ministério
pode existir exploração sustentável para a
da Ciência e Tecnologia do Brasil tem investido
biodiversidade amazônica?
até hoje. Ele fala de 300 a 350 milhões de
“O desafio é enorme e precisamos
dólares para obtenção de um só remédio, o que
entender que sem esforços efetivos, será
justifica o enorme interesse no acesso ao
impossível vencê-lo “- afirma Charles Clement,
conhecimento tradicional indígena, também
acrescentando que sempre que houver um
fruto
e
potencial não conhecido e portanto não
experimentação. O pesquisador explica que no
explorado em um determinado lugar, haverá, na
método científico, que se baseia nas
mesma proporção, pessoas de outros lugares
indagações fundamentais de se a substância
empenhadas em assumir esta exploração, o que
poder fazer efeito e em seguida de se ela não
explica a tão denunciada biopirataria na
faz mal à saúde, são necessárias cerca de 300
Amazônia. Para exemplificar o espaço vazio
mil amostras de uma planta para se chegar a
que existe entre a potencialidade amazônica e
uma média de 10 mil para serem efetivamente
o conhecimento que se tem dela, Charles
estudadas, enquanto com a união com
Clement contabiliza que existem hoje 590
conhecimento científico com o conhecimento
grupos de pesquisa, dos quais 4% de
tradicional, que já sabe por experiência pelo
encontram no Brasil e dos quais apenas a
menos a primeira resposta para as duas
metade se dedica a pesquisar a biodiversidade
indagações científicas, as pesquisas já partem
amazônica, como a Fiocruz, por exemplo, que
das 10 mil amostras úteis, proporcionando uma
por não estar situada na Amazônia, na verdade
economia de 5 a 10 anos em termos de tempo
pesquisa apenas componentes da Região.
de pesquisa e cerca de 50 % na redução dos
Paralelamente a esta falta de grupos de
custos. Neste sentido ele acredita que o Centro
pesquisa localizados na Amazônia, o
de Biotecnologia da Amazônia - CBA possa vir
pesquisador entende que a situação se acentua
a dar uma grande contribuição se efetivamente
pela grande concorrência que se registra em
se dedicar a estudar os fitofarmacos, que
torno dos insuficientes recursos do CNPQ, que
dispensam o conhecimento específico sobre
a cada 8 mil projetos apresentados , só
cada uma de suas substâncias e apresentam
consegue financiar cerca de 800, entre eles
como desafio apenas a interação delas, o que
alguns projetos do Inpa, que por sua vez muitas
pode reduzir significativamente o valor e o tempo
vezes fica sem dinheiro até para alimentar os
de retorno dos investimentos em pesquisa.
seus peixes-boi.
de
pesquisa,
observação
“Mesmo assim, entretanto, afirma, pesquisar a biodiversidade
dos
recursos
naturais
A POBREZA DA PESQUISA NO BRASIL
amazônicos ainda é um desafio também em investimentos financeiros. A pergunta que ele
“A verdade - afirma Charles Clement – é
submete à avaliação de todos é a de que se
que para se fazer pesquisa os interesses e os
12
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
investimentos precisam ser reais e efetivos e o
Aqui no Amazonas, em especial, temos
que acontece hoje no Brasil é o inverso disso.
muita biodiversidade e pouco empreendedores,
Segundo ele, as instituições de pesquisa da
e menos ainda os que efetivamente se
Amazônia, como Inpa, Goeldi, Embrapa e as
interessam pela biodiversidade. Para o
universidades possuem recursos apenas para
pesquisador,
se manterem como instituições e registram um
desproporção é a visão que se formou, viciada
déficit muito grande também em relação ao
na Zona Franca de Manaus, ao longo dos
salários dos seus melhores cérebros e por isto
últimos 30 anos. Na opinião do pesquisador, a
mesmo estão perdendo-os para o Sul, Sudeste
Zona
ou países do Primeiro Mundo, dotados de uma
empreendedoras do interior do Estado, que é
predisposição muito maior de investir em
onde se concentra a biodiversidade, e
pesquisa amazônica. Este fator, segundo
enquadrou o empreendedorismo da capital ao
Clement, faz com que o nível da pesquisa
comércio e somente agora que o modelo
científica no Brasil tenha perdido competência,
começa a dar sinais e não mais corresponder
ao longo da última década, prejudicando ainda
às expectativas de desenvolvimento, todos
mais
começam a voltar a enxergar novos caminhos
a qualidade e a confiabilidade do
conhecimento
Franca
a
maior
eliminou
causa
as
dessa
atividades
que se tem sobre a
de empreendedorismo no Estado. Ele afirma
biodiversidade regional e assim também
que ao se comparar a atual realidade econômica
acentuando o interesse internacional e a
do Amazonas e do Pará, que não sofreu
consequente biopirataria.
influência do modelo Zona Franca, percebe-se
CONHECIMENTO ALIADO ÀS IDÉIAS
lá as iniciativas empreendedoras locais são bem mais acentuadas.
Para Clement, para se combater a
Charles Clement explica também que
biopirataria é preciso em primeiro lugar reverter
muito se fala da bioripataria internacional, mas
a imagem negativa que se tem sobre ela. Para
que na verdade existe também a biopirataria
ele, que a vê apenas como a expressão da
nacional, que nada mais é do que o
demanda do mercado internacional, os sinais
aproveitamento de resultados de pesquisa
da biopirataria estão sendo desprezados
desperdiçados aqui e aproveitados pelas praças
enquanto deveriam ser aproveitados para
centrais do País. Como exemplos ele cita o
orientar a direção das pesquisas. Neste sentido,
cubiu, que foi estudado pelo Inpa durante 25 anos
ele cita o caso da aranha caranguejera, que tem
e que hoje é altamente comercializado como
hoje demanda comprovada no mercado
manã no Sul; o guaraná, cujo grande produtor
internacional e por isso mesmo deveria estar
nacional é a Bahia; e a pupunha para palmito,
também no foco de atenção dos pesquisadores.
que o próprio Clement pesquisou e que hoje é
Clement afirma que a biopirataria nasce no
altamente utilizada no Sudeste, enquanto na
grande vazio que existe entre a comunidade de
Amazônia continua a ser comida apenas como
ciência e tecnologia e o mercado e assim só
fruto cozido.
pode ser evitada com investimentos em
apropriação de um conhecimento gerado e não
pesquisa, porém orientados pela demanda do
aproveitado. Portanto, o problema não é a
mercado, ou seja, pelo empreendedorismo.
biopirataria e sim o nosso descaso com o
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
“O sentido também é de
13
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
potencial que temos à nossa frente, ou seja, a
sobre as grandes empresas internacionais de
nossa falta de empreendedorismo” - afirma,
fármacos e extratos e sobre os pesquisadores,
destacando ainda que o primeiro biopirata
que por viverem de pesquisa se sentiram
interessado no Brasil foi Pedro Alvares Cabral.
profundamente injustiçados. Neste sentido, ela
Para ele, portanto, o desenvolvimento da
faz questão de destacar que apesar de todos
Amazônia passa, necessariamente, pela
os empecilhos que a MP tem causado à
associação da geração do conhecimento, razão
comunidade científica nacional e internacional,
de ser das instituições de ensino e pesquisa, à
que desde 2001 tem muitas de suas atividades
geração de idéias, que deveria ser a principal
congeladas ou atuando na ilegalidade, a
tarefa das instituições de pesquisa e
legislação, por outro lado, obriga os
desenvolvimento e que decorre da leitura que
pesquisadores a encararem de frente problemas
só uma visão empreendedora pode fazer dos
que há muito tempo vinham sendo adiados.
sinais que vêm do mercado. A partir da parceria
Como ganho mais importante ela cita a
entre o talento do pesquisador e o talento do
necessidade de compromisso e muita
empreendedor, Charles Clement apregoa a
responsabilidade das atividades de pesquisa em
renovação do sangue das instituições locais,
relação à biodiversidade brasileira, deixando
investimentos com retorno previsível, doutores
claro que propostas de uso ou conservação
atuando em incubadoras de empresas e o
devem obedecer sempre a critérios que gerem
empreendedorismo como matéria curricular dos
repartição de benefícios e reconhecimento. Para
cursos de Biotecnologia.
exemplificar a importância da inovação jurídica,
SENSIBILIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO PRECISAM CAMINHAR JUNTAS
Lúcia Py Daniel relembra o caso da seringa, exportada para a Malásia pelos ingleses em apenas algumas sementinhas e que acabou
Lúcia Rapp Py Daniel, pesquisadora do
transformando aquele país no principal
Inpa na área de piscicultura e membro do
exportador mundial da borracha, sem que o
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético –
Brasil recebesse qualquer benefício deste
CGEN do Ministério do Meio Ambiente, sugere,
mercado.
em face da complexibilidade da questão, uma
Casos como o da seringa - segundo a
sensibilização nacional e internacional capaz de
pesquisadora- acontecem há muito tempo no
criar consciência sobre a importância de se
Brasil e com prejuízos incalculáveis à economia
conservar a fauna e a flora de uma região ou
e à biodiversidade nacional e se ressentiram da
país, uma vez que os casos de biopirataria que
falta de uma legislação pertinente. Ela explica
têm se registrado atualmente são através de
que desde 2001, o CGEN, com base na MP
turistas estrangeiros, que estão fora do rigor da
2186-16, delibera e normatiza todos os
lei.
procedimentos ligados ao acesso e à remessa Ela explica que a legislação que o Brasil
de informação genética proveniente de
montou para regular o acesso e a remessa do
organismos biológicos e do conhecimento
patrimônio genético, através da MP 2186-16, de
tradicional, proveniente de comunidades locais
23 de agosto de 2000, e que criou o próprio
e indígenas, encontrados no território brasileiro,
Conselho que ela integra, recai principalmente
seja para fins de pesquisa ou para fins
14
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biopirataria Desafia o Brasil a Tomar Conta da Amazônia
comerciais. A maior dificuldade, entretanto, segundo a pesquisadora, é que a biopirataria pode expressar-se de forma clara, na apreensão de uma material vivo sendo contrabandeado num aeroporto, quanto pode ser críptica, na forma de um extrato vegetal patenteado e exportado para laboratórios estrangeiros, sem que sequer se tome conhecimento.
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
15
De Espécies e Especiarias
DE ESPÉCIES E ESPECIARIAS Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca* Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca* Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi** Diversidade biológica deve ser entendida como fonte global, que precisa ser indexada, usada e, sobretudo, conservada (Wilson, 1988). O avanço científico e tecnológico que leva ao surgimento de novas formas de usos dos recursos genéticos, a explosão demográfica, especialmente nos países em desenvolvimento, a qual degrada e polui os ecossistemas, e ainda a perda de espécies causada por destruição natural dos habitats têm pressionado a que se veja a conservação como assunto urgente. Publicações indicam que estão descritas e devidamente guardadas nos museus do mundo cerca de 1,6 milhões de espécies (Stork, 1997) - incluindo todos os grupos de organismos vivos - e destas, 41.000 são vertebrados, 250.000 são plantas vasculares e briófitas, 750.000 são insetos. O restante consiste em um complexo de invertebrados, fungos, algas e microrganismos.
Os
taxonomistas
(pesquisadores que descrevem e nomeiam a diversidade) concordam que o trabalho de descrever está muito aquém do necessário, considerando que as estimativas moderadas apontam para cinco milhões de espécies em toda Biosfera. O ritmo atual de descrições de novas espécies é de aproximadamente 8.355/ ano e, nesta velocidade, seriam necessários seis séculos para concluir o inventário da biota terrestre (Martin Piera, 1997). Por que devemos conhecer e atribuir nomes às espécies? Nomes são rótulos. Rótulos são palavras, seqüências de símbolos que são usados em lugar de algo complexo que requereria muitas palavras para descrever 16
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
De Espécies e Especiarias
(Thompson, 1997). Assim, descrever as
com a ainda incipiente bioindústria, conseguir
espécies e atribuir nomes significa ganhar em
construir um espaço gerador de determinações
tempo e espaço, uma vez que ao invés de
em que esta própria pesquisa precisa de
usarmos longas explicações, apenas utilizamos
imediato construir a sua própria aplicabilidade.
os nomes. O nome científico é único e
A pesquisa por espécies potencialmente úteis
reconhecido em qualquer lugar, enquanto que
à indústria de base tecnológica deverá fomentar
o nome comum varia, dificultando o
uma sinergia entre as pesquisas básicas,
reconhecimento. Os nomes, portanto, são as
taxonômicas - até agora o produto mais
chaves primárias para o acesso à informação
expressivo gerado pelas coleções – e
biológica e, no momento em que crescem as
desenvolvimento tecnológico e industrial. O
atividades e as expectativas brasileiras na
trabalho do taxonomista se amplia para atender
direção da engenharia e princípios tecnológicos
a demanda industrial pelos nomes das
nas ciências da vida, torna-se necessário
espécies, sua distribuição geográfica e suas
empreender um esforço nacional no sentido de
relações de parentesco com outras espécies.
formatar um programa para inventariar a biota.
Aqui começa a surgir a necessidade de
Não somente os três níveis de governo
associação entre as instituições de pesquisa e
devem perceber essa necessidade, mas o setor
o setor produtivo no sentido de ampliar a
produtivo que usa como fonte de matéria prima
capacidade inventariante das coleções que
a diversidade, também precisa entender ser
poderão facilitar a busca por novos genes úteis
imprescindível aportar recursos para inventariar.
para humanidade. Embora não haja a cultura
A biota transforma-se em assunto de segurança
do
nacional,
novos
desenvolvimento por parte do empresariado,
conhecimentos sobre certos recursos naturais
deve-se começar a pavimentar essa avenida,
são essenciais para a sobrevivência humana
onde o cientista gera conhecimento que poderá
em situações nas quais o país se desequilibra
ser englobado pelas indústrias de base
por força de calamidades.
tecnológica e estas, por seu turno, favorecem
considerando
que
As instituições de pesquisas na Amazônia acumularam, durante o século
investimento
em
pesquisa
e
com insumos financeiros a pesquisa. A
importância
econômica
da
passado, acervos biológicos que constituem
biodiversidade é indiscutível, é fonte primária de
verdadeiros testemunhos da diversidade local.
matéria - prima para alimentos, remédios,
Tais coleções têm tido maior significado no
vestuários, moradias e turismo. Mas há muito
âmbito do trabalho científico, mas, começa
ainda por fazer, se considerarmos que das
haver mudança provocada pela construção de
250.000 plantas conhecidas e catalogadas nos
um novo espaço tecnológico e produtivo que
museus, apenas de 5 a 15 por cento têm sido
coloca as coleções frente a novos desafios às
examinadas para um ou dois tipos de atividades
suas potencialidades. Esses desafios ainda não
(Baladrin et al., 1985; Enriquez, 2001). Ao
estão completamente compreendidos, por força
resgatarmos a historicidade do interesse da
das indefinições do processo biotecnológico na
humanidade por substâncias bioativas,
região. No caso das coleções, a pesquisa
podemos citar a exaustiva busca no período da
“básica” por elas representada deve, juntamente
Idade Média pelas especiarias (substâncias
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
17
De Espécies e Especiarias
aromáticas, com supostos efeitos medicinais,
indefinições ainda persistem. No caso
e mesmo afrodisíacas) que detinham alto valor
amazônico restam ainda duas outras questões:
de mercado, sendo inclusive utilizadas como
(i) devemos esperar o avanço do conhecimento
moeda. A busca pelas especiarias representou
sobre a dinâmica das espécies para obviamente
um marco histórico, uma vez que contribuíram
utilizá-las como alavanca econômica ou (ii)
para o desenvolvimento de sociedades e
devemos explorar a diversidade biológica
nações, e motivaram, mesmo de forma indireta,
enquanto a estudamos?
a conquista e o descobrimento de novas terras.
A julgar pela história relacionada à
Os recursos genéticos podem ser
pesquisa científica na região amazônica e no
transformados em “commodity”, ainda que seja
mundo, a tendência tem sido a da exploração
de valor indireto, tal qual ocorre com os
econômica concomitante com pesquisa
medicamentos produzidos pela indústria
científica, uma vez que os problemas exigem
farmacêutica, a qual sintetiza substâncias
soluções e não esperarão para mostrar seus
produzidas primariamente pela natureza. Por
efeitos somente quando se tenha a
outro lado, à diversidade pode ser atribuído valor
compreensão da dinâmica dos ecossistemas.
como amenidade, se melhora a qualidade de
É neste contexto que deve ser encaixada a
vida da população de alguma forma não
participação das instituições de pesquisa. O
material, como por exemplo, o embelezamento
papel de orientação que a ciência produzida na
de uma área por paisagismo, o benefício de um
região assume é crítico considerando a
passeio de barco em um dos belos lagos
obrigação da conservação que o dever moral
amazônicos, ou ainda o deleite contido num
impõe. Além disso, a conservação da
passeio pelas trilhas de um bosque.
diversidade significa a continuidade da produção
Há, no entanto, o valor moral. As
de bens de consumo com incremento das
espécies têm valor moral como fonte de
oportunidades para a sociedade amazônida.
recursos que influencia aos homens no que
Assim, conservar e utilizar é uma equação que
tange ao seu sistema de valores. Ecossistemas
somente será resolvida através da sinergia
podem ser vistos como entidades cooperativas
entre setor produtivo e pesquisa, onde o primeiro
onde energia está constantemente fluindo intra
estimula causando indução, recebendo, em
e interespécies, uma analogia que ajuda na
sentido contrário, orientação e tecnologia.
compreensão dos fluxos dinamizadores da sociedade humana.
Para o Estado do Amazonas obviamente o seu patrimônio genético é o seu mais
A medida que o tempo passa, novos
importante diferencial. Esforços no sentido de
conhecimentos surgem em todas as áreas e
influir na produção de ciência, tecnologia e
isto pode levar a novas “commodities”, ou novos
inovação começam a ser sentidos nos meios
níveis de apreciação estética e moral, os quais
decisórios locais. A construção do Centro de
ainda não nos são possíveis apreciar.
Biotecnologia da Amazônia (CBA) foi uma
O maior desafio é usar os recursos de
demonstração de visão futurista voltada para o
forma sustentável, mas como utilizar sem
verde. A escolha de Manaus para sediar o CBA
provocar diminuição da variabilidade genética?
reveste-se de significado especial para o Estado
Esta questão tem sido discutida, mas as
que passa a liderar uma nova postura
18
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
De Espécies e Especiarias
desenvolvimentista constituindo-se no farol que
considerando que há febril concorrência, no nível
norteará a construção de uma sólida base
mundial, rumo às patentes.
econômica
onde
o
extrativismo
e
comercialização de produtos in natura, cedem
BIBLIOGRAFIA
lugar à exportação de bens de consumo com alto valor agregado. O CBA deverá ser o
BALADRIN, M.F.; Klocke, J.A.; Wurtele,
animador dos novos rumos em pesquisas
E.S.; Bolinger, W.H. 1985. Natural plant
estimulando a produção de tecnologias às
chemicals sources of industrial and medicinal
instituições locais, além de provocar o aumento
materials. Science 228: 1154-1160.
da conectividade entre elas, reduzindo o cenário ENRIQUEZ, G.V. 2001. A trajetória de
de fragmentação no qual há, em muitas situações, superposição de atividades. A criação de uma cultura de produção de conhecimento através do funcionamento de
tecnologia
dos
produtos
naturais
biotecnológicos derivados na Amazônia. Belém, UFPA.NUMA, 168 pp.
uma rede de laboratórios e de pesquisadores já está em andamento, através de projetos
HIGASHI, M. & Burnes, T.P. 1991.
gerenciados pela Organização Social
Theoretical Studies of Ecosystems: the network
Bioamazônia (Associação Brasileira para o Uso
perspective. Cambridge, Cambridge University
sustentável da Biodiversidade da Amazônia,
Press
credenciada pelo Governo Federal, através de
JORDAN, C.F. 1985. Nutrient cycling in
Decreto Presidencial, em 18 de março de 1999,
tropical Forest ecosystems. Chichester, John
para colaborar com a implantação do CBA),
Wiley & Sons, 190pp.
com recursos oriundos do Banco da Amazônia e Petrobrás. Isto deverá estimular uma nova
MARTÍN PIERA, F.1997. Apuntes sobre
fase na pesquisa na qual o aproveitamento do
Biodiversidad y Conservación de Insectos:
potencial de cada qual deverá acontecer a
Dilemas, Ficciones y Soluciones?.Boletín de la
pleno. Uma das ferramentas para essa nova
Sociedad entomológica aragonesa, 20:25-55.
fase é a montagem de um banco de dados relacional para a sistematização de toda a
STORK, N.E.1997. Measuring Global
informação sobre a biodiversidade amazônica,
Biodiversity and its Decline. Pp 41-68 In: Reaka-
objetivando melhorar e incrementar o seu
Kudla, M.L.; Wilson, D.E.; Wilson, E.O. (eds).
conhecimento para auxiliar na implantação de
1997.
atividades industriais de base tecnológica.
protecting our biological resources. Wasington
O papel de uma Organização Social
Biodiversity II: understanding and
D.C., Joseph Henry Press, 551 pp.
(OS), com sua agilidade e flexibilidade como ente de caráter privado, não pode ser
WESTERN, D. 1992. The biodiversity
considerado como trivial quando se vislumbra
crisis: a challenge for Biodiversity. Oikos 63: 29-
um pólo de bioindústrias. Bionegócios exigem
38.
um ambiente de gestão onde capacitação e
WILSON, E.O. 1988. The Current State
velocidade são características fulcrais,
of Biological Diversity. Pp 3-18. In: Wilson, E.O.;
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
19
De Espécies e Especiarias
Peter, F.M. 1988. Biodiversity. Washington, D.C., National Academy Press, 521pp. * Cláudio Ruy Vasconcelos da Fonseca - Diretor Adjunto da Bioamazônia; Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela USP; Foi gerente do PROBEM/MMA; Pesquisador titular do MCT/INPA; Professor UEA. ** Maria de Fátima Mendes Acácio Bigi - Diretora Geral da Bioamazônia; Doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela UNESP; Foi Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFAC e Coordenadora do Mestrado em Biotecnologia da UEA
20
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA Charles R. Clement* Adalberto L. Val** José Arnaldo de Oliveira***
Três notícias têm dominado as manchetes da mídia nacional tratando da Amazônia em 2003. A taxa de desmatamento aumentou a níveis históricos em 2002/3 – durante uma recessão econômica, quando era esperado um recuo. A soja está ‘invadindo’ a Amazônia e é acusada de ser a vilã da história do desmatamento, mas ao mesmo tempo é a heroína das exportações. Os biopiratas estão roubando a biodiversidade da Amazônia, tirando a oportunidade do Brasil se desenvolver com base
neste
recurso
natural.
Concomitantemente, a retórica dos governos federal e a maioria dos estaduais é a favor do desenvolvimento sustentável, sempre com a implicação de que a floresta precisa ser mantida de pé. A demanda pela manutenção da floresta é explícita nas declarações do MMA e da maioria das ONGs que representam os povos das florestas na Amazônia, bem como das ONGs ambientalistas internacionais. A força dos mercados globalizados e as políticas dos governos para estimular tais mercados têm sido acusadas de serem as causas básicas da perda de biodiversidade (Wood et al. 2000) e do desmatamento (Schneider et al. 2000). Ou seja, os sinais dos mercados nacional e internacional, dos ministérios e estados, e da sociedade continuam a ser contrastantes, quando não Desenho: Saulo Raphael Milhome de Almeida - 10 anos Projeto Gráfico da Infografia: Designer Narle Teixeira
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
conflitantes. Considerando estes contrastes, é valido afirmar que existem dúvidas sobre a 21
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
possibilidade de desenvolvimento sustentável
posição acerca da importância desse grupo
na Amazônia. Aliás, pelas políticas contrastantes
social é, por via de regra, clara e positiva. A razão
de diferentes ministérios ainda não está claro o
é simples: os povos indígenas criaram a maioria
que o Brasil pretende fazer na Amazônia, qual
do conhecimento tradicional sobre a
deveria ser o primeiro passo para planejar seu
biodiversidade, que a Convenção sobre a
desenvolvimento – sustentável ou não. Esperamos
Diversidade
trazer um pouco de luz para esta discussão e
transformação em lei brasileira – MP 2186)
apontar detalhes que não têm recebido
afirma ser importante para alcançar o tão
suficiente atenção ainda, mesmo sendo ela
desejado desenvolvimento sustentável.
desagradável para alguns atores.
Biológica
(CDB
e
sua
Por ser grande e tropical, a Amazônia contém uma mega biodiversidade que não
QUESTÃO DE ESCALA
encontra paralelos no planeta. Seguindo a CDB, a biodiversidade deveria ser considerada em três
O Prof. Aziz Ab’Saber ponderou que
níveis: os ecossistemas, as espécies que os
duas escalas são fundamentais quando se
ocupam, e os genes que determinam as
pensa na Amazônia (AmazonTech2003,
características das espécies. A Amazônia
Manaus, 27.09.03): a geográfica, pois a
brasileira
Amazônia tem escala continental, com múltiplos
ecossistemas: as florestas densas com
estados e ministérios envolvidos na sua gestão;
1.900.000 km²; as florestas não densas com
e a temporal, pois sustentabilidade é função do
1.600.000 km²; os cerrados com 700.000 km²;
tempo. Por ser de escala continental, todas as
e as várzeas com 200.000 km², áreas essas
dimensões da Amazônia representam mega-
aproximadas. Pelo menos 600.000 km² já são
números.
antropizados. Em termos de espécies, existem
contém
quatro
grandes
A Amazônia Legal cobre aproximadamente
entre 5 e 7 mil espécies de animais vertebrados,
5.000.000 km², o que representa cerca de 60%
15 e 20 mil espécies de plantas superiores, 20
do Brasil. Desta área, a Floresta Amazônica
e 100 mil espécies de microorganismos, e 1 e
cobre em torno de 3.300.000 km², o que
10 milhões de espécies de animais
representa 40% do Brasil. Ao redor de
invertebrados. O que mais impressiona é a
18.000.000 de Brasileiros vivem nessa região,
magnitude de nossa ignorância sobre estes
sendo que 68% em centros urbanos e 32% na
ecossistemas e espécies! Sobre os genes, nem
zona rural. A Amazônia Legal abriga, ainda, a
falaremos.
maioria da população indígena brasileira, que
A escala sócio-econômica é também
soma ao redor de 256.000 pessoas que falam
essencial quando se analisa desenvolvimento.
entre 170 e 180 línguas. Estes foram os
A Amazônia Legal já é responsável pela
primeiros povos da Amazônia e tem os seus
produção de 20% da soja nacional, tem 11% do
direitos poucas vezes respeitados pela
rebanho bovino, 13,5% da produção mineral e
sociedade nacional. Em alguns casos são
quase 7% do Produto Interno Bruto (PIB)
ignorados ou mesmo considerados um entrave
(Novaes 2002). O impacto destes números é
para o desenvolvimento. Por outro lado, quando
representado pelos 15% dos ecossistemas
falamos de desenvolvimento sustentável, a
naturais alterados. Contudo, os 7% do PIB não
22
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
têm oferecido muitos benefícios para o povo da região, pois a Amazônia concorre com o
O QUE É DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?
Nordeste para os piores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil. A razão dos
O Dicionário Aurélio (1985) define
poucos benefícios é que o Brasil investe pouco
desenvolvimento como sendo “O estágio
na Amazônia, tratando a região mais como
econômico, social e político de uma
“colônia” do que como parceiro legítimo das
comunidade, caracterizado por altos índices de
outras regiões do país. O pouco investimento é
rendimentos dos fatores de produção, i.e., os
especialmente visível em termos de Ciência e
recursos naturais, o capital e o trabalho.” E a
Tecnologia (C&T), onde a média histórica oscila em torno de 2% dos investimentos federais em C&T. O CNPq afirma que serão 4% em 2003, que ainda é pouco, muito pouco. Tão pouco que podemos afirmar que a Amazônia paga para outras partes do Brasil fazerem C&T!! E na escala temporal – Quanto tempo é suficiente? Uma geração? Lawrence et al. (2001) projetaram que as políticas dos governos federal e estaduais expostas no programa “Avança Brasil” causarão o desmatamento de 25% da floresta até 2020. Em termos gerais o
escala geográfica? A comunidade é Tefé, Amazonas, Brasil, América do Sul ou o mundo? No mundo moderno, uma comunidade não pode alcançar o desenvolvimento sustentável em isolamento. A implicação é que o Brasil precisa pensar o assunto de forma holística – tanto no nível internacional, como nacional e regional, em sintonia entre os governos federal e estaduais. A definição clássica de sustentabilidade vem da Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (1987): “Atender as necessidades
da
geração
atual
sem
programa “Brasil, um País de Todos” (PPA 2004-
comprometer a habilidade de gerações futuras
7) é muito similar ao “Avança Brasil”. Que tal
em atender as suas necessidades.” Nossos
quatro gerações? Cox et al. (2000) projetaram
políticos pensam em termos de gerações? E
que o atual modelo de desenvolvimento mundial
nossos empresários? E os técnicos de nossos
causará o desmatamento de 100% das
ministérios? Se não aprendem a pensar assim,
florestas amazônicas fora das Unidades de
o desenvolvimento sustentável não será
Conservação (UC) até 2080, e que grande parte
possível, pois este tipo de desenvolvimento
das UCs será comprometida pela invasão de
requer muito mais planejamento por exigir
fogo nas suas bordas cada vez mais
equidade entre gerações.
inflamáveis. Se a floresta de pé representa
Um exemplo do não pensar de forma
sustentabilidade, é evidente que os países e
holística é a relação entre a Amazônia e o Brasil
agências mundiais que propagam o atual
central em termos climáticos. Se a previsão de
modelo são hipócritas, pois conclamam o Brasil
Cox et al. (2000) tornar-se realidade, haverá
a manter sua floresta, quando o modelo não
implicações climáticas: a Amazônia virará
paga por sustentabilidade. E o governo
cerrado (Walker et al. 1995). Salati & Nobre
brasileiro? Qual é sua posição?
(1991) estimaram que a Amazônia repassa 588 mm chuva/ano ao Brasil central, onde o Cerrado recebe atualmente entre 1200 e 1800 mm chuva/
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
23
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
ano; ou seja, a Amazônia contribui de forma
estão atentos a essa possibilidade hoje?
significante para a chuva no Cerrado. Se a
Estes exemplos sugerem que o
Amazônia virar cerrado, receberá chuva similar
desenvolvimento sustentável da Amazônia
ao intervalo do Cerrado atual e repassará
deveria ser feito com a floresta de pé, como
menos umidade para o Brasil central, e o
declara o MMA e os povos da floresta, pois não
Cerrado atual poderá secar tanto que não
é apenas a Amazônia que está em jogo, mas o
sustentará a agricultura de grãos, que é a base
Brasil central também. No entanto, o programa
de sua atividade econômica hoje, bem como
“Brasil, um país de Todos” não reconhece isto
das exportações que mantém o superávit
em termos de investimentos, somente em
comercial. Devido a outras influências
termos retóricos. O MMA toma isto como
climáticas ao longo do próximo século de
pressuposto, mas o MMA não é um ministério
mudanças, o INPE ainda não afirma que o
importante nas decisões econômicas do
Cerrado atual será mais seco (Carlos A. Nobre,
governo federal, onde outras decisões
2003, com. pess.), mas é uma possibilidade que
demonstram claramente uma predisposição em
o governo federal não pode ignorar. Quais
favor do atual modelo de desenvolvimento
ministérios estão atentos a esta possibilidade
mundial. Ou seja, existe uma forte contradição
hoje? Quais estão se preparando para um
no governo federal (sem mencionar os
Cerrado mais seco?
estaduais!) entre a retórica e o investimento,
Além de a chuva atender a agricultura
quando se trata da Amazônia.
do Cerrado, a mesma chuva abastece os rios
O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO Paraguai/Paraná, o São Francisco, o Tapajós, SUSTENTÁVEL que originam - se no Brasil central, incluindo o o Xingu, e o Tocantins/Araguaia. A influência da diminuição das chuvas oriundas da Amazônia
Partindo da pressuposição de que o
no norte do Brasil central é mais certa do que
desenvolvimento sustentável da Amazônia
no sul do Brasil central, já que o norte realmente
exigirá que a floresta seja mantida de pé e
é parte da bacia amazônica. O que acontecerá
funcionando, encontramos um grave problema:
com a vazão do rio Tocantins, que abastece a
não sabemos como fazer isto e gerar o
hidroelétrica de Tucuruí? Lúcio Flávio Pinto
crescimento econômico. Não existe um acervo
(2002) divulgou que a hidrelétrica de Belo Monte
de conhecimento de C&T disponível que atenda
sofrerá de deficiência de vazão do rio Xingu
esta demanda, dada a escala da Amazônia. É
durante 4 ou 5 meses por ano e não gerará
certo que existem muitas idéias e até muitas
excedentes de energia como atualmente
experiências bem sucedidas, mas todas são
configurado;
o
em escala pequena. Afinal, quantas toneladas
desmatamento na Amazônia. E se as
são necessárias para abastecer os mercados
cabeceiras do rio Xingu forem desmatadas?
de castanha do Brasil, de óleo de castanha do
Aliás, já estão sendo desmatadas a uma taxa
Brasil, de óleo de andiroba, de raíz de
acelerada. Tudo isto, sem falar do incremento
muirapuama, etc.? Embora os números sejam
no assoreamento dos rios, que sempre
incertos, todos são muito menores do que
acompanha o desmatamento. Quais Ministérios
precisamos para mudar os índices de
24
isto
sem
considerar
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
desenvolvimento humano na Amazônia,
similares aos custos do Brasil, mas com
especialmente no interior onde estes índices são
características típicas do subdesenvolvimento
uma vergonha nacional.
agudo), além de amenizar os custos do Brasil
Pior que isto, nenhum país do mundo
na Amazônia. A Amazônia precisa de um
tem feito algo parecido! Afinal, Homo sapiens
programa de investimento em infra-estrutura,
depende de agricultura e a definição de
mas este programa precisa tomar o
agricultura é o cultivo dos campos. Todas as
desenvolvimento sustentável como base e não
sociedades humanas bem sucedidas foram e
como retórica. Este programa precisa ter a C&T
são agrícolas, e todas as nações bem
como peça fundamental, e com muito mais que
sucedidas, hoje e no passado, foram agrícolas
os 3-4% dos investimentos na área, previstos
e defendem vigorosamente sua agricultura –
pelo atual governo. Ressalte-se que não
veja as discussões sobre subsídios agrícolas
conhecemos o necessário, ainda, e o tempo é
na OMC e na ALCA. Portanto, não existe um
curto, dadas as previsões de Lawrence et al.
modelo que o Brasil pode seguir para o
(2001) e Cox et al. (2000), porque os
desenvolvimento sustentável da Amazônia com
investimentos não gerarão retornos imediatos.
a floresta de pé. O Brasil vai precisar
Os investimentos brasileiros são mais
desenvolver este novo modelo. Vai precisar
importantes, ainda, quando reconhecemos que
ousar na busca de novos modelos, novas
o mercado global raramente paga pela
concepções.
sustentabilidade.
Além do fato de que o Brasil ainda não
O caso da soja é emblemático da falta
decidiu o que pretende fazer na Amazônia, o
de planejamento em prol de uma Amazônia
Brasil ainda não entendeu o que precisará fazer
sustentável (Clement & Val 2003). Diversos
se realmente quer o desenvolvimento
ministérios trabalharam de forma integrada em
sustentável da Amazônia com a floresta de pé.
apoio a esse agronegócio, organizando infra-
A tão propalada falta de planejamento nacional
estrutura de escoamento – a hidrovia do
ainda não foi resolvida, ao contrário da retórica
Madeira, o porto de Itacoatiara etc. – e acesso
do ministério encarregado por este setor. O
a capital. Ao mesmo tempo, estes ministérios
desenvolvimento sustentável foi relegado ao
não resolveram os custos do Brasil no centro-
MMA, em lugar de ser assumido pela
oeste e no sudeste, criando uma lógica
Presidência e todos os principais ministérios,
inexorável para a expansão da soja rumo a
começando com os da Fazenda, do
Amazônia. Igualmente importante, apoiaram a
Planejamento, das Minas e Energia, dos
P&D que gerou variedades e sistemas de
Transportes, da Agricultura, para mencionar
produção para a soja entrar na Amazônia. O
apenas aqueles com maiores investimentos em
avanço da soja na Amazônia mostra claramente
favor do modelo atual insustentável. As questões
que P&D geram resultados!! Embora muito
de escala geográfica e temporal precisam ser
criticado na época, o cenário de Lawrence et
internalizadas pelos ministérios, pelos estados
al. (2001) está se concretizando com essa
e pelos países da Amazônia.
expansão e continuação da maioria das políticas
O planejamento integrado precisa
do “Avança Brasil”. Tudo continua acontecendo
enfrentar os custos da Amazônia (que são
sem que a intervenção do MMA tenha efeito
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
25
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
importante! Isto demonstra claramente que não se pode relegar o desenvolvimento sustentável ao MMA – precisa ser de todos os ministérios, começando no topo do governo! Mais grave ainda é que, embora não sustentável, o modelo atual funciona! Ou seja, mesmo com a falta de planejamento nacional, o sistema aplicado à região demonstrou resultados econômicos e são justamente estes resultados que dificultam provar que o sistema está errado (Novaes 2002). Entretanto, o sistema não estará errado se o Brasil tiver decidido sem alardes transformar Amazônia em cerrado para se tornar uma potência agrícola. No entanto, ao que nos consta, esta decisão nunca foi explicitamente assumida como política nacional, de forma que podemos afirmar que um sistema funcionando, e bem, está errado para a Amazônia – se o Brasil deseja manter a floresta de pé e as chuvas caindo normalmente no Brasil central. É uma decisão política, e uma das mais importantes que este governo pode tomar. Aí vem mais uma questão: se não a soja, o que? A resposta geralmente é: a biodiversidade da Amazônia. Se esta resposta for válida por si só, o desmatamento não estaria acontecendo na taxa atual, nem o povo da Amazônia estaria defrontando-se com alguns dos piores índices de desenvolvimento humano do Brasil. Tem sido observado, com muita razão, que a diversidade da própria floresta mina sua conservação devido a sua baixa densidade econômica (May et al. 2002). Ou seja, a diversidade exuberante da floresta amazônica não combina com o atual modelo de desenvolvimento mundial, que é baseado em monocultivos de todos os tipos. Considerando esta limitação, a biodiversidade tem potencial para contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia? 26
O DESAFIO DA BIODIVERSIDADE Antes de ver se a biodiversidade tem potencial para contribuir com o desenvolvimento sustentável da Amazônia, precisamos ver o que é ‘potencial’? De novo, segundo o Dicionário Aurélio (1985): potencial. adj. 1. Respeitante a potência. 5. Filos. Que está em potência. Seguindo a sequência: potência. s. 11. Filos. Caráter do que pode ser produzido, ou produzir se, mas que ainda não existe (itálico adicionado). Ou seja, a biodiversidade por si só não vale nada, o que explica a sua continua perda em todo o mundo. Como transformar potencial em produto no mercado e especialmente em lucro? Dois fatores são essenciais: empreendedores – com imaginação e com capacidade empresarial; e investimentos – primeiro em C&T para produzir informações necessárias, segundo em P&D para garantir qualidade e completar a cadeia de produção,
terceiro
em
produção,
processamento e comercialização. A ONU já demonstrou que o Brasil é um país excepcionalmente rico em empreendedores, embora a capacidade empresarial da maioria desses empreendedores seja baixa. Mudar este quadro requer investimento, e a estrutura para fazer isto existe – o SEBRAE e suas instituições irmãs, estão entre elas. Então, o que realmente está faltando são investimentos em C&T, P&D e nas cadeias de produção. Como notamos acima, o Brasil não investe na sua “colônia”, o que ajuda a explicar porque a biodiversidade da Amazônia tem contribuído pouco até este momento. Quais são as opções econômicas oriundas da biodiversidade que merecem investimento e quais são as conseqüências deste investimento? Acreditamos que existem T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
seis grupos de opções (ordenado pelo tamanho
importa se vem do manejo sustentável ou
do acervo de conhecimento, ainda que
resulta da destruição da floresta. Kahn (2002)
escasso): agricultura e pecuária; madeira;
sugeriu
ecoturismo; produtos florestais não madeireiros;
governamentais poderiam mudar esta equação,
carbono; genes que codificam funções úteis na
mas sua adoção dependerá de trabalho
indústria farmacêutica e afins.
integrado de diversos ministérios. Se a
que
mecanismos
e
políticas
Agricultura & Pecuária – Os povos
densidade econômica da floresta for aumentada
indígenas domesticaram pelo menos 100
– o que é sacrilégio para muitos ambientalistas
espécies de plantas na região, pelo menos uma
– a equação poderá melhorar. Como no caso
de enorme importância: a mandioca. A maioria
do agronegócio, o manejo florestal geralmente
das outras são fruteiras. No entanto, mesmo
é bom para os donos, mas salário mínimo para
com fruteiras, a opção por este grupo resultará
todos os outros. O Promanejo está começando
em mais desmatamento, embora com fruteiras
a planejar e executar manejo comunitário, que
uma cobertura semi-florestal possa ser
tem potencial para mudar os índices de
reconstruída. Se for agronegócio, é bom para
desenvolvimento humano em algumas
os donos, mas salário mínimo para todos os
localidades, mas não atende nem a demanda
outros atores. Se for agricultura familiar, o
do mercado interno.
problema será expandir a presença das
Ecoturismo – A contemplação da
instituições de P&D e de extensão para atender
biodiversidade seguramente é sustentável, mas
uma população dispersa na escala geográfica.
requer infra-estrutura de boa qualidade e
O Pronaf está começando a planejar e a
capacitação de todos os atores na sua cadeia
executar ações nessa direção e pode ajudar a
de produção. Mesmo quando todos estiverem
mudar os índices de desenvolvimento humano
capacitados, o ecoturismo é bom para os
em algumas localidades. É importante frisar que
donos, mas levará um salário mínimo para todos
não existe outro ‘commodity’ entre as plantas já
os outros.
domesticadas da região, o que significa que
Produtos Florestais Não Madeireiros
precisaremos trabalhar muitas espécies para
– Estes são a base da proposta da Zona Franca
gerar resultados.
Verde, do governo do Amazonas, e o sonho das
Madeira – A FAO estimou que existe
ONGs, mas é justamente a opção onde o
pelo menos US$ 1 trilhão de estoque em pé na
acervo de conhecimento é mais escassa e a
Amazônia, mas a maioria das espécies não tem
questão de escala geográfica é mais
mercado. Madeira é o exemplo clássico para a
importante. Estes produtos incluem as plantas
observação de May et al. (2002), já que as
medicinais, aromáticos, óleos etc. que têm
espécies com valor para o mercado estão
nichos de mercado de grande apelo popular,
dispersas na floresta, com baixa densidade,
mas cujas escalas são sempre pequenas. Para
comprometendo o retorno econômico. O manejo
que estes produtos desempenhem um papel
sustentável é viável? Schneider et al. (2000)
importante,
afirma que é, mas a maioria absoluta da
conhecidos rapidamente e que sejam
madeira da Amazônia é vendida no mercado
desenvolvidos, isto é, o processo implica em
interno, que quer madeira barata e não se
muita C&T e muito mais P&D. Podemos fazer?
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
precisaremos
que
sejam
27
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
Claro,
mas
não
com
os
minguados
investimentos atualmente disponíveis para Amazônia neste setor.
lógica. Genes – Na era da biotecnologia que está se iniciando, esta opção toca na
Estes produtos têm, ainda, um porém:
imaginação de muita gente, desde a
seu sucesso implica em agricultura (Homma
comunidade de C&T até as empresas de base
1992). A razão é a mesma do caso de madeira
biotecnológica nacional e internacional. Embora
– a baixa densidade econômica destes produtos
essencial para o Brasil, não sabemos se o
na floresta. Quando a demanda por um desses
processo oferece os “altos índices de
produtos cresce, a tendência é iniciar o manejo
rendimentos dos fatores de produção, i.e., os
na floresta, seguida por sua introdução em
recursos naturais, o capital e o trabalho” que
parcelas agroflorestais ou mesmo pomares e,
são os fundamentos da definição de
finalmente, a transferência da cultura para fora
desenvolvimento, quando aplicado à Amazônia.
da Amazônia. A história da Amazônia é repleta
A razão é simples: uma vez identificado e
de exemplos nesse sentido, alguns dos quais
isolado o gene de interesse, este gene será
bons para outras partes do Brasil ou mesmo
vendido ao comprador que pagar mais – uma
para o exterior, como é o caso clássico da
das leis do capitalismo, que não será facilmente
seringa, mas todos deixaram um vazio na
revogada! Isto explica por que as ONGs da
Amazônia. É possível reverter essa tendência?
Amazônia não são entusiastas do modelo de
Provavelmente não, mas criando cadeias de
bioprospecção atual. Ao mesmo tempo, isto não
produção sustentáveis, com tecnologias
quer dizer que o Brasil não deva seguir este
avançadas e adequadas, e agregando valor aos
caminho – deve, mas com os olhos bem
produtos regionais ainda na região, como
abertos.
recomendou recentemente a Ministra Marina
No entanto, a era da bioprospecção nas
Silva, certamente ajudará a manter a maior
florestas tropicais poderia estar se encerrando
parte do lucro na Amazônia, por mais tempo.
ainda em sua fase nascedoura, e por duas
Mesmo com essas limitações, esses produtos
razões: compostos bioativos são encontrados
teriam um papel importante na mudança dos
em todo o mundo e a era genômica poderia criar
índices de desenvolvimento humano em muitas
compostos bioativos altamente enfocados.
localidades.
Recentemente foi proposto que o genoma
Carbono – Esta opção tem sido
humano aponta para o fato de que um número
amplamente discutida por nosso colega do
limitado de genes codifica para um grande
INPA, Phillip M. Fearnside, mas requer que o
número de proteínas e, portanto, a probabilidade
governo do Brasil assuma a decisão de
de se encontrar genes úteis em nosso quintal é
negociar a inclusão da floresta de pé no
maior do que a originalmente imaginada (Tulp
Protocolo de Kyoto, o que hoje não está nos
& Bohlin 2002). No caso, nosso quintal é
planos. Ainda, mecanismos de direcionar
qualquer terreno baldio no primeiro mundo. Ou
benefícios ao interior da Amazônia precisam ser
seja, as florestas tropicais talvez não sejam
desenvolvidos. Nesta direção, o Fundo de
imprescindíveis para a indústria farmacêutica.
Desenvolvimento da Amazônia proposto pelo
A mesma lógica vale para a outra razão, com o
Senador Jefferson Péres seria uma opção
genoma apontando para a proteômica e esta
28
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
para o remédio – sem necessidade de
regiões do país em termos de densidade por
biodiversidade tropical. A implicação também é
estado, é preciso lembrar que a Amazônia Legal
simples: ou o Brasil faz por conta própria, ou as
representa 60% do Brasil, tem perto de 10% de
oportunidades que estes genes representam
sua população e contribui com cerca de 7% do
não serão realizadas. No caso da genômica, o
PIB. Mais uma vez a questão de escala entra
Brasil já está investindo e até a Amazônia está
em jogo, e a escala do investimento é muito
representada – a UFAM, a UFPA e o INPA foram
menor que a escala do desafio – muito maior.
parceiros do genoma do Cromobacterium
Este desencontro entre escalas fica
violaceum. Contudo, lamentavelmente, projetos
mais evidente ainda quando examinamos o
deste porte ainda tem repercussões sociais
número de grupos de pesquisa. Seguindo o
reduzidas, pois o foco é neste caso, e em várias
levantamento de 2002 do CNPq, o Brasil tem
outras iniciativas, apenas na disponibilidade do
15.158 grupos, dos quais apenas 590 estão na
material biológico.
Amazônia. Ou seja, 3,9% dos grupos de
Então, a biodiversidade tem potencial
pesquisa estão trabalhando com 60% do país.
para apoiar o desenvolvimento sustentável da
Considerando que a biodiversidade é tida
Amazônia? Claro que tem, mas os atuais
como o grande potencial da Amazônia e até do
investimentos não conseguirão mudar o quadro
Brasil, é válido perguntar quantos dos grupos
a curto prazo; a médio prazo não haverá mais
de pesquisa trabalham com algum aspecto
floresta de pé e não haverá a biodiversidade
diretamente ligado à biodiversidade. Usando a
como hoje.
base de dados do CNPq, é válido afirmar que as grandes áreas do conhecimento – Saúde,
INVESTINDO NA AMAZÔNIA A atualidade dos investimentos brasileiros na Amazônia Legal é compatível com seu status de “colônia”. Existem seis centros da Embrapa, três institutos do MCT, duas Universidades Federais de grande porte e oito de médio a pequeno porte. Todas as Instituições estão sofrendo de falta de investimento e de contingenciamento, e não estão em condições de gerar a informação necessária para apoiar o desenvolvimento sustentável desejado na velocidade necessária. Além disso, em muitos casos as Instituições tem representado bases avançadas de coleta de material biológico para as Instituições de outras partes do país – vide a orientação para a colaboração Norte-Sul por meio dos fundos setoriais, por exemplo. Embora os números pareçam similares aos de outras T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Biológicas e Agrárias – trabalham com a biodiversidade, embora seja possível que mais alguns grupos também trabalhem. Do universo dos grupos, 41,5 % trabalham com algum aspecto da biodiversidade, sendo que Saúde representa 16,6%, Biológicas representa 14%, e Agrárias representa 10,9%. Na Amazônia, 45,9%
dos
grupos
trabalham
com
biodiversidade, sendo que Saúde tem 61 grupos, Biológicas tem 110 e Agrárias tem 100 grupos, o que representa 1,78% dos grupos de pesquisa do Brasil trabalhando com a biodiversidade na Amazônia!! Precisa ser reconhecido que outros grupos também trabalham com a biodiversidade da Amazônia, mas não trabalham na Amazônia. O futuro dos grupos está na formação de novos recursos humanos. Considerando que os grupos são formados por um doutor líder e um grupo de doutores, mestres, graduados e 29
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
técnicos, a formação de novos doutores é um
séculos para o desmatamento da Mata Atlântica
parâmetro importante para avaliar o futuro dos
– levou 50 anos! Lawrence et al. (2000) foram
grupos de pesquisa. Seguindo o mais recente
severamente criticados por suas previsões,
levantamento da CAPES, em 2002 os grupos
mas conforme a soja avança, parece que eles
de pesquisa formaram 6.843 novos doutores,
tinham razão. Detalhes aqui e detalhes ali
sendo que 38 (0,5%) foram formados na
podem ser criticáveis, mas a tendência é a
Amazônia! É intrigante, mas apenas num ano
transformação da Amazônia em cerrado. É
o país formou 10 vezes mais doutores do que o
possível reverter esta tendência? Claro, mas
total daqueles existentes hoje na Amazônia,
requer que o governo decida o que pretende
sendo que apenas no ano passado mais de
fazer
2.000 doutores estavam desempregados ou
desenvolvimento sustentável com a floresta de
sub-empregados na região sudeste. Por si só,
pé, como querem os povos da floresta
estes números indicam que é preciso conceber
amazônica, muitos brasileiros, os cientistas e
urgentemente uma política para fixação de
pessoas do mundo afora, então é necessário
recursos humanos na Amazônia. O que esses
mudar a forma como o governo trata o assunto,
números nos dizem? É possível que a política
e iniciar um programa de investimento na
de fixação de recursos humanos do governo
Amazônia, como parte integral do Brasil,
federal por meio de bolsas de estudo não seja
inclusive e, principalmente, investimentos em
atrativa. Pesquisadores bolsistas são “bóias
C&T para viabilizar um futuro com a floresta de
frias” da ciência moderna.
pé. Em sendo a opção o modelo de
Estes números irrisórios resultam de investimentos
passados
e
da
Amazônia.
Se
pretende
o
desenvolvimento atual, com a floresta
atuais!
transformada em cerrado, precisa assumir esta
Historicamente, 3% dos investimentos em C&T
postura e, ainda, investir para viabilizar este
e P&D federais são para Amazônia, ao mesmo
modelo. Não é mais possível ter um discurso
tempo em que a Amazônia gera ao redor de 7%
retórico e outro plano de investimentos.
do PIB brasileiro. Estes números demonstram claramente que a Amazônia paga para outras
REFERÊNCIAS
regiões do Brasil fazerem C&T e P&D. Agora que mostramos os números, algum leitor ainda
CLEMENT, C.R.; Val, A.L. 2003. Soja versus desenvolvimento sustentável na
tem dúvidas? Ao longo da última década, pelo
Amazônia. Jornal da Ciencia on-line
menos, todos os governos afirmaram que a
<www.jornaldaciencia.org.br> 19.09.03 e
Amazônia é importante e que C&T é o caminho
22.09.03
do desenvolvimento do Brasil. Há claramente
Cox, P.M.; Betts, R.A.; Jones, C.D.; Spall,
um desencontro entre essa retórica e a prática.
S.A.; Totterdell, I.J. Acceleration of global
CONCLUSÕES Será que os autores estão apelando para o apocalipse? É ditado popular que o mundo muda mais rapidamente hoje que antigamente. No início do século 20, falou-se que demoraria 30
warming due to carbon_cycle feedbacks in a coupled climate model. Nature, 408: 184-187. 2000. FEARNSIDE, P.M. Phosphorous and human carrying capacity in Brazilian Amazonia. In: Lynch, J.P.; Deikman, J. (Eds.). Phosphorous T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
O Desafio do Desenvolvimento Sustentável na Amazônia
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Brasília, Banco Mundial; Belém, Imazon. 2000.
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KAHN, J.R. The development of markets
1973 na University of Connecticut, fez mestrado
and economic incentives for sustainable
em biologia e genética em 1986 na Universidad
forestry: Application to the Brazilian Amazon.
de Costa Rica, e doutorado em horticultura e
Organization for Economic Co-operation and
genética em 1995 na University of Hawaii.
Development, Paris. [ENV/EPOC/GSP/
Concentra seus estudos na prospecção, uso,
BIO(2001)6] 2002.
conservação, história e biogeografia dos
NOVAES, Washington. In: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Amazônia. 19 Junho 2002, UnB, Brasília, DF.
recursos genéticos de fruteiras nativas da Amazônia, com ênfase em pupunha. **Adalberto Luís Val, 46 anos, é
PINTO, L.F. Hidrelétricas na Amazônia:
pesquisador do INPA desde de 1981. Estuda as
Predestinação, fatalidade ou engodo? Edição
adaptações dos peixes da Amazônia às
Jornal Pessoal, Belém. 2002.
modificações do meio ambiente. Doutorou-se
SALATI, E.; Nobre, C.A. Possible climatic
em 1986. Em 1992 concluiu seu pós-doutorado
impacts of tropical deforestation. Climatic
no Canadá. Publicou mais de 80 trabalhos em
Change, 19(1-2): 177-196. 1991.
periódicos nacionais e estrangeiros; cerca de
SCHNEIDER, R.R.; Arima, E.; Veríssimo,
20 capítulos de livros e oito livros, entre os quais
A.; Barreto, P.; Souza Júnior, C. Amazônia
se destaca “Fishes of the Amazon” publicado pela
Sustentável: limitantes e oportunidades para o desenvolvimento rural. Série Parcerias no 1, T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Springer Verlag, Alemanha. Atual em várias sociedades científicas no Brasil e no exterior. Tem 31
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
participado de comições de trabalho entre as quais: Comitê de Ecologia e Limnologia do CNPq, Comissão de Ciências Biológicas I da CAPES, Comissão de Avaliação das condições de oferta dos cursos de Biologia do MEC, Comitê de Administração do IDS Mamirauá e do Comitê do Programa de Bolsas da Fundação Ford para ações afirmativas. Em 2000, na Inglaterra, foi concluído na Legião de Honra da American Fisheries Society, Physiology Section e, em 2002, recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico. Acredita que a ciência é uma atividade social com fins sociais. **José Arnaldo de Oliveira, cientista social pela Universidade Estadual de Campinas com especialização em informação ecológica pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Atualmente coordena a área de comunicação e campanhas do Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA), onde esteve em 2002 coordenando a campanha Amazônia na Rio + 10, com eventos preparatórios para a Conferência Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo.
32
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
A PESQUISA DE ELEMENTOS DA BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA A inovação, que garante sustentabilidade aos investimentos, é desafio em um país sem compromisso como o Brasil. A afirmação é do pesquisador Ednaldo Nelson da Silva, vice diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa, para quem a exploração sustentável da Amazônia depende de maior investimento
em
pesquisa
sobre
a
biodiversidade e de competência para se transformar o conhecimento gerado em inovação. Ele informa que a Amazônia, que corresponde a 60% do Território Nacional e onde vivem cerca de 20 milhões de pessoas, é responsável por 7% do PIB brasileiro e no entanto apenas 1% de todos os recursos investidos em pesquisa no Brasil são destinados à Região, quando o que se poderia esperar era que houvesse pelo menos correspondência entre a capacidade de producão e os investimentos em pesquisa, a exemplo de tantos outros países. O vice diretor do Inpa explica que em todos os demais países a pesquisa é realizada pela iniciativa privada, que emprega a grande maioria dos doutores e que, ao contrário, no Brasil 90% da pesquisa científica concentra-se nas instituições públicas, gerando um espaço muito grande a ser preenchido entre a geração do conhecimento e a transformação dele em inovação. Isto justifica, segundo ele, as investidas da Biopirataria e a apropriação do conhecimento gerado na Amazônia, sem qualquer participação lucrativa das praças de origem. Como exemplo ele cita tecnologias como a do “fishburger” e da “bananaship”,
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
33
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
desenvolvidos
pelo
Inpa,
mas
só
exemplo bem mais próximo, segundo o vice
comercializadas sob forma de produtos depois
diretor do Inpa, é o dos treze plantadores de soja
que a Unicamp passou a utilizar o
em Humaitá, que investiram em um “pacote
conhecimento. A verdade – afirma Ednaldo
tecnológico” e que agora se vêem em falência,
Nélson, é que no Brasil “nem o poder público,
por falta de respaldo científico.
nem a iniciativa privada estão sabendo se
Além da escassez de recursos para a
apropriar do conhecimento gerado pelas
pesquisa científica, o pesquisador cita como
instituições de pesquisa para gerar emprego,
outro problema estruturalmente sério para que
renda, enfim, desenvolvimento”. Trata-se, na
o Brasil possa vencer o desafio da inovação, a
visão
dele,
de
um
problema
de
contextualização, uma vez que o Inpa e as demais instituições trabalhariam voltadas para si e que o governo, por sua vez, nada faria para integrá-las à iniciativa privada.
forma de se fazer planejamento a cada quatro anos, por razões eleitoreiras. “Enquanto nos países bem sucedidos – afirma - o tempo dos planejamentos para pesquisa é determinado por critérios científicos, no Brasil os orçamentos de pesquisa são determinados a cada mandato, o
SOLUÇÕES COM EMBASAMENTO CIENTÍFICO
que inviabiliza a pesquisa científica, uma vez que o repasse dos recursos é interrompido e
Em resposta a acusações que ele próprio cita de que o Inpa não coloca produtos no mercado, ele explica não ser esta a missão
que se perdem experimentos. “Qual dos últimos governos lançou uma política nacional de ciência e tecnologia para a Amazônia?” - pergunta - e
da instituição e nem a formação de seus
destaca: “Dizer que a Amazônia é prioritária é
pesquisadores. O vice diretor explica que
apenas um sinal, pois a realidade se faz mesmo
existem
com investimentos”.
duas
linhas
de
geração
do
conhecimento : a que gera produtos para
Com base em todos os pontos que
exportação a partir do conhecimento da
levantou, Ednaldo Nelson esclarece que o Inpa,
biodiversidade e a que gera conhecimento para
desde março do ano passado, reavaliou, para
proporcionar desenvolvimento e melhor
se adaptar ao desafio da inovação, o seu
qualidade de vida, em que o Inpa atua
posicionamento estratégico e redirecionou a sua
prioritariamente. Para ele, quando se trabalha
atuação para incubadoras de empresas,
gerando conhecimento para o desenvolvimento,
difusão do conhecimento que gera, estímulo ao
precisa-se encontrar soluções efetivamente
conhecimento sobre propriedade intelectual e
baseadas no conhecimento científico, de forma
negócios e sintonia com os programas
a se garantira sustentabilidade delas e não
governamentais, sobretudo com o programa
simplesmente importar-se tecnologias , que
Zona Franca Verde, do governo estadual.
podem vir a ser muito bem sucedidas
Quanto aos projetos que estão sendo
temporariamente, mas que declinam logo
desenvolvidos pelo Inpa em direção ao
depois. Como exemplo ele cita o Chile, que está
desenvolvimento sustentável, ele destaca o
fazendo sucesso internacional - segundo ele,
manejo de florestas naturais e a recuperação
com os dias contados - como exportador de salmão, a partir de tecnologia importada. Outro 34
das áreas degradáveis; o conhecimento e a utilização dos peixes da Amazônia; a utilização T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
dos produtos florestais, estudo dos genomas
entender as variações sócio-epidemiológicas e
animais e vegetais; aproveitamento do
sócio-antropológicas do processo saúde/
conhecimento indígena e estudo das áreas
doença e ainda os significados histórico-
alagáveis. Segundo Ednaldo Nelson, estes
culturais do mesmo processo nas mais
projetos têm grande potencial para proporcionar
diversas etnias que habitam a região. Como
melhores condições de vida para as
explica o vice diretor da instituição na Amazônia,
comunidades e desenvolvimento para Região
Sérgio Bessa Luz, a Fiocruz começa a pensar
e estão disponíveis. Sobre as áreas
na Amazônia não só como natureza, mas
degradáveis, ele explica que não se precisaria
também como sociedade, reconhecendo que
derrubar nem mais uma árvore na Amazônia
os recursos a serem estudados não advêm só
se aproveitássemos as áreas já sacrificadas.
da fauna e da flora, mas também da cultura dos
Quanto ao estudo dos peixes, ele destaca as
povos amazônicos. Dentre os 26 projetos
inúmeras possibilidades de industrialização do
desenvolvidos na área de sociodiversidade, ele
couro para a fabricação de bolsas; dos ossos
destaca o Observatório de Situações de Saúde,
para produzir farinha, e da própria carne. O
uma metodologia que visualiza e controla o
desperdício é enorme - afirma - tanto dos
comportamento das doenças em relação aos
nossos peixes quanto da nossa vegetação.
costumes culturais; e os Estudos Sócio -
Quanto ao conhecimento indígena, ele afirma
Antropológicos da Saúde, através do qual
que o Inpa reconhece a sua dívida para com o homem amazônico e que para revertê-la criou o Núcleo de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. O homem é objeto de atenção do Inpa também no estudo sobre as florestas alagadas, várzeas e igapós, onde precisa-se garantir a subsistência o ano inteiro.
O COMPORTAMENTO DA SAÚDE E DA DOENÇA NA AMAZÔNIA A preocupação com a qualidade de vida e saúde do homem amazônico também é uma das principais preocupações da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, que embora só tenha instalado a sua Unidade Técnico - Científica para a Região em junho de 2003, em Manaus, desenvolve pesquisas e estudos sobre a biodiversidade amazônica há mais de dez anos, nas áreas de biodiversidade em saúde, ensino e sociodiversidade. Na busca de conhecimento sobre o homem amazônico, a Fiocruz se desafia a T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
pesquisa o comportamento humano diante das doenças, entre eles, por exemplo, o porquê de 26% das pessoas que se tratam de hanseníase acabarem por abandonar o tratamento. Outra importante pesquisa da instituição é a que investiga o consumo da bebida alcóolica entre os indígenas. Com todas essas investigações, a Fiocruz espera poder, a médio e longo prazo, formatar uma base de conhecimento sobre as populações indígenas, afro-descendentes, ribeirinhos e moradores das periferias dos grandes centros. Na área de biodiversidade em saúde, os pesquisadores da Fiocruz desenvolvem estudos biológicos e biomédicos direcionados à produção de informações e tecnologias que contribuem para o controle das doenças prevalecentes e para promover o equilíbrio da saúde ambiental da Amazônia. Neste sentido, uma inovação a ser destacada é a da tecnologia para o diagnóstico molecular de doenças como malária, oncocercose, leishmaniose e até
35
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
dengue. O vice diretor e também coordenador
mecanismos imunológicos envolvidos na
da área de Biodiversidade em Saúde explica
resposta às infecções. Ainda segundo Sérgio
que o diagnóstico a partir do DNA é um processo
Luz, a grande vantagem que os países do
revolucionário e especialmente importante para
Primeiro Mundo possuem em relação a países
pacientes assintomáticos, que atualmente
como o Brasil está, justamente, no suporte que
sofrem muitos dias até que se possa confirmar
contruíram em pesquisa básica. Como
a enfermidade que os acomete, e muitas vez
exemplo, ele comenta que no caso da Aids,
com conseqûencias irreversíveis.
todos os avanços e resultados aplicáveis que
A Fiocruz Amazônia atua também na área
se conseguiu até hoje são devidos aos estudos
de Ensino em Saúde, preparando e capacitando
básicos de pesquisadores que se dedicaram
os recursos humanos necessários para o
durante anos e anos a entender os retrovirus.
desenvolvimento dos seus projetos e de outros
“Se já não se tivesse essa base, com certeza
de Saúde Pública. Para 2004, a instituição
até hoje estaríamos buscando o que fazer “ -
programou o primeiro Mestrado em Saúde
destaca.
Pública da Região e diversas especializações
O vice diretor da Fiocruz Amazônia
como Saúde Mental, Saúde da Mulher,
conclui que “embora exista um arcabouço
Antropologia de Saúde, Sistema de Informação
científico muito importante para que a inovação
em Saúde, entre tantas outras.
tecnológica aconteça, é necessário existir uma política específica que contemple a pesquisa
A ESCASSEZ DO CONHECIMENTO básica, no Brasil” e que só a partir daí o País BÁSICO poderá elevar a sua competência em inovação. Coleções Biológicas são depositários do produto Em abordagem sobre as dificuldades de
de pesquisa em sistemática, fisiologia e
fazer pesquisa em uma região tão desafiante
genética microbiana de material biológico.
quanto a Amazônia e sobre quais as inovações
Assim, as Coleções Biológicas possuem
obtidas ao longo de tantos investimentos na
potenciais valores científicos, ecológicos,
busca do conhecimento sobre a Região, Sérgio
educacionais, sociais e econômicos. Nesse
da Luz destaca que freqüentemente os
contexto, a Região Amazônica tem grande
pesquisadores são cobrados a potencializar
destaque no cenário Mundial pela sua
conhecimentos para que sejam obtidos
biodiversidade. A Fiocruz está consolidando no
resultados mais rápidos. Entretanto, a premissa
Estado do Amazonas o seu mais novo Centro
básica para qualquer país desenvolver
Regional de Pesquisa que tem desenvolvido
atividades de inovação tecnológica é possuir
dentro de suas áreas de atuação linhas de
uma forte base de capacitação científica em
pesquisa em entomologia, bacteriologia,
pesquisa básica.
micologia e biotecnologia. Todas essas linhas
Segundo ele, na área da saúde a inovação
tecnológica
de pesquisa apresentam como eixo agregador
depende
a estruturação de uma Coleção Biológica com
fundamentalmente da pesquisa básica. No
objetivo de preservação e conservação dos
desenvolvimento de vacinas ou de diagnósticos
recursos biológicos e genéticos gerados através
mais precisos, pouco avanço pode ser
de suas áreas de atuação. A potencialidade de
conseguido sem conhecimentos básicos dos 36
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
uma Coleção Biológica deve ser destacada,
da Embrapa. Ele destaca que a agricultura
ainda, nos aspectos relacionados com os
predominante na Amazônia está centrada na
produtos provenientes da utilização do acervo
pequena produção familiar, caracterizada por
biológico tendo em vista que o mercado Mundial
baixa remuneração do produtor, e que a
indica que a Biotecnologia é o setor mais
instituição vê na inclusão social do pequeno
promissor, superando inclusive a indústria
agricultor um dos seus maiores desafios. Para
tecnológica. Hoje, a maioria das decisões de
tanto, a Embrapa apoia o desenvolvimento da
políticas públicas se baseia em considerações
agricultura familiar, adequando tecnologias e
econômicas. Assim, a Coleção Biológica busca
sistemas de produção e manejo à realidade
demonstrar como estratégia que tem potencial
regional. O acesso do produtor às tecnologias
valor econômico e que a sua utilização é
é efetivado por ações de transferência
relevante na sua implementação, ou seja,
realizadas em parcerias com instituições como
apregoa ser imprescindível o reconhecimento
Sebrae e Idam, entre tantas outras.
do valor econômico das Coleções.
Destacando que a preservação dos recursos genéticos da Amazônia também é uma
COMPETÊNCIA TECNOLÓGICA COMO ESTRATÉGIA PARA PRESERVAÇÃO
das principais diretrizes, José Jackson Xavier defende que a maneira mais efetiva de se preservar é conhecer e orientar a exploração a
Para a Embrapa Amazônia Ocidental,
partir deste conhecimento e não se deixar de
que tem por missão viabilizar soluções
usufuir do que a natureza tem a nos oferecer.
tecnológicas para o agronegócio na região,
Ele explica que a biodiversidade tem por
visando ao desenvolvimento sustentável, a
característica
possuir
Biodiversidade da Amazônia é um campo aberto
multiplicidade
de
para pesquisas, geração de conhecimento e
contraponto possuir também uma baixa
desenvolvimento de competência tecnológica.
quantidade de cada uma das suas espécies e
Atuando na Amazônia desde 1973, a instituição
que, portanto, para se garantir uma exploração
comemora agora o maior banco genético de guaraná do mundo, garantindo a perenização da espécie, que seus técnicos e pesquisadores consideram finalmente domesticada e preservada. Segundo o Chefe Adjunto de P&D da Embrapa Amazônia Ocidental, José Jakson Xavier, a instituição se diferencia das outras instituições de pesquisas que se debruçam sobre a biodiversidade regional, por buscar soluções efetivas para melhorar a qualidade de vida da população e orientar suas pesquisas por necessidades ou demandas mercadológicas. Na opinião dele esse é um dos fatores que mais têm contribuído para o sucesso das pesquisas T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
uma
espécies,
elevada mas
em
sustentável é necessário que se tenha o domínio do conhecimento sobre essas espécies para que se possa garantir a subsistência delas e, ao mesmo tempo, a sustentação do consumo. Como exemplo, ele cita os casos do óleo da andiboba e do pau rosa, que estão sendo explorados indiscriminadamente, correndo o risco de se extinguirem, e que, no entanto, em nada têm interferido na qualidade de vida da população. O guaraná, em contrapartida, que segundo o Chefe Adjunto de P&D da Embrapa, até 30 anos atrás era apenas extrativo, agora propicia a sobrevivência de milhares de famílias,
37
A Pesquisa de Elementos da Biodiversidade na Amazônia
graças aos avanços obtidos através da
Ainda
falando
de
prioridades,
pesquisas em biologia molecular desenvolvidas
JoséJackson Xavier destaca o programa de
pela Embrapa. Hoje, a instituição já passou de
melhoramento da banana, visando ao aumento
cultivo de sementes para a produção de clones,
de sua resistência e qualidade e também o
capazes de elevar em pelo menos dez vezes o
projeto de recuperação da seringueiras,
rendimento de cada espécie.
dizimadas na década de 70 pelo microciclo ulei,
Outra característica da biodiversidade
que atacava as folhas e impedia a produção do
que, segundo o pesquisador da Embrapa,
látex, pondo fim, inclusive, ao Probor, um
dificulta a exploração sustentável da Amazônia,
programa que o governo federal à época
é que o solo é muito rico fisicamente, porém
desenvolvera para reabilitar a cultura da
muito
exigindo
seringueira na Amazônia. Hoje, ressalta o
conhecimento e tecnologias também para o seu
pesquisador, a Embrapa já dispõe da tecnologia
cultivo. Para tanto, a Embrapa tem desenvolvido
do tricomposto, que une as raízes de uma planta
pobre
quimicamente,
avançados sistemas de manejo do solo e de plantas e também do tratamento de pragas e doenças, características do alto grau de umidade na Região.
formando uma só espécie. “Se hoje existir um novo Probor – afirma José Jackson Xavier poderemos fazer renascer a cultura da borracha na Amazônia”.
PRIORIDADES REGIONAIS
A Embrapa dedica-se muito também ao
Além do guaraná, a Embrapa dedica-se prioritariamente
ao tronco de outra e à copa de uma terceira,
ao
conhecimento
e
desenvolvimento de tecnologias para a exploração sustentável de outras espécies, como a mandioca, arroz, feijão, milho e soja e também às chamadas espécies florestais, através de um projeto de zoneamento ecológico. Sobre as espécies florestais , José Jackson Xavier enfatiza, mais uma vez, que a Embrapa se dedica a atender necessidades do mercado, mas sempre visando à preservação e destaca
conhecimento
e
desenvolvimento
de
tecnologias para a exploração do dendê, para o quê já possui o maior banco de hemoplasma da América Latina, e um campo experimental de 420 hectares. O potencial de produção imediato chega a 4 milhões de sementes/ano, podendo, com o incremento ao programa de melhoramento, alcançar a marca de 8 milhões de sementes/ano, suficientes para a implantação de 40 mil hectares de dendezais/ ano. Outra prioridade é a piscicultura, uma vez
o caso do município de Iranduba, aonde o setor
que o consumo per capita de peixes diminuiu
oleiro consome um número muito grande de
muito na região, em razão da escassez
madeiras para queima, o que pode causar
provocada pela ação antrópica. Um quadro
danos à preservação. Para solucionar a
semelhante, segundo José Jackson Xavier, ao
questão, os técnicos da Embrapa estão
que aconteceu na China e que hoje se alimenta
d e s e n v o l v e n d o estudos para obter em
basicamente de peixes graças à mesma
quantidade suficiente para o consumo das
estratégia que a Embrapa está utilizando para
olarias uma madeira de alto valor calórico. “Ao
a Amazônia, ou seja, as tecnologias de
disponibilizarmos esse resultado, estaremos,
piscicultura em tanque escavado e em rede. A
mais uma vez, preservando os recursos
Embrapa está transferindo essas tecnologias
genéticos naturais”– destaca o Chefe Adjunto
diretamente aos produtores.
de P&D da Embrapa. 38
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am
CIÊNCIA ASSOCIADA À PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
científica e da demanda mercadológica; instalação de intranet para link direto com os laboratórios associados, definição dos
O Centro de Biotecnologia da Amazônia,
procedimentos a serem adotados para o acesso
criado pelo governo do Brasil em parceria com
à biodiversidade e compra e instalação de
a comunidade científica e o setor privado para
equipamentos e seus complementos.
promover o desenvolvimento sustentável da
O coordenador afirma ainda que as
Amazônia e tornar-se referência nacional e
dificuldades têm sido grandes, mas que quando
internacional em conhecimento e tecnologia
o Centro de Biotecnologia da Amazônia estiver
sobre a biodiversidade da região, ainda está em
efetivamente
fase de estruturação, embora já disponha de
“revolucionar todo o atual processo de geração
12 mil m2 de área construída, onde integram-
de conhecimento sobre a biodiversidade
se 26 laboratórios, central de produção de
amazônica”. Ele faz esta afirmação baseado no
extratos, incubadoras de empresas, alojamentos
perfil do CBA, que ele considera eficiente,
para pesquisadores e instalações administrativas e
moderno e competitivo, por associar a geração
de apoio à pesquisa.
do
em
funcionamento
conhecimento
às
vai
atividades
Segundo o coordenador de implementação
empreendedoras e à bioindústria, e assim
do Centro, Imar César de Araújo, a assinatura
gerando a competência que o Brasil precisa
de um acordo entre os ministérios do Meio
para transformar dinheiro em conhecimento e
Ambiente, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento,
tecnologia e conhecimento e tecnologia em
Indústria e Comércio, costurado para o próximo
dinheiro, completando assim o ciclo do
mês, pode garantir o repasse da verba
desenvolvimento sustentável .
necessária para que o CBA dê início à
Para
tanto,
o
coordenador
de
contratação de recursos humanos qualificados
implementação explica que uma das atuações
e inicie, finalmente, as suas atividades de
mais significativas do CBA será justamente a
pesquisa e inovacão tecnológica. Ele explica que
de colocar a pesquisa a serviço do mercado.
o governo anterior, na proximidade do final de
Ele explica que “o Brasil é um país bom de
mandato, optou por não mais tomar decisões
transformar dinheiro em ciência e ruim de
relativas à implementação do centro, e o governo
transformar ciência em dinheiro”, ou seja, que
atual apenas em setembro último retomou as
não completa o ciclo de desenvolvimento e que
discussões sobre o modelo de gestão a ser
enquanto
adotado para a instituição, o que provocou
desenvolvida, não se tem desenvolvimento
atrasos e poderia ter inviabilizado totalmente
sustentável. Ele afirma ainda ser preciso
qualquer iniciativa. Isso só não aconteceu, explica
abandonar as pesquisas baseadas apenas nas
o coordenador, porque a Suframa, através de
idéias do pesquisador e orientando novas
uma parceria com a Pepsi e a Fucapi, garantiu
pesquisas a partir da demanda do mercado.
a verba necessária para desenvolver um projeto
Como exemplo ele comenta que muitas
de estruturação do CBA, desenvolvido ao longo
pesquisas podem ser boas para a ciência em
de todo este ano de 2003. A estruturação do CBA
si, mas apresentam pouca valia para a
contempla o planejamento e o relacionamento
promocão do desenvolvimento que o Brasil tanto
da instituição com os seus parceiros e com o
precisa.
esta
competência
não
for
mercado,incluindo análise da oferta da comunidade T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
39
Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am
RECURSOS HÍDRICOS URBANOS - PROPOSTA DE UM MODELO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO INTEGRADA E PARTICIPATIVA NO MUNICÍPIO DE MANAUS - AM.
Andréa Viviana Waichman* João Tito Borges**
INTRODUÇÃO Nas últimas décadas a Região Amazônica passou a ser motivo de um grande interesse por parte do governo na tentativa de sua
incorporação
ao
modelo
de
desenvolvimento econômico nacional e de sua ocupação. Desta forma, o governo desenhou um conjunto de programas e planos visando ao estabelecimento, em nível nacional, de um equilíbrio geopolítico interno. Uma das estratégias adotadas foi a de implantação de grandes projetos industriais que se constituiriam em pólos de crescimento em torno dos quais iriam surgir centros motores da economia regional. Assim, atraídos por uma política de incentivos fiscais, diversos projetos foram implantados a partir do final da década de 60. Uma das características destes projetos foi a alta tecnologia empregada, o alto grau de organização na exploração dos recursos naturais e o grande volume de produção. Um dos primeiros projetos implantados na região foi a Zona Franca de Manaus, criada em 1967, por meio do Decreto-Lei n.o 288, cujo objetivo foi desenvolver um pólo industrial, comercial e agrícola no Estado do Amazonas, servindo de pólo de desenvolvimento para a Amazônia Ocidental. Entre 1970 e 1974 foram investidos 523 milhões de dólares para a instalação de 321 projetos. Embora criada em 40
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am
1967, a Zona Franca de Manaus somente
uma só estação) previsto no projeto inicial de
começou a funcionar em 1972, ocasião da
instalação do Distrito Industrial não fora
conclusão das obras do Distrito Industrial.
executado. No ano de 2003, o que existem são
A instalação da Zona Franca de Manaus
sistemas de tratamento de efluentes sob a
gerou um movimento migratório que levou a um
responsabilidade das próprias empresas, o que
rápido crescimento populacional nos principais centros urbanos da região. Este processo aumentou a pressão poluidora sobre os sistemas hídricos urbanos, com impactos que se evidenciam no contexto ecológico, econômico e social, refletindo-se na perda de qualidade de vida, prejuízos econômicos e
propicia uma maior dificuldade de fiscalização e controle por parte dos órgãos de controle ambiental. Além de estarem sendo utilizados para moradia da população de baixa renda sobre suas superfícies, os igarapés de Manaus se constituem em lixeiras e receptores de esgotos sanitários e industriais (Figura 1). Neste
mudanças drásticas nas características dos
contexto, a bacia do Igarapé do Quarenta,
ecossistemas e da paisagem de Manaus. A ZFM
compondo grande parte de sua área dentro do
se constituiu num pólo atrativo de mão de obra
distrito industrial, é uma das bacias urbanas
barata acentuando o fluxo migratório fazendo
mais degradadas no município (Figuras 2 e 3).
com que a população passasse de 283.685
Essa degradação é resultado do desmatamento
habitantes em 1970 a 1.403.796 em 2000. Este
de suas margens com posterior ocupação por
crescimento demográfico, e a conseqüente
palafitas e conjuntos residenciais, lançamento
expansão urbana, não foram acompanhados de
de lixo, esgotos sanitários e da carga despejada
investimentos em obras de infra-estrutura,
pelas indústrias.
principalmente no setor de saneamento básico. A área do Distrito Industrial de Manaus possui um ordenamento para uso e ocupação do solo sendo que a Resolução 520 da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) traz disposições sobre o controle da poluição. Enquanto as áreas destinadas à
Os governos municipal e estadual vêm implementando ações que se concentram principalmente na retirada de resíduos sólidos dos igarapés e na canalização dos leitos. Porém, esta medida não tem sido suficiente, pois, em pouco tempo o cenário volta a ser o mesmo devido à descontinuidade das ações, evidenciando, portanto, a necessidade de um modelo de gestão integrado e participativo dos
implantação das indústrias foram planejadas
recursos hídricos urbanos que seja adequado
para prover a infra-estrutura e serviços
à realidade local e replicável ao nível regional.
adequados para o seu funcionamento, as moradias
dos
trabalhadores
foram
estabelecendo-se na periferia da cidade, sem nenhum planejamento. A classe menos
PROPOSTA PARA O APRESENTADO
PROBLEMA
favorecida estabeleceu-se em áreas menos valorizadas para suas moradias, entre elas, as
A partir do problema exposto, um grupo
margens dos igarapés. Ressalta-se o fato de
de pesquisadores da Universidade do
que o sistema de tratamento de efluentes
Amazonas (UFAM), juntamente com a
unitário (tratamento de todos os efluentes em
Fundação Centro de Análise, Pesquisa e
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
41
Recursos Hídricos Urbanos - Proposta de um Modelo de Planejamento e Gestão Integrada e Participativa no Município de Manaus - Am
mananciais de água doce e garantir a sua
participativo não implica em deliberações ou
existência para as futuras gerações. Esse
discussões isoladas. Ele demanda uma
processo só é possível a partir do envolvimento
profunda mudança na postura de gestão, onde
da sociedade e do estado nas diferentes
os tomadores de decisão se aproximam da
instâncias de planejamento do desenvolvimento
sociedade e consideram suas necessidades,
e de elaboração de políticas públicas para o
vivências e experiências. A participação implica
setor. Além disto, a água pode ser vista pela
no trabalho conjunto para o estabelecimento de
sociedade de várias formas, dependendo do
critérios, para o manejo sustentável,
nível de decisão, influência e necessidades dos
identificando prioridades e superando entraves.
diferentes grupos sociais. Entender essas
A equipe técnica do projeto que está
diferentes percepções é relevante porque elas
coordenando o processo de planejamento vem
condicionam a maneira de se realizar o
realizando as articulações institucionais e
planejamento e gestão dos recursos. Sendo
identificando os diferentes atores sociais que
assim, a água pode ser tratada como uma
devem fazer parte do processo, como as
mercadoria (commodity), uma necessidade
associações de moradores, associações
social e de sobrevivência humana ou um
industriais e comerciais, sindicatos, lideranças
recurso estratégico ou ecológico.
formais e informais, prefeituras municipais,
O planejamento e a gestão não podem
órgãos públicos estaduais e federais. A
ser vistos como a organização prévia e rígida
articulação entre os diferentes atores deverá
dos diversos recursos disponíveis em função
gerar um processo de cooperação e de arranjo
de objetivos e metas estabelecidas por
institucional que permitirá o fluxo contínuo de
instituições e técnicos. Ao contrário, deve surgir
informações, de trocas de serviços e de apoio
da interação dos atores sociais, coordenando
mútuo. Entende-se que a cooperação
os esforços e em função de objetivos
implementada possibilitará o intercâmbio de
estabelecidos em comum. Assim, a criação do
saberes, a valorização de habilidades, enfim a
modelo e sua implantação se darão a partir da
instituição de um rico processo de crescimento,
ampla participação da sociedade. Esta é uma
onde cada entidade em sua esfera se fortaleça
das lições que foram aprendidas depois dos
na força coletiva e se exercite um avanço no
insucessos na gestão de recursos hídricos nas
exercício da excelência e da participação cidadã.
últimas décadas, onde a população local
O modelo de gestão vislumbrado deve
somente pagava pelo uso, pela degradação
ter na informação a matéria-prima essencial
realizada ou pela recuperação de áreas
para o planejamento, a formulação de políticas
impactadas. Para o sucesso da gestão será
e a tomada de decisão. Desta forma, as metas
necessário que todos os usuários reconheçam
estabelecidas no projeto incluem a identificação
que a participação não é simplesmente uma
dos usuários com a definição de seus principais
nova forma de discutir as mesmas soluções,
problemas e prioridades e a coleta de dados
mas sim, um fórum no qual deve-se incentivar
qualitativos (qualidade da água) e quantitativos
a proposição de novas estratégias para garantir
dos recursos hídricos (dados de vazão, área
a conservação dos recursos hídricos.
inundada e outros) em escala temporal e
Isto não é muito fácil, pois o processo T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
espacial, de dados sócio-econômicos e da 43
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
avaliação dos impactos provocados pelas
recursos hídricos, sendo um deles o projeto “Um
formas de ocupação. Essas informações
modelo de planejamento e gerenciamento de
deverão ser atualizadas e disponibilizadas
recursos hídricos urbanos para cidades
através de uma rede integrada pelos diferentes
amazônicas” do Fundo Setorial de Recursos
agentes sociais envolvidos, viabilizando sua
Hídricos do MCT. Universidade Federal do
manutenção.
Amazonas.
O processo de criação do modelo irá
E-Mail: awaichman@ufam.edu.br
promover a integração dos diversos usuários para a análise dos problemas e elaboração das
**João Tito Borges – Doutor em Engenharia
soluções possíveis. O grande desafio, após a
Civil, na área de concentração em Saneamento
criação do modelo será o envolvimento dos
e Ambiente pela UNICAMP. Professor do CESF-
diferentes setores na implementação e no
FUCAPI nos Cursos de graduação na disciplina
monitoramento das ações propostas.
de Gestão Ambiental e funcionário do CETAF (Centro Tecnológico Ambiental da FUCAPI) e
Conclusão
professor em cursos de especialização na UFAM, UTAM e Nilton Lins.
A gestão dos recursos hídricos e a
E-Mail: tito@fucapi.br
revitalização de bacias urbanas de Manaus devem ser baseadas na criação de uma nova consciência de interação entre os elementos comportamentais e tecnológicos, haja vista a forte identidade simbólica do povo amazônico com a água. Desta forma, a identificação dos interesses dos diferentes setores e a incorporação das oportunidades e limitações dos ambientes, da sociedade e da economia, são princípios que estão sendo considerados no processo de elaboração do modelo de planejamento e gestão integrada e participativa dos recursos hídricos, que promovam a melhoria da qualidade de vida da população e a recuperação dos igarapés, reintegrando-os à paisagem urbana.
*Andréa Viviana Waichman – Doutora em Biologia Aquática e Pesca Interior pelo INPA. Desde 1995 vem pesquisando os impactos antrópicos nos igarapés de Manaus. Coordena vários projetos relacionados à gestão de 44
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
A BIODIVERSIDADE NO ESTADO DO ACRE: CONHECIMENTO ATUAL, CONSERVAÇÃO E PERSPECTIVAS Moisés B. de Souza* Marcos Silveira** Maria Rosélia M. Lopes*** Lisandro Juno S. Vieira**** Edson Guilherme***** Armando M. Calouro****** Elder F. Morato*******
ACRE: UMA FRONTEIRA BIOLÓGICA E GEOGRÁFICA NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA. O Estado do Acre está localizado no extremo oeste do Brasil, em uma área de transição entre a Cordilheira andina e as terras baixas amazônicas, e inserido, ou próximo, de um dos mais importantes Refúgios Florestais do Pleistoceno, o “Refúgio do Leste do Peru-Acre” proposto por HAFFER (1969, 1974), VANZOLINI & WILLIAMS (1970), PRANCE (1973), BROWN et al. (1974), contudo não corroborado por RANZI (2000). A Amazônia sul-ocidental, em território brasileiro é caracterizada pela presença de rios barrentos e meândricos, com cursos instáveis e terreno relativamente plano, exceto em partes da bacia do alto Juruá, cuja topografia mais acidentada revela morros, rochas, cachoeiras e pequenas montanhas de até 600 m, em função da proximidade dos Andes. O clima no Acre é caracterizado por uma média pluviométrica anual que varia entre 1.600 mm e 2.750 mm, e pela duração da sazonalidade. No Acre, o déficit hídrico pode se prolongar por
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
45
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
até cinco meses na região leste, diminuindo
e “muito alta” para proteção da biodiversidade
progressivamente no sentido Sudeste-Noroeste
(ACRE, 2001). O Acre também é indicado como
(ACRE, 2001). Com uma estação seca
região prioritária para levantamentos biológicos, e
pronunciada, o leste do Estado revela afinidades
como “hot spot” para diversos grupos, por causa
florísticas fortes com o Brasil Central e as
da alta diversidade e de endemismos estreitos
formações peri-Amazônicas mais secas
(CONSERVATION INTERNATIONAL, 1991;
investigadas por PRADO & GIBBS (1993),
DINNERSTEIN et al., 1995).
enquanto no extremo noroeste, mais úmido, há
A alta diversidade biológica no Estado do
afinidades com os Andes e demais partes
Acre pode ser resultante da interação de um
periféricas da Amazônia ocidental.
conjunto de fatores bióticos e abióticos, como:
Até hoje, o Acre ainda é considerado um Estado isolado do resto do país,
origem e história geológica da região; mudanças
onde o
climáticas no passado; mecanismos de geração
melhoramento das estradas é um sonho
dessa diversidade ao longo do tempo;
regional, tanto do lado brasileiro como dos lados
heterogeneidade ambiental; características das
peruano e boliviano na Amazônia Sul-Ocidental.
condições climáticas atuais (pluviosidade,
Com os investimentos do Programa Avança
umidade, temperatura, e sazonalidade).
Brasil, o trecho acreano da BR-317, que ligará
As informações sobre diversidade florística
o Brasil aos portos do Pacífico, está concluído
do Acre oriundam originam-se de levantamentos
(BROWN et al., 2002). No entanto, existe uma
efetuados por especialistas botânicos, cujas
preocupação por parte da comunidade local
amostras estão depositadas no Herbário da
sobre os possíveis impactos sociais e
Universidade Federal do Acre e, ainda, do Banco
ambientais que essas obras possam causar na
de Dados da Flora do Acre.
região, uma vez que a rodovia cruza um “hot
Estudos sobre o inventário taxonômico da
spot”, e praticamente inexistem estudos sobre
biodiversidade de algas no estado do Acre são
os possíveis impactos.
incipientes, raros e estão concentrados na
Embora as mudanças nos padrões de uso
comunidade fitoplanctônica. Embora sua
da terra venham provocando a fragmentação
ficoflórula seja exuberante e extremamente
florestal, especialmente no leste do estado, dos
diversificada, o que pode ser comprovado pela
152.581.388 km2 (NÃO SERIAM m2 ?), o Acre
presença de representantes de todos os filos algais
ainda mantém 90% da sua cobertura florestal em
e considerável número de classes (VAN DEN
pé, e parte de sua área pertence à União, o que
HOEK et al., 1997), ainda é muito pouco
favorece o estabelecimento de mecanismos de
conhecida.
conservação (ACRE, 2001).
A FLORA E A FAUNA EM NÚMEROS
No vale do Juruá, ARCHIBALD & KING (1985) identificaram 73 espécies para o rio Moa e Lopes (dados não publicados), 56 espécies para
Resultados do Zoneamento Ecológico-
o rio Juruá. No vale do rio Acre, KEPPELER et al.
Econômico do Estado do Acre (ACRE, 2001), no
(1999a, 1999b), identificaram 35 espécies para o
seu componente “Indicativos para Conservação
lago Amapá, e LOPES & BICUDO (2003), 98
da Biodiversidade”, apontam que mais da metade
espécies para o lago Pirapora. Além disso, LOPES
da superfície do estado tem importância “extrema”
(dados não publicados) vem realizando um
46
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
inventário taxonômico apurado para o Estado e,
Na busca pelo aumento do número das
até o momento, foram identificadas e catalogadas
coletas botânicas e da qualidade das
436 espécies de algas fitoplanctônicas e perifíticas,
determinações, especialistas mobilizados para o
coletadas nos açudes e nos ecossistemas que
Acre nos últimos 30 meses, através do convênio
formam a planície de inundação do rio Acre.
UFAC/NYBG, coletaram cerca de 8.000 amostras.
O conhecimento da composição florística
Isso representa um impacto notável para o
dos ecossistemas do Acre, incluindo as coleções
conhecimento da flora regional, pois o herbário
histórias do botânico alemão Enest Ule, realizadas
levou pouco mais de 20 anos para incorporar
em 1901 e 1910, foi resgatado e está
17.000 amostras, e cresceu quase 40% em
sistematizado no Banco de Dados da Flora do
menos de três anos (SILVEIRA, 2003). Nesses
Acre (www.nybg.org/bsci/acre), gerenciado há
últimos 30 meses foram descobertas 32 espécies
mais de 13 anos pelo convênio entre a
novas de plantas, o equivalente a mais de uma
Universidade Federal do Acre (UFAC) e o New York
espécie nova por mês. Além da descoberta de
Botanical Garden (NYBG).
um número crescente de espécies novas para a
O banco de dados registra quase 20.000
ciência, análises de distribuições levantam um
amostras botânicas incorporadas à coleção do
número cada vez maior de espécies endêmicas
Herbário da UFAC e, desse total, estima-se que
estreitas (DALY, 2003).
existam no Acre aproximadamente 4.000
O Acre abriga 75 espécies de briófitas, 152
espécies vegetais, significando que a cada cinco
de pteridófitas e seis de gimnospermas (Zamia e
plantas coletadas na região, uma representa um
Gnetum), e constitui um centro de diversidade
novo registro para a base de dados.
para as palmeiras, abrigando mais espécies que
O conhecimento da flora do Acre está
a Bolívia inteira, e pelo menos 70% da flora de
distribuído geograficamente de forma irregular,
palmeiras da Amazônia ocidental (HENDERSON,
uma vez que a bacia do Rio Acre no leste, e a do
1995). Para a Amazônia, o Acre também é rico
Alto Juruá no noroeste, receberam maiores
em Myrtaceae, Araceae terrestres, e Pteridófitas.
investimentos, sendo que esta última concentra a
Além dos dados florísticos, informações
maioria das coletas botânicas efetuadas no estado
de 14 amostras de um hectare estabelecidas em
(DALY & SILVEIRA 2002). Em função disso, existe
diferentes tipos de floresta no Acre (SILVEIRA &
uma lacuna, ou “buraco negro” (SILVEIRA et al.,
DALY, dados não publicados), também ajudam na
1997) no conhecimento florístico na região da
compreensão dos padrões de diversidade, e no
bacia do Rio Purus, que apenas recentemente
desenvolvimento de modelos sobre densidade e
passou a ser alvo de expedições botânicas.
diversidade arbóreas para a Amazônia (TER
Apesar da quantidade de coletas ter
STEEGE et al., 2003). Para os padrões
aumentado nos últimos anos (SILVEIRA, 2003), a
Amazônicos, as florestas no Acre são pobres ou
média de 15 coletas em 100 km 2 ainda é
podem apresentar riqueza intermediária de
relativamente baixa quando comparada com mais
espécies. A Floresta aberta com bambus do
de 85 plantas coletadas em 100 km2 na Amazônia
gênero Guadua, por exemplo, abriga um número
Equatoriana (RENNER et al., 1990), e mais de 30
inferior a 100 espécies arbóreas por hectare
espécies em 100 km2 na região do Chocó, na
(SILVEIRA, 2001). Em determinadas Florestas
Colômbia (FORERO & GENTRY, 1989).
abertas com palmeiras, no entanto, é possível
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
47
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
encontrar até 201 espécies por hectare (SILVEIRA
amostragem é restrito a duas áreas (Alto rio Juruá
& DALY, dados não publicados), um valor não tão
e Bacia do rio Acre).
elevado em relação àqueles encontrados em
BEGOSSI et al. (1999) registraram 102
Manaus (OLIVEIRA & MORI, 1999), Iquitos no Peru
espécies no Alto Juruá, sendo essas espécies
(BALSLEV et al., 1987), e Cuyabeno no Equador
distribuídas nos gêneros Characiformes (7
(VALENCIA et al., 1994), mas superior à riqueza
famílias; 40 espécies), Siluriformes (9 famílias;
documentada em mais de 50% dos inventários
51 espécies), Gymnotiformes (2 famílias; 3
realizados na Amazônia.
espécies), Perciformes (2 famílias; 6 espécies)
No que diz respeito à fauna, o Acre também
e Pleuronectiformes (1 espécie). Baseados no
apresenta uma diversidade alta de espécies, e tal
conhecimento de populações tradicionais e em
conhecimento está associado às coleções de
amostragens, CUNHA et al. (2002) registraram
referência mantidas pela UFAC (entomológica,
cerca de 130 espécies de peixes no Alto Juruá.
paleontológica, herpetológica, fauna aquática e
Trabalhos realizados por BRITSKI et al.
amostras taxidermizadas de espécimes da
(informação pessoal) na bacia do rio Acre
avifauna e da mastofauna), e às informações
indicaram a existência de pouco mais de uma
congregadas em um Banco de Referências
centena de espécies. Estudos de VIEIRA (2003)
Bibliográficas sobre a fauna do estado (ACRE,
na bacia do Riozinho do Rola, afluente do rio
2001).
Acre, revelaram 38 espécies de peixes, muitas Os animais da fauna regional somam
destas já incluídas nos inventários de BRITSKI
3.581 espécies, com destaque para a avifauna,
et al. (op. cit.), BEGOSSI et al. (1999) e CUNHA
anurofauna e mastofauna. No Acre é possível
& ALMEIDA (2001). Dados do Zoneamento
encontrar cerca de 30% dos sapos, rãs e
Ecológico-Econômico – ZEE (ACRE, 2001)
pererecas existentes no Brasil, 50% da avifauna
contabilizam 251 espécies de peixes
e cerca de 40% dos mamíferos brasileiros. Em
catalogadas para o Acre, representando 8,4%
função da proximidade dos Andes, o Acre também
do total de espécies de peixes registradas para o
é uma região de diversidade alta de borboletas.
Brasil. Dada a grande variedade de ecossistemas
O conhecimento sobre a ictiofauna de
e habitats existentes no Acre, acredita-se que o
água doce da região Neotropical, a menos
número de espécies de peixes deve ser muito
conhecida entre as regiões zoogeográficas do
maior do que aquele apresentado pelo ZEE
mundo (MOYLE & CECH, 1982), aponta para
(ACRE, 2001). O conhecimento da fauna de
2.400 espécies (MENEZES, 1996; LOWE-
anfíbios do Acre ainda é muito incipiente, mas o
McCONNELL, 1999), dentre as quais cerca de
suficiente para afirmarmos que este é um dos
1.300 estão presentes na Amazônia, muitas
locais de maior diversidade de anfíbios do
destas endêmicas. Os inventários no Acre são
planeta (SOUZA, 2003). Atualmente, são
pouco expressivos, uma vez que a região é
conhecidos em torno de 5.500 espécies de
considerada como “Área de
muito alta
anfíbios no mundo (FROST, 2002). Mais de
importância” para a conservação da biota aquática
1.700 destas espécies vivem na América do Sul
(cerca de 70% da área do estado do Acre),
e o Brasil é o país com a maior diversidade:
segundo o Seminário Consulta de Macapá
517 espécies (LEWINSOHN & PRADO, 2002).
(CAPOBIANCO et al., 2001). e o esforço de
Um grande número dessas espécies ocorre na
48
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
floresta Amazônica. No Acre, foram registradas
um centro de endemismo avifaunístico,
até o presente momento 126 espécies, 32
registra-se cerca de 723 espécies de aves, um
gêneros e 10 famílias representantes das
número expressivo que reflete a alta
ordens: Anura: Bufonidae (5), Centrolenidae (1),
biodiversidade da Amazônia, se comparado, por
Dendrobatidae
(57),
exemplo, com o total de aves registradas para
Leptodactylidae (40), Microhylidae (8), Pipidae
o cerrado sul-americano que é cerca de 759
(2) e Ranidae (1); Caudata: Plethodontidae (1)
espécies (SILVA, 1995), bioma este que possui
e Gymnophiona: Caeciliidae (1). Destas, 19
uma área quase 10 vezes maior do que a do
espécies ainda não tiveram a taxonomia a nível
Estado do Acre. De acordo com D. C. OREN
específico precisamente definida, sendo que
apud CAPOBIANCO (2001), na Amazônia
muitas destas podem representar novos
existem 283 espécies de aves consideradas
registros para a ciência, três são tidas como
raras ou com distribuição geográfica restrita.
endêmicas para o Acre, e 14 espécies
Dentre
representam o primeiro registro para o Brasil
aproximadamente 100 ocorrem no território
(SOUZA, 2003).
acreano, ou seja, 35% de todas as espécies
(10),
Hylidae
estas
observamos
que
A fauna de anfíbios do Acre é constituída
constantes na referida lista, sendo que as
por espécies adaptadas a ambientes abertos e
únicas espécies da família Psophiidae e
florestados; apresentam ampla variedade de
Momotidae, as três espécies da família Rallidae
estratégias reprodutivas, sendo que a maioria
e quatro das cinco espécies da família
depende de corpos d’água para a reprodução. Há
Galbulidae presentes, já foram registradas nas
espécies com distribuição na região tropical das
florestas do Estado do Acre.
Américas, espécies com ampla distribuição na
Considerando que os levantamentos
Bacia Amazônica, espécies restritas à Alta Bacia
ornitológicos no Acre estão, a exemplo dos
Amazônica, espécies com distribuição nas regiões
outros grupos animais citados, também
andina e subandina, além de espécies com
incipientes . Contudo , é provável que a riqueza
distribuição nas regiões central e sudeste do Brasil
de espécies de aves no território acreano
(SOUZA, 2003).
aumente significativamente nos próximos anos
Considerando que os levantamentos
a partir de novos estudos. Atualmente, estão
herpetológicos no Acre são preliminares e com
disponíveis na literatura dados de levantamentos
maior esforço de amostragem na parte oeste
realizados na bacia do rio Juruá (NOVAES,
do Estado (bacia do rio Juruá), espera-se que o
1957, 1958; WITTAKER & OREN, 1999;
conhecimento da riqueza de espécies de
WITTAKER et al., 2002) e na bacia do rio Acre
anfíbios
(PINTO & CAMARGO, 1954; GUILHERME,
no
Estado
possa
aumentar
significativamente nos próximos anos.
2001), estando a região central, bacia dos rios
O território brasileiro, com todos os seus
Purus e Tarauacá, desconhecida em relação a
biomas, possui cerca de 1.677 espécies de aves
sua ornitofauna. Este fato levou ornitólogos e
(LEWINSOHN & PRADO, 2002; SICK, 1997),
ambientalistas, durante o Seminário Consulta
sendo que destas, aproximadamente 1.000
de Macapá/1999 a indicarem esta parte do
ocorrem na Amazônia (CAPOBIANCO, 2001;
Estado como uma área prioritária para futuros
HAFFER, 1990). No Acre, que é considerado
inventários deste grupo biológico (MMA, 2002;
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
49
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
CAPOBIANCO, 2001).
de diversidade e biomassa. Baseado em
Os mamíferos do Acre foram pouco
estudos nas América Central e do Sul, ERWIN
inventariados, sendo a maioria das coletas
(1982) estimou que o número de espécies de
pontuais e decorrentes de estudos que não tinham
artrópodos existentes na região Tropical deve
como objetivo estimar a biodiversidade, mas sim
ser aproximadamente 30 milhões. A biomassa
embasar estudos de auto-ecologia ou referentes
de insetos sociais nas florestas tropicais do
aos efeitos da caça de subsistência (ACRE, 2001).
Brasil, por exemplo, excede 7 vezes a de todos
Em conseqüência disso, determinados grupos
os vertebrados (LaSALLE & GAULD, 1995).
taxonômicos
foram
negligenciados,
De interesse especial dentro da Classe
especialmente aqueles que refletem a riqueza
Insecta é a ordem Hymenoptera, que inclui as
faunística, como os quirópteros e os pequenos
formigas, vespas, abelhas e formas diminutas
mamíferos (marsupiais e roedores). No restante
denominadas vespas parasitóides. Esses
do Estado, especialmente entre o Rio Tarauacá e
insetos exibem considerável variação em
o Rio Iaco, levantamentos faunísticos para avaliar
forma,
a biodiversidade são ainda necessários.
ecossistemas terrestres.
comportamento
e
função
nos
No Parque Nacional da Serra do Divisor,
Mais da metade das espécies de vespas
foi realizado um levantamento sobre a riqueza de
pertence às famílias Pompilidae, Crabronidae e
mamíferos, enfocando a mastofauna e a
Vespidae. Não existem estimativas do número total
quiropterofauna (SOS AMAZÔNIA, 1998;
de vespas para o Brasil, devido à carência de
CALOURO, 1999), e confirmada a ocorrência de
estudos taxonômicos e sistemáticos. Segundo
mais de 100 espécies, uma diversidade alta de
AMARANTE (2002), devem existir no Brasil, só das
mamíferos em comparação com dados de outras
famílias Crabronidae e Sphecidae, cerca de 633
Unidades de Conservação da Amazônia,
espécies; no Acre foram registradas 40 espécies
considerando-se o fato de que os pequenos
de Crabronidae e Sphecidae (AMARANTE 2002),
mamíferos não foram inventariados.
porém, AMARANTE (informação pessoal), afirma
De modo geral, a riqueza de mamíferos no Acre é elevada, estimada em 209 espécies
que existem na região 100 a 200 espécies descritas desse grupo.
(ACRE, 2001). Essa estimativa precisa ser revista
Apesar das poucas coletas, os resultados
com levantamentos específicos, já que ela é
preliminares que começam a ser publicados
baseada em citações existentes na literatura.
apontam para uma grande diversidade com
Tendo isso em vista, essas espécies se distribuem
elementos novos ou de ocorrência restrita. Por
pelos seguintes grupos taxônomicos: Artiodactyla
exemplo, AZEVEDO et al. (2002) citam o registro,
(4), Carnivora (18), Cetacea (2), Chiroptera (103),
em apenas 12 dias de amostragem, de 102
Lagomorpha (1), Marsupialia (16), Perissodactyla
espécies de vespas da família Bethylidae coletadas
(1), Primates (20), Rodentia (33), Sirenia (1) e
no Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD).
Xenarthra (10).
Destas, a maioria deve ser constituída por
Dentre os invertebrados, atenção
espécies novas. Desse total, pelo menos 10
especial merece o Filo Arthropoda, e dentro
espécies do gênero Apenesia foram recentemente
desse, a Classe Insecta. Eles constituem o
descritas por AZEVEDO & OLIVEIRA (2002).
maior agrupamento animal existente em termos
Nesse mesmo levantamento rápido, MORATO &
50
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
PASSOS (1998) coletaram cerca de 85 espécies
da Peça de Defesa de Criação do Parque
de 40 gêneros de vespas solitárias e sociais.
Estadual do Alto Chandless e de uma Unidade de
Outro grupo que merece destaque é a guilda constituída por vespas e abelhas solitárias
Proteção Integral na região das Campinaranas do Sudoeste da Amazônia.
que nidificam em cavidades preexistentes.
Antes da implementação do ZEE, as áreas
MORATO (em prep.) coletou 40 espécies na
protegidas no Acre representavam menos de 30%
Fazenda Experimental Catuaba, município de Rio
de sua superfície. Porém, com a criação das novas
Branco, valor superior ao obtido por MORATO &
UCs, e incluindo as Terras Indígenas, o total de
CAMPOS (2000) nas áreas do projeto “Dinâmica
áreas protegidas passa a corresponder a 47,8%
Biológica de Fragmentos Florestais” (PDBFF) (24
do estado, ou 7.825.035 hectares (5.657.889
espécies), ao norte de Manaus. Foram coletadas
hectares em UCs).
na Reserva Catuaba, 29 espécies de abelhas
Como resultado da implementação do
dessa guilda, sendo algumas delas novas para a
ZEE e do cumprimento dos indicativos do
ciência, e uma delas recentemente descrita
“Workshop Estudos da Biodiversidade no Âmbito
(MOURE, 2003). Esse número é superior aos
do ZEE/AC”, a expansão do atual Sistema de
obtidos em outros locais da Amazônia (MORATO
Unidades de Conservação (UCs) Estadual
& CAMPOS, 2000).
causará um impacto no Sistema Nacional de
Em se tratando de insetos, um outro grupo
Unidades de Conservação (SNUC). Uma parte do
de grande interesse são os Lepidoptera
Acre forma o Corredor Biológico Oeste da
(borboletas e mariposas). BROWN & FREITAS (
Amazônia, considerado o de maior prioridade para
2002), registraram 1.620 espécies para a região
a conservação da biodiversidade e manutenção
do alto rio Juruá, mas há indícios de que o número
de serviços ambientais, e seu fortalecimento
poderá chegar a 2.000. Esses primeiros resultados
complementará o SNUC, possibilitando a
sugerem que a fauna desses grupos de insetos
interligação com o corredor Norte. A criação de
têm uma grande diversidade no Estado do Acre.
uma rede de áreas protegidas manterá amostras
ÁREAS PROTEGIDAS A aplicabilidade das informações sobre a biodiversidade redunda em voz ativa nas políticas ambientais no Acre, uma vez que tais informações têm causado um impacto positivo em ações relacionadas com o desenvolvimento de estratégias de conservação e de manejo dos recursos naturais. Os levantamentos da biodiversidade efetuados nos últimos anos no Acre subsidiaram a elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico, do Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra do Divisor, do Plano de Desenvolvimento das Reservas Extrativistas Chico Mendes e Alto Juruá e, mais recentemente, T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
representativas da biodiversidade, podendo se estender para além das fronteiras nacionais. Os dados básicos sobre os organismos normalmente estão associados às coleções científicas de referência, que oportunizam o acesso à identidade e às informações sobre a localidade, ambiente, características morfológicas, hábitos, etc., das espécies amostradas, e ali incorporadas. Contudo, anos de investimento em recursos humanos e financeiros podem estar comprometidos, devido à falta de infra-estrutura para a manutenção, organização e criação de coleções científicas. Considerando a imensa diversidade de ecossistemas e habitats, pode-se afirmar que os 51
A Biodiversidade no Estado do Acre: Conhecimento Atual, Conservação e Perspectiva
esforços
empreendidos
na
busca
do
MORATO, M.
Diversidade de Bethylidae
conhecimento da biodiversidade no Acre são
(Hymenoptera) do Parque Nacional da Serra do
pouco representativos. Tal fato decorre
Divisor, Acre, Brasil e seu uso no plano de manejo
principalmente da falta de incentivos para a fixação
e conservação da área. Acta Amazônica, v.32. n.1,
de pesquisadores e para a pesquisa sobre
p. 71-82. 2000
biodiversidade na região amazônica. BÖHLKE et
BALSLEV, H.; LUTEYN, J.; OLLDAARD,
al. (1978), por exemplo, afirmaram que o número
B.; HOLM-NIELSEN, L. B. Composition and
de espécies de peixes da América do Sul poderia
structure of adjacent unflooded and floodplain
ser elevado em mais de 40% se as amostragens
forest in Amazonian Ecuador. Opera Botanica, v.
fossem intensificadas e geograficamente melhor
92, p.37-57. 1987.
distribuídas. Para o Acre pode-se esperar um
BEGOSSI, A.; SILVANO, R. A. M.;
aumento significativo no número de espécies
AMARAL, B. D.; OYAKAWA, O. T. Uses of fish
conhecidas, caso haja a implementação de
and game by inhabitants of an extractive reserve
programas regulares de amostragem. Tal fato
(Upper Juruá, Acre, Brasil). Environment,
indica a grande importância da aplicação de
Development and Sustainability, v.1, p. 73-93.
recursos para a pesquisa da biodiversidade do
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VAN
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T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
T.; 55
Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável *
MOISÉS BARBOSA DE SOUZA - Professor
****
LISANDRO JUNO S. VIEIRA - Pesquisador
Adjunto do Departamento de Ciências da
Visitante com Bolsa do Programa Especial de
Natureza da UFAC. Graduado em Ciências
Estímulo à Fixação de Doutores – PROFIX
Biológicas com especialização em Ecologia da
(CNPq) na Universidade Federal do Acre.
Amazônia pela Universidade Federal do Acre
Bacharel em Ciências Biológicas pela
(UFAC); Mestre em Ciências Biológicas –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Zoologia, pela Universidade Federal do Paraná
Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela
(UFPR); Doutor em Ciências Biológicas –
Universidade Federal de São Carlos; Doutor em
Zoologia, pela Universidade Estadual Paulista
Ciências – Ecologia e Recursos Naturais pela
(UNESP) Campus de Rio Claro – SP. Desde
Universidade Federal de São Carlos. Desde de
1987 realiza pesquisa sobre comportamento,
1988 realiza pesquisas em ecologia de peixes
ecologia e sistemática de anfíbios e répteis na
e ecologia de ecossistemas aquáticos.
Região Amazônica brasileira e de países
lisandro@ufac.br
vizinhos.
*****
EDSON GUILHERME – Professor do
MARCOS SILVEIRA - Professor Adjunto do
Departamento de Ciências da Natureza da
Departamento de Ciências da Natureza da
UFAC. Licenciado em Ciências Biológicas pela
UFAC. Licenciado e Bacharel em Ciências
Universidade Federal do Acre; Mestre em
Biológicas pela Universidade Estadual de
Ciências Biológicas (ornitólogo) pelo Instituto de
**
Londrina, Mestre em Ciências BiológicasBotânica pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília. Desde 1992 desenvolve estudos sobre a diversidade florística e a dinâmica dos ecossistemas florestais. Atualmente é Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Manejo de EcossistemasMestrado da UFAC. silveira.marcos@uol.com.br ***
MARIA ROSÉLIA M. LOPES – Professora
Adjunto do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC, Mestre e Doutora em Ciências Biológicas (Área de Concentração Botânica) pela Universidade de São Paulo. Realiza pesquisas sobre Taxonomia de Algas Continentais, Limnologia e Ecologia do Fitoplâncton . É lider do grupo de pesquisas em Ecologia e Manejo de Ecossistemas e Recursos Aquáticos/CNPq. Vice-Coordenadora do
Pesquisas da Amazônia – INPA / Universidade Federal
do
Amazonas
–
UFAM.
guilherme@ufac.br ******
ARMANDO M. CALOURO - Professor
Assistente do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC. Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília - UNB. Doutorando em Ciências – Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos. acalouro@bol.com.br *******
ELDER F. MORATO
-
Professor
Assistente do Departamento de Ciências da Natureza da UFAC. Mestre em entomologia pela Universidade Federal de Viçosa, MG. Doutorando em ecologia, Conservação e Manejo de vida silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Desde 1988 trabalha com biologia e ecologia de vespas de comunidade s de vespas e abelhas na Região Amazônica. esderfmorato@yahoo.com.br
Programa de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais da UFAC. roselia@ufac.br 56
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável
REDES SOLIDÁRIAS E MERCADO JUSTO: ALTERNATIVAS PARA A PLANETARIEDADE SUSTENTÁVEL Maria Katherine Santos de Oliveira* Regina Melo** Uma utopia coletiva. Assim muitos autores definem as redes solidárias espalhadas ao redor do mundo e o intercâmbio do comércio justo, através de uma economia popular – iniciativas que germinaram, especialmente no norte da Europa, há 40 anos, e que vêm trazendo perspectivas promissoras para a prática do desenvolvimento ecologicamente sustentado e a manutenção do planeta. As redes solidárias e o comércio justo são peças de um mesmo quebra-cabeças, que traz em sua montagem a construção de uma nova visão sistêmica da vida, como nos propõe o físico Fritjof Capra, baseada nos princípios holísticos, e representam a preocupação de grupos e pessoas com o desenvolvimento das comunidades locais, práticas de conservação e equilíbrio dos ecossistemas. Segundo o Centro de Apoio à Economia Popular Solidária (CAEPS), de Passo Fundo (RS), cabe às redes a estratégia de conectar empreendimentos solidários de produção, comercialização, financiamento, consumidores e outras organizações populares (associações, sindicatos, ONGs, etc.) em um movimento de realimentação e crescimento conjunto, autosustentável, antagônico ao capitalismo e de promoção ao bem - viver de todos. As redes são responsáveis por estabelecer princípios de cooperação e qualidade, tomada de consciência, relação T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
57
Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável
eqüitativa entre homens e mulheres e o
organizações e a promoção de pequenos
processo de intercâmbio do comércio justo com
produtores, com o objetivo de minimizar a
instituições e entidades, entre as quais estão
distribuição desigual de bens e serviços entre
as organizações de produtores, consumidores,
os hemisférios Norte e Sul.
agências de certificação, centrais de compras
Com isso, a rede de Comércio Justo vem
ou importadores do comércio justo, lojas de
apresentando propostas aos diversos órgãos
comércio justo, distribuidoras e postos de
do Comércio Internacional. Na União Européia,
venda.
o parlamento aprovou a Resolução A4-198/98 sobre a promoção do Comercio Équo e Solidário
COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO
em 27/7/1998. Além disso, estão sendo pensados sistemas que promovam a inserção
O Comércio Équo e Solidário é uma rede
de critérios de responsabilidade social nas
de comercialização alternativa ao comércio
avaliações das certificadoras contratadas pelas
tradicional, o qual considera nas negociações
indústrias e empresas de serviços.
valores éticos, incluindo aspectos sociais e ecológicos.
Apesar da maioria das relações comerciais entre os excluídos e incluídos ainda
A profissionalização do Comércio Justo
serem do tipo ganha-perde, têm-se alguns
criou a primeira certificação de produtos
dados que já começam a fazer a diferença: na
eticamente
ecologicamente
Europa, o comércio justo e solidário vem
sustentáveis em 1988, na Holanda. A partir
crescendo 5% ao ano; o faturamento em
dessa iniciativa, começaram a surgir,
vendas dos produtos do comércio justo
principalmente
diversas
alcançou, em 1994, o valor de 205 milhões de
experiências nacionais de certificação com o
European Currency Unit-ECU (Posteriormente
selo do comércio justo (fair label), certificação
denominada Euro, a unidade monetária comum
orgânica e de qualidade, que também realizam
da União Européia). Atualmente, existem na
a importação e promoção dos produtos de
Europa mais de 3.000 lojas de comércio justo,
cooperativas, associações e pequenos
45.000 pontos de venda e contato com
produtores dos paises do sul. A EFTA (European
aproximadamente 800 organizações de
Fair Trade Association), a IFAT (International
produtores do hemisfério Sul. Dentre os países
Federation of Alternative Trade) e a RELACC
participantes da rede de comércio justo
(Red Latinoamericana de Comercialización
destacam-se, em valores absolutos de
Comunitaria) são exemplos de organizações
consumo: Alemanha, com 80,5 milhões;
que promovem o comércio justo e solidário no
Holanda, com 33 milhões, e Suíça, com 30
mundo.
milhões de ECU. É importante citar que na Suíça
justos
na
e
Europa,
Todas essas iniciativas se uniram, em
o comércio justo e solidário é responsável por
1997, à FLO – International (Fair Trade
aproximadamente 10% do faturamento de mel,
Labellining Organizations International) para
5% das vendas de café e 13% das vendas de
estabelecerem um selo de comércio justo
banana.
internacional. A partir de então, elas trabalham em colaboração para facilitar a exportação das 58
Apesar
de
minoritário,
quando
comparado ao comércio internacional T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Redes Solidárias e Mercado Justo: Alternativa para a Planetariedade Sustentável
tradicional, a força do Comércio Justo consiste
tecnologia apropriada e adaptada à realidade
no fato do beneficio econômico, os direitos dos
local; e o retorno ambiental – com
trabalhadores e o respeito pelo meio ambiente
desenvolvimento, implantação de critérios de
caminharem de mãos dadas. O movimento de
manejo sustentável e proteção dos recursos
comércio justo e solidário demonstra que a
naturais. Atualmente, a Rede possui projetos-
comercialização e a produção estão à serviço
pilotos nos municípios de Maués, Autazes,
das pessoas.
Manacapuru e Manaus.
Atualmente, o conceito de comércio justo vem se ampliando com a incorporação do comércio justo interno. A perspectiva é de que o desenvolvimento integrado e autocentrado passe a operar a partir da escala local e regional. Cabe aos governos a regulamentação do mercado de acordo com critérios ambientais e sociais, bem como a proposição de um contexto
Comerciante 35%
Hemisfério Norte 88%
Distribuidor 18%
Imposto 22%
jurídico para o comércio justo, além, é claro, de consumidores esclarecidos e conscientes quanto aos atuais padrões de produção e
Transporte 13% Imposto 5%
consumo.
Hemisfério Sul 12%
Produtor 7%
A EXPERIÊNCIA DA FUCAPI. Em Manaus (AM), a Fundação Centro de Análise Pesquisa e Inovação Tecnológica (FUCAPI), através do Centro Tecnológico
Distribuição do faturamento obtido com a venda de bananas no hemisferio Norte4. Fonte: FERNÁNDEZ, Amália,LÓPEZ, Montse. Comercio justo, consumo responsable. Barcelona: Intermón, 2000
Ambiental (CETAF) abraçou a proposta da Rede de
Produção
Sustentável,
com
a
responsabilidade tecnológica de trabalhar a perspectiva do mercado justo, com a inclusão das populações locais marginalizadas no
DESAFIOS PARA OS CIDADÃOS DO PLANETA.
processo de construção de um modelo econômico sustentável. Pautada em quatro diretrizes, a Rede de Produção Sustentável tem o compromisso de estabelecer: uma economia solidária – para comercializar produtos em mercados que
O primeiro passo para se estabelecer uma economia solidária, pautada nos princípios éticos de igualdade e respeito mútuos – um desafio para que as redes solidárias construam, também na Amazônia, uma utopia coletiva
valorizem o capital sócio-ambiental (mercado
promissora, é que se comece, então, a
justo); o progresso social – através do
questionar: O que “eu” consumo, promove o
fortalecimento social das organizações de
Comércio Équo Solidário? Afinal de contas todos
produtores; a adequação tecnológica – com o
os seres da espécie humana vivem no mesmo
beneficiamento descentralizado e utilização de
planeta. Ou será que não?
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
59
Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
Bibliografia sugerida: 1. MANCE, Euclides André. A revolução das redes. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. 2. MANCE, Euclides André.
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* Maria Katherine Santos de Oliveira - Coordenadora do programa Rede de Produção Sustentável do CETAF-FUCAPI. ** Regina Melo - Jornalista e Assessora de comunicação do programa Rede de Produção Sustentável da FUCAPI.
60
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
INDUSTRIALIZAÇÃO ORIENTADA PARA O MERCADO INTERNO “VERSUS” INDUSTRIALIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DE IMPORTAÇÕES, MAIS INDUSTRIALIZAÇÃO ORIENTADA PARA AS EXPORTAÇÕES
Antônio José Botelho*
RESUMO A Suframa administra o Projeto ZFM, estruturado na lógica da substituição de importações. Os recursos financeiros que gera, devem ser aplicados em sua totalidade para a construção de uma política industrial orientada para o mercado interno.
Introdução Fundamentalmente, o Projeto Zona Franca de Manaus (ZFM) representou, e ainda representa, a industrialização local a partir da substituição
de
importações,
agora
complementada com a orientação para as exportações. Aquela melhor caracterizada na década dos anos oitenta, esta na dos anos noventa, ambas do século passado. No sentido da construção de um ponto de inflexão para o Projeto ZFM, enquanto plataforma de oportunidades para a Amazônia Ocidental, impõe-se a tese de que a lógica do desenvolvimento regional, orientação ideológica da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), deve, progressivamente, ceder espaço para a nova utopia da humanidade encarnada no conceito de desenvolvimento sustentável (Botelho, 2003). Aquele, um conceito estruturado a partir da introdução, em espaços
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
61
Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
periféricos, portanto, de industrialização tardia,
técnicos, ou foram formados pela CEPAL,
de políticas públicas de desenvolvimento
instituição a serviço da construção do
concebidas exogenamente; este, estruturado a
desenvolvimento econômico dos países da
partir de concepções locais, mediante adoção
América Latina, ou pelo Centro de Treinamento
de tecnologias apropriadas. Há toda uma
para o Desenvolvimento Econômico e Social
reflexão filosófica neste ponto de inflexão, na
(CENDEC), do Instituto de Pesquisa
medida em que dever-se-ia alterar, ou pelo
Econômica Aplicada (IPEA), instituição nacional
menos complementar a lógica da substituição
que, de certa forma, seguia aquela orientação
de importações, pela de substituição de
metodológica, porque também tinha seus
exportações, onde o fulcro estratégico está
técnicos formados naquela CEPAL. Inclusive,
simbolizado pela oportunidade de se “cantar no
o próprio CENDEC veio, por diversas vezes, ao
mundo a aldeia local”. Na realidade, esta é a
“chão institucional” da Suframa repassar
oportunidade histórica do Projeto ZFM, na
conhecimento concernente ao desenvolvimento
medida em que, com os recursos financeiros
regional.
eficientemente gerados com a produção industrial delimitada por capital e tecnologia
Argumentos
exógenas, cuja apropriação dos lucros se dá por outras sociedades nacionais, poder-se-á
Para tanto, toma-se a percepção de que
elaborar uma política industrial que oportunize
a CEPAL trabalha segundo pressupostos que
a elevação da cultura amazônica em forma de
retroalimentam o processo de hegemonia
novos produtos e processos, criações que
pertinente à relação centro-periferia, conforme
inserirão competitiva e inteligentemente em
expresso na contracapa do livro “Dialética dos
definitivo a industrialização local no contexto da
Trópicos: o pensamento colonizado da CEPAL”
economia globalizada, cujos lucros apropriados
(Bautista Vidal e Vasconcellos; 2002): “Não se
localmente, retroalimentarão o sistema para sua
concebem teorias de desenvolvimento sem a
transição para a sociedade da informação,
dimensão autônoma da produção tecnológica,
quando a sustentação da economia passará a
base da valorização comparativa dos fatores
estar centrada não mais majoritariamente na
nacionais (locais-regionais) da produção. O
produção industrial, mas na produção do
modelo econômico da CEPAL visou a substituir
conhecimento.
importações
com
o
uso
de
pacotes
O grande desafio, entretanto, é acelerar
tecnológicos de corporações estrangeiras.
o ajustamento do modelo mental do chão
Ademais, essas teorias “descolaram” da
institucional da Superintendência da Zona
realidade física, subordinando-se às finanças e
Franca de Manaus (Suframa) para o conteúdo
à moeda de referência, ente abstrato que ignora
conceitual do desenvolvimento sustentável.
a natureza, a ciência (portanto descolada da
Também pudera. Senão todos, mas certamente
academia), a ecologia e o trabalho, agindo no
os principais homens de comando da
interesse arbitrário da oligarquia externa
organização ou que estiveram próximos das
emissora. Enquanto o país substituía
sucessivas administrações superiores ao longo
importações, industrializava-se pela atração
de sua história, além da maioria de seus
de corporações estrangeiras...” (acréscimos
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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
entre
parênteses
meus).
com o estabelecimento de parcerias, como por
Adicionalmente, os autores advogam, nas
exemplo, com o Programa Nacional de
páginas 11 e 12 que “a chamada “tecnologia
Agricultura Familiar (PRONAF) (Botelho, 2001).
externa” (exógena como tenho escrito em
Portanto, configura-se a necessidade de
minhas reflexões) é o principal meio de
se superar os esforços institucionais da
condicionamento e subjugação, mediante o qual
Suframa de atração de investimentos, com a
se molda e se controla a estrutura produtiva
inadiável construção de um ambiente
nacional para subordiná-la a interesses externos.
econômico que faça emergir empresas locais.
Isso acarreta graves conseqüências para o
Tal decisão, certamente, será convergente à
desenvolvimento, especialmente em setores
diretriz vinculada ao desenvolvimento
estratégicos, com efeitos diretos sobre a
sustentável e à substituição de exportações, a
educação em geral e as universidades em
partir da construção de uma política industrial
especial. Essa “tecnologia” engendra novo
orientada para o mercado interno, conforme
tipo
atinge
expressa a peça de candidatura de Lula,
profundamente a estrutura de produção, de
denominada de “O Lugar da Amazônia no
modo subjugador, como jamais imaginou o
Desenvolvimento do Brasil”, página 10: “A
mercantilismo colonial do século dezenove, que
proposta é substituir, por exemplo,... a
operava por ação externa no contexto dos
exportação de matéria-prima biológica por
mercados e das alfândegas” (acréscimo entre
conhecimento associado à biodiversidade,
parênteses e negrito meus).
assegurados os direitos das comunidades
de
e
negrito
colonianismo,
que
Por sinal, bem recentemente no âmbito
tradicionais. Isso significa que precisamos nos
da atual revisão regimental, perdeu-se a
transformar em sociedades baseadas no uso
oportunidade histórica de registrar no chão
do conhecimento mais do que das commodities
institucional a lógica do desenvolvimento
ou de produtos manufaturados”.
sustentável, quando não autorizou denominar
O que se espera é que a Suframa
o Programa de Interiorização da Suframa com
surpreenda, adotando uma postura, uma
aquela insígnia, preferindo o já surrado conceito
trajetória institucional que não esteja nem à
de desenvolvimento regional, embora ainda
direita nem à esquerda, mas simplesmente à
consignado na Constituição Federal de 1988,
frente, como, por sinal, exigirá a evolução do
no Capítulo que trata das desigualdades
conceito de desenvolvimento sustentável. Sua
regionais, para denominar a Coordenação Geral
prática, entretanto, até agora, está centrada,
pertinente (Botelho, 2003). Desconsiderando,
rigorosamente, no ícone da exportação, cujo
ainda, que a Suframa adota o conceito de
símbolo é o Projeto Everglade, um “armazém
desenvolvimento sustentável como pilar
alfandegado” a ser instalado no Porto de
estratégico desde 2001. Embora, a Suframa
Everglades, na Flórida (E.U.A.), exatamente
ainda não esteja com condições objetivas para
para facilitar, sobretudo, as exportações (e
aprovar negócios sustentáveis junto ao ideário
importações de insumos) high tech do Pólo
da interiorização, certamente, entretanto, seria
Industrial de Manaus (PIM), sob título de logística
um excelente passo para a sua conscientização
integrada. Portanto, uma trajetória institucional
institucional, além de buscar solucionar o óbice
ainda distante da lógica complementar (assim,
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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
não-excludente)
de
desenvolvimento
A importação, sem maiores restrições, de
sustentável estruturada na substituição de
tecnologias produziu enclaves, freqüentemente
exportações, estratégia intrínseca do Governo
desvinculados da economia local e regional,
Lula para a Amazônia.
criando
obstáculos
para
um
futuro
Para estabelecer instrumentos para
desenvolvimento industrial, mais racional e
discussão, para ampliar as oportunidades do
organizado” (negrito e acréscimos entre
Projeto ZFM para uma política industrial
parênteses meu).
orientada para o mercado local-regional,
Ora, Manaus e a região não estão
sinaliza-se reflexões de Rattner (1998, p. 41),
necessariamente ilesas de sofrer deficiências
quando afirma que a Industrialização
nos seus mercados, na medida em que os
Substitutiva de Importações (ISI) avançou no
produtos high tech do PIM não têm sinergia nem
Brasil: “... eliminando muitos produtores
com a nossa cultura nem com a nossa
nacionais e transformando a estrutura industrial
academia, embora seja possível construir essa
com a predominância de poderosos oligopólios
aderência. Por outro lado, as Contas Regionais
e, finalmente, da importação de tecnologias não
acusaram que a opção high tech determinou o
apropriadas, cujos efeitos redutores de emprego
declínio da atividade agrícola do Estado do
e geradores de evasão de moeda estrangeira,
Amazonas, embora ela possa ser retomada.
sob a forma de pagamento de dividendos, lucros
Evidentemente que se corre o risco de se perder
e royalties se fariam sentir a médio prazo”.
empreendimentos como o da Pronatus,
Ora, não se desconhece que a
AmazonErvas, Magama, Phitofarma, que,
operacionalização do Projeto ZFM dá-se a partir
efetivamente, deveriam estar sendo “carregadas
de capital e tecnologia exógena e que Manaus,
no colo” do poder público, mediante
ou que a região não consome mais de 10% (dez
disponibilização de crédito fácil, mediante
por cento) de sua produção, além do fato,
utilização do poder de compra do Estado, além
segundo o PNUD, de que Manaus conta hoje
de receber prioridades explícitas para os
com quase 600 (seiscentos) mil indivíduos na
investimentos de P&D visando a inovações em
linha da pobreza, cenário, portanto, convergente
seus chãos de fábrica (Botelho, 2003).
com a análise que aquele autor fez da opção
Mas, o que Rattner (1998, p. 58) advoga
de industrialização que o país adotou durante a
na sua política industrial orientada para o
segunda metade do século passado (Botelho,
mercado interno, o que converge para a lógica
2003).
da política industrial de substituição de Mas, vejamos o que Rattner (1998, p. 42)
exportações do Governo Lula para a Amazônia,
reflete sobre a Industrialização Orientada para
estruturada,
as Exportações (IOE), na medida de sua adoção
desenvolvimento sustentável, inicialmente frente
pelo Brasil: “Na ausência de um eficiente
aos pressupostos político-econômicos, está
planejamento macroeconômico e sob a pressão
sinalizado assim: “A teoria das “forças
de produzir para alimentar o fluxo de
produtivas” apresentada por Friedrich List
exportações, a estrutura industrial sofreu uma
polemiza contra o argumento das “vantagens
profunda falta de integração intra e intersetorial
comparativas” desenvolvido pelos clássicos
(local/regional), especialmente com agricultura;
(aqui representando a força dos incentivos
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obrigatoriamente,
no
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
fiscais). Para List, desenvolver as forças
bens e serviços de consumo coletivo (com
produtivas significa a construção de
insumos amazônicos substituindo importações
encadeamentos ou circuitos econômicos
e exportações); c) Vestuário e calçados (com
coerentes, dentro do território nacional
insumos amazônicos substituindo exportações
(desenvolvimento das cadeias produtivas das
– utilização do couro vegetal, por exemplo); d)
potencialidades regionais agregando valor,
Medicamentos (na lógica da biotecnologia,
portanto, substituindo exportações). Para
portanto,
conseguí-lo, seria indispensável proteger as
substituindo exportações); e) Papel e celulose
atividades de indústrias “nascentes” (Pronatus,
(talvez anacrônico para a região); f)
AmazonErvas, etc. como já dito) das pressões
Equipamentos e bens de capital, para todos os
da economia mundial. O isolamento temporário
setores acima mencionados (sem falar das
a ser implantado exigiria um forte Estado
iniciativas locais de turismo e piscicultura, por
nacional, capaz de assegurar o êxito das
exemplo) (acréscimos entre parênteses meus).
aspirações populares por mais independência
Às elaborações de Rattner, este autor
e auto-suficiência.” (acréscimos entre
adicionaria cinco medidas, a serem adotadas,
parênteses meus).
fundamentalmente, pelo Governo do Amazonas
com
insumos
amazônicos
Em linhas gerais, a política industrial
(Zona Franca Verde – trata-se de um Programa
orientada para o mercado interno de Rattner
de Desenvolvimento Econômico para o interior
(1998, p. 59) está assim definida: a) Um
do Estado estruturado no conceito de
aumento contínuo da produção agrícola,
desenvolvimento sustentável), com o apoio
melhorando a alimentação das populações
integral
carentes e suprindo as matérias-primas à agro-
Interiorização), contidas na política industrial dos
indústria (além de evitar evasão de divisas); b)
E.U.A. proposta pelo seu Secretário de Tesouro
A produção industrial de bens de consumo
Alexander Hamilton em 1791, adiante
acessíveis à massa da população (portanto,
transcritas: a) veto à exportação de matérias-
compatível com a estrutura salarial local-
primas necessárias às manufaturas (relativo à
regional); c) A fabricação de bens de produção
biopirataria); b) subsídios pecuniários para
para a agricultura e para a indústria; bens
fomentar indústrias (relativo desenvolvimento de
intermediários e de capital pesado; d) A
empresas com capital local-regional); c)
formação e ampliação constante da infra-
prêmios
estrutura de consumo coletivo, nas áreas de
superioridade ou excelência especial (quando
saneamento,
coletivo,
as empresas locais conseguirem conquistar o
comunicações, educação, saúde, habitação,
mercado externo, cantando no mundo a nossa
etc. (acréscimos entre parênteses meus).
aldeia, como fazem os produtos high tech do
transporte
da
Suframa
para
(Programa
recompensar
de
alguma
Ao nível geral, Rattner (1998, p. 82)
PIM); d) isenção tarifária para as matérias-
acrescenta a seguinte perspectiva específica:
primas das indústrias (desagravar literalmente
a) A agro-industrialização e a produção de
nossos insumos para a produção por parte de
alimentos (com insumos amazônicos); b) A
empresas com capital local-regional); e)
construção habitacional e a infra-estrutura
fomento de novos inventos e descobertas e
urbana básica, com expansão dos setores de
introdução dos que sejam feitos em outros
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
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Industrialização Orientada para o Mercado Interno “versus” Industrialização Substitutiva de Importações...
países, particularmente, os referentes à
Suframa ampliar sua participação na lógica da
maquinaria (especialmente na lógica da
interiorização do desenvolvimento em bases
biotecnologia) (acréscimos entre parênteses
sustentáveis, priorizando esforços institucionais
meus).
frente à rota já consolidada da aprovação de Como se vê, o Projeto ZFM está na
projetos industriais estruturados com capital e
esteira da lógica da industrialização adotada
tecnologia exógenas, na medida em que em seu
pelo Brasil, que redundou numa perspectiva de
discurso político, os elementos fundamentais
um projeto de estado em detrimento de um
estão centrados na lógica da exportação e do
projeto de sociedade, na medida em que há uma
adensamento da cadeia produtiva dos produtos
inequívoca simetria entre a política industrial de
high tech do PIM, em detrimento de todo um
substituição de importações e de orientação
universo de oportunidades que os recursos
para as exportações do governo brasileiro com
financeiros da Suframa favorecem para o
a política industrial dirigista do Projeto ZFM.
desenvolvimento endógeno, autóctone,
Entretanto, o Brasil e o Amazonas têm uma
estruturado na cultura e nos insumos
oportunidade histórica ímpar, com o Governo
amazônicos,
Lula,
esquerda
internacional inteligente, assegurado o consumo
progressivamente imprimindo alternativas
local-regional, cujas decisões de investimento
inteligentes, para transformarem os seus perfis
pertinentes devem sair da esfera político-
de industrialização local-nacional, o que
parlamentar para a técnico-estratégico. Aliás,
somente será possível com o que Rattner
não estaríamos fazendo nada além de ajustar,
chama de “dissociação seletiva”, que rompe
talvez, a organização pública federal mais
com o status quo pertinente aos defensores da
importante da Amazônia Ocidental, que é a
ISI e IOE, invertendo o grau de prioridade política,
Suframa, aos desígnios do Governo do
absolutamente necessário para determinar uma
Presidente Lula da Silva para a Amazônia.
quiçá
dialético
de
buscando
uma
inserção
política industrial (e também tecnológica porque
Veja-se exemplos bem recentes que
caminham juntas) orientada para o mercado
convergem para o conceito de desenvolvimento
interno, indiscutivelmente convergente para a
endógeno, autóctone. A Revista Amazônia:
política industrial de substituição de exportações
oportunidades & negócios, de abril/maio de
do Governo Lula, sinalizada para a Amazônia.
2003, traz nas páginas 32 a 35 quatro bons
Deve estar registrado que Rattner não nega a
exemplos: 1. O couro látex, que começa a ser
substituição
as
usado na fabricação de roupas, sapatos,
exportações, mas propõe uma forte inversão de
jaquetas, casacos, bolsas e outros acessórios,
prioridades, exatamente como se entende
está revitalizando a região de Machadinho do
inadiável para o Projeto ZFM, enquanto
Oeste em Rondônia e mantendo os seringueiros
financiadora de negócios sustentáveis na
na floresta das reservas extrativistas,
região.
proporcionando uma renda superior à do tempo
de
importações
nem
em que produziam apenas a borracha. O
CONCLUSÃO
sucesso do produto originou a marca Tecidos
Para finalizar, ratifica-se, com base na
da Floresta; 2. No Município de Xapuri, Acre, foi
presente reflexão, a oportunidade história da
criado o Pólo de Indústrias Florestais de Xapuri
66
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
(PIFLOX), uma iniciativa que busca industrializar
sócio-culturais próprias.
as matérias-primas retiradas da floresta de forma racional, permitindo a regeneração das espécies,
apoiando
REFERÊNCIAS BIBLIBOGRÁFICAS:
empreendimentos
sustentáveis baseados nos diversos usos dos
1. BOTELHO, Antônio José, pequenas
recursos florestais da região ao alto Acre e
lascas: reflexões junto ao modelo mental do
articulando todas as cadeias produtivas; 3. No
projeto zfm, Manaus, 2003;
coração da selva amazônica, 33 mulheres da Associação Vida Verde da Amazônia (AVIVE),
2. ANTÔNIO JOSÉ, Projeto ZFM: vetor de interiorização ampliado! Manaus, 2001;
em Silves, Amazonas, estão mudando suas
3. HAMILTON, Alexander, Relatório sobre
vidas e de suas famílias através de uma
as Manufaturas, Sociedade Ibero-americana,
atividade lucrativa e ecologicamente correta, a
Rio de Janeiro, 1995.
fabricação e venda de sabonetes de glicerina,
4. RATTHER, Henrique, Política
feitos com essência de plantas amazônicas
Industrial: Projeto Social, Editora Brasiliense,
com alto poder aromático e curativo, como o
São Paulo, 1988;
pau-rosa, preciosa, crajiru e babaçu; e 4. O
5. VIDAL, J. W. Bautista e Vasconcellos,
Sebrae/RR e ex-garimpeiros da Serra do
Gilberto F., Dialética dos Trópicos: o
Tepequém, em Roraima, estão mostrando que
pensamento colonizado da CEPAL, Instituto do
é possível promover o desenvolvimento
Sol, Brasília, 2002;
sustentável na Amazônia. As crateras criadas por anos de exploração do garimpo de diamante
*Antonio José Botelho - Especialista
naquela área estão sendo transformadas em
em Ciência Política e Mestre em Engenharia de
tanques para piscicultura.
Produção, ocupa cargo de Assessor Especial
Portanto, a Amazônia deve pensar
na Suframa.
grande como seu território, como o seu potencial hídrico, biológico e mineral, grande como seu povo que haverá de demonstrar ao Brasil e ao mundo sua capacidade de desenvolvimento autóctone. Nesta estratégia, devemos, apenas e tão somente, persistir, perseverar, insistir porque, por outro lado, estamos começando pequeninos frente à produção high tech do PIM. Mas, com a decisão política, pode-se antever os tecidos da floresta, os sabonetes glicerinados, os móveis com design amazônicos e os hambúrgueres de peixe ganhando o mundo, consolidado, como já dito, o consumo local-regional, que promoverá a formação e circulação de capital na região e a cultura da inovação a partir de exigências T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
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Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
DE GESTÃO AMBIENTAL NA CONSTRUÇÃO CIVIL EM MANAUS Maciel, Jussara Socorro Cury * Nogueira, Vicente Paulo Queiroz **
RESUMO As atividades da construção civil necessitam de mudanças em seu estilo, a fim de propiciar uma melhoria na organização do espaço urbano, do ponto de vista das práticas de gestão e do desenvolvimento da qualidade ambiental urbana. Parte-se da hipótese que a internalização de práticas de gestão ambiental na construção civil contribui para um melhor gerenciamento dos aspectos ambientais e minimização dos impactos. Este artigo apresenta uma metodologia para a investigação de alternativas sustentáveis de gestão ambiental baseada em algumas situações ocorridas em Manaus, relatadas como estudos de caso. Os parâmetros selecionados para investigação do presente estudo tiveram como pressupostos os princípios do desenvolvimento sustentável e os aspectos levantados no processo de licenciamento ambiental. Estudos de caso foram realizados em cinco obras distintas, com empreendimentos de diferentes portes, licenciados
ambientalmente
ou
não,
comparando os procedimentos em relação à sua gestão ambiental. Os resultados apresentados destacam o desempenho ambiental das obras estudadas, onde os aspectos ambientais são os principais tópicos de análise.
ABSTRACT
ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS 68
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
problemático, no que diz respeito à qualidade Activities from civil construction need a change in their style, so as to improve urban space
organization,
incorporating
ambiental das grandes cidades. Dentre as indústrias que utilizam em
the
demasia os recursos naturais, destaca-se o
environmental management practices and
setor da construção civil que, pois além de ser
development. It was assumed from the start that
responsável por grande desperdício de material
the internalization of environmental management
e energia, também colabora com a degradação
practices in the civil construction contributes to
ambiental, devido à má gestão dos recursos
a better management of environmental aspects
naturais, tais como água e solo.
and minimization of impacts. This article
Em Manaus, os problemas ambientais,
presents a methodology to investigate
também podem ser notados por meio do
sustainable alternatives in civil construction
desmatamento excessivo, da poluição dos
based on situations observed in Manaus. The
cursos d’água e da falta de um planejamento
sustainable development and aspects taken into
urbano na cidade.
account in the process issuing environmental
A construção civil interage com o meio
permits determined the parameters to be
ambiente, muitas vezes provocando impactos
investigated in this study. Case studies were
ambientais, gerados pelo o consumo de
carried out in five distinct construction sites, with
materiais, locação do empreendimento e até
different levels of complexity, licensed or not,
geração de resíduos.
comparing
the
procedures
from
the
Esta pesquisa teve como objetivo
environmental management. The results
analisar os procedimentos e técnicas utilizadas
presented highlight the environmental
pela construção civil no planejamento e
development of the construction sites, where the
instalação da obra, confrontando os mesmos
environmental aspects are the main topic of
procedimentos com os princípios de gestão e
analysis.
legislação ambiental. Outra finalidade deste
PALAVRAS-CHAVE Construção civil; impactos ambientais; desenvolvimento sustentável.
trabalho é propor um instrumento de mensuração e comparação entre as empresas da construção de diferentes naturezas em relação ao desempenho ambiental dos seus empreendimentos.
KEY WORDS Environmental impact; Civil Construction; Environmental Management.
1. INTRODUÇÃO
2. MATERIAL E MÉTODO A pesquisa foi realizada com o levantamento bibliográfico e coleta de dados. A coleta de dados ocorreu por meio de estudos
Ao longo dos anos, os recursos naturais
de caso, usando-se para o levantamento das
têm sido extensivamente explorados pelo
informações questionários e fotografias. Foram
homem, porém a questão ambiental tornou-se,
selecionadas cinco obras, de diferentes portes,
nas últimas décadas, objeto de estudo e
tipos, com características de intervenção
preocupação em razão de um quadro T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
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Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
distintas, licenciadas ou não, a fim de identificar
pontuação variando de 1 (um) a 4 (quatro),
os aspectos individuais relativos à intervenção
conforme quadro 2, a seguir:
ambiental. Para
compor
o
check
list
do
levantamento das informações, foram utilizados
QUADRO 2 – Conceito Ambiental
alguns princípios de sustentabilidade e as exigências legais utilizadas no licenciamento ambiental, considerando, como aspectos de intervenção, a mudança da paisagem com o desmatamento, a utilização da faixa de preservação permanente, a aquisição de materiais, a geração de efluentes e os resíduos sólidos, assim como a sua destinação. De posse das informações e dados coletados por meio de estudos de casos, tais levantamentos foram consolidados e analisados para compor uma tabela de peso, a qual tem o intuito de demonstrar a eficiência ambiental de cada obra. Foram analisadas, também, as alternativas utilizadas em cada empreendimento para minimizar os impactos ambientais das intervenções provocadas. Os portes das obras selecionadas seguiram a classificação de acordo com o quadro 1.
A eficiência ambiental é expressa pela quantidade de impactos causados por uma atividade industrial ao meio ambiente. A eficiência ambiental de um projeto depende das condições de conforto ambiental, assim como das alternativas propostas para minimizarem os impactos ao ambiente. Neste quadro, quanto menor o grau, menor é a eficiência ambiental do empreendimento.
3. ESTUDOS DE CASO. 3.1 ESTUDO DE CASO 1: Obra residencial de pequeno porte não licenciada ambientalmente.
QUADRO 1 – Classificação de obra por porte
Todos os aspectos ambientais possuem 70
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
A construção trata de um multifamiliar
há um grande desnível ao fundo do terreno.
com três pavimentos, totalizando uma área construída de 1.728 m², composta por 52
3.5. ESTUDO DE CASO 5: Obra comercial e
apartamentos no estilo compacto, com quarto,
residencial de grande porte licenciada
sala, cozinha e banheiro. A obra está em
ambientalmente.
andamento, sendo que os dois primeiros
Trata-se de um empreendimento
pavimentos já foram edificados.
residencial, médico e comercial, composto por
3.2. ESTUDO DE CASO 2: Obra industrial de
três torres, cada uma destinada a um tipo de
pequeno porte, não licenciada, em empresa não
serviço. Os três edifícios, separadamente,
certificada.
possuem 18 pavimentos, sendo que a
Trata-se de uma reforma em um galpão de área igual a 980m² e cuja área total construída
disposição interna está sendo dividida em 10 escritórios ou apartamentos por andar.
é de 1.564m². Houve aproveitamento do galpão principal
e
remanejamento
de
suas
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.
dependências internas. Há uma construtora diretamente envolvida e uma equipe técnica acompanhando a obra.
As informações coletadas nas obras estudadas, em sua maioria, possuíam características semelhantes, tais como: a
3.3. ESTUDO DE CASO 3: Obra residencial
proximidade do curso d’água, submissão ao
de grande porte licenciada ambientalmente.
processo de licenciamento, produção de resíduos sólidos e desmatamento.
O empreendimento trata-se de um
Dentre os dados apresentados,
multifamiliar com 19 pavimentos, sendo que 18
observou-se, por meio da pontuação adotada
andares possuem 2 apartamentos e um é
no quadro 1, que a obra nº 4 obteve o melhor
reservado para área de play ground. A área do
desempenho ambiental e que a obra nº 1
terreno é de 3.000m² e a área construída total é
apresentou um desempenho ambiental não
de 10.320m². A obra encontra-se em
satisfatório.
andamento, sendo que a parte estrutural já foi concluída.
Os aspectos levantados na obra nº1 não atenderam aos requisitos mínimos necessários ao processo de licenciamento, por isso, tal
3.4. ESTUDO DE CASO 4: Obra residencial
empreendimento não foi licenciado. Apesar de
de médio porte licenciada ambientalmente.
ser uma construção de pequeno porte, houve considerável agressão ao meio ambiente, em
A área do terreno é de 4.100m², o
razão da má utilização da faixa de preservação
empreendimento trata-se de um multifamiliar
permanente, do lançamento de efluentes não
com 4 blocos de apartamentos com 2 andares,
tratados e da disposição imprópria dos resíduos
totalizando 38 apartamentos. A obra está na fase
sólidos da construção.
inicial de limpeza de terreno e de movimento de
De acordo com o Código Florestal (Lei
terra, que, aliás, será em grande quantidade,
Federal nº4.771/65), apenas as obras nº2 e nº3
tendo um volume aproximado de 1.200 m³, pois
obedecem à disposição da faixa de preservação
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
71
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
permanente. Porém, a obra nº2 não ocupou a
fato ocorre devido à não imposição legal, como
área para construção, mas despejou parte do
por exemplo, no Código de Obras, não exigindo
entulho da obra nesta área. A obra nº3 retirou
a preservação de uma área mínima de
toda a camada vegetal existente no local, para
vegetação existente no local. Desta forma,
posteriormente
como reflexo, apenas dois empreendimentos,
implantar
um
projeto
paisagístico, o que de fato não ocorreu.
dos cinco estudados, tiveram interesse em
O mesmo ocorre quanto à presença de curso d’água. A faixa de preservação
adotar área verde e projeto paisagístico, como é o caso da obra nº 4 e da obra nº 5.
permanente foi utilizada em benefício do
No aspecto relacionado à aquisição de
empreendimento, sendo que, na obra nº 5, foi
material, o custo do material ainda é
utilizado o princípio de natureza compensatória.
considerado o mais importante, seguido pela
Na obra nº 4 houve intervenção pública no que
qualidade. Apenas na obra nº5, a certificação
diz respeito à tubulação do curso d’água e a
do material foi levada em consideração, na
área ao seu entorno foi desmatada.
escolha e aquisição do material.
O tratamento de efluentes utilizado teve
A exemplo do que ocorreu nas obras nº4
como fator decisivo seu alto custo. Porém, a
e nº5, práticas voltadas à qualidade ambiental
Obra nº 5 só decidiu pela estação de tratamento
beneficiam a empresa, principalmente quanto
de efluentes devido à pressão dos órgãos
à valoração do empreendimento. Além da
ambientais e da sociedade.
localização escolhida, a qualidade ambiental
Atualmente, a adoção de projetos paisagísticos é uma decisão facultativa, pois
também torna o empreendimento mais atrativo para os futuros moradores.
cabe ao empreendedor a sua implantação. Este QUADRO 3 – Desempenho Ambiental das obras analisadas Aspecto
Obra 1
1. Mudança da paisagem
Pequena área desmatada
2. Presença de curso d'água e interferências
Utilizou a faixa de preservação permanente
3. Seleção na aquisição de material
4. Planejamento Ambiental
Obra 2
3
Não houve desmatamento
Obra 3
4
A faixa de preservação permanente não foi utilizada 1 4
Obra 4
Grande área desmatada
1
A faixa de preservação permanente não foi utilizada
Pequena área desmatada
Obra 5
3
1
Utilizou a faixa de preservação permanente
Igarapé existente é tubulado 4
Grande área desmatada
1
3
Custo, qualidade e O custo do material O custo do material Custo e qualidade do Custo, qualidade e proveniência do certificação ambiental material são é importante é importante material são são importantes importantes importantes 3 4 2 1 1 Não houve planejamento ambiental
Não houve planejamento ambiental
Estudos da área para Planejamento em uma melhor locação função das exigências do licenciamento 1 2
Não houve planejamento ambiental 1
1
Fossa e sumidouro Fossa e filtro, com coletivos monitoramento
5. Tratamento de Efluentes sem tratamento serão efluentes lançados no curso d'água
2
1
Fossa e sumidouro
Estação de tratamento de esgoto 2
3
3
4
Entulho é destinado, 6. Destinação de Entulho é lançado Entulho é lançado Entulho é destinado, Entulho é reciclado mas não reciclado em área imprópria em área imprópria mas não reciclado entulho e 2 1 1 2 4 reciclagem 7. Destinação para Não houve destinação área verde ou projeto paisagístico
Não houve destinação 1
Há intenção de projeto paisagístico 1
1
8. Licenciamento Obra não licenciada Obra não licenciada Obra licenciada ambientalmente ambientalmente ambientalmente Ambiental 1 1 Grau
72
10
15
18
Há projeto paisagístico
Destinação de área verde (pequena)
4
3
3 Obra licenciada ambientalmente 24
4
Obra licenciada ambientalmente
4
22
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
licenciamento, e que, portanto, poderia ser utilizado e adaptado para o próprio processo de
As atividades da construção civil em
licenciamento.
Manaus desempenham um papel importante na
Atualmente, a legislação ambiental não
economia da cidade. Porém, poucas
obriga os pequenos empreendimentos da
construtoras possuem um plano ambiental
construção civil a estarem sujeitos ao
efetivo, em relação à aquisição de materiais,
licenciamento ambiental. Contudo, como foi visto
concepção de projetos, tratamento de efluentes
no modelo proposto, são os pequenos
e na própria intervenção da paisagem.
empreendimentos que menos cumprem os
As obras estudadas, neste trabalho, demonstram algumas diferenças entre os
princípios de gestão ambiental e até mesmo, a própria legislação ambiental.
empreendimentos, sendo que os licenciados
Portanto, há necessidade, por parte dos
apresentaram um melhor desempenho
construtores, da utilização de novas tecnologias
ambiental, com base no modelo adotado. Este
e da incorporação de conceitos, como o respeito
fato esclarece que os procedimentos adotados
aos recursos naturais durante o processo de
no licenciamento facilitam o controle ambiental
tomada de decisão, assim como cabe aos
dos empreendimentos em atividade de
órgãos ambientais adotar medidas de controle
implantação e operação.
ambiental relacionadas aos empreendimentos
Ainda de acordo com os estudos de caso,
de pequeno porte e dar continuidade ao
quanto maior o porte da obra, mais exigências
processo de licenciamento ambiental dos
para adequação do empreendimento são
empreendimentos de médio e grande porte do
requeridas pelos órgãos ambientais. Aos
setor da construção civil.
empreendimentos de grande e médio porte deste estudo foram exigidas medidas que
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
minimizassem os impactos ambientais. Contudo, os empreendimentos de pequeno
AKAOUI, F. R. V. Apontamentos acerca
porte não licenciados continuam provocando
da aplicação do Código Florestal em áreas
seus efeitos sem qualquer medida mitigadora
urbanas e seu reflexo no parcelamento do
para conter seus impactos.
solo. In: Freitas, José (org.), Temas de direito
Os impactos ambientais da construção
urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do
civil, em sua maioria, são causados por
Estado: Ministério Público do Estado de São
intervenções não planejadas ambientalmente.
Paulo, 2000, p.275-295.
Muitos construtores só modificam seus projetos
BRASIL. CÓDIGO FLORESTAL. Lei
ou alguma atuação em obra quando são
Federal 4.771: alterada pela Lei Federal
exigidos pelos órgãos fiscalizadores.
7803, Artigo 2º. Brasília, 1965.
O modelo de análise de desempenho
FERNANDES, A; PORTELA, M. Plano
ambiental proposto neste trabalho destaca os
Ambiental: um instrumento rumo à cidade
aspectos ambientais reconhecidos nos
sustentável. In: ENTAC, 8º, Salvador, 2000.
princípios de desenvolvimento sustentável e nas
Artigo técnico, v1, p.123-130, 2000.
práticas de vistoria no processo de T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
JOHN, V. M. Desenvolvimento 73
Alternativas Sustentáveis de Gestão Ambiental na Construção Civil em Manaus
sustentável, construção civil, reciclagem e trabalho multidisciplinar. [Artigo técnico], 2000 – disponível em: www.reciclagem.pcc.usp.br, acesso em 01/10/01. MANAUS, CÓDIGO DE OBRAS DO MUNICÍPIO. Lei nº 1.208, de 25.03.75. Manaus – AM, 166 p. RHEINGANTZ, E. A megalópole da periferia. In: Freitas, José (org.), Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, p.161-167. RIBEIRO, E. R; FALCOSKI, L. A. N. Desempenho ambiental: Delimitação conceitual como subsídio à elaboração de instrumentos para avaliação de impactos ambientais em áreas urbanas. In: NUTAU, São Paulo. Artigo técnico. São Carlos, 7p, 1998. SECOVI/SP – SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA, LOCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO. A indústria imobiliária e a qualidade ambiental:
subsídios
para
o
desenvolvimento urbano sustentável – São Paulo: PINI, 102p, 2000. *Jussara Socorro Cury Maciel - Eng. Civil, Mestranda de Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal
do
Amazonas.
e-mail:
jussara7@argo.com.br **Vicente Paulo Queiroz NogueiraEng. Civil, Dr.; Professor Titular do Depto de Hidráulica da Universidade Federal do Amazonas. e-mail: nogueira@buriti.com.br
74
T&C Amazônia, Ano 1, no 3, Dez de 2003
NOTÍCIA T&C PROJETO PARA APROVEITAMENTO DO GÁS NATURAL DE URUCU CUMPRE IMPORTANTE ETAPA O Centro de Ciências do Ambiente da Universidade do Amazonas concluiu o Estudo Prévio de Impacto Ambiental EPIA que embasa a proposta da Petrobrás de construção, no Estado do Amazonas, de um gasoduto de 400 km que terá o desafio de transportar gás natural desde o Terminal Solimões, no município de Coari, onde se encontra uma das principais usinas de gás natural do País, até a Refinaria de Manaus. A próxima etapa é a submissão do estudo às audiências públicas, nas quais será discutido junto às sedes de todos os municípios envolvidos, visando à posterior aprovação pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas Ipaam. O Gasoduto, que atravessará os municípios de Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba, poderá ser a solução para que Manaus possa usufruir dos benefícios do gás natural. As conclusões do Estudo Prévio de Impacto Ambiental realizado pela Ufam, em parceria com a Universidade Estadual do Amazonas UEA , Embrapa e com as Universidades federais do Rio de Janeiro, São Paulo e Viçosa, incorporam todas as recomendações relevantes de organismos internacionais e da legislação brasileira sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. A conclusão, segundo Alexandre Rivas, Diretor do Centro de Ciências do Ambiente da Ufam, aponta para a viabilidade da construção do gasoduto, que causará danos ambientais menores se comparados com os provocados pelas hidrelétricas, embora atente também para o alto grau de responsabilidade da obra, que por sua característica linear, atravessará vários ecossistemas. O estudo prevê o compromisso a ser assumido pela Petrobrás, de adotar medidas compensatórias ao ambiente natural em si e às populações, e recomenda diversos programas que visam a inserir o gasoduto no contexto do desenvolvimento sustentável. Dentre os programas sugeridos estão o monitoramento ambiental, o resgate e o salvamento do patrimônio arqueológico e da memória indígena, a prevenção à erosão, a geração de energia em pequenas comunidades, o apoio às comunidades e a educação ambiental. Além dos benefícios da geração de emprego e renda nos municípios envolvidos, uma inserção significativa do gás natural na matriz energética proporciona uma diminuição na pressão sobre o ambiente, não só em virtude da substituição do combustível hoje consumido - muito mais poluente - mas também pela redução do consumo de lenha no interior, sobretudo nas padarias e olarias.
Biodiversidade e Exploração Sustentável No próximo número, T&C Amazônia estará privilegiando o tema Biodiversidade, discutindo idéias, conceitos, iniciativas ou projetos que sejam capazes de contribuir para a transformação da realidade econômica regional, sem dissociá-la da premissa da sustentabilidade. Uma lista não exaustiva de assuntos de especial interesse para essa edição contempla: Relato de iniciativas envolvendo comunidades ao redor de projetos econômicos bem sucedidos, que utilizem recursos da biodiversidade como matéria-prima; Apresentação de resultados de pesquisas que comprovem o potencial dos recursos da biodiversidade amazônica; Descrição de casos reais e proposição de mecanismos para o combate à biopirataria; Iniciativas para a preservação e proteção intelectual do conhecimento tradicional; Preservação e manejo sustentável de espécies amazônicas; Discussão da legislação existente e de projetos em tramitação; Discussão do aparente antagonismo entre ocupação e soberania nacional sobre a Amazônia frente à necessidade de preservação; Proposição de elementos de uma agenda positiva para a inserção da biodiversidade no desenvolvimento econômico sustentável, com especial ênfase à importância do Centro de Biotecnologia da Amazônia CBA e sua possível relação com as grandes corporações das indústrias farmacêutica e de cosméticos; Avaliação dos resultados de intervenções de organizações não governamentais na realidade de comunidades locais. Convidamos os interessados a submeterem suas contribuições, devidamente formatadas no padrão estabelecido pela revista, sob a forma de artigos ou comunicados técnicos, através do endereço eletrônico tec_amazonia@fucapi.br. Todas as contribuições apresentadas serão avaliadas por uma equipe de profissionais especializados que colaboram com a revista, através de sistema blind review.