1ª Mostra de Educação Tecnológica Fucapi Local: FUCAPI
Data: 16/17/18 Novembro de 2006
Realização:
Horário: 09:00 às 21:00h.
EDITORIAL O vertiginoso aumento populacional mundial, a extensão das aglomerações urbanas e, conseqüentemente, o crescimento desenfreado da produção industrial e dos serviços, oferecendo conforto e estimulando o consumismo, são apenas alguns dos fatores preponderantes que nos fazem, obrigatoriamente, refletir sobre a exploração e utilização dos recursos hídricos. A água, bem necessário e finito, com a mesma fluidez da sua consistência, invade todos os setores da atividade humana, além de ser um elemento essencial à manutenção de todo organismo vivo. De valores econômico e estratégico, a problemática extrapolou fronteiras nacionais, levando os países à adoção de estratégias, as quais mantenham asseguradas suas reservas e estoques de água. As medidas visam evitar, ao máximo, o desabastecimento e o colapso nas economias mundiais. Não é improvável que estejamos nos aproximando do que antes era considerado um cenário de ficção, em que a escassez e a má distribuição deste recurso levam os povos ao conflito. Há, na Amazônia, o interesse em despertar o debate e o questionamento acerca do tema, sobretudo por tratar-se de uma região constituída pela maior bacia hidrográfica mundial, o que pode ser considerado uma imensa vantagem estratégica. Nesse contexto, T&C Amazônia apresenta aos leitores uma edição dedicada à Água, na qual a sua importância é apresentada e discutida sob diversos aspectos. Sem a pretensão de exaurir o tema, T&C Amazônia espera contribuir para este debate que, evidenciadas as suas crescentes importância e urgência, tem como ponto de partida um nítido consenso: a clara necessidade de ampliar a conscientização da sociedade, a partir da qual pode tornar-se menos desafiadora a implementação de políticas e estratégias que sejam efetivas.
SUMÁRIO REPORTAGEM Brasil a Terra das Águas 02 Cristina Monte ENTREVISTA Recursos Hídricos: Importância Geopolítica para Soberania Nacional Bernardo Cabral
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ARTIGO Recursos Hídricos do Brasil: Uma visão prospectiva com enfoque na Região Hidrográfica Amazônica Antônio Eduardo Leão Lanna ARTIGO A Gestão das Águas e o Desenvolvimento do Estado do Ceará: Uma Perspectiva Histórica
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José Nilson Bezerra
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Pontos de Vista Sandro Stroiek, Heraldo Beleza Câmara, 32 Ari de Oliveira e Raul Zaidan ENTREVISTA Ações da Agência: Planejamento e Perspectivas 38 José Machado ARTIGO Cheias e Secas na Amazônia: Breve Abordagem de um constraste 42 UFAM - Naziano ARTIGO Saneamento e suas interfaces com Os Igarapés de Manaus João Tito Borges ARTIGO O Ciclo Hidrológico; Amazônia Homem-Mundo
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59 Marcílio Freitas DEPOIMENTO Comitê das Águas, por quem conhece Carlos Bueno
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Notícias T&C
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Brasil, Terra das Águas
BRASIL, TERRA DAS ÁGUAS
A água é um recurso natural essencial à sobrevivência da espécie humana, de valores econômico, estratégico e social; é a garantia da manutenção dos ecossistemas e preservação da fauna e flora no planeta. Durante milênios, a mãe natureza fez crer que o recurso era infindável, abundante e renovável. Realmente, se considerarmos que a superfície do planeta é coberta por cerca de 70% de água, a justificava do pensamento fazia sentido. Entretanto, o problema é que desse total 97% provêem de água salgada, 2% vêm de geleiras e, apenas 1% é apropriada para o consumo humano. Somada a isso, há uma crescente expansão demográfica e industrial, desencadeada principalmente no último século, que vem comprometendo a quantidade de água dos reservatórios, rios e lagos. A equação torna-se mais difícil de resolver em função do evidente decréscimo da disponibilidade de água doce e da crescente demanda pelo recurso, em boa parte, para sustentação de toda a cadeia produtiva que a vida moderna propicia. Para se ter uma idéia, no século 20, a população mundial triplicou, enquanto o consumo cresceu seis vezes e a quantidade do recurso não sofreu acréscimo, ao contrário. Agravando a situação, o desperdício de água potável é um grande entrave para o controle da situação. Ele acontece principalmente pela falta de manutenção e acompanhamento das empresas concessionárias e governos estaduais, os quais aceitam o desperdício de cerca de 45% de toda a água tratada; por parte da maioria dos agricultores e pecuaristas, que continua adotando técnicas de irrigação ultrapassadas; pela cultura popular gerada no mito da infinidade do recurso e que, por sua vez, alimenta o consumo desenfreado e; sobretudo, pela falta de fiscalização e implementação de políticas públicas
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que resultem em controle e gestão mais eficientes. Outro grave problema relacionado à questão da água é o baixo investimento na área de saneamento básico, para o tratamento de esgotos, por exemplo, o que culmina nas doenças de veiculação hídrica, que matam impiedosamente, em função da falta de água tratada e potável.
DISTRIBUIÇÃO No entanto, apesar dos sérios problemas causados pelo descaso da maioria dos setores, o Brasil possui uma imensa riqueza hídrica, sobretudo por concentrar uma das maiores reservas do mundo, produzindo 53% da água doce da América do Sul e 12% do total mundial. Só a Região Amazônica concentra cerca de 70% da água doce disponível para uso humano, enquanto o restante do País divide desigualmente os 30%, conforme Figura 1, atendendo a mais de 90% da população. Toda a água do País é distribuída por extensas bacias espalhadas por regiões hidrográficas, conforme a Figura 2 . São elas: Amazônia, Costeira do Norte, Tocantins, Costeira do Nordeste Ocidental, Parnaíba, Costeira do Nordeste Oriental, São Francisco, Costeira do Sudeste, Costeira do
Sul, Uruguai, Paraná e Alto Paraguai. A distribuição da água na cadeia produtiva é de quase 63% para a agricultura que ainda utiliza a irrigação feita através de canais ou por aspersão, técnicas que elevam o índice de consumo de água. Entretanto, desse total, apenas 40% são efetivamente aproveitados, pois 60% são desperdiçados em virtude do excesso de água, falta de manutenção nos sistemas de irrigação e irrigação feita em horários de maior evaporação. Uma boa alternativa seria utilizar a técnica do “gotejamento”, muito mais econômica. O consumo doméstico equivale a 18%, a manutenção das indústrias consome 14% e os 5% restantes ficam para consumo animal e vegetal.
DESABASTECIMENTO E, apesar de tamanha abundância, muitos municípios e cidades brasileiras sofrem com o desabastecimento. São cerca de 40 milhões de brasileiros sem água em casa. Significa que a cada sete brasileiros que moram nos centros urbanos, um não é atendido por uma rede de abastecimento. No meio rural, a proporção é mais drástica: a cada três cidadãos, um não tem acesso a qualquer tipo
Figura 1 - Distribuição dos Recursos Hídricos no Brasil
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Figura 2 - Regiões Hidrográficas do Brasil
de água encanada. Para que todos os brasileiros possam ter direito à água tratada e esgoto canalizado, seria preciso investir até 2015, aproximadamente, 40 bilhões de dólares.
O QUE É CONSIDERADO ESGOTO E COMO TRATÁ-LO? A situação da poluição dos cursos d’água é seríssima, já que 80% dos esgotos domésticos e cerca de 70% dos efluentes industriais não são tratados, sendo lançados nos cursos d’água in natura, ou seja, apenas 20% do esgoto coletado passa por algum tipo de tratamento. Para Alex Fabiano, colaborador da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) e doutorando na área de Saneamento e Meio
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Ambiente, quando o assunto for tratamento de esgoto é necessário considerar quatro importantes componentes do saneamento. São eles: drenagem urbana (águas pluvial e fluvial), rede de distribuição de água, rede de coleta de esgoto e coleta regular de lixo. “O esgoto é gerado a partir da utilização da água para atender às necessidades humanas. Após o uso, a água passa a ser denominada esgoto e deve receber um cuidado especial antes de ser jogada na natureza. O cuidado inicia-se na construção de redes coletoras de esgoto - a partir de cada residência - as quais concentrem todo o esgoto gerado em um bairro ou mesmo em uma cidade inteira, em um único ponto, onde se dê início ao processo de tratamento de esgoto, que resulte na devolução, na natureza, da água em boas condições”, explica.
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DOENÇAS No Brasil, as populações, na área urbana, utilizam água poluída e contaminada para trabalhos domésticos e consumo. O impacto negativo é visível na saúde dos habitantes dessas populações, já que as doenças e mortes relacionadas à água crescem na mesma proporção. Mais da metade das internações hospitalares, nos países em desenvolvimento, são de pacientes portadores de doenças de veiculação hídrica, isto é, doenças decorrentes da falta de água potável e saneamento básico. Conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente, o mundo perde mais de 2 milhões de pessoas, em sua maioria crianças, que morrem em conseqüência de doenças associadas ao uso de água poluída e contaminada. As principais doenças são causadas: por ingestão de água contaminada (disenteria amebiana e bacilar, cólera, hepatite infecciosa, febre tifóide e paratifóide, gastroenterite, paralisia infantil, salmonelose e leptospirose); por meio de insetos que se desenvolvem na água (dengue, febre amarela, malária e filariose); ou ainda, por meio de contato com a água contaminada (escabiose - conhecida como sarna -, tracoma - comum nas zonas rurais -, verminoses e esquistossomose). Segundo Nailton Ribeiro Lopes, gerente da Fundação de Vigilância em Saúde (Vigilância de Fatores de Riscos Não Biológicos), as Regiões Norte e Nordeste apresentam os piores indicadores relativos ao saneamento, associados às doenças de veiculação hídrica, ou seja, morbimortalidade versus oferta de serviços de saneamento. “É necessário alterar a lógica da atenção à doença e começar a trabalhar na lógica de atenção à saúde. Isso implica a necessidade de adoção de políticas públicas que alterem a concepção e a execução do orçamento da União, dos Estados e dos Municípios de modo que se estabeleça a prioridade que se deve ter com as ações de promoção e prevenção”, afirma.
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DESPERDÍCIO Os hábitos culturais criados e estimulados pela crença popular de que a água é um recurso infindável, pela abundância em nosso país, é um fator limitante para a conscientização da população. Embora existam correntes, nas mais diferentes esferas sociais e políticas, que têm se mobilizado no intuito de disseminar informações por meio de campanhas, eventos, encontros, fóruns, entre outros, sobre a importância do uso racional da água, não percebemos, efetivamente, a mudança nos hábitos. Para o Dr. Aldo da Cunha Rebouças, autor do livro Uso Inteligente da Água, o brasileiro precisa aprender a usar a água com maior economia e afirma: “Ensinar a população a usar bem a gota d’água disponível é uma maneira de evitar o desperdício”. O escritor entende que a conscientização da sociedade é fundamental para mudar o panorama atual: “Informação, informação e informação e menos obras fotogênicas que promovem políticos e seus asseclas”, completa. A maioria das pessoas acha que uma torneira pingando, ou um banho demorado com o chuveiro aberto, ou ainda que passar horas lavando o carro ou a calçada da rua com a mangueira aberta não podem causar tanto desperdício; pois saiba, uma torneira pingando equivale a 46 litros de água por dia. Os governos e as empresas concessionárias responsáveis pela prestação de serviços de saneamento básico e oferta de água tratada para a população também são co-responsáveis pelo elevadíssimo índice de desperdício de água potável no Brasil, que beira à irracionalidade: cerca de 45% da água tratada não chega aos locais destinados, perdendo-se por problemas no sistema, falhas na operação e, principalmente, pelos vazamentos causados pela má conservação dos tubos e canos. O desperdício de água potável é tão grande que o governo federal, por intermédio do Ministério das Cidades, instituiu em 1997 o Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água (PNCDA). Seu
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objetivo é promover o uso racional da água para abastecimento nas cidades brasileiras. Para isso foi implementado um conjunto de ações, visando a uma efetiva economia do recurso. “Atuamos em três áreas: a primeira, a questão do controle do desperdício e sua interface com a bacia hidrográfica. A segunda, o sistema público de abastecimento de água; e a terceira, o sistema predial (no interior das residências)”, explica Claudia Albuquerque, coordenadora técnica do PNCDA.
ALTERNATIVAS O Brasil, por meio de seus representantes, tem buscado soluções e alternativas para a preservação dos recursos hídricos, como por exemplo, a elaboração e assinatura do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). O País é o primeiro da América Latina e um dos poucos no mundo a assinar o documento. O Plano, assinado no final do mês de janeiro, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos traz um conjunto de diretrizes, metas e programas que visam garantir o uso racional da água no Brasil até 2020, conforme prazo estipulado pela Organização das Nações Unidas (ONU). A principal característica do Plano é a de englobar de forma sistêmica e integrada todos os aspectos que envolvem a questão de recursos hídricos no País, considerando as diferenças geográficas, populacionais, regionais, culturais e socioeconômicas, entre outras. Algumas empresas, também preocupadas com a questão da água, têm investido na área, como é o caso da Petrobras (Petróleo do Brasil S/A), que mantém uma série de projetos ambientais e apóia as pesquisas visando à preservação ambiental. Um deles é o “Projeto Brasil das Águas”, que iniciou em 2003, com o objetivo de coletar amostras de água doce em todas as regiões hidrográficas do território nacional. O levantamento das amostras, as análises laboratoriais e conclusão, incidirá em um estudo inédito e pormenorizado sobre a qualidade e a situação dos recursos hídricos no Brasil.
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Uma alternativa capaz de garantir a continuidade do uso da água para as futuras gerações é a captação de águas subterrâneas, segundo opinam alguns especialistas da área de recursos hídricos. A vantagem é que há água em maior quantidade no subsolo do que na superfície, e é um recurso praticamente inesgotável. Outro aspecto a ser considerado é em relação ao valor a ser investido para tal exploração, pois é muito mais econômico construir poços tubulares profundos, vulgarmente chamados de “artesianos”, do que tratar a água do esgoto, procedimento mais oneroso. Outra vantagem é que a água subterrânea captada a uma profundidade de 150 metros é de melhor qualidade físico-química, além de estar protegida contra contaminação. O Aqüífero Guarani, por exemplo, principal manancial subterrâneo de água doce da América do Sul, abastece grande parte do Estado de São Paulo. Entretanto, há uma grande discussão acerca do assunto. Muitos pesquisadores entendem que a captação subterrânea é estratégica e não deve ser estimulada, como afirma Marco Oliveira, da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM): “A captação em excesso - a superexploração da capacidade de recarga do aqüífero - pode levar ao rebaixamento dos níveis d’água com conseqüente diminuição na produção dos poços ou mesmo seu esgotamento. Isto também pode levar ao estresse hídrico das plantas em superfície, que nas cidades atinge mais a população que depende deste recurso. Alguns aqüíferos armazenam águas fósseis, ou seja, atualmente eles não são reabastecidos pela infiltração, no solo, das águas de chuva. Portanto, são como o petróleo, cujas reservas são finitas. Exemplo: Semi-Árido Nordestino e Israel”.
A ÁGUA NA AMAZÔNIA A Região Amazônica é contemplada com a maior bacia hidrográfica do planeta. São aproximadamente 6.100.000 km², os quais mantêm fauna e flora riquíssimas espalhadas pela Região. A bacia,
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situada na zona interpropical, possui dimensões continentais e recebe precipitações médias anuais de 2460 mm. A descarga líquida média é estimada em 209.000 m3 por segundo e o aporte médio de sólidos em suspensão do Rio Amazonas ao oceano é estimado em cerca de 600 milhões de toneladas por ano. A bacia Amazônica é afetada por variações climáticas globais, em função de suas dimensões geográficas. Além disso, anualmente, a região passa por diferentes estações hidrológicas dos rios. São elas: cheia, seca, vazante e enchente, as quais proporcionam um espetáculo à parte para os amantes da natureza e praticantes do ecoturismo. Entretanto, a previsão de acontecimentos hidrológicos extremos influencia diretamente na vida local, no crescimento e desenvolvimento regionais. As grandes inundações, por exemplo, constituem fator limitante para a pecuária e a ocupação das áreas de várzea. O período de seca tem deixado a população ribeirinha sem condições dignas de sobrevivência, e ainda prejudica o transporte hidroviário, principal via de acesso na região. Para amenizar os problemas ocorridos nesse período, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), criou o Programa Estadual de Aproveitamento de Água da Chuva (Prochuva/Água é Vida), cuja missão é armazenar a água da chuva na época das cheias e utilizá-la no período das secas. A bacia Amazônica também contribui para geração do crescimento na região, desenvolvimento socioeconômico e competitividade, por transportar, em seus 18 mil km de rede fluvial, produtos para abastecimento e escoamento entre os Estados da Região Norte e países próximos.
NO AMAZONAS: VÁRZEA E RIBEIRINHOS A região de várzea, constituída de área plana às margens de rios e córregos e que está sujeita à inundação e seca periódicas, é uma das mais vulneráveis e responsável pela ocupação de quase 6% do total da Amazônia Legal. Essa região tem
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sofrido com a degradação ambiental por causa do assoreamento dos rios, da turvação das águas utilizadas pela pecuária e desaparecimento das lagoas, em detrimento à expansão urbana e agrícola. Portanto, se considerarmos a importante participação da várzea para as comunidades ribeirinhas, a oscilação do nível de água torna-se um componente preocupante, já que cerca de 70 mil famílias sobrevivem do recurso pesqueiro que, além de gerar renda, é uma das principais fontes de proteína, por oferecer alimento para mais de 1,5 milhão de ribeirinhos.
PROGRAMAS E PROJETOS No intuito de melhorar a situação dos igarapés da cidade e a qualidade de vida dos moradores adjacentes das áreas mais afetadas, a Rede Amazônica de Televisão, filiada à Rede Globo no Amazonas, implementou o projeto “Consciência Limpa”, que tem a missão de contribuir para a conscientização da população local, incentivando-a a usar os recursos naturais de modo racional, incluindo a coleta, manuseio e destino do lixo doméstico, evitando a contaminação dos igarapés. O projeto conta com a parceria de diversas empresas, poder público e comunidade, preocupados com a questão ambiental e, conseqüentemente, com a água. Para Marco Oliveira (CPRM), o maior problema relacionado à água é a coleta de esgoto: “O problema dos igarapés urbanos não são o lixo e nem as garrafas descartáveis, estas são facilmente removíveis e recicláveis. A questão é a coleta dos esgotos. Nem digo o tratamento, pois se houvesse a coleta, impedindo que os efluentes chegassem ao solo e igarapés, seria possível que, em um prazo relativamente curto, eles pudessem se regenerar. Mas para onde iriam os esgotos coletados? Creio que o Rio Negro possa agüentar um pouco mais dessa carga poluente, até que estações de tratamento sejam construídas”, completa. Contudo, apesar dos problemas, as medidas estão sendo adotadas com o propósito de intensificar
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a conservação das águas no Amazonas, como, por exemplo, a criação do primeiro comitê de microbacia hidrográfica do País, para gestão compartilhada dos recursos naturais do Rio Tarumã-Açu e seus afluentes. A oficialização do comitê conta com a parceria de representantes de associações de moradores, de canoeiros, de assentados, entre outras. O objetivo do comitê é mobilizar a sociedade para a construção de um plano de gestão para tal bacia. Outro programa do governo estadual em andamento é o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM), cuja finalidade é melhorar a qualidade de vida dos moradores na área atendida pelo programa, por meio de melhorias das condições de saúde e de saneamento básico, reduzindo a incidência de enfermidades relacionadas ao uso de água contaminada. O assunto não se esgota aqui, muito menos o recurso, que continuará cumprindo a missão de proporcionar vida por onde passa. Entretanto, que leve junto, em sua composição, a semente da sabedoria, para que assim, germine na mente humana a conscientização capaz de florescer o bom senso, a lógica e a certeza de que se não fizermos a nossa parte, hoje, será impossível imaginar o futuro!
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Recursos Hídricos: Importância Geopolítica para a Soberania Nacional
Foto: Divulgação
RECURSOS HÍDRICOS: IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA PARA A SOBERANIA NACIONAL
Bernardo Cabral
Amazonense, Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Amazonas (1954) e em Psicologia e Serviço Social (1958); Bernardo Cabral especializou-se em Processo Civil, pela Universidade Católica Portuguesa (1983); em Legislação sobre Tóxicos, pelas: City University of New York-John Jay College of Criminal Justice(1983) e Universidade de Londres - King’s College (1984); em Direito de Família pela Universidade Urbaniana do Vaticano (1984). Ele atuou como: Membro efetivo da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania; Senador da República; Vice-Presidente da Comissão de Relações Exteriores; entre outras atividades as quais esteve à frente, destacando-se no cenário regional e nacional. Bernardo Cabral possui diversos livros publicados na área de Recursos Hídricos, e concedeu entrevista exclusiva à T&C Amazônia, oportunidade em que expõs suas reflexões sobre o tema.
Revista T&C - Qual é a questão central a ser colocada na agenda da humanidade, quando o
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tema é o uso sustentável da água? Bernardo Cabral - A questão central deve ser situada na falta de planejamento e racionalidade no uso de recursos hídricos, uma constante que começa a ameaçar o abastecimento adequado. Atualmente, cerca de 20% da população mundial não têm acesso regular à água potável (1,4 bilhão de habitantes) e, aproximadamente, 40% não dispõem de uma estrutura adequada de saneamento básico (3 bilhões de habitantes). E mais de 3 milhões de crianças morrem, prematuramente, por falta de acesso à água de boa qualidade e um ambiente saneado. Além de que 3/5 dos grandes rios estão comprometidos por obras hidráulicas, sem considerar que 10% dos peixes, 24% dos mamíferos e 12% dos pássaros, que vivem em água doce, estão ameaçados. É incomodamente óbvio ressaltar que a particularidade da crise hídrica está a merecer uma análise prolongada, meticulosa; uma vez que ela não se assemelha, nem aos choques petrolíferos, nem à crise financeira e muito menos à estagnação atual. Segundo os organismos multilaterais – e aí mais um ponto da questão central – é que se trata de uma crise de gestão. Ora, captação de água, despejo de afluentes, ocupação das margens e derrubada das matas resultaram em uma alarmante redução da qualidade e disponibilidade de água, tornando-se uma crise mais latente do que afetiva e mais social do que econômica, porque afeta os pobres. Como ressaltam Marcos de Freitas e Luiz Eduardo Duque Estrada: é também uma crise anunciada.
Revista T&C - Qual o papel a ser desempenhado pelo Brasil, e pela Amazônia em particular, nesse cenário futuro, considerando suas reservas de água doce superficial? Bernardo Cabral - Será um papel de monumental relevo, porque as estatísticas mostram que 70% dos recursos hídricos do país estão na Amazônia, onde vivem apenas 12% da população. Ademais, não se deve perder de vista os aqüíferos
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que podem ser chamados de “o mar invisível de água doce”. Basta um exemplo: o do Aqüífero Guarani (antigamente chamado de aqüífero BOTUCATU) considerado o maior do mundo e que se distribui por quatro países da América Latina: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Acontece que o Brasil detém a maior parcela do Guarani e a sua área em nosso território é de, aproximadamente, 840.000 km³, cerca de 70% de todo o seu porte, com uma vazão renovável da ordem de 160 km³/ano, o que corresponde a 5.144 m³/ segundo, ou seja, mais de duas vezes e meia a vazão regularizada do Rio São Francisco a partir da barragem do Sobradinho. Com o seguinte destaque: são seis os Estados servidos por ele: Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. O Banco Mundial estima que nele existam mais de 40 mil quilômetros quadrados de água, dos quais 90% absolutamente potáveis. Vale dizer: uma projeção de consumo per capita diária de 300 litros de água, atenderia a 360 milhões de pessoas, ou seja, em um período de 100 anos apenas 10% do total das reservas de água terão sido consumidas. Daí, decorre um raciocínio lógico: se a escassez é um problema mundial e não havendo alternativa para a água, cabe ao Brasil, no concerto das nações, desempenhar o seu papel na defesa intransigente daquela que é a maior riqueza do século XXI: a água.
Revista T&C - As leis brasileiras são adequadas para a gestão dos recursos hídricos, na medida apropriada da importância que deve ser conferida a esse patrimônio? Bernardo Cabral - É preciso recuar um pouco no tempo, uma vez que há muitos anos cada vez que um povo via escassear os recursos do local onde habitava, mudava-se para outra região, o que permitia ao ecossistema do sítio abandonado o reequilíbrio. Mesmo nas grandes aglomerações surgidas nos séculos mais recentes, a densidade
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demográfica ainda não gerava problemas de poluição ou degradação ambiental que preocupassem gravemente os povos, se bem que as nações culturalmente mais desenvolvidas já começassem a tomar suas precauções sobre o tema. Assim é que, na França do século XVI, o reflorestamento era uma preocupação, pois a devastação das matas nativas começava a fazer rarear a caça. No mesmo período, nascia a primeira norma legal de gestão de recursos naturais aplicável no Brasil: as Ordenações Filipinas. Tratava-se de conjunto de leis decorrentes das decisões do rei Filipe, da Espanha, quando Portugal estava sob domínio espanhol. Entre outros assuntos, aquela legislação – refletindo a escassez de água vigente na Península Ibérica – continha dispositivos específicos sobre gestão da água e previa penalidades severas para os que a degradassem, bem como definia critérios para lançamento de dejetos. Como curiosidade, vale lembrar que as sanções previam, para aquele que conspurcasse as águas públicas, até mesmo o degredo para a África. Apesar de vigorar por todo o período colonial, a legislação nunca foi cumprida entre nós. Com o Código de Águas, de 1934, o avanço foi significativo até as cercanias do final do século XX, instante em que veio a lume a Lei nº 9433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, oferecendo valiosas coordenadas para a utilização sustentável da água, com vistas a garantir o bemestar da população em um meio ambiente saudável e equilibrado. Um instrumento particularmente importante, ratificado e fortalecido pela Lei nº 9.433/97, é a Outorga de Direito de Uso da Água, que deve regular a utilização das águas superficiais e subterrâneas, tanto para a retirada do precioso líquido como para o lançamento de resíduos. Uma das bases para o gerenciamento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, incluindo a competência de concessão da outorga para o uso, são os Comitês de Bacias, formados com ampla participação da sociedade civil. Cada Estado, por sua vez, deve promover mudanças
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na legislação e a regulamentação necessária para estabelecer os Sistemas Estaduais de Recursos Hídricos, articulando ações e atividades permanentes de fiscalização e de educação ambiental, em conjunto com os Municípios. Um conceito básico da gestão moderna dos recursos hídricos, e que está presente na Lei, é o da cobrança pelo uso da água. Ele tem por objetivos: reconhecer o valor econômico da água; dar a todos os usuários, de toda e qualquer modalidade de uso, uma indicação de seu real valor; incentivar o uso racional da água; e gerar recursos financeiros para a viabilização das intervenções necessárias à garantia de que a água continuará disponível, isto é, estudos, obras e atividades de manutenção. Ante tais circunstâncias pode-se afirmar que a legislação brasileira é adequada, bastando apenas que ela seja cumprida.
Revista T&C - Tendo assumido um destacado papel na idealização e criação da agência nacional de águas, qual a sua percepção sobre o desempenho da ANA, após esses 6 anos iniciais? Os objetivos estão sendo alcançados? Bernardo Cabral - Aqui cabe um ligeiro parênteses. Tanto por ocasião da Lei nº 9433, de 8 de janeiro de 1997, quanto da Lei nº 9984, de 17 de julho de 2000 – que criou a Agência Nacional de Águas – (das quais tive a honra de ser Relator no Senado Federal e as quais considero um arcabouço jurídico entre os mais modernos do mundo), recebi a colaboração valiosa dos Professores Jerson Kelman e Marcos Aurélio Vasconcelos de Freitas, o primeiro, mais tarde, Diretor Presidente da Agência Nacional de Águas – ANA – e o segundo, Diretor da Área de Tecnologia e Informação. Ao lado dos dois, diariamente, o Professor Arnaldo Setti, o que me confere a garantia de poder afirmar que a ANA vem alcançando os seus objetivos, sobretudo por ser ela um órgão executor, na medida que implementa o sistema nacional de
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gerenciamento, além de ser um órgão regulador clássico, dispor dos poderes de polícia e outorgante na medida em que lhe cabe autorizar o uso de água em rios de domínio da União.
Revista T&C - E considerando a importância do acesso à informação para a sustentabilidade, de que forma poderia ser ampliada a consciência do cidadão brasileiro sobre o uso racional do recurso hídrico? Bernardo Cabral - Embora reconheça que permanece a urgência de se tomarem medidas mais amplas e eficazes, é certo que, felizmente, o Poder Público não se encontra inerte diante da questão da sustentabilidade. Apesar da ampla difusão dos temas ecológicos nos meios de comunicação, ainda assim estamos muito distantes, em nosso País, de uma autêntica consciência a respeito de algumas questões ambientais da maior relevância, e dentre elas é triste proclamar que a opinião pública mal começou a despertar para a de maior relevância: a água, e as conseqüências da sua escassez em nosso País. Especialistas ligados, direta ou indiretamente, às Nações Unidas, concluíram que a sustentabilidade de um País está vinculada à disponibilidade hídrica de 2.700 m³/habitante /ano, enquanto dados da Conferência de Dublin chegam a 2.000m³/habitante/ano. Nessa análise, o quadro das Nações Unidas consagra o conceito suficiência de água acima de 1.700 m³/habitante/ano; insuficiência entre 1.000 m³/ habitante/ano e 1.700 m³/habitante/ano; e escassez nas situações abaixo de 1.000 m³/habitante/ano. Dados fornecidos pela Comissão de Gestão de Recursos Hídricos da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, indicam que o Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro estão chegando ao mínimo de sustentabilidade; Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal não são sustentáveis e chegam ao nível de suficiência, enquanto a Paraíba e Pernambuco estão, além de não sustentáveis, no nível de insuficiência.
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Essa circunstância impõe um penoso racionamento de água a que estão submetidas algumas das grandes cidades daquela Região, fruto não só da acentuada falta de chuva nas cabeceiras dos rios, como dos seguintes fatores: o crescimento excessivo e desordenado das cidades, o investimento reduzido em obras de infra-estrutura, a poluição dos rios e, principalmente, o desperdício do uso da água. Portanto, se não houver uma massificação da educação ambiental, principalmente nas escolas, o cidadão brasileiro lamentará, num futuro que está bem próximo, não ter aprendido o uso nacional da água.
Revista T&C - Em sua opinião, quais são os riscos reais para a soberania nacional frente à importância estratégica dos recursos hídricos existentes em nosso país? Bernardo Cabral - Os riscos são os mais variados, eis que o imenso mundo fluvial da Amazônia (os rios brasileiros reúnem 13% desse volume fluvial mundial), de incomensurável riqueza biológica (o maior banco genético do mundo) deve ser preservado a qualquer custo. Nesse passo é oportuno lembrar que os grandes rios da história universal estão agonizantes: o Nilo no Egito, o Colorado no México, o Ganges na Índia, o Amarelo na China. Aliás, a China está transpondo as águas do rio Yang-Tsé para o rio Amarelo, naquilo que é considerada, hoje, a maior obra de construção do mundo, orçada em 60 bilhões de dólares. Ora, China e Índia somam 40% da população mundial e neles o problema da água de consumo é hoje quase uma tragédia. Por outro lado, estudo recente das Nações Unidas indica que, num futuro não muito distante, mais de 2 bilhões de seres humanos poderão ficar sem acesso à água, em quantidade e qualidade desejável para a sua sobrevivência. O que levou Kofi Annan a afirmar “se o desperdício da água continuar, em 20 anos, 2 pessoas em cada 3 passaram pelo sofrimento da escassez da água”.
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Recursos Hídricos: Importância Geopolítica para a Soberania Nacional
Prevê-se, ainda, que haverá um grande aumento na quantidade de mortes por doenças decorrentes da má qualidade da água, que já são da ordem de 5,3 milhões de óbitos a cada ano, acompanhando, evidentemente, o aumento do número de pessoas que contraem tais doenças e que atingem, presentemente, 3,35 bilhões de casas por ano. É imperioso repetir que a disponibilidade de água potável se constituirá em um dos mais graves problemas do século atual, capaz de se transformar em fonte de crises, disputas e guerras. Desse modo, se os inimigos da Amazônia continuarem com a orquestração de que é ela “patrimônio da humanidade”, não é difícil adivinhar os riscos que rondam a soberania nacional.
Revista T&C - O Tratado de Cooperação Amazônica, recentemente retomado, é um meio efetivo para se organizar os esforços regionais em torno dos recursos hídricos? Bernardo Cabral - Penso que sim. Nesse passo, é oportuno lembrar que o Tratado foi assinado em Brasília em 03 de julho de 1978, pelos Governos da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, tendo entrado em vigor em 02 de agosto de 1980. O tempo decorrido comprovou que o Tratado precisava ser retomado, mormente numa implantação gradual e enfoque realista, observada a atualidade econômico-financeira internacional e a de seus países membros, assim como quaisquer atividades terão de levar em conta que a incorporação física, econômica e social dos territórios nacionais amazônicos aos respectivos processos de desenvolvimento se efetuará de maneira paulatina e gradual. E se prioridade houver nessa Agenda, seja ela um meio efetivo para serem organizados os esforços regionais em torno dos recursos hídricos.
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Recursos Hídricos do Brasil: Uma visão prospectiva com enfoque na Região Hidrográfica Amazônica
RECURSOS HÍDRICOS DO BRASIL: UMA VISÃO PROSPECTIVA COM ENFOQUE NA REGIÃO HIDROGRÁFICA AMAZÔNICA
*Antonio Eduardo Leão Lanna RESUMO Este trabalho apresenta uma visão para 2020 dos recursos hídricos no Brasil, considerando os cenários prospectivos aprovados no Plano Nacional de Recursos Hídricos (Água para Todos, Água para Alguns e Água para Poucos), enfatizando as conseqüências na Região Hidrográfica Amazônica. As conclusões da análise realizada, resumidamente, são: 1. Haverá grande incremento da área irrigada, dependendo do cenário, mas circunscrita ao Estado de Mato Grosso; 2. Devido ao esgotamento do potencial hidroelétrico no País, em geral, e aos problemas ambientais para a implantação de hidrelétricas na Região Amazônica, aonde ainda existe potencial não explorado, a matriz de energia elétrica poderá ser substancialmente alterada, com ênfase em outras fontes, como a nuclear, ou com a transformação dessa região hidrográfica em um grande parque energético brasileiro; 3. O aumento (em comprimento) das hidrovias será pequeno, pois os trechos navegáveis dos rios são atualmente sub-utilizados. Haverá intensificação da utilização das hidrovias (carga transportada), dependendo do Cenário que ocorrerá, e potencial de conflitos entre os reservatórios das hidrelétricas e as vias navegáveis; 4. Haverá grande demanda de investimentos na coleta e tratamento de esgotos, o que dificulta o atingimento da meta setorial de universalização do atendimento até 2020, nessa região hidrográfica, a não ser induzido por programas específicos da Área de Meio Ambiente ou do Setor de Saneamento. As dificuldades de implantação, na região, da cobrança
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pelo uso da água, reduzirá a relevância da Área de Recursos Hídricos no alcance dessa meta, ao contrário do que poderá ocorrer em outras regiões hidrográficas. Como recomendações, julga-se que haverá necessidade de articulação das áreas de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente com o Setor Elétrico, visando o melhor encaminhamento dos conflitos decorrentes das pressões de desenvolvimento e de proteção ambiental na Região Hidrográfica Amazônica. Haverá também necessidade de articulação entre a Área de Recursos Hídricos e os Setores de Energia e Navegação, de forma a evitar conflitos e potencializar cooperação em projetos de multiuso das águas. Finalmente, para lidar com a carência de coleta e de tratamento de esgotos, há uma demanda de programas setoriais específicos do Setor de Saneamento ou da Área de Meio Ambiente.
RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL O Plano Nacional de Recursos Hídricos, aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH no início de 2006 (BRASIL,2006), estabeleceu as metas, diretrizes e programas tendo por horizonte o ano 2020 e uma divisão espacial baseada nas Regiões Hidrográficas Brasileiras (RH), aprovadas por este mesmo CNRH em sua Resolução 32/2003. Estas regiões hidrográficas são apresentadas na Figura 1. As metas, diretrizes e programas foram estabelecidos em face a três cenários de desenvolvimento de recursos hídricos para 2020, elaborados por meio de técnicas prospectivas. Partiuse de Cenários Mundiais e Nacionais, para se chegar aos Cenários de Recursos Hídricos1 com a coerência morfológica que é apresentada na Figura 2. Três são os cenários mundiais e quatro os cenários nacionais, descritos nas Caixas 1 e 2.
INTRODUÇÃO: OS CENÁRIOS PARA OS Caixa 1 - Cenários Mundiais
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Estes cenários mundiais e nacionais são aqueles apresentados e analisados pela consultora Macroplan, http://www.macroplan.com.br
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Figura 1 – Regiões Hidrográficas Brasileiras
Figura 2 – Relação morfológica dos cenários mundiais, nacionais e de recursos hídricos
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Recursos Hídricos do Brasil: Uma visão prospectiva com enfoque na Região Hidrográfica Amazônica
Caixa 2 - Cenários Nacionais
Fonte: BRASIL (2006)
Com base na agregação destas hipóteses, realizou-se a análise morfológica apresentada na Figura 2, considerando-se incertezas críticas relacionadas a: 1. Ocupação e uso do solo: atividades econômicas – indústria, agricultura e pecuária; 2. Implantação de usinas hidrelétricas; 3. Saneamento básico: manutenção e expansão da rede de água e esgotos tratados; 4. Gestão de Recursos Hídricos: implantação institucional do SINGREH, existência e implantação de planos de bacia hidrográfica, existência de políticas públicas integradas nos setores usuários de recursos hídricos e participação efetiva da sociedade no gerenciamento de recursos hídricos; 5. Investimento e despesas públicas em proteção e gestão de recursos hídricos. Como resultado, chegou-se a três cenários nacionais de recursos hídricos, denominados Água para Todos, Água para Alguns e Água para Poucos. As características destes cenários são descritas sumariamente na Caixa 3. Na Região Hidrográfica Amazônica, em face à abundância de água e aos problemas de escassez localizados, em qualidade e quantidade, entende-
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se que a Política Nacional de Recursos Hídricos – mesmo no cenário Água para Todos - não encontra condições objetivas para ser implementada tal como se acha concebida. Por isto, os instrumentos de planejamento, enquadramento, outorga e o sistema de informações estarão, quando muito, implantados de forma parcial, e de acordo com as necessidades – pois existem várias áreas sem problemas gerenciais relacionados às águas –, e sofrendo as adaptações demandadas pela natureza dos problemas regionais, que colocam a Política de Recursos Hídricos como corolário das Políticas Ambientais.
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Caixa 3 – Características dos Cenários Nacionais de Recursos Hídricos
Fonte: BRASIL (2006)
VARIAÇÃO DOS PRINCIPAIS USOS SETORIAIS EM CADA CENÁRIO NA REGIÃO HIDROGRÁFICA AMAZÔNICA Os principais usos setoriais da água e que foram objeto da visão prospectiva são: 1. Irrigação: devido ao grande consumo de água e às vantagens comparativas que o Brasil detém na agricultura; 2. Energia Elétrica: pela grande participação da
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hidroeletricidade na matriz de energia elétrica do País; 3. Navegação: pelos conflitos com o uso da energia e pela complementaridade com a agricultura irrigada, em termos de transporte da safra; 4. Diluição de esgotos, domésticos e industriais: refere-se à demanda de água para diluição, depuração e afastamento de resíduos de origem doméstica e industrial.
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A ausência de planejamentos setoriais no País, com a exceção do realizado pelo Setor Elétrico, foram realizadas aproximações a respeito do que poderia ser cada demanda hídrica setorial destacada. Neste artigo serão destacados os cenários setoriais para a Região Hidrográfica Amazônica.
IRRIGAÇÃO NA REGIÃO HIDROGRÁFICA AMAZÔNICA Tendo por referência BRASIL (2005) foram obtidas as áreas irrigadas em 1996 e 2000, e os respectivos incrementos médios anuais de área irrigada em cada região hidrográfica brasileira, conforme é apresentado no Quadro 1. Devido às incertezas nessas estatísticas, supôs-se que a área irrigada em 2005 é igual à área irrigada estimada para 2000. Com base nas estimativas de potencial irrigado sustentável por Estado, apresentados no mesmo caderno, e em uma distribuição hipotética dessas áreas em cada Região Hidrográfica, foram estimados os potenciais sustentáveis de irrigação e a relação entre a área irrigada em 2000, idêntica à de 2005 para efeitos das análises aqui apresenta-
das, e este potencial irrigável. Para projetar a área irrigada na ocorrência do Cenário Água para Todos, foram realizadas hipóteses para cada Região Hidrográfica, fundamentadas no histórico potencial regional e conhecimento do processo. No que concerne à Região Hidrográfica Amazônica, supôsse que existirá uma forte tendência da expansão da agricultura irrigada, mas concentrada no estado do Mato Grosso, aproveitando os recursos naturais de solo, água e clima, a infra-estrutura energética e de transportes, e a dinâmica econômica, com certa inércia no restante1. A expansão média anual da agricultura irrigada na Região Hidrográfica Amazônica seria da ordem de 14.000 ha, superando em quase três vezes a média de 5.000 ha observada no período entre 1996 e 2000. No Cenário Águas para Alguns esta hipótese permaneceria válida para esta Região Hidrográfica. Para o Cenário Água para Poucos, adaptou-se a situação a uma conjuntura de baixa dinâmica econômica, supondo-se que a expansão média anual da área irrigada seria da ordem de 7.000 hectares, um pouco acima do histórico do período de 1996-2000. Desta forma, no ano 2020 a Região Hidrográfica teria 300.000 ha irrigados nos dois cenários melhores, e 200.000 ha no de
Quadro 1- Evolução da área irrigada no Brasil, por Região Hidrográfica
Quadro 2 - Projeções para a irrigação em 2020 em cada cenário de recursos hídricos (1000 hectares)
1
Baseado em contribuições da Superintendência de Conservação de Água e Solo da Agência Nacional de Águas- SCAS/ANA
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menor dinâmica. O Quadro 1 apresenta as estimativas numéricas que, obviamente, não tem qualquer precisão, devendo ser entendidas meramente como tendências. Portanto, a área irrigada na Região Hidrográfica Amazônica ainda será reduzida em relação a do restante do País, e grandemente localizada no Estado do Mato Grosso. A não ser nesse Estado, não parecem ser relevante as articulações entre a Área de Recursos Hídricos e o Setor Agrícola.
GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A demanda de energia elétrica em todo País deverá ser atendida pelo sistema de geração, independentemente de sua localização devido ao Sistema Interligado Nacional, operado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS. O Quadro 3 apresenta uma estimativa do potencial hidrelétrico por Região Hidrográfica. Verifica-se que o potencial hidrelétrico ainda não explorado – que é ilustrado na Figura 3, acha-se em adiantado processo de esgotamento em todas as regiões hidrográficas brasileiras, com exceção do disponível nas Regiões Hidrográficas Amazônicas (54%). Ainda existem remanescentes nas regiões do Tocantins-Araguaia (10%), do Paraná (10%), do São Francisco (8%) e do Uruguai (6%), mas que nem sequer se igualam ao potencial da Região Hidrográfica Amazônica. Desta, certamente, deverá sair parte substancial da oferta de energia elétrica nos anos que seguem. A relação entre os aumentos de consumo de energia elétrica e os aumentos do PIB – ou a elasticidade-renda do consumo de energia elétrica – tem apresentado tendência decrescente ao longo do tempo, devido à diversos fatores: os avanços tecnológicos, os ganhos de produtividade do capital e do trabalho, a incorporação de hábitos na direção do uso mais eficiente da energia, e a possibilidade de substituição por energéticos concorrentes e mais eficientes em determinados usos; como é o caso do gás. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2005) estimou estas tendências permitindo
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a projeção do aumento de demanda de energia elétrica no período 2005-2020 para diferentes taxas de incremento do PIB, estimadas para cada um dos cenários de recursos hídricos: 4,5%, 3,5% e 1,5 %, respectivamente. Tendo por base estas estimativas e as gerações projetadas de outras fontes, obteve-se a demanda de energia hidrelétrica. Estes foram comparados com os potenciais utilizados somados aos já selecionados pela ANEEL (licitados, em processo de licitação ou indicativos e estratégicos). Verifica-se que ainda há insuficiência para atender à demanda de potência estimada no Cenário Água para Todos. O déficit, da ordem de 5.000 MW, poderá ser obtido com maior eficiência no uso de energia ou de fontes alternativas. No Cenário Água para Alguns, a demanda de potência instalada em 2020 é idêntica à soma dos potenciais selecionados pela ANEEL. Em ambos cenários há necessidade de se implantar totalmente o potencial selecionado na Região Hidrográfica Amazônica. Já no Cenário Água para Poucos a potência instalada em 2020 pode ser obtida com a implantação de 50% do potencial estratégico ou indicativo da Região Hidrográfica Amazônica. Em ambos os casos entende-se que o potencial selecionado de todas as demais regiões será implantado. As estimativas demonstram que a Região Hidrográfica da Amazônia será futuramente o grande parque de energia hidrelétrica do País, junto com a do Paraná. As restrições ambientais às hidrelétricas poderão dificultar esta tendência, com maior eficácia à medida que outra fonte de energia elétrica seja utilizada. Entre as existentes, julga-se que a única capaz de fornecer os grandes blocos de energia demandados será a energia térmica de origem nuclear, sobre a qual existem também restrições ambientais. Desta forma, a sociedade brasileira deverá em breve decidir sobre qual das duas deverá optar, mantido o tipo de desenvolvimento atualmente adotado. Articulações entre as áreas de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente, e o Setor de Energia devem ser
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Quadro 3 – Potencial Hidrelétrico Brasileiro
POTENCIAL ESTIMADO: Remanescente - resultado de estimativa realizada em escritório, a partir de dados existentes, sem qualquer levantamento complementar, considerado um trecho do curso d’água, via de regra situado na cabeceira, sem determinar os locais de implantação dos aproveitamentos; Individualizado - resultado de estimativa realizado em escritório para um determinado local, a partir de dados existentes ou levantamentos expedidos, sem um levantamento detalhado; POTENCIAL INVENTARIADO: Inventário - resultado do estudo de uma bacia hidrográfica, realizado para a determinação do seu potencial hidrelétrico através da escolha da melhor alternativa de divisão de queda, caracterizada por um conjunto de aproveitamentos na bacia, compatíveis entre si, de forma a se obter uma avaliação da energia disponível, dos impactos ambientais e dos custos de implantação dos empreendimentos; Viabilidade - resultado de uma concepção global do aproveitamento, considerando sua otimização técnico-econômica e compreendendo o dimensionamento das estruturas principais e das obras de infra-estrutura local a definição da respectiva área de influência, os possíveis usos múltiplos da água e os efeitos da obra sobre o meio ambiente; Projeto básico - projeto detalhado, inclusive no que diz respeito ao orçamento da obra, de forma a permitir a elaboração dos documentos de licitação das obras civis e do fornecimento dos equipamentos eletromecânicos; Construção - aproveitamento que teve suas obras iniciadas, sem possuir, no entanto, nenhuma unidade geradora em operação; Operação - aproveitamento que dispõe de, pelo menos, uma unidade geradora em operação. SELECIONADO – que já fazem parte dos planos de licitação da ANEEL: Estratégicas ou indicativas: que poderão ser licitadas brevemente. Fonte: BRASIL (2005)
Figura 3 – Potencial hidrelétrico não explorado por região hidrográfica
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promovidas para harmonizar as intervenções com os devidos anseios sociais, econômicos e ambientais.
Setor de Energia, devem ser realizadas, acrescidas pela participação do Setor de Transporte, para consideração desses aspectos.
NAVEGAÇÃO Os comprimentos das hidrovias existentes e os comprimentos dos trechos potencialmente navegáveis, após algumas obras ou sinalizações, em cada Região Hidrográfica, são apresentados no Quadro 4. A Região Hidrográfica Amazônica apresenta a maior extensão navegável do País. Qualquer que seja o cenário especula-se que não haverá grandes acréscimos de extensão navegável por dois motivos: 1) a extensão disponível ainda não é plenamente utilizada e esta capacidade ociosa deverá ser utilizada preferentemente ao seu incremento em extensão; e 2) a construção de hidrelétricas, em especial na Região Hidrográfica Amazônica, poderá inclusive dificultar esse modal de transporte, caso eclusas não sejam implantadas m cada aproveitamento. Diante desta situação prospectiva é necessário que a Região Hidrográfica Amazônica acompanhe os projetos de hidrelétricas e seus potenciais obstáculos à navegação, que sem dúvida é uma vantagem competitiva regional. As mesmas articulações propostas previamente entre as áreas de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente, e o
DILUIÇÃO DE ESGOTOS Este uso apresenta maiores dificuldades de projeção por não apresentar, ao contrário dos demais, um referencial na forma de potencialidade de uso, de forma explícita. Este referencial, no caso aludido, poderia ser a capacidade de assimilação dos corpos de água, de difícil mensuração, pois varia ao longo dos cursos de água, além da rede de monitoramento de qualidade de água ser sabidamente carente no País. Além disso, este referencial está associado a uma conseqüência da diluição de esgotos e não ao fato gerador que é o aumento da população e a intensificação da atividade econômica, com geração de resíduos que serão tratados, ou não. Este uso de água se refere às atividades do setor de saneamento, em especial à coleta e tratamento de esgotos. Existe uma meta de universalização dos serviços de abastecimento e esgotamento em 2020, para o que seriam necessários investimentos da ordem de 180 bilhões de reais (BRASIL, 2003). Os investimentos em Esgotamento Sanitário são cerca de 62% dos investimentos totais. Estes serviços não têm a relevância social e a visibilidade política dos serviços de abastecimento de água, podendo ser
Quadro 4 - Extensão das hidrovias brasileiras em Km
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esperado que o maior montante de investimentos demandados dificultará sobremodo sua implementação, caso não existam e sejam ampliados programas setoriais específicos. As projeções devem considerar o avanço dos sistemas de gerenciamento dos recursos hídricos e, em especial, a introdução da cobrança pelo uso da água como alternativa de indução e de financiamento dos sistemas de esgotos. Julga-se que, a depender das Políticas Nacional ou Estadual de Recursos Hídricos, pequenos avanços ocorrerão nesse aspecto na Região Hidrográfica Amazônica, devido às suas características próprias, que fazem com que este instrumento de gestão das águas, derivado para situações de escassez de água, não seja a ela adaptável. Apenas no Cenário Água para Todos pode-se esperar algum avanço nos programas de esgotamento sanitário, incentivados por políticas setoriais de saneamento ou ambientais, bem mais do que pelas políticas de recursos hídricos. Nos demais cenários, como regra geral, as cidades da região continuarão a utilizar a capacidade de diluição
de seus corpos de água, causando problemas de poluição em seus entornos, direcionando os investimentos nesse setor para os sistemas de abastecimento de água.
CONCLUSÃO As projeções realizadas apresentam uma visão prospectiva para a Região Hidrográfica Amazônica que visam permitir conclusões sobre a evolução futura dos usos setoriais considerados. Os valores numéricos demonstrados não apresentam rigor, sendo mais apropriada uma consideração de ordem qualitativa das tendências que é indicada no Quadro 5. Como regra geral, entende-se que a Área de Recursos Hídricos na Região Hidrográfica é subsidiária da Área de Meio Ambiente. As principais articulações que deverão ser promovidas são entre essas e os Setores de Energia, Navegação e Saneamento.
Quadro 5 – Resumo da variação dos principais usos setoriais de água por região hidrográfica e cenários
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BIBLIOGRAFIA BRASIL (2003). Dimensionamento das necessidades de investimentos para a universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos sanitários no Brasil. Ministério das Cidades, Programa de Modernização do Setor de Saneamento – PMSS II. Brasília, Maio de 2003. BRASIL (2005a). Aproveitamento do Potencial Hidráulico para Geração de Energia Elétrica. Caderno de Recursos Hídricos, Volume 8, Agência Nacional de Águas, Brasília, DF, Maio de 2005. BRASIL (2005b). A navegação interior e sua interface com o setor de recursos hídricos. Agência Nacional de Águas. Brasília, DF, Maio de 2005. BRASIL (2005c). Caderno Setorial: Setor Agropecuário e Recursos Hídricos. Secretaria de Recursos Hídricos/Ministério de Meio Ambiente. Brasília, DF, junho de 2005. BRASIL (2005d). Caderno Setorial: Setor Transporte Aquaviário e Recursos Hídricos. Secretaria de Recursos Hídricos/Ministério de Meio Ambiente. Brasília, DF, setembro de 2005. BRASIL (2006). Plano Nacional de Recursos Hídricos. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos. Brasília, DF , Março de 2006. EPE (2005). Estudo de premissas básicas para as projeções do mercado de energia elétrica. Relatório Final. Empresa de Pesquisa Energética. Rio de Janeiro, 2005. Obtido em http://www.epe.gov.br em Dezembro de 2005.
Antonio Eduardo Leão Lanna é Professor colaborador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, pesquisador 1A do CNPq, membro do Comitê Assessor de Engenharia Ambiental do CNPq, consultor da área de recursos hídricos.
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A Gestão das Águas e o Desenvolvimento do Estado do Ceará: Uma Perspectiva Histórica
A GESTÃO DAS ÁGUAS E O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DO CEARÁ: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA
*José Nilson B. Campos
RESUMO As secas no Nordeste brasileiro sempre foram obstáculos ao desenvolvimento da região semiárida do Nordeste brasileiro. O desenvolvimento da região, principalmente dos sertões, guarda uma forte correlação com as políticas de combate às secas. O processo iniciou-se nos primeiros anos do século XX, com a política de construção de açudes e irrigação conduzida pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Nas décadas de 1950 e 1960 começou uma nova política com a criação do Banco do Nordeste (BNB), da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). A partir da década de 1980, iniciou-se uma fase ligada a um novo modelo de gestão de água inserido no contexto do desenvolvimento sustentável. O Estado do Ceará foi pioneiro nessa nova política, criando o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH) e a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (COGERH). A nova política das águas do Estado está em operação desde 1992 e já tem dado resultados positivos para o bom uso dos escassos recursos hídricos do Estado.
INTRODUÇÃO O Nordeste semi-árido tem se caracterizado pelo estigma da seca. Muitos relatos de historiadores referem-se à ocorrência de secas que T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006
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antecedem a ocupação dos sertões nordestinos. Fernão Cardin, referindo-se ao ano de 1583, informa: “Houve uma grande seca e esterelidade na província (Pernambuco) e desceram do sertão, socorrendo-se aos brancos cerca de quatro ou cinco mil índios.” (Souza, 1979) Há registro também de um relato do Professor João de Deus de Oliveira: “Os primeiros colonizadores lusos testemunharam, por certo, a luta tremenda, dentro das selvas, dos Tabajaras, dos Kariris, indígenas sertanejos, estes últimos acossados pelos efeitos das secas, famintos errantes, em contínuos entrechoques de raças do Jaguaribe, do Apodi, e do Acçu, ao Norte, às ribeiras do São Francisco do Sul e Leste”. (Paulino, 1992) Essas narrativas demonstram as condições adversas enfrentadas pelo Nordeste brasileiro, particularmente os sertões, tivesse algum desenvolvimento. Elas também demonstram que mesmo em condições de baixa densidade demográfica, sem degradações antrópicas acentuadas, com populações de baixo nível de exigência (índios), na ausência de uma infraestrutura hidráulica, o Semi-Árido Nordestino é altamente vulnerável às secas. O Estado do Ceará está no fulcro da problemática da seca, teve seu desenvolvimento condicionado pela questão da escassez hídrica e da decorrente escassez em energia elétrica em uma época que a matriz energética brasileira era principalmente de geração hidráulica. Nos três primeiros quartis do século XX, o desenvolvimento foi fundamental conduzido pela política federal de combate às secas, administrada, principalmente, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e, posteriormente juntamente com a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). No último quartel do século passado, a presença estadual passou a ser mais forte e houve muitos avanços. Isso tudo, dentro de um momento no qual o modelo de gestão de águas no Brasil passava por grandes modificações. O Estado do Ceará foi um dos pioneiros na
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implantação desse novo modelo. O objetivo do presente trabalho é apresentar uma perspectiva histórica da evolução do processo de desenvolvimento do Estado do Ceará na dimensão - água. O texto apresenta uma descrição resumida do meio físico, clima e regime hidrológico dos rios, uma abordagem histórica das políticas públicas no âmbito do combate às secas e a construção do modelo de gestão de águas atual.
O MEIO FÍSICO O Estado do Ceará situa-se na região setentrional do Nordeste do Brasil (Figura 1). O Estado é constituído por 184 municípios, abrangendo uma área de 148.826 km². (Resolução nº 5, de 10de outubro de 2002, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Estado do Ceará está totalmente inserido no Polígono das Secas e caracteriza-se por um clima adverso e um regime hidrológico caracterizado por rios intermitentes e ausência de rios perenes.
Figura 1 – Localização do estado do Ceará. Fonte: CEARÁ (2005)
O CLIMA O regime de chuvas no Estado é fortemente concentrado em uma única estação com cerca de 90% dos totais anuais acontecendo nos
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seis primeiros meses do ano. Há três grandes sistemas que causam as chuvas: na pré-estação de janeiro a meados de fevereiro, as precipitações decorrem, principalmente, dos vórtices ciclônicos do ar superior (VCAS); na denominada quadra chuvosa, as chuvas decorrem do sistema da zona de convergência intertropical (ZCIT); nos meses de junho acontecem as chuvas das ondas de leste, basicamente restringindo-se ao litoral. No litoral a pluviosidade anual supera a 1000 mm, e mesmo a 1500 mm em alguns casos, enquanto nos sertões está em torno de 700 mm. A parte menos chuvosa, situa-se no Sertão Central com pluviosidade em torno de 500 mm/ano. Por outro lado, a evaporação anual varia de 1.500 mm/ano no litoral e supera a 2500 mm/ano em boa parte do Sertão. Nesse contexto, o balanço chuva versus evaporação é extremamente desfavorável. Somente nos meses onde se concentram as chuvas – fevereiro a maio – o balanço hídrico é positivo e oferece condições para a prática da agricultura não irrigada. Cerca de 80% da área do Estado estão assente sobre
solos de embasamento cristalino, praticamente impermeável, com capacidade de acumulação de águas restrita às zonas fraturadas. A maioria dos rios apresentam regime intermitente devido às irregularidades do regime pluvial e às demais condições fisiográficas. No Ceará não há rios perenes. Apenas uns poucos pequenos riachos, no Planalto da Ibiapaba conseguem manter algum fluxo durante todo o ano, nos anos de boas chuvas.
O REGIME DOS RIOS As condições climáticas adversas associadas à impermeabilidade da maior parte dos solos do Estado, impossibilita a formação de rios perenes. O rio Jaguaribe, que drena uma superfície de aproximadamente 74.000 km 2, em condições naturais podia permanecer praticamente seco por períodos de 18 meses. A Figura 2 apresenta o histograma de vazões médias mensais do rio Jaguaribe em Iguatu, logo a montante do açude Oros.
Figura 2 - Histograma de vazões médias diárias no rio Jaguaribe em Orós no ano de 1958.
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O rio Jaguaribe já foi considerado, antes da perenização, o maior rio seco do mundo. Observese que no ano de 1958, quando ocorreu uma grave seca, as águas somente escoaram no boqueirão do açude Orós, durante dois dias, logo após um episódio de chuva intensa que aconteceu no local. (Figura 3).
Dos mortos de 1877 a 1879, calcula-se que 150.000 faleceram de inanição indubitável, 100.000 de febres e outras doenças, 80.000 de varíola e 180.000 de alimentação venenosa ou nociva, de inanição ou mesmo exclusivamente de sede. Foi em decorrência desse desastre que o Imperador Dom Pedro II teria afirmado: “Venderei a última
Figura 3 - Histograma de vazões médias diárias no rio Jaguaribe em Orós no ano de 1958.
DAS SECAS E SUAS ORIGENS As secas recorrentes sempre impediram a ocupação e o crescimento das populações dos sertões. Ironicamente foi um período bom, relativamente longo, o qual ocasionou a maior catástrofe da região em decorrência de uma seca. O período entre 1845 e 1877 transcorreu sem grandes problemas de seca. Assim, as populações e os rebanhos cresceram sem que houvesse a necessária melhoria na infra-estrutura hídrica. A conseqüência foi uma população altamente vulnerável. Aconteceu então a mais grave seca da História do Nordeste: a seca entre 1877 e 1879. Lisboa (1913) relata: Essa determinou a mortandade de 500.000 habitantes do Ceará e vizinhanças, ou cerca de 50% da população. Nas grandes secas em geral, porém, a média de mortalidade não costuma exceder 33%. 28
pedra de minha coroa antes que mais um nordestino venha a morrer de fome”. Daquela data em diante surgiu um debate nacional sobre o qual seria a melhor solução para resolver o problema das secas.
AS PRIMEIRAS AÇÕES Os primeiros debates transcorreram no Sudeste do País, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro Capital da República. Muitas propostas foram surgindo. Campos e Studart (2001) apresentam e comentam as soluções e as classificam em convencionais e não convencionais conforme a seguir:
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Não convencionais : • Adaptação de camelos ao semi-árido, foram trazidos camelos e árabes para uma expedição; • Explosão de rochas cristalinas para gerar reservatórios subterrâneos protegidos da vaporação; • Queima de petróleo no mar para modificação do clima; • Reboque de icebergs do Pólo Sul como fonte de água doce. Convencionais : • Construção de açudes; • Perfuração de poços; • Implantação de irrigação;
• Aumento da revê viária, • Transposição de águas (incluindo a do São Francisco). Muitas das ações foram implantadas e resultaram em uma melhor infra-estrutura hídrica no Estado do Ceará. Foi criada toda uma estrutura hidráulica, passou-se então à fase seguinte: definir e praticar um modelo de gestão que aumentasse a eficiência do modelo então vigente, o qual já não se mostrava satisfatório.
O NOVO CONTEXTO O atual contexto de construção de um modelo de gerenciamento de recursos hídricos surgiu no âmbito de uma discussão mundial sobre o desenvolvimento sustentável. No Brasil, os debates sobre a construção do novo modelo deramse, principalmente em eventos organizados pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). Ressalte-se que as cartas da ABRH, as quais serviram de referência para a formulação do modelo cearense e brasileiro, já incorporaram princípios e premissas do modelo Francês o qual teve origem em 1960 e foi transformado na Lei de Águas da França em 1964. Em 1991 houve mudança de Governo, contudo a política de recursos hídricos foi mantida, tendo ocorrido a publicação do Plano Estadual de
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Recursos Hídricos em 1992 (Ceará, 1992). Várias ações previstas no Plano, incluindo a construção do modelo institucional, foram apoiadas e inseridas em um programa de financiamento do Banco Mundial. Nesse período foi promulgada a Lei Estadual de Águas; foi criada a Companhia de Gestão de Águas no Brasil (COGERH), com o fim específico de gerenciamento das águas brutas do Estado, a companhia pode ser considerada como o primeiro órgão eminentemente gestor de águas brutas do Brasil; foram implantados os primeiros comitês de bacias hidrográficas; e estabelecido o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH). Finalmente, foi atendido um princípio sempre defendido por especialistas e nunca praticado nas instituições: “O órgão gestor de águas não deve ser um usuário do sistema”.
• A construção do modelo institucional O primeiro Plano de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado do Ceará foi desenvolvido no ano de 1983, no âmbito da Secretaria de Planejamento. Ele foi implementado de forma voluntária sem remuneração, por especialistas e professores da comunidade local. O Plano foi desenvolvido como trabalho relevante, não remunerado, e ficou conhecido como o Plano ZERO. Como resultado do Plano ZERO foi criado o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, provavelmente o primeiro do Brasil estruturado e criado em Lei. A Secretaria Executiva do Conselho foi exercida pela Secretaria de Obras Públicas em um setor estruturado para essa finalidade. Entretanto, o projeto estava um pouco avançado no tempo e não prosperou. Todavia, em 1986 a idéia de estruturar um sistema de gestão de recursos hídricos, em âmbito estadual, retornou com mais intensidade e foi apoiada politicamente pelo Governo do Estado. Assim, no período entre 1988 e 1990 foi elaborado o Plano Estadual de Recursos Hídricos o qual foi concebido em três blocos: bloco 1) estudos hidrológicos da bacia do rio Jaguaribe; bloco 2) estudos hidrológicos
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das demais bacias hidrográficas do Estado e bloco 3) construção do modelo institucional. Em 1991 houve mudança de Governo, contudo a política de recursos hídricos foi mantida, tendo ocorrido a publicação do Plano Estadual de Recursos Hídricos em 1992 (Ceará, 1992). Várias ações previstas no Plano, incluindo a construção do modelo institucional, foram apoiadas e inseridas em um programa de financiamento do Banco Mundial. Nesse período foi promulgada a Lei Estadual de Águas; foi criada a Companhia de Gestão de Águas no Brasil (COGERH), com o fim específico de gerenciamento das águas brutas do Estado, a companhia pode ser considerada como o primeiro órgão eminentemente gestor de águas brutas do Brasil; foram implantados os primeiros comitês de bacias hidrográficas; e estabelecido o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH). Finalmente, foi atendido um princípio sempre defendido por especialistas e nunca praticado nas instituições: “O órgão gestor de águas não deve ser um usuário do sistema”.
• As etapas de construção do modelo Uma importante razão para o sucesso do modelo institucional de gerenciamento de recursos hídricos do Estado do Ceará é o forte aspecto conceitual usado em sua formulação, o qual obteve apoio político. Foi fundamental a junção da boa política com a boa base técnica. Segundo Campos (2003), as etapas para a construção de um bom modelo, seguidas do modelo cearense são as seguintes: 1. Caracterização das funções no setor hídrico e identificação das funções dos outros setores (externos); 2. Diagnóstico do modelo institucional vigente: Quem faz o quê? Há duplicidade de funções? Algumas funções importantes estão sem instituição com competência legal? Há funções exercidas informalmente? 3. Formulação do novo modelo: Quem vai fazer o quê?
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4. Verificação da consistência entre Modelo; Princípios e Leis. O modelo proposto atende aos novos princípios de gerenciamento? Não se pode esquecer que qualquer mudança institucional, como qualquer mudança na vida, implica em vencer resistências de setores acomodados e beneficiados com a situação vigente. Assim, o apoio político é fundamental.
O QUADRO ATUAL O Estado do Ceará conta com uma rede de grandes reservatórios que acumulam cerca de 18 bilhões de metros cúbicos. O regime hidrológico desses rios é marcado por elevada variabilidade temporal e intensa evaporação. A essa díade, ou seja, variabilidade e evaporação, torna necessário e prudente segurar os estoques de água dos reservatórios por muito tempo. Acumulam-se águas nas farturas, para usá-las nas agruras. O preço a pagar por manter esses estoques de água em reservatórios, são as perdas por evaporação. Essas perdas podem ser significativas em casos de reservatórios pouco eficientes. Constitui-se um engano, ou mesmo um preconceito, considerar que essas perdas decorrem da incompetência dos gestores de água no Estado. Há uma troca entre risco de colapso de água e perdas por evaporação. Há dois caminhos para minimizar as perdas: aumentar a eficiência das previsões climáticas, o que vem sendo feito pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) e conseguir uma fonte perene, externa ao sistema de reservatórios, que assegure a continuidade do fornecimento de água para as atividades essenciais. Para isso, há uma demanda da população e dos técnicos pela transposição de águas do rio São Francisco, a qual, no entanto,encontra grandes obstáculos políticos. Contudo, com as estruturas atuais, unindo previsão climática e gerenciamento dos estoques de água, o Estado do Ceará conseguiu mitigar os
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efeitos de secas intensas, como em 1998, sem maiores conseqüências no fornecimento de água para os grandes centros urbanos. A busca de uma maior eficiência hídrica segue com o aprimoramento do sistema de gestão e, dentro do possível, como ampliação da infra-estrutura de oferta. Ressalte-se que estão sendo executados grandes canais para aduzir a água dos reservatórios grandes e médios para abastecer os centros urbanos e industriais.
CONCLUSÕES A formulação de um modelo eficiente de gerenciamento de águas é um processo longo que requer competência técnica, participação das populações e apoio político. O Estado do Ceará desenvolveu ao longo de muitos anos um modelo que tem permitido, nos anos mais recentes, conviver com as secas e manter em funcionamento as principais atividades econômicas. Os principais desafios para o Estado consistem em aprimorar o sistema de gerenciamento, no empoderamento dos comitês das bacias hidrográficos e na melhoria das previsões climáticas.
Ceará 1992. 4v. CEARÁ Secretaria dos Recursos Hídricos. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Fortaleza, Ceará 2005 - CD. LISBOA, M.A. O Problema das Secas. In:DNOCS Pensamento e Diretrizes.Fortaleza, 1984. PAULINO, F. S. Nordeste, poder e subdesenvolvimento sustentado discurso e prática. Fortaleza: Edições UFC, 1992. SOUZA, J. G. O Nordeste Brasileiro: uma experiência de desenvolvimento regional. Banco do Nordeste do Brasil, Fortaleza, 1979.
* O Doutor José Nilson Bezerra Campos é professor da Universidade Federal do Ceará e membro da Academia Cearense de Ciências.
BIBLIOGRAFIA CAMPOS, J.N.B. O modelo institucional. In: Campos, J.N.B. e Studart, T.M.C. Gestão de Águas: princípios e práticas. Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Porto Alegre, 2003. CAMPOS, J. N. B.; STUDART, T. M. C.. Secas no Nordeste do Brasil: origens, causas e soluções. In: Fourth Inter-American Dialogue on Water Management, 2001, Foz do Iguaçu. Anais do IV Diálogo Interamericano de.Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2001. v. 01. CEARÁ Secretaria dos Recursos Hídricos. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Fortaleza,
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T&C Amazônia formulou quatro perguntas relacionadas à temática da água a quatro diferentes líderes de organizações representativas do Estado, que atuam diretamente com a questão dos recursos hídricos: Sandro Mário Stroiek, Diretor de Planejamento da empresa Águas do Amazonas; Ari de Oliveira Marques Filho, Pesquisador da área de Recursos Hídricos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; Heraldo Beleza Câmara, Diretor-Presidente da Companhia de Saneamento do Estado do Amazonas; e Raul Zaidan, Presidente da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do Amazonas. Veja a seguir os resultados.
Revista T&C - Considerando a abundância do recurso em seu entorno, por que parte da população de Manaus permanece sem acesso à água potável? Sandro Mário - A grande disponibilidade de água na região de Manaus não é suficiente para que a população tenha água em suas casas. A água distribuída para a população passa por (I) um processo de tratamento, em seguida (II) é bombeada para os reservatórios que fazem a (III) distribuição através das redes até chegar na casa dos consumidores, ou seja, é necessário haver infraestrutura de produção (Estações de Tratamento) e distribuição (Reservatórios e Redes) para a água chegar nas casas da população. E por qual razão não há infra-estrutura necessária? A principal razão está relacionada ao crescimento desordenado da cidade sem essa infraestrutura. O crescimento histórico da cidade ocorreu em grande parte através de invasões, sem planejamento, com os serviços públicos chegando após a consolidação dessas comunidades. Atualmente, mais de 40% da cidade é abastecida por poços profundos com micro-siste-
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mas específicos para cada comunidade. Nessas áreas com abastecimento isolado, instalam-se novas invasões nas proximidades que degradam os sistemas existentes. A solução para este problema passa pela destinação de volumosos recursos visando implantar a infra-estrutura necessária nessas comunidades, ou seja, redes de distribuição, reservatórios e uma nova captação de água na região da Ponta das Lages. Independente disso, é necessária uma ação forte do Poder Público para aplicar a legislação existente visando coibir novas ocupações desordenadas. A água produzida em Manaus é suficiente para abastecer a cidade com uma certa folga. Aproximadamente, 70% da água produzida é desperdiçada, principalmente por meio das ocupações irregulares e ligações clandestinas. Ari de Oliveira - O crescimento populacional em Manaus tem sido desordenado e a expansão inadequada da rede de abastecimento de água representa uma das facetas de um planejamento urbano frágil, em que as responsabilidades do poder público ficam atreladas aos termos imprecisos de terceirização do serviço, nos quais a distribuição de água na nova metrópole não está de fato garantida para toda a população. Heraldo Beleza - Vários fatores contribuem para isso, senão vejamos: I) Falta de cumprimento pela Concessionária da implementação do Plano Diretor de Água, o qual equaciona as obras necessárias ao longo do tempo, visando compatibilizar o binômio oferta x demanda da população. II) A abundância de água na região levou ao longo do tempo a uma certa “cultura de desperdício”. A população amazonense incorporou em sua prática quotidiana, rotinas extremas de consumo de água, duplicando ou mesmo triplicando o consumo médio por habitante; associado a isso a maior parte do sistema distribuidor é antigo e com sérios problemas de manutenção, ensejando um elevado índice de perdas, talvez na ordem de 60 % da água tratada, gerando com isso um descompasso entre
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a oferta e a demanda de água e conseqüentemente reduzindo à metade o horizonte de projeto do sistema projetado, ou seja, há uma diminuição na vida útil do projeto, o qual acaba não atingindo seu propósito inicial. Programas de controle de consumo, como hidrometração de 100% das ligações de água, e o concomitante investimento em obras de ampliação dos sistemas de adução, distribuição e reservação, preconizados no Plano Diretor, ampliariam significativamente o acesso à água potável pela população. Raul Zaidan - Parte da população permanece sem acesso à água potável por falta de elevados investimentos na expansão da capacidade de produção de água em mananciais superficiais (Estações de Tratamento de Água – ETA´s) e/ou subterrâneos (poços), ampliação de linhas de adutoras, centros de reservação e redes de distribuição. Em 4 de julho de 2006, a Concessionária Águas do Amazonas deveria ter atingido as metas estipuladas no Anexo I do Contrato de Concessão, onde estipulava 95% de cobertura de água, entre outros indicadores. A maioria desses indicadores não foi atingida por causa do desequilíbrio econômicofinanceiro do Contrato de Concessão. Uma das principais causas desse desequilíbrio encontra-se no fato de que o maior volume de receitas geradas provém da categoria residencial, e a demanda pela expansão é justamente em áreas de ocupação irregular, desorganizada e de característica sócio-econômica bastante carente, não havendo do outro lado do serviço consumidores industriais ou mais favorecidos que permitissem criar subsídios para os investimentos necessários. Além dos fatores retromencionados, o alto índice de perdas de água produzida afeta de forma relevante a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da exploração, tanto pelo valor que deixa de ser faturado, quanto pelos custos incorridos na produção de água tratada, obrigando a prática de altos preços de tarifa.
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Revista T&C - Quais os benefícios potenciais, para o Estado do Amazonas, da implantação do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH)? Sandro Mário - O Plano de Recursos Hídricos em nível Estadual visa regulamentar a Legislação Federal referente ao tema. Em Manaus especificamente, grande parte das indústrias, condomínios, órgãos públicos, comércios, escolas, universidades e residências de maior poder aquisitivo, usam a água subterrânea através de poços para atender às suas necessidades, sem pagar pelo recurso consumido. O modelo do Planasa (Programa Nacional de Saneamento), criado na década de 70, define a necessidade de participação do segmento de grande consumo como clientes das concessionárias visando subsidiar a expansão dos serviços para as famílias de menor poder aquisitivo. Como esses clientes saíram do sistema público, é fácil entender a razão pela qual o sistema de abastecimento não foi expandido para a população de menor poder aquisitivo. A Implantação do PNRH é uma oportunidade para o Estado estabelecer as regras básicas dos recursos hídricos e procurar, por meio da regulamentação, equacionar os problemas existentes, bem como evitar problemas de maior conseqüência no futuro. Ari de Oliveira - O principal benefício da inserção do Amazonas no Plano Nacional de Recursos Hídricos é a implantação imediata de sistemas de controle e de gerenciamento de bacias hidrográficas, numa fase inicial dos conflitos de diferentes atividades em cada bacia. A criação de Centros de Informação e de Modelagem Hidrológica e Meteorológica, já em fase de implantação no Estado, tem como objetivo a coordenação dos sistemas de controle e de gerenciamento de bacias hidrográficas, associando-os aos núcleos de modelagem hidrológica e meteorológica existentes no meio acadêmico, universidades ou institutos de pesquisa. Heraldo Beleza - O Plano Nacional de Recursos Hídricos é um instrumento de longo prazo, pactuado entre o Poder Público, os usuários (indústria, irrigação, setor de abastecimento de água, geração de energia, entre outros) e a sociedade civil
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(associações comunitárias, ONG’s, sindicatos, universidades, escolas, entre outros), que visa fundamentar e orientar a gestão das águas. Diante desse novo arcabouço legal, a co-responsabilidade pelo planejamento da oferta e da demanda da água, ao definir o conjunto de entidades partícipes, suas atribuições, competências e níveis de articulação, materializa-se, nitidamente, na estrutura institucional encarregada de promover a implementação dos sistemas de recursos hídricos. A construção do Plano ensejou estudos detalhados dos desafios regionais, apresentando uma análise da realidade da região hidrográfica amazônica, ressaltando em linhas gerais, as principais questões a serem respondidas na região para a implementação de seu Plano de Recursos Hídricos. O Caderno Regional (CR) da Região Hidrográfica Amazônica apresenta uma visão macro da região, ressaltando seus principais problemas no campo dos recursos hídricos, abordando tópicos relativos aos temas que se intersectam com o tema água, e que com ele guardam conexões específicas desta região, permitindo, portanto, a montagem de um panorama conciso da realidade atual da Região Hidrográfica Amazônica. A implantação do PNRH nos remete para discussões de algumas questões básicas de caráter institucional, de infra-estrutura e/ou legal, quais sejam: I. Apoiar e incentivar a criação e a regulamentação das leis estaduais de recursos hídricos; II. Apoiar a construção de uma visão harmônica e regional, quanto à implementação das políticas estaduais de recursos hídricos; III. Desenvolver modelos de uso da biodiversidade regional, na linha de aproveitamento do material genético para desenvolvimento de medicamentos, cosméticos e demais produtos assemelhados; IV. Estudar alternativas de aproveitamento sustentável do potencial ecoturístico da Amazônia, em especial das paisagens aquáticas, ainda subexploradas ou, pelo menos, exploradas de forma ainda pouco empresarial; V. Favorecer os trabalhos nas diferentes esferas
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do poder (federal, estadual e municipal) de forma harmônica entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, através de criação de forças tarefas conjuntas, para avaliar o papel das instituições oficiais na gestão dos recursos hídricos da Amazônia e, demais iniciativas que possam aproximar aqueles atores; VI. Implantar um programa contínuo de formação de recursos humanos especializados nas diferentes questões que envolvem o tema gestão de recursos hídricos na Amazônia; VII. Implantar uma estratégia de articulação do PNRH em 2 níveis (nacional e internacional) visando: I) trabalhar com os estados da região, incentivandoos na implementação dos instrumentos de suas políticas locais de recursos hídricos em consonância com uma ótica Amazônica e com os trabalhos em realização, no setor, pelos demais membros da União; e II) trabalhar junto aos demais países amazônicos de forma articulada com entidades representativas internacionais, como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica ( OTCA) e iniciativas como a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), para viabilizar a elaboração de planos de gestão que possam trabalhar de maneira harmônica a gestão dos recursos hídricos, em especial na região transfronteiriça. VIII. Implementação de programas de educação ambiental voltada para as boas práticas com relação aos recursos hídricos direta e indiretamente, com foco inicialmente nas realidades locais/urbanas. IX. Incentivar a melhoria das condições de transporte de cargas e passageiros aproveitando os corredores naturais como vias de escoamento num sistema multimodal (hidrovia, rodovia, etc), utilizando sempre uma abordagem de baixo impacto. X. Incentivar investimentos na implementação de sistemas de gestão ambiental em zonas urbanas e rurais, em especial quanto à coleta de resíduos, bem como o correto tratamento destes, evitando práticas que possam comprometer os recursos hídricos. Incentivar investimentos no setor de saneamento básico (água e esgoto) nas zonas urbanas. Raul Zaidan - A implantação do PNRH,
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contribuirá para: (I) Promoção do enquadramento dos corpos d´água, no âmbito do Conselho Estadual; (II) Gestão dos recursos hídricos por meio de outorga, condicionada às diretrizes dos planos de bacia hidrográfica; (III) Controle quantitativo e qualitativo dos usos da água; entre outros. Com a regulamentação da Lei N.º 2.712 de 28.12.2001, que disciplina a Política Estadual de Recursos Hídricos e Estabelece o Sistema Estadual de Gerenciamento desses recursos, haverá utilização racional e integrada dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável, disciplinando o uso das águas superficiais e subterrâneas. O gerenciamento dos mananciais subterrâneos irá coibir a fuga para fonte de abastecimento por poços tubulares dos clientes industriais, comerciais, públicos e os empreendimentos imobiliários de classe média e alta, regulamentando a perfuração indiscriminada dos poços. Revista T&C - Por que as tarifas da água são tão altas em Manaus? Sandro Mário - Primeiramente a questão logística da cidade de Manaus faz com que os insumos básicos utilizados no tratamento da água (produtos químicos) sejam onerados em virtude do valor do frete. Por outro lado, os custos de energia são bastante elevados e a Águas do Amazonas é atualmente um dos maiores consumidores de energia da cidade. Por fim, as tarifas de água em Manaus estão em linha com as concessionárias que não possuem em sua base de clientes os grandes consumidores utilizando água da concessionária, ou seja, o custo da manutenção e operação do sistema é repassado indiretamente para outras classes de consumo. Ari de Oliveira - Não temos dados comparativos, nem conhecemos os planos de investimento da empresa responsável pela distribuição de água. Heraldo Beleza - A política tarifária em sistemas de abastecimento de água no Brasil preconiza o estabelecimento do subsídio cruzado, em que as categorias de consumo industrial, comercial e pública, subsidiem a categoria residencial e nesta,
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internamente, os maiores consumidores subsidiem os menores. Ocorre que em Manaus a quase totalidade das indústrias não estão incorporadas à concessionária local, tendo, portanto, sistemas próprios de abastecimento de água, gravando, conseqüentemente, as tarifas das demais categorias de consumo. Por outro lado, os maiores consumidores da categoria residencial, parte significativa da classe média alta da cidade de Manaus, também têm sistemas próprios de abastecimento de água, gravando, portanto os pequenos consumidores de baixo poder aquisitivo. Face a este quadro, constata-se a importância vital de reduzir-se o nível de desperdício de água pela população, através de programas permanentes de educação sanitária e ambiental, de implementação de um programa de controle de consumo com hidrometração de 100% das ligações prediais de água e, finalmente, da implementação de instrumentos previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos, como a outorga e a cobrança pelo uso da água. Raul Zaidan - A estrutura tarifária vigente em Manaus é uma herança do modelo Planasa, adotado pelo Governo Federal nos anos 70, para as recémconstituídas concessionárias públicas estaduais (como a Cosama). Essa estrutura foi definida observando-se os seguintes conceitos: tarifa diferenciada entre as categorias de usuários e faixas de consumo, fixando-se um nível mais baixo para as tarifas residenciais e mais elevadas para as categorias comercial e industrial, beneficiando os usuários com menor consumo de água. No decorrer da concessão, por força do conjunto das regras de reajuste e revisão de tarifas contratualmente previstas, foram reajustados os valores das tarifas originalmente pactuados, de forma a manter o equilíbrio econômico financeiro do Contrato de Concessão, tendo-se em vista a adequada prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da cidade de Manaus pela concessionária. Em 2004, foi realizado o estudo do novo regime
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tarifário elaborado pela Fundação Getúlio Vargas ( FGV/SP), e a pesquisa sócio-econômica da cidade de Manaus elaborada pelo Instituto de Tecnologia da Amazônia (UTAM), concluindo-se que: (I) “O modelo tarifário atual e o nível das tarifas são “incompatíveis” com a capacidade de pagamento de uma parcela significativa da população da cidade, desestimulam potenciais usuários de consumo elevado a fazerem parte do sistema operado pela Águas do Amazonas e não remuneram os recursos investidos pela Concessionária.” (II) “O modelo Planasa adotado em Manaus resultou, portanto, na seguinte realidade: embora seu conceito visasse subsidiar o usuário residencial, fixando tarifas mais elevadas para o setor comercial e industrial, o fato é que esses últimos optaram por não ligarem ao sistema operado pela AdA, servindose de seus poços próprios. Em conseqüência, não somente inexiste subsídio cruzado entre as categorias de usuários, mas também o equilíbrio econômico-financeiro da empresa concessionária, por se apoiar nas receitas geradas pelo consumo dos usuários residenciais, tende a exigir tarifas mais elevadas desses usuários para poder gerar recursos que financiarão os investimentos.” A solução apontada, objeto da proposta do novo regime tarifário apresentado, propõe adequação das tarifas a realidade de Manaus e incentivo dos usuários de maior poder aquisitivo a integrar-se ao sistema de abastecimento.
Revista T&C - Estamos preparados para gerenciar as reservas de água da Amazônia com o devido valor estratégico que representam para o futuro da Região? Sandro Mário - Primeiramente é importante ressaltar que a preservação das águas é uma responsabilidade de cada cidadão. Todos nós podemos contribuir de alguma forma, não jogando lixo nos igarapés, não desmatando áreas próximas aos rios etc. Por outro lado, temos a oportunidade de, por meio da Regulamentação dos Recursos Hídricos, estabelecer ferramentas para gerenciar e
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preservar esse recurso. Ari de Oliveira - Dando continuidade à resposta da segunda questão, nesse contexto, o INPA tem contribuído tanto na confecção de planos de parceria com o Governo Estadual, como na estruturação de Núcleo de Modelagem Meteorológica e Hidrológica (evolução natural do programa LBA). Os detalhes dessa parceria estão apresentados no documento: “Programa de Ações dirigido para a Consolidação de uma Rede Meteorológica e para a Incorporação de Pesquisas Ecológicas às Políticas Públicas do Estado do Amazonas”. Heraldo Beleza - Planejar é vislumbrar o futuro para saber o que devemos fazer no presente, de forma pela qual possamos tomar decisões que garantam um presente e um futuro melhores. Neste contexto é imprescindível que se disponha de uma sólida e rica base técnica. Os consensos com certeza não serão alcançados e, conseqüentemente, não produzirão bons resultados, sem a existência de uma sólida e rica base técnica. A qualidade de uma decisão que garanta a eficiência da operacionalização do gerenciamento de recursos hídricos na Amazônia é diretamente proporcional à qualidade da base informacional e do conhecimento disponível. A boa decisão pressupõe uma boa base técnica. Portanto, precisamos dispor desta base técnica, para que o Plano seja efetivo. Necessitamos do concurso do melhor da inteligência da comunidade técnica que reflita sobre a água no Brasil. Enfim, o Plano necessita mobilizar o melhor de nossa comunidade técnica e científica, a fim de que possamos atingir seus reais objetivos e promover uma melhor qualidade de vida a todos os segmentos da população. Raul Zaidan - Sim. No caso específico da capital do Estado do Amazonas – Manaus, esse gerenciamento é também embasado no Plano Diretor de Água e Esgotamento Sanitário, elaborado em 2001 pela Concessionária dos serviços de saneamento, por meio de sua contratada ETEP – Consultoria, Gerenciamento e Serviços, que adota a premissa de expansão do serviço de abastecimento de água por meio do incremento de novos poços e redução significativa das perdas nas áreas T&C Amazônia, Ano IV, Número 9, Agosto de 2006
atualmente abastecidas. Estudos recentes elaborados sobre a situação dos aqüíferos na cidade, bem como a necessidade de otimizar a produção atual para fazer frente à verticalização, direcionou a revisão do plano para atender à necessidade de Manaus com nova tomada de água na zona Leste, denominada Ponta das Lajes, que irá abastecer além das Zonas Leste a Norte, o Distrito Industrial. A solução que está sendo proposta na Revisão do Plano Diretor busca também integrar o sistema a ser construído com o sistema atual da Ponta do Ismael, dotando a cidade de um sistema de abastecimento integrado e digno para uma metrópole de aproximadamente 1,7 milhão de habitantes. Segundo o estudo “Água Para as Zonas Norte e Leste e Distrito Industrial”, realizado pela Águas do Amazonas em agosto de 2005, a solução técnica proposta na Revisão do Plano Diretor, estima que haverá produção de água suficiente para atender à demanda integral do Distrito Industrial, o que representará o incremento de 52% no faturamento anual da Concessionária e permitirá manter subsídios internos necessários para melhorar a sustentabilidade do regime tarifário atual e de ampliação do sistema.
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Foto: Divulgação
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José Machado
Paulista, da cidade de Tanabi, José Machado é Economista pela Universidade de São Paulo – USP (1976), pós-graduado em Ciências Econômicas (1977/78), pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Exerceu diversos cargos públicos: foi Deputado Estadual e Federal; foi Prefeito Municipal de Piracicaba (SP) por dois mandatos (1989/92 e 2001/ 2004). E atualmente exerce o cargo de DiretorPresidente da Agência Nacional de Águas – ANA, desde janeiro de 2005. Em entrevista à revista T&C Amazônia, Machado discorreu sobre as atividades e projetos da agência.
Revista T&C - Infelizmente a maior parte da água desperdiçada é para a irrigação na agricultura, a qual muitas vezes, utiliza técnicas ultrapassadas. Em termos de fiscalização, o que a ANA tem constatado e feito? José Machado - As perdas no setor não são decorrentes apenas de negligência dos usuários.
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Muitas delas são inerentes aos próprios sistemas instalados que carecem de investimentos de modernização, mas boa parte decorre também da falta de informação e da inexistência de uma assistência técnica e extensão rural adequada: recomendação de manutenção permanente do sistema; amplas possibilidades de substituir peças, sem a necessidade de substituir o sistema; formas adequadas de monitoramento da quantidade de água efetivamente aplicada; uso de variedades mais produtivas e adequada fertilização; pequenos ajustes na época de plantio; dentre outros, poderão contribuir em muito para a redução dessas perdas. Revista T&C - Outro problema relacionado ao desperdício de água é a questão cultural, já que os brasileiros foram acostumados com a grande oferta do recurso e ainda não se conscientizaram sobre a importância da “racionalização”. Existe alguma política que procure mudar este comportamento? José Machado - Existem diferentes iniciativas que buscam elevar a consciência dos usuários sobre o desperdício de água. Praticamente todas as companhias ou serviços de saneamento dos estados e municípios atuam nesse sentido. A ANA já promoveu várias ações para economizar água, como por exemplo, um curso de hidrometração de edifícios, que já treinou mais de 500 participantes empreiteiros, construtores, agências reguladoras em metodologias de uso racional da água em edificações. O prêmio ANA, que será julgado em breve, e que conta com cerca de 300 participantes, também busca transmitir essa mensagem para nossos parceiros e sociedade em geral. Na linha editorial produzimos, com a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP, manuais de reuso de água e de uso sustentável em edifícios. Portanto, embora tenhamos um longo caminho para percorrer, os primeiros passos foram dados, pois estes são programas de mudança de padrão de consumo da sociedade que exigem longa duração ou continuidade para alcançarem resultados duradouros e expressivos. Revista T&C - A Superintendência de Conservação de Água e Solo tem, como uma de
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suas atribuições, propor ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o estabelecimento de incentivos, inclusive financeiros, à conservação qualitativa e quantitativa de recursos hídricos. Não seria mais produtivo que os esforços fossem concentrados na educação ambiental, para que uma vez conscientizados os grupos sociais entendessem que a água é um bem “finito” e exige cuidados? José Machado - As duas coisas são importantes e devem caminhar juntas. O usuário consciente estando no vermelho não tem como cuidar dos recursos hídricos. Sendo assim, toda ação de conservação de água e solo deve iniciar-se pela mobilização e educação ambiental, mas é de fundamental importância que existam incentivos capazes de viabilizar economicamente a execução das ações. É preciso compreender que os benefícios proporcionados pela conservação de água e solo numa propriedade rural, por exemplo, não ficam restritos a essa propriedade, e grande parte da população existente a jusante dessa propriedade tem agora mais água e de melhor qualidade para utilizar nas suas atividades econômicas. É o que em economia costumamos chamar de externalidades positivas, as quais se materializam na forma de um benefício social. Ora, se a sociedade se beneficia e utiliza desses ganhos, não é justo que também ela pague na proporção desses benefícios? Creio que um exemplo assim pode deixar mais claro que o incentivo não é algo que é dado de graça a quem protege o meio ambiente, mas sim é uma forma de reconhecer o seu esforço e ajudá-lo no sentido de gerar benefícios sociais. Afinal, se queremos um meio ambiente melhor temos todos que nos empenhar conjuntamente, contribuindo com os meios que dispomos, e buscando acima de tudo viabilizar a execução das ações imprescindíveis à sua melhoria. Revista T&C - A bacia Amazônica é a maior do mundo. Por que ainda não temos um comitê da ANA atuando na região? José Machado - Porque a legislação nacional de recursos hídricos é muito nova, vai completar dez anos no próximo ano, e a ANA recém completou
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cinco anos de existência. Até agora os esforços prioritários da ANA tem sido para enfrentar as situações hídricas mais críticas do país, como, por exemplo, o Semi-Árido nordestino, assolado pela carência quase absoluta de água, e a Região Sudeste, onde os índices de qualidade da água são muito ruins e geram conflitos muito complicados para atender aos diversos usos da água. Vencida essa primeira etapa de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, é chegada a hora de voltar as atenções também para outras regiões do país, como o Norte, por exemplo. No caso da Bacia Amazônica, a ANA acaba de abrir uma Unidade Administrativa Regional, colocando um técnico residente em Manaus, com o objetivo de avançar numa política de recursos hídricos para a região. Por outro lado, dadas as dimensões extraordinárias da Bacia Amazônica, há que se pensar detidamente sobre o melhor modelo de gestão de recursos hídricos a ser aplicado, como alternativa aos comitês de bacia, sem renunciar ao critério de gestão participativa. Revista T&C - Em recente entrevista, o senhor afirmou que a ANA deve investir cerca de 100 milhões de dólares, em todas as regiões do País. Quanto deste valor corresponde a investimentos no Estado do Amazonas? Com quais objetivos? José Machado - O nosso foco é a Bacia Amazônica e não um estado especificamente, muito embora queiramos estabelecer com cada um deles adequadas relações institucionais, com vistas à implementação das ações em recursos hídricos na Bacia. No momento, estamos tratando de estruturar nosso escritório técnico e viabilizar, através de um plano de ação detalhado, a cooperação institucional com os estados da região e com outras instituições federais que atuam na localidade, como, por exemplo, o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) e a Comissão para Coordenação do Projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (CCSIVAM). Uma das nossas metas prioritárias, no momento, é fortalecer o nosso sistema de monitoramento da Bacia Amazônica. Por outro lado, cabe registrar o papel
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da ANA na coordenação brasileira do Projeto de Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços na Bacia do Rio Amazonas – Projeto GEF Amazonas, iniciativa conjunta dos oito países integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. Revista T&C - O Prodes, Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas, também conhecido como “programa de compra de esgoto tratado”, tem o intuito de despoluir os rios, por meio de pagamento pelo esgoto tratado aos prestadores de serviços executores. O projeto tem alcançado êxitos? José Machado - O maior vilão da poluição hoje são os municípios, que não tratam os esgotos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 20% dos esgotos do País recebem algum tipo de tratamento. O Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas – Prodes, é muito interessante. A sua filosofia é simples: o governo compra esgoto já tratado, o que permite um subsídio eficaz e, ao mesmo tempo, financia o tratamento de esgotos nos municípios. Foram investidos mais de R$ 250 milhões e hoje temos mais de cinco milhões de pessoas beneficiadas. Infelizmente, o projeto que hoje está sob a responsabilidade do Ministério das Cidades está paralisado por falta de orçamento e a ANA está se mobilizando para sensibilizar o governo a retomar o programa. Revista T&C - Um grande problema relacionado à água é a poluição nos corpos d’água, causada principalmente pela falta de tratamento dos esgotos. Como o senhor analisa a atuação dos governos estaduais e das empresas concessionárias, responsáveis pela execução dessa demanda? José Machado - Apesar de o Brasil ter historicamente subsidiado a construção de obras de saneamento, os resultados decorrentes das ações governamentais nesse campo, por vezes, não têm alcançado os objetivos principais devido a concepções inadequadas: obras mal dimensionadas; preços elevados; sistemas mal operados, abandonados ou que nunca entraram em operação.
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Uma das razões do problema está no modelo de subsídio adotado, cujo foco é a obra. Quando se transfere este foco para os resultados, como propõe o Prodes, os problemas citados tendem a ser minimizados. Há uma estimativa do Ministério das Cidades de que para recuperar todo o sistema de saneamento seriam necessários R$ 186 bilhões. O investimento hoje é muito baixo. Precisaríamos minimamente de cerca de R$ 5 bilhões por ano. Revista T&C - A ANA teve uma importante participação na elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Na prática, o que o Brasil ganhará com a sua implantação? Quais os riscos do plano ficar engavetado, com as mudanças na política nacional? José Machado - O Brasil detém 12% das reservas de água doce do planeta e é o primeiro da América Latina a aprovar um plano de recursos hídricos. O Plano Nacional de Recursos Hídricos, lançado no início do ano pelo Presidente Lula, é o resultado de dois anos e meio de debate em todos os estados e consenso entre os governos federal e local e membros da sociedade civil.
na implementação de um sistema de gerenciamento de água em todo o País. E a cada dia que passa, os comitês de bacias vão se constituindo, vão amadurecendo, a sociedade vai participando mais. O poder público tem cada vez mais priorizado esse tema na sua agenda. Portanto, eu acredito que o Brasil hoje é um dos países do mundo que mais têm instrumentos e ferramentas na mão para resguardar esse patrimônio estratégico do nosso País que é a água, em razão, sobretudo, por ser o que mais dispõe de água no planeta.
Na prática, o documento contém diretrizes que vão balizar as políticas públicas para a melhoria da oferta de água para a população em quantidade e qualidade. O Plano estabelece diagnósticos e metas, programas de investimento e de educação ambiental baseados na divisão das 12 regiões hidrográficas do Brasil: Amazônia, TocantinsAraguaia, Atlântico Nordeste Ocidental, Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Atlântico Sul, Uruguai, Paraná e Paraguai. O Plano ainda parte da premissa de que a água é um elemento estratégico para a adoção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável e a inclusão social. O Plano Nacional de Recursos Hídricos é uma das etapas da evolução da gestão das águas no Brasil. O país aprovou a sua lei das águas em 1997, e criou a Agência Nacional de Água em 2000, fruto de todo um processo de discussão, de mobilização e de participação social. E de lá para cá muitas ações já foram desenvolvidas, estamos avançando
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Cheias e Secas na Amazônia: breve abordagem de um contraste na maior Bacia Hidrográfica do Globo
CHEIAS E SECAS NA AMAZÔNIA: BREVE ABORDAGEM DE UM CONTRASTE NA MAIOR BACIA HIDROGRÁFICA DO GLOBO
*Naziano Filizola **Agenor Vicente da Silva e Ana Maria Caldeira dos Santos ***Marco Antônio Oliveira
RESUMO As cheias e as secas recorrentes na Bacia Amazônica mostram de forma às vezes catastrófica, um grande contraste hidrológico dessa que é a maior bacia hidrográfica do globo. Assim, neste artigo são abordados, de forma breve: os principais regimes hidrológicos identificados na Bacia Amazônica, aspectos relacionados à técnica de cenarização de eventos hidrológicos críticos e um resumo quanto ao histórico dos níveis alcançados nos principais eventos de cheias e secas, na região, com seus conseqüentes efeitos em termos de danos materiais. As informações apresentadas pretendem contribuir na busca de alternativas, para mitigar de modo mais duradouro os efeitos negativos de eventos hidrológicos críticos na Bacia Amazônica.
INTRODUÇÃO Na Bacia Amazônica (Figura 1) o principal meio de transporte, tanto da população quanto de cargas se dá através dos rios. Uma densa rede de drenagem, associada a uma diversidade nos regimes hidrológicos, condiciona não só o transporte, mas também o ciclo de vida das populações ribeirinhas da Amazônia. As oscilações nos regimes dos rios Amazônicos, tanto para cima (cheias), quanto para baixo (secas), ocorrendo de forma intensa ou não, obrigaram, com o passar dos anos, o caboclo local
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a construir um modo de vida adaptado àqueles eventos hidrológicos, porém ainda sofrendo com o flagelo causado pelos eventos críticos. No entanto, as estiagens e as cheias na Amazônia são fenômenos naturais e freqüentes. Apenas as intensidades daqueles eventos apresentam tempos de recorrência distintos. Ainda que apenas em poucas localidades da bacia, séries de dados hidrológicos que ultrapassam os 20 anos, podem ser úteis para um acompanhamento anual da evolução dos níveis, de forma a avaliar tendências e construir cenários em relação à intensidade dos eventos.
OBJETIVOS Este artigo, dentro do contexto acima colocado, apresenta informações que visam esclarecer e relatar alguns tópicos sobre o funcionamento hidrológico da bacia Amazônica, em especial relacionados aos
eventos críticos (cheias e secas), de forma a subsidiar os tomadores de decisão, quanto a técnicas simples, que podem ser utilizadas na região, para o reconhecimento de cenários hidrológicos críticos.
A BACIA AMAZÔNICA A bacia do rio Amazonas (Figura 1) é a maior bacia hidrográfica do mundo. Com uma superfície de 6.1 106 km2, possui relevo e clima contrastantes. Compreende áreas que vão desde a Cordilheira dos Andes, com altitudes de até 6000 metros, onde é possível se encontrar porções de clima quase polar com temperaturas chegando por vezes a -25°C; até a vasta planície fluvial (100-150 metros até o nível do mar), úmida e chuvosa, com temperaturas, em geral superiores aos +25°C; passando pelos terrenos antigos dos escudos brasileiro e das guianas (de 100 até 3000 metros acima do nível do mar). A bacia
Figura 1. A bacia Amazônica, seu arcabouço estrutural: Andes, Escudos e a Planície Fluvial, sua variação altimétrica e seus grandes rios em destaque. Fonte: Adaptado de Filizola, (2003).
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é drenada por uma densa rede de cursos d’água de dimensões variadas, chegando até o próprio Amazonas, este mesmo o maior rio do mundo, cuja vazão média anual é superior a 200.000m3.s-1 (Filizola et al., 2002).
OS DADOS HIDROLÓGICOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA Os dados hidrológicos que permitem caracterizar os cursos d’água da bacia Amazônica envolvem na sua obtenção, a instalação de uma rede de estações hidrométricas coletando, no meio fluvial, ao menos, dados de nível dos rios com freqüência diária e em alguns deles medindo vazões com freqüência trimestral. Esse trabalho é feito pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) com financiamento e gerenciamento da Agência Nacional de Águas (ANA). A rede hidrométrica na Amazônia brasileira tem hoje, portanto, mais de 300 postos com determinação de níveis e medição de vazões. Os dados são disponibilizados através do site da ANA (www.ana.gov.br), após verificação de consistência. Em casos de necessidade, dados diários, de estações automáticas, são enviados aos centros de apoio na região para análise. Os dados das estações automáticas têm grande utilidade, mesmo ainda sem a avaliação de consistência. Eles podem ser utilizados no acompanhamento da evolução dos cenários anuais do ciclo hidrológico em diferentes rios Amazônicos.
PRINCIPAIS REGIMES HIDROLÓGICOS NA BACIA AMAZÔNICA BRASILEIRA E SUA INFLUÊNCIA NOS EVENTOS CRÍTICOS. A primeira definição de regimes hidrológicos na bacia Amazônica foi realizada por Molinier et al. (1995) tomando por base e adaptando à Amazônia, uma classificação francesa ditada por Jean Rodier (1964) para os rios africanos. Tal classificação leva
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em consideração o efeito da pluviometria no escoamento da bacia, convertido em vazão nos cursos d’água. Assim, de acordo com aquela classificação, existem para a Amazônia brasileira 4 tipos principais de regimes hidrológicos: 1) O regime tropical austral, com um só pico de cheia, normalmente acontecendo no primeiro semestre do ano calendário e o período de seca ocorrendo em meados do segundo semestre do ano calendário. Esse regime é representado pelos rios originários do hemisfério sul, como o Purus, o Madeira e seus afluentes, o Xingu e o Tapajós; 2) O regime tropical boreal (rio Branco em particular) com um pico de cheia bem marcado no segundo semestre do ano civil e o período de seca em torno na metade do primeiro semestre do ano civil; 3) O regime equatorial, representado pelo rio Negro e também pelos rios Içá e Japurá, nos quais o pico de cheia é mais acentuado no meio do ano, sendo que por vezes observa-se até dois picos de máxima no ano. Nesses rios o período de seca se observa na primeira metade do ano civil; e 4) O regime equatorial alterado representado pelo Solimões e pelo Amazonas, sofrendo a influência dos três regimes já citados anteriormente, com as cheias entre maio e junho e o período de secas entre outubro e novembro. No acaso Amazônico os estudos iniciais, (Molinier et al, 1995) levam a crer que os eventos de cheias e secas se intensificam e se tornam realmente críticos à medida que ocorre maior sobreposição entre períodos específicos dos diferentes regimes numa determinada área da bacia. Ou seja, quando os períodos de cheia dos regimes 1 e 3 (acima) se aproximam, há uma tendência a uma grande cheia em localidades da Amazônica central, por exemplo. Assim, quando a coincidência de períodos de ocorrência abrange mais de 2 regimes, os eventos tendem a ter tempo de recorrência maior e serem ainda mais intensos. Ou ainda, podem variar sua intensidade de acordo com a persistência do período de coincidência entre os diferentes regimes.
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DADOS HIDROLÓGICOS COMO SUBSÍDIO PARA ANÁLISE DE TENDÊNCIA PARA CENÁRIOS CRÍTICOS Assim, os dados hidrológicos diários podem ser analisados, segundo os diferentes regimes, visando também a elaboração de cenários quanto à evolução dos níveis na região Amazônica brasileira. Esse estudo pode ser realizado através de uma simples sobreposição, em gráfico, das curvas dos níveis diários alcançados pelos rios numa determinada estação em anos anteriores, com a curva dos níveis do ano em curso. Após a sobreposição, são selecionados, das séries dos anos anteriores, os períodos com maior semelhança em relação ao ano em curso. Esse exame simples pode ser executado, tanto visualmente, quanto automaticamente, através de uma rotina elaborada em planilha eletrônica de cálculo. Os cenários são determinados em função de uma envoltória, incluindo os anos com maior grau de semelhança comportamental com o período do ano em curso. No entanto, os anos de maior semelhança podem variar com a evolução dos 4 períodos do ano
a ter cenários construídos (subida e descida das águas, período de águas altas e de águas baixas). A análise de cenários, no entanto, somente ganha confiabilidade nas estações hidrológicas com 20 anos, ou mais, de dados acumulados (série histórica consolidada). O uso desse critério depende da existência de outras estações estrategicamente posicionadas na bacia, de acordo com os regimes hidrológicos identificados. Esse tipo de análise é possível de ser realizado na região da planície Amazônica, em função da resposta dos rios, aos eventos controladores de cheias e secas, ser lenta. Um exemplo da metodologia de cenarização pode ser visto na Figura 2 para a estação de Tabatinga, considerando-se o evento de seca extrema de 2005. Naquela figura se tem no eixo Y os valores das cotas, medidos na régua de Tabatinga e no eixo X os dias gerais do ano, de 1 a 365. Considerando o procedimento descrito anteriormente, na Figura 2, uma área foi destacada, no período de descida das águas. Nesta área percebe-se uma região de semelhanças entre a série de 2005 com outros períodos extremos como os de
Figura 2. Curvas de Cotas diárias (em centímetros) versus dias do ano para a estação da ANA em Tabatinga nos anos de 1988 (verde), 1995 (rosa), 1998 (azul), 2005 (vermelho) e a curva das mínimas absolutas em amarelo. A área em destaque indica o período para o qual os dados plotados são úteis para indicar os cenários mais prováveis a ocorrer. Fonte de dados: CPRM/ANA e Programa HIBAM In: www.ana.gov.br. Valores de cota com RN arbitrário.
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1988, 1995 e 1998. Além disso, em amarelo encontra-se a curva das mínimas absolutas. Um acompanhamento das séries nos permitiria, à época, inferir o caráter extremo do evento na localidade de Tabatinga, na forma de um cenário semelhante ao daqueles anos identificados. Para maior confiabilidade da análise, a ocorrência de coincidências de séries de mesmos anos utilizados nos cenários elaborados para mais de uma estação, para o mesmo período do ciclo hidrológico, reforçariam a tendência para um cenário específico e também para uma mesma área na bacia. Ou seja,
Infelizmente, os dados para o uso de tal ferramenta de forma difusa considerando diferentes estações hidrométricas, ainda não se encontram totalmente estruturados na região, o que impossibilitou uma identificação mais precisa do evento extremo ocorrido em 2005.
Figura 3. Cotas máximas anuais do rio Negro atingidas na estação de Manaus. Em amarelo a cota de atenção e em vermelho a de emergência. Fonte de dados: CPRM/ANA e Programa HIBAM. Valores de cota com RN (Referencial de Nível) arbitrário.
se os mesmos anos destacados como de maior semelhança para a o período de seca, em Tabatinga, em 2005, também fossem encontrados nas estações hidrométricas de Porto Velho e de Manaus, teríamos configurado uma forte tendência para um evento de magnitude semelhante aos daqueles anos, a ocorrer na calha dos rios onde se localizam aquelas estações. 46
EVENTOS HIDROLÓGICOS CRÍTICOS NA BACIA AMAZÔNICA As cheias Os eventos de cheias na Amazônia são em geral, registrados entre os meses de junho e julho de cada ano, liderados pelo regime do rio principal. No entanto, é preciso considerar que a cheia nos tributários pode ocorrer em períodos distintos,
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segundo o seu regime específico. No rio Madeira, por exemplo, a cheia costuma acontecer cerca de 2 a 3 meses antes da cheia no rio Solimões em Manacapuru. Assim, na Figura 3 estão ilustrados todos os eventos de máxima desde o início dos registros, para a estação de Manaus, tomada aqui como exemplo, por ser esta a de maior série histórica (centenária) existente na região, juntamente com a da Óbidos no Pará. A cheia máxima registrada na região data do ano de 1953, quando a régua do rio Negro, em Manaus, atingiu o nível de 2969 cm. Evento que aparenta ter tempo de recorrência maior do que 100 anos, por não haver outro semelhante na série de dados atual. Já eventos como os de 1976 e 1989, se comportam como eventos com tempo de recorrência menor, entre 20 e 30 anos, aproximadamente. A partir dos dados Figura 3, se pode inferir uma cota de atenção, para eventos de cheia em Manaus. Assim, em função das médias das máximas (2776cm), a cota de atenção situa-se em geral 5% acima deste valor. Esse percentual pode ser adotado em função dos prejuízos reportados pela imprensa (Silva, 2006) em relação aos níveis de eventos anteriores e também em função do gradiente de subida das águas, dado em função da variação das cotas para um período de até 5 dias (dh/dt5). Da mesma forma, se pode calcular uma cota de emergência (2915 cm), acima da qual as cheias apresentam características catastróficas. As secas Os eventos de seca na Amazônia são em geral, registrados entre os meses de setembro e outubro, assim como nos eventos de cheia, liderados pelo regime do rio principal. No entanto, eventos em grandes tributários como o Madeira também são importantes, em especial pelo fato deste rio ter uma variação, entre vazões máximas e mínimas, bastante significativa. Na Figura 4, a exemplo do que foi mostrado para os eventos de máxima em Manaus, estão ilustrados todos os eventos de mínima desde o início dos registros, para a mesma localidade. A seca mais forte registrada no rio Negro em Manaus data de 1963, quando os níveis atingiram
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1364 cm, seguidos pela seca de 1906 com 1420 cm. Essa, por sua vez, seguida pela seca de 1997, quando foi registrado nível mínimo de 1434 cm. Esse tipo de evento tem tempo de recorrência maior que 30 anos, enquanto eventos como os de 1958, 1998 e 2005 aparentam ter tempo de recorrência menor 20 a 30 anos. Do mesmo modo que para a situação das cheias é possível estabelecer, com o uso das médias das mínimas, um valor de cota de atenção, para Manaus, a qual se situa em 1756 cm. Em face das observações realizadas e da amplitude dos eventos de mínima ser maior do que a dos eventos de cheia, se pode utilizar um valor de 10% da cota de atenção a ser subtraído desta última para o estabelecimento da cota de emergência. Esse percentual também guarda uma forte relação, com os efeitos causados no meio físico (Santos, 2006), em geral de maior gravidade, quando comparadas às informações das cheias (Silva, 2006)). Assim, se pode adotar como cota de emergência para períodos de seca, a cota 1581 cm para a régua de Manaus. Vale notar que a cota mínima registrada em 2005 (1475 cm), situouse acima da cota de emergência. Um aspecto interessante e que mostra que a sensibilidade social aos fenômenos de seca parece maior do que a sensibilidade aos fenômenos de cheia, está no fato de as notas de imprensa (Santos, 2006) destacarem eventos acima da cota de atenção como o evento de 1960, bem menos forte que o do ano seguinte, este sim abaixo da cota de atenção e próximo da cota de emergência.
EFEITOS DE EVENTOS HIDROLÓGICOS CRÍTICOS - O CASO DO ESTADO DO AMAZONAS Buscando avaliar a importância de eventos hidrológicos críticos na Amazônia, realizou-se um breve estudo de caso, para o Estado do Amazonas. Uma busca de caracterização dos efeitos sócioeconômicos daqueles eventos foi tentada através da busca de relatos de imprensa tomando por base os registros realizados por Silva (2006) e Santos
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(2006). Infelizmente os arquivos dos periódicos locais não se encontravam completos, somente foi possível encontrar e resumir o material existente a partir do ano de 1953. As cheias No que diz respeito aos impactos sócioeconômicos das cheias, os maiores problemas relatados por Silva (2006), são decorrentes das situações de calamidade pública declarada em função de áreas alagadas, agrícolas e urbanas, ocasionando perda de culturas e de vidas por afogamento. Poucos registros de doenças associadas aos períodos de cheias foram encontrados. A repercussão dos eventos alcançou além do meio local, também nível nacional e em raros casos, internacional. As reações se deram de forma emergencial e paliativa, visando resolver o
problema do momento. Ações estruturantes, de forma a prevenir, ou a sustentar um padrão de vida, que pudessem resistir aos eventos de cheia, não foram registradas pela imprensa, nos períodos pesquisados. Hoje, apenas o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) tem uma metodologia de previsão de eventos de cheia operando, no entanto essa metodologia é restrita para Manaus. As secas Dos efeitos reportados para as secas (Santos, 2006), a falta d’água para os diferentes usos, incluindo geração de energia elétrica e o transporte de materiais diversos, assim como de víveres (peixes principalmente), são os impactos sócio-econômicos mais graves. Ao contrário do período de cheias, nesses períodos se registraram muitos casos de doenças, principalmente aquelas denominadas como
Figura 4. Cotas mínimas anuais atingidas pelo rio Negro na estação de Manaus. Em amarelo a cota de atenção e em vermelho a cota de emergência. Fonte de dados: CPRM/ANA e Programa HIBAM. Valores de cota com RN (Referencial de Nível) arbitrário.
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de “veiculação hídrica”, principalmente: diarréia, varíola, impaludismo, hepatite, etc. Em relação às reações da sociedade aos eventos, essas foram, assim como nas cheias, de caráter paliativo e emergencial. Apenas com relação ao fornecimento foram tomadas e mesmo assim apenas em Manaus. CONCLUSÕES O modo de ocorrência de eventos hidrológicos críticos na Amazônia brasileira possuiu uma regularidade reconhecível nas séries de dados hidrológicos, o que possibilita utilizar estes dados para avaliar tendências quanto a cenários críticos no ano em curso. A técnica de cenários se mostra útil para auxiliar os decisores quanto ao estabelecimento de ações estratégicas preventivas, dependendo apenas do livre acesso às séries de dados das estações hidrométricas da região e da instalação de novas estações em locais estratégicos.
Fluviaux Péri-atlantiques, vol. 1, 335–344. PEGI, Paris, France, 1995.
*Naziano Filizola: Programa CT-HIDRO/CNPqUniversidade Federal do Amazonas, Faculdade de Tecnologia, Campus UFAM, Manaus, AM **Agenor Vicente da Silva e Ana Maria Caldeira dos Santos: Serviço Geológico do Brasil – CPRM, Superintendência de Manaus, AM ***Marco Antônio Oliveira: Serviço Geológico do Brasil – CPRM, Superintendência de Manaus, AM
BIBLIOGRAFIA Silva, Agenor V. da, 2006. Grandes enchentes no rio Amazonas. Monografia do Curso de Especialização em Planejamento e Gerenciamento de Águas – CEPGA. CDROM. Ed. NIEMA/UFAM/CT-HIDRO. Santos, Ana Maria C. dos, 2006. Secas no estado do Amazonas – 1958 a 2005. Monografia do Curso de Especialização em Planejamento e Gerenciamento de Águas – CEPGA. CD-ROM. Ed. NIEMA/UFAM/CTHIDRO. Filizola N., Guyot J.L., Molinier M., Guimarães V.S., de Oliveira E., de Freitas M.A. 2002. Caracterização hidrológica da Bacia Amazônica. In: Amazônia - Uma perspectiva interdisciplinar. Org. Rivas & Freitas. Ed. Univ. Amaz., Manaus. 271 p. Filizola, N. 2003 Transfer sédimentaire actuel par les fleuves amazoniens. Thèse de Doctorat de l’Université Toulouse III, 290pp. Molinier, M., Guyot, J. L., de Oliveira, E., Guimarães, V. & Chaves, A. 1995. Hydrologie du bassin de l’Amazone. In: Proc. Grands Bassins
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Saneamento e suas interfaces com os igarapés de Manaus
SANEAMENTO E SUAS INTERFACES COM OS IGARAPÉS DE MANAUS
*João Tito Borges
RESUMO O presente trabalho discute sobre o tema saneamento e suas interfaces com saúde pública, qualidade de águas, abastecimento público, poluição dos recursos hídricos e relaciona estes fatores com o aumento populacional no município de ManausAM após a instalação do Pólo Industrial de Manaus.
INTRODUÇÃO É de conhecimento público que a solução dos problemas de saneamento exerce um impacto profundo na saúde de uma população. Os conceitos de saneamento e saúde atribuídos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mostram como esses dois temas estão diretamente relacionados. Ao se afirmar que o saneamento é o controle dos fatores que exercem ou podem exercer efeito deletério ao meio onde o homem está inserido, sobre seu bem-estar físico, mental ou social; esta afirmação se relaciona com o conceito da palavra saúde que, segundo a mesma organização, é um estado de completo bemestar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças. Outra definição de saneamento afirma ser o conjunto de medidas que visam preservar ou modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde. Estas medidas vêm sendo implantadas há mais de um século com as atividades de engenharia e saúde pública, pois, modificar as condições ambientais e preventivas significa implantar redes de drenagem e de esgotamento sanitário, processos de tratamento de esgoto, obras em geral, campanhas educativas e campanhas de vacinação, etc. Há carências importantes em matéria de
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saneamento ambiental, segundo o Ministério das Cidades: “dos 82 milhões de brasileiros que não contam com coleta de esgoto, cerca de 45 milhões não têm acesso à água encanada e uma parcela da população que tem ligação domiciliar não conta com abastecimento diário e nem de água potável com qualidade”. Além disso, 16 milhões de brasileiros não são atendidos pelo serviço de coleta de lixo. E, nos municípios de grande e médio portes onde o sistema convencional de coleta poderia atingir toda a produção diária de resíduos sólidos, esse serviço não atende adequadamente os moradores das favelas, das ocupações e dos bairros populares, por conta da precariedade da infra-estrutura viária naquelas localidades. Outras situações apontam que em 64% dos municípios o lixo coletado é depositado em lixões “a céu aberto”; 75% de todo o esgoto sanitário coletado nas cidades é despejado “in natura” minimamente organizado (http:// www.cidades.gov.br/). Esta situação obviamente leva a um maior número de doenças de veiculação hídrica. Desde a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1986 e a falência do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), o setor vive um “vazio institucional” enfrentando ainda hoje as dificuldades de superá-lo. Neste sentido, a Política Nacional de Saneamento vem sendo exaustivamente discutida através do Ministério das Cidades (http:// www.cidades.gov.br/), as polêmicas têm surgido com respeito à titularidade dos serviços, ressalta-se que o setor carece de políticas de longo prazo. O Projeto de Lei 5296/05 para uma Política Nacional de Saneamento tem sido discutido entre o congresso e o governo, e sua aprovação seria um marco regulatório importante sobre o assunto. Como faltam ações na área de saneamento, propagam-se doenças por veiculação hídrica. Segundo CAIRNCROSS e FEACHEM (1990) e HELLER (1997), a classificação ambiental das infecções relacionadas com a água, seja em quantidade ou em qualidade, origina-se a partir do entendimento sobre os mecanismos de transmissão, que podem ser agrupados em quatro categorias, a saber:
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- Ingestão de água contaminada: que ocorre quando o patogênico encontra-se na água ingerida (exemplos: diarréias, disenterias, febres entéricas, hepatite A); - Transmissão relacionada com a higiene e contato: identificada como aquela que pode ser interrompida pela implantação de higiene pessoal e doméstica (exemplo: doenças infecciosas da pele e dos olhos); - Transmissão baseada no ciclo de vida do inseto na água: caracterizada quando o patogênico desenvolve parte do seu ciclo vital em um animal aquático (exemplo: esquistossomose, onde o hospedeiro do ovo é um caramujo); - Transmissão por um inseto vetor: na qual os insetos que procriam na água ou cujas picaduras ocorrem nas proximidades da água são os transmissores (exemplos: febre amarela, malária e dengue). O objetivo do trabalho é discutir sobre o tema saneamento e suas interfaces com aspectos de recursos hídricos e saúde pública na cidade de Manaus -AM.
DISCUSSÃO Os problemas ambientais de origem hídrica na cidade de Manaus estão relacionados a ainda precária distribuição de água potável à população, principalmente nos bairros estabelecidos mais recentemente. Esta precariedade leva a população à ingestão de água contaminada proveniente de poços perfurados sem critérios técnicos e poços contaminados devido à aproximação destes com as fossas sépticas. As águas das fossas sépticas, quando há ocorrências de chuvas intensas, não infiltram o suficiente e se misturam na superfície do solo gerando uma situação de risco à saúde das pessoas. Contribui também a exposição pelo contato físico com água contaminada oriunda dos igarapés que cortam o município. As condições de moradia tradicionais nas margens e leitos dos igarapés acentuam as verminoses e as doenças de pele destas populações. No caso da transmissão através
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de insetos, tendo a água como meio de procriação, esta ocorre principalmente nas cabeceiras dos igarapés, justamente onde ocorrem invasões de áreas de florestas e o conseqüente desmatamento destas áreas. Outro fator essencial na questão sanitária do município é a insuficiente rede coletora de esgotos sanitários, isto faz com que os munícipes venham utilizar-se de sistemas precários para o esgotamento sanitário. Uma parte do esgoto é encaminhada para fossas e infiltrada em sumidouros. Esses sumidouros contaminam as águas subterrâneas. A rede separadora de esgoto e água de chuva praticamente se encontra na área central da cidade. Em muitos bairros, o esgoto é coletado junto com as águas pluviais e são destinados para uma única galeria de águas pluviais onde são misturados, causando odores e desconforto. Em outras situações as águas de pia das cozinhas são despejadas nas beiras da sarjeta até encontrarem uma galeria pluvial. Mais grave ainda é a disposição direta do esgoto sobre os igarapés como ocorrem em muitas áreas que ocupam as laterais e o leito dos igarapés. Na questão dos resíduos sólidos, o município vem se esforçando para encontrar um caminho para a implantação de sistemas de coleta seletiva, para implantar melhorias na gestão dos resíduos sólidos domésticos e industriais e tem obtido êxito na limpeza urbana, porém este é um longo caminho que depende da conscientização e da boa vontade da sociedade para a solução do problema. Com relação aos igarapés que cortam a cidade, desde o início do século XX têm sido executadas obras de canalização, retificação e drenagem, principalmente aqueles da área central. Nos dois últimos governos, diversos projetos vêm sendo executados para a remoção de entulhos, lixo acumulado e dragagem de material sedimentado; porém estas medidas têm sido apenas paliativas, servindo apenas para a postergação da solução dos reais problemas. Um dos últimos programas desenvolvidos neste sentido foi o Programa SOS Igarapés, nos anos de 2001 e 2002, segundo as informações oficiais da época, os dizeres eram como
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segue: - A Prefeitura do Município de Manaus, através do “Programa SOS Igarapés”, vem desenvolvendo um grandioso trabalho de saneamento nos igarapés, córregos, canais e cursos d´água que atravessam a capital; evitando, com isso, inundações, erosões diversas, destruição do pavimento asfáltico, subida de nível dos canais e igarapés, deslizamento e desmoronamento de barrancos com soterramento de casas; além do grave prejuízo causado à saúde pela proliferação de doenças surgidas com as enchentes. Vale ressaltar que o “Programa SOS Igarapés” vem atuando em três frentes paralelas: remoção do lixo, preservação das nascentes dos cursos d’água, canalização dos igarapés e urbanização das margens” (http:// www.pmm.am.gov.br/infraestrutura). O programa foi uma medida de emergência com os seus méritos, porém ressalta-se a falta de continuidade do mesmo. O programa do atual Governo do Estado, denominado, Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM), tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da população residente na área de abrangência do Programa, através do melhoramento das condições de saúde e da estrutura urbana. O Programa está organizado em três grandes áreas: Infra-estrutura sanitária, Recuperação ambiental e Sustentabilidade social institucional. O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus lançou no dia 18 de janeiro de 2005, o edital para licitação da empresa que executou as primeiras obras do Programa. O edital foi para obras e serviços nos igarapés de Manaus, Bittencourt e Mestre Chico. Na primeira etapa, a empresa vencedora ficou responsável pela drenagem pluvial, compreendendo macro e micro drenagem, com serviços de revestimento de calhas, recuperação de margens, implantação de redes tubulares, sarjetas, bocas de lobo, meio fio etc; foi responsável, ainda, pelo trabalho de requalificação urbanística, que inclui a implantação de parques, praças, áreas de lazer e recreação, áreas verdes e equipamentos de uso público.( http://www.prosamim.am.gov.br).
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Para poder iniciar as obras físicas, o Governo do Estado cuidou do trabalho de remoção das famílias que vivem nas áreas que sofreram intervenção. Durante a elaboração do PROSAMIM, vêm sendo apresentadas aos moradores dos igarapés de Manaus, Mestre Chico e Bittencourt, três alternativas na área habitacional para aqueles que forem removidos: o pagamento de indenização, a oferta de uma carta de crédito para aquisição de outro imóvel e a transferência para um dos conjuntos habitacionais do Governo. Técnicos da Secretaria de Estado de Infra-estrutura (SEINF) trabalharam nas áreas dos igarapés para fazer um levantamento sobre qual a alternativa que cada família escolheria. O trabalho de remoção iniciou ainda em 2005. Além dos três igarapés contemplados pelo financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Estado incluiu no programa a recuperação dos igarapés da Cachoeirinha e do Quarenta – este último já passa por intervenções a partir de investimentos próprios do Governo. As obras no igarapé da Cachoeirinha iniciaram em 2005. Para executar a sua contrapartida de investimentos, o Estado também busca novos financiamentos (www.agecom.am.gov.br). O programa vem sendo conduzido e as melhorias são visíveis nas áreas onde é implantado, porém uma parcela significativa da população que ocupa estas áreas, ainda aguarda por uma definição de seu futuro. Iniciativas muito positivas para a criação de comitês de bacias já foram iniciadas no Amazonas, neste ano de 2006 foi criado o comitê de bacias conforme previsto na LEI Nº 2.712, de 28 de dezembro de 2.001, que disciplina a Política Estadual de Recursos Hídricos e estabelece o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (www.sds.am.gov.br). A cidade de Manaus é entrecortada por igarapés que drenam o grande volume de águas pluviais do Município. Um dos igarapés mais estudados e conhecidos, devido à sua proximidade com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) e Distrito Industrial é o igarapé do Quarenta. Vários bairros do
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município drenam suas águas para a bacia do Educandos. A área apresenta dois períodos sazonais, um de maior intensidade de chuva (novembro a maio) e outro de estiagem (junho a outubro). É importante ressaltar que em nenhum momento foi cogitada a possibilidade de se utilizar águas dos igarapés do município para o abastecimento público. Historicamente foram utilizados como balneários até meados da década de setenta, antes da instalação do Distrito Industrial. É tradicional a utilização das águas frias dos igarapés para o “banho”, termo este muito empregado no município para o usufruto e lazer obtido nestes corpos d’água. Atualmente, em 2006, as pessoas procuram estes banhos nos extremos da cidade, ou mesmo em municípios próximos, porém, estes têm ficado cada vez mais distantes da cidade. A ocupação desordenada da margem e do leito dos igarapés, além de causar grandes impactos nesses recursos, pelo lançamento direto de esgotos e lixo, faz com que, segundo o Instituto de Medicina Tropical de Manaus, no início da temporada de chuvas no Amazonas, aumente a possibilidade de surtos das doenças de veiculação hídricas devido à incidência de alagações. Essas pessoas que ocupam estas áreas estão, portanto, mais vulneráveis, pois, a água misturada com o lixo e detritos sanitários forma um ambiente adequado à proliferação dos agentes causadores de doenças, onde o simples contato com a mesma pode provocar doenças de pele, diarréias, verminoses, hepatite e leptospirose conforme pode se constatar no trabalho de SANTOS, WAICHMAN e BORGES (2003). Entre as décadas de 1970 e 2000, houve um crescimento desordenado gerado pela implantação da Zona Franca de Manaus, com invasões de áreas protegidas, áreas institucionais, quando muitas nascentes foram dizimadas e muitas áreas verdes foram derrubadas para a elevação de edifícios e bairros. Manaus foi classificada, entre as capitais brasileiras, como a cidade que teve o crescimento mais acelerado dos últimos anos. Em 1965, Manaus tinha 200 mil habitantes entretanto, em 2000, esse
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número aumentou para 1.403.796 habitantes; o que significa um aumento de praticamente 700%, conforme sensos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao longo deste processo houve uma deterioração da qualidade das águas dos igarapés que cortam o município. Como cerne das questões prioritárias para o saneamento ambiental no Município, encontra-se a necessidade de despoluir e garantir a qualidade ambiental dos cursos d’água situados nestas microbacias. É sabido que para essas áreas de drenagem naturais (igarapés), as exigências por controle e melhoria da qualidade das águas extrapolam as demandas vinculadas ao abastecimento e estão diretamente ligadas à questão do contato físico que se relaciona à saúde e ao aspecto estético (WAICHMAN e BORGES, 2003). Vários trabalhos científicos vêm sendo publicados desde a década de 70, sobre os ambientes aquáticos no município de Manaus, estes estudos enfatizam principalmente os aspectos geoquímicos e hidroquímicos. Especificamente na região do Distrito Industrial, os estudos de caracterização de águas e sedimentos começaram com o trabalho de BRINGEL (1986), seguido por SILVA (1992), SILVA (1996) e o grupo de Química Ambiental da Universidade Federal do Amazonas com os trabalhos de VALLE (1998), SAMPAIO (2000), SANTOS (2000), CASTRO (2000), BENTES (2001), DIAS (2001) e OLIVEIRA (2000). Um estudo mais prolongado sobre a qualidade das águas do igarapé foi realizado pelo grupo de pesquisas em recursos hídricos do INPA, entre os anos 1997 e 2000 (MIRANDA, et al. 2003). Os pesquisadores fizeram uma avaliação dos recursos hídricos de Manaus no período de 1997 a 2000, nas bacias do São Raimundo, Educandos e Puraquequara. Foram determinados alguns parâmetros físicos e químicos nas águas do igarapé do Mindu e do Quarenta, que são os principais tributários das bacias do São Raimundo e do Educandos, respectivamente. E entre os anos 2003 e 2005 foi realizado projeto financiado pela FINEP, através do Edital CT-Hidro, projeto que teve a
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participação de diversas entidades do Estado como a UFAM, INPA, Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (FUCAPI). Este projeto confirmou a situação de degradação encontrada nos outros estudos e enfatizou a questão social na área. Estes estudos e pesquisas confirmam a degradação ambiental da área e deram suporte ao Estudo de Impacto Ambiental, realizado na região da bacia do Educandos, no programa denominado PROSAMIM já discutido.
CONCLUSÕES A qualidade da água nos igarapés que cortam o município, conforme os valores apresentados nos diversos trabalhos investigados, se encontra altamente alterada pela ampla gama de influências antrópicas, seja de origem doméstica ou industrial. Sendo impossível a utilização das águas para abastecimento doméstico, dessedentação de animais e irrigação; os usos das águas superficiais na Bacia do Educandos tanto à montante quanto à jusante, se enquadram na classe 4 da Resolução CONAMA 357 (BRASIL, 2005), com restrições, pois estas águas estão sendo utilizadas como receptores de toda gama de resíduos, sejam industriais ou domésticos. Mesmo assim, para a classificação de águas doces, para a classe 4, este corpo hídrico não vem prestando-se às seguintes finalidades: - À navegação. Este igarapé é via de escoamento de pescado e hortifrutigranjeiros na época da cheia, servindo como via fluvial até a altura do Bairro de Educandos. Daí à montante, sentido zona leste, o Igarapé é inviável para a navegação, mesmo em época de cheia do Rio Negro. - À harmonia paisagística. Este Igarapé não apresenta em todo o seu entorno, nenhuma harmonia paisagística, visto que o seu leito e suas margens vêm sendo ocupados pela população há dezenas de anos, portanto, somente com a recuperação da mata do entorno e o melhoramento dos taludes seria possível ter esta finalidade. - Aos usos menos exigentes. A bacia hidrográfica
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do estudo vem sendo utilizada como canal receptor de esgoto doméstico e industrial, sendo assim, estes Igarapés não permitem o lazer de contato primário e outras atividades. Este recurso hídrico fora utilizado até a década de 1970, para a recreação e desde o aumento populacional ocorrido devido à instalação da Zona Franca em Manaus, suas margens vêm sendo ocupadas, o que impede sua utilização para este fim. BRANDÃO, em 1998, recomendava a transferência da população das áreas de planícies de inundação para as áreas constituídas com infraestrutura e sugeria a introdução de um programa de arborização com vegetação nativa em todas as faixas marginais, entre outras. É difícil constatar alguma importância do igarapé para os moradores da região. O que se observa é que as residências estão sobre o leito, ou mesmo com os fundos voltados para o corpo aquático, o que sugere que a população ignora, ou mesmo despreza as águas do Igarapé. Conclui-se que a área do entorno da bacia do Educandos, a qual envolve o Igarapé do Quarenta, está severamente alterada pela ocupação humana e suas águas estão com a qualidade inferior à definida como de classe 4, a classe de pior qualidade da resolução CONAMA 357 de 2005. Isto implica em dizer que suas águas estão imprestáveis, sendo apenas um canal de drenagem de esgoto e águas pluviais. Com relação ao aspecto sócio-econômico e ao ordenamento urbano, verificase a ocupação desordenada em toda a margem e a presença de maior incidência de doenças de veiculação hídrica, principalmente aquelas originadas por contato com as águas destes Igarapés. Com respeito à água subterrânea, os resultados da pesquisa de DA COSTA (2005) sob orientação da Prof. Andréa Waichman, indicam que os poços com profundidade entre 30-40 metros vêm sendo contaminados devido à influência da proximidade de sistemas de fossas amplamente utilizadas no Município e também por apresentarem deficiência construtiva, aumentando a vulnerabilidade deste sistema. Na cidade, segundo dados da Companhia
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CPRM, existem aproximadamente 7.000 poços, cujas profundidades variam entre 10 a 220 metros, dos quais parcela representativa não apresenta em seu entorno a proteção necessária contra os poluentes (AGUIAR, et al, 2003). A exploração da água acima da capacidade restauradora dos aqüíferos pode provocar também a maior dispersão de poluentes. Entre os graves problemas de saneamento que ainda afligem as comunidades urbanas e rurais, estão a escassez de recursos hídricos e a não disponibilidade de água tratada. No entanto, no caso de Manaus, as contradições com respeito a esse tema extrapolam o bom senso e serão citadas algumas destas contradições: - Existe água superficial em abundância e a sociedade vem utilizando a água subterrânea sem nenhum controle; - Existe abundante água superficial de excelente qualidade, porém esta água apresenta uma cor que deve ser removida antes de seu uso pela população; - A água é um bem comum e no Município, a sua gestão foi transferida para a empresa privada devido a problemas de administração por governos anteriores. A Companhia de Saneamento do Amazonas (COSAMA) foi adquirida em junho de 2000, quando então se chamava Águas do Amazonas S/A, depois de um processo de licitação internacional promovido pelo Governo do Amazonas. O Grupo Suez, um dos maiores do setor de saneamento em todo o mundo, comprou 90% das ações e os 10% restantes foram adquiridos pelos funcionários da empresa. O contrato de concessão foi assinado em julho daquele mesmo ano e a nova concessionária passou a ser denominada “Águas do Amazonas S.A”. - Existe um investimento na cura das doenças de veiculação hídrica, constantes na população, enquanto há muito pouco investimento em saúde preventiva. Ainda que tenhamos regulamentações a respeito da qualidade da água servida à população através da Portaria 518 de 2004 (BRASIL, 2004) e do Decreto nº 5.440, de 4 de maio de 2005 (BRASIL, 2005),
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grande parte da população desconhece os mínimos aspectos do controle da qualidade das águas que utiliza. É necessário que os administradores públicos venham buscar alternativas para a solução dos problemas de drenagem, abastecimento de água e tratamento do esgoto sanitário. É preciso que se encontrem soluções para a redução da carga de dejetos que atingem os igarapés. Numa primeira etapa é preciso que se coloquem metas factíveis para esta redução, e se faça um plano de longo prazo para a solução do problema. Soluções diferenciadas com tratamento descentralizado, utilizando sistemas modulares talvez seja uma solução. Sabemos que a implantação de rede coletora de esgoto sanitário é obra de grande custo e a instalação de rede coletora em separado é o sistema ideal. A sociedade deve tomar ciência dos investimentos neste sistema de coleta separado de esgoto. O município privatizou o seu sistema de abastecimento e drenagem e cruzou os braços, esperando pela solução do problema, fato este que não vem ocorrendo.
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*João Tito Borges – Doutor em saneamento e ambiente pela UNICAMP, vem realizando pesquisas com sistemas de tratamento de água e esgoto e tem ministrado cursos de pós-graduação na FUCAPI, Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Federal do Amazonas e no Curso de Biologia Urbana do Centro Universitário Nilton Lins.
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Ciclos Hidrológicos; Amazônia-Homem-Mundo
O CICLO HIDROLÓGICO; AMAZÔNIAHOMEM-MUNDO
*Marcílio de Freitas ** Walter Esteves de Castro Júnior
RESUMO Este artigo apresenta vários cenários sobre o ciclo hidrológico e suas articulações com o ciclo de calor na Amazônia e em âmbito planetário. Enfatiza os elementos explicativos e compreensivos acerca das propriedades físicas e químicas da molécula de água – unidade básica deste ciclo - e de sua participação em processos atmosféricos de médio e longo alcances. Faz uma síntese sobre a relação do ciclo hidrológico e o clima na bacia amazônica com diversas projeções e tendências em escala mundial. Finalmente, ele apresenta problematizações sobre os atuais modelos hidrológicos e sobre um conjunto de princípios e uma agenda para as políticas públicas mundiais acerca do uso, da proteção e do gerenciamento dos mananciais de águas. Palavras chave: Amazônia-ciclo hidrológico; Amazônia-processos atmosféricos; Amazôniaefeito estufa; Amazônia-socioecologia
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Quais são as principais características e a importância do ciclo hidrológico na Amazônia, região que constitui a principal reserva mundial de recursos hídricos? Como a Amazônia se insere no balanço hidrológico global? Qual é a relação da molécula da água com o efeito estufa? Quais são os nexos entre clima e ciclo hidrológico na Amazônia? Como o ciclo hidrológico se articula com o ciclo de calor na região amazônica? Estas são questões de interesse que analisaremos ao longo deste texto.
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NO QUE SE REFERE AO AQUECIMENTO TERRESTRE A dinâmica do ciclo hidrológico resulta de um complexo acoplamento de fatores mecânicos, eletromagnéticos, termodinâmicos, químicos e biológicos, entrelaçados entre si, em diferentes escalas espacial e temporal, em forma não linear. Um elemento imprescindível na configuração mecânica deste ciclo é a energia solar, de natureza eletromagnética, que alcança a Terra. O que justifica, neste contexto, a relevância das informações que se seguem. A Terra, planeta do sistema solar, ocupa uma posição favorável à recepção da radiação solar, agente indispensável na regulação climática e na manutenção dos processos vitais à existência da vida. O seu deslocamento em torno do Sol e sua simultânea rotação em torno de seu eixo são os fatores determinantes para a quantidade de energia solar que alcança o sistema terra-atmosfera (Liou, 1980; Paltridge e Platt, 1976; Kondratyev, 1969; McCartney, 1976). Existem 2 parâmetros que influenciam a variação da órbita terrestre em torno do Sol: a trajetória da Terra em torno do Sol é do tipo elíptica, com uma excentricidade média de cerca de 0,017, e com o seu eixo de rotação fazendo um ângulo de inclinação de 23,5o com a reta normal ao plano da elíptica. Este ângulo varia ciclicamente até 1,5o num período de aproximadamente 4.000 anos; • devido à atração gravitacional de outros planetas sobre a Terra, existe um lento mais contínuo movimento, denominado precessão,1 em direção oeste dos pontos equinociais ao longo da elipse. Em desdobramento, quando a Terra encontra-se mais próxima do Sol, os intervalos de tempo avançam cerca de 25 minutos em cada ano,
resultando num período de precessão com período de 21.000 anos. A conjugação dos efeitos decorrentes da dinâmica desses dois fatores, variação da inclinação do eixo de rotação da Terra e o seu movimento de precessão, são determinantes nas possíveis configurações mecânicas associadas à recepção da energia solar pelo sistema terra-atmosfera. Um caso típico são as variações das estações anuais decorrentes do movimento de rotação da Terra em torno do Sol e da inclinação de seu eixo. O Sol emite uma quantidade de 9x10 4cal/ min.cm2 2 e de acordo com a Lei de Conservação de Energia, esta quantidade de energia, que permanece constante para qualquer distância computada a partir do mesmo, é distribuída isotropicamente em todas as direções do espaço. A energia solar que alcança o topo da atmosfera para uma distância média entre o Sol e a Terra denomina-se constante solar, e possui um valor dado por S = 1,94cal/min.cm 2 . Das ondas luminosas que transportam esta energia, aproximadamente 50% possuem comprimentos de ondas maiores que os correspondentes ao espectro visível (0,4 a 0,7?m; 1 ?m = 10-6m); 40% situam-se no espectro visível e os 10% restante na região anterior ao visível. Após esta radiação ingressar na atmosfera, ela é submetida a múltiplos processos de espalhamento e absorção pelos diversos constituintes atmosféricos, permanentes e variáveis, com uma fração da mesma gerando os processos evaporativos na superfície terrestre (Sagan, 1999). Os padrões das configurações climáticas resultam de desequilíbrios dinâmicos de naturezas mecânica, termodinâmica e química sendo originados pelas interações entre a radiação solar, os solos (incluindo a biota), as águas e as camadas atmosféricas. A distribuição não-uniforme dessa radiação solar sobre a superfície terrestre possibilita a existência de um fluxo vertical contínuo de vapor
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Movimento com geometria cônica similar ao realizado pelo eixo de simetria de um pião girante que se move em torno de um eixo vertical. 2 1 cal (caloria) é a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de 1 grama (1 g) de água de 14,5oC para 15,5oC.
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de água para a média e alta atmosfera, enquanto as forças mecânicas, entre regiões atmosféricas com diferentes pressões, asseguram, continua e periodicamente, o transporte de grandes quantidades desse vapor de água para os locais de altas latitudes através de complexas circulações meridionais. Em geral, fluxos mais intensos de energia solar incidem sobre as regiões tropicais, com o ar mais quente e úmido dessas regiões ascendendo e liberando calor latente (com o correspondente aumento em sua densidade), e circulando em direções norte e sul e descendo gradualmente em direção à superfície terrestre através de uma célula de circulação atmosférica. Enquanto o ar tropical se aquece intensificando a sua umidificação, nas regiões de maior latitude têm-se uma incidência de raios solares em direções mais inclinadas em relação à direção vertical à superfície terrestre, diminuindo o aquecimento dessa superfície o que a deixa mais fria. O ar em contato com estas superfícies também se torna frio e mais denso, e como ele contém poucas moléculas de vapor de água, após dias ou semanas de imobilidade devido à prevalência de condições climáticas associadas à vigência de alta pressão atmosférica, começa a mover-se, preferencialmente, em direção às regiões de baixas latitudes. Em desdobramento, têm-se deslocamentos das duas massas de ar em sentidos opostos; a polar, fria, densa e seca, e a tropical, quente e úmida. À medida que a massa polar desloca-se para latitudes mais baixas ela se adere à superfície terrestre, deslizando por baixo do ar quente que avança, fazendo com que este se eleve para uma região onde predomina temperaturas mais baixas que as dos trópicos. Nestas condições, as moléculas de água evaporadas das regiões tropicais agregam-se em torno de pequenas partículas denominadas aerossóis e se condensam, com cada grama de água condensada liberando aproximadamente 500 calorias para o ar vizinho. Este calor que o vapor de água transporta para regiões situadas em grandes latitudes é
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imprescindível para o desencadeamento de vários processos atmosféricos em escala planetária.
O CICLO HIDROLÓGICO PLANETÁRIO: PROJEÇÕES NUMÉRICAS O processo periódico de circulação da água, em diferentes fases, da atmosfera aos oceanos e aos solos, e à atmosfera novamente, denomina-se ciclo hidrológico. Anualmente, evaporam-se em torno de 380.000 quilômetros cúbicos de água da Terra, sendo 320.000 quilômetros cúbicos provenientes dos oceanos e o restante, 60.000, oriundos dos rios, lagos e das superfícies dos continentes. Após esta massa de água ser armazenada na atmosfera, ela precipita-se em forma de chuva ou neve, não uniformemente sobre o globo terrestre. Uma maior quantidade retorna para os oceanos, sendo que aproximadamente, 96.000 quilômetros cúbicos caem sobre as superfícies dos continentes suficientes para cobrir o Brasil com uma profundidade de 11,3 metros. Parte dessa água escorre diretamente sobre as superfícies sólidas para os rios e posteriormente, em diferentes escalas temporais, são transportadas até os oceanos. Outra parte, após absorver em torno de 540 calorias de energia solar por grama de água, evapora-se, retornando para a atmosfera. O restante de água precipitada, infiltra-se nos solos desempenhando papel imprescindível na manutenção dos processos físico-químicobiológicos vitais para a vida vegetal assim como na formação de reservatórios e rios subterrâneos, retroalimentando, rápida ou lentamente, os cursos e as fontes superficiais de águas (Davis e Day, 1961). A presença de grandes quantidades de água líquida é uma das características mais importantes do planeta Terra, distinguindo-o dos demais planetas do sistema solar; o transporte e a distribuição de água constituem um fator fundamental em sua estabilidade climática. A existência de diferentes temperaturas e pressões na atmosfera e na
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superfície terrestres possibilita a constante mudança de fase da água, entre os estados sólido, líquido e gasoso, criando as condições necessárias para a existência da vida no planeta (Graedel e Crutzen, 1993). O ciclo hidrológico é um produto integrado do clima e dos atributos biogeofísicos da superfície terrestre e, simultaneamente, exerce uma influência sobre o clima que transcende as interações entre a umidade atmosférica, a precipitação e o escorrimento superficial (Hartmann, 1994). Este ciclo é a principal fonte de calor para a atmosfera, liberado em forma de calor latente, principalmente nos trópicos, através da condensação da umidade atmosférica na formação das nuvens. A Terra contém um volume de água em torno de 1,35x1018m3, sendo que cerca de 97% deste volume encontra-se nos oceanos (Tabela 1). Os continentes armazenam 33,6x1015m3 com destaque para as regiões do Ártico e da Antártida. A atmosfera contém 0,013x1015m3 o que representa centésimos de milésimos do conteúdo da água de todo o sistema climático terrestre ou aproximadamente 0,001% do total,3 e que corresponde a uma lâmina uniforme de água com 2,5cm de altura por toda a superfície terrestre, ou seja, aproximadamente 1 parte em 105. Para cada cem mil moléculas de água que existem na Terra (em quaisquer de seus estados físicos), apenas uma molécula, encontra-se na atmosfera (Peixoto et al., 1990). Como anualmente precipita-se na superfície terrestre uma quantidade de água equivalente a uma lâmina de água com 100cm de altura, distribuída uniformemente sobre toda a superfície da Terra, são necessárias 40 precipitações de toda a água contida na atmosfera por ano para se obter este valor. Portanto, em média, a cada 9 dias, toda a água
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contida na atmosfera retorna à superfície por meio de precipitações (Hartmann, 1994). A quantidade de água transportada por intermédio do ciclo hidrológico a cada ano, entra na atmosfera através da evaporação e da evapotranspiração, e retorna à superfície através da precipitação. Uma vez na atmosfera, o vapor de água pode ser transportado horizontalmente e verticalmente por grandes distâncias através da circulação geral da atmosfera. Estes movimentos do vapor de água são críticos para o balanço de água em áreas terrestres, pois aproximadamente 1/3 da precipitação que cai sobre estas áreas é água que foi evaporada nos oceanos e transportada para estas regiões através da atmosfera. O excesso de precipitação sobre a evaporação nas áreas terrestres tem como resultado o retorno da água aos oceanos por meio dos rios e seus tributários (idem, 1994). Como ilustrado na Tabela 1, a quantidade de água existente na terra/atmosfera corresponde a uma lâmina de água com altura de aproximadamente 2.730m na superfície da Terra, a maior parte nos oceanos. Como toda a água contida na atmosfera fornece uma lâmina de 2,5cm, então uma molécula de água deve permanecer um longo tempo dentro dos oceanos, de uma camada de gelo, ou dentro de um aqüífero subterrâneo, até fazer sua breve excursão na atmosfera. O vapor de água é o único constituinte atmosférico que pode mudar de estado em condições naturais sendo, portanto, o componente que apresenta maiores variações espaciais e temporais. As suas mudanças de fase são acompanhadas por liberação ou absorção de calor latente que, associadas com o transporte de vapor de água pela circulação atmosférica, atuam na distribuição do calor sobre o planeta.
De acordo com a Tabela 1 o valor correto é 0,0009% .
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Tabela 1 – Quantidade de água na Terra. Adaptada de Hartmann (1994), p.12.
A MOLÉCULA DA ÁGUA; PROPRIEDADES E EFEITO ESTUFA Em comparação com outras substâncias, a água tem uma extraordinária capacidade térmica,4 podendo absorver uma grande quantidade de calor sem apreciáveis variações de temperatura. Associados com essa característica da água estão, os seus calores latentes, de fusão e de evaporação, igualmente anômalos, características que lhe atribuem um relevante papel sobre as temperaturas na superfície terrestre. A energia absorvida pela água permanece estocada, sendo liberada em forma de calor quando a temperatura ambiente diminui. Na região amazônica, a alta disponibilidade de vapor de água na atmosfera faz com que a variação da amplitude térmica entre o dia e a noite, devido ao ciclo diurno de aquecimento e resfriamento, seja pequena (em torno de 10oC), enquanto em áreas desérticas, onde há pouca quantidade de vapor de água na atmosfera, as diferenças de temperatura entre o dia e a noite podem alcançar 40oC (ou mais). Quando a temperatura de uma substância sólida é elevada até o ponto de fusão ou quando uma substância líquida encontra-se no ponto de ebulição, ocorre uma transição durante a qual, as duas fases, sólida e líquida, ou, líquida e vapor, coexistem. Durante esse intervalo de tempo, que termina
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quando o sólido está completamente liqüefeito ou o líquido totalmente vaporizado, o calor é absorvido sem produzir nenhuma mudança na temperatura da substância. O valor desta medida de calor, denominada “calor latente”, depende da substância considerada. Tratando-se da água, no ponto de fusão, uma grama (1g) de água absorve 79,7 calorias (cal) sem aumento de temperatura, enquanto durar o processo de fusão. No ponto de vaporização, o grama de água absorve 539,4 calorias antes da temperatura aumentar novamente. Sob o ponto de vista mecânico, uma molécula pode utilizar a energia armazenada em três formas distintas. A energia que é utilizada pela molécula para assegurar os seus movimentos translacionais, recebe o nome de energia translacional e possibilita informações acerca do grau de agitação molecular do sistema.5 Da mesma forma, a fração da energia que possibilita às moléculas girarem em torno de seus eixos, recebe o nome de energia rotacional, sendo, em geral, muito menor que a energia translacional. As moléculas, também podem vibrar, com um gasto de energia vibracional da mesma ordem da translacional. Nos processos físicos de interação da radiação solar com a matéria, ocorre absorção e/ou
A capacidade térmica é o grau de medida da quantidade de calor que deve ser fornecido a um elemento (substância) para elevar sua temperatura de uma unidade. A energia de translação (K), denominada energia cinética, em geral, está associada ao movimento dos corpos ou das moléculas. Para uma temperatura T = 30oC, típica de regiões tropicais, a energia translacional de uma molécula de vapor de água assume um valor aproximado de K = 1,48 x 10-23calorias.
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espalhamento da mesma. A absorção e a emissão de energia se fazem presentes quando os átomos ou moléculas sofrem transições de um estado energético eletrônico para outro. Em geral, as transições possíveis são determinadas por regras de seleção que dependem de diversos fatores em escala atômica. As transições vibracionais e rotacionais das moléculas da água ocorrem na região espectral do infravermelho. Esta é a razão do vapor de água ser o principal constituinte atmosférico absorvedor das radiações infravermelha (ou termal) própria das radiações solar (ondas curtas) e das emitidas pela superfície terrestre (ondas longas); por esta razão, apesar de sua pequena quantidade na atmosfera, o vapor de água é o responsável por aproximadamente metade do efeito estufa natural presente nessa região. O efeito estufa natural é responsável pela elevação da temperatura na superfície da Terra acima da temperatura de equilíbrio radiativo; o balanço energético envolvendo a radiação solar recebida pelo planeta com aquela irradiada pela sua superfície em forma de radiação infravermelha, prevê uma temperatura terrestre efetiva de -18oC. Nesta temperatura toda superfície da Terra estaria coberta de gelo. Entretanto, constata-se que a temperatura média na superfície da Terra é 33oC mais alta, ou seja, 15oC. Essa diferença se deve ao efeito estufa natural e resulta da presença na atmosfera de gases denominados gases-estufa (gases atmosféricos com concentrações variáveis), que são transparentes à radiação de ondas curtas provenientes do Sol, mas absorvem (e reemitem) radiação de ondas longas emitidas pela superfície terrestre. Portanto, a atmosfera atua como um termostato, regulando o calor que a superfície terrestre recebe e emite. Os principais gases-estufa são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o vapor de água, o óxido nitroso (N 2 O), o ozônio (O 3 ), os clorofluorcarbonetos (CFCs) e outros gases derivados de processos naturais e/ou antropogênicos, com destaques para o CO2, o CH4 e o vapor de água, responsáveis, em ordem, por
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50% , 15% e 10% do total desse efeito. Como a concentração do CO2 tem aumentado desde o início da revolução industrial devido ao crescente uso de combustíveis de origem fóssil, os especialistas têm associado o aumento da emissão de CO2 com projeções analíticas que prevêem um planeta mais quente no futuro. A questão central que consiste em determinar a relação exata entre a ação humana e a elevação do aquecimento médio da Terra, tem sido motivo de muita controvérsia. Os cenários projetados mostram que aumentos, da ordem de 1 a 2oC, na temperatura média do planeta mudariam os atuais padrões de circulação, alterando as estações de chuva e estiagem e impactando vários setores produtivos, em especial, toda a matriz agrícola, através de mudanças no ciclo hidrológico. A evaporação da água a partir da superfície da Terra é responsável por metade do resfriamento da superfície, contrabalançando o aquecimento por absorção de radiação solar. Quando o vapor de água ascende na atmosfera ele eventualmente se condensa e precipita com a energia liberada durante a condensação do vapor de água contribuindo para os sistemas de circulação atmosféricos. A água também pode alterar a capacidade de reflexão de calor de uma superfície (albedo) pela deposição de neve e gelo (que possuem um albedo grande), influenciando o total de energia disponível para os processos bióticos e abióticos. Por exemplo, durante uma era glacial, período em que uma parte da superfície terrestre fica coberta por camadas de gelo, há uma diminuição do total de energia disponível na superfície devido ao aumento do albedo.
ELEMENTOS DO CICLO HIDROLÓGICO NA AMAZÔNIA O desenvolvimento do ecossistema amazônico resulta da história geológica e do clima entrelaçada à ação cultural dos povos que milenarmente ocupam
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essa região. A Amazônia abriga o sistema fluvial mais extenso e de maior massa líquida da Terra, sendo coberta pela maior floresta pluvial tropical. É delimitada ao norte e ao sul, respectivamente, pelos maciços das Guianas e do Brasil Central; a oeste pela jovem Cordilheira dos Andes, e aberta a leste onde é acessível a plena entrada dos ventos alísios. O rio Amazonas, principal hidrovia da região, drena mais de 7 milhões de km2 de terras e possui uma vazão anual média de cerca de 176 milhões de litros por segundo (176.000m3/s), o que lhe confere a posição de maior rio em volume de água da Terra, superando o rio Congo na África (o segundo rio em volume de água) em cerca de quatro vezes, o rio Mississipi umas dez vezes, e as quedas de Niágara em 28 vezes. Na época das águas baixas, o Amazonas conduz para o mar cerca de 100 milhões de litros por segundo (100.000m3/s); na época das enchentes, mais de trezentos milhões de litros por segundo (300.000m3/s) (Sioli, 1991). Como ilustração tem-se que a vazão média do rio Amazonas representa 176.000 caixas de água de 1.000 litros que seriam enchidas a cada segundo. Como o consumo mundial anual de água em 1995 foi 3.000 quilômetros cúbicos, cerca de 1.370 litros por pessoa e por dia (Shiklomanov, 2000, p. 121), esta mesma vazão do rio Amazonas é suficiente para suprir as necessidades básicas de abastecimento de mais de 6,6 bilhões de pessoas, número de pessoas maior que a atual população mundial, incluindo nessas projeções o gasto de água com a agricultura. Ou ainda, a vazão do rio Amazonas em 1 segundo é suficiente para suprir o consumo diário de uma cidade com cerca de 128.470 habitantes. Constata-se que as larguras médias do Rio Amazonas, medidas durante o período de águas baixas, passam de 2km, próximo à fronteira do Peru com o Brasil, para mais de 4km, próximo à Óbidos (Estado do Pará); e as profundidades médias correspondentes, variam progressivamente de 10 a
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20 metros (Mertis et al., 1996, In: Filizola et al., 2002). Experimentos mais recentes também comprovam que durante o período de águas altas, as larguras médias deste Rio variam de 1 km em Tabatinga a 7km em Almeirim (Pará) para profundidades que variam de 30 metros (Tefé – Amazonas) até 100 metros em Itacoatiara (Amazonas) (Guyot et al., 1998, In: Filizola et al., 2002). Filizola e colaboradores (2002) também registraram as amplitudes das cotas máximas e mínimas do Solimões-Amazonas, encontrando um valor de 12 metros em Terezinha (fronteira PeruBrasil), 15 metros em Manacapuru (cerca de 94 km de Manaus) e finalmente 3 metros em Macapá (foz do Amazonas). Os ventos alísios que trazem para a região amazônica o vapor de água proveniente do oceano Atlântico têm barreiras naturais especialmente no semicírculo andino, o que impõe a precipitação do vapor de água através de chuva ou de neve. Assim, as características geomorfológicas e a existência de fatores regionais que contribuem para a interceptação dos ventos quentes e úmidos da circulação geral da atmosfera e da Zona de Convergência Intertropical 6, resultaram numa tendência ecológica que explicam a existência de um clima quente e úmido na Amazônia possibilitando o desenvolvimento de uma floresta equatorial (Salati e Ribeiro, 1979). A Região Amazônica é uma das regiões de mais altos índices pluviométricos do planeta, com totais médios da ordem de 2200 mm/ano – 1mm/dia corresponde à queda de 1 litro de água por dia em cada metro quadrado da região em questão. Isto representa um volume total de água na forma líquida de aproximadamente 12.000 trilhões de litros (12x1012m3) que a bacia amazônica recebe a cada ano, resultando na maior bacia hidrográfica do mundo, que representa 16-20% da água doce na fase líquida na superfície do planeta. A água doce
Zona de Convergência Intertropical é um mecanismo meteorológico responsável pela máxima precipitação sobre as áreas costeiras da Amazônia.
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constitui somente 2,95%, aproximadamente, do volume total de água sobre a Terra sendo que 3/4 deste total estão nos glaciares e calotas de gelo (Postel et al., 1996). Para efeito de comparação, a precipitação média em regiões continentais é de cerca de 800 mm/ ano, a qual se reparte em quantidades correspondentes ao escoamento (? 315-320 mm/ ano) e à evapo-transpiração (? 485-480 mm/ano). Sobre as regiões oceânicas, a precipitação média é de 1.270 mm/ano resultando numa precipitação média anual sobre o globo terrestre, igual a cerca de 1.100 mm/ano. Os estudos registram grandes variabilidades nos índices pluviométricos locais, com situações peculiares. As análises feitas por Marajó (1992, p. 37-38), referindo-se à cidade de Belém, capital do Estado do Pará, relatam que as medidas realizadas em 1856, já confirmavam, à época, que a antiga regularidade das chuvas no estado do Pará, tão repetida por muitos escritores, não mais existia. Continuando, Marajó (idem), afirma: “... eu tive ocasião de marcar no dia 21 de Dezembro de 1856, em uma só pancada de água, uma coluna de 66mm; e no dia 6 de março de 1857, em uma só pancada que durou das 6 da manhã á 1 da tarde sem interrupção, uma coluna de 102mm.” (Freitas e Castro, 2004) Ainda são polêmicos os modelos que descrevem os processos físico-químico-biológicos que explicam os mecanismos de formação, transporte e reciclagem de vapor de água na bacia amazônica, assim como o grau de importância dos ecossistemas amazônicos nas configurações climáticas local, regional e mundial. No que se refere à pluviosidade regional, como o total de água que precipita na bacia amazônica em forma de chuva é da ordem de 12.000 trilhões de litros por ano (12x1012m3/ano), e sendo a vazão
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do rio Amazonas da ordem de 176 milhões de litros por segundo (176.000m3/s), o que representa uma perda total de água pela rede fluvial de cerca de 5.500 trilhões de litros por ano (5,5x1012m3/ano, conclui-se que o restante da água, 6.500 trilhões de litros (6,5x1012m3/ano), deve retornar à atmosfera na forma de vapor. A origem primária do vapor de água é o oceano Atlântico, com os ventos alísios transportando este vapor para essa região. Diversos estudos têm indicado que há uma recirculação do vapor de água na região, sendo que provavelmente 50% das precipitações são devidas a esse mecanismo, o que coloca a cobertura vegetal como tendo um papel relevante no total observado de precipitação. As plantas que no passado foram selecionadas e se desenvolveram em função das condições iniciais do ecossistema em evolução, no presente são partes integrantes fundamentais para o equilíbrio hidrológico estabelecido, fornecendo através da evapotranspiração os outros 50% de vapor necessários para gerar o atual nível de precipitação (Salati e Ribeiro, 1979). A baixa declividade da planície amazônica, 1-2 cm.km-1 (Filizola et al., 2002) contribuiu para a retenção de água nesta região, criando as condições necessárias para a emergência de um ciclo hidrológico entrelaçado com todos os demais ciclos biogeoquímicos existentes na mesma, matriciando a vida em forma pujante, complexa e integrada em diversas escalas espaciais e temporais, do local ao mundial. O ciclo hidrológico na bacia amazônica é fortemente influenciado pelos sistemas atmosféricos que afetam a região, principalmente por aqueles que causam a convecção e precipitação associada. Molion (1993), classificou os sistemas dinâmicos que influenciam a precipitação na Amazônia em cinco escalas espaciais: 1) Sistemas de grande escala (ou escala continental), como a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), o ramo ascendente
A célula atmosférica de Hadley circula no sentido norte-sul e a de Walke rno sentido leste-oeste formando a circulação geral de Hadley-Walker. Alta da Bolívia é um fenômeno atmosférico que ocorre na região do antiplano boliviano que interfere na distribuição espacial e temporal da precipitação na região amazônica.
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da célula de circulação de Hadley-Walker7 e a Alta da Bolívia8; 2) Sistemas de escala sinótica, como a formação de aglomerados convectivos associados com as frentes frias, com extensão da ordem de 1.000km; 3) Sistemas sub-sinóticos, formados principalmente pelos aglomerados de nuvens cúmulo-nimbos associados às linhas de instabilidade e extensão da ordem de 500km; 4) Sistemas de mesoescala, como os aglomerados de nuvens cúmulo-nimbos da ordem de 100km de extensão; e, 5) Sistemas de pequena escala, como uma célula isolada de nuvem cúmulo-nimbo com extensão em torno de 1km. Um dos mecanismos que tem origem em regiões distantes da Amazônia e que influenciam a precipitação na região é o fenômeno El Niño. Durante o El Niño ocorre um aumento dos fluxos de calor sensível e de vapor de água (calor latente) da superfície do oceano Pacífico equatorial para a atmosfera provocando mudanças nos processos de circulação atmosférica com impactos nos índices de precipitação em várias regiões do planeta, inclusive na Amazônia. Moura e Shukla (1981) discutem sobre um mecanismo que pode causar modificações no ciclo hidrológico na Amazônia e que também se origina no oceano Atlântico. Quando a temperatura à superfície do mar está acima da média no Atlântico Norte e abaixo da média no Atlântico Sul, e a ZCIT encontra-se mais ao norte de sua posição normal, resulta uma redução na precipitação nas porções central e leste da Amazônia. Os bloqueios atmosféricos que ocorrem em alguns anos no sul da América do Sul (à sudeste do Pacífico e à sudeste da América do Sul), podem impedir o avanço das frentes frias vindas do sul do continente e que eventualmente alcançam a Amazônia, ocasionando redução de precipitação nessa região. Uma outra hipótese refere-se à influência remota da possível relação entre os aumentos de precipitação e a presença de aerossóis vulcânicos na estratosfera sobre as regiões de baixas latitudes. A ausência de medidas das concentrações de
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aerossóis na estratosfera, associados com as erupções vulcânicas, durante a estação chuvosa na Amazônia, tem dificultado a verificação desta hipótese (Molion, 1993). Estudos mais recentes têm enfatizado a questão das alterações irreversíveis sobre o ciclo hidrológico provocadas pelo desmatamento. A disponibilidade de água é importante para a manutenção da floresta e nos processos de reciclagens. Modelagens analíticas e experimentos sobre aspectos do ciclo hidrológico na bacia amazônica comprovam e têm reafirmado que 50% da precipitação nesta região é de origem local, sendo 40% devido ao processo de transpiração da biomassa viva acima do solo e à evaporação no solo, e os demais 10% devido à evaporação da água interceptada pela floresta (Salati, 1987; Ubarana, 1993). Um aspecto importante do ciclo da água em florestas, é o que se refere ao retorno de nutrientes ao solo através de precipitações. Experimentos mostram que um fluxo anual de 166kg/hectare de nutrientes é transportado pela precipitação até aos solos na floresta de Oak-Hickory, Estados Unidos da América. Deste total, a precipitação direta contribui com 38%, a precipitação-sob-dossel com 35%, e o escorrimento ao longo dos troncos com 27% do total (Rolfe et al., 1978). Estes valores devem ser maximizados em regiões tropicais, em especial, naquelas com coberturas vegetais de grande porte, como na Amazônia. Em geral, existem três tipos de modelos hidrológicos: 1) os fundamentados nos princípios da mecânica; 2) os conceitualmente simples e que se baseiam em arranjos e articulações teóricas que expressam tendências gerais dos diversos elementos constituintes do mesmo, e, 3) os modelos tipo “box”, que dependem de dados de entrada e de saída para a calibração dos parâmetros assim como para a determinação de sua própria estrutura e consistência teórica interna (Dooge, 1982). Por outro lado, diversas dificuldades permeiam a construção desses modelos hidrológicos, dentre as quais destacamos: 1) Problemas de escalas espacial e temporal. Muitas vezes faz-se necessário
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modelar a dinâmica hidrológica associada às variações temporais de minutos, horas, dias, semanas, anos e longos tempos, e às variações espaciais de um sítio, uma região, um continente, e em escala global; 2) Dificuldades metodológicas associadas a interdisciplinaridade e ao entrelaçamento entre os diversos mecanismos físicoquímico-biológico envolvidos na dinâmica não linear, desse ciclo; e finalmente, 3) A ausência de bancos de dados mais amplos e consistentes.
ÁGUA E POLÍTICAS SOCIOECONÔMICAS MUNDIAIS E AMAZÔNIA A desigualdade social exacerbada e a depreciação exacerbada dos recursos da natureza constituem questões que tensionam os processos civilizatórios em curso. A rapidez em que o capitalismo intensifica a precarização socioecológica nas regiões periféricas compromete sua própria dinâmica. A síntese dos indicadores sociais mundiais no ano 2000 é uma referência emblemática: 1,3 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável; mais de 5 milhões de pessoas morrem anualmente devido às doenças provocadas pela água imprópria ao consumo; 1 bilhão de pessoas habitam em moradias precárias; 100 milhões não tem moradia; 790 milhões de pessoas passam fome e não dispõem de segurança alimentar; 2 bilhões de pessoas estão anêmicas com insuficiência alimentar; 35 mil crianças morrem diariamente por carências alimentares; 880 milhões não tem acesso aos serviços de saúde; 2,6 bilhões não tem saneamento básico e 2 bilhões não tem acesso à eletricidade. A morbidez deste quadro intensifica-se quando considera-se que: 1,2 bilhão de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia; 1 bilhão de pessoas não podem satisfazer suas necessidades básicas de consumo; mais de 850 milhões são analfabetas; 27% das crianças em idade escolar não estudam por falta de escola, das quais 260 milhões não tem acesso à educação primária; 145 milhões de
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pessoas vivem fora de seus países; 900 milhões são subempregadas; 150 milhões estão desempregadas e 250 milhões de crianças em idade escolar estão trabalhando (Gómez, 2000). Este é o quadro social forjado e cristalizado pelo processo de globalização, liderado pelos conglomerados econômicos e pela hegemonia política dos países desenvolvidos do mundo ocidental. Em nível mundial 86% do consumo privado total é privilégio de 20% da população humana, e os 15 principais países exportadores em 2000, liderados pelos Estados Unidos da América do Norte (12,3%), foram responsáveis por 71,8% das exportações mundiais realizadas em 2000. Neste contexto a democratização e o uso racional da água constitui um dos principais problemas do século 21. Na Conferência Internacional sobre Água e Ambiente realizada em Dublin, em 26-31 de janeiro de 1992, construiu-se uma Agenda sócio-ecológica mundial baseada nos princípios de que: a água fresca é finita e essencial para a vida; o manejo e o uso da água devem ser feitos em forma coletiva; a água é um bem público insubstituível em todos as dimensões econômicas e sociais da humanidade. Esta Agenda estabeleceu a necessidade de: viabilizar o acesso à água, comida e condições sanitárias adequadas a mais de ¼ da humanidade que ainda não dispõe desses serviços; garantir proteção a amplo setor da população mundial que se encontra sujeito aos desastres naturais, decorrentes do ciclo da água; criar condições para a conservação e a eliminação do desperdício da água; construir as condições técnicas para a realização do desenvolvimento sustentável em ambientes urbano e rural; proteger os sistemas aquáticos e garantir o suprimento adequado ao meio rural e às produções agrícolas; resolver os conflitos locais, regionais e internacionais por causa das fontes e dos suprimentos de água; e, formar recursos humanos para a realização de estudos avançados sobre o adequado uso, conservação e manejo da água pelas diferentes comunidades e sociedades (dhwr@gateway.wmo.ch, 2002).
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A existência de cerca de 16-20% da água doce mundial em superfície sólida na bacia amazônica e de uma área próxima de 1,2x106km2, periódica ou permanentemente coberta por água nessa região, a credencia como estratégica nas políticas mundiais do ciclo hidrológico. As projeções de um crescimento do consumo mundial anual de água, de 3.000 quilômetros cúbicos em 1995 para mais de 5.000 quilômetros cúbicos em 2025 (Shiklomanov, 2000, p. 121), fortalece a importância geopolítica da Amazônia. Contraditoriamente, o acesso a água potável ainda constitui uma utopia para ampla parcela das populações amazônicas. Recentemente o Prefeito de Manaus, Serafim Corrêa, em debate público sobre os problemas de abastecimento de água nesta cidade afirmou que: “...cerca de 15% da população (aproximadamente 250 mil habitantes) não recebem água em casa; 230 mil recebem por menos de 12 horas diárias; mais de 90% da população (1.440.000 de pessoas) não têm tratamento de esgoto, e o preço da água é elevado...” (Alves, 02/08/2006). A história dos estudos da inter-relação dos ecossistemas amazônicos com o ciclo hidrológico e do papel social da água, em escala local, regional e planetário, ainda é muito recente. Este é um
trabalho para várias gerações.
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*Marcílio de Freitas é Professor da Universidade Federal do Amazonas e Diretor do Centro de Estudos Superiores do Trópico Úmido da Universidade do Estado do Amazonas (mafreitas@uea.edu.br). **Walter Esteves de Castro Júnior é Professor do Depto. de Física da Universidade Federal do Amazonas (westeves@fua.edu.br)
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Comitê das Águas, por quem conhece
COMITÊ DAS ÁGUAS, POR QUEM CONHECE
* Carlos Roberto Bueno
O COMITÊ DAS ÁGUAS E DO MEIO AMBIENTE é um fórum que foi criado no ano de 2000, por iniciativa da Fundação Rede Amazônica, na pessoa de seu diretor executivo e jornalista Phellipe Daou. Naquela oportunidade foram convidadas instituições ligadas às questões hídricas, empresas e pessoas físicas; com o intuito de discutir e promover iniciativas acerca de questões ambientais atuais, notadamente voltadas ao uso e conservação da água, no seu senso mais amplo. No início de suas atividades contava com aproximadamente dez membros, porém, atualmente, o Comitê tem registrados 43 parceiros. Estiveram à frente do grupo, como presidentes do Comitê: o Doutor José Roque Nunes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente (SEDEMA),o Doutor Fernando Pereira de Carvalho da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais(CPRM) e, atualmente o Doutor. Carlos Roberto Bueno do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (INPA/SDS). O Comitê é uma organização informal, onde os participantes se reúnem com o propósito de se capacitar sobre as temáticas relativas ao uso
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e gerenciamento dos recursos hídricos, apresentam denúncias sobre questões atuais, propõem conjuntamente ações para amenizar os problemas ambientais e contribuem na organização de eventos e campanhas relativas à promoção dos temas ambientais. As atividades do Comitê são desenvolvidas por meio das entidades parceiras, isoladas ou em conjunto, e referem-se principalmente a: 1) Reuniões sistemáticas nas sedes das instituições e/ou empresas parceiras, objetivando melhor conhecer a estrutura, as ações desempenhadas e o potencial de apoio, incluindo as Prefeituras Municipais de Presidente Figueiredo e Iranduba; 2) Seminários técnicos realizados durante as reuniões com apresentação de resultados de projetos de pesquisa, lançamento de livros, defesa de teses e dissertações, vídeos institucionais, ações do Ministério Público e outros temas relativos à gestão dos recursos hídricos; 3) Participação de membros do Comitê em debates e documentários em programas de rádio e televisão, bem como mídia impressa, sempre focando em questões sobre recursos hídricos e meio ambiente; 4) Apoio ao Projeto Consciência Limpa, que objetiva contribuir para a conscientização da população de Manaus, residente às margens de igarapés, incentivando-a à utilização racional dos recursos naturais, bem como o manuseio e destino do lixo doméstico, resultando em melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. O Projeto visa envolver os moradores e equipes formadas por servidores de Instituições e funcionários de Indústrias do Distrito Industrial, para a realização de grandes mutirões de limpeza nos principais igarapés da cidade,
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campanha que se inicia no dia do Meio Ambiente, 05 de Junho. Na ocasião, são formadas equipes que representam as indústrias nas quais trabalham e recolhem o lixo, com a ajuda de moradores, buscando obter maior volume e peso, para fazer jus a uma tonelada de alimentos, os quais serão distribuídos aos moradores da área, cuja equipe vencedora atuou. Os recursos financeiros arrecadados com a venda dos materiais recicláveis coletados são repassados à Liga Amazonense Contra o Câncer (LACC); 5) Organização e promoção dos eventos denominados – Fórum Amazônico de Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (AMBIENTAL), que tiveram sua primeira versão em 2002 e que reúnem aproximadamente 500 participantes, entre estudiosos, pesquisadores, cientistas, estudantes de pós-graduação e profissionais da Amazônia, do Brasil e de outras partes do mundo. Trata-se, pois, de um fórum de discussões onde a temática central é a preservação e a utilização sustentável dos ecossistemas amazônicos, e a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da região. As discussões são focadas nos impactos sócioeconômicos e ambientais dos projetos e ações de desenvolvimento. Os objetivos do Fórum são: a) contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, por meio da integração de esforços que criem modelos economicamente auto-sustentáveis, ecologicamente saudáveis e que valorizem a cultura e o etnoconhecimento, valorizando o saber milenar do homem amazônico; b) possibilitar a conexão do povo da Amazônia ao século XXI, por meio da ação efetiva das agências fomentadoras de desenvolvimento regional, nacional e internacional e c) difundir uma imagem real e positiva da Amazônia no cenário internacional. Até o momento foram realizados três eventos, nos anos: 2002, 2003
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e 2004; 6) Apoio à realização de eventos, como o I WORKSHOP DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DO AMAZONAS, sob o tema: Gestão de Recursos Hídricos – Saber usar para não faltar, Coordenado pela Secretaria Adjunta de Recursos Hídricos do Estado do Amazonas (SDS), com o apoio da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, o evento contou com a participação de cerca de 300 participantes; 7) Organização de três edições do “Show das Águas”, evento que acontece anualmente e que reúne um número crescente de participantes. A primeira versão do show foi em Manaus, na área da Ponta Negra. Em 2005, o evento foi realizado em Presidente Figueiredo e em 2006, em Iranduba. O evento desenvolve inúmeros trabalhos, integrando educação ambiental, formal e não formal; junto às escolas de ensino médio e fundamental, envolvendo professores e alunos. Inclui, ainda, no evento, a realização de um fórum ambiental sobre gestão ambiental do município beneficiário onde ele é desenvolvido. A finalização do evento é realizada com a apresentação de um grandioso show, com a presença de autoridades municipais e estaduais e um grande número de espectadores, onde ocorrem apresentações de artistas locais; orquestra sinfônica de Manaus; Corpo de Dança do Amazonas, Raízes Caboclas e outras atrações regionais. O encerramento tradicionalmente é realizado em um palco montado na margem do rio ou lago e representa a união da alma humana e do meio ambiente. O Show das Águas é transmitido ao vivo pelo Amazon Sat, atingindo telespectadores de muitas partes do Brasil e do mundo, que têm a oportunidade de conhecer e acompanhar ao vivo, as ações voltadas ao bem viver ambiental, viabilizadas no Estado do Amazonas.
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As propostas em implementação para 2006 que objetivam dar maior visibilidade, importância na divulgação e transparência ao Comitê envolvem: 1) Agendar visitas aos parceiros e autoridades da área temática; 2) Viabilizar reuniões externas a diferentes instituições e municípios; 3) Incentivar participação mais ativa dos membros; 4) Criar um fundo para manutenção do Comitê; 5)
Produzir vídeos sobre o Comitê;
6) Criar folhetos informativos sobre as ações realizadas; 7) Criar jornal virtual; 8) Criar site do Comitê, ligado ao Portal Amazônia; 9) Fortalecer as parcerias existentes; 10) Buscar novos parceiros; 11) Promover campanhas de educação ambiental; 12) Participar de eventos com datas especiais (dia da Árvore, dia da Água); 13) Promover maior participação e debates em programas de rádio e televisão. Dessa forma, o Comitê das Águas e do Meio Ambiente, por meio de seus membros, tem desempenhado um importante papel na maior conscientização em relação à proteção
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ambiental e participado na formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentado, tendo o homem amazônico como principal beneficiário.
*Carlos Roberto Bueno é Engenheiro Agrônomo, com mestrado em Ecologia (INPA) e doutorado em Fisiologia Vegetal (UNICAMP). Coordenador de Extensão do INPA, Pesquisador na área de Agricultura Tropical
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NOTÍCIAS T&C SEMINÁRIO ÁGUA E SOCIEDADE NA AMAZÔNIA: REFLEXÕES E DISCUSSÕES A Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por intermédio do Núcleo Interdisciplinar de Energia, Meio Ambiente e Águas (NIEMA), realizou no dia 17 de março, o II Seminário Água e Sociedade na Amazônia. O evento teve como objetivos discutir a questão dos Recursos Hídricos no País e, principalmente, na Região Amazônica, local beneficiado com a maior Bacia Hidrográfica Brasileira. Na oportunidade foi concedido espaço para debates e exposições apresentadas por profissionais envolvidos com a gestão dos recursos hídricos, estudiosos e professores, e alunos dos cursos de pós-graduação. O II Simpósio contou com as presenças de importantes especialistas do Amazonas e de outras regiões. Do Amazonas: Neliton Marques, Sub-Secretário de Estado de Recursos Hídricos do Amazonas e João Bosco Senra, Secretário de Recursos Hídricos; entre outros. Da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Antonio Eduardo Lanna; da Fundação Centro Tecnológico de Hidraúlica/USP, de São Paulo, Paulo Romera; da Superintendência de Informações Hidrológicas da Agência Nacional das Águas, de Brasília, Valdemar Guimarães. No seminário foram realizadas mesas redondas com os especialistas e os representantes das esferas estadual e municipal, os quais reafirmaram o compromisso em manter o assunto na pauta de discussões, viabilizando projetos e ações, importantes mecanismos para sustentabilidade dos recursos hídricos. Temas como "A Gestão de Recursos Hídricos no Brasil: instrumentos e princípios", "Economia e Recursos Hídricos", entre outros, fizeram parte da programação. As discussões foram abordadas de forma interdisciplinar, em suas múltiplas dimensões e despertou a conscientização para o uso racional dos recursos.
JORNADA DAS ÁGUAS, RESULTADOS A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) e a Secretaria Executiva Adjunta de Recursos Hídricos (SEARH), promoveram a I Jornada das Águas, que aconteceu entre os dias 21 e 23 de março. O evento abordou como tema central - “Águas Amazônicas: A Escassez na Abundância”. A jornada procurou sensibilizar a sociedade local, sobre a questão de conservação, proteção e uso sustentável dos recursos hídricos no Estado do Amazonas, sobretudo daquelas bacias hidrográficas situadas em zonas urbanas. Pode-se notar claramente, o engajamento entre os diversos segmentos da sociedade presente, além de autoridades, pesquisadores, profissionais da área e Organizações não Governamentais (Ong's), a participação das escolas, que apresentaram o resultado de levantamento realizado por alunos em igarapés da bacia hidrográfica da zona urbana de Manaus, encerrou o evento.
NOTÍCIAS T&C PROJETO CONSCIÊNCIA LIMPA: UNINDO COMUNIDADE, COLABORADORES E EMPRESÁRIOS EM PROL DA CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL O projeto “Consciência Limpa”, organizado pela Rede Amazônica de Televisão, filiada à Rede Globo no Amazonas, e com três anos de atuação, conta com a parceria de diversas empresas e instituições locais (Bradesco, Casa das Correias, Fieam/Sesi, Sebrae-Am, Andrade Gutierrez, Fucapi, Grupo Simões, Rigesa, Suframa, Ulbra, Inpa, Yara, Águas do Amazonas, Honda, Petrobras, Diário do Amazonas, DB Supermercados, Fêmina, Bic e Label) -, visa sensibilizar as comunidades sobre os problemas ambientais, por meio de visitas aos moradores das áreas invadidas e igarapés contemplados pelo projeto. Além da capital do Amazonas, os municípios de Iranduba (Cacau Pirêra) e Presidente Figueiredo fazem parte do cronograma de ações do “Consciência Limpa”. Uma vez por ano, a equipe do projeto se desloca para esses locais e desenvolve atividades de sensibilização ambiental e coleta seletiva de lixo próximo a lagos, igarapés e rios. A Fucapi passou a integrar o projeto este ano e participou com a implementação de duas ações : a primeira ação, a qual ocorreu em 03 de junho e foi nomeada - Dia da Mobilização, foi a coleta no Igarapé de Manaus de 1.080 sacos de entulhos (resíduos sólidos). Os materiais que se destacaram na coleta, foram: papelão, garrafas descartáveis e copos plásticos. Todo o lixo foi encaminhado para o Sistema de Coleta Pública Municipal. Após a coleta houve a conscietização dos moradores sobre a correta destinação dos resíduos sólidos. Vale lembrar que cada saco de resíduo coletado será trocado por um cupom, o qual equivalerá a um quilo de alimento não perecível, que será entregue aos moradores das comunidades onde a ação ocorreu. Para reforçar a atividade, as empresas parceiras arrecadaram alimentos, roupas e sapatos que serão doados às seguintes instituições filantrópicas: Fazenda Esperança, Moacir Alves, Vicente de Paulo, Casa Vhida, Jésus Gonçalves, Janell Doyle e Instituto Novo Mundo. A segunda ação aconteceu em 24 de junho, quando foi realizada a Oficina Motivacional e de Conscientização Ambiental, ocorrida no Igarapé da Cachoeirinha. Na oficina foram implementadas atividades educativas com 60 crianças e foi ministrado um curso de marcheteria para 20 moradores. Ao todo, 27 colaboradores da Fucapi estiveram envolvidos nas ações, oportunidades que puderam externar a solidariedade ao próximo e ao meio ambiente.
Colaboradores da FUCAPI na Primeira Ação do Projeto
Atividades do Curso de Marcheteria
T&C Amazônia Ano IV - Número 9 - Agosto de 2006 ISSN - 1678-3824 Publicação Quadrimestral da Fucapi - Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica Conselho Editorial Alessandro Bezerra Trindade Evandro Vieiralves Guajarino de Araújo Filho Isa Assef dos Santos José Alberto da Costa Machado Niomar Lins Pimenta Jornalista Responsável Cristina Monte Mtb 39.238 DRT/SP Projeto Gráfico desenvolvido pelo curso de Design de Interface Digital CESF/ FUCAPI Coordenação de Projeto Gráfico Narle Silva Texeira Capa e Ilustrações Carolina Azulay de Azevedo Diagramação de Soluções Gráficas Oswaldo Relder Araújo da Silva
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