SUMÁRIO
EDITORIAL O tema escolhido para esta edição é a bioeconomia – que tem como característica integrar à economia atividades relacionadas a sistemas naturais, empregando tecnologias mais complexas associadas à biotecnologia –, e representa, hoje, a melhor das apostas quando se busca agregar expressivo valor, em futuro próximo, aos produtos da Amazônia. Historicamente, o processo de ocupação dessa Região tem sofrido constante pressão no que diz respeito à sua utilização e exploração, seja no trabalho escravo indígena, na comercialização das chamadas especiarias ou mesmo na produção extrativista da borracha. São fases marcantes
ENTREVISTA As redes de inovação e seus desafios Lucia Melo
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ARTIGO Iniciativas em bionegócios e o programa Pappe-Subvenção no estado do amazonas Guajarino de Araújo Filho
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ARTIGO Arranjos Produtivos Locais e a bioeconomia regional Marconde Carvalho de Noronha
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ARTIGO Oportunidades para a inovação e aproveitamento da biodiversidade amazônica em bases sustentáveis Fabiana dos Santos e Souza Frickmann Alexandre Guimarães Vasconcellos
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que antecederam os modelos vigentes, como é o caso do que nasceu apoiado pela dimensão geopolítica, materializada na opção do governo militar que concebeu e implantou o projeto Zona Franca de Manaus. Apesar das sempre crescentes preocupações com as implicações relacionadas à questão ambiental, é impensável deixar de lado o uso da riqueza natural nas soluções para alcançar o fortalecimento de uma economia regional, tornando-a robusta, dinâmica, capaz de atender
ARTIGO Substituição da geração a diesel por geração a biomassa no município de Canutama - Amazonas Geraldo Vasconcelos Arruda Neto Manuel Cesar Santos Filho
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ARTIGO Conserva de pescado: uma grande oportunidade de negócio na Amazônia Renilto Frota Corrêa Jaqueline de Araújo Bezerra Maurício Elísio Martins Loureiro
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demandas da sociedade local e do País. Incorporar maior densidade de conhecimento e matériaprima amazônicos à realidade atual, por meio de processos e tecnologias sofisticadas, é um desafio que precisa ser enfrentado com capacidade de planejamento, articulação e, sobretudo, continuidade de propósitos; é proporcionar mais um salto qualitativo na apresentação dos marcos históricos em nossa linha do tempo. O tamanho do desafio, porém, impõe escolhas estratégicas. E a formulação e implementação eficientes de políticas de interesse público necessárias à operacionalização dessas escolhas dependem do despontar de lideranças assim reconhecidas com
ARTIGO A AFEAM e o financiamento à bioeconomia amazonense Pedro G. Raimundo Falabella Wilmar L. F. Belleza Nilson S. Santos
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RELATO Programas de pós-graduação, a biotecnologia e o pioneirismo do PPGBIOTEC José Odair Pereira Spartaco Astolfi Filho
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ARTIGO A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI Márcia Betânia Ferreira Macêdo Shirley Terezinha Kerber Bomm
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capacidade para mobilizar recursos, mediar a discussão, organizar consensos e compartilhar decisões. A sensação é de que algumas importantes bases para a construção desse futuro estão lançadas. O momento, portanto, se aproxima. A sociedade espera e está apta a reconhecer e apoiar essas lideranças.
ARTIGO Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico Nívea Maria da Silva Oliveira Roniele Tavares Fernandes
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ARTIGO Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região Luciana de Castro Don Luiz Felipe Tavares Fonseca
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ARTIGO Projeto Curupira: uma agenda positiva para a Amazônia Silvio Rodrigues Persivo Cunha
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NOTÍCIAS T&C
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entrevista
As redes de inovação e seus desafios Lucia Melo
Foto: Arquivo SGEE
Lucia Melo: “Para a implementação de redes de inovação na Amazônia faz-se primordial efetivar seu caráter multidimensional e multidisciplinar, ao envolver governos, empresas, academia, agências e comunidades”.
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A
engenheira química, graduada pela Universidade Federal de Pernambuco, Lucia Carvalho Pinto de Melo, está no seu segundo mandato como presidenta do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Na área acadêmica Lucia cursou pós-graduação no Tecnology and Policy Program do Massachusetts Institute of Technology, finalizou mestrado em Física pela Universidade Federal de Pernambuco e o mestrado em Energia e Meio Ambiente pela Universidade da Califórnia (Santa Bárbara). Além de atuar como pesquisadora titular da Fundação Joaquim Nabuco. Com uma extensa lista de atividades, a presidenta do CGEE atua como conselheira da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), é representante do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no Conselho de Administração da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron
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As redes de inovação e seus desafios
(ABTLuS), membro do Conselho Editorial da Revista do Servidor Público (ENAP) e da Revista RAUSP. Sua atuação tem ênfase na área de Planejamento e Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Nesta entrevista concedida com exclusividade Lucia fala sobre sua opinião acerca das redes de inovação, sobre o papel do CGEE e o que é necessário para se implantar redes de inovação na Região Amazônica.
Revista T&C - Durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, sua intervenção chamou atenção para o fato de que, além de escolhas estratégicas, um sistema de CT&I deve estar suportado por confiança e cooperação. Nesse aspecto, quais os avanços alcançados pelo ambiente de CT&I no país? Lucia Melo - A cooperação para Pesquisa e Desenvolvimento é um fenômeno crescente em todo o mundo. Indicadores de cooperação – tanto medidos em publicações conjuntas como nas patentes com autores de diversas instituições (e mesmo países) – confirmam essa tendência. No Brasil, as políticas e programas recentes, a exemplo dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), reúnem diversas entidades de fomento em distintos níveis de governo. Há, ainda, o programa Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), que estabelece parceria entre universidades e empresas, além de outros múltiplos mecanismos de apoio à cooperação universidade-empresa. Estes mecanismos compõem a agenda de fomento recente do Brasil com significativa intensidade. O elemento de confiança se torna fundamental para que essas cooperações possam progredir. Contribuem para o estabelecimento desse ambiente regras claras e aplicadas de propriedade intelectual. O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos se caracteriza, nesse aspecto, por ser uma instituição onde se prima pela interação entre diferentes atores relevantes do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, incluindo governo, setor produtivo e academia. Fazemos
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o papel de mediadores no diálogo entre eles. Além disso, o CGEE atua por meio de parcerias com instituições internacionais, esfera onde agendas em comum estão sendo discutidas e encaminhadas. É fundamental que o sistema de CT&I esteja conectado a redes e iniciativas no exterior.
Revista T&C - Inúmeras iniciativas em rede têm tentado deslanchar, no Brasil, uma economia da biodiversidade mais robusta. O que falta para que os resultados sejam mais expressivos? Lucia Melo - Resultados expressivos em pesquisa exigem tempo, maturidade das instituições e continuidade das ações. Atualmente nos encontramos em fase ascendente no movimento de criação de competências e de compartilhamento do conhecimento. Ainda há muito que se avançar para aperfeiçoar tais esforços. Mas o caminho está trilhado. É preciso ampliar a competência nacional em transformar conhecimento científico e tecnológico em negócios que possam gerar renda e emprego de qualidade. Revista T&C - As redes de inovação, com o envolvimento do setor produtivo, são uma resposta adequada para acelerar esses resultados? Lucia Melo - As redes de inovação constituem bons exemplos de organização e gestão do conhecimento. Porém, para que os resultados sejam significativos ainda se faz necessário entender e operar melhor com o mercado, suas regras e cultura. A ausência de maturidade, em temas como propriedade intelectual, ainda constitui um elemento de dificuldade para muitos agentes e atores do sistema de CT&I. Não está demais enfatizar, ainda, que gargalos associados aos desafios institucionais referentes aos marcos regulatórios e à operação das instituições brasileiras são entraves à evolução dessas redes.
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As redes de inovação e seus desafios
Revista T&C - O CGEE tem tido papel protagonista na tentativa de articulação e organização de redes de inovação, das quais biodiversidade, dermocosméticos e setor madeireiro são exemplos concretos. Que aprendizados institucionais podem ser relatados como consequência da condução desses trabalhos? Lucia Melo - Um dos principais elementos de aprendizado pode ser atribuído ao reconhecimento da enorme importância dos agentes locais na configuração, articulação e implementação das redes de inovação. Esse conhecimento especial, tanto dos aspectos técnicos e operacionais quanto das características culturais de cada espaço de atuação, se torna fundamental para o êxito das iniciativas. Para obter essa visão, as equipes de trabalho precisaram ir pessoalmente de instituição em instituição, além de conhecer todos os atores envolvidos do início ao fim das cadeias produtivas e nas localidades onde vivem e produzem. Os ganhos associados a elementos intangíveis tais como aprendizagem, confiança, entre outros, são consequência desse tipo de ação e representam um novo olhar na forma de gerir e planejar o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação no Brasil.
sua biodiversidade. As distâncias e a falta de infraestrutura ainda contribuem para a falta de agilidade dos processos e da comunicação na região. Revista T&C - Como dar continuidade a essas iniciativas e, nelas, qual a perspectiva de inserção do CGEE? Lucia Melo - Faz-se importante entender o papel do CGEE como ator na geração de subsídios e informações estratégicas para as políticas de CT&I. O desenho de nossos trabalhos é fortemente orientado ao envolvimento e à participação das entidades locais e demais interessados na implementação da política sugerida. Cabe ao CGEE, no decorrer do processo de trabalho, construir consensos e despertar nos atores a adoção de compromissos de longo prazo.
Revista T&C - Qual a sua percepção sobre eventuais avanços – técnicos e de governança – da Região Amazônica para enfrentar o desafio da implementação dessas redes de inovação? E quais os principais gargalos ainda presentes? Lucia Melo - Para a implementação de redes de inovação na Amazônia faz-se primordial efetivar seu caráter multidimensional e multidisciplinar, ao envolver governos, empresas, academia, agências e comunidades. Esse é o grande diferencial dessas redes. É preciso que estes distintos atores se sintonizem e assim possam convergir para a evolução das cadeias produtivas existentes na região. Por meio da parceria saudável dessa gama de atores, que apresentam diferentes níveis sociais, culturais e ideológicos, será possível aproveitar melhor, qualitativa e quantitativamente, o potencial da Região Amazônica, utilizando racional e cientificamente
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Artigo
Iniciativas em bionegócios e o programa pappe-subvenção no estado do amazonas 1,2
Guajarino de Araújo Filho
RESUMO O artigo analisa a participação de empresas de bionegócios no Programa Pappe-Subvenção Finep Amazonas, que concede recursos para projetos de inovação implementados por empresas de micro e pequeno portes. A apresentação do perfil dos projetos, suportada em uma proposta de classificação por tipos de processos e atividades associadas, mostra que aqueles relacionados a bionegócios são responsáveis por mais de 72% das iniciativas contempladas. A avaliação dessas iniciativas, entretanto, sugere que há uma concentração dos esforços em níveis menores de elaboração da biodiversidade e, portanto, que existe espaço para a formulação de políticas públicas para acelerar a implantação de empreendimentos baseados na biotecnologia moderna como forma de contribuir
para a dinamização deste segmento da economia do estado do Amazonas.
INTRODUÇÃO O aproveitamento econômico responsável do potencial da biodiversidade, além do desenvolvimento de competências técnicas e científicas específicas, deve estar suportado também por políticas públicas com foco e fôlego capazes de ampliar o número de empresas em atuação, além de levá-las a um nível de robustez apropriado à sustentação de um ciclo econômico virtuoso. A qualidade da contribuição proporcionada por uma política pública é reflexo de uma necessária “capacidade instalada” para sua formulação, que em maior ou menor grau depende do nível de
¹ Este artigo é resultado de projeto de pesquisa que conta com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – Fapeam, no âmbito do Programa de Gestão em Ciência e Tecnologia – PGCT. ² O autor agradece as contribuições ao texto, especialmente na estruturação do Quadro 01, feitas pelos colegas Dimas Lasmar, Francisco Elno Herculano, Hyelen Gouvêa e Niomar Pimenta, sem, no entanto, imputar-lhes qualquer responsabilidade pelo conteúdo final aqui apresentado.
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conhecimento da realidade em que se pretende intervir. No caso da Região Amazônica, se existe intenção em dinamizar atividades econômicas baseadas em sua diversidade biológica, a magnitude das escalas e desafios impõe esforço nada trivial. Se as competências técnicas e científicas têm se estabelecido em ritmo aceitável, a mesma convicção não se obtém da análise de foco e fôlego das políticas públicas. Este artigo propõe-se a contribuir ao nível do foco, acrescentando compreensão da realidade associada ao estado do Amazonas, abordando um programa no âmbito de política pública que concede recursos financeiros na modalidade subvenção econômica para projetos de inovação conduzidos por micro e pequenas empresas. Isso é feito por meio da utilização de informações relacionadas ao Programa Pappe-Subvenção Finep Amazonas, exploradas a partir do perfil das empresas participantes, valores relacionados a seus projetos e áreas de atuação. Para tanto, na seção 2 são descritos o conceito de subvenção econômica e o objetivo do Programa Pappe, bem como as áreas estratégicas abrangidas e outras características de sua implementação no estado do Amazonas; na seção 3 é avaliada a participação das empresas com projetos baseados em recursos da biodiversidade a partir de uma proposta de classificação dos projetos segundo processos e atividades utilizados; na seção 4 são oferecidas algumas reflexões sobre o conjunto das informações apresentadas, considerando a perspectiva de fortalecimento das políticas públicas para empresas da área; na última seção, são apresentadas as conclusões.
2. A SUBVENÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL E O PROGRAMA PAPPE A inovação destaca-se como tema de diversas iniciativas que se multiplicam por todo o Brasil. Um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) em contínuo fortalecimento, “irrigado” por uma década de recursos oriundos dos Fundos Setoriais, tem proporcionado crescente formação anual de novos pesquisadores e, ao mesmo tempo, estimulado uma maior integração com a atividade econômica, com repercussão positiva quanto à expectativa de seus impactos sociais. Diferentemente de décadas passadas, quando a atenção das políticas públicas esteve principalmente voltada à ciência e tecnologia – na verdade com mais ênfase na primeira –, a inovação justifica-se hoje como o centro de um esforço coletivo em curso no país que, embora arrebata academia, governo e empresa, oferece a esta última o indelegável papel de protagonista, uma vez que é a empresa o verdadeiro responsável pelo aproveitamento econômico de uma nova ideia, conceito central associado à inovação. Essa peculiaridade tem provocado quebra de paradigmas na formulação de políticas públicas no Brasil, como é o caso da experiência associa3 da à subvenção econômica . Seguindo práticas já estabelecidas em países com economias mais desenvolvidas, a concessão de recursos públicos não reembolsáveis a empresas, com foco em inovação e competitividade, embora uma experiência ainda infante no País4, vem sendo conduzida aparentemente sem muita contestação pelos demais segmentos da sociedade – algo pouco provável de ocorrer no cenário de 15 ou 20 anos atrás –, e ainda com perspectivas de avanço para os próximos anos. Precursor dessa subvenção econômica em nível nacional, o Programa de Apoio à Pesquisa em
3 Segundo o Manual de Programa – Subvenção Econômica à Inovação Nacional da Finep, “... a subvenção econômica busca mitigar uma deficiência ou ausência de ânimo por parte dos agentes privados por determinadas oportunidades de produtos inovadores apontadas pelo interesse público” (FINEP, 2010b, p. 4). 4 Os marcos legais que proporcionam a subvenção econômica relacionada à inovação, no Brasil, são principalmente a Lei de Inovação (Lei n º 10.973 de 02/12/2004) e o Decreto que a regulamenta (Decreto nº 5.563, de 11/10/2005).
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Micro e Pequenas Empresas – Pappe-Subvenção, lançado em 2006, é uma experiência bem disseminada, que já contabiliza o envolvimento de diversos estados e centenas de empresas (FINEP, 2010a). Lançado em um momento em que a insegurança jurídica sobre o tema não estava completamente superada, o Pappe-Subvenção é uma responsabilidade da Finep e, em linhas gerais, concede apoio financeiro na forma de subvenção econômica a empresas de base tecnológica de pequeno porte. Além de chamadas nacionais, válidas para todo o País, o Programa se utiliza de operações descentralizadas (parcerias) com arranjos institucionais locais em cada estado interessado. Desde que mantido o escopo geral definido para o Programa, é permitido que a iniciativa em cada estado assuma características que atendam particularidades do desenvolvimento local – por exemplo, incentivando prioritariamente empresas em áreas consideradas estratégicas pelo próprio estado –, ou mesmo por meio de organização específica na distribuição dos recursos disponíveis, eventualmente impondo limites máximos diferenciados para o projeto contemplado. A partir de um montante de recursos a ser distribuído, isso permite, por exemplo, que um estado possa apoiar uma maior quantidade de projetos, com menor valor máximo individual disponível a cada um ou, contrariamente, oferecer mais recursos a um menor número de projetos, uma decisão que, dentre outros fatores, depende do interesse dos gestores e da dinâmica econômica associados à realidade local. No Amazonas, o Pappe Subvenção foi lançado com a denominação de Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Micro e Pequenas Empresas na Modalidade Subvenção Econômica - Pappe Subvenção Finep Amazonas, com um arranjo institucional que, liderado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), contou com a participação da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas
(Sect), Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas (Seplan), Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), Instituto Euvaldo Lodi (IEL), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas (Idam) e Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae/Am). No caso particular do estado do Amazonas, o objetivo estabelecido para o Programa é “[i]ncentivar o desenvolvimento de projetos de inovação tecnológica com recursos não reembolsáveis, visando ao aumento da cultura de inovação e a competitividade das MPEs” sediadas no estado. As áreas preferenciais estabelecidas para essa edição guardam relação com os arranjos produtivos locais prioritários contemplados na política de desenvolvimento do estado do Amazonas: artesanato; castanha-do-Brasil; construção naval; fitoterápicos e fitocosméticos; fécula e farinha de mandioca; madeira, móveis e artefatos; polo cerâmico-oleiro; polpa, extratos e concentrados de frutas regionais; produção de pescado; produtos e serviços ambientais; e turismo ecológico e rural. Embora sem a obrigatoriedade de enquadrar-se em uma dessas áreas, os critérios estabelecidos em edital para a seleção dos projetos privilegiavam com maior pontuação aqueles assim classificados. Nesta primeira edição foi disponibilizado um total de R$ 6 milhões, sendo que, destes, R$ 4 milhões foram de responsabilidade da Finep e os R$ 2 milhões restantes, representando a contrapartida do estado, foram integralizados por quotas iguais assumidas por Fapeam e Seplan. O valor máximo solicitável, por proposta de projeto, foi estabelecido em R$ 200 mil. O uso dos 5 recursos exigiu o lançamento de 2 chamadas , que contemplaram um total de 36 projetos com quase R$ 5,5 milhões. Para que pudesse se candidatar ao Programa, o faturamento da empresa, apurado no ano anterior (2007), não poderia ter ultrapassado R$ 10,5 milhões.
5 O edital 008/2008 da Fapeam, lançado em junho de 2008, não esgotou os recursos disponibilizados, motivo pelo qual um segundo edital (017/2008) foi lançado em dezembro do mesmo ano, para a seleção de projetos adicionais.
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Cumpridas as etapas de habilitação – e após a desistência e substituição de algumas empresas – ao final os projetos contemplados tiveram majoritária participação de empresas da capital do estado, conforme pode ser observado na Tabela 01.
é vista como uma grande janela de oportunidade para que países em desenvolvimento ocupem espaço em um mercado novo, crescente. O uso do termo bioeconomia, entretanto, tem sido entendido por um vínculo mais estreito com os conhecimen-
Tabela 01 - Programa Pappe-Subvenção - Distribuição geográfica das empresas com projetos contemplados
Edital
Manaus
Interior
TOTAL
008/2008
16
3
19
017/2008
15
2
17
TOTAL
31
5
36
Fonte: Próprio autor.
Considerados os recursos distribuídos aos 36 projetos, isto implica na concessão de um valor médio ao redor de R$ 152 mil por projeto, o equivalente a 76% do valor máximo permitido.
3. A PARTICIPAÇÃO DOS BIONEGÓCIOS NO PROGRAMA PAPPE-SUBVENÇÃO NO AMAZONAS A discussão do uso econômico do potencial da biodiversidade amazônica sempre esteve cercada de expectativas e controvérsias e, ressalvada a condição de sua utilização sustentável6, adquiriu ainda mais relevo na agenda de governantes e da sociedade em geral nos últimos anos. O conceito de biodiversidade inclui toda a vida biológica no planeta, em seus diferentes níveis – genes, espécies e ecossistemas –, bem como sua capacidade de reprodução. Para o estado do Amazonas, o fortalecimento de uma economia baseada nesse potencial é por muitos entendido como um caminho necessário e complementar ao modelo Zona Franca de Manaus. Um caminho que oferece como grande vantagem a expectativa de estar lastreado em empresas com significativa inserção local, com uso de capital e insumos endógenos em suas atividades. Nesse contexto, a assim chamada bioeconomia
tos associados à moderna biotecnologia e toda a amplitude de suas sofisticadas técnicas (JUMA & KONDE, 2001). O termo biotecnologia refere-se “a um conjunto amplo de tecnologias habilitadoras e potencializadoras [...] envolvendo a utilização, alteração controlada e a otimização de organismos vivos ou suas partes funcionantes, células e moléculas para a geração de produtos, processos e serviços em saúde, agroindústria e meio ambiente, dentre outras áreas, [...] e envolvem várias áreas do conhecimento, como biologia molecular, genética, fisiologia, microbiologia, química, engenharia de alimentos, dentre outras” (ASSAD, 2002). De qualquer modo, à biotecnologia – tradicional ou, principalmente, moderna –, associa-se a perspectiva mais sofisticada e valorada do uso da biodiversidade. E é como matéria-prima de biotecnologias avançadas – entenda-se biotecnologia moderna – que a biodiversidade assume um caráter ainda mais estratégico (ALBAGLI, 1998). Para a realidade da economia do Amazonas, todavia, empresas que efetivamente fazem uso de biotecnologias avançadas são uma exceção no agrupamento daquelas que se utilizam da biodiversidade como elemento significativo de suas operações. Por isso, seria mais ou menos esperado que
Segundo a Convenção da Biodiversidade (reproduzida em Dias, 2000), utilização sustentável significa a utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não levem, no longo prazo, à diminuição da diversidade biológica, mantendo assim seu potencial para atender as necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras. 6
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na “convocação” para uso de recursos públicos por meio de subvenção econômica, no caso do Programa Pappe, os projetos nessa área que se apresentassem fossem aqueles voltados a um uso mais “clássico” da biodiversidade – em que as inovações são menos sofisticadas, mais centradas em aplicações diretas de conhecimento já desenvolvido e dominado na região e, além disso, demandantes de recursos de menor monta, apropriados ao que é oferecido nos limites do Programa. Considerando este cenário, optou-se neste artigo pelo uso do termo bionegócios, em lugar de bioeconomia, em virtude da sua maior capacidade de abrangência dos agentes econômicos envolvidos no Programa, considerando a realidade local. Não se pretende, com isso, negar a agregação de valor proporcionada pela biotecnologia moderna, nem a importância de que seja tratada como objeto e objetivo em políticas públicas para o estado, mas simplesmente reconhecer que a base tecno-científica mais apurada que requer é ainda uma exceção na competência da maioria das empresas, e conferir-lhe atenção destacada pouco contribuiria com o propósito aqui pretendido. Assim, ainda que em uma conceituação sem maior refinamento, admita-se que bionegócios sejam “atividades com fins econômicos, desenvolvidas por empresas, que tenham como principal característica o uso intensivo – e, portanto,
significativa dependência – de insumos da biodiversidade”. Para a perspectiva dessa formulação, não importa o grau de transformação sofrido por esse insumo, ou mesmo se alguma transformação ocorre. O que caracterizaria o bionegócio é o uso significativo que um elemento da biodiversidade tenha em suas operações. Assim, mesmo atividades econômicas que exijam menor elaboração, como por exemplo a comercialização in natura de frutos regionais, estariam abrigadas no conceito. Essa ampla abrangência incorporada pelo conceito, se por um lado é capaz de contemplar as iniciativas econômicas menos sofisticadas que caracterizam a economia regional nessa área, também justificam algum esforço adicional para que o resultado se preste ao papel de instrumento de apoio na análise. Uma mínima capacidade de estratificar os bionegócios em diferentes classes é necessária para a diferenciação e análise de projetos contemplados pelo Programa Pappe. O Quadro 01 a seguir busca essa complementação por meio de uma proposta de agrupamento que tem a intenção única de facilitar essa análise. Não tem, portanto, a pretensão de abranger possibilidades associadas a realidades econômicas que sejam mais complexas, nem assegura que a subjetividade da abordagem esteja suficientemente reduzida a ponto de impedir diferentes interpretações de classificação para uma mesma situação (bionegócio), por diferentes indivíduos.
Quadro 01 – Caracterização de diferentes tipos de bionegócios
Tipos de Bionegócios Grupo I
Características Uso da biodiversidade no estado in natura ou submetida a processos de beneficiamento simples, centrados em características mecânicas (cortar, polir, lixar, pintar, secar, etc.); inclui atividades com uso econômico do valor “cultural” da biodiversidade. São exemplos de bionegócios classificáveis neste Grupo a comercialização de frutos e peixes frescos, folhas, raízes, cascas, flores, artefatos com ênfase estética ou decorativa, moda, turismo.
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Iniciativas em bionegócios e o programa Pappe-Subvenção no estado do Amazonas
Grupo II
Produtos que utilizam processos baseados em conhecimento consagrado, com domínio disseminado (extração, concentração, filtração, destilação, separação, etc.), que podem demandar o uso de boas práticas (nas etapas de coleta, manuseio ou conservação, por exemplo). Neste Grupo incluem-se produtos como bebidas, concentrados, doces, polpas, pós.
Grupo III
Abrange processos químicos e/ou biológicos de maior complexidade, cuja demanda por conhecimento especializado implica em aumento de risco técnico; o desenvolvimento do produto exige testes ou ensaios. Alcança matérias-primas e produtos de perfumaria, cosméticos, fitoterápicos e fitocosméticos, bioenergia, reprodução de plantas, alimentos industrializados.
Grupo IV
A classificação neste Grupo é assegurada pelo uso de processos associados à chamada biotecnologia moderna, que tem como base a biologia molecular e a engenharia genética (ainda que outras características do bionegócio aqui classificado possam estar descritas nos demais Grupos). Organismos geneticamente modificados, microorganismos industrializados e alimentos funcionais são exemplos de produtos deste Grupo.
Fonte: Próprio autor.
Assim, segundo a tipologia apresentada no Quadro 01, propõe-se uma estratificação para bionegócios em quatro Grupos, organizados pela lógica de diferentes graus de complexidade. Essa complexidade pretende-se traduzida pela citação aos tipos de processos e atividades característicos de cada Grupo, complementada por exemplos ilustrativos. Apoiando-se nas características apresentadas no Quadro 01 e na lista descritiva dos 36 projetos contemplados no Programa Pappe-Subvenção Finep Amazonas, foi possível identificar 26 projetos – ou aproximadamente 72% do total – caracterizados como participantes da área de bionegócios.
No Gráfico 01, que apresenta a estratificação desses 26 projetos pelos Grupos, é possível evidenciar duas características significativas do perfil desse conjunto de bionegócios: no Grupo I, composto por bionegócios de natureza mais simples, estão concentradas 42% das iniciativas; no Grupo IV, em que estariam concentrados os projetos de maior sofisticação e conteúdo tecnológico, não foi identificado qualquer projeto, ou seja, segundo os conceitos aqui adotados, o Programa PappeSubvenção não teria iniciativa caracterizada pelo uso de biotecnologias modernas. Os 11 projetos classificados no Grupo I utilizam-se da biodiversidade principalmente em aplicações
Grupo I Grupo II Grupo III Grupo IV
Gráfico 01 - Programa Pappe-Subvenção - Número de bionegócios contemplados. Fonte: Próprio autor.
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Iniciativas em bionegócios e o programa Pappe-Subvenção no estado do Amazonas
Percebe-se que tanto em projetos de bionegócios quanto nos demais a classe dos maiores valores (projetos acima de R$ 150 mil e até o limite de R$ 200 mil) é aquela em que ocorrem mais incidências. Contrariamente, nenhum projeto foi contemplado com valor inferior a R$ 50 mil, o que justifica a ausência de incidência na primeira classe. Projetos de bionegócios classificados entre os mais simples (Grupo I) são as únicas incidências na classe entre R$ 50 e 100 mil.
de valorização estética (decoração de ambientes, moda – joias e bijuterias, apliques decorativos e/ ou funcionais em acessórios de vestuário, embalagens, móveis) ou como informação que proporciona o desenvolvimento de atividades na área do turismo. O Grupo II concentra 6 projetos que fazem uso da biodiversidade nas áreas de alimentos (incluindo nutrição) e bebidas: xarope, vinho, processados à base de peixe e composto nutricional. A identificação dos 9 projetos classificados no Grupo III revela um perfil mais heterogêneo. As iniciativas envolvem produção de óleos graxos, fitoterápico, fitocosmético, bioenergia, mudas de plantas (cultura de tecidos), tratamento de esgoto com uso de plantas, biogeografia de peixes ornamentais (certificação de origem) e teste rápido para detecção de nível de contaminação. No conjunto, os 26 projetos em bionegócios foram contemplados com R$ 3,85 milhões (72,2% do total concedido), o que equivale a uma média de R$ 148,1 mil por projeto; os demais projetos – ou seja, aqueles não classificados como bionegócios –, alcançaram uma média de R$ 162,2 mil, uma diferença a maior equivalente a aproximadamente 9,5%. A Tabela 02 apresenta o total de projetos – com destaque para os bionegócios – por volume de recursos recebidos, estratificados em classes construídas em intervalos regulares de R$ 50 mil, até o valor máximo individual de concessão previsto nos editais do Programa.
4. É POSSÍVEL DINAMIZAR OS BIONEGÓCIOS COM FOCO NA BIOTECNOLOGIA MODERNA? A análise aqui realizada não tem como alicerce o resultado econômico efetivo dos empreendimentos, uma vez que a correlação entre seu nível de sucesso e a complexidade de suas atividades/ operações só poderia ser avaliada após o encerramento do ciclo do Programa Pappe, após a conclusão da implementação de todos os 36 projetos contemplados. E isso tendo em conta apenas uma variável, sem que fossem considerados fatores não tecnológicos que algumas vezes contribuem até mais expressivamente ao sucesso econômico, como por exemplo a eficiência organizacional e a capacidade de distribuição e comercialização. No caso deste texto, trabalha-se, sim, com os resultados econômicos potenciais, admitida a hipótese de que estes sejam maiores em projetos que fazem uso da moderna biotecnologia. Como
Tabela 02 – Programa Pappe-Subvenção - Quantidade de projetos contemplados, por faixa de valores
Quantidade de projetos Valor do projeto (R$ mil)
Em bionegócios (Grupo) I
II
III
IV
Total
Total geral (bionegócios + demais)
≤ 50
0
0
0
0
0
0
50 < x ≤ 100
3
0
0
0
3
4
100 < x ≤ 150
3
2
5
0
10
13
150 < x ≤ 200
5
4
4
0
13
19
TOTAL
11
6
9
0
26
36
Fonte: Próprio autor.
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consequência direta dessa hipótese, advém que a busca da ampliação do número de empresas capazes de implementar tais projetos seria um benefício ao fortalecimento da economia amazonense. Assim, resumindo as informações apresentadas na seção 3, destacam-se: 1. Projetos na área de bionegócios – no sentido mais amplo definido para essa palavra, anteriormente – representaram uma ampla maioria de 72% dos projetos contemplados no Programa Pappe-Subvenção no estado do Amazonas; 2. Desses, 42% estão relacionados ao uso de processos mais simples, que pouco elaboram o insumo da biodiversidade; 3. Nenhum dos projetos faz uso de técnicas biotecnológicas modernas. Tomadas como um ponto de partida para a reflexão em relação ao fortalecimento econômico, essas afirmativas proporcionadas pela análise do Programa Pappe permitem os seguintes questionamentos: i. Existe apropriação local de conhecimento técnico em biotecnologia para que se instalem empresas que façam uso de processos e atividades mais sofisticadas? ii. Existe motivação ao empreendedorismo – ou à transferência de tecnologias – por parte de quem domina, se for o caso, esse conhecimento? iii. O Programa Pappe é um instrumento apropriado para abrigar esse perfil mais sofisticado de iniciativa? Na tentativa de avançar na análise do contexto, são apresentadas as perspectivas pessoais do autor para cada uma dessas questões, a seguir. O estado do Amazonas conta com programas de formação stricto sensu em biotecnologia, tanto em mestrado como doutorado, em uma escala bastante significativa para que se responda afirmativamente à questão (i). Se a isto forem acrescidas as contribuições de outros programas, em diversas áreas correlatas e complementares à biotecnologia, o resultado é um conjunto de competências não trivial.
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A resposta à questão (ii), entretanto, é negativa. Spin offs acadêmicos (professores e/ou pesquisadores em universidades e instituições de P&D) ou carreiras empreendedoras a partir de resultados de dissertações e teses, pelos discentes, são eventos ainda raros. A transferência desses conhecimentos a quem queira empreender – uma alternativa posta à carreira de empreendedor pelo próprio pesquisador ou aluno – carece de mecanismos facilitadores e instrumentos de incentivo concreto para ambas as partes, incluindo a solução de alguma insegurança jurídica que persiste, quando se trata de conhecimento dominado por instituição pública. Finalmente, a questão (iii) não permite uma resposta conclusiva. Se por um lado a subvenção possui um apelo indiscutível, o volume individual dos recursos – e até mesmo os limites impostos para seu uso pelas rubricas em que admite aplicação – podem vir a ser um fator restritivo. Isso, todavia, demandaria investigação adicional. No limite de contribuição a que se propõe este texto, e considerado o raciocínio estabelecido até aqui, pergunta-se: o que é possível fazer, a partir dessa realidade, no caso de interesse em dinamizar bionegócios baseados em biotecnologia, por meio da intervenção pública? Parece evidente que a existência de competência técnica local, explorada na (i) anterior, é um elemento essencial para alicerçar a estratégia de fortalecimento desse ambiente. E essa seria uma condição já conquistada. Assim, o foco transfere-se para os objetos das questões (ii) e (iii). Sem desprezar outras possibilidades de intervenção, os esforços poderiam estar concentrados no binômio motivação – instrumento apropriado de fomento, evidentemente com foco nos indivíduos que possuam a competência técnica necessária, para empreender ou transferir conhecimento.
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Com esse escopo, poderiam fazer parte do espaço de estratégias a serem analisadas: a) O estímulo ao empreendedorismo nas instituições de ensino e pesquisa e em seus programas de formação stricto sensu na área e em áreas correlatas; b) A avaliação da criação de programa específico – ou do aperfeiçoamento de programa existente – para fomento apropriado a esse perfil de empreendimentos; c) A atuação articulada (governança) dos diversos atores interessados e com capacidade de contribuição para esse processo. É evidente que essas estratégias estão em um nível preliminar de formulação, que demanda discussão para aprofundamento e operacionalização. Mas isto não é um fator limitante, considerando a aparente pré-disposição das instituições em assumir trabalhos em parceria e esforços cooperativos que reflitam prioridades coletivas. A questão talvez seja, principalmente, de uma liderança institucional que, reconhecida pelos demais, possa dar o primeiro passo na governança desse processo.
CONCLUSÕES O artigo buscou avaliar a participação de projetos de bionegócios no âmbito do Programa PappeSubvenção Finep Amazonas, que oferece recursos sob a forma de subvenção econômica a projetos inovadores de empresas de micro e pequeno portes. Apesar de uma significativa participação de projetos que fazem uso da biodiversidade em seus processos, dentre os contemplados no Programa, a análise desses projetos aponta uma predominância de processos simples, de menor demanda de conhecimento especializado, algo que contrasta com a potencialidade da capacidade técnica em biotecnologia moderna que se entende já instalada no estado. A análise assume, portanto, que as práticas biotecnológicas modernas, se utilizadas com mais intensidade nos bionegócios, levariam a um aproT&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
veitamento mais estratégico da biodiversidade, com reflexos positivos na pujança econômica. Motivar a competência instalada para que empreenda e instrumentalizar apropriadamente o fomento às iniciativas que surjam são as estratégias essenciais apontadas, complementadas pelo necessário fortalecimento da articulação interinstitucional para o qual, todavia, o estado aparenta acumular suficiente capital social que a viabilize.
BIBLIOGRAFIA ALBAGLI, Sarita, 1998, “Da biodiversidade à biotecnologia: a nova fronteira da informação”, Ci. Inf., v. 27, n. 1, p. 7-10, jan./abr. ASSAD, Ana Lúcia D. (Coord.), 2002, Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos – Definição de Metas. Brasília, Secretaria de Políticas e Programas de Ciência e Tecnologia do MCT. DIAS, Bráulio F. S. (Coord.), 2000, Convenção sobre Diversidade Biológica. Brasília, Ministério do Meio Ambiente. Série Biodiversidade, No1. FINEP, 2010a. Disponível em , <http://www.finep. gov.br/programas/subvencao_economica. asp>. Acesso em 25/10/2010. ______, 2010b, Manual de Programa – Subvenção Econômica à Inovação Nacional. s/l, Departamento de Subvenção nacional. JUMA, C., KONDE, V., 2001, The New Bioeconomy - Industrial and Environmental Biotechnology in Developing Countries. Genebra, United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), 15-16 nov.
Guajarino de Araújo Filho é doutor em Engenharia de Produção, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Inovação (Nepi) da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) e professor.
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Artigo
Arranjos Produtivos Locais e a bioeconomia regional Marconde Carvalho de Noronha
Resumo Este artigo apresenta uma breve análise sobre as abordagens e as ações desenvolvidas em Arranjos Produtivos Locais (APLs) selecionados, enquanto estratégia de fomento a setores produtivos promissores da bioeconomia regional, tanto da parte do aparato institucional quanto das parcerias entre os agentes econômicos em prol do desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: APL, biodiversidade amazônica, bioeconomia, biotecnologia.
Introdução O crescente aproveitamento dos recursos da biodiversidade amazônica tem preocupado todo o mundo, no sentido de que essas riquezas não sejam exploradas de forma vil, contribuindo para a sua total degradação. Essa atenção tem se traduzido por estudos e estratégias de usufruto racional desse grandioso patrimônio biológico e econômico
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da humanidade. O advento de atividades inovadoras e competitivas e/ou políticas estruturantes oriundas de recentes relações produtivas no contexto mais atual da Amazônia, vem conduzindo, naturalmente, à busca por biotecnologias que possam garantir o desenvolvimento sustentável com base na biodiversidade, desta feita, procurando estabelecer maior integração entre setores produtivos e conferindo aos produtos maior valor agregado nos processos produtivos gerais. Neste contexto, a estratégia dos APLs na Amazônia procura aproveitar as sinergias originadas por suas interações com o meio ambiente e o maior dinamismo tecnológico e alavancagem, visando a reduzir desequilíbrios regionais e má distribuição de renda, na tentativa de atrair grandes investimentos públicos e privados, originar oportunidades de emprego e renda e, consequentemente, promover o desenvolvimento sustentável (LASTRES et al., 2002). T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
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É crescente a ação nos APLs da bioeconomia regional, no sentido de buscar melhores perspectivas de inovação tecnológica. A atuação institucional tem sido crucial na medida em que as empresas necessitam cada vez mais de políticas que levem em consideração aspectos como a inovação, interação, cooperação e aprendizagem, proporcionando, assim, a inserção e o crescimento dessas empresas no mercado competitivo mundial. É com este cenário que o presente artigo objetiva analisar algumas abordagens e ações implementadas nos APLs, como meio de fomento a segmentos promissores por parte das diversas instituições que buscam o incremento de setores selecionados no conjunto das atividades da bioeconomia regional, representadas aqui pelas agroindustriais e negócios sustentáveis, a partir da biodiversidade amazônica, indubitavelmente a mais rica do planeta.
Algumas abordagens e reflexões sobre APLs De acordo com Cassiolato (et al. 2001) e LASTRES (et al. 1998), uma definição adequada e que vem ganhando fôlego é a adotada pela Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (Redesist), do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em que inclui não apenas empresas, mas também outras instituições públicas e privadas à formação e treinamento de recursos humanos, P&D e Engenharia, promoção e financiamento. Além disso, para contemplar os APLs ainda não inteiramente constituídos e que certamente dominam o cenário da Amazônia, a Redesist adotou o conceito operacional de APL para denominar “aglomerações produtivas cujas articulações entre os agentes locais não são suficientemente desenvolvidas para caracterizá-las como sistemas”. A concentração geográfica leva ao compartilhamento de visões e valores econômicos, sociais e culturais, e constitui fonte de dinamismo local, bem como diversidade e vantagens competitivas em relação a outras regiões. Geralmente envolve
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a participação e a interação não apenas de empresas. Podem se incluir universidades, instituições de pesquisas, empresas de consultoria e de assistência técnica, órgãos públicos, organizações privadas e não governamentais e etc. As empresas em um APL geralmente atuam em um mesmo ramo de negócios e têm sua origem normalmente em trajetórias históricas, formadas a partir de uma base social e cultural comum, ou seja, resultado de um processo histórico cultural. Ambientes com maior integração, cooperação e principalmente confiança entre os agentes são mais propícios à construção de um arranjo, em um processo de complementaridade. Para Crocco (2007), uma característica que merece especial atenção no estudo dos APLs são os diferentes tipos de cooperação, incluindo a cooperação produtiva, visando à obtenção de economias de escala, bem como melhoria dos índices de qualidade e produtividade, diminuição de riscos, custos, tempo e dinamizando o potencial inovativo do APL. Segundo Krugman (1998), a afinidade das empresas ocorre pelo fato de as regiões serem diferentes quanto aos seus recursos e quanto às suas tecnologias e se especializam nas coisas que fazem relativamente bem; as economias de escala (ou rendimentos crescentes) tornam vantajosos para cada região especializar-se na produção de apenas uma variedade limitada de produtos. Schimitz (1997) afirma que a formação de um APL não garante ganhos econômicos (crescimento e competitividade), mas facilita o surgimento de características que habilitam tais ganhos.
Os arranjos produtivos locais no incremento da bioeconomia regional O tema APL se tornou presente na Amazônia com a implementação do programa Plataformas Tecnológicas do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, o qual visava à solução de gargalos tecnológicos de áreas prioritárias determinadas em
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cada região. É possível caracterizar este processo de intervenção institucional como uma estratégia de indução dos APLs, na medida em que o próprio governo nacional passou a dar este tratamento aos segmentos econômicos escolhidos em 2001: fitoterápicos e fitocosméticos, piscicultura, madeira-móveis e fruticultura. O lançamento e sensibilização desses APLs iniciais contou com a participação da SUFRAMA, MCT, Governo do Amazonas, empresários, pesquisadores de diversos institutos e produtores. Ocorreram reuniões de discussão para cada um dos APLs selecionados, com o intuito de agregar instituições para apoiarem e participarem, auxiliando na determinação dos gargalos e colaborando para a solução destes. A criação do Núcleo de Gestão Compartilhada - NGTC (2004), no âmbito da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia - SECT, interveniente nos projetos do MCT, constituiu-se em um apoio vital, posto que teve a missão prioritária de apoiar a manutenção e agregar novos recursos financeiros e, especialmente, gerar informações e conhecimentos que contribuíram para a gestão e transferência para a economia local das soluções tecnológicas encontradas. O “I Seminário de APLs e o Desenvolvimento Regional” (2006), organizado pela SECT, caracterizou-se como um balanço dos APLs, incluindo apresentações e debates sobre o status dos arranjos definidos como prioritários. Em 2007, foi realizada em Manaus a “Oficina de Orientação aos Núcleos Estaduais de Apoio aos APLs - Região Norte”, que contou com a participação do Grupo de Trabalho Permanente - GTP APL - mediando os debates e balanços dos estados
participantes. Segundo diretriz do MDIC, durante esta oficina os APLs priorizados, assim como os demais, deveriam ser validados junto ao GTP APL, no grupo dos cinco primeiros APLs priorizados, conforme Tabela 01. Na sequência foi realizada a Oficina Estadual de APLs, em que os municípios selecionados inicialmente foram validados para 2008-2011 e se discutiu também a formalização do Núcleo Estadual de APLs - NEAPL/AM, a metodologia de trabalho e a importância das visitas. Nessa ocasião, formou-se ainda o grupo de parceiros que se lançaram como membros. A partida para a elaboração dos Planos de Desenvolvimento foi dada na I Reunião do Fórum de APL (2007), em que foram encaminhados diversos assuntos. A participação na 1a Reunião Plenária dos Núcleos Estaduais de Apoio aos APLs, Brasília-DF teve por objetivos apresentar os resultados que vêm sendo alcançados no Amazonas e compartilhar experiências sobre o processo de instalação do Núcleo e delinear ações. Realizou-se ainda a II Reunião do Fórum de cada APL, em que se definiram os municípios e a agenda de visitas. Ocorreram também neste ano a criação do espaço no site da SEPLAN (www.seplan.am.gov. br) e e-mail (neapl@seplan.am.gov.br); participação na 3ª Conferência Nacional de APLs, Brasília/ DF (Dez/07), incluindo a apresentação do APL de Fitoterápicos e Fitocosméticos; apresentação da palestra “Plano Estratégico dos APLs no Amazonas”, no I Encontro de Empreendedorismo da Amazônia, realizado em Manaus (Dez/07). Aconteceram reuniões específicas para todos os segmentos, sendo convocados os atores
Tabela 01 - APLs priorizados e adicionados no Estado do Amazonas
APLs Priorizados - Fitoterápicos e fitocosméticos
APLs Adicionados - Turismo ecológico e rural
- Madeira, móveis e artefatos
- Artesanato e culinária regional
- Polpas, extratos e concentrados de frutas regionais
- Produtos e serviços ambientais
- Produção de pescado
- Construção naval
- Fécula e farinha de mandioca
- Mineração
Fonte: NEAPL/AM. 2008.
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relacionados conforme segmento, como mostra o Gráfico 01. A exposição dos obstáculos e de metas para cada segmento relacionado nos APLs foi se realizando através de encontros periódicos definidos conforme as demandas e a agenda dos atores. Em 2008, realizou-se a 3ª Reunião Geral do Fórum, com o intento de definições mais objetivas para a consolidação dos PDPs, conforme Gráfico 02, página 18. Foram inseridas ações nos planos e também foram definidos os palestrantes de cada segmento para defesa do plano no seminário em outubro/2008, Brasília-DF.
Estadual de APLS, com o objetivo de discutir as ações realizadas e demandas atuais no sentido de melhorar as atividades em prol dos APLs incluídos na bioeconomia regional, que contou com a participação da EMBRAPA, UFAM, IF-AM, UEA, INPA, CBA, FAPEAM, SEBRAE/AM, entre outros.
Considerações finais Os APLs possuem um papel fundamental no desenvolvimento econômico, social e tecnológico de uma região, beneficiando todas as empresas e
Gráfico 01 – Nº de atores mobilizados para o fortalecimento dos APLs no Estado do Amazonas. Fonte: DDR/SEAP/SEPLAN.
Em 2009 houve a realização de atividades como ajustes nos PDPs e envio à Secretaria Técnica do GTP APL (MDIC) para que seus integrantes manifestassem o tipo e forma de apoio; realização de palestra sobre APLs aos representantes do Governo da Venezuela; atualização do conteúdo na página da SEPLAN e envio de editais e notícias aos parceiros; realização de workshop em municípios participantes dos APLs; participação na Videoconferência sobre o Fundo Amazônia e na IV Conferência Brasileira de APLs, com destaque para as palestras sobre APL de Produtos e Serviços Ambientais, APL de Fitoterápicos e Fitocosméticos e APL de Turismo e, contatos feitos com as instituições âncoras, no evento paralelo Encontro de Oportunidades. Encontram-se em andamento neste ano de 2010, estudos na área da piscicultura, sistemas de monitoramento e responsabilidade social e ambiental. Foi realizado em agosto o I Seminário
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engajando ao seu redor comunidades locais, centros de biotecnologia e pesquisa, instituições de ensino e entidades públicas ou privadas. Tudo isso pode oportunizar a geração de maior competência às empresas, maior competitividade e inserção em novos mercados, inclusive externos. Nesse sentido, não devem ser promovidas atividades ou obras que contribuiriam para a degradação ambiental e para os conflitos sociais vigentes na região, ao contrário do que se observou no passado recente, em que estas eram executadas sem cuidadosa análise, sem debate com a sociedade regional e sem contemplar ações de ordenamento, prevenção e mitigação de efeitos perversos.
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Gráfico 02 – Total de Projetos/Estudos sobre os APLs no Estado do Amazonas. Fonte: DDR/SEAP/SEPLAN. * Até setembro/2010.
Na região Amazônica predomina uma desuniforme dispersão de micro e pequenas empresas no imenso espaço geográfico regional, o que dificulta a coesão necessária das relações cooperativas intra e interindústria para a formação de aglomerações produtivas. Em muitos casos, há apenas produtos sendo gerados e comercializados na forma in natura ou parcialmente processados em indústrias rurais, com baixo conhecimento tecnológico. Mesmo assim, os arranjos que têm se formado em torno dos produtos da Amazônia cabem dentro do conceito de APL, tornando a bioindústria regional alvo para a aplicação dessa estratégia, procurando mudar a realidade e inserir produtos inéditos no mercado global, pois são provenientes da região de maior biodiversidade do planeta. Isto requer atenção quanto às questões ambientais, normas, propriedade intelectual (patentes) e etc. A falta de conhecimento ainda é muito grande quanto à melhoria da qualidade, inovação tecnológica, meios de exportação, incentivos, entre outros. A estratégia APL depende fortemente de sua interação com outras políticas de múltiplas escalas e sua função não deve ser homogênea. Não é difícil perceber que para um crescente desenvolvimento dessa estratégia são necessárias maiores participações e continuidade das políticas direcionadas para incentivar os micro e pequenos empreendedores que não são assistidos e possuem baixa produção, mas possuem elevado potencial para expansão das atividades. A realização de maiores investimentos na bio-
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tecnologia pelos órgãos públicos, envolvendo as cadeias produtivas (produção, distribuição e consumo), dando atenção especial ao manejo sustentável, além de opções viáveis de comercialização, são ações que precisam ser priorizadas. Como a região representa um centro de produção de intensas relações de compra e venda, uma melhor gestão, maior apoio organizacional e um rigoroso controle fitossanitário são necessários. Atrelado, destaca-se maior capacitação técnica e assistência aos produtores por meio de oficinas, cursos, palestras, feiras e abertura de programas de crédito, como forma de contribuir para uma melhor formação e profissionalismo.
BIBLIOGRAFIA ALBAGLI, S. e BRITO, J. Arranjos Produtivos Locais: Uma nova estratégia de ação para o SEBRAE - Glossário de Arranjos Produtivos Locais. RedeSist, 2002. www.ie.ufrj.br/redesist. CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. & SZAPIRO, M. Arranjos e Sistemas Produtivos Locais e Proposições de Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico. Rio de Janeiro: UFRJ/IE, 2000. (Nota técnica, 27/2000). LASTRES, H.M.M.; ALBAGLI, S.; MACIEL, M.L.; LEGEY, L.; LEMOS, C.R.; SZAPIRO, M.;CASSIOLATO, J.E. Interagir para competir: promoção de arranjos produtivos e T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
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inovativos no Brasil. Brasília: SEBRAE: FINEP: CNPq, 2002. MCT. Plataformas tecnológicas para a Amazônia Legal. Brasília. 2001. REDESIST. Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. www.ie.ufrj. br/redesist/. SUZIGAN, W., Furtado, J., Garcia, R., Sampaio, S. Sistemas Locais de Produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. XXXI Encontro Nacional de Economia da ANPEC. Porto Seguro, 10-12 de dezembro de 2003.
Marconde Carvalho de Noronha é economista com mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas, pós-graduado em Gestão Estratégica e Qualidade pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Atualmente é diretor de Desenvolvimento Regional da Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento Econômico (SEPLAN), professor da Faculdade FUCAPI e da Universidade Paulista. Também é autor de livros didáticos sobre a geografia do Amazonas.
Foto: Google Imagens
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Artigo
OPORTUNIDADES PARA A INOVAÇÃO E APROVEITAMENTO DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA EM BASES SUSTENTÁVEIS Fabiana dos Santos e Souza Frickmann Alexandre Guimarães Vasconcellos
Resumo O mercado mundial de bioprodutos vegetais amazônicos está em expansão, representando um segmento atrativo de investimentos para o Brasil, que como uma das três maiores economias da América Latina, tem desenvolvido arranjos políticos, econômicos e ambientais para a exploração sustentável deste potencial. O artigo aborda a estrutura deste mercado, as políticas de sustentabilidade ambiental, os métodos de agregação de valor e algumas estratégias adotadas para a resolução dos entraves existentes, fomentando o debate sobre como a inovação biotecnológica pode servir de eixo para o desenvolvimento sustentável da região.
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Conservação e exploração sustentável da biodiversidade: problema ou solução? Essa discussão começou formalmente durante o ‘communiqué’ final da Conferência Econômica do G-7, em 1990, onde a redução do desmatamento amazônico foi considerada como objetivo ambiental global prioritário (Reis & Margulis, 1990) e foram concedidos empréstimos do Banco Mundial e dos governos da Alemanha Ocidental, Itália e Inglaterra para apoiar as políticas ambientais brasileiras. O PPG7 investiu cerca de U$340 milhões para o planejamento das áreas de uso, extrativismo, reservas indígenas, corredores ecológicos e infraestrutura para os governos locais (Laurence et. al., 2001). A realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (Eco/92) resultou, entre outros instrumentos, na Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. A CDB tem três princípios a serem adotados pelos países signatários: (1) promover a T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
Oportunidades para a inovação e aproveitamento da biodiversidade Amazônica em bases sustentáveis
conservação da biodiversidade, (2) fomentar o uso sustentável dos seus componentes e (3) assegurar a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos. Existe também o artigo 8j, que versa sobre o conhecimento tradicional e diz que cada país deve: “... respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas”. Desde então existe uma série de Programas de Proteção a Biodiversidade Amazônica, como os seguintes: Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), Programa de Proteção da Amazônia (SIPAM), Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), Plano Amazônia Sustentável (PAS), Zoneamento Ecológico-Econômico na Fronteira (ZEE), Projeto Nacional de Ações Integradas Público-Privadas para a Biodiversidade (PROBIO), Programa Zona Franca Verde, Programa Bolsa Floresta, entre outros. Defender e preservar este bem nacional para as presentes e futuras gerações, além de um dever constitucional, é essencial à sadia qualidade de vida de todos. Cabe destacar aqui que os benefícios oriundos da existência da biodiversidade estão muito longe de serem precisamente dimensionados e valorados. Estudos como o de Young et. al. (2007) indicam que os benefícios financeiros gerados pela preservação podem ser maiores do que os gerados pelo desmatamento. Neste sentido, como destacado na Proposta Preliminar do ZEE da Amazônia Brasileira/ 2010, é imprescindível que as estratégias de conservação estejam alinhadas com a melhoria da qualidade de vida do homem que vive na região. Modelos de “não uso” que visam os
benefícios futuros da conservação em termos globais, mas que, no plano local, representam unicamente a restrição das opções de desenvolvimento, não interessam ao Brasil. A cadeia exploratória dos recursos não-madeireiros Amazônicos A região Amazônica tem norteado um novo sistema de exploração racional e sustentável dos recursos da biodiversidade, sob forte governabilidade local. Assim, os mercados da biodiversidade amazônica estão sendo organizados de forma inclusiva e participativa, para que seus atores possam se ajustar às exigências técnicas e legais necessárias ao desenvolvimento do plano nacional. A base das cadeias produtivas da maioria dos bioprodutos se inicia nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Reservas de Extrativismo Sustentável (Resex), Florestas Nacionais (Flonas), Terras Indígenas e Unidades de Reforma Agrária Sustentável. O desenvolvimento deste mercado, em bases sustentáveis, com apoio científico e tecnológico induz a inclusão social das populações amazônicas, valorizando seus conhecimentos e inserindo a população num ciclo de atividade econômica tradicionalmente praticada, com aperfeiçoamentos tecnológicos capazes de agregar valor aos bioprodutos. As pesquisas científicas associadas apoiam estratégias de sustentabilidade social e ambiental, garantindo a conservação desses sistemas. Um exemplo destes desdobramentos são os projetos apoiados por editais da FAPEAM no Amazonas como: o PIPT¹, o Programa de Ciência Tecnologia para o Amazonas Verde (Ação: Edital Temático) e o edital PPOPE². Estes realizaram pesquisas em conjunto com populações tradicionais na comunidade de Silves/AM, onde foram realizados inventários florestais, desenvolvidos protocolos de propagação in vitro de andiroba e construídos viveiros de mudas de copaíba, preciosa e andiroba. Questões complementares foram analisadas para a melhoria da qualidade de vida
¹ Programa Integrado de Pesquisa e Inovação Tecnológica. ² Programa Amazonas de Apoio a Pesquisa em Políticas Públicas em áreas Estratégicas.
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Oportunidades para a inovação e aproveitamento da biodiversidade Amazônica em bases sustentáveis
das populações tradicionais, como a demarcação territorial, o resgate cultural e linguístico e o manejo da matéria-prima. No Assentamento Rural Cristo Rei do Uatumã, grupos de pesquisas do INPA e da UFAM ofereceram cursos de manejo, construíram viveiros florestais de pau-rosa, andiroba, copaíba e amapá, analisaram as técnicas de manejo tradicional do cipó saracura-mirá utilizado como antimalárico e inventariaram os recursos com potencial para a exploração não-madeireira (Amazonas/ Fapeam, 2006). Neste artigo realizamos uma pesquisa bibliográfica em fontes como: Miguel (2007), Enriquez (2009), Costa (2009), fontes digitais como o site da Anvisa, das certificadoras, das FAPs da região, das secretarias de governo dos estados amazônicos, entre outros. Desta forma encontramos 132 estabelecimentos regionais amazônicos relacionados à produção e/ou comércio de produtos da
biodiversidade vegetal amazônica, conforme a Figura 01. Estes estabelecimentos são associações, cooperativas, empresas (na maioria pequena e média), organizações indígenas, pastorais da saúde, fundações e ONGs, como: a Associação dos Produtores Agroextrativistas da Colônia da Sardinha (ASPACS)/AM, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA)/PA, a Bioervas – Amazonphitos/AP, a Associação Ashaninka do Rio Amônea/AC, a Associação Vida Verde da Amazônia (AVIVE)/AM, a pastoral da Saúde Dona Paulina e a Fundação Luiz Décourt. Como pode ser visualizado na Figura 01, estes estabelecimentos estão adensados no Pará e no Amazonas, medianamente adensados no Acre, Amapá, Maranhão e Mato Grosso, com poucos pontos nos demais estados. A maioria dos bioprodutos atualmente comercializados na Amazônia brasileira possui baixa densidade tecnológica como frutos em natura, ou
Figura 01 - Mapa da Amazônia brasileira contendo os estabelecimentos encontrados nesta pesquisa que produzem e/ou comercializam os bioprodutos. Foto: Próprio autor.
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Oportunidades para a inovação e aproveitamento da biodiversidade Amazônica em bases sustentáveis
apenas secos e descascados, óleo vegetal (sem purificação). Produtos com um nível médio de pré-processamento são secos, moídos, triturados, ou transformados em polpas, extratos ou óleos vegetais e/ou essenciais, algumas vezes purificados. Outros são transformados diretamente em produtos como sabonetes e shampoos. Poucos conseguem se transformar num produto acabado com todos os registros necessários para a sua livre comercialização nos mercados nacional e internacional. As dificuldades dos produtores/comerciantes são tantas para escoar a produção que às vezes necessitam negociar com os históricos atravessadores existentes até hoje na Amazônia. Segundo Diniz (2003), no caso da castanha da Amazônia no Amapá, os atravessadores são agentes interme-diários da cadeia produtiva que durante muitos anos foram os únicos a garantir o escoamento da produção extrativista dos castanheiros até os empresários exportadores. Por isso se verifica a preferência dos extrativistas pela comercialização com esses agentes, que também oferecem ‘facilidades’ como o adiantamento necessário à coleta e são menos exigentes quanto aos critérios de qualidade. A Tabela 01, na página seguinte, é resultado da nossa pesquisa sobre os recursos vegetais produzidos localmente que são utilizados nos bioprodutos amazônicos. Encontramos 60 recursos vegetais, cabendo destacar aqui que vários destes poderiam ser muito mais utilizados caso houvesse disponibilidade permanente da matéria-prima para
das Indústrias de Frutas e Derivados do Estado do Pará (SINDUFRUTAS) citado por Miguel (2007), existem 80 empresas ligadas à indústria de processamento de polpas de frutas no estado, das quais 30 trabalham com exportação. As cadeias produtivas da maior parte destes recursos ainda estão se organizando, com apoio do governo Federal, principalmente do Ministério do Meio Ambiente - MMA e do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior – MDIC. Estes se articulam com os governos estaduais amazônicos, como as Secretarias Estaduais, e desenvolvem programas que apóiam tanto o desenvolvimento de cadeias produtivas para o desenvolvimento local, como os arranjos produtivos locais – APLS. Com a organização destas cadeias é possível identificar os atores que estão na base da produção extrativista organizados em associações, cooperativas e organizações tradicionais/locais que obtém os recursos vegetais diretamente da natureza. Poucas cultivam, colhem, limpam, secam, classificam, armazenam e embalam os recursos vegetais para que sejam comercializados. Normalmente as cadeias possuem muitos intermediários para o escoamento da produção, o que diminui o lucro do produtor. Diversos projetos financiados pelo Programa de Agricultura Familiar/MCT e BASA viabilizaram a aquisição de usinas para o beneficiamento da castanha-da-Amazônia em cooperativas que estão presentes na Figura 01. Tal iniciativa
a fabricação dos bioprodutos. Mesmo com baixa tecnologia agregada, os bioprodutos amazônicos são exportados, principalmente como commodities. O próprio marketing do referencial natural da Amazônia é fator de agregação de valor. Recursos Vegetais presentes na Tabela 01, como: amapá-doce, andiroba, ayahuasca, castanha, copaíba, cunaniol, cupuaçu, curare, espinheira-santa, jaborandi, jambu, piquiá, sangue-de-drago, tipir, unha-de-gato constituem matérias-primas necessárias nas linhas de produção das 152 patentes de recursos vegetais amazônicos solicitadas por países desenvolvidos e listadas por Homma (2008). Segundo o Sindicato
diminui o número de intermediários e aumenta o lucro do produtor. Para Lasmar (2005) é importante também a indução do “preço justo” dentro de um sistema de Mercado de produtos de origem Natural&Amazônica. A prioridade do Mercado Justo é um comércio que combine o social com o econômico, facilitando a colocação desses produtos certificados nos mercados dos países desenvolvidos, com o menor envolvimento de intermediários e proporcionando o maior retorno econômico para os seus produtores. Dentre os recursos vegetais listados na Tabela 01, exemplo de produto comercializado via “Mercado Justo” é
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o guaraná dos Sateré-Mawé da área indígena do Andirá-Maraú, no município de Parintins-AM. O guaraná dessa comunidade é comercializado hoje para diversos países tais como Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália e Suíça pela empresa Agrorisa. Tabela 01 - Recursos vegetais utilizados nos bioprodutos amazônicos:
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N 1
Nome Popular Açaí
2
Amapá
3
Andiroba
4
Ayahuasca
5
Babosa
6
Bacaba
7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36
Babaçu Bacuri Buriti Cacau Camu-Camu Capim Santo Carapanaúba Castanha-da-Amazônia Catinga-de-mulata Catuama Chichuá Cipó-Tuira Copaíba Corama Crajirú Cubiu Cumaru Cunaniol Cupuaçu Curare Espinheira-Santa Guaraná Jaborandi Jambu Jatobá ou Jutaí Jenipapo Jucá Mamona Mangarataia Maracujá
Nome Científico Euterpe precatória Mart Parahancornia amapa (Huber) Ducke e Brosimum parinarioides Ducke Carapa guianensis Aublet, Carapa procera Aublet Banisteriopsis caapi Aloe spp. Oenocarpus bacaba Attalea speciosa Platonia spp. Mauritia flexuosa L. Theobroma cação Myrciara dúbia Cympobogom citrates Aspidoperma spp. Bertholletia excels Tanacetum vulgare Erythroxylum spp. Maytenus guianensis Klot Mendoncia spp. Copaífera oficinales, Copaifera multijuga Hayane Korlanchoe brasiliensis Arrabidaea chica Verl. Solanum sessiliflorum Dipteryx odorata Clibatium sylvestre Theobroma grandifolium (Wild. Ex. Spreng) Schum. Chondrodendron spp. e Strychnos spp. Maytenus ilicifolia Paullinia cupana Pilocarpus jaborandi Holmes Spilanthes spp. Hymenaea courbaril Genipa americana L Caesalpinia ferrea Mart Ricinus communis Zinziber officinale Passiflora edulis F. flavicarpa
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Muirapuama
38
Muiraruira
39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60
Mulateiro Murumuru Ouricuri Patauá Pau-Rosa Pedra-hume-caá Piquiá Pequi Preciosa Priprioca Pupunha Puxuri Sacaca Sangue-de-drago Saracura-mirá Seringa Soja Tipir ou biribiri Tucumã Unha-de-gato Urucum Virola
Ptychopetalum olacoides Benth Apuleia molaris Capirona decorticans (Benth) Hook F. ex. Schum., Astrocaryum murumuru Syagrus spp. Oenocarpus bataua Aniba rosaeodora Ducke Myrcia citrifolia (Aubl.) Pers. Caryocar villosum (Aubl.) Pers. Caryocar brasiliense Camb. Aniba canelilla Mez Cyperus articulatus L Bactris gasipaes Licaria puchury major (Mart) Croton cajucara Croton lechleri Ampelozizyphus amazonicus Ducke Hevea brasiliensis (Willd. ex Adr. Juss) M. Arg. Couma macrocarpa Barb. Rodr. Octotea radioei Astrocaryum aculeatum G.F.W. Meyer Uncaria tomentosa (Wild) DC Bixa Orellana Virola spp.
Fonte: Próprio autor.
Como convergir a inovação e as expectativas de conservação para a exploração sustentável da Amazônia? O Brasil possui condições estratégicas para participar de maneira mais efetiva no mercado de inovações farmacêuticas e obter posição de destaque mundial no aproveitamento do conhecimento associado à biodiversidade nacional, uma vez que partilha, juntamente com os Estados Unidos, a China e a Índia, uma posição privilegiada, por possuir simultaneamente alta produção científica na área, mercado farmacêutico expressivo e grandiosa biodiversidade. Na busca em inibir a simples transferência de produtos e insumos locais de baixo valor agregado a outras partes do Brasil e do mundo é necessário o incremento científico e tecnológico para agregar valor e garantir maior qualidade final aos produtos.
Diversos instrumentos de proteção intelectual, como patentes, marcas e indicações geográficas podem e devem ser empregados para proteger as criações desenvolvidas na região da exploração de terceiros, valorizando estes bioprodutos e gerando novas oportunidades de mercado em âmbitos regional, nacional e internacional. Além disso, os detentores de tal proteção podem ter maior facilidade para obter financiamento³ para a industrialização dos produtos, aumentando a perspectiva de sucesso da comercialização. Os bioprodutos amazônicos, com maior densidade tecnológica, como os fitomedicamentos, fitocosméticos, nutracênicos, extratos preparados, microemulsões, ativos vegetais isolados e outras invenções biotecnológicas também são produzidos na Amazônia brasileira. As principais empresas nacionais mapeadas na Figura 01, capazes de acessar alguns desses nichos de mercado são as
³ Empréstimos bancários (BNDES, BASA,...), investimentos não reembolsáveis (FINEP, CNPq, CAPES, FAPS), joint venture.
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empresas paulistas Natura em Benevides/PA e a Beraca Sabará em Ananindéua/PA. Para a colocação destes bioprodutos no mercado é prioritário o cumprimento das normas impostas a sua comercialização, com o concomitante registro no órgão nacional competente, em muitos casos a Anvisa. Empresas como O Boticário, Natura, Beraca Sabará, Fluídos da Amazônia, Magia dos Aromas, Juruá, Crodamazon, Farmaervas, Valmari e Cognis exportam estes bioprodutos vegetais. Atualmente existem mercados para os bioprodutos Amazônicos em todos os continentes.
Políticas Públicas e o desenvolvimento da Inovação Verde Amazônica Nesta década a Amazônia brasileira tem desenvolvido ferramentas de governança em CT&I, capazes de transferir os benefícios da pesquisa para a sociedade e diminuir os desequilíbrios regionais (Oliveira & Ramos, 2008). As Fundações de Amparo á Pesquisa – FAPs representam ferramentas fundamentais para o financiamento da inovação na Amazônia brasileira. Segundo Filocreão a ausência das FAPs aprisiona os núcleos de pesquisa dos estados da região Norte Brasileira num ciclo vicioso em que não se constrói massa crítica de competência técnico-científica porque faltam recursos e faltam recursos pela ausência dessa massa crítica (Jornal da Ciência, 2009). No Amazonas, a FAPEAM investiu na ordem de R$159 milhões em CT&I, no intervalo entre 2003 e 2008 (GEOF/FAPEAM). Atualmente é a principal fonte da região Norte de investimentos públicos não reembolsáveis à pesquisa científica e tecnológica em áreas caracterizadas pelo Plano de Ação 2007-2010/MCT como “portadoras de futuro”. O Edital PAPPE/FINEP/FAPEAM investiu R$ 6 milhões nas micros e pequenas empresas regionais para o desenvolvimento de bioprodutos como: castanha-do-Brasil, fitoterápicos, fitocosméticos, fécula e farinha de mandioca, polpas, extratos e concentrados de frutas regionais; produtos e serviços ambientais (Amazonas Ciência, 2007).
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Além das FAPs, outros atores regionais estão surgindo para a resolução do impasse sobre como fazer convergir a conservação e a inovação na Amazônia, optando pelo entendimento dos diversos aspectos da questão, unindo as diferentes vertentes em forma de Rede de Articulação. Estas redes envolvem secretarias estaduais, organizações, fundações, representantes de populações tradicionais, instituições federais sediadas na região, universidades, centro de pesquisas, empresas, cooperativas, associações e organizações não governamentais. Juntos estes formadores de opiniões são capazes de entender as diferentes lógicas que integram o sistema de inovação amazônica, possibilitando a busca de soluções conjuntas e compatíveis aos diversos interesses, encerrando a desconfiança e estimulando a parceria. Como exemplo, podemos mencionar: (1) a recém-criada Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte), a (2) RedeBio, e a (3) Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimentos Tradicionais (RNPIBCT). A RNPIBCT é sem fins lucrativos e mobiliza esforços para a capacitação de profissionais locais em propriedade intelectual e industrial, com apoio do INPI. A Rede estuda e busca soluções para temas emblemáticos de impacto amazônico, como por exemplo, o uso dos instrumentos de propriedade intelectual pelos atores regionais, adequação à MP 2186-16, o registro da marca Cupuaçu no Japão, as consultas públicas do CGen sobre repartição de benefícios, o registro de patrimônio imaterial, a proteção do conhecimento tradicional, a CDB, o TRIPs, entre outros. A prioridade destas iniciativas deve ser o desenvolvimento de um ambiente inovador no mercado verde amazônico. Para que tenha êxito, este processo deve estar associado à criação de uma indústria local competitiva, uma vez que, a Amazônia atual não é apenas fonte de recursos vegetais do tipo commodities, mas também, o lócus de conhecimentos tradicionais, importantes pesquisas científicas e inovações biotecnológicas. Estes aspectos da região têm atraído bioindústrias com maior densidade tecnológica, fundamentais T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
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para o melhor aproveitamento dos recursos vegetais amazônicos. Além disso, o estímulo a essas cadeias produtivas pode inibir atividades ilegais predatórias, com o aumento da oferta de empregos e dos impostos arrecadados pela instalação destas indústrias na região. A atração deste tipo de empresa é imprescindível para o desenvolvimento do mercado de bioprodutos amazônicos e requer arranjos políticos eficientes que valorizem as vocações regionais naturalmente estabelecidas.
Conclusão A visão do “El Dorado”, da fronteira amazônica sem limites, onde imensas riquezas permanecem inexploradas, é reutilizada no século XXI. Com a ampliação das fronteiras de apropriação, incluem-se agora, além dos bens tangíveis, os bens intangíveis advindos da floresta. Sendo assim, há a necessidade de redirecionamento da ocupação amazônica para a sua efetiva proteção. Os planos de ocupação física do território serão de pouca valia se não estiverem associados a estratégias de ocupação intelectual. É ilusório pensar que as pesquisas internacionais e o desenvolvimento de inovações com base em recursos biológicos amazônicos irão parar enquanto o Brasil discute suas leis, políticas e regulamentações. Na prática é importante que existam mecanismos facilitadores para promover parcerias entre a empresa, a pesquisa de cunho científico e tecnológico e as populações locais. Estas parcerias, quando realizadas de forma transparente e eficiente podem promover o crescimento dos setores envolvidos na cadeia dos bioprodutos amazônicos e trazer benefícios ao desenvolvimento social e nacional. Deste modo, o país e a Amazônia poderão ascender em setores biotecnológicos que utilizam como matriz a biodiversidade amazônica. O importante é que agora, o Brasil do século XXI reconhece os problemas das desigualdades regionais. Por isso deve ser cada vez mais ampliado o acesso das instituições amazônicas nos processos decisórios. Parcerias entre os atores das cadeias produtivas de bioprodutos devem ser T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
buscadas, financiadas e apoiadas. Estas ações deverão permitir o estabelecimento de articulações importantes, com governança e sinergia nacional, conciliando as políticas ambientais e a inovação biotecnológica em prol do desenvolvimento amazônico sustentável.
Bibliografia AMAZONAS CIÊNCIA/FAPEAM. Out. Ano III. Nº. 6. Manaus/AM. P.6-27, 2007. AMAZONAS/FAPEAM. Catálogo PIPT e TEMÁTICO.166p. 2006; COSTA, W. M. A utilização dos recursos florestais não-madeireiros. CGEE. 2009. DINIZ, J.D.A.S. Estudo exploratório da cadeia produtiva da castanha-da-amazônia no Amapá, Relatório de estudo preparatório para o doutorado, Macapá. 2003. ENRÍQUEZ, G. Desafios da sustentabilidade da Amazônia: Biodiversidade, cadeias produtivas e comunidades extrativistas integradas. Tese de Doutorado. UNB. 460 p. 2008. ENRÍQUEZ, G. Rede de Inovação de Dermocosméticos: Sub-rede de dermocosméticos na Amazônia a partir do uso sustentável de sua biodiversidade com enfoques para as cadeias produtivas da castanha-do-pará e dos óleos de andiroba e copaíba. Parcerias Estratégicas, V. 14, N. 28, 2009. HOMMA, A. K. O. Extrativismo, Biodiversidade e Biopirataria na Amazônia. Texto para Discussão 27. Embrapa. Brasília, DF. 101p. 2008. JORNAL DA CIÊNCIA. Estados buscam amparo para pesquisa científica e tecnológica. SBPC. ANO XXIII, N. 641 RJ, 3 de abril ISSN 1414-655X. 2009. LASMAR. D. J. Valorização da Biodiversidade: capacitação e inovação, tecnologia na fitoindústria do Amazonas. Tese de doutorado. UFRJ-Coppe. 228p. 2005.
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Fabiana dos Santos e Souza Frickmann é doutoranda em Biotecnologia Vegetal da UFRJ., M.Sc. em Ecologia de Florestas Tropicais - INPA (2002). Membro da Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional, e bolsista RHPOSGRAD da FAPEAM. fasect@yahoo.com.br Alexandre Guimarães Vasconcellos é orientador da Fabiana, pesquisador em Propriedade Industrial do INPI e professor da Academia de Propriedade Intelectual e Inovação do INPI. alexguim73@gmail.com
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Artigo
Substituição da geração a diesel por geração a biomassa no município de Canutama - Amazonas Geraldo Vasconcelos Arruda Neto Manuel Cesar Santos Filho
RESUMO Projetar uma central a vapor em um ciclo Rankine fechado, para geração de energia utilizando como combustível resíduos madeireiros, de madeireira que trabalhe com manejo florestal, visando a sustentabilidade do projeto, reduzindo ao máximo os impactos ambientais.
subsidia o investimento inicial de projetos, em que se substitua geração de energia a diesel por fontes renováveis de energia. No município de Canutama existem serrarias que produzem resíduos de madeira, que podem ser aproveitados como combustíveis para geração de energia elétrica.
INTRODUÇÃO Atualmente a geração de energia elétrica no município de Canutama é feita através da queima do óleo diesel por motores de combustão interna, o que tem como consequência um alto custo para operacionalização da usina e impactos ambientais agressivos ao meio ambiente. Este trabalho visa à substituição da geração a diesel por geração a biomassa, utilizando uma central a vapor em um ciclo Rankine fechado, projetada a partir da análise da curva de carga do atual alimentador, visto no Gráfico 01, que supre o município de Canutama. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
Gráfico 01 - Curva de Carga do Alimentador. Fonte: Próprio autor.
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Substituição da geração a diesel por geração a biomassa no município de Canutama - Amazonas
MATERIAL Configuração da Planta 1. Caldeira com produção nominal 3.100 kg/h e pressão de 21 atm temperatura de vapor de saída de 217ºC; 2. Turbina de contrapressão com entrada de vapor a 21 atm e saída à pressão de 1 atm, temperatura de entrada do vapor 216ºC, rotação 7.000 rpm; 3. Redutor de velocidade, entrada 7.000 rpm e saída para 1.800 rpm; 4. Gerador elétrico 800 kW/380, V/1800, rpm/f=60, HZ/COS =0,80. Alternador síncrono trifásico, tipo industrial, sistema de excitação BRUSHELSS (sem escovas), regulador eletrônico de tensão; 5. Transformador elevador (380 V/13,8 kV), potência aparente N=1.000 kVA; 6. Condensador com capacidade para condensar 3.108 kg de vapor a uma pressão de 1 atm, entalpia de vaporização=2,3 MJ/kg, e temperatura de 80º C. O calor a ser removido no condensador, admitindo que a temperatura do condensador seja de 80º C. Q=3108.2300+3108.4,18(100-80) Q=7,41 7. Projeto do tanque condensador T.Q.(Tanque de Condensador)=1,5.3108 T.Q.=5000 litros
MÉTODOS A usina termoelétrica de Canutama deve ser substituída por uma central a vapor em um ciclo Rankine fechado, utilizando como combustível resíduos madeireiros. Com a geração de energia elétrica, proposta no esquema da Figura 01, a partir de fontes renováveis de energia, podem-se adquirir os créditos de carbono por meio de projetos referentes ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o que será uma fonte de receita para a concessionária. Cálculo do Fator de Carga: Dmédia = 453,63 Kw Dmáxima= 620 kW F.C.(Fator de Carga) = Dmédia Dmáxima F.C.= 453,63kW 620 kW F.C.= 0,73 A potência instalada será de30% da Dmáxima: Pinstalada= Dmáxima+30% Dmáxima Pinstalada= 620 kW +186 kW = 800 kW F.D. (Fator de Demanda) = Dmáxima Pinstalada F.D. = 620 kW → F.D. = 0,775 800 kW F.D. = 77,5%. Cálculo da quantidade de combustível necessária para atender a demanda de potência da carga: O rendimento de uma central Rankine é de aproximadamente 20%.
Figura 01 - Esquema resumido do Sistema de Geração. Fonte: Próprio autor.
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Substituição da geração a diesel por geração a biomassa no município de Canutama - Amazonas
, para reP.C.I. (Poder Calorífico Inferior) = 13 síduos madeireiros. A umidade tem que ser menor ou igual a 30%.
A quantidade de biomassa é de 1.110 umidade média de 30%, então:
a uma
Biomassa = 1110.0,70 = 777 C.E. (Consumo Específico) =
m Pplanta
C.E. =
C.E. = 0,97 A produção de vapor será obtida por: 1 777 A potência instalada de 800 kW será utilizada no ciclo Rankine, com a configuração proposta na Figura 02: Caldeiras mais turbina a vapor.
de biomassa = 4
de vapor
de biomassa = 3.108
de vapor
A caldeira produz vapor a 21 atm e temperatura do vapor de saída de 217 graus Celsius.
Figura 02 - Esquema da Central a Vapor em um Ciclo Rankine Fechado. Fonte: Próprio autor.
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Substituição da geração a diesel por geração a biomassa no município de Canutama - Amazonas
Assim, podemos determinar:
termoelétrica a diesel por uma usina termoelétrica a biomassa:
3.100 de vapor = 775 de biomassa Análise das Cargas Parasitas: - Caldeira: 50 CV (36,77 kW) - Condensador: 20 CV (14,71 kW) - Total das cargas parasitas: 70 CV (51,48 kW), representando 6,4% da potência disponibilizada para a produção: 748,52 kW.
RESULTADOS Análise da Economia Concessionária em Função Diesel por Biomassa: A energia gerada em um MWh: C.E. (Consumo Específico) =
em Reais pela da Substituição do 1 (um) dia é 10,89
1 → para a usina kWh a diesel. 1 Considerando um C.E.=0,300 para ser subkWh sidiado pela Conta de Consumo de Combustíveis
fósseis - CCC. 0,300
Consumo 1 = kWh 10,89MWh
→ Consumo (1dia) =
3.267 litros de diesel. consumo (30 dias) = 3267.30 consumo (30 dias) = 98.010 litros de Diesel. considerando 1 litro de diesel, R$2,00 economia (por mês) = R$ 2.980,10 economia (por mês) = R$ 196.020,00 emissões evitadas de gases de efeito estufa. Pelo Protocolo de Quioto as emissões de gases provenientes de biomassa não são contabilizadas como contribuição aos gases de efeito estufa, já que o carbono emitido foi fixado nas plantas durante o processo de fotossíntese. A substituição de combustível fóssil por biomassa em termoelétricas reduz as emissões dos gases de efeito estufa. Cada kWh gerado por uma usina termoelétrica a biomassa deixa de contabilizar cerca de 1,02 kg de CO2, para efeito do Protocolo de Quioto. A seguir o cálculo total de redução de gases de efeito estufa, devido à substituição da usina
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emissões evitadas (1 dia) =
10,89MWh.1,02kgdeCO2 1kWh
emissões evitadas (1dia) = 11,11 ton de CO2 emissões evitadas (1dia) = 333,3 ton de CO2 Com base nas emissões evitadas, pode-se propor um projeto de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para venda destes créditos, e com isso se ter uma fonte de receita para a concessionária. Investimento da Central a Vapor: Os ciclos a vapor, por serem uma tecnologia mais tradicional, possuem seus preços bem definidos por fabricantes que garantem o desempenho e a assistência técnica de seus equipamentos. O custo de implantação de uma central a vapor é da ordem de R$ 2.800/kW, logo o investimento inicial de central é de: custo inicial da central = 800 kW.2800 custo inicial da central = R$ 2.240.000,00 - este custo sem subsídio da ANEEL. Considerando o subsídio da ANEEL de 80% do investimento inicial, tem-se custo inicial da central por R$ 448.000,00. Custo de O&M: O valor de referência para operação e manutenção desse tipo de central é em torno de R$ 150/kW.
DISCUSSÃO O potencial energético como biomassa, como fonte é imensurável, quando pensada em forma cíclica para a disponibilidade de combustível para recurso energético, podendo facilmente ser direcionada a formas de processamento a partir do estágio disponível, principalmente como subproduto da cadeia madeireira. No entanto, o país direcionou a asseguração do abastecimento energético através do potencial hidráulico e térmico, a partir do uso do diesel, desprezando o enorme potencial desta forma energética, que possibilita a geração distribuída, com uso do aproveitamento de processamento de madeira, totalmente disponível no local T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
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da geração, garantindo o abastecimento da usina, com a vantagem de não ter o manuseio de material contaminante e inflamável, como ocorre para suprir usinas térmicas à diesel, com custos operacionais elevados, devido à sazonalidade da região e logísticas de transporte. Portanto, devem ser considerados novos investimentos para geração de energia, tendo como fonte o potencial energético local, bastante abundante na região amazônica. O recurso disponibilizado pela sub-rogação da Conta de Consumo Energético (CCC) permite o investimento em empreendimentos que tenham melhor inserção ambiental, considerados sustentáveis, e o impulso que o empreendimento permite para que o Brasil insira em sua matriz energética fontes cada vez mais limpas, vindo a se tornar uma referência mundial em aproveitamentos energéticos sustentáveis. CONCLUSÃO Com a substituição do diesel pela biomassa, na geração de energia elétrica, a biomassa destaca-se pela alta densidade energética e pelas facilidades de armazenamento, conversão e transporte. Outra vantagem é a semelhança entre motores e sistemas de conversão de energia que utilizam combustíveis fósseis. A substituição de combustíveis fósseis por biomassa não provoca grandes impactos na indústria de produção de equipamentos, nem nas bases instaladas de transportes e produção de energia elétrica, o que facilita a viabilidade técnica do projeto. Quando substituído o diesel pela biomassa, na geração de energia elétrica, a concessionária deixará de ter custos operacionais consideráveis no que se refere à compra e ao transporte de óleo diesel. Com a não emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, a concessionária poderá vender os créditos de carbono no mercado internacional, criando uma fonte de receita para a empresa, além de se tornar uma empresa referência por estar ampliando as alternativas energéticas, e agredindo de forma menos intensa o meio ambiente.
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Geraldo Vasconcelos Arruda Neto é engenheiro eletricista e especialista. Atua na Eletrobras Amazonas Energia. geraldo.neto@eletronorte.gov.br Manuel Cesar Santos Filho é engenheiro eletricista e especialista. Atua na Eletrobras Amazonas Energia. manuel.filho@eletronorte.gov.br
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CONSERVA DE PESCADO: UMA GRANDE OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO NA AMAZÔNIA Artigo
Renilto Frota Corrêa Jaqueline de Araújo Bezerra Maurício Elísio Martins Loureiro
RESUMO De acordo com Albert Einstein, devemos buscar soluções simples para problemas complexos. Tal afirmativa sintetiza a forma que devemos encarar os desafios amazônicos, como oportunidades de negócios a partir de resultados satisfatórios, comprometidos com a sustentabilidade regional. Os principais fatores que favorecem a produção de peixes na Amazônia são clima favorável, recursos hídricos, ocorrência de vales interiores, existência de espécies nobres com excelente desempenho quando cultivada, além de ser uma atividade sustentável que preserva a biodiversidade vegetal. O desenvolvimento da técnica de conservação de peixes de água doce para a região Amazônica mitigará o desperdício de peixe existente, bem como a economia de energia no processo produtivo e armazenagem, de forma a agregar valor à cadeia de produção da economia local, beneficiar a comunidade amazonense e o país.
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INTRODUÇÃO - BIOEcONoMIA A Amazônia com sua vasta biodiversidade apresenta potencialidades incríveis, pela dimensão de sua bacia hidrográfica com aproximadamente 7.050.000 Km2 constituída de 1/5 da água doce do mundo. A estimativa para existência de 6 mil espécies de peixes de água doce, das quais 2.500 já foram catalogadas e representam aproximadamente 30% dos peixes de águas doces existentes em todo o mundo. Tais fatos oportunizam negócios nas mais diversas formas. Segundo dados da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), o mercado pesqueiro mundial movimenta US$ 92 bilhões e responde por 16% da oferta mundial de proteína animal, além de ser duas vezes maior do que o complexo da soja e apresentar a melhor taxa de conversão alimentar quando comparada aos bovinos, suínos e aves. No Brasil a estatística de produção atinge 75% dos peixes de água doce, comparativamente ao equivalente a todas as espécies encontraT&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
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das nos rios Mississipi (EUA) e Congo (África). Paradoxalmente, a Amazônia possui inúmeros problemas, que denominaremos de grandes desafios amazônicos, os quais passam por vários níveis de classificação desde a questão logística à cultural. A Amazônia produz cerca de 200 mil toneladas de pescado ao ano, responsável por aproximadamente 20% do total nacional. A renda anual bruta com a atividade gira em torno de R$ 470 milhões. No entanto, esses números podem aumentar de maneira significativa se houver investimentos em melhoria da frota, infraestrutura de beneficiamento, armazenamento e incentivo ao mercado consumidor. A média do consumo de pescado brasileiro é de 6,8 kg/habitantes/ano. Na Amazônia consome-se cerca de 50 kg/habitantes/ano. No Baixo Amazonas cada pessoa consome, em média, 134,7 quilos por ano; no Baixo Solimões, 178,9 a 219,0 quilos; e no Alto Solimões, de 182,5 a 292,0 quilos, constituindo principal fonte de proteínas para as populações residentes. Estimativas indicam que o potencial pesqueiro da região gira entre 270 e 920 mil toneladas ao ano. Os negócios no setor podem gerar cerca de 600 mil empregos diretos e indiretos (72% dos quais no âmbito da pesca de sobrevivência), além de uma renda de US$ 200 milhões anuais.
PERSPECTIVAS O relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) revelou que, em breve, a criação de peixes em cativeiro será responsável por metade de todos os peixes consumidos no mundo, ainda que o crescimento dessa atividade econômica esteja em processo de desaceleração. As observações da FAO, por meio de relatórios, deixam claro que a Amazônia tem grandes oportunidades de negócios a serem explorados, utilizando-se a criação em cativeiro. O desafio é dominar a técnica e aplicar os melhores processos tecnológicos que estão à disposição.
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No Amazonas e no Pará existem experiências bem-sucedidas de cultivo das espécies tambaqui (Colossoma macropomum), a terceira espécie mais cultivada no Brasil; o matrinxã (Brycon amazonicus); e o pirarucu (Arapaima gigas). As perspectivas de um crescimento da população mundial até 2030 sugerem que serão necessárias mais de 27 milhões de toneladas/ano de peixe para manter a taxa de consumo anual de 16,7 kg/ habitante. A FAO acredita que o crescimento da aquicultura será suficiente para atender à demanda e projeta um aumento do consumo mundial dos atuais 16,7 kg/habitante/ano para 22,5 kg/habitante/ano até 2030. Isso representará um aumento de consumo de mais de 100 milhões de toneladas/ ano. O Brasil tem um grande potencial de mercado, visto que 190 milhões de brasileiros consomem aproximadamente 7,0 kg/habitante/ano de pescado. Ao aumentar o consumo per capita para 12,0 kg/habitante/ano, conforme recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS), teremos uma grande demanda por pescado no mercado interno. Se considerarmos que nossa sobrevivência depende de fontes proteicas, esta é uma ótima oportunidade para que o Amazonas possa tirar proveito em termos de negócios a serem explorados, gerando emprego e renda na região. Segundo estudo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) observa-se um aumento no consumo de pescado per capita no país. Houve um crescimento de 6,46 kg para 9,03 kg/habitante/ano entre 2003 e 2009, o que representou um aumento de 40% nos últimos sete anos. A meta, estipulada no programa “Mais Pesca e Aquicultura” era chegar em 2011 ao consumo de 9 kg/habitante/ano e foi alcançada antes do prazo.
COMPROMISSO COM A SUSTENTABILIDADE REGIONAL No passado, o pensamento de Louis Pasteur nos conduzia a afirmação de que, “a oportunidade favorece as mentes preparadas”. Atualmente a indagação seria: Quando teremos mentes prepara-
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das para descobrir as oportunidades amazônicas, as quais nortearão seu desenvolvimento? Pensamos de forma otimista e acreditamos no potencial das instituições e de muitos abnegados cientistas que dedicaram ou dedicam suas vidas em busca de soluções para os desafios amazônicos, bem como nos programas de governo que incentivam e fomentam a inovação de produtos e processos regionais. Os primeiros passos já foram dados, agora falta compromisso dos atores que realizam a inovação para concretizarem suas ações e priorizá-las para a sustentabilidade regional, visto que as ferramentas básicas já estão disponíveis ou facilitadas com as redes de pesquisas. Com tanto potencial disponível na Amazônia nosso grupo de pesquisa buscou focalizar inicialmente em biotecnologia, mas especificamente na área de desenvolvimento de fitoterápicos de uso odontológico e com o tempo, paulatinamente, direcionamos também pesquisas na área de tecnologia de alimentos priorizando produtos e processos regionais com alto valor agregado e possibilidade de desenvolvimento sustentável da região. Tal iniciativa visa unir capital intelectual com capital financeiro, gerando com isso imensas possibilidades de
negócios, onde segmentos distintos poderão beneficiar-se de um modo geral, criando oportunidades de emprego e renda para milhares de amazônidas. Com a visão focada nos novos parâmetros para o agronegócio e a bioeconomia, o surgimento de novos consumidores será inevitável se os produtos na área de tecnologia de alimentos mantiverem a relação de desenvolvimento regional e sustentável da Amazônia. Vários fatores determinaram esse consumo: qualidade dos alimentos, segurança (food safety), constituição (conteúdo de produtos químicos e orgânicos naturais), apresentação (cor e tamanho), sabor (tasty food), tempo de prateleira (durabilidade) e principalmente o atestado de origem (traceability), onde e de que forma foi produzido, gerando para o mundo e para nós a oportunidade de distribuir produtos, contendo matérias-primas da Amazônia.
UMA GRANDE OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO Os peixes regionais comercializados nas feiras e mercados são conservados no gelo com vísceras, conforme Figura 01, com pouco valor agregado, as quais facilitam o processo de degeneração e ne-
Figura 01 – Atual forma de comercialização dos peixes regionais nas feiras e mercados. Foto: Próprio autor.
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crose. O desperdício, por falta de conhecimento ou por falha na conservação e armazenagem, chega à ordem de aproximadamente 50% de todo peixe comercializado no Estado do Amazonas. Contudo, o prejuízo não para somente na perda dos peixes pescados, mal higienizados e armazenados de forma inadequada tornando-os impróprios para o consumo humano, mas também no gasto de energia para manutenção desses peixes nos períodos de entressafra e nos lares dos consumidores finais desse tipo de alimento. Logo, com o compromisso de combater o desperdício e reduzir o prejuízo do setor pesqueiro no Estado do Amazonas, nosso grupo de pesquisa direcionou as oportunidades encontradas na busca de solução para esse desafio. Após dois anos de pesquisa desenvolvemos um processo de conserva de peixes de água doce e equipamentos para oferecer quatro produtos inovadores: a conserva de peixes da Amazônia envolvendo as espécies Jaraqui (Semaprochilodus theraponura), Matrinxã (Brycon amazonicus), Pirarucu (Arapaima gigas) e Tambaqui (Colossoma macropomum), conforme Figura 02. Importante ressaltar que as espécies escolhidas possuem vasta pesquisa acumulada em manejo e produção em cativeiro de forma sustentável. No comércio nacional, tradicionalmente, en-
contram-se conservas de peixes marinhos como a sardinha e o atum, os quais estão ameaçados de redução de sua produção por diminuição de seus estoques naturais. Com característica singular as conservas possuem durabilidade de três a cinco anos, por utilizarem peixes frescos e tratados com rigor na higienização durante o processo produtivo, o que determina o sucesso na armazenagem e, por conseguinte, na comercialização desse tipo de alimento. Esses fatores geram ao produto valor agregado e reduzem perdas, além de representarem ganhos econômicos, seja via aumento de qualidade do produto ou mesmo por um maior valor do produto no mercado.
RESULTADOS DA PESQUISA E COMPETITIVIDADE A análise comparativa de rotulagem entre os constituintes de cinco marcas e duas espécies marinhas (sardinha e atum) vendidas no mercado nacional, e a conserva intitulada de patente de uma espécie de água doce, o jaraqui, proposta por nosso grupo de pesquisa estão discriminadas nos Gráficos 01 a 03,conforme páginas 38 e 39. A conserva de jaraqui, com 60 g de biomassa, destaca-se das demais concorrentes - com igual
Figura 02 – Maurício Loureiro (à esq.) na degustação das conservas de pescado. Foto: Próprio autor.
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peso - por possuir menos de 6 mg de colesterol, sendo 7,5 vezes menor que a média das outras conservas comercializadas. O teor de sódio importantíssimo para os hipertensos na conserva de jaraqui apresenta 192 mg, sendo 1,9 vezes menor que a média das demais conservas. Na análise obtida foi possível determinar também a presença de 0,80 g de ômega 3; 0,28 g de ácido eicosapentaenóico (EPA);
0,36 g de ácido docosahexaenóico (DHA); 0,17 g de α-linolênico e o destaque para nível de fósforo total com 232 mg imprescindível para o desenvolvimento intelectual humano. Os dados foram analisados em laboratório reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como Laboratório de referência em análise de alimentos em nível nacional e na América Latina.
Gráfico 01 - Análise comparativa da rotulagem de conservas nacionais. Fonte: Próprio autor.
Gráfico 02 - Análise comparativa de gorduras nas conservas nacionais. Fonte: Próprio autor.
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Gráfico 03 - Análise comparativa de colesterol e sódio nas conservas nacionais. Fonte: Próprio autor.
CONCLUSÃO A produção de pescado é uma grande oportunidade para a Amazônia fornecer proteína nobre e gerar milhares de postos de trabalho, emprego e renda de forma sustentável, aproveitando o vasto território de águas da região, apresentando potencialidades para se tornar uma das maiores produtoras de pescado cultivado no mundo. A economia de energia na conservação e armazenagem da conserva de pescado justifica e viabiliza esse tipo de produto para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. A sinergia do capital financeiro com o capital intelectual resultou no desenvolvimento da primeira conserva de peixes da Amazônia, com a recente patente requerida junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), estando disponível aos investidores comprometidos com o desenvolvimento regional.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Estatística de Pesca do Brasil realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP).
Renilto Frota Corrêa é cientista, biólogo, cirurgião dentista graduado pela Universidade Federal do Amazonas, mestre e doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Amazonas. Atua como pesquisador da Fundação Paulo Feitoza. Jaqueline de Araújo Bezerra é química graduada pela Universidade Federal do Amazonas, mestre e doutoranda em Química Orgânica pela Universidade Federal do Amazonas. Atua como pesquisadora da Fundação Paulo Feitoza. Maurício Elísio Martins Loureiro é empresário e presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM).
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ministério do Desenvolvimento, Comércio Exterior (MDIC).
Indústria
e
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Artigo
A AFEAM E O FINANCIAMENTO À BIOECONOMIA AMAZONENSE Pedro G. Raimundo Falabella Wilmar L. F. Belleza Nilson S. Santos
RESUMO O artigo contextualiza a atuação da agência de fomento do Estado do Amazonas na economia local, discriminando suas linhas de financiamento aos micro e pequenos empreendedores e as possibilidades de iniciativas de base biotecnológica virem a ser contempladas com essas linhas de crédito. Palavras-chave: crédito, financiamento, biotecnologia, desenvolvimento sustentável, bioeconomia.
Introdução Sem a pretensão de esgotar o assunto que nos parece já pacificado quanto ao campo de atuação da disciplina, junção entre a biologia e a economia, fazemos brevíssima digressão sobre o conceito que se tem sobre esta nova especialização da economia, buscando em seguida focar naquilo que entendemos deve ser a atuação das agências de
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fomento (crédito), e em especial, da Agência de Fomento do Estado do Amazonas - a produção que gere renda e qualidade de vida em especial ao povo de nosso Estado, o Amazonas, que possui imensurável potencial de geração de riquezas a partir de sua biodiversidade.
Desenvolvimento Conforme Martinez Coll (1984) pode-se entender o conceito de bioeconomia em pelo menos cinco sentidos como “gestão eficiente dos recursos biológicos”, como a “explicação da teoria econômica utilizando analogias biológicas”, como a “prova de doutrinas econômicas através de analogias biológicas”, como o “estudo da influência sobre o comportamento econômico de condicionantes/restrições biológicas” e como “a análise biológica das relações econômicas”. Amin (et al. 2006) resume em artigo intitulado “BIOECONOMIA: UMA ALTERNATIVA EM T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
A Afeam e o financiamento à bioeconomia amazonense
PROL DA SUSTENTABILIDADE DA REGIÃO AMAZÔNICA” a importância da bioeconomia para a Região tomando como instrumento principal a pesquisa bibliográfica, para dar resposta ao questionamento: é a bioeconomia uma alternativa para a sustentabilidade da Região Amazônica? Essas definições nos permitem inferir o espectro de possibilidades envolvendo essa questão, que em suma resulta do entrelaçamento da biologia, em especial a engenharia genética ou biotecnologia, com as mais diversas ciências, inclusive com a economia, na produção de bens e serviços destinados ao mercado ávido por consumir seus produtos e promover a geração de riquezas para seus produtores. Cabe-nos ressaltar aspectos nem sempre considerados, porém relevantes e complexos se vislumbrarmos as descobertas das chamadas “ciências da vida” na concretização de possibilidades até bem pouco tempo impensadas, em vista das novas oportunidades de negócios e dos avanços tecnológicos, resultando em novos desafios legais e éticos. Nas palavras da professora Maria Helena Diniz (2010 p.7 ): “Com isso, como o direito não pode furtar-se aos desafios levantados pela biomedicina, surge uma nova disciplina, o biodireito, estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos os destinos da humanidade.”
Não podemos deixar de considerar que embora as luzes do conforto e da modernidade pareçam hoje banais, não faz cem anos que toda essa revolução começou e com intensidade maior a menos de cinquenta anos, por isso envoltos ainda nessa aura mágica do “tudo é possível” o tempo dessas ocorrências diante da história da humanidade é bem pequeno e precisa ser tratado com o cuidado não apenas científico, mas também ético e legal, pois é complexa a teia de saberes que envolvem essas questões a serem enfrentadas com sereniT&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
dade, pois a vida merece. A preocupação com a degradação do meio ambiente, adequada na medida da razoabilidade e do bom senso, tem revelado críticas as mais das vezes desproporcionais aos reais acontecimentos da natureza, sendo contrapostas a estudos geológicos e climatológicos que merecem, no mínimo reflexão pausada, como no caso do aquecimento global que... “...está sendo manipulado [...] apoiado por mídia geralmente acrítica [...] Por trás dela, encontram-se interesses políticos e econômicos inconfessáveis que, enquanto promovem o aquecimento global como uma nova crença ‘Ptolomaica’ se empenham em faturar bilhões de dólares com a sua transformação e uma lucrativa indústria. (Silvia Palácio e Lorenzo Carrasco), na apresentação do Livro de Geraldo Luis Lino ‘A Fraude do Aquecimento Global’” (2009 p. VII)
Nesse sentido, são pertinentes as preocupações que vez por outra nos assediam quanto a interesses nem sempre legítimos, no trato das questões amazônicas e o futuro da humanidade, como se os amazônidas fossem os únicos responsáveis por ações que devem minimamente garantir a sustentabilidade da região como um todo. O desafio perpassa ainda por operacionalizar na Amazônia o conceito de desenvolvimento que satisfaça as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades ou como usualmente o chamamos de “Desenvolvimento Sustentável”, observados os critérios de ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. Tanta expectativa repousa na constatação de que não é desprezível a potencialidade da bioeconomia, em especial se observarmos a Tabela 01, apresentada no trabalho de Amin (et al. 2006):
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Tabela 01 - Tamanho da Biodiversidade Brasileira
Taxonomia
Conhecido
Estimado
Vírus
350
55.000
Bactérias
400
136.000
Fungos
13.000
205.000
Algas
10.000
55.000
Plantas
47.500
52.000
Protozoários
3.500
27.000
Animais
132.000
1.337.000
Total
207.000
1.867.000
Fonte: LEWINSOHN; PRADO (2002).
É tentadora a vontade de propugnar pelo aproveitamento dos produtos resultantes dessas pesquisas, já ou no máximo daqui a pouco, em vista da infinidade de possibilidades de bens e serviços, e do potencial quase ilimitado de geração de emprego e renda aos beneficiários das descobertas científicas e à sociedade como um todo. Ocorre que a ciência precisa dar respostas que dignifiquem a pessoa humana no consumo desses bens e serviços após regulamentos oficiais de normativos que tenham, não apenas como já se disse e enfatizamos o apoio da ciência, da ética e da legalidade, mas a garantia efetiva de que a vida e a sustentabilidade da Amazônia devam ser conservadas. Harmonizações complexas de realizar na prática. Conforme as prescrições do Banco Central do Brasil, o crédito rural (já que os maiores potenciais de desenvolvimento de negócios de base biotecnológica na Amazônia encontram-se na agricultura) tem que ser oportuno, suficiente e adequado. Por oportuno entendemos ser o momento “certo” em que ele deverá estar disponível. Não antes desse tempo nem depois. Essa disposição visa otimizar a concessão de crédito ao calendário agrícola até para redução de custos. Por suficiente entendemos aquele crédito que está “no tamanho certo”, no “montante” que permita o desenvolvimento da atividade sem solução de continuidade. O crédito mal dimensionado, para cima ou para baixo, compromete o pleno desenvolvimento do projeto e o seu retorno.
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Por adequado entendemos que não se pode fazer investimentos com recursos de custeio ou vice-versa - recursos para projetos de longa maturação tem taxas diferenciadas, normalmente menores que as taxas destinadas a capital de giro ou custeio. Cada recurso tem sua finalidade e esta deve ser observada por questão de economia. As agências de fomento (crédito) criadas inicialmente com sérias limitações em seu escopo, tais como circunscrição à área geográfica do Estado da Federação que a suporta, não podem captar recursos diretamente do público (CDB, RDB e etc.), não possuem características bancárias embora o Banco Central as classifique como instituições financeiras, sujeitando-as aos seus ditames, estando sujeitas à fiscalização do TCE, Lei das Sociedades Anônimas e etc. Disto tudo, resulta que sua capacidade de gerar recursos encontra-se basicamente em suas operações de crédito (vide resolução nº 2828 do Bacen). As agências de fomento têm foco voltado para o microcrédito, o micro e pequeno empresários dos três setores da economia, normalmente sem preparo técnico para iniciar negócios que tenham base tecnológica em especial no que concerne a biotecnologia. A atual legislação federal que regula as agências de fomento relativamente às suas operações permitidas pelo Banco Central do Brasil encontra-se disciplinada, principalmente nas Resoluções nºs 2828 e 3757 disponibilizadas em seu site oficial.
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No que respeita a recursos financeiros, as agências de fomento têm restrições, limitando sua atuação no cumprimento de sua missão institucional. No caso do Estado do Amazonas estes recursos derivam, fundamentalmente, de Fundos Constitucionais; Lei Estadual nº 2826 de 29/09/2003; Fundo de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do Estado do Amazonas (FMPES); Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviço e Interiorização do Desenvolvimento do Estado do Amazonas (FTI); Convênios; BNDES; e recursos próprios destinados em sua totalidade para o financiamento da produção de bens e serviços. O país possui um centro gestor desse processo todo tanto em nível federal (MCT) quanto estaduais através das Secretarias de Ciência e Tecnologias e Fundações de Apoio à Pesquisa. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) é o responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Ciência e Tecnologia e tem suas ações pautadas nas disposições do Capítulo IV da Constituição Federal de 1988. Foi criado durante o governo de José Sarney em 15 de março de 1985 pelo Decreto nº 91.146, como órgão central do sistema federal de ciência e tecnologia. Esse Ministério expressa a importância política desse segmento, atendendo a um antigo anseio da comunidade científica e tecnológica nacional. Sua área de competência abriga o patrimônio científico e tecnológico e seu desenvolvimento, a
Tecnologia. Os recursos que se prestam para o financiamento de pesquisa e desenvolvimento no Estado Brasileiro podem ser encontrados tanto em nível federal nos chamados Fundos Setoriais, bem como nos estados através das fundações de apoio à pesquisa, FAPEAM no Estado do Amazonas e similares. Chaves (2005) nos informa que até aquele ano os recursos de Ciência e Tecnologia no Brasil representaram somente 0,15% do PIB, e que do total de recursos dos fundos setoriais no mesmo ano, 55,81% se destinaram a projetos em C&T, 1,95% destinou-se a ANP, 16,55% destinou-se ao CNPq e 25,69% para a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) do Ministério da Ciência e Tecnologia. Com a missão de concorrer para o desenvolvimento econômico e social por meio do apoio técnico e creditício que propiciem a geração de emprego e renda, e a melhoria da qualidade de vida do povo amazonense, a Agência de Fomento do Estado do Amazonas conta com 04 (quatro) principais fontes de recursos, a saber: recursos próprios, recursos de convênios, recursos de fundos constitucionais FMPES e FTI e recursos do BNDES. Através destes fundos derivam mais de cinquenta programas de créditos totalmente voltados para o atendimento do esforço produtivo com base em parâmetros que contemplam os beneficiários, os prazos, as taxas de juros, as garantias, etc., conjugados necessariamente com a assistência técnica e a extensão rural das quais a quantidade
política de cooperação e intercâmbio concernente a esse patrimônio, a definição da Política Nacional de Ciência e Tecnologia, a coordenação de políticas setoriais, a política nacional de pesquisa, desenvolvimento, produção e aplicação de novos materiais e serviços de alta tecnologia. Destaque-se o importante papel desempenhado pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que segundo a Lei nº 9.257, de 9 de janeiro de 1996, é “órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico”, e a secretaria do conselho é exercida pelo Ministério da Ciência e
e a qualidade dos produtos financiados dependem diretamente. Dados o tamanho e a complexidade dos desafios do Estado do Amazonas, os recursos disponíveis tanto para o financiamento da produção quanto para a assistência técnica e extensão rural não têm sido suficientes para promover uma verdadeira revolução no setor agropecuário. Neste sentido o Governo do Estado do Amazonas, através da Agência de Fomento, nestes 11 anos, conseguiu realizar mais de 100 mil operações gerando ou mantendo mais de 290 mil empregos diretos, aplicando cerca de 700 milhões de reais com excelentes resultados medidos pelos
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índices de inadimplência quando se refere a recursos próprios, mas não tão bons assim se medirmos os índices de inadimplência dos fundos constitucionais (FMPES em destaque) tendo em vista que os fatores que levam a essa ocorrência (inadimplência) são de difícil controle e talvez de impossível solução a curto e médio prazos, necessitando-se
reflexão profunda quanto ao modelo de microcrédito que até então tem sido realizado pelo Estado do Amazonas. Destacamos na Tabela 02 e no Gráfico 01 as operações com valores e ocupações econômicas geradas e ou mantidas ao longo de sua existência, no cumprimento de sua missão institucional e preservando o seu patrimônio líquido.
Tabela 02 - Demonstrativo Sintético de Aplicação de Crédito 1999/2010
PERÍODO
OPERAÇÕES
VALOR (R$)
OCUPAÇÕES ECONÔMICAS GERADAS E/OU MANTIDAS
GESTÃO 1999/2002 SUB-TOTAL
22.644
169.548.397,10
64.509
1999
1.590
11.115.493,94
4.838
2000
4.677
39.132.418,80
12.942
2001
8.024
70.987.269,87
23.140
2002
8.353
48.313.214,49
23.589
GESTÃO 2003/2009 SUB-TOTAL
80.634
520.043.322,24
228.788
2003
10.105
56.454.476,71
29.248
2004
6.472
38.147.922,27
18.328
2005
14.783
56.913.628,93
41.293
2006
13.982
70.591.908,14
37.589
2007
9.027
55.050.622,19
25.552
2008
7.173
40.805.834,57
20.611
2009
9.104
108.247.950,27
26.520
2010
9.988
TOTAL 103.278 Fonte: Afeam-GETEC-Planejamento.
93.830.979,16
29.647
689.591.719,34
293.297
Gráfico 01: Patrimônio Líquido da AFEAM (evolução). Fonte: Afeam-GETEC-Planejamento.
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A sugestão para o futuro é de que se crie um Fundo de Assistência Técnica e Extensão Rural – Funater, com normativos que incluam a licitação pública dos prestadores desses serviços, deslocando os atuais parceiros técnicos à condição de coordenadores desse processo e não de operacionalizadores apenas. No entanto, estes recursos não podem ser aplicados em pesquisa e desenvolvimento a exemplo do que fazem os fundos setoriais ou as Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados, porém tão somente em atividades consideradas PRODUTIVAS. Produtivos aqui entendidos como os bens e serviços que não dependam de pesquisa e desenvolvimento, mas que já estejam “prontos para o consumo do mercado”. Essa realidade demonstra que as agências de fomento já têm uma missão constitucional definida em função da qual atua, devendo especializar-se no que sabe fazer de melhor com foco voltado para o micro e pequeno empreendedores de bens e serviços “já existentes” (produtivos). Desta forma, desde que os produtos e serviços derivados da bioeconomia já estejam disponíveis e devidamente autorizados pelos órgãos competentes, nada obsta que sejam efetivamente fomentados na perspectiva de geração de emprego e renda e de melhoria da qualidade de vida do povo amazonense. No entanto, na fase de pesquisa e desenvolvimento, a Agência de Fomento do Estado do Amazonas ainda não dispõe de “expertise” nem de suporte financeiro para bancar o risco dos projetos. Nada obsta, por outro lado, que se viabilizem recursos para essas finalidades através de convênios de cooperação técnica ou outros instrumentos, criando-se uma área própria na Agência que cuide desses aspectos mais voltados ao financiamento da pesquisa e ao desenvolvimento de projetos de base biotecnológica ou biotecnocientífica, observando, por exemplo, o que já faz o BNB com o Fundeci através de chamadas públicas - tipo licitação - para a distribuição dos seus recursos a projetos que apresentem mérito a serem julgados
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por comitê formado por especialistas (doutores, mestres, representantes de classes e etc.) sem esquecer que localmente já dispomos de uma Fundação Estadual para realizar esses convênios, que é a FAPEAM. Aliás, a experiência com a FAPEAM neste formato tem como base os Programas PappeSubvenção-I, II e futuramente o III - Parcerias entre a Finep e outros - Secretaria de Planejamento do Estado do Amazonas - SEPLAN, SEBRAE, IDAM, FUCAPI e etc. Esses programas visam ao incentivo à inovação. Trata-se de uma história de sucesso com excelentes perspectivas. Ainda que tardia e preliminar, já representa um passo à frente de muitos estados da região, pois permitirá que se possa participar inteligentemente de imenso potencial de produtos e serviços derivados da biodiversidade amazônica no incentivo à bioeconomia local, como promotora tanto dos investimentos em PD&I, quanto do fomento ao desenvolvimento de mercados a partir do financiamento de produtos e serviços daí derivados. Não estamos fazendo nada de novo, porquanto a cooperação estratégica entre a pesquisa, o setor público e setor privado deu certo nos Estados Unidos. Quantas excelentes oportunidades de crescimento e desenvolvimento comercial industrial e de serviços já se perderam ao longo de nossa história, basicamente por falta de “expertise” ou “desleixo”, como queiramos? O desenvolvimento científico e tecnológico não ocorre por acaso. Sabe-se que começa na Alemanha em 1870, mas são os americanos que dão o melhor exemplo de como a parceria pode produzir os seus melhores resultados unindo governo, universidades e setor privado ou empreendedores. “O desenvolvimento da pesquisa industrial organizada foi iniciada por volta da década de 1870...O sistema de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) norte-americano, que se originou no início do século XX, passou por marcantes mudanças estruturais durante esse sé-
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culo. Essas mudanças tiverem dois vieses: o primeiro foi a exploração veloz da “invenção da arte de inventar” pelos empresários norte-americanos, evento iniciado antes na Alemanha. O segundo viés está relacionado à evolução do sistema de P&D, que teve deslocamentos frequentes dos papéis da indústria, do governo e das universidades como financiadores e empreendedores da pesquisa e desenvolvimento. Mowery e Rosemberg (2005) atestam que a magnitude dos deslocamentos da importância desses três setores, ou seja, a indústria, o governo e as universidades, no âmbito dos EUA, durante o século XX, pode ser excedido a de qualquer outra economia industrial” (FERRATO, p.40).
Assim defendemos que a ciência nacional, no seu mais alto nível, seja a base para a intervenção estratégica no processo de planejamento e de ocupação dos espaços amazônicos, observadas as nossas peculiaridades socioculturais em conjunto com o setor publico e privado no desenvolvimento local da bioeconomia. Como já se disse e é bom enfatizar, um dos fatores que mais importância tem em nossa ótica, é a questão da assistência técnica e extensão rural (assunto levado sob a forma de proposta de criação de fundo de assistência técnica e extensão rural - Funater) ao governo do Estado do Amazonas e que até hoje não prosperou por falta de recursos, sem esquecer que os setores secundário e terciário merecem igual cuidado. Depois de exacerbado extrativismo das drogas do sertão, vem o ciclo de enriquecimento e “débâcle” da borracha, seguido do atual ciclo da Zona Franca de Manaus, que tem prazo certo para terminar (2023) caso não seja prorrogada a concessão dos incentivos fiscais por mais algum tempo. Porém os próximos ciclos de desenvolvimento econômico sustentável de toda a economia local (Amazônia Ocidental) passam necessariamente pelo incentivo à pesquisa de produtos e serviços de base biotecnológica. Assim, ainda dormimos em cima de nossa riqueza. Riqueza que só estará efetivamente disponível quando formos capazes de intervir na na-
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tureza amazônica, que além de complexa e cheia de oportunidades, corre o risco de ser degradada irremediavelmente. Necessitamos mais do que nunca da ciência com “C” maiúsculo, sempre observando os limites éticos e legais, culturais, religiosos, científicos sim, se pretendemos garantir às gerações atuais e futuras as mesmas condições de sobrevivência que ainda dispomos, tendo por base o princípio da sustentabilidade ambiental. Em artigo publicado na revista época sob o título “O Big Bang da Bioindústria” (ago-2010), levantam fatores contra e a favor da consolidação dessa nascente indústria que, no Brasil, a despeito de aproximadamente 100 casos interessantes (empresas que acreditam nesse mercado), enfrenta entraves, conforme resumo abaixo: Levantam contra a consolidação dessas empresas, uma dezena de problemas dentre os quais destacamos como o item mais importante a necessidade de desenvolvimento da ciência. Contam-se, entre essas razões no Brasil, basicamente que a maior parte dos cientistas encontram-se nas universidades enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, eles estão nas empresas. Isso sem contar com a carência de pesquisadores, falta de visão de negócios, falta de investidores que conheçam os caminhos e estratégias para colocar as inovações criadas no mercado mundial, etc.
Levantam a favor que se vencidas todas as barreiras listadas o Brasil teria chances de se firmar em diversas frentes da bioindústria, tendo algumas tendências como causas desse potencial. Lembram o neozelandês Alam MacDiarmid (19272007), Nobel de Química em 2000, apontando com pertinência que, nos próximos 50 anos, megaproblemas da humanidade terão de ser resolvidos no campo. Estão, entre eles, a geração de energia, a captação de água e as questões ambientes. Falam ainda que a produção agrícola precisa aumentar cerca de 70% para alimentar todo o crescimento populacional dos próximos 40 anos, além de que em meados deste século a demanda por combustíveis líquidos crescerá cerca de 50% - que o petróleo só resolverá esse problema criando mais
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problemas - ou seja, não resolverá, que os recursos do sistema público de saúde têm nas doenças genéticas um dos grandes ralos por onde escorrem, o câncer é ainda a segunda maior causa de mortes no mundo e deve tornar-se o primeiro hoje ocupado pelas doenças cardíacas, contrapondo-se a tudo isso, de forma positiva para esses cenários ruins, a indústria brasileira com forte vocação para atuar em todos esses segmentos e suprir parte dessa demanda potencializada pela biotecnologia, visto possuir capacidade inata (recursos da biodiversidade, espaço geográfico, etc. - grifo nosso). Conclusão A biodiversidade do Estado do Amazonas é extraordinária, complexa, rica, de grande potencialidade em especial se levarmos em conta que quase tudo “está por fazer” em termos bioeconômicos, tornando-se um desafio multidisciplinar espetacular. Importa, assim, o planejamento estratégico da Pesquisa Científica de Base Biotecnológica para a Amazônia, envolvendo problemas de toda ordem como os bioéticos e de biodireito, os da bioeconomia local, e que contemplem a sustentabilidade da biodiversidade amazônica, entre tantos, além do financiamento de atividades de pesquisa e da produção de bens e serviços de base biotecnológica. O incentivo aos institutos de pesquisa locais são indispensáveis (CBA, EMBRAPA, INPA, FUCAPI, universidades e congêneres) ainda que os resultados práticos demorem em aparecer e estejamos muito interessados na produção de bens e serviços, porque a história da pesquisa demonstra que mais cedo ou mais tarde esses resultados aparecerão. No caso do Estado do Amazonas, pelo tempo em que ficamos sem o devido incentivo financeiro à pesquisa da ciência local, deverá não somente caminhar, mas correr. Correr muito e correr bem para efetivamente aproveitamos a potencialidade de nossa biodiversidade e podermos, em futuro próximo, disputar esse mercado em pé de igualdade com centros mais desenvolvidos do mundo - desconfia-se que eles saibam muito mais do que
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nós sobre a Amazônia. A interlocução com os agentes locais de produção e pesquisa ainda se encontram em estágios iniciais. Os recursos públicos devem ser bem administrados e isso implica inclusive a separação entre recursos de pesquisa e desenvolvimento (normalmente tendo como retorno o resultado da pesquisa - que pode ser insuficiente à produção de bens ou serviços) e recursos de produção (financiamento de bens e serviços que já podem ser consumidos pelo mercado) através da implantação, ampliação e/ou diversificação de projetos voltados para a produção e/ou incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica através de convênios de cooperação técnica. No que se refere à obtenção de recursos que, em nossa opinião, devem estar em seu devido lugar, de preferência depois de toda a infraestrutura de planejamento, ciência, tecnologia, bioéticos, biodireitos, se não resolvidos pelo menos equacionados previamente, garantindo-se a sustentabilidade com o progresso material, e que se possa oferecer opções que nos permitam vislumbrar uma luz no fim do túnel sob pena de destruirmos tudo antes mesmo de havermos começado. Somos de opinião contundente que antes da concessão dos recursos financeiros - parafraseando Mosh (1964), os financiamentos produtivos ou à pesquisa científica considere a existência de mercado para a fabricação dos produtos, garantindo a inovação constante no sistema produtivo, o transporte, a disponibilidade local de insumos e equipamentos e o incentivo à produção, além e nesta ordem, observe-se o planejamento local, a educação para o desenvolvimento, a ação grupal dos produtores, e só então, a concessão do crédito. Aqui se fala do setor agrícola. Transporte-se esse pensamento para os outros setores da economia. Preocupa-nos que, embora a ciência tenha avançado sobremaneira na pesquisa, desenvolvimento de novas alternativas (inovação) de bens e serviços, a partir dessas novas experiências, as consequências desses produtos necessitam ser avaliadas e validadas/referendadas para além do
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mero incentivo à produção via financiamento público sem controle ou sem marcos regulatórios, que efetivamente direcionem a aplicação desses recursos em atividades que não somente gerem emprego e renda, mas que efetivamente melhorem a qualidade de vida das pessoas, tendo em conta que a dignidade delas é pressuposto básico e fundamental devidamente tutelado pela constituição federal deste país.
BIBLIOGRAFIA AMIM, Mario Miguel.Bioeconomia uma alternativa em prol da sustentabilidade da região Amazônica. Amazônia: Ci. & Desenv, Belém, v. 1, n. 2, jan./jun. 2006. Banco Central do Brasil. Resolução 2828 de 30.03.2001, disponível em www.bcb.gov. br, acesso em 13.09.2010. CHAVES, Vera Lúcia Jacob. Política de Financiamento da Pesquisa no Brasil e no Pará. Disponível em http://www.gepes. belemvirtual.com.br/documentos/Politica_ de_Financiament_da_pesquisa_acesso_ em_27NOV07.pdf, acesso em 10.09.2010. DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. Editora Saraiva, 2010. FERRATO, Hélio. Autor. Geraldo Francisco Filho (org).Tópicos Essenciais em Administração. Introdução à Gestão Estratégica da Inovação e da Criatividade
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Campinas SP Editora Alínea, 2007. LINO, Geraldo Luis. A Fraude do Aquecimento Global. Como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial. Capax Dei Editora Ltda. RJ, 2009. MARTÍNEZ COLL, Juan Carlos.Bioeconomia. Tese de Doutoramento, – Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Málaga en noviembre de 1984. Disponível em http:www.eumed.net/tesis/jcmc/index.htm., acesso em 14.09.2010. Revista Época Negócios, nº 42. O Big Bang da Bioindústria. Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Revista/ Common/0,,EMI160457-16642,00O+BIG+BANG+DA+BIOINDUSTRIA.html, acesso em 15.09.2010.
Pedro G. Raimundo Falabella é presidente da Agência de Fomento do Estado do Amazonas (AFEAM). Wilmar L. F. Belleza é mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nilson S. Santos é mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Federal do Estado do Amazonas (UFAM).
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RELATO
Programas de pós-graduação, a biotecnologia e o pioneirismo do PPGBIOTEC José Odair Pereira Spartaco Astolfi Filho
“ Formação de graduandos, mestres e doutores em biotecnologia na UFAM: A região com a maior diversidade biológica do planeta nos desafia ao mesmo tempo em que nos encoraja para estruturar centros de referência na formação de recursos humanos com capacidade de descrever, preservar e explorar de modo consciente o patrimônio biológico da Amazônia”. O Programa Multi-Institucional de Pósgraduação de Biotecnologia - PPGBIOTEC iniciou suas atividades com o curso de doutorado em março de 2002. Posteriormente, por recomendação da CAPES, foi criado também o curso de mestrado em março de 2003. Desde sua implantação e estruturação o Programa sempre teve forte estímulo da Superintendência da Zona Franca de Manaus tanto na articulação das Instituições Partícipes quanto no seu financiamento. O Programa atua em duas áreas de concentração. A primeira aborda as Biotecnologias T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
para área agroflorestal e contém três linhas de pesquisas: conservação e uso de recursos genéticos animais, vegetais e microbianos. A segunda área de concentração aborda Biotecnologias para Saúde com as seguintes linhas de pesquisa: Princípios Bioativos de Recursos Naturais Contra Patógenos de Doenças de Impacto Social no Brasil; Diagnóstico de Patógenos de Doenças de Impacto Social na Amazônia e Controle de Doenças de Impacto Social na Amazônia. O Programa também recebe candidatos ao doutorado com enfoque em Gestão da Inovação em Biotecnologia, o que é um aspecto bastante inovador dentro dos Programas de Biotecnologia. Nesta área, que é transversal às duas outras áreas de formação, não é necessário que o candidato tenha formação em ciências biológicas, químicas, agrárias ou áreas afins, podendo ser mestre ou graduado em ciências humanas, e sociais, que ao ingressarem recebem a formação biotecnológica básica e podem contribuir no desenvolvimento de vários campos da Gestão da
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Inovação em Biotecnologia. Dentro dessas respectivas áreas, o programa tem como missão: Formar recursos humanos altamente qualificados capazes de atuar no âmbito das instituições de Ensino e Pesquisa, universidades públicas e privadas, Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) e do setor industrial, com o propósito de desenvolver, na Região, atividades ligadas à geração de produtos e processos biotecnológicos explorando de modo sustentável a expressiva biodiversidade Amazônica; Dinamizar as atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento na área de biotecnologia na Amazônia; Estimular o desenvolvimento de processos e produtos biotecnológicos e consequentemente favorecer a gênese e a consolidação de empresas do Polo de Bioindústrias da Amazônia. O programa tem consolidado seu caráter multidisciplinar e multi-institucional, contando com a dedicação de pesquisadores da “Rede da Amazônia Legal de Pesquisas Genômicas” - REALGENE e “Rede Proteômica do Estado do Amazonas - PROTEAM”, que incluem laboratórios de vários estados da Amazônia Legal Brasileira, além de pesquisadores da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, da Universidade de Brasília - UnB, da Universidade de São PauloUSP, do Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais de Rondônia - IPEPATRO e de instituições parceiras como o Instituto de Medicina Tropical - IMT/AM, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia - INPA, Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas - HEMOAM, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, Centro de Biotecnologia da Amazônia - CBA, e Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ/AM e mais recentemente, o Centro Universitário Nilton Lins e a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica – FUCAPI colocaram suas infraestruturas de laboratórios, de equipamentos e seus profissionais a serviço da missão do Programa de Biotecnologia. Historicamente a criação do PPGBIOTEC está
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inserida no âmbito de um ousado programa de formação de recursos humanos em biotecnologia coordenado pela UFAM, sempre com grande envolvimento de profissionais das Instituições Parceiras, que resultou também na criação e oferecimento do: • Curso de Atualização em Biotecnologia (15 vezes); • Curso de Especialização em Biotecnologia (4 vezes); • Curso de Especialização em Genética Forense (1 vez); • Curso Sequencial de Formação de Técnicos de Nível Superior em Biotecnologia (2 turmas formadas); • e do Curso de Graduação em Biotecnologia (criado recentemente em 2009 - 2 turmas já ingressaram). Devido a sua abrangência, constata-se que um número crescente de discentes oriundos de outros Estados da Amazônia e de outras regiões brasileiras busca qualificação no PPGBIOTEC, tanto no curso de mestrado onde são recebidos alunos uma vez por ano quanto no de doutorado, onde ingressam duas turmas por ano. O PPGBIOTEC ainda é um programa novo que se consolida. Embora o programa tenha iniciado só em 2002, contabiliza 135 alunos matriculados em 2010, sendo 108 cursando doutorado, conforme Figuras 01 e 02, e 27 cursando mestrado. Neste relativamente curto período o programa já formou na região 87 doutores e 33 mestres entre seus egressos. Tal resultado é de expressivo impacto na Região Amazônica, conforme Quadro 01.
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Figura 01 - Doutoranda Danielle Albuquerque Pires Rocha no Laboratório de Diagnóstico Molecular do PPGBIOTEC. Foto: Próprio autor.
Mestrado Doutorado Total
2004 0 2 2
2005 5 2 7
2006 7 13 20
2007 6 18 24
Figura 02 - Doutoranda Anita Lima de Souza na Central Analítica do PPGBIOTEC. Foto: Próprio autor.
2008 6 15 21
2009 6 22 28
2010 até out 3 15 18
Total 33 87 120
Quadro 01 - Número de Egressos de Mestrado e Doutorado no Programa de Biotecnologia. Fonte: Próprio autor.
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Vencida a etapa de consolidação do Programa surge a necessidade de apoiar as iniciativas de jovens empreendedores que despontam e pretendem implantar microempresas de cunho biotecnológico. A formação que os alunos recebem nesse aspecto, com forte apoio da FUCAPI, é fornecida dentro de um contexto de Gestão da Inovação em Biotecnologia, com disciplinas como Gestão em Biotecnologia, Empreendedorismo, Disseminação de Conhecimento e Inovação para o Desenvolvimento Local, Aprendizagem e Capacitação Tecnológica, Sistema de Inovação e a Dinâmica Local. O estímulo ao empreendedorismo visa alcançar não somente o polo de bioindústrias de Manaus, mas levar essa iniciativa ao interior da Amazônia inovando com os conhecimentos adquiridos no curso e agregando valores do conhecimento tradicional associado à cultura popular dos povos da Amazônia. A UFAM está implantando um Parque Tecnológico para Inclusão Social: Rede de Pesquisa, Extensão e Inovação Tecnológica. Dentro desse parque está prevista a criação do BIOCENTRO o qual dará suporte para a incubação de empresas de base biotecnológica. Na UFAM já funciona o CDTECH, Centro de Desenvolvimento Empresarial e Tecnológico, o qual possui uma estrutura básica administrativa para o funcionamento de empresas incubadas. As primeiras empresas incubadas com perfil biotecnológico que despontaram no PPGBIOTEC são: “BIOTECH AMAZÔNIA: biomoléculas e produtos para biotecnologia” e DOGMA Diagnóstico Molecular, para citar como exemplos. Quando instalado, o BIOCENTRO irá fornecer sólido suporte para o desenvolvimento de novas biotecnologias e sua difusão na Amazônia. Essa proposta, inovadora, tem por premissa alavancar o conhecimento, a geração de produtos e a formação de recursos humanos, visando à sustentabilidade e a inclusão social. Por ser a biotecnologia um conjunto de atividades que utilizam seres vivos ou suas partes no desenvolvimento de processo e produtos de valor econômico e social, é um setor técnico/científico de
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grande potencialidade para a Amazônia que detém uma parcela significativa da biodiversidade do planeta. Com infraestrutura adequada e com os recursos humanos qualificados, o PPGBIOTEC deverá ser um programa de referência para o desenvolvimento de processos e produtos como, por exemplo: • Plantas e animais mais produtivos e adaptados ao ambiente; • Medicamentos fitoterápicos, fármacos, cosméticos, soros e vacinas; • Biomateriais como plástico biodegradável, plástico renovável, celulose (papel); • Biocombustíveis como álcool, óleo vegetal; • Produtos alimentícios como queijos, iogurtes, bebidas alcoólicas (ou não), rações; • Inseticidas, vermicidas, carrapaticidas para uso em humanos ou na área veterinária; • Produtos/processos para biorremediação e para recuperação de áreas degradadas; e • Terapia genética (área ainda incipiente no mundo). É importante ressaltar que a biotecnologia para a Amazônia deve resultar em processos que colaborem com a conservação dos ecossistemas e seu uso sustentável, ou pelo menos sejam amistosos para com o meio ambiente. O compromisso do PPGBIOTEC sempre será focado na formação de recursos humanos de excelência e com capacidade de criar opções tecnológicas apropriadas para instalação de empreendimentos no interior que resultem em agregação de valor às matérias-primas oriundas da biodiversidade (ex. miniusinas de extração de óleos ou extratos vegetais) beneficiando as comunidades tradicionais da Amazônia. Embora a biotecnologia seja uma área onde o Brasil se destaca, especialmente na área agroindustrial, este setor ainda é incipiente na Amazônia. Por esse motivo o Ministério da Ciência e Tecnologia criou recentemente a Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal - Rede BIONORTE que objetiva: “integrar competências para o desenvolvimento de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e formação de douto-
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res, com foco na biodiversidade e biotecnologia, visando gerar conhecimentos, processos e produtos que contribuam para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”. O Programa de Pós-Graduação da Rede BIONORTE (PPG-BIONORTE) foi criado para atingir um dos principais objetivos da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede BIONORTE): ou seja - a formação de doutores. A primeira sede do PPG-BIONORTE será em Manaus na UFAM devido à experiência adquirida na implantação do PPGBIOTEC. As coordenações de ambos os programas de pós-graduação têm a convicção de que a colaboração entre eles acelerará o desenvolvimento da bioindústria na Amazônia. As metas do PPGBIOTEC estão em sintonia com as políticas do Governo Federal e dos Governos Estaduais da Amazônia que vêm apoiando o desenvolvimento da biotecnologia como estratégia de desenvolvimento do País. A expectativa sobre as consequências da formação de um expressivo nú-
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mero de pessoas com formação em biotecnologia, desde graduandos, mestres e doutores é que eles serão capazes de dinamizar o processo de identificação de demandas qualificadas para o potencial de nossa biodiversidade, o que permitirá agregar valor aos produtos e processos oriundos dessa biodiversidade. Trata-se de processo sistemático que exige muito investimento em ciência e tecnologia e na continuidade de formação de recursos humanos qualificados para esse desafio. Toda a comunidade que compõe o PPGBIOTEC acredita que o desenvolvimento da biotecnologia é a melhor maneira de conservar e dar sustentabilidade à utilização dos recursos naturais tão abundantes na Amazônia.
José Odair Pereira e Spartaco Astolfi Filho são membros da Coordenação do Programa MultiInstitucional em Biotecnologia - UFAM.
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Artigo
A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI Márcia Betânia Ferreira Macêdo Shirley Terezinha Kerber Bomm
Resumo O presente trabalho abordará a importância das empresas da bioeconomia para a Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação – RAMI, focando o aspecto econômico e a consolidação dessas empresas no mercado.
Introdução A Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação – RAMI foi criada em abril de 2001 como Rede Amazônica de Incubadoras de Empresas, e nasceu da necessidade de fortalecer o movimento de incubação, polos e parques tecnológicos na região amazônica, sendo uma Associação Civil de Direito Privado sem fins econômicos.
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Hoje, além de fortalecer o movimento de incubação é papel da RAMI fomentar e disseminar a Inovação, a Ciência e a Tecnologia na região. A RAMI tem como objetivos principais: a promoção do intercâmbio de conhecimentos e a articulação entre incubadoras, polos e parques tecnológicos de empresas e demais entes que tenham o foco no empreendedorismo e na inovação; o apoio ao desenvolvimento de incubadoras, polos e parques tecnológicos existentes e os que vierem a surgir na região amazônica, bem como os demais entes que tenham foco no empreendedorismo e na inovação; o estímulo aos estudos e trabalhos afins, visando ao reconhecimento como articuladora do movimento de incubadoras, polos e parques tecnológicos da região, a promoção e a divulgação do Empreendedorismo, da Inovação, da Ciência e da T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI
Tecnologia, visando ao desenvolvimento sustentável, bem como a contribuição para o fortalecimento da preservação da biodiversidade amazônica. Para que seus objetivos sejam alcançados, a RAMI será um fórum permanente de discussão do movimento de incubadoras, polos e parques tecnológicos; prestará serviços ou desenvolverá trabalhos cooperativos com as instituições integrantes; realizará projetos e prestará serviços na área de formação de empreendedores, incubadoras, polos e parques tecnológicos para seus associados; aumentará continuamente a capacitação técnica e gerencial das instituições integrantes da Rede através de intercâmbio e ajuda mútua e celebrará acordos, convênios e contratos com órgãos públicos ou entidades privadas, nacionais e internacionais que tenham o foco no Empreendedorismo, Ciência, Inovação e Tecnologia sempre baseados na sustentabilidade e no desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Incubadoras de empresas - Definição Incubadoras de empresas são ambientes planejados e protegidos, propício para o desenvolvimento de micros e pequenas empresas interessadas em investir em novos projetos ou melhorar seus produtos, processos e/ou serviços. Como o objetivo de uma incubadora é reduzir a taxa de mortalidade das micros e pequenas empresas, essas oferecem aos desenvolvedores dos projetos - que estão sendo incubados - um ambiente flexível e encorajador, além de uma série de facilidades para o surgimento e crescimento de novos empreendimentos a um custo bem menor do que o do mercado, visto que esses custos são rateados e as vezes subsidiados. Tais facilidades podem ser descritas da seguinte forma: infraestrutura como salas individuais e coletivas, laboratórios, auditório, biblioteca, salas de reunião, recepção, dentre outras. Serviços como telefonia, acesso à internet, recepcionista, assessoria contábil, jurídica, gerencial, de gestão financeira, de comercialização, entre demais. Qualifica-
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ção por meio de treinamentos, cursos, assinaturas de revistas e jornais, network através de contatos com entidades governamentais e investidores, participação em eventos de divulgação das empresas, fóruns e outros. A chance de sucesso de empresas instaladas em uma incubadora é grande devido ao processo de seleção dos projetos. Os melhores projetos são selecionados e os empreendedores mais aptos vêm à tona, o que amplia as possibilidades de sucesso dessas empresas. A Rede possui hoje associadas nos principais estados da Região Norte: Pará, Amazonas, Amapá, Tocantins e Rondônia, que contam com mais de 120 empresas incubadas atualmente e mais de 50 graduadas ou que passaram pelo movimento.
Desenvolvimento Para a Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação as empresas da bioeconomia representam um ponto positivo ao desenvolvimento sustentável da região amazônica. Produtos feitos com bioativos da Amazônia, usados com a devida responsabilidade socioambiental é o diferencial dessas empresas. A RAMI busca orientar suas incubadoras para que elas possam repassar às suas empresas a questão da sustentabilidade socioambiental, tema tão discutido e disseminado nos últimos anos. Do ponto de vista econômico as empresas da bioeconomia trazem à região empresas inovadoras, produtos diferenciados, além de aumentar a geração de novos empregos e renda, projetos voltados à sustentabilidade socioambiental, criação de cooperativas e empresas que apoiarão essas já existentes, por exemplo. Além disso, empresas vinculadas às incubadoras têm maior chance de se consolidarem no mercado, já que recebem toda orientação para que alcancem os mercados regional, nacional e global com o devido sucesso que merecem. Estudos mostram que o índice de mortalidade de empresas que nascem ou passam pelo proces-
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A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI
so de incubação é de 20% contra 70% de empresas que nascem fora. Para a RAMI a importância passa também pela visibilidade que essas empresas trazem, pois algumas já participaram e ganharam prêmios importantes, como por exemplo:
- Brasmazon Indústria de Oleaginosas e Produtos da Amazônia, ficou com o 2º lugar no Prêmio FINEP de Inovação, em 2002, na categoria Pequena Empresa. A Brasmazon utiliza matéria-prima da Amazônia na fabricação de velas de andiroba e outros produtos utilizados no combate à dengue e à filariose, entre outras doenças; óleos utilizados na formulação de produtos cosméticos em geral; óleos e resinas na manipulação de produtos de tratamentos fitoterápicos; gorduras vegetais utilizadas na fabricação de chocolates, margarinas e outros produtos.
Figura 01 – Chamma da Amazônia. Foto: Próprio autor.
- Chamma da Amazônia que em 2001 recebeu o Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica como a melhor empresa da Região Norte do País. As colônias “Banho de Cheiro”, inspiradas na tradição do povo paraense em colher ervas e preparar um banho aromático, foram consideradas os melhores produtos pela FINEP. Outro diferencial da empresa é o incentivo ao trabalho de famílias ribeirinhas, que produzem as embalagens feitas da palmeira Miriti. A Chamma da Amazônia também envolve artesãos na confecção de uma linha de acessórios, as chamadas “biojoias” que são feitas de sementes não germinadas de açaí, bacaba, morototó, inajá, tucumã e outras.
Figura 02 – Brasmazon Indústria de Oleaginosas e Produtos da Amazônia. Foto: Próprio autor.
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Figura 03 – Ervativa Indústria de Produtos Naturais. Foto: Próprio autor.
- Ervativa Indústria de Produtos Naturais ficou com o 3º lugar regional, em 2002, e com o 2º lugar, em 2003, na categoria Processo no Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica. A Ervativa produz extratos vegetais e óleos de plantas da Amazônia. Como característica principal da empresa, destacamos a vocação para a inovação, em produtos e processos através de projetos de pesquisa em parceria com a Universidade Federal do Pará, uma vez que seu sócio-proprietário, o professor Joaquim Bayma, é titular dessa universidade, o que facilita tal articulação. Tanto a Chamma da Amazônia, a Brasmazon quanto a Ervativa passaram pelo movimento de incubação. Elas fazem parte do portfólio de empresas graduadas do Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Federal do Pará.
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A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI
Como exemplo mais atual de algumas empresas da bioeconomia que agregam valores à RAMI, destacamos no presente trabalho duas de suas 13 Incubadoras para abordar a importância dessas empresas para a região amazônica: O Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial - CIDE, sediado em Manaus, no Amazonas, acreditando no empreendedorismo como o melhor caminho para o desenvolvimento socioeconômico da região, oferece os benefícios de um mecanismo de suporte às empresas de base tecnológica nascentes, apoiando ideias e iniciativas empresariais, até que estas se transformem em instituições aptas à inserção mercadológica.
seguinte análise: “essas micros e pequenas empresas estão colaborando na definição de um novo segmento econômico no estado, uma vez que são lançados no mercado produtos inovadores. Empresas vinculadas ao processo de incubação têm a oportunidade de participar de diversos tipos de capacitação (palestras, cursos de curta e média duração, feiras, rodadas de negócios, entre outros) e a somatória desse conjunto de ações está gerando novas demandas em outros mercados, bem como um crescimento acima da média na região amazônica”. Outra Incubadora associada à RAMI que podemos destacar é a Rede de Incubadoras Tecnológi-
Voltado para os setores de biotecnologia, tecnologia da informação e eletroeletrônica, o CIDE viabiliza para as empresas nele incubadas não apenas a infraestrutura de apoio necessária ao seu desenvolvimento, mas, um esforço sinérgico entre as mesmas e às demais empresas do mercado, instituições de pesquisa e órgãos afins, acompanhando-as nas fases de instalação, crescimento, consolidação e graduação. O CIDE possui hoje um total de 10 empresas da bioeconomia que são: Anna Morena, Harmonia Nativa, Sabores da Floresta, Empório&Aromas, Sabores da Floresta, Divina Fruta, Vita Vitro, Pharmakos, Pronatus, e Agrorisa e Sapopema. Para o Dr. Eduardo Pedro, diretor do CIDE/AM e diretor vice-presidente da Rede “a importância dessas empresas vai desde a utilização de bioativos da Amazônia até a apresentação de inovações e tecnologias, além de gerarem emprego, renda e desenvolvimento socioeconômico ao estado e à região. Eduardo destaca ainda que essas empresas são importantes porque passam a ser referência para outras empresas que atuam neste mercado, fazendo com que haja uma maior procura pelo processo de incubação de empresas, uma vez que as incubadoras são responsáveis pela orientação de empresas, de forma a garantir o desenvolvimento empresarial e a consolidação das mesmas no mercado global”. Do ponto de vista econômico, Eduardo faz a
cas da Universidade Estadual do Pará – RITU que tem como objetivos: fazer a interface universidade/ setor produtivo, através da transferência de tecnologia e conhecimentos entre eles, apoiar de forma técnica, tecnológica e gerencial as empresas incubadas; contribuir para a extensão, ensino e pesquisa na UEPA; incentivar e dar suporte à criação de novos empreendimentos; geração de emprego e renda; contribuir com a formação empreendedora em nosso estado, ofertando cursos, palestras e assessorias à sociedade. A RITU fornece suporte às empresas através de assistência técnica, tecnológica e gerencial, buscando diminuir as dificuldades iniciais do empreendimento, reduzindo a mortalidade das micros e pequenas empresas, e proporcionando às mesmas maiores chances de obter sucesso no mercado. Para a coordenadora da RITU, a professora Verônica Nagata, “como a incubadora está vinculada a uma universidade, as empresas ligadas a ela (incubadora) estimulam as pesquisas aplicadas realizadas por nossos discentes e docentes e consequentemente a transferência de tecnologia da universidade para a sociedade”. A professora Verônica concorda com Eduardo Pedro (do CIDE) em relação ao ponto de vista econômico que as empresas de bioeconomia trazem para a incubadora. A RITU possui hoje 08 empresas da bioecono-
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A importância das empresas da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia sob a ótica da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação - RAMI
mia que são: Naturale, Grota do Taiassui - Camarão da Amazônia, Cupuaçu e Cia, Romera Amazônia, Perfumaria Ouros da Amazônia, Sabores da Amazônia, Bombons do Pará e Mamma di Mais.
Conclusão Para a RAMI, a importância das empresas da bioeconomia, sem dúvida nenhuma é a agregação de valores que essas empresas trazem ao mercado regional, além disso, economicamente essas empresas participam efetivamente do desenvolvimento da Amazônia. O que observamos é que ainda temos poucas empresas seja na bioeconomia seja nas demais áreas pertinentes à realidade amazônica, devidamente formalizadas e contribuindo para esse desenvolvimento. É papel da RAMI e de suas associadas aumentar cada vez mais o número de empresas em todas essas áreas e com isso aumentar a geração de renda e empregos, e principalmente contribuir no desenvolvimento da Amazônia. Para a RAMI mais do que empresas “politicamente corretas”, precisamos ter o foco no desenvolvimento regional, pautado na responsabilidade socioambiental e no desenvolvimento sustentável que passa não só pela utilização da matéria-prima de maneira correta, mas pelo aproveitamento total de todo resíduo que se forma quando da utilização dessa matéria, ou seja, o ciclo de vida do produto. A RAMI procura cada vez mais articular com parceiros como FINEP, SEBRAE, FIEs (Federação da Indústria e Comércio) dos estados onde a Rede tem associados, Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia, Secretarias de Desenvolvimento, e outros órgãos e entidades com foco no Empreendedorismo, Ciência, Inovação e Tecnologia.
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Bibliografia consultada www.ervativa.com.br www.cide.org.br www.uepa.br/ritu Folha Inovação, Nº 14, agosto, setembro e outubro, 2002, Informativo da FINEP, págs. 01, 05, 06 e 07.
Márcia Betânia Ferreira Macêdo é secretária-executiva da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação (RAMI), desde 2003, e gerente de incubadoras de empresas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (SEDECT) em Belém/PA, atua no movimento de incubação de empresas e parques tecnológicos desde 2002. Foi Assessora de Desenvolvimento Empresarial do Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Federal do Pará (UFPA). É graduada em Engenharia Eletrônica e bacharel em Matemática, ambas pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduanda em Gestão de Habitats de Inovação pela Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA/USP). Shirley Terezinha Kerber Bomm é diretora-presidente da Rede Amazônica de Instituições em Prol do Empreendedorismo e da Inovação (RAMI) e professora multidisciplinar no Centro de Estudos Superiores de formação Específica e do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade da Amazônia (UNAMA). Ocupa o cargo de gerente do Escritório Técnico de Economia, Administração e Contabilidade – ETEAC, além de ser a coordenadora da Incubadora de Empresas de Base Gerencial da UNAMA. É graduada em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Teoria Econômica e Metodologia do Ensino Superior pelo Centro de Serviços Educacionais do Pará - CESEP e pós-graduada em Economia Amazônica pela União de Ensino Superior do Pará.
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Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico Nívea Maria da Silva Oliveira Roniele Tavares Fernandes
RESUMO Biotecnologia é a aplicação tecnológica que utiliza sistemas biológicos e organismos vivos ou seus derivados para a criação ou modificação de diversos produtos ou processos em uso, conforme consta no Projeto Pedagógico de biotecnologia do Centro Educacional Fucapi (CEEF). Com base nesse conceito a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) instituiu o curso técnico de nível médio em biotecnologia com ênfase em cosmetologia, com o objetivo de formar profissionais-técnicos que conheçam os princípios da biotecnologia aplicados à cosmetologia, a fim de que possam atender às necessidades do mercado cosmecêutico, atuando em processos de análises em indústrias químicas, farmácias de manipulações e análises microbiológicas, de acordo com a proposta curricular. Palavras-chave: Biotecnologia, cosmetologia, Fucapi.
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INTRODUÇÃO De fato, a biotecnologia é a aplicação de um conjunto de tecnologias que vão desde as técnicas “tradicionais”, já amplamente estabelecidas, conhecidas e utilizadas desde a antiguidade (por exemplo, a fermentação de alimentos e o controle biológico), até as “modernas”, baseadas no emprego de novas técnicas de DNA recombinante (engenharia genética), nos anticorpos monoclonais e nos novos métodos de cultivo de células e tecidos. A biotecnologia moderna tem gerado uma grande polêmica, sobretudo no que se refere à clonagem e ao uso de organismos geneticamente modificados (MICROMACRO. TV, 2010). É importante salientar que a biotecnologia tem um enfoque multidisciplinar, envolvendo várias ciências e disciplinas, atualmente utilizada em diversos ramos industriais e científicos, dentre estes a agricultura que vem se destacando com o melhoramento da qualidade vegetal, o aumento da produtividade e a diminuição de poluição ambiental,
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Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico
inclusive podendo ser aplicada à indústria cosmecêutica, utilizando material biológico para produção de extrato vegetal e óleo essencial de espécies da flora. Preocupada com a expansão do mercado de cosméticos na região Amazônica, a FUCAPI criou, em janeiro de 2008, o curso técnico de nível médio em biotecnologia com ênfase em cosmetologia, com o objetivo de atender à laborabilidade ou trabalhabilidade de propriedades físicas, químicas e dados toxicológicos dos produtos químicos manuseados, de resíduos e princípios gerais da aplicação das técnicas instrumentais no processo. O curso totaliza a carga horária de 1.400 horas. O público-alvo inclui profissionais e interessados no setor cosmecêutico, similares e áreas relacionadas. Vários negócios e indústrias têm emergido no setor, como, por exemplo, empresas de biotecnologia e de cosmetologia, empresas de distribuição e outras que gerem contratos de franquias de farmácias de manipulações, empresas de comunicação com revistas especializadas, etc. Atualmente, em Manaus, a cosmetologia é um setor que conta com uma infraestrutura equilibrada na pesquisa, na extração e refino da matéria-prima, e na industrialização de produtos acabados que estão em consonância com o expressivo volume de investimentos realizados neste segmento. Aliado a isso, observa-se o crescente aumento no uso e manipulação de produtos de beleza. A demanda no trato do embelezamento pessoal demonstra e justifica a importância do uso de técnica, desenvolver e/ou aprimorar os seus conhecimentos técnico-científicos necessários ao bom desempenho do seu papel, conquanto seja de suma importância o treinamento e a formação profissional qualificada.
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A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO TÉCNICA Os cursos técnicos são de suma importância para mercados emergentes, com relevância no contínuo fornecimento de mão de obra qualificada e formação especializada de profissionais que atendam a esses nichos de desenvolvimento tecnológico, buscando aprimorar atitudes, habilidades específicas e competências de pessoas tecnicamente capazes de dominar a nova base técnico-científica do processo produtivo, consequentemente, agregando maior valor ao produto acabado. O curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia da Fucapi está dividido em aulas teóricas e práticas, com duração de dois anos, divididos em quatro semestres. Para o desenvolvimento das aulas práticas os alunos dispõem de um laboratório de Química, localizado na própria instituição e que pode ser visto parcialmente na Figura 01, página 61. No local se realizam ações e estratégias didático-pedagógicas que possibilitam a complementação dos conteúdos para que o aluno tenha êxito em suas atividades profissionais. O estudante conta com um acervo bibliográfico voltado para as disciplinas do curso e uma infraestrutura de informática como ferramenta de apoio. Para obtenção do título de técnico o aluno deve apresentar um projeto denominado de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) que corresponde ao quarto módulo. Este trabalho deve ser apresentado a uma banca examinadora e, após sua aprovação, o aluno receberá o título de técnico. O técnico desta referida área poderá operar, monitorar e controlar os processos industriais e químicos, além de sistemas de utilidades, e manipular fórmulas químicas de cosméticos, controlando, também, a qualidade da matéria-prima, dos reagentes e produtos intermediários e finais. Atuará basicamente em empresas de formulação cosméticas e produtos afins.
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Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico
Figura 01 - Laboratório de Química. Foto: Próprio autor.
APLICANDO A BIOTECNOLOGIA NA COSMETOLOGIA O mercado cosmetológico está em franca expansão. Os cosméticos são produtos constituídos de substâncias naturais e sintéticas de suas misturas, sendo de uso externo (pele, cabelos, unhas, lábios, genitais externos, dentes, mucosa oral) com a finalidade principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência e/ou corrigir odores corporais e/ou protegê-los ou mantê-los em bom estado. Hoje, para se formular um cosmético, é necessário muito estudo como, por exemplo, anatomia da pele, incompatibilidade físico-química entre os princípios ativos e o veículo, estabilidade farmacotécnica da formulação, microbiologia, biotecnologia e etc. A cosmetologia estuda desde a concepção dos conceitos até a aplicação dos produtos elaborados. Entre esses dois extremos encontra-se a pesquisa de novas matérias-primas, tecnologias e desenvolvimento de formulações, produção, comercialização, controle de qualidade, toxicologia, eficácia
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de produtos e legalização junto ao órgão sanitário (ANVISA). Sendo uma atividade multidisciplinar, a cosmetologia envolve conhecimentos de física, química, biologia e algumas áreas humanísticas. Portanto, a formação técnica em biotecnologia com ênfase em cosmetologia permite ao aluno: • Avaliar os resultados das análises de controle de qualidade e sua repetibilidade; • Identificar adequadamente técnicas de amostragem, preparo e manuseio de amostras; • Conhecer e caracterizar os procedimentos de preparação de análises no processo; • Interpretar e selecionar os métodos utilizados na execução de análises no processo;e • Identificar os equipamentos e dispositivos utilizados para coleta de amostras. O curso também possibilita ao aluno o desenvolvimento de uma visão empreendedora, permitindo àqueles que se interessem pela atividade empresarial, atuar de forma competitiva no mercado, com
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Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico
o desenvolvimento e a venda de seus produtos, garantindo, também, a qualidade dos mesmos. As Figuras 02 e 03 mostram atividades dos alunos no Laboratório de Química.
Figura 02 - Aluno fazendo assepsia de vidrarias. Foto: Próprio autor.
Figura 03 - Alunos preparando e manuseando amostras. Foto: Próprio autor.
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O LABORATÓRIO As aulas práticas do curso de biotecnologia acontecem no Laboratório de Química, coordenado pela técnica de nível superior em Química Industrial, Kristiane Magno. Esse laboratório desempenha função multidisciplinar, pois o mesmo está adaptado à realização de processos de extrações dos princípios ativos dos vegetais, às manipulações das fórmulas cosméticas, e a alguns testes de controle de qualidade do produto elaborado no decorrer do curso. O laboratório apresenta equipamentos instrumentais, vidrarias, materiais, reagentes químicos e microbiológicos que podem ser vistos nas Figuras 04 e 05.
Figura 04 - Processo de Extração no Laboratório de Química. Foto: Próprio autor.
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so técnico, onde técnicas biotecnológicas são apresentadas e praticadas e, também, técnicas de fabricação de produtos cosméticos que partem desde a manipulação e controles de qualidade ao empreendedorismo e marketing dos cosméticos. Concluí o curso, apresentando um projeto baseado em substâncias odoríferas, criei uma fragrância a partir da mistura do óleo essencial de Aniba canelilla, popularmente chamada de casca preciosa, e outras substâncias sintéticas. Este trabalho me rendeu o título de técnica na área.”
Figura 05 - Processo de Manipulação Microbiológico. Foto: Próprio autor.
DEPOIMENTOS DE ALUNOS DO CURSO DE BIOTECNOLOGIA Taiara de Andrade Picanço, 19 anos, conforme Figura 06. “O curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia foi, para mim, uma etapa inicial de um longo percurso profissional. Entretanto, esta fase firmou ainda mais minha afinidade com a área. O aprendizado oferecido pelo curso preparou-me para dois dos campos mais promissores no mercado de trabalho – refiro-me à biotecnologia e à cosmetologia. Ouso dizer até que este é um duplo curT&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
“O curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia foi, pra mim, uma etapa inicial de um longo percurso profissional.”
Figura 06 - Taiara de Andrade Picanço concluiu o curso técnico em biotecnologia na Fucapi. Foto: Próprio autor.
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Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico
Figura 07 - Rafaele Figueira Batista, cursando o técnico em biotecnologia na Fucapi. Foto: Próprio autor.
Rafaele Figueira Batista, conforme Figura 07, página 64. “O curso de biotecnologia me interessou no aspecto profissional por causa do objetivo em adquirir conhecimentos técnicos e científicos voltados especificamente à fitoterapia, já que o curso oferece o suporte necessário para o desenvolvimento e a qualificação do profissional no mercado de trabalho que cada vez vem crescendo nesse setor.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS A biotecnologia com ênfase em cosmetologia é uma inovação no âmbito da economia. Sendo assim, o curso técnico propicia uma interligação entre o sistema econômico e o mercado, revolucionando as estruturas produtivas e criando fontes de diferenciação para as empresas. O curso técnico de biotecnologia resulta em novos processos para uso e serviço. A inovação profissionalizante em biotecnologia, dependendo da criatividade, inovação e comprometimento dos recursos humanos
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“...O curso de biotecnologia me interessou no aspecto profissional por causa do objetivo em adquirir conhecimentos técnicos e científicos...”
com a sociedade, o técnico será capaz de propor mudanças no processo produtivo e transformar o ambiente organizacional a partir dos novos paradigmas concebidos pela mão de obra técnica.
BIBLIOGRAFIA LIPI, Omar, et al. A ciência a favor da beleza. Revista Veja, Ed. 2125, Março 2010. PEYREFITTE, Gérard, MARTINI, Marie-Claude, CHIVOT, Martine. Cosmetologia, Biologia Geral, Biologia da Pele. São Paulo: Andrei, 1998. PRUMERAS, M. Manual de Cosmetologia Dermatológica. 2ª Ed., 1998. SITES CEEF, Projeto Pedagógico de biotecnologia Disponível em http://portal.fucapi.edu. br/medio-e-tecnico/. Acessado em 07 de Outubro de 2010. FONSECA, Krukemberghe, Biologia e T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
Curso técnico de biotecnologia com ênfase em cosmetologia e o mercado cosmecêutico
Cosmetologia, 2002 Disponível em http:// www.brasilescola.com.biologia/biotecnologia. Acessado em 07 de Outubro de 2010. MICROMACRO, Desenvolvimento Sustentável Disponível em http://www.micromacro. tv/portuguese.htm. Acessado em 07 de Outubro de 2010. ORT, I. T.. O que é Biotecnologia, 2008 Disponível em http://www.ort.org.br/biotecnologia. Acessado em 07 de Outubro de 2010. PADILHA, Ially Dark, Departamento de Biologia Molecular Disponível em http://www.bioinfo.ufpb.br/. Acessado em 07 de Outubro de 2010
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Nívea Maria da Silva Oliveira é graduada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela UFAM e especialista em Gestão Ambiental pela UTAM. Atua como professora do curso profissionalizante na FUCAPI. Roniele Tavares Fernandes é graduada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela ULBRA e especialista em Gestão de Recursos Naturais e Meio Ambiente pelo UNINORTE. Atua como professora do curso profissionalizante na FUCAPI.
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Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região Luciana de Castro Don Luiz Felipe Tavares Fonseca
Resumo As chamadas cápsulas da beleza são uma verdadeira tendência mundial, pois “tratam a beleza de dentro para fora”. Hoje este conceito é tão moderno que se classifica em uma categoria ainda não regulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil, porém já regulamentada e comercializada livremente em países da União Europeia e Estados Unidos. Os chamados nutricosméticos movimentam as cifras de bilhões de dólares, em todo o mundo. O mercado de cosméticos é um dos únicos segmentos da economia em contínuo crescimento, mesmo com as oscilações mundiais. A biotecnologia fusionada com o mercado de cosméticos orais, conhecidos como nutricosméticos, com foco em ativos da Região Amazônica, possibilita a formação de um novo nicho mercadológico que se posiciona como mola propulsora de crescimento econômico nacional, globalizando o potencial de ativos amazônicos para o mundo.
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Este artigo destaca a oportunidade de posicionar o Brasil, principalmente a Região Amazônica, no mercado mundial de produtos biocosmecêuticos.
Introdução A utilização de vitaminas, minerais, aminoácidos entre outras substâncias com valor nutricional em produtos alimentícios, há muito tempo vem ganhando espaço na vida dos consumidores que buscam uma melhor qualidade de vida e demonstram uma preocupação com a saúde em seu aspecto preventivo. Estamos vivendo a síndrome do dia pequeno: “24 horas é muito pouco”, da cobrança excessiva, da baixa autoestima, do estresse e do câncer precoce. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – 2008, em todo o mundo, cerca de 17 milhões de pessoas morrem em decorrência de doenças cardiovasculares: Acidente Vascular Cerebral T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região
(AVC) e infartos do miocárdio, o que representa a principal causa de mortalidade no mundo. No passado, a principal causa de mortalidade eram as doenças infecciosas. Com a evolução da medicina e o desenvolvimento de potentes antibióticos, somadas as revoluções tecnológicas como a internet e o celular, houve uma migração do foco da medicina do caráter curativo para o preventivo, pois é a base para o tratamento dos grandes males do nosso século: depressão, transtornos metabólicos alimentares, transtornos compulsivos obsessivos, obesidade, diabetes, etc., está sedimentada na tríade: boa alimentação, atividade física e equilíbrio emocional. Segundo GEORGE CARLIN em “paradoxo do nosso tempo”, o maior problema da humanidade é a falta de equilíbrio. Deixamos nossa vida e projetos pessoais, o que nos dá real satisfação e bem-estar, sempre para depois, pois hoje não temos tempo nem de cumprir a agenda sempre tão cheia e atribulada, além dos milhões de imprevistos. Sabiamente ele concluiu que bebemos demais, comemos muito mal, ficamos acordados até tarde, aprendemos a sobreviver em vez de viver, adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos. Estamos na era do fast-food e da digestão lenta. Esquecemos que somos o que comemos e aparentamos o que vivemos. Cobramo-nos demais e nos valorizamos de menos. Por isso, produtos que visam complementar à alimentação e à nutrição deficiente, consequentes
dos abusos alimentares de gordura e carboidratos e baixa ingestão de “alimentos vivos” antioxidantes, ganham cada dia mais espaço na vida dos consumidores e alimentam o mercado milionário dos suplementos alimentares. Estes produtos visam preencher as lacunas deixadas pela atual modalidade de alimentação totalmente incorreta.
Nutricosmético: segmentação de mercado e popularização A cada dia a incoerência alimentar incorpora-se mais na vida dos países desenvolvidos como os EUA, e hoje já se tornou uma realidade em países como Japão e Brasil que há décadas possuíam a cultura da alimentação balanceada. O advento da medicina “anti-aging” antienvelhecimento, que objetiva retardar o envelhecimento das nossas células e preservar suas funções vitais, e a ditadura de padrões estéticos estereotipados em revistas de moda e mídia em geral, publicada recentemente, como a Cosmetics & Toiletries, Veja e Ciência hoje, entre outras, conforme a Figura 01, fizeram com que produtos orais, com finalidade estética e do bem-estar fisiológicos, ganhassem lugar entre os consumidores de diversas classes econômicas. A nutricosmética tem por objetivos colaborar na melhora da saúde da pele, dos cabelos e tem a pretensão de devolver e manter o equilíbrio fisiológico do organismo.
Figura 01: Revistas especializadas. Fonte – http://www.cosmeticsonline.com.br/ http://www.cosmeticanews.com.br http://cienciahoje.uol.com.br Composição – Próprio autor.
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Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região
Para se ter uma ideia do tamanho do mercado dos suplementos alimentares, somente no Brasil, os polivitamínicos movimentam US$ 90 milhões relacionados a um volume de 15 milhões de produtos, segundo VELERIA – 2009 no livro Ativos Dermatológicos. Os nutricosméticos representam uma interseção dos mercados alimentício, farmacêutico e cosmético, como demonstrado na Figura 02.
cos, ou seja, são considerados medicamentos. O registro de produtos, no Brasil, que contenham na sua composição, uma mistura de macro e micronutrientes (aminoácidos, vitaminas e minerais) e fitoterápicos, se encaixa em mais de uma categoria o que dificulta o seu registro, produção e comercialização em escala industrial. Um novo conceito denominado fármaco-genética institui-se no mundo moderno apontando num
Cosmecêutico
Cosmético
Farmacêutica Bem
Cápsula da Beleza
Nutracêutico Alimentos
Figura 02: Interseção dos nutricosméticos. Fonte - Livro Ativos Dermatológicos, da autora Valéria Maria de Souza.
Devido ao conceito de nutricosméticos ser muito recente e estes produtos estarem em uma interseção de mercado, o órgão regulador no Brasil (ANVISA), não disponibiliza de legislação vigente que defina uma categoria e legislação de registros destes produtos para fins de produção e comercialização, por isso a farmácia de manipulação, hoje é a principal impulsionadora deste novo nicho de mercado, no Brasil. Na Europa, empresas como a L’Oreal e Nestlé se uniram para desenvolver produtos de administração oral que proporciona ao consumidor, além de benefícios nutricionais, o combate ao envelhecimento precoce e à celulite. Atualmente, o registro de produtos no Brasil segue três vertentes: medicamentos, alimentos e cosméticos, por isso, produtos contendo extratos de plantas devem ser registrados como fitoterápi-
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futuro muito próximo onde ocorrerá a personalização dos medicamentos, cosméticos, suplementos alimentares e nutracêuticos, atendendo à necessidade particular de cada indivíduo, baseando-se na análise do histórico de cada pessoa, seus hábitos diários e herança genética. Como a farmácia de manipulação propõe-se a oferecer produtos exclusivos, formulados de acordo com a necessidade de cada pessoa, tornou-se a opção imediata para absorver o mercado dos nutricosméticos, que cresce a cada dia e conquista mais consumidores, sem esbarrar no problema do registro. A farmácia de manipulação, no país, hoje retrata o que na Europa já se encontra regulamentado e comercializado livremente. Resultados visando à melhora do envelhecimento precoce, aumento da hidratação, combate a T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região
celulite e gordura localizada, cabelos com maior resistência, mais brilho, aumento da massa muscular - entre outros benefícios - são os mais procurados nos consultórios dermatológicos, endocrinológicos, geriátricos, etc., atualmente. Pesquisas mostram que os comprimidos causam rejeição neste segmento pelos consumidores, pois têm aparência de remédio, por isso, são comercializados em cápsulas, shakes, chocolates terapêuticos e jujubas medicamentosas. A nutricosmética está em franca expansão, principalmente na Europa. No Brasil o mercado ainda é pequeno, consequência do fato do pouco conhecimento sobre o assunto, baixa renda de população e entraves da legislação. Hoje, a aquisição deste tipo de produto está acontecendo nos consultórios médicos, onde através de receita aviada, a farmácia de manipulação passa a formular nutracêuticos e nutricosmêticos.
Nutricosméticos amazônicos: espécies e potencial de mercado Na Região Amazônica a nutricosmética tem um valor especial, pois para o mundo existe uma enorme aceitabilidade de produtos provenientes da Amazônia, uma vez que possui um valor agregado similar à sonoridade de marcas mundialmente conhecidas como Coca-Cola, Honda, Nestlé, Microsoft, etc., ou seja, os nutricosméticos amazônicos já possuem apelo de marketing próprio.
cado pelo Selênio, Vitamina E, Vitamina C, obtidos sinteticamente, pela Castanha da Amazônia, Açaí e Camu-camu. Sem contar com os diversos aminoácidos encontrados no Camu-Camu, do efeito vaso dilatador e melhora da circulação sanguínea promovido pelo Noni, que se torna uma excelente opção em substituição à Centella Asiática. Outro ativo comumente utilizado na medicina estética é o Exynutriment que pode ser substituído pelo Buriti, que aumenta a elasticidade da pele e auxilia na regeneração da camada córnea, aumentando o fator de proteção às ações do sol, combatendo os radicais livres. A alternativa de uso de insumos de origem amazônica para a produção desses produtos ainda não é explorada, isso muitas vezes acontece em virtude da falta de incentivos à pesquisa e/ou a produção destes produtos, que quase sempre segue não com o objetivo de obtenção de ativos utilizados na nutricosmética, ou seja, produtos de uso oral, mas sim de ativos utilizados em cosméticos, produtos de uso tópico. Apesar da pouca pesquisa, já existem algumas opções para o uso de insumos originários da Amazônia para a produção de nutracêuticos, porém muito ainda falta ser feito para suprir a necessidade do mercado, em decorrência da oferta da biodiversidade. Para a Região Amazônica, estudos e projetos vêm sendo estudados a fim de viabilizar a pesquisa e produção de produtos nutracêuticos, cosméticos
Uma tendência mundial de comercialização de nutracêuticos com ativos da Amazônia está por vir, substituindo os tão comumente utilizados hoje pela medicina e estética, e isso se torna uma excelente oportunidade de investimentos futuros na região, apesar do entrave ocasionado pela Legislação Sanitária Brasileira, por este conceito superar o preconizado na RDC 211/05, que trata cosméticos como produtos de uso externo. Imagine poder substituir o uso da Caralluma Fimbriata, que é um cacto originado na Índia pelo Guaraná, que aumenta a utilização dos ácidos graxos, como fonte de energia, acelerando a queima de gorduras, ou mesmo o efeito anti-aging provo-
e fitoterápicos. Incentivos promovidos pelo programa Biorede, do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), atrelados ao Projeto de Lei nº2088/2007, de autoria da Deputada Federal Vanessa Grazziotin, visam à realização de pesquisas e instalação de um polo de produtos cosmecêuticos provenientes da biodiversidade da região. Parcerias, ainda minoritárias, entre instituição de ensino e empresas privadas, como a formada pela Fucapi e a franquia da rede de Farmácia de Manipulação A Fórmula, em Manaus, contribuem para a formação de alunos especializados em Biotecnologia de Cosméticos, seguido hoje, da ab-
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Nutricosméticos amazônicos: oportunidade econômica para a região
sorção dos profissionais formados na produção de produtos cosmecêuticos manipulados, porém existe interesse futuro de investimentos em pesquisas e desenvolvimento de ativos e produtos.
Conclusão O uso de produtos que visam à suplementação da alimentação, atrelados aos efeitos cosméticos vêm se difundido em todo o mundo, e isso não é diferente no Brasil, ainda não existe legislação específica para a fabricação e comercialização em escala industrial. As farmácias de manipulação vêm absorvendo essa demanda de mercado e promovendo uma tendência que, por ser algo muito novo, segue padrões do mercado mundial, porém hoje as oportunidades de utilização de ativos amazônicos em substituição aos comumente utilizados na medicina estética e nutricional estão se tornando tendência para o mercado mundial de produtos nutricosmecêuticos.
BIBLIOGRAFIA Amazonas. Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado do. Rede Amazônica de Pesquisa e Desenvolvimento de Biocosméticos – RedeBio. Disponível em: <http://www.fapeam.am.gov.br/programa. php?cod=55>. Acesso em: 25 out. 2010. Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2088 de 20 de setembro de 2007. Dispõe sobre a indicação geográfica protegida para o biocosmético amazônico. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/505827.pdf>. Acesso em: 25 out. 2010. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC n° 211 de 14 de Julho de 2005. Dispõe sobre o registro de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes. D.O.U. Brasilia, 18 de Julho de 2005.
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Sebrae. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Cosméticos à Base de Produtos Naturais. 2008 Souza, V. M. Ativos Dermatológicos. Produtos de Administração Oral com Finalidades Estéticas. São Paulo – 2009. p 395 – 403. SITES http://www.cosmeticsonline.com.br/ct/ct_edicao_ atual.php h t t p : / / w w w. c o s m e t i c a n e w s . c o m . b r / l e i t u r a . php?id=878 http://www.cosmeticsonline.com.br/ct/exibir_materia.php?id_capa=14 http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2010/268/ imagens/capa268.jpg
Luciana de Castro Don é graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Cosmetologia (Faculdade Oswaldo Cruz) e em Farmácia Magistral pela Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (ANFARMAG). Luiz Felipe Tavares Fonseca é graduado em Farmácia pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE) e aluno do curso de especialização Lato Sensu em Farmacologia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
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aRTIGO
Projeto Curupira: uma agenda positiva para a Amazônia Silvio Rodrigues Persivo Cunha
RESUMO O Projeto Curupira possui a ideia central de recuperar áreas degradadas de pequenas propriedades, com recursos de um investidor que será recompensado com a venda da madeira. O produtor recebe os recursos para limpar o terreno, colocar calcário e outros produtos indispensáveis para o plantio em área de sua propriedade. Durante os anos, cerca de vinte e cinco, em que cuida das árvores, recebe uma pequena quantia e 15% da madeira retirada aos 8, 15, 20 e 25 anos quando os cortes são feitos. O modelo já possui quatro contratos internacionais que permitiram o plantio de mais de 20 mil mudas. O presente artigo explica a origem, os problemas e o estágio atual do projeto. Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Recriação da Floresta, Investimento em árvores.
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Introdução Hoje, em todos os segmentos, existe uma preocupação mundial com relação ao futuro do planeta por causa do modelo de produção baseado em recursos naturais não renováveis. São inumeráveis os alertas e as preocupações com o aquecimento global e a poluição e, não poucas vezes, o noticiário, a partir de algum tipo de acidente, ou constatação de mudanças no clima, proporcionam espaço para previsões cada vez mais catastróficas. São preocupações válidas que introduziram como fator relevante nas decisões políticas e empresariais o vetor ecológico e o conceito de Desenvolvimento Sustentável. Embora existam mais de 270 definições diferentes do que seja desenvolvimento sustentável o cerne das definições mais aceitas são de que este é o tipo do desenvolvimento capaz de suprir às necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro e usa os re-
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cursos com eficiência e equidade social. Em suma sua utilização exige precaução ecológica, justiça social e eficiência econômica. Porém, uma coisa é o conceito e outra sua aplicação. Basta verificar que, entre outras dificuldades, sua enunciação já impõe como forma de ser alcançado, o planejamento, o reconhecimento de que os recursos naturais são finitos e de que se precisa de uma nova forma de desenvolvimento econômico que leve em conta o meio ambiente. No entanto, desenvolvimento sustentável continua a ser uma utopia. É fato que não existem grandes projetos ambientais autossustentáveis e, principalmente, em relação à Amazônia a agenda existente é completamente negativa. Somente se propõe medidas restritivas à produção, legislações que tendem a engessar o sistema econômico e a impedir grandes projetos de qualquer tipo e que não leva em consideração a necessidade local de alternativas econômicas. O projeto Curupira é uma tentativa de suprir esta lacuna. Uma experiência que pretende mostrar que plantar árvores é a vocação da Amazônia.
Origem e desenvolvimento do projeto Curupira O projeto Curupira nasceu de vários problemas de ordem prática. O primeiro deles, a partir do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de Rondônia-SIMPI/RO, iniciou-se em 2001 por ter havido um esforço para exportação de madeiras, pelos micros e pequenos, para a Holanda e, diante de um pedido de maior vulto, os pequenos empresários não ousaram fechar um contrato para fornecimento de madeira por cerca de cinco anos. A razão era simples, embora tivessem condições para produzir as pranchas de madeira, possuíam um imenso receio de que faltasse matéria-prima. É irônico, mas, de fato real. As restrições impostas pela legislação importaram segundo a Federação das Indústrias na queda da quantidade de estabelecimentos do setor madeireiro de 1.300, em 1989,
para 793, em 2005 (FIERO, 2005), e, atualmente, se estima, com as operações espetaculares¹ que o IBAMA tem feito no Estado, que existam menos de 200 empresas em funcionamento. O grande entrave é que não se pode desmatar sem reflorestamento e com a Medida Provisória nº 1.511, de 25 de julho de 1996, depois várias vezes reeditada, iniciou-se uma série de restrições que exigem a preservação de 80% das áreas privadas. Ocorre que esta medida, saudada pelos ambientalistas como correta, em Rondônia, atropelou o zoneamento econômico ecológico existente e permitiu que áreas que deveriam ter desmatamento zero fossem utilizadas como é o caso do Vale do Guaporé, hoje cheio de bois, enquanto impedem que, em pequenos assentamentos (o Instituto de Colonização e Reforma Agrícola-INCRA regularizou pequenas áreas entre 1 e 10 hectares), as propriedades tenham viabilidade econômica. Ora, aplicar a reserva legal em 80% e qualquer propriedade rural na Amazônia Legal desprezando-se a situação fática é um desserviço à preservação do bioma amazônico, e, claramente, contraproducente. Mas, o governo não se limitou a isto. Efetivamente criminalizou quem já havia desmatado e, o cúmulo da ignorância histórica, exige que se recuperem áreas onde já existem, hoje, cidades e culturas implantadas, além de criar reservas em cima de áreas já ocupadas há décadas. É a imposição legal, contra a situação real, de que a Amazônia é “um vazio”. Como tem se observado toda a política pública é meramente fiscalizatória e punitiva com empresários e pequenos produtores que são tratados como bandidos sem que se ofereça qualquer alternativa econômica quando esfacelam, inclusive com o uso da Polícia Federal, seus negócios e suas vidas. Ao tratar problemas sociais e econômicos como se fossem de polícia o governo apenas faz espetáculo e agrava os problemas. Não cuida do essencial que seria fazer uma regularização fática do espaço amazônico, impor um zoneamento
¹ A Operação Arco de Fogo iniciou sua atuação em Rondônia na última segunda-feira (3) e os técnicos estão finalizando a medição de material encontrado nos pátios das duas maiores madeireiras de Machadinho D’Oeste. Participam da operação 16 fiscais do Ibama, 28 agentes da Força Nacional de Segurança e 20 da Polícia Federal. Trecho de nota da Agência Brasil de 07 de março de 2008.
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efetivo, zelar e manter suas reservas, e criar alternativas econômicas para as populações locais. Esta situação, a relevância da questão ecológica e a necessidade de criar alternativas levaram a que, a partir do SIMPI/RO, um grupo de técnicos do IBAMA, da Emater, a empresa estadual de assistência técnica e da EMBRAPA passassem a discutir como trocar a agenda negativa do governo por uma agenda positiva partindo da constatação de que não existiam projetos de desenvolvimento sustentáveis disponíveis, vez que não se conhecia nenhum implantado de grande escala. O cerne da ideia surgiu a partir da constatação de que havia um projeto experimental de castanheira com quase vinte anos em Machadinho mantido pela Embrapa e foi, inicialmente, com base nesta experiência que se desenvolveu a convicção de que a Amazônia é o lugar apropriado para criação de árvores e suas madeiras têm procura mundial e preços excelentes, muito superiores a outros investimentos, ou seja, os cálculos feitos mostraram que qualquer investimento feito na Amazônia (gado, verdura, café e etc.) não dá o lucro que a madeira dá ao longo prazo. Assim a ideia básica do projeto Curupira é a de aproveitar as áreas degradadas dos pequenos produtores para plantar árvores com um investidor pagando as despesas e sendo ressarcido quando da venda da madeira. Em suma os objetivos do projeto são: I - Plantar árvores para venda de madeira futura; II - Recriar e recuperar a floresta em locais que hoje é pasto e capoeira; III - Dar ao pequeno agricultor uma renda fixa mensal, que hoje ele não tem, e a aposentadoria que dê a melhoria de qualidade de vida ao cidadão que o governo não dá; IV - Diminuir o impacto negativo ambiental resultante da extração de madeira. Entre a concepção inicial do projeto e a implantação dos primeiros dez hectares de árvores, porém, se passaram oito anos. Plantar árvores, ao contrário do que se pensava num primeiro momento, não era tão fácil quanto parecia. Foram obstáculos a serem superados, problemas, tais como superar as barreiras legais, financiar um projeto modelo, formatar um modelo de negócio, gerir e T&C Amazônia, Ano VIII, Número 19, II Semestre de 2010
viabilizar este modelo. Um dos primeiros problemas enfrentados foi que todos os cálculos sobre a viabilidade do projeto foram realizados com base na castanheira (Bertholletia excelsa), cuja extração nativa é de conhecimento público ter o corte proibido pelo Decreto nº 1.282, de 19 de outubro de 1994. Porém, logo também se ressaltou que mesmo a espécie sendo plantada existiriam problemas para extraí-la, logo, como oferecer retorno a um investimento numa madeira que não se poderia retirar. Por incrível que pareça a solução foi plantar a árvore exótica, a Teca (Tectona Grandis) por haver maior conhecimento sobre ela e por ser viável. Não pararam, porém, por aí os problemas. Para plantar árvores nas pequenas propriedades era exigido um plano de manejo de cada pequeno produtor! Um absurdo, em razão do custo e da inexequibilidade. Este assunto foi objeto de discussão com técnicos do IBAMA, do Ministério do Meio Ambiente, deputados federais e senadores. Como cuidar - e este era o desafio inicial, por exemplo, para ser modesto, de 50 planos de manejo? Para os técnicos locais era incompreensível que não se percebesse que medidas burocráticas deste tipo eram absurdas e tornavam extremamente difícil plantar e recuperar áreas degradadas. Parecia que batíamos contra um muro intransponível e os ouvidos eram de mercadores para a questão. Até que alguém no governo percebeu e criou as Instruções Normativas nº 03, 04 e 05 do IBAMA, datadas de 08 de setembro de 2009, publicadas no dia seguinte no Diário Oficial da União que atendia, logo no primeiro artigo, nossas reivindicações ao estabelecer que: “Art. 1º O plantio e condução de espécies florestais, nativas ou exóticas, com a finalidade de produção e corte em áreas de cultivo agrícola e pecuária alteradas, subutilizadas ou abandonadas, localizadas fora das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, são isentos de apresentação de projeto e de vistoria técnica”. E passava a ser de competência dos órgãos fiscalizadores verificar as mudas plantadas e fazer a vistoria, o que constatava a reposição e, portanto,
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permitia que se plantassem árvores na Amazônia o que antes era difícil ou quase impossível pelos custos. Para que pudéssemos fazer um projeto piloto, então ficou faltando apenas um investidor. Um produtor rural, proprietário do Sítio 2 Irmãos, na altura do Km 23 da Br-364, Elias Buch, já se havia colocado à disposição para participar do plantio inicial. Por meio dos contatos externos da Amazon Business procuramos os investidores internacionais com a criação de filmetes e com o site com endereço www.amazoniarainforest.net que tinha tradução simultânea em inglês, francês, espanhol e até mandarim lançando uma campanha de “Recriação da Floresta”. E o sucesso da iniciativa veio com a adesão de um empresário francês ecologicamente correto da Taygra, uma empresa de produção de tênis, Alexandre Christian Mathieu
Salaün, conforme Figura 01, que se interessou pelo projeto por suas bases ecológicas e sociais e se tornou seu primeiro parceiro investidor e ainda apresentou outro investidor para mais 5 hectares, o peruano Felix Enrique Maldonado Mayta, que confessou que “Além do apelo ecológico fiz as contas e vi que se trata de um projeto rentável e de grande alcance ecológico e social”. A assinatura dos contratos foi realizada numa solenidade breve em que foram assinados contratos em inglês, por ser a língua internacional, com cópias em espanhol e português que foram traduzidos pela intérprete Laura Nogueira. Assim, em novembro de 2009, começaram a ser plantadas as 5.500 árvores que foram das espécies Teca e Guanandi (jacareúba), conforme a Tabela 01.
Figura 01 - O investidor Alexandre Salaún (à esq.) comemora a plantação das primeiras mudas de Teca do Projeto Curupira. Foto: Leonardo Heuler Calmon Sobral.
Tabela 01 - Guanandi (jacareúba)
Composição Financeira
Desembolso
Prazo
Instituição
Mudas e Plantio
17.500,00
Contrato
Investidor
Corpo Técnico/Campo
180.000,00
48 Meses
Instituto Curupira
Elaboração de Projeto Corpo Técnico/eco. financeiro, seminários e reuniões
40.000,00
08 Meses
Instituto Curupira
Corpo de Apoio
24.000,00
30 meses
Instituto Curupira
Fonte: Projeto Curupira - Custo da Implantação dos primeiros 5 hectares.
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Conclusões Hoje o projeto Curupira já possui mais de 20 mil mudas plantadas na área de dois produtores, porém ainda não tem uma formatação definitiva. No entanto, desperta uma enorme atenção a ponto de empresários chineses manifestarem interesse em produzir madeira em grandes áreas. Esta não é, todavia, a visão dos envolvidos nem a finalidade do projeto. Está em andamento uma negociação com investidores para o plantio de 200 hectares no Assentamento Jequitibá do INCRA, composto por pequenos produtores rurais. A existência de quatro contratos internacionais assegura a viabilidade do modelo que precisa ser complementado pelo seguro das áreas, uma vez que a garantia do investidor é ser o produtor o fiel depositário de seu investimento. O produtor zela pelas árvores, na medida em que tem uma receita todo mês, complementada com uma recompensa nos cortes de madeira, com base nos contratos atuais de 15% da madeira extraída. Com a espécie Teca isto pode ser aumentado e a renda do produtor também, se conseguirmos como este estudo a consorciação com outras culturas ou até mesmo com projetos de sequestro de carbono. A experiência mostra que investir em árvores é vantajoso.
regime de manejo florestal sustentável e dá outras providências. IBAMA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 5, DE 8 DE SETEMBRO DE 2009 Dispõe sobre os procedimentos metodológicos para restauração e recuperação das Áreas de Preservação Permanentes e da Reserva Legal.
Silvio Rodrigues Persivo Cunha é doutor em Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos-NAEA da UFPA. Atua como professor de Economia Internacional na Fundação Universidade de Rondônia-UNIR e consultor econômico na Fecomércio/RO.
Bibliografia FIERO. Perfil dos setores produtivos de Rondônia. Porto Velho: Instituto Euvaldo Lodi/Núcleo Regional de Rondônia: IEL/NR, 2005. IBAMA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 8 DE SETEMBRO DE 2009 Dispõe sobre o plantio e a condução de espécies florestais com a finalidade de produção e corte em áreas de cultivo agrícola e pecuária alteradas, subutilizadas ou abandonadas, localizadas fora das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal. IBAMA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 4, DE 8 DE SETEMBRO DE 2009 Dispõe sobre procedimentos técnicos para a utilização da vegetação da Reserva Legal sob
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NOTÍCIAS T&C
11th International Symposium on Biosafety of Genetically Modified Organisms - ISBGMO 11 O tema da 11ª edição do ISBGMO será "O papel da pesquisa de biossegurança no processo de decisão". Este simpósio reunirá cientistas interessados em compartilhar os resultados com outros especialistas na área de pesquisa de biossegurança e sua aplicação na regulamentação. Para tanto, uma programação de workshops e palestras está sendo desenvolvida, com a finalidade de incentivar o intercâmbio de experiências e ideias científicas com foco em biossegurança e nos processos regulatórios, especialmente nas avaliações de risco que permitem, por fim, tomar decisões baseadas na ciência. O evento acontecerá entre 15 e 20 de novembro de 2010, no Centro Cultural Borges - Galerias Pacifico, Buenos Aires, Argentina. Mais informações acesse o site www.isbgmo.info/index.html Fo n te - h ttp ://w w w.b i o te c - a h g .c o m .b r /i n d e x .p h p /p t/a g e n d a - d e - e v e n to s /d e ta i l s /6 5 11th%20International%20Symposium%20on%20Biosafety%20of%20Genetically%20Modified%20Or ganisms%20-%20ISBGMO%2011
Embrapa inicia curso A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia promove todos os anos cursos e treinamentos voltados à comunidade acadêmica, profissionais, e pessoas interessadas em seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento. O curso Introdução ao Uso de Marcadores Moleculares: Teoria e Prática é voltado para profissionais, pesquisadores e estudantes de pós-graduação envolvidos na pesquisa dos recursos genéticos e áreas afins, como o melhoramento genético vegetal, animal e microbiano, o controle biológico, a prospecção biotecnológica. O curso será realizado entre os dias 06 e 17 de dezembro de 2010, em Brasília/DF. Demais informações acesse - catcurso@cenargen.embrapa.br Fo n te - h ttp ://w w w.b i o te c - a h g .c o m .b r /i n d e x .p h p /p t/a g e n d a - d e - e v e n to s /d e ta i l s /6 4 Introdu%C3%A7%C3%A3o%20ao%20Uso%20de%20Marcadores%20Moleculares%20Teoria%20e%20Pr%C3%A1tica
Congresso sobre inovação técnica-científica A Pittcon Conference & Expo é um dos principais eventos internacionais para a inovação técnicacientífica. A cada ano, milhares de conferencistas de mais de 85 países visitam a Pittcon, para avaliar novos produtos, tecnologias e ampliar sua network de negócios. O congresso acontecerá entre 13 e 18 de março de 2011, no Sidney Marcus Auditorium, Georgia World Congress Center, Atlanta, Geórgia, EUA. Outras informações acesse o site - http://www.pittcon.org/index.php Fo n te - h ttp ://w w w.b i o te c - a h g .c o m .b r /i n d e x .p h p /p t/a g e n d a - d e - e v e n to s /d e ta i l s /7 0 Pittcon%20Conference%20?Expo_2011=
Curso de Conservação ex situ: Criopreservação de Germoplasma Vegetal O período de pré-inscrição para o curso vai até o dia 01 de fevereiro de 2011. O candidato deverá enviar currículo resumido e ficha de inscrição preenchida e assinada para catcurso@cenargen.embrapa.br. O período de inscrições é de 02 a 12 de março de 2011. A realização será entre 15 e 26 de março de 2011. Mais informações envie e-mail para ant@cenargen.embrapa.br. Fonte - http://www.cenargen.embrapa.br/cursos.html
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