Revista História da Educação - RHE - v. 15, n. 33

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ISSN 1414-3518 e-ISSN 2236-3459

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 1

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História da Educação - RHE

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Imagem da capa: Rembrandt Harmensz van Rijn (1606-1669): Tito estudando (1655).

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ISSN 1414-3518 e-ISSN 2236-3459 v. 15, n. 33, jan./abr. 2011

REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Publicação quadrimestral da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS

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REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Publicação quadrimestral da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe http://seer.ufrgs.br/asphe Editores Maria Helena Camara Bastos Maria Stephanou Claudemir de Quadros

Submissões As submissões de textos devem ser feitas no endereço www.seer.ufrgs.br/asphe. © Direitos autorais Os direitos autorais dos textos publicados pertencem à Revista História da Educação.

Conselho editorial nacional Carlota Reis Boto - USP Dermeval Saviani - Unicamp Elomar Antonio Callegaro Tambara - UFPel Flávia Obino Correa Werle - Unisinos Jorge Carvalho do Nascimento - UFSE Jorge Luiz da Cunha - UFSM José Gonçalves Gondra - Uerj Luciano Mendes Faria Filho - UFMG Lúcio Kreutz - UCS Marcus Levy Albino Bencosta - UFPR Maria Juraci Maia Cavalcanti - UFCE Maria Teresa Santos Cunha - Udesc Marta Maria de Araújo - UFRN

© Autorização de reprodução É permitida a reprodução total ou parcial do conteúdo, desde que atribuídas as respectivas referências. Indexadores Lantindex: Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - http://www.latindex. unam.mx. - Sumários.org - http://www.sumarios.org - Qualis/Capes - http://qualis.capes.gov.br/ webqualis. - Seer/Ibict - http://www.ibict.br.

Conselho editorial internacional Adrian Ascolani - Universidad Nacional de Rosário, Argentina Antonio Castillo Gómez - Universidade de Alcalá, Espanha Luís Miguel Carvalho - Universidade Técnica de Lisboa, Portugal Antonio Viñao Frago - Universidad de Murcia, Espanha Pierre Caspard - Service d‟Histoire de l‟Éducation, França Joaquim Pintassilgo - Universidade de Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência Estrada Padre Gabriel Bolzan, 30. 97095-500 - Santa Maria - RS. E-mail: rhe.asphe@gmail.com. Tiragem 300 exemplares. Impressão Maio de 2011.

Consultores ad hoc Berenice Corsetti - Unisinos Eliane Teresinha Peres - UFPel Giana Lange do Amaral - UFPel

História da educação / Associação Sul-RioGrandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe, v. 15, n. 33 (jan./abr. 2011) - Porto Alegre: Asphe. Quadrimestral. ISSN 1414-3518 e-ISSN 2236-3459 v. 1, n. 1, abr. 1997

Escopo A Revista História da Educação é uma publicação quadrimestral da Associação SulRio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe - que tem como finalidade disseminar conhecimentos relacionados à história da educação.

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1. História da Educação - periódico I. Asphe. CDD: 370-5.

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Associação Sul-Rio-Grandende de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS Associação criada em 11 de dezembro de 1995, em São Leopoldo/RS, que tem por finalidade promover estudos e disseminação de informações relacionadas à história da educação. http://www.asphe.com.br

Diretoria (2009-2011) Maria Stephanou - presidente, Ufrgs Claudemir de Quadros - vice-presidente, UFSM Carla Gastaud - secretário geral, UFPel

Conselho Fiscal (2009-2011) Giani Rabelo - Unesc Luciane Sgarbi Santos Grazziotin - Unisinos Rita de Cássia Grecco dos Santos - Furg

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SUMÁRIO Editorial .............................................................................. Más allá del espasmo del presente. La escuela como memoria Beyond the spasm of this. School as a memory.

Agustín Escolano Benito .................................................... Memoria, patrimonio y educación Memory, patrimony and education

Antonio Viñao ..................................................................... O que um menino deve saber para seu bem. Representações de infância em manual de educação moral e sexual do início do século 20 What a boy should know for your own good. Representations of childhood in handbook of moral and sexual education of the early twentieth century

Maria Stephanou ................................................................ Estudantes ou ouvintes? O público das faculdades de letras e ciências no século 19 (1808-1878) Pupils or listeners? The audience of the faculties of letters and sciences in the 19th century (1808-1878)

Boris Noguès Tradução de Maria Helena Camara Bastos ....................... Itinerários profissionais de professores no Brasil e em Portugal: redes de intercâmbio no contexto de expansão do movimento da Escola Nova Professional trajectories of teachers educators in Brazil and Portugal at the new educational moviment context

Libânia Nacif Xavier Maria João Mogarro ........................................................... História da Educação - RHE

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O regime militar na (des)memória da editora Abril: a revista ESCOLA e a difusão da lei 5.692/71 The military regime in the publisher April memory: the ESCOLA magazine and the diffusion of the educational law n. 5.692/71

Daniel Revah Maria Rita de Almeida Toledo ............................................ Resenha História da organização do trabalho escolar e do currículo no século 20: ensino primário e secundário no Brasil Tatiane de Freitas Ermel .................................................... Documento O prelúdio das campanhas de alfabetização na era Vargas: a Cruzada Nacional de Educação Alessandro Carvalho Bica Berenice Corsetti ............................................................... Orientações aos colaboradores .........................................

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EDITORIAL

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A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe - tem procurado, desde a sua criação em 1995, contribuir para com o desenvolvimento de estudos acerca da história da educação brasileira. Para tanto, desde 1997, publica a Revista História da Educação - RHE - que, até 2010, foi brilhantemente editada pelo professor Elomar Antonio Callegaro Tambara, com apoio da Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Expressamos o nosso reconhecimento e agradecimentos pelo empenho e responsabilidade com que traçou os rumos da revista, ao longo desses quatorze anos. Esse legado de responsabilidade nos mobiliza, não só a darmos continuidade ao trabalho, a partir de 2011, bem como a manter, ampliar e consolidar o projeto editorial da RHE. Essa fase que se inicia traz novidades aos seus leitores. Nesse sentido, cabe destacar que assumiram a editoria da revista os professores Maria Helena Camara Bastos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Maria Stephanou, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Claudemir de Quadros, da Universidade Federal de Santa Maria. O conselho editorial internacional foi ampliado, com a participação dos

professores

Pierre

Caspard,

do

Service

d‟Histoire

de

l‟Éducation/INRP, França; Joaquim Pintassilgo, da Universidade de História da Educação - RHE

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Lisboa, Portugal, e Adrian Ascolani, da Universidad Nacional de Rosário, Argentina. Além disso, a Revista História da Educação - RHE - tem um novo e importante espaço de visibilidade: um portal produzido no âmbito do Sistema de Eletrônico de Editoração de Revistas - Seer/Ibict. Esse espaço, que tem como provedor a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, permite que o processo de submissão, avaliação, edição e publicação possa ser feito totalmente por meio eletrônico. Ao acessar http://seer.ufrgs.br/asphe, tem-se a visão geral do portal da revista. Destaque-se que estamos na fase inicial de configuração e disponibilização de informações e materiais. Aproveitamos para pedir a sua colaboração: dedique um tempo para acessar o portal, conhecê-lo e cadastrar-se nele. Todo o procedimento de edição da revista será gerenciado por meio do sistema que, em alguma medida, depende de cadastros prévios. A implantação desse sistema nos deixa num lugar de visibilidade similar ao de outras revistas qualificadas da área e pode nos auxiliar na continuidade do reconhecido trabalho até agora desenvolvido. A partir desse número, o periódico também adota novas orientações para submissão de trabalhos, que será totalmente online. Nos seus 15 anos de atuação na produção de pesquisas e na reflexão teórica e metodológica do campo, a Asphe e a RHE têm procurado contribuir para a consolidação da área de história da educação no Brasil e para a ampliação do diálogo em busca de caminhos para a educação brasileira.

Os editores.

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MÁS ALLÁ DEL ESPASMO DEL PRESENTE. LA ESCUELA COMO MEMORIA.

Agustín Escolano Benito

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MAIS ALÉM DO ESPASMO DO PRESENTE. A ESCOLA COMO MEMÓRIA. Resumo Neste trabalho se analisa o valor da escola como conteúdo da memória biográfica e como elemento constitutivo da identidade biográfica das pessoas. Mediante análises baseadas na semiologia da cultura escolar e em alguns conceitos tomados da antropologia, o autor aborda as perspectivas hermenêuticas da história da educação. Analisa, também, os usos terapêuticos do patrimônio histórico-educativo nos marcos da educação patrimonial. Palavras-chave: memória da escola e escola como memória, cultura escolar, conteúdos y patterns da cultura empírica da escola, história e hermenêutica da escola, usos terapêuticos do patrimônio escolar.

BEYOND THE SPASM OF THIS. SCHOOL AS A MEMORY. Abstract This paper analyzes the value of school as the content of biographical memory and identity as a constitutive element of biographical people. Upon analysis based on the semiology of the school culture and some concepts borrowed from anthropology, the author examines the hermeneutical perspectives of the history of education. Consider also the therapeutic uses of equity in educational historical landmarks of heritage education. Keywords: memory of the school and school as a memory, school culture, contents y empirical patterns of culture of the school, history and hermeneutics of the school, therapeutic uses of school property. História da Educação - RHE

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MÁS ALLÁ DEL ESPASMO DEL PRESENTE. LA ESCUELA COMO MEMORIA. Resumen Este trabajo analiza el valor de la escuela como contenido de la memoria biográfica y como elemento constitutivo de la identidad biográfica de los sujetos. Mediante análisis basados en la semiología de la cultura escolar, y algunos conceptos tomados de la antropología, su autor aborda las perspectivas hermenéuticas de la historia de la educación. También extrapola sus análisis a los usos terapéuticos del patrimonio histórico-educativo en el marco de la educación patrimonial. Palabras clave: memoria de la escuela y escuela como memoria, cultura escolar, contenidos y patterns de la cultura empírica de la escuela, historia y hermenéutica de la escuela, usos terapéuticos del patrimonio escolar.

AU-DELADE LA PRESENTELESPASM. L’ECOLECOMME UNE MEMOIRE Resumé Cet article analyse la valeur de l'école que le contenu de la mémoire biographique et de l'identité comme un élément constitutif de biographiques des personnes. Lors de l'analyse fondée sur la sémiologie de la culture scolaire et certains concepts empruntés à l'anthropologie, l'auteur examine les perspectives herméneutiques de l'histoire de l'éducation. Considére aussi les utilisations thérapeutiques de l'équité historique et éducatif dans le cadre de l'éducation au patrimoine. Mots-clés: mémoire de l'école et l'école comme un souvenir, culture de l'école, contenus y empiriques de la culture de l'école, histoire et herméneutique de l'école, utilisations thérapeutiques des biens scolaires.

Somos, más allá de los espasmos del presente, constitutiva y

ontológicamente memoria, como subrayó el filósofo español Emilio Lledó. Los individuos y los grupos humanos nos abrimos al mundo de la vida a partir de los deseos, pero las expectativas de estos nacen y se socializan bajo el ethos estructurante de la memoria, un valor que nos permite, según sugería la escritora María Zambrano, “no avanzar a ciegas”, si bien ello haya de hacerse a menudo escribiendo y borrando, como se hace en los juegos de arena, los contenidos de los recuerdos, o también viajando por el quimérico museo de formas inconstantes a que aludía Jorge Luis Borges al referirse a la versatilidad y volubilidad de lo mnemónico.

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Nacemos, como advirtió el poeta Rainer María Rilke, en un mundo interpretado, pero tenemos al tiempo necesidad de liberarnos de los corsés con que se nos quiere hacer inteligible, y en consecuencia hemos de construir con nuestro esfuerzo, personal o compartido, una nueva lectura de las cosas, de las palabras y de nosotros mismos. Esta es seguramente la clave de la “condena hermenéutica” a que estamos inexorablemente abocados. De ella habla en su reciente ensayo, aún en curso de edición, nuestro colega Joaquín Esteban. Y tal es probablemente el mayor desafío existencial adscrito a la condición humana, un reto que tampoco es seguro que vayamos a resolver con nuestra actitud interpretativa, pero que sí afecta, de modo radical, a la construcción de nuestra propia identidad narrativa. La respuesta a tan importante expectativa y demanda está sobredeterminada, y al tiempo también asistida, por dos acervos culturales: uno, el que nos aporta la tradición disponible, esa especie de memoria colectiva adscrita a la historia efectual reflexionada de la que habló la hermenéutica clásica; otro, el que se va configurando, al nivel de la subjetivación, en la memoria de cada biografía personal. Con ambos contenidos urdimos el tejido de la respuesta hermenéutica a la condena interpretativa, y en los dos juegan un papel esencial los contenidos de la memoria. En este breve ensayo queremos aportar algunos elementos de reflexión relativos a la función que desempeña en esta tarea interpretativa la memoria gestada y depositada en la experiencia escolar, un componente que hoy es prácticamente universal en el contexto de las sociedades de democracia cultural avanzada, en

las que todas las

generaciones que cohabitan en los escenarios de nuestro tiempo han estado sometidas a los dispositivos de normalización de la educación institucionalizada, y guardan por tanto recuerdos de su cultura.

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La memoria de la escuela El tema de la memoria de la escuela es susceptible de múltiples abordajes. Nosotros nos hemos venido ocupando de él, desde hace algunos años, bajo un prisma más bien antropológico en sus relaciones con la educación, y más concretamente con la construcción sociocultural de los componentes estructurantes de ésta: en la proyección de la memoria escolar en la identidad biográfica de los sujetos, en la configuración de la cultura de la escuela que analizamos los historiadores de la educación, en la definición del habitus del oficio de enseñante que gestiona sus contenidos, en el formateado de las prácticas pedagógicas dominantes e incluso en la semántica añadida a los materiales semióforos que median en la relación entre los actores de las instituciones de formación y que hoy se recogen y ordenan en los museos pedagógicos. Todas estas facetas del mundo de la escuela, y por extensión de la educación, están sobredeterminadas por ingredientes y procesos que se vinculan a la memoria. Algunos elementos de la memoria disponible permanecen estables, pero muchos de ellos se deforman una y otra vez en el caleidoscopio de los juegos de espejos a que son sometidos cuando se recuerdan. Tal vez por ello, los ríos, cuando quieren reorientar el sentido de su marcha, se calman y sosiegan en el tracto de su cursus o recorrido, e incluso parece que discurren a veces hacia atrás, hacia sus fuentes, en busca de los orígenes de su constante devenir, si bien este bucle retrospectivo sólo lo pueda percibir la imaginación y la poesía. Igualmente los humanos practicamos la genealogía para orientar el sentido de la marcha de nuestros proyectos. Tal vez por eso Gilles Deleuze habló, y no sólo metafórica sino ontológicamente, del la “memoria del futuro”. En el marco de los límites de este trabajo, nuestra aportación continúa en línea con los anteriores planteamientos. Alude por ello al papel que desempeña la memoria en la construcción “cultural” del “si mismo” de los sujetos educados, de los espacios destinados a albergar su formación como contenedores de recuerdos, del influjo de la História da Educação - RHE

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experiencia en la configuración de los tiempos en que se articulan los ritmos ritualizados de la vida de las instituciones educativas, y de la impronta de la tradición en la definición de los contenidos curriculares y de los modos con que se regula la sociabilidad pedagógica y la gobernanza de la escuela.

La escuela en el recuerdo El diario español de provincias Heraldo de Soria trae en la última plana de uno de sus ejemplares recientes un reclamo de atención hacia la memoria de la escuela. Desde la apelación expresa al mundo de los recuerdos, un universo narrativo cada vez más demandado en los procesos de revisión de vida, invita a sus lectores al juego de encontrar identidades. Es esta una de las vías por las que la prensa contribuye a educar la mirada histórica de los lectores, más allá de los registros del tiempo presente, más espasmódicos sin duda, a los que suele atender prioritariamente el periodismo. Con esta provocación (¿lo reconoce? se interpela al lector), además de alimentar posibles rictus nostálgicos en sus clientes, y de sacar a la luz pública los fondos archivísticos que el medio ha ido acumulando de forma bancaria, la proposición introduce el perspectivismo de la memoria en los hábitos de lectura de quienes están acostumbrados a navegar sólo entre grandes titulares, elementos noticiosos o contenidos de crónicas, reportajes u otras informaciones de actualidad que cambian a diario.

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Figura 1 Recorte de prensa del Heraldo de Soria, edición correspondiente al 2 de junio de 2010, última página. Escena escolar de hace veinticinco años. La imagen promueve un juego de memoria e identificaciones que aboca a la genealogía de los narratorios personales.

Como podrá observarse, la escenografía de esta página de prensa muestra una clase de educación infantil de un centro escolar datada en 1985, esto es, hace ahora un cuarto de siglo. El tiempo transcurrido corresponde, en el plano biográfico y en el histórico, a un ciclo de duración intermedia que no es el del cortocircuito del presente, toda vez que ya permite introducir perspectiva en los procesos que afectan a potenciales sujetos lectores. Los niños y las niñas que aparecen en la ilustración tendrán ahora, aproximadamente, treinta años. ¿Se reconocen los jóvenes adultos actuales en esta representación de su pasado que marca un punto importante en la genealogía de su proceso vital? ¿Estimulará su inesperada percepción mecanismos hermenéuticos de autocomprensión, interpretación y revisión de vida? Quienes se hayan identificado en la imagen, ¿Qué recordarán de su “paso” ritual por la escuela infantil? ¿Cómo relacionarán estos contenidos de la memoria, ahora recuperados por azar, sin esperarlos ni buscarlos, con el momento actual del proceso de construcción de su identidad narrativa y de la fenomenología cambiante de la sociedad en la que ahora viven? História da Educação - RHE

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He aquí algunos interrogantes que afectan al papel de la memoria escolar en las historias de vida de los sujetos, y por extensión en las representaciones colectivas que conforman las tramas comunitarias de referencia, sustentadas en la etnohistoria de las formas elementales de sociabilidad y cultura. Estas memorias de la escuela, tanto en el plano individual como en el colectivo, ayudarán en parte a buscar la respuesta a esa “condena hermenéutica” que constituye a la condición humana, y son por tanto una mediación cultural en clave antropológica.

Los contenidos de la memoria En una primera interpretación de la memoria registrada en la imagen anterior, así como en la reconstrucción de los procesos de desarrollo de los individuos y del grupo como colectivo que en ella se reflejan, es probable que la lectura de la escena permita a quienes se encontraran este día con el citado medio de la prensa escrita, y se identificaran con las imágenes que ofrece, reflexionar, entre otras muchas cosas, sobre cuestiones como las que seguidamente se glosan y comentan. Esta consideración es extensible a cualquier otra escenografía que registre algún contenido de memoria relativa al pasado educativo de los sujetos. Lo primero que suelen recordar las personas en relación a su escolarización son los escenarios en los que esta se llevó a cabo. El papel que los espacios escolares jugaron en la formación de los primeros patrones del esquema corporal de las personas y de las prácticas de sociabilidad es esencial en la construcción de la memoria biográfica. Las arquitecturas, según se ha dicho repetidas veces, no son simples espacios neutros en los que se vacía mecánicamente la educación formal, sino escenarios con una definida semántica cultural que educa silenciosamente. En otro orden de cosas, las construcciones escolares son, más allá de los registros individuales, verdaderos templos del saber y símbolos ejemplares de toda la comunidad. Construir escuelas, decía el periodista español Luis Bello en 1926, es algo más que edificar História da Educação - RHE

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materialidades, toda vez que tal actividad arquitectónica participa implícitamente en la tarea gigantesca de la construcción de una nación. La arquitectura de las escuelas ha ejercido sobre los sujetos que en ellas se educaron durante un tiempo medio o largo un influjo de gran poder de impregnación. Los edificios escolares registran en sí mismos contenidos y valores de memoria, y ellos son al tiempo inductores de influencias duraderas en las memorias de los actores que vivieron bajo el cobijo

de

sus

muros.

Un

buen

ejemplo

de

la

intencionalidad

socioformativa de los contenedores físicos que acogieron a la infancia es el edificio-escuela de la localidad española de Becerril de Campos, Palencia, obra realizada en 1909, antes de que se pusiera en marcha la Oficina Técnica de Construcciones Escolares, en 1920. No nos resistimos a reproducir algunas imágenes de esta curiosa fábrica constructiva, de influencia francesa, que ya en su estructura revela las características de un modelo de orden social, con específicas relaciones de poder, programa moralizador y criterios definidos de las relaciones tradiciones del género. Obsérvense la armonía del conjunto, la asignación de espacios diferenciados a niños y niñas (con entradas laterales no visibles en esta imagen frontal), la simbología de poder atribuible a la torre central, la inclusión del ayuntamiento en el mismo contenedor, la estética historicista con ribetes regionalistas de su arquitectura y las epigrafías morales con que se decoran los huecos del inmueble (las conocidas máximas del poeta romántico español Francisco Martínez de la Rosa,

inscritas en

piedra para su diaria y permanente contemplación de los menores y de toda la comunidad). Todo una programa educador inscrito en la materialidad del espacio escolar que sería internalizado y luego recordado por los sujetos de las sucesivas generaciones que se instruyeron y formaron en su interior y que siguieron proyectando a diario sobre él sus miradas.

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Figura 2 Escuela de instrucción primaria, de niños y de niñas, de Becerril de Campos (Palencia, España), construida en 1909. Todo un programa pedagógico en sus órdenes arquitectónicos, en su estética, en su simbología, en su sociabilidad implícita y en sus epigrafías moralizantes que han informado las memorias individuales y la colectiva de diversas generaciones. Su traza es una mímesis o representación de las concepciones sociales de la época en que se erigió, al igual que las catedrales góticas lo fueron, como subrayó Erwin Panofsky, de los modelos y estructuras sociales del medievo.

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Figura 3 Los muros de las escuelas se constituyeron, en su exterior y en su interior, en espacios gráficos para registrar valores, símbolos y mensajes moralizantes que sus patrocinadores y la intelligentsia cultural de la época querían transmitir a las generaciones en formación y a toda la comunidad. El caso de la escuela de Becerril de Campos es verdaderamente excepcional como espacio de memoria epigráfica. Todo el edificio de la escuela se ofrece como un escenario pedagógico. Las máximas para niños, escritas medio siglo antes, aún estaban vigentes en la moral del regeneracionismo de comienzos del siglo 20. Leídas una y otra vez y recitadas en la escuela y en la casa pasaron a constituir toda una memoria colectiva de vigencia intergeneracional.

Otra dimensión de la experiencia escolar, que aflora asimismo en las prácticas de recuerdo, complementaria casi siempre a la reminiscencia de los escenarios, es la que afecta al orden del tiempo. La función que los metódicos y rigurosos cronosistemas del cotidiano de la escuela, los horarios de la jornada y los calendarios del curso, principalmente, desempeñaron en el ajuste de los biorritmos personales, socializados História da Educação - RHE

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hasta el ingreso en la institución educativa en el ámbito próximo de la familia o en los espacios lúdicos informales de interacción social, ha entrado a formar parte de los códigos de convivencia que los sujetos guardan con fidelidad en su memoria. La asistencia a la escuela supuso el “destete” de los ritmos domésticos del hogar y el ingreso en un nuevo tiempo social. Un importante y significativo segmento de la memoria escolar lo constituye, en otro orden de cosas, el recuerdo de los sujetos con quienes compartimos los espacios y los tiempos a lo largo de los años de infancia y adolescencia en que estuvimos escolarizados. Las relaciones con los compañeros y compañeras (según el caso) y la interacción cotidiana con los pares de edad, de uno u otro sexo (en régimen de separación o de cohabitación), ha sido un elemento esencial en el desarrollo de nuestra sociabilidad infantil, así como en la internalización de las primeras pautas relativas a las relaciones entre iguales, y a las de género, que han ejercido una impronta determinante sobre las actitudes de las personas adultas. En el capítulo de los recuerdos acerca de los actores que intervienen en la vida de la escuela, un contenido esencial de la memoria es la imagen que conservamos de los profesores que nos formaron (personalizada pero asimismo estereotipada). En la experiencia escolar se origina y consolida la percepción personal y social del enseñante, primera representación de la autoridad externa al íntimo círculo de la domesticidad, como una figura con roles ambivalentes: el docente es un actor que enseña y examina, tutela y disciplina, acompaña y controla, premia y castiga. Es decir, un adulto, distinto a los otros mayores con los que el menor ha tratado. El profesor ha ejercido sobre nosotros improntas bipolares y estimas a veces controvertidas. Él es, y ella, claro, el maestro compañero, pero también el enseñante que nos juzga; él nos enseña, al tiempo que nos somete a las disciplinas del orden escolar. La memoria es también evaluativa. Somete a examen aquello que guardamos y lo pone en relación a los valores dominantes de la época História da Educação - RHE

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presente. Analiza y pondera los contenidos, las actitudes y las habilidades que la escuela nos transmitió, la funcionalidad práctica del acervo cultural que aprendimos, la inutilidad de lo que hemos dado a la región de lo inservible, la ambivalencia de lo cuestionable y hasta lo que ha sido postergado al disco duro del olvido. En esta revisión, los sujetos tienen la oportunidad de reconocer la larga influencia de muchos de los modos y métodos con que nos instruyeron y nos trataron los enseñantes, así como de las formas de comunicación con que se instrumentaron en las aulas y fuera de ellas las interacciones. Al recordar finalmente los objetos de la infancia, los adultos pueden valorar asimismo la impronta que dejaron en ellos los objetos, los iconos y los textos que formaban parte del ajuar material de la escuela, aquellas mediaciones-huella que circularon en el pequeño universo de la institución educativa. Es posible que al reactivar los contenidos de la memoria los sujetos reflexionen sobre los aprendizajes personales y sociales de aquella lejana etapa de su desarrollo y sobre las permanencias, metamorfosis y cambios de las pautas de cultura que se gestaron en las primeras experiencias formativas. Todos estos patrones con que nos modeló la cultura escolar constituyen una bildung compartida, una sociabilidad común que nos permite entendernos como miembros de una misma generación y como herederos, desde la óptica de las continuidades, de una tradición disponible que, si bien está sujeta a cambios y transformaciones, también asegura determinadas pautas culturales estables. Y hasta es probable que en este ejercicio de reconocimiento los sujetos empiecen a ponderar el valor de la memoria en la construcción del sentido comunitarista de la vida, así como de la necesidad de mirar de vez en cuando por el retrovisor para saber hacia dónde vamos y así orientar, con la aconsejable prudencia histórica, la phrónesis hermenéutica, la dirección y los significados de nuestra evolución personal y colectiva.

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Los patrones empíricos de la cultura escolar Una parte importante y significativa de los comportamientos que practicamos a diario, la mayor parte de ellos de forma no consciente y mecánica, proceden de la experiencia en la vida escolar, es decir, del habitus incoado en la larga socialización institucional de la formación. Al comprobar de forma empírica estas conductas, los sujetos pueden asumir que la memoria no es sólo un ejercicio de recuerdo, sino cultura encarnada, esto es, una tradición ontológicamente incorporada a nuestra propia subjetividad. Recordemos, a título de ejemplificación, algunos de los patrones de comportamiento observables en nuestras acciones cotidianas que ejecutamos de forma más o menos mecánica: a) La actitud que adoptamos al leer (forma de coger un libro, distancia visomotora respecto de él, posición ergonómica con relación a la mesa y el asiento, movimiento de pasar las hojas del impreso). Estas conductas se estructuraron en las primeras adaptaciones de nuestro cuerpo a las materialidades y prácticas escolares, es decir, en la organización de nuestro primer esquema corporal. b) El gesto con que la mano toma y usa los instrumentos de escritura, el formato que damos al distribuir un espacio gráfico, el tipo de letra que usamos de modo dominante en nuestro estilo escribano, las formalidades de ciertas producciones manuscritas (cartas, informes, documentos administrativos, notas o apuntes). Todas estas pautas fueron asimismo configuradas en las prácticas de aprendizaje de la escuela. c) Las formas retóricas de expresión en las exposiciones orales relativas a diversas situaciones sociales, los modos dialógicos de la comunicación interpersonal, las estrategias usadas en los debates de grupo y las conversaciones ordinarias. Tales modos de producir enunciados están también influidos por los História da Educação - RHE

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procedimientos orales usados por maestros y alumnos durante la vida escolar. d) Los procedimientos de expresión matemática de que nos servimos en la vida cotidiana: los cálculos aritméticos, las presentaciones contables, los diseños topológicos y gráficos a mano alzada, las estimaciones de distancias. Todos estos modelos, rediseñados hoy por los lenguajes de las nuevas tecnologías, aún subyacen en los hábitos de los sujetos educados en otras pautas, quienes a menudo se resisten a sustituirlos por los del lenguaje digital sobrevenido. Desde que la escuela se hizo obligatoria, en los países de democracia avanzada, su cultura y sus esquemas de sociabilidad han entrado a formar parte de nuestra memoria individual y colectiva. Nuestro cuerpo es también un registro de hábitos y conductas, un soporte material y vital de memoria, la memoria encarnada en voces, gestos, escrituras, actitudes y otras modalidades del comportamiento humano. Los esquemas de las estructuras institucionales, las imágenes de los comportamientos de los actores que participan en la convivencia escolar, los contenidos de los curricula, el ajuar de las mediaciones con que se instrumenta la acción educativa, los modos y métodos de gestionar las relaciones y los procesos de enseñanza y aprendizaje, todos estos elementos, y los símbolos que los acompañan, han entrado a formar parte de los marcos estructurados de nuestra memoria personal y social. La escuela ha sido una de las instituciones culturales de mayor impacto en el mundo moderno. Querida u odiada, pero siempre recordada, ella fue un escenario clave de nuestra sociabilidad infantil, un lugar esencial en el desenvolvimiento de nuestra propia identidad narrativa y un ámbito de creación de cultura que nos ha cohesionado con todas las demás gentes del común. Antes de comenzar el siglo 19 eran muy pocos los niños que iban a la escuela, y menos aún las niñas. Sin embargo, a lo largo de los dos últimos siglos, la institución escolar se ha ido imponiendo como albergue História da Educação - RHE

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universal para acoger y socializar a toda la infancia y la juventud. Mi país, España, alcanzó la tasa 100 de escolarización hace ahora algo más de dos décadas. En los dos últimos siglos hemos asistido no sólo al proceso de inclusión de todos los menores del tejido social en las redes de la educación obligatoria, sino a la invención de una nueva cultura, la inventada o recreada por la escuela, constituida por el amplio repertorio de prácticas, algunas de ellas vernáculas, otras importadas o adaptadas del exterior, y discursos, asociados a las prácticas o apropiados por adaptación de propuestas externas, que ordenan la gobernanza de la vida cotidiana en las instituciones docentes y que han acabado por sobredeterminar nuestros comportamientos en sus manifestaciones empíricamente observables. La inmersión de la infancia, de toda la infancia, en el universo de la escuela no sólo ha tenido proyecciones antropológicas, sino también socioculturales. A través de la cada vez más larga insolación institucional, la infancia se convirtió en un colectivo a tutelar, controlar e instruir, al tiempo que en un objetivo a socializar conforme a los nuevos valores de ciudadanía en que se quería cimentar la nación y el mismo Estado. La escuela pasó así a erigirse, con diferentes ritmos según los países, en una agencia patriótica de nacionalización de los sujetos acogidos a su implacable disciplina. De este modo, las reglas de gobernabilidad escolar entraron a formar parte del ethos de la cultura y de la sociedad, y por consiguiente también de la memoria individual y colectiva. Cuando los sujetos que han estado sometidos a estas influencias se disponen a contar su biografía casi siempre recurren, tras las obligadas referencias a los datos de origen local y familiar, a las primeras experiencias formativas experimentadas en la arena escolar: “antes de cumplir los seis años de edad fui a la escuela de.” La identidad narrativa de los individuos, de la que habla Paul Ricoeur, se podría representar hilvanando imágenes de los rituales de paso mediante los cuales las personas ha llegado a socializarse. Una de las prácticas biográficas que ilustraría este ensamblaje es aquella que se História da Educação - RHE

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apoya en los iconos que guardamos de estas ritualidades. Cualquiera puede recuperar de su cajón de sastre particular las fotografías de los principales eventos que han afectado a su vida: la del bautizo (si lo hubo) o su entrada en familia, la del ingreso en la escuela, la de la primera comunión (si la hubo) o la del paso a la segunda infancia, la del paso a la adolescencia, la de presentación en sociedad como joven, la del servicio militar (en los varones), la del matrimonio… La sociedad posmoderna ha introducido cambios en este “archipiélago de rituales”, pero los tiempos y los pasos persisten en las edades del hombre y de la mujer bajo otras formas de sociabilidad. En cualquier caso, la mayor parte de los adultos de hoy sí han cruzado, de un modo u otro, por estos procesos biográficos. La imaginaria sintaxis de estas imágenes generaría una especie de convoy de iconos en el que se materializaría el proceso narrativo diacrónico por el que viajarían los ciclos biográficos que estructuran la vida de las personas. Cada sujeto podría en definitiva contar su vida comentando las imágenes en que quedó registrada su biografía. La pérdida de alguno de estos iconos o el olvido de lo que representa indicaría truncamientos o lagunas a interpretar. Algunos analistas del campo de la psicología sugieren una cierta analogía entre estos vacíos y los lapsus linguae, sospechando que la ausencia u olvido de un icono de un determinado rito pudiera ser expresión de alguna falla en la construcción del narratorio vital de las personas. Pues, bien, en este hilo conductor de representaciones estaría la mímesis de lo biográfico, y en ella el paso por la escuela, al tiempo que su recuperación por la memoria, constituiría un eslabón necesario. Ello se hace especialmente patente cuando los individuos se ven afectados por trastornos de memoria, como sucede en el caso de los enfermos de Alzheimer y otras demencias seniles. A estos efectos, glosaremos una interesante experiencia llevada a cabo en 2009 en el Centro Internacional de la Cultura Escolar - Ceince - con grupos de personas mayores afectadas en diferentes grados por estas dolencias que cursan con pérdidas de memoria. História da Educação - RHE

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El experimento trataba de estimular los restos de memoria que mantienen estas personas mediante la presentación como estímulos de objetos, imágenes, sonidos y manuales procedentes de la escuela a la que asistieron durante su infancia. Diseñado en colaboración con técnicos de la Asociación de Familiares de Enfermos de Alzheimer de Soria (psicólogos, médicos, terapeutas, trabajadores sociales), el ensayo puso de manifiesto, entre otras cosas, varias conclusiones relevantes en relación a los objetivos del ensayo: a) la posibilidad de activación mediante estímulos adecuados de recuerdos antiguos, escolares en este caso; b) el desencadenamiento de una actitud narrativa en los sujetos; c) el poder estimulador de los materiales escolares respecto a mecanismos cognitivos, psicomotores y expresivos; d) la resocialización e interactividad de los recuerdos personales de unos y otros miembros del grupo; e) la creación de nuevas situaciones de sociabilidad que potencian el campo de memoria más allá de los registros estrictamente individuales. La filmación del experimento reflejó dos registros. En el primero, los sujetos narran los usos de objetos, es decir, los diferentes modos de aplicación de los elementos materiales de la escuela. En el segundo, las personas del grupo relatan en régimen de interactividad recuerdos infantiles asociados a la vida escolar. Unos recuerdos estimulan otros y el conjunto de ellos llega a constituirse en una especie de narratorio colectivo de efectos terapéuticos sobre el grupo. En el proceso registrado se pudo observar una notoria mejoría del clima afectivo-social del grupo, de la expresividad lingüística, de la motricidad y del comportamiento en general de todos y cada uno de los sujetos. La experiencia se inspiró en la lectura por parte de varios de los profesionales intervinientes del libro de Umberto Eco La misteriosa llama de la reina Loana, una obra en la que, como es conocido, se narran las peripecias que sigue el personaje del relato, Yambo Bodoni, que ha História da Educação - RHE

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perdido la memoria personal o biográfica como consecuencia de un ictus cerebral al que sobrevive, para reconstruir su propia vida, mejor dicho, la memoria colectiva de las personas de su generación, tomando contacto con los libros, imágenes y objetos que compartió durante la infancia con sus pares de edad. Por consejo de su terapeuta, el personaje hace un viaje al desván de la casa rural en la que vivió sus primeros años, una pequeña aldea al pie de las colinas del Piamonte. En él se guardaban los manuales y los comics en los que el sujeto de la narración se había iniciado en la cultura letrada y en la iconografía de la época. También encontrará allí Bodoni objetos de infancia y adolescencia, escolares y no escolares, que igualmente habían constituido el bagaje material de los trabajos y los juegos compartidos con sus pares de edad y con los familiares. Aunque él no lo sospechara, porque su dañado cerebro no lo podía reconocer, al situarse en aquel abandonado desván se colocaba ante la biblioteca y el museo que, a memoria ciega, le iban a proporcionar el contacto con las claves esenciales de la memoria colectiva común a todos los hombres y las mujeres de su generación. Aquel desván era un aula inmensa, donde se archivaba la cultura objetual, icónica y textual de él y de sus pares. Yambo entraba en él como quien accede a una caverna en la que se guardaba aún la enciclopedia y el repertorio de materiales de que se había nutrido la memoria suya y la de todos los compañeros. Su capacidad perceptiva no llegaba a identificar sin embargo más que improntas o sombras de las formas que tejieron las representaciones infantiles, pero sin duda frente a aquella epifanía volvía a tomar contacto con los estímulos empíricos que, de no haber sufrido el accidente neurológico, recordaría ahora sin duda con absoluta claridad. Yambo penetraba en esa caverna, a la que, por consejo terapéutico, tenía que ingresar el solo, como Tom Sawyer, intentando explorar en aquel laberinto, entre sombras y penumbras, las señales de un micromundo ubicado en la planta en la que la casa limitaba con el paraíso celeste. Si una bodega anuncia los infiernos, un desván podía prometer História da Educação - RHE

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un paraíso, advierte Eco. En su labor minuciosa y casi detectivesca, al modo de Sherlock Holmes, el personaje no encuentra ya recuerdos, que han sido borrados irreversiblemente de su memoria, sino indicios para formularse a sí mismo conjeturas acerca de lo que fue suyo, y que ahora necesitaba reaprender para situarse al nivel de la memoria colectiva en que se materializaba la experiencia histórica compartida por todos los menores que crecieron bajo el influjo de la cultura fascista y de la de posguerra en la Italia de aquel tiempo. No obstante la violencia simbólica que llevaban adherida muchas de aquellas señales de los objetos, textos e iconos, la biblioteca y el museo de la infancia albergaban un tesoro de valor incalculable - una “tradición disponible” - con cuyo contacto sentía retornar a lo que él parecía intuir como el paraíso perdido. Era aquella una memoria material, neblinosa y en mosaico, casi browniana, confesaba el personaje al final de laboriosa investigación, pero esta aproximación a las fuentes de sus primeras improntas culturales le había puesto tal vez en situación para acercarse a ver el centro de su aleph, donde podía adivinar, quizás como en un sueño, la “cartilla” de sus primordiales recuerdos y los códigos de la caja negra de su oscura y opaca mente. Reaprendiendo esta vieja gramática, Yambo Bodoni estaría en condiciones de volver a conectar con sus pares de edad, con su lenguaje, con su cultura, con su memoria. Mediante la creación narrativa, Umberto Eco ejemplifica cómo los textos, iconos y objetos son contenedores semánticos “semioforos”, esto es, portadores de señales, que pueden ser reaprendidos desde la amnesia sobrevenida o descodificados mediante la sospecha por necesidad. Como se recordará, también Guillermo de Baskerville, ficticia encarnación de Sherlock Holmes, mostraba a su joven discípulo Adso en El nombre de la rosa las huellas para investigar por abducción, como en la semiología de Peirce, las tramas criminales que acontecieron en la misteriosa abadía de Melk. La narratividad, que siempre es compañera inseparable de la hermenéutica, cumple aquí una función pragmática, la de ser reveladora de una semiología asociada a la investigación de la História da Educação - RHE

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cultura material, y la de contribuir a la educación histórica de las personas. Pues bien, el experimento acerca de los usos terapéuticos del patrimonio escolar comentado se inspira en el discurso subyacente en este relato. Los sujetos afectados por el síndrome de Alzheimer tienen importantes pérdidas de memoria, pero el contacto con estímulos como los que ofrece la cultura material de la escuela a la que asistieron puede reactivar determinados recuerdos que aún conservan en el disco duro de la memoria, pero que si no se activan permanecen en desuso en el fondo pasivo de la mente. Es esta sin duda una perspectiva de gran interés que es preciso someter a experimentación con más grupos y a seguimientos evaluativos más largos y afinados que permitan profundizar en una realidad extremadamente compleja. He aquí pues otra muestra de un nuevo campo de estudio en torno a la presencia de la escuela en la memoria de los sujetos y en la colectiva. Ello avala el interés actual, en las democracias ilustradas, por recuperar la cultura material e intangible en las que se hace presente esta memoria y por difundir estos bienes en la sociedad en orden a la educación patrimonial de los ciudadanos, una perspectiva que se adhiere a la que de un modo general se orienta a la educación histórica de las personas y de los colectivos que puede orientar una respuesta desde la reflexividad a la “condena hermenéutica” a que estamos abocados. Acudiendo a la memoria percibimos la historicidad de nuestra existencia y de la vida colectiva y ponemos en valor la escuela como elemento constitutivo de esta memoria que es cultura, y como tal, patrimonio comunitario a preservar y difundir. La educación patrimonial es una nueva dimensión de la formación para la ciudadanía en toda democracia avanzada, un nuevo vector de ilustración y modernidad.

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Referencias BELLO, Luis. Viaje por las escuelas de España. Madrid: Magisterio Español y Compañía Iberoamerica de Publicaciones y Espasa-Calpe, 1926-1929. DIAZ, Rodrigo. Archpiélago de rituales. Barcelona: Anthropos, 1998. ECO, Humberto. La misteriosa llama de la reina Loana. Barcelona: Lumen, 2005. ESCOLANO, Agustín (ed.). Memoria de la escuela, Vela Mayor-Anaya Educación, n. 11, 1997. ESCOLANO, Agustín; HERMÁNDEZ, José Mª (eds.), La memoria y el deseo: cultura de la escuela y educación deseada. Valencia: Tirant lo Blanch, 2002. ESCOLANO, Agustín (ed.). La cultura material de la escuela. Berlanga: Ceince, 2007. ESTEBAN, Joaquín Esteban. La condena hermenéutica (en prensa). LLEDÓ, Emilio. Memoria de la ética. Madrid: Taurus, 1994. RICOUER, Paul. La memoria, la historia, el olvido. Madrid: Trotta, 2006. ZAMBRANO, María. Notas sobre mi método. Madrid: Mondadori, 1989. VALLERIANI, Antonio. Al di là dell´occidente: la svolta neobarroca dell´educazione.Milano: Unicopli, 2009.

AGUSTÍN ESCOLANO BENITO é catedrático de História da Educação na Universidade de Valladolid, Espanha. Fundador e diretor da Revista Interuniversitaria de Historia de la Educación, preside, desde 1998, a Sociedad Castellano-Leonesa de Historia de la Educación e, desde sua constituição em 2003, a Asociación Schola Nostra. Sua mais recente iniciativa é a criação, em 2005, do Centro Internacional de la Cultura Escolar (Ceince - Berlanga de Duero), associado à Fundación Germán Sánchez Ruipérez, à Universidad de Valladolid e à Junta de Castilla y León. Suas publicações mais recentes são: Cambio educativo y cultura de la sostenibilidad (2007) e La cultura material de la escuela (2007). Endereço: Ceince, C/Real 35 – 42360 - Berlanga de Duero - Soria España. E-mail: agustin@ceince.es.

Recebido em 2 de outubro de 2010. Aceito em 21 de dezembro de 2010.

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MEMORIA, PATRIMONIO Y EDUCACIÓN1 Antonio Viñao

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MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO Resumo Neste artigo se analisam as relações e interações entre memória, patrimônio educativo e história. Primeiro, de um modo específico, entre memória e história, mediante uma análise especial das comemorações como nexo entre ambas e instrumento institucional das políticas do esquecimento e da memória. Depois, se estudam as relações e interações entre memória e patrimônio educativo (exposições, investigações, sociedades científicas, congressos, grupos e projetos de pesquisa, declarações e recomendações internacionais e museísmo pedagógico). Por último, se expõem algumas das questões relacionadas à preservação e catalogação do patrimônio histórico e educativo: a necessidade de conectar ambas a seu estudo, a diversidade de usos e valores do mesmo e os problemas relacionados com as mudanças que aconteceram nos suportes tecnológicos da memória e da conservação e transmissão intergeracional do saber e do conhecimento, ou seja, da herança do patrimônio cultural e educativo. Palavras-chave: memória, história, patrimônio histórico e educativo, museus pedagógicos, comemorações.

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Texto publicado en el número 28-2 de 2010 de la revista Educatio Siglo 21 (http://revistas.um.es/educatio), páginas 17-42, cuya parte monográfica sobre patrimonio y educación ha sido coordinada por Pedro Luis Moreno Martínez. Este trabajo se inserta en el proyecto SEJ 2007-66165, financiado por el Ministerio de Educación y Ciencia y titulado El patrimonio cultural de las instituciones educativas en la España contemporánea (siglos 19-20). Asimismo, está financiado por la Fundación Séneca-Agencia de Ciencia y Tecnología de la Región de Murcia en el marco del II PCTRM 2007-2010, dentro del proyecto de investigación sobre el patrimonio históricoeducativo de la región de Murcia: la memoria de los docentes. História da Educação - RHE

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MEMORY, PATROMONY AND EDUCATION Abstract In this article the relationships and interactions among memory, educational inheritance and history are tackled. First, in a specific way, the relationships and interactions between memory and history are addressed through a special analysis of the commemorations as a link between both subjects and as an institutional tool of the policies of oblivion and memory. Then, the relationships and interactions between memory and educational inheritance are studied (exhibitions, researches, scientific societies, conferences, groups and projects of research, international statements and recommendations as well as pedagogical museism). Finally, some of the issues arising from the safeguard and cataloguing of the educational inheritance are set out: the need to connect them with its study, the diversity of its uses and values, the problems related to the changes occurring in the technological supports of memory, and the intergenerational preservations and transmission of knowledge, namely of the cultural and educational legacy or inheritance. Key words: memory, history, educational and historical inheritance, museums of education, commemorations. MEMORIA, PATRIMONIO Y EDUCACIÓN Resumen En este artículo se analizan las relaciones e interacciones entre memoria, patrimonio educativo e historia. Primero, de un modo específico, entre memoria e historia mediante un análisis especial de las conmemoraciones como nexo entre ambas e instrumento institucional de las políticas del olvido y de la memoria. Después, se estudian las relaciones e interacciones entre memoria y patrimonio educativo (exposiciones, investigaciones, sociedades científicas, congresos, grupos y proyectos de investigación, declaraciones y recomendaciones internacionales y museísmo pedagógico). Por último, se exponen algunas de las cuestiones que plantea la preservación y catalogación del patrimonio históricoeducativo: la necesidad de conectar ambas a su estudio, la diversidad de usos y valores del mismo, y los problemas relacionados con los cambios que están teniendo lugar en los soportes tecnológicos de la memoria y de la conservación y transmisión intergeneracional del saber y del conocimiento, es decir de la herencia o patrimonio cultural y educativo. Palabras clave: memoria, historia, patrimonio histórico-educativo, museos pedagógicos, conmemoraciones. MÉMOIRE, PATRIMONIE ET L’ÉDUCATION Resumé Dans cet article on analyse les relations et interactions entre mémoire, patrimoine et histoire. En premier lieu, d'une façon spécifique, on aborde les relations et interactions entre mémoire et histoire à travers une étude spéciale des commémorations comme lien entre les deux et comme instrument institutionnel des politiques de l'oubli et de la mémoire. Après, on étudie les relations et interactions entre mémoire et patrimoine éducatif (expositions, recherches, sociétés scientifiques, congrès, groupes et projects de recherche, déclarations et recommandations internationals et muséisme pédagogique). Finalment on expose des questions posées par la préservation et catalogation du patrimoine História da Educação - RHE

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historique et éducatif: le besoin de les rapprocher à son étude, la diversité de leurs usages et valeurs, et les problèmes relatifs aux changements se produissant dans les supports technologiques de la mémoire et de la preservation et transmission du savoir et des connaissances, c'est-à-dire de l'héritage et du patrimoine culturel et éducatif. Paroles clé: memoire, histoire, patrimoine educatif, musées d‟éducation, commémorations.

Que la memoria es un tema de actualidad palpitante, en España y en otros países, queda fuera de toda duda. Lo mismo sucede con el patrimonio cultural e histórico del que la memoria forma parte. Por lo que a la memoria respecta, y desde una perspectiva no académica, la Ley de Memoria Histórica, de 31 de octubre de 2007, por la que se reconocen y amplían derechos y se establecen medidas en favor de quienes padecieron persecución o violencia durante la Guerra Civil y la dictadura franquista, generó, y sigue generando, polémicas y debates apasionados en los medios de comunicación y en las conversaciones cotidianas de los españoles. Polémicas y debates reflejados en la llamada “guerra de las esquelas” con las que los hijos, nietos u otros familiares de quienes fueron asesinados en la Guerra Civil y en la posguerra llenaron las páginas de la prensa más afín ideológicamente a uno u otro bando en los meses en los que se debatía dicha ley. Un episodio más, sin duda, de ese “enfrentamiento político” en que se ha convertido el tema de la memoria histórica desde principios del nuevo siglo, “25 años después de la muerte del dictador […], hasta el punto de que algunos autores han hablado ya de la vuelta de las dos Españas” (Olmos, 2009, p. 7). Desde una perspectiva académica la memoria ha devenido, en las últimas décadas, un objeto de estudio preferente por psicólogos, psiquiatras, sociólogos, antropólogos, biólogos, neurólogos e historiadores. En este último caso, casi siempre con el afán, explícito o implícito, de distinguir entre memoria e historia, de marcar los límites entre una y otra, así como de indicar su interdependencia e influencias recíprocas. La noción de patrimonio, por otra parte, se ha ampliado en las últimas décadas hasta desdibujarse. Las diversas acepciones que el História da Educação - RHE

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diccionario de la Real Academia ofrece de la voz patrimonio, giran alrededor de dos ideas básicas: el patrimonio es algo valioso que se hereda o construye; al mismo tiempo es algo que se considera propio en el sentido de que forma parte de aquello de lo cual se es propietario. En otras palabras, no es algo estático, dado de una vez por todas e invariable, precisamente porque exige la conciencia o sentimiento de que nos pertenece, de que ese algo es de algún modo valioso y de que, por tanto, precisa ser conservado y protegido. Si la noción de patrimonio la aplicamos no a un individuo o persona sino a un grupo social, familia, asociación, corporación, empresa, Estado o grupo basado en vínculos religiosos, ideológicos, lingüísticos o culturales, resulta evidente que uno de los requisitos para que algo se entienda que es patrimonio de un determinado grupo es la conciencia, entre sus componentes, de que forma parte del mismo. Un requisito completado con el hecho de dicho grupo considere que ese algo debe ser preservado; es decir, convertirse en lugar de memoria y en el que depositar la memoria, en algo a recordar y que nos haga recordar. Lo que sea patrimonio, pues, no viene dado. Se halla en un proceso inacabable de construcción y reconstrucción. De ahí que la noción de patrimonio histórico o cultural sea históricamente, en su contenido, variable. De ahí que los conflictos y las luchas por apoderarse de la memoria social de un grupo determinado afecten a lo que en cada momento se considera patrimoniable digno de ser conservado y convertido en lugar de la memoria. Y de ahí, por último, que la noción de patrimonio se haya ampliado desde el campo histórico-cultural a otros ámbitos como el paisajístico o el medioambiental e incluso haya llegado a acuñarse la noción de patrimonio cultural inmaterial para referirse a “los usos, representaciones, expresiones, conocimientos y técnicas, junto con los instrumentos, objetos, artefactos y espacios culturales que les son inherentes, que las comunidades, los grupos y en algunos casos los individuos, reconozcan como parte integrante de su patrimonio cultural” (Unesco, 2003, p. 2). História da Educação - RHE

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El nexo entre memoria y patrimonio no termina ahí. Por dos razones: primero porque entre una y otro se halla la historia; después porque, paradójicamente, el creciente interés por la memoria y el patrimonio se produce en un momento caracterizado por la desmemoria, la destrucción de lo común o comunitario, y los profundos cambios en los medios y soportes de transmisión intergeneracional del saber y del conocimiento que en cada momento se considera valioso. En el centro de todo ello se halla la educación institucional, esa actividad o tarea que las sociedades han ido configurando a lo largo de varios siglos para llevar a cabo, de modo sistemático y formalizado, dicha transmisión.

Historia y memoria: el furor conmemorativo La distinción entre memoria e historia es teórica y racionalmente fácil. La memoria es una reconstrucción individual o colectiva del pasado. Si algo pretende es, como mucho, dar testimonio. La historia es, o pretende ser, un saber científico que, partiendo de unos supuestos teóricos, o a priori, intenta explicar e interpretar de forma coherente y lógica hechos y procesos, continuidades y cambios. Dicha interpretación y explicación se hace, al menos teóricamente, con pretensiones de verdad aunque por supuesto, haya falsedades, leyendas y mitos que pasan por historia, así como silencios, ninguneos y verdades a medias o parciales o, cuando ello no es posible, de verosimilitud, probabilidad o plausibilidad. Todo ello con el fin de hacer inteligible el pasado. La historia implica, pues, una triple operación que no se exige al testimonio de la memoria: seleccionar unos documentos y no otros “dando al término documento su sentido más amplio: toda huella o resto del pasado que proceda o tenga relación con el ser humano” (Febvre, 1953, p. 428), someterlos a crítica en sí mismos y en relación con otros documentos, construir una explicación inteligible y dar una forma escrita, oral, visual o audiovisual a dicha construcción (Chartier, 2007, p. 37). La doble exigencia de veracidad o verosimilitud y de inteligibilidad exige el recurso a “marcas” de verdad. Es decir, la exposición, por el historiador, de los supuestos História da Educação - RHE

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teóricos de los que se parte, y la indicación y remisión continua, en ocasiones sobreabundante, a las fuentes documentales que avalan o en las que se fundamentan la explicación e interpretación efectuadas. Nada de esto se exige a la memoria individual o colectiva. La distinción entre historia y memoria se difumina y complica cuando consideramos su interdependencia e influencias recíprocas. En primer lugar, la historia es, en nuestras sociedades, un lugar institucional tanto de la memoria individual como de la colectiva o social. Contribuye a la construcción de ambas. Un lugar de la memoria si se quiere privilegiado, pero un lugar más junto a otros asimismo institucionalizados y en algún caso, como en el del cine o la televisión, con mayor fuerza e impacto que la historia en la construcción de la memoria individual y social del pasado en relación con determinados personajes, temas, épocas o ambientes. Además, tanto la memoria como la historia “son obligatoriamente selectivas” (Duby, 1988, p. 63), funcionan u operan gracias al olvido, a la desmemoria o, más simple y llanamente, al hecho de que lo recordado o lo preservado es siempre una ínfima parte de lo acaecido o producido. En segundo lugar, la historia vive, en parte, gracias y al ritmo de ese fenómeno o aspecto de la memoria social que son las conmemoraciones. La historia, en este caso, está al servicio de la memoria, como ha advertido Pierre Caspard (2009) en relación con la historia de la educación en Francia. Las ceremonias conmemorativas, en efecto, combinan oralidad, texto e imagen. Son representaciones visibles con un cierto ritual o formalismo en relación con la presencia, disposición y comportamiento de quienes en ellas intervienen y con lo que en ellas se muestra. La disposición espacial y temporal de tales presencias y actuaciones, lo que se muestra, cómo se muestra, lo que se oculta o no se dice, los lugares que se ocupan, las intervenciones, las posturas, los gestos y las palabras pronunciadas o escritas desempeñan un doble papel: sirven para recordar, pero también para mostrar, mediante el recuerdo, quien ostenta el poder de recrear y conmemorar el pasado, es decir, de darle el sentido “correcto” (Connerton, 1989, p. 41-71). História da Educação - RHE

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El discurso y la operación histórica juegan un importante papel en la determinación, configuración y sentido de esta modalidad de memoria social. Las conmemoraciones, como los olvidos, son acontecimientos sociales normalmente promovidos por el poder político, económico o religioso con el soporte de un cierto discurso histórico. Además, el historiador aparece un poco antes de los actos conmemorativos, durante dichos actos e inmediatamente después, para apoyar, refutar o matizar el hecho conmemorativo, el modo en que se ha desarrollado, y la apropiación e interpretación de que ha sido objeto lo conmemorado. Su trabajo explica en parte el porqué de una conmemoración o de un olvido, el cómo esta conmemoración se lleva a cabo y el tipo de recreación o interpretación que pretende dársele o que se le ha dado. El papel del historiador y su posición en relación con la conmemoración forman parte de la representación. De una manera u otra su tarea resulta afectada por el proceso conmemorativo, un proceso que le fuerza a tomar una u otra posición frente al mismo. Algunos ejemplos pueden contribuir a aclarar lo indicado. Durante los años 1988 y 1989 tuvieron lugar en España y Francia, respectivamente, sendas conmemoraciones del bicentenario de la muerte de Carlos III, nuestro monarca “ilustrado”, en el primer caso, y de la revolución francesa, en el segundo2. Asimismo, en el año 1992 se conmemoró en España el quinto centenario de la llegada de las naves comandadas por Cristobal Colón a lo que después serían las tierras americanas. En los tres casos el proceso conmemorativo implicó a los poderes políticos y sociales, al mundo de la cultura, a los medios de comunicación y, cómo no, a un buen número de historiadores. Durante los años indicados - poco antes, durante ellos y algún tiempo después - los historiadores dedicamos buena parte de nuestro tiempo al estudio y reinterpretación de los hechos conmemorados. Había dos buenas razones para ello: la existencia de fondos públicos y privados específicamente destinados a realizar y publicar tales estudios, y el interés de los medios de 2

Sobre la repercusión en España, y en el campo histórico-educativo de ambos bicentenarios, remito a lo dicho en Viñao, A., Guereña, J.-L. y Aymes, J-R. (1991). En relación con Francia, véase el balance realizado por Julia (1989). História da Educação - RHE

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comunicación por todo lo relacionado con dichos acontecimientos. La producción escrita y oral, las exposiciones, los seminarios, charlas y coloquios sobre lo conmemorado se prodigaron por doquier. La historia, memoria y recuerdo, recreación e interpretación del pasado, vivió al ritmo de dichas conmemoraciones y aniversarios. Las conmemoraciones y olvidos, las opciones tomadas y la manera de efectuarlas constituyen toda una apropiación del pasado con un sentido determinado. No se conmemora porque sí ni en abstracto, sino desde un espacio y un tiempo concretos y con unas miras y unos propósitos identificables. Ello implica una determinada visión de los procesos y acontecimientos históricos y no otra. Por de pronto lo conmemorado se considera digno de tal; bien por positivo y beneficioso o por su carácter simbólico o ejemplar si fue efectuado por miembros del grupo que conmemora, bien por execrable si fue realizado por miembros de otro grupo contrapuesto a aquel que rememora. En otro caso sería relegado al olvido. Cualquier observación o interpretación que ponga en entredicho o que, incluso, no se ajuste a lo esperado, es desechada o marginada. No se considera oportuna. La recuperación de Carlos III como monarca “ilustrado”, así como de aquellos de sus ministros que pretendieron “modernizar” y “europeizar” una España atrasada no podía ser pasada por alto doscientos años después, en la década de los 80 bajo el gobierno del Partido Socialista. Hubiera sido inimaginable en la de los años 30 o, por razones distintas, en las de los 40 o 50, como lo hubiera sido, en 1973, conmemorar el centenario de la primera República o, en 1981, el cincuentenario de la segunda, pero venía como anillo al dedo en la década de los 80. Cualquier consideración que pudiera poner en entredicho la imagen del rey progresista o del reformismo modernizador de sus ministros quedaba desechada. Caso de producirse, como se produjo, sería en los márgenes del proceso conmemorativo, fuera del circuito de actos más o menos públicos u oficiales. El cambio gubernamental de 1996 trajo consigo una política conmemorativa, es decir, de la memoria y del olvido, de signo diferente y História da Educação - RHE

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la posterior puesta al servicio de la misma de la Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales creada en el año 2002. Bajo los gobiernos del Partido Popular el énfasis memorialístico y conmemorativo se puso en las figuras de los reyes católicos, Carlos I y Felipe II - la España Imperial, con mayúscula -, en la monarquía isabelina y los gobiernos del liberalismo moderado del siglo 19 y en figuras políticas del moderantismo como Cánovas del Castillo. Dicho énfasis era por supuesto selectivo por lo que respecta a su puesta en escena, como lo habían sido los anteriores y como lo serían los posteriores. Así, por poner un solo ejemplo, era posible recorrer la exposición sobre Felipe II celebrada en El Escorial y sólo al final, en una pequeña sala junto a la salida, que bien podía pasar desapercibida, hallar alguna información sobre la Inquisición o la expulsión de los moriscos. Además, dicha exposición incluía, como las restantes, obras literarias y artísticas publicadas o efectuadas durante su reinado, con el fin de darle mayor realce, tuvieran o no relación con la figura del monarca. Algo así como si dentro de quinientos años en una exposición sobre Francisco Franco o el franquismo se incluyeran La colmena, Tiempo de silencio, y varios cuadros de Tapies o Canogar sin contextualización o matización alguna. Los ejemplos de esta política conmemorativa, en el ámbito de la educación, son asimismo abundantes. Basta indicar por ejemplo, en relación con Francia y los congresos de la International Standing Conference for the History of Education - Ische - que los dos últimos congresos de esta asociación internacional celebrados en dicho país tuvieron lugar en Sèvres en 1981, con motivo del centenario de las leyes escolares de Jules Ferry de 1881-1882, y en París en el 2002 asimismo en el bicentenario de la creación por Napoleón de los liceos, condicionando ambas conmemoraciones el tema elegido para los mismos (Frijhoff, 1983; Savoie, Bruter, y Frijhoff, 2004). Este último bicentenario originó, además, en el país vecino otros eventos conmemorativos como el coloquio celebrado en noviembre de 2002 por el Instituto Napoleón y la Biblioteca Marmottan (Boudon, 2004). En España, también a título de História da Educação - RHE

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ejemplo, puede aludirse a la conmemoración, con escasa repercusión social y mediática, del centenario de la creación en 1900 del Ministerio de Instrucción Pública y Bellas Artes que dio lugar, entre otras actividades, a un libro colectivo (Álvarez Lázaro, 2001) y a una exposición en la Biblioteca Nacional cuyo comisariado estuvo a cargo de Antonio Molero Pintado (Ministerio de Educación, Cultura y Deporte, 2001). Todo ello coordinado por un buen historiador de la educación, Pedro Álvarez, miembro - paradojas del destino y signo del cambio de los tiempos - de una de las congregaciones religiosas, la Compañía de Jesús, que más se significó en la España de finales del siglo 19 y comienzos del 20 por su oposición a la idea del “Estado docente” y a la intervención estatal en el ámbito de la enseñanza. Dicha conmemoración estuvo en todo caso unida, con el cambio de siglo, a la publicación de una serie de balances o síntesis sobre la educación y la pedagogía en el siglo recién finalizado3. Otras conmemoraciones, como la de los 75 años de la proclamación de la segunda República, a celebrar en el año 2006, no recibirían la atención de los poderes públicos, pero sí de determinados colectivos. Así por ejemplo, en lo que a la educación se refiere, la Fundación de Investigaciones Educativas y Sindicales (Fies) de Comisiones Obreras, organizó una exposición itinerante sobre la educación en la segunda República, junto con un ciclo de conferencias que darían lugar a una publicación posterior (Jorganes, 2008). Asimismo, en el año 2006 tendrían lugar diversas exposiciones conmemorativas, con sus correspondientes catálogos, sobre algunos aspectos relevantes de la educación en dichos años. Por ejemplo, las relativas a los 75 años de la creación de la Federación Española de Trabajadores de la Enseñanza (AA. VV., 2006a), de la que serían comisarios Luis Arias y Francisco de Luis, y, esta vez con el apoyo estatal, a las Misiones Pedagógicas (AA. VV., 2006b) bajo el 3

Por ejemplo los monográficos sobre “A educación no século 20”, Revista Galega do Ensino, 24, 1999, y “La educación en la España del siglo 20”, Revista de Educación, número extraordinario, 2000, así como Fernandes, R. y Pintassilgo, J. (2003) y Viñao, A. (2004). Este tipo de literatura histórico-educativa, propia de todo fin de siglo, no es un rasgo específico de España como se muestra por ejemplo, en relación con Inglaterra, en Aldrich, R. (2002). História da Educação - RHE

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comisariado de Eugenio Otero Urtaza. Sería, sin embargo, en el año 2007, cuando el centenario de la creación de la Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas, cuyos ochenta años ya habían sido objeto de celebración en 1987, sería el origen, con el apoyo estatal en más de un caso, de números monográficos de revistas como el extraordinario de dicho año de la Revista de Educación sobre “Reformas e innovaciones educativas (España, 1907-1939)”, o el número 63-64, de diciembre de 2006 del Boletín de la Institución Libre de Enseñanza, así como de algún que otro coloquio (Sánchez Pascua y otros, 2007) y, con el patrocinio de la Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales, de una magna exposición de la que serían comisarios José Manuel Sánchez Ron y Antonio Lafuente (AA. VV., 2007) y de un coloquio internacional (AA. VV., en prensa). Las conmemoraciones alcanzan asimismo a las instituciones educativas. Forman parte de su historia, de su memoria y de su cultura. En lo que a la educación se refiere, junto a la memoria de los alumnos, de los profesores y de los objetos (Viñao, 2005), puede incluirse la de los establecimientos e instituciones docentes. Cada centro docente, con el paso del tiempo, construye su propia memoria y, con ella, la de quienes pasan por sus aulas. Dicha memoria es conformada y conforma su cultura institucional. Una cultura expresada en rituales, rutinas, actos corporativos y documentos escritos, en comportamientos, hábitos y fórmulas sociales, en formas de hablar, de vestir, de relacionarse e interactuar que pueden incluso, en algunos casos, identificar a quienes pertenecieron, como alumnos o profesores, a dicho establecimiento. Una cultura asimismo construida a base de conmemoraciones, exposiciones y textos escritos con motivo de las mismas. Nada tiene de extraño, por ello, que en las últimas décadas del siglo 20 y en los primeros años del 21 se publicaran libros, o catálogos de exposiciones, en los que se conmemoraban los 150 años de la creación de buena parte de los Institutos de Educación Secundaria, los llamados, desde hace unos años, Institutos “históricos”, y de las Escuelas Normales História da Educação - RHE

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creadas en España en el siglo 19. Su misma abundancia excusa, en un trabajo de esta índole, hacer referencia a los mismos. Influidos quizás por este afán conmemorativo, o simplemente por la misma naturaleza de los hechos, puede observarse asimismo la presencia en los últimos años de otro no despreciable número libros y catálogos, o de celebraciones de todo tipo, sobre la historia y memoria de instituciones docentes privadas o públicas,

de

todos

los

niveles

y

modalidades

de

enseñanza,

conmemorando los 500, 150, 100, 75, 50 e incluso, ¿por qué no?, 25 años de existencia. Este furor conmemorativo contrasta y es compatible, tanto en el ámbito social general como en el educativo, con el predominio, en las formas de ver y considerar la realidad, del pasado más inmediato, del fugaz presente y de un futuro muy a corto plazo. En síntesis, de una suerte de etnocentrismo temporal o presentismo. Un presentismo que, desde una perspectiva general, se caracteriza por transitar y permanecer en el presente puro, un presente sin causas, pasado, ni consecuencias, futuro; por una mirada, en suma, antigenealógica y atemporal. Un rasgo del mismo, en relación con el sistema educativo, sería, por ejemplo, la incapacidad entre los agentes y actores de dicho sistema de mirar y considerar sus actuales cuestiones y problemas con una perspectiva temporal que vaya más allá del momento en el que accedieron al mismo, y eso sólo excepcionalmente, y, en consecuencia, del futuro más inmediato, por no decir del contexto y circunstancias del mismo presente que está ya dejando de serlo. Dicho presentismo es el que explica que las unidades de información y transmisión cultural en las que se basa el aprendizaje en la especie humana, en relación con la gestión y organización como tal especie, los llamados memes, sean en muchos casos meras repeticiones o réplicas, expresadas con diferentes palabras, que sólo arañan la superficie de las cosas, que no llegan o tocan el fondo de las cuestiones, y que, con la rápida obsolescencia de lo nuevo en las sociedades actuales, dejan al ser humano sin una herencia cultural consistente. História da Educação - RHE

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Memoria y patrimonio: el furor museístico Uno de los temas que mayor desarrollo ha tenido en las dos últimas décadas en el ámbito de la historia de la educación, en España y fuera de España, ha sido el relativo al estudio de la cultura e historia material de las instituciones educativas y, con ella, del patrimonio histórico-educativo. Ello ha sido el resultado de la confluencia del interés por adentrarse en el conocimiento de la “caja negra” de la historia de la educación, lo realmente acaecido en las aulas y en los establecimientos docentes, su realidad cotidiana, las prácticas, el currículum real no el prescrito o el propuesto, con el auge de los estudios de etnografía escolar (AA. VV., 2003) y del museísmo pedagógico-educativo (Ruiz Berrio, 2010a). El análisis de la historiografía educativa española evidencia la creciente atención prestada, desde fechas recientes, al estudio del patrimonio histórico-educativo. Entre las vías que evidencian y apoyan la emergencia de esta parcela de estudio se hallan las siguientes:4 La primera de ellas, quizás la que cuenta con más tradición, está asociada a la celebración de exposiciones pedagógicas y a la publicación, en su caso, de catálogos de las mismas. La segunda vía, la más centrada en el tema, está constituida por los estudios sobre el patrimonio histórico-educativo que han proliferado en forma de libro o artículos de revista en los últimos años.5 Tres ejemplos recientes de libros colectivos con estudios sobre dicho patrimonio son La cultura material de la escuela (Escolano Benito, 2007), Museos Pedagógicos. La memoria recuperada (AA. VV. 2008a) y El patrimonio histórico-educativo. Su conservación y estudio (Ruiz Berrío, 2010b). Por lo que respecta a las publicaciones periódicas, la revista del Consejo Escolar

del

Estado

Participación

Educativa

dedicó

un

número

monográfico al tema (AA. VV., 2008b) con el expresivo título de “Historia 4

En esta relación se sigue en buena parte, y se transcribe, la exposición efectuada por Moreno Martínez, P. L. (2009), trabajo al que remitimos si se desean más detalles y, sobre todo, referencias bibliográficas más extensas. 5 En relación con Italia, véase el número 15 de 2008, pp. 15-191, de la revista Annali di Storia dell’Educazione e delle Istituzioni Scolastiche dedicado, en su parte monográfica, al tema de “I beni culturali della scuola: conservazione e valorizzazione”. História da Educação - RHE

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de un olvido: patrimonio en los centros escolares”. En dicho número se incluían artículos sobre el patrimonio histórico-educativo en los Institutos Cardenal Cisneros (I. Fadón), San Isidro (R. Martín) e Isabel la Católica (C. Masip y E. Martínez) de Madrid, Brianda de Mendoza de Guadalajara (J. Leal), Padre Suárez de Granada (L. Castellón y J. f. Sánchez), Pedro Espinosa de Antequera (C. Romero), Instituto-Fundación Aguilar y Eslava de Cabra (S. Guamán), Práxedes Mateo Sagasta de Logroño (P. Benito), Cabrera Pinto de Tenerife (D. Pérez-Dionis), así como sobre un centro de educación primaria, el Colegio Cervantes de Madrid (Mª T. Cuadrado) y tres colegios privados madrileños: Santa Isabel (Sor F. Ferro y Mª E. Gómez), María Inmaculada (Mª P. Melgar) y Estudio (E. Gallego), y un artículo final titulado “Los institutos de enseñanza secundaria: un legado por descubrir” (Sanz Esteban, I. y Amo del Amo, Mª del C., 2008). La publicación de este número monográfico ha sido seguida por la inclusión, en sucesivos números de la revista, de un apartado o epígrafe específico, titulado “El patrimonio en la escuela”, en el que es posible hallar otros trabajos sobre el tema referidos a establecimientos docentes públicos y privados de diversos niveles educativos. Esta decisión, la de dedicar una sección específica al tema del patrimonio educativo, ha sido asimismo adoptada por otras revistas como Educació i història editada por la Sociedad de Historia de la Educación de los Países de Lengua Catalana. Otros estudios, asimismo recientes (Bernal Martínez, J. M. y López Martínez, J. D., 2009; Bernal Martínez, J. M., Delgado Martínez Mª A. y López Martínez, J. D., 2009; Delgado Martínez, Mª A., López Martínez, J. D. y otros, 2004, 2007 y 2008), centran su atención en el uso didáctico del patrimonio científico de los Institutos de Educación Secundaria o en su difusión museística virtual. Y otros, por último, ofrecen perspectivas generales sobre el material científico para la enseñanza, en estos establecimientos, en un relevante momento histórico como el que significó la aprobación y aplicación del Plan estudios de 1845 (López Martínez, J. D. 2008), o sobre la importancia, catalogación, usos y estudio de dicho História da Educação - RHE

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patrimonio (Simón Castel, J., García Belmar, A. y Bertomeu Sánchez, J. R., 2005; Martínez Alfaro, 2010). Una tercera vía, con destacadas repercusiones en la promoción de estos estudios, corresponde a la gestación de sociedades científicas con la específica finalidad de fomentar el estudio, la protección y la divulgación de dicho patrimonio. Así, en junio de 2003 se fundó la Sociedad Española para el Estudio del Patrimonio Histórico-EducativoSephe - que, entre otras iniciativas, viene promoviendo la celebración de jornadas científicas y editando el Boletín Informativo Sephe de periodicidad anual, y a finales del año 2007 la Red Ibero Americana para la Investigación y Difusión del Patrimonio Histórico-Educativo - Ridphe. Una cuarta vía para el avance de la historiografía en este campo reside en la celebración de congresos científicos específicos, los cuales han experimentado un desarrollo notable en los últimos diez años. Cronológicamente, el primero de ellos se celebró en noviembre de 2001 en Santiago de Compostela bajo el nombre I Foro Ibérico de Museísmo Pedagóxico, al que siguió, en otoño de 2002 en Palma de Mallorca, el I Encuentro de Museos e Historiadores de la Educación, que derivaría en la creación de la Sephe. El más reciente ha sido el II Foro Ibérico celebrado en febrero de 2010 en Viana do Castelo. De especial entidad y proyección nacional e internacional fue la realización en Burgos, en junio de 2003, del XII Coloquio Nacional de Historia de la Educación el cual centró su atención en la Etnohistoria de la Escuela (AA. VV., 2003). En este aspecto, uno de los rasgos a destacar es la consolidación de reuniones científicas o técnicas estables impulsadas por sociedades, redes y universidades. Así, la Sephe viene convocando, desde el año 2005, jornadas científicas de las que, hasta el momento, se han realizado las I Jornadas en el Museo Pedagógico de Galicia - Mupega - en Santiago de Compostela en mayo de 2005, las II Jornadas en el Centro Internacional de la Cultura Escolar - Ceince - de Berlanga de Duero/Soria en mayo de 2007, y las III Jornadas en el Museo Pedagógico de Aragón, sito en Huesca, en octubre de 2008. A su vez, la red de Institutos História da Educação - RHE

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históricos también viene celebrando sus Jornadas de Institutos Históricos de España. Las primeras tuvieron lugar en Granada en julio de 2007, las segundas en La Laguna del mayo de 2008 y las terceras en Guadalajara, en julio de 2009. Asimismo, la Universidad de Vic viene convocando unas jornadas técnicas sobre los museos pedagógicos virtuales, de las que se han organizado las I y las II en junio de 2008 y de 2009, estando previstas las III para el año 2010. Otro evento, en este caso internacional, el I Encontro Iberoamericano de Museos Pedagóxicos e Museólogos da Educación, se desarrolló en Santiago de Compostela del 20 al 22 de febrero de 2008. Otra de las manifestaciones recientes del interés generado en las universidades españolas por el estudio del patrimonio histórico-educativo es

la

presencia

de

grupos

de

investigación

en

convocatorias

internacionales, nacionales y autonómicas para la financiación de proyectos de investigación con propuestas relativas a diferentes aspectos del mismo. Tanto la administración estatal como las autonómicas vienen concediendo recursos para tales fines, especialmente a lo largo de los últimos cinco años. Uno de dichos grupos es el formado en la Facultad de Educación de la Universidad de Murcia. Dicho grupo llevó a cabo en los años 2004 y 2007 un proyecto de investigación titulado La cultura material de las instituciones educativas en la España del siglo 20: arquitectura y mobiliario escolares, y material científico-pedagógico, en el que se emprendió la tarea de crear un Museo virtual de Historia de la Educación - Muvhe - adscrito al servidor de dicha universidad. Una tarea continuada con la realización, entre los años 2007 y 2010, de un segundo proyecto con el título de El patrimonio cultural de las instituciones educativas en la España contemporánea (siglos 19-21). Proyectos de investigación más o menos similares se han aprobado y se están llevado a cabo en otras comunidades autónomas como Valencia, Baleares, Andalucía, País Vasco y Madrid. Uno de los ejemplos más recientes y de mayor entidad, por los colectivos implicados en el mismo, quizás sea el proyecto de investigación titulado Ciencia y educación en los institutos madrileños de História da Educação - RHE

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enseñanza secundaria a través de su patrimonio cultural (1837-1936), financiado por la Comunidad Autónoma de Madrid, dentro del cual tuvo lugar en Madrid un coloquio internacional sobre “la historia de la enseñanza de las ciencias en la educación secundaria” los días 26 y 27 de noviembre de 2009. Las diversas declaraciones y recomendaciones nacionales o internacionales sobre la protección, conservación y estudio del patrimonio histórico-cultural o, más específicamente, del patrimonio históricoeducativo, constituyen una sexta vía de promoción y apoyo de los estudios sobre este último. Entre los acuerdos internacionales destacan la Convención sobre protección del patrimonio mundial, cultural y natural, aprobada en la decimoséptima Conferencia General de la Unesco celebrada en París en otoño de 1972, que aplicaba la consideración de patrimonio cultural a monumentos, conjuntos arquitectónicos y lugares de un valor excepcional desde el punto de vista de la historia, el arte, la ciencia, la etnología o la antropología, la Recomendación sobre la salvaguardia de la cultura tradicional y popular (1989) y la Convención para la salvaguardia del patrimonio cultural inmaterial (2003), ambas de esta misma organización internacional En el ámbito político nacional destaca la presentación en el Congreso de los Diputados el 24 de marzo de 2009, por el Grupo Parlamentario Socialista, de una proposición no de ley en la que se instaba al gobierno a que, en colaboración con las comunidades autónomas, se impulsara un plan de actuación específico para recuperar, proteger, poner en valor y divulgar el fondo patrimonial de gran valor histórico, artístico, científico y didáctico que poseen muchos centros públicos de enseñanza (Diario de Sesiones del Congreso de los Diputados, 70, 2009. Sesión plenaria celebrada el 24-III-2009), y, en el ámbito ibérico e histórico-educativo, la Declaración de Viana do Castelo adoptada en febrero de 2010 en el II Foro Ibérico de Museología de la Educación y Museísmo Pedagógico, como continuación y actualización de História da Educação - RHE

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la Declaración de Compostela suscrita el año 2001 con motivo del I Foro celebrado en dicho año en Santiago de Compostela. El auge nacional e internacional del museísmo pedagógico constituye la séptima y última vía en la que se apoya el creciente interés historiográfico por el patrimonio educativo. En el año 1984 una publicación del Museo Pedagóxico de Galicia - Mupega - detectaba un total de 683 museos de educación accesibles en Internet, 442 en Europa, 192 en América, 40 en Oceanía, 8 en Asia y 1 en África (Peña Saavedra, V. 2004). Es bastante posible que hoy la cifra se haya duplicado. En España, un reciente póster o cartel distribuido junto con el número 3.856, de 25 de febrero de 2010, de la revista Escuela, editada por Wolters Kluwer, informaba sobre la existencia en España de 24 museos pedagógicos de índole pública, dependientes de comunidades autónomas, de centros de profesores o de instituciones docentes universitarias, o privada, en este caso formando parte, por lo general, de una fundación. El hecho de que en una revista profesional, de amplia difusión entre el profesorado, se incluyera un cartel con el mapa de España y la ubicación en el mismo de los 24 museos referidos en dicho cartel, indica que su existencia ha entrado a formar parte de la herencia mental y cultural de los docentes. Que los docentes, como grupo profesional, al menos, una parte de ellos, han empezado a considerar como algo propio, ligado a su patrimonio como tal grupo, los museos de educación.

Algunas cuestiones relativas a la protección, catalogación y estudio del patrimonio educativo Tanto desde la perspectiva de la memoria individual, social e institucional, ya sea desde el afán conmemorativo o desde la simple nostalgia por un pasado escolar que cada vez forma parte de la biografía de un mayor número de personas durante períodos de tiempo cada vez más dilatados, como desde el auge de los estudios sobre el patrimonio histórico-educativo o el museísmo pedagógico, todo apunta a que en los próximos años este tipo de investigaciones y estudios seguirá gozando de História da Educação - RHE

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apoyos públicos, así como de la atención de un cierto número de profesores, asociaciones profesionales y sindicales del profesorado y establecimientos docentes. En las páginas precedentes se han intentado mostrar las causas, los orígenes y las consecuencias de este fenómeno. En las que siguen se exponen, de modo sumario, algunas de las cuestiones que plantea. Las piedras, se ha dicho, hablan. Incluso gritan a quien quiere escucharlas y sabe cómo hacerlo. Esta es la memoria de los objetos. Lo que sucede es que las piedras no dicen a todos lo mismo. Hay, por supuesto, a quienes no les dicen nada. Pero aquellos a quienes sí les dicen, no oyen ni ven las mismas cosas. Los usos y sentidos de los restos y huellas materiales e inmateriales del pasado difieren, como difieren sus significados, en función de quién, desde dónde, cómo y con qué fines se mira. Cabe, como ya se ha señalado, un uso nostálgico, que tiene su origen y contribuye a construir el sentido biográfico de uno mismo y del pasado. Por otra parte, el uso memorialístico general siempre está presente de un modo u otro. Se recuerda, se trae a la memoria, lo que se considerada digno de ser recordado. Y al hacerlo se preserva ese algo, lo que sea, del olvido. También es posible dar un uso didáctico al patrimonio. En este caso, su sentido y significado está unido al de un proceso determinado de enseñanza y aprendizaje, a su utilidad como recurso didáctico en contextos formales o informales de enseñanza. Distinto a los anteriores, aunque relacionado con ellos, es el uso histórico, el uso, ya referido, del patrimonio material e inmaterial con vistas al análisis y estudio científico del pasado o, como hubiera dicho Agustín de Hipona, del presente del pasado. Cabe, por último, también un uso del pasado, de sus restos y huellas como objetos con valor de cambio en el mercado. Su valor, sentido y significado, es el precio que dicho objeto alcanza en el mercado de objetos antiguos. Para un uso nostálgico, memorialístico, didáctico o científico pueden bastar las copias o reproducciones de los mismos; no son siempre necesarios los originales. Para el uso como valor de cambio sólo valen los originales. História da Educação - RHE

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Sea cual sea su uso o destino, la tarea primera a llevar a cabo para proteger el patrimonio educativo, sin la que no es posible ir más allá, es su catalogación y preservación. Sin embargo, esta ingente tarea, si no va acompañada del estudio de lo catalogado y preservado, puede quedarse en el anticuariado, el fetichismo de los objetos, la crónica entendida como mera yuxtaposición de información o el museísmo pedagógico más simple. Por supuesto, la mera labor de catalogación implica, si quiere llevarse a cabo de modo fructífero, una cierta idea previa sobre el análisis y estudio de lo catalogado. Pero ello no debe hacernos perder de vista que dicho estudio se ha de realizar en el contexto más amplio de la historia no sólo de la ciencia y de la cultura material de los centros docentes, sino también de la cultura escolar y de las prácticas académicas. Más en concreto, de los campos, disciplinas y actividades o tareas escolares. Todo ello supone necesariamente un marco teórico-conceptual que dé sentido a los aspectos integrantes de dicha cultura y prácticas, así como el recurso combinado a otras fuentes, intereses y enfoques (Viñao, 2006). Así, por ejemplo, el estudio sobre los cuadernos escolares, un objeto producto de la cultura escolar, sólo tendría sentido en el marco más amplio de los procesos de aculturación en el mundo de la cultura escrita, incluso cuando se recurre a ellos como fuente histórica en relación con un tema concreto. Igual sucede con el análisis y estudio de los libros de texto, otro producto típico de la cultura académica, en relación con aquel nicho ecológico, las disciplinas escolares, en el que dichos libros nacen, anidan y adquieren sentido. Sin embargo, los problemas o cuestiones más relevantes que plantea la protección, preservación, catalogación y estudio del patrimonio educativo y, en general, del patrimonio histórico y cultural, se hallan fuera del mismo. Tienen su origen en ámbitos más amplios y afectan a la memoria de las sociedades futuras, a la de quienes las compongan y a la herencia cultural de las generaciones venideras. Ello, por supuesto, afecta al patrimonio educativo pero excede, en sus causas y efectos, del mismo. História da Educação - RHE

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No en balde guarda una estrecha relación con los cambios que están acaeciendo en los soportes y ritmos de transmisión de la memoria individual, social e institucional. Todo cambio en los soportes y modos de conservar el conocimiento y de transmitirlo ha tenido históricamente repercusiones en la memoria social e individual, en la herencia cultural de los seres humanos, y en los modos de acercarse, de mirar y de interpretar la realidad con el fin de encontrarle algún sentido y desenvolverse en ella. La progresiva introducción y difusión de la escritura en las sociedades de oralidad primaria supuso la progresiva pérdida o desvalorización de determinados modos orales de conservación y transmisión del saber, exigidos por el uso de la memoria en una sociedad que desconocía la escritura o hacía un uso muy restringido de la misma. La introducción y difusión, también gradual, de la cultura tipográfica, tras la invención de la imprenta, originó asimismo profundas modificaciones en los modos de conservación y transmisión de cualquier tipo de conocimiento, saber o práctica. No eliminó ni la cultura del manuscrito ni la de la oralidad, sólo las desplazó considerándolas

marginales,

obsoletas

o

propias

de

saberes

escasamente valiosos. Al mismo tiempo planteó una serie de cuestiones plenamente actuales: ¿Qué parte del saber y qué prácticas conservadas y transmitidas por vía oral o de forma manuscrita debían ser impresas y difundidas con el nuevo soporte tipográfico, es decir, a través de la imprenta, del libro y de un sistema escolar y académico institucional basado en el mismo? ¿Qué es lo que se consideraba suficientemente valioso, es decir, digno de ser impreso, y qué no? ¿A quiénes correspondía decidir lo que era o no valioso y, por tanto, lo que debía o no ser impreso? Por supuesto, esa nueva tecnología de la palabra que fue la imprenta, sería también utilizada, por razones ideológicas o comerciales, para difundir textos e imágenes que la cultura académica o simplemente culta, la de los letrados, no consideraba valiosos. Por supuesto, desde su História da Educação - RHE

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misma aparición esa nueva tecnología originó críticas sobre el exceso de libros, sobre su perniciosa influencia moral o mental - ¿cómo no traer aquí a colación al personaje de la literatura española más conocido mundialmente? - y sobre la apariencia de saber, no sabiduría, que podían proporcionar las lecturas extensivas y superficiales. Críticas en la que resonaban, como un eco, las efectuadas casi dos mil años antes por Platón, en su diálogo Fedro, sobre esa tecnología de la palabra que era la escritura, y en las que resuenan muchas de las actualmente realizadas en relación con Internet. Críticas que dejan a un lado, como también lo hacen quienes sólo ven las posibilidades y ventajas de Internet, el hecho de que los cambios en las tecnologías de la palabra, de la conversación y de la comunicación sean cambios que originan ganancias y pérdidas. Que no deben ser vistos desde las perspectivas excluyentes del progreso o del desastre cultural, sino desde la aparición de una situación en parte diferente, en parte nueva, que supone una peculiar combinación de ganancias y pérdidas en comparación con la que viene a relegar o marginar. La cuestión es muy simple: los usos que se están haciendo de los nuevos soportes tecnológicos para preservar la herencia cultural, o sea, el saber, el conocimiento y las prácticas que se consideran valiosas y que, por ser así consideradas, deben ser reelaboradas y transmitidas a las generaciones posteriores, en especial desde el advenimiento de Internet, sin olvidar la omnipresente televisión y la no menos omnipresente publicidad, poseen una serie de rasgos que afectan, que están ya afectando, a los procesos de construcción y reconstrucción de la memoria y, por tanto, del patrimonio y herencia culturales. Un primer rasgo, con todas las excepciones individuales que quieran hacerse, es la brecha generacional y socio-cultural abierta entre quienes dominan los nuevos medios tecnológicos, sea porque se desenvuelven en ellos como pez en al agua, sea porque ese es su campo académico o profesional, y quienes han nacido y han sido mentalmente conformados por la cultura tipográfica. En los lugares extremos de dicha brecha pueden História da Educação - RHE

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encontrarse, por un lado, analfabetos o semianalfabetos digitales perfectamente instruidos en el mundo del libro y de la imprenta, pero incapaces de transmitirla por vía electrónica, y, por otro, analfabetos funcionales en el mundo de la cultura escrita tipográfica, en la que se ha construido y preservado la herencia cultural a transmitir, para quienes la digital o electrónica no parece tener secretos y que, por tanto, transmiten por esta vía información, significados y representaciones del pasado sin que se distingan o brillen precisamente por su capacidad, competencia, creo que se dice hoy, para diferenciar, en la herencia a transmitir, lo valioso de lo banal o prescindible. Tanto para unos como para otros lo que sea valioso, o no, depende no tanto del contenido cuanto del soporte. Un problema o cuestión que se agudiza cuando, como es habitual, quienes mejor se manejan con los nuevos soportes son aquellos que, por razones de edad, poseen una menor experiencia o memoria temporal. Entre ambos extremos, por supuesto, se halla una minoría que navega cómodamente tanto en las aguas de la cultura tipográfica como en las de la digital o electrónica, y, cómo no, una gran masa de analfabetos funcionales en ambas. La no discriminación valorativa, la nivelación o igualación, la presencia en un mismo plano de todo tipo de información y opiniones y la ausencia de mecanismos de jerarquización, son otros rasgos señalados como propios de la cultura electrónica. “Si resulta”, como se ha advertido, “que en la cabeza de los jóvenes pesa más el universo digital que el impreso”, eso significa que la cultura digital ya estaría por encima de la gutenbergiana, una cultura digital que tendría además el poder de determinar y modificar, a partir de este momento, toda la cultura gutenbergiana anterior (al erguirse como un medio más poderoso y funcional) y de cambiar profunda y “llanamente” todo el sistema de valoración anterior y la naturaleza de sus jerarquías. (Ferrero, 2010)

Todo ello se produce además en un momento en el que la institución encargada, en la cultura tipográfica, de establecer jerarquías o História da Educação - RHE

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cánones y de transmitir, con arreglo a unas pautas establecidas, aquella herencia cultural que se considera que debe transmitirse a las nuevas generaciones, es decir, el sistema escolar, se halla marginada por el simple hecho de que la mayor parte de la información se produce fuera de la misma y de forma más atractiva, eficaz e influyente. En síntesis, el sistema escolar se ve incapaz de llevar a cabo dicha función sin que en el nuevo

universo

electrónico

existan,

por

el

momento,

agencias,

instituciones o procedimientos de jerarquización que determinen lo que debe ser o no preservado y transmitido más allá del puro espontaneísmo. Un tercer rasgo, ligado ya al mencionado presentismo o predominio de la mentalidad antigenealógica para la que todo lo existente parece haber nacido de sí mismo, es la rápida obsolescencia tanto de los soportes como de su contenido. Por una parte, en palabras de JeanClaude Carrière, “no hay nada más efímero” que los soportes electrónicos considerados “duraderos”, ya se trate de disquetes, cintas, CD-ROM, DVD u otros artilugios cuya lectura requiere haber conservado los ordenadores que la hacían posible. Su acelerada obsolescencia “contribuye a borrar la memoria” en un momento histórico caracterizado por la invención de “muchos instrumentos para conservar la memoria” (Eco y Carrière, 2010, 27-30). Por otra, la velocidad, mejor dicho el incremento de la misma, es el signo de nuestro tiempo y “actualizar” la acción más común en el mundo electrónico. Una acción en la que “lo preexistente se borra en beneficio de lo vigente y sólo lo actualizado queda como absoluto” (Verdú, V., 2006), hasta, añadiríamos, ser eliminado por la próxima, cada vez más inmediata, actualización. Una actitud de este tipo puede generar comportamientos anti-memorialísticos, formas de pensar y hacer, mentalidades y prácticas para las que el pasado es algo a borrar, eliminar y olvidar. Algo de lo que, en definitiva, puede prescindirse. Dado que ello no es posible, el pasado resurge en forma de leyenda, de mito o como una

reconstrucción

indolora,

inequívocamente

falsa,

por

motivos

ideológicos, comerciales, de diversión o entretenimiento. História da Educação - RHE

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De un modo u otro, la sobrevaloración de lo nuevo implica, quiérase o no, la conversión de lo antiguo en anticuado y la infravaloración de la memoria ligada a la experiencia biográfica. Con ello se olvidan dos hechos: que no se puede ser innovador si no es desde dentro de una tradición o herencia, y que es a partir de cierta edad, variable según las experiencias personales y la cultura en la que se vive, cuando se empieza a tener pasado, cuando se echa la vista atrás, es decir, cuando se construye la memoria autobiográfica (presente del pasado). Antes sólo se posee presente y futuro (presente del futuro). Otros dos rasgos, relacionados entre sí y advertidos en el mundo de la cultura electrónica, son la fragmentación homeopática y la ramificación. La información, el saber y el conocimiento se ofrecen en dosis cada vez más reducidas en extensión y duración, a modo de teselas de un mosaico por componer en el marco de una estructura discursiva ramificada en la que se combinan textos breves, imágenes dispersas, sonidos y publicidad. Se pueden conocer muchos detalles fragmentados de la realidad presente, o ya acaecida, pero la forma en que dicha realidad se muestra y es conocida oculta como se puso en marcha el proceso que la configuró, como llegó a producirse. La herencia cultural, el saber, el patrimonio material e inmaterial a preservar y transmitir, es comprimido y jibarizado, simplificado y ofrecido a modo de sucesivos flashes deslumbrantes, de piezas aisladas que aparecen y desaparecen sin aparente conexión entre sí pese a que, como es obvio, se hallan conectadas. Si el mundo de la oralidad tuvo que generar una narrativa poética para preservar y transmitir el saber, una narrativa de avance en espiral todavía presente y revalorizada, por ejemplo, en el campo de la literatura y educación infantil (Janer Manila, G., 1989, 1990, 2002); si el universo quirográfico hizo posible la aparición de formas de pensamiento científico ligadas a la elaboración de clasificaciones y listas (Goody, J., 1985); si la cultura tipográfica, frente al avance en sucesivas espirales parcialmente superpuestas del discurso oral, supo crear un tipo de narrativa lineal y secuenciada facilitada por la História da Educação - RHE

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paginación y la posible vuelta atrás para recuperar lo leído, la estructura ramificada de Internet promueve un nuevo modo de ver la realidad, no lineal ni recurrente, cuyas características y posibilidades se hallan todavía en fase de elaboración y sólo pueden entreverse. La cuestión reside en saber cuál será el lugar de la memoria en ese universo inconexo de piezas conectadas, en atisbar cuáles y cómo van a ser los nuevos, sólo en parte nuevos, modos de leer la realidad y las nuevas narrativas que le den sentido, en qué condiciones y espacios van a subsistir aquellos modos de dar significado a lo real, propios del mundo oral, del quirográfico y del tipográfico, y, en definitiva, cuál va a ser el papel y el lugar del patrimonio histórico y de la educación en ese nuevo universo. Reflexiones finales Internet es una red de redes y la Red es el gran archivo de archivos, que se está convirtiendo en la gran memoria contemporánea […]. Ante este hecho yo me pregunto: ¿Este exceso de huellas registradas puede llegar a un rechazo de la memoria? o ¿Este rechazo podría empujarnos hacia una manera de vivir sin memoria? O por el contrario ¿Nos obligará este exceso de reinformación a crear otro nuevo estado diferente de la memoria? (AA. VV., 2010, 6)

Estas son las preguntas que se hace Montserrat Soto, fotógrafa autora de la serie “Archivo de archivos” (1998-2006), y éste es el contexto en el que hay que considerar hoy las relaciones e interacciones entre memoria, historia y patrimonio educativo. La hipótesis de la que partimos es la de que vamos hacia un estado en parte diferente de la memoria, es decir hacia una situación, ya presente, en la que los cambios acaecidos en los soportes de la memoria implican nuevos tipos de relaciones e interacciones tanto con la historia como con el patrimonio en general y, de un modo específico, con la educación institucional o formal. Nuevos tipos que coexisten con los preexistentes y que, incluso, interactúan y se modifican entre sí. História da Educação - RHE

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Ello afecta, por supuesto, a las políticas del olvido y de la memoria, a los modos conmemorativos, a los de escribir y hacer historia y, cómo no, a esos

lugares

institucionales

de

la

memoria,

tan

estrechamente

relacionados con el patrimonio histórico-cultural, que son los archivos y los museos. Afecta a su papel, a la concepción que se tenga de los mismos y a su actividad. Un archivo, se ha afirmado recientemente, “no es su contenido material, analógico o digital, sino el uso que se haga de él”. Y un museo “no es sólo sus salas de exposición repletas de objetos, imágenes o narraciones, sino una idea dedicada a la educación, al cambio de los valores dominantes”. Son “el uso y las maneras de acceso a la información” las que diferencian estas “dos entidades con un objetivo muy semejante”. Sin embargo, dichas diferencias tienen a diluirse. Al fin y al cabo “un archivo expuesto es un museo y no puede haber museo sin acción archivística propia” (Marí, 2010). Ambos además, archivo y museo, confundiéndose entre sí y entrelazándose, sólo merecen tal nombre si lo catalogado y conservado es objeto de estudio y si, al mismo tiempo, es divulgado y conocido. De este modo, a la cuestión de quién o quiénes van a ser los que tomen las decisiones, de modo sistemático o aleatorio, acerca de lo que debe, o no debe, ser preservado y transmitido, y de cómo y con qué soportes debe ser preservado y transmitido, se añade la de quiénes deciden lo que debe ser estudiado y divulgado y cómo y con qué soportes deben llevarse a cabo ambas tareas. El futuro, en este punto, está abierto a diversos escenarios. Que el resultado final sea uno u otro afectará tanto a la educación y la formación de las nuevas generaciones como a su grado de libertad, responsabilidad, autonomía y sentido crítico.

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ANTONIO VIÑAO FRAGO é catedrático de Teoria e História da Educação da Universidad de Murcia, Espanha. Seus campos de investigação prioritários são a história da alfabetização e da cultura escrita, da escolarização e do ensino secundário, assim como a história do currículo (espaços e tempos escolares, disciplinas, livros de texto) e a relação entre as culturas escolares e as reformas educativas. Endereço: Universidad de Murcia - Facultad de Educación, 30080 - Murcia - España. E-mail: avinao@um.es.

Recebido em: 20 de setembro de 2010. Aceito em: 31 de novembro de 2010.

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O QUE UM MENINO DEVE SABER PARA SEU BEM. REPRESENTAÇÕES DE INFÂNCIA EM MANUAL DE EDUCAÇÃO MORAL E SEXUAL DO INÍCIO DO SÉCULO XX1

Maria Stephanou



Resumo O estudo examina, na perspectiva da história cultural, representações de infância, enunciados discursivo em circulação entre fins do século 19 e primeiras décadas do século 20. Toma como objeto de análise o livro intitulado O que um menino deve saber, de Sylvanus Stall, publicado em 1897, e que integra a coleção Self and sex series. O livro circulou no Brasil, em sua primeira edição, no ano de 1919. Destinava-se aos meninos, anunciava seu empenho em auxiliálos a terem uma infância pura e santa. Através de livros oferecidos à leitura, neste período foram produzidos e circularam variados conteúdos, notadamente aqueles relativos à religião, moral, saúde, higiene, sexualidade, dentre outros. O livro constitui um manual de preparação para a vida e defesa da importância da castidade entre os meninos, um guia de bem viver. Dedica diferentes excertos à produção de uma infância que caminha rumo a uma juventude e adultez, fortalecida por leituras decentes e piedosas, esclarecimentos médico-científicos e lições morais. Palavras-chave: representações de infância, práticas de leitura, moral sexual, discursos médicos.

WHAT A BOY SHOULD KNOW FOR YOUR OWN GOOD. REPRESENTATIONS OF CHILDHOOD IN HANDBOOK OF MORAL AND SEXUAL EDUCATION OF THE EARLY TWENTIETH CENTURY Abstract The study examines the perspective of cultural history, representations of childhood, set out in discursive movement between the late nineteenth century 1

Uma versão reduzida deste ensaio foi apresentada no 32º Ische, em agosto de 2010, Amsterdam, Holanda. A investigação contou com o auxílio da Propesq/Ufrgs, Pibic/CNPq e da Fapergs. História da Educação - RHE

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and early decades of the twentieth century. It takes as its object of analysis the book entitled What a boy should know, of Sylvanus Stall, published in 1897 and part of the collection Sex and Self Series. The book circulated in Brazil in its first edition in 1919. Was aimed at children, announced its commitment to help them have a childhood, pure and holy. Through reading books offered in this period were produced and circulated varied contents, especially those related to religion, morals, health, hygiene, sexuality, among others. The book is a manual for life preparation and defense of the importance of chastity of boys, a guide to good living. Dedicated to the production of different extracts a child walking toward a youth and adulthood, strengthened by readings decent and pious, medical scientific explanations and moral lessons. Keywords: representations of childhood, reading practices, sexual morality, medical discourses. CE QU’UN ENFANT DOIT SAVOIR POUR SON BIEN. REPRÉSENTATIONS DE L'ENFANCE EN MANUEL DE L'ÉDUCATION MORALE ET SEXUELLE DE DÉBUT DU 20e SIÈCLE. Résumé L‟étude examine, en vue de la perspective de l´histoire culturelle, des représentations de l‟enfance en circulation entre la fin du XIXe siècle et du commencement du XXe siècle. Il prend comme objet de l'analyse du livre intitulé Qu'est-ce qu'un enfant doit savoir, de Sylvanus Stall, publié en 1897, et qui fait parti de la collección Self and the Sex Series.Le livre a circulé au Brésil dans sa première édition en 1919. Il était destiné aux enfants et annoncé son engagement à les aider à avoir une enfance, pure et sainte. À travers des livres offerts à la lecture dans cette période a été produit et diffusé contenu varié, en particulier ceux liés à la religion, la moralité, la santé, l'hygiène, la sexualité, entre autres. Le livre est un manuel pour la préparation de la vie et de la défense de l'importance de la chasteté chez les enfant, un guide pour bien vivre. Dédiée à la production de différents extraits d'un enfant à marcher a la dirección de la jeunesse et l'âge adulte, renforcé par des lectures décents et pieux, des explications scientifiques et médicales, des leçons de moral. Mots-clés: représentations de l'enfance, les pratiques de lecture, la moral sexuelle, les discours de mèdicine.

LO QUE UN NIÑO DEBE APRENDER A SU BIEN. REPRESENTACIÓN DE LOS NIÑOS EN EL MANUAL DE EDUCACIÓN MORAL Y EL INICIO DEL SIGLO 20. Resumen El estudio examina la perspectiva de la historia cultural, las representaciones de la infancia, que figura en el movimiento discursivo entre finales del siglo XIX y primeras décadas del siglo XX. Se toma como objeto de análisis el libro titulado ¿Qué debe saber un niño, de Sylvanus Stall, publicado en 1897 y parte de la colección Sex and self series. El libro circuló en Brasil en su primera edición en 1919. Fue dirigida a los niños, anunció su compromiso de ayudarlos a tener una infancia, pura y santa. A través de la lectura de libros que se ofrecen en este período se produjeron y distribuir contenidos variados, especialmente los relacionados con la religión, la moral, la salud, la higiene, la sexualidad, entre História da Educação - RHE

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otras. El libro es un manual de preparación para la vida y la defensa de la importancia de la castidad entre los niños, una guía para bien vivir. Dedicado a la producción de diferentes extractos de un niño a caminar hacia la juventud y la edad adulta, reforzada por las lecturas dignas y piedosas, explicaciones médico científicas y las lecciones morales. Palabras clave: representaciones de la infancia, las prácticas de lectura, la moral sexual, los discursos médicos.

Introdução O estudo busca examinar, na perspectiva da história cultural, representações de infância, enunciados discursivo em circulação em fins do século 19 até as primeiras décadas do século 20. Toma como objeto de análise o livro intitulado O que um menino deve saber, de autoria de Sylvanus Stall, publicado em 1897, e que integra a coleção Self and sex series (pureza e verdade), juntamente a outros sete volumes. A coleção foi publicada na Filadélfia (EUA) pela The Vir Publishing Company, editora da Igreja Metodista, em fins do século 19. Stall foi autor ou co-autor dos demais volumes, além de seu editor e organizador. Teólogo americano, escritor, editor e pastor da Igreja Luterana, nasceu em 1847 e faleceu em 1915. O livro foi traduzido e feito publicar no Brasil, em sua primeira edição, em 1919, pelo professor de inglês da Escola Normal do Rio de Janeiro, Rodolpho Rotschild Nogueira, que dedica a tradução, na primeira página do opúsculo, imediatamente após a capa, “a todos os meninos brasileiros e portugueses que desejarem ter uma infância pura e santa, debaixo dos mais sagrados princípios da moral”. Não há registro de editora, pois presumivelmente trata-se de uma edição de comercialização pelo tradutor. Esta primeira edição brasileira apresenta-se como um pequeno volume, de cerca de 11,5cm por 17cm, 167 páginas, além das notas do tradutor. Não possui uma capa expressiva. Assemelha-se a pequenos breviários religiosos, despojado e singelo. Pode ser facilmente portado consigo pelo leitor, considerando o volume diminuto e a facilidade de manuseio. História da Educação - RHE

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O texto de Stall, propriamente dito, não possui ilustrações, mas o tradutor acrescentou ao volume cinco imagens, dentre elas as fotografias de três intelectuais da época, a saber: um major e diretor de ginásio militar; um médico higienista e um filósofo e reformador, que também era médico. Abaixo dos títulos de cada um e de suas imagens, seguem as breves biografias correspondentes e os comentários que, como “homens eminentes”, tecem elogiando a iniciativa do tradutor e recomendando a leitura do livro. Há, aí, indicações de o livrinho já teria sido adotado no Ginásio 28 de Setembro, no Rio de Janeiro. Logo após, o tradutor acrescenta outras duas imagens, uma fotografia sua e a fotografia do busto de Sylvanus Stall, em tom solene, apresentado como doutor em Teologia e autor de outras obras para leitura das crianças e rapazes. O que um menino deve saber está subdividido em 21 capítulos, acrescidos de prefácio e introdução, bem como do tópico intitulado “Recomendação aos pais”, todos de autoria de Stall. O tradutor acrescenta

uma

“apreciação

do

tradutor”.

Tais

acréscimos

são

substantivos no texto, pois buscam circunscrever suas intenções e os usos a que deveria ser destinada a leitura do mesmo. O que um menino deve saber destinava-se à leitura dos meninos, mas também de seus pais e mães. Anunciava, explicitamente, seu empenho em auxiliá-los com conselhos esclarecedores e claros às indagações que surgem na fase da vida de seus filhos. Nas palavras de Stall, o livro era dedicado aos milhares de rapazes cujas honestas perguntas sobre a origem e a existência da vida merecem uma resposta verdadeira, inteligente e satisfatória tal que os salvasse da ignorância, que os tornasse capazes de evitar os vícios e os afastasse dos pecados solitários e sociais. (Stall, 1919, p. 3)

Assim, por meio de livros como os de Stall, oferecidos à leitura dos meninos, rapazes e suas famílias, foram produzidos e circularam variados conteúdos, notadamente aqueles relativos à religião, moral, saúde, História da Educação - RHE

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higiene e sexualidade, dentre outros. O livro examinado pode ser tomado como um manual de preparação para a vida e defesa da importância da castidade entre os meninos. Caracteriza-se como um guia de bem viver e de orientação sexual. Ao longo do texto, o autor dedica diferentes excertos à produção de uma infância que caminha rumo a uma juventude e adultez, fortalecida por leituras decentes e piedosas, fundadas em esclarecimentos médico-científicos e lições morais. Dentre os temas abordados no pequeno manual, Stall entretece uma discursividade moral e religiosa em que destaca o temor aos excessos de toda ordem, sem descuidar da proliferação de leituras perniciosas entre as crianças e os jovens. Orienta seus ensinamentos às crianças na forma de um conjunto de recomendações e, sobretudo, prescrições, que compõem este manual religioso de conduta da vida laica, denotando seu esforço em produzir uma determinada representação de infância. Livros como os escritos por Stall indiciam a enorme pressão reguladora dos discursos médicos e religiosos sobre os sujeitos da época, embora seja imperativo considerar que não se pode confundir os textos que prescrevem um ideal de infância com os gestos e pensamentos que ensejaram junto às crianças leitoras de seu tempo. Para além da educação escolarizada, as práticas de leitura disseminaram-se, no caso do Brasil, desde as últimas décadas do século 19. Os livros à disposição para leitura, então, alcançaram uma escala sem precedentes na história dos impressos em circulação no país. Os textos foram importantes disseminadores de ideários e estilos de vida, prescritos ou propostos aos indivíduos, institucionalmente ou na informalidade. A leitura constituiu objeto de atenção de moralistas, educadores, religiosos, políticos, governantes, médicos, pois que, com a circulação de livros populares, de menor custo e nem sempre tutelados pelas instituições tradicionais, como Igreja e escola, houve uma certa emancipação das práticas de leitura frente às ordens e normas que as controlavam, assim como as práticas sexuais (Chartier, 1998, p. 113). História da Educação - RHE

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Os perigos da ignorância, da ausência de confiança nos pais, da incitação às práticas perniciosas e dos excessos sem precedentes são apresentados em contraposição às virtudes que deveriam presidir a formação de todos e de cada um dos cidadãos. Tais perigos ocupam a produção discursiva de diferentes campos do social: das igrejas às escolas, do Estado à medicina. De interesse especial neste estudo, importa considerar o quanto as representações de infância associaram-se com enunciados mais abrangentes acerca dos excessos das energias eróticas, das más escolhas quanto às leituras, ou, ainda, a proliferação das leituras incontroladas associadas à multiplicação de leitores incontroláveis (Chartier, 1998, p. 110). Sylvanus Stall, como autor, e sua coleção Self and sex series, já foram referidos em alguns estudos, especialmente sobre história da medicina,

da

moral

sexual

vitoriana,

do

puritanismo

ou

das

representações médicas sobre as diferentes idades da vida, em que são enfocados, especificamente, conteúdos associados à história dos conhecimentos médicos e das representações de sexo, masturbação, matrimônio e menopausa.

Quanto a esses livros, contudo, não há

referências de que tenham sido examinados no que tange às representações de infância e as práticas de leitura na infância e na adolescência, foco privilegiado neste estudo.

Livro, autor, meninos leitores O que um menino deve saber é um livro dirigido às crianças do sexo masculino, ou seja, aos meninos com idades variáveis, mas o autor prefere indicar entre 7 até em torno de 14 anos. Constitui um manual de preparação para o ingresso na vida jovem e, posteriormente, adulta. Sugere os princípios e responsabilidades desde a infância, com vistas à adultez. Constitui um guia de bem viver (Stephanou, 2000) e de orientação sexual. Esparsos ao longo do texto, o autor dedica diferentes excertos a expressar o modo como pensa ou concebe a infância: a confiança que os filhos devem manter para com seus pais, melhores História da Educação - RHE

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conselheiros nos assuntos relacionados à sexualidade; o reconhecimento da criança como indivíduo capaz, inteligente, que observa e raciocina, portador

de

desejos

e

anseios,

altamente

impressionável,

mas

igualmente, moldável pela instrução ou educação familiar. Sugere a escolha da companhia de adultos sadios e idôneos, de bons livros, a educação e instrução diligente dos pais e mães, a interdição às práticas perigosas e viciosas. Como veremos adiante, O que um menino deve saber, em seu tempo, concorreu à definição de um processo de codificação de regras e padrões às práticas pessoais dos meninos. Informado por diferentes saberes e discursos, intentava circunscrever as derivas da intimidade e os prenúncios da curiosidade em relação ao sexo e à origem da vida. Embora eivado de prescrições e interdições, como dissemos acima, a análise não se dirige a afirmar uma suposta eficácia absoluta do texto, mas em examinar as diferentes combinações discursivas que visaram organizar as práticas autorizadas através da produção de representações sobre meninos sadios e meninos perturbados. Isto implica focar os enunciados sobre infância nas intenções do autor, muito embora o processo de significação dessas representações seja um processo complexo, que envolve mais do que os textos em si mesmos. Stall, como autor de um discurso moral e religioso, diante das assim consideradas práticas sexuais viciosas, praticadas, segundo ele, por muitos

meninos

e

rapazes

de

seu

tempo,

fundamenta-se

em

determinados saberes científicos e discursos médicos visando atribuir um sentido de legitimidade e autoridade a suas proposições. O que um menino deve saber, em sua condição de manual religioso de conduta da vida laica, especialmente a conduta sexual, denota a necessidade de controlar os pensamentos e o corpo através de prescrições e, sobretudo, interdições. Assim, especialmente acerca da aquisição de informações pelos meninos, seja através das vivências na rua e na escola, seja junto a seus pares ou adultos estranhos à convivência familiar, ou ainda as práticas de leitura dos meninos, Stall História da Educação - RHE

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descreve os modos de os meninos conservarem suas vidas na pureza e fortaleza. O autor, como referido anteriormente, teve parte de sua formação no Seminário Teológico da Pensilvânia, tendo se ordenado ministro da Igreja Luterana em 1874. Em seu tempo, foi escritor de expressão em língua inglesa, tendo escrito diversos livros. Ao estilo dos manuais, gênero popular da época, o conjunto de suas obras adota um acentuado tom prescritivo, em torno da idéia “o que se deve saber/o que se deve fazer/não fazer”. Dawson (1996) informa que o dr. Stall, através dos oito volumes da coleção, dirigiu-se a prescrever o que um indivíduo masculino ou o que um indivíduo feminino deviam saber em cada período de suas vidas: O que um menino deve saber , cujas indicações de primeira edição apontam o ano de 1897; O que um rapaz deve saber (1897); O que um jovem esposo deve saber (1897); O que um homem de quarenta e cinco anos deve saber (1901). Além disso, em co-autoria com Mary-Wood Allen, O que uma jovem deve saber e O que uma jovem mulher deve saber (1897); e com Emma F. A. Drake, O que uma jovem esposa deve saber e O que uma mulher de quarenta e cinco anos deve saber. Também há informações de que Stall publicou, erntre outros títulos, uma obra de literatura infantil, intitulada With the children on sundays: through eye-gate and ear-gate into the city of child-soul (Com as crianças aos domingos: através dos olhos e ouvidos o portão para a cidade da alma-criança tradução livre), cuja primeira edição data de 1893. Além do prestígio que os livros de Stall gozaram entre médicos, editores, autoridades políticas, juízes, educadores e líderes religiosos à época, posteriormente foram amplamente citados em diversas obras, especialmente nos campos da medicina, moral e religião. Dawson (Ibid.) refere que os livros de Stall teriam vendido mais de um milhão de cópias em língua inglesa - noticiava-se dois mil novos leitores diários - e que teriam sido traduzidos em seis idiomas na Ásia e Europa, por editoras que haviam buscado o privilégio de traduzi-lo. Há indicações esparsas de que História da Educação - RHE

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tais livros tenham sido traduzidos em francês, sueco, holandês, japonês, urdu, português, entre outros. Para Dawson (1996), em fins do século 19, nos EUA, as pessoas ridicularizavam a moral vitoriana, considerando-a exagerada. Mas qualquer pessoa que desejava ser respeitada como cidadão adotava seus preceitos. Neste momento, muitos médicos e moralistas tomaram suas penas e acabaram escrevendo livros para alertar o público em geral sobre os perigos do excesso de intimidade física, mesmo no casamento, pautados pela moral vitoriana. Stall inscreve-se dentre estes, pois seus livros dirigem-se a regular as relações ligadas às práticas sexuais, ao matrimônio e conduta cristã. A defesa do casamento religioso, a regulação dos contatos sexuais, o controle dos excessos de toda ordem, segundo Dawson (1996), obtiveram apoio de uma comunidade científica respeitável, tanto nos EUA quanto na Inglaterra, embora neste momento outros médicos assumissem posições contrárias. Como sugere Peter Gay (2000), perto do final do século 19 muitos pesquisadores já haviam diagnosticado que o fanatismo religioso de rapazes adolescentes, leitores a quem Stall se dirigia preferencialmente, era uma enfermidade devida ao desejo erótico insatisfeito, ou reprimido, distintamente da perspectiva defendida por Stall. Ele adota, contudo, aqueles médicos que se alinhavam ao seu pensamento moral. Quem poderia discordar dos argumentos formulados pela medicina? Segundo Dawson (Ibid.), mesmo aquelas pessoas que não se envolviam com política e religião, acreditavam nos elementos de prova apresentados pelos médicos. Efetivamente, a leitura de O que um menino deve saber demonstra o quanto Sylvanus Stall esteve sob a influência proeminente dos discursos médicos de seu tempo. Nesse sentido, a série Self and sex representa o pensamento de vários intelectuais e médicos responsáveis pelos conhecimentos daquele tempo e também demonstra a posição respeitável que os médicos ocupavam no que diz respeito às representações de infância, de família e as práticas da sexualidade. Através da combinação História da Educação - RHE

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de prescrições médicas, imbuídas de mal disfarçados estereótipos sociais, aliadas a preceitos morais e religiosos, a popularidade de seus livros levou a exercerem uma influência considerável sobre a cultura e a moralidade sexual que acumulamos desde então. A permanência de livros como os de Stall, no tempo, dá conta de demonstrar a enorme pressão reguladora dos discursos médicos e religiosos sobre os sujeitos.

O que pais e mães devem saber, ou o que não devem fazer Na virada do século 19 para o 20, segundo Peter Gay (2000), médicos e autores contemporâneos a Sylvanus Stall, alguns mencionados por ele em seus livros, como Krafft-Ebing ou Havelock Ellis2, afirmavam, com certa tranquilidade, que ânsias misteriosas e incompreensíveis explodiam na adolescência sob a forma da sexualidade e que o momento privilegiado em que a pressão pela gratificação sexual se tornava mais imperiosa e, portanto, mais perturbadora, era o período da adolescência (2000, p. 248-249). Esses autores não definiam precisamente o que circunscreviam como adolescência. Entretanto, sabemos hoje que havia diversidade e variações nos limites cronológicos supostos por diferentes autores. Stall, por sua vez, posiciona-se. Dirige aos meninos, entre os 7 e os 14 ou mesmo em alguns casos até os 17 anos, bem como a seus pais e mães, os ensinamentos do livro O que um menino deve saber. Para os rapazes entre os 17 a 25 anos, destina o segundo volume da coleção mencionada, intitulado O que um rapaz deve saber (1897), diferenciando seu público leitor segundo limites de extratos geracionais que adota. Relativamente ao primeiro livro - O que um menino deve saber - há um aspecto no mínimo inusitado: teriam sentido as palavras de seu texto para os meninos de 7 ou 8 anos a quem sugere que se poderia oferecer a

2

Henry Havelock Ellis (1859-1939) foi um médico, psicólogo e sexólogo britânico, nascido na Austrália. Richard von Krafft-Ebing (1840-1902) foi um psiquiatra alemão. Introduziu em sua obra os conceitos de sadismo, masoquismo e fetichismo no estudo do comportamento sexual. Foi professor de psiquiatria na Universidade de Estrasburgo. História da Educação - RHE

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leitura do pequeno guia? Stall defendia que sim! Vejamos, então, como argumenta tal propósito e como suas explanações indiciam uma representação de infância em disputa com outras concepções de sua época, mormente aquelas que ainda erigiam a figura da inocência e da pouca inteligência das crianças até a juventude. Para Stall, Os pais podem inquirir com que idade devem eles ensinar a seus filhos os assuntos da vida e do ser e o cuidado dos seus próprios corpos. Em qualquer tempo em que sejam feitas perguntas sobre questões sagradas [sobre a origem da vida], elas devem ser sempre respondidas honestamente, porém com a máxima inteligência e sabedoria. Não importa a idade da criança. (Stall, 1919, p.11)

Desdobrando a afirmação acima, o autor sugeria que os primeiros sete anos da vida de uma criança eram tão importantes para os pais como para o prelado. Tratava-se de um momento decisivo na vida de um filho, uma vez que ele, pessoalmente, conhecia vários “rapazes que foram arruinados” porque seus pais deixaram de lhes dar o necessário conselho quando lhes dirigiam perguntas relacionadas ao sexo e à reprodução. Entretanto, afirmava que jamais conhecera um só rapaz que se arruinasse porque seus pais lhe dessem instrução muito cedo. Em outras palavras, mostrava-se contrário à idéia de que havia um perigo na precocidade de os pais falarem inteligentemente com seus filhos acerca desses assuntos. O autor não subestimava as capacidades de observação, curiosidade e excitação com tais assuntos manifestas pelas crianças, mesmo pequenas, tampouco a importância do conteúdo claro a lhes ser informado quando demandavam conversar sobre esses assuntos com seus pais. Para ele, o mal residia na atitude de pais e mães que, embaraçados com a inusitada pergunta, buscavam subterfúgios para iludirem seus filhos pequenos e desviar-lhes a atenção e, assim, evitada a abordagem de tais assuntos embaraçosos. Como conseqüência, uma vez maiores, os filhos vinham a se sentir traídos por seus pais, perdendo-lhes a confiança sincera e passando, também, a iludi-los. História da Educação - RHE

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Stall reconhece a diversidade das crianças, embora, para ele, todas as crianças devessem ser advertidas das tentações, que são universais e inevitáveis, e o erro e o pecado certamente as acompanhavam. A época em que suscitam essas questões depende da criança e das condições pelas quais é ela cercada. [...] se a criança não é idiota, o “porque e o pelo que”, o “donde e onde” constituirão suas primeiras indagações mentais. Se julgardes que essas questões não suscitem no espírito da criança antes dela atingir 8 ou 10 anos de idade, laborais em erro muito sério. Questões do ser, da origem das coisas e a fonte da vida constituem as primeiras indagações no espírito de uma criança, e, onde as condições insinuam a pergunta e esta é feita pela criança, deveria haver sempre uma resposta honesta, não importando que idade possa ter o menino. (Stall, 1919, p.13-14)

O ambicioso trabalho pedagógico empreendido por Stall sugeria, contrariamente a alguns moralistas de sua época, que as crianças não deviam ser relegadas à ignorância, ficando sem conselhos sobre assuntos como sexo e procriação, obrigação que incumbia primeiro aos pais, mas também aos professores nas escolas públicas, aos mestres nas escolas dominicais e aos pregadores, e, igualmente, aos médicos. Entretanto,

sobretudo

aos

pais

cumpria

desempenharem

suas

obrigações, pois os pais eram os melhores para preparar a criança para “as responsabilidades da vida, o reconhecimento de seus deveres para consigo mesmo, para com o seu Deus e o verdadeiro respeito para com os seus concidadãos” (Stall, 1919, p. 7). Em suma, o autor defendeu que os filhos “fazem as mais razoáveis perguntas sobre a origem da vida humana” (Ibid.) e mesmo quando pequeninos, justa e naturalmente chegam a seus pais com suas racionais perplexidades e perguntas. As crianças são racionais, argumenta Stall, e indaga por que os pais intentavam sempre iludir e, no momento da máxima esperança, destruiam a confiança do menino na honestidade e integridade de seus pais. Para ele, o contra-efeito da atitude condenável dos pais se traduzia em algo muito mais eloqüente do que a desilusão: História da Educação - RHE

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Por que excitam eles a grande curiosidade que procuram suavizar, e conduzem a criança a companheiros de maior idade, a criados ignorantes e a outros, com o espírito que eles próprios colocaram em uma receptiva disposição para o ensino das sagradas verdades, do modo o mais impuro? (Stall, 1919, p.9)

As crianças deviam

ser ensinadas fundamentalmente pelos

exemplos, com eles aprendiam muito. Sendo assim e considerando, segundo suas crenças cristãs, que o Criador havia colocado grande confiança no coração de cada criança sobre a integridade e honestidade de seus pais, se o exemplo desses fosse a mentira, as crianças aprenderiam a mentir. No extenso tópico “Recomendação aos paes”, o autor é veemente: os pais devem saber o que a criança precisa aprender com referência a estas coisas. Para isso vem em seu socorro o livro oferecido, para que lhes seja subtraída a ignorância, afinal, em sua opinião, os pais é que geram a situação de as crianças preferirem conversar com seus companheiros ou com amigos mais velhos ao invés dos pais, o que lhes acarreta prejuízos inestimáveis, no presente da infância e em seu futuro de adultos. Peter Gay assinala que, à época, as lições domésticas eram raramente instruções claras: Na verdade, transmitiam um mínimo de informações, ainda que desesperadoramente anticientíficas, sobre os meios de evitar perigosas tentações sexuais. De modo geral, os pais educavam os filhos em subterfúgios, fomentando neles a ambição ou a dependência. (1988, p.313)

Stall, distinta e, em alguma medida, surpreendentemente, embora não menos moralista e repressor, concebia as crianças como indivíduos altamente impressionáveis e moldáveis, ao mesmo tempo possuidores de uma racionalidade pensante e até mesmo de uma certa autonomia, que escapava

ao

controle

absoluto

da

família.

Seu

pensamento,

possivelmente, era influenciado por muitos discursos em disputa, por muitas questões não respondidas e pelos materiais culturais de domínio História da Educação - RHE

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público daquele tempo. De uma parte, Stall definia aos pais o modo como pensava a infância, propondo-lhes examinar a experiência junto a seus filhos: a criança era uma placa imaculada na qual se imprimiam más experiências que vivia desde o nascimento e, conseqüentemente, os desígnios de seu futuro. A criança vem ao mundo sem conhecimento algum dos objetos ou das pessoas por que está rodeada. Seu espírito é uma placa completamente branca, porém, como a chapa sensitiva da câmara fotográfica, ele é receptivo a mais leve impressão. Estas não são somente fotografias no espírito da infância, como acontece na velhice, porém, são tão profundas e estáveis como se estivessem gravadas ou estampadas no espírito com um sinete. (Stall, 1919, p. 14)

O impacto dessa concepção precisava ser compreendido pelos pais, pois era o pressuposto maior das recomendações e argumentos de Stall. Se, como placa branca e sensível a qualquer impressão, a infância era pensada como época em que o pensamento e o sentimento, inclusive, eram levados à alma, e segundo Stall de modo a não poderem ser queimados pela chama ou levados pela torrente, pois que persistiam eternamente como uma parte do ser da criança, a tarefa de instruí-la, educá-la e transmitir-lhe os valores e ideais puros e sagrados era imperativa para os pais (Stall, Ibid.). E que se não iludissem, pois a cada ausência de conselhos ou evitação de suas dúvidas, os pais consentiam que a criança aprendesse na rua, com seus pares e adultos perigosos: Vosso filho, sem dúvida, já sabe muito mais acerca destas próprias coisas do que jamais imaginastes, porém, o maior perigo é que ele possa aprender, e muito provavelmente já tenha aprendido estas coisas sagradas de um modo impuro. (Ibid., p.16)

Em decorrência, o autor justifica aos pais porque havia uma crença difundida de que “as crianças devem guardar segredo para com seus pais tanto como de seus pais.” Assim, Stall reconhecia que, quanto ao conhecimento acerca do sexo e da procriação, os filhos viam-se História da Educação - RHE

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compelidos “a obter de qualquer fonte, mesmo da forma a mais degradante, as respostas as suas curiosidades”. Por isso, os pais deviam saber o quanto estavam obrigados para com seus filhos, “não somente a livrá-los das mais banais influências, satisfazendo uma curiosidade natural e louvável, pelo ensino puro destas coisas sagradas, mas também observar que a natureza moral e religiosa da criança receba a devida atenção e disciplina, que farão da natureza moral um auxílio e arrimo na hora da tentação e do desgosto” (Ibid., p. 18). De outra parte, se a criança se apresentava como indivíduo altamente

impressionável,

influenciável,

moldado

pelas

relações

estabelecidas em seu entorno familiar e social, Stall considerava, até certo ponto paradoxalmente, que a criança somente poderia livrar-se da imprudência insensata e das más conseqüências por sua própria inteligência. Tal inteligência levava a criança a refletir sobre os conselhos recebidos acerca das coisas (sexo e procriação). Ora, assim, em seu argumento, mais ainda a instrução e a regra de conduta deviam ser fortalecidas e mantidas pela elevação de um forte senso moral da criança, o que repercutiria na hora da tentação e no dia do perigo, que universalmente acometia todas as crianças e rapazes. Ninguém escapava a isso, alguns estariam fortalecidos e preparados. Isso os pais deviam saber quanto ao que a criança precisa aprender, e o pequeno livro fora escrito para auxiliar os pais nessa matéria. Como utilizar O que um menino deve saber? Depois que os pais o tivessem lido, o autor julgava que seriam os melhores juízes para decidirem, de acordo com a idade da criança, se deviam depor o próprio livro nas mãos de seus filhos, caso estes já soubessem ler, ou se, como também sugeria, dia após dia, ou noite após noite, deviam proceder à leitura em conjunto com seus filhos, um capítulo a cada vez. O livro não oferecia perigo, pois pais e filhos estavam diante de um livro puro, limpo, universal e verdadeiro, escrito para eles. O perigo, sim, residia no adiamento de procederem ao aconselhamento de seus filhos. História da Educação - RHE

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O que um menino deve saber, ou o que um menino não deve fazer! Desde as primeiras páginas do pequeno livro, Stall adverte o leitor adulto, seja ele um pai ou os críticos literários, que o livro foi escrito para crianças e que buscou uma linguagem fácil e simples, para que possa permanentemente impressionar-lhes o espírito. Como estratégia da construção de seu texto, procura dirigir-se diretamente ao leitor. Para isso, se vale de uma pequena história de um menino, designado como Henrique. Conta que durante noites seguidas o menino era ouvinte atento de um outro livro de sua autoria - Conversas com os filhos d’el-rei. Um dia, ao retornar da escola, o menino Henrique teria se deparado com a presença de um nenê no quarto das crianças, que ele soube ser sua irmãzinha. Stall explica: “sendo um menino inteligente e cuidadoso, era natural que, com seus sentimentos mistos de prazer e perplexidade, ele se introduzisse sutilmente no quarto de sua mãe e, quando estivessem sós, perguntasse: “Donde veio o nenezinho?” (Stall, 1919, p. 25). Formulando precisamente sua narrativa, o autor indica que a pergunta provinha de uma criança inteligente, e que era natural que a indagação se apresentasse, visto que a criança observara, percebera uma mudança, sentira-se instigada, curiosa e, portanto interpelara sua mãe a respeito. De imediato, Stall escreve: Os pais pediram ao autor do livro de Henrique uma resposta para a sua pergunta; ei-la. Meu caro amigo Henrique: Recebi a carta de vossa Mae, pedindo-me para ocupar o seu lugar vago no quarto das crianças durante algumas noites, e, em conversas curtas como o Sermões de cinco minutos (outro livro do autor), aos quais estivestes ouvindo, contar-vos como Deus criou tudo que vive sobre a terra. (Stall, 1919, p. 25).

Como estratégia do texto, adota uma alternativa: justifica a impossibilidade do encontro pessoal para a conversa, mas sabedor da importância da escuta para um menino, da força de suas palavras História da Educação - RHE

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pronunciadas (da fórmula sermão e retórica?), anuncia ao menino que seu pai consentira em transportar o gramofone da sala de estudos para o quarto das crianças e que aí poderia escutar, todas as noites, as mensagens que lhe enviaria em “cilindros”. Assim, o autor sugere que seu texto é uma conversa falada com o menino. E em todos os capítulos, inicia com uma frase que comparece em todos os demais capítulos - “Meu caro amigo Henrique” -, adotando, assim, a forma de conversa pessoal e informal. Responde aos pais, entre outros aspectos, afirmando que a pergunta feita por Henrique é a mesma que muitas crianças têm feito a si mesmas e a outros - donde e como vieram eles ao mundo? Ao longo do texto, em geral, o autor usa exemplos das experiências das crianças para ilustrar suas prescrições ou interdições. Nos primeiros capítulos, o autor se dedica a descrever sua visão cristã e a referência bíblica acerca da origem da vida. Trata, extensamente, das diferentes formas de vida, principiando pelos vegetais e sua reprodução, passando para os animais, notadamente as aves e não os mamíferos, fixando-se em extensas digressões sobre a metáfora do ovo e da vida3. Aos poucos, vai apresentando os aspectos relacionados às especificidades do masculino e do feminino, fazendo uso de palavras precisas, embora evitando sistematicamente aquelas expressões que denotem qualquer insinuação libidinosa. A figura de Deus e do caráter santo e sagrado da criação e dos desígnios do criador ao possibilitar a reprodução da vida, particularmente o modo como ela acontece, parecem sugerir que também o autor se viu às voltas com embaraços para explicar, por exemplo, as características genitais, a cópula propriamente dita, a excitação presumida no próprio ato santo da procriação humana. Quando as explicações científicas soam demasiado sugestivas, imediatamente 3

A propósito da percepção projetiva da natureza, que associava emoções e poderes humanos às plantas e às aves, como procede Sylvanus Stall, o historiador americano Peter Gay, a propósito da educação sexual dos jovens em fins do século 19, registra que a educação sexual que seus pais ou tutores achavam adequada transmitir se apoiava amplamente em largas analogias entre a história sexual das aves e das flores e a deles próprios (2000, p. 237). História da Educação - RHE

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usa de estratagemas variados para conter a sensualidade que possam insinuar e, então, são abundantes as preleções religiosas e morais, verdadeiras obras primas de dissimulação. Mesmo assim, Stall não parece ingênuo quanto às diferentes excitações que a leitura possa sugerir pelos próprios temas abordados, especialmente quando a informação acerca do sexo consentido é associada à adultez e ao matrimônio. Diante disso, adverte: Meu caro rapaz, como muitos outros, deveis muitas vezes ter desejado que possais em breve vos tornar um homem. Deus, certamente, sabe mais, e os anos que ainda devem passar entre este e o tempo em que, com a idade de 25 anos deveis ter atingido a vossa completa maturidade corporal, não são tão longos para que possais estar inteiramente preparadas as sérias responsabilidades do homem. Posto que, no vosso próprio lar, gozais oportunidades e vantagens excepcionais, ainda assim, como todos os rapazes, precisais ser tão paciente quanto laborioso, visto como estes preciosos anos não devem ser desperdiçados, porém, aproveitados propriamente. (Stall, 1919, p. 54-55)

A infância é, então, o tempo da contenção e da aquisição, lenta, mas não tão longa, da maturação corporal, que caracteriza o homem adulto e imprescindível à reprodução da vida. Para Stall, “o que é feito durante a infância determina qual será a condição na virilidade. O que o rapaz [menino] é e faz determina o que o homem será mais tarde” (Ibid., p. 65). Ora, se a criança goza de oportunidades e vantagens excepcionais no lar, não deve, pois, desprezá-las, mas aproveitá-las em benefício futuro. Qual será este? O do casamento e da constituição de uma família, que supõe a geração legítima de filhos, sem os quais “não haveria encantadoras e meigas criancinhas com covinhas nas faces e rosto rechonchudo, nem a infância com seus divertimentos e prazeres” (Stall, 1919, p. 57). Quem são as crianças? São os cidadãos em sua condição de filhos e estes são uma reprodução dos pais: “papai e mamãe são feitos um só em vós, e de novo em vossa pequena irmãzinha” (Ibid., p. 59). Se assim é, os próprios pais e mães, se não possuírem boa saúde, não poderão transmitir ou dar boa saúde aos filhos. Se os pais são fracos, História da Educação - RHE

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débeis ou de constituição doentia, os filhos serão como eles a este respeito. Para gerar filhos sãos, alegres e felizes, os meninos devem preservar a boa saúde quando ainda crianças e jovens. O argumento de Stall se completa. Parece recorrente nos estudos que até aqui vimos? Em parte, sim. Contudo, e, no entanto, “o século 19 ainda está prenhe de questões não respondidas, bem como de questões nem mesmo levantadas” (Gay, 1988, p.17). Como compreender as ambivalências de um discurso conservador, como o que se apresenta na obra de Stall e, simultaneamente, o prenúncio de uma percepção mais alargada da instrução a ser oferecida pelos pais, ainda quando seus filhos são pequenos quanto ao sexo e a reprodução? A combinação variável de uma discursividade que oscilava entre uma representação de infância moldável e aquela que reconhecia a ação pensante das crianças acerca do mundo que se lhes apresentava e, portanto, as derivas que daí poderiam decorrer, ou mesmo a autonomia em diferentes matérias, são reconhecidas por Stall. Talvez por isso, a explicitação de prescrições e interdições denotem seu ambicioso trabalho pedagógico de convencimento dos leitores, meninos, rapazes, seus pais. Assim, as experiências constituíam variações sobre a educação sexual dos meninos, que afinal, se apresentava como um tema cultural comum a muitos pensadores, médicos, moralistas. Vejamos, em breves acenos, as interdições ou prescrições apresentadas por Stall aos meninos e o quanto a elas subjaz as concepções de infância que regulam as enunciações do autor. Como vimos antes, a infância se apresenta como o tempo em que são semeados e se põem a germinar o que está por vir às futuras gerações. Stall assevera aos meninos e rapazes, sob diferentes formulações, que o que sois agora, e o que tiverdes de ser em força física, saúde do corpo, no espírito e no caráter serão mais tarde, também, vossos filhos em grande medida. Se fordes gentil, bondoso e verdadeiro, será mais fácil para eles serem também gentis, bondosos e verdadeiros. Se fordes História da Educação - RHE

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desobediente, falso e cruel, tornareis, pela vossa conduta, difícil a vossos filhos não fazerem a mesma cousa; porém, se fordes carinhosamente obediente a vossos pais, se os honrardes e os amardes, e amardes e servirdes a Deus, tornareis mais fácil a vossos filhos vos amarem e vos obedecerem e serem moças e rapazes cristãos, corretos e verdadeiros. (Stall, 1919, p. 66)

Entretanto, para o autor, distintamente de determinados discursos médicos da época, hereditariedade não era fatalidade. O fato de cada menino ter herdado um corpo forte, ainda assim poderá arruiná-lo pelo abuso. Inversamente, e também, de modo semelhante, pelo cuidado e perseverança, aqueles que possuem um corpo fraco e espírito menos vigoroso, podem adquirir muito e mesmo ultrapassar aos que receberam mais por natureza ou herança, mas que não tomaram o necessário cuidado com o que receberam (Stall, 1919, p. 67). É o que acontece, por exemplo, com os meninos que passam a não freqüentar o colégio, porque perverteram o seu poder pensante, utilizando-o para maus fins, projetando a maldade, debilitando seus corpos, e até mesmo matando sua razão moral. Esses meninos descuidaram em disciplinar e cultivar o seu espírito. A partir desse indício - não freqüência à escola -, e de outros que são descritos a partir da observação do cotidiano infantil, o texto de Stall, então, a estas alturas do livro, passa a empreender uma espécie de guerra de nervos contra a masturbação, difundindo sentimentos de alarme, reunindo argumentos para dissuadir o leitor. Sinto dizer, Henrique, [...] que muitos rapazes bem intencionados e inocentes têm aprendido este hábito de muitos modos inocentes e, no começo, não receando mesmo que ele seja quer mau quer prejudicial. Muitos rapazes na infância descobrem a sensação escorregando nos balaustres das escadas ou, um pouco mais tarde, trepando e descendo árvores, montando a cavalo, e alguns por causa da falta de asseio do membro sexual experimentam uma comichão nessas partes, e, quando se procura um alívio pela fricção ou esfregadura, a criança se acostuma ao hábito da auto-polução. (Stall, 1919, p. 78-79)

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Observemos como as artes de fazer da infância vão sendo registrados nas observações obsessivas do autor: as brincadeiras nas escadas, nas árvores, nas montarias, as práticas de higiene e, adiante, as relações com os pares e com os criados. Stall terá poupado os varões do entorno familiar que conviviam com os meninos, e em relação aos quais eles observavam atentamente o exercício da sexualidade?4 Sinto, porém, dizer também que a masturbação é às vezes ensinada por um rapaz ao outro e, durante a infância da criança, mesmo as criadas, às vezes na ignorância do terrível mal e das degradantes conseqüências do seu ato, praticam este vício destruidor sobre muitas criancinhas, com o fim de distrair seus pensamentos, de modo que elas não chorem, ou para que fiquem quietas quando vão para a cama dormir muito cedo. É terrível pensar que gente inteligente possa fazer tais coisas, e, com a intenção de precaver tais práticas, é necessário que compreendamos o perigo ao qual estão expostas as crianças, de modo que possam estar satisfatoriamente sob nossa guarda contra as tentações externas, e, pelo auxílio da nossa inteligência, ser salvas das terríveis conseqüências que atingem a muitas delas, por causa das degradantes práticas que iniciam em sua ignorância. (Stall, 1919, p. 79-80)

Ainda a respeito dos meninos que praticavam o vício da masturbação, Stall dizia aos meninos da mágoa que isso representava a seus pais: um filho com as faces descoradas, os olhos vítreos, o corpo lânguido, sem energia, sem força ou iniciativa, atrasado no colégio, dissimulado, evitando a camaradagem de outros, perdendo o gosto pelos livros, desprezando a Escola Dominical e desejando fugir de todas as elevadas influências cristãs (p. 101). Que mais poderia convencê-los? Sobrou-lhe a prescrição de uma extensa lista de conselhos aos meninos, para que mantivessem a pureza de coração e espírito. Stall percorre os cinco sentidos, afirmando que eram a porta de entrada dos bons ou maus pensamentos para o espírito e o coração. 4

Vale lembrar que muitos médicos, ainda na primeira metade do século 20, prescreviam o afastamento da criança do quarto do casal, o controle das manifestações de afeto entre esposos diante das crianças, o uso progressivo do berço em separado e de um espaço exclusivo aos bebês e às crianças durante a noite, assim como o controle da biblioteca do pai, ou a distração da criança por ocasião dos eventos de nascimento dos irmãos. História da Educação - RHE

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Prescrições: primeiramente, guardar o coração. Para isso, a necessidade de, com grande cuidado, evitar todos os livros que fossem imodestos e impuros. O autor frisava que muitos, muitíssimos livros, eram degradantes e detestáveis no caráter, e não poucos eram assim na intenção. Desse modo, os meninos jamais deveriam ler, manusear ou ouvir a leitura de um livro ou jornal, que não pudessem pedir à mamãe ou ao papai para os lerem em voz alta diante de todos. Em outras palavras, mais uma vez apresentava os pais como os melhores conselheiros e preceptores. Ainda quanto às leituras, alimento do espírito, mencionava o exemplo de meninos e rapazes que eram grandes leitores. No entanto, descuidavam de seus deveres importantes para poderem ler, liam o tempo todo e, ao invés de se tornarem inteligentes, seu espírito era indisciplinado e eles incultos e ignorantes. Stall advertia: a questão não era que eles não lessem, mas o que liam não era coisa de valor e o espírito se arruinava e se enfraquecia de dia para dia e de ano para ano (p. 129-130). O que sugeria, então: ler histórias e biografias, livros sobre ciências e artes, viagens e explorações, sobre a moral e a religião, mas nunca anedotas e porcarias (p. 130). Em suma, à propósito das leituras, sublinhava ao menino leitor: “assim como possuis uma natureza inteligente, que deve ser alimentada, tendes também uma natureza moral e intelectual, que deve ser alimentada” (Stall, 1919, p. 130). Haveria,

ainda,

de

preservar

a

escuta,

afastando-se

com

repugnância daqueles que poderiam prostituir o espírito com anedotas vis ou conversas imodestas. Segue os conselhos a Henrique indicando a necessidade do asseio pessoal interno e externo: os banhos diários, a regularidade das excreções, o controle da ingestão de alimentos e bebidas, a condenação ao fumo e ao álcool. Também são aconselhadas as atividades laborais e os exercícios físicos, através da condenação da indolência. Quanto às recreações infantis e juvenis, afirmava: “Recreai-vos tanto quanto for História da Educação - RHE

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necessário sempre, no entanto, estando certo de escolher as melhores espécies de cada um deles” (Stall, 1919, p.125). A seguir, indicava que a preservação da saúde e a garantia da força e do vigor na infância e na juventude, demandava dormir bastante. Para os meninos e meninas ainda em crescimento, dez a doze horas dentro de vinte e quatro, não eram mais do que o necessário. Alertava: não vos deiteis tarde; não vos habitueis a ficar na cama até o dia alto; não durmais em colchão de penas, mas em colchão duro; o quarto deve ser asseado e ventilado; dormi separado em uma cama para vós sozinho; ide para a cama dormir e nada mais; não vos atormenteis (Stall, 1919, p. 125-126). Ainda, referindo-se às vestimentas dos meninos, afirmava: “Sede cuidadoso que as calças não comprimam muito os órgãos sexuais por causa dos suspensórios curtos” (p. 149). Por fim, completando a extensa lista das interdições, em uma espécie de dietética da pureza, a ser perseguida na infância e na adolescência,

Stall

advertia

companheiros

pecadores,

a

mas

necessidade

de

fugir

daqueles

igualmente

evitar

as

tentações

ocasionadas em momentos de grande isolamento. E, afinal, reconhece que em poucos anos mais, atingindo a idade de quatorze ou quinze anos, o pequeno leitor entraria num período de tempo em que aquelas partes do sistema reprodutor, que estavam ocultas no interior e nas partes inferiores do corpo, começariam a se desenvolver, e os meninos, então rapazes, experimentariam emoções indicativas das mudanças que, de qualquer forma, seriam novas e estranhas. Procurassem, então, os conselhos de seus pais, pois seriam anos cheios de perplexidades, experiências e muito perigo. Nesses anos, muitos rapazes cometiam erros e faltas; uns física, outros intelectual, outros moralmente e outros em todos estes três pontos. Em sua opinião, estes erros, na sua maioria, geravam da ignorância do indivíduo. Nessa medida, afirmava ao leitor estar persuadido de que muito poucos rapazes erravam deliberada e voluntariamente, mas que pecavam História da Educação - RHE

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na ignorância, e continuavam até que os vícios se tornassem hábitos fixos e a ruína fosse inevitável. A que veio o livro que se encerrava? A que os meninos fossem advertidos, ainda na infância, de que havia muitas maneiras de passar por este período perfeitamente livre e entrar em vossos anos de maturidade como um homem nobre, puro e reto. Sylvanus Stall assevera, finalmente, que em nenhuma outra ocasião da vida era possível tão facilmente e com sucesso adquirir o melhor de cada um dos dotes desejáveis a cada cidadão, como na infância. Inspirando-se em Chartier e Darnton, o estudo aqui empreendido considera que o vivido não está nunca anulado pelas normas que visam controlá-lo, pois não se pode confundir os textos que prescrevem um ideal de infância, que prescrevem comportamentos e interditam as práticas, redundem nos gestos e pensamentos que, de fato, ensejaram junto às crianças leitoras.

Referências CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1998. ____. Leitura e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004. DAWSON, Patsy Rae. The victims of victorian morals. In: DAWSON, Patsy Rae. DAWSON, Samuel. Marriage: a taste of heaven. v. 2, 1996. Cap. 3. Disponível em: <http://gospelthemes.com/math2vm.htm>. Acesso em: 23 mai. 2008. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. GAY, Peter. A experiência burguesa: da rainha Vitória a Freud: a paixão terna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ____. A experiência burguesa: da rainha Vitória a Freud: a educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. STALL, Sylvanus. O que um menino deve saber! Tradução de R. R. Nogueira. Juiz de Fora, s.e., 1919. ____. O que um rapaz deve saber! Pureza e verdade. São Paulo: Imprensa Methodista, 1928. História da Educação - RHE

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STEPHANOU, Maria. Conservar-se puro e acautelar-se contra os maus livros: lições sobre livros e leituras, a saber, pelos rapazes, nas primeiras décadas do século XX. Actas do VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Universidade do Porto, Porto, 2008. ____. Bem viver em regras. Urbanidade e civilidade em manuais de saúde. Revista Educação Unisinos. São Leopoldo: Unisinos, v. 4, n. 7, jul./dez., 2000, p.35-44.

MARIA STEPHANOU é historiadora, doutora em Educação, professora associada II da Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Ufrgs - e presidente da Associação Sul-RioGrandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe. Endereço: Avenida Paulo Gama, 110 - Faced/Ufrgs, 90110-970 Porto Alegre - RS. E-mail mastephanou@gmail.com.

Recebido em 12 de agosto de 2010. Aprovado em 14 de novembro de 2010.

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ESTUDANTES OU OUVINTES? O PÚBLICO DAS FACULDADES DE LETRAS E CIÊNCIAS NO SÉCULO 19 (1808-1878)1 Boris Noguès



Resumo O estudo opõe duas categorias no público das faculdades de letras e de ciências no século 19: os estudantes, que desejam uma formação, e os ouvintes livres, que assistem os cursos acima de tudo por prazer. Os decretos que organizam a universidade imperial, a partir de 1808, prevêem cursos para os estudantes. Mas desde a Restauração (1815-1830), os cursos da faculdade tornam-se lugares de expressão política, de representação social ou, simplesmente, de distração e de cultura para a boa sociedade francesa que dispõe de tempo livre. Sobretudo em letras, os cursos são um espetáculo, sem programa científico nem objetivo de formação. O valor do professor é medido por suas qualidades retóricas, mais que suas capacidades científicas. Desde 1837, as críticas oriundas do próprio corpo docente aumentam contra essa situação. Essas críticas assinalam a incapacidade de tal sistema em formar corretamente cientistas e se apoiam na comparação com o estrangeiro (Londres e Turin são citados em 1840, antes que o modelo alemão se tornasse a referência, nos anos 1860). Como as autoridades não reagiram imediatamente, as práticas docentes satisfizeram em parte as carências constatadas, através da adoção de conferências fechadas ou de cursos particulares organizados por iniciativa pessoal de um ou outro professor. A orientação oficial dos cursos da faculdade é realizada progressivamente, a partir de 1855, por razões políticas (centrar o ensino sobre os conteúdos científicos evitando que as faculdades tornem-se lugares de contestação) e econômicas (a França industrial necessitava de quadros técnicos). Em 1868 é criada, a partir do modelo alemão, a Escola Prática de Altos Estudos (École Pratique des Hautes Études), que se destina aos 1

Tradução de Maria Helena Camara Bastos. Esse artigo foi publicado na revista Histoire de l’éducation, n. 120, octobre-décembre 2008, p. 77-97. A sua tradução e publicação foi autorizada pelo autor. História da Educação - RHE

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estudantes selecionados e recusa o público exterior. Depois da derrota de 1870 para a Alemanha e a instalação da República, o governo obriga os professores a ministrar uma verdadeira formação nos cursos e generaliza para todos os estudantes inscritos as conferências e os trabalhos dirigidos que lhe são reservados. Palavras-chaves: ensino superior, curso magistral, modelo educativo, França, século 19. PUPILS OR LISTENERS? THE AUDIENCE OF THE FACULTIES OF LETTERS AND SCIENCESIN THE 19TH CENTURY (1808-1878) Abstract This study contrasts two categories of people within the audience of the faculties of Letters and Sciences in the 19th century: the pupils, who sought training, and the listeners, for whom attending the lectures was above all a leisure activity. The decrees organizing the Imperial University, in 1808, provided courses for students. But during the Restoration (1815-1830), the faculty courses became places of political expression, social representation or, more simply, entertainment and culture for the French high society who had time to waste. In Letters particularly, a course was a spectacle without a scientific program or training goals. The value of the teacher was measured in terms of its rhetorical qualities, rather than its scientific capabilities. Yet from 1837 onwards, criticism could be heard against this trend. It pointed to the inability of such a system to properly train scientists and they were based on comparison with practices abroad (London and Turin were quoted in 1840, before the German model became the reference in the 1860s). If the government did not respond immediately, teaching practices partly filled the deficiencies, through the establishment of closed conferences or private lessons, held at the personal initiative of a particular teacher. The official reorientation of the courses was done gradually, starting in 1855 for political reasons (focus education on science contents prevented faculties from becoming places of contestation) and economic reasons (industrialized France needed managerial staff). In 1868, the Ecole Pratique des Hautes Etudes was created after the German model; it was open only to selected students and repulsed the public outside. After the 1870 defeat against Germany and the establishment of the Republic, the Government required teachers to provide effective training in their courses and generalized to all students enrolled lectures and tutorials reserved for them. Key-words: higher education, lectures, educational model, France, 19th century.

OYENTES O ESTUDIANTES? LAS ESCUELAS PÚBLICAS DE LETRAS Y LA CIENCIA EN EL SIGLO 19 (1808-1878) Resumen Los objetos de estudio son dos categorías en las escuelas públicas de las letras y las ciencias en el siglo 19: los estudiantes que quieren que la formación y la oyentes libres, que asisten a los cursos, sobre todo para el placer. Los decretos de organización de la Universidad Imperial, desde 1808, que ofrece cursos para los estudiantes. Sin embargo, desde la Restauración (1815-1830), cursos História da Educação - RHE

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universitarios se convierten en lugares de expresión política, representación social, o simplemente para ocio y cultura para una buena sociedad francesa que tiene tiempo libre. Especialmente en las cartas, los cursos son un espectáculo sin fin o programa científico de la formación. El valor del profesor se mide por sus cualidades de la retórica, en lugar de sus capacidades científicas. Desde 1837, las críticas procedentes de la propia facultad en contra de esta situación aumenta. Estos críticos apuntan a la incapacidad de un sistema para entrenar correctamente y los científicos se basan en una comparación con otros países (Londres y Turín se citan en 1840, antes de que el modelo alemán se convirtió en una referencia en el año 1860). Como las autoridades no reaccionaron de inmediato, las prácticas de enseñanza cumplido en parte las deficiencias encontradas por la adopción de conferencias cerradas o cursos especiales organizados por la iniciativa personal de uno o de otro maestro. La guía oficial de los cursos de la universidad se lleva a cabo progresivamente a partir de 1855, por razones políticas (se centran en la enseñanza de contenidos científicos en la prevención de las escuelas se convierten en sitios de impugnación) y económica (industrial de Francia necesita personal técnico). En 1868 se crea a partir del modelo alemán, la Escuela Práctica de Altos Estudios (Ecole Pratique des Hautes Etudes), que tiene como objetivo a los estudiantes seleccionados y se les niega el exterior público. Después de la derrota de Alemania en 1870 y la instalación de la República, el gobierno exige que los profesores para ofrecer una verdadera formación en cursos y se generaliza a todos los estudiantes que asisten a las conferencias y documentos que le sean dirigidas reservados. Palabras clave: educación superior, curso magistral; modelo educativo, Francia, siglo 19. ÉLÈVES OU AUDITEURS? LE PUBLIC DES FACULTÉS DE LETTRES ET DE SCIENCESAU 19E SIÈCLE (1808-1878) Resumé L‟étude oppose deux catégories au sein du public des facultés des lettres et des sciences au 19e siècle: les élèves, qui souhaitent une formation, et les auditeurs libres, pour qui l‟assistance aux cours est avant tout un loisir. Les décrets qui organisent l‟université impériale, à partir de 1808, prévoyaient des cours pour les élèves. Mais, dès la Restauration (1815-1830), les cours de faculté sont devenus des lieux d‟expression politique, de représentation sociale ou, plus simplement, de distraction et de culture pour la bonne société française qui dispose de temps libre. Surtout en lettres, le cours est alors un spectacle, sans programme scientifique ni objectifs de formation. La valeur du professeur est mesurée à l‟aune de ses qualités rhétoriques, plus que de ses capacités scientifiques. Dès 1837, des critiques venues du corps professoral lui-même s‟élèvent pourtant contre cette évolution. Ces critiques soulignent l‟incapacité d‟un tel système à former correctement des scientifiques et s‟appuient sur la comparaison avec l‟étranger (Londres et Turin sont citées en 1840, avant que le modèle allemand ne devienne la référence, dans les années 1860). Si les autorités ne réagissent pas immédiatement, les pratiques enseignantes comblent en partie les carences constatées, à travers la mise en place de conférences fermées ou de cours particuliers organisés à l‟initiative personnelle de tel ou tel professeur. La réorientation officielle des cours de faculté est réalisée progressivement, à partir de 1855, pour des raisons politiques (resserrer l‟enseignement sur les contenus História da Educação - RHE

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scientifiques évite que les facultés ne deviennent des lieux de contestation) et économiques (la France industrielle a besoin de cadres techniques). En 1868, est créée sur le modèle allemand l‟École Pratique des Hautes Études, qui ne s‟adresse qu‟à des élèves sélectionnés et refuse le public extérieur. Après la défaite de 1870 face à l‟Allemagne et l‟installation de la République, le gouvernement oblige les professeurs à dispenser une véritable formation dans leurs cours et généralise à tous les étudiants inscrits les conférences et travaux dirigés qui leur sont réservés. Mots-clés: enseignement supérieur,cours magistral,modèle éducatif,France,19e siècle.

Os contemporâneos de Jules Ferry, como os historiadores do século 20, pintaram um quadro particularmente sombrio do funcionamento das faculdades francesas durante o século 19. O julgamento dirige-se às faculdades “acadêmicas” de Letras e Ciências, que se opõem às faculdades profissionais de Direito e de Medicina, as quais são censuradas por propor cursos brilhantes, mas muito superficiais e destinados a um grande público, sem oferecer formação eficaz aos estudantes inscritos. Se a crítica mais dura é conduzida por uma historiografia republicana para denunciar regimes anteriores, ela é geralmente repetida pelos historiadores do século seguinte, como Victor Karady2 ou Antoine Prost. Esse último estima, seguindo Louis Liard, que “[as faculdades] de letras e de ciências se contentam em fornecer juris de bacharelado3 e de arbitrar, por sua vez, as conferências mundanas” 4. A função de formação, hoje considerada como essencial, parecia então completamente ausente. Sem colocar necessariamente esses julgamentos em causa, gostaria

de

aqui

reexaminar

a

questão

das

finalidades

e

do

funcionamento dessas faculdades através de uma análise do público que elas recebem. Com efeito, tanto o conteúdo ou a forma do curso ministrado, como o público previsto pelas autoridades ou realmente presentes

nas

salas

testemunham,

indiretamente,

as

funções

2

Victor Karady, in Jacques Verger (dir.), Histoire des universités en France, Toulouse, Privat, 1986, p. 310. 3 Nota do tradutor: baccalauréat exame final do ensino secundário francês. 4 Antoine Prost, Histoire de l’enseignement en France 1800-1967, Paris, A. Colin, 1968, p. 223. História da Educação - RHE

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teoricamente destinadas às faculdades como daquelas que elas efetivamente fazem. O ponto de vista expresso por Victor Duruy em 1868 ilustra a pertinência dessa relação e resume perfeitamente o problema ao qual são confrontadas as faculdades francesas durante o século 19: Os mestres [das faculdades] se dirigem a um público que pouco varia a cada lição, e que vem para escutar durante uma hora uma preleção hábil, mas conhecida pela aridez dos exercícios puramente didáticos. Eles se preocupam em dar suas lições uma forma muito estudada […] Essas lições elegantes, espirituais, por sua vez eloquentes, muitas vezes aplaudidas, costume que vejo sem pena desaparecer, elevando o nível da instrução geral […]. Isso é um serviço considerável restituído ao país. Que nossas faculdades de letras continuem então a chamar numerosos auditórios, mas também nos dêem os meios de os reter nas suas cadeiras e de formar verdadeiros estudantes. O professor, se dirigindo a esses últimos, mudará a característica: o estudante, dessa forma, não pede, como o auditório de passagem, que o toque com sentimentos ou que lhe dê prazer, mas que o instrua5.

O autor rejeita aqui o curso tradicional que repousava sobre a performance retórica do professor, sobretudo destinada à distrair o público mundano do auditório volúvel. Ele prefere um professor menos brilhante, mas mais aprofundado, que privilegia a função de formação destinada aos jovens estritamente enquadrados no que chama “alunos”, tomando a denominação em uso no ensino secundário ou nas grandes escolas, seus modelos implícitos. Essa condenação de um modo de funcionamento herdado dos decretos de 1808 responde, na realidade, as expectativas contraditórias que atravessam desde muito tempo a sociedade como as faculdades francesas. Se Duruy é um dos primeiros responsáveis políticos a se dar conta explicitamente dessas aspirações, o

5

Victor Duruy, Rapport préliminaire justifiant la création de l‟École pratique des hautes études, 1868, dans Arthur Marais de Beauchamp, Recueil des lois et règlements sur l’enseignement supérieur, Paris, Delalain frères, 1880-1915, 7 vol. (também mencionado como RLRES), t. II, p. 747. História da Educação - RHE

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estudo mostra dessa forma, através de diferentes tipos de testemunhos6, que eles não cessaram de pesar ao longo de todo o século, sobre o desenvolvimento dos cursos da faculdade, antes mesmo que a 3ª República que nascia não decidia em assumir a renovação completa.

A criação das faculdades napoleônicas: projeto, efeitos e prosperidade As faculdades de 1808: as faculdades para os estudantes Fixada por uma série de decretos estabelecidos entre 1808 e 1810, a organização da Universidade Imperial abarca diretamente as faculdades ao ensino secundário. É importante dizer que, nesse sistema, “os cursos das faculdades de letras e de ciências são a continuidade e o complemento dos estudos dos liceus”7. Os termos “estudante” ou “ouvinte” são ausentes desses decretos e só figuram “alunos”. O funcionamento geral das faculdades e a relação entre o professor e seu auditório não são elogiados como aqueles que Duruy chama suas vozes sessenta anos mais tarde. Um programa de estudo muito detalhado, de tipo escolar, é prescrito. Ele precisa, por exemplo, que “o professor de filosofia tratará das principais questões da lógica, da metafísica e da 6

Outros textos oficiais e testemunhos publicados na imprensa ou em textos memorialísticos, dos quais aqui se utiliza muitos exemplos, o público acolhido e o desenvolvimento geral dos cursos foram objeto de observações frequentes pelas diferentes tutelas administrativas. Teoricamente, cada professor é avaliado anualmente pela inspeção geral do ensino superior, pelo decano da faculdade, que redige uma opinião, e pelo reitor da academia que assina também, completa ou contradiz a opinião do decano. Se essas diferenças de avaliações não são sistematicamente benéficas no século pelas três tutelas citadas, a documentação produzida é considerável e constitui uma fonte de primeira ordem para o funcionamento das faculdades. Encontramos em Guy Caplat e Bernadette Lebedeffe Choppin, L’Inspection générale de l’enseignement supérieur au 19 siècle, (Paris/Lyon, INRP, 2002) uma descrição precisa do papel desse corpus e de arquivos que puderam produzir. As notícias de avaliação anual dos professores redigidas pelo decano ou pelo reitor são conservadas com os dossiês de pensão (ao menos para a segunda metade do século) nos Archives Nationales (também mencionados AN), série F17 20001 à F17 21893. Podemos enfim explorar os registros dos estudantes inscritos nos cursos ou laureados nos exames (AN F17 4547 à F17 4704, não consultados), ignorados nesse estudo na medida em que, por definição, essa fonte não pode ser completa para o conjunto do público realmente presente nas salas dos cursos. 7 Statut sur les facultés des lettres et des sciences du 16 février 1810, art. 1, titre 1, RLRES, t. I, p. 249. História da Educação - RHE

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moral e dará os seus desenvolvimentos próprios para fortificar o espírito e o julgamento dos alunos”8. As linhas pedagógicas atendidas são em parte calculadas sobre aquelas que unem o professor do liceu aos seus alunos e testemunham igualmente a preocupação de formação que deve animar os professores: “Os professores de uma ou de outra faculdade farão cada um três lições por semana de uma hora e meia: uma meia hora ao menos será empregada à exercitar os alunos […]. Fará demonstrações e experiências em todos os cursos que sejam suscetíveis” 9. Para serem produtivos, esses cursos, segundo o regulamento para a Faculdade de Ciências de Paris de 1809, destinam-se prioritariamente aos jovens selecionados e capazes: “Os alunos que se apresentam em uma ou outra série para fazer seus cursos de licenciatura devem ser bacharelados em ciências e em letras. […] Assim, devem saber a geometria elementar, a trigonometria retilínea, álgebra e sua aplicação à geometria, os elementos da estatística, as noções elementares da química e da história natural” 10. Essa seleção dos alunos é certamente destinada àqueles que pretendem os graus e não regula o acesso às salas de curso, mas parece significativa do público atendido e da finalidade projetada para esse ensino: formar jovens que sigam seus estudos e se inscrevam em cursos precisos. Essa proximidade com as finalidades e as práticas do secundário é facilitada pelo pessoal que em parte atua ainda no liceu. Dessa forma, os professores das classes mais adiantadas dos liceus são membros de direito das faculdades: “O primeiro professor de matemática do liceu […] fará necessariamente parte [da faculdade de ciência]” e “[da faculdade de letras] será composta do professor de belles-lettres do liceu e de dois outros professores”11. Essa partilha de pessoal com o secundário se explica pela fraca especialização das cadeiras da faculdade, pela

8

Id. Id. 10 Règlement particulier pour la faculté des sciences de Paris du 10 oct. 1809, ibid., t. I, p. 233. 11 Décret du 17 mars 1808, titre II, art. 13, ibid., t. I, p. 173. 9

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escassez de pessoal formado em certas disciplinas e, sobretudo, pela importância das funções de certificação das instituições que são encarregadas de realizar o bacharelado. Louis Liard estima que “não parece que a intenção do legislador fez dessas faculdades corpos docentes distintos e inteiramente separados dos liceus. Parece o contrário, a estratégia foi confiar a alguns professores de liceu o direito de examinar e de conferir os graus […]. Algumas cadeiras tiveram então benefícios destinados a estimular a emulação dos professores e a recompensar os antigos serviços”12. Antes mesmo de se interrogar sobre a lugar desses textos oficiais, como veremos mais adiante, o programa contido nos decretos de 1808 à 1810

foram

imperfeitamente

realizados,

convém

relativizar

essa

proximidade orgânica com o secundário. Assim, desde a origem, o conteúdo dos cursos da faculdade devia levar em conta os avanços da pesquisa e testemunhar um recurso epistemológico ausente da regulamentação dos liceus: os professores das faculdades “não perderão de vista a obrigação, que lhes é imposta pelo decreto de 17 de março [1808], de seguir e estudar as novas descobertas que são feitas, afim de que o ensino seja sempre um nível de conhecimento adquirido” 13, e “cada professor terá o cuidado de fazer conhecer a história da ciência que ensinará, os autores e as obras que regulam os limites”14. Por outro lado, o controle pedagógico do público das faculdades parece particularmente deficiente, apesar da meia hora prevista para “exercitar os alunos”. A existência mesmo da Escola Normal, organizada em 1810, assinala as carências evidentes das faculdades em matéria de controle e formação.

12

Louis Liard, L’Enseignement supérieur en France, Paris, A. Colin, 1888-1894, 2 vol., t. II, p. 124. 13 Statut sur les facultés des lettres et des sciences du 16 février 1810, titre 1, art. 8, RLRES, t. I, p. 249. 14 Statut sur les facultés des lettres et des sciences du 16 février 1810, titre 1, art. 9, ibid., t. I, p. 250. História da Educação - RHE

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As conferências15 que ela propõe aos seus alunos expressam uma pedagogia sem equivalente nas faculdades e lhe permite oferecer um ensino complementar aquele da faculdade. Essa complementariedade coloca as faculdades parisienses a negligenciar as atividades em que a Escola Normal tem muito boa performance, isto é, a formação dos alunos, e a privilegiar aquilo que ela não faz mais, a certificação e a vulgarização. Em síntese, parece muito que a intenção do legislador foi, em 1808, de acolher nas faculdades os jovens em busca de uma formação intelectual e científica de qualidade. Mas as contradições e as inconsequências de um projeto a uma coerência teórica contribuiu para o seu fracasso. “Viemos a esse curso como a um espetáculo” De fato, o programa elaborado em 1808 não é particularmente realizado antes de 1815, devido aos acontecimentos políticos. Após a supressão de algumas faculdades, o esquema de organização do ensino e o quadro de regulamento são novamente mantidos sob a Restauração. Mas constata-se que o público acolhe o desenvolvimento dos cursos são ainda muito elogiados pelo espírito dos decretos de 1808. Os cursos das faculdades, ao menos em Paris e nas grandes cidades, tornam-se rapidamente espaços públicos e nos quais os jogos políticos e sociais precedem de longe as preocupações científicas e pedagógicas. Assim, “os cursos de M. Cousin, de 1818 à 1820, são os mais populares entre a juventude. A oposição política doutrinária os apoia de seus sufrágios nos salões realistas. A oposição liberal procura no plano científico aquilo que lhes falta e a ocasião de se fazer conhecer à juventude. O professor se

15

As conferências são definidas da seguinte maneira pelo règlement de l‟école normale de 1810: “Nestas conferências, os alunos [da seção literária] explicam e analisam os autores clássicos e respondem as dificuldades que eles se propõem uns aos outros. Eles leêm suas composições, como traduções, discursos, descrições, narrações históricas, peças de versão latina, comentários, questões de filosofia, de gramática e de história” (art. 59). “Na seção de ciências, os alunos discutem os principais dificuldades das lições anteriores, comparando os diferentes métodos de solução […], repetem as experiências de física e química” (art. 60), RLRES, t. I, p. 273. História da Educação - RHE

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leva pouco a pouco, torna-se tribuno sem dúvida”16. O fenômeno assume maior amplitude nos anos que se seguem e os cursos são ainda elogiados por sua função primeira, como testemunha a narrativa de Stendhal aos seus leitores ingleses do New Monthly Magazine, em junho de 1828:

Apesar de seus receios, nossos ministros atuais arriscam solicitar autorização aos MM. Guizot e Cousin para assistir seus cursos. […] Uma multidão de jovens, e mesmo muitos homens de todas as idades, assistem os cursos de M. Cousin. […] As salas espaçosas em que esses senhores dão suas lições estão muitas vezes cheias duas horas antes de começar: 1) os jovens em busca de saber e que acham muito agradável se entregar ao que é moda; 2) as pessoas mais maduras que têm o espírito cultivado e conhecimentos variados, mas que têm tempo disponível - essa classe é muito numerosa em Paris; 3) alguns senhores avisados previamente, enfim, que estimam que há vantagens para si se mostrarem aos jovens e chamar sua atenção. Verdade seja dita, para um homem já conhecido por algumas obras literárias ou por alguma transação política, os cursos de MM. Cousin, Villemain e Guizot oferecem a possibilidade de não se fazer esquecido do público.17

Assim, os cursos têm um público constituído exclusivamente de ouvintes, mesmo que “os jovens em busca de saber” comparecem porque lhes parece "é a moda". Esse funcionamento não é apanágio só da Faculdade de Letras de Paris, pois os cursos de Cuvier no Collège de France são seguidos por uma multidão que também desaparece em 1830: O anúncio das lições do ilustre naturalista são capazes de estimular os mais altos graus de interesse. O público não perde uma certa solenidade: uma hora antes de chegar o professor, a sala já está lotada. […] O pátio do colégio e o lugar estão cobertos de equipamentos. 16

Paul-François, Dubois.Cousin, Jouffroy, Damiron: souvenirs publiés avec une introduction par Adolphe Lair, Paris, Perrin, 1902. 17 Stendhal, Paris-Londres: chroniques. Édition établie par Renée Dénier, Paris, Stock, 1997, p. 859-863. História da Educação - RHE

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Assinalamos no auditório muitas damas francesas e estrangeiras: de tempos imemoriais, o belo-sexo é representado no curso de M. Andrieux; mas deve haver alguma coragem para desafiar a aridez de um ensino científico.18

Alguns anos mais tarde, na província, os inspetores gerais notam igualmente a presença no auditório dos cursos de Letras em Lyon, en 1839, “todas as classes da sociedade [que] se dirigem a esses cursos" 19. Em Montpellier, em 1843, eles reparam que "em uma área, uma quinzena de mulheres tem um recinto reservado"20. Paul-François Dubois, nomeado em 1819 professor de retórica no Liceu de Besançon e encarregado de cursos na Faculdade de Letras, descreve com prazer a evolução de seu auditório na faculdade durante o primeiro ano: "Os cursos estavam desertos; mais de duzentas pessoas de todas as idades, magistrados, comerciantes assistem [daqui em diante] a minhas lições"21. Muitos aspectos explicam sem dúvida a importância crescente tomada pelos elementos estranhos ao mundo escolar. A abertura dos cursos para um público externo é uma prática testada no Antigo Regime, por exemplo no colégio de Navarre, onde as demonstrações de física experimental do abade Nollet conheceram grande sucesso:

A afluência está muito grande no curso do abade Nollet, que, desde as primeiras lições [em 1735], o bispo de Laon, superior do colégio de Navarre, soliciou ao rei a autorização de preparar um local novo, para ser suficiente ao número sempre crescente de ouvintes. Logo um magnífico anfiteatro foi construído, com uma tribuna adequada para o rei, os príncipes e as pessoas de distinção, que acorrem a esse curso pelo renome do professor.22

18

Le Lycée, journal général de l’instruction, t. VI, n° 11, 14 janvier 1830, p. 328-329. Guy Caplat, Bernadette Lebedeff-Choppin, L’inspection générale de l’enseignement supérieur, op. cit., p. 135-136. 20 Ibid., p. 136. 21 Paul-François Dubois, Fragments littéraires. Articles extraits du Globe, Paris, E. Thorin, 1879, t. I, “Introduction”, p. IX-X. 22 Louis Figuier, Exposition et histoire des principales découvertes scientifiques modernes, Paris, 1858, p. 226. 19

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Os "cursos públicos” são um lugar em que a elite social se dá a ver e não se espantará com o seu renascer depois de 1815. Por outro lado, o contexto político da Restauração tem um papel importante, já que a censura e a repressão de oposição política transforma o curso da faculdade em tribuna política, por exemplo, com Guizot ou Cousin, proibidos a partir de 1822, autorizados novamente em 1828. A complementariedade imposta aos liceus também joga paradoxalmente contra a presença de verdadeiros alunos nesses cursos: nas cidades que dispõem de uma faculdade, os alunos dos liceus que preparam o bacharelado tem a obrigação de seguir os cursos da faculdade. Desse fato, um decreto de 1810 estipula que “em geral, os cursos das faculdades não podem ocorrer nas mesmas horas que as classes dos liceus. Sem essa disposição, os alunos dos liceus que já avançaram nos seus estudos não poderiam seguir os cursos das faculdades”23. Essa disposição transforma de facto os cursos da faculdade em cursos noturnos, o que facilita a vinda de um público ouvinte livre. Em 1844, Victor Cousin deplora, colocando que "os cursos à noite, permitem atrair as damas e um certo número de homens ociosos, que vêm procurar um descanso dos trabalhos diários”24. Trinta anos mais tarde, a narrativa de Louis Liard de seus primeiros cursos em Bordeaux, em 1876, confirma o papel dos horários na seleção do público: no primeiro ano, seu curso ocorria às 8 horas da noite e atraía um público ocioso que o abandona, conta ele, logo que consideram hora de iniciar a festa; o ano seguinte, coloca seu cursos pela manhã e os ouvintes em busca de pura distração desaparecem25. Os dois tipos de público em estiveram constante coabitação. Parece que a estratégia de seduzir os ouvintes adultos rapidamente importou para a maioria dos professores, em detrimento dos alunos ainda presentes. É verdade que o efetivo de estudantes inscritos são 23

Instruction pour l‟exécution du statut du 16 février 1810 sur les faculté des sciences et des lettres, 5 avril 1810, RLRES, t. I, p. 255. 24 Victor Cousin, citado por L. Liard, L’enseignement supérieur, op. cit., t. II, p. 186. 25 Louis Liard, Universités et facultés, Paris, A. Colin, 1890, p. 22-23. História da Educação - RHE

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frequentemente esqueléticos e incitam os professores a responder a outras

demandas. Os inspetores gerais notam que em 1831, em

Toulouse, o curso de Ciências é seguido por cinco pessoas de acordo com o que disse o professor, mas que uma só está presente no dia da inspeção; que em 1836 o curso de Literatura Grega em Strasbourg não tem mais que três ouvintes.26 No entanto, esses mesmos inspetores admitem que nessa data ainda é difícil a transformação do curso da faculdade em um espetáculo de vulgarização destinado a atrair um grande público. O relatório que redigem depois de sua visita à Toulouse, em 1834, testemunha por sua vez, as medidas administrativas ainda conforme o projeto de 1808, de mudança de natureza do auditório depois da obra e de suas consequências sobre o desenvolvimento do curso. Eles descrevem assim o curso do professor Cabantous: Esse curso atrai a multidão. M. Cabantous alimenta essa curiosidade por um fluxo mais que animado, uma gesticulação mímica, por gritos de voz, vez que outra terríveis e de alto volume, uma linguagem veemente, raramente elevada, jamais simples, muitas vezes comum, enfim por um tom de convicção. […] Se ele não põe nisso instrução, ele ao menos tem boas emoções. […], e em outro colégio, durante a mesma inspeção, em história: Ele está crente que o desejo contagia seu auditório, mas falseia a direção [de seu curso], não atingindo o objetivo. Esta tendência de um ensino superior de uma faculdade se modelar e se encolher assim sobre os gostos frívolos da juventude nos parece um contra senso em que as consequências serão muito graves27.

Retornando no ano seguinte, em 1835, os inspetores notam consternados: “Viemos a esse curso como a um espetáculo”28. Essas prevenções duram pouco e assistimos nos anos seguintes a um retorno as demandas do inspetor geral do ensino superior. A presença de ouvintes livres, que vêm se distrair e cultivar, é percebida

26

Guy Caplat, Bernadette Lebedeff-Choppin, op. cit., p. 134. Ibid., p. 128. 28 Id. 27

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positivamente e assinalada, pelos inspetores, com indício de a qualidade dos cursos, quando estão firmemente condenados alguns anos antes. Um relatório sobre a Faculdade de Letras de Poitiers, em 1849, um professor argumenta: "M. Bertereau é de todos os professores aquele que atrai o maior número de ouvintes. Isso por si só é um fato remarcável, que deve gerar questões mais graves e espinhosas, dos homens do mundo ou dos jovens habituados a procurar distrações menos sérias”29. A propósito de um curso de Letras em Dijon, em 1843, que ele não julga bom e que portanto

está

deserto,

o

inspetor

não

pode

esconder

sua

decepção: ”Ninguém apareceu para justificar o abandono da maioria dos cursos […]. Posso atribuir a ausência de público à pouca disposição da população de Dijon para os estudos puramente literários”30. A capacidade de atrair um público não especializado torna-se então um critério determinante do êxito professoral. O triunfo do curso espetáculo explica a construção, no imaginário social, de um modelo de professor da faculdade fundada sobre o carisma, o brio retórico e a capacidade de sedução. A descrição de Victor Cousin, em 1828, de Jules Barthélemy-Saint Hilaire é típico desse modelo e da relação que esse professor estabelece como o auditório, através de um jogo de cena completamente teatralizado: O auditório está cheio e em silêncio, pois o professor chegará à tribuna; os aplausos frenéticos se repetem em sua honra com duas ou três reprises. Ele se inclina por cortesia; e depois de alguns instantes de recolhimento, se põe a falar durante uma hora, algumas vezes mais, sem tomar nenhuma nota, sem nenhuma hesitação, com expressão sempre justa e correta. O auditório permanece sob o seu charme, ele não interrompe o orador, só quando não puder mais conter suas emoções […]. Acrescentemos que a pessoa do orador deve contribuir para a magia que ele exerce. M. Cousin tem então 36 anos. Ele está com toda sua virilidade. Seu traje é muito elevado, está muito bem feito; seus olhos relampejam a todo o momento; os traços de expressão estão regulares e são de uma beleza escultural; a fisionomia é muito 29 30

Ibid., p. 279. Ibid., p. 136. História da Educação - RHE

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expressiva e móvel […]. A voz está sonora, de um timbre que não é, nem muito grave, nem muito agudo; ela não esta nada precipitada, e não está lenta. Ela se faz entender por todas as partes da sala;nenhuma palavra é perdida.31

Outros testemunhos atestam a perenidade desse modelo durante todo o século. Assim, a introdução, após 1878, das conferências fechadas reservadas aos estudantes é vista por alguns como uma traição que priva o professor daquilo que constitui o cerne de sua atividade, isto é, a performance retórica oferecida ao público. Em 1888, M. Duméril, decano da Faculdade de Letras de Toulouse, se opõe também a essa novidade, "lamentando a época brilhante dos cursos públicos, desaprovando ele mesmo aquilo que foi feito depois de oito anos, pretendendo reduzir os professores à atividade de simples preparadores"32. A criação das conferências fechadas buscou, segundo Louis Liard, "denunciar como perigosa para o talento que tem tudo a perder ao ser bloqueado em um espaço fechado, e não podemos properar a pleno ar do curso público” 33. Liard nota, entretanto, uma diferença entre as ciências e as letras e fornece uma explicação da ligação de uma parte do corpo docente com as práticas antigas: "para o professor de letras, o público é todo o ensino, o objetivo, a recompensa. Ele deve o conquistar e uma vez conquistado, o conservar"34. Por outro lado, Liard critica severamente, em 1890, o modelo as antigas faculdades, não podendo condenar totalmente o curso público, que lhe parece como uma manifestação brilhante do espírito francês, que estamos dependendo35.

31

Jules Barthélemy-Saint-Hilaire, M. Victor Cousin.Sa vie et sa correspondance, Paris, Hachette, 1895, t. I, p. 239-240. 32 Guy Caplat, Bernadette Lebedeff-Choppin, op. cit., p. 282. 33 Louis Liard, Universités et facultés, op. cit., p. 90. 34 Ibid., p. 21-22. 35 Ibid., p. 89. História da Educação - RHE

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As expectativas novas: um modelo precocemente colocado em causa Apesar de seu sucesso, o curso espetáculo destinado a um grande público apresenta inconvenientes, inicialmente referidos e denunciados por alguns professores. Esses últimos, particularmente de Ciências, se dão conta rapidamente que são contraditórios e frequentemente impossíveis de satisfazer em um mesmo curso os ouvintes profanos, que não desejam um ensino muito forte, e os estudantes que desejam progredir. O relatório dirigido ao ministro pelos professores da Faculdade de Ciências de Paris, em 1837, testemunha a dificuldade de servir a esse duplo público e assinala quanto os jovens em processo de formação sofrem com a situação:

Qual é o papel da Faculdade de Paris? É evidente que ela tem por objetivo preparar a juventude para as provas da licenciatura em ciências, a agregação36 e o doutorado em ciências. Além disso, ela divulga para o público o conhecimento das ciências exatas pelos seus cursos, os quais todo mundo pode ser admitido, sem nenhuma distinção. É sobre esse último ponto de vista que a faculdade de ciências de Paris se apresenta a quem não estuda um pouco profundamente a organização. Dessa forma, a mistura de ouvintes, pertencentes às classes mais elevadas da sociedade, e os jovens que tem um objetivo positivo, um estado para adquirir […], tudo isso forma um conjunto que dá ao ensino da faculdade um caractere especial que pode fazer nascer idéias inexatas.37

Os mesmos autores produzem dois outros relatórios com a mesma abordagem em 1840 e em 1846. Em 1840, a comparação com o estrangeiro e a utilidade econômica tem destaque na argumentação em favor de uma reorientação dos cursos da faculdade:

Passou o tempo em que podíamos nos fechar nas abstrações filosóficas: a ciência modifica a indústria; a 36

Nota do tradutor: Agrégation é o concurso para recrutamento de professores do ensino secundário e universitário. 37 RLRES, t. I, p. 785. História da Educação - RHE

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indústria por sua vez modifica as condições da ciência. Na Universidade de Londres, os alunos aprendem em um atelier especial manejando as principais ferramentas; em Turin, os alunos da universidade estudam hidráulica em um estabelecimento onde se executam todas as experiências sobre o movimento dos líquidos; isso faz com que nossos estudantes descubram, eles também, antes de nós, os recursos da educação científica que necessitam.38

Os mesmos temas são ainda repetidos em 1846, se apoiando sobre os exemplos franceses da Escola Normal e da Escola Politécnica. Denunciando a fraqueza dos meios desenvolvidos nas faculdades e clamando pela necessidade de um enquadramento pedagógico bem mais estreito, Jean-Baptiste Dumas estima que “a justiça vê que o bem feito é reconhecido como indispensável para os alunos, com exceção dos alunos livres”39. A crítica é retomada a partir dos anos 1840 por alguns literários. Victor Cousin reclama, em 15 de maio de 1844, no Chambre des Pairs 40, “um pequeno número de grande locais de estudos, com professores eminentes e muitos alunos”. Ele rejeita claramente o curso espetáculo, que ele mesmo praticou com alegria, e a “faculdade de acreditação”, que compara à “uma espécie de Atenas onde um benevolente auditório vem escutar um frívolo professor. Não é uma instituição séria onde se forma e se eleva um grande público”41.

A evolução das práticas Se essas críticas não foram entendidas pelos ministérios sucessivos e não deram lugar a nenhuma mudança, os professores, por sua vez, desenvolveram novas estratégias para tentar compensar as carências do curso espetacular e resolver os problemas colocados por um público misto de alunos e de ouvintes. Esta adaptação das práticas de ensino 38

Relatório de Jean-Baptiste Dumas, decano da faculdade de ciências de Paris, em 1840, citado por Octave Gréard, Instruction et éducation. Enseignement supérieur, Paris, Hachette, 1887, p. 58-59. 39 Procès-verbal de délibération de la faculté des sciences de Paris du 18 septembre 1846, cité par Octave Gréard, ibid., p. 262. 40 Nota do tradutor: Chambre des pairs: Camara alta do Parlamento nessa data. 41 Victor Cousin, citado por Louis Liard, L’enseignement supérieur…, op. cit., t. II, p. 186. História da Educação - RHE

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são inegavelmente conhecidas, pois que não responderam a nenhuma demanda oficial, senão aos estatutos que a impuseram teoricamente. Como vimos, um terço do tempo reservado era para as perguntas dos alunos. Ela é por sua vez remarcável, caso de um professor parisiense, ou não se revela de maneira incipiente, na leitura de um relatório de inspeção ou de um regulamento particular que mostra a adaptação do conteúdo do curso, um recurso pedagógico particular para com o público, ou ainda o desenvolvimento de um ensino paralelo que concerne a uma parte selecionada de público. O curso de História Moderna de Guizot, em 1829, compreende, a cada semana, dois tipos de lições que são complementares e se esforçam cada uma a servir uma parte diferente do público, com um desenrolar e com horários adaptados em consequência. A lição que tem lugar no sábado, à uma hora, é consagrada ao “desenvolvimento dos fatos e considerações”; a outra, que é anunciada na segunda às dez horas, será uma “espécie de conferência, em que M. Guizot dará os esclarecimentos que lhe serão solicitados, responderá às objeções que lhe serão feitas a viva voz ou por escrito e interrogará, ele mesmo, os ouvintes que o desejarem”. O redator que relata esse programa é plenamente convencido da necessidade de revalorizar a função de formação nas faculdades e se regozija dessas inovações: “Nós tivemos mais de uma vez reclamações que os cursos da Faculdade de Letras […] não resultam para a juventude de uma utilidade positiva, e nós solicitamos por esse olhar uma organização nova. Hoje, a reforma se opera dentro da mesma Faculdade: nós nos felicitamos”42. O mesmo nota um pouco mais longe que essa utilização diferente de duas lições semanais é igualmente adotada por Jouffroy, substituto de Milon, para seu curso de História da Filosofia Antiga, em 1829: “A segunda sessão será empregada à repetição das doutrinas estabelecidas na primeira: os alunos podem perguntar ao mestre todos os esclarecimentos que desejam; e o professor, por seu 42

Le Lycée, journal général de l’instruction, t. VI, 1829, p. 205-206. História da Educação - RHE

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lado, se assegurará, por questões diretas, se ele foi compreendido por seus jovens ouvintes”43. Alguns professores colocam ainda mais longe o enquadramentos dos estudantes, como Joseph Victor Leclerc, professor de Eloquência Latina na Faculdade de Paris, de 1824 a 1865, depois de ter sido professor de liceu e de colégio, como maître de conférences44 na Escola Normal, de 1822 à 1824. Segundo Guizot, Leclerc “gostava de atrair os jovens; e após uma espécie de interrogatório introdutório onde filtra […] as sérias vocações, quando se assegura de ter encontrado jovens de espírito sólido e aberto, ele se entusiasma em indicações de todos os tipos, designando, fornecendo por sua vez livros para ler, assinalando os cursos a serem frequentados”45. Certamente marcado por seus primeiros anos de exercício, Leclerc estabelece bem essa relação de mestre aos alunos. Por outro lado, certos professores de província escolhem utilizar a grande liberdade pedagógica que dispõem para dar algumas orientações aos seus cursos. É o caso, por exemplo, em Poitiers, em 1849, onde os inspetores apreciaram o trabalho de um entre eles: “M. Meyer deu ao seu curso um objetivo de utilidade prática, isto é, ele propôs aproximar os estudos dos jovens que se preparam para a licenciatura. Nós aprovamos essa direção prática das lições, que também foram preparadas com cuidado. […] A lição a qual assistimos reuniu de 15 à 20 ouvintes”46. Esse modelo não é, no entanto, o único possível no espírito dos inspetores, pois, no mesmo ano e na mesma faculdade, o curso de filosofia de M. Bertereau, que continua muito clássico e se dirige a um grande público, não é mais apreciado pelos inspetores. Uma outra forma de resposta às demandas dos estudantes consiste em propor mais cursos públicos e gratuitos na faculdade. Esse 43

Ibid., p. 236. Nota do tradutor: Maître de conférences:pessoal da escola normal encarregado de repetições, dos exercícios ou das lições complementares para os alunos dessa escola. 45 Octave Gréard, op. cit., p. 62. 46 Guy Caplat, Bernadette Lebedeff-Choppin, op. cit., p. 280. 44

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dispositivo, que sem dúvida sempre existiu, foi mais usual aos cursos de Ciências do que de Letras. O ministro da instrução pública Hippolyte Fortoul

confirma,

implicitamente,

a

existência

desses

cursos

complementários indicando, no relatório de 22 de agosto de 1854, que as conferências que ele decide de criar “fornecerão às repetições particulares em que o preço é muito exorbitante”47. Em seguida, por meio de decreto, fixa-se efetivamente a tarifa das conferências para os estudantes aspirantes à licença de Letras e a de Ciências - 150 francos por ano48. Ele acredita que essas tarifas são viáveis “nos estabelecimentos onde esses meios acessórios de instrução são organizados”49, que indica que esses cursos complementares têm um caráter quase oficial nas faculdades onde eles existem. Essas conferências não fazem desaparecer os cursos privados dados por professores, pois como recorda, em 1855,

“se alguns professores,

preocupados momentaneamente com pesquisas particulares, desejarem propagar os resultados, não me parece que essa preocupação fará se voltarem para seus primeiros deveres. Eles podem, nas conferências ou nas lições suplementares, comunicar suas idéias àqueles alunos que consideram tenham futuro e que sejam capazes de tirar vantagem. Longe de se opor, a administração lhe será grata”50. A resposta diferente das autoridades As reformas do Segundo Império Os primeiros anos do Segundo Império, em que Fortoul ocupa o Ministério da Instrução Pública, marcam o início de uma verdadeira tomada de consciência para as autoridades políticas da necessidade de renovar o ensino das faculdades. Longe de ceder às demandas de certos professores, apresentados acima, o retorno das expectativas ministeriais responde, na realidade, a dois objetivos muito diferentes. O primeiro é 47

Citado em RLRES, t. II, p. 350. Ibid., t. II, p. 358-359. 49 Ibid., t. II, p. 357. 50 Instruction sur la répartition de l‟enseignement dans les facultés des sciences, 30 novembre 1855, ibid., t. II, p. 454. 48

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político, pois a reorientação disciplinar dos professores tranquiliza o poder que teme constituir um desvio de energia observada durante a Restauração e a Monarquia de Julho, isto é, a transformação das faculdades em local de oposição. A outra preocupação que parece motivar as autoridades é assegurar o desenvolvimento industrial e comercial da França. Ele responde, assim, às duas demandas locais dos meios industriais, em busca de conhecimentos úteis e práticos, e à burguesia urbana, que financia as faculdades, como atestam as condições de criação de uma nova cadeira em Lille, em 186451. Daqui em diante, segundo as instruções ministeriais de 1855, as faculdades

são encarregadas de ensinar as partes das ciências que são já conhecidas; que deixem para o Colégio de França, ao Museu de História Natural, o privilégio de conduzir os seus ouvintes nas rotas novas, e de sondar com eles as profundezas ainda desconhecidas da ciência. […] As faculdades têm outra missão; elas preparam os jovens para os graus acadêmicos, e, graças a uma extensão de suas atribuições que o movimento industrial de nosso século justifica, elas preparam igualmente para a certificação de aptidão para as ciências aplicadas que a indústria sempre necessita mais e não deixará de popularizar.

O ministro insiste sobre esse ponto, “[é] indispensável hoje que dirijamos nossa atenção sobre as aplicações e que a juventude possa adquirir nos estabelecimentos os conhecimentos que ela necessita para fazer parte dos trabalhos que honram também o espírito humano”52. Em consequência,

As faculdades de ciências têm uma dupla missão. Elas devem, por um lado, expor as ciências em seus princípios, e que se elevem às mais altas especulações […]. Mas devem, por outro lado, destinar esse ensino puramente científico, que será conveniente a um pequeno número de ouvintes da elite, às fecundas 51 52

Sobre as condições dessa formação, cf. infra. Ibid., t. II, p. 453. História da Educação - RHE

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aplicações que, contribuindo cada dia para o progresso das artes e da indústria, possam estimular na medida o interesse de toda a sociedade53.

A renovação das expectativas é espetacular, por exemplo, pela relação das críticas formuladas em 1834 por um inspetor no encontro com o decano da Faculdade de Letras de Besançon, que havia proposto um curso “muito útil e digno o suficiente”54. Duas missões de fato práticas ecoaram nas faculdades: assegurar a preparação dos futuros professores aos graus acadêmicos e contribuir para o desenvolvimento econômico da França, fornecendo mão de obra qualificada, que são designados então como “a numerosa juventude que se volta às carreiras comerciais e industriais”. O auditório que procura um curso recreativo desapareceu, senão das salas dos cursos, ao menos das preocupações ministeriais. A vontade de marginalizar esse auditório é confirmada por vários relatos. Daqui em diante, segundo as instruções oficiais de 1858, somente “os auditórios sérios, os quais somente [o professor] deve contar, procurando ser escutado, não pelo vã prazer de uma improvisação atraente, mas pelas vantagens de uma instrução sólida e durável”55. Alguns anos mais tarde, 1864, uma instrução aos reitores entra explicitamente em ruptura com a doutrina dos regimes precedentes e junto com os princípios expostos a partir dos anos 1830 por alguns professores. “As faculdades têm por objetivo preparar os graus universitários, por cursos rigorosamente determinados, e de conferir esses mesmos graus por exames públicos. O ensino deve ser severo, com sacrifício às idéias do momento e aos caprichos da moda: ele não pode se dobrar às conveniências de um auditório misturado 56“. A satisfação de um mesmo curso dos alunos e dos ouvintes livres é, enfim, reconhecida como impossível pelo ministro. 53

Id. Guy Caplat, Bernadette Lebedeff-Choppin, op. cit., p. 127. 55 Instruction du ministre du 15 mars 1858, RLRES, t. II, p. 511. 56 Instruction aux recteurs de 1864 : Instructions sur l‟enseignement des Facultés et sur les leçons faites le soir, 7 avril 1864, ibid., t. II, p. 639. 54

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A prioridade daqui por diante é dar um ensino “útil”. Os ministros do Segundo Império se esforçam em responder às demandas da indústria local, como mostram as instruções dadas em 1855:

Chegará, por sua vez, que o olhar às conveniências particulares de certas localidades, os cursos que nos vão ocupar devem receber alguns desenvolvimentos novos. É indispensável, especialmente em Marseille ou em Bordeaux, que o professor da faculdade se preocupe das necessidades da prefeitura, e que ensine com muito cuidado os métodos da astronomia náutica. Como não pode deixar de dar, quando dá um curso de mecânica em uma escola de Besançon, algumas explicações sobre a cronometria e mesmo sobre os procedimentos usuais da relojoaria, que ocupa nessa cidade muitos milhares de trabalhadores?57

As condições de fundação de uma cadeira de Geologia e Mineralogia em Lille, em 1864, ilustram perfeitamente os novos pontos das demandas locais. De fato, a municipalidade tem a iniciativa dessa criação e se encarrega de assegurar o financiamento. O Estado intervém somente para oficializá-la, como mostram as considerações do decreto de criação:

Visto a deliberação do conselho municipal de Lille, datada de 28 de outubro de 1864, pela qual a cidade de Lille coloca à disposição da Faculdade de Ciências uma soma de dez mil francos para a instalação de um curso de Geologia e de Mineralogia, e se engaja a destinar anualmente uma soma de quinhentos francos para a manutenção desse curso […]; considerando que, em um lugar onde a exploração das minas de hulha e ferro e a indústria metalúrgica tem tido grande desenvolvimento, um curso de geologia e de mineralogia estudando, sobretudo, as suas aplicações à atividade industrial do país parece fornecer verdadeiros serviços.58

57

Instruction sur la répartition de l‟enseignement dans les facultés des sciences (30 novembre 1855), ibid., t. II, p. 455. 58 Décret portant création d‟une chaire de minéralogie et de géologie à la faculté des sciences de Lille, 15 décembre 1864, ibid., t. II, p. 671-672. História da Educação - RHE

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A criação da Escola Prática de Altos Estudos - Ephe, em 1868, mostra, no entanto, que o governo não responde somente às demandas dos meios econômicos. Essa fundação se explica, sobretudo, pela constatação das carências do ensino superior e, também, pelo complexo de inferioridade que se desenvolve nos meios intelectuais franceses diante da Alemanha. Se o fenômeno é bem conhecido e foi estudado no período posterior a 187059, ele nasce, na realidade, antes da derrota francesa, nutrida por diversas publicações como o relatório de Würtz sobre a viagem que efetuou à Alemanha, Statistique de l’enseignement supérieur, os artigos de Gaston Boissier na Revue des Deux Mondes, as Questions contemporaines de Renan, etc. Victor Duruy condena esses argumentos em seu relatório preliminar à fundação da Ephe para atacar os cursos da faculdade tal como se praticava depois de sessenta anos e insiste sobre a necessidade de recuperar o atraso intelectual que se alarga, segundo ele, com a Alemanha: “No dia em que nós professores tivermos, como os das universidades alemãs, verdadeiros discípulos, […] eles consagraram mais tempo ao labor da erudição literária ou histórica, se é forte em honra do outro lado do Reno, e que, hoje, ela é muito pouco entre nós”60. O objetivo fixado pela Ephe é de formar os cientistas, pois os alunos estarão “sob a direção de mestres hábeis que prepararão os discípulos e os sucessores”61. Essa vontade de formar os alunos e de se recuperar em relação à Alemanha se inspirando em suas práticas pedagógicas, leva à criação de uma estrutura original, consistindo da reunião de laboratórios e cursos de Letras e Ciências já presentes na universidade de Paris, sem nova criação, salvo aquela de uma série de conferências particulares reservadas aos alunos da Escola. Esses “alunos” são selecionados pela

59

Claude Digeon, La crise allemande de la pensée française 1870-1914, Paris, Presses universitaires de France, 1959. 60 Relatório precedente à fundação da Ephe e decreto de 31 de julho de 1868, RLRES, t. II, p. 747. 61 Id. História da Educação - RHE

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sua capacidade de seguir a formação proposta e beneficiar-se dos cursos abertos da Faculdade, das conferências particulares da Escola e dos trabalhos de laboratório. Uma comissão especial é criada para ajudar esses alunos a entrar nos laboratórios e publicar seus trabalhos, de maneira a facilitar seu ingresso na carreira científica (art. 9). A reforma se inspira muito nas práticas da Escola normal, pois ela busca duas características principais: a seleção dos alunos julgados os mais aptos e um enquadramento pedagógico restrito, com conferências obrigatórias, trabalhos a apresentar, controle da assiduidade (art. 4). E, mesmo que a Ephe forneça os seus próprios diplomas, ela também tem uma complementariedade com o ensino das faculdades.

A generalização da dupla curso/conferência na 3ª República O exemplo da Ephe mostra que a composição do auditório é, daqui por diante, essencial aos olhos das autoridades, pois eles condicionam de perto a natureza do ensino ministrado. Essa criação constitui uma ruptura fraca com as concepções que prevaleciam na primeira metade do século. Mas as realizações e a renovação das práticas estavam limitadas. Dessa forma, o governo não fornece as somas necessárias à renovação do conjunto do ensino superior, que deve continuar a se autofinanciar. Assim, as transformações são pontuais, atingindo a capital e grandes cidades da província que têm um desenvolvimento industrial importante, ignorando as faculdades de cidades médias e pequenas, que continuam a oferecer

os

mesmos

cursos,

ao

mesmo

público.

A

verdadeira

transformação das faculdades é então realizada pela 3ª República. Como para o ensino primário, essas reformas se beneficiam da dupla linha da ideologia republicana e da necessidade de tirar as consequências da derrota de 1870. Liard insiste, particularmente, sobre o papel da derrota: “Por isso, a reforma das nossas faculdades não é somente mais um caso de ciência, ela deve ser uma questão de patriotismo”62. O objetivo é, mais

62

Louis Liard, Universités et facultés, op. cit., p. 32. História da Educação - RHE

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uma vez, de se concentrar sobre a função de formação em detrimento da de vulgarização, sobre os alunos mais que sobre os ouvintes livres. Os modelos que inspiram as reformas republicanas continuam os mesmos, a Escola Normal e a Alemanha, por sua vez confundidas como propôs Liard, porque na Escola normal, “jamais o ensino é um monólogo do professor face a um auditório passivo; é o colloquium ativo do mestre e dos alunos, os espaços em branco, sua pena e seus ensaios de palavra, qualquer coisa em uma palavra como os seminários científicos das universidades alemãs”63. A grande reforma republicana repousa sobre a generalização, a partir de 1878, das conferências nas faculdades. Assistese, então, a separação formal do ensino em dois tipos de sequências, cursos e conferências, que têm cada um seu pessoal (professores de um lado, mestres de conferência, cujo cargo é criado pela portaria de 3 de novembro de 1877, de outro), seus objetivos e seus métodos (uma exposição de conhecimentos científicos versus um trabalho prático que permite adquirir os métodos) e, enfim, um público visado (um auditório misturado de ouvintes livres e estudantes versus os “alunos inscritos nas Faculdades que são só admitidos a seguir as conferências”64): “Em troca do benefício da conferência, demandam ao estudante a assiduidade, a aplicação, a assinatura em uma folha de presença, os deveres. […] O mestre não se limita a outra direção; ele segue o aluno. Ao ensino comum se acrescenta uma entrevista particular”65. O plano da nova Sorbonne, reconstruído entre 1885 e 1901, marca claramente estas dissociações do curso e da conferência e o triunfo do aluno sobre o ouvinte, através da oposição

entre

anfiteatro

e

as

pequenas

salas

destinadas

às

conferências, às deliberações dos juris de exame ou à preparação das experiências66.

63

Ibid., p. 55. Arrêté concernant les conférences instituées dans les établissements d‟enseignement supérieur (5 nov. 1877), art. 3, RLRES, t. III, p. 167. 65 Octave Gréard, op. cit., p. 67. 66 Um plao dessa nova Sorbonne é, por exemplo, reproduzida em Octave Gréard, op. cit., annexe XV. 64

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Durante essas conferências, o público e o nível de ensino são escolhidos de maneira a assegurar o sucesso da reforma: “buscamos pelos alunos que pelos mestres repetidores e os mestres auxiliares dos liceus. Pois, nos dirigimos aos professores dos colégios, bacharéis na sua maioria, e oferecemos as facilidades para a preparação da licenciatura […], corrigimos seus trabalhos; fazemos para eles na quinta-feira conferências especiais. Enfim, a esses primeiros recrutados juntam-se logo a falange da elite de bolsistas de licenciatura. Após a licenciatura, nova etapa, a agregação”67. A reforma se apoia então, de início, sobre um público cativo, em particular os bolsistas, que têm que ter assiduidade e sua presença é controlada68, e dão objetivos muito precisos a essas conferências, pois que se endereçam aos futuros professores que aspiram a licenciatura ou a agregação, diplomas que correspondem “à dupla destinação científica e profissional [das faculdades]”69. O resultado é a marginalização dos ouvintes livres em benefício dos estudantes regularmente inscritos. Albert Dumont escreve assim, em 1882, no Dictionnaire de pédagogie et d’instruction primaire: “Até esses últimos anos, as faculdades de letras e de ciências tiveram sobretudo ouvintes. Elas agora têm numerosos alunos, graças a instituição dos bolsistas, dos mestres de conferência que fazem as lições práticas, e sobretudo graças ao zelo dos professores que transformaram seu ensino de maneira a serem úteis aos estudantes que buscam obter os graus”70. Dumont

faz

talvez

prova

de

otimismo

quanto

à

rapidez

das

transformações e a implicação unânime dos professores nessa ação. Aspira, à exemplo do decano da Faculdade de letras de Toulouse, que recusa, em 1888, de se adaptar às novas modalidades de ensino e se sente rebaixado de posto de simples preparador na nova configuração. Mas, depois de setenta anos de tateamentos, a universidade sabe daqui 67

Louis Liard, Universités et facultés, op. cit., p. 91. Circulaire pour l‟exécution de l‟arrêté du 5 novembre 1877 relatif au bourses d‟enseignement supérieur (10 février 1878), RLRES, t. III, p. 175. 69 Louis Liard, Universités et facultés, op. cit., p. 91. 70 Albert Dumont, verbete “Facultés”, in Ferdinand Buisson (dir.), Dictionnaire de pédagogie et d’instruction primaire, Paris, Hachette, 1882, 1ère partie, t. I, p. 983. 68

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por diante qual o público que ela deve servir: são os “estudantes que desejam obter os graus”. As reformas da 3ª República aparecem em definitivo como o resultado de um processo secular, que conduz à privilegiar a função de formação em detrimento de duas outras funções tradicionais das faculdades, que são a certificação e a vulgarização destinadas à elite social. Essa evolução, desejada desde a primeira metade do século por alguns professores, timidamente colocada em prática pelo Segundo Império (com as conferências de licenciatura em 1855 e a criação da Ephe em 1868), se depara até o fim do século com obstáculos fortes: importância dos usos sociais e políticos dos cursos da faculdade; apego a uma certa retórica professoral; indiferença da opinião às questões de formação. Só o sentimento de um atraso francês em relação às práticas germânicas permitiu a uma apertada elite universitária, ligada aos meios ministeriais, impor progressivamente uma renovação da doutrina oficial. O presente trabalho procurou seguir as inflexões dessa doutrina e sua tradução regulamentar de 1808 à 1878, privilegiando um componente particular dos cursos, o público. Se essa aproximação aborda de maneira incidente os elementos considerados como essenciais - o professor, os saberes ensinados ou transmitidos - ela permite assinalar a importância dos fatores exteriores do mundo estritamente universitário na construção das representações, do conteúdo e do desenvolvimento dos cursos da faculdade no século 19.

BORIS NOGUÈS é pesquisador no Service d’Histoire de l’Éducation de l’INRP (Paris). Suas primeiras pesquisas foram sobre o corpo docente do ensino secundário e do superior francês, do século 17 ao 19. Atualmente, trabalha em uma releitura do funcionamento institucional, social e pedagógico das universidades e dos colégios de humanidades na França antes da Revolução de 1789. Endereço: Service d’histoire de l’éducation/SHE. Rue d’Ulm, 45 – Paris - França - 75005. E-mail boris.nogues@inrp.fr.

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MARIA HELENA CAMARA BASTOS é professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. Pesquisadora do CNPq. Bolsista Capes (2010-11) em estágio pós-doutoral no Service d’Histoire de l’Éducation de l’INRP (Paris-França). Endereço: Rua Felicissimo de Azevedo, 770/601 - 90.540-110 Porto Alegre - RS. E-mail: mhbastos@pucrs.br.

Recebido em 5 de julho de 2010. Aceito em 23 de outubro de 2010.

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ITINERÁRIOS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES NO BRASIL E EM PORTUGAL: REDES DE INTERCÂMBIO NO CONTEXTO DE EXPANSÃO DO MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA1 Libânia Nacif Xavier Maria João Mogarro

 Resumo O artigo resulta de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Programa CapesGrices e aborda os processos de circulação e apropriação de modelos pedagógicos a partir do cruzamento de itinerários profissionais de professores dedicados à formação e qualificação docente no espaço Brasil-Portugal. A investigação foi construída em torno da análise dos contactos culturais e profissionais que se detectam entre professores/autores brasileiros e portugueses e que tornaram possível (re)leituras das obras que eles produziram, constituindo uma rede de intercâmbios entre um e outro lado do Atlântico. O cruzamento dos itinerários profissionais desses educadores demonstrou as áreas de aproximação e os pontos de distanciamento entre eles, favorecendo, dessa forma, matizar os modos de apropriação das culturas pedagógicas, dos conhecimentos, das propostas e projetos ligados ao ensino e à formação de professores vigentes no contexto em tela. Palavras-chave: história da educação, redes de intercâmbio, culturas pedagógicas.

PROFESSIONAL TRAJECTORIES OF TEACHERS EDUCATORS IN BRAZIL AND PORTUGAL AT THE NEW EDUCATIONAL MOVIMENT CONTEXT Abstract This article relates to researches developed at Capes-Grices Program and focuses on the process of pedagogical models circulating around the world and their appropriation through professional trajectories teachers in the Brazil1

Trabalho apresentado no 9º Congresso Ibero-Americano de História da Educação Latino-Americana (Uerj, novembro de 2009). História da Educação - RHE

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Portugal space. The research has been built through the identification of the cultural and professional exchanges between Brazilian and Portuguese teachers/authors. The analysis of this interactions makes new readings of their work possible, building a cultural and professional network, connecting both sides of the Atlantic Ocean. Their professional trajectories revealed similarities and differences between their work, which contributes distinguish the appropriations of pedagogical cultures, knowledge and projects that the teacher‟s educators in that historical context. Key words :history of education, professional network, pedagogical cultures.

ITINÉRAIRES PROFESSIONNELS DES PROFESSEURS AU BRÉSIL ET AU PORTUGAL: RÉSEAUX D’EXCHANGE DANS LE MOUVEMENT DE LA NOUVELLE ÉCOLE Resumé L‟article est le résultat des recherches développées dans le cadre du Programme Capes-Grices et examine les processus de la circulation et d‟appropriation des modèles pédagogiques en partant du croisement des itinéraires professionnels des professeurs dédiés à la formation et qualification des enseignants dans l´espace du Brésil-Portugal. L´investigation à été construite autour de l´analyse des contacts culturels et professionnels détectés entre professeurs/auteurs brésiliens et portugais qui ont rendu possible des nouvelles (re)lectures des œuvres qu'ils ont produit, établissant un réseau d‟exchange entre un et l‟autre côté de l'Atlantique. Le croisement des itinéraires professionnels de ces enseignants a démontré les domaines de rapprochement et les points d´écart entre eux, mettant, ainsi, en évidence les formes d‟appropriation des cultures pédagogiques, des connaissances, des propositions et des projets liés à l'enseignement et la formation des enseignants dans l‟époque. Mots clés: histoire de l‟éducation, réseau d‟exchange, cultures pédagogiques.

ITINERARIOS PROFESIONALES DE PROFESORES EN BRASIL Y PORTUGAL: REDES DE INTERCAMBIO EN EL CONTEXTO DE EXPANSIÓN DEL MOVIMIENTO DE LA ESCUELA NUEVA Resumen El artigo resulta de investigaciones desarrolladas en el contexto del Programa Capes-Grices y aborda los procesos de circulación y apropiación de modelos pedagógicos a partir de itinerarios profesionales de profesores dedicados a la formación docente en el espacio Brasil-Portugal. La investigación centró su análisis en los contactos culturales y profesionales que se detectaron entre profesores/autores brasileños y portugueses y permitieron (re)lecturas de las obras que produjeron, al constituir una red de intercambios entre ambos lados del Océano Atlántico. El cruce de los itinerarios profesionales de estos educadores demostró áreas de aproximación y puntos de distancia entre ellos, favoreciendo la distinción de modos de apropiación de culturas pedagógicas, conocimientos, propuestas y proyectos vinculados a la enseñanza y a la formación docente, vigentes en aquel contexto. Palabras clave: historia de la educación, redes de intercambio, culturas pedagógicas. História da Educação - RHE

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Introdução O artigo resulta de pesquisas desenvolvidas no âmbito do convênio Capes-FCT e aborda os processos de circulação e apropriação de modelos pedagógicos a partir do cruzamento de itinerários profissionais de professores dedicados à formação e qualificação docente no espaço Brasil-Portugal. A partir da análise da biblioteca privada do educador português Manoel Pestana, foi possível identificar a presença de livros de autoria de professores brasileiros, dentre eles Luiz Alves de Mattos, Lauro de Oliveira Lima, Imídio Nérici e Irene Mello de Carvalho (Mogarro, 2006). Nesse conjunto, merece destaque a recepção positiva do livro de Luiz Alves de Mattos, Sumário de Didática Geral, cuja primeira edição brasileira data de 1957, alcançando a 10ª edição no início dos anos de 1970. A relação de livros que compõe a biblioteca de Manuel Pestana reflete um momento forte na época em que o professor português escreveu e editou os seus manuais de didática especial e compreende um conjunto de publicações que se voltam para a didática geral e para algumas técnicas de ensino específicas como o uso do áudio-visual, as dinâmicas de grupo e o ensino programado. Em comum, elegem como interlocutores preferenciais os formadores de professores e como público leitor os próprios professores em formação e os que já se encontravam no exercício da profissão. Manoel Pestana e Luiz Alves de Matos apresentam uma produção escrita que expressa modos particulares de apropriação das culturas pedagógicas em circulação nas décadas de 1960-1970, no espaço lusobrasileiro, nos quais é possível perceber a predominância do ideário do movimento da Escola Nova ao lado de outras culturas menos evidentes, porém igualmente presentes nesses escritos. Demonstram também a adesão a um projeto de validação técnico-científica do campo da pedagogia, se esforçando por criar uma metodologia consistente e, ao mesmo tempo, dotada de um quantum de flexibilidade desejável para constituir e consolidar um modelo de formação de professores com esteio História da Educação - RHE

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teórico e promotor de uma prática eficaz, segundo as concepções dominantes no contexto em que foram escritos e publicados os manuais de didática destes educadores. A investigação foi construída em torno da identificação dos contactos culturais e profissionais que se detectam entre professores/autores brasileiros e portugueses e que tornaram possível (re)leituras das obras que eles produziram, num processo de circulação de ideias e de apropriação de culturas pedagógicas, que constituiu uma rede entre um e outro lado do Atlântico. O cruzamento dos itinerários profissionais desses educadores demonstrou as áreas de aproximação e os pontos de distanciamento entre eles, favorecendo, dessa forma, matizar os modos de apropriação das culturas pedagógicas - dos conhecimentos, das propostas e projetos ligados ao ensino e à formação de professores vigentes no contexto em tela. Defendemos que a observação das formas de apropriação dos postulados do movimento da escola nova abertas nesse intercâmbio de referências bibliográficas nos permite perceber aspectos ligados às metamorfoses processadas na continuidade desse movimento em conjunturas

políticas

aparentemente

desfavoráveis

ao

seu

pleno

desenvolvimento, assim como nos oferece novos elementos para refletirmos sobre alguns traços presentes no debate pedagógico, nas reformas de ensino e nas práticas docentes em curso nos dias atuais.

Percursos da Escola Nova em Portugal Em Portugal, a geração de pedagogos que marcou o discurso pedagógico na década de 1920 filiava-se nos princípios da Escola Nova e os seus nomes mais representativos foram António Sérgio, Adolfo Lima, Álvaro Viana de Lemos e Faria de Vasconcelos. Eles protagonizaram um movimento

de

renovação

pedagógica,

de

sentido

progressista,

contribuindo para a grande vitalidade que a retórica educativa apresentou durante a Primeira República portuguesa (1910-1926). Internacionalmente,

mantiveram

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regulares n. 33

com

personalidades

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movimento da Escola Nova e freqüentaram os principais centros europeus. A partir de 1926, a ditadura militar e depois o Estado Novo (19331974) impuseram a repressão, a censura e o autoritarismo, perseguindo, prendendo e silenciando os pedagogos renovadores e progressistas. Em face de esta situação, o próprio A. Ferrière assumiu uma atitude de prudência, aconselhando-os a substituir a designação éducation nouvelle pelas palavras éducation selon la science et le bon sens. A posição deste grupo renovador português ficou ainda mais fragilizada quando Cruz Filipe e os seus seguidores, nacionalistas e defensores do regime salazarista, declararam, em 1929, representar, em Portugal, a Liga Internacional da Educação Nova. O movimento de sentido progressista da Educação Nova eclipsava-se, em Portugal. Nos discursos educativos que marcavam a política oficial portuguesa afirmou-se então uma pedagogia conservadora, nacionalista e católica: a escola era “a sagrada oficina das almas” (Salazar), a autoridade do professor e a ordem social não se punham em causa, os valores e a moral católicas impregnavam todos os contextos escolares e a componente técnica do ensino era fortemente afirmada, num sentido disciplinar (Nóvoa, 1987; Mogarro, 2001). O ideário pedagógico de sentido renovador e progressista foi substituído por um discurso predominantemente autoritário, nacionalista e católico e que era difundido de forma repetitiva, sistemática e monolítica no Portugal de Salazar e nas suas escolas oficiais. O sistema educativo português era também fortemente centralizado, exercendo o Estado um forte controle sobre os professores, à semelhança do que acontecia com a sociedade em geral e com os funcionários públicos em particular. As escolas privadas estavam sujeitas a um forte controle, sendo supervisionadas pelas escolas oficiais, onde os seus alunos eram avaliados. Só nos anos 1960 Portugal atingiu a escolarização plena das crianças em idade escolar. Por seu lado, apenas a formação de professores do ensino primário era ministrada, como curso História da Educação - RHE

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específico, numa instituição. Os docentes do ensino secundário realizavam grande parte da sua profissionalização nos liceus ou escolas profissionais. Na década de 1960, os professores estavam investidos de um poder social, cultural e simbólico que lhes conferia grande prestígio junto das populações e lhes advinha da sua relação com poder estatal. Aliás, o Estado Novo arquitectou um perfil profissional dos professores, recuperando as dimensões de missão e sacerdócio, articuladas com o desempenho profissional e a condição social de meio-termo: um apóstolo da “verdadeira escola portuguesa”, católica e nacionalista, na esteira das “gloriosas tradições” da pátria. Uma concepção de profissional, cuja actividade se encontrava no cruzamento de referências “ao magistério docente, ao apostolado e ao sacerdócio, com a humildade e a obediência” que deveriam caracterizar os funcionários públicos (Nóvoa, 1987). Os trajectos profissionais dos docentes construíram-se numa afirmação da sua competência, mas também numa relação estreita com o Estado. Interessam-nos em particular os professores que foram formadores de professores e autores de textos pedagógicos. Como os outros docentes, eles eram funcionários públicos e deviam apresentar o mesmo perfil, mas a sua condição prolongava-se na sua qualidade de elementos de um campo de produção cultural e fazia-se sentir de forma poderosa sobre as obras que eles produziam. As suas produções reflectem também os vectores estruturantes da profissão docente: os conhecimentos e

as

técnicas,

as normas,

as

regras

éticas

e

deontológicas, expressando-se assim as ideias que configuravam a actividade do professor neste período. As leituras próprias, no sentido de traduções, refracções sobre as obras que liam (Chartier, 1994), realizadas por estes docentes incidiam sobre as obras da cultura profissional que influenciavam a sua prática. Os autores de manuais moviam-se num campo de produção cultural fortemente controlado, dominado pela censura sobre todas as formas de expressão e pela fidelidade que o regime lhes exigia. Neste sentido, História da Educação - RHE

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coloca-se a questão do grau de autonomia do campo cultural (Bourdieu, 1991), revelado exactamente pela capacidade de mediação dos seus elementos, através da produção de leituras próprias sobre as obras que conformavam a sua cultura profissional, assim como sobre os constrangimentos que lhe eram colocados por poderes e influências exteriores. Os Cadernos de didáctica especial de Manuel Pestana (1963, 1964 e 1966), professor de Didáctica na Escola do Magistério Primário de Portalegre, expressam esta condição. Ele faz críticas claras à escola tradicional e à forma de ensinar a ela associada; fundamenta o trabalho docente com base em verdades cientificamente provadas; defende as metodologias activas e a construção do conhecimento pelo esforço dos alunos; afirma privilegiar o ensino prático e a importância do meio local, como universo de aprendizagens e de recursos; faz referências a projectos, trabalhos de grupo e ensino individualizado; considera a utilização do manual, mas de forma equilibrada e não exclusiva, referindo outros recursos didácticos. Nestas obras, estamos perante o ideário da Escola Nova, que terá permanecido nos discursos pedagógicos ao longo de três décadas e foi explicitamente assumido por este autor nos seus escritos, assim como outros da sua geração, revelando-se a permanência e utilização regular dos princípios escolanovistas na argumentação pedagógica. Nos mesmos discursos, encontramos a presença dos valores oficiais do regime, articulados em torno dos dois eixos de referência: o nacionalismo e o catolicismo. Os textos estão também marcados pela necessidade de cumprir os programas, pela problemática da disciplina, pela importância da ideia de império colonial. Mas estas questões são colocadas num segundo plano e dominadas por uma apropriação que os autores fazem dos princípios da Escola Nova, declarando explicitamente a sua adesão a esse modelo pedagógico (Mogarro, 2001). Assim, tornase necessário esclarecer as formas e os modos como estes princípios persistiram após a aparente ruptura do início da década de 1930, História da Educação - RHE

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permanecendo nos discursos pedagógicos produzidos no campo educativo oficial de um poder autoritário e repressivo.

Percursos da Escola Nova no Brasil Assim como em Portugal, os anos 1920 no Brasil foram marcados pela intensa mobilização de intelectuais de diferentes filiações ideológicas em torno às demandas de organização do ensino público. Nesse campo, católicos, escolanovistas, integralistas e anarquistas, dentre outros, se mobilizaram em torno à organização do ensino nacional. Mas coube ao movimento da escola nova a liderança nesse processo, contando com expoentes como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Estes educadores procuraram interferir no âmbito das políticas do Estado republicano com vistas a fundar as bases da educação pública brasileira em articulação com a construção da sociedade democrática, bandeiras pelas quais seguiram lutando ao longo de seus itinerários profissionais. Em

prol

dessas

bandeiras,

eles

estabeleceram

contatos

internacionais e selaram alianças com outros educadores atuantes no cenário nacional. Contudo, o período do Estado Novo (1937-1945) relegou o movimento e seus atores a um segundo plano, ao mesmo tempo em que promoveu a organização de uma estrutura burocrática destinada aos assuntos da educação pública, estabelecendo rígido controle sobre as escolas, os programas de ensino e os manuais didáticos. Por outro lado, reafirmou, por meio das leis orgânicas, o sistema dual de educação que, reforçando o caráter elitista e seletivo do ensino secundário, por ser o único curso propedêutico ao ensino superior, relegava aos setores populares uma trajetória escolar que terminava com a conclusão de um curso profissionalizante de nível médio.

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O desenvolvimento industrial que marcou a década de 1950 impulsionou um crescimento vertiginoso do ensino secundário.2 Porém, o crescimento do número de escolas secundárias não foi acompanhado pelo crescimento do número de professores habilitados para lecionarem nessas escolas. Verificando que mais de 20 mil docentes, em 1954, exerciam o magistério sem nenhuma habilitação legal, o Ministério da Educação atribuiu à Campanha de Desenvolvimento do

Ensino

Secundário - Cades, criada em 1952, a tarefa de certificar os professores em exercício. Segundo Oliveira Lima, o professorado da escola secundária brasileira podia ser divido em dois grupos, à época. O primeiro grupo era formado pelos professores da capital, sendo a maioria deles licenciada pelas Faculdades de Filosofia ou pelo Ministério da Educação. O segundo grupo, mais numeroso que o primeiro, era formado por professores das cidades do interior, sem habilitação para lecionar.3 Diante dessa realidade, o Ministério da Educação lançou mão de um sistema de emergência através dos cursos de preparação para exames de suficiência. Para apoiar suas atividades de formação e certificação, a Cades contava com uma revista especializada em assuntos ligados ao ensino secundário, tendo Luiz Alves de Mattos como seu editor chefe. O conteúdo

dos

editoriais

da

revista

Escola

Secundária

denotava

preocupação com o tipo de contribuição que o ensino secundário poderia oferecer ao desenvolvimento econômico do país. A revista se ocupou, preferencialmente, com a certificação e a qualificação do professorado, sem pretender alterar substancialmente o caráter seletivo e elitista do ensino médio brasileiro. 2

Dados do jornal Correio da Manhã (18/11/1956, p. 13) apresentam as cifras aproximadas desse crescimento. Segundo o jornal, em 1932, existiam cerca de 280 escolas secundárias no Brasil e, em 1956, ano em que foi feita a reportagem, calculava-se existirem em torno de 2.004 unidades escolares, assinalando um crescimento de cerca de mil por cento, até aquela data. 3 Conferência proferida por Lauro de Oliveira Lima no Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, em 17/10/1959. Arquivo Cades, doc. 27, Proedes-UFRJ. História da Educação - RHE

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Em contraste com tal orientação, cabe destacar a ocorrência de vários movimentos que propugnavam mudanças mais amplas na educação brasileira, dentre os quais citamos, a título de exemplo, a eclosão da greve dos professores do ensino secundário, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1956, com expressiva repercussão nos principais jornais em circulação à época, bem como os movimentos de educação e cultura popular que pontuaram os anos 1960, visando à democratização do acesso aos conhecimentos escolares e a divulgação e valorização das mais variadas formas de expressão das culturas populares. Porém, as inflexões produzidas no país após a imposição do regime militar, em 1964, interromperam todos os movimentos políticos, sociais e culturais que fugiam ao controle dos governos militares, adotando um modelo de política educacional que preconizava a segurança e a estabilidade do regime, ao lado da expansão controlada do acesso à educação escolar, seja no que tange à aplicação de recursos públicos, seja no que se refere à adoção de modelos e práticas pedagógicas. A partir de então, torna-se possível perceber uma maior assimilação de modelos educacionais que preconizavam o valor dos procedimentos e normas técnicas formais como forma de legitimação do campo pedagógico. Ao que indicam as fontes aqui analisadas, a utilização da ciência no interesse da educação e da pedagogia, tal como se apresenta no contexto em análise, se dá no sentido de imprimir a este um caráter aparentemente neutro em relação aos projetos de sociedade em disputa no momento. Torna-se cada vez mais evidente o investimento na invenção de um modelo dotado de pressupostos bem definidos e muito pouco abertos a contestações e mudanças na medida em que estes assumem a finalidade de prestar um serviço, ao governo e à juventude, tendo em vista “a modernização e eficiência de nossa estrutura escolar” (Mattos, 1963, p. 18). Atende desse modo, a uma visão clássica do liberalismo, muito mais conservadora do que democrática e mais preocupada com a acomodação do que com a problematização. Nessa perspectiva a modernização aqui História da Educação - RHE

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proposta sugere a rotinização dos procedimentos pedagógicos, ao lado de uma fundamentação teórica que valoriza a apropriação formal e parcial (isto é, aplicadas a situações pedagógicas previsíveis e padronizadas) das grandes experiências e teorias forjadas no âmbito da produção acadêmica internacional. Importa destacar que esse tipo de orientação não descartou o diálogo com as inovações difundidas pelo movimento da escola nova, como atesta a referência a nomes basilares deste movimento, como John Dewey, nos programas de curso e nos manuais didáticos escritos por Luiz Alves de Matos. Nesses documentos, percebe-se uma mescla de referências que associa aspectos do ideário escolanovista a outros ligados ao ideário católico, tendo como base a busca de uma eficácia técnica. Desse modo, o estudo do itinerário profissional de Matos demonstra que suas idéias e propostas pedagógicas se apropriaram do ideário escolanovista, mantendo, no entanto, estreita relação com os valores políticos, sociais e religiosos dominantes no contexto do regime militar no Brasil.

O itinerário de Manuel Inácio Pestana Manuel Inácio Pestana (1924-2004) nasceu no Alandroal (Évora) e obteve o seu diploma profissional de professor do ensino primário na Escola do Magistério Primário de Évora, em 1945, com elevada classificação. Consideramos o itinerário deste docente como significativo, constituindo um exemplo da vida profissional dos autores de manuais que pertenceram à sua geração, constituindo uma comunidade discursiva, com fortes laços de convivência e comunicação entre si. Iniciou a actividade docente no ensino primário (1945-1959) numa pequena localidade do Alentejo (Lavre), onde casou com uma professora, também do ensino primário. Esta segunda fase foi também marcada pelo desempenho das funções de bibliotecário e arquivista (que iniciou em 1949) da Fundação da Casa de Bragança, instituição que possui a documentação da última dinastia dos reis de Portugal. Conciliou o História da Educação - RHE

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exercício destas funções com a actividade de professor, até ao final da sua vida. No ano de 1960, tornou-se professor da Escola do Magistério Primário de Portalegre e pertenceu ao quadro de professores desta escola até à sua extinção, em 1989. Podemos considerar um terceiro tempo (1960-1973) no seu ciclo de vida, dominado pelo papel de formador, mas também pelos seus textos pedagógicos, com destaque para os manuais Didáctica. Em 1965 realizou, com sucesso, provas públicas no primeiro concurso nacional para professores efectivos de Didáctica Especial das Escolas do Magistério Primário, na sequência do exercício das suas funções de docente. É no contexto da preparação destas provas que surgem os referidos Cadernos, manuais que apresentam as características próprias deste tipo de obras (Roullet, 2001), marcadas pela simplicidade, familiaridade e difusão alargada.O percurso pedagógico deste professor atingiu o seu nível mais elevado neste período, com as provas públicas que realizou, as obras que escreveu e os projectos que desenvolveu. Organizou e colaborou em exposições, conferências e experiências pedagógicas (o rádio escolar e a utilização de recursos didácticos novos, como o material cuisenaire). A intervenção cultural, social e política deste professor foi intensa. Exerceu ainda vários cargos de natureza política e cultural, sendo responsável pelos museus locais e pela biblioteca municipal. Na sua escola garantiu a publicação da revista Mais Além, durante a década de sessenta e concluiu o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A revolução de 1974 encontra-o como presidente da Câmara Municipal de Portalegre, cargo que deixou logo de seguida. Nos anos seguintes, esteve destacado em serviços administrativos do sistema educativo e concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1980. Regressou então à sua Escola do Magistério Primário, em Portalegre e continuou a escrever numerosos livros e artigos, principalmente sobre história regional e local. Em 1989, História da Educação - RHE

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passou a ser professor da Escola Superior de Educação de Portalegre, que substituiu a antiga escola do magistério primário, aposentando-se em 1993 (Mogarro, 2006). Durante os 29 anos em que foi professor da Escola do Magistério Primário de Portalegre, publicou 86 títulos, distribuídos por livros e artigos.

O itinerário de Luiz Alves de Mattos A presença do catolicismo, associada a uma apropriação superficial do pragmatismo norte-americano, se apresentam como componentes fortes na formulação de alguns dos manuais didáticos produzidos no período, demonstrando a interferência dos itinerários de vida de seus autores no conteúdo dos referidos manuais, como se pode conferir com base na análise da trajetória de Luiz Alves de Mattos. Ele nasceu na cidade de São Paulo, em 12 de novembro de 1907 e o fato de seu pai trabalhar como jardineiro no Seminário da Glória, escola confessional localizada na cidade, favoreceu, desde cedo, o desenvolvimento de seus estudos e a sua relação com a religião católica. Em 1924, portanto aos 17 anos, iniciava os estudos superiores em Filosofia e Teologia na Ordem de São Bento, no Rio de Janeiro. Após completar o curso superior de Filosofia, em 1926, transferiu-se para a Catholic University of América, em Washington (DC) Estados Unidos, para aprofundar a doutrina social da igreja e os conteúdos relacionados à área da educação. Após retornar dos Estados Unidos (1932), tornou-se catedrático de Psicologia Educacional e Sociologia Educacional da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae (1933-1937) e de Psicologia Educacional e Metodologia da Faculdade de Letras de São Bento (1935-1939), ambas em São Paulo. Permaneceu na Ordem Beneditina até 1939, quando obteve seu pedido de laicização concedido pelo Papa. Em seguida, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu os cargos de diretor, membro do Conselho Universitário e professor catedrático de Filosofia Educacional e História da Educação da Universidade do Distrito Federal - UDF - por um ano apenas (1938-1939), História da Educação - RHE

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tendo em vista que aquela experiência pioneira no âmbito do ensino superior, idealizada por Anísio Teixeira, fora objeto de intervenção do governo, tendo parte de seus cursos incorporados à Universidade do Brasil. Em 1939, atuava como professor titular de Didática Geral e Especial da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, cargo que ocupou até 1972. A partir da década de 1940, passou a dedicar-se a várias funções no âmbito da educação. Em 1947, ingressou nos quadros da Fundação Getúlio Vargas - FGV, atuando no Departamento de Ensino desta instituição. Teve atuação de destaque na Escola Brasileira de Administração Pública - Ebap -, exercendo, também, a função de supervisor do Colégio Nova Friburgo, ligado à FGV. Era este um colégio experimental, onde se buscava implantar o método de unidades didáticas difundido, a partir de 1926, pelo norte-americano Henri Morrisonse e que se caracteriza como uma proposta próxima aos passos da instrução formal de Herbart.4 Dirigida por Irene Mello de Carvalho, essa experiência pedagógica foi relatada no livro intitulado O ensino por unidades didáticas, que também compõe a Biblioteca de Manuel Pestana. É bastante sugestivo o prefácio deste livro, publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), dirigido à época por Anísio Teixeira que, também, assina o referido prefácio, qualificando a proposta pedagógica do Colégio Nova Friburgo como uma proposta de base conservadora, porém arrojada. Em 1969, o livro obteve uma segunda educação, pela editora da Fundação Getúlio Vargas.

4

As fases do Plano Morrison correspondem às seguintes atividades didáticas: a) Exploração: etapa em que o professor deve reunir os elementos relativos ao tema que irá tratar, com vistas à elaboração das atividades de ensino; b) Apresentação: exposição sucinta do conteúdo pelo professor; c) Assimilação: proposição de exercícios de fixação, com vistas a fazer com que o aluno assimile os pontos fundamentais de cada unidade didática; d) Organização: nesta etapa, o aluno deve realizar atividades alusivas ao tema sem o auxílio do professor; e) Recitação: na etapa final o aluno deve realizar uma exposição oral a respeito do assunto trabalhado, cabendo então a avaliação final da aprendizagem através da avaliação do desempenho do aluno nesta atividade. A partir destas etapas, concernentes ao Plano Morrison, o CNF teria desenvolvido um método de ensino próprio, o método do ensino por unidades didáticas. Cf. Santos (2005). História da Educação - RHE

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Como catedrático da cadeira de Didática da UB, Mattos criou e dirigiu o Colégio de Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia desta Universidade (1948-1965). O destaque alcançado por este colégio na cena educacional da cidade do Rio de Janeiro, que ainda hoje se mantém, nos levou a destacar esta experiência pedagógica, ao lado da análise do livro Súmula de didática geral, existente na biblioteca de Pestana, como motes para investigarmos os modos particulares por meio dos quais Luiz Alves de Mattos se apropriou dos pressupostos da escola nova e os adaptou aos contextos nos quais transitou. Foi redator chefe da revista Escola Secundária, veículo de divulgação da Campanha de Desenvolvimento do Ensino Secundário Cades - ligada ao Ministério da Educação. Publicou os seguintes livros: O quadro negro e sua utilização no ensino (2ª edição em 1969); Os objetivos e o planejamento do ensino (1957); Primórdios da educação no Brasil (1958); A linguagem didática no ensino moderno (2ª edição em 1960); O conceito de experiência na filosofia, na educação e no ensino (1961). Participou de cursos de formação e de aperfeiçoamento de professores promovidos por diferentes instituições, a saber: Ministério da Educação, na área de Organização da Administração Escolar, (19471963); Ministério da Guerra - Estado Maior, na área de Didática (19491963); Escola de Serviço Público do Departamento Administrativo do Serviço Público, na área de Didática (1960-1963). Foi membro do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior - Capes (1961-1963) e um dos criadores do Instituto de Estudos Avançados em Educação (Iesae-FGV), sendo seu diretor (19611963). Tal como outros itinerários profissionais de lideranças ativas na organização do campo educacional brasileiro, Luiz Alves de Matos atuou em diversas frentes, interferindo na formação de professores através do ensino universitário, por meio de cursos de curta duração, apoiado na publicação de manuais e outros materiais didáticos, dirigindo escolas e participando

das

atividades

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do

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Sua


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movimentação no interior deste campo sugere a combinação entre laços de ordem política e ideológica com a competência profissional necessária ao desempenho de tantas e variadas funções. Em outras palavras, o educador era detentor de capital social, cultural e político e operou com eles para ocupar variadas e estratégicas posições no campo profissional em que atuava (Bourdieu, 1997).

A biblioteca pedagógica como lugar de saber e de memória Na extensa biblioteca do professor Manuel Pestana interessam-nos em particular os livros profissionais. Ele constituiu a sua biblioteca pedagógica ao longo de um percurso profissional rico e produtivo e as obras que a constituem revelam as suas leituras e os autores que o influenciaram e contribuíram para a sua formação. Um aspecto que ressalta na análise desta biblioteca é o facto de ser constituída

por

um

número

significativo

de

obras

estrangeiras,

principalmente brasileiras. Considerando o ciclo profissional deste professor, a fase que corresponde aos anos 1960, início da década de 1970, foi a mais significativa e durante a qual ele aumentou consideravelmente o número dos seus livros profissionais: 91 de um total de 240 livros, dos quais 36 eram edições brasileiras. Saliente-se que este período é também o mais importante na produção de textos pedagógicos da autoria de Manuel Pestana, estabelecendo assim uma relação entre o enriquecimento da biblioteca e a sua afirmação como autor de manuais de didáctica especial. Considerando o total de 240 livros (a biblioteca era mais vasta, mas nem todas as obras foram identificadas), há 97 edições portuguesas, 67 brasileiras, 34 em língua espanhola (com destaque para 18 edições venezuelanas), 21 francesas e 21 italianas. A existência das obras de autores brasileiros, nomeadamente os já referidos, e de traduções publicadas por editoras do Brasil, na biblioteca particular que estamos a analisar, assume um significado particular. Esta presença revela a produção de um pensamento pedagógico no espaço da História da Educação - RHE

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lusofonia, a circulação de saberes pedagógicos por via dos materiais impressos e as modalidades de apropriação que possibilitaram essa produção, estabelecendo simultaneamente uma rede de comunicação entre as comunidades brasileira e portuguesa no campo da pedagogia, em particular entre os autores que tinham como referência a Educação Nova. As aquisições de Pestana eram principalmente de obras de pedagogia, metodologia e didáticas, seguidas de temas de psicologia, mas também sobre ensino e aprendizagem da leitura, da história e de outras áreas disciplinares. Este interesse pela educação brasileira intensifica-se com uma visita que Manuel Pestana fez ao Brasil, em 1972. Esta viagem permitiu-lhe um contacto direto com a realidade educativa vivida neste país e a actualização bibliográfica (Mogarro, 2006), tendo adquirido vários livros e, curiosamente, um número muito significativo de brochuras sobre alfabetização, em especial do Mobral.5 Importa realçar que várias das obras têm marcas de leitura: elas estão, em muitas páginas, sublinhadas, apresentam marcas ou notas à margem e remetem por vezes para outras páginas e assuntos, no mesmo livro. Estes traços materiais revelam um processo de leitura própria que Pestana realizava sobre os livros que possuía, num exercício de interpretação das ideias dos seus autores. A obra Sumário de didática geral, de Luiz Alves de Mattos, 10.ª edição, é um dos que apresenta mais marcas de leitura, em dezenas das suas páginas. O fato de se referir diretamente ao campo da didática justifica a presença deste livro na referida biblioteca. Trata-se de um manual elaborado com objetivos muito semelhantes aos Cadernos de didática especial, publicados por Pestana. Podemos afirmar que ambos os manuais se inserem em um movimento de consolidação desta área disciplinar no âmbito da formação e

5

O Movimento Brasileiro de Alfabetização - Mobral - foi um programa criado em 1967, tendo sido gerido pelos governos militares que se sucederam no Brasil até a década de 1980, com vistas a substituir as iniciativas descentralizadas de alfabetização, bem como os movimentos de educação e cultura popular que foram proibidos de ter prosseguimento durante o período dos governos militares (1964-1985). História da Educação - RHE

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certificação de professores, seja no contexto das políticas voltadas para os professores em serviço, seja nos cursos voltados para a formação inicial de professores levados a efeito nas escolas do magistério primário ou nas faculdades de filosofia. Na defesa dos princípios da Educação Nova, Manuel Pestana apresentou uma base científica, citando autores estrangeiros de referência, como Aguayo, Claparède, Collings, Décroly, Dewey, Ferrière, Freinet, Froebel, Herbart, Kerschensteiner, Kilpatrick, Piaget, etc. Eles surgem nos manuais com referências simples, integradas no texto. Certamente que o conhecimento destes autores se processou, em grande parte, através das leituras de obras brasileiras da especialidade. Se estas obras eram já instrumentos de divulgação do ideário da Escola Nova, o leitor Manuel Pestana fez a sua interpretação própria dessas interpretações anteriores, seleccionando-as de uma literatura mais alargada que tinha à sua disposição, certamente por estabelecer com elas um mecanismo de identificação com o seu próprio pensamento. O lugar que ele ocupa é de uma posição intermédia entre a produção dos autores e tradutores brasileiros e os seus próprios leitores. Ele não se limitou a transpor as ideias, mas realizou leituras e construiu uma interpretação própria desses saberes que chegavam até ele, apropriando-se deles e adaptando-os à sua própria realidade profissional e às características do campo educativo português. A sua biblioteca foi um repositório de saberes. Para nós é, também, um lugar de memória.

Considerações finais Luiz Alves de Mattos foi professor do ensino superior e dirigiu a sua obra preferencialmente para o ensino secundário. Manuel Pestana foi professor do ensino normal (médio, na altura) e os seus livros de didática são dirigidos ao ensino primário. No entanto, no percurso destes pedagogos sugerem óbvios traços de convergência: as suas obras são marcadas pela perspectiva de racionalização do trabalho docente, com o desenvolvimento de técnicas de ensino, planificação e utilização de novos História da Educação - RHE

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instrumentos pedagógicos. Outro aspecto fundamental é a filiação no catolicismo, cujos princípios enquadram as propostas apresentadas e que representam o intenso combate pelo domínio do campo educativo e pela formulação de um discurso pedagógico, elaborado a partir de uma leitura católica dos princípios da Escola Nova. Leitura católica do modelo pedagógico escolanovista, tecnicismo didáctico, concepção do professor como referência social e cultural, normatividade social, afirmação do discurso eminentemente educativo, são aspectos comuns aos dois autores. Mattos e Pestana produziram os seus manuais no âmbito das actividades docentes e o seu público destinatário era, prioritariamente, os próprios alunos, apresentando às obras uma dimensão essencialmente prática e exemplificativa.

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LIBÂNIA NACIF XAVIER é professora associada da Faculdade de Educação da UFRJ, onde atua no Programa de Pós-Graduação. É autora do livro O Brasil como laboratório (Edusf, 2000), além de coletâneas, artigos e capítulos de livros em publicações da área. Endereço: UFRJ/Proedes - Avenida Pasteur, 290 - 22.290-240 Rio de Janeiro - RJ. E-mail: libaniaxavier@hotmail.com. MARIA JOÃO MOGARRO é investigadora da Universidade de Lisboa. É co-organizadora do livro História da escola em Portugal e no Brasil (Colibri, 2006) e autora de coletâneas, artigos e capítulos de livros em publicações da área. Endereço: Universidade de Lisboa - UI&DCE. Avenida da Universidade, 1649-013. Lisboa - Portugal. E-mail: mariamogarro@gmail.com.

Recebido em: 15 de fevereiro de 2011. Aceito em: 20 de abril de 2011.

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O REGIME MILITAR NA (DES)MEMÓRIA DA EDITORA ABRIL: A REVISTA ESCOLA E A DIFUSÃO DA LEI 5.692/71 Daniel Revah Maria Rita de Almeida Toledo

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Resumo Este artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa em curso sobre a revista ESCOLA, da editora Abril. A revista tem uma vida curta: 27 números, entre outubro de 1971 e abril de 1974. Lançada com o n. 0, a edição n. 1 é publicada alguns meses depois, em março de 1972, quando passa a ser editada mensalmente até o seu último número (n. 26). Nesse período, várias edições apresentam encartes para a composição de dois livros: O livro da reforma (nas edições de outubro de 1971 a junho de 1972) e Recursos auxiliares do ensino (entre novembro de 1973 e abril de 1974). No primeiro número a revista é apresentada como instrumento a serviço da reforma de ensino (instituída pela lei n. 5.692/71); como “instrumento de diálogo e cooperação com o professor de 1o grau”; como “primeira revista pedagógica” a ser feita “com os recursos do jornalismo”, “com a forma jornalística a serviço do conteúdo pedagógico”. Neste trabalho, esse periódico é entendido como modalidade específica de impresso que carrega em sua materialidade dupla estratégia de intervenção cultural: a intervenção editorial, que se apropria dos saberes pedagógicos por meio da forma jornalística para a ampliação do mercado dos produtos da editora Abril; como intervenção no campo educacional, divulgando, organizando e prescrevendo as práticas entendidas como necessárias à implementação da reforma. Com essa perspectiva, analisam-se os principais dispositivos materiais que organizam a revista, enfatizando-se aqueles que permanecem ao longo de sua existência e estruturam a fórmula editorial adotada. ESCOLA também é pensada na sua relação com a memória que a editora Abril constrói sobre a sua trajetória nesse período. Palavras-chave: impresso educacional, dispositivos materiais, construção da memória, década de 1970.

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THE MILITARY REGIME IN THE PUBLISHER ABRIL (NO)MEMORY: THE ESCOLA MAGAZINE AND THE DIFFUSION OF THE EDUCATIONAL LAW N. 5.692/71 Abstract This article shows the first results of a research that is in progress about the magazine ESCOLA from publisher Abril. It´s a short-lived magazine: 27 copies from october, 1971 to april, 1974. The first edition was number 0, and number 1 was published some months later, in March, 1972, and then, it was published monthly up to its last copy (n. 26). At this time, many editions showed prospectus that would be used for the construction of two books: the Book of reformation (october, 1971 to june, 1972) and Helpful resources for teaching (between november, 1973 and april, 1974). In the first copy the magazine is shown as dialogue and co-operative instrument with elementary teacher as the first pedagogical magazine that was created with the resources of journalism, with journalistic form at the service of pedagogical contents. In this production, this publication is known as a specific kind of press that has two strategies of cultural interference: editorial interference that assumes pedagogical knowledge by means of the journalistic pattern, to increase the market of publisher Abril products; as interference in the educational field, by publishing, organizing, and prescribing the necessary actions for the accomplishment of reformation. In this perspective, one can analyze the main resources the magazine used, emphasizing the ones that remain during its existence and planned the editorial form that was used. ESCOLA is also related to the history that publisher Abril has constructed on its trajectory in this period. Keywords: educational press; main resources; construction of memory; decade 1970.

EL RÉGIMEN MILITAR EN LA (DES)MEMORIA DE LA EDITORA ABRIL: LA REVISTA ESCOLA Y LA DIFUSIÓN DE LA LEI N. 5692/71 Resumen Este artículo expone los primeros resultados de una investigación en curso sobre la revista ESCOLA, de la editora Abril. La revista tiene una vida corta: 27 números, entre octubre de 1971 y abril de 1974. Lanzada con el n. 0, la edición n. 1 es publicada algunos meses después, en marzo de 1972, y a partir de ese momento las ediciones continúan mensualmente hasta el último número (n. 26). En ese período, varias ediciones presentan encartes para la composición de dos libros: O livro da reforma (en las ediciones de octubre de 1971 a junio de 1972) y Recursos auxiliares do ensino (entre noviembre de 1973 y abril de 1974). En el primer número la revista es presentada como instrumento al servicio de la reforma de la enseñanza (instituida por la ley n. 5.692/71); como “instrumento de diálogo y cooperación con el profesor de la escuela primaria”; como “primera revista pedagógica” que será producida “con los recursos del periodismo”, “con la forma periodística al servicio del contenido pedagógico”. En este trabajo, ese periódico es concebido como modalidad específica de impreso que porta en su materialidad doble estrategia de intervención cultural: la intervención editorial, que se apropia de los saberes pedagógicos por medio de la forma periodística para la ampliación del mercado de los productos de editora Abril; como intervención en el campo educacional, divulgando, organizando y prescribiendo las prácticas entendidas como necesarias a la implementación de la reforma. História da Educação - RHE

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Con esa perspectiva se analizan los principales dispositivos materiales que organizan la revista, enfatizando los que permanecen a lo largo de su existencia y estructuran la fórmula editorial adoptada. ESCOLA también es pensada en su relación con la memoria que la editora Abril construye sobre su trayectoria en ese periodo. Palabras clave: impreso educacional, dispositivos materiales, construcción de la memoria, década de 1970. REGIME MILITAIRE DANS LA (MANQUE DE) MEMOIRE DE L’EDITEUR ABRIL: LA REVUE ESCOLA ET LA DIFFUSION DE LA LOI N. 5.692/71 Résumé Cet article présente les premiers résultats d'une recherche en cours sur la revue ESCOLA chez l‟éditeur Abril. Le magazine a une durée de vie courte: 27 numéros, entre octobre 1971 et avril 1974. Lancé avec le n. 0, fascicule n. 1 est publié que lques mois plus tard, en Mars 1972 quand il a commencé à être publiées tous les mois jusqu'à son dernier numéro (n. 26). Pendant cette période, diverses questions ont inserts pour la composition de deux livres: Le livre de la réforme (dans les éditions de 1971 to octobre juin 1972) et Auxiliaires d'enseignement ressources (entre novembre 1973 et avril 1974). Dans le premier numéro du magazine est présenté: comme un instrument au service de la réforme de l'éducation (établi par le loi 5.692/71), comme un instrument de dialogue et de coopération avec les enseignants du premier degré comme le « première magazine d'éducation" à utiliser "les ressources du journalisme, "la façon dont le service de innovation dans le contenu éducatif". Dans ce travail, cet revue est comprise comme une forme de modalité spécifique qui porte dans ses matérialité double stratégie editoriel d'intervention culturelle: l´intervention éditorial qui s´approprie de savoir pédagogiques à travers la mode journalistique, pour élargir le marché pour les produits de l‟éditeur Abril; comme une intervention dans l'éducation, de promouvoir, organiser et les prescrire les pratiques perçue comme nécessaire pour la mise en œuvre de la réforme. Dans cette perspective, nous analysons les dispositifs matériels qui organisent la principale revue, en insistant sur ceux qui restent au long de son existence et la structure de la formule éditoriale adoptée. ESCOLA est aussi pensée en relation à la mémoire que l'éditeur Abril s'appuie sur sa trajectoire dans cette période. Mots-clés: imprimé dispositifs matériel éducatif, la construction de la mémoire, les années 1970.

Este artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa em curso sobre a revista ESCOLA, da editora Abril. A revista tem uma vida curta: 27 números, entre outubro de 1971 e abril de 1974. Lançada com o n. 0, a edição n. 1 é publicada alguns meses depois, em março de 1972, quando passa a ser editada mensalmente até o seu último número (n. 26). Nesse período, várias edições contêm encartes para a composição de dois livros: O livro da reforma (nas edições de outubro de 1971 a junho História da Educação - RHE

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de 1972) e Recursos auxiliares do ensino (entre novembro de 1973 e abril de 1974). No primeiro número a revista é apresentada como instrumento a serviço da reforma de ensino (instituída pela lei n. 5.692/71); como “instrumento de diálogo e cooperação com o professor de 1 o grau”; como primeira “revista pedagógica” a ser feita “com os recursos do jornalismo”, “com a forma jornalística a serviço do conteúdo pedagógico”. Neste trabalho, esse periódico é entendido como modalidade específica de impresso que carrega em sua materialidade dupla estratégia de intervenção cultural1: a intervenção editorial que se apropria dos saberes pedagógicos, por meio da forma jornalística, para a ampliação do mercado dos produtos da editora Abril; como intervenção no campo educacional, divulgando, organizando e prescrevendo as práticas entendidas como necessárias à implementação da reforma. Com essa perspectiva, analisam-se os principais dispositivos materiais2 que organizam a revista, enfatizando-se aqueles que permanecem ao longo de sua existência e estruturam a fórmula editorial adotada3. A revista ESCOLA também é pensada na sua relação com a memória que a editora Abril constrói sobre a sua trajetória nesse período, ao elidir esse periódico e, junto com ele, determinados vínculos com o regime militar. Esse, aliás, é o nosso primeiro item.

Um ponto de apagamento A revista ESCOLA surge no Brasil no período em que a ditadura militar evidenciava a sua pior face, nos chamados “anos de chumbo”. Esse período é recordado no histórico que o Grupo Abril faz da sua própria trajetória e da de seu fundador, o empresário Victor Civita, quando da comemoração dos 100 anos do seu nascimento e 50 anos da 1

Adotam-se, para a análise do impresso, as perspectivas de Chartier (1990), Certeau (1990) e Carvalho (2003). 2 Sobre uma descrição dos procedimentos da análise material de impressos, consultar também Carvalho e Toledo (2007). Para o conceito de dispositivo, consultar Certeau (1990). 3 Os deslocamentos e mudanças operados na fórmula editorial para atender o mercado e difundir a reforma também são passíveis de análise. Porém, neste artigo optamos pelo destaque do que é estável na mesma. História da Educação - RHE

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fundação da editora Abril. No texto biográfico de Civita, presente no sítio da fundação homônima, afirma-se: O Brasil entrava nos anos de chumbo. O golpe militar, que derrubara o governo do presidente João Goulart, em 1964, desembocava numa ditadura cada vez mais repressiva. Indo contra a corrente da censura e da restrição às liberdades, a Abril de Victor Civita põe nas bancas um novo tipo de jornalismo.4

O texto refere-se à revista Realidade, que nasce em 1966, e à revista Veja, publicada a partir de 1968. Ambas são lembradas como periódicos que “enfrentaram e sobreviveram ao jugo da censura militar, que proibia uma série de assuntos e reportagens”. Nesse histórico, no subtítulo “O sonho da educação”, com a imagem de Civita lendo a revista Nova Escola e tendo como fundo uma biblioteca, são apresentadas as primeiras iniciativas do Grupo Abril na área de educação. Para sublinhar a importância da editora Abril nessa área, o relato compara Victor Civita com Monteiro Lobato ao lembrar esta frase de Civita: “um país se faz com educação e leitores” - uma alusão ao conhecido slogan “um país se faz com homens e livros”, consagrado pelo próprio escritor e pelos seus estudiosos. Por meio desse vínculo, Civita não é associado apenas à figura de um prestigiado escritor brasileiro, mas ao editor que “conseguiu revolucionar todos os aspectos” da indústria editorial, como afirma Laurence Hallewell (2005, p. 326). Destaca-se também a “missão” estabelecida pelo “empreendedor e visionário incansável”: “contribuir para melhorar a educação no Brasil”. E para descrever as primeiras iniciativas na área de educação, afirma-se: Na década de 60, ele já havia se empenhado nesta missão, produzindo cartilhas para alfabetização de adultos e investindo em livros didáticos [...]. Mas os governos militares, que eram os principais compradores

4

Cf. em: http://www.centenariovictorcivita.com.br. Acesso em: 20 mai. 2008. História da Educação - RHE

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de materiais didáticos, puniram a Abril por sua independência editorial, e o negócio não pode ir adiante.5

Na “edição especial comemorativa dos 50 anos da editora Abril”, no mesmo

sítio

da

Fundação

Victor

Civita,

lembra-se

que

Civita

“compreendeu que a educação era, ao mesmo tempo, oportunidade e compromisso” em face de um “país com a melancólica taxa de 50% de analfabetos em 1950”.6 No mesmo relato também é rememorada a atuação educacional da empresa e é exaltado o seu próprio papel, ao vincular a atuação da editora Abril à alfabetização de mais de 3 milhões de adultos num país em que a maioria era analfabeta: A maioria das experiências da Abril nesse território, antes da Fundação Victor Civita, foi desenvolvida a partir de 1969, na Divisão de Educação. Boa parte do material didático7 usado pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral, que chegou a alfabetizar 3,2 milhões de alunos em dois anos, foi produzido na editora.8

O

texto

prossegue

lembrando

a

figura

de

Paulo

Freire:

“Ironicamente, o material do mais bem-sucedido projeto educacional dos governos militares utilizava as idéias do educador Paulo Freire, que estava exilado.”9 No mesmo trecho, realiza-se uma dupla operação discursiva, ao se aproximar simultaneamente da atuação da ditadura militar e das idéias de Paulo Freire. Da sua ligação com a ditadura, distingue o seu papel na diminuição do analfabetismo. Do seu vínculo com as idéias de Paulo Freire e ao lembrar do seu exílio, coloca-se do lado dos que foram perseguidos pela ditadura e desta se distancia, repondo o distanciamento 5

Ibidem. Nessa afirmação ecoa novamente o universo de Monteiro Lobato, que associou a sua ação editorial à modernização cultural do país, vez por outra fazendo menção ao analfabetismo. 7 Segundo o mesmo relato, a Divisão de Educação “criou um modelo de escola portátil; uma maleta com manuais, livros, cadernos, lápis e cartazes, para ser usada por vinte alunos e um professor.” 8 Cf. em: http://www.abril.com.br/institucional/50anos/educacao.html. Acesso em: 20 mai. 2008. 9 Ibidem. 6

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criado no texto biográfico sobre Victor Civita em relação à atuação da ditadura, aí demarcada com o significante “anos de chumbo”. Assim, nesse jogo de aproximações e distanciamentos, o relato cria um lugar para a editora e para o “empreendedor” e “pioneiro” Victor Civita que corresponde aos contornos delineados em outros trechos. Por exemplo, quando se afirma que a editora Abril teve “uma contribuição importante para a educação, a qualidade de vida e o fortalecimento da democracia no Brasil”. Esses contornos concernem também à “revolução cultural” da década de 1960. A revista Claudia, por exemplo, é inserida nesse registro: “Feita para a mulher dos novos tempos, que já não se contentava em ser, apenas, a rainha do lar, era uma mudança radical [...]. Cláudia enveredava por temas ainda tabus, como sexo e contracepção”. Desse modo, o lugar na memória criado para a editora Abril e o “fazedor visionário” Victor Civita, que “tinha uma sensibilidade inigualável para detectar o que os leitores queriam e antecipar suas necessidades”, é o da democracia, da “revolução cultural” e da “revolução social, com mudanças na política e nos costumes”. Um “outro projeto da Divisão de Educação” implementado na década de 1970 e mencionado no mesmo relato é o Programa Alfa 10”. Dele destaca-se a sua relação com o problema da repetência: Na década de 70, as pesquisas mostravam que quase metade das crianças da primeira série era repetente. A Abril lançou um kit pensado para ensinar crianças a raciocinar. O Alfa respeitava as diferenças regionais de linguagem, a partir dos resultados de uma pesquisa sobre as carências culturais das crianças brasileiras. "A criança aprendia a aprender, que é diferente de decorar. 10

O Programa Alfa, desenvolvido por Ana Maria Poppovic, em convênio da Fundação Carlos Chagas e do governo, tinha por objetivo pesquisar as razões pelas quais se davam os altos índices de repetência das crianças das classes populares na primeira série. Com os resultados da pesquisa, pretendia-se a produção de material didático eficaz para o combate da repetência e da defasagem entre idade e série das crianças do recém organizado primeiro grau. Essa política de recuperação das defasagens de ensino ficou conhecida como “educação compensatória” e foi estabelecida como uma das metas dos governos militares. A editora Abril envolveu-se no programa logo nos primeiros anos de sua execução, financiando inclusive a pesquisa de Poppovic com o fito de ter o direito de produzir o material que serviria de base para a execução da política em todo o Brasil. Para maiores detalhes, ver Bernardes (1999). História da Educação - RHE

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Percebia que aquilo serviria para a vida prática. Ela estava sendo preparada para ser um cidadão", lembra José Alcione Pereira, um dos criadores da Divisão de Educação e, mais tarde, da Fundação Victor Civita.

Na memória que a editora Abril produz sobre a sua própria trajetória durante o regime militar sequer é mencionada a revista ESCOLA, que foi o primeiro periódico educacional da editora, antecedendo à bem sucedida revista Nova Escola, lançada em 1986. A que se deve esse apagamento? Como dimensionar essa omissão num relato que pode ser encontrado num sítio cujo endereço - http://revistaescola.abril.com.br/fvc/ - traz justamente o nome da revista, precedendo o nome da própria editora e da Fundação? Um fato do discurso no mínimo curioso. Ainda mais quando observamos que é por meio desse significante apagado que temos acesso à memória produzida pela editora Abril e, ao mesmo tempo, ao que nessa reconstrução histórica foi suprimido e que à maneira do que é recalcado retorna, muito embora não seja assim reconhecido.11 Esse retorno evidencia-se tanto no nome da Nova Escola quanto no endereço oficial da Fundação Victor Civita, pois em ambos os casos aquele significante encontra-se implicado e é essencial. Esse ponto de apagamento é o que possibilita o acesso a uma outra história da editora Abril e das suas relações com o regime militar.

Um periódico modelar para o professor? A revista ESCOLA já foi objeto de análise exploratória no final da década de 1970 por uma equipe sob a direção de Lia Rosenberg 12. A pesquisa tinha por objetivo 11

Entende-se aqui que o recalque corresponde à interrupção das séries significantes que possibilitariam esse reconhecimento e a emergência de outros sentidos relacionados com a trajetória da editora Abril. Sobre o conceito de significante e a perspectiva analítica da memória aí implicada, veja-se Revah (2004). 12 A equipe era formada pelos estudantes do curso de Metodologia da Pesquisa Científica da Fundação Carlos Chagas. À época, Rosenberg pertencia ao Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. Fez parte da equipe que elaborou e atuou no Programa Alfa dirigido por Ana Maria Poppovic e cujos materiais didáticos foram produzidos e distribuídos pela editora Abril, como é lembrado na reconstrução história da editora. Ver Bernardes (1999). História da Educação - RHE

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investigar um aspecto ligado à prática educacional: a literatura de divulgação sobre educação escolar no Brasil. Pretende analisar a utilidade desse veículo de atualização do professor, no sentido de auxiliá-lo na sua prática diária concreta, partindo da idéia de que essas revistas deveriam estar vinculadas diretamente à práxis educacional, informando/formando o professor a respeito de toda a problemática em que está envolvido, facilitando sua tarefa e colaborando para a melhor qualidade de ensino. (Rosenberg et al, 1979, p. 57)

Para realizar essa pesquisa, a equipe fez uma primeira seleção de periódicos educacionais a fim de “identificar as publicações que mais se aproximassem de um modelo adequado ao professor”.13 Conforme dizem os autores, “optou-se por um estudo de caso, a revista Escola, da editora Abril que [...] mostrava-se significativa dentro do panorama da literatura pedagógica no Brasil” e, entre as revistas analisadas, era a única publicação cujas características aproximavam-se do modelo visado” (ibidem, p. 58-9). Nas conclusões, os autores destacam que a revista ESCOLA é uma “publicação que não incorre nas falhas e deformações apontadas” por Nagle, “aproximando-se por isso de um modelo de periódico destinado ao professor” (idem, p. 62). Os autores a comparam ainda às outras publicações, destacando seu caráter “prático e instrumental”, pois não se restringiria como as outras ao “plano teórico, abstrato, geral, esquecendose do professor em sala de aula” (ibidem). Essa mesma característica, entretanto, é apontada como uma falha, pois tolheria “a dimensão crítica do professor, ao deixar de fora da discussão os pressupostos teóricos que levam às práticas técnico-pedagógicas apresentadas” em suas páginas 13

Os critérios utilizados para identificar esse periódico modelar foram: “1) integra os temas educacionais, tanto de natureza geral como os particulares, à atividade docente; 2) aborda de maneira integrada as questões de natureza técnicopedagógica; 3) fornece esquemas operacionalizados de planejamento”. Esses critérios foram extraídos da análise realizada por Jorge Nagle sobre a literatura pedagógica no Brasil e encontram-se na apresentação da Coleção Ensino (1979). Preliminarmente foram analisados quatro periódicos educacionais dirigidos ao professor: Educação Hoje (Brasiliense), Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (MEC/Inep), Didata (Arlette d‟Antola), ESCOLA (Abril). (Rosenberg e outros, 1979, p. 58-9). História da Educação - RHE

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(ibidem). Para os autores, “a revista Escola estava bem próxima de um modelo adequado a seu público-alvo, relevando-se algumas falhas de uma proposta teórica” (idem, p. 63). Nesse artigo, quase contemporâneo à revista, essa avaliação bastante positiva realizada por uma instituição de pesquisa com prestígio crescente no campo educacional contrasta com o apagamento observado na memória produzida pela editora Abril sobre a sua própria trajetória. Enquanto nessa memória a editora procura associar a sua imagem à resistência à ditadura e destacar o seu compromisso com a liberdade de expressão e a educação brasileira, na medida em que teria participado de dois grandes projetos educacionais do período que tinham como prioridade os adultos analfabetos e as crianças repetentes, tudo o que poderia evidenciar o comprometimento com e o apoio às políticas da ditadura tende a ser elidido, como fica evidente ao nos debruçarmos sobre o que foi esquecido: a revista ESCOLA. Esta, desde a sua primeira edição, mostra-se um porta-voz da reforma de ensino instituída pela lei n. 5.692/71.

A serviço da reforma No primeiro número, denominado “zero” e considerado de caráter experimental, a revista é apresentada, em uma carta dirigida ao professor e assinada pelo próprio Victor Civita, como mais um empreendimento da editora para contribuir com o “desenvolvimento do país” e com o “esforço nacional no sentido da difusão do conhecimento, através de suas numerosas revistas e fascículos” e prestar serviço ao “homem brasileiro”. Identificando-se como “pioneira”, lembra ao leitor que coloca nas bancas de jornal de todo o país “milhões” de exemplares de “publicações culturais que de outra forma ficariam circunscritos a bibliotecas ou livros pouco acessíveis à maioria da população”. É com essa legitimidade, conquistada pelos “benefícios” oferecidos à “comunidade”, que a editora Abril se propõe a lançar a revista ESCOLA. História da Educação - RHE

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Segundo a apresentação, essa publicação seria uma “homenagem ao professor”, porque “pensada” para ele. Nessa mesma passagem opera-se ainda com a identificação entre os interesses do professor e da editora de difundir a educação. E mais adiante se afirma que a revista ESCOLA é “instrumento de diálogo e cooperação com o professor de 1º grau, em benefício do ensino e da educação no Brasil”. A decisão de se voltar a esse público também é explicitada: Por que o ensino de 1º grau? Porque é nesse setor que se localizam os maiores problemas do ensino; porque é nesse setor que uma publicação pedagógica pode ser útil ao maior número daqueles que têm a responsabilidade de ensinar e, finalmente, porque reside na implantação e no aperfeiçoamento do ensino de 1º grau a esperança do êxito do gigantesco esforço desenvolvido pelo governo federal e pelos Estados no sentido de dar ao país o ensino adequado às suas necessidades presentes e futuras.

Professores, governo federal e governos estaduais são descritos como o público destinatário da nova publicação que vem para auxiliar na resolução dos problemas inerentes ao aperfeiçoamento do ensino de 1º Grau. Desse modo, explicitam-se as estratégias editorial e cultural que dariam vida ao novo periódico e também se demarca o mercado e a função do mesmo. Tal posição é reforçada pela descrição que faz do momento histórico em que o impresso é lançado e da posição em que a revista é colocada em função dele: A revista ESCOLA chega junto com a reforma de ensino e desde já, entusiasticamente, se coloca a serviço dela. Como diz um dos nossos colaboradores, neste número, trata-se de algo mais que uma reforma: é uma nova concepção da escola e do ensino.

Se a reforma produz uma nova escola e um novo ensino, a revista deve ser, para se “colocar a serviço dela”, para alcançar a mesma estatura e ficar no mesmo registro, um impresso pedagógico inaugural. Nos marcos do novo, a fórmula editorial é assim descrita: História da Educação - RHE

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Acreditamos que pela primeira vez, no Brasil, seja feita uma revista pedagógica com os recursos do jornalismo ou, em outras palavras, com a forma jornalística a serviço do conteúdo pedagógico. É o meio de torná-la não só mais atraente, como de aproveitar os recursos da comunicação num setor que se tem caracterizado pelo mais insistente arcaísmo.

Atrelada às inovações históricas implementadas no campo da educação, a nova revista varreria o arcaísmo da imprensa pedagógica, substituindo-lhe a linguagem tradicional pelos “recursos da comunicação”, transformando o enfadonho em atraente. O governo entraria com as novas concepções educacionais, por meio de sua política inovadora, e a editora Abril com o domínio dos recursos da comunicação, sua especialidade, para inaugurar “uma das mais audaciosas fases de toda a história do ensino no Brasil”. As representações do lugar da revista no campo educacional e na frente de inovação da escola, apresentadas por Civita, são ainda explicitadas na propaganda da própria revista, estrategicamente alocada entre os artigos (ou a quase totalidade deles, para sermos mais precisos) e o início das seções fixas, no caso do número zero. A propaganda ocupa página dupla, com um texto e uma foto do rosto de uma jovem mulher com um leve sorriso ocupando uma página inteira. A mulher dirige seu olhar ao leitor, com seus óculos um pouco abaixados, como quem procura o olho no olho:

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Com esse olhar então, a professora-leitora é assim interpelada: “Professora, desculpe se ESCOLA chegou um pouquinho atrasada” - um enunciado escrito em letras maiores e estendido nas duas páginas, na parte superior. A professora-leitora é interpelada por esse enunciado que parte, poderíamos supor, daquela jovem mulher. Esta, entretanto, também parece afigurar a própria professora que atende ao chamado da revista, para ouvir o que ela tem a dizer. A professora então parece estar em dois lugares ao mesmo tempo: do lado do leitor, como professoraleitora, e na própria revista, como se ela fizesse parte da mesma. À maneira de um jogo de espelhos, a professora-leitora olha na ESCOLA para si mesma. A revista está no lugar da professora que, por sua vez, está na ESCOLA. E mais: a revista é da professora, conforme destaca o texto da propaganda: Há muito tempo que o professor brasileiro precisava de uma revista como Escola. Mas, como todos os grandes empreendimentos, este não foi fácil. Exigiu tempo, talento e gente capaz. Foram necessários dois anos para que o projeto Escola chegasse ao zero que você tem na mão. E agora você sabe que Escola é isto: uma ponte permanente de comunicação entre todos os professores brasileiros. História da Educação - RHE

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Especialmente aqueles que lecionam no 1º grau. Você ficará sabendo o que os outros professores estão fazendo, suas experiências bem sucedidas, novas técnicas de ensino, tudo o que é importante dentro de uma escola [...]. Afinal, Escola é sua e deve ser como você quer.

A forte identificação que a revista procura criar com o professor, ao dizer, sobretudo, que “Escola é sua”, é reiterada no próprio nome dessa publicação, complementado nas capas por este enunciado: para professores - um enunciado escrito em letras menores. Sem contar o fato de que o número zero é lançado numa data que homenageia o professor, de acordo com o que sugere a mesma propaganda: “No dia do professor, 15 de outubro de 1971, Escola está pronta para ele”. Essa identificação se prolonga e amplia por meio do dispositivo tipográfico que consiste em utilizar alternadamente o significante escola em caixa alta e caixa baixa (ESCOLA e escola), de modo que sutilmente o leitor é levado a identificar a revista com a instituição escola. Aqui é reposto, de uma outra forma, o jogo de espelhos que faz com que a revista ocupe o lugar que é o do professor-leitor. A relação com a reforma definida na lei n. 5.692/7114 é aludida pela proximidade entre o início da gestação da reforma e da revista. Enquanto o grupo de trabalho que instituiu a primeira começou a funcionar em maio de 1970, a revista teria iniciado seus trabalhos dois anos antes de seu lançamento, no final de 1969. A editora Abril, desse modo, colocava-se em sintonia com as mudanças decretadas na educação com a Constituição de 1967: a escola de oito anos, por exemplo. Ao mesmo tempo, representa a si mesma como um marco na vida do professor brasileiro ao responder aos seus anseios: estabelecendo uma ponte de comunicação entre todos os professores do território nacional, já que investe na apresentação de suas experiências bem 14

O grupo de trabalho que produziu a lei n. 5.692/71 foi instituído pelo decreto n. 66.600, de 20 de maio de 1970. O grupo foi composto por José de Vasconcelos, na presidência; Valnir Chagas como relator; com o auxílio dos membros Aderbal Jurema, Clélia de Freitas Capanema, Eurídes Brito da Silva, Geraldo Bastos Silva, Gildásio Amado, Magda Soares Guimarães e Nise Pires. História da Educação - RHE

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sucedidas, na apresentação de técnicas de ensino e no que é importante para a escola. Nessa propaganda, com o slogan “O professor brasileiro precisa de ESCOLA”, a revista coloca-se no lugar de um saber imprescindível para o professor e para a implantação da reforma. Ao professor em exercício explica-lhe seu próprio metier, ou melhor, um novo metier, fundado nas prescrições da reforma. Mas esse lugar é constituído pela identidade que estabelece com o próprio leitor-professor, mobilizado pelas importantes transformações em curso e que delas pode participar graças à ESCOLA, que articula suas experiências e as faz circular; apresenta informações da reforma e da escola para bem resolver seus problemas. Esse passa a ser o mote de propaganda da revista para a ampliação de seu público leitor, o público dos professores do 1º grau. Essa operação discursiva parece fundamental à medida que a revista, ao reforçar a sua destinação, suspende as diferenças de identidade entre dois corpos docentes que, desde o início da República, constituíram-se separadamente: o do professor primário e o do professor secundário. A distinção entre os dois corpos docentes, que se fez desde as tradições de formação até a hierarquia de salários, sempre esteve inscrita no próprio perfil dos periódicos a eles destinados, que procuravam apresentar as questões específicas dos diferentes níveis de ensino, assim como contemplar as competências de leitura concernentes aos dois corpos. Esse é o caso das revistas Atualidades Pedagógicas, Educação Hoje e Revista do Magistério: voltadas para o secundário e o normal, portanto para os professores dos ginásios e colégios. Também é o caso, entre outras, da Revista do Ensino e da Revista do Magistério, para os docentes do primário. A escola primária até então era a única pela qual passava a maioria dos brasileiros escolarizados. Como escola terminal, muito de seu currículo e objetivos estavam inscritos nesse fim, sendo a preparação para o secundário só uma possibilidade. Já o ensino secundário era entendido como destinado à formação das elites. Seu ponto de partida se História da Educação - RHE

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dava com a seleção estrita dos capazes a freqüentar o curso e preparava para o ensino superior. Para a escola primária, os professores eram formados nos cursos normais ou nos cursos de Pedagogia, ministrados nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Já os professores do ginásio, ou colegiais, deveriam, obrigatoriamente, ter formação nos cursos de licenciatura, ministrados nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. A lei n. 4.024/61 reforçou as diferenças de formação na medida em que, para o curso primário, os docentes poderiam ser formados pelas escolas normais ginasiais ou normais colegiais. O ensino superior ficou destinado para os docentes que atuariam nas escolas ginasiais, normais e técnicas, e nos colegiais. O novo metier, portanto, passa pela invenção de uma escola única, com um corpo único de professores destinados a ela. O fim da separação entre primário e ginásio, com o fim dos exames de admissão, transforma radicalmente a dinâmica entre os níveis de formação e as funções atribuídas a eles. A escola primária é convertida, com a lei n. 5.692/71, no primeiro ciclo de formação do aluno de 1º grau, enquanto o ginásio é convertido no seu 2º ciclo. Os ciclos deveriam, então, articular-se de modo que o primeiro preparasse os alunos para o segundo. Essa articulação colocava para os professores problemas comuns e explicitava, na prática, as diferenças entre as duas escolas, as diferenças entre as duas tradições, seja no modo de lidar com os alunos, seja no modo de trabalhar os currículos, exames e exigências. Mesmo mantendo a formação diferenciada entre os docentes que atuariam no 1º ciclo e os que atuariam no 2º ciclo15, a nova escola de 8 anos precisaria constituir um corpo comum de docentes, acomodando as diferenças. A revista ESCOLA, portanto, coloca-se como instrumento inovador que permitiria a construção desta escola cuja tradição ainda deveria ser instituída.

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A nova lei previa que a formação dos professores de primeiro ciclo poderia se dar nas escolas de magistério de segundo grau, ou no ensino superior, em duas modalidades: licenciatura curta ou licenciatura plena. Já para o segundo ciclo, a formação deveria ser feita no ensino superior, nas duas modalidades: licenciatura curta ou plena. História da Educação - RHE

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Essa operação de unificação do mercado leitor na identidade do professor é reforçada pelo repetido vínculo que a revista estabelece entre as transformações em curso que ela própria impulsiona e o seu caráter nacional, brasileiro, ligadas, portanto, à identidade de ser brasileiro, de ser um professor brasileiro. O discurso da revista investe, assim, nos mesmos termos propostos para a veiculação do ideário do regime militar. Enfim, ESCOLA e reforma confundem-se no mesmo lugar. A revista já é a Reforma, a começar pela linguagem, pois não mais se trata do ensino primário ou do ensino secundário, agora é 1 o grau. A revista inauguraria um novo público, unificando leitores pertencentes a tradições e comunidades de leituras distintas16. Esse público, já no exemplar número zero, é introduzido na “reforma do ensino” no primeiro artigo, intitulado desse modo. Na capa dessa edição há também esta chamada: “a nova lei do ensino explicada”. Desse modo, a professora-leitora encontrará na ESCOLA, na edição inaugural, quando a revista ainda não está “inteiramente pronta”, informações necessárias para se engajar na reforma. Nesta, a bem da verdade, já foi engajada e implicada em razão da confluência que a revista produz, ao reunir no mesmo lugar estes significantes: professor, reforma e ESCOLA. Esses significantes definem, precisamente, os contornos do lugar onde a revista nasce.

A fórmula editorial da revista ESCOLA A fórmula editorial segue algumas diretrizes: o atrelamento da revista à reforma proposta pela lei n. 5.692/71, como suporte de sua difusão, por meio da divulgação de sua estrutura legal, dos discursos e opiniões de seus produtores e das bases teórico-práticas de sua implantação, assim como do debate em torno dela; a adaptação da linguagem pedagógica à linguagem jornalística; a seleção de experiências 16

É interessante notar que, no relatório do grupo de trabalho que elaborou a lei n. 5.692/71, falava-se na necessidade de formação de 200 mil novos professores, além da preparação dos que estavam em atuação. Um mercado potencial bastante interessante para a editora Abril. Agradecemos a Sandra Frankfurt, por ter disponibilizado as análises ainda em andamento do material dos relatórios de produção da lei n. 5.692/71. História da Educação - RHE

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de ensino-aprendizagem bem sucedidas; a centralidade do discurso sobre a figura do professor e o seu trabalho em sala de aula17. A linguagem jornalística, que a revista destaca como sendo um grande diferencial em relação a outros periódicos educacionais, implica uma operação fundamental: a transformação da pedagogia em notícia. Notícias sobre a reforma e a sua implantação no país, notícias sobre o ato pedagógico em sala de aula, notícias sobre os problemas enfrentados pelo professor. A pedagogia converte-se em crônica do tempo presente. Nela,

os

seus

personagens

são

professores,

alunos,

diretores,

supervisores, entre outros; sem contar as autoridades do presente. O discurso da tradição pedagógica, de seus intelectuais, tende a ser substituído por estas autoridades: os “cardeais da educação”, os cardeais da reforma e os especialistas que a revista mobiliza (ESCOLA, 1973, n. 16, p. 8). O presente, definido pelos cardeais, fornece assim o enquadre do discurso pedagógico da ESCOLA. Essa crônica do tempo presente também opera com termos-chave do discurso pedagógico instituído pela tradição, mobilizando-os em seus enunciados, porém, deslocando os sentidos. Por exemplo, o significante “cardeais da educação”, até então utilizado na história da educação e no discurso pedagógico por ela concernido para designar os três ícones da difusão da Escola Nova, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, e destacar suas ações reformadoras, entendidas como marcos de mudança dessa história, é reapropriado nos usos do periódico, estabelecendo-se novos significados para o mesmo por meio da sua inserção numa outra série significante: no lugar dos “pioneiros” entram, entre outros, Valnir Chagas e padre Vasconcelos, que escreveram a lei e, como conselheiros do Conselho Federal da Educação, a implantam.

17

Essa observação é fruto de pesquisa inicial e pode sofrer revisões. De qualquer modo, coincide com a análise de conteúdo apresentada no artigo de Rosenberg e outros (1979, p. 61), no qual se destaca a alta porcentagem de artigos da revista ESCOLA, cujo assunto principal é “instrumentação metodológica”, referida ao professor em exercício. História da Educação - RHE

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Esses novos significados redesenham o passado, apagando marcos e personagens, assim como os modelos de leitura e de formação do professor-leitor estabelecidos na tradição do discurso pedagógico: no lugar de, por meio de coleções de livros e periódicos especializados, formar o professor nas Ciências da Educação, orientadoras de sua nova prática, opta-se pela pedagogia do acontecimento modelada pelo discurso jornalístico. A linguagem jornalística implica também critérios de produção das matérias. Alguns correspondem ao que na época eram evidenciados, por exemplo, no manual intitulado Técnica de jornal e periódico (1969, p. 601), de Luiz Amaral. Entre outros aspectos, ele destaca: atualidade, veracidade e interesse humano. A reforma, no caso, é um apelo ao leitor para ele se manter atualizado diante do que deverá incidir diretamente sobre a sua atuação. “Diversidade do ensino, habilitação profissional do aluno, terminalidade, treinamento de professores, obrigatoriedade de oito anos. Como fazer tudo isso?”. Essa é a pergunta do texto introdutório no primeiro artigo da revista. E a resposta é dada por “aqueles que têm a responsabilidade de implantar a reforma do ensino”. ESCOLA oferece nessa matéria “algumas opiniões importantes sobre esses problemas. Colhidos em várias regiões, formulados em diferentes níveis, tais depoimentos contribuem para esclarecer ou suscitar problemas.”18 Esse é apenas um exemplo da sintonia com o atual que a revista procura e promete para o seu leitor. A sensação de veracidade é criada por um conjunto de dispositivos, tais como: o anonimato das matérias19, que cria a impressão de neutralidade e de relação direta com os que participam como professores, diretores, autoridades de ensino, cujas falas e comentários vez por outra aparecem de forma direta e destacadas por meio de aspas; uso abundante de fotografias, que atestam as informações descritas ou apresentam as personagens nomeadas. 18 19

Cf. ESCOLA, n. 0, out./71, p. 4. Só há autoria nos editoriais e nos números especiais, como na revista ESCOLA n. 5. História da Educação - RHE

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Em relação ao terceiro aspecto, Amaral (1969, p. 61) destaca que

é preciso que a notícia fale ao leitor, que prenda sua atenção. Em seu conjunto, os homens só se interessam por eles mesmos e, portanto, a matéria tem de conter algo que lhes diga respeito. É lógica a conclusão de que um acontecimento nos retém tanto mais quanto, de uma forma ou de outra, tivermos a impressão de que dele estamos participando, e isso se chama identificação.

O interesse humano se explicita, poder-se-ia dizer, pela constante presença do leitor em suas páginas, pois o seu foco é o professor e a sala de aula, os alunos e as questões que o preocupam. Cria-se assim, como já foi evidenciado na análise da propaganda da revista, uma forte identidade entre o leitor e o impresso. Essa linguagem jornalística também implica no uso de determinados dispositivos de leitura que servem de apoio ao leitor, orientando-o, mas também controlando e dirigindo o seu olhar nas matérias em que ele se detém. Esses dispositivos são indissociáveis dos dispositivos tipográficos, como é o caso dos títulos e subtítulos colocados em diferentes posições na página (subtítulo ao lado do título, embaixo, acima); uso de pequenos textos introdutórios à maneira de um lead que resumem a matéria e são destacados em negrito, com a letra um pouco maior que a utilizada no corpo da matéria e dispostos muitas vezes como se fosse o seu primeiro parágrafo; utilização de boxes, nos quais determinado tema de uma matéria é destacado; uso de letras de diferentes tamanhos e tipos; fotos que abrem a matéria, com o título colocado logo abaixo; uso de imagens diversas (fotos, desenhos), de diferentes tamanhos, preto e branco ou a cores, nas mais variadas posições, com e sem legenda. É utilizado ainda um dispositivo para os títulos que consiste em um ou mais enunciados colocados na parte superior da página que abre a matéria e que a resumem, sendo o título apenas uma parte desses enunciados ou um deles, que se destaca porque está em caixa alta e letras maiores. Na fórmula editorial adotada, esse dispositivo parece ser História da Educação - RHE

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central porque organiza a leitura resumindo-a em enunciados ou em uma questão. O título, com os enunciados dos quais faz parte, articula-se com o texto em negrito que introduz a matéria e que se assemelha a um lead. Com freqüência, há também uma foto-temática escolhida para a abertura dos artigos. Na revista ESCOLA n. 9 (novembro de 1972, p. 14), por exemplo, há um título em caixa alta que faz parte deste enunciado: “Corrigindo uma experiência com „classes de recuperação‟ - Salvador pesquisa evasão e repetência”. Eis o lead em negrito: Se o problema da evasão e da repetência está diretamente ligado à classe social dos alunos, isso não significa que não possam ser tomadas medidas que, dentro dessa realidade, amenizem ou resolvam o problema. Isso está sendo provado em Salvador. Durante quatro anos, quinze escolas dos cinco primeiros anos do primeiro grau, da zona urbana da capital baiana, localizadas em bairros sócio-economicamente diversificados, servem de universo para uma experiência de currículo. O objetivo é descobrir quais as melhores técnicas para reduzir sensivelmente a evasão e a repetência.

Outro dispositivo de leitura é o que corresponde à divisão da revista em seções fixas, além das matérias de determinada edição. Nos 27 números observa-se um mínimo de três seções e um máximo de seis. As seções criam uma relação de familiaridade com o leitor, que em toda nova edição pode reencontrá-las, como é o caso das seções “Cartas”, “Livros”, “O professor e a lei”, “Fichário do professor”. Há também temas que são mantidos durante algumas edições e que a revista antecipa ao leitor. Esse é o caso, por exemplo, da série de reportagens sobre a situação do ensino no Brasil, em diferentes regiões.20 Outra estratégia é a dos encartes. O primeiro deles é O livro da reforma, cujo primeiro capítulo é assinado pelo Valnir Chagas, que era o

20

A primeira dessa série de reportagens sobre a situação do ensino é sobre a região Sul, na edição de outubro de 1972, e se estende por mais quatro números. História da Educação - RHE

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relator do grupo de trabalho que produziu a lei n. 5.692/71.21 Essas estratégias editoriais também correspondem ao que o manual de Amaral (idem, p. 68-9) destaca, quando se refere ao mecanismo do suíte, que “é a seqüência que se dá a uma matéria, a um assunto, às edições posteriores à divulgação do fato inicial”. Esse mecanismo ainda pode ser observado nos editoriais, assinados pelo diretor de redação Vladimir Araújo.22 Neles, às vezes, temas das edições anteriores são lembrados e vinculados a assuntos e matérias do número apresentado no editorial ou de números futuros. Uma rápida observação das capas, com amplo predomínio de imagens, uso de manchetes e chamadas para outras matérias, situam essa publicação no registro das revistas comerciais da época, em particular as da editora Abril. No interior da revista, percebe-se também a utilização dos mesmos dispositivos tipográficos e de leitura, além da presença de propaganda de anunciantes diversos (IBM, Alpargatas, Melhoramentos, Shell). Essa proximidade com as revistas comerciais, do ponto de vista da sua materialidade e da linguagem empregada, coloca a revista ESCOLA em claro contraste com periódicos educacionais da década de 1970, como é o caso de Educação Hoje, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e Didata, que são as publicações consideradas em pesquisa comparativa feita nessa década pela equipe já mencionada da Fundação Carlos Chagas (Rosenberg et al, 1979). A começar pelo tamanho, quase o dobro no caso da revista ESCOLA e se assemelhando mesmo a uma revista comercial, ao contrário daqueles periódicos, cujo formato os aproxima do livro e pela presença abundante de imagens no caso da revista da editora Abril. Esses dois aspectos já colocam o leitor, sem que necessariamente se aperceba disso, no circuito das revistas comerciais e de determinadas

21

Os encartes do Livro da reforma que foram encontrados na pesquisa realizada na revista ESCOLA foram assinados por membros do grupo de trabalho que produziu a lei n. 5.692/71. 22 Araújo se manteve do número zero ao número 20, quando foi substituído por Chico Santa Rita. História da Educação - RHE

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práticas de leitura, próprias dos momentos de lazer e menos comprometidas com exigências laborais. Leituras entrecortadas por subtítulos, boxes e imagens que permitem ao leitor saltar de uma parte a outra do texto orientado por esses e outros dispositivos de apoio à leitura. São dispositivos que incitam uma leitura exploratória, ágil e rápida, por isso mesmo não exaustiva, em textos que procuram diminuir, ao que parece, a aridez do tratamento de determinados temas, própria de boa parte da tradição dos periódicos dirigidos ao professor primário e secundário. Além disso, as questões ditas teóricas do discurso educacional, que poderiam ser de interesse do professor-leitor - e o foram na tradição discursiva da formação pedagógica instaurada pela Escola Nova - são apresentadas por meio de entrevistas com especialistas ou crônicas sobre as atividades escolares. O que é abstrato, o que não pode ser exemplificado, tende a ser proscrito na linguagem jornalística e, por conseguinte, da fórmula editorial da revista. Nos editoriais, constantes até o n. 19, de setembro de 1973, costuma-se aludir ao que é destacado nas capas, aos conteúdos das matérias dispostas no número e a uma avaliação do que é a implantação da reforma. O editorial articula-se aos enunciados dos títulos das matérias, assim como aos textos introdutórios que as resumem, ordenando as práticas de leitura esperadas para o periódico. A revista ESCOLA, apesar da sua tentativa de se atrelar às políticas educacionais do regime militar e de procurar se adaptar ao seu público, foi um fracasso do ponto de vista comercial e de seu impacto no campo educacional. Os dados disponíveis atestam esse fato: a tiragem inicial era de 67 mil exemplares, seu último número foi editado com tiragem de 25 mil exemplares (Rosenberg et al, 1979, p. 60). A própria carta do diretor de redação, quando do encerramento do periódico, em abril de 1974, afirma: “Ao suspendermos a publicação da revista ESCOLA, temos a mesma sensação frustrante do mestre que não conseguiu dar uma determinada aula por lhe faltarem os materiais História da Educação - RHE

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necessários. No nosso caso, essa interrupção é causada de um lado pelo violento aumento de custo do papel, decorrente da crise mundial de matérias primas, e de outro, pela necessidade de redefinirmos os objetivos e a política editorial da revista”. Para este estudo inicial da revista ESCOLA, várias questões sobre a sua trajetória e fracasso podem ser formuladas, tendo em vista a própria avaliação que o editor da revista faz a respeito de seus objetivos e da sua política editorial: como a revista foi recebida pelos professores do primário e do ginásio cujas práticas de leitura concerniam a outras tradições, que discriminavam claramente esses dois níveis e remetiam a fazeres profissionais específicos? O fracasso do periódico remeteria a uma resistência dos professores à própria reforma divulgada e impulsionada pela revista, com tudo o que ela implicava, como a unificação dos níveis e de tradições distintas e a abertura da escola pública, em especial o ginásio, para alunos de setores sociais que até então estiveram fora dela? A rejeição seria às novas práticas de leitura instituídas com essa fórmula editorial, com nítido perfil de revista comercial e que embaralhava fronteiras, assim apagando distinções e hierarquias que os periódicos destinados ao professor demarcavam?

Referências AMARAL, Luis. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. BERNARDES, Vânia A. M. História e memória da alfabetização: análise dos processos de elaboração do Programa Alfa. São Paulo: PUCSP. 1999. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de PósGraduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. CARVALHO, Marta M. C. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista: São Francisco, 2003. ____; TOLEDO, Maria Rita. Os sentidos da forma: análise material das coleções de Lourenço Filho e Fernando de Azevedo. In: OLIVEIRA, Marcus A. T. Cinco estudos em história e historiografia da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. História da Educação - RHE

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CERTEAU, Michel. L’invention du quotidien. 1. Arts de faire. Paris: Gallimard, 1990. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa/Rio de janeiro: Difel/Bertrand, 1990. ESCOLA. N. 0 a 27. São Paulo: Abril, 1971-1974. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 2005. JANUZZI, Gilberta S. M. Confronto pedagógico: Paulo Freire e o Mobral. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979. REVAH, Daniel (2004). Construtivismo: uma palavra no circuito do desejo. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. ROSENBERG, Lia et al. Publicações para professor: um estudo de caso. In: Cadernos de Pesquisa, São Paulo: FCG, n. 30, 1979, p. 57-64. Sítios da internet: http://www.centenariovictorcivita.com.br. http://www.abril.com.br/institucional/50anos/educacao.html. http://revistaescola.abril.com.br/fvc. DANIEL REVAH é professor adjunto do curso de Pedagogia da Unifesp (campus Guarulhos); doutor em Educação; pesquisador do Grupo de Pesquisa História Cultural da Escola e dos Saberes Pedagógicos: impressos e modelos culturais e do Centro de Estudos Avançados sobre a Educação Pública - Ceasep. Desenvolve pesquisas nos campos da filosofia da educação, história da educação e psicanálise, com foco nos discursos educacionais. Endereço: rua Professor Basileu Garcia, 95 - Pinheiros - 05410060 - São Paulo - SP. E-mail revah@uol.com.br. MARIA RITA DE ALMEIDA TOLEDO é professora adjunta no curso de História da Unifesp (campus Guarulhos); doutora em Educação: História, Política, Sociedade; coordenadora do grupo de pesquisa História Cultural da Escola e dos Saberes Pedagógicos: impressos e modelos culturais; desenvolve suas pesquisas nos campos da história da educação e da história do livro e da leitura. Endereço: rua Búlgara, 204 - Vila Ipojuca - 05057-060 - São Paulo - SP. E-mail m.rita.toledo@uol.com.br.

Recebido em 17 de agosto de 2010. Aprovado em 22 de janeiro de 2011. História da Educação - RHE

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HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E DO CURRÍCULO NO SÉCULO 20: ENSINO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO NO BRASIL

Tatiane de Freitas Ermel

 SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século 20: ensino primário e secundário no Brasil. São Paulo, Cortez, 2008. (Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira, v. 2).

O livro História da organização do trabalho escolar e do currículo no século 20: ensino primário e secundário no Brasil, de Rosa Fátima de Souza, faz parte da coleção Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira23. Composta por duas séries, a primeira é dedicada aos temas sobre educação e escolarização, a partir de registros temáticos mais amplos. Já na segunda, onde se insere o trabalho de Souza (2008), os objetos de análise fazem parte de uma ampla renovação nas práticas de pesquisa em história da educação, como por exemplo, a história da 23

Outros livros publicados pela Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira, organizada pela editora Cortez são: GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, poder e sociedade no império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. VICENTINI, Paulo Perin; LUGLI, Rosário. História da profissão docente no Brasil: representações em disputa. São Paulo: Cortez, 2009. FERRARO, Alceu Ravanello. História Inacabada do analfabetismo no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. BICCAS, Maurilane de Souza; FREITAS, Marcos Cezar de. História social da educação no Brasil 1926- 1996. São Paulo: Cortez, 2009. História da Educação - RHE

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profissionalização docente, dos currículos, dos métodos e materiais de ensino. Constituída por três partes, a primeira é dedicada à escola primária, do início do regime republicano até a modernização do ensino pela Escola Nova, nos anos 1930. A segunda, onde se faz um estudo da escola secundária, está dividida em dois segmentos: o primeiro se refere ao período da Primeira República e o segundo compreende os anos 1930 e 1960. A terceira e última parte destina-se à investigação da escola básica entre os anos 1960 e o final do século 20. Ao elaborar este trabalho, a intenção principal da autora é “reconstruir a história do ensino primário e secundário no Brasil, no século 20, adotando como eixo norteador da análise dois aspectos: o currículo e a organização do trabalho escolar” (2008, p. 11). O estudo do currículo escolar, compreendido como uma construção histórica e social, pode promover reflexões sobre “o porquê a escola ensina o que ensina?”, assim como, “que tipo de indivíduo se deseja formar?” Essas questões básicas, entre tantas outras, justificam a proposta deste trabalho. Em relação à escola elementar, a autora propõe mostrar como se consolidou o currículo moderno e seu prolongamento para a maioria da população, configurando a concepção de escola básica no final do século 20. No que diz respeito ao ensino secundário, visa demonstrar a passagem do predomínio das humanidades para uma ênfase na cultura técnica e científica. Na primeira parte, destinada ao ensino primário no início da República Brasileira, cabe salientar a ênfase dada à redefinição dos conteúdos para o ensino das crianças. Os saberes elementares, leitura, escrita e cálculo, predominantes do século 19, passam a ser insuficientes para a formação do “homem moderno”. A regeneração do povo deveria ocorrer por via da escola primária de educação integral, que englobasse o intelecto, o corpo e a alma. Proclamada a República, reformas estaduais de instrução pública se organizaram para um aumento do número de escolas e matrículas no História da Educação - RHE

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ensino primário. Os alunos foram separados em séries, a partir da segmentação de diferentes níveis de conhecimento. Os prédios escolares também foram reorganizados, sendo o modelo de grupo escolar almejado por grande parte dos Estados brasileiros. Os programas de ensino estabeleciam os conteúdos e como ensinar, criando uma série de regras para o corpo docente, acostumado até então a ministrar suas aulas com liberdade e com raras intervenções diretas dos governos dos Estados. O programa de estudo para essa escola primária deveria ser praticável, uniforme e com ênfase na educação e formação do cidadão com amor à pátria, valores cívicos e nacionalistas. As matérias como Desenho, Trabalhos Manuais, Educação Física, História, Geografia, Instrução Moral e Cívica, assim como também as práticas de festas escolares, o escotismo e o canto orfeônico configuravam o ensino primário desde período. A importância da educação integral, com ênfase no estudante, foi uma das principais marcas do Movimento pela Escola Nova, nos anos 1930, em São Paulo assim como em outros Estados do país. Na segunda parte da obra, a autora traz o estudo sobre o ensino secundário, destacando que este era restrito a um grupo social, expressando a distinção cultural de uma elite que prosseguia nos estudos superiores para a constituição de uma classe dirigente. No início do século 20, o ensino secundário foi, em grande parte, ministrado nas instituições privadas, sendo que o Estado mantinha poucos destes estabelecimentos. Havia uma predominância da formação literária em detrimento da científica. O currículo era mantido pela tradição dos colégios, lócus de cultivo das humanidades, compreendido como ensino de latim e grego (Souza, 2008, p. 92). Era dada grande importância ao domínio da linguagem oral, ou seja, o “falar bem”. Ao longo do século 20 temos a discussão constante entre a cultura literária, voltada para uma formação desinteressada das elites, e a formação de caráter científico, vislumbrada como vetor das mudanças e da modernidade. A ciência também era vista como conhecimento útil para História da Educação - RHE

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a preparação do homem para o mundo do trabalho. Segundo Souza (2008), “a partir do século 20, a supremacia da cultura clássica seria cada vez mais contestada na sociedade brasileira” (p. 105). O ensino secundário também foi contestado, nesta época, pela grande seletividade interna, exames orais e escritos, assim como por sua desarticulação com o ensino primário. No final da Primeira República há a discussão de suas finalidades, destacando a necessidade de uma reorganização geral, na busca por um equilíbrio entre os estudos literários e científicos. A cultura escolar dos ginásios fundou-se nas normas disciplinares e no mérito. Os jovens paulistas que ocupavam os ginásios, no início do século 20, eram membros de uma elite econômica e intelectual, sendo, em sua maioria, homens que aspiravam ingresso ao ensino superior, aos cargos públicos, assim como também para a administração dos bens familiares. Os colégios paulistas buscavam a equiparação ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, símbolo de qualidade de ensino secundário no Brasil. Apesar de alguns movimentos renovadores pela conciliação dos estudos científicos e literários, permanece, em linhas gerais, uma educação secundária como expressão da cultura escolar destinada a poucos. O período compreendido entre os anos 1930 e 1960 marca a consolidação e, ao mesmo tempo, uma redefinição da escola secundária no Brasil. As principais polêmicas deste período consistiam na divisão do curso secundário em ciclos, a flexibilização curricular, o ensino integral e a ênfase dada à formação clássica ou científica. Na Reforma Capanema (1942), o ensino secundário visava dar uma concepção do que era homem, o ideal de vida humana e a consciência da significação histórica da pátria. É mantido o privilégio da formação geral desinteressada, atendendo aos interesses dos grupos conservadores. Entretanto, a ação dos renovadores fazem com que a cultura científica e técnica e os valores mais utilitários ganhem força até culminarem na lei de diretrizes e bases de 1961, que elimina o Latim como disciplina obrigatória, assim como também flexibiliza o currículo. História da Educação - RHE

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Na última parte do livro, dedicada à escola básica, a autora coloca a ênfase da educação científica e técnica para o desenvolvimento brasileiro, destacando as importantes transformações nos anos 1960 e 1970. A lei de diretrizes e bases, de 1961, flexibilizou os mecanismos de controle, conferindo aos Estados a competência para organizar seus sistemas de ensino. O Conselho Federal de Educação, criado pela LDB de 1961, indicava as disciplinas obrigatórias e optativas para o ensino secundário, sendo essas últimas de natureza técnica e vocacional. De um modo geral, os anos 1960 são ainda marcados por uma resistência da educação voltada para o trabalho. As disciplinas com este tipo de orientação não desfrutavam o mesmo prestígio daquelas relacionadas à cultura geral. As iniciativas de renovar o ensino secundário, nos anos 1960, não se generalizaram, mas prepararam o terreno para as grandes mudanças em âmbito nacional na década seguinte. A reforma de 1º e 2º graus de 1971 marcou grandes transformações na cultura escolar, impactando no funcionamento das escolas e na organização didático-pedagógica do ensino elementar e médio brasileiro. Um dos aspectos mais importantes dessas mudanças foi a tentativa de eliminação

da

dualidade

do

sistema

educacional,

mediante

a

implementação de uma escola única de 1º e 2º graus, criando uma nova concepção de escola fundamental, que englobava 8 anos. Em relação ao ensino médio, a reforma institui o ensino profissionalizante obrigatório. Entretanto, uma década se passou e as inviabilidades desse propósito tornaram-se cada vez mais evidentes. Em 1982, o ensino profissional obrigatório em todas as instituições secundárias foi eliminado e criaramse dois tipos de formação: uma geral e outra profissional. De um modo geral, no fim dos anos 1970 e início dos 1980, marcados pelo processo de redemocratização do país, privilegiam-se os “saberes instrumentais para a vida social em conformidade com a sociedade urbano-industrial-tecnológica” (Souza, 2008, p. 285). Este contexto marca o deslocamento das humanidades para a cultura científica. O aumento quantitativo de alunos no ensino fundamental e História da Educação - RHE

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médio, compreendidos por muitos como a democratização da escola básica, foi acompanhado por uma série de transformações curriculares e pedagógicas. Era o momento de a escola adaptar-se ao estudante e não mais o contrário. O livro apresenta um trabalho de fôlego, ao abarcar um longo período histórico, o século 20, com tantas transformações na história geral e brasileira. Apesar de reconhecermos as muitas especificidades do país, necessitamos estudos que se proponham fazer relações entre o regional e o nacional, demarcando assim, similitudes e diferenças na história educacional. A temática desenvolvida é de interesse de muitos estudiosos dos currículos na atualidade. Portanto, saliento a sua relevância não apenas para os historiadores da educação, mas para um público mais amplo, mesmo para aqueles que não têm como foco a pesquisa histórica. Apesar de ser um trabalho denso, repleto de informações sobre a legislação e as diferentes reformas que ocorrem no Brasil, a linguagem clara facilita o entendimento. A experiência da autora24 foi fundamental para o desenvolvimento de um estudo rigoroso, que não visa responder todas as questões sobre a organização do trabalho e do currículo no século 20, mas sim ser um desencadeador de novos questionamentos e reflexões sobre a educação brasileira. Tatiane de Freitas Ermel é graduada em História e estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS. Endereço: Avenida Eduardo Prado, 1877 casa 75 - 91751-000 Porto Alegre - RS. E-mail: tati.ermel@yahoo.com.br Recebido em: 13 de dezembro de 2010. Aceito em: 27 de fevereiro de 2011.

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Rosa Fátima de Souza é professora do Departamento de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara. Autora de várias publicações, entre elas, a mais recente, Alicerces da pátria: história da escola primária no estado de São Paulo (18901976), de 2009, e outras de reconhecimento nacional como, por exemplo, Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (18901910)e Direito à educação: lutas populares pela educação em Campinas. História da Educação - RHE

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O prelúdio das campanhas de alfabetização na era Vargas: a Cruzada Nacional de Educação

 Alessandro Carvalho Bica Berenice Corsetti As primeiras décadas da chamada era Vargas podem ser caracterizadas por suas mudanças políticas, culturais, sociais ou pedagógicas. No que tange às transformações ou alterações no campo da escolarização, muitos pesquisadores tem se dedicado a pesquisas acerca dessa temática. Ademais, afirma-se que a preocupação com os rumos educacionais e os altos índices de analfabetismo da população brasileira, inflamou os discursos políticos no limiar da década de 1930. Nesta ótica, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova consolidou a visão de um segmento da intelectualidade que, embora com diferentes posições, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Neste sentido, pelo decreto n. 21.731, de 15 de agosto de 1932, a Cruzada Nacional de Educação foi declarada de utilidade pública. Considerava-se que a alfabetização se constituía no elemento básico para a solução de todos os problemas políticos e sociais do Brasil. Em seus principais artigos, o decreto instituía anualmente a Semana da Alfabetização no Brasil, durante o mês de outubro. Esta campanha mobilizou vários setores da sociedade na possibilidade de abrir mais de História da Educação - RHE

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10.000 escolas primárias em todo o Brasil. No documento que segue, pode-se observar um discurso permeado de intenções cívicas e patrióticas.

ALESSANDRO CARVALHO BICA é professor assistente e coordenador do Núcleo de Pesquisas em História da Educação Nuphe - na Universidade Federal do Pampa - campus de Bagé. Cursa doutorado em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Endereço: Travessa, 45, 1650 - 96413-170 - Bagé - RS. E-mail: alessandro.bica@unipampa.edu.br. BERENICE CORSETTI é professora no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Endereço: Avenida Unisinos, 950 - 93022-000 - São Leopoldo - RS. E-mail: cor7@terra.com.br.

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CRUZADA NACIONAL DE EDUCAÇÃO Reconhecida de utilidade publica pelo decreto n. 21.731, de 15 de agosto de 1932

CAMPANHA DO TOSTÃO PARA A ABERTURA DE 10.000 ESCOLAS PRIMÁRIAS EM TODO O BRASIL EM 19 DE ABRIL DE 1943

“DIA DO PRESIDENTE”

Largo da Carioca, 5 - 8º andar - salas 813/814 Telefone 22-2989 Rio de Janeiro

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O presidente da República inicia a Campanha do Tostão para a instalação de 10.000 escolas

O cofre de prata em que o presidente Getúlio Vargas iniciou a “Campanha do Tostão”

Com o fim de comunicar ao presidente da República o início, hoje da “campanha do tostão”, visando angariar fundos para a abertura em 1943 durante as comemorações do “Dia do Presidente” de, 10.000 escolas, estiveram, ontem no Palácio da Guanabara, os srs. Gustavo Armbrust e Romero Estelita, presidente e diretor-tesoureiro da Cruzada Nacional de Educação. Cientificando o chefe do govêrno da presença daqueles membros da Cruzada Nacional de Educação, manifestou, imediatamente, desejo de recebê-los. Os srs. Romero Estelita e Gustavo Armbrust apresentaram, então, ao presidente Getulio Vargas, um cofre de prata lavrada pedindo ao chefe da Nação que iniciasse, êle mesmo, a grande campanha que História da Educação - RHE

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terá âmbito nacional. O chefe do govêrno manifestou o seu interesse pela campanha e a sua satisfação em iniciá-la, com a sua contribuição. A Cruzada Nacional de Educação, pretendendo marcar, de maneira definitiva, o início da campanha pelo presidente da República, resolveu que o cofre, com o tostão presidencial, será enviado ao Museu Histórico. Do “Correio da Manhã” de 9 de junho de 1942.

Campanha do Tostão - Cruzada Nacional de Educação Na sua luta impenitente contra o analfabetismo, a Cruzada Nacional de Educação conseguiu, direta e indiretamente, instalar, em todo o território nacional, mais de 7.000 escolas, bem como prodigalizar a cerca de 300.00 crianças modesto e completo material didático. É, sem dúvida, um resultado bastante compensador do incessante trabalho da Cruzada Nacional de Educação, mas que, não obstante, pouco significa diante do volume de iletrados com que infelizmente, ainda conta o Brasil. Daí o plano de grandes e corajosas proporções da Cruzada Nacional de Educação traçou para o ano corrente. Basta dizer que as cifras acima, conseguidas num labor de 10 anos, a Cruzada Nacional de Educação, no seu trabalho de 1942, pensa não apenas atingir senão também sobrepujar. A Cruzada Nacional de Educação tem sido permanentemente honrada com o apoio de eminente criador do Estado Nacional. E o amparo das forças armadas. A simpatia das classes conservadoras, a compreensão dos srs. interventores federais e prefeitos municipais – representam outros tantos estímulos para que esta instituição prossiga na sua cruzada. De modo que tudo está preparado no sentido de que a Cruzada Nacional de Educação ponha em prática o seu primeiro grande plano. Primeiro grande plano, porquanto ele envolve a cooperação de todo o povo brasileiro, representando, por sua vez, a sua cooperação máxima com os poderes públicos - agora que estes intensificam seus esforços a História da Educação - RHE

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fim de solucionar o problema estensíssimo do ensino primário. Solicitando a presença do povo brasileiro na sua vasta campanha, a Cruzada Nacional de Educação solicita um auxílio a todos acessível, pede o que a todos é possível dar, pede um niquel, ao menos “um tostão” que até os pobres podem dá-lo para enriquecer, de escolas, o Brasil. É claro que isto não significa que a contribuição seja exclusivamente de um níquel. De acordo com as posses e boa vontade, cada brasileiro dará o que puder.

CAMPANHA DO TOSTÃO Para execução do plano, organizar-se-á, na metrópole de cada unidade federativa, uma Comissão composta de representantes das classes militares, conservadoras, do magistério, das classes trabalhistas e da mulher brasileira, que ficará sob a presidência de honra do Sr. Interventor Federal. Organiza-la-á o sr. Secretário da Educação ou quem suas vezes fizer. Empossada a Comissão. Começara logo a agir, solicitando: 1.º) Dos Prefeitos, a execução do plano nos municípios; 2.º) Do militar, do funcionário público e do comerciário, um níquel por semana. 3.º) Do público em geral, um níquel por semana, ao fazer compras acima de 5$000. 4.º) Coordenando as atividades das classes participantes. Nas capitais dos Estados, as importancias coletadas no comércio serão encaminhadas à associação comercial local, que as entregará ao Snr. Secretário da Educação. O mesmo acontecerá com as demais contribuições. Nos municípios, as contribuições serão encaminhadas diretamente aos Snrs. Prefeitos Municipais. A Comissão Executiva do plano poderá delegar poderes a um de seus membros para ser o tesoureiro controlador de todo o movimento. História da Educação - RHE

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O destino único das contribuições é o de pagar os vencimentos dos professores das escolas creadas, as quais começarão a funcionar no início do ano letivo de 1943. Com o propósito de homenagear a data natalícia do Sr. Presidente da República, as escolas serão inauguradas em 19 de abril de 1943.

A COOPERAÇÃO DA MULHER BRASILEIRA A abolição foi feita com o comovente e generoso concurso da mulher brasileira; e, sem esse concurso, impossível será conseguir-se a SEGUNDA ABOLIÇÃO, isto é, libertar da ignorância os analfabetos do Brasil. E a mulher brasileira, boa como o “pão branco da arca”, contribuirá, estamos certos, para essa redenção de claridade e civismo. O que pede a Cruzada Nacional de Educação às nossas patrícias? Que organizem CÍRCULOS DE SENHORAS. Duas, quatro ou seis senhoras e senhoritas, formarão o Círculo, assumindo cada uma o compromisso de levar-lhe uma amiga; de modo que o crescimento do Círculo será continuo. O Círculo de Senhoras terá a sua diretoria e se reunirá semanal ou quinzenalmente. Em casa reunião, cada membro contribuirá com um níquel. A quantia arrecadada deverá ser entregue, nas metrópoles, à Comissão Executiva do Plano e, nos municípios, aos srs. Prefeitos. O destino das coletas é sempre o mesmo: o pagamento dos mestres das novas classes para analfabetos. Seria belo que as damas dos Círculos usassem um distintivo, por exemplo: uma fita com as cores nacionais. Levando-se ainda em conta a vocação professoral da mulher, decorrente de sua sagrada destinação materna, a Cruzada Nacional de Educação de Educação espera ainda da mulher brasileira que toda aquela que tiver gosto de dar uma honra à Patria e à Cultura, fique encarregada, de dia ou de noite, do ensino de um analfabeto.

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A COOPERAÇÃO DA JUVENTUDE A radiosa juventude do Brasil será, também mobilizada. A juventude que estuda, as gerações juveníssimas dos colegios primários e secundários, terá o seu consideravel quinhão de trabalho. Nossa mensagem impressionará suas sensíveis almas-antenas e a gente nova do Brasil se colocará ao lado da Cruzada Nacional de Educação. Pelo decreto n. 21.731, de 15 de agosto de 1932, a Cruzada Nacional de Educação está autorizada a movimentar, de 12 a 19 de outubro de cada ano, uma campanha financeira em toda a extensão do país. Este ano, pede aos jovens que tomem esta semana para si; e que, sabendo que vão pedir para dar, batam de porta em porta e peçam; peçam um níquel - um tostão ao menos - peçam-no para a Pátria e para que a terra do Brasil fique luminosamente semeada de escolas. Aos jovens que mais se distinguirem devem ser conferidos prêmios. Poderá ainda a nossa juventude estudiosa encarregar-se do ensino individual do vizinho, do parente ou do serviçal analfabeto. E, com a sua delicada persuasão, lembrar aos pais a dádiva de um níquel, quando forem fazer, estes, as suas compras. Assim, feitos cruzados de uma causa tão nobre e tão grande, deverão eles, os jovens do Brasil - e a Cruzada Nacional de Educação pede aos seus mestres que os organizem e os incentivem - usar um distintivo, (por exemplo: um pequeno laço de fita com as côres nacionais) que seja a marca de sua adesão, o sinal de sua adesão, o sinal de que estão conosco, a prova de que em plena juventude em flor, já encararam, seriamente, os graves problemas da nacionalidade.

A COOPERAÇÃO DOS PREFEITOS MUNICIPAIS Procura a Cruzada Nacional de Educação, pois, mobilizar todas as forças vivas do país e quem as comanda, no município - é o prefeito.

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Sem o apoio dos prefeitos municipais é, por isso mesmo, quase certo o fracasso da campanha; por outro lado, duvidar de seu apoio é impossível. E é impossível por dois motivos claros e irrespondíveis: 1.º) Todos eles estão verdadeiramente empenhados em abrir o maior número possível de escolas. 2.º) Cercando-se do concurso material do povo, a tarefa ser-lhes-à notoriamente simplificada. Na presente campanha, a Cruzada Nacional de Educação faz recair, como uma homenagem, nas mãos desses ativos brasileiros, a tarefa de organizar e presidir a Comissão que controlará os trabalhos dentro do município. Exige ela, sem dúvida, um enorme coeficiente de esforço e devotamento. Contudo, não lhes faltará um galardão: o reconhecimento da Pátria, vibrando nas escolas abetas, no tumulto fecundo das aulas, na vida nova das crianças aprendendo. Como já ficou esclarecido, cabe, ainda, aos srs. prefeitos, recolher os totais coletados: para as suas mãos vão convergir as importâncias colhidas em todo o território municipal. De acordo com o total recebido, verificar-se-á em janeiro de 1943, quantas escolas poderão ser criadas, para serem, como se sabe, postas a funcionar no começo do ano letivo, mas só inauguradas no “Dia do Presidente” isto é a 19 de abril de 1943. Este plano foi traçado, apenas, em suas linhas gerais. Está visto que ele poderá sofrer as modificações julgadas necessárias e aplicáveis ao meio ambiente de cada município. A Cruzada Nacional de Educação espera, também, que os chefes de nossas edilidades abram, pelos cofres municipais, o maior número possível de escolas no inicio do próximo ano e que as inaugurem na data natalícia do presidente Getúlio Vargas, notificando o fato aniversariante.

A COOPERAÇÃO DO COMÉRCIO Para dar uma idéia do quanto se poderia conseguir, sem sacrifício, apenas com a boa vontade do povo brasileiro, diremos o seguinte: História da Educação - RHE

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Calculando-se em quatro milhões o número de pessoas que, diariamente, fazem uma compra no comércio, e que todos contribuíssem com 100 réis, teríamos uma renda diária de 400 contos de réis, mensal de 12 mil contos e anual de 144 mil contos. Com esta importância poder-seia dar instrução e educação a mais de 2 milhões de crianças. A

Cruzada

Nacional

de

Educação

pede,

entretanto,

essa

contribuição mínima - uma vez por semana. Necessário é, outrossim, atentar no seguinte: não basta a boa vontade de quem compra; é igualmente, indispensável a boa vontade de quem vende. Assim, o êxito da campanha depende, em grande parte, do compenetrado idealismo de empregados e empregadores.

COOPERAÇÃO DAS CLASSES MILITARES Abre-se este capítulo, não para sugerir uma cooperação, mas para citar um exemplo. O exemplo das classes militares, de há muito cooperadoras da Cruzada Nacional de Educação. Podemos afirmar que, com a contribuição mensal de quinhentos réis per capita, a Escola Militar, o 1º Regimento de Cavalaria, o 2º Batalhão de Caçadores, o 1º Grupo de Obuzes, a Escola Naval, O Corpo de Fuzileiros Navais, a Diretoria de Saúde da Armada, a Escola de Aeronáutica, a Policia Militar e o Corpo de Bombeiros, mantêm escolas, da Cruzada Nacional de Educação com uma matrícula superior a mil creanças. Um exemplo, realmente. Um exemplo da eficácia do plano da campanha popular por meio do níquel, que é dado pelas nossas gloriosas forças de terra, mar e ar.

CONCLUSÃO Extinguir o analfabetismo - eis o alvo da Cruzada Nacional de Educação. Extinguir o analfabetismo e, conseqüentemente, elevar o nível cultural das massas, dignificá-las pela educação e pela consciência de História da Educação - RHE

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sua individualidade, para que cresça a força do Brasil, a força espiritual do Brasil, baluarte de sua grandeza. Com o auxílio de Deus e a coadjuvação dos brasileiros de boa vontade, a Cruzada Nacional de Educação espera ver inauguradas dez mil escolas primárias, no dia 19 de abril de 1943, data natalícia do presidente Getúlio Vargas.

Cruzada Nacional de Educação Dr. Gustavo Armbrust presidente

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Revista História da Educação Orientações aos colaboradores A Revista História da Educação - RHE, mantida pela Associação Sul-RioGrandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS - é publicada desde 1997. Já foram disponibilizados 32 números, que contaram com a participação de autores nacionais e estrangeiros. A RHE é apresentada em formato eletrônico. O processo de submissão, avaliação, edição e publicação é feito por meio do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas - Seer/OJS, hospedado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no endereço http://seer.ufrgs.br/asphe. A revista encontra-se indexada na base de dados Qualis/Capes, como “periódico B1” (Educação): http://qualis.capes.gov.br/webqualis, no Sistema Regional de Información em Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - Latindex: http:/latindex.unam.mx/buscador/ficRev.html?folio=19560& opcion=1, no Seer/Ibict - http://www.ibict.br e em Sumários.org: http://www.sumários. org/revista.asp?id_revista=393&idarea=5. São aceitos para publicação, em regime de fluxo contínuo: a) artigos relacionados à história e historiografia da educação, originados de estudos teóricos, pesquisas, reflexões metodológicas e discussões em geral, pertinentes ao campo historiográfico; b) trabalhos encomendados e traduções; c)

resenhas, no âmbito das quais espera-se a apresentação do conteúdo e comentários acerca de publicações recentes ou obras reconhecidas academicamente;

d) documentos, materiais considerados importantes e de difícil acesso que possam servir de subsídio para estudos. O texto deve ser inédito, de autores brasileiros ou estrangeiros e escritos em língua portuguesa ou espanhola. O texto recebido será submetido, anonimamente, a dois integrantes da comissão editorial ou a pareceristas ad hoc, sendo necessária a dupla aprovação para a sua publicação. No caso de divergência entre os pareceres, o texto será encaminhado para um terceiro parecerista. Os critérios para seleção de textos levam em conta: a) aspectos formais do texto; b) atualidade e relevância da temática; c) originalidade e ineditismo; d) indicação clara dos objetivos, e) metodologia da pesquisa, f) discussão teórica atualizada; g) adequação da bibliografia; h) relevância dos documentos a publicar ou a anexar. As traduções devem se fazer acompanhar de autorização do autor e da editora pela qual, eventualmente, já tenham sido publicadas.

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182 Somente serão aceitos textos apresentados com as configurações que seguem. Textos que não atenderem a esse padrão serão, automaticamente, recusados. a) O texto deve ser enviado, exclusivamente, por meio eletrônico disponível no portal da revista: http://seer.ufrgs.br/asphe; b) o arquivo deve ser enviado em formato Word for Windows, com as seguintes configurações: fonte Arial, tamanho 12, margem esquerda com 4cm, margens superior, inferior e direita com 3cm, espaço entrelinhas 1,5 e parágrafo com 1cm. Não insira sinais, símbolos, tabulações ou marcadores; c) para artigos e ensaios, sem contar o resumo, a extensão máxima do texto deve ser de 60.000 caracteres, com espaços. Para resenhas, a extensão máxima deve ser de 17.000 caracteres, com espaços; d) o texto, necessariamente, deve conter: - título em português, espanhol, inglês e francês, centralizado e em maiúsculas; - nome do autor, centralizado; - resumo e palavras-chave em português, espanhol, inglês e francês. Cada resumo com, no máximo, 800 caracteres, com espaços; - ao final do texto deve constar informação acerca do autor (breve nota biográfica, vinculação institucional, endereço postal completo e e-mail); e) o uso de ilustrações deve restringir-se ao estritamente necessário e imprescindível. Quando for o caso, devem ter sua posição definida no texto pelo autor, com a devida numeração, titulação e apresentação das referências que lhes correspondem. As imagens devem ser enviadas em arquivos separados, em formato JPEG, e com definição de 300 DPI. Se julgadas imprescindíveis, as ilustrações serão publicadas em preto e branco. f) as citações devem seguir os seguintes critérios: - citações textuais de até três linhas devem ser incorporadas ao parágrafo, transcritas entre “aspas”, seguidas do sobrenome do autor da citação, ano da publicação e número da página, entre parênteses. Exemplo: (Lourenço Filho, 1955, p. 30); - citações textuais com mais de três linhas devem aparecer em destaque em um outro parágrafo, com recuo de 4cm na margem esquerda, fonte em tamanho 11, sem “aspas”, seguidas do sobrenome do autor da citação, ano da publicação e número da página, entre parênteses. Exemplo: (Lourenço Filho, 1950, p. 343); g) das referências devem constar nome do autor, título da obra em itálico, cidade da editora, nome da editora, ano de publicação. Exemplos: - obra completa: CAMBI, Franco. História da educação. São Paulo: Unesp, 1999. - capítulo de livro: WERLE, Flávia Obino Corrêa. História das instituições escolares: de que se fala? In: LOMBARDI, José Claudinei; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (orgs.). Fontes, história e historiografia da educação. Campinas: Autores Associados, 2004, p. 13-35. - tese: PERES, Eliane Teresinha. Aprendendo formas de pensar, de sentir e de agir: a escola como oficina da vida - discursos pedagógicos e práticas escolares da História da Educação - RHE

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183 escola pública primária gaúcha (1909-1959). Belo Horizonte: UFMG, 2000. 493f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. - texto publicado em anais de evento: GERTZ, René. A nacionalização do Rio Grande do Sul durante o Estado Novo. REUNIÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PESQUISA HISTÓRICA, 11, 1991, São Paulo. Anais ... São Paulo: SBPH, 1991, p. 311-317. - texto disponível na web: PACHECO, Graciema. Entrevista a William B. Gomes. Porto Alegre, 4 abr. 1991. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/museupsi/ graciema.htm>. Acesso em: 14 set. 2005. - artigo publicado em revista: WEINMANN, Amadeu de Oliveira. O conceito de acontecimento na pesquisa em história da educação. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre: Ufrgs, v. 28, n. 1, jan./jul. 2003, p. 49-63. l) As notas de rodapé devem ser apresentadas ao longo do texto, com numeração consecutiva e devem ter caráter explicativo. l) Em resenhas, deve-se efetuar estudo de textos recentemente publicados ou de obras consideradas clássicas na área. No texto da resenha deve constar: referência bibliográfica completa da obra, descrição sumária da sua estrutura, indicação do conteúdo geral e tópicos fundamentais, dados biobibliográficos do autor, análise das idéias contidas na obra; m) os documentos devem ser transcritos, buscando-se preservar, tanto quanto possível, as características originais. Deve-se informar, pelo menos, referência bibliográfica completa e localização do mesmo (arquivo, bibioteca); n) a correção ortográfica e gramatical do texto cabe aos autores; o) os editores farão alterações que julgarem necessárias no texto, com vistas a adequá-los ao padrão editorial revista; p) a colaboração para com a RHE/Asphe é gratuita e não implica em vínculo de qualquer natureza com a revista ou com a Asphe; q) os textos publicados representam a expressão do ponto do vista de seus autores e não a posição oficial da RHE/Asphe. Endereço para contato: rhe.asphe@gmail.com http://seer.ufrgs.br/asphe (55)3221-1134

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REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Publicação quadrimestral da Associação SulRio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação Asphe

http://seer.ufrgs.br/asphe

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