Revista História da Educação - RHE

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ISSN 1414-3518 e-ISSN 2236-3459

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO v. 15, n. 34, maio/ago. 2011

História da Educação - RHE

v. 15

Imagem da capa: Rembrandt Harmensz van Rijn (1606-1669):

n. 34

Maio /ago. 2011

Tito estudando (1655).

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ISSN 1414-3518 e-ISSN 2236-3459

v. 15, n, 34, maio/ago. 2011

REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Publicação quadrimestral da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS

História da Educação - RHE

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Maio /ago. 2011

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REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Publicação quadrimestral da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe http://seer.ufrgs.br/asphe Editores Maria Helena Camara Bastos Maria Stephanou Claudemir de Quadros

Submissões As submissões de textos devem ser feitas no endereço www.seer.ufrgs.br/asphe. © Direitos autorais Os direitos autorais dos textos publicados pertencem à revista História da Educação.

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Consultores ad hoc Giani Rabelo - Unesc Luciane Sgarbi Santos Grazziotin - Unisinos Terciane Luchese - UCS

História da educação / Associação Sul-RioGrandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe, v. 15, n. 33 (jan./abr. 2011) - Porto Alegre: Asphe. Quadrimestral. ISSN 1414-3518 v. 1, n. 1, abr. 1997

Escopo A Revista História da Educação é uma publicação quadrimestral da Associação SulRio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe - que tem como finalidade disseminar conhecimentos relacionados à história da educação.

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1. História da Educação - periódico I. Asphe. CDD: 370-5.

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Associação Sul-Rio-Grandende de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS Associação criada em 11 de dezembro de 1995, em São Leopoldo/RS, que tem por finalidade promover estudos e disseminação de informações relacionadas à história da educação. http://www.asphe.com.br

Diretoria (2009-2011) Maria Stephanou - presidente, Ufrgs Claudemir de Quadros - vice-presidente, UFSM Carla Gastaud - secretário geral, UFPel

Conselho Fiscal (2009-2011) Giani Rabelo - Unesc Luciane Sgarbi Santos Grazziotin - Unisinos Rita de Cássia Grecco dos Santos - Furg

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SUMÁRIO

Editorial .............................................................................. 7 A escola, a família e o Estado: uma aproximação histórica de suas relações School, family and the state: a historical approach to its relations Pierre Caspard .................................................................... 9 Desarrollo de la educación parvularia en Chile Preschool education development in Chile Jaime Caiceo ..................................................................... 21 Educação colonial em Pernambuco: um estudo de caso Luiz Gustavo Lima Freire ................................................... 44 O periódico A palavra como possibilidade de estudo da Associação Católica de Professores Adriana Duarte Leon .......................................................... 57 Do tribalismo disciplinar ao novo paradigma do trabalho docente José Gregório Viegas Brás Maria Neves Gonçalves ..................................................... 77 Representações acerca da mulher-professora: entre relatos históricos e discursos atuais Milena Cristina Aragão Lúcio Kreutz ....................................................................... 105

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Considerações sobre a história do ensino da literatura infantil nos cursos normais no Brasil: o pioneirismo de Bárbara Vasconcelos de Carvalho Fernando Rodrigues de Oliveira ......................................... 122 A expansão e a eficiência da escola rural em São Paulo: atuação e posicionamentos de Almeida Jr. a partir de estatísticas oficiais Luciana Maria Viviani Natália de Lacerda Gil ........................................................ 140

Resenha A narrativa histórica e as discussões historiográficas Diogo da Silva Roiz ............................................................ 164

Documento Manifesto dos professores públicos de instrução primária da Corte (1871) Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos ......................... 170 Orientações aos colaboradores ......................................... 191

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EDITORIAL

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No número anterior, foi anunciado o novo web site da revista http://seer.ufrgs.br/asphe, tornado possível pelo apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Essa iniciativa permitiu maior visibilidade e um aumento significativo de consultas ao periódico, que passou a ser monitorado por meio do google analytics. Cabe destacar, também, que o texto da revista foi disponibilizado em três

sites

de

compartilhamento

de

arquivos:

www.scribd.com,

www.calameo.com e www.issuu.com. A título de exemplo, no período de 6 de junho a 6 de julho de 2001, apenas no scribd.com, a revista teve 2.218 leituras. Em abril, a Asphe lançou a programação do 17º Encontro da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, com a temática campos e fronteiras. O evento será realizado na Universidade Federal de Santa Maria - UFSM -, em Santa Maria/RS, nos dias 12 a 14 de setembro. A programação e as informações podem ser obtidas no site www.asphe.com.br. O número 34 da RHE conta com colaborações de autores da França, Portugal e Chile, assim como de outros Estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Destaca-se a publicação do documento Manifesto dos professores públicos de instrução primária da Corte (1871). Na apresentação do documento,

Daniel

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aponta n. 34

que

manifestos

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importantes marcos na história da educação brasileira. Alguns lançaram movimentos, outros buscaram constituir identidades e, outros ainda, incentivaram a organização e o agrupamento dos signatários em torno de idéias, projetos e visões de mundo. Pode-se afirmar, também, que esse manifesto é uma importante contribuição para os estudos acerca da profissionalização docente no Brasil. Nesse sentido, cabe destacar os textos de José Gregório Viegas Brás, Maria Neves Gonçalves, Adriana Duarte Leon, Milena Cristina Aragão e Lúcio Kreutz que, de diferentes modos, pautam a temática profissão docente. Assim, em alguma medida, a leitura desses textos pode suscitar questões acerca de uma temática importante: como chegamos a ser os professores que somos.

Os editores.

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A ESCOLA, A FAMÍLIA E O ESTADO: UMA APROXIMAÇÃO HISTÓRICA DE SUAS RELAÇÕES

Pierre Caspard Tradução de Maria Helena Camara Bastos

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Resumo A história do ensino destaca, particularmente na França, o papel sucessivo de dois grandes atores institucionais: Igreja e Estado. Esse artigo sublinha, ao contrário, a ação das famílias, do século 16 ao 19, nos diferentes níveis de ensino: primário, secundário, técnico. Conclui pela necessidade de explorar as fontes disponíveis para reavaliar essa ação, a fim de lhe dar o justo lugar na dimensão sociocultural da história do ensino e, também, para melhor compreender as razões de alguns dos maiores problemas encontrados hoje no sistema educativo francês. Palavras-chaves: história sociocultural, sistema escolar, longa duração, França, educação familiar.

SCHOOL, FAMILY AND THE STATE: A HISTORICAL APPROACH TO ITS RELATIONS Abstract The historiography of education focused, particularly in France, the role of two successive major institutional players: the church and state. This article draws attention to the work of families, the sixteenth to the nineteenth century, the different levels of education: primary, secondary, technical. It concludes with the need to exploit the available sources to reassess this action to give its proper place in the socio-cultural dimension of the history of education, and also to História da Educação - RHE

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better understand why some major problems today by the French educational system. Keywords: cultural studies, school system, long term, France, status, family education. ESCUELA, FAMILIA Y ESTADO: UMA APROXIMACIÓN HISTORICA DE SUS RELACIONES Resumen La historiografía de la educación se centró, sobre todo en Francia, el papel de dos períodos consecutivos de los actores institucionales principales: la Iglesia y el Estado. En este artículo se hace hincapié en la labor de las familias, el siglo 16 hasta el siglo 19, los diferentes niveles de educación: primaria, secundaria, técnica. Se concluye con la necesidad de explotar los recursos disponibles para reevaluar esta acción para dar a su propio lugar en la dimensión socio-cultural de la historia de la educación, y también para comprender mejor por qué algunos problemas importantes en la actualidad por el sistema educativo francés. Palabras clave: estudios culturales, sistema escolar, largo plazo, Francia, Estado, educación familiar. L’ECOLE, LA FAMILLE ET L’ETAT: UN APERÇU HISTORIQUE DE LEURS RAPPORTS Résume L‟historiographie de l‟enseignement met l‟accent, particulièrement en France, sur le rôle successif de deux grands acteurs institutionnels : l‟Église et l‟État. Cet article souligne au contraire l‟action des familles, du 16ème au 19ème siècle, aux différents niveaux de l‟enseignement : primaire, secondaire, technique. Il conclut sur la nécessité d‟exploiter les sources disponibles pour réévaluer cette action, afin de donner sa juste place à la dimension socioculturelle de l‟histoire de l‟enseignement, et aussi de mieux comprendre les raisons de quelques problèmes majeurs rencontrés aujourd‟hui par le système éducatif français. Mots-clés: histoire socioculturelle, système scolaire, longue durée, France, état, éducation familiale.

Como atores da instrução pública, as famílias e o Estado mantêm relações complexas, que não são fáceis de documentar historicamente e que são hoje, na França ao menos, problemáticas. Desde muito tempo, as famílias têm o recurso de beneficiar seus próprios filhos de uma instrução que lhes permita ter uma vantagem comparativa sobre o mercado de trabalho ou de emprego. O Estado, ao contrário, faz da igualdade das chances, depois dos resultados escolares, um objetivo História da Educação - RHE

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maior de sua política educativa, ao menos no nível do discurso e das intenções fixadas1. Entre esses dois objetivos existem contradições ou compatibilidades? Colocar essa questão conduz a se interessar pelo papel que têm, respectivamente, exercido a família e o Estado na instrução dos franceses e a esboçar a evolução de suas contribuições em longa duração. As análises do papel respectivo do Estado e das famílias nos últimos séculos, antes e depois da instauração, nos anos de 1880, de uma escola republicana ostensivamente portadora de uma ideologia da meritocracia escolar, chamada retrospectivamente elitismo republicano, sofrem de diversos viéses e aproximações. Por um lado, isso decorre do considerável desequilíbrio existente entre as fontes históricas disponíveis sobre a implicação do Estado, de seus administradores e intelectuais orgânicos, e, por outro, o das famílias. Os primeiros são massivos, sistemáticos e eles mesmos portadores de discursos autojustificativos. Os segundos são raros, estóicos e geralmente desprovidos de toda dimensão discursiva. O papel das famílias e da sua racionalidade seria, portanto, muito menor2.

A família e a instrução Contrariamente ao estereótipo dominante, não é nem a Igreja e nem o Estado que têm historicamente incitado as famílias a instruir seus filhos. Isso se aplica a todos os três níveis que podemos distinguir no atual sistema escolar em curso.

1

2

Os responsáveis políticos, as mídias e os pesquisadores em educação colocam, majoritariamente, no primeiro lugar dos objetivos da escola a igualdade dos resultados escolares entre todos os alunos, qual seja, sua origem sociocultural e a implicação de suas famílias. Dessa forma, os comentários dos testes Pisa acentuam sistematicamente a desigualdade de resultados dos alunos escolarizados nas escolas francesas, comparados aos modelos mais igualitários, que seriam a Finlândia ou a Coréia do Sul. Cf. BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L’élitisme républicain: l‟école française à l‟épreuve des comparaisons internationales. Paris: Le Seuil/République des Idées, 2009. CASPARD, Pierre. Estado e indivíduo na história da educação: problemas de fontes e de metodologia. In: História da educação brasileira: a ótica dos pesquisadores. Brasília: Inep, 1994, p. 12-19. História da Educação - RHE

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1) Ler, escrever, contar Desde a Antiguidade, o controle desses saberes práticos, que são a leitura, a escrita e o cálculo, foi considerado pelas famílias como uma competência em que a aquisição justificava o investimento de um mínimo de tempo ou de dinheiro, pois poderiam ser úteis, tanto na vida social, quanto na profissional. Do primeiro século da nossa era, e antecipando as modernas teorias do capital humano, o retórico Quintiliano já escrevia que a criança pequena é capaz de fazer qualquer coisa e, por isso, o mais interessante seria utilizar seu tempo para lhe ensinar a ler, pois isso seria para ela um lucrum (pequeno ganho), útil para toda sua vida3. Naturalmente, a leitura e a escrita não são úteis apenas nos meios onde a vida social e econômica a justifique ou o desenvolvimento do Ocidente na Idade Média é tal, que um número crescente de famílias se interessou por elas. No século 15, um simples artesão da pequena cidade de Albi escreveu que, graças à instrução elementar que deu ao seu filho, “toda sua vida será melhor”4. No século 16, um reformador protestante chamado Guillaume Farel sustenta que “em qualquer estado [socioprofissional] que esteja o homem, o conhecimento de muitas coisas lhe servirá”5, formulando um ideal que penetra de modo intenso em vários grupos da sociedade. Até o final do século 18, o dispositivo que permite assegurar as formas de instrução, que qualifica hoje o “primário” ou “elementar”, repousa especialmente sobre as famílias, uma vez que são estas que asseguram

as

aprendizagens6,

porque

definem

e

controlam

as

modalidades de ensino que lhes convém, pagando os professores aos 3

Citado em CASPARD, Pierre. La Infancia, la adolescencia, la juventud: para una economía política de las edades desde la época moderna. In: MOCTEZUMA, L. Martinez (dir.). La Infancia y la cultura escrita. México: Siglo Veintiuno, 2001, p. 77101. 4 Citado em CASPARD, Pierre. Pour une histoire micro-économique de l‟éducation. Annali di storia dell’educazione, v. 12, 2005, p. 171-175. 5 Ibid. 6 e e FRIJHOFF, Willem (dir.). Autodidaxies, XVI -XIX siècles. Histoire de l’éducation, n. 70, maio, 1996. História da Educação - RHE

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quais confiam seus filhos. A idéia de que os mestres de escola são humildes auxiliares dos padres, principalmente e mesmo exclusivamente preocupados em os ajudar à catequizar e doutrinar os alunos, é muito errônea. É suficiente, para convencer, levar em conta os testemunhos desses regentes ou das comunidades, urbanas ou rurais, que os pagam. Há a aspiração, muito laica, que tem as famílias de dar aos seus filhos uma instrução que lhes seja útil na sua futura vida profissional e social7. No que diz respeito à leitura, a aprendizagem dentro da própria família não é a única. Desde o final da Idade Média, a representação de Santa Ana, que ensina Maria a ler, é um padrão que permeia as igrejas ocidentais (e além), que testemunha uma prática que claramente faz sentido para todos os seus fiéis. Muito mais raro, mas traduzindo a mesma idéia, é a representação de São José ensinando Jesus a ler. O papel privilegiado dado à mãe nessa iconografia de grande público reflete, de qualquer maneira, a realidade das práticas de ensino familiar da leitura, tal qual conhecemos por outras fontes. A figura da mãe, professora primária, estende-se para além da iconografia religiosa, como testemunham as pinturas ou as gravuras das mães de família ocupadas em instruir seus filhos, rapazes ou moças. Os

numerosos

testemunhos

precisam

a

importância

e

as

modalidades dessas aprendizagens familiares, inclusive nos meios populares, entre os artesãos e camponeses inseridos na economia de mercado. Um simples operário têxtil da região de Mans pode constatar, em 1808, que desde o fim do século 16 “todos seus ancestrais sabem ler e escrever”, apesar da ausência de escola na pequena cidade onde vivem, e tira o seguinte conselho: “Siga meu exemplo: eu ensinei a ler e a escrever meus filhos; meu pai tinha feito o mesmo comigo: faça o mesmo!”8. Na mesma época, nos Alpes franceses, as práticas de 7

8

Ver, por exemplo, o testemunho muito explícito dado pelo diário de um regente de escola do fim do Antigo Regime: BERNET, Jacques. Le journal d’un maître d’école d’Île-de-France, 1771-1792: Silly-en-Multien, de l’Ancien Régime à la Révolution. Lille: Presses Universitaires du Septentrion, 2000. FILLON, Anne. Louis Simon: villageois de l‟Ancienne France. Rennes: Ouest-France, 1996. História da Educação - RHE

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autodidática familiar são comuns em vários lugares, por exemplo, os famosos Montagnons do Jura suíço, que Jean-Jacques Rousseau se encantou, em Lettre à d’Alembert (1758), dizendo que eles sabem tudo, sem terem aprendido nada na escola. É que, para o uso prático deles, nessa época, o ensino dos rudimentos

às

crianças

normalmente

dotadas,

não

apresentava

dificuldades que os escritos dos teóricos e dos pedagogos puderam, posteriormente, deixar crer. Nascido em 1718, um habitante de Troyes, na Champagne9, conta que a doméstica que lhe ensinou a ler, em um resumo de história santa, era ela mesma analfabeta: “Ela me obrigou a recomeçar cada frase, quando não conseguia compreender o seu significado, me trouxe até aqui para sentir, por si só”10. Aprender a escrever e a calcular são os saberes práticos aos quais podem igualmente ser exercidos em família, com a ajuda eventual de algum parente ou amigo suficientemente instruído e disponível. A ortografia também pode ser aprendida em família pelos processos tradicionais: a cópia e o ditado11. No entanto, com a ênfase crescente sobre a gramática, a partir da metade do século 18, a aprendizagem dos princípios ortográficos torna-se mais complexa e contribuirá para a transferência da responsabilidade à escola primária que fará, no século 19, sua disciplina de predileção12.

2) A formação profissional As aprendizagens técnicas e profissionais se operam, tradicionalmente, no seio da família. E, claro, massivamente no caso dos camponeses, mas também com os artesãos ou em inúmeras profissões de serviço (notários, estalageiros, regentes de escola). A hereditariedade 9

Champagne: região a leste da Ile de France. Pierre-Jean Grosley: Vie de Grosley, écrite par lui-même, Londres-Paris, 1787. 11 CASPARD, Pierre. L‟orthographe et la dictée: problèmes de périodisation d‟un e e apprentissage (XVII -XIX siècles). Le cartable de Clio, n. 4, 2004, p. 255-264. Consultável na internet. 12 e e CHERVEL, André. Histoire de l’enseignement du français du XVII au XX siècle. Paris: Retz, 2006. 10

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profissional é considerada como natural nas sociedades antigas. É o que os historiadores qualificam com o termo de endotecnia13 que, como a aprendizagem da leitura, é também objeto de representações edificantes, expostas à vista das grandes massas de fiéis, refletindo suas práticas: tal como a representação de São José ensinando a Jesus o ofício de carpinteiro. A transmissão de competências profissionais e movimentos técnicos também poderão ser gradualmente terceirizados: aprendizagem com um mestre, tour de France des Compagnons, escolas técnicas de diversos tipos. Assim, as escolas gratuitas de desenho se multiplicam na segunda metade do século 18, pela iniciativa das municipalidades ou de mecenas. Em 1793, pode-se contar na França mais de cinquenta, escolarizando milhares de adolescentes14: é que o desenho técnico, de arte ou ornamental, enriquece a prática de numerosos ofícios do artesanato e da indústria, no trabalho de madeira, tecidos, pedra. Seus ensinamentos racionais não possibilitam práticas de autodidática familiar, que se marginalizam.

3) O nível secundário Mais distante dos rudimentos e da formação profissional, outros ensinos e aprendizagens podem igualmente serem assegurados na família, sem qualquer controle institucional. É o caso da geografia, da história ou da literatura, acessíveis pela leitura pessoal ou coletiva (em velhas) obras científicas ou populares, assim como da literatura de colportagem divulgada, desde o fim do século 17 na zona rural francesa, em brochuras que abordam temas literários, científicos e religiosos muito variados15.

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Endotecnia: transmissão interna, especialmente nas famílias, de um saber técnico. e LAHALLE, Agnès, Les écoles de dessin au XVIII siècle: entre arts libéraux et arts mécaniques. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2006. 15 CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger (dir.). Histoire de la lecture dans le monde occidental. Paris: Seuil, 2001. 14

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Um pouco mais árduo que as quatro operações, a aritmética útil aos comerciantes, aos comissionados ou aos agrimensores, pode ser ensinada por professores particulares, que são numerosos nas vilas e cidades. Por outro lado, as línguas estrangeiras não são de utilidade, a não ser para uma parcela de grandes negociantes ou de diplomatas, que recorrem aos professores de línguas. Mas nas áreas de fronteira, a língua do outro, flamengo, alemão, italiano, pode ser aprendida por meio de trocas que praticam as famílias entre seus filhos, de um lado a outro da fronteira linguística. Essas trocas se multiplicam entre o fim da Idade Média e o início do século 19, penetrando grandemente nos meios em que há a circulação de homens e mercadorias16. Finalmente, só o ensino de latim e das humanidades que não está assegurado que por instituições escolares especificamente dedicadas. Se inspirando no exemplo antigo, que se prolonga na Idade Média, os colégios de humanidades se organizam e se multiplicam na França durante o século 16, por iniciativa das cidades que, em seguida, os confiarão, em grande parte, às congregações ensinantes - jesuítas e oratorianos. São esses colégios, depois liceus que, ampliando sua vocação inicial e decorrente das transformações mais ou menos profundas na sua organização, seus métodos e do pessoal que empregam, anexarão progressivamente, na época contemporânea, o conjunto dos conhecimentos literários, científicos e técnicos que haviam sido, anteriormente, realizados por outros atores e outras instituições. A história das disciplinas escolares, que se desenvolve na França há trinta anos, tem como um dos seus objetivos analisar a maneira como essas áreas de conhecimentos foram importadas pela instituição escolar,

16

Desprovido de toda base institucional, essas trocas entre famílias deixou poucos traços, essencialmente nas correspondências familiares. O único estudo sistemático e e dessas trocas é de CASPARD, Pierre. Une pratique éducative, XVII -XIX siècles: les changes linguistiques d‟adolescents. Revue historique neuchâteloise, n. 1-2, jan., 2000. História da Educação - RHE

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que

as

transformou

para

se

tornarem

ensináveis,

avaliadas

e

17

examinadas .

Os novos atores da educação No

transcorrer

dos

séculos,

a

iniciativa

particular

foi,

progressivamente, reduzida ou revezada por novos atores. Como já observamos para os colégios e as escolas de desenho, o primeiro entre eles foram as comunidades urbanas, depois rurais que, a partir do século 14, em maior número, começaram a remunerar os regentes de escola encarregados de ensinar coletivamente os rudimentos, com menos custo social. São às cidades que, em um texto célebre, Lutero solicita abrir escolas destinadas às crianças, pois seus pais não têm tempo ou competências de os instruir. A Igreja, igualmente, tem um papel crescente, por um objetivo interno, formar o clero instruído, e para divulgar a doutrina cristã. A Reforma e a Contra-Reforma reforçaram, consideravelmente, um e outro desses objetivos. Pode-se acrescentar também a resposta às demandas das famílias de classes médias, desejosas de confiar a instrução de seus filhos a um pessoal seguro e competente, assim como o espírito de caridade que permite à Igreja assegurar esse mesmo serviço às famílias mais modestas e insolventes. Tal é o papel das inúmeras congregações ensinantes que se criam do século 17 ao início do século 19, em que os Irmãos das escolas cristãs, para os meninos, ou as Ursulinas, para as meninas, nos dão que dois exemplos particularmente remarcáveis18. No que concerne mais precisamente ao nível secundário, a análise do financiamento dos colégios do Antigo Regime permitem medir a evolução da respectiva contribuição financeira das famílias, das cidades e 17

18

Uma apresentação exaustiva dessas congregações está em HUREL, Daniel-Odon e e (dir.). Guide pour l’histoire des ordres et congrégations religieuses. France, XVI -XX siècles. Turnhout: Brepols, 2001. Cf. COMPERE, Marie-Madeleine: Du collège au lycée. 1500-1850. Paris, Gallimard/ Julliard, 1985; CASPARD, Pierre; LUC, Jean-Noël; SAVOIE, Philippe (dir.). Lycées, lycéens, lycéennes: deux siècles d‟histoire. Lyon, INRP, 2005; MARCHAND, Philippe (dir.). Le Baccalauréat 1808-2008: certification française ou pratique européenne? Lille: Revue du Nord et Lyon/INRP, 2010. História da Educação - RHE

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das congregações religiosas, antes do Estado ocupar o primeiro lugar, no fim do século 1919. Depois das famílias, das comunidades e da Igreja, o último ator a entrar na cena educativa foi o Estado. Se ele conheceu alguns antecedentes limitados à formação de agentes que lhe eram diretamente úteis (juristas, oficiais, engenheiros civis e militares), essa intervenção do Estado remonta somente ao fim do Século das Luzes. Desde o fim da Revolução de 1789 e do Primeiro Império, visa dois grandes objetivos. O primeiro é de unificar a nação, que é ainda composta por um “agregado constituído de povos desunidos”, segundo o revolucionário Mirabeau. Consiste em formar os cidadãos, criando entre eles o que hoje chamamos uma “cultura comum”, transcendendo os particularismos culturais, notadamente linguísticos20. Também permite as regiões mais pobres de se beneficiar de uma rede escolar eficaz, das quais as mais ricas já estavam dotadas. Esse objetivo suscitou o desdobramento, pelo Estado e seus administradores, de um arsenal argumentativo que é útil observar. Na verdade, foi para destacar as lacunas, insuficiências e disfuncionamentos os mais gritantes do dispositivo existente - escolas degradadas, professores alcoólatras, famílias negligentes -, defeitos que estão longe de serem representativos do conjunto do dispositivo de instrução que construíram ao longo dos séculos as famílias e as comunas, mas, em estigmatizando o passado, essa argumentação pode contribuir para forjar a imagem de um Estado educador demiurgo, ainda presente nos espírito francês. O segundo objetivo visado pelo Estado no século 19 é do crescimento global das forças produtivas da França, segundo a expressão consagrada no século 19, que incluía a instrução entre essas forças 19

20

Cf. NOGUÈS, Boris. Le financement des collèges d‟humanités à l‟époque moderne, e e XVI -XVIII siècles. In : CONDETTE, Jean-François (dir.). Le coût des études: ses e e implications scolaires, sociales et politiques, XVI -XX siècles. Arras: Crhis/Université d‟Artois, 2011. DE CERTEAU, Michel; JULIA, Dominique; REVEL, Jacques. Une politique de la langue: la révolution française et les patois. Paris: Gallimard, 1975. História da Educação - RHE

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produtivas. Tal é o título de um capítulo da obra que publica o barão Charles Dupin, em 1828, e que contém um mapa que evidencia a famosa linha que vai de Saint-Malo, no norte da Bretanha, à Genève, na Suíça, que distingue o Nordeste da França globalmente mais alfabetizado que o Sudoeste. Em segundo lugar, permite recuperar seu atraso para colocar a nação inteira em melhor posição, na concorrência européia que começa a se exacerbar. A idéia de uma sociedade do conhecimento, hoje em moda, já estava presente nos espíritos. Ela visava mais a instrução elementar do conjunto da população, do que a formação dos quadros da indústria, do comércio e das administrações. Por isso, o Estado cada vez mais se envolve no desenvolvimento e organização do ensino, nos níveis mais elementares do que o secundário, superior ou técnico. Para atender o conjunto desses objetivos, o Estado, progressivamente, nacionaliza o financiamento da escola pelo imposto, retirando seu controle das famílias e das comunas, cujo papel secular é assim muito marginalizado. À heterogeneidade das realizações locais e municipais sucede um dispositivo educativo organizado, no plano nacional, em um sistema impulsionado centralizadamente, em que o papel das famílias se limitará a controlar e ajudar as tarefas de seus filhos e a tentar fazer pesar sua orientação no interior mesmo do sistema. O sistema educativo assim constituído, na sua dupla dimensão monopolística e burocrática, tem sido capaz de operar porque, mesmo excluindo a participação da família, constitui sua “camada protetora”21. Pegamos

essa

expressão

emprestada

do

economista

Joseph

Schumpeter, que julga que são os valores do trabalho presentes nas sociedades pré-capitalistas que permitiram e permitem o sistema capitalista de funcionar. No entanto, esse envolvimento familiar e a preocupação de ver seus filhos bem sucedidos na escola são hoje, freqüentemente, estigmatizados pelo termo “consumismo escolar”22,

21 22

Couche protectrice: no sentido de ninho protetor. BAILLON, Robert. Les consommateurs d’école: stratégies éducatives des familles. Paris, 1982. História da Educação - RHE

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quando entram em contradição com o objetivo de igualdade de resultados que é dado pelo sistema educacional, ou que ele expõe. Para concluir e justificar o interesse de uma abordagem histórica de alguns dos grandes problemas educativos que tem sua atualidade violências e absenteísmo escolar, desemprego de jovens formados temos a hipótese de que a “camada protetora” favorece a decadência do sistema educativo francês hoje, sob o efeito de dois fenômenos que não têm nenhum antecedente histórico. O primeiro é a desvalorização dos diplomas engendrado por várias décadas de massificação do ensino secundário, depois superior. Fazendo incertos os benefícios esperados de uma escolarização prolongada, essa desvalorização desorienta as famílias das classes médias que, historicamente são, mais que outras, portadoras de um ideal de meritocracia escolar. O segundo é a presença, majoritariamente nas escolas de numerosos países, de alunos que pertencem às famílias oriundas de países sem tradição escolar, em que as relações da escola ocidental e as expectativas para elas são mal asseguradas. Essas evoluções constituem um desafio inédito para um Estado educador que reivindica para si mesmo, em nome de um passado imaginado, toda obrigação de meios e resultados. Portanto, elas deverão incitar também uma reavaliação daquilo que é verdadeiramente, depois de séculos, o investimento das famílias na educação e na instrução de seus próprios filhos, como todos os contextos socioculturais que fundaram a racionalidade desse investimento.

PIERRE CASPARD é doutor em História e doutor honorário da Universidade de Neuchatel - Suíça. Diretor de História da Educação (INRP-ENS). Dedica-se à pesquisa acerca da história social e econômica da Suíça, da história comparada da educação (França-Suíça) e da historiografia francesa da educação.

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Endereço : SHE/INRP - 45, Rue d’Ulm - Paris - França 75005. E-mail: p.caspard@gmail.com.

Recebido em 15 de dezembro de 2010. Aceito em 13 de abril 2011.

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DESARROLLO DE LA EDUCACIÓN PARVULARIA EN CHILE1 Jaime Caiceo

 

DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR NO CHILE Resumo A educação pré-escolar no Chile tem início na segunda metade do século 19, especialmente por influência alemã, trazida ao país por José Abelardo Núñez. No começo se deu de forma particular, formando-se os primeiros jardins de infância. Somente em 1906 foi fundado o primeiro jardim da infância mantido pelo Estado, anexo à Escola Normal n. 1. Para isso foi contratada a educadora austríaca Leopoldina Maluschka, que usou metodologias inspiradas em Fröebel. Na Universidad de Chile, a partir da década de 1930, teve início um movimento de renovação pedagógica orientado por Irma Salas, que havia se doutorado nos Estados Unidos com Dewey e trouxe o pensamento da Escola Nova para o país. Ela conduziu a criação da Escola de Educadoras de Pré-Escolares em 1944. A primeira diretora dessa escola foi a destacada professora Amanda Labarca. Isto facilitou a criação de berçários e creches no país. Neste texto, de caráter histórico, em que se recorrerá a documentos primários e secundários, se pretende descrever o desenvolvimento que o Estado do Chile tem mostrado pela educação pré-escolar no país, reconhecendo os direitos das crianças. Palavras-chave: jardins de infância, educação pré-escolar, Escola Nova, Junji/Integra. PRESCHOOL EDUCATION DEVELOPMENT IN CHILE Abstract Preschool education in Chile has its beginnings in the second half of the nineteenth century due to the German influence brought to Chile by José Abelardo Núñez. The first kindergarten was formed in a particular way. After that, 1

Este artículo está basado en la ponencia presentada en Ische 32, congreso realizado en Ámsterdam, The Netherlands, entre el 26 y el 27 de agosto de 2010. História da Educação - RHE

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the first public kindergarten, attached to the Normal School No. 1, was founded in 1906. At the same time, the austrian educator Maluschka Leopoldina was hired and the Froebelian method was used. At the University of Chile, in the 30s of the twentieth century, an improved movement was carried out by Irma Salas who studied for her doctorate in The United States with Dewey and brought the thought of the New School to the country. This event led to the establishment of the Kindergarten Teachers College in 1944 and its first principal was the prominent educator Amanda Labarca. This movement facilitated the establishment of nursery and childcare facilities throughout the country. This work has a historical character based on primary and secondary sources to show the development that the Chilean State has shown in relation to preschool education and the Children´s rights in Chile. Key words: kindergartens, preschool education, New School, Junji/Integra.

DESARROLLO DE LA EDUCACIÓN PARVULARIA EN CHILE Resumen La educación parvularia en Chile tiene sus inicios en la segunda mitad del siglo 19, especialmente por la influencia alemana, traída al país por José Abelardo Núñez. En un comienzo se dio en forma particular, formándose los primeros kindergarten. Sólo en 1906 se fundó el primer kindergarten público anexado a la Escuela Normal Nº 1. Para ello se contrató a la educadora austriaca Leopoldina Maluschka y se usó el método fröebeliano. En la Universidad de Chile se llevó a cabo un movimiento de renovación pedagógica a partir de la década del 30 del siglo 20, por parte de Irma Salas, quien se había doctorado en Estados Unidos con Dewey y había traído el pensamiento de la Escuela Nueva al país. Ello condujo a la creación de la Escuela de Educadoras de Párvulos en 1944, siendo su primera directora la destacada educadora Amanda Labarca. Esto facilitó la creación de salas cunas y guarderías infantiles a lo largo del país. En este trabajo, de carácter histórico, en que metodológicamente se recurrirá a fuentes primarias y secundarias, se pretende describir el desarrollo que el Estado de Chile ha mostrado por la educación parvularia en el país, reconociendo los derechos del niño. Palabras claves: jardines infantiles, educación parvularia, Escuela Nueva, Junji/Integra. DÉVELOPPEMENT DE L'ÉDUCATION DES PETITS ENFANTS AU CHILI Resumé L'éducation des petits enfants au Chili a ses débuts dans la seconde moitié du 19ème siècle, spécialement par l'influence allemande, apportée au pays par José Abelardo Núñez. Au commencement on l'a donné en manière particulière, en se formant les premiers kindergarten (jardins d'enfants). Seulement en 1906 on a fondé le premier kindergarten (jardin d'enfants) public annexé à l'École Normale Nº 1. Pour cela on a contracté à l'éducatrice autrichienne Leopoldina Maluschka, on a utilisé la méthode fröebeliano. À l'Université du Chili on a mené à bien un mouvement de rénovation pédagogique à partir de la décade du 30 du 20ème siècle, par Irma Salas, laquelle avait reçu un doctorat aux Etats-Unis avec Dewey et elle avait apporté la pensée de l'École Nouvelle au pays. Cela a conduit à la História da Educação - RHE

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création de l'École d'Éducatricesdes Petits Enfants en 1944, en étant sa première directrice l'importante éducatrice Amanda Labarca. Cela a facilité la création des crèches et des garderies infantiles tout au long du pays. Dans ce travail, à caractère historique, dans lequel on recourra méthodologiquement à des sources primaires et secondaires, on prétend décrire le développement que l'État du Chili a montré par l'éducation des petits enfants au pays, en reconnaissant les droits de l'enfant. Mots cle: Jardins infantiles, éducation des petits enfants, École Nouvelle, Junji/Integra.

Introducción Los orígenes de la educación parvularia en el mundo se circunscriben al ámbito de representantes de la denominada Escuela Nueva. Por lo mismo, en el punto siguiente se expondrá brevemente el aporte de los principales educadores europeos que iniciaron esta modalidad educativa a partir de los siglos 18 y 19; ellos son Pestalozzi, Fröebel, Montessori y Decroly. La presencia significativa de la Escuela Nueva en Chile se inicia con el siglo 20; en efecto, en el Congreso General de Enseñanza Pública realizado en 1902 se debaten, entre otros, los planteamientos de la educación pragmática. Esta pedagogía estará inserta a lo largo del siglo en otros debates (Congreso Nacional de Enseñanza Secundaria, 1912; discusión parlamentaria sobre el proyecto de ley de instrucción primaria obligatoria, 1912-1920, entre otros) y especialmente en las diversas transformaciones educacionales que se dan (reformas de 1927, 1945 y 1965). Los principales representantes de esta Escuela que han influido en el país han sido Montessori, Ferrière y especialmente Dewey. Los educadores chilenos más sobresalientes en esta línea pedagógica, entre otros, han sido José A. Encina, Darío Salas, Luis Gómez Catalán, Irma Salas, Alberto Hurtado, Roberto Munizaga. La mayoría de ellos asumieron estos planteamientos desde una perspectiva laicista de la educación, salvo uno (Hurtado) que concilia los principios pedagógicos del pensador norteamericano John Dewey con la doctrina católica.

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asociaciones de profesores también se han destacado por asumir, promover e impulsar esta pedagogía. Respecto a los hechos más recientes en torno a la educación parvularia en Chile se puede señalar que el 22 de abril de 1970, durante el gobierno de Eduardo Frei Montalva, se fundó la Junta Nacional de Jardines Infantiles - Junji - a través de la ley n. 17.301.

Esta nueva

situación condujo a la formación de educadoras de párvulos en la Universidad Católica de Chile, la Universidad de Concepción y la Universidad Austral de Chile. Paralelamente, en el Departamento Universitario Obrero Campesino - Duoc - se comenzó a preparar técnicos y sub-técnicos en educación parvularia. Desde 1974 se constituyó en el Ministerio de Educación el Segundo Nivel de Transición (kinder) con programas de estudio y todos los establecimientos educacionales subvencionados, tanto públicos como particulares, pudieron asumirlos con financiamiento estatal. En el 2008 se hizo lo mismo con el Primer Nivel de Transición (pre-kinder). Para los sectores poblacionales en 1990 se fundó Integra, organismo dependiente de la Presidencia de la República. Este organismo atiende en salas cunas y jardines infantiles a los hijos e hijas de la gente de menores recursos en el país y, especialmente a los hijos de la mujer trabajadora. El objeto de este artículo es identificar, describir y analizar los principales hitos del desarrollo de la educación parvularia en Chile desde mediados del siglo 19, fecha de su aparición, hasta nuestros días.

Antecedentes internacionales Tal como se indicó precedentemente, en los precursores y representantes de la Escuela Nueva, se encuentran los orígenes de la educación parvularia. Este planteamiento es considerado como un movimiento pedagógico renovador que se inicia con los precursores en Europa a fines del siglo 18 y, al siglo siguiente, se extiende a Estados Unidos de América. Entre los primeros se encuentran Rousseau, Pestalozzi y Fröebel. Sus principales exponentes desde mediados del História da Educação - RHE

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siglo 19 en adelante, tanto europeos como norteamericanos, son Tolstoi, Dewey, Montessori, Ferriére, Cousinet, Freinet, Piaget. Claparéde y Decroly.

Entre los principales planteamientos de la Escuela Nueva,

conocida también como Escuela Activa, se encuentran el considerar al niño como el centro del proceso de enseñanza aprendizaje y el maestro se convertirá en un dinamizador de la vida en el aula, al servicio de los intereses y necesidades de los alumnos. Después de la Revolución Francesa se empezó a concebir a los niños como algo especial y su formación se relacionó con la vida moral y religiosa y con el desarrollo de las habilidades en la lecto-escritura. En el fondo cambió el concepto de infancia y ello ha llevado a una renovación pedagógica en ese nivel, acción que ha impulsado la Escuela Nueva (Simonstein en Peralta, 2006). Entre quienes hicieron aportes al surgimiento de la educación parvularia en Europa, continente en el que se originó, son, entre otros: Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) nació en Zürich (Suiza). Es considerado uno de los primeros pensadores que se puede denominar pedagogo en el sentido moderno del término. Se le conoce como reformador de la pedagogía tradicional y su quehacer se centró en la educación popular. La pobreza generalizada existente en el siglo 18 en Europa propició su ilusión de crear escuelas de producción, en donde los niños huérfanos pudieran, a través de su trabajo, educarse y alimentarse. Su primer centro educativo recibió el nombre de Granja Nueva, que después de cinco años tuvo que cerrar por problemas económicos. Sus primeros centros educativos fracasaron económicamente, pero las experiencias que obtuvo sirvieron de base para alimentar su concepción pedagógica. Pestalozzi defendía la individualidad del niño y la necesidad de que los maestros fueran preparados para lograr un desarrollo integral del alumno más que para implantarles conocimientos. Su pedagogía se centra en la educación infantil y escolar y, desde 1811, él y sus colaboradores comienzan a mencionar el sistema pestalozziano con el História da Educação - RHE

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nombre de "educación muy elemental", el cual consiste en hacer que el proceso de desarrollo humano (sensitivo, intelectual y moral) siga el curso evolutivo de la naturaleza del niño, sin adelantarse artificialmente al mismo. La educación es vista como una ayuda que se da al niño en este proceso para que se realice bien, y la actividad educativa y docente es vista como un arte. Es de vital importancia en esta pedagogía el método de la intuición a través del cual el niño desarrolla su quehacer educativo. Lo más típico de Pestalozzi, y aquello por lo cual ha sido más conocido y le dio más motivo de orgullo, fue su método de enseñanza, que él mismo trató de divulgar y, de hecho, en varios países europeos se fundaron escuelas pestalozzianas. Para este importante pedagogo, el conocimiento humano comienza con la intuición sensible de las cosas, y a partir de ella se forman las ideas; por lo cual, también el método de enseñanza ha de seguir este mismo proceso, adaptándose al desarrollo mental del niño en cada momento dado. El conocimiento ha de ir avanzando, desde unas intuiciones confusas a unas ideas claras y distintas. Entre los principales aportes que Pestalozzi realiza a la educación pre-escolar, ya que sitúa al niño de una manera diferente, en una verdadera relación con la naturaleza y la cultura, se encuentran los siguientes: (1) Le dio importancia al desarrollo del niño. (2) Puso en práctica la organización de experiencias y actividades por medio del juego. (3) Valoró las actividades espontáneas del niño. (4) Hizo énfasis en la ejercitación de las actividades manuales. (5) Consideró la ejercitación en el dibujo como un medio para perfeccionar progresivamente la mano, lo cual le serviría de base para la escritura. (6) Ejercitó el lenguaje por medio de la conversación sencilla, para después aprender a leer. (7) Destacó la utilidad de los ejercicios corporales combinados con los cantos. (8) Señaló como vital el desenvolvimiento del niño en sus primeros momentos con la familia, en especial con la madre. (9) Le dio importancia a la afectividad desde el mismo momento del nacimiento del niño. (10) Destacó el desarrollo social del niño, primeramente en la familia História da Educação - RHE

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y posteriormente en la escuela. (11) Consideró importante la creación de instituciones para atender a aquellos niños que eran carentes de recursos económicos. Friedrich Fröebel (1782-1852) nació en Oberweissbach (Alemania) y fue discípulo de Pestalozzi. Su principal propuesta pedagógica es el sistema del jardín de la infancia, que es la forma de educación preescolar en la que los niños aprenden a través de juegos creativos, interacciones sociales y formas de expresión natural. Sostiene que el ambiente en el que se educan los niños debe ser tan libre como las flores en un jardín2. Utilizaba juegos, canciones, materiales especialmente elegidos para trabajar, e historias dirigidas a las necesidades de los pequeños. Para este pedagogo, los primeros años de vida eran determinantes para el desarrollo mental del individuo. Claramente, en su propuesta el centro de la actividad pedagógica, es el niño. Para sostener la educación en un ambiente lúdico, Fröbel puso especial cuidado en la capacitación de maestros de buen carácter, amistosos y accesibles para los niños, enfatizando su capacidad para transmitir el simbolismo profundo de la educación en cada una de sus acciones. Este autor trabajó un tiempo con Pestalozzi, en quien se inspiró para proponer un currículo en las edades iniciales con un enfoque teóricopráctico. Con ello, la educación infantil adquirió otro status (Simonstein en Peralta, 2006). Justamente en Chile se instalará el primer jardín de infantes inspirado en su pensamiento. María Montessori (1870-1952) nació en Chiaravalle (Italia). Su preocupación

educativa

comenzó

con

los

niños

considerados

mentalmente perturbados. A partir de la experiencia con ellos elaboró su método, el cual tiene las siguientes y principales características: (1) Énfasis en estructuras cognoscitivas y desarrollo social. (2) La maestra desempeña un papel sin obstáculos en la actividad dela sala. El alumno, a su vez, es un participante activo en el proceso enseñanza aprendizaje. (3) 2

De ahí deriva el nombre kindergarten, que significa en alemán el jardín de los niños. História da Educação - RHE

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El ambiente y el método Montessori alientan la autodisciplina interna. (4) La enseñanza individualizada y en grupo se adaptan a cada estilo de aprendizaje, según el alumno. (5) Grupos con distintas edades. (6) Los niños son motivados a enseñar, colaborar y ayudarse mutuamente. (7) El niño escoge su propio trabajo de acuerdo a su interés y habilidad. (8) El niño formula sus propios conceptos del material autodidacta. (9) El niño trabaja por el tiempo que quiera en los proyectos o materiales escogidos. (10) El niño marca su propio paso o velocidad para aprender y hacer de él la información adquirida. (11) El niño descubre sus propios errores a través de la retroalimentación del material. (12) El aprendizaje es reforzado internamente a través de la repetición de una actividad e internamente el niño recibe el sentimiento del éxito. (13) Material multisensorial para la exploración física. (14) Programa organizado para aprendizaje del cuidado propio y del ambiente (limpiar zapatos, fregar). (15) El niño puede trabajar donde se sienta confortable, donde se mueva libremente y hable en secreto sin molestar a los compañeros. El trabajo en grupos es voluntario. (16) Organizar el programa para los padres, entender la filosofía Montessori y participar en el proceso de aprendizaje. Su presencia en América Latina es importante desde comienzos del siglo 20, especialmente en Argentina, Chile, Uruguay, Brasil, Paraguay, Bolivia, Perú, México, Estados Unidos y Costa Rica (Barentín en Peralta, 2007). En 1926 visita al país trasandino y su método repercute ampliamente en Chile, como se verá más adelante. Ovidio Decroly (1871-1932) nació en Renaix (Bélgica). Introdujo en educación los centros de interés como propuesta pedagógica basada en el respeto por el niño y su personalidad, de acuerdo a su edad, con el objetivo de prepararlo para vivir en libertad. Su lema era “escuela por la vida y para la vida”, concepto con el que fundó en 1901 la Escuela de L‟Hermitage en Bruselas. Se opuso a la disciplina rígida, apostando por crear un ambiente motivador con grupos homogéneos basados en la globalización, la observación de la naturaleza y la Escuela Activa. La

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planificación basada en los centros de interés posee tres etapas: observación, asociación y expresión. Decroly, al igual que Montessori, comenzó interesándose por los problemas de los débiles mentales. Aplicó el método científico a la investigación de los factores que puedan modificar de forma favorable la evolución intelectual, afectiva y motriz de los niños que sometía a su observación. A él le interesaba la educación de la infancia de manera integral. Su ideal para acoger a los niños era una casa; pensaba que, aunque hubiera que construir un establecimiento nuevo, éste debiera ser como una casa porque el niño debía sentirse en su casa (Peralta, 2008). Sus planteamientos llegaron rápidamente a América Latina, especialmente a Colombia, Uruguay y Chile. Decroly vino a Colombia en 1925 a constatar en terreno las experiencias pedagógicas que se hacían inspirados en la Escuela Nueva en general y en sus ideas en especial. El mismo año se fundan tres escuelas experimentales en Uruguay inspiradas en Decroly (Peralta, 2008). Lo concerniente a Chile se verá más adelante.

Principales hitos de la educación parvularia en Chile: primeros intentos en la colonia y en los inicios de la república En los antecedentes históricos se encuentran diversas reseñas respecto a la preocupación que los primitivos habitantes del país tenían con los párvulos; ello se unió con la práctica que iniciaron las diferentes congregaciones religiosas que arribaron junto a los conquistadores, las cuales fundaban Casas de Acogida u Orfanatorios para recoger a los niños

huérfanos

y

abandonados,

mezclando

párvulos,

niños

y

adolescentes. Estas instituciones religiosas, a comienzos del siglo 19 crearon ciertas escuelas de párvulos con el objeto de entregar formación religiosa a los infantes (Mineduc, 2001). En la segunda mitad del siglo 19, por influencia europea, se comenzaron a crear en el ámbito privado ciertos grupos de juego y los primeros kindergarten, especialmente en los colegios de las colonias História da Educação - RHE

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extranjeras presentes en el país, entre ellos el Jardín Infantil del Santiago College (1891) y el de la Deutsche Schule (1898) (Peralta, 2006). En 1878 se comisionó a

José Abelardo Núñez para que se

trasladara a Europa y Estados Unidos, quien viajó acompañado de Claudio Matte, a fin de estudiar sus sistemas educativos, quien luego de cuatro años fuera del país, informó lo siguiente:

Se deben organizar escuelas normales, elegir y contratar en Europa profesores de uno y otro sexo, como asimismo comprar el material de enseñanza para las escuelas públicas, y de colocar en establecimientos especiales a los preceptores y alumnos normalistas que irían a perfeccionar en Europa sus estudios pedagógicos. (Asociación Nacional de Profesores Normalistas, 2008)

Fue así, entonces, que el modelo francés presente hasta ese momento en la formación de maestros, se cambió por el alemán, el cual durará por cerca de 20 años. Vendrán profesores de esa nacionalidad y austriacos a las escuelas normales chilenas (Caiceo, 1995).

De esta

manera, en la formación de los futuros profesores primarios,

La preparación teórica consiste en la comprensión de los elementos de la psicología y de los principios fundamentales de la educación..., de los de la enseñanza en particular, que es la metodología general, y de la teoría de la enseñanza especial de cada ramo primario. (Asociación Nacional de Profesores Normalistas, 2008).

Producto de este viaje, Núñez se empapó de la pedagogía de Fröebel y tradujo del alemán al castellano en 1889 una obra clave de aquel importante educador, Educación del hombre, publicada en 1826. Valentín Letelier también visitó los jardines de infantes de Alemania y, al ver el éxito de los mismos, recomendó su creación al gobierno de Chile. (Simonstein en Peralta, 2006). Ello ayudó a que se comenzara a desarrollar la educación parvularia en el país; más aún, a inicios del siglo

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pasado, el estado comenzó a subvencionar a

algunos de los

kindergártenes privados existentes.

Fundación del primer kindergarten en el siglo 20 Habrá que esperar, sin embargo, hasta 1906 para encontrarnos con la fundación del primer kindergarten fiscal, anexado a la Escuela Normal N° 1 de Santiago. Sus actividades partieron en una casa arrendada, al frente de la Escuela, en calle Compañía (Mineduc, 2001). Han influido en ello diversos hechos, como lo acontecido en el Congreso Pedagógico de 1902, en donde se aborda el tema de la educación parvularia con posiciones encontradas, pues algunos, como Ruperto Oroz, defienden la tesis que los niños pequeños se educan mejor en sus hogares y otros como Francisco Jenschke, quien señala: Los niños deben asistir desde los cuatro años al jardín porque esa es precisamente la edad en que se principian a formar los principios morales en el niño i hai que evitar que adquieran malas costumbres, las cuales se arraigan profundamente i es más difícil destruir las malas que inculcarse las buenas (Revista de Instrucción Primaria en Peralta. 2006, p. 15).

A su vez, en 1904, en la declaración de principios de la Asociación Nacional de Educación, que se funda inspirada en los principios de la Escuela Nueva, en su art. 17, se indica que el sistema nacional de educación empieza por el jardín infantil. La misma Asociación, además, solicita la creación del curso normal del kindergarten: El kindergarten nacional, con el mismo derecho que la Escuela, Liceo i la Universidad, es una parte integrante de todo sistema de educación pública, i así lo han comprendido los Estados Unidos, Alemania, Francia, Japón e Italia. Aparte de estas razones, no olvidemos que sobre todo en nuestros barrios pobres, tendrán en el kindergarten una institución de primera necesidad para empezar la educación de los innumerables niñitos que por su edad no pueden concurrir a la Escuela i que por la extrema indigencia de los padres quedan durante todo el día, abandonados en el conventillo o en la vía pública. História da Educação - RHE

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(Revista de la Asociación de Educación Nacional en Peralta, 2006, p. 16).

Es en el contexto anterior que nace el primer kindergarten por decreto n. 5.609, del 7 de octubre de 1905.

Para iniciar este nivel

educacional al año siguiente, entre el 3 de enero y el 3 de marzo se realizó el primer curso de Maestras de Jardín Infantil. Asistieron al mismo varias maestras normalistas, entre las cuales estaban Guillermina Pickering, Ester Hurtado, María Pacheco, Florence Trewhela, Juana Cofré y Mercedes Valenzuela. Se desempeñaron como profesoras Guillermina Gübel, alumna de la segunda esposa de Fröebel, y María Kuniecke, docente del kindergarten de la Deutsche Schule. Se buscó a una docente preparada en la formación de niños y así fue como se encontró a Leopoldina Maluschka, de origen austríaco, pero que se avecindaba en el sur de Chile desde 1900, junto a su marido y cuatro hijos. Era profesora de Estado en educación infantil, titulada en la Real e Imperial Escuela Normal de Graz y, además, se había titulado de profesora de Canto, Teoría, Armonía e Historia de la Música en el Real e Imperial Conservatorio de Viena. Se le nombra a través del decreto n. 2.671, del 7 de junio de 1906, por parte del Ministerio de Instrucción Pública, como regente y profesora del Curso Normal del Kindergarten de la Escuela Normal de Preceptores Nº 1 de Santiago (Peralta, 2006). Al año siguiente (1907) se entrega un segundo curso de Maestras en Jardín Infantil, denominadas kindergarterinas, para profesoras normalistas que dura 6 meses. Se gradúan 25 educadoras. En el 2008, se extendió el curso a dos años y se graduaron 23; en 1909, 34; en 1910, 19; en 1911, 40; en 1912, 33; en 1913, 37; en 1914, 63; a contar de 1915, con tres años de estudio, finalizaron 45. Con este personal fue posible extender el kindergarten desde Tacna hasta Punta Arenas, siempre dependientes de los liceos de cada Provincia de la época (Peralta, 2006). Tal

como

se

indicó

precedentemente,

las

actividades

del

kindergarten se iniciaron en una casa arrendada, frente a la Escuela Normal Nº 1, en calle Compañía 3165, el 16 de agosto de 1906. La casa História da Educação - RHE

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era de dos pisos, ubicándose en el primero las salas de clase del kindergarten y de las alumnas-maestras y en el segundo habitado por la familia Trupp-Maluschka. La propiedad tenía tres patios y, en su conjunto, fue acondicionada y adornada por la propia Leontina Maluschka, la nueva regenta del lugar, quien, en sus propias palabras indica que transforma “un patio lleno de piedras […] en un floreciente jardín, en el cual cada niño tenía un pedazo de terreno para cultivar plantas y pequeñas siembras” (Maluschka, manuscritos). El mobiliario y material escolar de tipo fröebeliano, importado directamente de Alemania, fue ubicado en las salas de clase, de tal forma que en cada mesa se sentaban 5 niños por lado, atendiendo cada kindergarterina y su ayudante en total a 20 niños. Las actividades partieron con 40 niños del barrio entre tres años y medio y seis años y medio. La maestra era doña Leopoldina con tres ayudantes: Florence Trewhela (18 años), Guillermina Pickering (19 años) y Mercedes Valenzuela (27 años). Al mismo tiempo, 25 alumnas-maestras también asistían a clases. El establecimiento estaba abierto entre 13 y 18 horas. Desgraciadamente, cerca de las 20 horas, el mismo día de inicio, se produjo el terremoto de Valparaíso, produciendo también estragos en Santiago; producto de ello, hubo que suspender las actividades hasta el 27 de agosto (Peralta, 2006). Al año siguiente, el kindergarten continuó funcionando en el mismo local, trasladándose en 1908 a la sala de la biblioteca de la Escuela Anexa a la Escuela Normal Nº 1, y desde 1912 se trasladó a la calle García Reyes 610. En 1913 había 75 niños en el kindergarten y 182 en los Cursos Normal. Al año siguiente, se creó la sección “guaguas” con 17 niños y niñas de tres años. De aquellos primeros años, doña Leopoldina recuerda:

Cada niño era atendido por una alumna-maestra del curso que tenía la tarea de estudiar todas sus manifestaciones y observar su físico, moral e intelectual. Estas observaciones se presentaron al fin del año como História da Educação - RHE

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„Estudio del niño‟ en el examen de Psicología. En los jardines se sembraba trigo, maíz, porotos, habas, linaza y se plantaban algunas flores: oreja de oso, no me olvides, pensamientos y violetas. Las cosechas y flores eran llevadas por los niños a sus casas, donde eran recibidas con gran regocijo de la familia y colocadas en el salón como exponentes de la cultura que recibían los alumnos en el Kindergarten. Había pequeñas regaderas y herramientas de parte del colegio. (Maluschka, manuscritos)

Desgraciadamente, producto de la crisis derivada de la Primera Guerra Mundial, en 1914, el gobierno decidió cerrar los kindergártenes anexados a todos los liceos del país, incluido el primer kindergarten dependiente de la Escuela Normal Nº 1. Sin embargo, sobre esto último se dio una solución alternativa, nos la relata la propia protagonista:

pero reconociendo el Gobierno la utilidad que prestaba la educación infantil, creó a mi nombre la Escuela Nº 239 de Santiago, con el objeto de continuar en esta escuela la enseñanza del Kindergarten. Cumpliendo con esta disposición tuve oportunidad de agregar a los Métodos ya practicados3, partes apropiadas al niño chileno, de las nuevas ideas pedagógicas aparecidas en los últimos años: Montessori, Decroly, „Métodos de Proyectos‟, „Escuela Laboratorio‟, „Educación Natural, „El Arte en la Escuela‟, etc. (Maluschka, manuscritos).

La experiencia que produjo la creación y funcionamiento de los kindergártenes en el país, tuvo consecuencias de diversa índole en Chile: (1) En el plano político educativo: se instaló en la cultura chilena la necesidad de la existencia de los kindergártenes. La creación de 40 a lo largo de nuestra angosta y larga franja de tierra avalan lo anterior. (2) En el ámbito de la academia y de la construcción del saber pedagógico: en los congresos se comenzaron a presentar ponencias sobre la educación infantil, tanto por doña Leopoldina como por sus kindergarterinas; también

comenzaron

a

hacerse

publicaciones

sobre

este

nivel

educacional; en una de ellas, doña Leopoldina relata la adaptación de la didáctica fröebeliana a la realidad chilena. (3) En el ámbito de formación 3

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de educadores: la experiencia de la formación teórico-práctica que reciben las kindergarterinas es relevante para la formación de los otros educadores. (4) En el plano gremial y en acciones de extensión: en 1908 se estableció la Asociación de Kindergarten Nacional y en 1914 la agrupación Cruz Roja Maestras de Jardín Infantil. Esas agrupaciones fueron la antesala del actual Colegio de Educadores de Párvulos. (5) En el ámbito de la atención de los niños: la importancia de ello es obvio y relevante para el país (Peralta, 2006).

Creación de la Carrera de Educadoras de Párvulos en la Universidad de Chile En la década del 40 del siglo pasado se comenzó a gestar un movimiento en torno a la educación infantil en la Universidad de Chile, gracias a la gestión del propio rector, don Juvenal Hernández4 y de una de las más importantes educadoras de la época, doña Amanda Labarca5, ambos de tendencia laicista, militantes del Partido Radical, ligado a la masonería, e imbuidos del pensamiento de la Escuela Nueva. Gracias a ellos, en 1944 se fundó la Escuela de Educadoras de Párvulos, siendo la propia Amanda Labarca su primera directora. Le sucederá por un largo tiempo, doña Matilde Huici, exiliada española. De esta forma se comenzó a consolidar académicamente esta área de la educación, gracias a la labor de sus profesoras y estudiantes, a las investigaciones y publicaciones que se realizaban y a las actividades de extensión que se hacían, especialmente hacia los sectores periféricos. Las actividades de práctica profesional cobraron bastante importancia en los sectores más desposeídos, especialmente marginales, en fábricas, hospitales y salitreras. Este tipo de prácticas más un Seminario de Título, guiado por 4

Vivió entre 1899 y 1979. Abogado y académico de prestigio. Su rectorado fue largo e importante en obras (1933-1953). 5 Vivió entre 1886 y 1975. Profesora de castellano. Su nombre de pila es Amanda Pinto Sepúlveda, pero al contraer matrimonio adoptó el apellido de su marido, Guillermo Labarca. Activa feminista que, junto a Elena Caffarena y otras, luchó por los derechos de la mujer, logrando finalmente el voto femenino, restringido en 1931, y pleno a contar de 1949. História da Educação - RHE

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doña Linda Volosky, permitió la reafirmación legal de las salas cunas, favoreciendo la legislación que existía desde 1931 en el sentido de que la mujer trabajadora que tiene un hijo, el empleador debe proveerle de sala cuna para la atención del niño o niña. El afianzamiento de la educación parvularia con las nuevas profesionales que se fueron formando, permitió que también a nivel del sistema educacional del país se fuera consolidando este nuevo tipo de educación en los anexos a las escuelas y en las escuelas de párvulos. Ayudó a ello la aprobación del primer plan y programa de estudios para la educación parvularia en 1948. La consolidación definitiva de la educación parvularia se dio en 1956 cuando se creó el comité chileno de la Organización Mundial de la Educación Parvularia - Omep. Fundación de la Junta Nacional de Jardines Infantiles - Junji - e Integra La Junta Nacional de Jardines Infantiles - Junji - es una institución del Estado de Chile creada en 1970 por la ley n. 17.301, en el gobierno de Eduardo Frei Montalva (1964-1970), como "corporación autónoma con personalidad jurídica de derecho público, funcionalmente descentralizada y cuya relación con los poderes del Estado se articula a través del Ministerio de Educación" (art. 1) y cuyo fin fue atender la educación inicial del país. Su misión consistía en brindar una educación inicial de calidad a niños y niñas, preferentemente menores de cuatro años, de sectores poblacionales de menores ingresos. En la actualidad atiende a niños y niñas en condición de vulnerabilidad, en el marco del Sistema de Protección a la Primera Infancia Chile Crece Contigo, de modo de garantizar su desarrollo en igualdad de oportunidades, a través de la creación, promoción, supervisión y certificación de salas cunas y de jardines infantiles administrados en forma directa o por terceros. La Junji, a su vez, se transformó en la entidad encargada de aprobar, reconocer y supervisar los jardines infantiles privados. Ello

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redundó en un gran crecimiento de estas organizaciones a lo largo del país, especialmente en los sectores más acomodados. Durante la dictadura militar se creó, a partir de la esposa de Pinochet, la Fundación Nacional de Ayuda a la Comunidad - Funaco - con el objeto de crear centros abiertos para asistir gratuitamente a niños de hogares desfavorecidos para atenderlos en forma asistencial. En 1986 obtuvo personalidad jurídica. En 1990, con la vuelta a la democracia, esa institución fue sustituida por la Fundación Integra, como entidad dependiente de la primera dama y su objetivo será ahora educativa, incorporando un gran número de profesionales de la educación parvularia en cada institución que se formaba. De esta manera, los antiguos centros abiertos de Funaco se transformaron en jardines infantiles. Su misión es lograr el desarrollo integral de niños y niñas de 3 meses a 4 años de edad que viven en situación de pobreza y vulnerabilidad, a través de un programa educativo de excelencia que incorpora a las familias y a la comunidad, se les entrega alimentación y promueve los derechos de la infancia en un contexto de convivencia democrática.

Surgimiento de más carreras de educadoras de párvulos y de técnicas en educación parvularia A partir de la promulgación de la ley de la Junji, además de la Universidad de Chile que tenía la carrera de formación de educadoras de párvulos no sólo en Santiago sino que también en sus sedes en Provincias, otras universidades comenzaron a fundarlas durante la década del 70 del siglo pasado, entre ellas la Universidad

de

Concepción, la Pontificia Universidad Católica de Chile y la Universidad Austral de Chile. Cobró mayor importancia la educación parvularia en el país cuando se promulgó la ley 19.634 (Loce), constituyéndose en el primer nivel del sistema educacional chileno, reconocido en la Constitución Política del Estado el año 1999 en virtud de la ley indicada. Atiende integralmente a

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niños y niñas desde su nacimiento hasta su ingreso a la educación básica, sin constituirse como nivel obligatorio. Con la reforma universitaria de 1981 que permitió la creación de nuevas universidades, comenzaron a crearse varias universidades privadas y en regiones, nuevas universidades públicas, derivadas de las sedes regionales de las dos universidades públicas existentes en la época: la Universidad de Chile y la Universidad Técnica del Estado. De esta forma, en la actualidad se imparte la cerrera en 43 universidades, 18 del Consejo de Rectores6 y 25 universidades privadas, he aquí el listado de las mismas: Consejo de Rectores: Pontificia Universidad Católica de Chile, Universidad Católica de Temuco, Universidad Arturo Prat, Universidad Católica de la Santísima Concepción, Universidad de Valparaíso, Universidad de Antofagasta, Universidad de Concepción, Universidad de La Serena, Universidad de Los Lagos, Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Universidad Católica del Maule, Universidad de Chile, Universidad de Playa Ancha de Ciencias de la Educación, Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación, Universidad de Tarapacá, Universidad de Magallanes, Universidad del Bío-Bío y Universidad de Atacama; Privadas: Universidad Nacional Andrés

Bello,

Universidad

del

Mar,

Universidad

Santo

Tomás,

Universidad de Aconcagua, Universidad Arcis, Universidad Adventista de Chile, Universidad Alberto Hurtado, Universidad Finis Terrae, Universidad San Sebastián, Universidad Central de Chile, Universidad Católica Cardenal Silva Henríquez, Universidad de Las Américas, Universidad de Los Andes, Universidad de Viña del Mar, Universidad Bolivariana, Universidad Diego Portales, Universidad Autónoma de Chile, Universidad Bernardo O‟Higgins, Universidad de Ciencias de la Informática, Universidad Marítima de Chile, Universidad Miguel de Cervantes, Universidad Academia de Humanismo Cristiano, Universidad del Pacífico, Universidad de Rancagua y Universidad Mayor. 6

El Consejo de Rectores está compuesto por las 25 universidades tradicionales; se entienden por tales las que existían legalmente al año 1980 (8) y las que derivaron de aquéllas, fueran públicas (2) o particulares (6: 3 católicas y 3 laicas). História da Educação - RHE

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Paralelamente, en la misma década del 70, se inició la formación de Auxiliares de Párvulos en diferentes instituciones, entre ellas, sobresale por ser una de las primeras, el Departamento Universitario Obrero Campesino - Duoc -, dependiente de la Pontificia Universidad Católica de Chile, fundada a fines de 1968 por un grupo de estudiantes de la Escuela de Pedagogía de esa universidad, como fruto de la reforma universitaria iniciada el año anterior. Se deseaba que la Universidad estuviera al servicio de los más desposeídos culturalmente; que los estudiantes dejaran su torre de marfil y entregaran capacitación, perfeccionamiento y formación técnica a quienes no habían tenido acceso a ella. Fue en esta institución que se comenzó a entregar desde 1971, la carrera de Auxiliar de Párvulos para alumnas con 2° año medio aprobado, 12 horas de clases a la semana y con una duración de 5 semestres. Así fue aprobada por el Ministerio de Educación a través del decreto 205, de 1975 (Caiceo et al., 2008). A su vez, la propia Universidad Católica inició su carrera de educación parvularia y prácticamente los mismos docentes dictaban las clases en ambas instituciones. En el Duoc propuso su creación Horacio Marín García y en la Universidad Josefina Aragoneses Alonso, de origen español. La carrera aprobada por el Ministerio de Educación en 1975 sirvió de base para otras de similares características, tanto en los liceos técnico-profesionales como en los futuros centros de formación técnica fundados a partir del DFL 24 de 1981. De esta forma se comenzaron a formar cientos de auxiliares de párvulos, tanto a nivel técnico como subtécnico.

La educación parvularia en el sistema educacional La creación de la Junji también motivó al Ministerio de Educación a elaborar programas educativos para todos los niveles de la educación parvularia: Segundo Nivel de Transición en 1974, Sala Cuna en 1979 y Primer Nivel de Transición (1981). Estos programas ayudaron a mejorar cualitativamente este nivel educacional, impulsando el aprendizaje de los História da Educação - RHE

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niños desde el nacimiento. En 1989, Chile suscribió la Convención de los Derechos del Niño promovida a nivel internacional, lo cual significó un mayor afianzamiento de la educación parvularia en el país (Mineduc, 2001). Con la vuelta a la democracia en 1990, los gobiernos de la Concertación de Partidos por la Democracia propusieron un Programa de Mejoramiento de la Calidad y Equidad de la Educación - Mece - con el objeto de disminuir la brecha de la calidad de la educación entre los educandos más desposeídos y los de mejor situación (Caiceo et al., 2000). El Programa Mece destinó una importante suma a la educación pre-escolar en 1997 (unos 50 millones de dólares), lo cual ayudó a mejorar el sistema, pero, además, aumentar la cobertura, puesto que al inicio de esa década sólo el 28% de los niños menores de 6 años tenía atención pre-escolar; a su vez, si se analizaba tal porcentaje, se concluía que los niños entre 2 y 6 años que recibía atención de la educación parvularia, el 60% de ellos era de condición más acomodaba (Mineduc, 2001). Por lo mismo, tanto la Junji como Integra, tuvieron que aumentar sus esfuerzos para atender cada vez a más niños de menor situación económica, especialmente a los hijos de la mujer pobladora que debía trabajar para ayudar a mantener su hogar; en esta labor también comenzaron a colaborar activamente los establecimientos educacionales municipales y particulares subvencionados por el Estado en el Segundo Nivel de Transición (kinder).

Como una manera de apoyar todos los

programas de educación parvularia, a través de la Junta Nacional de Auxilio Escolar y Becas, entregaba alimentación especial a los niños y niñas que asistían a las aulas. En 1994 el sector Pre-Escolar pasó a formar parte de la estructura del Ministerio de Educación. Al año siguiente, como una manera de mejorar la educación entregada, se elaboró un Sistema de Evaluación Integrado para Párvulos (Evalua), centrándose en la evaluación de los aprendizajes (Mineduc, 2001). História da Educação - RHE

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El perfeccionamiento de este nivel educacional se reforzó bastante cuando en 1994 se creó el primer Magíster en Educación Parvularia en la Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación, a cargo del mismo estuvo María Victoria Peralta Espinoza. Esta persona se ha transformado en una de las más destacadas educadoras de párvulos del país de los últimos treinta años. La reforma educacional iniciada en Chile en 1996, también llegó al nivel de la educación parvularia y se establecieron las bases curriculares de la educación parvularia, a partir del 2001. Finalmente, en el 2008, se integró al sistema escolar con financiamiento público el Primer Nivel de Transición (pre-kinder), pudiendo ofrecerse tal nivel en todos los establecimientos municipales y particulares subvencionados del país.

Conclusiones Al llegar al final se puede concluir que Chile ha realizado un esfuerzo sostenido a lo largo del siglo 20 para integrar a los niños menores de 6 años a algún tipo de atención educativa; ello se ha notado mucho más a partir de 1970 cuando se creó por ley la Junta Nacional de Jardines Infantiles - Junji. El Estado se ha preocupado especialmente de atender a los niños más vulnerables en sus propias organizaciones (Junji e Integra), ha entregado financiamiento a los establecimientos educacionales que tengan los niveles pre-escolares (kinder y pre-kinder) y ha supervisado la labor que puedan desarrollar los privados a través de sus jardines infantiles. El Estado también se ha preocupado al dictar leyes que favorecen a las mujeres trabajadoras para que en sus instituciones tengan salas cunas para recibir a sus infantes entre 89 días y 2 años y sean atendidos gratuitamente. Sin embargo, a pesar de todos los esfuerzos, este es el nivel que tiene menos cobertura en el país y es el gran desafío para los próximos años.

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Manual

práctico

del

método

Montessori.

NÚÑEZ, Iván. Desarrollo de la educación chilena hasta 1973. Santiago de Chile: Piie, 1982. PERALTA, Victoria. El currículo en el jardín infantil. Santiago de Chile: Alfa, 1988.

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JAIME CAICEO ESCUDERO é profesor de Filosofía por la Pontificia Universidad Católica de Chile (1970), magister en Educación por la Pontificia Universidad Católica de Chile (1980) y doctor en Ciencias de la Educación por la Pontifica Universidad católica Argentina. Académico de pre y post grado en diversas universidades chilenas y argentinas; actualmente en la Universidad de Santiago de Chile (académico e investigador del magister en Educación y del doctorado en Ciencias de la Administración) y académico y director de tesis en el doctorado en Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de Cuyo. Enderecho: Calle Víctor Rae 5.400 - Las Condes - Santiago de Chile. E-mail: jcaiceo@hotmail.com.

Recebido em 17 de junho de 2010. Aceito em 12 de dezembro de 2010.

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EDUCAÇÃO COLONIAL EM PERNAMBUCO: UM ESTUDO DE CASO

Luiz Gustavo Lima Freire

 

Resumo Este artigo pretende reflectir sobre a educação colonial, especificamente durante o século 18, empreendida no Brasil, na Capitania de Pernambuco. Para cumprir esse objectivo utilizaremos alguns documentos do Arquivo Histórico Ultramarino procurando perceber como eles podem representar as ideias que vigoravam naquele período. Pretende-se nesse contexto, compreender quais eram as directrizes propostas para o ensino em algumas aldeias indígenas em Pernambuco e o quanto eram coerentes com a política pombalina e com os fundamentos do Iluminismo. Palavras-chave: Iluminismo, período colonial, educação, Pernambuco.

COLONIAL EDUCATION IN PERNAMBUCO: A CASE STUDY Abstract This article aims to reflect on the colonial education, specifically during the eighteenth century, held in Brazil in the province of Pernambuco. To meet this objective we will use some documents from “Arquivo Histórico Ultramarino” looking for to understand how they can representing the ideas that prevailed during that period. It is intended that context, to understand what were the proposed guidelines for teaching in some indian villages in Pernambuco and how were consistent with the policy of the marquis of Pombal and the foundations of the Enlightenment. Keywords: Enlightenment, colonial period, education, Pernambuco.

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EDUCACIÓN COLONIAL EN PERNAMBUCO: UN ESTUDIO DE CASO Resumen Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la educación colonial, específicamente durante el siglo 18, realizada en Brasil en la provincia de Pernambuco. Para lograr este objetivo vamos a utilizar algunos de los documentos de lo "Arquivo Histórico Ultramarino" buscando entender cómo pueden representar las ideas que prevalecieron durante ese período. Se pretende, en este contexto, entender cuáles fueron las directrices propuestas para la enseñanza en algunos pueblos indígenas en Pernambuco y cómo fueron coherentes con la política del marqués de Pombal y los fundamentos de la Ilustración. Palabras clave: Ilustración, período colonial, educación, Pernambuco.

ENSEIGNEMENT COLONIAL AU PERNAMBUCO: UNE ETUDE DE CAS Resumé Cet article propose une réflexion sur l'éducation coloniale, en particulier au cours de la dix-huitième siècle, tenue au Brésil dans la province de Pernambuco. Pour atteindre cet objectif, nous utiliserons des documents des "Arquivo Histórico Ultramarino" cherchant à comprendre comment ils peuvent représenter les idées qui ont prévalu pendant cette période. Il est prévu dans ce contexte, de comprendre quelles ont été les lignes directrices proposées pour l'enseignement dans certains villages indiennes de Pernambuco et comment étaient cohérente avec la politique du marquis de Pombal et les fondements des Lumières. Mots-clés: Lumières, période coloniale, éducation, Pernambuco.

O dilatar os meninos nos nomes, parece-me, que não é o mais útil, julgando mais acertado, escreverlhe o Padre Nosso, e mais orações, que assim se irão juntamente fazendo práticos na doutrina cristã, cientes no ajuntamento das letras, boa pronúncia das […] é o que nas escolas se procura1.

Este artigo propõe uma reflexão sobre as reformas intentadas no reinado de Dom José I, relativamente à educação, especialmente sobre um caso relacionado à Capitania de Pernambuco. A execução das mudanças oferecidas pela Monarquia durante o seu governo, foi pautada 1

Trecho da documentação manuscrita do Arquivo Histórico Ultramarino, cuja cota é AHU_ACL_CU_015, cx. 89, doc. 7202. História da Educação - RHE

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por um aparato legal para definir o funcionamento administrativo da instrução e estabelecer os conteúdos e as finalidades do ensino e da aprendizagem2. A instrução elementar, os estudos menores, deveria centrar-se, além da preparação para o ensino superior, no exercício das questões públicas, na doutrina cristã e na educação moral e cidadã. Para cumprir nosso objectivo, utilizaremos um conjunto de documentos manuscritos do espólio do Arquivo Histórico Ultramarino. O Iluminismo vivido em Portugal e, por extensão no Brasil, embora nesse último tenha tido contornos ainda mais característicos, foi marcado por singularidades se comparado à forma como foi experimentado nas outras potências europeias. Tratou-se de um Iluminismo chamado católico, ou seja, praticado sob a égide do catolicismo, da centralização política do Estado e das antigas convenções sociais e culturais (Araújo, 2003). A educação, enquanto construção social foi, naturalmente, um espelho dessa espécie de Iluminismo antinómico. Ela reflectia a conjuntura

e,

ao

mesmo

tempo,

legitimava

as

mudanças.

Era

precisamente por meio dela que se poderia e deveria incutir as luzes, libertar os homens da tutela da Igreja e os submeter a do Estado. Já no século 16 Coménio, em sua Didáctica magna, expunha concepções que tomavam a educação como um mecanismo formador da natureza. Dizia ele: Se queremos Igrejas e Estados bem ordenados e florescentes e boas administrações, primeiro que tudo ordenemos as escolas e façamo-las florescer, a fim de sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens e viveiros eclesiásticos, políticos e económicos. (1657, apud Monteiro, 2005, p. 46)

A educação, que tinha pertencido durante toda a Idade Média à Igreja, tinha sido então redescoberta pela Coroa como um aparelho do Estado-Nação. À sociedade civil, marcada pela revolução cultural 2

A disposição das palavras ensino e aprendizagem não é aleatória. Durante esse período existia uma predominância sobre o ensino. Pode-se acreditar até que os actores dos processos eram os professores em detrimento dos alunos. História da Educação - RHE

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humanista do Renascimento, pelo florescimento da burguesia e do capitalismo, pela reforma protestante iniciada por Martinho Lutero, pela contra-reforma consubstanciada pelo Concílio de Trento e pela revolução científica (quando a ciência até então atrelada à Filosofia separa-se dessa e passa a centrar-se num conhecimento mais prático e estruturado), impôs-se a laicização da escola de modo que essa pudesse se adequar às novas conjunturas, formando discípulos livres para cumprirem o exercício da cidadania. Desde o final do século 18, uma sucessão de leis foi diminuindo, paulatinamente, as acções dos religiosos, particularmente as dos inacianos. O primeiro-ministro do rei Dom José I, Sebastião José de Carvalho3, que possuía concepções vinculadas ao enciclopedismo francês, expulsou a Companhia de Jesus do Reino e seus domínios em 1759. Em 6 de novembro de 1772 ele decretou a estatização dos Estudos Menores e criou as escolas régias de ler, escrever e contar, cuja frequentação deveria ser gratuita, enquanto os mestres deveriam ser transformados em funcionários públicos e pagos pelo erário régio4. Em 6 de março de 1759 o governador da Capitania de Pernambuco, Luís Diogo Lobo da Silva, e o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real, trocam correspondência. Fazem parte dessa, documentos legais que deveriam ser utilizados para que se pudesse erigir vilas nas antigas aldeias de índios. A educação dos indígenas não foi descurada, pois foram dadas instruções para que se criassem escolas em cada uma daquelas novas vilas5. Documentos em anexo, escritos sob notada influência iluminista, evidenciavam como o 3

O investigador Tiago Miranda (2010) chama a atenção para o facto de que não se pode atribuir a expulsão dos jesuítas apenas às características pessoais do Marquês de Pombal. Na verdade, tratava-se de uma aliança política, com fins comerciais, na qual a Inglaterra estava profundamente implicada. 4 O Erário Régio foi uma instituição da administração fiscal portuguesa, criada pelo Marquês de Pombal para centralizar a gestão corrente das contas públicas, ou seja, uma reorganização do sistema de cobrança de impostos. Também procurava combater o fluxo contrabandista. 5 Não pretendemos aqui investigar o processo de edificação das vilas referidas. Essas foram citadas apenas como partes constituintes da documentação que utilizamos. Apesar disso, estamos convencidos que poderá ser importante compreender as especificidades da sua criação. História da Educação - RHE

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ensino deveria ser implementado. Eis o que dizia o enunciado de um deles: Direcção com que interinamente se devem regular os índios das novas vilas e lugares que sua majestade fidelíssima manda erigir das aldeias pelo que pertence as que estão situadas nesta capitania de Pernambuco e suas anexas enquanto o mesmo senhor não determina o contrário dando nova e melhor forma para o seu regime. (Regulamento)

Refira-se que, genericamente, a educação pensada para o ultramar podia não receber ou efectivamente não recebia grande atenção. O pensamento de Ribeiro Sanches, considerado uma grande personalidade portuguesa do século 18, pode representar a política da educação prevista para as possessões: Uma colónia deve-se considerar, no Estado político, como uma Aldeia a respeito da Capital. […] Proíbem-se as Escolas de Latim, etc., nas Colónias, para evitar o sumo prejuízo que causa ao Reino, que nelas os Súbditos nativos possam adquirir honras e tal estado que saiam da classe dos Lavradores, Mercadores e Oficiais. (1760, apud Carvalho, 2008, p. 442)

Embora se possa considerar que, para os jovens das classes sociais mais abastadas das colónias, os estudos podiam não ser inacessíveis, uma vez que, a esses, eventualmente as portas da metrópole estavam abertas. Os jesuítas tinham sido desnaturalizados, proscritos e exterminados de Portugal e seus domínios, depois de terem mantido uma união atribulada por mais de dois séculos. Num outro trecho daquele mesmo documento, pode-se perceber com que grau foi realizado o banimento dos inacianos: Sendo sua majestade fidelíssima servido pelos alvarás com força de lei de 6 e 7 de Junho de 1755 e 8 de Maio de 1758 abolir a administração temporal que os regulares exercitavam nas aldeias deste Reino mandando-as governar pelos seus respectivos principais na lamentável História da Educação - RHE

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rusticidade e ignorância com que até agora foram educados sem terem a necessária inteligência que se requer para o governo nem quem os possa dirigir propondo-lhes não só os meios da sua civilidade mas da conveniência e persuadir-lhes os próprios ditames da racionalidade de que tem vivido afastados. (1760, apud Carvalho, 2008, p. 442)

Era um tempo marcado pela valorização dos costumes e das regras. A educação moral, com a sua dimensão religiosa, mas também pública, secular e social, sem que nenhuma pudesse sobrepujar a outra, estava na base da construção da sociedade civil. O século 17, especialmente, tinha sido marcado pelas ideias de John Locke considerado, por muitos, um dos maiores filósofos e teóricos da educação de todos os tempos. Suas concepções giravam em torno do alcance e natureza do saber do homem, da primazia da aprendizagem da virtude, da formação do carácter, da desvalorização da memorização como fim em si mesma e dos castigos corporais. Locke afirmava que o saber tem origem na experiência e, por isso, foi baptizado como o pai do empirismo filosófico inglês. Nessa conjuntura, não se pode esquecer também as ideias de Rousseau, chamado de pai da pedagogia contemporânea. Na obra Émile, ele desenvolve um modelo de educação natural, que privilegiava a formação do homem através da e para preservar a sua liberdade, e contribuiu para realçar as concepções relacionadas à infância e às atitudes pedagógicas. Não se pode dizer que a partir das suas ideias tenha-se operado uma revolução, mas suas concepções foram altamente importantes para aquilo a que séculos mais tarde chamaríamos de movimento da Educação Nova. Relativamente à ligação desse filósofo com o Iluminismo, sua abrangência e importância, Monteiro (2005, p. 69) afirmou: A Revolução Francesa transladou Rousseau para o Panteão (em 1794), mas não conseguiu revolucionar a educação. Enraizado na noite dos tempos, o holismo do velho direito de educação absorveu a nova seiva do História da Educação - RHE

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individualismo do direito à educação reclamado por Émile.

Durante o século 18, as ideias do enciclopedismo destacavam-se na Europa. A virtude, antes inatingível e insociável - um desígnio de Deus -, teria que ser conquistada pelos homens. Esses deveriam estar agora ao serviço do Estado. No campo da educação era importante favorecer o entendimento e a competência crítica, de modo a que se evitasse um atraso social e económico ainda maior. A memorização como meio e finalidade única e exclusiva dos métodos teria que deixar de existir, pois num tempo marcado por profundas mudanças, significaria a falta de modernidade, uma reprodução de fatos, procedimentos, condutas e coisas (Hoonaert e Azzi, 1992). A própria Igreja tinha passado a admitir que um dos modos de conter a reforma protestante era ensinar aos seus seguidores meios educativos que os habilitassem a compreender a religião. Era um período representado pela convicção da educação universal baseada na racionalidade. Somente uma escola pública, nacional, estatal e neutra religiosamente, estaria apta para formar cidadãos. A efectuação da sua obrigatoriedade, gratuidade e laicismo, assumia-se como a pedra de toque do ideal pedagógico cívico. Era necessário, naqueles tempos, legalizar a constitucionalização das liberdades, inclusive religiosas, a soberania nacional, a paz civil, o direito público moderno e a democracia (Catroga, 2006). Como afirma Carvalho (2008), relativamente às dificuldades da Companhia de Jesus para manter-se a frente do ensino no século 18, era completamente impossível defender a velha filosofia depois das descobertas de Galileu, de Descartes, de Newton, de Leibniz e de Huygens, e depois das invenções do barómetro, do termómetro, da máquina pneumática, do telescópio e do microscópio. (p. 386)

No caso de Portugal, as ideias iluministas não foram experimentadas de forma uniforme ou mesmo regular, porque essas mudavam de acordo com o tipo de ensino, público ou particular, de género, masculino e História da Educação - RHE

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feminino, e do grau de interferência do Estado. O Iluminismo em Portugal tinha contornos humanistas sem, contudo, ser propriamente renovador, porque combinava os interesses do Estado aos da Igreja com o objectivo de formar cristãos que pudessem servir ao Rei, como mostra um trecho do alvará de criação da Directoria Geral dos Estudos, de 28 de junho de 1759: Eu El Rei. Faço saber aos que este alvará virem, que tendo consideração a que da cultura das Ciências depende a felicidade das Monarquias, conservando-se por meio delas a Religião, e a Justiça na sua pureza, e igualdade; e a que por esta razão foram sempre as mesmas Ciências o objecto mais digno do cuidado dos Senhores Reis meus Predecessores, que com as suas reais providencias estabeleceram, e animaram os Estudos públicos; promulgando as Leis mais justas, e proporcionadas para que os Vassalos da minha Coroa pudessem fazer à sombra dela os maiores progressos em beneficio da Igreja, e da Pátria.

Consultando-se esse alvará e a documentação que referimos acima, percebe-se que, entre as instruções dadas aos professores, figuravam aquelas que se relacionavam à necessidade de formar bons súbditos e cristãos. Quanto aos mestres, esses deveriam ter rectos costumes, a serem confirmados, porque serviriam de exemplo para os discípulos. Aqueles deveriam ter uma conduta exemplar, boas virtudes, acções nobres, além de ciência e erudição. O ensino deveria ser pautado por um forte sentido religioso. Entre os seus objectivos estavam a instrução nos ministérios da fé, da confissão, do recebimento dos sacramentos, da eucaristia,

do

catecismo.

Era

necessário

incutir

nos

discípulos,

considerados tábulas rasas, o respeito às autoridades eclesiásticas e seculares. Assim, podemos dizer que tínhamos um panorama, que podia ser representado por uma tríade constituída pela Ciência, Religião e Estado. O alvará dos estudos de 1759 determinava que as escolas deveriam ter um director, a quem caberia a execução das directrizes dadas pelo Rei; enquanto aos mestres, o ministério do saber ou das cartilhas. Uma História da Educação - RHE

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das obrigações dos directores das escolas, que deveriam ser fundadas na capitania de Pernambuco para ensinar os índios, era a seguinte: estabelecer nas suas respectivas vilas e lugares o uso da Língua Portuguesa não consentindo de modo algum que os meninos e meninas que pertencerem as escolas e todos aqueles índios que forem capazes de instrução nesta matéria usem da língua própria das suas nações ou da chamada geral, mas unicamente da portuguesa.

Essa era uma medida perfeitamente coerente com a política do marquês de Pombal, que estabeleceu oficialmente a língua portuguesa no Brasil, interditando a utilização das línguas gerais em 17576. Ainda a partir da mesma documentação, fica clara a distinção no tipo de ensino que deveria ser dado aos discípulos, consoante fossem do gênero feminino ou masculino, além das qualidades pessoais que os mestres deveriam apresentar:

[É] fundamental haver em todas as vilas ou lugares duas escolas públicas uma para rapazes e outra para raparigas nas quais se ensinará a doutrina cristã, ler, escrever e contar na forma que se pratica em todas as nações civilizadas ensinando-se na das raparigas além da doutrina cristã a ler e escrever, fiar, fazer renda, costuras e todos os mais ministérios próprios daquele sexo […] para a subsistência das sobreditas escolas haverá um mestre uma mestra que devem ser pessoas dotadas de bons costumes prudência e capacidade de sorte que possam desempenhar as obrigações dos seus empregos.

Como se vê, considerava-se que as acções pedagógicas dos mestres eram o produto das suas qualidades e atitudes. O ensino pautado pelo Iluminismo Católico deveria, como o próprio nome sugere, privilegiar o catolicismo. Para delinear seu modo e normalizar o ensino, 6

Em Portugal, a reforma pombalina provocou uma valorização do ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, simultânea ao do da Língua Latina. Contou-se com a influência de Verney, um notável iluminista português, que se opôs à Companhia de Jesus, deflagrando várias ideias modernas para o período, entre as quais, a de que as mulheres deveriam estudar exactamente como os homens. Ele chegou mesmo a considerar que se tantas mulheres estudassem, quantos homens, seriam elas quem reinariam. Uma descrição mais completa do papel desse autor na educação do século 18, bem como de sua obra, pode ser vista em Carvalho (2008). História da Educação - RHE

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“especialmente nas vilas indígenas que tinham sido recentemente criadas em Pernambuco”, existiam orientações, que podem ser compreendidas a partir de mais um trecho daquela documentação: Breve instrução para ensinar a doutrina cristã, ler e escrever aos meninos e ao mesmo tempo os princípios da Língua Portuguesa e sua ortografia. […] É inegável que os mestres das escolas exercitam ocupação mais nobre e mais útil ao Estado e a Igreja porque eles são quem nos infundem no espírito as primeiras imagens e os primeiros pensamentos que devemos ter do santo temor de Deus da obediência ao Rei e aos seus ministros respectivos do amor e respeito aos nossos maiores do afecto necessário à Pátria e aos interesses da monarquia […]. São 11 mestres e mestras nas escolas os que nos dão as primeiras ideias do equilíbrio que devemos guardar nas nossas acções para que essas não sejam abomináveis ao Estado e nem escandalosas a religião cristã […]. É preciso ensinar-lhes Pai Nosso não materialmente mas capacitando os meninos das sete petições que fazemos a Deus nesta santa oração […], como também Ave Maria.

Note-se

que

a

expressão

“ensinar-lhes

Pai-nosso

não

materialmente mas capacitando” é notadamente um “fecho de luz” grato à experimentação, que as ciências pretendiam adoptar. Nesse texto, podese perceber o hibridismo característico do Humanismo empreendido em Portugal e no Brasil. Com efeito, devia-se privilegiar a experimentação e a descoberta, mas também a sensibilidade religiosa. Dessa forma, percebe-se como era importante o ensino da doutrina cristã através dos seus principais pilares, tais como, as orações, como, por exemplo, o Credo, o ato de contrição, os mandamentos da lei de Deus e da Santa Igreja, os apóstolos, os sacramentos (como por exemplo: a confissão). Para além do ensino dos princípios da sagrada religião era preciso, também, ensinar “as virtudes ecologais que seriam três: fé, esperança e caridade”, além das “obras de misericórdia”. Aquela breve instrução pressupunha ainda, como já referimos, a aprendizagem da língua portuguesa como, por exemplo: dos artigos, pronomes, verbos, advérbios, conjunções, orações, adjectivos, ortografia, número, género e numerais, bem como demais aspectos, tais como: dos História da Educação - RHE

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nomes próprios das pessoas e das profissões. Para tanto, seriam impressos livros compostos, entre outros aspectos, pelo alfabeto, como mostra outro trecho daquele documento: Por 25 letras destas são seis letras vogais: chamam-se vogais porque cada uma por si só tem um som completo ou forma uma sílaba. E as 19 são consoantes: chamamse consoantes porque não significam nada por si sós sem o auxílio das vogais. Com as 25 letras se formam todas as sílabas e todas vozes ou palavras.

Segundo a documentação e conforme já aludido, o mestre deveria ser uma pessoa tratável, branda e modesta, de modo que os estudantes não tivessem “medo do seu castigo” e assim, não “odiassem o caminho da escola”. Deveria existir correcção para que “eles não esquecessem de respeitar quem os ensinava”. “O golpe da disciplina e da palmatória” também poderia ser utilizado, desde que se visse que o erro dos alunos se devia à “preguiça”. Sendo uma consequência da “rudeza”, o castigo podia não ser executado. Em contrapartida, os alunos mais aplicados deveriam ser recompensados - aplaudidos. Lembremos que durante toda a Idade Média as punições foram aplicadas com braveza e que os inacianos, nesse sentido, foram os primeiros a revelarem-se moderados, entre mais motivos, porque não desejavam estimular conflitos com os pais dos discípulos, pessoas muitas vezes

poderosas.

Ainda

assim,

pode-se

perceber,

segundo

a

documentação aludida, que os castigos continuaram sendo utilizados. Como era um período no qual descobria-se e valorizava-se a infância, a continuação da utilização “do golpe da disciplina e da palmatória” pode ser entendida, por exemplo, a partir do hibridismo do Iluminismo português. Em tom de conclusão podemos considerar que as ideias iluministas aplicadas à educação em Portugal e no Brasil, intentadas pelo marquês do Pombal, podem ser consideradas irregulares, sobretudo se olhadas a partir desse caso particular, que procuramos investigar. Como mostram os História da Educação - RHE

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documentos que utilizamos, os métodos pedagógicos pensados para os índios das novas aldeias que foram fundadas em Pernambuco demonstram que, durante o período pombalino, o cunho científico da educação permaneceu reduzido pela tradição cultural, embora possamos falar de um certo avanço, haja vista que o ensino público estava sendo instituído, ainda que de forma precária. Em Portugal, Carvalho (2008) chama a atenção para o quadro caótico que se estabeleceu logo após a expulsão dos jesuítas. Contribuíram para isso a falta de professores, de pagamento dos seus vencimentos, das matérias de ensino (Retórica, Filosofia, Teologia) e continuação do uso das gramáticas jesuíticas depois da expulsão da Companhia. O autor nos dá conta que o próprio director geral do ensino só teria recebido seus vencimentos depois de seis anos de exercício no cargo. Pelos manuscritos utilizados percebe-se que o ensino continuou destacando a formação filósofica e humanista, porque os preceitos da religião continuaram influenciando ou, até mesmo, condicionando o espírito científico: a crítica, a análise e a experimentação. A tradição enraizada no Reino influenciava a educação ministrada na colônia, que espelhava em grande medida seu espírito conservador. O grau do êxito da reestruturação pombalina atinente à educação, nesse caso específico, parece que foi relativo. Embora não possamos e nem tenhamos pretendido reflectir sobre a eficácia da implementação das directrizes, consideramos que essas só eram parcialmente coerentes com as ideias iluministas, sobretudo se tivéssemos procurado estabelecer uma comparação com as ideias iluministas experimentadas nas nações mais desenvolvidas, ou nas quais a influência da Igreja Católica teria sido menor. Com efeito, a existência de normas podia não garantir a sua aplicabilidade.

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Referências ARAÚJO, Ana Cristina. A cultura das luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. CARVALHO, Rômulo de. História do ensino em Portugal: desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. CATROGA, Fernando. Secularização e laicidade: a separação das igrejas e da escola. In: PINTASSILGO, Joaquim et al (orgs.). História da escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Edições Colibri/Centro de Investigação em Educação, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2006, p. 13-40. HOONAERT, Eduardo. História da igreja no Brasil: interpretação a partir do povo. Petrópolis: Vozes, 1992.

ensaio

de

MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis. Expulsão dos jesuítas: cortados pela raiz. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, n. 51, dez., 2009, p. 75-77. MONTEIRO, Agostinho dos Reis. História da educação: uma perspectiva. Porto: Porto, 2005. Os documentos utilizados nessa investigação, cuja cota é AHU_ACL_CU _015, cx. 89, doc. 7202, fazem parte do acervo do Arquivo Histórico Ultramarino.

LUIZ GUSTAVO LIMA FREIRE é doutorando em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, bolsista da Fundação de Apoio à Ciência e à Tecnologia, mestre em Ciências da Educação pela FPUL e pós-graduado em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Unicap. Atuou como investigador no projeto de documentação histórica Resgate: Barão do Rio Branco, do Ministério da Cultura do Brasil, no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa e na Biblioteca Nacional de Portugal. Endereço: rua António Nobre, n. 6, apto. 7º D, Monte Abraão, 2745-250, Portugal. E-mail: luizgustavolfreire@ig.com.br.

Recebido em 31 de março de 2011. Aceito em 8 de junho de 2011.

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O PERIÓDICO A PALAVRA COMO POSSIBILIDADE DE ESTUDO DA ASSOCIAÇÃO CATÓLICA DE PROFESSORES (PELOTAS/RS 1930-1940)

Adriana Duarte Leon

 

Resumo Este artigo tem como objetivo abordar aspectos sobre a existência da Associação Católica de Professores e Cultura Social, no município de Pelotas/RS, nas décadas de 1930 e 1940. Pela análise do periódico A palavra, busca-se tecer considerações sobre a existência, função e intervenção desta Associação no município. A periodização estabelecida está relacionada com o período auge de atuação da instituição. A análise das fontes leva a crer que a Associação surge com a função de propagar e defender os interesses da Igreja católica junto a instituições educacionais, principalmente junto às instituições públicas. O estudo desta instituição é profícuo, pois a mesma cumpriu papel significativo na história da profissão docente no município de Pelotas. Palavras-chave: Associação Católica de Professores, igreja católica, história, profissão docente.

THE PERIODICAL A PALAVRA AS A SOURCE TO STUDY THE CATHOLIC ASSOCIATION OF TEACHERS (PELOTAS/RS 1930-1940) Abstract This article aims at discussing aspects of the Catholic Association of Teachers and Social Culture, in Pelotas city, Brazil, in the 1930's and 1940's. The roles and actions of this association are analyzed via the periodical A palavra. The period set to be studied is related with the most prestigious period of the association. The sources make us believe that the association is thought as an instrument to divulge and defend Catholic Church interests related to educational institutions. História da Educação - RHE

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The study of this institution is very helpful to understand how catholics had significant influence on teacher profession in Pelotas. Key-words: Teachers Catholic Association, catholic church, teacher profession. EL PERIÓDICO A PALAVRA COMO POSSIBILIDAD DE ESTUDIO DE LA ASOCIACIÓN CATÓLICA DE PROFESORES (PELOTAS/RS 1930-1940)

Resumen Este artículo tiene como objetivo abordar aspectos sobre la existencia de la Asociación Católica de Profesores y Cultura Social, en el pueblo de Pelotas/RS, en las décadas de 1930 y 1940. Por medio de análisis del periódico A palavra, se busca tramar consideraciones sobre la existencia, función e intervención de esta Asociación en el pueblo. La periodización establecida esta relacionada con el apogeo de la actuación de la institución. El análisis de las fuentes lleva a creer que la Asociación aparece con la función de difundir y defender los intereses de la Iglesia Católica junto a las instituciones educacionales, principalmente junto a las instituciones públicas. El estudio de ésta institución es provechoso, pues la misma cumplió papel significativo en la historia de la profesión docente en el pueblo de Pelotas. Palabras-clave: Asociación Católica de Profesores, iglesia católica, historia, profesión docente. LE JOURNAL A PALAVRA COMME UNE POSSIBILITE D’ÉTUDE DE L'ASSOCIATION DES ENSEIGNANTS CATHOLIQUES (PELOTAS/RS 1930-1940) Resumé Cet article vise à aborder les aspects de l'existence de l'Association catholique des enseignants et de la culture sociale dans la ville de Pelotas/RS, dans les années 1930 et 1940. En analysant le mot Journal cherche à faire des considérations sur l'existence, le rôle et l'intervention de l'Association dans la ville. Le calendrier fixé est liée à la période de pointe du fonctionnement de l'institution. L'analyse des sources suggèrent que l'association se pose avec la fonction de multiplication et de défendre les intérêts de l'Eglise catholique en collaboration avec les établissements d'enseignement, principalement en provenance des institutions publiques. L'étude de cette institution est utile, car elle a rempli un rôle important dans l'histoire de la profession enseignante dans la ville de Pelotas. Mots-clés: Association des Enseignants Catholiques, l'église catholique, l'histoire, la profession enseignante.

Introdução Este artigo aborda aspectos sobre a existência da Associação Católica de Professores, no município de Pelotas, nas décadas de 1930 e História da Educação - RHE

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1940. Por meio de investigação do periódico A palavra, busca-se tecer considerações sobre a existência, função e intervenção dessa instituição no município. O periódico A palavra foi um importante meio de difusão das idéias defendidas pela Igreja Católica no município de Pelotas e região. O jornal, com edição semanal, era distribuído para toda a diocese. A primeira edição do jornal é de 1912 e a última, que consta no acervo da mitra diocesana na cidade de Pelotas, data de 1959. O jornal se constituiu em um importante mecanismo de disputa e divulgação da ideologia da Igreja Católica. Ele representava, nas décadas de 1930 e 1940, o meio oficial de divulgação das questões de interesse da Igreja na região. Em 1942, na comemoração dos trinta anos de veiculação do jornal, uma nota demonstra o objetivo deste impresso: O jornal católico é um lutador que se coloca francamente do lado de Cristo e de sua Igreja. Outros jornais trazem por vezes artigos ou noticias religiosas, porém não se declaram católicos nem o pretendem ser. O jornal católico dedica-se à causa de Cristo a sua existência, o seu trabalho, os seus interesses. (A palavra, 1º/1º/1942)

O impresso, utilizado como fonte para o estudo deste artigo, explicita o delicado contexto nacional de disputa entre Estado e Igreja Católica. Como diz Le Goff, “todo registro é fruto de um contexto e não é possível analisá-lo de forma isolada” (1996, p. 545). Segundo esse autor, o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Sendo assim, o jornal aqui analisado é reflexo da conjuntura nacional e apresenta as iniciativas da Igreja para consolidar novos espaços. O jornal A palavra é um instrumento importante para melhor conhecimento da Associação Católica de Professores, visto que é um dos poucos registros escritos que indicam, até o momento, a existência da instituição.

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Os periódicos como fonte de pesquisa O periódico A palavra circulou na cidade de Pelotas de 1912 a 1959. Apresentava edição semanal e se consolidou como um importante meio de comunicação da Igreja Católica. Amaral (2007), ao analisar a ação da igreja, por intermédio do jornal A palavra, afirma que

o periódico tornou-se efetivamente um meio estratégico de inculcação ideológica da mitra diocesana, que passava a utilizá-lo como um veículo de propaganda do catolicismo com forte poder coercitivo sobre os quadros da Igreja e seus fiéis. (p. 157)

Os periódicos são uma fonte em potencial para pesquisa, já que fornecem elementos substanciais no que se refere ao contexto e às disputas locais. Barreira (2004), estimula a utilização dos periódicos como fonte de pesquisa, considerando a possibilidade de compreender, por meio desse tipo de fontes, os dispositivos discursivos, bem como as divergências ou disputas sociais nas suas manifestações explícitas:

Eleger periódicos como objeto de estudo permite que o historiador amplie suas fontes tradicionais e, assim, tenha acesso aos dispositivos discursivos que configuram determinados campos do saber. A análise desses materiais possibilita apreender como os indivíduos produzem seu mundo social e cultural - na intersecção das estratégias do impresso, que visa instaurar uma ordem desejada pela autoridade que o produziu ou permitiu sua publicação, com a apropriação feita pelos leitores: nesse espaço, percebemos as dependências que os unem e os conflitos que os separaram, detectamos suas alianças e enfrentamentos. (Idem, p. 402)

Conforme Le Goff (1996), todo registro é fruto de um contexto e não é possível analisá-lo de forma isolada. As notas de periódicos transcritas compõem uma gama de documentos que podem ser fonte para análises e estão imersas em uma realidade que precisa ser compreendida e relacionada para que se entenda a sua produção. Como História da Educação - RHE

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o próprio autor diz, o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. (p. 545)

Por meio da imprensa pode se perceber conflitos e disputas locais que, não perdendo de vista a conjuntura nacional, podem ajudar a explicar as singularidades de cada região. Nóvoa (1997), ao discorrer sobre a utilização da imprensa como fonte, faz a seguinte afirmação: A análise da imprensa permite apreender discursos que articulam práticas e teorias, que se situam no nível macro do sistema, mas também no plano micro da experiência concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo que denunciam situações do presente. Trata-se, por isso, de um corpus essencial para a história da educação. (p. 11)

Embora a imprensa seja uma fonte em potencial para pesquisa, o seu manuseio e análise exigem domínio de contexto, domínio das condições histórico, sociais e políticas em que foram produzidos os documentos. Caso contrário, corre-se o risco de produzir uma descrição sem consciência dos conflitos ali explícitos. Bastos (2002), sobre os cuidados necessários no trato de impressos, diz que cabe ao pesquisador fazer uma desmontagem do texto da imprensa - a fim de desvelar os significados, as contradições e as diferenças de forma e de conteúdo das falas que produz. Essa desmontagem significa análise do processo e das condições de sua produção/construção, a partir dos discursos disponíveis. (p. 153)

Como dito anteriormente, o periódico A palavra é, até o momento, a principal fonte escrita que indica a existência e atuação da Associação Católica de Professores, na diocese de Pelotas. Sendo assim, buscou-se

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recompor, por meio de notas de jornais, a história da Associação Católica de professores e tecer considerações sobre a existência, função e intervenção dessa instituição no município.

A Associação de Professores Católicos Em um contexto nacional de disputa e efervescência política surge, na cidade de Pelotas, a Associação Católica de Professores. A Igreja, de acordo com Gonçalves (2007), a partir da década de 1920, recorreu às associações literárias, culturais e de imprensa, aglutinando intelectuais em seu projeto de (re)atualização. No jornal A palavra, várias notas explicitam a disputa de espaço realizada pela Igreja Católica. O ensino religioso, facultativo nas escolas, era um debate polêmico no período e a Igreja estava decidida a disputar sua inserção nas instituições educativas. Constrói-se a idéia de que a educação, baseada nos princípios do catolicismo, é a única viável para os católicos: Educação Um dos assuntos que muito deve interessar aos pais é sem dúvida alguma a educação dos filhos, e isso é um problema de não fácil solução por parte de todos aqueles que o encaram devidamente. Existem vários métodos de instrução: leiga, atéia, etc. Aponto como única e verdadeira a que é ministrada sob a base de nossa santa religião e que, portanto está apta para formar os homens do amanhã. (A palavra, 1º/03/1930)

Percebe-se, neste período, uma série de iniciativas que buscam orientar uma postura dos católicos, quase sempre bastante relacionadas com as políticas adotadas no país. O programa do eleitor católico, publicado em 1932, é conseqüência desta reorganização da Igreja Católica e busca sugerir a postura que deve ser adotada por um católico e quais itens devem ser considerados no momento de escolha de sua representatividade.

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Programa do eleitor católico 1 - Ser eleitor independente, ou filiar-se a um partido que, além de outros objetivos patrióticos, pleiteie: 1° Deus na constituição e um dia oficial de ação de graças; 2° Ensino facultativo de religião nas escolas; 3° Repulsa ao divórcio; 4° Registro do casamento religioso para efeitos civis; 5° Descanso dominical; 6° Honestidade administrativa; 7° Unidade do Brasil e distribuição eqüitativa das rendas Federais, em benefício dos diversos Estados; 8° Desdobramento e coordenação das vias de penetração, convergindo para uma via de ligação interna entre o norte e o sul do Brasil; 9° Proteção às classes agrícolas e operárias; 10° Fomento à produção e à exportação: e repressão do protecionismo exagerado; 11° Completa isenção de impostos para os gêneros de primeira necessidade. 1 - Formar juntas paroquiais consultivas, para orientação da consciência eleitoral católica, e seleção de candidatos. 2 - Em qualquer hipótese, negar sempre seu voto a um candidato ímpio ou desonesto ou absorvente. Nota: pede-se a todos os jornais católicos transcreverem este programa. (A palavra, 10/4/1932)

A passagem acima aparece em várias edições do periódico A palavra. Em alguns momentos, junto dela aparece um apelo aos católicos para divulgar a orientação em seus espaços de atuação: associações, escolas e grupos de forma geral. De todos os itens citados no programa do eleitor católico, percebese que a ênfase neste período está voltada para a garantia do ensino de religião facultativo nas escolas. A década de 1930 foi um período importante para a disputa política da igreja neste item. O Estado, por sua vez, estabeleceu uma parceria discreta com a Igreja e acabou por garantir o ensino religioso facultativo nas escolas. Uma vitória do catolicismo Todos os defensores da escola laica - liberais, maçons, bolcheviques et caterva - devem estar, esta hora, descontentes e com forte razão. A vitória do ensino religioso nas escolas não pode sofrer contestação. Os resultados do seu estabelecimento nas diversas unidades História da Educação - RHE

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brasileiras são extraordinários, não se registrando, até hoje, nenhum dos inconvenientes apontados pelos inimigos da religião. (A palavra, 10/5/1936)

A Igreja Católica atua com apoio do Estado e intervém diretamente na educação. A atuação da Igreja pode ser percebida na criação de instituições filantrópicas, como creches e outros espaços educacionais, que recebiam auxílio financeiro dos órgãos federais e propagavam, além do catolicismo, as políticas do Estado. Assim, como destaca Buffa (1979, p. 101), “colocando-se a serviço da classe dominante, a Igreja contribui para a manutenção do status quo”. O apoio da Igreja ao Estado pressupõe a troca de alguns compromissos, principalmente aqueles referentes à luta anticomunista. Tambara (1993) demonstra que a Igreja e o Estado estabelecem nesse período uma relação de interdependência: note-se que, na prática, ocorre uma interdependência, isto é, da mesma forma que a Igreja necessitava do governo para implementar seus programas de assistência à classe trabalhadora, o governo necessitava da Igreja para legitimar suas medidas e/ou para manter sob controle a massa de operários. (p. 63)

Com o crescimento da indústria e do operariado assalariado, fica gradativamente mais evidente a organização deste através de sindicatos e outras organizações de classe. Muitos imigrantes vinham para o Brasil em busca de novas possibilidades e acabavam por trabalhar nas indústrias, trazendo consigo idéias comunistas, socialistas e anarquistas. Nagle (1974) mostra que os imigrantes ocuparam papel relevante no campo

social,

tendo

colaborado

no

processo

de

urbanização,

industrialização e difusão de novas idéias no campo social. O Estado, por sua vez, necessitava acalmar essas manifestações. Eis aí um importante espaço com o qual a Igreja contribuía, através de impressos, associações, pastorais, fomento aos círculos operários1, instituições 1

Sobre círculos operários ver Tambara (1993) e Barreto (1996). História da Educação - RHE

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educacionais e outros. Educação e comunismo O comunismo é essencialmente perverso à educação da criança e malévolo à formação do homem por ser antireligioso, admitir o monopólio estatal e subverter os meios educacionais. É anti-religioso. [...] Ora o comunismo pretende em sua utopia alcançar nesta terra um paraíso material com a redenção do proletariado. Transforma, desse modo, o fim último do homem que é Deus e a bem aventurança eterna em uma mera ilusão terrena. (A palavra, 7/12/1945)

A Igreja Católica estabeleceu publicamente seu posicionamento contra o comunismo e o Estado adotou uma política de concessão de benefícios sociais passando, assim, a assumir o discurso reivindicatório das camadas populares e aniquilando muitos dos movimentos que haviam surgido na década anterior. Nesse sentido, Tambara (1993) mostra que a ideologia da outorga somente obtém sucesso devido ao caráter de legitimação que vários segmentos da sociedade deram a estas conquistas como atitudes e comportamentos que atestam a boa vontade do governo com os menos favorecidos. (p. 70)

As iniciativas da Igreja Católica de criação de associações, grupos representativos, centros de integração e grupos de operários são apoiadas pelo Estado. A Associação Católica de Professores se encaixa nessas iniciativas.

Associações: representação Profissional A liberdade de associação é forma preciosa das garantias oferecidas pelo direito público. Aos cidadãos assiste a faculdade de se reunirem sob a bandeira associativa para exercer em conjunto uma atividade comum, com um objetivo lícito. Ao Estado cumpre assegurar a liberdade de associação, em toda a sua plenitude. É essa uma conquista da civilização, proclamada em todos os condignos políticos modernos, sem outras restrições que não sejam as dispostas pela moral e ordem pública. Mas, não bastava assegurar o direito de associação. Era mister protegê-lo. E o Estado vem ao encontro do regime História da Educação - RHE

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associativo, dando-lhe a proteção que merece. (Diário popular, 12/1/1933)

A Associação Católica de Professores foi fundada na cidade de Pelotas na década de 1930. Em 1932, aparece uma nota no jornal A palavra, que divulga a Associação de Professores Católicos do Rio de Janeiro e convoca os professores católicos a organizarem-se em associações a fim de defender os interesses do catolicismo. Até agora o nosso professorado católico tem em alguns casos se mantido indiferente a certas questões que dizem respeito a religião e de um modo especial ao ensino religioso. Quando foi por ocasião do decreto de ensino religioso facultativo nas escolas passaram se vários telegramas de felicitações ao governo. Mas esse decreto não era e nem é definitivo. Pode ser anulado de um momento para o outro. Urge, pois, que os católicos, mas especialmente os professores católicos, se unam em associações e empreguem todos os seus esforços para que esse decreto se torne definitivo. (A palavra, 4/9/1932)

Aproximadamente um ano após a publicação desta nota, em 1933, surge no mesmo impresso a divulgação de um curso de Filosofia, já organizado pela Associação de Professores Católicos: Associação de Professores Católicos Curso de Filosofia Organizado pela associação de professores católicos, desta cidade, qual escolheu para patrono o venerável P. José de Anchieta, foi inaugurado, no dia 14 passado, em uma das dependências do conceituado Colégio Félix da Cunha, o curso de Filosofia. [...] Merece elogios essa grande iniciativa da culta associação de professores católicos, que assim vem preencher uma lacuna que existia em nosso meio intelectual, caracterizada na falta de um curso superior de Filosofia. (A palavra, 23/7/1933)

No mesmo ano do curso de Filosofia, em outubro, aparece uma homenagem aos professores intitulada O dia do mestre, também organizada pela Associação de Professores Católicos.

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O “Dia do Mestre” Passou o 15 deste o dia que foi consagrada a celebração da memória do nosso primeiro mestre, desse obscuro e abnegado guia que nos levou ao conhecimento das primeiras letras. Não há como negar que esta consagração é das mais justas, como também muito justas as homenagens que hoje prestamos àquele a quem devemos uma gratidão incorredoura. Por assim julgar, foi que Associação de Professores Católicos de Pelotas resolveu solenizar o „Dia do Mestre‟ com a celebração de uma santa missa que teve lugar na catedral às 8h. (A palavra, 22/10/1933)

O ano de 1933 foi o primeiro ano, por iniciativa da Igreja Católica, de comemoração do dia do professor. De acordo com Vicentini (2004), a Associação de Professores Católicos do Distrito Federal estimulou a homenagem aos primeiros mestres com intuito de agrupar em âmbito nacional os professores católicos. É nesse contexto que a Associação de Professores Católicos de Pelotas surge com objetivo explícito de ampliar a intervenção organizada da Igreja junto ao magistério. É contemporânea de várias outras associações que surgiram com o objetivo de disputar a ideologia católica na sociedade em oposição clara aos preceitos da ABE2 e do escolanovismo3. Tal polarização pode ser percebida no trecho abaixo: Pedagogos... Não é sem grande tristeza que vemos alguns pedagogos da Escola Nova, no afã de se tornarem notáveis, baralharem educação com ilustração. [...] Este método não completa a necessidade da espécie humana, embora em voga nos nossos meios culturais. Falta-lhe lógica, embora lhe sobrem os sofismas. Como se educa 2

A Associação Brasileira de Educação - ABE - foi fundada em 1924 e tinha como principal função a realização de conferências nacionais, publicações de revistas e promoção de cursos diversos. A criação da ABE foi uma demonstração de que a educação fazia parte do debate nacional e logo em seguida ganharia visualização através da polarização entre os representantes do movimento da Escola Nova e da Igreja Católica. 3 O movimento da Escola Nova defendia a escola pública, universal, laica e gratuita. Tais princípios reivindicados pelos escolanovistas se opunham aos interesses da Igreja Católica que possuía expressiva inserção em espaços educacionais privados e defendia o ensino religioso nas escolas, entendido como ensino baseado no catolicismo.

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espiritualizando? Alimenta-se no homem a cultura da inteligência não menosprezando a formação do coração que deve seguir o desenvolvimento seguindo as normas do direito natural e divino. É isto por necessidade da própria natureza humana que não pode ficar a mercê de espíritos menos refletidos. (A palavra, 27/10/1935)

Tudo indica que a Associação Católica de Professores foi fundada em Pelotas no ano de 1933, considerando as atividades realizadas naquele ano e uma nota publicada em 1934, abaixo transcrita, que afirma à existência da Associação há mais de um ano na cidade. Esta nota também anuncia a junção do Centro Don Vital com Associação Católica, bem como descreve brevemente movimentos de organização da associação. Associação Católica de Professores e de Cultura Social Há mais de um ano funciona nesta cidade a associação de professores católicos com a finalidade das existentes em todas as grandes cidades do Brasil. Ultimamente de acordo com a autoridade eclesiástica, tentou o Clérigo Heitor Cavalcante congregar os intelectuais católicos de nosso meio, no intuito de fundar aqui uma filial do centro Don Vital do Rio de Janeiro. Os trabalhos para a organização da nova sociedade iam seguindo o seu curso natural, quando surgiu a idéia de fundar a A.P.C e os elementos do Centro em formação, numa única sociedade com fins que ambas se propunham a atingir para o bem da ação social católica. Daí surgiu a associação católica de professores e cultura social que, no último domingo se instalou solenemente num dos salões da biblioteca, que lhe serve de sede. O ato revestiu-se de discreta e imponente solenidade. [....] Finalmente o Revmo. Sr Dom Joaquim encerrou a sessão congratulando-se com a nova associação e angurando-lhe os melhores resultados na Campanha de formação moral, religiosa e intelectual em nosso meio social. (A palavra, 17/06/1934)

A criação de filiais do Centro Don Vital era uma iniciativa que buscava aglutinar representantes da intelectualidade católica. No caso de Pelotas, a idéia de criar o Centro se funde com a de viabilizar a organização da Associação Católica de Professores. A partir desta fusão pode ser observado um período de intensas atividades, que foram História da Educação - RHE

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divulgadas no jornal. Nota-se, também, que a Associação Católica de Professores e Cultura Social de Pelotas estava vinculada organicamente à Confederação Brasileira de Professores Católicos, como nos indica o trecho abaixo. Professor Everaldo Backheuser Deverá chegar amanhã a esta cidade, proveniente de Porto Alegre, o ilustrado Professor Everaldo Backheuser, abalizado catedrático da escola politécnica do Rio e presidente da Confederação Católica Brasileira de Educação. A Associação Católica de Professores e de Cultura Social, que é filiada à Confederação, far-lhe-ás no cais do Porto, confortadora recepção, conduzindo-o ao Grande Hotel, onde o ilustre pedagogo será por ela hospedado. (A palavra, 23/12/1934)

A criação da Associação Católica de Professores e Cultura Social ocorre em um momento de reorganização da Igreja Católica, em um momento de ampliação dos espaços de atuação e aglutinação de novos adeptos. As atividades desenvolvidas visam atingir esses objetivos e na maioria das vezes são abertas ao público. A singularidade da Associação de Professores Católicos está principalmente na possibilidade de sua intervenção junto ao professorado. A educação formal era o calcanhar de Aquiles da Igreja e por intermédio do magistério era possível ter acesso e intervir, inclusive, nas escolas públicas, independente da política pública: “É um direito inalienável da igreja, e ao mesmo tempo um dever que não pode dispensar-se, vigiar sobre a educação dos seus filhos os fiéis, em qualquer instituição que seja pública ou particular” (A palavra, 10/5/1930). A Igreja Católica disputava a oficialização do ensino religioso nas escolas e os professores eram fundamentais nessa disputa, pois poderiam afirmar com conhecimento de causa a importância do catolicismo nas instituições educativas. A Associação Católica dos Professores de Pelotas, bem como as outras existentes no país, possibilitavam uma intervenção organizada dos professores católicos nas escolas. História da Educação - RHE

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A participação da associação em atividades sociais do município é muito intensa, o que pode indicar uma certa inserção nas atividades da comunidade e uma busca por popularidade da instituição.

O Centenário de Pelotas na Associação Católica de Professores e Cultura Social Precisamente pelo seu tom de cordialidade, foi nota expressiva, na celebração dos festejos comemorativos do 1° Centenário de Pelotas, a homenagem que a Associação Católica de Professores e Cultura Social prestou à memória do Padre Felício, primeiro vigário de Pelotas e D. Florência Maria do Pilar, a virtuosa senhora que trouxe para Pelotas a imagem de São Francisco de Paula. (A palavra, 7/7/1935)

Outro aspecto interessante é que os associados da Associação Católica de Professores e Cultura Social não estavam, obrigatoriamente, vinculados às instituições escolares católicas, bem pelo contrário, alguns atuavam em escolas públicas, como é o caso da professora Sylvia Mello, que atuou no Colégio Felix da Cunha e, posteriormente, foi delegada de Educação do município. Associação Católica de Professores e de Cultura Social Em sua sede, na última segunda-feira, esta novel e já recomendável associação realizou mais uma de suas palestras quinzenais. [...] A A.C.P.C.S representada por grande numero de sócios, honra a palestra do snr. Alvacyr Collares, com a crítica no seu verdadeiro sentido, elevada, cheia de espírito e inteligência, em que tomaram parte sr. Mercio Xavier, dr. José Mendonça, Prof. senhorinha Sylvia Mello, dr. Waldemar Lages, Mons. Sylvano de Souza e Ruy Real. O palestrador enfrentou galhardamente as observações dos dissecadores ao seu trabalho. [...] Muito interessantes e instrutivos, realmente, os serões literários da Associação Católica de Professores e Cultura Social. (A palavra, 22/7/1934)

Os professores católicos eram considerados pela Igreja como militantes, multiplicadores da doutrina católica e a instituição que representava esses professores era a Associação. Essa exigência de militância e ativismo religioso pode ser vista na nota abaixo, que faz um História da Educação - RHE

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apelo à unidade das associações em prol da ação católica: As associações Católicas: fomentar as obras de caridade Hoje, mais do que nunca, precisamos de católicos militantes; não podemos ficar inativos diante da gravidade dos males de ordem moral, econômica e religiosa. [...] E as associações católicas têm sido vantajosamente empregadas nessas obras de zelo e de apostolado. Para a prosperidade dessas obras, as associações têm um valor excepcional, sendo por sua organização um verdadeiro exército que se move para realizar obras de caridade na paróquia. É de notar que essas obras concorrem muito para conservar o fervor das associações. O apostolado é uma manifestação do espírito da associação. (A palavra, 21/4/1940)

Considerando que os associados estavam vinculados a diversos espaços educacionais do município, inclusive aos públicos, a Associação era um espaço importante de articulação dos professores em prol do ensino religioso nas escolas. Acredita-se que os professores que se vinculavam à Associação Católica estavam comprometidos com a Igreja Católica, logo defenderiam por convicção seus princípios em todos os espaços em que atuassem. A

Associação

propiciava

formação

em

diversas

áreas

do

conhecimento para os professores, mas deve-se destacar que uma parcela significativa desses espaços de formação eram ocupados pelos temas referentes à religião católica.

Associação Católica de Professores e de Cultura Social Teve lugar ontem às 20 horas na Delegacia Regional de Ensino a aula inaugural do curso de Filosofia Cristã pelo Revmo. Pe Carlos Johannes. Achando-se então repleto de nosso mundo social e cultural o recinto do salão nobre, discorreu com brilhantismo o ponto sobre a definição, importância, história, divisão e localização da filosofia cristã. Hoje realizar-se-ão as primeiras aulas de latim e inglês às 17 e 18 horas respectivamente. Continuam ainda abertas as matrículas dos diversos cursos, inclusive história e francês, na Delegacia Regional de Ensino. (Diário popular, 19/4/1949)

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A igreja percebia a atuação profissional da professora de forma semelhante à atuação da catequista, tanto é que alguns espaços de formação, mesmo em espaços públicos, eram propiciados para ambas. Retiro espiritual para professoras e catequistas Porto Alegre, Ginásio Estadual Anchieta, aos 24 de novembro de 1935. O transcrito com aprovação dos exmos e revmos snrs. Dom João Becker e Dom Antônio, tem a subida honra de convidar-vos, como as demais exmas, professoras católicas que atuam sob a vossa esclarecida direção para um dos retiros espirituais fechados para professoras e catequistas, que realizar-seão nos seguintes pontos. (A palavra, 15/12/1935)

A Associação foi um espaço de disputa relevante para a Igreja, pois possibilitou a intervenção nas escolas públicas, que eram uma arena de disputa na década de 1930. Pode-se supor que muitas das questões educacionais do município foram discutidas nessas reuniões. A Associação Católica de Professores e Cultura Social realizava atividades de formação, integração, confraternização, discussão e eventos sociais. Muitos dos temas explorados nas atividades de formação, como já foi dito, se relacionam ao catolicismo, e aqueles que se relacionavam aos conhecimentos de forma geral não podiam se opor aos princípios da Igreja. Associação Catholica de Professores e de Cultura Social Curso de História A direção da A.C.P.C.S avisa e convida todos os associados para assistirem ao curso de história da França, a cargo do dr. Alvorino Mercio Xavier. As dissertações do competente historiólogo vem sendo feitas todos os sábados, às 20 horas, na sede da Associação - Salão São José. Estão em estudo presentemente os povos Merovíngios. Todo curioso em questões historiográficas é todo aquele que aspira alargar os horizontes do seu conhecimento têm na assistência do curso de História da França do dr. Mercio uma ótima oportunidade de aumentar o seu conhecimento científico e histórico. Ficam, pois avisados e convidados todos os associados da A.C.P.C.S. (A palavra, 21/6/1936)

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As atividades desenvolvidas pela Associação estão baseadas no compromisso dos professores com a Igreja Católica. A iniciativa da Igreja Católica de estimular a criação das associações foi banalizada pela disputa de espaço político e ideológico, sendo assim, os professores católicos deveriam disputar com fervor militante uma escola com Deus. No dia 30 de dezembro de 1934, o jornal A palavra publica uma matéria de página inteira sobre a palestra proferida pelo professor Everaldo

Backheuser,

presidente

da

Confederação

Brasileira

de

Professores Católicos, onde estão subsídios para o professorado com argumentos sobre a disputa acerca do ensino religioso nas escolas.

Deteve-se o ilustre pedagogo em analisar três correntes pedagógicas que propõem: o ensino com Deus; o ensino Contra Deus, o ensino sem Deus. Na verdade reduzemse a duas, pois a terceira representada no laicismo, identifica-se na segunda. Neutralidade escolar é uma utopia! (A palavra, 30/12/1934)

A intervenção militante realizada pelos professores católicos baseava-se no convencimento primeiro de seus iguais e posteriormente dos outros. “Arruinaremos a Igreja pela escola, e o mestre matará o padre [...] espalharam-se os sectários anticatólicos e a escola leiga é um dos mais monstruosos atentados deste século.” (A palavra, 13/1/35). O trecho destacado critica a escola leiga e reivindica uma atuação contundente dos católicos: a cooptação ideológica era o desafio dos católicos militantes. Destaco outro trecho ilustrativo, no que se refere ao apelo católico a uma prática militante: As Associações Católicas Um orador francês dividia os católicos em três grupos: os militantes, que cumprem os seus deveres a qualquer custo; os dormentes, que vivem de braços cruzados a olhar o que os outros fazem; os chorões, que lamentam os males presentes, mas que não mexem um dedo para dar providências, e, muitas vezes entravam os trabalhos dos outros. Hoje, mais do que nunca, precisamos de católicos militantes; não podemos ficar inativos diante da gravidade dos males de ordem moral, econômica e religiosa. (A palavra, 21/4/40)

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A Igreja reivindica um católico ativo que atue nos diversos espaços sociais. A intervenção da Igreja deve estar espalhada e o católico militante é aquele que consegue agir e reagir de acordo com os interesses da ordem. Como ilustração desse ativismo e expansão da ação católica organizada, destaco uma nota, de setembro de 1935, no jornal A palavra, que divulga a fundação da Associação Católica de Professores de Rio Grande, município vizinho a Pelotas. Consta, nesta nota, a participação da Associação de Pelotas, bem como de figuras ilustres da cidade. Associação Católica de Professores e de Cultura Social de Rio Grande Na ampla sede católica da União dos Moços Católicos no Rio Grande, gentilmente cedida pelo seu presidente Sr. Lorea Pinto deu-se a inauguração A. P. C. e C. S. Rio Grandina. Com o salão repleto de exmas famílias deu-se início a sessão solene. [...] Representantes da associação de Pelotas Professores: Sylvia Mello, Osmânia Campos e Alvacyr Faria Collares. (A palavra, 15/9/1935)

A Associação Católica de Professores de Rio Grande interage com a Associação de Pelotas em algumas atividades de confraternização. No que se refere ao cotidiano da associação e ao aumento na quantidade de sócios, pode-se observar alguns apelos para que os professores católicos assumam seu compromisso junto à instituição e se associem, mas a quantidade de pessoas que estavam comprometidos oficialmente com a instituição não foi possível precisar. A partir da análise do jornal A palavra, pode-se concluir que a Igreja Católica exerceu forte influência junto aos professores e à educação no município de Pelotas. Tal ação se consolidou de forma organizada, através da criação e manutenção da Associação Católica de Professores e Cultura Social que, em vários momentos, manifesta o seu objetivo central: divulgar a doutrina católica, influenciando o conteúdo da educação e da formação docente. A análise realizada leva a crer que a Associação em questão surgiu na cidade de Pelotas com a função de propagar e defender os interesses História da Educação - RHE

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da Igreja Católica junto a instituições educacionais, principalmente nas instituições públicas, pois nas escolas religiosas isso já era garantido, através dos religiosos que lá atuavam. A Associação Católica de Professores e de Cultura Social cumpriu também a importante tarefa de capacitar os professores em âmbito local, pois organizava diversas atividades de formação como cursos e palestras. As iniciativas da associação em termos de formação e representatividade também podem ser compreendidas como indicador de uma preocupação com a profissionalização docente. Por fim, a visibilidade propiciada aos professores pelotenses pelas atividades da Associação Católica Professores e Cultura Social acrescenta elementos significativos para a história da profissão docente, especialmente na década de 1930. A Associação visou a uma ação organizada dos professores em diversas escolas da rede pública, em um momento de disputa no campo educacional entre católicos e laicos.

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ADRIANA DUARTE LEON é licenciada em História e em Pedagogia e mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Endereço: Rua Tapejara, 2602 - 96090-750 - Pelotas - RS. E-mail: adriana.adrileon@gmail.com.

Recebido em 13 de março de 2010. Aceito em 6 de maio de 2011.

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DO TRIBALISMO DISCIPLINAR AO NOVO PARADIGMA DO TRABALHO DOCENTE José Gregório Viegas Brás Maria Neves Gonçalves

 

Resumo Com este artigo pretendemos colmatar uma grande lacuna que se verifica no domínio da investigação em educação: analisar a história do trabalho docente. Para isso, escolhemos o momento histórico crítico que desencadeou a grande transformação laboral no exercício da profissão docente. Neste sentido, investigámos os efeitos produzidos no trabalho docente pelo regime de disciplina que vigorava em Portugal e o que se pretendeu com a reforma que introduziu o regime de classe promulgado no século 19. Esta mudança de regime é um marco de referência na história do trabalho docente. Procurámos equacionar o que variou no posto de trabalho para percebermos a divisão do trabalho docente. Foi promulgada no século 19, criou uma nova divisão de trabalho que apela para uma dinâmica laboral diametralmente oposta à prática tradicional que estava em vigor. Esta revolução curricular trouxe não só novas exigências no trabalho docente, mas teve também consequências ao nível da identidade profissional. Palavras-chave: trabalho docente, reforma, disciplina, grupo-classe. FROM THE DISCIPLINARY TRIBALISM TO THE NEW PARADIGM OF TEACHING WORK Abstract This article intends to fill a large gap that exists in the field of education research: to analyse the history of the teaching work. In order to do this, we chose the critical historical moment that sparked the great work transformation in the course of the teaching profession. In this sense, we researched the effects on the teaching work by the discipline regime that existed in Portugal and what was intended by the reformation that introduced the class regime enacted in the nineteenth century. This regime change is a landmark in the history of the História da Educação - RHE

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teaching work. We have tried to consider what varied in the job in order to understand the division of the teaching work. How do teachers relate to the work and among themselves in each work scheme? Which social ties are needed for each one of the work regimes and what are the implications on how to be a teacher? What place (role) does the teacher play in the production chain? What skills (competencies) are required in the work place? Keywords: teaching work, reform, discipline, group-class. DE LA TRIBU DE DISCIPLINA EL NUEVO PARADIGMA DE TRABAJO DOCENTE Resumen Con este artículo se pretende llenar un gran vacío que existe en el campo de la investigación educativa - examinar la historia de la enseñanza. Para ello se eligió el momento crítico histórico que provocó la gran transformación en el curso de la profesión de empleo. En este sentido, se investigaron los efectos en la enseñanza por parte del régimen de disciplina que existe en Portugal y lo que se entiende por la reforma que introdujo el régimen de la clase promulgadas en el siglo 19. Este cambio de régimen es un hito en la historia de la enseñanza. Hemos tratado de equiparar las variables de la tarea de realizar la división de la enseñanza. El cambio de régimen que se promulgó en el siglo 19, creó una nueva división del trabajo que requiere una mano de obra dinámica diametralmente opuesta a la práctica tradicional que estaba en vigor. Esta revolución plan de estudios, ha generado nuevas exigencias de trabajo de los profesores, pero también tuvo consecuencias en términos de identidad profesional. Palabras clave: enseñanza, reforma, disciplina, grupo-clase.

DU TRIBALISME DISCIPLINAIRE AU NOUVEAU PARADIGME DU TRAVAIL DES ENSEIGNANTS Resumé Avec cet article nous nous proposons de combler une grande lacune qui existe dans le domaine de la recherche en éducation : analyser l'histoire du travail des enseignants. Pour aborder cette thématique nous avons choisi le moment historique critique qui a déclenché la grande transformation dans le cadre du métier des enseignants. En ce sens, nous avons étudié soit les effets produits dans le travail des enseignants par le régime de discipline qui existait au Portugal soit ce qu'on prétend avec la réforme qui a introduit le régime de classe adopté au dix-neuvième siècle. Ce changement de régime est un jalon dans l'histoire du travail des enseignants. Le changement de régime, qui a été promulguée dans la dix-neuvième siècle, a créé une nouvelle division du travail qui exige une dynamique de travail diamétralement opposée à la pratique traditionnelle qui était en vigueur. Cette révolution curriculaire a apporté pas seulement de nouvelles exigences sur le travail des enseignants mais elle a eu aussi des conséquences au niveau de l'identité professionnelle. Mots-clés: travail des enseignants, réforme, discipline, groupe-classe.

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Introdução A história do trabalho docente é uma problemática interessante para a nossa reflexão porque ajuda a pensarmo-nos e a compreender quem realmente somos. Este percurso de metamorfose corresponde a um processo de invenção que não pode deixar de ser articulado com a utilidade (satisfação de necessidades), jogos sociais de poder e suas referências simbólicas. Mas antes de entrarmos na especificidade da nossa temática, importa ter por referência que, outrora, o trabalho não teve, na vida social, o impacto que tem hoje. O trabalho passou de uma condenação, de uma indigna maldição a que só as classes marginalizadas estavam votadas, para o patamar da afirmação, do prestígio social e da plena realização humana. O trabalho era considerado indigno para a realização da essência do homem livre. Da sociedade, que desprezava o trabalho, passámos para a sociedade que o coloca como condição e princípio da civilização humana, um espaço necessário para a afirmação da personalidade e da cidadania. Como refere Georges Lefranc, do “trabalho-decadência, do trabalhoporcaria, do trabalho-maldição, ao trabalho-fonte de alegria” (1988, p. 10), existiu um processo histórico que inverteu o sentido do termo. De factor estigmatizante de exclusão-marginalização e de sofrimento, passou a ser considerado o factor principal de formação e valorização do ser humano. O valor associado ao trabalho teve, ao longo da história, as suas grandes vicissitudes, contudo, com a civilização moderna, a ética do trabalho acabou por se impor. Entrámos na era do dever do trabalho. A par de todo este processo, a racionalização foi também uma preocupação que se foi penetrando no domínio da compreensão do trabalho. Socorrendo-se da taxonomia de Herzberg, Vala (2000, p. 72) refere-nos que os factores intrínsecos (tipo de interesse que a actividade desperta, realização, utilidade) e os factores extrínsecos (salário, segurança, carreira), são aspectos importantes a considerar na análise do trabalho. Isto quer dizer que a análise das mudanças no quadro laboral são particularmente interessantes para a nossa reflexão porque nos História da Educação - RHE

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permitem compreender a complexidade do trabalho, as necessidades de formação que coloca e a satisfação (relação subjectiva) que cada um estabelece com o trabalho. A qualidade desta relação pode ajudar-nos também a compreender o mal-estar ou o bem-estar do trabalhador. O empenho, o interesse pelo desenvolvimento profissional ou o desejo de deserção resultam das implicações que o sentimento positivo/negativo tem

naquele

que

executa

determinado

trabalho.

Isto

se

torna

particularmente importante porque tanto pode servir para desenvolver como também pode alienar e degradar a pessoa. O nível de complexidade da tarefa é, pois, um dos aspectos importantes a considerar na análise do trabalho porque isso vai inevitavelmente exigir, da parte de quem o executa, a necessidade de mobilizar mais ou menos conhecimento para a resolução dos problemas que o posto de trabalho coloca (mais conhecimento comporta a necessidade de uma formação mais prolongada), vai requisitar mais ou menos imaginação. Este facto pode tornar o trabalho mais ou menos rotineiro, repetitivo ou criativo, mais ou menos estimulante e atractivo, mais ou menos prestigiante. O trabalho não tem só a função instrumental (remuneratória), responde também a desafios de realização pessoais, profissionais e sociais (utilidade real e percebida). A representação do trabalho dá-lhe ou tira-lhe o sentido, faz com que a motivação pelo desenvolvimento

profissional

e

pessoal

aumente

ou

diminua

consideravelmente. Como nos refere Baptista (2005, p. 83), a condição humana tem como traço definidor a capacidade para se desenvolver. Acontece, porém, que o homem só se torna verdadeiramente homem pela educação. Chegámos à sociedade educativa e esta fez da educação uma necessidade social universal. Esta necessidade e, ao mesmo tempo, utopia (optimismo pedagógico - fazer o homem melhor) abriu espaço para que o papel (o trabalho) de professor emergisse e se difundisse com a expansão da escola de massas. Corresponder a este ideal de serviço foi um problema que colocou vários desafios à mobilização dos professores. História da Educação - RHE

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Podemos dizer, juntamente com Nóvoa (1992, p. 14-15), que a investigação pedagógica passou por três grandes fases: a primeira procura as características do bom professor; a segunda procura o melhor método de ensino; a terceira vira-se para a análise do ensino, tendo por base o paradigma processo-produto. Sem querermos menosprezar a importância destes estudos, julgamos que é oportuno e igualmente legítimo passarmos para a análise do trabalho docente, estabelecendo as implicações que este tem na formação, na identidade, no bem-estar e realização profissional. Os professores e os desafios que o seu trabalho coloca - as diferentes maneiras de ser professor - apresentam-se como uma problemática de investigação que não pode continuar a ser escamoteada. Pensarmos as mutações da complexidade do trabalho docente é fundamental para percebermos a relação entre o saber e o processo de construção da profissão, para sabermos se os padrões de desempenho exigidos

vão

no

sentido

do

desenvolvimento

profissional,

da

profissionalização ou da proletarização. Para respondermos a estas questões resolvemos analisar o trabalho docente num ponto de viragem que consideramos crítico. Trata-se da mudança de dois regimes laborais diferentes: o regime de disciplina e o regime de classe.

A alteração da natureza do trabalho docente A introdução ao regime de classe assinala uma mudança de paradigma no exercício do trabalho docente. Podemos considerar este momento como uma autêntica revolução curricular no sistema de ensino português que trouxe, inevitavelmente, implicações para a maneira de ser professor e, por consequência, para a maneira de fazer ser professores. O alcance desta medida, tomada com a reforma de Jaime Moniz em 1894/95, veio inverter a lógica estritamente disciplinar em que assentava todo o arsenal formativo e de desempenho no trabalho docente. Vejamos porque consideramos que este foi o momento de grande impacto.

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A reforma de Passos Manuel (1836) não definia como se deveriam processar os estudos. Ficava por definir a ordem de leccionação, a carga horária e duração do curso. O conselho do liceu é que tinha a responsabilidade de decidir o que fazer. Por isso, não existia coordenação a nível nacional em relação aos conteúdos programáticos de cada disciplina ou horários. As matérias para exame eram definidas localmente pelo conselho do liceu. A reforma de Costa Cabral (1844) não trouxe modificações para esta situação. Manteve as atribuições do conselho do liceu. Aliás, de certa forma, esta situação agravou-se, porque retirou as disciplinas que integravam o tronco comum e que eram leccionadas em todos os liceus. Toda esta situação é alterada com a reforma de Fontes Pereira de Melo (1860). Só nesta reforma é que se legisla no sentido de atribuir tempo/carga horária às diferentes disciplinas e se faz a respectiva distribuição por ano. Pretende-se, assim, combater as deficiências das reformas anteriores. Fontes Pereira de Melo quis organizar o ensino liceal seguindo uma lógica diferente: horários e distribuição das cadeiras pelos diversos anos e o regime de classe para a transição de ano, entrando em ruptura com os poderes dos particularismos locais. Com isto, pretendia dar alguma uniformidade às disparidades locais que se verificavam. Porém, esta lei nunca foi aplicada. É de considerar que a reforma de Sá da Bandeira (1868) e a reforma de Luciano de Castro (1880), tentaram combater o facilitismo que estava instituído. Mas acontece que a primeira foi suspensa oito meses depois pelo Duque de Loulé e, por sua vez, a segunda nunca chegou a ser aplicada. Algum tempo mais tarde as virtualidades deste diploma mereceram a seguinte apreciação aos professores liceais: A reforma de 1880 trazia o gérmen do ensino de classes, e foi mesmo para a sua época um acto de arrojado progresso. Encontrando, porém, um meio não preparado para a receber, não vingou, e, em vez de se melhorar e adaptar, foi demolida sem piedade, e nas suas ruínas construiu-se a organização arcaica e desconexa, cujo resultado foi a decadência da instrução secundária até ao História da Educação - RHE

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extremo abatimento de que a reforma de 1895 veio tentar levantá-la, com melhores intenções que resultados. Se a reforma de 1880 tivesse sido mantida nos seus fundamentos e apenas evolutivamente modificada, teríamos avançado quinze anos no progresso de instrução secundária em Portugal. (Boletim da Associação do Magistério Secundário Oficial, ano I, fasc. I-III, out./dez., 1904, p. 32-33)

A reforma Luciano Castro exigia a obrigatoriedade de os alunos dos colégios

terem

que fazer exames

de acordo

com as

normas

estabelecidas. A contestação foi tal - queria-se liberdade de exames - que o governo acabou por reintroduzir o sistema antigo, exames por disciplinas independentes. Estas três tentativas não tiveram força para impor uma nova ordem. Por consequência, o ensino era cada vez mais inexistente ou inexpressivo. A preocupação estava centrada em possibilitar o acesso ao ensino superior. A agravar a situação, após a reforma de Luciano Castro, temos a considerar o decreto de 20/10/1888, que vem estabelecer que o aluno só tinha que fazer duas disciplinas por cada ano para obter sucesso. Esta medida possibilitou que o ensino de algumas disciplinas se fizesse num só ano. E como se isto não fosse suficiente, Dias Ferreira, em 1892, permite que os alunos possam requerer exame em total liberdade, sem critérios que estabelecessem precedências. Podia-se até prestar provas nas disciplinas dos últimos anos sem ter feito as dos primeiros anos. Tudo isto conduziu a que o ensino se tornasse uma autêntica confusão; as disciplinas se pudessem dispor ao acaso. Por isso, a sequência nos estudos não era um problema; o exame se tornasse o alvo privilegiado de toda a preocupação. Por consequência, o ensino tornou-se uma grande fábrica de exames, abrindo um maior espaço para os colégios e as aulas tivessem sido esvaziadas, pois a perda de interesse convidava à evasão. É contra este estado lastimoso que se opera o que poderemos chamar de a revolução curricular desencadeada por Jaime Moniz, em História da Educação - RHE

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1894/1895. É neste preciso momento que se dá uma verdadeira mudança no ensino, com a transição do regime de disciplina para o regime de classe. Se consultarmos o Regulamento do Ensino Secundário desta reforma, constataremos que existe uma ruptura no modo de pensar o ensino. Vejamos o Capítulo III, art. 19: Nenhuma disciplina de plano dos liceus é independente. Todos são meios ligados entre si pelo princípio de uma intenção comum: a aquisição dos fins do ensino secundário. Este ensino, pois longe de realizar-se ao acaso ou por indiferença, faz-se com ordenada distribuição das matérias, por sistema de classes, e de modo que os alunos que frequentam possam compartilhar da instrução das disciplinas que as constituem.

E mais adiante, no mesmo Capítulo, o art. 22, ponto 12º, refere que o desenvolvimento moral dos alunos deve ser um efeito do ensino. Do exposto temos a destacar o carácter eminentemente formativo que se pretende dar ao ensino. Verifica-se com esta viragem uma valorização do processo de cada uma das disciplinas. O processo de aprendizagem é enaltecido e com três particularidades que importa sublinhar: a) a aprendizagem passa a ser feita em grupo; b) o ensino passa também a ser em grupo; c) é destacada uma nova figura: o director de classe, para fazer a conexão interna ou a unidade científica e a disciplinar na classe confiada ao seu cuidado. Deve, pois, entender-se com os seus colegas de classe a fim de manterem juntos uma acção combinada no exercício do ensino, e desta arte se efectuarem os estudos pelo motivo mais vantajoso em todas as disciplinas. No âmbito das competências que lhe são apontadas, o art. 54º do capítulo VI explicita que “o director da classe é a principal autoridade deste agrupamento.” Vejamos, em síntese, no quadro que segue, as principais diferenças que se operaram com a mudança de regime.

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Quadro n. 1 - Características do regime de disciplina e do regime de classe Critérios de Análise Currículo

Espaço

Regime disciplina Disciplinas sem relação com o ano Máxima flexibilidade Atomismo Primado da ausência Conforme o interesse

Aula Tempo

Sem critério temporal Vazio Curto Não carrega peso passado Em contracção

Concepção de ensino

Informativo (conhecimento) Individual - subjectivo

Condução do ensino

Ocasional Fraccionado Livresca Individual - subjectiva Regência isolada Não existe

Funções (DT)

direcção

Regime de classe Ordem Currículo comum Estrutura sequencial Várias áreas - desenvolvimento equilibrado Primado da experiência Participação Obriga frequência Novo código cultural Profunda modificação aprendizagem Experiência Aprendizagem em continuidade Em dilatação Noção de sucesso e duração Organização dos horários Informativo (conhecimento) Formativo (capacidades/aptidões; desenvolvimento moral) Grupo-turma Orientação didáctica Acentua papel professor Grupo - professor

Máxima autoridade do grupoprofessor Fazer conexão interna e externa

A reforma na oficina da discussão: o cenário da disputa A promulgação da reforma de Jaime Moniz despoletou uma onda de contestação. A imprensa coeva, consoante o seu alinhamento políticoideológico, regista com profusão quer as críticas (Revista dos Liceus, Educação Nacional, O Século), quer os apoios (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Novidades).1

1

Não é nosso ensejo nem cabe no horizonte deste trabalho, explanar a diversidade de comentários e a pluralidade de contendores acerca deste diploma. Não vamos insistir na polémica decorrente das disposições inovadoras que conferem a este diploma um cunho de modernidade por se encontrarem, com enfoques específicos, bem estabelecidos pela investigação histórica (Adão, 1998; Barroso, 1995, 1999; Nóvoa, 1987; Ó, 2003; Proença, 1997, 1999; Valente, 1973). Limitar-nos-emos a aludir a algumas opiniões e reacções coetâneas sobre o tema deste estudo - centrado no regime de classe - instituído, como já foi referido, por Jaime Moniz. História da Educação - RHE

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Esta polémica gerou uma disputa que conduziu a dois tipos de posicionamento. Os que a defendiam, e estes situavam-se, essencialmente, na esfera do Partido Regenerador, isto é, da facção política que conduziu e decretou esta reforma. Agostinho de Campos, na qualidade de professor do ensino secundário oficial e da Real Casa Pia de Lisboa, traduz aquilo que nós consideramos o pensar colectivo deste posicionamento. Numa conferência intitulada Liceus e colégios, podemos identificar este pensamento ao criticar o sistema vigente até à reforma de 1894-1895, nomeadamente o exame por disciplinas e o ensino particular: O liceu alfândega onde tantas gerações foram, em Julho ou Agosto, perante três verificadores desconhecidos, abrir as maletas de ciência mal digerida, não precisava de grandes espaços nem de especiais complicações arquitectónicas; propriamente bastava-lhe um telheiro contra o sol ou chuva e por debaixo uma mesa, três cadeiras - e o banco do réu. […] Arquitectado o pardieiro da instrução sobre bases imoralíssimas do exame, os colégios em vez de ensinar, industriavam para ele - o que está a mil léguas de ser a mesma coisa (Campos, 1910, p.168-171).

Docentes houve também que, face à promulgação deste diploma, tentaram aplicar alguns dos seus princípios pedagógicos na prática lectiva quotidiana, solicitando pedidos para a aquisição de material pedagógico, de um horto botânico e de um museu devidamente apetrechado. Estas actividades decorrentes da reforma evidenciam algum dinamismo, pelo menos por parte de alguns professores2. Os que se colocavam contra a reforma. E são vários os contentores: os professores, nomeadamente os do ensino particular, que sentiam ameaçadas as suas identidades e autonomia; os alunos que ficavam sujeitos a um regime de frequência e de exame distinto da lógica de cadeiras atomizadas anteriores; os encarregados de educação.

2

Veja-se, por exemplo, o estudo de Rodrigo de Azevedo sobre a implementação da reforma de Jaime Moniz no Liceu de Braga (Azevedo, 1999, p. 105-130). História da Educação - RHE

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Passemos a explicitar, mesmo que sucintamente, os motivos de contestação ao diploma. Os alunos e encarregados de educação estão contra o novo dispositivo de exames devido à obrigatoriedade de exames em todos os anos da classe para os alunos internos e externos e ao preço excessivo da inscrição para o exame. Foi neste sentido que uma comissão de pais de alunos do Liceu de Lisboa e dos colégios expôs à redacção de alguns jornais da capital, nomeadamente ao Século, o seu protesto, enfatizando esta questão: “Qual é o pai, a não ser que possua grandes bens de fortunas, que pode estar a arriscar 54$160 réis, fora adicionais, para que seu filho possa ser admitido a exame do 5º ano dos liceus?” (O Século, ano 18, n. 5.997, 24 de abril de 1898). Também na perspectiva dos professores de ensino particular ou livre, a reforma foi considerada lesiva dos seus interesses e direitos por extinguir os exames por disciplina e, com isto, fazer colapsar o ensino particular que consistia também e, sobretudo, em preparar os alunos para exame. É que muitos docentes do ensino secundário leccionavam também em estabelecimentos de ensino particular, em colégios e davam explicações particulares, explicações essas que suscitaram diversas críticas, sobretudo quando os professores preparavam particularmente os seus próprios alunos (Proença, 1993). Ora, o diploma em estudo tem vários dispositivos que diferenciam os alunos do liceu daqueles que frequentam o ensino particular. Assim, o aluno do ensino livre só podia concorrer ao exame de saída do curso geral e ao exame de saída do curso complementar, não lhe sendo exigida a mesma regularidade de provas que se impunha no ensino oficial. Esta falta de uniformização das aprendizagens e da avaliação traduzia-se em desvantagens para os estabelecimentos particulares. É, a esta luz, que um articulista d‟O Ensino Livre escrevia, indignado: “o que a lei diz é que o aluno do ensino livre fique 5 anos sem exames”, o que significa que se dá “a plena liberdade de cábula e de folia durante cinco anos e o torniquete do exame de saída no fim” (O Ensino Livre, 1ª série, n. 1, 10 de julho de 1897). História da Educação - RHE

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O exame parcial ou de passagem seria, na opinião dos professores do magistério livre, “um alívio e um estímulo para os estranhos [particulares], e ao mesmo tempo a garantia da responsabilidade dos colégios e da tranquilidade dos pais” (idem), na medida em que seriam esses colégios e os encarregados de educação os primeiros interessados no exame de passagem. As instituições de ensino privado teriam, pelos resultados dos exames, ano a ano, um meio de se autoavaliarem e aferirem a qualidade das aprendizagens ministradas, e os encarregados de educação podiam ir verificando, ano a ano, o aproveitamento escolar dos seus educandos. Com esta reforma, deixa-se de poder fazer exame ano a ano por disciplinas avulsas, pois o aluno do ensino particular só podia fazer exame no final de ciclo. É neste cenário diferenciador dos alunos oficiais e particulares que o tom das críticas se apresenta, em geral, contundente:

Jaime Moniz e seus colaboradores ao abandonarem o ensino particular, deixaram-no correr à matroca, sem rei nem roque, como se não fora esse o ensino que mais devia preocupá-los, por compreender maior número de indivíduos e por estar mais distante da fiscalização do Estado. (O Ensino Livre, 1ª série, n. 1, 10 de julho de 1897)

Os problemas colocados ao ensino particular, impossibilidade, por exemplo, de realizar o exame por disciplina, levou os professores a organizarem-se no Grémio do Professorado Livre Português, instituído por alvará de 3 de dezembro de 1896, para desencadear acções de contestação de maior impacto no Porto, em Lisboa e em outros pontos do país. O apelo que foi lançado na revista Educação Nacional é, a este respeito, significativo:

Lembramos ao professorado livre de Coimbra, Braga, Viseu e Évora [...] que promova comícios para mostrar ao país os intuitos maquiavélicos dessa reforma estúpida que pretende acabar radicalmente com o ensino livre, monopolizando todo o ensino nas mãos de um tirano que há-de também chicotear os professores oficiais de História da Educação - RHE

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carácter e dignidade, ficando apenas com aqueles que se sujeitem a um despotismo incomportável (Educação Nacional, ano II, n. 60, 21 de novembro de 1897, p. 68).

É nesta conjuntura que o Grémio do Professorado Livre promove, no Teatro da Rua dos Condes (Lisboa), um comício com uma dupla finalidade: protestar contra a lei de ensino secundário vigente e dar conhecimento do conteúdo de uma representação, o que designamos hoje por petição3, que seria entregue ao Parlamento. A referida representação visava à suspensão da lei de 1894, argumentando que não atendia

às

tradições,

costumes

e

hábitos

do

povo

português,

enumerando, entre outros pontos críticos, a extinção do regime de disciplina e a distribuição desadequada de tempos lectivos. O comício terminou com a leitura, por Martins Pinhão, da representação, subscrita por cerca de 4.000 pessoas e apresentada pelo deputado Ribeiro Coelho na sessão da Câmara dos Deputados de 10 de maio de 1898. Contudo, a exposição não viria a ser objecto de apreciação (Adão, 1998, p. 106). Também no Porto, os professores de ensino livre decidiram, como contestação a este diploma, realizar um comício. A comissão portuense optou por efectuar, como elemento preparatório para o comício, um Congresso do Professorado Livre, que se realizou em finais de fevereiro de 1898 e cujo programa era o seguinte: 1º Exposição dos erros pedagógicos, ofensas à justiça e atentados contra a liberdade que na actual lei orgânica do ensino secundário superabundam. 2º Bases para um projecto de lei que regule o ensino oficial secundário sem ferir direitos adquiridos e em ordem a estabelecer a educação nacional em bases sólidas, justas e conformes aos preceitos e progresso da Pedagogia (Educação Nacional, ano II, n.º 70, 30 de janeiro de 1898, p.148149).

A Comissão divulgou o Regulamento do Congresso, que passou a designar-se Congresso de Instrução Secundária do Professorado Livre, 3

A representação ao Parlamento encontra-se transcrita por Adão (1998, p. 109-110). História da Educação - RHE

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nas páginas da Educação Nacional, regulamento esse que possibilitava a presença de professores do ensino oficial e particular de qualquer grau de ensino e a todos aqueles que se interessassem pelas questões educativas. No âmbito dos eixos temáticos polarizadores das reclamações dos congressistas do Porto, está expressa a crítica ao regime de classes ao propor-se: o restabelecimento dos exames por disciplinas independentes; a existência de pequenos cursos, espalhados pelo país, deixando ao indivíduo competente numa disciplina, a liberdade de ensinar e a liberdade absoluta no exercício do ensino particular4. Podemos dizer que este Congresso de Instrução Secundária do Professorado Livre foi bem sucedido. A este propósito, atente-se na forma como o professor padre Aníbal Passos resumia o sucesso desta iniciativa: “Foi verdadeiramente triunfante o Congresso do professorado secundário livre” porque, “reduziu à sua insignificância real a lei orgânica do ensino secundário” (Educação Nacional, ano II, n. 76, 13 de março de 1898, p. 201-202). É de assinalar que, para além do comício e da representação ao Parlamento, o Grémio do Professorado Livre cria ainda um periódico intitulado precisamente O Ensino Livre5. Apesar de a sua presença ter sido fugaz nas bancas, foram apenas publicados quatro números entre 10 e 30 de julho de 1897, esta iniciativa revelou-se importante por ter sido um veículo de divulgação das posições reivindicativas assumidas por essa agremiação. Este foi também um espaço de crítica ao regime de classes, conforme se pode depreender no segmento textual seguinte: “impõem o regime de classe, acabam os exames por disciplina, eliminam-

4

5

Os congressistas reclamaram também a revogação do decreto de 22 de dezembro de 1894 por estabelecer o monopólio do ensino oficial e a liberdade de escolher os compêndios depois de terem sido aprovados por uma comissão. Integravam a Comissão de Redacção Agostinho Fortes, Guilherme de Sousa, João José de Figueiredo, José de Sousa, António Guterres d‟Oliveira Santos e Geraldo Leite Pereira d‟Azevedo. História da Educação - RHE

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se os exames de passagem dos alunos externos e inventam-se os exames de saída” (O Ensino Livre, 1ª série, n. 1, 10 de julho de 1897)6. A par destas reacções, os sectores católicos mais conservadores criticaram igualmente o diploma. Neste sentido, o clero do Porto dirigiu ao monarca uma representação7 que consta, basicamente, de duas solicitações: uma visa à possibilidade de admissão do clero aos concursos dos liceus e ao exercício do magistério particular a todos os que tiverem o curso trienal de Teologia. A outra tem como finalidade a integração do ensino moral e religioso na matriz curricular do curso dos liceus. Neste coro de protesto, assume particular relevância a crítica à reforma por uma parte significativa do republicanismo. O maçon e republicano Agostinho Fortes, professor do ensino liceal, corporiza a visão dos republicanos para quem a organização do ensino por classes eram “reminiscências jesuíticas”, e cujo aumento dos níveis de exigências intelectuais e disciplinares contribuía para o “abatimento do país em vez de propagar o ensino a todas as camadas sociais” (Educação Nacional, ano II, n. 76, 13 de março de 1898, p. 201-202). À acesa polémica do diploma em análise, visível na produção jornalística e ensaística, contrapõe-se a placidez do debate parlamentar, aquando da apreciação do diploma na Câmara dos Deputados.

O diploma de 1894 no altar da decisão Na sessão parlamentar de 19 de novembro de 1894, João Franco, titular da pasta do Reino, apresentou a proposta n. 132-B que visava

6

Chamamos a atenção para o elogio feito pela Educação Nacional, revista dirigida por António Figueirinhas, a quem também não lhe interessava o regime de classes nem, sobretudo, o regime de livro único, por ser editor (também foi professor do ensino particular). Veja-se, a título de exemplo, o seguinte comentário em relação ao periódico O Ensino Livre: “muito bem redigido, contundente no estilo e forte na argumentação, não tem a maior contemplação para com os ineptos e os alfarrabistas que fizeram esse mostrengo hediondo a que se dá o nome de reforma dos liceus.” (Educação Nacional, ano I, n.º 38, 20 de Junho de 1897, p. 313). 7 Cf. Revista de Educação e Ensino, v. 11, n. 6, junho de 1898, p. 253-257. História da Educação - RHE

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reformar a instrução secundária (Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão n. 29, de 19 de novembro de 1894, p. 509-515). A referida proposta, tal como a do ensino primário de 1894-1895, não chegou a ser agendada para discussão, por encerramento das Cortes a 28 de novembro de 1894, o que na altura se designava por ditadura. Neste período, o governo fez publicar, a par de algumas leis restritivas da representação popular8, as reformas do ensino primário e secundário. Provavelmente noutro contexto político esta reforma poderia não ter sido aprovada. A oposição - protagonizada pelos Partidos Progressista e Republicano - não participou no acto eleitoral de 17 de novembro de 1895, como forma de protesto9. Deste modo, o Parlamento, saído destas eleições, era inteiramente composto por deputados regeneradores. Assim se compreende que a apreciação do projecto-lei n. 106, agendada para o dia 4 de maio de 1896, que reformava o ensino secundário, se centrasse no levantamento dos aspectos positivos da reforma e no elogio do ministro do Reino, do director geral de Instrução Pública e de Jaime Moniz. Vejamos. João Marcelino Arroio, então deputado regenerador, enaltece

Jaime

Moniz

“tão

maltratado

em

muitas

publicações

portuguesas” e cujo talento foi apreciado “numa das principais revistas pedagógicas da Alemanha” (Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão n. 71, de 4 de maio de 1896, p. 1531), espera que o director geral de Instrução Pública, José de Azevedo Castelo Branco, cuja “inteligência e erudição são conhecidas de todos”, faça executar bem esta reforma que coloca o ensino do nosso país “na altura dos estudos pedagógicos mais 8

9

A lei eleitoral de 28 de março de 1895, que terminava com a possibilidade de representação das minorias. O Acto Adicional à Carta Constitucional que abolia a parte electiva da Câmara dos Pares e um Código Administrativo mais centralizador que acabava com a representação das minorias nas câmaras municipais e alargava a tutela do Ministro do Reino sobre a administração das autarquias. Para aprofundar esta temática, veja-se Ramos (2001). N‟O Século, Rodrigues de Freitas assina um editorial que intitula A nova Câmara e onde, acerca da abstenção eleitoral do Partido Progressista e do Partido Republicano, escreve o seguinte: “A abstenção das oposições, fielmente mantida, deixa o governo e os seus partidários em plena liberdade perante a urna. [...] A abstenção completa das oposições [...] reduz a nova Câmara a um corpo sem orientação de espécie alguma obedecendo passivamente aos acenos do poder executivo. Não há lugar para surpresas.” (“A nova Câmara”, O Século, v. 15, n. 4.961, 10 de novembro de 1895). História da Educação - RHE

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adiantados” (Idem, ibidem). O deputado regenerador Adolfo Pimentel continua na mesma linha encomiástica. Alude aos “altos merecimentos” de Jaime Moniz, à “inteligentíssima tenacidade e notável competência” de José de Azevedo Castelo Branco e “ao distinto estadista” que é João Franco. O relator do projecto, o regenerador Jaime Magalhães Lima, tece rasgados elogios ao director geral de Instrução Pública, a Jaime Moniz e à sua reforma “que é, na verdade, um monumento” (Diário da Câmara dos Senhores Deputados, sessão n. 71, de 4 de maio de 1896, p. 1531). O deputado Visconde do Banho apresenta uma proposta10 para que, em Viseu, se crie um liceu central, proposta esta que foi recusada pelo relator. Por seu turno, Mariano de Carvalho propõe uma emenda no sentido de ser permitido aos alunos, já matriculados nas Escolas Médicas, a apresentação da habilitação em inglês, em lugar do alemão, para não perderem o curso. Quer João Franco quer Jaime Magalhães Lima não aceitaram esta emenda. Como se vê, foram escassas as apreciações parlamentares que a reforma despoletou. Veja-se, em síntese, o seguinte quadro. Quadro n. 2 - Apreciação parlamentar da Reforma de Instrução Secundária (22 de dezembro de 1894) Proposta Projecto Debates parlamentares de lei de lei N. 132-B, N. 106, Deputados N. de Deputados de 19 de de 4 de regeneradores sessões progressistas e novem- maio de republicanos bro de 1896. Adolfo Pimentel Nesta legislatura, nem o 1894. João Marcelino Arroio 1 Partido Republicano Visconde do Banho nem o Partido Carlos Braga Progressista tinham Mariano de Carvalho representantes em Eduardo Cabral Cortes. Jaime Magalhães Lima (relator). Total: 7 Presidente da Câmara dos Deputados: António José da Costa Santos Ministro do Reino: João Franco (Partido Regenerador)

10

N. de sessões

0

Os outros deputados que assinaram a proposta foram: Conde de Vilar Seco, Morais Carvalho Sobrinho, Conde da Anadia, Amadeu Pinto e o General António de Campos. História da Educação - RHE

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Por este quadro, verifica-se que a oposição, Partido Progressista e Republicano, não participaram no debate. Alguns anos mais tarde, Agostinho Fortes, então professor do Liceu Central de Lisboa, recordava, com azedume, a ausência de debate deste diploma no Parlamento. Escrevia ele no jornal O Mundo, do dia 26 de fevereiro de 1907: “para que serve votar as leis de instrução sem discussão, como sucedeu em 1895, com a célebre lei do Sr. Jaime Moniz [reforma de 1894-1895], votada no célebre e decantado Solar dos Barrigas da Academia Real das Ciências, sem discussão e imediatamente a uma sorna e rápida leitura!”. A execução do novo plano de estudos liceais manteve-se sem alteração até 190511. Valente (1973) justifica a sua permanência pelo facto de ter sido promulgado em ditadura, e Proença (1999, p. 50) considera que os liceus deixaram de ser “meras fábricas de exames” para se tornarem “em locais onde se ministravam aulas”. Pensamos também que a manutenção desta reforma se deve à efectiva melhoria de ensino, ao combate às deficiências e exageros do ensino privado, às vantagens pedagógicas do regime de classe, à valorização de aprendizagens significativas das matérias de ensino, em detrimento de uma exclusiva preparação dos alunos nas disciplinas para a aprovação no exame final.

A génese de uma nova estrutura de trabalho Assente numa nova concepção de ser professor aglutina a ideia do professor especialista numa determinada área do saber, as capacidades para gerir em conjunto os problemas de desenvolvimento dos alunos. Temos a partir daqui um novo olhar sobre a profissão, mais colaborativo, menos separatista. Esta estrutura baseia-se num saber, numa nova prática pedagógica, novo sentido de pertença, não apenas disciplinar. Inicia-se o processo de valorização mais abrangente, menos fragmentada, menos dividida pelos conteúdos disciplinares, mais centrada nos processos relacionais. O que está em causa é um novo habitus 11

Sobre esta reforma, veja-se Brás e Gonçalves, 2008.

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profissional. Implica desenvolvimento de novas atitudes, novas práticas assentes

fundamentalmente

na

dinâmica

de

grupos:

o

ensino-

aprendizagem passa a ser em grupo, apelando-se também a uma intervenção dos professores em grupo. Como já fizemos referência, com a reforma de Jaime Moniz de 1894/1895, dá-se o fim da lógica disciplinar, isto é, do ensino avulso, visto como disciplinas soltas sem qualquer relação umas com as outras, passando o ensino a ser dimensionado de forma mais relacionada, permitindo e exigindo múltiplos cruzamentos. Anteriormente, desde a reforma de 1836, as disciplinas não têm qualquer tipo de relação com os anos de escolaridade. Isto permitia que liceus diferentes pudessem leccionar a mesma disciplina em anos de escolaridade diferentes, porque era o conselho do liceu que determinava essa questão. Podemos, pois, dizer que vigorava a máxima flexibilidade. Com a reforma de Jaime Moniz introduziu-se, então, uma estrutura sequencial: passou a existir uma ordem, um currículo e, mais do que isso, é estabelecida uma lógica horizontal e vertical. Outro aspecto importante é o facto de as áreas serem consideradas ao longo da escolaridade para que o desenvolvimento dos alunos se faça de uma forma harmoniosa. Isto quer dizer que a preocupação deixa de se restringir à disciplina, para se estender também ao desenvolvimento integral do aluno. Por outro lado, a aula passa a ser um espaço de realização importante. Veja-se que, no regime de disciplina, a frequência dependia da escolha que era feita (provinha das circunstâncias locais e também da escolha do aluno). No regime de classe, entramos num novo registo, quer dizer, a cada disciplina é atribuído um espaço-tempo que passa a ser regulado pelo primado da participação, quer dos alunos, quer dos professores. Isto significa que há um espaço temporal e físico para os professores ministrarem o processo ensino-aprendizagem que é condição fundamental para a participação e sucesso dos alunos. Neste sentido, as aulas, sem a presença dos alunos, que eram a prática habitual, deixam de fazer qualquer sentido. História da Educação - RHE

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A partir deste momento a aulas têm um espaço e um tempo real. Podemos considerar que anteriormente era atemporal. Esta alteração veio despertar o interesse e desencadear certa disputa pelas cargas horárias. Com isto floresceu nesta altura uma nova ciência em torno da elaboração dos horários. O ensino e a aprendizagem não são coisas abstractas, têm custos que têm que ser pagos com a carga horária. Sem tempo não é possível falar em a aprendizagem e desenvolvimento. Por outro lado, importa também sublinhar que estamos perante duas concepções educativas diferentes: 1ª) a concepção informativa (bancária, como diria Paulo Freire), que se caracteriza por ser individual, subjectiva e muito centrada no manual escolar, que podia perfeitamente substituir a ausência do professor, cujo papel consiste em depositar (despejar) os conteúdos dos programas; 2ª) a concepção educativa ou formativa, que se caracteriza fundamentalmente pela preocupação da educação integral. O ensino é concebido para ser realizado no grupo-turma. Já não é o aluno considerado estritamente na sua singularidade frequentando a disciplina conforme os seus interesses, mas o aluno enquadrado e encaixado obrigatoriamente num grupo-turma para poder beneficiar das interacções com os colegas. Isto é um dado novo que importa assinalar. Relativamente à construção do ensino, tínhamos uma construção ocasional

conforme

as

circunstâncias

locais,

sendo

a

regência

fragmentada, quer dizer, cada um geria a sua própria disciplina, segundo uma perspectiva individual e subjectiva. Em contraposição, vamos assistir, com a reforma de Jaime Moniz, a uma orientação didáctica em que o ensino passa a ser conduzido por um grupo de professores, abandonando-se a ideia do professor isolado com a sua disciplina. O aluno tem, não só um grupo de alunos para estabelecer interacções necessárias ao tipo de desenvolvimento que se quer implementar, como tem

também

um

grupo

de

professores

que

cuidam

do

desenvolvimento.

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seu


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Para a definição de Direcção do trabalho que agora tem que se realizar, surge uma figura nova que não existia até então. Antes de 1894/95, não existia a necessidade desta orientação (direcção). Ao director de classe, a que se chama hoje director de turma, é-lhe atribuída a máxima autoridade no grupo de professores e dada a competência para fazer a conexão interna entre os professores e externa com os encarregados de educação. Esta nova figura tem, pois, um papel relevante neste processo de ensino-aprendizagem. Significa que o ensino passa a realizar-se na base de relações intergrupais. Antes de 1894/95 era tudo muito desconexo, muito individual, muito centrado na disciplina. A partir desta mudança apela-se a uma nova dinâmica que se centra nas relações inter-grupais. Por um lado, o ensino passa a ser de um grupo de professores e o processo de aprendizagem a assentar no grupo-turma, cabendo ao director de classe assegurar todo esse processo. Estamos perante uma nova estrutura laboral que vem configurar

novas

relações.

Esta

estrutura

implica

uma

nova

aprendizagem, um novo tipo de desenvolvimento e, portanto, novos princípios organizadores das práticas.

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Figura n. 1 - Nova estrutura laboral

Coordenação

Aprendizagem Grupo-Turma

Aprendizagem Espaço-Tempo

Campo de Forças

Cooperação Complementaridade

Aprendizagem Nível-progressão

Do nosso ponto de vista, essa estrutura pode ser apresentada nos seguintes termos: 1º) o triângulo do A implica o trabalho dos alunos e significa o seguinte: A de aprendizagem espaço-tempo, A de aprendizagem nívelprogressão e A de aprendizagem em grupo-turma. Isto quer dizer que a aprendizagem dos alunos se realiza num espaço próprio e num tempo necessário para o processo de desenvolvimento decorrer segundo as condições adequadas. Por outro lado, quer dizer também que a aprendizagem dos alunos passa a ser feita por nível, seguindo uma

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progressão. Todo este processo é realizado em grupos-turma mais ou menos homogéneos, visto que a ideia de progressão exige uma certa homogeneidade. Os alunos inscrevem-se em classes mais ou menos com a mesma idade e como há uma estrutura sequencial evita-se aquilo que acontecia anteriormente, que é ter alunos com percursos excessivamente diferentes. 2º) O triângulo do C implica o trabalho dos professores e significa o seguinte: C de coordenação, C de cooperação, C de complementaridade. Isto quer dizer que os professores têm que cooperar uns com os outros, já que o ensino depende da acção desenvolvida pelo grupo. A cooperação implica também a ideia respeito do trabalho de uns com os outros, porque o que está em causa é o desenvolvimento do aluno, por isso, os professores não estão em competição uns com os outros, as áreas não devem ser vistas em competição umas com as outras, mas, pelo contrário, no respeito do trabalho de uns pelos outros e na complementaridade de umas áreas com as outras. Cada disciplina e cada professor valem por si e pela sua complementaridade. Este é o campo de forças que está em jogo. É à volta desta estrutura que se gera o desenvolvimento dos alunos e se realiza o trabalho dos professores. Esta estrutura tem que ser bem gerida para que o seu efeito não se desintegre. Nesta manobra, cabe ao director de classe ou director de turma um papel especial, pois tem que fazer a conexão interna e externa com os encarregados de educação.

Conclusões Com a transição para o novo regime laboral no século 19, os conteúdos substantivos do trabalho docente foram alterados. Com esta mudança, os tribalismos e os dualismos disciplinares são colocados em causa. A nova situação laboral apela a um novo modo de os professores se relacionarem com o trabalho e entre si. No regime disciplinar existe uma multiplicidade de grupos de pertença. A identidade constrói-se basicamente na vinculação ao grupo História da Educação - RHE

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disciplinar. A mudança para o regime de classe apela a um novo sentimento de pertença e relação, diremos até de uma nova vontade social. A introdução desta alteração levou a que o ser professor tivesse passado para um novo registo, porque o farol de referência do saberfazer-bem se alterou radicalmente. Diremos que o ideal de serviço e a competência especializada se alteraram significativamente (Dubar, 1997, p. 129). O acto profissional que define o ser profissional de educação deixa de se centrar no âmbito estritamente individual com intervenção disciplinar para ser interindividual com intervenção não só disciplinar, mas também multi, inter e transdisciplinar, rompendo com as fronteiras e dualidade disciplinar. Com esta nova focalização, o corpo do saber profissional (expertise) ganha outra profundidade. Esta mudança de regime acarretou uma qualificação do posto de trabalho. Quer dizer, cada professor, a partir do seu grupo disciplinar, tem que saber acompanhar/orientar um trabalho de equipa, nas suas múltiplas relações e afinidades (trocas e complementaridades entre as matérias disciplinares), o desenvolvimento dos alunos em grupos-turma. Esta acção tem um carácter individual e colectivo. É um processo que veio aumentar o grau de complexidade e do saber necessário à intervenção do professor. Neste sentido, a valorização que é feita (eleva a qualidade) implica todo um novo processo de intervenção (articulação entre indivíduo -grupo) que solicita novas competências profissionais para realizar as tarefas. O resultado, o produto, que é o desenvolvimento do aluno, exige colaboração dos múltiplos profissionais que se definem mais pela diferenciação horizontal (grupos disciplinares). A segmentação vertical da actividade (director de classe/director de turma) é de certa forma ilusória, pois apesar de acarretar maior responsabilidade, o nível de qualificação é idêntico aos demais (quando não inferior). A mudança no processo de fabrico foi contrária ao que se registou nas fábricas e nos vários domínios do trabalho. Nesta revolução curricular não se verificou a simplificação das tarefas, não houve divisão de trabalho resultante

de

segmentação

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de

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afectando Maio/ago. 2011

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diferenciados, excepção para o director de turma, mas este faz a coordenação do conjunto, o que acarreta ainda uma maior complexidade. Esta alteração não fragmentou o trabalho, não separou os professores, não os desagregou, pelo contrário, criou interdependência na execução das tarefas. O trabalho docente passa a ser em conjunto, cuja obra a produzir - desenvolvimento dos alunos - é comum. O produto é o resultado de diferentes intervenções parciais. É uma divisão do trabalho que junta. Não foi perda da complexidade e da responsabilidade no e do trabalho. Esta modificação, contrária à tendência da proletarização, é uma referência simbólica que tem um significado interessante para a construção da profissão. Ela não faz o corte entre concepção-execução. O que se pede é precisamente o contrário. A natureza do trabalho complexifica-se, pois vai exigir, da parte de quem o executa, maior conhecimento intelectual. Relacionando a acção de quem trabalha com o perfil do posto de trabalho, verificamos que apela a uma nova qualificação. Isto passa a ser uma marca da existência da identidade profissional. Com isto entramos numa nova categoria do trabalho. Não é um trabalho simples, que exige competências individuais com baixos níveis de exigências intelectuais, mas aquilo que João Freire chama de trabalho-saber. A complexificação, que se verificou com este trabalhosaber, “exige absolutamente um processo prévio e sempre relativamente longo de aprendizagem, quer esta tenha um carácter mais prático ou teórico” (Freire, 1997, p. 29). Para terminar, gostaríamos de dizer que muito provavelmente ainda não

conceptualizámos

verdadeiramente

as

implicações

que

esta

mudança tem na construção da identidade profissional. Ainda não encaixámos a ideia que esta alteração muda o entendimento do que é o trabalho docente, altera radicalmente a relação entre trabalho e produção. Apesar de o regime ter mudado há mais de um século continuamos, em grande parte, indiferentes à revolução laboral que se operou com a reforma de Jaime Moniz. Apesar de esta mudança representar um novo História da Educação - RHE

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traço constitutivo da profissionalidade docente, provavelmente ainda hoje muitos continuam a pensar que para ser colega basta apenas trabalhar no mesmo tipo de instituição. Entrámos num novo regime laboral, mas continuamos a pensarmo-nos e a funcionarmos em grande parte segundo a lógica do antigo regime de disciplina. A centralidade que esta questão ocupa no trabalho ainda não teve o devido acolhimento. Esta mudança de paradigma que trouxe fortes implicações no trabalho já alterou, como seria de esperar, o pensar docente e a formação de professores?

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JOSÉ GREGÓRIO VIEGAS BRÁS é professor associado

na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - ULHT - em Lisboa. Doutor em História da Educação, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Lisboa. Coordenador do Grupo de Investigação Memórias das Instituições Educativas e do Pensamento Pedagógico do Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação - Ceief - da ULHT. Co-editor da Revista Lusófona da Educação, membro do Conselho Editorial da revista electrónica Entretextos e do Conselho de Redacção da revista Gymnasium. Endereço: rua Rodrigo Albuquerque e Melo, 18, 2º dtº, 795233 Linda-a-Velha - Lisboa - Portugal. E-mail: zevibras@gmail.com. MARIA NEVES LEAL GONÇALVES é professora

auxiliar na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - ULHT - em Lisboa. Doutora em Ciências da Educação - História da Educação, pela Universidade de Évora. Co-coordenadora do Grupo de Investigação Memórias das Instituições Educativas e do Pensamento Pedagógico do Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação - Ceief - da ULHT. Co-editora da Revista Lusófona da Educação e membro do Conselho Editorial da revista electrónica Entretextos. Endereço: rua Infante D. Pedro nº2 - 4º dto, 2805-218 Almada - Lisboa - Portugal. E-mail: maria.neves.g@gmail.

Recebido em 8 de março de 2011. Aceito em 1º de junho de 2011.

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REPRESENTAÇÕES ACERCA DA MULHER-PROFESSORA: ENTRE RELATOS HISTÓRICOS E DISCURSOS ATUAIS

Milena Cristina Aragão Lúcio Kreutz

 

Resumo O presente estudo investigou a relação entre as representações construídas historicamente acerca do papel docente feminino, com discursos de professoras na atualidade, a fim de examinar suas decorrências na construção da identidade docente. Para tanto, foi realizado um garimpo nas representações presentes em atas e periódicos da primeira escola Normal de Caxias do Sul/RS, inaugurada em 1930. Em seguida, tais discursos foram relacionados às narrativas de docentes na atualidade, problematizando permanências e mudanças. Os resultados evidenciaram forte vínculo entre os discursos históricos e contemporâneos, fazendo menção à educação como vocação associada à maternidade. A comunicação foi concluída com uma reflexão acerca das possíveis repercussões destas representações no ser e agir docente. Palavras chave: história da educação, feminização do magistério, representações, discursos.

REPRESENTATIONS OF THE FEMALE TEACHER: BETWEEN HISTORICAL REPOSRTS AND NOWADAYS SPEECHES Abstract The present study investigated the relation between representations historically constructed about the role of female teachers, with teachers speeches nowadays, examinating its consequences in the construction of teacher identity. This research was conducted in a mining representations present in the minutes and journals of the first Normal School of Caxias do Sul/RS, which was História da Educação - RHE

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inaugurated in 1930. Then such statements were related to narratives of teachers today, discussing continuities and changes. The results showed a strong link between the historical and contemporary speeches, referring to education as a vocation related to motherhood. The communication was concluded with a discussion concerning the possible consequences of these representations in the pedagogical practice. Keywords: history of education, female teacher, cultural representations, speeches. REPRESENTACIONES DE LAS MAESTRAS: ENTRE LOS RELATOS HISTÓRICOS Y LOS DISCURSOS ACTUALES Resumen El presente estudio investigó la relación entre las representaciones construidas históricamente sobre el papel de las maestras, con los discursos de las maestras de hoy, para examinar sus consecuencias en la construcción de la identidad docente. Esta investigación se llevó a cabo en un representaciones mineras presentes en las actas y revistas de la primera Escuela Normal de Caxias do Sul/RS, que abrió sus puertas en 1930. A continuación, estas declaraciones se relacionan con las narrativas de los profesores de hoy, hablando de continuidades y cambios. Los resultados mostraron una estrecha relación entre los discursos históricos y contemporáneos, en referencia a la educación como una vocación relacionados con la maternidad. La comunicación concluye con una discusión sobre las posibles consecuencias de estas representaciones en la práctica pedagógica. Palabras clave: historia de la educación, las maestras, las representaciones, los discursos. REPRÉSENTATIONS SUR LES FEMMES ENSEIGNANT: ENTRE LES COMPTES HISTORIQUES ET LES DISCOURS ACTUELS Resumé Le présente étude a examine la relation entre les représentations construites historiquement sur le rôle des enseignants de sexe féminin, avec des discours par les enseignants d'aujourd'hui, d'examiner ses conséquences dans la construction de l'identité des enseignants. Cette recherche a été menée dans une exploitation minière présente des observations au procès-verbal et les revues de la première école normale de Caxias do Sul/RS, qui a ouvert en 1930. Puis de telles déclarations étaient liés àdes récits des enseignants d'aujourd'hui, de discuter des continuités et deschangements. Les résultats ont montré un lien étroit entre lês discours historiques et contemporaines, se référant à l'éducation comme une vocation liée à la maternité. La communication conclut par une discussion sur les conséquences éventuelles de ces représentations em pratique pédagogique. Mots-clés: histoire de l'éducation, enseignante, représentations, discours.

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Representar: fazer presente um ausente Conforme Pesavento (2008), em todas as épocas nós, enquanto sujeitos e construtores de nossa história, elaboramos formas de explicar, expressar e traduzir coletivamente a realidade, mas construímos também formas de representar esta realidade, a fim de dar sentido ao mundo, gerando condutas e práticas sociais, as quais são expressas, entre outros exemplos, na forma de mitos, religiões, imagens, instituições e discursos. Para Pesavento (1995), todo fato histórico - e, como tal, fato passado - têm uma existência lingüística, embora o seu referente (o real) seja exterior ao discurso. Entretanto, o passado já nos chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o já vivido em sua integridade. Neste sentido, tentar reconstituir o real é reimaginar o imaginado, e caberia indagar se os historiadores, no seu resgate do passado, podem chegar a algo que não seja uma representação (p. 17).

Partindo desta reflexão, só conseguirei acessar as mulheresprofessoras de outrora penetrando nos discursos difundidos sobre seu ser e agir. E como o “discurso aparece ao longo de uma cadeia de textos, e como forma de conduta, em um conjunto de locais institucionais da sociedade” (Hall apud Wortmamm, 2002, p.85), invado também sua forma de ação e expressão num dado tempo cultural, me proporcionando conhecer o ausente e trazê-lo para o presente. Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência. A idéia central é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença. (Pesavento, 2008, p. 40)

Almejo, portanto, presentificar aquela mulher-professora residente na história, investigando sua vida, seu contexto, seu trabalho e apresentála a mulher-professora hoje, oportunizando um diálogo entre ambas, a fim de balizar similaridades, diferenças e discutir as possíveis repercussões

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desta relação na construção da identidade docente e na prática pedagógica.

Mulher, educação e docência: percursos históricos A presença da mulher no cenário escolar ocorreu tardiamente na história da educação brasileira. Desde o período Colonial, a educação feminina era restrita ao lar e para o lar, ou seja, aprendiam atividades que possibilitassem o bom governo da casa e dos filhos. Somente na segunda década do século 19 foi decretada a abertura de escolas para meninas e, na terceira década do mesmo século, é inaugurada a primeira escola Normal do Brasil, em Niterói/RJ. Tais institutos formadores tinham como função formar professores primários e eram destinados tanto a homens quanto a mulheres. Contudo, ainda parecia estranho, aos olhos da sociedade, o estudo e o trabalho feminino, de modo que o público masculino se fez presente com maior ênfase nos primeiros anos de funcionamento dos cursos (Veiga, 2007; Ribeiro, 2000). A presença da mulher nas escolas normais ocorreu de forma gradual, fruto de diversas mudanças de cunho socioeconômico no país. Alguns fatores colaboraram para o ingresso feminino na docência. Um deles estava relacionado à crescente necessidade de professores para ensinar crianças, uma vez que os homens estavam se afastando gradativamente deste cargo, em busca de melhores salários. (Louro, 1997; Veiga, 2007; Almeida, 1998). Freitas (2002) completa o argumento, alegando que a presença das mulheres no magistério público também era extremamente interessante economicamente, uma vez que a elas era pago um salário inferior àquele oferecido aos homens. Neste contexto, o ingresso das mulheres na função docente seria duplamente eficaz, já que reduziriam o gasto público e resolveria o problema da falta de professores. De fato, a presença das mulheres, tanto nos cursos normais, quanto no mercado de trabalho, atuando na função docente, foi fruto de uma construção histórica, social, econômica e cultural, ou seja, não foi dada a História da Educação - RHE

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priori,

mas

decorreu

de

produções

discursivas

que

marcaram

sobremaneira o ser e agir feminino, em suas múltiplas identidades. Muitos eram os discursos que ressaltavam a inferioridade intelectual feminina. Acreditava-se que a mulher dispunha de baixo intelecto e de uma natureza frágil, sendo, portanto, um contrassenso a contratação de mulheres para educar crianças. (Almeida, 1998; Veiga, 2007). Desta forma, a ignorância e a timidez, traços femininos no período colonial brasileiro, adentraram ao século 19 ainda com força, mas sofrendo o embate de outros argumentos que afirmavam que “as mulheres têm, por natureza, uma inclinação para o trato com as crianças, que elas são as primeiras e naturais educadoras” (Louro, 1997, p. 78) e, por isso, o ensino da infância seria sua vocação. Desta forma, dois importantes discursos podiam ser ouvidos com maior ênfase no século 19: os que refutavam a ideia de uma mulherprofessora e os que abraçavam tal intenção, se valendo de uma representação fortemente aceita e disseminada socialmente: a mulhermãe. Este último obteve grande aceitação social, culminando na construção da imagem da mulher-mãe-professora. Afinal, quem, além dela, poderia ensinar crianças? Quem, além do ser naturalmente criado para o exercício da maternidade, seria melhor para a educação dos pequenos? Defendia-se que a educação das crianças era um ofício que as mulheres exerciam há anos, assim, deslocá-las para o universo docente, não representaria um mal, desde que direcionado ao público infantil. Logo, em meados do século 20, quando a inserção feminina no mercado de trabalho ainda era tímida, lecionar poderia ser a saída para as mulheres que desejavam se dedicar a outras atividades, sem precisar abandonar o lar e os filhos, já que era possível trabalhar somente meio período, recebendo um salário razoável e ainda ter tempo para cuidar da vida pessoal. Dentro deste cenário, o magistério era visto como a extensão do lar, ou seja, um desdobramento de uma atividade História da Educação - RHE

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naturalmente praticada, um prolongamento de educar os filhos, numa feliz combinação entre professora competente e dona de casa amorosa (Diniz, 2001; Louro, 1997; Marconato, 2002). Louro (1997) expõe uma fala importantíssima a qual elucida este processo: se a maternidade é, de fato, o seu destino primordial, o magistério passa a ser representado também como uma forma extensiva da maternidade. Em outras palavras cada aluno ou aluna deveria ser visto como um filho ou filha espiritual. A docência assim não subverteria a função feminina fundamental, ao contrário, poderia ampliá-la ou sublimá-la. (p.78)

Os ecos no cotidiano O fragmento acima encontra eco no seio de escolas normais, circulando no discurso de gestores, professores e alunas. A antiga Escola Complementar Duque de Caxias, primeira escola normal de Caxias do Sul, inaugurada em 19301, é um exemplo do quanto a representação sobre a mulher-professora foi difundida e aceita socialmente, como apontam os relatos a seguir: Na sala do I ano, chamava a atenção os trabalhos práticos de Economia Doméstica, tais como perfumaria variada, fabricadas em aula pelas alunas, dentrifícios, amostras de ponto de lã e crochet, [...] uma proveitosa lição para futuras donas de casa e mesmo professoras, pois são raríssimas as que sabem agir com presteza e desembaraço em casos frequentes de incidentes das crianças, tais como dores repentinas, queimaduras, etc. ferimentos, sincopes. [...] infelizmente não nos foi possível realizar dois úteis e interessantes projetos para a cadeira de Economia, a criação de uma cozinha modelo, onde as alunas pudessem praticar a arte culinária e uma sessão de puericultura, que consistiria em aulas práticas de banhos, preparos de mamadeiras, vestir

1

A escola Complementar Duque de Caxias é conhecida atualmente como Instituto Estadual Cristóvão de Mendoza. Todas as citações que se referem à Escola Normal Duque de Caxias, como atas e revistas, estão disponíveis na biblioteca desta escola. Ver http://sites.google.com/site/cristovaodemendoza. História da Educação - RHE

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e despir criancinhas, etc., utilizando para isso crianças pobres das imediações da escola.2

O texto supracitado é um segmento da correspondência expedida pela diretora da Escola Complementar Duque de Caxias, Maria Amorim, ao diretor geral da Instrução Pública de Porto Alegre, em 1933. Outra passagem, extraída do caderno de redações das alunas do segundo ano, explicita com clareza o quanto elas percebiam-se como mães: “É a escola a segunda mãe educacionista que semeia a honra e o bem a fim de produzir o fruto que é o progresso infantil” (redação escrita por uma aluna do 2º ano em abril de 1937. Livro 250/200). A Escola Complementar Duque de Caxias também recebia visitantes, os quais colocavam suas impressões no livro de visitas. A percepção do sujeito abaixo é mais um exemplo da representação da escola como extensão do lar: Bom professor - daqueles que fazem da escola um prolongamento do seu próprio lar e dos alunos num prolongamento da própria família - confesso a satisfação que me proporcionou esta visita à escola Normal Duque de Caxias. (Livro de visitas, agosto de 1940)

Entretanto, há implícita na fala de educadores e alunas outra representação muito presente, conforme apresenta o trecho abaixo: Uma das missões mais difíceis de preencher é a de educador, mas é também a mais bela, mais nobre e necessária [...]. O educador deve ser carinhoso, saber transmitir o conhecimento e fazê-lo com entusiasmo, possuir ardor e verdadeira dedicação para com o ensino. (Revista Centelha, maio de 1933. Aluna II ano)

Esta dedicação a que refere o trecho acima possui raízes históricas vinculadas à docência masculina. No período da Idade Média, a função docente era compreendida como um dom divino. Somente monges, 2

Ata da Escola Complementar Duque de Caxias de 1933, onde consta a cópia dos relatórios encaminhados anualmente para Porto Alegre. O trecho está registrado na página 85.

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bispos e sacerdotes poderiam ensinar. O conhecimento estava sob o poder da Igreja, o que levava a forte representação do ensino como missão sagrada. Assim, o professor assumiu o papel de intermediário de Deus junto aos alunos, devendo ser aplicado, paciente e ter amor ao ensino, dedicando-se completamente à função, a qual seria sua vocação (Kreutz, 2004). Campos (2002) relata um desabafo do presidente da Província de São Paulo, em 1873, o qual ilustra perfeitamente a aproximação do papel docente com o sacerdócio. Neste, o então presidente relaciona o aumento no número de escolas normais no país a uma competição entre Estados e afirma que “o professorado se rebaixou ao ponto de não ser mais um sacerdócio e sim exclusivamente um gênero de vida, uma indústria e um comércio” (p. 22). Desta forma, as professoras de outrora iniciaram sua vida docente acreditando

que

poderiam

exercê-la

por

apresentar

em

seu

comportamento as características necessárias para o bom desempenho da função, afinal, foram cunhadas por Deus para as tarefas que a sociedade esperava delas. Ser dona de casa, mãe e professora não diferiam em demasia. Assim, a escolha pela docência significou a escolha por uma profissão que não desvirtuaria sua condição natural, que não usurparia da sociedade a mãe de família, aquela responsável pela educação das futuras gerações, apenas a deslocaria para outro espaço, tão importante quanto, como numa extensão do próprio lar.

Representações que perpassam o tempo Caminhar até as professoras foi, antes de tudo, uma forma de demonstrar o respeito que temos por elas, bem como pelo universo no qual escolheram atuar. Na medida em que nos disponibilizamos a ouvilas, deixamos clara a mensagem de que são importantes. Estas professoras, em conjunto com as que vieram antes delas, são escritoras da história. Caminham diuturnamente com um livro embaixo do braço e

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um lápis na mão, redigindo suas histórias e, por conseguinte, as histórias dos espaços em que transitam. Iniciamos agora uma viagem pelas falas das mulheres-professoras. São narrativas que nos levam por caminhos cujo destino ancora nas representações que estas docentes têm sobre sua função, denunciando como sentem e pensam o trabalho que exercem na educação de crianças pequenas. Nesse sentido, seis professoras atuantes numa Escola de Educação Infantil da Cidade de Caxias do Sul/RS nos acompanharam nessa viagem, todas formadas no magistério/curso normal, tendo entre seis meses e cinco anos de experiência em docência para crianças. Para coletar as informações necessárias, a fim de atingir o objetivo proposto neste trabalho, escolhemos a entrevista grupal em forma de grupos de discussão, orientando-as que respondessem a seguinte pergunta: o que é ser professora para você? Vale salientar que este formato possibilita a troca de vivências e idéias, o estímulo à criatividade e a emergência de divergências possíveis de serem aproveitadas para novas discussões e esclarecimentos, possibilitando mobilizar o corpo docente a uma reflexão crítica a respeito de suas representações e atuação (Gaskell, 2002). Foi necessário um encontro de duas horas para que a discussão transcorresse, alcançando, assim, o objetivo proposto. Conforme Ressel et al (2008), o número de sessões depende do primeiro encontro, pois quando os grupos não são capazes de produzir novidades nas suas discussões, é sinal de que se conseguiu mapear o tema para o qual a pesquisa foi dirigida, não sendo necessário, portanto, um segundo momento. Vale destacar que o encontro foi gravado e o compromisso com o sigilo pontuado.

Ser professora é Observamos que as colocações proferidas assemelhavam-se bastante com os relatos históricos, apresentando um tipo de professora História da Educação - RHE

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identificada claramente com a maternidade, sendo a docência sua missão de vida:

Acredito que a professora deve saber ensinar bem, e na educação das crianças o mais importante é sua atitude. Deve ser de muito amor, de muito carinho, de dedicação, porque eles precisam. Devem ser muitas vezes mães. (Professora A, 9 meses de trabalho) Ser professora é vocação, precisa querer muito, gostar. É uma bela missão que escolhi e sou feliz [...]. Somos mães, amigas, professoras. (Professora B, 1 ano e 8 meses de trabalho) Escolhi ser professora por amar as crianças, acho que elas são o futuro mesmo, e por isso o professor tem uma missão muito importante. Acho que ser professor é isso, ensinar as crianças o valor. Assim como a família educa, o professor também deve educar, nesta idade, é como se a escola fosse uma segunda família e a gente um pouco mãe. (Professora E, 3 anos de trabalho na escola)

Os trechos citados poderiam ser datados de 1940, tamanha a similaridade com aqueles apresentados na primeira parte deste estudo. O relato de uma professora, atuante há seis meses na escola, explica em que momento ela se sente mãe e em qual sente-se docente:

eu me sinto as vezes mãe e as vezes professora. Quando a gente dá banho, limpa, arruma as crianças nós somos mais mães, porque estamos fazendo o que as mães fazem, mas quando a gente ensina, dá trabalhinho...aí somos mais profe. Então as vezes me sinto as duas coisas, um pouco mãe, um pouco professora. (Professora D)

Esta docente utiliza em diversos momentos o termo “a gente”, como se ela não fosse a única a se sentir assim, como se as percepções fossem divididas, criando um elo entre elas, uma identidade. De acordo com Woodward (2000), Hall (2002) e Pesavento (2008), a identidade produz uma sensação de pertencimento a um dado grupo social, a partir do reconhecimento de analogias e divergências, fornecendo a coesão grupal e articulando uma percepção sobre o mundo. História da Educação - RHE

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Assim, a identidade é sempre construída, nunca pronta e acabada, ocorrendo de forma relacional, uma vez que só existe na alteridade de um outro. É interessante destacar que, mesmo sendo uma construção simbólica de sentido, em alguns momentos a identidade é percebida como essência, fundamentada no biológico, como no caso da maternidade. Acreditava-se que o simples fato de gestar uma criança já conferiria à mulher certos saberes relacionados ao cuidado e educação, bem como sentimentos de amor incondicional. Entretanto, conceber uma identidade fixa significa negar todo um processo de construção histórica, permeado por multiplicidades e contradições, ao passo que assumir a identidade como fluída e mutável é assumir a mobilidade sociocultural, ou seja, é possível construir, desconstruir e reconstruir. Outro termo que chama atenção é “um pouco”: “um pouco mãe, um pouco professora”, ou seja, esta não se percebe inteira no desempenho de seu papel profissional, ela é um ser dividido, um ser pela metade, nem completamente mãe, nem totalmente professora, gerando grande confusão no desempenho de seu papel, e, por conseguinte sofrimento, como aponta o relato de uma professora há 5 anos na função: não é fácil ser professora, é um trabalho de amor, dedicação e isso exige muito de nós. Ficamos cansadas, estressadas, sem saber o que fazer em alguns momentos; quando impor limites? Quando castigar? Mas tudo vale a pena quando estamos com as crianças e é por elas que permaneço. (Professora F)

Essa tríade: docência, maternidade e vocação, já era explicitada na década de 30 do século 20. Na Oração do Mestre de Gabriela Mistral, publicado em 1933 em jornais e revistas da cidade de Belo Horizonte/MG, podemos observar ambas as representações associadas: sacerdócio e maternidade conjugadas com a função docente.

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Senhor! Tu que ensinaste, perdoe que eu ensine e que eu tenha o nome de Mestra que tivestes na terra. Dá-me que eu seja mais mãe do que as mães, para poder amar e defender, como as mães, o que não é carne da minha carne. (Lopes, 2001, p. 46) Esta representação de docência enquanto vocação considera o trabalho docente uma missão sagrada, sendo o professor o “mediador de Deus juntos aos alunos e à comunidade”, o qual deveria demonstrar “aplicação e vontade de ensinar, paciência e verdadeiro amor aos alunos” (Kreutz, 2004, p. 160). Todavia, vale lembrar que a representação sobre a docência como vocação foi direcionada ao público masculino ligado à Igreja. Como o sacerdócio não era permitido ao público feminino, houve um movimento de agregar a já representada função docente, o estereótipo de mãe enquanto sujeito dotado da natural missão de educar crianças, já que tem a atribuição inata, e divina, de gerá-las. Assim, o discurso de que a mulher seria a educadora natural de crianças difundiu-se largamente em conjunto com a idéia de bondade, amor, dedicação e paciência, já presente nas representações anteriores. Em suma, a representação do magistério feminino estava no âmbito da vocação e da maternidade. Professora e mãe, duas funções sagradas que se cruzam na ação de educar. Encontram-se no amor, no sofrimento e também nas dúvidas. “Sem saber o que fazer”, diz a docente F. Espera-se que a aluna, ao término do magistério, seja capaz de pensar soluções para os desafios diários, afinal, foi para “saber o que fazer” que ingressou no curso de formação. Donde provêm estas dúvidas? O que os cursos de magistério não alcançam? Perrenoud (1993) e Andaló (1995) afirmam que a função docente é uma função relacional e, portanto, não basta o conhecimento teórico para construir um bom professor. Faz-se necessário refletir sobre suas dimensões subjetiva, social e cultural, já que este sujeito, quando senta nos bancos escolares de um curso de formação, leva consigo História da Educação - RHE

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representações construídas culturalmente sobre o que é ser professor e como ensinar. Concepções estas, adquiridas de forma não reflexiva, escapando a crítica e convertendo-se em um verdadeiro obstáculo à sua formação profissional. É importante ressaltar que os discursos difundidos historicamente sobre o papel docente na educação de crianças, não são simplesmente reflexos da realidade social, mas podem ser instrumentos de constituição e transformação desta realidade. Hall apud Wortmamm (2002) destaca que um discurso jamais consiste em uma declaração, um texto, uma ação ou uma fonte. [...] o discurso aparece ao longo de uma cadeia de textos, e como forma de conduta, em um conjunto de locais institucionais da sociedade. (p. 85) Neste sentido, os discursos atuam fundamentalmente na produção de práticas sociais. Assim, é possível aferir que os discursos difundidos acerca do papel docente influenciam e até constroem formas de ser e agir da professora de crianças pequenas. Autores como Zanella (1999) e Diniz (2001), afirmam que a gama de representações acerca do papel docente, em especial quando se trata da interposição deste com o papel materno, é bastante prejudicial a prática pedagógica, na medida em que contribui para uma desprofissionalização da função, descaracterizando o magistério como profissão e reforçando-o como um espaço para quem demonstrasse vocação e capacidade maternal. Em consonância, Gonçalves (1996) e Zanella (1999) afirmam que esta mescla entre maternidade e educação pode estimular nas professoras um sentimento de ambigüidade em relação ao estudante, variando entre a raiva e o amor, já que, ao olhá-lo como professora, percebe que este não corresponde ao ideal de estudante, educado e disciplinado e, ao observá-lo como mãe, sente que o mesmo deve ser protegido, formando, assim, uma relação de dependência (Gonçalvez, 1996; Zanella, 1999). História da Educação - RHE

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As queixas, muito freqüentes na fala destas e outras professoras, são fruto desta relação e contribuem para tornar a pessoa impotente e paralisada diante de uma mudança de postura, convertendo-se num mal estar ao que Freud chama de mal estar docente. O conflito apresenta-se entre o que a professora acredita como ideal pedagógico, traduzido no domínio da criança e seu desenvolvimento, e a realidade vivida. Deste modo, a professora adentra a escola munida do desejo de alcançar seu ideal, de ter alunos quietos, comportados, obedientes e, ao perceber que não consegue, frustra-se, podendo gerar sintomas físicos e psíquicos, principalmente quando o conflito não pode ser manifesto no ambiente educacional, uma vez que este tem como característica apaziguar tensões e não explicitá-las (Diniz, 2001). Como forma de amenizar os conflitos existentes na função docente, ajudando as professoras a vivenciarem sua inteireza profissional de maneira consciente, Andaló (1995) e Diniz (2001) alegam ser fundamental que a professora reflita sobre as representações que lhe são atribuídas pelo grupo cultural, utilizando espaços de discussão, onde possam questionar sua forma de ser e agir e ao mesmo tempo, desabafar medos, angústias, dúvidas e incertezas sobre “esta função tão nobre e importante, mas também tão difícil de ser cumprida” (professora C, 4 anos na função).

Considerações finais As professoras pesquisadas representam uma parcela de um campo educacional brasileiro que é eminentemente formado por mulheres. São mulheres que ingressaram na vida docente por diversos motivos, alguns coincidentes, outros nem tanto, contudo são partícipes de uma mesma cultura, sendo constituintes e constituídas por ela. São seres sociais dotadas de emoção, desejos, sonhos e frustrações. São mulheres com histórias pessoais que precisam reconhecer sua configuração profissional em sua trajetória cultural. Quem sou? Porque escolhi ser professora? O que é ser professora? O que a cultura História da Educação - RHE

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preconiza como verdade é minha verdade? O que tem de mim e do outro em meu discurso? Que conflitos vivencio? De onde eles vêm? Questões que necessitam ser abordadas como uma maneira da mulher reconhecerse, compreender-se e atuar frente a sua profissão de uma forma mais completa, identificando fusões e confusões no desempenho de seu papel profissional. Contudo, tal busca subjetiva necessita vir acompanhada de uma profunda reflexão acerca de sua postura pedagógica. Não basta amar o que faz se não souber o que fazer. Portanto, leituras seguidas de discussões em grupo, especialmente relacionando-as com sua prática, traduzem-se em um suporte fundamental quando se pretende trabalhar o conflito de papéis. Tornar-se ciente sobre si, seu grupo social, sua historicidade e o trabalho docente são passos importantes para amenizar o conflito existente na função de professora, abrindo portas para uma atuação profissional onde a mulher sairia da posição de vítima frente a uma exigência sócio-cultural e passaria a protagonista de sua história, revendo conceitos e questionando certezas, para, então, agir pautada em escolhas refletidas, pontuando um limite claro: até aqui sou mãe; daqui para frente sou professora. Sendo assim, através da atividade desenvolvida nesta escola, fica clara a complexidade existente entre a mulher-professora e o trabalho pedagógico. Contudo, mais pesquisas necessitam ser realizadas em escolas públicas e particulares promovendo futuras discussões a respeito desta temática.

Referências ALMEIDA, Jane Soares. Mulher e educação: paixão pelo possível. São Paulo: Unesp, 1998. ANDALÓ, Carmen Sílvia de Arruda. Fala professora! Repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: Vozes, 1995.

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DINIZ, Margareth. Do que sofrem as mulheres professoras? In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BRAUER, Martin W; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002. GONÇALVES, Marlene F. Carvalho. Se a professora me visse voando ia me por de castigo: a representação da escola feita por alunos de préescola da periferia. In: OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos. Educação infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1996. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A, 2002. FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Da normalista-espera-marido ao exercício profissional no magistério: trajetórias de ex-alunas do Instituto de Educação Rui Barbosa. In: CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza; SILVA, Vera Lucia Gaspar da (orgs.). Feminização do magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: USF, 2002. KREUTZ, Lúcio. Professor paroquial: magistério e imigração alemã. Pelotas: Seiva, 2004 LOPES, Eliane Marta Teixeira. Da sagrada missão pedagógica. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. PESAVENTO, SANDRA Jatahy. Representações. Revista Brasileira de História. São Paulo: Anpuh/Contexto, v. 15, n. 29, 1995. RESSEL, Lúcia Beatriz; BECK, Carmem Lúcia Colomé; GUALDA, Dulce Maria Rosa et al. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto & Contexto, v. 17, n. 4, Florianópolis out./dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-707200800 0400021&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 2 maio, 2010. RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. Mulheres educadas na colônia. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FILHO, Luciano Mendes Faria; VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. VEIGA, Cynthia Greive. História da educação. São Paulo: Ática, 2007. WORTMAMM, Maria Lúcia C. Análises culturais: um modo de lidar com histórias que interessam à educação. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.).

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Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. ZANELLA, Andréa Vieira; CORD, Denise. Tia, o Tonico me bateu! Considerações sobre a violência infantil no contexto da creche. Revista Educação, Subjetividade e Poder. Porto Alegre, v. 6, n. 6, ago. 1999.

MILENA CRISTINA ARAGÃO é professora do Faculdade Estácio de Sá - Fase/SE. Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Centra suas pesquisas nos processos de feminização do magistério, infância e formação de professores, com foco nas práticas e representações sobre a docência, tendo como apoio pressupostos da história cultural. Endereço: Rua Jornalista Paulo Costa, 577 - 49037-340 Aracaju - SE. E-mail: mi.aragao@yahoo.com.br. LÚCIO KREUTZ é professor na Universidade de Caxias do Sul/RS. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisador CNPq, centra suas pesquisas nos processos escolares de imigrantes, com foco nos imigrantes alemães, especialmente no Rio Grande do Sul. Endereço: Rua Epifânio Fogaça, 430 - 93022-620 - São Leopoldo - RS. E-mail: lkreutz@terra.com.br.

Recebido em 17 de junho de 2010. Aceito em 12 de dezembro de 2010.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO DA LITERATURA INFANTIL NOS CURSOS NORMAIS NO BRASIL: O PIONEIRISMO DE BÁRBARA VASCONCELOS DE CARVALHO Fernando Rodrigues de Oliveira

 

Resumo Com o objetivo de contribuir para a história da formação de professores e para a história do ensino da literatura infantil, apresentam-se aspectos da atuação profissional da professora Bárbara Vasconcelos de Carvalho e da elaboração de instrumento de pesquisa contendo referências de textos de e sobre essa professora. A análise dos resultados obtidos tem propiciado compreender aspectos importantes da história do ensino da literatura infantil nos cursos normais no Brasil, em especial, a importante e pioneira atuação de Carvalho no âmbito dessa história, seja pelas tematizações que fez, por meio de palestras, cursos e conferências, seja pela concretização de sua proposta para o ensino da literatura infantil contida em seu manual de ensino da literatura infantil. Palavras-chave: formação de professores, ensino da literatura infantil, Bárbara Vasconcelos de Carvalho, história da educação. CONSIDERATIONS ABOUT THE HISTORY OF TEACHING CHILDREN’S LITERATURE ON ELEMENTARY TEACHERS EDUCATION COURSES IN BRAZIL: THE PIONEERING WORK OF BÁRBARA VASCONCELOS DE CARVALHO Abstract In order to contribute for de the history of teacher education and the history of teaching children‟s literature, one presents aspects of professional activity of the teacher Bárbara Vasconcelos de Carvalho and of the development of a research guide that contains textual references of this teacher and about her. The analysis of the results has allowed to understand important aspects about the history of História da Educação - RHE

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teaching children‟s literature on elementary teacher education courses in Brazil, specially, the important and pioneering Carvalho role in this history, either by thematizations which she did, through lectures, courses and conferences, either by the materialization of her proposal for the teaching children's literature contained in your children‟s literature teaching manual. Keywords: teacher education, teaching children‟s literature, Bárbara Vasconcelos de Carvalho, history of education. CONSIDERACIONES SOBRE LA HISTORIA DE LA ENSEÑANZA DE LA LITERATURA INFANTIL EN EL CURSO NORMAL EN BRASIL: EL TRABAJO PIONERO DE BARBARA VASCONCELOS DE CARVALHO Resumen Con el objetivo de contribuir a la historia de la formación de maestros y la historia de la enseñanza de la literatura infantil, presenta-se aspectos de la actividad profesional de la maestra Bárbara Vasconcelos de Carvalho y el desarrollo de instrumento de investigación que contiene la referencias de los textos de esta maestra y sobre ella. El análisis de los resultados ha permitido comprender aspectos importantes de la historia de la enseñanza de la literatura infantil en los cursos normales en Brasil, en especial, el papel importante y pionero de Carvalho en el contexto de esta historia, sea por las tematizaciones lo que hizo, a través de conferencias y cursos, sea por la materialización de su propuesta para la enseñanza de la literatura infantil que figura en su manual. Palabras-llaves: formación de maestros, enseñanza de la literatura infantil, Bárbara Vasconcelos de Carvalho, historia de la educación.

CONSIDERATIONS SUR L'HISTOIRE DE L'ÉDUCATION LA LITTERATURE POUR ENFANTS DANS L’ÉCOLE NORMALLE AU BRÉSIL: LES PIONNIERS DE BARBARA VASCONCELOS CARVALHO Resumé Afin de contribuer à l'histoire de la formation des enseignants et l'enseignement de l'histoire de la littérature pour enfants, présente des aspects de la pratique professionnelle de l'enseignant Bárbara Vasconcelos Carvalho et le développement de textes instrument de recherche contenant et de références sur ce enseignant. L'analyse des résultats a favorisé la compréhension des aspects importants de l'histoire de la littérature pour enfants dans l'enseignement des cours réguliers au Brésil, en particulier, le travail important et novateur de Carvalho dans cette histoire, les sujets qui se fait à travers des conférences, des cours et conférences, est la réalisation de sa proposition pour l'enseignement de la littérature pour enfants contenues dans le manuel pour enseigner la littérature pour enfants. Mots-clés: formation des enseignants, enseignement de la littérature pour enfants, Bárbara Vasconcelos Carvalho, l'histoire de l'éducation.

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Introdução Com a constituição da literatura infantil como gênero literário em fins do século 19 e com o aumento gradativo, ao longo das primeiras décadas do século 20, da produção e da circulação de livros destinados à leitura das crianças em decorrência, dentre outros, do aumento da escolaridade, do público leitor e da modernização econômica e administrativa do país (Lajolo; Zilberman, 2005), a literatura infantil brasileira passou a despertar interesse cada vez maior entre os professores da época. Esse interesse também foi demonstrado, segundo Manoel Bergströn Lourenço Filho (1943), “pelo próprio Ministério da Educação quando, em 1936, por iniciativa do ministro Gustavo Capanema, organizou uma Comissão Nacional de Literatura Infantil, a qual funcionou por todo êsse ano e ainda nos começos de 1937” (p. 154-155). Em meio a esse momento histórico, a literatura infantil, a partir da década de 1930, constituiu-se como matéria/disciplina dos cursos de formação de professores primários no Brasil. E, embora fizesse parte dos programas dos cursos normais, não haviam textos que subsidiassem a atuação tanto dos professores desses cursos, responsáveis pela matéria/disciplina literatura infantil, como dos alunos desses cursos (Oliveira, 2009). Sendo assim, a partir da década de 1940 passaram a ser publicados os primeiros capítulos sobre literatura infantil em manuais de ensino1 de língua e literatura e, a partir da década de 1950, os primeiros manuais específicos para o ensino da literatura infantil, que decorreram da atuação de seus autores como professores junto ao ensino normal brasileiro. Dentre os professores que atuaram especificamente no ensino da literatura infantil, destaca-se Bárbara Vasconcelos de Carvalho (19152008) como uma das primeiras a se dedicar ativamente ao estudo e ao 1

Manual de ensino é aqui como um tipo de livro didático destinado à utilização em cursos de formação de professores e que contém os saberes teóricos e práticos considerados necessários para que se aprenda a ensinar determinada disciplina ou matéria do curso primário. O conceito que utilizo para manual de ensino é equivalente a outras expressões, como aponta Trevisan (2003, 2007), a saber: tipo de livro didático tal como manual pedagógico, tratado, manual didático e manual escolar. História da Educação - RHE

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ensino da literatura infantil no Brasil, além de ser autora do primeiro manual específico para o ensino da literatura infantil, a saber: Compêndio de literatura infantil para o 3º ano normal, publicado em 1959, pela Companhia Editora Nacional. Considerando o exposto e com o objetivo de contribuir para a história da formação de professores e para a história do ensino da literatura infantil, apresenta-se aspectos da atuação profissional e da bibliografia de e sobre Bárbara Vasconcelos de Carvalho e suas relações com a história do ensino da literatura infantil nos cursos normais no Brasil.

Bárbara Vasconcelos de Carvalho: pioneira no ensino da literatura infantil2 Filha caçula de Pedro Silva Vasconcelos e Alice Alves Vasconcelos, Bárbara Isabel Vasconcelos nasceu no dia 5 de agosto de 1915, em Salvador/BA, cidade na qual realizou seus estudos primários e formou-se professora primária e de língua portuguesa. Aos 18 anos de idade, em 1933, Bárbara Isabel Vasconcelos matriculou-se no curso normal do Instituto Normal da Bahia e diplomou-se professora, em 1936, pelo Colégio Nossa Senhora da Soledade. Após formar-se professora, casou-se com Aurivaldo Dias de Carvalho, recém formado médico cirurgião e, desde então, passou a assinar Bárbara Vasconcelos de Carvalho, no lugar de Bárbara Isabel Vasconcelos. No ano de 1943, com 30 anos de idade, seu esposo faleceu e, em decorrência de sua viuvez precoce, ela teve que começar a trabalhar.

2

As informações contidas neste tópico foram localizadas em documentos que pertenceram ao acervo pessoal de Bárbara Vasconcelos de Carvalho, em documentos localizados na Escola Estadual Jácomo Stávale, na Escola Estadual Dr. Manuel José Chaves, em Coelho (2006), Carvalho (2010), Santos (2010) e Belinky (1983). História da Educação - RHE

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Seu primeiro trabalho foi como professora do Instituto Normal da Bahia3, em Salvador, onde lecionou entre os anos de 1943 e 1952. Ainda atuando nesse Instituto, no ano de 1947, foi aprovada em concurso para o cargo de professora de língua portuguesa do Colégio Estadual da Bahia, em Salvador, onde permaneceu até 1952. Entre os anos de 1948 e 1949, ensinou língua portuguesa no Colégio Carneiro Ribeiro, em Salvador. Concomitantemente a sua atuação como professora, em 1945, Bárbara Vasconcelos de Carvalho foi aprovada no exame para ingresso no curso de Letras Neo-Latinas da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia4, tendo-se diplomado, em 1949, bacharel e licenciada em Letras Neo-Latinas. Em 1952, Bárbara Vasconcelos de Carvalho mudou-se para o Rio de Janeiro para participar de um curso de especialização sobre literatura portuguesa e brasileira junto a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, curso que não concluiu. Ainda residindo no Rio de Janeiro, ela conheceu a cidade de São Paulo, onde prestou concurso para o cargo de professora secundária de português, tendo sido aprovada. Depois de assumir cargo como professora no Estado de São Paulo, em 1953, Bárbara Vasconcelos de Carvalho ensinou em diversas escolas do interior e da capital, dentre elas: Colégio Franklin Roosevelt, de São Paulo, Grupo Estadual Pedro Brandão dos Reis, na cidade de José Bonifácio, e Ginásio Estadual de Valparaíso, na cidade de Valparaíso. No ano de 1957, quando ensinava língua portuguesa no Ginásio Estadual de Valparaíso, Bárbara Vasconcelos de Carvalho foi convidada para instalar e dirigir o Ginásio Estadual de Vila Formosa, na capital de 3

4

Em 1895, por meio da lei n. 117, de 24 de agosto, a Escola Normal da Bahia passou por uma reestruturação e foi transformada no Instituto Normal da Bahia. Depois de 44 anos, em 1939, esse Instituo foi transformado no Instituto Central Isaias Alves, por meio de decreto n. 11.237, publicado em 23 de fevereiro de 1939. No ano de 1943, em Salvador/BA, foi fundada a Faculdade de Filosofia da Bahia. No ano de 1946, com a publicação do decreto n. 9.155, as Faculdades existentes até então, em Salvador, como a Faculdade de Filosofia, Faculdade de Medicina, a Escola Politécnica e a Faculdade de Ciências Econômicas, passaram a integrar a Universidade da Bahia. Na década de

1950, com a publicação da lei n. 2.234, de 4 de dezembro de 1950, a Universidade da Bahia passou a ser denominada Universidade Federal da Bahia. História da Educação - RHE

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São Paulo. Nesse mesmo ano, também foi convidada para coordenar a equipe responsável pela formulação dos programas de Português do Curso Normal, ocasião na qual apresentou projeto para “introduzir o ensino da literatura infantil nos programas do referido curso” (Santos, 2001, p. 45). No ano seguinte, em 1958, Bárbara Vasconcelos de Carvalho deixou de ocupar a função de diretora do Ginásio Estadual de Vila Formosa e passou a ocupar cargo de professora de língua portuguesa no Ginásio Estadual e Escola Normal Jácomo Stávale, na capital de São Paulo. Desde que passou a atuar nesse Colégio e, principalmente após ter participado da equipe que reformulou o programa de língua portuguesa, em 1957, Bárbara Vasconcelos de Carvalho passou a desempenhar importantes funções no âmbito do sistema de ensino paulista. Dentre essas funções: integrou bancas de ingresso no magistério secundário e normal do Estado de São Paulo; integrou o grupo assessor de Teatro Infantil, junto a Comissão Estadual de Teatro do Conselho Estadual de Cultura do Estado de São Paulo; prestou serviços junto ao Setor Pedagógico do Departamento de Educação e do Departamento de Ensino Básico da Coordenadoria de Ensino Básico e Normal da Secretaria Estadual dos Negócios da Educação e foi convidada, em 1971, para assumir cargo de assessora junto ao gabinete da secretária de Educação do Estado de São Paulo, Esther de Figueiredo Ferraz, cargo que ocupou até 1973, quando se aposentou. Concomitantemente a sua atuação no magistério paulista e mesmo depois de aposentada, Bárbara Vasconcelos de Carvalho participou de congressos e seminários sobre literatura infantil e ministrou diversos cursos, palestras e conferências em diversos Estados do Brasil (São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe) e no exterior (Montevidéo/Uruguai). Em decorrência do seu envolvimento com a literatura infantil não somente como estudiosa, mas também como escritora, Bárbara Vasconcelos de Carvalho, na década de 1970, integrou o grupo de História da Educação - RHE

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professoras e pesquisadoras que fundou o Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil - Celiju -, tendo sido também presidenta desse Centro. Além do Celiju, Bárbara Vasconcelos de Carvalho integrou duas outras importantes instituições relacionadas à literatura infantil e à educação: a Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil5 e a Academia Baiana de Educação. Depois de mais de 60 anos de atuação e estudos relacionados com ensino e divulgação da literatura infantil, Bárbara Vasconcelos de Carvalho faleceu no dia 26 de julho de 2008, de insuficiência respiratória e doença de Parkinson, na cidade de Salvador.

Bibliografia de Bárbara Vasconcelos de Carvalho Concomitantemente a sua atuação em cargos e funções no magistério e na divulgação da literatura infantil por meio de cursos e palestras, Bárbara Vasconcelos de Carvalho contribuiu para a educação brasileira e para a literatura infantil por meio de sua produção escrita, que é

representativa

das

ações

pioneiras

que

desempenhou

como

divulgadora e estudiosa do gênero. Ao longo de sua vida, Carvalho escreveu artigos sobre literatura brasileira e literatura infantil em periódicos e jornais de notícias, livros didáticos, contos, poesias, dicionários, livros de literatura infantil, livros sobre literatura infantil e o Compêndio de literatura infantil para o 3º ano normal, o primeiro manual específico para o ensino da literatura infantil no Brasil. Para proporcionar visão de conjunto e uma síntese de suas publicações, apresento, no quadro 1, a bibliografia de Carvalho ordenada

5

A Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil foi fundada em São Paulo, em 21 de março de 1978, e resultou “de uma consulta a mais de quatrocentos homens de letras de todo o Brasil, após reunião, em São Paulo, de um grupo de escritores preocupados principalmente com a criação dirigida à criança e ao jovem, constantemente solicitados por outros interesses” (Tahan, s.d.). História da Educação - RHE

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por tipo de texto e distribuída por ano de publicação, entre 1955 e 2004, considerando apenas a primeira edição de cada título. Quadro 1 - Bibliografia de Bárbara Vasconcelos de Carvalho, por tipo de texto e década de publicação Década de publicação

1950/59

Tipo de texto Manual de 1 ensino Livro didático Livro sobre literatura infantil Livro de literatura infantil Livro de 1 poesias Livro adaptado Artigo em 2 revistas Artigo em 4 jornais Entrevista em jornais Poesia e conto em revistas Obra de referência Edição estrangeira Livro inédito Total por 8 década Total geral Fonte: (Oliveira, 2010).

1960/69

1970/79

1980/89

1990/99

2000/09

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-

-

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-

2

2

4

7

-

1

-

14

-

1

-

-

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3

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1

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9

2

3

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9

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5

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-

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1

6

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-

1

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4

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5

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1

1

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-

2

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4

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4

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-

-

-

-

3

3

10

28

14

-

6

4

-

70

É importante destacar que, para a elaboração do quadro 1, considerei apenas a primeira edição de cada título que Carvalho teve publicado. O primeiro texto que Carvalho teve publicado foi o livro de poesia Nuvens, pela editora Alarico/SP, em 1955. Entre os anos de 1956 e 1958, Carvalho teve publicados apenas artigos em jornais e revistas, dentre eles, destaco o artigo “A literatura infantil na escola”, no jornal A Gazeta, em São Paulo, que presumo ser

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decorrente de sua participação na equipe que reformulou o programa de língua portuguesa nos cursos normais. Desde que assumiu o cargo como professora de Língua Portuguesa no Estado de São Paulo, em 1953, sobretudo quando passou a atuar junto a escolas que ofereciam o Curso Normal, Bárbara Vasconcelos de Carvalho reservava parte do programa de Língua Portuguesa para os estudos sobre literatura infantil (Carvalho, 2010). Segundo Carvalho (2010), após participar da equipe que estudou a reformulação da matéria/disciplina Língua Portuguesa dos cursos normais e

propôs

a

inserção

da

literatura

infantil

como

parte

dessa

matéria/disciplina, em 1957, Carvalho passou a ser “extremamente procurada para saber como é que se desenvolvia essa disciplina” (p. 2) e, devido essa situação, decidiu aprofundar seus estudos sobre literatura infantil e escrever um manual de ensino de literatura infantil, atividade da qual decorreu Compêndio de literatura infantil: para o 3º ano normal, considerado o primeiro manual específico para o ensino da literatura infantil publicado em língua portuguesa (Coelho, 2006). Após a publicação desse manual de ensino, Carvalho teve publicado seu primeiro livro de literatura infantil, Cancioneiro da criança, pela editora Clássico-Científica/SP. De acordo com as informações apresentadas no quadro 1, é possível observar que o período em que Carvalho teve o maior número de texto publicados foi na década de 1970, mesmo período em que ela ocupou cargo de assessora da secretária de Educação do Estado de São Paulo e também quando se aposentou. Nessa década, Carvalho teve publicados 28 diferentes títulos. Foi também na década de 1970 que Carvalho teve publicado seu primeiro livro sobre história e teoria da literatura infantil. Trata-se de Literatura infantil: estudos, pela editora Lótus/SP, em 1973. Esse livro, no ano 1982, foi reformulado por Carvalho e publicado com novo título e por outra editora, a Edart/SP. Trata-se de Literatura infantil: visão histórica e crítica. História da Educação - RHE

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Dentre os textos publicados por Carvalho e de que pude localizar referência, destacam-se, em termos quantitativos, os livros de literatura infantil, 14 referências, e livros didáticos, dez referências. Em relação aos livros de literatura infantil, dos 14 títulos que Carvalho escreveu, sete foram publicados durante a década de 1980 e esse número se deve às seguintes publicações: cinco livros que integram a série Calunga, da Companhia Melhoramentos/SP; Maõzinha, pela Fundação Cultural do Livro/BA; e Folclore, criança e fantasia, pela Companhia Editora Nacional/SP. Além dos 14 livros de literatura infantil, Carvalho é autora de edições estrangeiras de livros de literatura infantil e também de livros nos quais verteu contos estrangeiros para a língua portuguesa e os adaptou para a leitura das crianças. Durante a década de 1990, Carvalho não teve nenhum texto publicado e, durante a década de 2000, teve publicadas poesias e contos em revistas e um livro de literatura infantil - Bem me quer, de 2003, pela editora Egba/BA. Ao longo de sua vida e atuação profissional, Carvalho teve publicados, pelo menos, 70 textos, considerando apenas a primeira edição de cada título.

Bibliografia sobre Bárbara Vasconcelos de Carvalho Outro aspecto que contribui para pensar o pioneirismo de Carvalho na história do ensino da literatura infantil no Brasil é o relacionado a textos escritos por outros autores, que mencionam aspectos de sua vida, formação, atuação profissional e produção ou citam textos seus. Em relação a esses textos, reuni 18 referências de textos que tratam especificamente de aspectos da vida, atuação profissional e produção escrita de Carvalho. Além desses textos, localizei outras 86 referências de textos que contêm menção a Carvalho, sua formação, atuação profissional e produção escrita ou que citam textos seus.

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Ao todo, localizei 104 referências, considerando apenas a primeira ou mais antiga edição de cada título. Para propiciar visão de conjunto e síntese das publicações sobre Bárbara Vasconcelos de Carvalho apresento, no quadro 2, os tipos de textos escritos sobre essa autora, distribuídos por ano publicação, entre 1950 e 2009.

Quadro 2 - Bibliografia sobre Bárbara Vasconcelos de Carvalho, por tipo de texto e década de publicação Década de publicação

1950/59

Tipo de texto Textos acadêmicos Artigos e notas em jornais e revistas Prefácio ou apresentação em livros Verbete em dicionário Entrevista sobre Bárbara V. de Carvalho Homenagem póstuma Menção ou citação em manuais de ensino Em livros Menção ou citação em capítulos de livros Menção ou citação em bibliografia sobre Lit. Inf. Menção ou citação em artigo em periódico Menção ou citação em textos acadêmicos Menção ou citação em artigo 1 e notas em jornais Total por década 1 Total geral Fonte: Oliveira, 2010. História da Educação - RHE

1960/69

1970/79

1980/89

1990/90

2000/09

s.d

Total

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1

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3

1

3

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1

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1

4

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3

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3

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26

1

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4

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20 104

2

48

7

-

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Por meio das informações apresentadas no quadro 2, pode-se observar que, durante a década de 1980, foram publicados os dois primeiros textos que tratam especificamente da atuação profissional e produção escrita de Carvalho. São eles: um artigo publicado no jornal A tarde, presumivelmente de Salvador, de autoria de Consuelo da Silva Dantas, intitulado “A descrição de um apelo”; e um prefácio escrito por Adroaldo Ribeiro Costa, publicado no livro O mãozinha (1980), de Carvalho. Das 18 referências de textos que tratam especificamente de Carvalho que localizei, é possível afirmar que apenas sete tratam, do ponto de vista científico, de aspectos sobre essa autora, em especial, a sua produção escrita, pois os demais foram escritos com finalidades de apresentar ou prefaciar livros de sua autoria, homenageá-la, em decorrência do recebimento do título de professor emérito, e apresentar seus livros na ocasião do lançamento. No âmbito dos textos que tratam especificamente de Carvalho, no ano de 1983, como resultado de pesquisas que vinha realizando desde 1979, Nelly Novaes Coelho organizou e teve publicado Dicionário crítico da literatura infantil/juvenil brasileira (1882-1982). Nesse dicionário, publicado pela editora Quíron/SP, Coelho (1983) apresenta um verbete sobre Carvalho, em decorrências de sua atuação pioneira no ensino e estudo da literatura infantil e também em decorrência da atuação de Carvalho como escritora de literatura infantil. Em relação aos textos que contêm menções a Carvalho, sua atuação profissional, produção escrita ou citações de textos seus, o primeiro texto publicado foi um artigo de autoria de Antônia d‟Ávila, publicado no jornal A Gazeta, de São Paulo, em 1959, cujo título é Literatura infantil. Com base nas informações apresentadas no quadro 2, a grande maioria dos textos, 27, que mencionam aspectos da atuação profissional de Carvalho ou citam textos seus são textos acadêmicos publicados durante a década de 2000. Desses textos acadêmicos que mencionam ou História da Educação - RHE

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citam Carvalho, 23 foram publicizados nas regiões Sudeste e Sul do Brasil e apenas quatro em outras regiões, um na região Nordeste e três na região Centro-Oeste. É possível presumir que o fato de Bárbara Vasconcelos de Carvalho ter atuado, principalmente, nos Estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tenha proporcionado circulação de seus textos nas regiões Sul e Sudeste. Seguido dos textos acadêmicos, o tipo de texto de que mais localizei referência que contêm menções a Bárbara Vasconcelos de Carvalho, ou citações de textos seus, é em artigos em jornais e revistas e artigos em periódicos, sendo 23 referências de artigos em jornais e 11 referências de artigos em periódicos. Entre 1959 e 1986, nos artigos em jornais, há menções aos cursos ministrados por Bárbara Vasconcelos de Carvalho, à sua participação em bienais do livro e lançamento de livros de sua autoria. Segundo Magnani (1998), a partir da década de 1960, com uma produção mais sistemática de livros de literatura infantil, passaram a ser publicadas bibliografias especializadas sobre literatura infantil, nas quais estão reunidos títulos de livros de literatura infantil publicados no Brasil. Dentre as bibliografias publicadas, localizei três delas que contêm menções a livros de literatura infantil de Carvalho.

Duas dessas

bibliografias foram publicadas durante a década de 1970 e uma delas durante a década de 1980. Como Carvalho é autora do primeiro manual de ensino de literatura infantil, outros autores de manuais de ensino ou capítulos sobre literatura infantil mencionam ou citam Compêndio de literatura infantil para o 3° ano normal. De acordo com as informações apresentadas no quadro 2, oito manuais de ensino contêm menções a Carvalho ou citam textos seus e, dentre eles, cinco são destinados ao ensino da literatura infantil e dois contêm capítulos sobre literatura infantil. Destaco que o manual de ensino mais recente que contém menção a Carvalho e citação de textos seus é o

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manual Literatura infantil: teoria e prática (1985), de Maria Antonieta Antunes Cunha, que teve sua edição mais recente publicada em 2003.

O ensino da literatura infantil nos cursos normais e as contribuições de Bárbara Vasconcelos de Carvalho A partir de meados da década de 1920, com o início da difusão, no Brasil, de idéias pedagógicas com as quais se pretendia renovar a escola brasileira, uma nova fase marcou os cursos de formação de professores: “o advento dos institutos de educação, concebidos como espaços de cultivo da educação, encarada não apenas como objeto do ensino, mas também de pesquisa” (Saviani, 2009, p. 145). Mediante a disseminação dessas idéias pedagógicas renovadas, a partir dos anos de 1920, as reformas estaduais ocorridas durante a Primeira República no ensino primário e normal passaram a servir como elemento para uma revisão crítica dos padrões das escolas normais brasileiras existentes (Tanuri, 2000). Movimento semelhante ao do Distrito Federal ocorreu, em 1933, no Estado de São Paulo, em que se tomou como modelo o Instituto de Educação do Distrito Federal. Assim, visando também a uma organização nova para a formação do magistério primário, foi criado [...] o primeiro instituto de educação no estado de São Paulo, pelo Decreto estadual n.. 5.846, de 21 de fevereiro de 1933, promulgado na “Reforma Fernando de Azevedo”, sintetizada no Decreto estadual n. 5884, de 21 de abril de 1933, o Código de Educação do Estado de S. Paulo. (Labegalini, 2005, p. 54-55)

Com a criação dos Institutos de Educação, os programas dos cursos normais também foram reformulados e, no caso do Instituto de Educação do Distrito Federal, literatura infantil constituiu-se como matéria desses cursos, mediante a publicação do decreto n. 3.810, de 19 de março de 1932. Segundo Vidal (2001), literatura infantil fazia parte da seção Matérias de Ensino Primário, da Escola de Formação de Professores, que se História da Educação - RHE

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iniciava no fim do primeiro ano do curso de formação de professores e se estendia até o primeiro trimestre do segundo ano do curso de formação de professores. No Estado de São Paulo, de acordo com dados apresentados por Labegalini (2005), no ano de 1947, foi promulgado o decreto n. 17.698, de 26 de novembro de 1947, pelo qual se estabeleceu um novo conjunto de matérias de ensino, dentre elas, literatura infantil. Com esse novo programa, a matéria literatura infantil pertencia à cadeira Português e fazia parte do programa dos alunos da 3ª série do ensino normal. Ainda no Estado de São Paulo, no ano de 1957, foi publicada a lei n. 3.739, de 22 de janeiro, que “dispõe sôbre a organização do ensino normal no estado de São Paulo” (São Paulo, 1957, p. 159). Segundo Labegalini (2005), a partir dessa lei, o currículo, que anteriormente compreendia matérias cujo ensino era distribuído em cadeiras, que abrangiam uma ou mais matérias, passou a ser distribuído em disciplinas. Dentre essas, literatura infantil constituiu-se como disciplina vinculada à disciplina Língua Portuguesa e Linguagem, no Estado de São Paulo. Em decorrência das alterações ocorridas nas disciplinas dos cursos normais, no Estado de São Paulo, mediante publicação da lei n. 3.739, de janeiro de 1957, foi publicado o comunicado n. 18, de três de março de 1958, da Chefia do Ensino Secundário e do Curso Normal, no qual consta “as alterações necessárias [relativas ao programa desses cursos], à vista da nova distribuição de disciplinas e de aulas, constantes do quadro de aulas publicado a 29-1-1958, ou introduzidas em antemão às sugestões apresentadas que lhe foram apresentadas.” (São Paulo, 1958, p. 3). Como mencionei, Bárbara Vasconcelos de Carvalho participou da equipe responsável por estudar a reformulação do programa de Língua Portuguesa dos cursos normais de São Paulo e propôs a inserção da literatura infantil como parte dessa disciplina, oficializando-se essa proposta na lei n. 3.739, de 1957.

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Além de propor a inserção da literatura infantil como disciplina, Bárbara Vasconcelos de Carvalho também atuou pioneiramente no ensino da literatura infantil, atividade da qual resultou Compêndio de literatura infantil para o 3° ano normal, publicado em 1959, e fez diversos cursos sobre literatura infantil, com o objetivo de orientar os professores no uso da literatura infantil em fase inicial de escolarização.

Considerações finais A análise preliminar dos resultados obtidos por meio da elaboração do instrumento de pesquisa aqui apresentado, possibilitam compreender aspectos importantes da história da disciplina literatura infantil nos cursos normais, em especial o lugar de Bárbara Vasconcelos de Carvaho na história desse ensino. Embora parciais, esses resultados permitem confirmar a importante e pioneira atuação de Carvalho no âmbito dessa história, principalmente pelas tematizações que fez, por meio de palestras, cursos e conferências, e pela concretização de sua proposta para o ensino da literatura infantil, contida em Compêndio de literatura infantil para o 3° ano normal. Esses resultados possibilitam, ainda, confirmar tanto a relevância e pertinência de pesquisas históricas sobre o ensino da literatura infantil nos cursos normais no Brasil, quanto de estudos pontuais como esse que venho desenvolvendo e como os dos demais integrantes do Gphellb. Referências BELINKY, Tatiana. Apresentação. In: CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica e crítica. Rio de Janeiro: Edart, 1982. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. Compêndio da literatura infantil para o 3° ano normal. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. CARVALHO, Coriolinda Vasconcelos de. Entrevista. Salvador, 2010 (digitado). COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.

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FERNANDO RODRIGUES DE OLIVEIRA é graduado em Letras pela Faculdade da Alta Paulista e em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília. Estudante do curso de mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista/Marília. Endereço: Rua Duartina, 208 - 17604-270 - Tupã - São Paulo. E-mail: fer.tupa@ig.com.br.

Recebido em 17 de abril de 2010. Aceito em 30 de novembro de 2010.

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A EXPANSÃO E A EFICIÊNCIA DA ESCOLA RURAL EM SÃO PAULO: ATUAÇÃO E POSICIONAMENTOS DE ALMEIDA JR. A PARTIR DE ESTATÍSTICAS OFICIAIS

Luciana Maria Viviani Natália de Lacerda Gil

 

Resumo O objetivo deste estudo é analisar os discursos produzidos por Almeida Jr. sobre o ensino rural, entre as décadas de 1930 e 1940, e as formas sob as quais ele utilizou dados estatísticos para sustentar as suas opiniões e a sua atuação como administrador do ensino paulista. O estudo dessas questões pretende colaborar na ampliação do entendimento acerca das propostas para o ensino rural, tema bastante debatido nesse período. Por meio da análise de publicações oficiais paulistas e de artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, verificou-se que Almeida Jr., médico e educador ligado ao grupo dos chamados renovadores do ensino, defendia propostas voltadas para a qualidade do ensino e para a organização de uma escola básica comum, ainda que adaptada ao meio rural. Palavras-chave: educação rural, estatísticas educacionais, intelectuais da educação.

THE EXPANSION AND THE EFFICIENCY OF THE RURAL SCHOOL IN SÃO PAULO: THE PERFORMANCE AND THE THINKING OF ALMEIDA JR. BASED ON OFFICIAL STATISTICS Abstract The objective of this paper is to analyze de speeches made by Almeida Jr. about the rural education, between the decades of 1930 and 1940, and the way under which he used the statistics data to sustain his opinions and his performance as História da Educação - RHE

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the manager of education in São Paulo. By analyzing the São Paulo‟s official publications and the articles published in the Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, it has been found that Almeida Jr., a doctor and an educator connected to the group composed by some men who were called the renewers of education, sustained proposals which were bent to the good quality of education and to the organization of a unique elementary school, though to fit the country environment. Key words: rural education, educational statistics, intellectuals in education. LA EXPANSIÓN Y LA EFICIENCIA DE LA ESCUELA RURAL EN SAN PABLO: ACTUACIÓN Y OPINIONES DE ALMEIDA JR. A PARTIR DE ESTADÍSTICAS OFICIALES Resumen El objetivo de este trabajo es analizar los discursos producidos por Almeida Jr. sobre la educación rural, entre las décadas de 1930 y 1940 y los modos de utilización de datos estadísticos para sustentar sus opiniones y su actuación como administrador en la educación paulista. El estudio de esas cuestiones pretende colaborar en la comprensión de las propuestas para la educación rural. Por medio del análisis de publicaciones oficiales paulistas y de artículos de la Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, se constató que Almeida Jr., médico y educador perteneciente al grupo de los llamados “renovadores de la educación”, defendía propuestas orientadas a la calidad de la enseñanza y a la organización de una escuela básica común, adaptada al medio rural. Palabras clave: educación rural, estadísticas educativas, intelectuales de la educación L'EXPANSION ET L’EFFICACITÉ DE L’ÉCOLE RURALE À SÃO PAULO : LES PERFORANCES ET LA RÉFLEXION DE ALMEIDA JR. À PARTIR DES STATISTIQUES OFFICIELLES Resumé L'objectif de cette étude est d'analyser les discours produits par Almeida Jr. sur l'éducation rurale, entre les décennies 1930 et 1940, et les moyens dont il a utilisé les statistiques à l'appui de leurs vues et à ses travaux en tant qu'administrateur de l'enseignement paulista. L'étude de ces questions a l‟intention de collaborer à l'expansion de l'entente sur les propositions de la l'éducation en milieu rural, beaucoup débattus dans cette période. Grâce à l'analyse des publications officielles de São Paulo et des articles de la Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, il a été constaté que Almeida Jr., médecin et connecté à un groupe d'éducateur de renouvellement de l'enseignement, il a défendu propositions visant à la qualité de l'enseignement et pour l'organisation d'une école de base commune, même si adaptés au milieu rural. Mots-clés: l'éducation en milieu rural, statistiques de l'éducation, les intellectuels de l'éducation.

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O presente estudo busca compreender como as preocupações relacionadas ao fluxo dos alunos, à eficiência da escola rural paulista e à construção de novos prédios escolares aparecem nos discursos de Almeida Jr. e as formas sob as quais utilizou dados estatísticos para sustentar as suas opiniões e a sua atuação como administrador do ensino paulista, no que se refere ao ensino na zona rural. Optou-se por analisar os discursos produzidos por Almeida Jr. que circularam nas décadas de 1930 e 1940, em que predominam as discussões sobre questões como: a necessidade, ou não, de mais professores formados, a construção de novas unidades escolares, as razões e soluções para os altos índices de repetência escolar. Para tanto, foram examinados os boletins da Secretaria da Educação e Saúde Pública do Estado de São Paulo, que foram editados na gestão de Almeida Jr. entre 1936 e 1938, os Anuários do Ensino do Estado de São Paulo, publicados em 1936 e em 1937, e artigos do autor sobre a escola rural publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, editada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação e Saúde. A questão da escola rural brasileira tem sido relativamente pouco estudada. No artigo Estudos sobre a educação rural no Brasil: estado da arte e perspectivas, que se detém nas décadas de 1980 e 1990, Maria Nobre Damasceno e Bernadete Beserra (2004) apontam a pequena quantidade de investigações se comparado a outras áreas da educação. O tema mais frequente relaciona-se à educação popular e aos movimentos sociais no campo o que, segundo as autoras, expressa a busca de soluções para os problemas presentes na escola rural e a maior visibilidade dos trabalhadores rurais, dada a sua maior participação política no período considerado. Merece também referência o livro organizado por Flávia Obino Corrêa Werle, Educação rural em perspectiva internacional: instituições, práticas e formação do professor (2007). A obra pretende contribuir “para o debate da formação de professor, das práticas pedagógicas e das História da Educação - RHE

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políticas de educação rural e seus contextos, objetivando também instaurar a discussão destas questões em perspectiva internacional” (Werle, 2007, p. 12). Destaca-se, portanto, o importante esforço de pensar a temática atentando para as semelhanças e diferenças em espaços nacionais diversos. Deve-se citar, ainda, Ilhas de saber: prescrições e práticas das escolas isoladas do estado de São Paulo (2004), dissertação de mestrado de Denise Guilherme da Silva, em que representações da escola isolada como forma escolar marginal, em oposição ao modelo do grupo escolar, são identificadas pela autora. Dentre suas análises, figura a questão de que os problemas da escola isolada foram alvo de prescrições de inspetores escolares, que assim tiveram sua função controladora legitimada. Numa outra perspectiva têm sido encaminhadas algumas pesquisas que ressaltam de modo diverso o espaço como eixo das análises, destacando a oposição entre a educação na cidade e na zona rural, como se pode ver em artigos de autoras como Cynthia Greive Veiga e Flávia Obino Corrêa Werle. É possível encontrar, ainda, alguns textos publicados em periódicos importantes na área de história da educação, em que a tônica está na análise histórica regional do ensino rural, casos em que o foco coloca-se na compreensão do modo como a escola e o ensino se desenvolveram no meio rural de diferentes estados brasileiros. O presente artigo pretende, assim, contribuir nesse quadro de investigação ao enfocar, especificamente, a questão das escolas rurais no estado de São Paulo no pensamento e ação de Almeida Jr.

Almeida Jr. e a escola primária paulista Antônio Ferreira de Almeida Jr. (1892-1971) foi um intelectual de expressivo destaque em vários campos de atuação: educação, direito e higiene. Trabalhou, desde 1931, como catedrático na Escola Normal de

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São Paulo, depois Instituto de Educação Caetano de Campos, e na Faculdade de Direito da USP, a partir de 1941. Entre 1935 e 1938 foi diretor geral do Departamento de Educação do Estado de São Paulo e, entre 1945 e 1946, foi secretário de Educação e Saúde de São Paulo. Escreveu diversos artigos e livros de interesse na área educacional e participou ativamente dos debates acerca dos rumos da educação pública no Estado, em associação aos chamados renovadores do ensino de São Paulo, sendo inclusive signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Também fez parte do grupo de intelectuais que participou da comissão de elaboração do projeto e implantação da Universidade de São Paulo, integrando o primeiro Conselho Universitário da instituição. Em âmbito nacional, entre outras atividades, participou, como relator, da comissão de estudos e elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, em 1947, e atuou no Conselho Nacional de Educação entre 1949 e 1957. Ao longo de toda a sua vida profissional, Almeida Jr. acumulou grande quantidade e diversidade de publicações, sob a forma de livros didáticos, artigos, teses, pareceres, relatórios, registros de discursos, participações em eventos científicos e palestras, materiais com inserção nas múltiplas áreas do conhecimento em que atuou. Grande parte de seus livros foi publicada pela editora Nacional, ressaltando-se o livro Biologia Educacional, com 22 edições, publicado por 30 anos como um volume da Coleção Atualidades Pedagógicas, voltada para subsidiar a formação de professores. Paralelamente, sua presença foi marcante em muitos periódicos, a exemplo da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Raquel Gandini (2005) afirma que a escola primária foi um dos principais assuntos de sua obra e, com base em análise de alguns de seus livros, aponta dois temas recorrentes. O primeiro foi o rendimento da escola primária, por meio da discussão das altas taxas de reprovações e do tresdobramento, funcionamento das escolas em três turnos, o que o levou a defender a ampliação da rede física de grupos escolares, bem História da Educação - RHE

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como alguns parâmetros de qualidade de ensino. O segundo tema referiase às questões políticas, ao financiamento do ensino e ao clientelismo existente no sistema público educacional. Argumentava ter havido omissão e desinteresse pela instrução elementar, por parte daqueles que se responsabilizavam pela gestão pública dos estados e da união, fossem liberais ou socialistas. A defesa da escola primária gratuita e obrigatória se associava à necessidade de implantar uma escola que tivesse determinadas características qualitativas, que pudesse formar indivíduos saudáveis, por meio da educação higiênica, que envolvia aspectos físicos, mentais e morais. Por envolver a formação de hábitos, deveria ser realizada na mais tenra infância, período em que se pensava existir grande maleabilidade psicológica. Esse processo de formação de hábitos só poderia se concretizar por meio da instituição escolar, já que as famílias não eram consideradas capazes de realizar tal tarefa. Segundo Almeida Jr., o projeto de construção de uma escola primária de qualidade deveria se concretizar paralelamente a outra tarefa: a melhoria da Escola Normal paulista. Só assim poderiam ser formados mestres capazes de viabilizar adequadamente o ensino básico. A situação mais favorável dessa trajetória evolutiva teria ocorrido a partir da reforma de 1933, com o Código de Educação implementado por Fernando de Azevedo, com a participação do próprio Almeida Jr. (1946a). Dentre outros objetivos, almejava-se, nessa reforma, a intensificação nos estudos do futuro professor e a formação de uma nova cultura, com base na pedagogia científica, que tinha como fontes as chamadas ciências da educação. Isso incluía contribuições das ciências médicas e biológicas no processo de formação de professores, por ele consideradas essenciais para viabilizar o trabalho de higienização e de assistência aos escolares por parte do professor. A normatização, acima citada, propôs a inserção curricular na escola normal paulista da cadeira de Biologia Educacional, que teve em Almeida Jr. um grande organizador e divulgador.

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As preocupações com o ensino primário e normal também foram alvo da atuação de Almeida Jr. na gestão da rede de ensino paulista, registrada nos anuários de ensino de 1935-6 e 1936-7, publicações sob sua responsabilidade, como diretor de Ensino de São Paulo. A falta de prédios para instalar grupos escolares foi considerada um grande problema, dado o alto número de crianças fora da escola e a baixa qualidade das instalações existentes, especialmente das escolas isoladas. Em 1936, logo depois de assumir a Diretoria, Almeida Jr. instituiu uma comissão de construções escolares para tratar do assunto. O trabalho da comissão foi publicado no livro Novos prédios para grupo escolar (São Paulo, 1936b), que continha, também, a transcrição de uma série de três artigos de Almeida Jr. veiculados n'O Estado de São Paulo, no mesmo ano. Nesses textos, renovou-se a necessidade de estender a escolarização básica a toda a população e de eliminar as escolas isoladas. Em relação ao ensino normal, a gestão de Almeida Jr. na Diretoria de Ensino também equacionou questões especialmente qualitativas, no que tange à especialização dos espaços escolares e à qualificação de professores e gestores do ensino, no sentido de divulgar e implementar propostas educacionais consideradas inovadoras. Além disso, Almeida Jr. encaminhou inúmeras ações de assistência e higiene escolar. Apesar dessas iniciativas não terem se expandido para toda a rede escolar paulista, pode-se notar a importância que conferia aos cuidados médicos, nutricionais, higiênicos e odontológicos aos escolares.

Expansão escolar e ensino rural Antes de concentrar a atenção na análise das posições de Almeida Jr. acerca da expansão e eficiência da escola primária rural paulista é preciso que se conheçam, em linhas gerais, quais eram os principais argumentos em circulação no período acerca da temática. O movimento ruralista, defendido por alguns intelectuais e administradores públicos nas primeiras décadas do século 20, reclamava História da Educação - RHE

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maior atenção ao desenvolvimento da extensa zona rural do país. Acreditava-se que seria pelo ensino rural que se fixaria a população no campo e, assim, esperava-se que através das escolas localizadas fora dos espaços urbanos poder-se-ia frear o êxodo do campo para as cidades. Era ampla, portanto, entre as elites interessadas pelos rumos da educação nacional, a demanda de expansão das construções escolares nessas regiões, mas também se defendia que a qualidade dessas escolas fosse melhor e que os conteúdos do ensino estivessem adaptados à realidade rural, onde as atividades agrárias e pastoris deveriam, não apenas ser valorizadas, como também ensinadas de acordo com os processos e técnicas mais modernos de que se dispusesse. Os dados numéricos apontavam para a defasagem de escolas primárias, em vista do número crescente de crianças que não tinham acesso à instrução. A maioria das escolas encontrava-se nos centros urbanos, enquanto as estatísticas indicavam que era predominante a povoação nas zonas rurais:

Basta ver-se que no campo (onde se situa 70% das crianças brasileiras) se localizam apenas 38% das matrículas escolares primárias, cabendo, portanto, à cidade (onde se encontram, portanto, apenas, as 30% das nossas crianças) nada menos 62% das matrículas na escola primária. (Sousa, 1950, p.188)

Em vista dessa situação, o que prevalecia nos discursos de intelectuais e educadores interessados na questão era a veemente indicação da necessidade de criação de novas escolas nas zonas rurais. João Carlos de Almeida (1945) destacava, para o caso de São Paulo, que não apenas o número de escolas era menor nas zonas rurais, como também seu rendimento era menos favorável. Outros autores também criticavam as condições de funcionamento das escolas. Afirmava-se que os prédios destinados às escolas, além de insuficientes, não eram adequados. Das escolas rurais esperava-se que ensinassem mais às crianças do que ler e escrever. A instituição escolar nessas

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regiões era considerada como o mais importante veículo informativo. Entre suas atribuições estava a transmissão de noções de saúde e higiene, o preparo técnico para a atividade agro-pastoril e noções de civilidade. Artur Torres Filho (1947) defendia a importância do ensino de fundamentos básicos de agricultura nas escolas primárias e secundárias, inclusive as situadas em áreas urbanas. Para esse autor, a escola era o principal vínculo do Estado com o meio social e, portanto, seria por seu intermédio que se daria a transmissão dos conhecimentos necessários ao avanço da produção. O autor afirmava a necessidade de um ensino apropriado a essas regiões já que, segundo ele, “a realidade [estava] a condenar o nosso tipo tradicional de escola primária na zona rural” (Torres Filho, 1947, p. 554). Para ele, era papel da instituição de ensino propiciar que os futuros agricultores fossem capazes de assimilar processos e técnicas de cultivo modernos. Assim, defendia um currículo diferenciado para essas escolas, como forma de evitar a corrida da população para os centros urbanos. Porém, o autor reconhecia a existência de dificuldades, sobretudo de ordem material, para a execução de um plano de ensino diferenciado visto que, “no meio rural os percalços avultam, dado o pauperismo reinante, além de dificuldades que lhes são peculiares, como a distância, a falta de professorado e de recursos materiais” (Torres Filho, 1947, p. 554). Na opinião de Torres Filho, a solução estaria na oferta de formação especial para os professores das escolas situadas nas regiões rurais. Segundo ele, “se a escola não preenche seus fins, isso é devido à ausência de recursos materiais das escolas, mas, e em grande parte, à falta de formação do professorado” (Torres Filho, 1947, p. 555). A preocupação com o aumento do número de escolas primárias colocou em discussão a necessidade da criação de mais cursos normais no país. De acordo com dados do Serviço de Estatística de Educação e Saúde - Sees -, o total de docentes formados não tinha acompanhado o ritmo de construção das escolas. Afirmava-se que História da Educação - RHE

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em 1932, os professôres de todos os graus e ramos, eram 76.025; em 1942, êsse total subia para 122.871. Houve assim, crescimento relativo de 62%, taxa essa inferior em 2% à correspondente à do aumento do número de escolas. (Serviço de Estatística de Educação e Saúde, 1944, p. 86)

No caso do ensino primário, em 1932 tinha-se 56.320 docentes para 27.662 unidades escolares, ou seja, 2,03 professores para cada escola. Em 1942, o número de docentes ampliou-se para 85.500 e as escolas para 43.975, de modo que para cada unidade de ensino passou-se a contar com 1,94 professores. Acontece que a distribuição dos profissionais

habilitados

não

coincidia,

obrigatoriamente,

com

as

necessidades das diferentes regiões, de modo que as zonas urbanas podiam contar com maior quantidade de professores do que os meios rurais. Decorrência dessa situação era o fato de que muitos dos docentes em exercício da função não tinham qualquer preparação pedagógica, ou seja, nunca haviam frequentado a escola normal. Segundo Lourenço Filho, a razão disto estava no fato de que os “centros de preparação pedagógica têm sido em número insuficiente [e] estão mal distribuídos do ponto de vista regional, pois vários Estados só os possuem nas capitais” (1953, p. 64). Defendia, então, que fossem criados cursos normais rurais que, além de oferecer uma formação mais condizente ao meio em que as futuras professoras iriam atuar, dispensariam grandes deslocamentos. O trânsito de normalistas no interior dos Estados era considerado um penoso problema, seja para as famílias das mulheres que se dedicavam ao magistério, seja para a organização das pequenas escolas isoladas. Como os cursos normais concentravam-se nas capitais, tanto as moças do interior tinham que se afastar de suas casas para frequentá-los, quanto as jovens recém-formadas, que por toda a vida habitaram na cidade, tinham que se transferir à zona rural, onde só permaneciam o tempo mínimo necessário para conseguir remoção e retornar às suas

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cidades natais, o que ocasionava indesejável rotatividade de docentes nas escolas isoladas. Falta de escolas, poucos professores formados, curso normal inadequado às necessidades da escola rural, prédios insuficientes e improvisados, baixa qualidade do ensino: eis a situação descrita para o ensino rural pelos intelectuais e educadores nas décadas de 1930 e 1940. Almeida Jr. compartilhava, em grande parte, tais diagnósticos acerca do ensino rural, mas as soluções que propunha eram, como se verá adiante, em alguns pontos diversas das mencionadas acima.

Almeida Jr. e a questão das escolas rurais: pela solução qualitativa Almeida Jr. tinha especial apreço pela questão das escolas rurais, tendo escrito vários artigos a esse respeito. Na sua opinião, a escola rural era, por certo, insuficiente, mas também, da forma como então se organizava, produzia pouco e desenvolvia um trabalho inadequado. Não considerava, portanto, que fosse desejável espalhar pelo interior do país um tipo de instituição que não atendia às expectativas colocadas ao ensino rural. Sua posição era enfática: “Sou, - já o tenho dito - pela solução qualitativa do ensino rural. Não convem lançar, pela roça, escolas a esmo, com professoras mal remuneradas. Taes escolas consomem a verba orçamentária e pouco produzem” (São Paulo, 1936c, p. 5). Segundo ele, era preferível “localizar bem um número modesto de instituições, dando-lhes situação independente e professora adequada, a esbanjar as dotações legaes com milhares de escolas improductivas” (São Paulo, 1936c, p. 5). O recenseamento realizado em São Paulo, em 1934, tinha indicado existirem 700 mil crianças em idade escolar, ou seja, entre 8 e 14 anos, habitando a zona rural do Estado. Destas, apenas 130 mil tinham possibilidade de matrícula nas escolas primárias públicas. Disso se conclui, à primeira vista, que havia um déficit de 570 mil vagas para o ensino primário das zonas rurais. No entanto, Almeida Jr. relativizava este História da Educação - RHE

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cálculo lembrando que este seria o montante da lacuna a suprir se se quisesse ver matriculadas todas as crianças fora da escola naquele ano. Mas este raciocínio não era adequado, dado que os alunos não frequentam a escola por 7 anos e, portanto, haveria nesse total crianças que já deixaram a escola após completarem o curso primário. A questão não estava em receber num só momento toda a população compreendida na faixa etária dos 8 aos 14 anos e sim em organizar o aparelho escolar para que fosse possível acolher a cada ano as novas gerações a escolarizar. Considerando-se que o curso primário nas zonas rurais organizavase em 3 anos, chegava-se à cifra de 300 mil vagas, segundo as estimativas do autor. Outro elemento, porém, deveria ser levado em consideração neste cálculo: os índices de reprovação. Como a eficiência da escola primária era bastante baixa, poder-se-ia contar apenas com 50 a 70% de rendimento e, por essa razão, ao invés de 300 mil vagas seria preciso que se pudesse dispor de 430 mil postos para a infância dispersa pelo território do Estado. Estimando uma ocupação média de 40 alunos por escola, Almeida Jr. chegava à conclusão de que o Estado precisaria de 7.500 novas escolas instaladas no campo. Dois seriam os principais entraves a protelar a solução do problema quantitativo: a falta de recursos orçamentários e a rarefação da população. No que diz respeito à questão das despesas avultadas necessárias à execução do plano de expansão do ensino rural, o autor argumentava que era preciso que não se esquecesse que mais da metade da população do Estado vivia no campo e que “são elles os verdadeiros productores de nossa riqueza” (São Paulo, 1936c, p. 7). Além disso, remetia o leitor à experiência dos países civilizados, ou seja, os países da Europa e os Estados Unidos, onde, segundo ele, o orçamento da educação era grandioso e sagrado. O problema de como conseguir estas novas verbas ele deixava, por sua vez, aos administradores, afirmando que este não era um ponto que cabia aos técnicos da educação resolverem. História da Educação - RHE

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Já no que tange à contingência da dispersão da população pelo território, Almeida Jr. considerava que a impossibilidade de levar a escola às crianças habitantes do campo não desobrigava o Estado de oferecer educação a todos, visto que “a organização democrática exige que offereçamos a todos identicas opportunidades” (São Paulo, 1936c, p. 8). Nesse sentido, era preciso que se pensasse em diferentes soluções que pudessem resolver o problema, como por exemplo, a garantia do transporte escolar ou a criação de internatos rurais. Propunha também reduzir o número mínimo obrigatório de matrículas das escolas rurais, medida que vinha sendo adotada em países de acentuada atividade agrícola, como os Estados Unidos. Para isso, seria necessário até mesmo deixar de lado uma das determinações do Código de Educação, legislação que a Diretoria de Ensino, sob o comando de Almeida Jr., seguia à risca. O artigo 253 dessa normatização previa a existência de um mínimo de 40 crianças em condições de matrícula em uma área de dois quilômetros de raio para permitir a instalação de escolas isoladas, bem como um número maior que 30 matrículas em três meses consecutivos para a sua manutenção, “exigência, comprehensível até agora, [e que] já vai constituindo, daqui por diante, um dos maiores embaraços para a distribuição e manutenção de escolas na zona rural” (São Paulo, 1937a, p. 103). Os critérios para a equitativa distribuição de escolas no campo deveriam evitar a “vaidade municipal”, em que prefeitos fariam tudo para conseguir a instalação de escolas estaduais em seus municípios, ou para evitar que tais unidades encerrassem suas atividades, mesmo que não tivessem condições de funcionamento. Tais critérios precisariam levar em conta as necessidades dos aglomerados infantis e não das professoras, “que querem fugir dos bairros para as cidades e das cidades pequenas para os grandes centros urbanos” (São Paulo, 1937a, p. 121). Almeida Jr. propunha que alguns critérios objetivos fossem pré-estabelecidos por autoridades escolares para garantir que quaisquer mudanças só fossem

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realizadas no sentido de melhorar a distribuição de escolas, tendo em vista os interesses do Estado. A instalação de escolas primárias sem critérios rigorosos estaria levando ao recrutamento de crianças de menos de oito anos de idade para figurar nos bancos escolares, com vistas a justificar a formação de novas turmas. Por meio da exposição de um quadro com dados de 1935, Almeida Jr. aponta, no Annuario de Ensino de (1936-1937), que na zona rural havia uma tendência, não muito acentuada, de as crianças iniciarem o curso primário antes dos oito anos, bem como de deixar precocemente esse nível de ensino, sempre em comparação com o meio urbano1. O autor associava a entrada de crianças mais novas nas escolas rurais ao fato de, no ensino estadual, a classe de mais baixo rendimento ser o 1º ano das escolas localizadas no campo. A alfabetização estaria, portanto, sendo prejudicada pela imaturidade das crianças, levando a um grande número de reprovações no 1º ano e contribuindo para diminuir a eficiência do ensino rural, calculada por Almeida Jr. em 60%, enquanto as escolas das cidades teriam 70% de eficiência. Para reverter essa situação, o autor propunha aumentar para oito anos a idade de ingresso na escola primária rural. O desempenho das escolas primárias rurais também mereceu relevante enfoque nos escritos de Almeida Jr., no sentido de identificar padrões de qualidade e de registrar o que estava sendo realizado sob sua administração na Diretoria de Ensino para implantar tais escolas. Em publicação sobre as atividades da Escola do Sítio da Saudade, escola rural experimental em Cotia, município próximo à capital, o autor afirma que esta reunia “os três elementos que condicionam o êxito das instituições

educativas:

boa

installação,

professora

experiente

e

enthusiasta, organização escolar adequada ao meio” (São Paulo, 1937b, p. 3). Vale notar que são qualidades genéricas que poderiam ser

1

Presença de escolares com menos de 8 anos: 14,7% na área rural e 12,4% na área urbana; presença de escolares com mais de 11 anos: 22,6% na área rural e 26,8% na área urbana (São Paulo, 1937a, p. 90). História da Educação - RHE

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almejadas em relação a quaisquer escolas, independentemente do meio em que se localizavam. Quanto à adaptação da organização escolar ao meio rural, Almeida Jr. relata que, na escola citada, em paralelo às aulas comuns, havia a prática de “atividades agrícolas de horticultura, jardinagem, criação de animais; pequenos trabalhos caseiros femininos, inclusive os de cozinha, bem como cuidados de assistência médica, higiênica e alimentar” (São Paulo, 1937b, p. 4). Apesar de mencionar o estágio ainda inicial do trabalho de instalação e melhoria qualitativa das escolas rurais, implementado pela Diretoria de Ensino sob sua responsabilidade, Almeida Jr. relatava exemplos de escolas que estavam produzindo bem e de professoras muito envolvidas e entusiasmadas com o trabalho na zona rural (São Paulo, 1936a, 1936c). Uma preocupação sempre presente para garantir bons níveis de qualidade do ensino elementar era, portanto, o provimento, nessas escolas, de docentes dedicados. Desse modo, alertava:

Antes, portanto, de clamar pela semeadura ampla de escolas ruraes, estudemos com precaução as condições mínimas que deve offerecer o terreno para recebel-as; e, ao mesmo tempo, as qualidades específicas que precisa ter a professora, para ellas. (São Paulo, 1936c, p.9).

O autor indicava, como um grave problema, o fato de que as professoras designadas para ocupar os postos nessas escolas, muito frequentemente não tinham interesse nem preparo para trabalhar nessas regiões. Para ele, o foco não deveria estar na ampliação da quantidade de professores formados, porque estes a escola normal já vinha formando em demasia, e sim na adequação desta formação às necessidades do campo. Em 1935, o Estado de São Paulo contava com 10 escolas normais oficiais e 43 escolas normais livres que haviam formado 1.014 normalistas2. No entanto, estes, ou nem se encaminhavam para as zonas rurais, muitas vezes não ingressando nunca na profissão, ou assumiam o 2

Em 1945, o Estado tinha 23 escolas normais oficiais e 64 escolas normais livres. História da Educação - RHE

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cargo nas escolas isoladas do campo e lá ficavam apenas o tempo mínimo preciso para que pudessem se remover às escolas da cidade. Em artigo dedicado especialmente à questão das escolas normais, intitulado A escola normal de São Paulo e a sua evolução (1946a), Almeida Jr. afirmava ter sofrido pressão em favor do aumento da quantidade de escolas normais no Estado durante os períodos em que ocupou a frente da administração pública da educação paulista. Em resposta à demanda para a ampliação do ensino normal o autor lançava uma pergunta: precisará São Paulo, de fato, aumentar a sua produção de mestres primários? Estará porventura o Estado diante de reclamo tão urgente que, para atender a ele, deva esquecer os embaraços do Tesouro, ou adiar a solução de outros problemas, tidos como graves, - o da maior difusão do ensino primário, o da melhor instalação das escolas, o do incremento da educação técnica, o da assistência ao escolar necessitado, - para só citar exemplos das principais falhas de São Paulo, em matéria de educação? (Almeida Jr., 1946b, p. 46-47)

Segundo ele, a necessidade de novos professores se devia à vacância de postos nas escolas existentes e à criação de novas escolas, tendo sido o valor médio dessa demanda de 900 vagas por ano, entre 1935 e 1939, e de 700 vagas por ano, entre 1940 e 1944. O autor afirmava que nada faz crer que tal consumo deva aumentar extraordinàriamente dentro do futuro decênio. Nem os fenômenos demográficos previsíveis, nem expectativas em relação à renda pública autorizam a supor que o ritmo da criação de escolas primárias virá a sofrer, pròximamente, uma anormal aceleração. (Almeida Jr., 1946b, p.47)

Como no primeiro período considerado o número médio de normalistas diplomadas foi de 1.326 e nos anos seguintes esta média esteve em torno de 1800, o autor conclui pela obviedade da suficiência, e até excesso, de professores formados para suprir a necessidade das escolas primárias do Estado.

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Almeida Jr. argumenta, ainda, que muitas escolas normais, por estarem mal localizadas, tinham baixa procura, funcionando com um número extremamente reduzido de alunos, o que encarecia seu custo. Também a questão da ineficiência das escolas normais de dimensões reduzidas é razão, segundo o autor, a desaconselhar sua criação: Em parte por dificuldade de instalação, em parte por motivos de ordem didática ou psicológica, a disseminação de pequenas escolas normais (como a de pequenos colégios) é um êrro. Em vez de um só e vasto edifício, adequado aos seus múltiplos fins, em cidade central, têm-se quatro ou cinco casas impróprias, em cidades mortas. Em lugar de uma biblioteca farta, formam-se quatro ou cinco coleções insignificantes de livros. O museu e o laboratório bem aparelhados da escola grande se fragmentam em coleções de exemplares sem valia, ou de meia dúzia de aparelhos baratos. No caso dos colégios - e também no das escolas normais, - tivesse o estado pôsto em apenas alguns estabelecimentos racionalmente distribuídos, o que gasta hoje por dezenas de pequenos cursos sem freqüência e sem verba, e o ensino poderia ter alcançado níveis que por enquanto, para tais estabelecimentos, estão inteiramente fora de alcance. (Almeida Jr., 1946b, p. 49)

Para o autor, portanto, a criação de escolas normais rurais não era solução adequada ao problema da falta de professores nas escolas primárias do interior. Na sua opinião, era preferível a criação de cursos de especialização, em nível superior, para professores rurais dos quais participassem candidatos de fato interessados em lecionar no meio agropastoril, do que a profusão pelo campo de pequenas escolas de formação docente fadadas à precariedade. Nesse sentido, Almeida Jr., em sua gestão na Diretoria de Ensino, sugeria às escolas normais que os cursos de especialização não fossem obrigatórios, ao contrário de ruralistas que, segundo ele, viam na obrigatoriedade

dessa formação um

estímulo

ao movimento

de

professores em direção às escolas rurais. Para Almeida Jr., o interesse prévio pelo magistério em localidades do interior seria fundamental ao

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sucesso dessas escolas, mesmo sabendo que poucos profissionais iriam se interessar por essa atividade (São Paulo, 1936a; São Paulo, 1936c).

A defesa da (boa) escola comum A partir das análises empreendidas, destaca-se a posição do autor contrária à expansão irrestrita das escolas primárias e da escola normal. Ao

contrário

do

discurso

sustentado

por

significativa

parte

da

intelectualidade educacional brasileira, que defendia a importância da criação de novas escolas e da instalação de unidades escolares nas zonas rurais, Almeida Jr. afirmava que o curso normal estava formando mais profissionais do que os estabelecimentos primários seriam capazes de absorver e que as escolas primárias deveriam ser construídas dentro de padrões mínimos de qualidade. A utilização de dados estatísticos procura conferir um status científico às suas afirmativas, justificando e legitimando posicionamentos e iniciativas com vistas à expansão regulada da rede de ensino, representada pela implementação de um programa de construções escolares, e à sua atuação no processo de qualificação de professores e administradores escolares. Esses dados estatísticos serviram para o autor comprovar a falta de escolas primárias e o elevado número de unidades necessárias para atender a população infantil da zona rural, bem como para afirmar a ineficiência da escola rural e do ensino municipal. A necessidade de aumentar o número de escolas, de modo a universalizar o ensino elementar e promover a formação dos futuros cidadãos, ficou patente nos escritos e na atuação de Almeida Jr. Mas esse era um projeto que poderia esperar até que as escolas primárias e as escolas normais pudessem ser instaladas com qualidade, privilegiando concepções tidas como inovadoras no campo educacional daquele momento. Cabe destacar que Almeida Jr. posicionava-se claramente pela escola primária comum, contra aqueles que defendiam processos de educação profissional precoce, apoiados em um currículo escolar História da Educação - RHE

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direcionado a formar o futuro trabalhador agrícola e mesmo o futuro operário. Essa disputa, apenas mencionada no Annuario do Ensino do Estado de São Paulo (1935/1936), no momento em que ele assumia a Diretoria e procurava demonstrar a possibilidade de convivência com posicionamentos divergentes, foi referida em uma entrevista sua ao Diário de São Paulo como o antagonismo de duas doutrinas distintas, a da escola social e a da escola individual. A escola social seria aquela em que a criança é preparada para servir aos interesses sociais, independentemente de suas aptidões e níveis de inteligência. A escola individual seria aquela em que essas tendências são respeitadas e se procura alcançar o bem coletivo “colocando-se cada indivíduo na situação que mais convém à sua natureza” (São Paulo, 1936c, p. 22). O conflito é abordado mais claramente pelo autor, quase uma década depois, em artigo da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (Almeida Jr., 1944), ao se referir à controvérsia entre dois grupos, cujas atitudes radicais defendiam, em um dos pólos, a escola primária rural profissional, e no outro, a escola primária comum, fosse na zona rural ou urbana. Almeida Jr. explicitava os diferentes princípios e concepções dos grupos que se contrapunham, considerando o caráter vocacional das propostas de educação rural uma forma de restrição às possibilidades de formação do cidadão. Esta formação seria o objetivo central da escola comum, que tornaria qualquer indivíduo, independentemente de sua origem social, crenças ou local de nascimento, adaptável ao ambiente rural ou urbano. O programa da escola comum daria oportunidade a todos os indivíduos de obterem “um mínimo de cultura necessário para a vida do cidadão comum” (Almeida Jr., 1951, p. 224), apontando para o caráter universal que a escola primária deveria apresentar. Apesar de se posicionar claramente contra certos aspectos das propostas dos ruralistas, Almeida Jr. não deixou de participar do VIII Congresso Brasileiro de Educação, realizado em Goiânia em 1942, com temática associada à educação rural que, como vários outros congressos História da Educação - RHE

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realizados a partir da década de 1920, contou com muitos trabalhos voltados aos ideais do movimento ruralista. Para Adonia Prado (2000), o texto introdutório aos anais desse evento deixa claro o comprometimento da intelectualidade brasileira com os projetos do governo Vargas. Em um momento em que não havia espaço para o dissenso, o pensamento liberal foi desqualificado e esforços foram direcionados para formar um novo professor rural, que pudesse disseminar ideias nacionalistas associadas à valorização da vida no campo. Assim, pode-se entender que a presença de Almeida Jr. no VIII Congresso Brasileiro de Educação não se tenha dado no sentido de confrontar as teses ruralistas, mas para relatar um dos temas do congresso em que essa discussão ficou algo afastada. Conforme a análise de Jaqueline Araújo (2009), em relação à disseminação de propostas ruralistas e escolanovistas em Goiás, nesse Estado houve um ajustamento entre tais ideais por meio de adaptações de projetos pedagógicos inicialmente pensados para o meio urbano. Almeida Jr., por sua vez, trouxe como solução de consenso a manutenção de escolas normais comuns e a possibilidade de implantar cursos de aperfeiçoamento para os professores rurais, com práticas consideradas inovadoras, como o método de projetos e equipes de estudo. Além disso, propôs, à educação profissional rural, cursos de tipos variados para a formação técnica suplementar do morador do campo: Sobre a base comum dada pela escola primária, venham sem demora apoiar-se outras instituições, semeando os conhecimentos e exercitando as atividades peculiares à vida rural. [...] Fique, porém, em paz a escola primária rural, para que siga o seu destino e cumpra sua função específica. (Almeida Jr., 1951, p. 225)

Interessa notar, ainda, que o discurso sustentado por Almeida Jr. apoia-se, frequentemente, em análises propostas como técnicas para indicar os rumos considerados mais adequados para a administração da educação no Estado. Opera-se, assim, uma despolitização das questões História da Educação - RHE

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administrativas que passam a ser indicadas como área de interesse dos especialistas em educação. O que se percebe é que algumas decisões evidentemente políticas são sutilmente indicadas como decorrência de análises especializadas. Por exemplo, no que se refere ao ensino rural, sua expansão esbarrava na deliberação de um número mínimo de 40 matrículas para se manter uma escola aberta. O estabelecimento desse valor mínimo impedia o atendimento de muitas crianças habitantes de regiões de ocupação mais rarefeita. O intelectual reitera a importância de ampliar os gastos com educação e menciona países desenvolvidos em que o orçamento destinado a essa área é alto e sagrado. Além disso, diz que a tarefa de obtenção dos recursos não é para os técnicos, fazendo crer que a esses caberia apenas indicar o déficit de escolas e aos administradores públicos, conseguir o dinheiro. Ora, esse movimento discursivo faz pensar que, então, a definição do mínimo de alunos por escola seria uma decisão técnica e não política, como de fato era. Alguns dos mecanismos de despolitização do discurso dos especialistas em educação, assim como seus efeitos na historiografia da educação brasileira, são analisados por Marta Maria Chagas de Carvalho em artigos sobre a geração de educadores signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, da qual faz parte Almeida Jr. A autora menciona que a importância dessa geração justifica o interesse em questionar as representações que se sedimentaram na historiografia educacional sobre a sua prática. Construídas preponderantemente valendo-se da imagem que essa mesma geração dela produziu em sua intensa e hegemônica atividade editorial, tais representações compõem uma história na qual o investimento político na escola é subestimado ou descaracterizado. Essa despolitização tem também uma história, construída no processo complexo de elaboração de uma memória, no qual as representações muitas vezes dizem mais sobre as posições de quem as formula do que sobre o objeto que representam. Sua crítica - operada como investigação atenta ao modo como se articulam posições

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nessas representações - é fundamental. (Carvalho, 2003, p. 245-246)

Parece, portanto, relevante situar o discurso e a prática dos escolanovistas de modo a recuperar sua significação política, que frequentemente esteve obscurecida no caráter eminentemente técnico atribuído, pelos próprios agentes, à sua atuação. A construção das representações, assim operada, encontra nas estatísticas um elemento especialmente relevante. Este tipo de utilização dos números não se restringe ao Brasil nem ao período aqui considerado. Nikolas Rose, por exemplo, ressalta semelhante aspecto na análise que empreende acerca do poder político assumido pelas estatísticas na atualidade. Segundo ele, se por um lado os números parecem inseparáveis da política, eles também parecem despolitizar áreas inteiras do julgamento político. Eles redefinem as fronteiras entre política e objetividade fazendo supor que atuam como mecanismos técnicos automáticos para julgar, priorizar problemas e alocar recursos escassos. (1999, p. 198)

As considerações presentes nos discursos aqui examinados acerca da contribuição das estatísticas para a administração educacional apontam para a tendência de, pelo recurso aos números, despolitizar as ações administrativas. Os dados quantitativos são indicados como elemento

neutro

e

objetivo

cuja

adequada

interpretação

levaria

inequivocamente à acertada decisão administrativa. Ficam desfocadas, assim, as posições políticas e ganha espaço a ideia segundo a qual o que deveria orientar a política educacional seriam elementos técnicos.

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thought.

SÃO PAULO. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo (1935/1936). São Paulo: Secretaria da Educação e da Saúde Pública. Directoria do Ensino, 1936a. ____. Novos prédios para grupo escolar: estudos da Directoria do Ensino e da Directoria de Obras Publicas. São Paulo: Secretaria dos Negócios da Educação e Saúde Publica. Directoria do Ensino, 1936b. ____. Os problemas da escola primária na zona rural. São Paulo: Secretaria da Educação e da Saúde Pública. Directoria do Ensino, Boletim n. 4, 1936c. ____. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo (1936/1937). São Paulo: Secretaria da Educação e da Saúde Pública. Directoria do Ensino, 1937a. ____. A escola do Sítio da Saudade. São Paulo: Secretaria da Educação e da Saúde Pública. Directoria do Ensino, Boletim n. 11, 1937b. História da Educação - RHE

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LUCIANA MARIA VIVIANI é doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Atua como pesquisadora na área de História da Educação e desenvolve estudos acerca da história das disciplinas escolares e da formação de professores. É professora na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Endereço: Rua Arlindo Bettio, 1000 - prédio 11 - sala 354F 03828-000 - São Paulo - SP. E-mail: lviviani@usp.br. NATÁLIA DE LACERDA GIL é doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Atualmente, é docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem desenvolvido pesquisas sobre a história da escola no Brasil e história das estatísticas de educação. Endereço: Rua Tomaz Flores, 171/402 - 90035-201 - Porto Alegre - RS. E-mail: natalia.gil@uol.com.be.

Recebido em 27 de maio de 2010. Aceito em 23 de abril de 2011.

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RESENHA A NARRATIVA HISTÓRICA E AS DISCUSSÕES HISTORIOGRÁFICAS

Diogo da Silva Roiz

 

GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado (org.). Estudos sobre a escrita da história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

As discussões acerca da história da historiografia no século passado deram uma considerável atenção sobre as formas de apresentação da narrativa histórica. A obra Estudos sobre a escrita da história, organizada por Manoel Luiz Salgado Guimarães, nos oferece um conjunto de contribuições que circunstanciam momentos desse debate, além de tratarem da retórica da nacionalidade na escrita da história no Brasil do século 19 e das sociabilidades letradas nas décadas iniciais do século passado, período em que ocorreu a transição do autodidatismo para a profissionalização do trabalho intelectual de história, com a criação das primeiras universidades do país. Como indica Carlos Fico, na apresentação, “a cada texto, surgem mais claramente não apenas as questões específicas ali abordadas, mas também toda uma série de iluminações sobre a escrita da história” (p. 12). História da Educação - RHE

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No texto de abertura, de François Hartog, sinaliza-se para as mudanças nos modelos de interpretação do tempo histórico, averiguadas por meio do conceito de regimes de historicidade, no qual “os diferentes modos de articulação das categorias do passado, do presente e do futuro”, são analisadas de acordo com a forma como grupos e indivíduos a apreendem em seus textos de uma época para a outra e conforme a “ênfase seja colocada sobre o passado, o futuro ou o presente, a ordem do tempo, com efeito, não é a mesma”. Por isso, “não é uma realidade acabada, mas um instrumento heurístico” (p. 16) de interpretação do processo histórico e da maneira pela qual é apreendido pelos indivíduos, tanto quanto pela escrita da história. De forma sintética teríamos, para ele, um antigo regime de historicidade, configurado pela historia magistra vitae, a história como mestra da vida, porque fornecedora de exemplos do passado para a orientação das ações dos grupos e dos indivíduos no presente, estando “fundado sobre o paralelo”, que dimensiona “apelo às lições da história e recorre à imitação” de seus gestos e de suas opções para o presente, em vista de o passado ser sempre uma construção retrospectiva, em cada presente histórico. Este modelo teria vigorado até o século 18 quando, então, se formaria um novo regime de historicidade, em que o “tempo é percebido como aceleração, [e] o [acontecimento] exemplar deu lugar ao [processo] único”, por que o “acontecimento é aquilo que não se repete”. Tal processo configuraria um regime futurista sobre os critérios de apreensão das categorias passado, presente e futuro. Na medida em que os exemplos do passado não nos servem como opções de orientação no presente, tanto quanto a compreensão de sequências de acontecimentos vinculados a um processo histórico único, linear e progressivo para o futuro não fornece mais as dimensões do que ainda não ocorreu, ter-seia, ao longo do século passado, a conformação de um regime presentista, em função da atrofiação, tanto do passado, quanto do futuro, em vista da maior elasticidade do próprio presente. Donde a constante preocupação História da Educação - RHE

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com a memória coletiva e individual, com os lugares de memória, com os museus e com o patrimônio histórico, cujo valor, entre outras coisas, estaria em efetuar uma constante manutenção das identidades coletivas. Nos cinco textos nos quais se discute a retórica da nacionalidade na escrita da história no século 19 no Brasil, o estudo de Temístocles Cezar, que abre o conjunto, aborda a questão por meio do estudo da obra de Varnhagen. Para ele, “uma das características da cultura historiográfica oitocentista foi a produção de um discurso destinado a convencer, a persuadir os brasileiros de que partilhavam um passado em comum, bem como de um presente com a mesma identidade”. Por essa razão, uma “retórica da nacionalidade parece ser uma expressão cômoda para definir esse discurso, cuja característica é a dispersão de seus elementos constituintes” (p. 29). Nesse ínterim, a obra de Varnhagen “teria [...] comprovado que a ocupação tupi, efetuada em meio às maiores crueldades, sacrifícios e canibalismo, não foi mais do que uma invasão, cuja expiação teria chegado com Colombo e Cabral”. Além do mais, independentemente do grau de excentricidade, a postura de Varnhagen em relação aos índios talvez possa ser entendida a partir da sua inserção em uma querela não assumida e não declarada pela cultura histórica do Brasil do século 19, mas nem por isto inexistente, entre antigos, modernos e selvagens, na qual o “índio seria, no início, este moderno representante da disciplina histórica, até passível de certa simpatia”, mas a “experiência e a pesquisa lhe teriam demonstrado sua condição „selvagem‟ e seu estado decadente” (p. 36). O trabalho de Manoel Luiz Salgado Guimarães dá prosseguimento a algumas questões apontadas por Cezar, ao estudar as tensões na escrita da história no Brasil oitocentista, geradas pelas Luzes e pelo Romantismo. Para ele, tal como apontou Koselleck e conceituou Hartog, na passagem do século 18 para o 19 haveria uma metamorfose na escrita da história, em função da mudança de regime de historicidade, de uma história exemplar para uma história processual e contínua, cujos traços

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desses

debates

seriam

apreendidos

pelos

periódicos

brasileiros

oitocentistas. Assim, nas páginas de O Patriota, “o conhecimento do passado pode emular, o que supõe um poder de estímulo à ação a partir de certos referenciais morais capazes de auxiliar na produção de julgamentos no momento da ação”, pois, um “bom conhecimento da história, entendida como a experiência de outros povos, pode auxiliar neste processo de construir referências para a ação num mundo em transformação, marcado pela velocidade com que uma a uma as certezas do passado são postas em xeque” (p. 80). Não por acaso, o “uso da história guarda, nas páginas do jornal, um sentido ainda eminentemente universalista, onde temas variados parecem compor as peças necessárias do quebra-cabeças da história universal, concebida como história da civilização”, e “neste movimento escrevia-se uma tradição em que os valores da Ilustração setecentista são reafirmados ainda que submetidos a estas novas demandas” (p. 83). Rodrigo Turin retoma o tema da obscura história indígena, com base no discurso etnográfico produzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1840 e 1870. E, como nota, do mesmo modo que Varnhagen, “usavam a filologia para construir um passado para os selvagens com o objetivo, que não deixa de ser paradoxal, de negar àqueles povos a condição de pertencimento a uma consciência histórica moderna, ocidental e cristã”, dado que estes “seriam incluídos não mais em uma temporalidade bíblica, mas antes em um tempo da natureza” (p. 107). Taíse Tatiana Quadros da Silva igualmente se aproxima de Cezar, ao estudar a erudição ilustrada de Varnhagen. Para ela, as possibilidades mesmas para a escrita do passado se definiriam no bojo de mudanças culturais decorridas ao longo do século 18 em Portugal, desdobrando-se, inclusive, na historiografia oitocentista que se desenvolveria no Brasil e cuja ênfase estaria em construir os nexos de um passado, com vistas a formar as bases da história nacional. O estudo de Fernando Devoto, por História da Educação - RHE

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sua vez, detém-se sobre as disputas e os confrontos dos historiadores positivistas argentinos. Ao tratarem das sociabilidades letradas, Marieta de Moraes Ferreira e Lucia Maria Paschoal Guimarães discutem as mudanças na escrita da história que se deram nas décadas iniciais do século passado no Brasil. Ferreira centra atenção na institucionalização dos cursos universitários do Rio de Janeiro, nos quais o “tema do desenvolvimento de uma história da civilização em oposição às histórias nacionais foi objeto de intensos debates e mobilizou muitos professores e historiadores, tanto na esfera internacional como no Brasil” (p. 148). No decurso desses debates, seria possível, segundo essas autoras, levantar a hipótese de que a institucionalização do curso de História no Rio de Janeiro na FNFi [Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, que viria substituir a Universidade do Distrito Federal, a partir de 1939, com a extinção desta] foi fortemente influenciada por uma concepção de história afinada com as regras do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde predominava a concepção de uma história política destinada a reforçar os laços de identidade nacional brasileira através do fortalecimento da unidade nacional e do papel dos grande heróis como construtores da nação (p. 156). Já Lucia Guimarães confere enfoque à circulação dos saberes, de sociabilidades e linhagens historiográficas, ao estudar o percurso de dois congressos de história nacional, ocorridos entre 1914 e 1949. Em sua análise, demonstra como “os autores nacionais não negavam a matriz cultural portuguesa, nem repudiavam a colonização reinol, a pretendida cooperação luso-brasileira de historiadores”, mas, “por certo, [isso] não implicava [n]a construção de uma historiografia comum” (p. 177), em função das peculiaridades de cada uma, tanto quanto das formas com que estavam sendo construídas as narrativas sobre a nacionalidade no Brasil e em Portugal. Ao se deterem nas tradições e linguagens, histórica e literária, Francisco Alves, Durval Muniz, Maria da Glória e Fernando Nicolazzi, História da Educação - RHE

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enfatizariam as contribuições de Euclides da Cunha, de Capistrano de Abreu, de Gilberto Freyre e da análise historiográfica como prática de excomunhão. Em síntese, os textos abordam como a narrativa histórica, em geral centrada no discurso sobre a formação da nacionalidade, cerceou a constituição do ofício de historiador na Europa, a partir do século 18, assim como também no Brasil, a partir do século 19.

DIOGO DA SILVA ROIZ é professor da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, doutorando em História na Universidade Federal do Paraná e mestre em História pela Universidade Estadual Paulista. Endereço: rua Tibagi, 404/100 - 80060-110 - Curitiba - PR. E-mail: diogoroizs@yahoo.com.br.

Recebido em 25 de março de 2011. Aceito em 1° de junho de 2011.

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DOCUMENTO MANIFESTO DOS PROFESSORES PUBLICOS DE INSTRUCÇÃO PRIMARIA DA CORTE (1871)

Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos

 

Na

década

de

1870,

a

Corte

brasileira

se

movimentava

intensamente. O fim da guerra do Paraguai parecia inaugurar um novo tempo de reformas. Idéias, como o abolicionismo e a República, assumiam um novo vigor. Novos jornais eram criados, o que aumentava a circulação dos debates. Era um momento de esperança. Diversos projetos disputavam espaços e apresentavam diferentes concepções relativas ao processo de construção do Estado e da nacionalidade. Nesse cenário, um grupo de professores públicos primários da Corte Imperial se reuniu e publicou, no formato de um pequeno livro de vinte e uma páginas, o Manifesto dos professores públicos de instrucção primária da corte. O manifesto é datado de 28 de julho de 1871 e foi impresso pela Tipografia de J. Villeneuve e Cia. 140 anos depois da publicação existe apenas um único exemplar conhecido, localizado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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Ao tentar construir um olhar sobre o manifesto de 1871, é fundamental entendê-lo no momento de efervescência por que passava o Império na década de 1870. O manifesto é um documento rico. Nele, os professores declararam a situação de abalo, corrupção e descrença em relação à sociedade imperial, apontando a educação como possibilidade de mudar o estado das coisas. Reclamavam das condições de trabalho, dos baixos salários e da forma como eram retratados pelos políticos e pelo Estado Imperial. O manifesto foi assinado por três professores: Candido Matheus de Faria Pardal, João José Moreira e Manoel José Pereira Frazão, que se apresentam como “constituídos por seus companheiros de infortúnio seus legítimos representantes”. O professor Frazão1 foi o relator e expoente desse grupo, sendo reconhecido por suas tentativas de organizar uma associação de professores, o Instituto Profissional dos Professores. Em 1863, com 27 anos, entrou para o magistério primário. Nesta mesma época, começou sua atuação militante, escrevendo artigos relativos à situação da instrução pública na Corte, que foram publicados no jornal Constitucional, em março e abril de 1863. Esses artigos continham críticas à política e às condições salariais a que estava submetida a instrução pública nesse momento. Frazão fazia as críticas sobre o pseudônimo de Professor da roça.2 Se aposentou depois de 32 anos de magistério, já na República. Ao longo desse período, ocupou assento no Conselho da Instrução Pública, inclusive sendo enviado para a Europa com o objetivo de estudar a organização do ensino público de diferentes países. Foi fundador e redator do jornal A Verdadeira Instrucção Publica3, que defendia a criação de uma associação que representasse os professores públicos primários do município da Corte. Segundo o editorial do primeiro número, esse jornal

1

Sobre o professor Frazão, ver Schueler (2002). Sobre o professor da roça, ver Gondra (2003). 3 Sobre o jornal A Verdadeira Instrucção Publica, ver Villela (2002). 2

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seria um veículo para defender as posições do manifesto de 30 de julho4. A Verdadeira Instrucção Publica foi pensado como um órgão encarregado de expressar as opiniões de um setor do professorado que esteve envolvido na elaboração daquele manifesto. João José Moreira foi professor público da instrução primária no Rio de Janeiro. Foi integrante da Sociedade Propagadora das Bellas Artes, bem como participou de jornais pedagógicos. Candido Matheus de Faria Pardal foi professor do Colégio de Pedro II e da instrução primária. Depois de obter em ambos sua jubilação, exerceu o cargo de diretor das escolas da municipalidade. Também teve atuação destacada nas iniciativas de professores nas décadas de 1870 e 1880 e participou ativamente das conferências pedagógicas da Corte. As relações e os sujeitos envolvidos na elaboração do manifesto podem ajudar a compreender as tensões de sua produção, entendendo que a escrita se encontra determinada pelos constrangimentos e interesses desse meio. O discurso do manifesto produziu e está articulado com estratégias e práticas que pretendiam produzir uma autoridade baseada no local de fala dos manifestantes, construindo representações do mundo com base nos projetos aos quais se filiam. Sobre a estrutura do manifesto, impresso pela Tipografia J. Villeneuve, é interessante perceber que consiste em uma reunião de várias iniciativas dos professores que já haviam sido levadas a público e ao conhecimento das autoridades por meio dos jornais e de ofícios ao governo, compiladas naquele momento para serem divulgadas em conjunto. O manifesto foi organizado cronologicamente, da carta mais recente, destinada aos concidadãos e que abre o manifesto, para a mais antiga, destinada ao conselheiro Paulino Soares de Souza. Percebe-se, com isso, certo grau de organização e articulação e que as iniciativas não eram isoladas ou descoordenadas e, ainda que fosse este o caso, pretendia-se, com a reunião dos textos, dar-lhes outra forma. 4

Nome como também era conhecido o Manifesto dos professores públicos primários da corte. Sobre o manifesto, ver Lemos (2007). História da Educação - RHE

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Outro ponto significativo a se observar é quem eram os destinatários. Quem eram, no entendimento dos professores, as autoridades interessadas e envolvidas com o poder de modificar a situação: o imperador, os legisladores, o ministro dos negócios do Império e os concidadãos. Os destinatários fazem parte de um cálculo realizado pelos professores: ocupantes do poder, a eles os professores levaram as queixas e propostas. Sem conseguir o que buscavam, encaminharam seu manifesto aos concidadãos, ao “poder real da nação”, adotando a estratégia de ir à população como forma de pressionar os ocupantes do governo. A carta endereçada aos concidadãos, no seu início, marca o momento de valorização do patriotismo, vivido pela sociedade brasileira com a vitória na Guerra do Paraguai, e referia-se às reformas que eram esperadas com o fim do confronto, inaugurando um período de justiça em relação aos direitos dos negros, descritos no documento como uma parte da humanidade “opprimida”. É interessante notar que essa abertura concentra as principais discussões do período, em relação às quais os professores não se omitem. Como exemplo dessas discussões, há o debate referente à aprovação da Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, que reforçava a importância da instrução popular, ajudando a colocar em evidência esta preocupação. O manifesto foi publicado um mês antes dessa lei, mas a busca por direitos reconhecidos de que falavam, e que eram esperados pelos signatários do manifesto, a abolição, só viria 17 anos depois. Neste manifesto, os professores centraram as críticas na forma como eram tratados pelos poderes do Estado, pela apatia dos concidadãos e aproveitaram para colocar duas questões que estiveram no centro dos debates naquele momento: a questão salarial e a crítica à construção dos modernos edifícios escolares; os palácios, como foram conhecidos na época.

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A segunda carta que aparece no Manifesto dos professores públicos da instrucção primaria da corte, tem como título “A. S. M. o Imperador poucos dias antes de sua partida para a Europa”. Isso demonstra como os professores se esforçaram para dar ciência ao imperador das queixas da classe. É interessante confrontar a estratégia presente nesta carta ao imperador com a destinada aos concidadãos. Neste, os professores afirmavam que o povo “constitui o poder real da nação” e queixavam-se dos “poderes do Estado”. Já diante do imperador, queixavam-se da sociedade e lembravam da promessa de que os professores deixariam de ser a classe “deslembrada entre as classes de funccionarios públicos”. As promessas de uma reforma na lei da instrução geraram esperança nos professores; esperança que, segundo eles, se dissipou com o projeto apresentado pelo então ministro dos Negócios do Império, Paulino José Soares de Souza, alvo principal das críticas dos manifestantes.

As

críticas

dirigiam-se,

especialmente,

à

questão

financeira, já que o projeto apresentava apenas algumas gratificações a serem atribuídas na proporção de serviços prestados e a prestar, o que causou grande descontentamento nos professores:

É impossível descrever a Vossa Magestade o profundo desgosto que se apoderou da classe; tão profundo era, que quasi tocava a indignação! Signaes de cohesão começarão então a notar-se. Creou-se uma commissão incubida de zelar os nossos interesses e de levar as queixas da classe a todos os poderes do Estado, inclusivamente ao poder real. Era e é o programma da comissão pedir, rogar, implorar, e finalmente queixar-se amargamente a sociedade pela imprensa contra o seu mesmo indifferentismo, se porventura fossem improficuos os outros meios impregados. (Manifesto, 1871, p.13)

Já no manifesto enviado ao legislativo, os professores iniciaram informando que o requerimento já havia sido apresentado e que fora “prejudicado pelo projecto de reforma da instrucção publica, elaborado História da Educação - RHE

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pelo Exm. Sr. Conselheiro Paulino José Soares de Souza, quando ministro do Império” (Manifesto, 1871, p. 15). O requerimento dos professores públicos da Corte pedia aumento de ordenados. Para tanto, os signatários do manifesto buscaram nesse momento “licença a V. Ex. para ponderar-lhe que aquelle projecto”. Segundo os professores, em nada melhoraria as condições da “infeliz classe que os abaixo assiginados tem a honra de representar”. Afirmam ainda que já haviam apresentado suas ponderações ao mesmo conselheiro Paulino, em um memorial que também encaminharam para a Assembléia. Para justificar o pleito, utilizam um argumento interessante e que, de certa forma, demonstra a possibilidade de se pensar a constituição da profissão a partir das falas dos próprios professores. No momento em que se descrevem como merecedores dos pedidos feitos, assim se autorepresentam: “Quanto a categoria, a modéstia não permitte pretender a superioridade; mas a inferioridade, essa a nossa dignidade manda repellir” (Idem, p. 17). Uma marca nesse conjunto de manifestos é a dureza das palavras, considerados por alguns professores como demasiada e ofensiva5. Essa marca de escrita está presente em outros textos assinados pelo professor Frazão que, nesse momento pediu perdão pela dureza das expressões, mas justificou seu uso dizendo que “a dor não tem juízo” e que não conhecemos dor maior do que a que sente um homem de dignidade quando se vê desconhecido por aquelles mesmos que o devião acoroçar e estimular o trabalho honesto, uma das mais importantes condições de nobreza do século actual. (Idem, p. 17)

A publicação do Manifesto dos professores públicos de instrução primária da corte se encerra com a carta de 25 de agosto de 1870, dirigida ao conselheiro Paulino José Soares de Souza. Esta é a carta 5

Debate travado entre os jornais A Instruccão Publica e a Verdadeira Instrucção Publica, a respeito de uma carta publicada no Jornal do Comemrcio, em 1872, sobre o manifesto dos professores de 1871. História da Educação - RHE

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mais antiga e em todas as outras três há referências a ela ou aos relatórios redigidos por Paulino. No momento da publicação do manifesto, o conselheiro Paulino já não ocupava mais o cargo de ministro do Império. Devido a este fato, o manifesto apresenta tal carta com a seguinte ratificação: “Ao Senhor Conselheiro Paulino quando Ministro do Império”. Quando foi escrita e publicada pela primeira vez no Jornal do Commercio, em 1870, a carta cumpria a função de deixar público para o então conselheiro e para a sociedade as dificuldades que atravessavam os professores que, naquele momento, pediam aumento dos seus salários. Aumento com que, aliás, o conselheiro havia se comprometido. Queixavam-se, também, do projeto de reforma da instrução pública apresentado por ele à Câmara dos Deputados, pois, apesar de dar ao governo autorização para elevar até mais um terço os vencimentos dos professores, na razão de serviços prestados e por prestar, segundo os professores: “nunca, porém, um melhoramento para a classe! Este só poderá dar-se com o augmento dos ordenados, por serem estes os únicos vencimentos que percebe o empregado publico, quando prostado no leito da dor” (Manifesto, 1871, p. 19). A Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária da Corte já tinha, por meio dos delegados de distrito, conhecimento da reivindicação dos professores. No momento que o manifesto chegou às mãos do imperador houve uma grande agitação na cúpula da Inspetoria, com trocas de ofícios e cartas em caráter reservado entre o inspetor geral e o ministro do Império. Em um destes documentos, o conservador José Bento da Cunha Figueiredo prometia ao ministro João Alfredo obter informações sobre “os procedimentos a que podem estar sujeitos os professores Frazão, Pardal e Moreira, pelo manifesto publicado no Jornal do Commercio.” Porém, apesar de o governo buscar uma forma de punir os professores, devido às dificuldades legais na sua execução, o inspetor

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sugeriu que o Ministério dos Negócios do Império fizesse apenas uma repreensão por escrito. A presença da carta destinada ao conselheiro Paulino, mesmo este já tendo deixado o cargo do ministro dos Negócios do Império, e o fato de ser esta a mais antiga entre as publicadas no manifesto de 1871, pode ser explicado pela importância do conselheiro para o movimento dos professores. No relatório de 1868, apresentado na legislatura seguinte6, o conselheiro Paulino informa, na parte dedicada à instrução: “Sinto pois ter de dizer-vos que as condições da instrucção primária nessa Corte estão ainda longe de satisfazer as necessidades sociaes” (Brasil, 1968, p. 23). Atribuiu isso ao fato de haver na Corte poucas escolas. Entretanto, segundo ele, estas ficavam aquém do que poderiam apresentar, por “falta de bons professores”. (p. 24). Entendo que tal acusação fez surgir nos mestres-escolas uma indignação e os motivou a um espírito de grupo ou, nas palavras dos próprios manifestantes, “signaes de cohesão começarão então a notar-se”7 (Manifesto, 1871, p. 6). Tanto que a primeira carta dirigida aos concidadãos, denunciava que uma classe inteira de funcionários públicos, classe talvez a mais importante dos servidores do estado, vive oprimida, ludibriada, escarnecida, e o que mais é humilhada pela injustiça em que os poderes do estado a apelidão constantemente de ignorante!”. Ainda segundo o manifesto, “não há ministro novo que não diga no seu primeiro relatório que somos ignorantes, e que depois não modifique o seu juízo reconhecendo a injustiça que nos fez! (Idem, p. 19)

Reclamavam também do valor do salário de que dispunham para pagar moradia, médico, botica e sustentar mulher e filhos. No jornal A Verdadeira Instrucção Publica, o manifesto destinado a Paulino foi republicado mais uma vez, no aniversário de um ano da edição 6 7

Colleção de leis do império, 1888. Sobre o associativismo docente na Corte Imperial, ver Lemos (2006). História da Educação - RHE

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de 1871. Essa foi a terceira republicação e cumpriu o papel de marco, com caráter comemorativo. Nessa perspectiva, a relação foi menos com o tempo ou as demandas de quando foi escrito e mais com o poder de intervir e construir sentidos, dar visibilidade a uma trajetória. Já não era mais o que foi construído para ser. Passou a ser um monumento para os professores que, nas suas republicações, lhes atribuíram e agregaram outros sentidos, calculando novos efeitos: a fundação de uma identidade, a invenção de um nós. Tem-se aí a evidência de uma história que se oferece como suporte e como fundamento para outras iniciativas. Um manifesto/identidade, renovado a cada leitura, que faz reviver um passado, que ajuda a restaurar um esquecimento e encontrar os movimentos pelos sinais por eles deixados. Quando retomamos as suas práticas e analisamos os traços encontrados, este documento já não é mais a fonte, mas um objeto, sintoma de todo um movimento. Os manifestos constituíram importantes marcos na história da educação brasileira. Manifestos que lançaram movimentos, que buscaram constituir identidades, organizar e agrupar os signatários em torno de idéias, projetos e visões de mundo. Alguns chegaram a influenciar os rumos dos debates sobre a educação nacional. Referências ALONSO, Angela. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002. CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice/ Rio de Janeiro: Iuperj, 1996. GONDRA, José. Ao correr da pena: reflexões relativas às cartas de professores do século XIX. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio; CUNHA, Maria Teresa Santos (orgs.). Práticas de memória docente. Rio de Janeiro: Cortez, 2003. LEMOS, Daniel. O discurso da ordem: a constituição do campo docente na Corte Imperial. Rio de Janeiro: Uerj, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. _____. Manifestos e manifestantes na educação brasileira. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 30, 2007, Caxambu. Anais... Caxambu: Anped, 2007.

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SCHUELER, Alessandra. Formas e culturas escolares na cidade do Rio de Janeiro: representações, experiências e profissionalização docente em escolas públicas primárias (1870-1890). Niterói: UFF, 2002. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense. VILLELA, Heloisa. Da palmatória à lanterna mágica: a escola normal da província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a formação profissional (1868-1876). São Paulo: USP, 2002. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo. Documentos A VERDADEIRA INSTRUCÇÃO PÚBLICA. Rio de Janeiro, 1872. PRSOR 3707 (1) microfilmado (BN). BRASIL. Colleção de leis do império. Rio de Janeiro. Typographia Nacional, 1882. BRASIL. Colleção das decisões do governo do Brazil. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1889. BRASIL. Relatório do ministro dos negócios do império. 1845 - 1880. BRASIL. Ministério do Império. Ministro Paulino José Soares de Souza, Relatório do Anno de 1868, apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 1ª sessão da 14ª legislatura. MANIFESTO DOS PROFESSORES PUBLICOS DE INSTRUCÇÃO PRIMARIA DA CORTE. Rio de Janeiro: Typograpfia de Julio Villeneuve e Cia, 1871.

DANIEL CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE LEMOS é professor no Instituto Superior de Educação - Iserj. Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua na área de história da educação e trabalha com os seguintes temas: história da profissão docente, associativismo docente, imprensa docente. Endereço: rua Mariz e Barros, 273 - Sala 204 - 20270-003 Rio de Janeiro - RJ. E-mail: cavalcanti13@yahoo.com.br.

Recebido em 2 de maio de 2011. Aceito em 23 de maio de 2011.

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INSTRUCÇÃO PUBLICA

Quando uma sociedade se sente Abalada em seus alicerces pela corRupção, que tudo tem invadido , Quando a descrença nos homens e nas cousas é geral, como acontece entre nós, a salvação da pátria só depende do appello ás intelligencias ainda tenras das gerações novas! (Frazão, Disc. Pág.10)

Concidadãos, - Em uma época de patriotismo e de reformas, quando parece despontar nos horizontes da pátria uma nova era de prosperidade, e sobretudo justiça, quando os direitos de uma parte da humanidade opprimida vão ser reconhecidos., quando se dá ao mundo o exemplo de quanto póde a força do direito sobre o direito da força, nesta época em que vibra a corda da generosidade em todos os corações brazileiros., uma classe inteira de funcionários publicos, classe talves a mais importante dos servidores do Estado, vive oprimida, ludibriada, escarnecida, e, o que mais é, humilhada pela injustiça com que os poderes do estado a apellidão constantemente de ignorante! Não há ministro novo que não diga no seu primeiro relatório que somos ignorantes, e que depois não modifique o seu juízo, reconhecendo a injustiça que nos fez! Comparai o relatório da inspectoria geral com o do ministro do império., um feito por quem conhece de perto o pessoal de sua repartição, outro, assignado por quem bebe inspirações de empregados que só parecem fadados para nos flagellarem! Reparai na contradicção em que cahem os homens que nos governão: chamão - nos ignorantes, e occupão - nos em commissões importantíssimas, como são as de exames! Ou é quase retractão, ou nenhuma importância dão a uma questão vital da instrucção publica! Porém, que tem elles feito para nos instruir?! Será desautorando-nos aos olhos da sociedade que hão de conseguir melhorar as condições da instrucção publica?! Não sentem esses homens que, aviltando-nos aos olhos da sociedade, ficamos sem a força de que carecemos para resolver o importantissimo problema que nos está confiado?! Concidadãos , ouvi-nos ! temos até aqui soffrido resignados toda a sorte de injustiças. Agora porém, que a taça transbordou com a repulsa que acabamos de soffrer quando pedimos aos poderes do Estado que nos tirassem ao menos da miséria, tomamos a resolução de vir perante vós, que constituis o poder real da nação, articular as nossas queixas e pedir justiça, não por amor de nós, mas por amor de vós ! Sim, por amor de vós! Sois vossos filhos os prejudicados com a nossa humilhação! que sentimentos de dignidade lhes podemos inspirar no estado de abatimento em que nos achamos?!

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Concidadãos, não considereis as nossas queixas como vãs declamações: ahi vão factos que fallão bem alto repelindo raparação, e que provão a disposição que há , e sempre ouve , a nosso respeito. O art. 56 do regulamento de 17 de fevereiro de 1854, prohibindo aos professores que usem nas escolas de compêndios não adoptados pelo governo accrescenta: “Garante-se premio ao professor que escrever ou traduzir algum compendio para uso das escolas, contanto que seja adoptado pelo governo” Reparai, concidadãos, em três pontos essenciaes desta disposição: 1◦ O regulamento não exige que o compendio seja de jurisprudência ou de altas mathematicas ou de economia política, mas que seja adoptado pelo governo para uso das escolas! 2◦ Igualmente não considera a adopção como premio, e sim como condição para o premio que elle garante! 3◦ Finalmente, esse premio o regulamento não o estabelece em termos duvidosos, porem diz: Garante-se! Reparai em tudo isso e ficareis abysmados do modo por que o governo tem entendido este artigo em relação aos desgraçados mestres de escola! Dizemos em relação aos mestres de escola, poraquê os que o não são tem conseguido prêmios pecuniários por trabalhos, alguns dos quaes não honrão muito as nossas escolas por sua incorreção! Pois bem, os professores públicos, ou antes os mestres de escola , acreditando na sinceridade da promessa do governo e na igualdade de garantida pela constituição, fizerão alguns esforços com mais ou menos sucesso. Era esse o efeito que se pretendia com o citado artigo. Um houve que chegou a conseguir que seu compendio fosse adoptado pelo governo, depois de uma luta de quatro annos, em que teve que concorrer com um senador e com mais dous cavalheiros recommendaveis por seus conhecimentos e posição social ! Corre ao governo em busca de seu premio, e o governo lhe responde: a lei não é clara, não precisa o premio; e no entender do governo a adopção já é um premio ! Mas, Senhor, Considere V. Ex. que a adopção é condição para o premio, lhe torna o importuno. Sim...mas.... a mente do legislador referia-se a livros de certa importância(!!!) Eis-ahi, concidadãos, a interpretação das leis quando se trata de mestres escolas! Pois há-se de aviltar um premio que se da aos doutores , dando-o também a um mestre escola?! Outro facto ano menos significativo. A lei estabelece duas sortes de jubilações: uma aos 25 annos de serviço, com um simples ordenado, outra com as gratificações aos que servirem mais 10 annos, isto é aos 35 annos de serviço. De sorte que o professor que, podendo ter seu ordenado aos 25 annos, conserva-se no magistério, só o faz porque acredita na promessa de uma jubilação vantajosa. Por outro lado, o governo só conserva os professores que o tem merecido. Pois bem, uma professora, uma pobre professora sexagenária, servia ao estado havia 34 annos e um mez: onze mezes mais e seria aposentada com suas gratificações. Sua idade avançada e seu longo tirocínio no magistério a tornavão. Incapaz de qualquer outro commettimento. Pois acaba de ser jubilada só com os vencimentos a que tinha direito com 25 anos de serviço, porque não completára os 35?! Porem ella não pediu jubilação, nem se lhe apontou um defeito. Antes pelo contrario, havia sido, mezes antes, contemplada com uma gratificação que a lei concede aos professores que se distinguem por mais de 15 História da Educação - RHE

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annos. O governo, portanto, lhe havia reconhecido distinção! Alem disso o delegado, autoridade local que dera sempre della as melhores informações, julgando-se desautorado pelo acto da administração, demitiu-se! Reflecti, concidadãos, sobre esses factos, e dizei-nos: poderemos nós ter um pessoal idôneo e esforçado, quando somos assim illudidos em nossa boa fé ?!... E, entretanto, todos esses factos, e mil outros, que ainda poderão ser articulados, se a isso nos obrigarem vão passando sem que delles vos percebais, só porque nos não queixamos! Oh ! e não sois vós que os responsáveis pelo atrazo da instrucção publica, quando vos mostrais indifferentes a estas e outras injustiças?! Ouvi agora o que se passa nos paizes mais adiantados. Terminada a guerra de 1866, em que a Prússia conseguiu em algumas semanas anniquilar a influencia da Áustria na Allemanha, os professores da Prússia dirigirão-se aos poderes do Estado pedindo a parte que lhes tocava nos louros colhidos nos campos de batalha. “Não sentistes, dizião elles, a nossa influencia naquelle amor a disciplina, naquelle senso pratico, naquella intelligencia cultivada do soldado, ou antes do cidadão? Tudo isso é obra nossa! Sem a nossa cooperação não teríeis obtido esses resultados maravilhosos que o mundo inteiro explica pelo adiantamento da instrucção popular”. A representação foi muito bem acolhida, os professores obtiveram vantagens importantíssimas, por que na Prússia o governo não se alimenta de sophismas; trata sério e diz a verdade aos cidadãos . No Brazil, porém, depois da guerra do Paraguay, havendo o monarcha cedido em favor da instrucção popular algumas vantagens que lhe erão offerecidas; depois de haver um ministro de estado declarado ao corpo legislativo que occupamos um dos últimos lugares, senão o último; os professores públicos se dirigirão também aos poderes do estado pedindo que os tirassem da miséria. As mais lisongeiras promessas lhes forão feitas. Até conselhos receberão do próprio ministro para que moderassem o pedido que fazião. Aceitarão a correção e pedirão o que indicára o ministro sob a promessa de sua palavra de que declararia aceitável a emenda ao orçamento. Não sabemos se o fez. É natural que o fizesse; mas o certo é que nada obtiverão. Desilludidos por esse lado, voltamo-nos para vós concidadãos. Nenhuma parte queremos dos louros do triumpho: esses pertencem exclusivamente ao denodo e a abnegação do soldado brazileiro. Antes pretendemos tirar de nós a responsabilidade daquella série interminável de vergonhas que motivarão o sacrifício de tantas dezenas de milhares de compatriotas, immolados a imbecilidade de muitos! Ao contrario dos professores prussianos, nós vos perguntamos: não sentiste nossa falta, quando vos viste sempre illudidos por espaço de cinco annos, em que se vos pintava o inimigo esmagado, e, entretanto, morrião aos milhares nossos desgraçados irmãos, empenhados numa luta inglória, porque a imbecilidade deslustrava de antemão a victoria que poderiam alcançar?! Dizei-nos, não sentíeis subir o rubor a face quando a imprensa denunciava ao mundo inteiro roubos, prevaricações, infâmias, que se dizião praticadas por occasião da guerra? as perseguições, as caçadas, que tanto falgellárão os desvalidos, e que tantas honras valerão aos que as praticarão?! História da Educação - RHE

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Pois bem, tudo isso é obra vossa! Sim! É obra vossa : humilhais os professores, e tratai-los como lacaios, consentis que os fação miseráveis, e quereis instrucção popular? É impossível! emquanto vos não convencerdes do que dizia o conselheiro Euzébio, nada conseguireis! Olhai, o ensino não é cousa que se possa realizar por um processo mecânico: depende sobretudo de boa vontade dos professores; da boa vontade, ouvis?! E essa vós não tereis emquanto maltratardes a classe como até aqui o tendes feito! Pretendeis humilhar-nos com o baldeão de ignorantes! Em primeiro lugar, a ignorância não é privilégio de nossa classe: ella penetra por toda a parte. E no Brazil é uma espécie de epidemia, que não respeita muitas vezes as mais elevadas posições! Além disto, nenhum de nós ignora o que pertence ao seu officio, como acontece com muitos de vossos sábios bochechudos que se alimentão de vosso suor! Consentis que se edifiquem custosissimos prédios, que se locupletem os amigos do poder , e pouco se vos dá que o pobre do professor morra de fome! Como quereis que um chefe de família a possa manter com decência com 66$666?! Quereis ver as conseqüências funestas da vossa indiferença? Olhai: o professor honesto e laborioso trabalha todas as horas do dia e da noite, faz todos os esforços de que é capaz sua intelligencia e a sua vontade, ganha certa reputação, consegue achar trabalho, muito trabalho, e assim pão para os seus filhos. Parece que nenhum mal haverá nisso! Porém, ouvi, e ficareis espantados do mal que tendes feito obrigando-o a tão grande esforço. Primeiramente, sem uma hora de descanso, o melhor professor torna-se abaixo do medíocre; depois, fica estacionário, porque não pode acompanhar o progresso que todos os dias fazem as sciencias, as artes e tudo quanto póde ser objecto de nossa actividade. Finalmente, no fim de dez annos esse pobre diabo não será já um professor, mas uma ruína; e durante os dez annos elle terá sido muito pouco útil a instrucção, porque se limitou a dar a sua á sua repartição exclusivamente as horas marcadas para o trabalho material; e esse mesmo havia de ser muitas vezes mal feito! Não percais de vista que vos fallo do professor distincto, esforçado, consciencioso; que os outros ainda farão peior. Dir-nos-heis que o governo creará uma inspeção vigilante! Sempre a humilhação! Pois bem, mandai-nos feitores, um para cada escola, se vos aprouver! Cuidais que tereis adiantado muito? Não vedes que, tratados os professores como escravos, só conseguireis moldar por elles uma sociedade indigna do século em que Viveis?! Fallai‟nos de emancipação, e quereis o professore escravo! Ah! ...É que não comprehendeis os vossos prõprios interesses; é que sois uma sociedade muito atrazada em civilização! Soffrei que vos restituamos os baldões com que tantas vezes nos mimoseais! Sois ignorantes! A dor não tem juízo; e se hoje subimos a tribuna universal para fazer ouvir ao mundo inteiro as nossas queixas, é porque a dor, por demasiado grande, apagou em nossos corações o medo da responsabilidade! Chamai-nos loucos, se vos parecer. Nos vos responderemos: - É obra vossa ! assim nos quizestes, ei‟nos a vossa vontade!... História da Educação - RHE

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Porém tomai o conselho de loucos: influi de modo que puderes, para que se mudem as condições de professorado na corte; ouvi as nossas queixas; daínos pão! Pão! Pelo amor de Deus! Quando o magistério for bem retribuído, não faltarão homens inteligentes e moralisados que venhão engrossar as suas fileira. Porem emquanto o professor tiver 66$666 de ordenado; enquanto for tratado como até aqui tem sido, enquanto for aposentado a força com 34 annos e 1 mez de serviço, para não completar os 35, com que a lei lhe promette uma aposentadoria mais vantajosa; enquanto a secretaria do império não se quebrar o molde por que são feitas as informações para todo o ministro novo, asa quaes consistem sempre em insinuar que os professores são uma súcia de ignorantes ; enquanto , em uma palavra, isto tudo não mudar, desenganai-vos, haveis de continuar a ser o que tendes sido! Concidadãos, convencei-vos da verdade: Quando uma sociedade se sente Abalada em seus alicerces pela corrupção, que tudo tem invadido ,Quando a descrença nos homens e nas cousas é geral, como acontece entre nós, a salvação da pátria só depende do appello ás intelligencias ainda tenras das gerações novas! Ora, é só ao professor que compete preparar a nação futura, fazendo-a beber um leite mais puro e mais digno das idéias liberais do século. No Brazil,, portanto, o professor é tudo e só por força do absurdo é que nada vale perante uma sociedade constituída como nós somos! Cuidai, portanto, já e já, de tirar-nos do estado desesperado em que nos achamos, que dos poderes do estado nada pudemos conseguir, porque nada valemos. Pedimos, rogámos, implorámos, rirão-se de nós! Queixando-nos de vós a vós mesmos, concidadãos, só vos pedimos que digais bem alto aos vossos representantes: DAÍ-NOS INSTRUCÇÃO PUBLICA!! Se o fizerdes, não lhes pedireis favor, mas aquilo que vos garante a constituição. Ainda uma palavra, acreditai-nos: é á falta desse elemento cardeal da sociedade que deveis attribuir todos os males que vos affligem. Manoel José Pereira Frazão (relator) Candido Matheus de Faria Pardal João José Moreira

A. S. M. o Imperador poucos dias antes de sua partida para a Europa: Senhor.- A classe dos professores públicos de instrucção primaria da corte tem soffrido com resignação evangélica a humilhação da sociedade, que parece desconhecer a inffluencia que ella póde exercer nos futuros destinos do paiz. Esta resignação, senhor, durou emquanto era fundada na esperança de que os poderes do estado cuidarião de tira-la desse abatimento em que jaz, depois que tivessem cuidado de outras providencias que lhe parecessem mais necessárias. Concluída a guerra, os professores se dispunhão a dar um passo no sentido de implorar a protecção de Vossa Magestade, quando Vossa Magestade se antecipou a pronunciar a palavra INSTRUCÇÃO, cedendo em favor desse História da Educação - RHE

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elemento cardeal da sociedade algumas vantagens que lhe erão offerecidas. Agitou-se o paiz inteiro á inffluencia da palavra mágica de V. M. Imperial: dir-sehia que a lei de instucção ia ser reformada, e que ia cessar de haver uma classe deslembrada entre as classes de funccionarios públicos. Exultarão os professores, porque a reforma da instrucção publica estava na boca de todos. Entretanto esta ilusão em breve se dissipou: appareceu o projecto do Sr. conselheiro Paulino José Soares de Souza, e nelle se viu que apenas algumas gratificações se promettião na proporção de serviços prestados e por prestar! É impossível descrever a Vossa Magestade o profundo desgosto que se apoderou da classe; tão profundo era, que quasi tocava a indgnação! Signaes de cohesão começarão então a notar-se. Creou-se uma commissão incubida de zelar os nossos interesses e de levar as queixas da classe a todos os poderes do Estado, inclusivamente ao poder real. Era e é o programma da comissão pedir, rogar, implorar, e finalmente queixar-se amargamente a sociedade pela imprensa contra o seu mesmo indifferentismo, se porventura fossem improficuos os outros meios impregados. A commissão dirigiu-se as Sr. ministro do império de então, o Exm. Sr. conselheiro Paulino, pedindo-lhe licença para cumprir sua missão, e obteve-a. Em um memorial, que foi apresentado a S. Ex., fez a commissão uma exposição das suas queixas e pediu remédio, que lhe foi prometido por S. Ex., quer como ministro, quer como deputado. Mudou-se o governo e a commissão não se moveu, porque aguardava a época em que o parlamento estivesse funccionando, para dar começo a sua missão. Porém eis que se propala a noticia da viagem de Vossa Magestade, o único protector em que a classe depositava suas esperanças! Cumprindo que Vossa Magestade não deixasse de ser informado desta resolução da classe antes de sua partida, a commissão se apresenta em cumprir seu dever, vindo depositar nas augustas mãos de Vossa Magestade este curto memorial. A classe não pede a Vossa Magestade Imperial, por agora, senão duas palavras de benevolencia para ella, que Vossa Magestadedirija a Augusta Princeza Imperial e ao Sr. Ministro do Império, a quem a commissão se dirigirá opportunamente pedindo a protecção de que carece a classe, e a que ela se julga com direito. Senhor- Parece impossível que Vossa Magestade não fique sorprendido, como toda nação o ha de ficar, quando souber que nesta corte , um correio, um continuo de secretaria tem 1:400$, quando nenhuma habilitação se exige, nem responsabilidade; e que um professor tem 1:200$, sendo o ordenado de 800$! Igualmente deve sorprender a todos o facto incrível, porém real, de serem os professores públicos da corte os mais mal retribuídos de todo o Imperio, não exceptuando até os da província do Paraná, que, por lei de 26 de abril de 1868, foi considerada de ultima classe! O decreto de 17 de fevereiro de 1854 equiparou em vencimentos os professores públicos aos 2os officiaes da secretaria do império, que percebião ainda 1:200$ ex vi da lei de 30 de março de 1844. a lei de 5 de março de 1859 elevou os vencimentos dos demais empregados da dita secretaria, deixando os professores em categoria inferior aos correios; e isso a despeito das instancias constantes do finado Sr. Conselheiro Eusébio, de saudosa recordação! V.M. Imperial comprehende que, assim, maltratada, a classe não tem os elementos indispensáveis para cumprir a alta missão que esta incubida. História da Educação - RHE

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Fazendo votos pela prospera viagem de Vossa Magestade, e pelo prompto restabelecimento de S. M. a Imperatriz, a classe espera merecer de Vossa Magestade a graça que pede. Ao corpo Legislativo. Illm. e Exm. Sr. - A consideração da augusta assembléa legislativa, de que V. Ex. tão dignamente faz parte, já foi apresentado por um requerimento dos professores públicos da corte pedindo augmento de ordenados. Este requerimento ficou prejudicado pelo projecto de reforma da instrucção publica, elaborado pelo Exm. Sr. Conselheiro Paulino José Soares de Souza, quando ministro do Império, na sua qualidade de membro da câmara, projecto que já tem em seu favor a opinião da respectiva commissão. Os abaixo assignados, constituídos por seus companheiros de infortúnio seus legítimos representantes, perante V. Ex., pedem licença a V. Ex. para ponderar-lhe que aquelle projecto em nada melhora as condições infeliz classe que os abaixo assignados tem a honra de representar, como já foi ponderado ao mesmo Exm. Sr. Conselheiro Paulino em um memorial, que adiante vai transcripto. E, pois, vem os abaixo assignados, cheios de confiança nos sentimentos de justiça, de que V. Ex. tem dado provas tão inequívocas, implorar a protcção de V. Ex., afim de que, ou como emenda áquelle projecto, ou como additivo ao orçamento do império, se digne a propor e apoiar que os professores públicos de instrucção primaria da corte sejão equiparados aos 2 (segundos) officiaes das secretarias de estado, pois que os excedem, tanto em trabalho, quanto em responsabilidade. Quanto a categoria, a modéstia não permitte pretender a superioridade; mas a inferioridade, essa a nossa dignidade manda repellir. E com effeito, Exm. Senhor, não precisa de grande esforço de intelligencia; o simples bom-senso basta para fazer comprehender que a aquillo que chamamos meninos é nada menos que a própria NAÇÃO, que hoje passa pelas nossas mãos; e que a missão de preparar a nação futura não pode já continuar a ser menoscabada, a ponto de se dar a um professor publicona corte um ordenado de 800$, quando os contínuos e correios das secretarias tem 1:00$000! V. Ex. nos perdoara a dureza da expressão; mas a dor não tem juízo, e não conhecemos dor maior do que a que sente um homem de dignidade quando se vê desconhecido por aquelles mesmos que o devião acoroçar e estimular o trabalho honesto, uma das mais importantes condições de nobreza do século Actual Os abaixo assignados fazem justiça aos sentimentos de V. Ex,.e estão seguros de que V. Ex, ficará sorprendido, como toda a nação há de ficar , quando souber que um correio, um continuo, , de que nenhuma habilitação se exige; que nenhuma responsabilidade tem no desempenho de suas fucções; que tem sua cavalgadura e sua etapa, percebe 1:400$; e que os professores públicos só percebem 1:200$, sendo ordenado 800$!! A petição dos abaixo assignados é tanto mais bem fundada, quando se pode provar que foi sempre da mente dos poderes do estado equipara-los aos officiaes daquellas repartições.

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Com effeito, o decreto de 17 de fevereiro de 1854 marcou aos professores o vencimento de 1:200$, isto é o mesmo que recebião os segundos officiais da secretaria do império, ex vi da lei de 30 de março de 1844, que ainda regia a matéria. O decreto imperial, porem, de 5 de março de 1859, reformando a dita secretaria, augmentou os vencimentos de seus empregados sem beneficiar a classe a que se honrão de pertencer os abaixo assignados, ficando dest‟arteos professores, até hoje, com manifesta injustiça, percebendo os vencimentos com que já em 1854 erão pessimamente retribuídos, na opinião insuspeita do Exm. Sr. Conselheiro Eusébio, de saudosa recordação! A estas poderosas razões ainda se pode accrescentar uma consideração de muito alcance, porque autorisa aos estrangeiros illustrados a denominar o Brazil de terra do absurdo, e é esta: Comparando-se os vencimentos dos professores públicos em todas as províncias do Império, sem excluir a do Paraná, que por decreto de 26 de abril de 1868 foi considerada de última classe, se verifica que os que residem na corte, onde as necessidades da vida são mais exigentes, são os mais mal retribuídos! Isto não precisa ser commentado. E a classe dos adjuntos? será possível que possão desempenhar esses funccionários conscienciosamente sua missão com 240$, 300$ e 360$, quando se exigem delles tantas provas de capacidade moral e intellectual? Não seria lógico que ao menos os de 3ª. classe fossem equiparados aos praticantes das secretarias? Os abaixo assignados se dispensão a produzir outras considerações, que julgão desnecessárias a um espírito tão illustrado como o de V. Ex., até porque outras vão exaradas no supracitado memorial, que tiverão a honra de apresentar ao Exm. Sr. conselheiro Paulino :José Soares de Souza, quando ministro do Império. Resumindo o que impetrão a V. Ex., os abaixo assignados formulam assim sua petição: 1. Que sejão os professores públicos de instrucção primaria da corte equiparados em vencimentos aos 2os. Officiaes de secretaria 2. Que os adjuntos de 3ª. classe sejão equiparados aos praticantes das mesmas secretarias 3. Que os adjuntos de 2ª. classe tenhão uma gratificação de 600$ annuaes. 4. Que os adjuntos de 1ª. classe tenhão uma gratificação de 400$000. E tão geralmente reconhecida, Exm. Sr., a palpitante necessidade de tirar os professores do estado de abatimento em que jazem, é tão justo o pedido que fazem os abaixo assignados em nome da classe, que não é permitido a ninguém duvidar que V. EX. não perdera essa occasião de ligar o seu nome a um melhoramento do maior alcance para os futuros destinos do paiz. Os abaixo assignados, pois, desde já beijão as mãos de V. Ex., a quem protestão eterno reconhecimento. Deus guarde a V. Ex. - Rio de Janeiro, 20 de Junho de 1871. Manoel José Pereira Frazão (relator) Candido Matheus de Faria Pardal João José Moreira

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A S. Ex. o Sr. conselheiro Paulino, quando Ministro do Império. Illm. e Exm. Sr. - Os professores públicos de instrucção primaria da corte, depois de haverem solicitado o beneplácito de V. Ex., requererão ao corpo legislativo augmento de seus ordenados; e esperavão deferimento de sua petição, confiados, quer na justiça de sua causa, quer no interesse que lhes pareceu tomarem por sua desditosa sorte alguns membros conspícuos daquella augusta câmara, quer finalmente, no apoio que foi garantido pela honrada palavra de V. Ex. Entretanto, por mais sólida que lhes pareção tais garantias, os professores receião que, á vista do projecto de reforma da instrucção publica, apresentado por V. Ex. á câmara dos Srs.deputados, possa parecer ociosa qualquer deliberação da mesma câmara sobre a referida petição, visto como no dito projecto se dá ao governo autorisação para elevar até mais um terço os vencimentos dos professores na razão de serviços prestados e por prestar. Os abaixo assignados, constituídos por seus collegas órgãos legítimos da classe perante V. Ex., pedem licença a V. Ex. para ponderar-lhe que uma tal concessão em nada altera as condições actuaes da infeliz classe que os abaixo assignados tem a horna de representar. Com effeito, Ex. senhor, um argumento de vencimentos na razão de serviços prestados e por prestar, importa nada mais nada menos, que uma gratificação de mais (pro labore) aos que a merecem. Nada mais justo. Será, pois, um incentivo para desafiar a actividade dos professores no desempenho de seus deveres,nunca, porém, um melhoramento para a classe! Este só poderá dar-se com o augmento dos ordenados, por serem estes os únicos vencimentos que percebe o empregado publico, quando prostado no leito da dor. E V. Ex., que conhece o estado actual das cousas nesta cidade, comprehende que o professor que só dispõe de 66$666 para com elles pagar casa, e a quem lhe sirva, e ainda sustentar mulher e filhos, pagar medico e botica, etc., diga-se a verdade vive na miséria! Sim, Exm. senhor, é preciso que se diga toda a verdade a V. Ex..: os professores públicos da corte vivem, na miséria, a ponto de ser necessário recorrer a caridade publica para fazer o enterro de alguém que fallece, para sustentar a família, se a deixa como muitas vezes tem acontecido! Ora, V. Ex. permitirá que perguntem os abaixo assignados : não será bastante indecoroso para o estado que quando empregados de outras repartições publicas fruem pingues ordenados, sem a mortificante tarefa do magistério, e sem aquella responsabilidade immensa que pesa sobre os professores, continuem estes a ter de ordenado 66$666, e sejão forçados a deixar suas mulheres e filhas entregues talvez a prostituição, se lhes não valer o pão da caridade?! O finado Sr. conselheiro Eusébio de Queiroz dizia em seu relatório de 1856: “Não basta, porém, decretar a instrucção primaria como uma necessidade social, e proclama-la como primeiro elemento de civilização e de progresso; é mister também que o legislador, para não tentar uma obra impossível e consagrar um principio estéril, eleve e rehabilite perante o espírito público História da Educação - RHE

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aquelles a quem encarrega o ensino da mocidade, inspirando-lhes a consciência de sua importante missão e o sentimento da própria dignidade, pondo-os longe do alcance da miséria, libertando-os das apprehensões do triste futuro que poderão legar a suas famílias, dando-lhes, em uma palavra, meios de decente e honeta subsistência.” E. V. Ex. mesmo, abundando nessas idéias, dizia há dias na câmara dos Srs. Deputados: “As vantagens que dermos aos professores redundão em proveito do ensino” e logo depois “A vida do professorado é árdua, modesta e de verdadeira dedicação. É uma carreira honrosa e utillissima: devemos torna-la quanto pudermos, independente.” Pois bem , Exm. senhor , os abaixo assignados deixão a V.Ex. o pensar se será com um ordenado de 66$666 que se há de fazer a independência de uma classe, cuja tarefa é tão árdua, tão honrosa, e de tanta dedicação e utilidade!! Interpretando, fielmente, o pensamento de seus colegas, os abaixo assignados folgão de reconhecer em V. Ex. os melhores sentimentos e a melhor vontade para com a classe, e agradecem cordialmente a V. Ex. o interesse que toma por ella. Porem não podemos de deixar de pedir a V. Ex. que se digne a attender á seguinte consideração, importantíssima para o caso: No paiz, Ex. senhor, está introduzida a praxe de só se contar como bom serviço o que o empregado presta fora de sua repartição; de sorte que o professor que tiver tido a infelicidade de não ser convidado para qualquer commissão fora de seu magistério; aquelle que tiver envelhecido na sua cadeira, ficara ipso facto excluído (por uma lógica de absurdo) de qualquer graça que o regulamento venha a conceder aos que se distinguirem por seus bons serviços! Á vista, pois, das ponderosas razões acima exaradas, os abaixo assignados ousão esperar esperar que V. Ex. se dignará de aceitar qualquer emenda que ao dito projecto for apresentada por alguns dos senhores deputados , no sentido de elevar o ordenado aos professores, pois a todos se vão dirigir os abaixo assignados, pedindo o lenitivo de que carece a classe, no estado desesperado a que está reduzida, pela enorme carestia de todos os gêneros de primeira necessidade. E para cumprir este novo mandato, de que forão investidos pelos seus collegas de infortúnio, pedem o abaixo assignados o beneplácito de V. Ex. , a quem beijão desde já as mãos, em signal de profundo reconhecimento, pelo muito que esperão de V. Ex. Deus guarde a V.Ex. - Illm. e Exm. Sr. conselheiro Paulino José soares de Souza, muito digno ministro e secretario de estado dos negócios do império. Rio de Janeiro 25 de Agosto de 1870. Manoel José Pereira Frazão (relator) Candido Matheus de Faria Pardal João José Moreira Typ. Imp. e Const. de J. Villteuv & C.

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Revista História da Educação Orientações aos colaboradores A Revista História da Educação - RHE, mantida pela Associação Sul-RioGrandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe/RS - é publicada desde 1997. Já foram disponibilizados 33 números, que contaram com a participação de autores nacionais e estrangeiros. A RHE é apresentada em formato online digital. O processo de submissão, avaliação, edição e publicação é feito por meio do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas - Seer/OJS, hospedado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no endereço http://seer.ufrgs.br/asphe. A revista encontra-se indexada na base de dados Qualis/Capes, como “periódico B1” (Educação): http://qualis.capes.gov.br/webqualis, no Sistema Regional de Información em Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - Latindex: http:/latindex.unam.mx/buscador/ficRev.html?folio=19560& opcion=1, no Seer/Ibict - http://www.ibict.br e em Sumários.org: http://www.sumários. org/revista.asp?id_revista=393&idarea=5. São aceitos para publicação, em regime de fluxo contínuo: a) artigos relacionados à história e historiografia da educação, originados de estudos teóricos, pesquisas, reflexões metodológicas e discussões em geral, pertinentes ao campo historiográfico; b) trabalhos encomendados e traduções; c)

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193 Somente serão aceitos textos apresentados com as configurações que seguem. Textos que não atenderem a esse padrão serão, automaticamente, recusados. a) O texto deve ser enviado, exclusivamente, por meio eletrônico disponível no portal da revista: http://seer.ufrgs.br/asphe; b) o arquivo deve ser enviado em formato Word for Windows, com as seguintes configurações: fonte Arial, tamanho 12, margem esquerda com 4cm, margens superior, inferior e direita com 3cm, espaço entrelinhas 1,5 e parágrafo com 1cm. Não insira sinais, símbolos, tabulações ou marcadores; c) para artigos e ensaios, sem contar o resumo, a extensão máxima do texto deve ser de 60.000 caracteres, com espaços. Para resenhas, a extensão máxima deve ser de 17.000 caracteres, com espaços; d) o texto, necessariamente, deve conter: - título em português, espanhol, inglês e francês, centralizado e em maiúsculas; - nome do autor, centralizado; - resumo e palavras-chave em português, espanhol, inglês e francês. Cada resumo com, no máximo, 800 caracteres, com espaços; - ao final do texto deve constar informação acerca do autor (breve nota biográfica, vinculação institucional, endereço postal completo e e-mail); e) o uso de ilustrações deve restringir-se ao estritamente necessário e imprescindível. Quando for o caso, devem ter sua posição definida no texto pelo autor, com a devida numeração, titulação e apresentação das referências que lhes correspondem. As imagens devem ser enviadas em arquivos separados, em formato JPEG, e com definição de 300 DPI. Se julgadas imprescindíveis, as ilustrações serão publicadas em preto e branco. f) as citações devem seguir os seguintes critérios: - citações textuais de até três linhas devem ser incorporadas ao parágrafo, transcritas entre “aspas”, seguidas do sobrenome do autor da citação, ano da publicação e número da página, entre parênteses. Exemplo: (Lourenço Filho, 1955, p. 30); - citações textuais com mais de três linhas devem aparecer em destaque em um outro parágrafo, com recuo de 4cm na margem esquerda, fonte em tamanho 11, sem “aspas”, seguidas do sobrenome do autor da citação, ano da publicação e número da página, entre parênteses. Exemplo: (Lourenço Filho, 1950, p. 343); g) das referências devem constar nome do autor, título da obra em itálico, cidade da editora, nome da editora, ano de publicação. Exemplos: - obra completa: CAMBI, Franco. História da educação. São Paulo: Unesp, 1999. - capítulo de livro: WERLE, Flávia Obino Corrêa. História das instituições escolares: de que se fala? In: LOMBARDI, José Claudinei; NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (orgs.). Fontes, história e historiografia da educação. Campinas: Autores Associados, 2004, p. 13-35. - tese: PERES, Eliane Teresinha. Aprendendo formas de pensar, de sentir e de agir: a escola como oficina da vida - discursos pedagógicos e práticas escolares da História da Educação - RHE

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194 escola pública primária gaúcha (1909-1959). Belo Horizonte: UFMG, 2000. 493f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais. - texto publicado em anais de evento: GERTZ, René. A nacionalização do Rio Grande do Sul durante o Estado Novo. REUNIÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PESQUISA HISTÓRICA, 11, 1991, São Paulo. Anais ... São Paulo: SBPH, 1991, p. 311-317. - texto disponível na web: PACHECO, Graciema. Entrevista a William B. Gomes. Porto Alegre, 4 abr. 1991. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/museupsi/ graciema.htm>. Acesso em: 14 set. 2005. - artigo publicado em revista: WEINMANN, Amadeu de Oliveira. O conceito de acontecimento na pesquisa em história da educação. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre: Ufrgs, v. 28, n. 1, jan./jul. 2003, p. 49-63. l) As notas de rodapé devem ser apresentadas ao longo do texto, com numeração consecutiva e devem ter caráter explicativo. l) Em resenhas, deve-se efetuar estudo de textos recentemente publicados ou de obras consideradas clássicas na área. No texto da resenha deve constar: referência bibliográfica completa da obra, descrição sumária da sua estrutura, indicação do conteúdo geral e tópicos fundamentais, dados biobibliográficos do autor, análise das idéias contidas na obra; m) os documentos devem ser transcritos, buscando-se preservar, tanto quanto possível, as características originais. Deve-se informar, pelo menos, referência bibliográfica completa e localização do mesmo (arquivo, bibioteca); n) a correção ortográfica e gramatical do texto cabe aos autores; o) os editores farão alterações que julgarem necessárias no texto, com vistas a adequá-los ao padrão editorial revista; p) a colaboração para com a RHE/Asphe é gratuita e não implica em vínculo de qualquer natureza com a revista ou com a Asphe; q) os textos publicados representam a expressão do ponto do vista de seus autores e não a posição oficial da RHE/Asphe. Endereço para contato: rhe.asphe@gmail.com http://seer.ufrgs.br/asphe (55)3221-1134

História da Educação - RHE

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4ª capa

REVISTA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Publicação quadrimestral da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação - Asphe

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