Nosso Deus Exagerado Orville Swindoll Encuentro em Cristo No. 1 – Março / 1986
Em questões religiosas geralmente temos a tendência de nos acomodarmos pelo grau de sobriedade, moderação e cautela que caracteriza nossa conduta. Normalmente nos ofendemos quando nos confrontamos com os que chamamos de “fanáticos”. Parece normal expressar entusiasmo no campo de futebol, no aniversário de um amigo íntimo ou nas festas de fim de ano. Mas nunca na Igreja! Por favor! No entanto, algumas vezes parece que até Deus lança mão de seu entusiasmo e transborda a medida da prudência. Poucos de nós pensamos que essa seja a maneira normal de Deus se dar a conhecer. Mas ao contemplar o grande evento do derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, por exemplo, encontramos um claro indício da disposição de Deus em exagerar na medida.
Chegou o Dia Efetivamente, quando Deus derramou seu Espírito sobre os primeiros discípulos, todos foram cheios, profetizaram, falaram em línguas e deram testemunho das maravilhosas obras de Deus. Pareciam bêbados fanáticos. Imediatamente a rua se encheu de judeus curiosos por sabre o significado daquele acontecimento estranho. Para responder a eles, Pedro lançou mão de uma passagem do profeta Joel, dizendo: At 2:17-18 ‘Nos últimos dias, diz Deus, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os jovens terão visões, os velhos terão sonhos. Sobre os meus servos e as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e eles profetizarão.
Quando Joel profetizou isso séculos antes, antecipava um tempo futuro: “os últimos dias”. Como profeta, contemplava uma época vindoura, quando Deus operaria de maneira desconhecida, derramando graça, concedendo visões e sonhos, atingindo todas as diferentes classes sociais. E agora, Pedro anuncia que esse dia chegou! Os “últimos dias” já começaram. A linguagem nos insta a reconhecer que “os últimos dias” se referem ao período de tempo desde o dia do Pentecostes até o retorno do Senhor Jesus à terra. Nós, então, vivemos dentro desse período de graça determinado pelo próprio Senhor. Isso significa que durante todo esse período – que até agora compreende quase dois mil anos – a disposição de Deus continua a mesma.
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Característica principal: O Exagero Divino Segundo a visão que Deus deu ao profeta, a principal característica dessa era de graça se encontra na frase: “Derramarei do meu Espírito”. A palavra chave é derramar, que significa verter, inundar, espalhar. A ideia é a de derrubar o conteúdo de algo sem levar em conta o tamanho ou a capacidade do recipiente. Se uma pessoa sedenta me pede um copo d’água e eu não somente lhe encho o copo, mas continuo derramando água de modo que lhe molho a mão, o braço, os pés, a roupa e ainda deixo uma poça d’água no chão, fica evidente que houve um derramamento. É um exagero! Precisa muita água! Algo semelhante acontece quando Deus derrama seu Espírito. Ele derrama muito, derrama mais do que o necessário. Não só satisfaz as necessidades de seus servos, mas continua derramando, vertendo, transbordando. Ficou gravada em minha memória uma cena que aconteceu em uma série de reuniões há alguns anos. Deus estava nos abençoando grandemente e, toda noite, ao terminarmos o ministério da Palavra, ficávamos orando com aqueles que queriam ser cheios do Espírito Santo. Um jovem seminarista estava no grupo suplicando, quase com angústia: “Oh, Deus, quero beber de teu rio. Enche-me esta noite!”. Quando lhe impusemos as mãos em oração, o Senhor o fez transbordar de tal maneira que ele não sabia o que fazer consigo mesmo. Chorou! Gritou! Falou a Deus em outras línguas! Saltou! E finalmente transbordou em gozo. Na noite seguinte esteve na reunião novamente e foi impossível contê-lo. Enquanto adorávamos ao Senhor, esse poderoso rio saltou de seu interior e ele gritou: “Deus o que faço com tanta água?!”. Não devemos estranhar que Deus opere com tanta abundância e efusividade. Todos seus atributos divinos são infinitos, perfeitos e eternos. Seu poder não tem limites. Seu amor não tem fim. Sua graça é infinita. Assim também são sua fidelidade, sua justiça e sua santidade. O que Pedro disse no dia de Pentecostes é que em toda essa era da Igreja, Deus vai se dar a conhecer dessa maneira: Um Deus abundante. Um Deus efusivo. Um Deus exagerado!
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Pães e Peixes Demais Jesus foi o precursor dessa nova época. Mateus relata em seu evangelho (Capítulo 14) um evento que deve ter marcado como fogo a mente dos discípulos. Jesus havia passado muito tempo ministrando a uma grande multidão que o seguiu até um deserto. Quando anoitecia, “aproximaram-se seus discípulos dizendo: O lugar é deserto, e já está tarde; despede à multidão para que vá às aldeias e compre o que comer”. Mas o mestre lhes disse: “deem-lhes vós de comer”. Essa proposta inesperada deixou os discípulos consternados. Não tinham nada. Nem dinheiro, nem comida. Como, então, Jesus podia dar-lhes essa ordem? Dos quatro evangelistas, João é o único que conta quem proveu a “matéria prima” para solucionar o dilema. Um menino que levava consigo uma pequena merenda – o suficiente para um jovenzinho de pouca idade – a ofereceu a André para que a levasse a Jesus. Nota-se que André não vê no gesto generoso do menino nada que pudesse resolver o problema. Talvez pela insistência do jovem, mais do que por sua própria vontade, tenha levado os pães e peixes ao Mestre, com as desculpas que, ao ser parecer, pareciam adequadas: “aqui está um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isso para tanta gente?” (Jo 6:9). Com a mais absolta tranquilidade e fé Jesus fez sentar toda aquela gente ordenadamente, como os estivesse preparando para a comida. E seguida, elevou o alimento do menino ao céu e deu graças. Finalmente, repartiu entre seus discípulos os pães e peixes, ordenando-lhes que os entregassem as pessoas que estavam sentadas. Só podemos imaginar a confusão e consternação dos doze. Não há nenhum indício que eles tenham feito a partilha com fé. Mas em sua obediência viram o maravilhoso operar de um Deus exagerado. O relato bíblico é bem sucinto, mas destaca um ato simples e contundente. Depois que toda a multidão – que consistia em cinco mil homens, sem contar as mulheres e crianças – comeu até saciar-se, sobrou comida! Sobraram doze cestos cheios! Todos se maravilharam, mas poucos foram além da multiplicação dos pães e peixes. No entanto, chama a atenção que sobrou muita comida. Também chama a atenção que Jesus ordenou que juntassem os pedaços que sobraram, como se quisesse ensinar uma lição com os doze cestos cheios. Qual é a lição? É o fato que Deus não é um frio calculador. Quando age para suprir nossas necessidades ele passa da medida. Não se limita aos parâmetros conhecidos. Opera sem limites. Exagera na medida. Página | 3
Nosso Deus Exagerado Que necessidade havia de tanta comida? Deus não saia qual a medida certa? Por que sobrou tanto? A única resposta é que Deus é assim. Ele dá... e dá... e dá. Ele enche o jarro... e segue derramando de sua graça amor e poder... até deixar todos maravilhados e confundidos. Não podemos querer limitar a Deus. Parece que alguns estudiosos da Bíblia supõem que esta seja a tarefa da teologia: delimitar a Deus. Defini-lo. Encarcerá-lo. Estabelecer com precisão os parâmetros pelos quais ele deve operar. Mas não é assim. Deus se dá a conhecer com abundância, com exagero. Ele faz além da medida.
As Redes Rompidas Em outra ocasião, Jesus aparece muito cedo no mar de Tiberíades (Jo 21:111). Sete de seus discípulos haviam passado a noite pescando ali sem o menor êxito. Ainda não havia se dissipado a escuridão da noite, de modo que os discípulos não reconheceram que era Jesus que estava na praia. Então ele levanta a vós e lhes pergunta: “Filhos, vocês tem algo para comer?”. Eles responderam: “não”. E então Jesus disse: “Lancem a rede do lado direito do barco e vocês encontrarão”. Eu imagino Pedro – o grande pescador, o que conhece o movimento dos peixes, o que entende do mar, o mestre das embarcações – agora perplexo, confuso e, talvez, um tanto desgostoso de que alguém lá na praia lhe ensinasse seu ofício. Pedro novamente obedece. Lança a rede... como já a havia lançado tantas vezes, espera alguns momentos até que ela chegue ao fundo do mar, mas quando tenta levantá-la, parece que se enroscou em algum lugar, não consegue recolhê-la. O texto de João diz assim: “Já não conseguiam recolher a rede, tal a quantidade de peixes”. Isso já havia acontecido a Pedro quase da mesma maneira (Lc 5:1-11). Mas naquela ocasião “a rede se rompia”. Eu pergunto: Por que fazer a rede se encher tanto? Na primeira ocasião a rede se rompia, na segunda não podiam recolhê-la. Por que esse exagero? É porque Deus é assim. É exagerado. Acontece. Nos dois casos Pedro fica assombrado e logo se rende, humilhado. Disposto a servir a Jesus de todo seu coração.
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Nosso Deus Exagerado Será que nos resta alguma alternativa diante de semelhante demonstração de graça e poder? Se Deus é assim, não podemos fazer nada a não ser nos render a seus pés.
Todos me conhecerão Se revisarmos o Antigo Testamento, veremos que Deus sempre foi assim. Quando Enoque começou a caminhar com Deus, não tinha ideia de onde isso o poderia levar. Mas certo da, desapareceu, por que Deus o levou. Quando Deus se revelou a Moisés no monte Sinai, mostrando sua gloria, quase o matou. Quando Saul foi buscar as jumentas de seu pai, e por engano, foi parar entre os profetas de Israel, o Espírito Santo o tomou e ele profetizou, e ele não era profeta nem por vocação nem por formação. Quando Salomão dedicou o luxuoso templo que havia construído para oferecer sacrifícios e culto a Deus de Israel, o Espírito Santo se derramou de tal forma que o santuário se enchia de uma densa nuvem e os sacerdotes não podiam ministrar. Deus é assim! É exagerado em sua revelação. É exagerado em sua obra entre os homens. Nunca nos deixará limitá-lo a uma linha conhecida. Rompe todos os esquemas. Ultrapassa todas as fronteiras. Confunde todos os homens.
Que diferença faz? Mas se é assim e sempre tem sido assim, que diferença faz a profecia de Joel citada por Pedro no dia de Pentecostes? Que diferença há entre essa era da Igreja e a de Israel no pacto antigo? A própria profecia apresenta algumas das diferenças. Ainda que não possamos limitar ao Deus, existem diferenças que são apontadas nessa passagem. Talvez o mais destacado seja o fato de que na era do Espírito Santo, todos podem participar da plenitude de Deus. Filhos e filhas, jovens e velhos, servos e servas. Quer dizer, não há distinção de classe social, idade, vocação, nem de lucidez intelectual. Todos podem receber a promessa do Espírito Santo. Uma das promessas mais formosas compreendidas nos termos do novo pacto – profetizada no Antigo Testamento e concentrada no Novo – é a promessa do Senhor: “Todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles” (Hb 8:1). Já não é possível haver cristãos de primeira classe, cristãos de segunda classe e outros de terceira classe. Não. Pois todos tem acesso a Deus. O único mediador é Jesus Cristo, que por sua obra de redenção no Calvário, nos limpou com seu sangue,
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Nosso Deus Exagerado fazendo-nos aceitos por Deus. Justificados de nosso pecado e nossa rebelião, fomos adotados como filhos amados de Deus. O Novo Testamento ensina claramente que todos podem desfrutar da presença de Cristo e da vida eterna (Jo 3:16, 6:37, At 2:21, 10:13). Todos podem receber a promessa do Espírito Santo (At 2:39). Assim aconteceu no dia de Pentecostes (At 2:4), na casa do centurião romano Cornélio (10:44) e com os discípulos que Paulo batizou em Éfeso (At 19:6-7). Todos os cristãos podem profetizar (1Co 14:1,31). Os dons são concedidos a todos (Rm 12:3, 1Co 12:7). Paulo escreve aos irmãos de Corinto dizendo “gostaria que todos vocês falassem em línguas” (14:5). Com Deus não há acepção de pessoas (Rm 2:11, At 10:34). Todos são condenados por seu próprio pecado e rebelião (Rm 3:23); todos prestarão contas a Deus (Rm 14:2); todos devem se arrepender (At 17:30-31); e todos podem experimentar em Cristo o perdão e a salvação (Jo 3:16). Para fechar com chave de ouro, Pedro cita a profecia de Joel com as seguintes palavras: “e todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”.
Profecias, sonhos e visões Além disso, segundo Pedro e Joel, os “últimos dias” serão caracterizados por uma disposição assombrosa do Senhor em dar revelação espiritual aos seus. Mencionam-se especificamente profecias, sonhos e visões, indicando que a experiência será muito generalizada. De fato, o livro de Atos confirma essa asseveração, pois na Igreja primitiva abundava a operação do Espírito Santo por meio de profecias, sonhos e visões. Não podemos deixar de perguntar: “como seria a experiência dos primeiros cristãos sem estes elementos espirituais?”. Claro, esse tipo de experiência não é uma novidade do Novo Testamento. A intervenção de Deus por meio de sonhos, visões e profecias nota-se desde o início da história bíblica. Deus instruiu a nascente nação de Israel e deu a conhecer por meio de seus profetas através de sonhos, visões e profecias (Nm 12:6). A diferença fundamental é que na nova aliança isso se generaliza para todos os que são de Cristo. Entre os primeiros cristãos era uma coisa perfeitamente normal e comum Deus falar dessa maneira. Foram guiados sobrenaturalmente, advertidos de perigos, consolados em situações deprimentes, edificados e exortados por meio de profecias sonhos e visões. Não devemos estranhar então que Deus aja atualmente da mesma maneira, pois ainda vivemos nos “últimos dias”.
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Nosso Deus Exagerado Esse é o tempo demarcado por Deus no qual ele se derrama. Essa vertente celestial está aberta na Igreja e, sem dúvida, romperá nossos esquemas limitados e abrirá nosso entendimento. Abramos o coração ao mover do Espírito Santo! Deixemos que ele opere muito além do que temos permitido até aqui. Ele é o Soberano Senhor. E nosso Deus exagerado.
Tradução: Ricardo de Paula Meneghelli www.odiscipulo.com
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