Coito Cerebral - Rapidinhas #2 - Maio de 2009

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O PACOTE COMPLETO DE PATRÍCIA MELLODI Com canções simples e verdadeiras, cantora prova que é exceção em um mercado voltado para o samba por_RICARDO RODRIGUES fotos_LUIZA TRIGO

“Pensei que não fosse conseguir cantar aquilo nunca. Mas decorei as letras, palavra por palavra, e logo estava cantando em cerimônias de circuncisão” É inegável o fato de que o samba sempre exerceu forte influência no mercado musical brasileiro. No entanto, o gênero, que por um tempo pareceu esquecido, ressurgiu nos últimos anos amparado por uma diversidade de vozes femininas de gerações diferentes, tornando-o cult. Maria Rita rendeu-se à musicalidade que é, inegavelmente, um símbolo de identidade nacional. Mas ela não está sozinha. Recentemente, jovens artistas, como CéU, Mariana Aydar e Roberta Sá ficaram conhecidas ao utilizarem os mesmos elementos em seus trabalhos, provando que o mercado atual privilegia essa vertente.

Mas existem cantoras da mesma geração que, em busca de simplicidade das melodias e através da expressão de suas letras, encontram uma fórmula para a exceção. É o caso da piauiense radicada no Rio de Janeiro Patricia Mellodi. Divulgando o álbum Pacote mais que completo (Saladesom

Records), Patricia apresentou suas músicas em um pocket show na Livraria Cultura, em Porto Alegre, no dia 5 de maio.

Apesar de ainda não ser um nome muito conhecido no circuito nacional e ter uma carreira relativamente curta, Patricia é veterana. Com um repertório de composições vasto e maturidade suficiente para encarar projetos inusitados, sua história chega a ser pontuada pela comédia em alguns momentos. “Na época em que cantava na noite carioca, onde não havia mais tanto espaço para a MPB, um amigo que tinha uma banda cover no mesmo lugar onde eu me apresentava me chamou para cantar com ele. Era uma banda judaica. Fui fazer um teste, e pensei que não fosse conseguir cantar aquilo nunca. Mas decorei as letras, palavra por palavra, e logo estava cantando em cerimônias de circuncisão”, conta, entre risadas.

“A gente consegue sair das situações difíceis com mais facilidade, a banda de baile te dá um jogo de cintura muito grande.

Todos os anos em que cantei na noite me deram experiência, ganhei dinheiro, mas chegou uma hora em que eu escolhi ser cantora autoral” Sobre cantar na noite, Patrícia afirma que as bandas de baile, que fazem repertório cover, possibilitam ao cantor um reconhecimento rápido, na medida em que cantam um sucesso já aprovado pelo público. Ainda, ajuda a trabalhar os erros e administrá-los com facilidade, mas garante que existe um lado ruim. “A gente consegue sair das situações difíceis com mais facilidade, a banda de baile te dá um jogo de cintura muito grande. Todos os anos em que cantei na noite me deram experiência, ganhei dinheiro, mas chegou uma hora em que eu escolhi ser cantora autoral. Tenho um orgulho muito grande daquela época, mas, conforme me disse Djavan um dia, 'saia da noite, antes que você nunca mais consiga'. Aí você fica marcado”, afirmou. No final dos anos 1990 foi convidada a fazer backing vocal na retomada da banda Blitz.

“Com uma carreira pequena, seria impossível eu ter a chance de tocar com a estrutura da Blitz. Então eu brinco com o

Evandro, quando digo que tirei uma casquinha desse período”, disse. Logo depois, teve composições gravadas por Ney Matogrosso e emplacou a canção Se amor na novela Porto dos milagres, da Rede Globo. Mas foi com a entrevista no Programa do Jô, em 2006, que Patrícia chegou à um público maior. “Eu escrevi uma carta e enviei para a produção. Deu certo!”. Na ocasião interpretou a canção Rosa guerreira.

Ao falar sobre o atual mercado musical brasileiro e os artistas que tocam samba, Patricia é categórica. “A gente têm dois movimentos aí: o movimento ‘modernoso’, que brinca com sons, com a estética, o qual tem um monte de gente no Rio e São Paulo fazendo, que são bandas trabalhando com a mistura de ritmos. E tem uma galera que é de raiz, que busca na essência, e estão tendo muita saída”. Afirma que não é cantora de samba, mas um projeto recente acabou lhe inserindo

“O compositor é um pouco pai-de-santo. É assim que eu me sinto, eu simplesmente recebo as letras. Quando compus essa canção, podia ouvir claramente as vozes femininas que inserimos no começo da música, e era dia de São Jorge”

nesse universo. “Estou fazendo um espetáculo no Rio de Janeiro sobre as origens desse ritmo, chamado ‘A Bula da Cumbuca’, escrito por Celso Taddei e com direção de Márcio Trigo. Foi a primeira vez que cantei samba, e a música se mistura com o teatro. Tenho que dizer que é uma ousadia muito grande, afinal, cantar samba não é para qualquer um.

Concluindo essa história sobre o mercado: tem sim um pouco de modismo, mas é uma moda boa”, enfatiza.

Abrindo o pacote No início do show, Patricia confessa que iria se apresentar sem a sua característica rosa presa ao cabelo, pois havia esquecido a bolsa no táxi. “Há anos eu consegui sair do Piauí, agora não vou consegui sair de Porto Alegre”, brincou. Antes

de abrir com Rosa guerreira, disse que “o compositor é um pouco pai-de-santo. É assim que eu me sinto, eu simplesmente recebo as letras. Quando compus essa canção, podia ouvir claramente as vozes femininas que inserimos no começo da música, e era dia de São Jorge”, falou. A seguir cantou Sem amor, composição com Eugenio Dale, música de execução expressiva nas rádios cariocas. Pérola, que foi composta para uma amiga, está presente no álbum na versão normal e acústica. E é com a sua maior declaração de amor que interpretou Clara, em homenagem à sua filha. “Tudo me lembra você”, diz a letra. Em Às vezes, que lhe rendeu um videoclipe, Patricia brinca que gostaria de ser morena. Ao cantar Pacote completo, volta a mencionar as forças astrais, dizendo que tudo o que escreveu na letra realmente aconteceu. “Essa canção se tornou um hino pra os solteiros!”.

Para finalizar, uma de suas composições mais conhecidas,

Faxina geral, uma música que fala sobre reestruturar a própria vida. Patricia Mellodi é assim, de uma sensibilidade e simplicidade única. E faz questão de desfazer o mito que cerca o mundo artístico: “eu gosto de quebrar essa magia, o mistério que cerca o artista, porque eu sou uma mulher comum”.

Pacote mais que completo é uma bela caixinha de surpresas. Compondo quase todas as faixas, essa rosa guerreira apresenta um trabalho que mescla a sutileza e a força, através de letras tocantes e produção impecável. Destaque para a faixa Maniac, versão em português para o hit do filme Flashdance, em dueto com Michael Sembello.

Saiba mais em www.patriciamellodi.com.br