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Justificativa

Aimportância deste livro está definida pelo contexto histórico: vivenciamos um período em que as políticas públicas e a sociedade defendem o incentivo ao ensino técnico, voltado especialmente à capacitação profissional dos estudantes de Jornalismo para que estejam atualizados no mercado de trabalho a partir das inovações das tecnologias. A investigação presente neste livro segue no contraponto teórico do que se vislumbra como pós-modernidade: a cultura enquanto manifestação política exige, de forma intensa desde a década de 60 do século XX, uma mudança de significado e, porque não considerar, uma formação universitária plural e teórica para entender a produção de sentido no cotidiano popular.

Esse embate se estabelece ora impondo o pragmatismo na formação técnica do estudante, ora exigindo do profissional atualizado um arcabouço teórico para o exercício do ser jornalista como responsabilidade social. Este livro se propõe a ser um importante exercício teórico-metodológico para avaliar as consequências trazidas pela priorização ou abdicação deste modelo educacional na construção da identidade do sujeito jornalista e nas tensões durante o exercício profissional cujo propósito é representar o plural.

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A área do jornalismo é um tênue campo de confronto entre essas duas frentes. Há quem defenda que o curso deva sair do interior da formação denominada “Comunicação Social” porque se perde em temáticas de outras áreas das quais a generalização só se compromete com a formação prática do jornalista. Há quem defenda o contrário: o aprendizado técnico pode ser feito durante o exercício da redação, mas a base conceitual que remete ao jornalista como intelectual deve ser construído na academia.

Todavia, este debate, muitas vezes, acontece de forma superficial e desconsidera todo o macroambiente do jornalismo.

Para mergulhar neste confronto dialético, cabe questionar: Qual é realmente a realidade enfrentada pelos estudantes formados ao entrarem no mercado de trabalho? Em que momento a universidade ao reduzir a formação acadêmica à atualização tecnológica não compromete a própria construção social de identidade do jornalista enquanto responsabilidade pública? Em que momento a recusa ao outro extremo, de incentivar somente o conceitual, leva o recém-profissional a ser marginalizado pelo discurso do progresso irreversível? Quais são realmente as tensões e conflitos vivenciados pelos jornalistas e inscritos na memória diante dessas duas esferas de valores que passam a ser exigidos no contexto de pós-modernidade? Essas discussões, portanto, não coloca em questão apenas uma nomenclatura, mas uma gama de conceitos, vivências, ideias e teorias.

As discussões sobre a presença de componentes práticos e teóricos nos cursos de jornalismo não são recentes. O ensino de Jornalismo tem passado por transformações ao longo dos anos, principalmente após ter se “profissionalizado” no século XX. No Brasil, esteve fortemente influenciado pelas correntes europeias até o período da ditadura militar, quando aproximou-se mais do modelo estadunidense.

“A atividade jornalística é comercial e burguesa desde sua origem, em Gutemberg. Entretanto, com o advento do Jornalismo

Informativo no Brasil instaurou-se o processo de profissionalização da área. O fechamento do mercado de trabalho em jornalismo vinculou o exercício da profissão aos portadores de diploma universitário. A demanda por jornalistas com formação universitária era procedente de uma orientação americana da nova técnica de se fazer jornalismo. Contudo, as universidades brasileiras possuíam uma estrutura européia de ensino. Desta forma, os cursos de formação em Jornalismo foram estruturados em dois eixos de ensino: o técnico e humanístico.” (DIAS, 2012, p. 7)

Em que momento a hierarquização da prática sobre a teoria, vislumbrando uma lógica de mercado, define os graus de conflito enfrentados pelo sujeito na sua construção prática como jornalista? Este é um ponto de inevitável convergência das reflexões deste estudo. O que se pretende aqui é observar, dentre outros aspectos, as consequências da dissociação da teoria e da prática na construção dos profissionais que ocupam, hoje, cargos jornalísticos em emissoras de TV, de rádio, da mídia impressa, da mídia online e de assessorias de imprensa. Ao mesmo tempo em que mergulhamos no processo de formação, este livro contribui para refletir sobre os atuais currículos dos cursos de jornalismo e o processo, pelo qual estão passando, de reformulação de suas propostas curriculares.

“O jornalismo não é, e possivelmente nunca será, encarado como uma ciência. (...) Não se faz nenhum tipo de concessão ao admitir que o jornalismo comporta uma dimensão técnica, mas isto não significa ruptura com a teoria. O jornalismo tem tudo a ganhar em contato com um saber comunicacional, tal como este também tira proveito desse contato, na medida mesmo em que alimenta boa parte do material de sua reflexão. Essa relação entre comunicação e jornalismo (e mesmo com as outras habilitações profissionais, já que não se trata de um caso isolado) relança o problema da epistemologia da comunicação, não a nega” (MARTINO, 2009, p. 29)

A importância deste livro, contudo, transpassa a reflexão acerca da formação jornalística e sobre os componentes curriculares desse processo. O que se almeja é alcançar o debate sobre a própria constituição dos indivíduos enquanto jornalistas, seja a partir de seu conhecimento intelectual, seja por meio das suas experiências, seja pela prática cotidiana. A memória e o pensamento de cada um dos entrevistados é um ponto de partida fundamental na elaboração deste livro, que visa conceder um tratamento humanístico ao assunto e fugir das concepções meramente teóricas.

O objetivo de problematizar a construção de identidade por meio da memória está justificado pelo contexto histórico em que denominamos como pós-modernidade. Ao priorizar a cultura como produção de sentido no cotidiano e na prática política nos defrontamos com a irrupção dos movimentos sociais, no contexto de comunicação, que exigem entender a realidade a partir de dois campos de luta. O presente, destituído do futuro como espaço de realização das promessas iluministas, torna-se o período de enfrentar a violência simbólica a partir da produção midiática realizada pelos próprios grupos sobre si mesmos. E o passado que, desvalorizado ideologicamente por ter sido ultrapassado pelo progresso econômico-tecnológico, configura-se como elemento essencial para se contrapor à violência física sofrida pelos sujeitos.

O passado e o presente se configuram como problema conceitual no contexto de hegemonia da comunicação. Por isso, o conceito de memória se funda como mediação para esse período de crise da modernidade ou pós-modernidade. É preciso estabelecer a importância de entender a memória no seu sentido metodológico e teórico. O primeiro aspecto, metodológico, está em entender o seguinte pressuposto: o pesquisador, ao se utilizar da memória, principalmente por meio de relatos obtidos de sujeitos como a identidade jornalista, deve estar consciente de que a profundidade da entrevista está fundamentada em como ele estabelece a relação com o outro. A proximidade do diálogo conquistada durante o processo comunicativo da entrevista se difere da atitude do comportamento profissional em que a impessoalidade é apresentada com teor de objetividade.

Entretanto, a concretização dessa distância objetiva na prática da entrevista revela o descompromisso do pesquisador em relação aos sujeitos. Descompromisso diante do seguinte problema: como qualificar essa distância diante da recusa em considerar a emoção dos depoimentos na narrativa, o silêncio, a pausa, o choro, a ansiedade, o sorriso, e a confiança depositada pelos entrevistados ao definir o melhor momento para tornar dizível o indizível? A intensidade da relação se dilui na lógica positivista da objetividade. Nesse processo, o sujeito é novamente objetivado e o valor da memória, que deveria ser o contraponto da coisificação sofrida por ele, perde-se em seu próprio reducionismo.

Por isso, é importante precisar que as emoções registradas nas entrevistas com os recém-formados ou com os profissionais com mais de 30 anos de formação não são considerados como acidente de percurso ou estratégia para fechar a imagem em close para “sensibilizar” o público. Ato contrário: o mergulho nas aflições vivenciadas pelos sujeitos deve ser estabelecida como material para pensar o sentido da sociedade e a responsabilidade social do processo de formação do jornalista na sua produção dialógica com a comunidade.

Um conceito fundamental neste livro é o de memória coletiva. Tanto Ecléa BOSI (1994) quanto Michel POLLAK (1992; 1989) utilizam-se da concepção de HALBWACHS (1990) de que a memória da pessoa está ligada à memória do grupo e das relações sociais que construímos. Esse processo modifica a percepção da memória e da realidade devido às diferentes relações sociais. BOSI cita que “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. [...] A lembrança é uma imagem construída pelas matérias que estão, agora, à nossa disposição” (1994:55).

Assim, a memória deveria ser entendida “como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes.” (POLLAK, 1992: 201), pois é ela que constrói o sentimento de identidade, individual ou coletiva, “na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (POLLAK, 1992: 204).

Outro aspecto teórico importante é que a análise dos conceitos de cultura, cotidiano e identidade no contexto de pósmodernidade estão articulados na Teoria dos Estudos Culturais e na produção de quatro autores como referência: Raymond

WILLIANS, Stuart HALL, Edward THOMPSON e Richard

HOGGART. E como nos narra Agger apud ESCOSTEGUY, há uma concepção de cultura da qual marca a particularidade dos Estudos Culturais: ESCOSTEGUY:

“O grupo do CCCS amplia o conceito e cultura para que sejam incluídos dois temas adicionais. Primeiro: a cultura não é uma entidade monolítica ou homogênea, mas, ao contrário, manifesta-se de maneira diferenciada em qualquer formação social ou época histórica. Segundo: a cultura não significa simplesmente sabedoria recebida ou experiência passiva, mas um grande número de intervenções ativas – expressas mais notavelmente através do discurso e da representação – que podem tanto mudar a história quanto transmitir o passado” (HOHLFELDT, 2001, p. 156)

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