SENSO INCOMUM 044 - ABRIL/MAIO 2109

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Jornalismo UFU Ano 10 • 44ª 43ª edição Jan/Fev de 2019 Abr/Mai Distribuição gratuita

comum

senso

Estudantes vivem os cortes de 50 anos dode AI-5: memórias bolsas pesquisa da ditadura

Caderno especial

5a Páginas 6 e8 7

Vida na Políticas universidade

Iniciativa Terceirização de filmar dos funcionários professores na compromete universidade liberdade precariza na a qualidade academia do trabalho Página Página 33

Diversidade Ciência e tecnologia UFU é destaque no Assessoria Jurídica organiza desenvolvimento cerimônia coletivade de patentes, mas sofre pela casamento LGBTQ+ demora nas concessões Página45 Página

Saúde Vida na universidade Projetode Família Banco LeiteAcolhedora Humano da propõe nova forma deeinclusão UFU beneficia mães recéme incentiva ação social nascidos Página Página10 9


DA REDAÇÃO EDITORIAL//

O desmonte da educação pública No dia 30 de março, a UFU anunciou o cancelamento de 238 bolsas de Iniciação Científica. Um mês mais tarde, no dia 30 de abril, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o bloqueio de 30% na verba das instituições de ensino federais. Em maio, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou a suspensão de bolsas de mestrado e doutorado. Os estudantes de diversas instituições se mobilizaram pelo país em uma manifestação apartidária em defesa da educação. O cenário preocupa e não é por menos. A pesquisa científica é um dos pilares da universidade, junto ao ensino, e extensão, em especial a pesquisa das instituições públicas de ensino superior; é a maior fonte de trabalho científico do Brasil. Os frutos desse trabalho promovem o

avanço econômico e social do país e da sociedade brasileira. As pesquisas feitas nessas instituições geram progresso e melhorias na qualidade de vida da população em geral, desde as contribuições aplicadas mais evidentes, como na saúde e tecnologia, até a ampliação e difusão de saber nas mais diversas áreas de conhecimento. Além disso, o cancelamento e a suspensão de bolsas afetam diretamente os estudantes que, muitas vezes, utilizam do valor do incentivo para se manter na universidade. A “V Pesquisa Nacional de Perfil dos Graduandos das Instituições de Ensino Superior – 2018” , realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), revelou que 64,4% dos estudantes da

UFU que responderam o questionário têm renda per capita de até 1,5 salário mínimo; não são poucos os alunos cuja renda não é abundante. Independentemente do nome que o bloqueio recebe, seja contingenciamento ou corte, o fato é que ele afeta os estudantes, as universidades e, a longo prazo, o país como um todo. Por tudo isso, devemos parabenizar estudantes de graduação e pós-graduação que, apesar de perderem a bolsa de incentivo, decidiram e puderam seguir em frente com suas pesquisas. Devemos também saudar todos os que não perderam a esperança de chegar à faculdade e se dedicar ao máximo, a despeito dos recursos em crescente escassez. Contra os ataques materiais e simbólicos, a universidade pública com ensino de qualidade persiste e resiste. 

CRÔNICA//

Outros devaneios ZILÁ CARVALHO Escrever pode ser um processo trabalhoso e arrastado. Os minutos rastejam enquanto pensamos, olhando para a branquitude de um espaço que quer ser preenchido, pensando em qual a melhor forma de fazê-lo. O que alguns escritos despertam pode nos fazer transcender a consciência de nós mesmos e de nossa realidade por alguns instantes. Ainda não tão segura sobre minha capacidade de traduzir meu olhar sobre o mundo para o papel, decidi falar sobre algo que me leva a reflexões diversas: os meus pequenos prazeres da rotina. Tranquilidade, para mim, é abrir a porta da minha casa depois de um dia agitado e ver a luz

do sol entrando, colorindo as paredes com uma cor, o ambiente, com uma luz, que acredito serem o significado do que é brilho. Mas, não é estranho que, no meio de todas essas reflexões compassadas e tranquilas, eu seja invadida por um sentimento de culpa mesclada ao desalento por reconhecer que eu, dentre milhões de pessoas no meu país, possa sentir essa luz nos meus dias, em quase todos, enquanto os outros não podem? A tomada de consciência sobre o abismo social, a dança das cadeiras da luta de classes, jogo viciado em deixar sempre as mesmas pessoas sem lugar para sentar, afinal de contas, não seria

a responsável por nos conduzir a uma vida de “felicidade” incompleta? Não sei. Mas sei que as palavras são capazes de materializar um espaço que é menos controlado pelas forças que disputam o controle das percepções alheias ; esse espaço abstrato, onde um texto é capaz de ser a rachadura por onde se espreme a existência de tantos, que, por um momento, foram notados, foram sentidos, revela que todos formam uma coisa só, um mosaico complexíssimo, mas que, em sua totalidade, é o presente. Não há como fugir do presente. Podemos abstrair a feiura, de fato, mas nossas pernas são curtas para escapar dela por completo. 

Reitor Valder Steffen Jr. ­ Diretora da Faced Geovana Ferreira Melo ­ Coordenador do Curso de Jornalismo Marcelo Marques de Araújo ­ Professor e Jornalista Responsável Nuno Manna ­ Editor-Chefe Nuno Manna

­ Revisão Gabriela Petusk ­ Foto de capa Ana Eliza Barreiro ­ Repórteres Amanda Marques, Ana Eliza Barreiro, Gabriela Petusk, Juan Madeira, Melissa Ribeiro, ­ Produção de Fotoensaio Ian Muniz, Isadora Braga, Fernanda Neves, Luis Fellipe Borges, Mariana Palermo - Diagramação Gabriela Petusk Finalização

Pedro Henrique de Paula Santos

Ricardo Ferreira de Carvalho - Tiragem: 2000 exemplares - Impressão Imprensa Universitária - Gráfica UFU - sensoincomumufu@gmail.com - www.sensoincomum.net

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VIDA NA UNIVERSIDADE

Página em rede social convoca alunos a filmarem professores A chamada “Operação Paparazzo” ataca a liberdade de ensino e compromete ambiente universitário DA REDAÇÃO

CELULAR VIRA INSTRUMENTO DE VIGILÂNCIA IDEOLÓGICA A PROFESSORES EM SALA DE AULA - FOTO: MELISSA RIBEIRO

No dia 27 de abril, um post no Facebook de uma página chamada “Endireita UFU” convocava, em tom de competição: “QUEM FILMAR MAIS DOUTRINAÇÕES GANHA!”. O chamado dizia: “O Endireita UFU vem por meio desta dizer que vocês podem e devem registrar atos irregulares de docentes e funcionários públicos. A Constituição Federal de 1988 (CF88) não prevê nenhum tipo de punição para aqueles que filmem docentes em sala ou funcionários públicos em seus ambientes de trabalho.” Em uma manobra para contornar o texto constitucional, o post propunha: “Você pode estar filmando a aula para apenas fins educacionais, ou você pode apenas estar mostrando aos seus ‘seguidores’ como ‘seu caderno é legal’ em um vídeo. Você não tem culpa se houver a voz de um docente ao fundo doutrinando alunos.” O texto finalizava com o convite: “Que tal ser um paparazzo? #VaiTerEndireitaUFUSim”. Em meados de maio, a página já havia sido apagada. Ao tomar conhecimento do post da dita “Operação Paparazzo”, o reitor da UFU Prof. Valder Settefen buscou reafirmar que as uni-

versidades são espaços educativos, de construções de saberes. “A posição da universidade é educativa. O ambiente tem que ser de liberdade, em que as opiniões, sendo as mais diversas, sejam respeitadas. Isso é próprio de um Estado democrático de direito”. A fala do reitor se ampara em uma série de mecanismos de proteção da livre expressão de ideias e de ensino, assegurados em artigos da Constituição Federal, Ministério Público, Defensoria Pública e pela própria Universidade. Quatro meses antes, no dia 21 de dezembro de 2018, o reitor da UFU, Prof. Valder Steffen, por recomendação do Ministério Público Federal e do Ministério Público de Minas Gerais, publicou a portaria de n º 1254. O documento explicita no seu primeiro artigo: “A livre manifestação do pensamento no exercício da cátedra é princípio para a existência da Universidade”. Ele explica que a “gravação de vídeos e de áudios durante a realização de aulas e demais atividades de ensino somente é permitida mediante consentimento expresso de quem será filmado ou gravado”. O texto orienta também que, diante

do descumprimento da norma, o caso deve ser encaminhado à Direção da respectiva Unidade Acadêmica para as devidas providências. A recomendação tinha como objetivo garantir um conjunto de prerrogativas de direitos, como a liberdade de expressão, prevista no artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal Brasileira de 1988. Este direito é tido como fundamental ao ser humano e também necessário à sobrevivência de um Estado democrático. Aplicado ao ambiente educacional, a constituição também prevê, no artigo número 206, que nos espaços de aprendizagem é garantida a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte do saber. Para o Prof. Alexandre Walmott, docente da Faculdade de Direito da UFU, essa espécie de incentivo à fiscalização em ambiente de ensino, ao ser analisada em seu maior grau de gravidade, configuram atos ilícitos tanto contra a administração da universidade quanto contra a honra, a imagem e o respeito à pessoa do professor. Ele reforça que gravações e fotos podem ser feitas de forma eventual, apenas a partir de um acordo mútuo entre professor e aluno. “Eu mesmo permito, pois, alguns alunos querem usar como material de estudo, mas não com o objetivo de fazer qualquer tipo de patrulhamento, censura ou algo parecido”, relata. Não cumpridas essas orientações, Walmott observa que há implicações administrativas e criminais: “Os professores podem pedir judicialmente reparação por danos morais e por utilização indevida de imagem, além de sanções dentro das próprias instituições”. Para ele, há um problema de raiz em iniciativas como essa: “Quem são essas pessoas para se considerarem autorizadas a dizerem qual é o padrão ideológico para uma manifestação?”. O professor questiona a prepotência dessa proposta de vigilância ideológica em sala de aula: “Essa pessoa supõe que pode fazer cobranças como se os outros fossem ideologizados e ela não. Isso é descabido e autoritário, e não cabe no ambiente universitário.” 

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SENSO ENTREVISTA

O Podcast “Chutando a Escada” completa 100 episódios de diálogo e resistência O professor Filipe Mendonça fala sobre onde se encaixa seu programa no país hoje ANA ELIZA BARREIRO conta um pouco sobre o programa, que, em abril de 2019, alcança a marca de 100 episódios, com um público médio de 25 mil ouvintes por “chute”. Senso Incomum: Qual é o objetivo central do “Chutando a Escada”? Nas Ciências Políticas, falamos que não existe vácuo na política. Se existe um espaço, ele será ocupado. Acreditamos que é preciso ocupar os espaços de fala para poder dialogar com a sociedade. Achamos que tem muita coisa boa sendo feita na universidade que não reverbera. Então a gente precisa criar espaço como um megafone, para amplificar coisas interessantes para que mais pessoas escutem. Não temos vínculo institucional e não ganhamos dinheiro, então o que arrecadamos é para pagar a própria produção. O objetivo não é lucrar, queremos mesmo é que o projeto se pague e que continue funcionando. Como se deu a criação do programa?

PROFESSOR FILIPE MENDONÇA FALA SOBRE SEU PODCAST DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA - FOTO: ANA ELIZA BARREIRO

Fundado em maio de 2017 pelo professor de Relações Internacionais da UFU Filipe Mendonça, o podcast “Chutando a Escada” é um projeto de divulgação científica que debate questões de política nacional e internacional com um toque de bom humor e leveza. Hoje o programa conta com a parceria de outros docentes da área de RI – Carol Pavessi (PUC – MG), Débora Prado (UFU) e Geraldo Zaran (PUC – SP) movidos pela vontade de dialogar para além dos muros universitários sobre os mais variados temas que que atravessam nosso cotidiano de maneira direta ou não. Conversas de peso já foram realizadas com pesquisadores como Esther Solano, da UNIFEST (episódio “A Bolsonarização do Brasil”) e Joane Perone, da Oxford University (episódio “O Feminicídio no Brasil e no Mundo”). Mendonça nos

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Isto tudo começou em 2014, comigo na rádio UFU [Filipe apresentava o programa “Conexões Internacionais”]. Nesta brincadeira de apresentar para a rádio UFU, fui aprendendo a editar. Até que me surgiu um impasse: sete minutos de programa era pouco, o alcance da rádio UFU era regional, e meus amigos que estão longe não escutavam. Decidi então que iria fazer o “Chutando” e gravei os pilotos. Depois dessa trajetória meu amigo Geraldo Zaran falou que gostou da iniciativa e pediu para que gravássemos algo nosso, e assim surgiu nosso 1º programa. Sobre este nome inusitado, “Chutando a Escada”, o que ele representa? Quando eu optei por fazer um podcast sem vínculos institucionais, busquei por um nome diferente daquele usado na rádio. Fiquei rodando em círculos, até me deparar com uma obra de um economista sul-coreano, Ha-Joan Chang, “Chutando a Escada: Estratégias de Desenvolvimento

em Perspectiva Histórica”. O autor brinca com a ideia de que as relações econômicas internacionais têm certo congelamento, e não é possível imaginar um mundo no capitalismo onde todos os países têm o mesmo grau de desenvolvimento ao mesmo tempo. Então esse termo faz essa ponte, entre aqueles que entendem academicamente o que ele representa e outros que no mínimo vão ficar intrigados. Logo pensamos em relacionar o nome com a personagem Nazaré Tedesco, que é a grande rainha de jogar os outros da escada. Então temos essa mitologia por trás do chute da escada, que significa que tem alguém ganhando mais e outros ganhando menos.

Acreditamos que é preciso ocupar os espaços de fala para poder dialogar com a sociedade.”

Qual a importância de um programa como esse no atual cenário? Nós temos um compromisso com princípios básicos, na maneira que enxergamos tanto as relações internacionais quanto a política nacional: os direitos humanos, as políticas afirmativas, as agendas das minorias, compromisso com mecanismos de bem-estar social e tantas ideias que a gente considera básica que acaba por nos darem um eixo editorial. O podcast é uma forma de resistir usando a tecnologia. Sinto que é bem como o Geraldo Zaran brincou em certo episódio que “se não fosse o podcast já teríamos estourado”, pois a conjuntura atual exige muito de nós. O podcast é também uma válvula de escape, pois conversamos com quem achamos interessantes, admiramos, e tem episódios que são verdadeiros refúgios para a alma. Então são três coisas que procuramos fazer: explicações de pesquisas científicas para o grande público, defesa de princípios e espaço de resistência. 


DIVERSIDADE

Projeto da UFU organiza cerimônia coletiva de casamento LGBTQ+ Assessoria Jurídica oferece apoio a casais socialmente vulneráveis AMANDA MARQUES Três de julho será o grande dia para 40 casais LGBTQ+ de Uberlândia, que se reunirão para celebrar sua união civil. A cerimônia coletiva de casamento é uma iniciativa do Projeto Somos, do Escritório de Assessoria Jurídica Popular (Esajup) da UFU, dedicado a casais homoafetivos em situação de vulnerabilidade social. As inscrições ocorreram entre 01 de março e 15 de abril a partir do edital lançado pelo projeto. O Somos é um projeto de extensão da UFU criado em outubro de 2018, e tem como objetivo garantir direitos fundamentais da população LGBTQ+. Algumas de suas propostas são desenvolver material informativo, promover cursos e palestras, e a intervenção por meio de instrumentos legais junto a instituições e órgãos públicos e privados. Além disso, integrando os propósitos gerais da Esajup, o projeto oferece assessoria jurídica para pessoas sem condições financeiras de arcar com advogados. Camila Paiva, uma das coordenadoras do projeto, afirma que houve um grande envol-vimento da comunidade de Uberlândia na iniciativa para a cerimônia coletiva de casamento. “Temos profissionais oferecendo seus serviços de forma gratuita, além de voluntários gerais para auxiliar no que for necessário, como uma artista local que está ajudando na divulgação”, relata. Paiva conta que as reportagens escritas por jornais da cidade também trouxeram visibilidade à ideia: “Quase diariamente recebemos emails de pessoas querendo se inscrever”. Rodrigo Araújo e Antônio Alves formam um dos casais beneficiados pelo projeto da Esajupe. Rodrigo, cozinheiro, conta que sempre quis se casar e desde que conheceu Antônio, açougueiro, há quatro anos, o casal planeja se unir em matrimônio. No entanto, por causa das dificuldades financeiras, a união foi adiada. “Soube da iniciativa pelo Facebook. Acho muito bom o projeto, por estar ajudando pessoas que não têm condições financeiras para se casar. Esse era meu sonho, que agora está sendo alcançado”, relata ele. Desde 2011, a união homoafetiva é reconhecida como entidade familiar e protegida pela Constituição federal como união estável. A conquista ga-

INICIATIVA BUSCA GARANTIR E CELEBRAR DIREITO A CASAMENTO HOMOAFETIVO - FOTO: AMANDA MARQUES

rante direitos antes exclusivos aos casais heteroafetivos, tais como herança, adoção conjunta de crianças, divisão de patrimônios, entre outros. Com a resolução n nº 175 de 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans passaram também a ter a garantia do direito ao casamento civil com um cônjuge do mesmo sexo. Segundo Paiva, a falta de informações interfere de forma significativa no número de casamentos homoafetivos. “Houve muitas pessoas perguntando se era casamento ou se era união estável, por exemplo. Além disso, parece haver desconhecimento acerca da possibilidade da cerimônia gratuita, que é garantido pela legislação, para casais sem condições financeiras”, explica. Assim, há desistências de união formal devido às altas taxas e burocracia que envolvem a cerimônia. De acordo com dados mais recentes do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2013 e 2018, foram contabilizados 136 casamentos entre pessoas LGBTQ+ em Uberlândia. No mesmo período, 20.200 casais heterossexuais registraram o compromisso no Cartório de Registro Civil na cidade. Os casa-mentos entre pessoas do mesmo sexo somam menos de 1% das uniões oficializadas na cidade. No Brasil, a porcentagem é ainda menor. Entre 2013 e 2016, os casamentos homoafetivos representaram 0,45% das uniões no país Além de garantir a efetividade da lei, promover a diversidade ainda é um desafio no país. “Aqui se dá a importância de um casamento coletivo. Além de reafirmar e divulgar o direito de casais LGBTQ+ se casarem, também o celebra”, afirma a coordenadora. Ela também conta que o projeto pretende continuar realizando a iniciativa, mas, para que isso seja possível, precisará de pessoas ou entidades dispostas a patrocinar a iniciativa. 

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ESPECIAL

Corte de bolsas de incentivo à pesquisa prejudica alunos de baixa renda A suspensão das bolsas foi feita em duas modalidades, na Iniciação Científica e na Pós-graduação AMANDA MARQUES E PEDRO DE PAULA A Universidade Federal Uberlândia (UFU) anunciou, no dia 30 de março, o cancelamento de 238 bolsas de Iniciação Científica. O corte se deve à queda nos investimentos governamentais na Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). Em 2018, a fundação recebeu R$ 300,7 milhões para o desenvolvimento de pesquisas. No entanto, em 2019, o valor caiu para R$ 6,7 milhões, resultando no cancelamento de quase cinco mil bolsas de incentivo em todo o Estado. Também houve cancelamento de bolsas oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), voltadas, principalmente, para a pós-graduação. Além de afetar diretamente o desenvolvimento de pesquisas no estado, o corte das bolsas de incentivo tem um impacto social, conforme destaca em nota o presidente da Fapemig, Evaldo Ferreira Vilela. “Grande parte dos bolsistas depende das mensalidades para a continuidade de seus estudos e até mesmo para sua subsistência”. A fundação deveria receber valores referentes a 1% da receita ordinária corrente do Estado (aproximadamente R$ 300 milhões), que deve ser repassado em duodécimos (12 parcelas ao ano) à entidade, conforme artigo 212 da Constituição mineira. Gabriel Zuffi, aluno do sétimo período de Química Industrial, é um dos estudantes que sofreu com o corte das bolsas. O graduando se inscreveu na Iniciação Científica no segundo semestre de 2018 e foi aprovado no processo. No entanto, o cancelamento do incentivo aconteceu um mês antes de receber a primeira bolsa. “Inicialmente, a Fapemig liberou uma nota em março informando estado de calamidade financeira, que havia risco de ter corte das bolsas liberadas, mas nada estava confirmado. Pouco tempo depois, o corte foi efetivado. Minha primeira bolsa seria em abril”, lamenta. Gabriel iniciou sua trajetória na pesquisa científica acompanhando um colega em um projeto por cerca de quatro meses, no final de 2018 para depois começar a desenvolver a própria pesquisa. O estudante trabalha no laboratório

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de química aprimorando biossensores: dispositivos que detectam moléculas sinalizadoras de doenças no corpo humano. “Eu faço um filme polimérico em eletrodos de disco de grafite, para posteriormente ser aplicado em um biossensor”, explica. Depois de saber que não receberia mais a bolsa, Gabriel se afastou por algumas semanas do laboratório por falta de motivação. Porém, mesmo sem receber a bolsa, o graduando pretende continuar no projeto. “Ela me ajudaria muito financeiramente, mas, de qualquer forma, a pesquisa colabora muito com nossa formação acadêmica”, afirma. Como forma de complementar a renda da família, o estudante vende trufas há cerca de um

ano no campus Santa Mônica. Gabriel já tinha planos financeiros para o valor da bolsa, mas eles tiveram que ficar para trás. “Moro em Uberlândia com minha mãe, que trabalha, mas não está em condições de nos sustentar sozinha”, conta. Como o curso é integral, Gabriel não consegue trabalhar para ajudar a mãe, por isso, a bolsa seria de grande ajuda. “É difícil conciliar trabalho e estudo, quem trabalha não consegue se dedicar totalmente ao curso”, afirma. O universitário conta que começou a explorar em mais profundidade as áreas em que poderia atuar apenas quando chegou no quinto semestre da graduação. No entanto, a pesquisa científica só lhe chamou atenção a partir do sexto

O ESTUDANTE GABRIEL ZUFFI TRABALHA EM SUA PESQUISA NA ÁREA DE QUÍMICA INDUSTRIAL - FOTO: ANA ELIZA BARREIRO


ESPECIAL período, quando passou a pensar mais sobre o Trabalho de Conclusão de Curso e a desenvolver pesquisas. Porém, Gabriel não pretende seguir carreira nessa vertente: “O cenário político em que estamos vivendo atualmente me desanimou muito de fazer pesquisa. Depois que me formar, não me vejo nessa área e o mestrado deixou de ser uma opção”. A situação vivida por Gabriel não é incomum. Circulando pela Universidade é possível encontrar casos parecidos com o do estudante, como a vivência da graduanda de Jornalismo Caroline Soares, que desenvolve um trabalho sobre narrativas audiovisuais e estratégias mercadológicas no YouTube. “Apesar de ter decidido continuar com minha pesquisa independente da bolsa, quando recebi a notícia fiquei muito triste, pois senti que houve um grande descaso com nós, estudantes”, conta Caroline. Além disso, segundo ela, ela poderia ajudar financeiramente em casa. “Com o dinheiro do incentivo, eu teria a oportunidade de ajudar minha mãe que é solteira e mora de aluguel”, finaliza. O pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UFU, Carlos Henrique de Carvalho, explicou, em

entrevista ao G1, que os projetos precisaram ser reclassificados e, por isso, o número de pesquisas financiadas diminuiu de forma drástica. “Acho que o governo, instituições de ensino superior e institutos de pesquisa devem sentar-se à mesa e criar um cronograma de retomada desses investimentos para que isso ajude o Estado a sair do momento difícil que ele vive hoje”, ressaltou. Anteriormente, em agosto de 2018, a CAPES, fundação do Ministério da Educação (MEC), emitiu uma nota sobre a Proposta Orçamentária, com um teto limitando o orçamento para este ano. Entre as informações fornecidas no documento, constava que as bolsas do mestrado, doutorado e pós-doutorado poderiam ser suspensas a partir de agosto de 2019, atingindo 93 mil discentes e pesquisadores. Além disso, a interrupção do Programa de Residência Pedagógica, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) atingem mais de 105 mil bolsistas pelo país. A suspensão foi efetivada em maio. Eloisa Amália Ferro, diretora de Pós-graduação, co-

VENDENDO TRUFAS, GABRIEL BUSCA RENDA PARA PODER SE DEDICAR À PESQUISA - FOTO: PEDRO HENRIQUE DE PAULA SANTOS

menta que, na Universidade de Diamantina, parceira da UFU uma pesquisa em Engenharia Elétrica e duas de Biocombustíveis, todas de doutorado, foram suspensas. É preciso destacar que a ação da CAPES afeta somente os futuros mestrandos ou doutorandos: aqueles que já são contemplados com o benefício não sofrerão com essa ação. O mesmo ocorre com as pessoas beneficiadas pela Fapemig. O estudante de jornalismo Jonathan Dias conta que, depois de cursar a disciplina Metodologia de Pesquisa em Comunicação, descobriu-se apaixonado por pesquisa e logo decidiu que, após a graduação, optaria pelo mestrado. Em 2018, pela Iniciação Científica, Jonathan desenvolveu um trabalho sobre Jornalismo Científico e Fake News na área da saúde. No entanto, por ser de família de baixa renda, Jonathan admite que o corte realizado pela CAPES o deixou muito abalado e que, depois disso, teve que reformular seus planos. “Eu entendo que pessoas possam mudar de ideia após esse corte de bolsas. A pós-graduação é um momento em que existe grande exigência e demanda do aluno. Ter que dividir a atenção entre os estudos e um trabalho de meio período pode não ser uma boa ideia”, explica Jonathan. “Sou apaixonado pela pesquisa e não vou desistir do mestrado, mas isso não quer dizer que será fácil, pelo contrário, já estou me preparando para as possíveis dificuldades que irei enfrentar” complementa. O estudante acredita que a pesquisa científica feita na universidade é essencial para o desenvolvimento do país. “A importância da pesquisa na universidade é múltipla. Cada área do conhecimento contribui para compreendermos a sociedade em que vivemos e para que possamos, enquanto nação, crescer. Não existe desenvolvimento econômico, social, da saúde, sem pesquisa”, comenta. “Como o Brasil pode se tornar uma potência econômica mundialmente sem realizar a otimização dos processos industriais, por exemplo? Além de, a partir das Ciências Humanas, conhecermos a realidade do povo brasileiro, para atendermos suas necessidades”, defende Jonathan. Atualmente, a Fapemig possui 85 convênios de bolsas vigentes, firmados com Instituições de Ensino Superior de Minas Gerais, Públicas e Privadas. Atende a bolsistas de Iniciação Científica Jr. (Nível Médio), Iniciação Científica (Nível Superior), do Programa de Apoio à Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) e do Programa de Capacitação de Servidores do Estado (PCRH). 

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SAÚDE

Projeto da UFU trata escoliose adolescente sem causa conhecida Apesar de enigmática, condição da coluna dorsal tem solução GABRIELA PETUSK

ESTUDANTE DE FISIOTERAPIA ATENDE ADOLESCENTE PARA TRATAMENTO DE ESCOLIOSE - FOTO: GABRIELA PETUSK

Em uma radiografia feita há três anos, João Lucas Garcia da Silva, de 17 anos, descobriu uma curvatura lateral da sua coluna, de 7 graus. Apesar de discreta e de causar uma dor leve, o crescimento da curvatura costuma trazer problemas mais severos de saúde quando ultrapassa os 10 graus. O nome dado no diagnóstico do jovem foi “escoliose idiopática adolescente”. De acordo com a Organização

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Mundial da Saúde, 80% dos casos de escoliose tem origem desconhecida, rotuladas assim de “idiopáticas”. Já o termo “adolescente” vem de sua incidência em pessoas na faixa etária de 10 a 18 anos. Segundo dados de 2015 da Scoliosis Research Society (Sociedade de Pesquisa da Escoliose, em tradução livre), uma organização internacional para investigação e tratamento dessa deformidade, quatro a cada cem crianças e adolescentes nessa idade sofrem do problema. Estuda-se a possibilidade de uma correlação entre o estirão do crescimento e a escoliose adolescente. Para pacientes como João Lucas, o curso de Fisioterapia da UFU criou um projeto de extensão, iniciado no segundo semestre de 2018, com atendimento gratuito para crianças e jovens com escoliose idiopática. Os pacientes de 8 a 16 anos de idade são recebidos duas vezes por semana para tratamento fisioterápico. A recepção, instrução e orientação dos pacientes ocorre no Ginásio 7 do Campus Educação Física, que, em outros momentos, acomoda aulas de ginástica rítmica. O acolchoado no chão auxilia a fazer os exercícios que requerem estar deitado ou sentado. Os exercícios do projeto não necessitam de muita aparelhagem e podem ser feitos com materiais do próprio ginásio, como almofadas e bolas suíças. As séries variam de paciente para paciente, mas, em geral, consistem de variadas posturas para fortalecimento muscular e alongamentos de todo o corpo. Um ou dois instrutores acompanham cada jovem, dependendo de quantos pacientes vão ou faltam à sessão. Por meio da biofotometria computadorizada, um método de medição angular usando fotografias das costas, é possível determinar o progresso na redução do grau de escoliose do paciente. Para graus como o de João Lucas, que se encaixa entre os desvios pouco acentuados, o tratamento consiste em uma rotina personalizada de exercícios, elaborada após uma radiografia da coluna e uma consulta em

ortopedista. “Dependemos do exame para montar os planos de tratamento”, afirma Luciana Nunes, graduanda do sétimo período de Fisioterapia. Ela é a porta-voz do projeto, e auxilia os pacientes no tratamento junto a outros colegas do mesmo curso. Todos os alunos são voluntários, trabalhando no projeto sem bolsas. Luciana explica que, a fim de diminuir o grau da curvatura, o paciente deve ter regularidade e disciplina ao se exercitar. “Orientamos os pacientes e os pais que repitam em casa tudo o que ensinamos no projeto para que a melhora aconteça, porque só uma hora na segunda e quarta [dias de atendimento do projeto] não adiantam. Depende de ambos os lados, tanto paciente quanto terapeuta”, constata. Apesar de atender pacientes dentro da faixa etária estipulada, o projeto pode permitir que um adolescente fique em atendimento um ano além da idade limite, em caso de necessidade. Foi o caso de João Lucas. Ele e a família conheceram o projeto através da divulgação oficial da Universidade, e o rapaz frequenta o tratamento desde o ano passado. “É a primeira vez que me trato. Faço exercícios só aqui e em casa, três vezes na semana ao todo”, ele conta. Com dedicação e o devido acompanhamento, o jovem foi capaz de curar a dor que sentia e mesmo de zerar seu grau de escoliose. 

CONTATO E ATENDIMENTO R. Benjamin Constant, 1286, Campus Educação Física, Ginásio 7, Bairro Nossa Sra. Aparecida Telefone: (34) 3218-2950 Segunda e quarta, das 16h às 18h


SAÚDE

Bebês e mães se beneficiam de Banco de Leite Humano da UFU Serviço do Hospital de Clínicas realizou 2888 atendimentos de janeiro a abril MELISSA RIBEIRO Os gêmeos Arthur e Miguel nasceram no dia 06 de março, filhos da enfermeira Aline Nunes, depois de 30 semanas de gestação. Com o nascimento prematuro, o leite materno de Aline não estava pronto para que os pequenos fossem amamentados. Por essa razão, logo no segundo dia após o nascimento, ela recebeu ajuda do Banco de Leite Humano (BLH) da UFU. Além de ajudar no estímulo para produção do leite, ela contou com a disponibilidade do leite de outras mães: “O Banco fornecia o de doadoras junto com o meu, o que foi muito importante para o desenvolvimento deles”, contou Aline. O Banco de Leite da UFU atende a maternidade do Hospital de Clínicas do Campus Umuarama. Ele integra a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (RbBLH), fundada pela parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz e o Ministério da Saúde. Nas cinco regiões do país funcionam 225 Bancos. No estado de Minas Gerais há 14 Bancos de Leite e 27 postos de coleta. Só em Uberlândia, de janeiro a abril de 2019, o Banco de Leite realizou 2885 atendimentos. Foram mais de 607 litros de leite coletados a partir da doação de 403 mulheres. Cerca de 430 litros foram distribuídos a 260 bebês atendidos. Segundo a nutricionista Marília Neves Santos, que é coordenadora há quatro anos do Banco de Leite da UFU, o serviço oferecido pelo banco é imprescindível para a vida dos bebês, de modo especial aos recém-nascidos prematuros, como foi o caso de Aline. “Eles precisam muito do leite para poder desenvolver aspectos imunológicos importantes e se recuperar mais rapidamente”, disse a nutricionista. Marília ainda relatou que o leite é como uma vacina: “A mulher doadora passa, através do seu leite, toda uma memória imunológica, fatores de defesa antimicrobianos e imunoglobulinas. Assim, o bebê tem menor risco de desenvolver qualquer tipo de infecção, tem menor morbidade, menor tempo de internação e pode ir pra casa mais rápido”, relatou. A bancária Bárbara Isabela Silva Vasconcelos

AS MÃES PRISCILA DANIELLE PALADIN E MARCELLA OLIVEIRA PALADIN COM A FILHA HELENA - FOTO: ANA ELIZA BARREIRO

conheceu o banco de leite através da mãe, que foi servidora da UFU por mais de 30 anos. Após um parto normal, ela enfrentou dificuldade para amamentar sua filha Ana Alice: a bebê ficava irritada e chorava por não conseguir sugar o leite como deveria . Por conta disso, a mãe conta que seus seios inchavam e ficavam muito doloridos. “Tentei diversos truques na internet e nada funcionava. O desespero me consumia”, relatou. Depois de sofrer por não conseguir amamentar a filha, Bárbara Isabela se lembrou do Banco de Leite. No dia seguinte, procurou o Hospital das Clínicas, onde teve as orientações que precisava. “Elas foram extremamente carinhosas e cuidadosas comigo. Me ensinaram sobre a pega da bebê, a forma de colocá-la no colo, como segurar, tudo! Me orientaram com paciência e cuidado. Foi uma experiência fantástica”, disse ela. Priscila Danielle Paladin, dona de casa, também teve complicações no momento de amamentar sua filha Helena. Mas, diferente das outras mães, um dos fatores que tornaram seu

processo difícil foi a hiperlactação, a alta produção de leite. As dificuldades trouxeram aflições, mas a doação mudou essa realidade: “A doação trouxe um novo significado para o meu leite. Deixei de ter raiva para ter orgulho.” Para superar as dificuldades, Priscila contou com o apoio da esposa Marcella Oliveira Paladin, analista de desenvolvimento de sistemas. “Encorajamento nesse momento difícil é muito importante para que as mulheres não desistam por conta da dor e das dificuldades”, conta Marcella. Ela acompanhou os benefícios que o atendimento no Banco de Leite garantiram à sua filha, e comemora que Priscila tenha se tornado uma doadora. “Fiquei muito feliz de podermos ajudar outros bebês que precisavam tanto desse leite e espero que ela consiga continuar com a amamentação e doação por bastante tempo”, comenta. Depois da experiência, as duas passaram a recomendar o Banco de Leite da UFU para todas as mães com sinais de problemas de amamentação que conheceu. “Vejo incontáveis casos de mulheres que desistiram de amamentar e introduziram fórmula ou até alimentos sem a menor necessidade.”, exemplificou Priscila. E reforçando a rede que torna o projeto possível, concluiu com um compromisso: “Continuarei doando até quando for possível. Se tivesse outra gestação, com certeza doaria novamente”. 

BANCO DE LEITE HUMANO HOSPITAL DE CLÍNICAS - UFU Av. Maranhão, 1720, Bloco 2N, Campus Umuarama, Bairro Umuarama Telefone: (34) 3218-2666 Segunda a sábado, das 7h30 às 17:30

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 PERFIL A arte como metralhadora O artista Cleiton Custódio reflete sobre ser livre em tempos de ódio ANA ELIZA BARREIRO

MURAL DEDICADO À VEREADORA MARIELLE FRANCO PINTADO POR CLEITON CUSTÓDIO - FOTO: ANA ELIZA BARREIRO

Os olhos pregados no mural querem nos dizer algo. E, no silêncio, a pintura de Marielle Franco traz vida em tons de azul ao muro transformado em mural. A obra está em exposição no exterior do Campus Santa Mônica, para quem passa pela rua Francisco Vicente Ferreira. Trajada de simplicidade, revolta ou admiração, a expressão da personagem intriga. Seu rosto é sereno, mas seus olhos são ariscos. Ela permanece calada, mas seu porte grita. É que, segundo Cleiton Custódio, o artista plástico que assina o retrato, a mirada da vereadora carioca carrega as verdades mais ocultas. Era uma tarde quente, clima típico do Triângulo mineiro, quando Custódio nos recebeu com um sorriso no rosto e uma ponta de curiosidade. Estava rodeado de amigos numa mesinha toda desenhada à frente da faculdade de Artes da UFU, facilmente reconhecida pelo colorido em suas paredes em meio a tantos blocos cinzentos da instituição. Enquanto ele falava, olhada para o entardecer, como se desenhasse na memória

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tudo aquilo que lhe trouxera até ali. O paulista de São Bernardo tem sangue mineiro, e trilhou caminho como filósofo na terra da garoa, cursando Filosofia na UNIFESP, mas foi a partir de 2015, em Uberlândia, ingressando como aluno do curso de Artes Visuais da UFU, que recriou sua trajetória como artista. Artista com alma de filósofo, ou vice-versa, ele brincava ao dizer que aquilo que não seria dito talvez fosse a parte mais importante da entrevista. Da mesma forma, seus retratos não dependem da palavra para produzir significados: “Tem aquele jargão, ‘uma imagem fala mais que mil palavras’, então é isso, a imagem tem o poder de explicar sem ter que explicar”. Custódio se vê como pesquisador experimental da vida, de si mesmo, das pessoas e das relações. Certa vez memorizou que o rosto nos impede de matar, pois é pela face que se cria empatia com o outro. Então, escolheu eternizar o olhar de tanta gente, como se pudéssemos, de alguma forma, vencer a morte. Por seus traços e

cores, almeja reinventar encontros e reunir mentali-dades, tempos e pessoas diferentes num mesmo espaço. Mas seus trabalhos não se resumem a retratos. O estudante de Artes Visuais desenvolve sua obra pela pintura acrílica, pela escrita e também pela música, como cantor e compositor na banda “Cinema do Invisível”. Se, por um lado, a arte lhe representa um veículo de expressar os sentimentos, pensamentos e ideias a nível individual, por outro, ele deixa claro que esta ferramenta é também uma produção social e histórica. Cleiton reivindica inserção em uma história da arte elitista, formada pelo silenciamento de negros, mulheres, indígenas e pobres por séculos. Em nossos tempos, o artista ainda enxerga um abismo social: “A forma que o capitalismo encontrou para dominar a arte foi a de transformá-la em mera mercadoria”. Na desigualdade do país, Custódio vive os dilemas desta contradição constante de ser artista plástico, profissão que precisa se sustentar ao mesmo tempo em que tenta não transformar a arte em mero enfeite da elite. “Qual o sentido do que eu faço?”, indagase, e complementa: “Esta contradição que o artista vive tem que ser temática de trabalho”. Assim, o convite para realizar o mural com Marielle, realizado pelo grupo de mulheres do movimento sindical de servidores da universidade (SINTET- UFU) foi, para ele, um trabalho de resistência e alternativa: “Pintar Marielle para mim foi um desabafo nesse sentido. Ela era uma voz desse povo que é esquecido, que não é visto, que mantém a sociedade, mas não desfruta do que a sociedade produz.” Para Custódio, arte que não provoca crítica perde o sentido de existir. Em tempos de silenciamento e opressão, o artista crê firme no poder libertador da cultura e da educação. Sua coragem para a sensibilização coletiva precede o medo. Em um contexto de violência, ele segue a luta incansável pela liberdade, e finaliza, com uma dúzia de palavras ditas e outras tantas não ditas: “É um tempo de guerra e a arte é a minha metralhadora”. 


CULTURA

Estudantes promovem sessões abertas de cinema no campus Projetos estudantis promovem cultura por meio da exibição de filmes e debates PEDRO DE PAULA O clima de começo de filme e o cheiro de pipoca impregnam o ar como em um cinema convencional. A diferença é que aqui não há paredes, a não ser aquela em que o filme será exibido. Enquanto as pessoas se acomodam, a projeção surge e, aos poucos, o silêncio que se instala no público é cortado pelas primeiras cenas de “Amacord”, filme de 1973 do diretor Federico Fellini. A cultura do cinema a céu aberto começou a partir de década de 1930, nos Estados Unidos, e teve seu auge nos anos de 1950. Hoje, parece cena de filme de época, ou de série com tema retrô. No entanto, o CineUFU, projeto promovido por estudantes com apoio da Diretoria de Cultura (DICULT), diminui essa distância temporal. As sessões do CineUFU ocorrem desde o segundo semestre de 2017, e acontecem às quintas-feiras, às 19h, no estacionamento do Bloco 5O, Campus Santa Mônica. De acordo com Tales Abdalla, um dos criadores do CineUFU, o projeto surgiu com a proposta de, além de cinema, ser um espaço para que os espectadores tivessem a oportunidade de ampliar a bagagem cultural. Apesar de ter passado por reformulações de formato e periodicidade, o CineUFU promove encontros semanais diante da tela projetada na parede branca. “Acredito que a proposta seja gerar reflexões sobre várias temáticas, sendo estas, geralmente, com cunho social”, esclarece Abdalla sobre o objetivo do projeto. O projeto lança mão do acervo de uma antiga locadora de Uberlândia, a “Sétima Arte”. São filmes de 1916 a 2004 que, como dito por Abdalla, são carregados de questões culturais, étnicas e políticas. Segundo a coordenadora do projeto Jéssica Borges, o projeto beneficia o público universitário em especial através dos debates levantados após as sessões, e também é um momento de descontração. “Por conta disso, houve uma grande parcela de aceitação, além de existir uma parte do público que é fiel às datas de exibição e compa-recem na maioria dos eventos”, compartilha Jéssica. O projeto, contudo, enfrenta impasses: Jéssica

PÚBLICO ASSISTE A SESSÃO DO CINEUFU EM ESTACIONAMENTO NO CAMPUS SANTA MÔNICA - FOTO: JÉSSICA BORGES CALDEIRA

observa que há uma fragilidade de infraestrutura, como a falta de assentos adequados e de equipamento em melhor estado para as exibições, que pedem por mais qualidade. Por serem desenvolvidos por discentes da universidade, mesmo com apoio da DICULT, o projeto luta contra a falta de recursos financeiros. “Com a diminuição de verbas destinadas a projetos culturais, o projeto sofreu diversas perdas em questão de divulgação física”, explica Jéssica. Outro projeto que exibe filmes no campus Santa Mônica é o Armada da Sétima Arte. Idealizada por alunos do curso de História, a iniciativa pretende dar visibilidade a filmes fora do circuito comercial. “O Armada da Sétima Arte surgiu a partir de interesses em comum pelo cinema” conta Thamires Medeiros, colaboradora do projeto. “Além disso, tínhamos muita vontade de exibir e promover discussões em torno de produções cinematográficas que não estão nos cinemas, que não são hollywoodianas mas que são capazes de causar grandes reflexões”, complementa. O proje-

to estreou em 26 de abril com a sessão de “Eu sou Cuba”, filme de 1964 do cineasta Mikhail Kalatozov, no auditório do bloco 5OB. Apesar de recente, o Armada da Sétima Arte apresenta planos para o futuro. “Além de transformá-lo em um espaço de nicho para discussão de cinema, temos a intenção de realizar podcasts sobre o assunto e exibir filmes que somente são liberados através de editais”, conta o fundador José Guilherme. Para a próxima sessão de junho, data, local e filme em cartaz aguardam divulgação. 

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FOTOENSAIO

Crônicas da Universidade Reconhecendo a importância das experiências que nascem na Universidade, o Senso InComum reuniu algumas imagens que registram cenas da vida cotidiana no campus Santa Mônica. As fotografias foram feitas pelas lentes de estudantes que, dia após dia, desvendam as riquezas que o ambiente acadêmico proporciona, mesmo em seus momentos mais ordinários.

FOTO: ISADORA BRAGA

FOTO: LUÍS FE LIPE

EVES NDA N A N R E F FOTO:

BORGES

MUNIZ FOTO: IAN FOTO: MARIANA PALERMO

FOTO: IAN M UNIZ

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