O tempo do Risco Carta Arqueol贸gica de Sesimbra
O tempo do Risco
Carta Arqueol贸gica de Sesimbra
C芒mara Municipal de Sesimbra 2009
Título
Miguel Amigo, Raquel Albino, Ricardo Dionísio,
O Tempo do Risco – Carta Arqueológica de Sesimbra
Ricardo Soares, Rosália Estanqueiro, Rosário Fernandes, Rui Francisco, Sérgio Rosa, Sofia Cardoso, Teresa Mateus,
Textos
Tiago Pombo, Vasco Coelho
Manuel Calado, Luis Gonçalves, Rui Francisco, Pedro Alvim, Leonor Rocha, Rosário Fernandes
Instituições
Cartelas
- Câmara Municipal de Sesimbra
Anabela Santos, Ana Maria Silva, wAndreia Conceição,
- Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
António Rafael Carvalho, Carla Pereira,
- Centro de Investigação e Estudo em Belas-Artes/
Carlos Odriozola, Carlos Pimenta, Catarina Carvalho,
Secção Francisco de Holanda (CIEBA/SFH)
Francisco Rasteiro, João Luis Cardoso, João Ventura, Luís
- Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Ferreira, Luís Lyster Franco, Luísa Fachada, Marta Moreno
- Universidade de Évora
García, Miguel Amigo, Nuno Sacramento, Paulo Silva,
- Centro de Estudos e Actividades Especiais/
Pedro Pinto, Ricardo Mendes, Ricardo Soares,
Liga para a Protecção da Natureza (CEAE/LPN)
Rui Francisco, Rui Marques
- Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA)
Fotografias
Agradecimentos
José Arsénio, Ricardo Soares
João Luz, Paulo Caetano, Rabeca Martins,
Cartografia
Ricardo Gonçalves, Sofia Sousa
Pedro Alvim Desenhos e maquetas
Edição
Alexandra Ramires, Artur Ramos, Filipa Gonçalves,
Câmara Municipal de Sesimbra
Inês Fernandes, Joana Sofia Nascimento, Mariana Croft, Teresa Mateus
Data
Design
Agosto 2009
Joana Sofia Nascimento, João Maria Lourenço Conceito de Capa
Impressão
Rafael Henriques
Serrisexpresso
Colaboradores nos trabalhos de prospecção arqueológica
Tiragem 3 000 exemplares
Alexandra Amoroso, Alexandra Pimenta, Ana Beatriz Santos, Anaísa Mexia, André Gomes, Andreia Lima,
Depósito legal
Beatriz Barros, Catarina Alves, Cézer Santos, Cristina Lopes,
298594/09
Duarte Abêbora, Filipe Murinello, Flávio Silva, Francisco Gomes, Gertrudes Branco, Gonçalo Barata,
ISBN
Isabel Matos, João Vilaça, José Arsénio, Liliana Pereira,
978 - 972 - 9150 - 86 - 9
Luis Cunha, Marcelo Jerónimo, Maria Fernanda Granja, Maria João Carapinha, Maria João Gomes, Mário Carvalho, Marta Costa, Micael Rodrigues,
O tempo do Risco Carta Arqueológica de Sesimbra
Aos pescadores a quem o mar se curva e a terra aclama. Padre Carlos Verissímo
O mar de Sesimbra Miguel Amigo Ricardo Soares
Debruçada sobre o Atlântico, Sesimbra recebe, das suas características geomorfológicas muito peculiares, a sua vocação eminentemente piscatória, que se vai traduzir numa relação que os seus habitantes desenvolvem de estreita proximidade com o mar, não só enquanto actividade económica fundamental para a sua subsistência, mas também a nível emocional. Sesimbra é indissociável do mar e, ao falarmos dela, despertam-se automaticamente, no nosso imaginário, um conjunto de imagens ligadas ao mar, à pesca, à praia, aos barcos, acompanhadas de um cheiro único a maresia. Localizado na vertente sul da cadeia da Arrábida, o vale de Sesimbra encontra-se abrigado dos ventos predominantes do quadrante Norte, facto que aliado à condição natural da Baía de Sesimbra, por apresentar excelentes condições portuárias, permite que na grande maioria dos dias do ano a pesca se desenvolva de forma diária. Quando o vento sopra do quadrante sul e a Baía fica exposta à sua ondulação, obriga em casos normais a que as embarcações recolham e permaneçam no porto de abrigo. Ainda assim o pescador quando as condições do mar não o permitem, ocupa-se em terra dos trabalhos de preparação e manutenção de todos os equipamentos indispensáveis à sua actividade. Toda a linha de costa Arrábida-Espichel é de grande beleza natural, formando paisagens bastante originais onde sobressaem belas enseadas, baías, penedos, falésias, entre outros. A riqueza do seu meio marinho é de extrema importância, estando aqui representados os principais habitats nos quais
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ocorrem uma grande parte das espécies marinhas costeiras, quer ao nível da fauna, quer da flora. Esta grande riqueza encontra explicação num conjunto de características muito específicas, onde o substrato rochoso é incomparavelmente mais rico do que os seus equivalentes arenosos, como é o caso de parte da vertente Oeste da costa. Esta grande biodiversidade encontrada nas águas de Sesimbra tem, desde há vários séculos, motivado o desenvolvimento de pesquisas de carácter científico, algumas delas servindo de suporte à criação do Parque Marinho Professor Luís Saldanha em 1998. Portanto, os que por aqui se detiveram sempre encontraram óptimas condições para se fazerem ao mar, e foi o que fizeram, podendo mesmo dizer-se que muitos dos pescadores que aqui vivem conhecem melhor o mar do que a terra. Ainda hoje Sesimbra é um dos principais portos comerciais de pesca do País, facto para o qual ainda muito contribui o peixe capturado de forma artesanal. Algumas dessas “artes de pesca” pouco se modificaram até aos nossos dias, resultado de um saber cumulativo transmitido de geração em geração. Outras, porém, caíram inevitavelmente em desuso. Outras ainda, como a Arte Chávega ou Artes do Caneiro, também conhecida popularmente por Chincha, atraem bastantes turistas. Realizada essencialmente por pescadores reformados, em solarengos finais de tarde, a espectacularidade desta arte de pesca, acrescida a um antigo costume que diz que qualquer pessoa que quiser puxar as redes pode fazê-lo, recebendo parte do quinhão, funciona como um agradável cartão-de-visita. Sesimbra, até há poucas décadas, funcionava como principal centro piscatório do qual dependiam outras pequenas instalações subsidiárias que
serviam de apoio à pesca. Estas localizavam-se ao longo da costa, desde o Cabo Espichel até ao Portinho da Arrábida, ocupando simultaneamente locais abrigados, normalmente praias e enseadas, e também sítios onde havia comprovadamente peixe em abundância. Aí, construíram-se os chamados “calhaus”, nomeadamente o Calhau da Baleeira, Calhau da Mijona, Calhau da Cova, Calhau do Restaurador e Calhau do Cozinhadouro. Estes serviam de apoio aos pescadores, principalmente das “Armações” - estruturas permanentes de pesca. Os calhaus estendiam-se ao longo de toda a linha de costa, funcionando não só como refúgio rápido em caso de agravamento das condições climatéricas, mas também enquanto alojamento para os pescadores e armazém de apetrechos e artes de pesca. Os que aí não queriam permanecer voltavam a pé, fazendo os vários caminhos pela Serra até Sesimbra. A praia da Baleeira sugere um velho topónimo que certamente deriva da muito antiga pesca ou caça à baleia, actividade que por aqui se realizou até aos anos 40 do século passado. Os Cetáceos eram atraídos pela riqueza da região em zooplâncton e outras espécies que abundavam e lhes serviam de alimento. A sua pesca costumava fazer-se ao largo do Cabo Espichel, havendo dois pontos de vigia que davam o alerta aos barcos aquando da passagem das baleias. Um situava-se na “Meia Velha”e o outro no próprio Cabo Espichel. Os pescadores de hoje, tal como os que os precederam, continuam a explorar toda a costa, mas agora apenas onde o Parque Marinho o permite. Ainda dirigem a sua pesca para os ricos pesqueiros desde há muito identificados, de modo empírico, pelos antigos mestres, que legaram um manancial
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LEITURAS
de informação relativa às espécies que por aí se encontravam. Ainda que, nos dias de hoje, as quantidades pescadas sejam francamente inferiores, os barcos continuam a pescar no “Mar da Manta”, “Bombaldes”, “Mé”, “Queimados”, “Mar Novo”,” Mar de Ferro”,” Estradinha”, nestes e tantos outros “Mares” situados a poucas milhas da Costa e que, de muito explorados, fizeram Sesimbra prosperar. Estes nomes, bastante sugestivos toponimicamente, serviam como marcos geográficos, numa época em que não existiam as tecnologias que permitem hoje outro tipo de localização. A escassez de algumas espécies e a extinção de outras obrigaram necessariamente a uma pesca mais longínqua, navegando-se hoje também para os Açores, “Gorringe”, Marrocos, Canárias e zonas circundantes. As espécies mais capturadas não diferem muito das que eram pescadas em épocas anteriores, embora algumas, como o atum, a xaputa ou o peixe-espada branco, que eram das mais representativas, tenham praticamente desaparecido destas paragens, há poucas décadas. A sardinha, o carapau, a cavala e a pescada continuam a ser as mais comercializadas, juntandose, agora, o peixe-espada preto, cuja pesca apenas se iniciou nos anos 80 e que, de alguma maneira, veio responder à escassez que se vinha a acentuar nos aparelhos de anzol. As outras espécies como a raia, cherne, faneca, besugo, dourada, corvina, mariscos, os chamados “ferrados”, ou seja a lula, o choco e o polvo, e todas as outras comuns a este meio marinho, continuam a ser apanhadas, apresentando a mesma frescura e paladar que as caracterizaram desde sempre.