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We’re poor We’re scared We’re stupid *


Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto Licenciatura em Design de Comunicação Disciplina de Estudos de Design

Rita Araújo 4 ºano 2009/2010

* Paula Scher, numa entrevista ao blog Pr*tty Sh*tty


We’re poor, we’re scared and we’re stupid*.


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Sob a luz da alvorada do século XXI, a revista Adbusters traz a nova luz um Manifesto de Design intitulado “First Things First”, concebido por um colectivo de designers e fotógrafos em 1964, com o intuito de o reavivar, ajustando-o à nova conjuntura e submetendo-o a um novo baixo assinado. Dessa lista de assinantes constam os nomes de designers contemporâneos, de grande valor e reconhecimento, como Ellen Lupton, Andrew Howard e Milton Glaser. Esse manifesto renovado traz como mote (tal como o de 1964) a modificação das prioridades do Design enquanto veículo de informação visual comprometida, virada para as intervenções culturais, educativas e sociais, “atirando” para segundo plano o Design associado ao branding, à publicidade e ao mercado que, como é referido no manifesto, são fonte de um “ambiente mental tão saturado com mensagens comerciais que está a modificar a maneira como o cidadão-consumidor fala, pensa, sente, responde e interage”. A premissa deste manifesto assente num propósito que nada tem de descabido. É bastante claro que há áreas do saber que estão abertas à acção dos Designers enquanto criadores e enquanto membros de um todo (estejamos a tanto falar de uma associação cultural, como educativa, como social, entre outras), pois estas querem ver uma determinada mensagem entregue e veículada de forma eficaz e inovadora. No entanto, esta forma de encarar o Design é curta e enfoca o seu olhar, reduzindo a amplitude de compreensão, para apenas “um lado da moeda”. Assim, a designer norte-americana Paula Scher, em entrevista ao blog Pr*tty Sh*tty, reage a este manifesto chamando a atenção para a importância do outro lado da moeda:

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“Eu acho que esse foi um ano ruim para o design em geral e não estou muito certa do que tenho visto ultimamente. Na maior parte das vezes, eu sinto como se estivesse testemunhando o total abandono do design gráfico. É como se toda a indústria estivesse gritando: SOMOS POBRES ESTAMOS COM MEDO e SOMOS IDIOTAS. “Muitos jovens designers talentosos abandonaram seu papel em melhorar o ambiente visual geral. Muitos só querem trabalhar em projetos culturais, ou sem fins lucrativos, ou em projetos que eles entendem que são “bons para a sociedade”. Isso pode ser valorizado dentro da comunidade dos designers, mas de fato não atinge as pessoas comuns. Esses designers tem medo de se envolver nas áreas dominantes de design de embalagem, design promocional ou corporativo. Eles esquecem que esses são os produtos e mensagens com as quais a maior parte das pessoas realmente se defronta no cotidiano, que esses produtos e serviços estão no coração da América e que há a responsabilidade para nós, como designers, de sempre aumentar a expectativa do que o design pode ser. Nós somos responsáveis por essa experiência cotidiana. Esses designers intelectuais deixam a tarefa para outros (agências de publicidade, micreiros, etc) que estão trabalhando somente pelo dinheiro e frequentemente não se importam com o resultado. (…) Eu acho que foi a comunidade de designers que causou isso. O manifesto “First Things First” inspirou muitos jovens a afastarem-se dos projetos corporativos de branding, publicidade, design promocional, design de embalagem (com exceção de livros e revistas, como se fossem de alguma forma mais nobres). Se esses designers conscientes, que se importam com a sociedade e com o meio ambiente, se recusam a trabalhar nas áreas de branding, publicidade, design promocional e design de embalagens, então imagine, quem o fará? (...)

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Mas, no fim das contas, cria uma sociedade de designers na qual se aceita que eles abandonem a maior parte da comunicação visual americana. Meu deus!” (tradução de Sara Goldchmit no seu blog http://designdiario.com.br)

É desta forma que Paula Scher descreve e problematiza, com grande objectividade, um problema que se vê a acontecer não só no Norte da América, mas de uma forma generalizada por todo o mundo - o mundo mais comercial está repleto de mau Design que, e citando novamente Paula Scher agora num artigo de 1994 publicado no AIGA Journal, “todos os dias me vejo em supermercados, drogarias, videoclubes e outros ambientes que claramente não foram tocados pela nossa comunidade... [apenas se encontra] um antiquado e não-controverso mau design, o tipo de mau design que é anónimo porque nós estamos demasiado ocupados a discutir sobre o novo poster da AIGA”. Aqui está, na minha opinião, o principal erro do manifesto: os designers, tanto como os de 1964 como os de 2000, usam grande parte do seu tempo a competir entre si, auto e heteroavaliando-se que perdem a visão periférica que lhes permitiria observar e atribuir importância, analisando, o mau design que se pratica nos sítios onde a maioria das pessoas vive, usufrui e coabita. O verdadeiro Design deveria andar nas ruas, nos supermercados, nos anúncios, na televisão; mas também nos livros, nas exposições, nos serviçoes educativos e sociais. Ou seja, o bom Design deveria estar em todo o lado. Esta visão assenta, de forma mais ou menos implícita, de forma mais ou menos intencionada ou até percebida, numa divisão do mundo cultural e artístico em segmentos de cultura erudita e cultura popular. Ora, esta divisão resulta, enquanto processo de autolegitimação, numa procura de conceber produtos que estejam associados a formas mais elevadas de cultura, deixando de parte todos os outros produtos. Assim, é através da inserção do designer num segmento cultural mais “elevado”

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que este se legitima e distingue. No entanto, este problema, e na medida em que o trabalho se insere em grande medida numa relação comercial, também traz outro tipo de perguntas: Qual o papel do designer quando confrontado com estas questões e como se afirma enquanto criador e inovador no meio comercial? No seio destas perguntas, coloca-se outro grande problema: o do paradigma dominante. Lembro-me de assistir a uma palestra, em que o orador era um empresário, onde se defendia que todo o projecto que não estivesse ao gosto do cliente era um projecto falhado (quer fosse de design ou de outra área qualquer). Poderia ser um projecto brilhante do ponto de vista da inovação, da conceptualidade, da técnica, se não agradasse o cliente este projecto era um falhanço. Ou seja, poderia ser uma ideia brilhante, mas se o cliente não gostasse e não o aprovasse, era uma ideia falhada, sem rumo e sem qualquer tipo de viabilidade. Assim, parece óbvio que financeiramente e em termos de visibilidade esse projecto falhe pois não corresponde ao que é pretendido pela pessoa que fornece a premissa de trabalho. No entanto, para o designer que sabe que o trabalho está bem executado será mais um corte na sua auto-estima enquanto criativo. Mas assim, o que é que torna um óptimo objecto de design num objecto reprovado por outros, principalmente pelos clientes? O Design é, obrigatoriamente, enquanto ofício, uma profissão onde se prestam serviços, Serviços esses que são pedidos por clientes. Assim, O principal objectivo do designer seria, dentro desta lógica, agradar ao seu cliente, fechar a mala e ir para casa. No entanto, nesta relação, o designer deve assumir uma postura quase de “professor” dado que, muitas vezes o mundo onde se movem os clientes está avesso ao mundo onde se “produz cultura”. Os códigos de leitura de um projecto poderão ser completamente diferenciados quando falamos de Designer e Cliente (onde os dois lados deverão ter a capacidade de aprender e de ensinar). É por isso que a execução de determinados produtos associados a

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uma forma de cultura mais “erudita” é mais fácil, em termos de aceitação já que, neste meio, o cliente será alguém que poderá partilhar (ou, não compreendendo, aceitar) o produto concebido segundo os padrões de bem e de mal que o Designer estabelece. Adrian Shaugnessy, no seu livro “How to be a graphic designer without losing you soul” diz o seguinte: “Os clientes estão assustados. Logo, os designers estão assustados. O público assusta-se igualmente. O mundo do comércio moderno trabalha à base do medo: um mercado aterrorizante que nos faz tímidos e avessos ao risco”. O designer, enquanto criativo, deve sair da sua zona de conforto e incentivar os outros a tomar o mesmo risco. Se há pontos onde o designer pensa que o cliente está errado, o seu dever é explicar o seu ponto de vista e dar razão ao cliente quando este está certo.

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Bibliografia: Shaughnessy, Adrian - How to be a graphic designer without losing your soul. London: Princeton Architectural Press, 2005. Adbusters - First Things First 1964 - a manifesto. 2000. Disponível em WWW: <http://www.xs4all.nl/~maxb/ftf1964.htm>. Adbusters - First Things First 2000 - a design manifesto. 2000. Disponível em WWW: <http://www.xs4all.nl/~maxb/ftfdix.htm>. Pr*tty Sh*tty - P*S* interviews P.S. 2010. Disponível em WWW: <http://prttyshttydesign.blogspot.com/2010/02/ps-interviews-ps.html>. Goldchmit, Sara - Paula Scher e o campo do design gráfico. 2010. Disponível em WWW: <http://designdiario.com.br/?p=2713>.

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