repórterdomarão Prémio GAZETA
do Tâmega e Sousa ao Nordeste
Nº 1259 | janeiro '12 | Ano 28 | Mensal | Assinatura Nac. 40€ | Diretor: Jorge Sousa | Edição: Tâmegapress | Redação: Marco de Canaveses | t. 910 536 928 | Tiragem média: 23.000 ex.
J A N E I R O ’ 12
Oferecemos leitura
POBREZA Instituições matam a fome a centenas de famílias DIÁSPORA Transmontanos jovens em fuga para o estrangeiro
Receitas diminuem, dificuldades aumentam
MIRANDELA
Corporações caminham para a falência mas recusam fusões
Agricultura ainda tem muito para dar
Paredes (5) e Penafiel (3) totalizam oito associações | Falta de colaboração atribuída ao bairrismo
TURISMO Crise financeira trava mais um hotel no Douro
DESTAQUE | Sucedem-se as instituições com dívidas avultadas, salários em atraso, d
Bombeiros estão mas recusam fus Mónica Ferreira | Jorge Sousa | tamegapress@gmail.com |
despedimentos e sem dinheiro para a gestão diária
quase falidos ão de corporações Fotos D.R. e Lusa
A
maioria das corporações de bombeiros caminha a passos largos para a falência e são cada vez mais os casos que vêm a público relatar dificuldades financeiras para manter estruturas de socorro e de transporte de doentes. A alteração da legislação no transporte, receita em que a maioria das associações assentava os seus orçamentos, veio dar a machadada final numa organização de voluntariado mas cuja estrutura profissionalizada cresceu bastante nas últimas duas décadas. Situações dramáticas de falta de dinheiro para necessidades básicas, como comunicações, combustíveis e reparações de viaturas, têm surgido na imprensa nos últimos meses, e algumas associações, sobretudo aquelas que fizeram avultados investimentos em instalações (e para os quais se endividaram), estão mesmo à beira da falência. As corporações de Marco de Canaveses, Macedo de Cavaleiros, Vila Meã, entre muito outras, têm sido os casos mais recentes mas há muitos outros que não são do domínio público. No trabalho sobre os corpos de bombeiros de Penafiel e Paredes que apresentamos nesta edição, a responsável de uma corporação é taxativa: com a redução nos transportes, as receitas das associações cobrem agora apenas 30 por cento das despesas. Logo, existe um problema de fundo, relacionado com o financiamento dos corpos de bombeiros, que urge resolver. Num levantamento feito recentemente, foi divulgado que no norte do país metade das 120 corporações de bombeiros tem dificuldades financeiras, muitas têm salários em atraso e dívidas para pagar. Já esta semana, o presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito do Porto admitiu que Marco, Vila Meã e Leixões são instituições em falência técnica, situação que atribuiu a gestão errada. José Miranda, contudo, defende que o problema é geral e se prende «com a falta de financiamento estruturado e baixa comparticipação estatal no transporte de doentes». Com exceção dos centros urbanos de maior densidade populacional, o norte do país tem uma ou duas corporações pro Município, mas no Vale do Sousa há uma situação de exceção: dois municípios têm oito corpos de bombeiros – Paredes tem cinco (Baltar, Cete, Lordelo, Paredes e Rebordosa) e Penafiel tem três (Entre-os-Rios, Paço de Sousa e Penafiel). Face ao quadro de dificuldades justificar-se-ão tantas corporações, pese embora a extensão dos respetivos territórios e as eventuais razões históricas que levaram à sua criação? O rácio de Paredes, com cinco corporações (e um efetivo de 120 veículos e mais de 500 elementos, segundo um estudo de 2007) – para 156 km² de área e 86 854 habitantes (Censos 2011) – é ainda inferior ao de Penafiel (com três), que tem mais área mas menos 14 mil pessoas – 212 km² e 72 265 habitantes. Num trabalho conduzido pela jornalista Mónica Ferreira, os responsáveis das diversas corporações não admitem a necessidade de reduzir as estruturas ou uma eventual fusão, embora, no caso de Paredes, seja aventada a possibilidade de se criar uma central de socorro comum às cinco corporações. Outros responsáveis aduziram dificuldades de entendimento por os activos (património imobiliário e viaturas) e os passivos serem muito desiguais entre as várias associações... Resumindo: nem a ameaça da asfixia financeira, que poderá, no limite, conduzir algumas delas à insolvência, consegue demover os bairrismos instalados (Lordelo e Rebordosa são o caso mais evidente, com os quartéis a distarem entre si escassos quilómetros) e encontrar formas de associação (agregação ou fusão, chame-se o que se quiser, mesmo mantendo todos os quartéis como pontos avançados de socorro) que contribuam para a diminuição dos custos de funcionamento das estruturas e ajude a manter uma boa rede de socorro, fundamental para a segurança das populações. J.S.
BOMBEIROS | Responsáveis de Entre-os-Rios, Paço de Sousa e Penafiel avisam
Receitas das associações não cobrem mais do que 30% das despesas Numa altura em que as Associações Humanitárias dos bombeiros voluntários começam a ter a vida dificultada com os sucessivos cortes nos seus orçamentos, avizinham-se tempos difíceis para quem dirige os “soldados da paz” e no horizonte começam a vislumbrar-se cenários negros quanto ao futuro das corporações. A diminuição nas requisições para o transporte de doentes não urgentes, assim como a diminuição no valor pago pelo transporte, associados a encargos financeiros que as corporações têm mensalmente, entre os quais as despesas com o pessoal e manutenção dos veículos, começam a pôr em causa o socorro prestado às populações, numa altura em que todos começam a sentir necessidade de fazer cortes nas despesas e, em alguns casos, até a dispensar pessoal. A agregação (ou até a fusão) das corporações dos bombeiros é uma das opções que está já em cima da mesa e começa a ser discutida mas não é uma solução que reúna consenso entre todos os dirigentes das corporações ou pelo menos não num formato linear a ser aplicado da mesma forma a todas as corporações. No concelho de Penafiel, onde existem três corporações (Penafiel, Paço de Sousa e Entre-os-Rios), estas ainda apresentam, segundo os seus dirigentes, uma situação financeira estável, mas o cenário pode alterar-se a qualquer momento se o Governo não fizer uma revisão nas comparticipações atribuídas.
No caso da associação de Entre-os-Rios, a presidente Filomena Pereira garante que “atualmente está financeiramente bem”, mas a situação pode complicar-se num futuro próximo. “Se as coisas continuarem como estão, daqui a quatro ou cinco meses ficamos muito mal porque as receitas só pagam 30 por cento das nossas despesas”, advertiu. A diminuição de receitas na corporação de Entre-osRios já se fez sentir, devido à redução do valor pago pelo transporte de doentes e do número de credenciais atribuídas. “Em cada cinco transportes pagam-nos 100 por cento no primeiro e vinte por cento nos restantes quatro e assim sucessivamente. Quanto às credenciais, retiraram a credencial a algumas doenças que o tinham anteriormente, caso das fisioterapias”, afirmou a presidente. Além disso, ainda perderam doentes de área geográfica do Torrão e de Várzea e que já estão atualmente em conversações com a Associação do Marco de Canaveses, com a ARS e com a Liga dos Bombeiros para reaverem esses doentes.
Entre-os-Rios reduz pessoal A direção da corporação de Entre-os-Rios já dispensou três elementos e poderá ver-se obrigada a dispensar ainda mais. Tem valido a esta associação não ter encargos financeiros além dos custos associados ao pessoal e às viaturas. “Não temos outras responsabilidades, o quartel está pago”, referiu Filomena Pereira. Para esta responsável, é preciso que se encontre uma solução para os bombeiros “pois o futuro não está fácil” e o agrupamento poderá ser uma solução, mas em seu entender “não para o concelho de Penafiel que só tem três corporações". A dirigente acrescenta: "Esta questão tem que ser vista caso a caso. Não se pode associar uma associação com boa saúde financeira a outra com dívidas”. “No transporte, o agrupamento das corporações até pode funcionar, mas em caso de maior urgência não se conseguirá dar resposta com a mesma rapidez e aqui está em causa o socorro a pessoas e bens”, acrescenta. Por entender que esta situação tem que ser revista e que o Governo tem que criar condições para que os “soldados da paz” cumpram as suas funções, Filomena Pereira já conversou com o novo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Soares, órgão do qual a penafidelense também faz parte (integra o Conselho Jurisdicional), e este já instou o Governo a rever a situação dos bombeiros.
Contas equilibradas em Paço de Sousa A corporação de Paço de Sousa também não fica à margem das dificuldades que as suas congéneres sentem atualmente. A corporação “está doente", refere o presidente da direção, José Maria Sousa. "Não estamos mortos mas estamos doentes, vivemos preocupados mas não aflitos”, acrescenta.
No ano passado, a corporação de Paço de Sousa conseguiu equilibrar as receitas e as despesas e o presidente garante que este ano conseguirá o mesmo. Com um passivo de zero, sem débitos e com todos os pagamentos efetuados, a corporação de Paço de Sousa tem um bom ativo, composto por dois edifícios e trinta viaturas, todas elas operacionais e em condições para prestarem o socorro sem colocar ninguém em risco. Não foi necessário dispensar pessoal e a associação tem procurado “fazer coisas novas para angariar mais dinheiro”. "Atualmente não somos tão acarinhados pelas pessoas, sentimos nas pessoas alguma indiferença. Desde que o Governo nos começou a transferir verbas que as pessoas entendem que a nossa subsistência tem que ser garantida pelo Estado e como tal não nos ajudam tanto”, lamenta, ao mesmo tempo que exige do Governo uma mudança. José Maria Sousa acredita que a solução passa por uma mudança de atitude - maior apoio estatal - e nunca por um cenário de agregação. “Não acredito que as corporações se
agreguem, por uma questão de bairrismo. No concelho de Penafiel acho que nem há necessidade porque elas estão bem distribuídas, embora em outras zonas do país isso possa fazer sentido, mas tem que ser um caso bem estudado no terreno e não feito a partir do gabinete”.
Estabilidade financeira em Penafiel Também em Penafiel a situação financeira da corporação é estável, embora sem margem de manobra para grandes investimentos ou projetos, ainda que há muito sonhados pela direção, como referiu Eduardo Nunes, presidente da associação humanitária. A aquisição de uma ambulância de transporte de doentes e de uma escada que permita o acesso a prédios altos, bem como a deslocaização do quartel, são projetos que Eduardo Nunes gostaria de concretizar, “mas só caso as contas da associação, que atualmente estão estáveis, o permitam”. A redução dos valores pagos pelo transporte dos doentes não urgentes é na corporação de Penafiel, como nas restantes, um sinal de que as coisas tendem a piorar e as associações a ficarem sem meios para fazer face às despesas. “É preciso que o Estado assuma novamente os encargos decorrentes do transporte de doentes não urgentes, porque está previsto na constituição que todos têm direito à saúde”, frisou o presidente. Se tal se verificar, Eduardo Nunes acredita que a vida dos bombeiros voltará a estabilizar e que não serão necessárias medidas adicionais, como o falado agrupamento das corporações. “Agrupamento de corporações não me parece que aconteça. Quando muito centralização de custos ao nível das oficinas e da administração e dos comandos, porque ao nível dos meios de socorro não pode ser”, rematou. M.F.
BOMBEIROS | Baltar, Cete, Lordelo, Paredes e Rebordosa
Defendida a criação de uma central única no concelho de Paredes No concelho de Paredes, a realidade que se vive nas Associações Humanitárias de bombeiros é em tudo semelhante à vivida em Penafiel. As reduções nos pagamentos pelo Ministério da Saúde também afetaram as receitas das corporações de bombeiros, nomeadamente em Lordelo e Rebordosa. Essas dificuldades levam os seus dirigentes a aceitarem discutir a questão do agrupamento, não das associações mas dos comandos. Mário Sousa, presidente da associação da cidade de Paredes, concorda que se agrupem as corporações ao nível dos comandos e acredita mesmo que esta questão será “inevitável”. “Sou a favor do agrupamento dos comandos, não das associações e tenho lançado com muita frequência a questão da central única por concelho que em meu entender seria um bom e primeiro passo para o restante”. Para que se avance com processo, Mário Sousa sugere que os responsáveis façam "uma leitura correta, desapaixonada e objetiva”, tendo por objetivo uma melhoria na condição financeira das associações de bombeiros. "Se continuar como está, muitas corporações vão deixar de respirar”, enfatizou. António Tadeu, presidente da associação de Cete, partilha da opinião de Mário Sousa, afirmando-se “muito adepto de uma central de socorro única em cada concelho", medida que seria um passo importante "para a melhoria da saúde financeira das associações”. “Reagrupar associações será muito difícil por questões naturais, de identidade, mas podia-se começar por agrupar aquilo que não fosse socorro e não comprometesse o mesmo", defendeu. O dirigente sublinha "que agora a corporação de Cete está bem financeiramente mas se não houver saneamento financeiro daqui a uns tempos estaremos mal como os outros”.
Apenas Lordelo sugere fusão de estruturas Em Lordelo, o dirigente Manuel Costa afirma que já teve necessidade de dispensar pessoal e que as despesas vão sendo pagas, mas “com algumas dificuldades”. E não há margem para investimentos. “Temos os salários e os subsídios em dia mas já tivemos que dispensar pessoal, antecipamos as reformas e deixamos de pagar prémios”, anunciou o presidente. Para o presidente da associação de Lordelo, o futuro das corporações de bombeiros poderá passar por uma agregação “não de quartéis, mas de estrutura”, que passará por se manter os edifícios físicos existentes, mas “só com um comandante, só com uma cen-
tral e com uma melhor redistribuição de meios, por exemplo”. Certo de que não será um processo “pacífico” e que poderá passar por uma “imposição”, pois a tendência das pessoas será defenderem muito a sua freguesia e as associações que aí existem, Manuel Costa acredita que “será difícil mas inevitável”, pois não vê “viabilidade nas instituições, cujos proveitos não pagam as despesas”. Por enquanto, garante que continuará “a fazer o melhor possível”, cumprindo o seu papel de presidente e as obrigações da corporação, na esperança de que, quem de direito, faça alguma coisa para ajudar quem ajuda e não ponha em causa o socorro das populações. Também em Rebordosa a corporação tem conseguido manter-se “estável”, com todas as contas em dia, mas sem saber o que o futuro lhe reserva. Segundo José Moreira, presidente da associação humanitária, “os salários e subsídios estão em dia, não tivemos que dispensar ninguém, as receitas têm dado para suportar as despesas, mas o futuro não sabemos como será”, frisou. O responsável admitiu que tem existido a preocupação de reinventar o conceito de bombeiros e organizam diversas atividades, caso do Bazar do Móvel, que lhes permitem angariar receita extra. Quanto ao futuro, rejeita a possibilidade de agrupamento dos quartéis, mas também confessa que como está não pode ficar. “Acho que o futuro não passará por um agrupamento das corporações, mais por uma questão de bairrismo. Não sei qual será a solução, mas tenho a certeza que como está não pode ficar, porque as corporações não se vão aguentar”.
Empresa global para os transportes Também José Alberto Sousa, presidente da associação de Baltar, é contra o agrupamento dos quartéis e que nem será esta a solução para os problemas dos bombeiros. “Eu acho que a questão não está no reagrupamento, mas sim nos transportes. Devia criar-se uma empresa de transportes pertença de todas as associações e seria esta a gerir. Seria uma das soluções”, afirmou. O responsável coloca de parte a hipótese de reagrupamento por entender que o papel social dos bombeiros extravasa o próprio socorro e as pessoas não podem olhar para os bombeiros como números. “O papel social dos bombeiros vai muito além do dinheiro. E neste momento o que estão a fazer aos bombeiros com esta redução nos transportes, não é só aos bombeiros que o fazem mas também às pessoas e delas não nos podemos esquecer”, rematou o responsável de Baltar. M.F.
POBREZA | Associação do Marco de Canaveses preocupada com as famílias
Centenas de famílias só conseguem Joana Vales | joana_vales@hotmail.com | Fotos J.V.
O número de famílias carenciadas está a aumentar no concelho do Marco de Canaveses e são as associações de solidariedade social que apoiam e aconchegam quem é obrigado a pedir ajuda. São famílias numerosas, com dificuldades e que vivem com a ajuda de quem ainda pode ajudar. Todos os dias os números aumentam e são cada vez mais as pessoas que vivem em situações de carência, numa luta constante para não desistirem da vida. Só no Marco de Canaveses, a Associação de Ajuda Humanitária Natura apoia 925 pessoas, o que corresponde a 288 famílias. Muitas mais há para ajudar, muitas mais continuam envergonhadas e a viver em situações de grandes dificuldades.
O desemprego, os baixos rendimentos face às despesas fixas do agregado ou doenças graves que as impendem de viver com qualidade são as grandes razões que empurram crianças, adultos e idosos para o limiar da pobreza. Às segundas, quartas e sextas são muitos os que procuram nas instalações da Associação Humanitária Natura o cabaz mensal que lhes garante, pelo menos, alguns dias com comida na mesa. Margarida Pinto, 40 anos, e João Ribeiro, 46 anos, têm seis filhos e dois netos. João trabalhava numa pedreira mas o desemprego atirou-o para casa onde vai trabalhando no campo, juntamente com a mulher, para garantir o sustento dos filhos. Viver nem sempre é fácil para este casal que se vê obrigado a pedir ajuda. São oito pessoas e vivem apenas com cerca de 500 euros para todo o mês. “É muito difícil porque, infelizmente, precisamos de dinheiro para tudo. Vamos cultivando e criamos gado o que ajuda a não passarmos fome mas também tenho que recorrer a outras ajudas porque caso contrário não conseguimos”, explicou Margarida. A primeira vez que Margarida foi à Natura pedir um cabaz de alimentos, a cabeça ia baixa com um olhar revelador de vergonha. Nunca viveu com luxo mas nunca pensou ter que pedir para comer. “Senti muita vergonha porque nunca fui habituada a pedir
nada a ninguém mas tive de ganhar coragem e deixar a vergonha de lado porque é melhor pedir do que não ter comida para dar aos meus filhos”, desabafou. A casa é pequena para todos e o maior sonho de Margarida era ficar com a casa do pai, que faleceu, mas o dinheiro é demasiado pouco para se aventurar a pagar aos irmãos. A máquina de lavar roupa está cansada de tanto trabalhar, a casa é uma porta aberta ao frio mas apesar das dificuldades, o sorriso tímido de Margarida não desiste de lutar. “Sei que somos pobres mas tento pensar que a minha vida não é assim tão má e que ainda podia ser pior. Tenho os meus filhos, os meus netos, o meu marido e, melhor ou pior vamos vivendo”, disse com esperança. Maria Ester, 48 anos, ficou viúva há oito e com onze filhos para criar. O semblante é pesado mas a força de viver resiste às adversidades que a vida lhe tem reservado. A filha mais nova nasceu quando o marido faleceu num acidente de viação. O mundo desmoronou-se e as dificuldades económicas agravaram-se. Hoje vive com pouco mais de 700 euros e um aperto no coração. Ester tem problemas de saúde e esteve internada quase dois meses no hospital. Na altura correu o risco de ficar sem os filhos, retirados pela Segurança Social, mas o pesadelo não aconteceu e Ester conseguiu voltar para casa.
mais numerosas
sobreviver com o apoio de instituições Os dias são passados a tratar dos filhos e no campo, onde cultiva para comer. Todos os meses vai à Natura, no centro da cidade, para levantar um cabaz de alimentos que lhe dá para menos de uma semana. “Dá para pouco tempo, porque somos muitos, mas já é uma grande ajuda. Sem isso seria muito pior”, disse. Maria Ester é sozinha para tudo e carrega nos ombros as preocupações da família. Ficar sem os filhos é o seu maior medo, ver a filha mais nova tornar-se adulta, o seu maior desejo. “Tenho muito medo que chegue o dia que eu não tenha dinheiro para lhes pôr comida na mesa. Só peço a Deus que me dê saúde para os ver crescer e para continuar a lutar pela vida”, contou ao Repórter do Marão. Os cinco netos juntam-se aos tios à volta da avó Ester. Na cozinha, as panelas são grandes e tudo se faz em grande quantidade. “Numa refeição gasto um quilo de arroz. Do campo tiro os legumes e pelo menos a sopinha eles têm sempre”. Com o início das aulas começam as dores de cabeça desta mãe a tempo inteiro. “Fico muito nervosa nessa altura porque é muito difícil para mim conseguir dinheiro para os livros. Este ano foi o meu filho mais velho que está a trabalhar na Alemanha, que me ajudou. Se não fosse ele, não sei como ia conseguir”, disse preocupada. Maria Ester sabe que vive com grandes dificulda-
des mas também sabe que nunca desistiu da vida e que nunca vai desistir. “Sou sozinha para tudo mas enquanto tiver saúde farei tudo pelos meus filhos e pelos meus netos”, promete. Segundo Zeferino Vieira, Educador Social da Associação de Ajuda Humanitária Natura, o número de pessoas a procurar ajuda tem vindo a aumentar, principalmente da freguesia de Várzea de Ovelha. “Em julho de 2011, quando o governo mudou, notamos um aumento significativo da procura. Houve um alerta muito grande para a crise e surgiram 59 novos casos em apenas dois meses”, explicou o técnico. As situações de desemprego são as mais frequentes e as que levam mais famílias a procurar ajuda. “Temos muitos casos de desemprego em que as pessoas veem-se obrigadas a recorrer a ajuda humanitária porque não conseguem dar a volta de outra forma”. A maior parte dos casos são pessoas com mais de 40 anos mas existem também agregados familiares com 25, 30 anos em situações de grande carência. “Para além do desemprego temos muitos casos de problemas de saúde mental, depressões e alguns casos de pessoas que estão desempregadas e que não têm qualquer tipo de rendimento ou subsídio, vivendo apenas da ajuda dos outros”, explicou Zeferino Vieira. As mulheres são as que mais procuram ajuda
apesar da vergonha que sentem. “Nota-se que sentem algum desconforto mas nós estamos aqui para ajudar quem precisa. Sabemos que existe muita gente que necessita e de que não temos conhecimento e sabemos que também existe muita pobreza envergonhada”. Para muitos, a solução está em sair do país à procura de uma vida melhor e sem a necessidade de contar os dias para levantar um cabaz com alimentos. “Temos casos de pessoas que nos disseram mesmo que já não voltariam cá para pedir alimentos porque iam tentar a sorte no estrangeiro”, contou. Em 2011, a Associação Natura distribuiu cerca de 2084kg de arroz, 2675kg de massa, 315kg de açúcar, 141kg de farinha, 474kg de sal, 1770 latas de atum, 1902 pacotes de bolachas, 373 litros de azeite, 202 pacotes de cereais, 1400 litros de leite e 530 litros de sumo. São várias as atividades realizadas por esta Associação no sentido de angariar alimentos para apoiar as famílias mais carenciadas do concelho. No Natal, também a Câmara Municipal apoiou cerca de 500 famílias através da distribuição de cabazes alimentares, roupa e brinquedos para as crianças. Margarida, João, Ester são apenas o retrato de muitas famílias que vivem em situações de grande carência, em que a ajuda alimentar é fundamental para sobreviverem num mundo que se esqueceu deles.
DOURO VERDE afirma-se como Sob a marca cultural "Paisagens Milenares", o território Douro Verde vem afirmando-se como importante destino turístico. Para o aumento do número de visitantes contribuiram as vias de comunicação mas sobretudo a melhoria da qualidade da sua restauração e da hotelaria, que vai das tradicionais unidades hoteleiras – três delas com nome firmado no Douro – aos novos projectos de turismo em espaço rural, alguns com classificação
Unidades hoteleiras cada vez mais qualificadas Cinco das melhores unidades hoteleiras que servem o vale do Douro estão localizadas no nosso território – Douro Palace (Baião) na foto esquerda, Casa da Calçada (Amarante), Porto Antigo (Cinfães), Douro Park (Resende) e Convento de Alpendorada (Marco de Canaveses) – o que potencia uma oferta muito variada e ao alcance de vários segmentos de visitantes. Se quantitativamente este tipo de alojamento ainda fica aquém do desejável, a oferta de dormidas no território Douro Verde está também muito alicerçado no turismo de habitação e no espaço rural. São dezenas de alojamentos nos seis concelhos do nosso espaço, com unidades modernas e dotadas de grandes condições de atractibilidade, de que são exemplo a Casa de Gondomil (Marco de Canaveses), a Quinta da Porta Caseira (Resende), a Quinta de Ventuzela (Cinfães) e a Quinta de Ribas (Amarante). Em Baião, existe porventura a oferta mais diversificada e de maior qualificação, onde merecem destaque Quinta das Quintãs, O Aconchego das Raízes, Quinta do Ervedal, Casa da Torre, Casa da Lavandeira e Casas de Pousadouro (foto direita).
Museus, património literário e religioso
Rota do Românico reforçou a visibilidade dos monumentos
Os museus Amadeo de SouzaCardoso (foto) e Serpa Pinto, em Amarante e Cinfães respectivamente, são os equipamentos com os acervos mais valiosos, mas no território Douro Verde merece também uma visita a Fundação Eça de Queiroz, em Tormes. No património contemporâneo, a Igreja de Santa Maria, da autoria de Siza Vieira, no Marco de Canaveses, é uma visita obrigatória para quem se interessa pela obra do mais distinguido dos arquitectos portugueses.
O alargamento da Rota do Românico ao nosso território deu nova visibilidade ao património religioso. A arte românica tem grandes exemplos, entre muitos outros, em Barrô (sec.XIII), S. Martinho de Mouros e Cárquere (Resende), Abragão, Boelhe, Cabeça Santa e Eja (Penafiel), Alpendorada, Vila Boa do Bispo e Tabuado (Marco de Canaveses), Tarouquela e Escamarão (Cinfães), Ancede e Valadares (Baião) e Jazente, Travanca, Gondar, Telões e Gatão (Amarante).
MARCO DE CANAVESES: DOLMEN - Lg. Sacadura Cabral | Edf. Asa Douro, Sala 5 | T. 255 521 004
Produção editorial da responsabilidade da DOLMEN
um importante destino turístico internacional equivalente a unidades de cinco estrelas. Apoiada também num património classificado de projecção internacional, tem sido objectivo da Dolmen, como entidade que gere este território, captar o mercado exterior à própria região, sempre com o alvo apontado à Área Metropolitana do Porto e à subregião do Vale do Sousa, de onde são maioritariamente originários os turistas que nos visitam.
Gastronomia de qualidade e uma estrela Michelin em Amarante A gastronomia (e a doçaria também) assenta muito nos produtos tradicionais e nas receitas dos antepassados, mas essa atitude não impede que as unidades de restauração fundam a tradição com a modernidade. Exemplo dessa simbiose é o restaurante Largo do Paço, em Amarante (foto direita), que ostenta uma estrela Michelin há muitos anos e onde foi possível, com vários chefs que passaram pela casa, criar cozinha de autor com os produtos mais tradicionais da terra. Integra os principais roteiros internacionais de gastronomia. A gastronomia no Douro Verde vive muito do anho assado (foto esquerda), um ícone da cozinha tradicional que atravessa quase a totalidade do território, embora com algumas cambiantes, sobretudo quanto aos acompanhamentos. Raro é o restaurante de Baião, Marco de Canaveses, Resende e Cinfães que não apresenta na sua carta esta iguaria. A carne predomina, sendo exemplos as postas arouqueza ou maronesa, raças autóctones, e os enchidos. Na doçaria, o primado pertence a Amarante com os doces conventuais, confeccionados à base de ovos.
Paisagens a perder de vista com o Douro e o Tâmega em fundo
As nossas origens passam pela Aboboreira e por Tongobriga
Os rios Douro e Tâmega, que cortornam a maior parte do nosso território, propiciam lugares de extraordinária beleza e que as albufeiras vieram realçar. As margens destes cursos de água formam recantos e panorâmicas perfeitos, de que são exemplo Venda das Caldas e Caldas de Aregos, Pala/Portomanso (foto) e Porto Antigo, S. Nicolau e Sobretâmega, Alpendorada e Torrão e ainda a zona ribeirinha da cidade de Amarante. Um regalo para a vista!
A cidade romana de Tongobriga, descoberta há três décadas em Freixo, Marco de Canaveses, é o expoente das origens do nosso território. Monumento nacional, a cidade romana remonta ao século II e hoje é um dos monumentos mais visitados, mercê da divulgação e de alguns equipamentos que lhe foram associados. Também monumento nacional, o campo arqueológico da Aboboreira, bem como a componente ambiental da serra, merece uma visita.
BAIÃO: DOLMEN - Centro de Promoção Produtos Locais | Rua de Camões, 296 | T. 255 542 154
Branco
Imagem: http://vi.sualize.us
Os cabelos eram brancos. Única herança em vida, herdada logo na hora de nascer. “Esta criança tem cabelos brancos!”. Branco mundo. Branco paz. Branco calmo. Cresceu pacificada nos pensamentos, embalada pela cor que lhe dormia na cabeça. Foi à escola dois dias. Aprendeu que não tinha dinheiro para comprar os livros. Serviu-lhe a lição para a vida. Aprendeu a ler sozinha, a escrever o nome, a soletrar os dias. Branco paz. Cresceu a cuidar dos irmãos: cinco. Cinco homens à volta da mesa a dividir o pão, o arroz, o prato vazio a chegar para todos. Branco esperança. As calças rotas remendadas com a linha enrolada, os dedos frios, vermelhos. A lareira, único aconchego de uma rapariga que crescia a cuidar das vidas que vieram depois dela. O campo, a terra, os sulcos rasgados pela sachola a fazerem dos dedos finos dias de trabalho. Mãos de menina. Dedos em unhas perfeitas, um encontro sem cutículas. Unhas rentes de trabalho a levar à mesa os frutos da terra. A mãe morreu-lhe ao quinto irmão. O pai lançou-se num desespero de tabernas. Às vezes, trôpego, deixavase sentar no primeiro degrau da velha casa. A cabeça entre os joelhos, as calças de fazenda cinzentas, cor desgastada. Ela descia as escadas nos tamancos de menina, segurava na mão castanha do pai : “dá licença, meu pai?”. Beijava-lhe a mão que fedia a bagaço bebido. Engolia as lágrimas juntamente com o sabor acre da mão e ajudava-o a subir escaleira a escaleira, até ao topo da casa, onde o lume aquecia o caldo de cebola em pote preto. Depois, sem palavras, ouviam-se as colheres a rasparem no fundo das malgas, a loiça rachada com pinturas de flores pequeninas a ficar vazia, os últimos pingos do caldo sorvidos com barulho. Os homens
AGRICULTURA | País já produz 72 % do azeite que consome e
Área de olival cresce em Os olivais de Trás-os-Montes e do Alentejo já asseguram mais de 70 por cento do azeite que o país consome anualmente e as exportações já valem cerca de 160 milhões. Portugal está “no caminho da auto-suficiência na produção de azeite”, com o país a produzir 72 por cento das necessidades, assegurou o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque. Num seminário em Mirandela – a região transmontana é o segun-
do maior produtor nacional a seguir ao Alentejo, o governante recordou que o país «já teve auto-suficiência, perdeu-a, mas foi crescendo e agora está num período de recuperação e dinamismo». Nos últimos cinco anos, a produção de azeite e a exportação duplicaram e os olivais já asseguram quase três quartos do azeite consumido a nível nacional, o que faz o governante acreditar que «é possível atingir a auto-suficiência no futuro». Só na região de Trás-os-Montes foram plantados nos últimos
vida deitavam-se quase logo. Ela punha o avental rodado, arregaçava as mangas, apertava o cabelo em jeito de poupo, levava as malgas para a pia, abria a água, passava o esfregão no pedaço de sabão e deixava as mãos ficarem vermelhas de água fria. Depois a noite era só dela. Deitava-se no quarto que era só dela, na cama que era só dela, no travesseiro a cheirar a alfazema que era só dela, com o cheiro dos cabelos que eram só dela. Brancos. O corpo na camisa de dormir que era quente e era só dela e os pés nas meias de lã que eram só dela. Os sonhos. Os sonhos que eram só dela e que só saiam à noite quando a razão cedia e lhes abria as portas, escancaradas. E então, ela era menina. Menina de cabelos longos, penteados e apanhados com fita de cetim. Menina sem cabelos brancos. Menina com tamancos de tamanho certo, saia rodada à cintura, camisa às flores. E era assim que ela descia a rua com um livro debaixo do braço. Orgulhosa de letras sentava-se na primeira carteira com o olhar preso no professor. Mestre escola. E aprendia todos os reis e rios de Portugal, o de cá e o que ficava no meio do mar, até que a manhã chegava e lhe tirava o livro, a escola, os dias de menina. E lhe devolvia os cabelos brancos. Menina assim. Cresceu a menina dentro dos tamancos e os pés foram procurando outros passos. Bailes às vezes, uma vez, na eira, por altura do Entrudo. O farrapo na cara numa brincadeira de disfarces e ele a tirar a máscara e a perguntar-lhe: “queres casar comigo?”. Subiram ao altar com um ramo de flores do quintal. Os cabelos brancos lisos a fazerem as vezes de véu. Ela e ele tiveram quatro filhos. Uns a seguir aos outros, amanhados na casa pequena, com o pai velho entregue ao bagaço que lhe descia pela garganta a apagar os dias.
Cresceram uns na medida em que outros envelheciam. O trabalho no campo, na feira de manhã cedo, nas obras e no que mais houvesse, deu para comprar os livros, para garantir a ida para a escola. Uns a seguir aos outros, com a mesma lapiseira, com as mesmas calças, o mesmo sorriso, o mesmo pedaço de pão no bolso. A casa ajeitou-se. Taparam-se os buracos, compraram-se mais duas camas. Os rapazes cresceram. A barba chegou-lhes à cara, as raparigas levaram os quatro de braço dado ao altar. E ela, de saia nova, sapatos em vez de tamancos, lágrimas de dentro em jeito de felicidade. Branco mãe. Deixou as sucessivas bodas com música de conjunto e cabrito à mesa e desceu a velha rua a caminho de casa. Branco tranquilidade. Mãos de rugas em dedos finos. Ligou a televisão a preto e branco, presente de um filho que emigrara. Sentou-se. Passaram-lhe pelos olhos gente com promessas. Viu cravos enfiados em jarras, viu acreditar. Viu gente que crescia e deixava de ser, viu gente que queria ser. Viu netos a serem dela. Viu ter uma televisão a cores, viu muitos terem muitas televisões a cores. Viu os netos terem uma espécie de televisões nos bolsos. Viu tudo e viu bem, com óculos graduados. Os cabelos presos num poupo, brancos, os olhos azuis céu. Viu e cansou-se de ver. Levantou-se, desligou a televisão, tirou os óculos, descalçou os sapatos. Calçou os tamancos, soltou o cabelo branco pelas costas. Sentou-se à janela. Era pôr-do-sol. Respirou fundo e deixou-se nascer.
está a caminho da auto-suficiência
Trás-os-Montes anos mais três mil hectares de novo olival, o correspondente, segundo José Diogo Albuquerque, a «22 por cento da superfície total de Portugal». Quanto mais auto-suficiente for o país menos importações serão necessárias e isso ajuda a nossa economia, considerou o governante. O secretário de Estado sublinhou que «Portugal está a aumentar as exportações de azeite», especificando que valem 160 milhões de euros por ano.
Eduarda Freitas
DEMOGRAFIA | Jovens transmontanos deixam o país às centenas
Uma nova diáspora Daniel Faiões | dfaioes@gmail.com | Fotos D.R. Jovens de Trás-os-Montes procuram, no estrangeiro, empregos que não conseguem em Portugal. Realização profissional, melhores salários ou partir à aventura são alguns dos motivos para sair do país.
7331 Km de distância Manaus, capital do estado brasileiro do Amazonas, foi o destino eleito por Ivo Vaz para mudar de rumo. Formado em Gestão Comercial e Marketing, o jovem de 26 anos, de Bragança, desde cedo equacionou a hipótese de sair do país, caso a necessidade o exigisse. Após ter concluído a sua formação académica, trabalhou em Portugal na sua área, mas essa seria uma situação que haveria de mudar passado algum tempo. “A decisão de emigrar foi tomada após ter sido despedido. Depois, ou não conseguia encontrar emprego ou aquele que encontrava não me satisfazia, já que as propostas de vencimento eram, no mínimo, ridículas.” Sendo filho único, Ivo Vaz compreende a angústia que é para os pais verem partir um filho. Ainda assim, diz ter sentido o apoio necessário para assumir a sua decisão. “Os meus pais compreenderam e aceitaram a minha intenção de partir e até acabaram por incentivar, pois a escassez de ofertas de emprego em Portugal é muita e foi ela que acabou por fadar o meu destino”.
Familiares como alavanca na hora de emigrar Um ano volvido e “sem qualquer arrependimento” pela decisão, Ivo Vaz explica que a procura de trabalho se processou através de familiares. “Foram eles o elo de ligação, uma vez que cheguei a Manaus a 22 de janeiro [2011] e, dois dias depois, já estava a trabalhar e a conduzir numa cidade totalmente desconhecida.” A vantagem de abraçar uma aventura deste tipo no estrangeiro prende-se, sobretudo, com a questão monetária. No entanto, a progressão na carreira e o reconhecimento que sente pelos seus pares são “também de uma grande relevância”. Perfeitamente integrado num novo ambiente, Ivo refere que no Brasil os portugueses são olhados como “pessoas focadas no trabalho e competentes nas tarefas que desempenham”. Segundo o gestor de marketing, são estas as valências que as empresas brasileiras procuram. “Penso que vamos [portugueses] deixar uma forte marca no desenvolvimento de países emergentes, visto que estes locais estão de braços abertos para nos receberem, ao contrário do nosso país, que inclusivamente incentiva a nossa emigração.”
Oportunidades em Língua Portuguesa Angola é outro dos países que tem vindo a despertar o interesse de alguns portugueses inconformados. Como o Brasil, este país africano é agora um destino interessante pela oferta de empregos e pelos salários apelativos. José Pinto nasceu em Vila Real e tomou a decisão de sair em 2008. “Quando surgiu a proposta profissional de trabalhar no exterior e, após ponderação, resolvi aceitar. A experiência que se ganha no exterior é enriquecedora, seja a nível profissional, seja a nível pessoal. Cultura ou conhecimento não se compram, constroem-se”, defende. Este vila-realense, de 29 anos, abdicou da sua “zona de conforto” após ter posto no prato da balança os aspetos positivos e negativos de uma eventual partida. “A questão monetária é quase sempre um dos primeiros fatores a ser considerado. No meu caso, foi também a oportunidade de avançar rumo ao desconhecido, pois na altura não se ouvia falar de Angola como hoje. Eram outros tempos, a guerra civil havia terminado há apenas cinco anos e ainda se desconhecia se
haveria estabilidade.” A viver atualmente em Luanda, José recorda que era olhado “com estranheza por ser diferente”. “Pessoas como eu eram muito poucas, principalmente nas províncias. Essa curiosidade que sentiam por mim era a mesma que eu sentia pela sua cultura”, confidencia. O gestor formado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro entende que os portugueses são muito acarinhados e apreciados em Angola pela sua fácil “adaptação e por se desenrascarem com facilidade”.
Arquiteto em terras helvéticas Foi também a “precariedade” do trabalho nos ateliers de arquitetura que levou Luís Rodrigues a procurar outras paragens. Depois de ter trabalhado em dois gabinetes em Lisboa, cidade onde também se formou, o brigantino considerou que a altura era de opções. Foi já em 2008 que o arquiteto, de 29 anos, decidiu sair do país rumo a Lausanne, na Suíça. “Foi uma aventura... aventura essa que começou com o pedido de demissão do meu trabalho em Lisboa”, relembra. Esta sangria de jovens com formação superior é tida por Luís Rodrigues como uma escapatória de um futuro possivelmente mais negro. “Vim antes dos anúncios de crise que puseram toda a gente a correr do país... E é assim que vejo a coisa: uma fuga. Não é uma opção de procurar algo diferente! Se a jovem massa cinzenta de Portugal se vê quase obrigada – até o Governo já diz que é preciso – a pôr-se a andar, é porque algo está mal, o que é, logicamente, negativo”. Luís não pensa regressar para já porque “profissionalmente se sente estimulado” e porque “as oportunidades de viajar e de ‘cultivar’ a experiência de vida têm sido muito marcantes”.
Economia emergente, construção efervescente O Brasil vive atualmente um boom económico e, nesse sentido, tem notado um crescimento imparável no setor da construção civil. Por este motivo, Luís Mondragão, engenheiro civil, abraçou a ideia de fazer uma viagem até ao outro lado do Atlântico. Com um mestrado em Engenharia Civil na bagagem, o jovem de 28 anos decidiu arriscar, juntamente com um amigo da mesma área de formação. “Fui totalmente de ‘mochila às costas’. Foi mesmo uma aventura, pois nunca tinha saído da Europa, para uma cultura completamente diferente.” A pesquisa de emprego fez-se através de uma busca intensa em Portugal, com recurso ao Linkedin e vários sites de emprego do Brasil. “Cheguei lá com cinco entrevistas marcadas, inscrevi-me em quatro sites pagos, com os quais intensifiquei a procura e, ao fim de poucos dias, tive muitas entrevistas”, conta. Quando este brigantino iniciou a sua formação académica, Portugal vivia ainda um período de alguma efervescência ao nível da construção. Entretanto, essa realidade mudou. “O Brasil está como Portugal estava há 15 anos, ou seja, precisa de muita construção. Isso vai ser ótimo para mim, pois vou aprender as várias áreas de atuação da minha profissão. Em dezembro, li uma notícia que dizia que em 2012 iam ser despedidos cerca de 60.000 trabalhadores da construção. Com este triste cenário, só posso aconselhar as pessoas a tentarem ser felizes profissionalmente no estrangeiro”, sublinhou o jovem.
[A partir da esq.: José Pinto (a dar formação em contabilidade, em Angola), Luís Mondragão (à esq. na imagem do meio) com um amigo, no Brasil e Ivo Vaz, em Manaus, Brasil]
MIRANDELA | Presidente António Branco traça rumo para o tempo que
'A agricultura ainda tem passos para dar em Trás-os-Montes' Patrícia Posse | pposse.tamegapress@gmail.com | Fotos P.P.
O ano arrancou com um novo rosto à frente dos destinos da Câmara de Mirandela: António Branco, 44 anos, presidirá até às eleições autárquicas de 2013. O sucessor de José Silvano assume as áreas de apoio social, educação e economia como prioritárias. A par das novas funções, António Branco continuará na presidência da Associação de Olivicultores de Trás-os-Montes e Alto Douro.
A cartilha do novo líder Embora assuma “um conceito de continuidade” com a linha de ação do seu antecessor, até porque desde 2002 exerce funções de vereação, António Branco tem como prioridade “principal e imediata” a questão social. “O ano de 2012 vai ser particularmente difícil para as famílias e para os diversos setores da sociedade. Temos que pensar em estratégias de identificação e de intervenção mais profundas.” A autarquia já apoia cerca de 300 famílias (por exemplo, através da compra de manuais escolares ou de medicamentos), mas o executivo quer ir agora ao encontro da pobreza encapotada. “É preciso pensar noutro tipo de identificação social, com características mais informais”, sublinha. Outra “aposta clara” de António Branco passa pela dinamização da economia local, através do apoio ao setor primário e a todos os serviços de suporte “que podem levar a fluxos de pessoas e movimentos de regeneração que compensem os problemas de desemprego na região”. Defensor acérrimo de que a microeconomia é fundamental em regiões deprimidas, António Branco vai centrá-la no setor primário. “A agricultura ainda tem passos enormes para dar em Trás-os-Montes. Depois, é tentar que as outras fileiras complementares (como a agroindústria e a pequena indústria de proximidade) funcionem.”
Uma dívida pesada O processo de saneamento financeiro da Câmara de Mirandela está em curso, o que acaba por exigir que o novo presidente consiga “com menos recursos manter a autarquia e pagar grande parte da dívida”.
Herdeiro de uma dívida que ascende aos 21 milhões de euros, António Branco levará a cabo uma racionalização de recursos internos, que não prevê a dispensa de pessoal. “Passará por poupar em tudo o que sejam recursos como água ou energia e por uma componente fiscal de estabilização.” A autarquia pretende ainda reduzir as despesas com a educação, uma vez que as refeições e os transportes representam cerca de 30% das despesas correntes. “Isso significa mais de três milhões de euros por ano e não inclui os custos indiretos com pessoal e manutenção”, acrescenta. Também as faturas da água e do saneamento têm provocado “enormes problemas na sustentabilidade” do município.
Dossiers problemáticos O Metro de Mirandela e o matadouro do Cachão são dois assuntos que exigem a máxima atenção na agenda do autarca social-democrata. No primeiro caso, é necessário garantir “a estabilidade e a estabilização de todos os problemas pendentes entre a Câmara e a CP”. “Temos tido dificuldade em conseguir garantir, mesmo com o pagamento do serviço pela CP, a sustentabilidade da mobilidade ao longo da linha. O facto de criarmos uma Agência que assuma essa mobilidade não garante que haja sustentabilidade”, alerta. Já o Complexo Agro-industrial do Cachão inspira maiores cuidados pelos custos diários inerentes à sua manutenção. “A primeira prioridade passa pela racionalização dos 43 efetivos, que ultrapassam claramente as necessidades”, revela António Branco. Em paralelo, será definido um plano estratégico para viabilizar aquele espaço, tornando-o atrativo e gerador de emprego.
Aposta nas atividades produtivas “Nos últimos anos, Mirandela viveu alguma saúde económica local muito baseada no setor da construção. Hoje, com a estagnação que existe, se continuarmos a pensar da mesma forma, corremos o risco de estar a pôr em causa o futuro. Temos de olhar para as atividades produtivas”, preconiza o edil.
resta do mandato
enormes A produção de azeite e de alheiras tem-se firmado como diferenciadora no desenvolvimento do município. Contudo, o presidente destaca a necessidade de investir noutras fileiras produtivas, como o vinho, o queijo, o mel ou os cogumelos, para que haja um “retorno económico efetivo”. “É necessário garantir que essas atividades estejam legalizadas e possam ser competitivas até fora do concelho, dando-lhes condições para que possam aumentar as vendas.” No sentido de apoiar as dificuldades das empresas mirandelenses na exploração de novos mercados, António Branco anuncia a criação de “uma parceria muito ativa” com a Associação Comercial e Industrial de Mirandela, disponibilizando serviços diretos e de proximidade aos empresários locais. O turismo deve ainda funcionar como catalisador. Por isso, é crucial assegurar unidades de turismo local já que “o número de camas [220] não é suficiente para o número de pessoas que nos visitam”. “Quando entramos em fileiras como a cinegética, que é extremamente importante para a consolidação desse turismo, corremos o risco de ter uma boa oferta nessa componente, mas não temos o suporte por trás. Isso preocupa-nos.”
Combater as perdas demográficas Com 23 850 habitantes (Censos 2011/INE), o concelho de Mirandela debate-se com a dificuldade de fixar a população – perdeu cerca de dois mil habitantes na última década. Para o autarca, o investimento camarário no ensino superior e na área da saúde pode saldar-se num bom contributo para contrariar essa realidade. “Vamos assumir as despesas com a construção das novas instalações da Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo de Mirandela, que tem perto de 1200 alunos. A autarquia é sócia de um hospital privado com o objetivo de fomentar o investimento nos cuidados de saúde (que são deficitários), a fixação e o emprego de profissionais de qualidade”, concluiu o autarca. O Hospital Terra Quente, cujo investimento ultrapassa os 17 milhões de euros, deverá entrar em funcionamento até julho, mas a aposta no cluster da saúde é também visível na conclusão de uma Unidade de Cuidados Continuados de hemodiálise, que deverá abrir portas no mês de fevereiro.
Data e local de nascimento: 4 junho 1967, Mirandela Casado, três filhos Licenciado em Engenharia Eletrotécnica pela Universidade de Coimbra Música: clássica, ópera, rock sinfónico dos anos 70 e 80, fado de Coimbra e música portuguesa contemporânea Livro de eleição: “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queirós Filmes de referência: “As Asas do Desejo” e “Apocalypse Now” Hobbie: agricultura
TURISMO | Salários em atraso, encerramentos temporários, futuro incerto
Faltam clientes aos hotéis J.S. | tamegapress@gmail.com | Fotos D.R. A crise, como se esperava, também bateu à porta dos hotéis, sendo hoje uma constatação: faltam clientes para tantos hotéis, seja no Douro ou nas áreas urbanas. Uma situação que alastra também a setores afins, como a restauração. Apesar do otimismo de alguns empresários e de algumas experiências bem sucedidas, uma grande parte das unidades hoteleiras começa a sentir os efeitos da crise: investimentos adiados, salários em atraso, unidades a fechar portas ou a encerrar no período de inverno para reduzir prejuízos e outros a sobreviver com muitas dificuldades, sobretudo aqueles hotéis que têm serviços de dívida de elevado montante.
No Douro, a crise é mais notória nas unidades do segmento médio e médio-alto e de maior dimensão. São públicas as dificuldades que atravessa o grupo CS Hotéis (que explora o Solar da Rede, encerrado temporariamente mas com os salários regularizados, segundo contou ao RM o presidente da Câmara de Mesão Frio, Alberto Pereira e o Vintage House). O grupo, que teve recentemente a intervenção de um sindicato bancário, parou os investimentos, enquanto decorrer o saneamento financeiro. Algumas centenas de trabalhadores já foram despedidos ou têm o posto de trabalho em risco. Também o Aquapura, em Lamego, na margem esquerda do Douro, que abriu no verão de 2007, passa pelo mesmo tipo de dificuldades financeiras, apesar de registar uma ocupação razoável para este tipo de unidades (uma taxa na casa de 50 por cento). O autarca adiantou que se registam salários em atraso aos trabalhadores e que a falta de liquidez do hotel está relacionada sobretudo com a crise do imobiliário que inviabilizou a venda dos apartamentos de luxo construídos na propriedade.
Marina Hotel deverá ser lançado pela Douro Azul Mas não há só más notícias. O Marina Douro Hotel, em Mesão Frio, um antigo investimento que regressou à posse de Mário Ferreira (Douro Azul), poderá avançar nos próximos meses, desde que as condições de financiamento da economia melhorem. Segundo o autarca de Mesão Frio, o projeto do Marina Hotel foi reformulado (será mais pequeno e foi reduzido o investimento para cerca de 20 milhões de euros) e deverá ser construído pela Douro Azul, que já terá conseguido encontrar parceiros para o investimento. Alberto Pereira disse ao Repórter do Marão que falta apenas um parecer – da DGOT (Direção Geral do Ordenamento do Território) – para que o Marina Hotel obtenha todas as licenças para avançar, investimento que se traduzirá a curto prazo numa importante fonte de emprego para o concelho de Mesão Frio. Além deste investimento, ficará concluído a meio do ano mais um hotel, um investimento de 7 milhões de euros. A nova unidade está a ser construída em Cidadelhe e terá 44 quartos. Ainda no vale do Douro, abrirá também neste trimestre um hotel em Castelo de Paiva – o Douro 41 – uma unidade de quatro estrelas e 42 quartos. Com uma arquitetura original, a unidade já ganhou um prémio internacional ainda antes da abertura. No início do mês, foi anunciado que a cadeia espanhola Eurostars será a entidade gestora deste hotel situado na margem esquerda do rio Douro – que susbstituiu o grupo Lágrimas – e que teve abertura inicialmente prevista para 2009.
TURISMO | Donos do Douro Palace adiam construção de unidade na Pala
Crise trava mais um hotel no Douro Paulo Alexandre Teixeira | pauloteixeira.tamegapress@gmail.com | Fotos D.R. Os empresários de hotelaria do Douro olham com alguma apreensão para a situação do turismo desta região após um ano em que os novos investimentos ficaram “na gaveta” por falta de opções de financiamento e o poder de compra dos clientes nacionais, que representam cerca de 85 por cento das dormidas em hotéis e estalagens da região, continua a decrescer. Tal como referimos no texto anterior, há projetos a marcar passo, um dos quais em Baião, uma unidade de cinco estrelas dos mesmos proprietários do Douro Palace, aberto há três anos e meio. O projeto foi apresentado no verão de 2009 e a nova unidade tinha data de abertura para este ano. Ainda não saiu do papel. “O preço do dinheiro neste momento está incomportável e temos que ficar à espera que a situação da banca e as condições de crédito melhorem”, explica Joaquim Ribeiro, sócio-gerente do Douro Palace Hotel, uma das mais recentes unidades hoteleiras a ser instaladas na região. Em atividade desde 2008, o Douro Palace, um hotel de quatro estrelas situado em Baião, registou uma taxa de ocupação de quase 40 por cento em 2011, um aumento de oito por cento comparado com o ano anterior. Após a sua inauguração, a empresa anunciou um plano para instalar outra unidade hoteleira na zona da Pala mas apesar de já ser proprietária dos terrenos e de ter todas as autorizações em dia para arrancar, ainda não avançou com o projeto, citando “constrangimentos causados pela falta de liquidez da banca” e “as atuais condições de crédito incomportáveis”. “Seria infeliz avançarmos hoje com um projeto desta envergadura. Não vamos pôr em causa os postos de trabalho que criamos”, explicou Joaquim Ribeiro adiantando, contudo, que está a explorar todas as opções no que que diz respeito ao financiamento.
A corrida ao mercado estrangeiro A oferta hoteleira do Douro tem aumentado nos últimos anos sobretudo com a introdução de novos barcos-hotel na região, onde a atual frota é composta por oito barcos e se esperam mais quatro até 2014. De acordo com dados fornecidos pela empresa DouroAzul, a principal operadora dos barcos-hotel da região, cerca de 73 por cento dos cerca de
22 mil turistas que optaram pela visita fluvial em 2010 ao Douro eram estrangeiros, um número que se acredita ter sido ultrapassado em 2011, já que até agosto o número de visitantes já totalizava 18 mil. Para o sócio-gerente do Douro Palace, este aumento da oferta hoteleira não é uma ameaça para os hotéis e estalagens da região, onde a clientela é, na sua grande maioria, nacional. “É verdade que a grande maioria dos turistas a bordo dos barcos-hotel são estrangeiros mas a realidade é que nos alojamentos regionais só representam 15 por cento das reservas”, indica o empresário.
Empresário entende que barcos-hotéis não são ameaça O empresário admite que o Douro não é ainda um destino afirmado no estrangeiro e acredita que a questão dos barcos-hotel representarem uma ameaça para a hotelaria regional “é falsa”. “Os barcos-hotel são, na realidade, um nicho do mercado em que 95 por cento dos pacotes de viagem são adquiridos no exterior e, por isso, pouco tocam no nosso mercado, que é essencialmente nacional”, explicou. Acrescentou ainda que o aumento da oferta hoteleira não devia ser vista como uma ameaça mas antes como mais um passo dado em direção à afirmação do Douro como destino turístico internacional. Contudo, a rápida diminuição do poder de compra dos portugueses é uma séria ameaça para as empresas hoteleiras do Douro, que terão de começar a pensar “fora da caixa” e inovar na estratégia de promoção e na conquista de novos mercados para a sua oferta. “O modelo de divulgação atual está gasto e não serve os interesses da região”, explica Joaquim Ribeiro, que recomenda que devem ser as próprias empresas a promover a oferta e de que se deveria proceder a uma concertação, a vários níveis, entre todos os parceiros da região. Em concreto, defende que os operadores deveriam adotar uma política de preços “acertada à realidade” e que é essencial continuar com projetos de formação dos diversos parceiros ligados à área do turismo. “Todos têm que dar um salto qualitativo se queremos ter o Douro como um destino turístico internacional. Temos que ser cada vez menos poetas e cada vez mais pragmáticos”, concluiu.
20 janeiro '12 repórterdomarão I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I
O Português em que (não) nos entendemos Ao ouvir os ditos “responsáveis” pelas nossas vidas, procuro adivinhar se, no íntimo, eles não vislumbrarão, já não digo uma luz, nem tão pouco uma centelha mas, ao menos, um pequenino LED que, além de gastar pouca energia, não aumenta a temperatura e já faria umas pequenas cócegas na consciência. Isto por que, se a consciência fosse o que julgamos ser, não morreriam com o abalo mas, no mínimo, seriam esfregados com uma lixa bem grossa. Tenho a certeza de que sabem que o que dizem não é o que devia ser dito. Eles dizem aquilo que eles entendem dever ser dito pondo acima de tudo os altos interesses do estado. É assim que tal se exige e aconselha, como decerto diriam se tivessem de se justificar. Fico esclarecido... Outra coisa que me confunde é a rapidez Armando Miro com que Jornalista adoptam medidas que antes acharam injustas e que não aplicariam, enquanto as que sabem seriam justas e equitativas ficam sempre no rol dos estudos. Compreendendo a celeridade pelo efeito imediato - é mais fácil esportular os muitos que se calam por serem pequenos – deixando os outros que, além de grandes, são os que sabem mexer-se, os que fazem parte das lojas de compadres, e os que lhes garantem as futuras mordomias. O ar sério com que, anunciando as medidas que nos roubam mais uns euros, procuram acalmar o clamor que sabem lhes corresponde em raiva e vindicta a quem os ouve e com tal sofre, passa depois à candura com que adoçam o fel em promessas dos amanhãs que cantam com o sol a nascer para todos. Depois, quando os vemos nas “fotos de família”, são todos beijinhos e abraços, com sorrisos que parece que ainda gozam com a situação. Também não tenho dúvidas quanto a isto... A minha análise vai ainda para o “peso e medida” que dão ao que dizem. Embora o dito já esteja lapidado e, como diria Fernando Lima (lembram-se?), «domesticado» - e digo eu burilado - está garantida a inocuidade que é, para eles, o “sagrado interesse do Estado”. Porém, não sei se pela cabeça do anunciante não passa, mesmo com todas as anteriores cautelas, a plêiade de personagens, casos, temas e milandros que se quis evitar, fazer esquecer, ou dizer que se vai mudar, com a garantia de que tudo ficará na mesma. E se não é apenas porta-voz e participou no arranjo escrito, será que não se lembrará que não se disse “isto” por que o atingido poderia dizer “aquilo”? E não foi por este caso ser para esquecer e não lembrar aquele outro? E a medida não foi fácil de escolher porque se fosse para outros lá vinham as corporações? E a lei que devia ser geral não contou com a possibilidade de uma vírgula “flutuante”? Tudo isto quer dizer que, se alguém mexer no meu pão, haverá sempre quem possa arrasar a padaria. E assim lá vão prometendo “reformas” que, quando é nas leis que fazem, é certo e sabido que, em vez de serem mais claras
e objectivas, terão uns acrescentos com as habituais excepções cirúrgicas. Outra coisa que não falta à vida nacional é o “pão e o circo”. Só que, infelizmente, enquanto o circo vai aumentando, escasseia cada vez mais o pão. Este é, para mim, o que deveria ser o grande tema e objectivo pátrio. De cada vez que ouço a alguém, com responsabilidades, falar em “Solidariedade”, logo se me revolve o estômago e me assalta o rogo da praga para que a palavra lhe rebente na boca. Igual desejo para os mesmos quando, ao falarem de “desemprego”, o fazem com tanta naturalidade e frieza, jogando com os números que, por serem percentuais, são sempre “pequenos” e dão sempre para jogar com a estatística. Terão noção do quantos cidadãos são cada milésima? Saberão que, se fossem o que dizem ser, ou terem as preocupações que dizem ter, removeriam céu e terra para fazer desaparecer o “des”? E por cada um que perde o seu sustento e da família pela dignidade do seu trabalho, já não queria que vertessem lágrimas de sangue, mas que ao menos meditassem no que é deixar de receber as míseras centenas de euros que a grande massa do povo trabalhador recebe. Saberão o que é viver com um “salariozeco”? E sem ele? E fazer as continhas até ao cêntimo? E ter de optar entre sardinha ou carapau, sopa ou arroz, pois outras alternativas só de foto ou filme? E pedir fiado e levar tapa por que o livro já está cheio? Bem gostaria de me dedicar a outros temas e conversas mais agradáveis mas, a nossa situação, não só nacional mas também global, precisa de decisões e acções que o tempo não tem para lhe dar na sua urgente necessidade e premência. Até parece que o tempo se ri de nós por que, quanto mais tempo tivemos para saber e conhecer o que precisamos, menos tempo parecemos ter nas escolhas que fizemos e nas decisões que tomámos. Em vez do saber da experiência feita, escolhemos a experimentação a ver se dá, esquecendo que a governação e a política não admitem o se... Muita gente inexperiente e sem algo de feito concreto na vida, foi arranjando esquemas e padrinhos que os alcandoraram aos mais altos postos sem terem feito a recruta. Põem-nos a construir transatlânticos quando muitas vezes nem sequer sabem de quantos paus se faz uma canoa. Exibem e exercem títulos académicos (?) para subir a outros lugares sem provas dadas ou escrutínio nos anteriores. E quer seja no público ou no privado, somos sempre nós a pagar pois, se ali a despesa é directamente imputável, aqui há mil e um esquemas para o fazer reflectir na conta alheia. Parecendo que, ciclicamente, recebem num lado ou noutro, acaba por sair sempre do mesmo saco, com a agravante de lhes acrescer o custo colossal das decisões. Está bem de ver que são as do público pois, no privado, quem os lá pôs, logo lhes disse que era só para currículo e carreira. Só mais uma questão. Por que é que o honrar compromissos não é uma relação lógica e biunívoca? Será preciso uma “loja” para nos dizer o que é mais ético, se pagar compromissos de bancos falidos pondo na conta do povo, sem querer saber quem é responsável ou por que se deve, ou dizer ao povo que o que se lhe prometeu não lhe pode ser dado ou mantido arranjando para isso um falso responsável?
[A seu pedido, alguns colaboradores escrevem de acordo com a antiga ortografia]
opinião
Anos 60: foram uma boa altura para se ser jovem Tony Judt (1948-2010) foi um grande pensador do nosso tempo, autor de textos indispensáveis para o entendimento da nossa contemporaneidade: Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos, O Século XX Esquecido, História da Europa desde 1945, premiado pela singularidade e profundidade da sua investigação. Antes da sua morte, deixou-nos um testemunho notável, recentemente publicado entre nós: O Chalet da Memória (Por Tony Judt, Edições 70, 2011). Começa por nos explicar do que vai morrer: “Sofro de uma doença motora neurológica, uma variante de esclerose lateral amiotrópica (ELA). O que é característico da ELA é que, primeiro, não há perda de sensação e, segundo, não há dor. Ao contrário de quase todas as outras doenças mais graves ou mortais, ficamos livres para contemplar à vontade, e com um desconforto mínimo, a progressão catastrófica na nossa própria deterioração”. Tendo-lhe sido diagnosticado a ELA em 2008, veiolhe logo ao pensamento um certo chalet suíço onde em pequeno passara férias com os pais e explica esta associação: “A qualidade notável desta doença é que permite que a mente possa reflectir sobre o passado, o presente e o futuro, mas gradualmente nos vai privando de qualquer forma de converter essas reflexões em palavras”. E explica a evolução dessa via-sacra: deixa-se de poder escrever sozinho, falham as pernas, gradualmente perde-se a voz, fica-se quadriplégico e condenado a longas horas de silenciosa imobilidade. Na doença, Tony Judt começou a escrever histórias completas na sua cabeça, depois deu-lhe uma ordem e numa onda de optimismo, cheio de coragem, não hesita em contar-nos: “Se temos de sofrer assim, é melhor ter uma cabeça bem apetrechada: cheia de reminiscências utilizáveis, facilmente acessíveis a uma mente de pendor analítico. Só faltava um armário para a arrumação. Que eu tenha tido a fortuna de também descobrir isto entre as boas tralhas de uma vida, parece-me muito próximo da boa sorte”. O chalet da memória abrange três tipos de registo: reminiscências da infância, dos lugares onde se viveu, a noção de territorialidade; a idade da formação e toda a vida universitária; a descoberta e ultrapassa-
gem das diferentes ilusões e desilusões da juventude, a fé inabalável no homem e nos valores da liberdade, da justiça e da partilha. Logo na primeira parte alude à austeridade em que foi criado, em pleno pós-guerra e comenta o que vê à sua volta: “A Riqueza de recursos que aplicamos ao entretenimento apenas serve para nos escudar da pobreza do produto; também assim é na política, onde o tagarelar constante e a retórica infindável disfarçam um vazio que apenas suscita o bocejo… Se queremos governantes melhores temos de aprender a exigir mais deles e menos para nós próprios”. Da sua formação, tece elogios ao ensino e não à instituição, não esconde o seu reconhecimento para o princípio da meritocracia; descendentes judeus lituanos, gostou na juventude da
vida dos Kibbutzim, gostou muito de Cambridge como depois gostou do ambiente parisiense e da vida na École Normale Supérieure. Inevitavelmente, havia que falar da contestação e da revolução, estamos nesses prodigiosos anos 60, e profere uma observação lapidar: “Não percebemos um dos pontos de viragem mais influentes. Foi em Praga e em Varsóvia, naqueles meses de verão de 1968, que o marxismo se estatelou. Foram os estudantes rebeldes da Europa Central que começaram a minar, a desacreditar e a derrubar não só uns quantos regimes de lapidados, mas o próprio ideal comunista. Nós, no Ocidente, fomos uma geração com sorte. Não mudámos o mundo; em vez disso, Beja Santos Assessor D. G. Consumidor o mundo, obsequioso, mudou para nós. Tudo parecia possível: ao contrário dos jovens de hoje, nunca duvidámos de que haveria um trabalho interessante para nós e por isso não sentimos a necessidade de desperdiçar o nosso tempo em algo tão degradante como uma faculdade de gestão. Protestámos contra as coisas de que não gostávamos e ainda bem que o fizemos, aos nossos olhos, pelo menos, fomos uma geração revolucionária. É uma pena que tenhamos perdido a revolução”. Declara-se um homem comprometido, ele foi criado com palavras, educado no sionismo trabalhista, na utopia dos Kibbutzim, considerou que a crise da meiaidade o tinham curado do solipsismo académico pósmoderno, foi aí que se tornou num intelectual público repudiando o intelectual servil que tem medo de pensar por ele próprio. Reflectindo sobre o globalismo chama a atenção para a identidade como a recusa e a censura daqueles que exclui. E adianta: “O Estado, longe de desaparecer, poderá tornar-se extremamente necessário: os privilégios da cidadania, a protecção dos direitos dos titulares de cartão de residência serão ostentados como triunfos políticos. Nas democracias estabelecidas, os demagogos intolerantes irão exigir testes – de conhecimento, de língua, de atitude – para determinar se os recém-chegados desesperados são merecedores da entidade britânica ou holandesa ou francesa. Já os estão a fazer. Neste admirável século novo, iremos ter saudades dos tolerantes, dos que estão à margem: a gente das franjas. A minha gente”. É uma narrativa controversa que lhe deve ter custado rancores e azedumes. Porque ele escreve coisas assim: “Acho estranho que os judeus americanos tenham comprado um seguro territorial no Médio Oriente com medo que regressemos à Polónia de 1942. Os judeus na América são mais bem-sucedidos, integrados, respeitados e influentes do que em qualquer lugar ou época na história da comunidade. Porque é que a identidade judaica contemporânea nos EUA está tão obcessivamente ligada à recordação do seu próprio desaparecimento? Se Hitler nunca tivesse acontecido, o judaísmo podia muito bem ter entrado em desintegração. A assimilação já ia bem avançada. Na Alemanha, muitos judeus consideravam-se alemães. Na Europa Central, em especial no triângulo Praga-Budapeste-Viena, uma intelligensia judaica secularizada estabeleceu a base característica para a vida judaica póscomunitária (…) Os judeus dos tempos modernos vivem de uma memória preservada. Ser judeu consiste essencialmente em lembrarmo-nos do que em tempos significava ser judeu (…) Não espero que Hitler regresse opto por invocar o passado judaico que é insensível à ortodoxia. Não basta estarmos nas franjas relativamente às convenções de outros povos; devemos também ser os críticos mais inclementes das nossas. Sinto que tenho uma dívida de responsabilidade para com o passado. É por isso que sou judeu”. Pouco tempo depois desta narrativa, Tony Judt, falecia. Este pequeno excurso à volta da sua história é um testemunho notável para um homem da sua geração, a dos anos 60. Leitura imperdível.
janeiro '12
diversos | opinião
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Entidades de turismo reduzidas a cinco
Douro lamenta perda de autonomia
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repórterdomarão
Cenários de Envelhecimento Cláudia Moura
ANTEVENDO O ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ATIVO 2012: A longevidade e a dignidade no envelhecimento A Terceira e Quarta idades referem as mudanças evolutivas, e não apenas as idades cronológicas. O turismo interno vai ser reorganizado em cinco entidades regionais, uma por cada área territorial e a decisão afeta de imediato a da região do Douro, que é extinta. Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Norte vão acolher as entidades a criar durante o primeiro semestre do corrente ano, anunciou a secretária de Estado do Turismo. Cecília Meireles explicou que "as novas entidades, cuja denominação ainda não está decidida, não terão capacidade de endividamento", e que aquelas substituirão as entidades regionais existentes, além dos seis pólos de desenvolvimento e cinco agências promocionais existentes. Por outro lado, as direções das novas entidades serão "decididas por eleição e não por nomeação", frisou a secretária de Estado do Turismo, realçando que aquelas "terão apenas três administradores executivos, remunerados, em vez dos atuais cinco". A reestruturação pretende aligeirar a estrutura e reduzir os custos, diminuindo os cargos dirigentes. Segundo a secretária de Estado, o Turismo de Portugal "diminuiu a despesa em 31%, diminuiu os cargos dirigentes, com o conselho diretivo a passar de cinco para três membros executivos". Por outro lado, a entidade diminuiu em "40% a despesa com comunicações fixas e móveis e com o serviço de cópia e vagou dois andares, poupando 180 mil euros em rendas", acrescentou. Entretanto, o autarca de Alijó e presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Douro, Artur Cascarejo, lamentou o fim anunciado da entidade regional de turismo do Douro, que tinha sede em Vila Real, considerando que é mais uma "machadada" que vai prejudicar este território. Lembrou que a Turismo do Douro foi algo pelo qual a região "muito lutou" e que resultou do "reconhecimento da especificidade" deste território. Segundo o autarca, pode estar em causa a "estratégia de desenvolvimento definida" para este território se não for garantida a manutenção e autonomia à marca “Douro”. O atual presidente da Entidade Regional Turismo do Douro, António Martinho, desejou que a marca "Douro" continue a ser “valorizada". O responsável, que assumiu o cargo há três anos e terminava o mandato em janeiro de 2013, acredita que o destino Douro é o único que dispõe de oferta turística em barco hotel, que tem registado um grande aumento de procura.
DEIXO-VOS A PENSAR … é no século XX que se produz uma verdadeira revolução da longevidade, que tende a marcar várias décadas, tornando-se representativa no século XXI. O aumento da longevidade sempre foi ambicionado pelos seres humanos desde os primórdios da civilização. Contudo é essencial referir que não é o suficiente se, paralelamente às modificações demográficas inerentes, não sucederem profundas transformações socioeconómicas no sentido de melhorar a qualidade de vida e dignidade do idoso. Daí a necessidade de compreender e aplicar o fundamento de Groisman, que refere a velhice atual, não enquanto problema social mas antes como uma construção social. Assim, e se a longevidade é uma conquista do desenvolvimento criado pelo homem, é urgente desenvolver estratégias de envelhecimento positivo, que anulem ou minimizem as circunstâncias desfavoráveis, que acabam por transformar o viver mais tempo num fardo pesado, tornando os indivíduos receosos de ingressar nesse tempo da vida, designado por longevidade. Mais, com a acentuada longevidade surge um novo termo a denominada quarta idade, que é constituída por idosos com mais de 80 anos. Neste seguimento a questão a ser analisada é: está a sociedade preparada para a longevidade, sendo possível envelhecer com dignidade? Partindo do ponto de que a quarta idade acarreta um nível de vulnerabilidade significativo ao idoso, é inadiável fundamentar o envelhecimento através de novos paradigmas que realcem o envelhecer não enquanto significado de redução de capacidade e diminuição de atividades, mas antes, enriquecimento espiritual, familiar e social. Efetivamente o processo de envelhecimento, sempre foi complexo sob a visão de diferentes culturas. Se para uns a velhice é tida como arquivo de sabedoria, experiência e maturidade, para outros, é encarada como perda do próprio sentido de vida, uma espécie de morte social. Com certeza que estas mudanças criam alterações afetivas no envelhecimento, nomeadamente a designação de incontinência emocional, isto é a incapacidade para controlar as emoções. Dito isto, é substancial proporcionar a mudança de mentalidades. Porém, é necessário para além da mudança de mentalidades, alterar também os comportamentos, a começar nas famílias, escolas e instituições. Afinal é numa sociedade consumista onde o valor social e o poder económico são prioritários que o idoso é discriminado e excluído pela baixa de produtividade e ausência de padrões de beleza e juventude culturalmente valorizados. Ora, e porque somos o que vivemos, é determinante cultivar continuamente projetos de vida, impedido desta forma a “armadilha da idade”. A velhice deve ser compreendida não como uma evolução da perda, mas pelo contrário como uma evolução natural da vida. Desta forma o idoso deve procurar manter um estilo de vida saudável, nomeadamente estimular uma atitude positiva e otimista face à vida. A Qualidade de Vida e Dignidade no envelhecimento é possível sim, basta que este aspeto de vida seja conscientemente encarado. claudiamoura@portugalmail.pt Professora Universitária e Investigadora na área da Gerontologia.
22 janeiro '12 repórterdomarão I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I
crónica & artes
Cartoons de Santiagu [Pseudónimo de António Santos]
A.M.PIRES CABRAL
ANGÚSTIA À MEIA-NOITE 31 de Dezembro de 2011. Já há muitos anos que optámos por jantar em casa, com os filhos que escolherem acompanhar-nos neste programa. Assim foi este ano. Jantamos, prolongamos o mais possível o jantar, conversamos, prestamos vassalagem ao mais novo elemento da família — o Pedro Miguel, que, com os seus nove mesitos, está a querer passar de uma fase de relativa pacatez para outra de turbulência que muito me faz temer pelo futuro dos meus livros e dos bibelôs da minha Mulher. Somos uma família, penso, e rendo intimamente homenagem à minha Mulher, que é sem fora de dúvida a mais forte argamassa que a sustém e mantém unida. Admiráveis mulheres estas, que, para além de aguentarem sobre os ombros o grosso do peso da gestão corrente da casa, ainda têm forças para serem esposas e mães a todos os ventos e marés. Jantamos, pois, e entregamo-nos ao prazer de ser uma família. Este ano, porém, há qualquer coisa que ensombra a noite — ou pelo menos me ensombra a minha noite. O Leitor já adivinhou o quê. O Leitor está lembrado que o primeiro-ministro disse há tempos que iríamos empobrecer, e está afoitamente a fazer por isso. A cada arremetida da Troika (e pelos vistos não bastou o escaldante memorando de entendimento original, é preciso revê-lo a toda a hora e momento, e sempre para pior), sentimos que ficamos um pouco mais pobres e desprotegidos. Esta Troika, que se instalou entre nós como vilão em casa de seu sogro, ainda não deu p*** que bem cheirasse, como diria qualquer velho de Trás-os-Montes. E vai sempre tudo no sentido de desmantelar algumas coisas que eram referenciais, custaram a conquistar e davam alguma segurança à gente que vive do seu trabalho. Ficarão de pé apenas os privilégios do grande capital; esse é intocável. O bulldozer da Troika se encarregará de arrasar tudo o resto. E cismo melancolicamente: que sociedade será possível construir sobre os destroços que ficarem? Uma sociedade mais justa? Não acredito. Acredito antes que se está a gerar uma sociedade menos igualitária,
menos solidária, numa palavra, menos humana. Acredito que a civilização terá então dado alguns passos à retaguarda e que novas escravaturas vêm a caminho, guiadas pela mão segura e experiente da execrada Troika. São estes pensamentos que me ensombram a noite e fazem aborrecido o leite-creme da sobremesa. Depois há aquelas pequenas contrariedades que enchem o nosso dia-a-dia. Por exemplo, vem-me à ideia, não sei porquê, o malfadado acordo ortográfico. Por acaso até sei porquê: é que li hoje no Diário de Notícias, um jornal que me tinha habituado a respeitar, que a partir de 1 de Janeiro vai passar a aplicar essa iníqua fatwa contra o Português que eu amo. É mais uma machadada na nossa identidade. Poderia eu ficar indiferente a isso? Passará a haver mais um órgão de comunicação a escrever janeiro e espetador e semirreta — o diabo a quatro. Nestes tempos em que uma espécie de consciência universal, através dos seus tribunais, se ergue e faz justiça contra genocídios e crimes contra a humanidade, não será possível responsabilizar ao menos moralmente os autores deste assassínio a frio da mais bela — para mim, é — língua do mundo? Mas o pensamento não pára (ou não para, como passará a ser com o acordo) e leva-me mais longe na sua cavalgada incessante. Vêm aí dias de aperto, de penúria, de doenças que ficam por tratar, de empregos que se perdem, de fome que ronda, de crianças sem leite, de desespero, depressão, suicídio. Como posso pois estar feliz neste último dia de 2011? Entretanto a meia-noite chegou. Não abrimos a garrafa de champanhe: não apeteceu a ninguém. Mas eu gosto de pensar que este fastio é na verdade um gesto subconsciente de solidariedade para com quem nem com uma côdea de pão se pode dar ao luxo de festejar o ano novo, quanto mais com champanhe.
King Jong II 2012
O OLHAR DE... Eduardo Pinto
1933-2009 Matinal - Rio Tâmega - Amarante - Anos 50
Nota: Este texto foi escrito com deliberada inobservância do Acordo (?) Ortográfico.
Esta edição foi globalmente escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico. Porém, alguns textos, sobretudo de colaboradores, utilizam ainda a grafia anterior.
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Cronistas: A.M. Pires Cabral, António Mota, Eduarda Freitas. Cartoon/Caricatura: António Santos (Santiagu) Colunistas Permanentes e Ocasionais: José Carlos Pereira, Cláudia Moura, Alberto Santos, José Luís Carneiro, Nicolau Ribeiro, Paula Alves, Beja Santos, Alice Costa, Pedro Barros, Antonino de Sousa, José Luís Gaspar, Armindo Abreu, Coutinho Ribeiro, Luís Magalhães, José Pinho Silva, Mário Magalhães, Fernando Beça Moreira, Cristiano Ribeiro, Hernâni Pinto, Carlos Sousa Pinto, Helder Ferreira, Rui Coutinho, João Monteiro Lima, Pedro Oliveira Pinto, Mª José Castelo Branco, Lúcia Coutinho, Marco António Costa, Armando Miro, F. Matos Rodrigues, Adriano Santos, Luís Ramos, Ercília Costa, Virgílio Macedo, José Carlos Póvoas, Sílvio Macedo. Colaborações/Outsourcing/Agências: Media Marco, Baião Repórter/Marão Online Marketing, RP e Publicidade: Telef. 910 536 928 - Marta Sousa publicidade.tamegapress@gmail.com | martasousa.tamegapress@gmail.com Propriedade e Edição: Tâmegapress-Comunicação e Multimédia, Lda. • NIPC: 508920450 Sede: Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, 230 Apartado 4 - 4630-279 MARCO DE CANAVESES
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janeiro '12
diversos | crónica
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| Fafe vai assinar geminação com comunidade francesa | Os municípios de Fafe e de Sens (França) deverão assinar, em meados do ano, um protocolo de geminação para intensificar as relações entre as duas localidades, sobretudo na área da atividade económica. O presidente da autarquia fafense, José Ribeiro, anunciou que uma delegação do concelho, que incluirá autarcas, artistas e empresários, visitará Sens de 27 a 29 de janeiro para "preparar as linhas" do protocolo de geminação. Em Sens, trabalham "dezenas" de emigrantes oriundos de Fafe, um dos quais é "agente" de uma empresa da área dos alumínios radicada no concelho minhoto. Será a primeira geminação de Fafe.
| Mosteiro de Pombeiro com obras de beneficiação | A cobertura do mosteiro de Pombeiro, em Felgueiras, está a sofrer obras de beneficiação, que incluem o reforço da estrutura de suporte daquele monumento nacional, anunciou fonte da Direção Regional de Cultura do Norte. Os trabalhos em curso, orçados em 65.000 euros, são financiados pelo Programa Operacional Regional Norte (ON2) e enquadramse no conjunto de intervenções que têm sido realizadas naquele mosteiro que integra a Rota do Românico do Tâmega e Sousa. "Na continuação de um longo trabalho de conservação, restauro e qualificação deste monumento, esta empreitada tem por objeto a substituição do revestimento da cobertura da nave e absidíolo norte, assim como a revisão geral da cobertura da Igreja", lê-se num comunicado da direção regional. Nesta intervenção, acrescenta o comunicado, "estão incluídos trabalhos de substituição da argamassa das juntas da igreja, reparação do teto falso da galeria do claustro e recuperação dos rebocos interiores na parede norte da igreja".
| Novo hospital de Amarante abre no 2º trimestre |
funcionários, que foram transferidos para o hospital Padre Américo, possam regressar para exercer funções na nova unidade. Este hospital funcionará com uma urgência básica, uma unidade de internamento na especialidade de medicina interna e estará vocacionado para cirurgias de ambulatório com três salas operatórias. Dispõe igualmente de consultas externas de especialidade, admitindo-se que ultrapasse as atuais 250.000 por ano. Esta unidade, integrada no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, vai servir cerca de 180.000 habitantes da região do Baixo Tâmega (Amarante, Baião, Marco de Canaveses e Celorico de Basto) representando um investimento de 27 milhões de euros.
| Presidente de Paços de Ferreira na liderança dos autarcas social-democratas | Pedro Pinto, presidente da Câmara de Paços de Ferreira, foi escolhido para presidir a Associação dos Autarcas Sociais-Democratas (ASD) em substituição de Manuel Frexes, nomeado para a empresa Águas de Portugal. A associação comunica que o nome do autarca será submetido a ratificação pelo Conselho Nacional em fevereiro. O presidente da autarquia não se mostrou surpreendido, mas satisfeito pela confiança que obteve dos colegas que o indicaram para este cargo. Na presidência da ASD pretende desenvolver matérias que considera muito importantes, como "a reforma administrativa, a nova lei das finanças locais e tudo o que tem a ver com o papel das autarquias no futuro", afirmou.
| Mostra de Sabores e Saberes em Chaves | Chaves irá receber a 3, 4 e 5 de fevereiro, no Pavilhão Municipal, a sétima edição da mostra "Sabores e Saberes". Este certame visa promover o que a cidade, a região e o concelho têm de melhor tendo como objectivo valorizar os produtos locais e regionais e dar algum retorno financeiro aos seus produtores. Nesta iniciativa, que conta com 78 expositores, dentro os quais 40 são agroalimentares e 38 dedicados ao artesanato, estarão expostos produtos como o Pastel e Folar de Chaves, a Batata de Trás-osMontes, o fumeiro, o famoso presunto, entre outros.
| Lamego recebe novo bispo a 29 de janeiro |
O novo hospital de Amarante entrará em funcionamento no mês de abril, estando a decorrer nesta fase os concursos para alguns equipamentos, trabalho que deverá estar concluído dentro de 60 dias, anunciou a administração do centro hospitalar. O hospital vai funcionar com os recursos humanos da atual unidade hospitalar da cidade, acrescentou o presidente do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS). José Luís Catarino afirma que na atual conjuntura não poderá haver aumentos de custos, admitindo ainda que alguns dos antigos
A diocese de Lamego vai juntar celebrações religiosas e música na receção solene de D. António Couto (até agora bispo auxiliar de Braga), marcada para 29 de janeiro. Segundo o programa divulgado pela agência Ecclesia, as celebrações têm início na noite de 21 de janeiro com uma vigília na Sé, organizada pelo Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil. No dia 28 de janeiro o centro paroquial de Almacave acolhe o concerto de Rão Kyao. No domingo, 29, D. António Couto vai ser recebido à entrada de Lamego, junto do Seminário Maior, por D. Jacinto Botelho, bispo emérito da diocese e por Francisco Lopes, presidente da autarquia. Pelas 16h00 tem início a procissão de entrada, nos Claustros da Sé, e a celebração onde a tomada de posse terá lugar. A diocese de Lamego convida “todos os fiéis a marcarem presença nesta data tão marcante de maneira a acolhermos, com alegria, o Pastor que nos foi concedido”.
PROCURO TRABALHO
Jorge Manuel Costa Pinheiro
(Foto CHTS)
Em funções administrativas, contabilísticas, financeiras, de seguros ou comerciais, com conhecimentos fluentes de inglês e francês, informáticos como utilizador e carta de condução.
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repórterdomarão
António Mota
Irina e Acácio Detesto homens lamechas. Não aguento as maleitas que estão sempre a inventar para acenderem em nós o braseiro dos cuidados maternais, e uma vontade inexplicável de amparar seres indefesos. Eu acho que deve ser coisa genética de nós, mulheres. Também eu já caí nessa armadilha. E quando abri os olhos e me vi ao espelho, e descobri que tudo aquilo não era mais que um jogo de espelhos, senti-me muito constrangida. Achei que era uma parva. Depois fiz de conta que não era nada comigo, e pusme a pensar, para confortar o ego, que o mundo era mesmo assim, e eu só tinha de o aceitar. Era a lei da sobrevivência. Cara alegre, dona Irina, punha-me a pensar, e tentava colocar um ponto final nesses pensamentos inquietantes que não podia partilhar com ninguém. Absolutamente ninguém. Ser solitária tem custos muito elevados. Agora ponho-me para aqui a escrever neste diário onde derramo as minhas mágoas a ver se consigo alinhar uma ideia de jeito. Lá está, se eu contasse que tenho trinta e dois anos e ainda converso com o meu diário, o que não diriam de mim? Repito: a alma não se partilha com ninguém, absolutamente ninguém. Estou farta de saber que só venho aqui parar quando me sinto só, muito só. Antes, era tudo diferente. Tinha sempre a minha irmã Adélia a meu lado, dois anos mais velha, e mais inteligente e despachada que eu. E mais bonita, e mais alta. E mais, e mais, e mais. Às vezes tinha ciúmes dela, depois arrependia-me, e ficava com remorsos. Sentia-me tão insegura. Depois apareceu o Acácio, tão alto, tão boa figura. Os meus pais babados com o futuro genro, e eu sentindo um peso imenso no peito, sonhando com o Acácio deitado a meu lado, o Acácio só meu, e a Adélia bem longe de nós. Foi nessa altura que eu resolvi sair de casa. Assim não havia a possibilidade de me denunciar. Isso pensava eu, na minha santa ingenuidade. Mais tarde vim a descobrir
que tanto a Adélia como a minha mãe sabiam porque razão eu não tinha apetite nem vontade de dormir. Três meses depois de eu ter começado a viver sozinha no T1 que comprei com o dinheiro que o banco me emprestou, e, para não perder tempo, partilhava a minha cama com o Olavo, um rapaz alto e musculado, professor de educação física sem emprego certo, muito preocupado com o gel do cabelo, as sapatilhas de marca, e o GPS do iphone, que comprou a prestações. Eu pensava que ele era bem capaz de me fazer esquecer o Acácio. Esperei três meses, a ver se esse milagre acontecia. Mas não aconteceu. Entretanto fui descobrindo tantas coisas que não sabia acerca do Olavo. Ele era, afinal, uma criança em ponto grande, um menino de peito muito peludo, mimado dependente das ordens e do dinheiro da mãe, uma viúva atrevida, que não parava de olhar para mim a medir-me por dentro e por fora, como se eu fosse uma ladra de crianças. Como eu detesto essas mulheres que se julgam mais cultas, e mais vividas e mais ricas que as outras. Odeio quando nos recordam que já foram muito felizes, e muito viajadas, e sorriem quando nos dizem que pariram os filhos de parto natural e cara alegre, que naquele tempo é que era, que nós não percebemos nada do mundo. O Olavo não tinha ideais, não tinha sonhos, não gostava de conjugar verbos no futuro. O mundo do Olavo era uma coisa informe, tão triste, tão pasmada. Custou a cortar, doeu, não posso negar. Mas valeu a pena tê-lo mandado para casa da mãe. Agora sou uma mulher livre. Tenho todo o tempo do mundo para esperar que o Acácio me telefone, ou me dê um toque. Pode ser a qualquer hora. O sonho também ajuda a viver.
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