Reporter do Marao

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Nº 1266 | agosto ' 12 | Ano 29 | Mensal | Assinatura Nac. 40€ | Diretor: Jorge Sousa | Edição: Tâmegapress | Redação: Marco de Canaveses | t. 910 536 928 | Tiragem média: 20 a 30.000 ex. OFERECEMOS LEITURA.

Tempos novos, velhas profissões

Um moleiro à antiga no rio Sousa  Agricultores com negócio fraco no mercado de Vila Real  Novos rurais do Tâmega apostam nos frutos vermelhos  Pasteleiro de Bragança faz da massa uma arte A G O S T O ’ 12

do Tâmega e Sousa ao Nordeste

repórterdomarão Prémio GAZETA


Paulo mói  Além da recuperação do moinho Numa viagem ao passado, os moinhos abundam nas levadas do rio, os moleiros trabalham horas e horas para recolherem a farinha e o centeio parece nunca mais acabar. Nesse passado, o ofício é natural e frequente. Atualmente, encontrar um moinho a funcionar à moda antiga é uma raridade. A profissão é do passado mas o conhecimento não se perdeu no tempo. Ainda existem jovens que não querem deixar morrer a tradição e que são movidos por uma força maior. São dinâmicos, conhecedores e com vontade de voltar a dar vida ao que parece ter morrido no tempo. Em Aguiar de Sousa, Paredes, Paulo é o exemplo de que as velhas profissões podem ser recuperadas nos tempos modernos. Joana Vales | joana_vales@hotmail.com | Fotos | J.S.

Paulo Duarte tem o empreendedorismo a correr-lhe pelas veias, a paixão pela farinha a alimentar-lhe a alma e o amor pelas origens a dar-lhe força para fazer renascer o que o tempo foi apagando. Aos 38 anos, Paulo produz farinha à moda antiga, de milho e centeio, mas quer chegar mais longe num mercado que ainda pode ser explorado. O incentivo de 162 mil euros do PRODER [Programa de Desenvolvimento Rural] foi a alavanca que Paulo precisou para se lançar numa aventura consciente. Os dias de Paulo são passados num pequeno moinho, no rio Sousa. Lá dentro, volta-se ao passado com um sabor a tradição, que o jovem empresário quer fazer chegar a mais casas. As quatro mós funcionam dia e noite sem parar. A moega segura o cereal que cai, lentamente, no quelho e é moído transformando-se em farinha. Por dia, o ritual repete-se vezes sem conta produzindo cerca de sessenta quilos de farinha por dia, o que corresponde a quase duas toneladas por mês, por cada mó. O pequeno moinho, que deverá ser do século XVIII, rodeado por uma paisagem difícil de descrever, era do avô de Paulo e foi passando de geração em geração. O amor que tem ao moinho fez com que Paulo concorresse ao PRODER de modo a obter financiamento para recuperar o moinho e construir uma fábrica com moagem elétrica. “Eu cresci sempre no meio deste negócio e sempre gostei disto. Quero muito


farinha à moda antiga (com quatro mós de pedra) está a construir uma moagem industrial continuar neste ramo e criar condições para evoluir”, contou Paulo Duarte. O investimento total da Moagem Duarte e Amélia, Lda. é de 270.570,21 euros em que o PRODER financiou 60 por cento do capital. “Até ao final do ano tenho que ter a moagem a funcionar. Estou otimista e sei que posso conseguir crescer e entrar no mercado”, salientou. Paulo irá ainda criar, pelo menos, dois postos de trabalho. “Espero que as coisas evoluam favoravelmente e que tenhamos clientes de forma a poder dar emprego a mais pessoas”.

Farinha moída na pedra é uma raridade Paulo sonha em recuperar o moinho e continuar a tirar farinha moída pela força da mó de pedra e pela água que corre na levada. “Atualmente, é muito difícil encontrar quem ainda faça farinha assim, de forma artesanal. Essa é a minha grande vantagem e gostava de entrar num mercado que ainda está pouco explorado. Temos farinha com muita qualidade e isso também é cada vez mais importante para o consumidor”, explicou. Se há 20 anos os moinhos se espalhavam ao longo do rio Sousa e transformavam quilos e quilos de cereais, hoje Paulo é dos poucos sobreviventes. “Este é um trabalho muito duro em termos físicos e que exige muito de nós. O que produzimos, vendemos a algumas padarias da zona e a particulares, mas queremos chegar mais longe”, referiu. O próximo passo de Paulo é a certificação para poder expandir a marca. “Queremos entrar no merca-

do dos produtos biológicos, conquistar novos clientes e oferecer qualidade”. A farinha que sai do pequeno moinho está a ser vendida a 40 cêntimos o quilo, mas o negócio está sujeito às oscilações do mercado. “As flutuações nos cereais podem ser comparadas às do petróleo. Ultimamente o preço está sempre a subir e para nós é muito difícil competir com as grandes superfícies porque não conseguimos preço do cereal tão baixo”, disse.

Moagem em funcionamento até ao fim do ano A nova fábrica vai-lhe permitir armazenar mais cereal e produzir mais. “Com a parte mecanizada não quero competir com as grandes moagens, mas sim colocar no mercado um produto diferente e [sobretudo] entrar num mercado mais exigente a nível de qualidade. Trabalhamos com tudo o que é nacional e isso ajuda-nos a marcar a diferença. Os nossos fornecedores também têm o produto certificado o que é uma mais-valia para nós”, explicou Paulo. Na fábrica que está a ser construída, em Aguiar de Sousa, os quatro silos serão capazes de produzir 300 quilos de farinha/hora e três mil quilos hora de farinha para uso animal. “A produção será muitíssimo maior e a ideia é colocar o produto ensacado e embalado para ser vendido ao quilo em lojas e supermercados”, revelou. Se no pequeno moinho, Paulo está dependente da água, na fábrica não terá essa preocupação. “Para fazer a farinha de forma tradicional, estamos completamente dependentes da água. Nos meses mui-

to secos, por vezes, temos de parar a produção. Porém, quando chove muito e a água corre na levada com muita força temos também de ter cuidados redobrados para controlar a grossura da farinha”, explicou Paulo, que conhece todos os segredos da arte de fazer farinha.

Sem recurso a crédito bancário Os sonhos do jovem empreendedor estão bem definidos. “O que mais quero é ver a fábrica a funcionar, o moinho recuperado e o negócio a crescer. A minha filha ainda é muito pequena mas gostava que, um dia, alguém desse continuidade a todo este esforço que estamos a fazer para conseguir evoluir e deixar a nossa marca”, disse com otimismo. Para completar o resto do investimento, a empresa de Paulo [que tem sociedade com um irmão] não recorreu a financiamento bancário, tendo os irmãos apostado as economias de uma vida. “Não nos quisemos meter com créditos porque é sempre muito complicado. Investimos neste projeto as nossas economias e agora só queremos que as coisas corram bem”, desabafou. Até que a fábrica fique a funcionar, o que se espera que aconteça até ao final do ano, Paulo Duarte continua no seu pequeno moinho a recolher a farinha que todos os dias é moída e a alimentar a alma com a paixão que o move. Apesar dos novos tempos, as velhas tradições continuam vivas e correm hoje em sangue novo...


Apesar da crise, clientes são cada O cheiro a terra fresca e a sobreposição dos pregões povoam a atmosfera do mercado municipal de Vila Real. Os produtos primam pela qualidade e, não raras vezes, pelo preço. Por ali, ainda se vende fiado e o atendimento é sempre personalizado. Os vendedores, esses, queixam-se que há cada vez menos clientes e que os negócios têm os dias contados. Contudo, a maior praça comercial de Vila Real continua a sobreviver à concorrência dos hipermercados e à falta de estacionamento. Patrícia Posse | pposse.tamegapress@gmail.com | Fotos | P. P. Quem pisa o mercado de Vila Real reconhece, quase de imediato, o rosto de Ester Lisboa, 65 anos. “A minha mãe trouxe-me na barriga e, depois, ao colo. Toda a vida vendi aqui.” O olhar saltitante, a atitude persistente e o jeito desenrascado valem-lhe a atenção dos fregueses. “Vendo tomates, pimentos, alfaces, batatas, feijões, mas, mesmo os produtos tendo mais qualidade, as pessoas não dão valor, querem as coisas dadas.” Ultimamente, o negócio “não dá para o trabalho”, mas “o dinheiro não vai ter a casa e temos que o esgravatar”. Por isso, Ester vai repetindo o pregão: “oh patrão, leve a troncha [couve-portuguesa]”. Para esta vendedora de Relvas, a jornada de trabalho começa às 5h e termina às 13h. Perante a falta de clientela, o desânimo toma-lhe conta da alma: “vale mais abandonar isto de uma vez e comermos o que temos, porque não dá para nada”. “Os supermercados cortaram-nos as rédeas, mas tudo bem. Cada qual tem que governar a vida. Eles fazem tudo com tratores e máquinas. Os nossos braços é que têm de fazer tudo.” “Oh patrão, leve a troncha”, matraqueia Ester e um cliente para, mostra-se interessado, ouve as explicações sobre o melhor modo de plantar e decide-se a levar. Quem estende as

mãos para receber o saco é Fernando Costa, 57 anos, que continua a alimentar o hábito de vir ao mercado pelo “preço e para conviver um bocado”. “Vou plantar este molho de couves para comer no Natal, se cá vier”, refere. Emigrado em França, este funcionário público considera que “o pessoal devia fazer mais pela agricultura”. “Antigamente, tinha cabras, vacas, milho, toda a lavoira e bem me ajudou. Se se apostasse na agricultura, já não havia tanta crise, mas hoje ninguém granjeia nada”, sublinha. Alcina Teixeira, 52 anos, espera que os clientes ultrapassem o corredor das hortícolas e cheguem ao das frutas. Há 25 anos que o mercado é uma espécie de segunda casa. “Antigamente, havia mais gente. Agora, somos mais vendedores do que compradores.” Alcina vem de Sabroso e garante que, por ali, se vende com mais qualidade e a melhores preços, mas “as pessoas não vêm”. “Antes querem ir às grandes superfícies. Aqui, também não temos estacionamento e, por isso, também não vêm.” Rosalina Costa, vendedora de queijos, considera que o mercado de Vila Real “morreu depois de abriram esses grandes”. “Isto agora está ruim, porque o povo não tem dinheiro e não pode

gastar. De ano para ano, está pior”, acrescenta. Desde mocinha que Maria Isilda Alves vem ao mercado fazer compras. Agora “com outra higiene e muito mais bonito do que antigamente”, o mercado é, de longe, o seu local de eleição: “além de termos já os hipermercados, este é o lugar da gente fazer as compras”. “Temos de ir aonde é mais económico, porque da maneira que estamos hoje em dia…”, confessa. Aos 57 anos, Maria Isilda reconhece que noutros tempos havia “muitos mais clientes”. “Este mês, há muita gente, mas quando acabam os emigrantes, isto fica triste.”

“Não produzo para vir vender” A presença de Eduardo Montes por entre as bancadas do mercado é ditada pelo volume da sua produção agrícola. Só vende “alguma coisa” do que lhe sobra e “é mais para não deixar estragar, porque não vale a pena andar a cultivar para vir vender”. “Já vendo aqui desde que o mercado abriu, por volta de 1992, mas isto é quase um vício”, diz. As transações dependem “do dia”: “lá vou vendendo, mas hoje é um dia muito, muito fraco”. Aos 72 anos, Eduardo Montes considera que “estas grandes superfícies acabaram com o mercado”, onde pesa ainda a questão do estacionamento. “O município cobra pelos lugares de estacionamento e pela banca. Às terças e sextas, devia ser gratuito para quem compra e para quem vende”, defende. Depois, a clientela que chega ao mercado “só vem para regatear. “Chegam às grandes superfícies e pagam o que está marcado. Aqui, se a gente pede 50 cêntimos, querem por 20 ou 30 cêntimos.”


vez menos As receitas obtidas com o feijão, a cebola, a batata, a fava ou a ervilha de Parada de Cunhos “pouco ajudam” a aliviar o seu orçamento. “A gente perde uma manhã e gasta no transporte para vender as coisitas, mas, muitas das vezes, não se vai para casa de mãos vazias.”

Na base da pirâmide das necessidades “As pessoas estão sem dinheiro e a flor está em último lugar”, constata Maria Alves Ferreira, 69 anos. Bem no centro do mercado, concentram-se as floristas e escasseiam os fregueses. Já a manhã ia avançada quando Maria despachou dois ramos de coroas imperiais. “Só me estreei agora e são 10h, daqui a pouco já não anda ninguém.” Esta florista de Ferreiros encarregou-se do negócio da filha que, por causa “da crise ser tão grande”, se viu obrigada a emigrar. “Vou vender até aos fiéis e, depois, acabou, porque não se vende nadinha.” As flores são usadas, essencialmente, para decorar capelas e igrejas, sepulturas e andores, sendo que o preço resume as preferências. “A margarida veio roubar muito a venda da coroa, porque esta é mais cara. Cinco pés de margaridas são cinco euros”, informa. Ao conhecer o valor, o interesse da cliente esmorece e é vê-la dirigir-se à concorrência. “Se eu fizer cinco euros, aquela já faz menos 50 cêntimos”, lamenta. Maria Alves Ferreira assegura que “não dá para ter rendimento”, porque as sementes têm de ser lançadas à terra, é necessário regar, cuidar, aplicar algum remédio em caso de necessidade e, depois, cortar as flores, molhá-las e trazê-las para o mercado. “É demasiado trabalho…”

Augusta encontrou alternativa à falta de emprego Aos 18 anos, Augusta Silva é a vendedora mais jovem do mercado de Vila Real. Com um sorriso franco e uma prontidão diligente, vai atendendo os clientes que se abeiram da sua banca. Depois de concluir o 9º ano, Augusta acabou por abraçar o mesmo ofício da mãe, pois “não há hipóteses de trabalho e temos que nos dedicar a alguma coisa”. “Há uns anos, escoava tudo e ainda íamos buscar mais. Agora, para vender isto, é cada vez pior e ainda levo muita coisa para casa”, relata. No entanto, o seu trabalho não começa e acaba no mercado municipal. “Estou aqui desde as três da manhã e só vou para casa às 20h, porque ainda vou vender pelas aldeias.” O que lucra com tanta correria permite-lhe governar a vida, mas “é muito difícil”. “Tem que ser muita hora de trabalho para tirar um rendimento e é pequeno.” Por 1,30 euros/dia, Augusta pode colocar sobre a banca a fruta e os legumes que, previamente, compra aos agricultores da região. “Em termos de qualidade, compensa comprar aqui, mas em termos de preço, é difícil concorrer com os hipermercados”, admite.


Empresário agrícola é profissão Produção de frutos vermelhos tem exportação (quase) assegurada

Execução do PRODER revela que há cada vez mais jovens na agricultura

Paulo Alexandre Teixeira | pauloteixeira.tamegapress@gmail.com | Fotos P.A.T. e D.R.

São jovens, formados e com uma visão estratégica. Chamam-lhe os “novos rurais” do Tâmega, uma geração que olha para as terras e quintas abandonadas desta região com “olhos de ver” e nelas veem uma oportunidade: uma nova vida, a partir daquilo que a terra oferece. Dos “antigos rurais” herdaram o minifúndio mas pouco mais. Há respeito pelas velhas tradições, sim, mas há que olhar para além dos mercados tradicionais: é preciso competir nos mercados estrangeiros e, para isso, há que modernizar com novas culturas, novas formas de explorar a terra. Apesar de ter um bom emprego na Bairrada, como técnica em vitivinicultura para um dos maiores produtores de vinhos nacionais, Rute Cardoso nunca se esqueceu da quinta em Amarante herdada da sua avó. Em meados de 2010 decidiu que tinha acumulado a experiência necessária para se aventurar na produção de frutos vermelhos e “aviou as malas” e famí-

de grandes espaços para o seu cultivo, dão-se bem com o clima da região e têm um período de prateleira prolongado”, explica a engenheira agrónoma.

Certificação de qualidade é a chave para maiores mercados A empresa que formou, a Naturpassion, está há dois anos no mercado e projeta ter em finais de 2012 uma produção bruta de cerca de 20 toneladas de pequenos frutos que serão exportados para a França, Bélgica e Países Baixos. Na mira da empresa estão ainda os países nórdicos mas para entrar naquele mercado há que certificar a produção [atualmente em modo de "produção integrada"] segundo normas mais específicas de qualidade e de proteção ambiental. “A certificação vai-nos permitir o acesso ao mercado nórdico. Utilizamos fungicidas só quando absolutamente necessário", explica a produtora, que afasta a opção pelo regime biológico "por não existir valorização ao nível do preço". Rute Cardoso

lia, rumo à freguesia de Lomba. Depois de pesquisar bem o assunto da sua produção, decidiu que a cultura de pequenos frutos, nomeadamente framboesas, mirtilos e amoras, é um negócio rentável e onde Portugal tem condições de competir. “Este tipo de frutos é muito apreciado na Europa pelo seu elevado valor nutricional. Não precisam

Na Europa, o produto português agrícola é sinónimo de qualidade Ao contrário do que se pensa dentro de fronteiras lusas, a qualidade dos produtos agrícolas é um dos fatores que Portugal tem a seu favor nos mercados estrangeiros. É uma realidade que Rute Cardoso tem encontrado no terreno ao longo dos últimos dois anos e algo que, sublinha, devia ser “explorado


emergente Plantações de mirtilo avançam nos concelhos de Amarante e Baião ao máximo” pelos produtores nacionais. “Podemos agradecer aos nossos vinhos. Temos fama no mundo de sermos bons vitivinicultores e isso é uma oportunidade de ouro para nos afirmarmos com outros produtos da terra”, refere. E para que a qualidade seja possível, o regresso à terra deve ser realizado de forma profissional, com “projetos sérios e muito bem pensados antes de arrancar”. “Não há facilidades neste tipo de trabalho. É duro e comporta um alto risco para o qual o produtor tem que se preparar com treino, formação e um pouco de sorte. A mentalidade de atirar sementes ao ar e esperar que o fruto cresça não cabe aqui”, conclui Rute Cardoso.

PRODER alivia o risco do investimento… Armando Soares, consultor técnico em agronomia, sublinha que o risco é real e que o jovem agricultor que se dedicar a este tipo de cultura terá que esperar, em média, cinco anos até que o seu projeto comece a ser rentável: “Até lá, é só despesas”, afirma. “São cinco anos a pagar as despesas e as obrigações fiscais. É um dos maiores problemas que o jovem agricultor enfrenta hoje em dia: se o projeto não lhe correr bem, são cinco anos da sua vida em que poderia ter feito outra coisa”, adverte. Licenciado em agronomia, Armando Soares lançou vários projetos de produção de mirtilo em Santa Cruz do Douro e Santa Leocádia, Baião, e espera que com a parceria de outros agricultores, o número de explorações aumente nesta região. O técnico agrónomo calcula que o total dos projetos atualmente em curso ou em fase de avaliação do PRODER para a sua zona ocupe cerca de 15 ha de terrenos e que a produção, exclusi-

vamente em regime biológico, chegue às 20 toneladas de mirtilo por hectare. Apesar dos problemas financeiros que o país e o resto da Europa atravessam atualmente, há ainda programas comunitários a que os potenciais agricultores podem recorrer para realizar os seus projetos. Entretanto, foi anunciado pelo MInistério da Agricultura que desde que foi criado, em dezembro de 2007, até julho passado, o PRODER já apoiou cerca de 4 500 projetos de instalação de jovens agricultores e daqueles o Norte representa cerca de 55 por cento. Na região do Baixo Tâmega, graças à implementação de um subprograma deste projeto, o LEADER +, já foram aprovados, desde 2009, mais de 30 projetos agrícolas para incentivar a produção de culturas tão diversas como citrinos, ervas aromáticas, cogumelos e hortícolas. “É na realidade uma forma de aliviar o risco, pelo menos pela parte do investimento, que um jovem agricultor tem que fazer inicialmente”, explica Armando Soares.

Estado tem que assumir um papel de regulador Por outro lado, o jovem agricultor considera que a falta de regulação por parte do Estado neste setor representa, na sua opinião, um dos maiores riscos para os novos produtores. “Em termos hipotéticos, a entrada em cena de um grande produtor com capacidade para plantar 100 ha de mirtilo, por exemplo, arrasaria todas as outras produções nacionais. O Estado tem que olhar para este e outros cenários possíveis e assumir um papel de regulador para assegurar o equilíbrio na produção”, conclui.


Albufeira da Pala volta a receber motonáutica Prova decorre a 29 e 30 de setembro e conta para o campeonato das categorias 750, T850 e F4 Uma década depois da última prova a contar para o Nacional da modalidade, a albufeira da Pala, em Baião, na margem direita do rio Douro, volta a receber as embarcações de três categorias de motonáutica, um evento patrocinado pela Câmara Municipal de Baião e realizado em parceria com a Federação Portuguesa de Motonáutica (FPM) e o Clube Náutico de Ribadouro. É preciso recuar ao ano de 2002 para se recordar o último evento realizado na albufeira da Pala. Antes, realizaram-se provas para o campeonato oficial da modalidade, que começaram em 1990. A projeção da prova durante mais de uma década foi tal que acabou por ser palco de duas grandes competições internacionais. Naquele intervalo temporal tiveram lugar provas do Campeonato da Europa de Fórmula 2 (em 1999) e do Campeonato do Mundo de Fórmula 3 (2001). Segundo fonte do clube náutico, a pista de Ribadouro (criada pelas águas da albufeira da barragem de Carrapatelo) foi considerada em 1999 pela União Internacional de Motonáutica de "nível 1" e classificada como "uma das melhores da Europa". O clube também mereceu classificação internacional do idêntico nível, dando-o como apto a realizar qualquer tipo de prova do calendário

mundial de motonáutica. Este regresso da modalidade a Baião, é saudado pelo vereador do pelouro do Desporto, Paulo Pereira. “Trata-se do regresso de um evento de grande importância desportiva, que durante vários anos se realizou na zona da Pala, que para além da enorme beleza paisagística, possui excelentes condições para a realização de provas de desportos náuticos”. Além do programa de competição das três categorias a contar para o campeonato nacional (750, T850, em monocasco e Fórmula 4, tipo catamaran), terá ainda lugar uma etapa da “Fórmula Futuro”, prova disputada com barcos “semi-rígidos” e na qual podem participar jovens dos 8 aos 16 anos de idade. Segundo anunciou a autarquia, estão abertas as inscrições para os jovens de Baião, sendo condição fundamental que saibam nadar. A embarcação, bem como o equipamento de segurança, colete e capacete, são garantidos pela organização, que proporciona também um monitor para acompanhar os participantes durante a prova. Os jovens que queiram inscrever-se na “Fórmula Futuro” devem contactar o pelouro do Desporto da CM Baião, no edifício dos Paços do Concelho ou pelo e-mail desporto@cm-baiao.pt. A jornada de motonáutica do final de setembro será a quarta nesta época no rio Douro (o que demonstra as aptidões deste curso de água para este tipo de provas desportivas), tendo já decorrido etapas do campeonato nacional na Régua (a 30 de junho e 1 de julho), em Resende (14 e 15 de julho) e Cinfães (28 de julho).



Centro Veterinário de Vila Meã com tecnologia de ponta O Centro Veterinário de Vila Meã, inaugurado este mês, é um projeto de alta tecnologia financiado pelo programa PRODER que visa ajudar os produtores de gado da região, dotando-os de apoio técnico especializado para o desenvolvimento dos seus efetivos pecuários. Além da prestação dos normais serviços clínicos a animais de companhia, o Centro Veterinário de Vila Meã – projeto de um casal de médicos veterinários formados na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que constituíram a Braviniciativa, Unipessoal, Lda. – foi apetrechado com tecnologia avançada para o exercício da medicina veterinária, nomeadamente um aparelho de Raios X digital (sem necessidade de revelação de película e de controlo dos resíduos perigosos), um ecógrafo portátil, análises sanguíneas e de urina, sala para cirurgias e câmara de frio, fundamental para o congelamento de órgãos ou até de animais, quando está em causa a realização de análises especializadas em laboratório para determinar a causa de doenças ou morte. O centro veterinário está ainda dotado de internamento para pequenos animais, dispondo de nove jaulas. O projeto inclui ainda a aquisição de uma carrinha para deslocações ao domicílio, bem como transporte de medicamentos e análises ou ainda pequenos animais. Para a aprovação do projeto foi determinante a iniciativa dos promotores de prestar serviço veterinário especializado ao domicílio, de raças autóctones ou outras, nomeadamente de bovinos, caprinos ou suínos. Segundo os promotores, estão já em curso algumas parcerias de assistência técnica sanitária com produtores da região. O investimento global é de 136.264,51 euros, receberá um incentivo de 81.758,71 euros e vai criar dois postos de trabalho.

Dolmen patrocina a Douro Bike Race A Dolmen apoia a edição deste ano da Douro Bike Race, uma prova de BTT que vai percorrer as serras do Alvão, Marão e Aboboreira entre 13 e 16 de setembro. Além de uma presença física na aldeia da prova (a instalar no parque do Ribeirinho, em Amarante) – um centro de promoção de produtos locais com a marca Dolmen – a cooperativa que gere o programa comunitário PRODER patrocina o evento através da oferta de prémios aos melhores classificados, iniciativa que visa "promover e fomentar a comercialização" de artesanato, doçaria regional, compotas, mel e vinhos, entre outros produtos da região. Segundo a organização, a prova tem partida e chegada sempre em Amarante, mas que percorre cinco conce-

lhos diferentes, entre os quais, Baião e Marco de Canaveses. Passa por 35 freguesias destes cinco concelhos e por três serras : Marão, Alvão e Aboboreira. Visita alguns ícones da região como os monumentos megalíticos da Serra da Aboboreira, aldeias isoladas como Mafomedes na Serra do Marão ou as Fisgas de Ermelo na Serra do Alvão. "A prova conta até ao momento com 900 atletas inscritos nos 3 níveis da prova – EPIC, ADVENTURE e RIDE. Há desportistas oriundos dos quatro cantos do mundo e os melhores atletas nacionais também já confirmaram a presença e prometem fazer frente aos atletas internacionais presentes", refere a Douro Bike Race.

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Produção editorial da responsabilidade da DOLMEN

Casa da Lavandeira, uma jóia no turismo rural A Quinta da Lavandeira, em Penalva, Ancede, está a transformar-se num dos empreendimentos de topo na oferta de turismo rural no concelho de Baião e da região. Beneficiando da excelente recuperação do património existente e das condições ímpares que a localização junto ao rio Ovil lhe proporciona, a Casa da Lavandeira (a cerca de 40 minutos da cidade do Porto) ganha estatuto de referência turística para a realização de eventos, festas ou refúgio para um período de férias. À recuperação da casa senhorial (construída entre os séculos XVIII e XIX) e da quinta que a rodeia – projeto lançado por um casal de empresários do Porto mas em que um dos elementos tem ligações familiares ao concelho – juntou-se um moderno edifício para eventos e que tem capacidade para acolher até 300 pessoas. O complexo de agroturismo, instalado numa quinta que se estende por 9 hectares de terreno e que representa um investimento global de 1,2 milhões de euros, segundo revelaram os promotores, dispõe de sete quartos, todos equipados com instalações sanitárias privativas, mas brevemente a recuperação de uma habitação rural permitirá criar um apartamento com dois quartos e ampliar a oferta global para 11 quartos. Mais do que a oferta residencial, os promotores pretendem – bem dentro do espírito do turismo rural – que os hóspedes se integrem num ambiente que privilegia a ruralidade, com uma estadia dota-

da de todo o conforto dos grandes empreendimentos turísticos. Os clientes podem, assim, fruir a quinta e a casa, nomeadamente uma lareira tradicional, salas de jogos e de estar, piscina, etc. Um parque com árvores centenárias e os muitos recantos verdes, inclusive a berma do rio Ovil, onde existem três moinhos de água centenários (a reconstruir em breve), são também um esplendoroso convite ao descanso e ao lazer. A quinta está ainda dotada de uma valiosa coleção de carros antigos e de cavalos e em breve serão preparados eventos para que os hóspedes possam participar nas vindimas. Como todas as casas senhoriais, a Casa da Lavandeira está dotada de uma capela do século XIX, com talha e azulejos de grande valor artístico, pelo que constitui uma excelente escolha para eventos de natureza religiosa, como casamentos e batizados. A Casa da Lavandeira criou também um centro interpretativo para a gastronomia regional – A Tasquinha do Penedo – unidade que permite também a realização de eventos. Apesar da dimensão do empreendimento, sob marcação prévia, são aceites almoços ou jantares para pequenos grupos (a partir de 8 pessoas). Este projeto foi financiado pelo PRODER em 125.566,90 euros, tendo criado 4 novos postos de trabalho. CASA DA LAVANDEIRA - Tlf. 913885561/914536559 • GPS: 41.108031, -8.063697

BAIÃO: DOLMEN - Centro de Promoção Produtos Locais | Rua de Camões, 296 | T. 255 542 154


Instituição de Felgueiras está a comemorar o 20º Aniversário

Licenciatura de Educação Física e Desporto pretende suprir lacuna no Tâmega e Sousa Fundado em 1992, o Instituto Superior de Ciências Educativas / ISCE-Felgueiras, que comemora este ano o 20º aniversário, acaba de lançar a nova Licenciatura de Educação Física e Desporto, oferta formativa que o Presidente da instituição, Prof. Doutor Mário Gandra, considera inexistente na região do Tâmega e Sousa. O responsável do ISCE-Felgueiras também realça o vasto leque de saídas profissionais para os futuros alunos da instituição. Tendo em conta as licenciaturas já existentes no ISCE-Felgueiras, que razões justificaram a criação da Licenciatura de Educação Física e Desporto, já acreditada pela A3ES? A nível regional, não existia ainda esta oferta formativa? - Em primeiro lugar, esta área de formação é uma área de formação tradicional do ISCE de Felgueiras. Formaram-se na instituição, ao longo dos anos, várias centenas de profissionais de Educação Física, no âmbito do curso que anteriormente esteve em funcionamento, e que se destinava, especialmente à formação de professores, embora muitos dos nossos diplomados tenham escolhido outros caminhos profissionais, fora do sistema escolar. Surge agora esta nova licenciatura em Educação Física e Desporto, adequada ao perfil de Bolonha, depois de um ligeiro hiato temporal. Para além de se constituir como evolução natural na lógica formativa institucional, este curso novo aparece para dar resposta a necessidades de formação identificadas e reconhecidas na região, não só em Felgueiras, mas nos municípios que constituem a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa. No âmbito desta região, não há outra oferta formativa ao nível do ensino superior nesta área. O Ensino Superior, face à conjuntura do país, debate-se com o dilema de colocar no mercado cursos que têm expectativas de gerar empregabilidade. Acredita que os futuros alunos desta licenciatura vão ter emprego no final dos três anos da formação? Que saídas profissionais lhes são apontadas? Quanto à questão da empregabilidade, pode dizer-se que a região precisa de profissionais como os que sairão desta licenciatura em Educa-

ção Física e Desporto, pois há capacidade instalada na área desportiva e na atividade física que carece de técnicos superiores com as competências adequadas à resolução dos problemas atuais. Hoje em dia esta área está intimamente associada à necessidade de uma boa qualidade de vida das populações e a uma vida saudável ao longo de todo o percurso vital. Isto abarca vários tipos de instituições, para além das de carácter eminentemente desportivo, autarquias, instituições sociais, empresas, e abrange um público de todas as idades, que atravessa todo o tecido social. O curso estimula também a capacidade de empreendedorismo dos alunos que é essencial para conseguir determinar caminhos e soluções de emprego numa área que, como se disse, é carente de profissionais competentes. Indicamos como principais saídas profissionais as de treinador, a vários níveis de prática desportiva, prescrição do exercício para pessoas aparentemente saudáveis com condições sub-clínicas ou com deficiência, promotor de atividades de lazer e animação desportiva, exercício físico e controlo de peso, diretor desportivo, técnico de pelouro desportivo de autarquia, diretor de Instalações, gestor de eventos desportivos. Mas, além destas, a imaginação e a criatividade dos estudantes/futuros profissionais, estamos certos, abrirá novas possibilidades. Quantos alunos espera o ISCE receber no primeiro ano da licenciatura? Quem pode ingressar no curso? Que provas de ingresso são necessárias? Os +23 também podem aceder ao curso? Há horário pós-laboral para quem já ingressou na vida ativa? - Poderemos receber até 50 alunos no 1º ano. Podem aceder ao curso alunos que venham dire-

Principais saídas profissionais do curso são as de treinador, promotor de atividades de lazer e animação desportiva, diretor desportivo, técnico de pelouro desportivo de autarquia, diretor de Instalações e gestor de eventos desportivos.

tamente do secundário, através de uma das provas de ingresso nacionais (02 - Biologia e Geologia, 17 - Matemática aplicada às Ciências Sociais, ou 18 - Português), os maiores de 23 anos, prestando as provas perspetivadas para esse efeito, e estão, naturalmente, previstas todas as vias de acesso legalmente previstas. Os horários serão organizados tendo em conta, necessariamente, as características do grupo de alunos e as suas necessidades. Além disso, convém ter em conta que o curso funcionará no sistema de b-learning, o que implica uma determinada carga horária em que as aprendizagens são realizadas à distância, através da plataforma interativa Blackboard. Isso permitirá que os alunos não sejam obrigados a deslocar-se às instalações escolares durante esses tempos, poupando, assim, tempo, dinheiro e energia. A duração do curso é de seis semestres (180 ECTS). Que áreas de formação (plano de estudos) vão ser abordadas? O curso organiza-se em 6 semestres (3 anos letivos) e dispõe de um plano de estudos equilibrado, estruturado para conseguir uma formação na área da educação física e da atividade desportiva suficientemente abrangente, mas simultaneamente suportada em sólidas bases científicas, pedagógicas, técnicas e tecnológicas e desportivas, oferecendo Unidades Curriculares das várias componentes científicas implicadas, ciências sociais de base, metodologias para a investigação na área, didáticas e técnicas e, evidentemente, as respeitantes às modalidades desportivas. É de salientar a existência de duas UC de Estágio desportivo, nos 2 últimos semestres do curso, que permitirão o acesso à carreira de Treinador Desportivo grau I, o que constitui uma mais-valia formativa e trará vantagens na empregabilidade. Sendo o ISCE-Felgueiras um estabelecimento de ensino superior na área do politécnico é importante e até fundamental a ligação da Escola com o meio envolvente, sobretudo o empresarial. Como caracteriza a ligação do ISCE com esta mesma região? O ISCE é uma instituição que existe na região há 20 anos, estando completamente integrado e com uma forte ligação às forças vivas regionais e locais. Há protocolos de cooperação com as autarquias e com várias empresas e instituições.

Este curso novo aparece para dar resposta a necessidades de formação identificadas e reconhecidas na região, não só em Felgueiras, mas nos municípios do Tâmega e Sousa.



EPAMAC


Produção editorial da responsabilidade da EPAMAC


Eduarda Freitas Foto: http://vi.sualize.us

A festa que acorda o dia

O

sol acorda a manhã. O céu ainda mal teve tempo de se refazer da noite, e já estoiram entre o azul recém acordado foguetes de anunciação. É dia de festa. Primeiro um, depois outro, depois muitos. A cana já não sobe, que os tempos são outros, mas a tradição manda igualar o som – o estoiro – aos de antigamente. E assim seja. Na rua, os músicos alinham-se. Calça azul escura, camisa branca, gravata também azul e fina. O maestro posiciona-se em frente a todos. É mais baixo e mais gordo que os restantes músicos. Exceção feita aos que tocam tuba, que fazem honras ao imaginário infantil: quem toca tuba é grande e cheio. A esta hora já os músicos seguem pela rua, prontos para acordar quem ainda dorme, quem resistiu ao estoiro dos foguetes. O maestro manda alinhar, a caixa marca o ritmo e ... aí vão eles. É escutar a música. Rua acima, rua abaixo, as persianas vão se abrindo. Mulheres com o cabelo ainda com as marcas da almofada, vão espreitando. Miúdos de pijama com os pés descalços e remela nos olhos acordam à porta, como se ali tivessem dormido. Cumprimentam-se os vizinhos de um lado para o outro da rua, os cães ladram. Há até um mais pequeno que se atreve a seguir o passo da marcha num ladrar contínuo, talvez com ânsias de se fazer ouvir, ou apenas de morder os calcanhares aos músicos que passam. São coisas de cão, que jamais saberemos. A banda acaba de passar por esta rua onde estamos e já os homens se preparam para matar o bicho com um copo de vinho, pão e presunto. Do melhor. As mulheres já arrumaram o cabelo, já vestiram a blusa e a saia, já puseram a bata ou o avental e já navegam na cozinha entre panelas de tamanho grande. O cabrito está no frigorifico, num alguidar, marinando em azeite, louro e colorau. E cheira bem. As batatas aparam-se que são novas e muitas, porque a mesa hoje vai encher. Então: os dois filhos, o de cá e o que está na Suíça, mais as noras e dois miúdos filhos do filho de cá, mais um menina que ainda mal anda, mas que é uma gracinha, e que é filha do filho da Suíça, mais a avó e o tio que não casou. Sem falar nos da casa, os habituais. Contas feitas, mesa mais cheia do que habitual. Aliás, os pratos que daqui a nada se vão distribuir pela mesa, até são do serviço de loiça que está arrumado no armário da sala, e que só se usa nestas ocasiões. Por isso é melhor passar os pratos por água antes de chegarem à mesa. Coisa rápida que a mulher de avental ou bata faz, mesmo antes de virar o cabrito no forno, de passar mais molho por cima das batatas, de tirar os talheres, os copos, de estender a toalha grande na mesa da sala, de espreitar o arroz para não agarrar, de ir

buscar os sumos para os garotos que as mães não deixam beber, mas que raios, porque hoje é dia de festa, bebam os sumos com gás que a avó deixa. Mesmo antes disso tudo, a mulher passa os pratos por água, com os dedos roliços, a lembrar que estes pratos (que não têm qualquer lasca) foram presente de casamento, foram presente de um dia que faz muitos anos, em que os dedos ainda não eram roliços e onde uma aliança brilhava. Sem lascas. Sem lascas. E quase que apetecia a esta mulher deixar cair uma lágrima nos pratos de loiça boa, de loiça branca, uma lágrima apenas entre a água da torneira e os dedos roliços, mas hoje é dia da padroeira, que Nossa Senhora a ajude a seguir a tarefa sem sentimentalismos, que daqui a nada a casa está cheia e o homem deve estar a chegar, e os filhos, e as noras, e os netos e os outros que aparecerem. E em dia de festa, lágrimas não são consentidas, a menos que sejam de emoção por ver o andor da Senhora mais logo à tarde a levantar da igreja e a percorrer as ruas, abençoando-as. Mais logo à tarde. Agora, e neste entretanto, a mesa já está posta, o cabrito a sair do forno, a miudagem à volta das mesas e todos. E todos falam ao mesmo tempo, as noras medem-se nos olhos, uma está mais gordinha do que a outra, mas também só teve a miúda faz ano e meio para o mês que vem. E todos comem, o arroz está muito bom, o cabrito nem se fala. Foi caro, também. É uma vez por ano, que se lixe o dinheiro. Arruma-se a cozinha, arruma a mulher de bata ou avental, que diz às noras que não quer ajuda, não senhora, muito obrigada, que vão com os maridos e os miúdos ao café. E vão todos, menos a mulher que fica a arrumar a cozinha, porque daqui a nada é hora da missa e da procissão. Valha-nos Deus, não se vá atrasar. Olha o sino a tocar. Hora da missa. E lá segue a aldeia toda a ouvir o que o padre tem para dizer, ao mesmo tempo que na rua os meninos preparam as asas para seguirem na procissão e os andores levantam repletos de flores e notas de 20 euros. Já vai a procissão no adro e o tempo parece que pára. A mulher fixa os olhos no neto mais novo que vai vestido de Santo António e que está um amor. Reza baixinho, esta mulher – voz de todas as mulheres do mundo - para que para o ano todos ali estejam, todos estejam bem, pelo menos de saúde. Reza para que as saudades não apertem demasiado o coração dos que ficam e dos que partem. E se Deus quiser para o ano a procissão até vai levar mais um ou dois andores, que a fé tem destas coisas, quando menos se espera é que ela aparece. E a tarde cai ao ritmo dos passos lentos da procissão e todos regressam a casa para comer o que resta do cabrito e provar um pedaço de bola de carne. E depois, as tias velhas beijam as faces coradas dos meninos que correm pela casa e olha-se o céu, até para o ano. Assim seja.



Criatividade Eurico Castro pretende levar Patrícia Posse | pposse.tamegapress@gmail.com | Fotos | D.R.

O toque, pessoal e inconfundível, eleva o sabor daquilo que melhor se cultiva na região transmontana. O desejo de causar satisfação em quem prova é o que move Eurico Castro, pasteleiro com 26 anos de carreira. O ouriço de castanha de Bragança ou o bolo-rei de castanha são algumas das criações que consagraram o seu nome. “Em Trás-os-Montes, temos produtos excecionalmente bons e é preciso preservá-los e valorizá-los. Em vez de tentar vender aquilo que não temos em massa, vamos aproveitar para ir aos nichos de mercado, àqueles que consomem, pagam e sabem dizer bem daquilo que é bom”, defende Eurico Castro. Na sua bancada de trabalho, o “verdadeiro segredo” é colocar carinho e dedicação naquilo que se faz, sempre “com a perspetiva de agradar ao cliente”. Aos 39 anos, o pasteleiro não abdica de um ingrediente essencial: “a criatividade acaba por vir aliada ao bom gosto, é algo que vai aparecendo ao longo do tempo e se vai estimulando”. Nascido em Macedo de Cavaleiros, Eurico teve o primeiro contacto com o mundo dos aromas adocicados aos 12 anos. Nas pausas letivas, ficava aborrecido por estar em casa e, como não era dado à prática desportiva, rapidamente encontrou outras lides. “Ia para a pastelaria de um senhor que me achava piada e me deixava andar por ali, a limpar os tabuleiros e a virar as farturas.” Assim foi até que decidiu abandonar definitivamente a escola para ser pasteleiro. O percurso, esse, foi feito a pulso. Aos 14 anos, mudou-se para outra pastelaria de Macedo de Cavaleiros. “Só o facto de manipular um produto e ver alguém consumi-lo já era fantástico. Foi por aí que começou a vontade de querer crescer em pastelaria”, recorda Eurico. Acabaria por trabalhar em Vila Nova de Foz Côa até receber uma proposta para se instalar num hipermercado em Bragança. “O que eu gostava mesmo de fazer era produtos de qualidade para outros mercados”, explica. Por isso, iniciou um novo ciclo numa das pastelarias da cidade, interrompido por duas incursões ao estrangeiro. “Estava farto de me repetir e fui apanhar morangos para o sul de França. Acabei por conhecer produtos para cozinha que não conhecia.” De regresso a Bragança, Eurico decidiu arrancar com um projecto de restauração no mercado municipal e uma pastelaria gourmet, onde se podem degustar as suas iguarias. A par do trabalho nas áreas da hotelaria, da restauração e do catering, tem


na pastelaria é arte Trás-os-Montes aos quatro cantos do planeta também em mãos “um novo projecto à escala mundial”, que assentará na divulgação dos produtos que tenham como base a castanha.

Uma aposta ganha Eurico Castro procura dar “uma roupagem diferente” aos produtos tradicionais da região. “A castanha foi uma das minhas grandes apostas, porque em Trás-os-Montes, temos um volume de produção de 40 mil toneladas/época e zero de transformação. Comecei a perceber aí uma forma de desenvolver produtos que permitissem ter escala a nível mundial.” A primeira obra-prima foi o ouriço de castanha de Bragança, um doce sazonal recheado com pasta de castanha e embrulhado numa massa fina e estaladiça. Nascido em 2007, o ouriço alcançou uma rápida projeção internacional graças ao empenho do seu criador, que o deu a provar em Nova Iorque e em Paris. “Fomos às pastelarias para saber se as pessoas estariam disponíveis para prová-lo e o primeiro impacto foi muito positivo.” Quando decidiu visitar a cidade americana pela terceira vez, Eurico já levava na bagagem a intenção de “testar os ouriços” num sítio onde não era conhecido. “O mesmo aconteceu depois, em Paris, mas foi mais fácil porque as pessoas estão mais familiarizadas com a castanha.”

Prioridades em 2013 Estabelecido em Bragança há mais de duas décadas, Eurico Castro não tem dúvidas de que a capital de distrito é um bom ponto de partida. “Temos oportunidades fantásticas para brilharmos em qualquer parte do mundo, sem ter preconceitos e dizer que ‘somos pequeninos’. Somos do tamanho dos outros. Estamos é em localizações diferentes.” Por outro lado, a construção da autoestrada transmontana é “muito importante, porque mais facilmente as pessoas se podem deslocar”. “A região tem a vantagem de ser ainda um pouco desconhecida ou não ser tanto de massas como são as cidades do Litoral e isso, hoje, pode jogar a nosso favor”, sublinha. A partir de novembro, Eurico Castro vai disponibilizar pasta de castanha para que “todo o País possa fazer várias coisas com base da castanha”. No próximo ano, vai investir ainda nos bolos de casamento, nos produtos da linha gourmet e em projetos ligados à alta cozinha. “Vamos lançar cinco novos bolos de casamento”, anunciou ao RM.

Os bolos de casamento têm-se tornado numa das imagens de marca de Eurico Castro. “Cada bolo tem um estudo prévio e não está catalogado em lado nenhum. É sempre feito à imagem de cada cliente e com matérias-primas de excelência.” Em estudo continua a exportação em escala, pois “a forma de transportar não é fácil, já que se trata de um produto fresco, sem corantes nem conservantes”. Eurico Castro revela que há contactos com Brasil, Estados Unidos, África e alguns países asiáticos, mas ressalva que é preciso “ir com muito cuidado”. “Temos que perceber em que condições conseguimos colocar lá os produtos e com a qualidade que têm aqui. A pasta da castanha é para colmatar algumas das falhas que possam haver na exportação.”

Da pastelaria à cozinha de autor Para Eurico Castro, a criação é sempre inspirada em quem se senta à mesa. “A parte mais íntima do trabalho é tentar perceber qual é o gosto do cliente e aproximar-me ao máximo. Depois, é olhar para a pessoa e perceber que gostou. Essa é a verdadeira recompensa.” Ao longo do seu percurso profissional, Eurico sentiu que a pastelaria não o completava, tendo abraçado também a cozinha de autor. O fascínio pela beleza, a tentativa de atingir a perfeição e o respeito pelos produtos distinguem as suas confeções. “Agarrei-me muito às bases da nossa cozinha tradicional e tentei dar-lhe uma roupagem e uma dignidade diferentes”, revela. A mistura dos ingredientes e a perceção de “como é que aquilo tudo funciona, em sintonia de cor e de sabor, é um mundo fascinante, quase zen”. Já no reino da degustação, é esperar que “as pessoas olhem e gostem daquilo que veem e, depois, gostem muito daquilo que estão a comer”.

rota dos sabores - Av. Sá Carneiro, 101 - Bragança - Tlf. 938 327 587


20 agosto '12 repórterdomarão I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I

Triunfar nos negócios graças ao marketing pessoal bre os seus filhos desaparecidos durante o regime miTodo o empresário é instado a saber responder à litar? a) Mulheres de Evita; b) Mães da Praça de Maio”. competitividade, aos desafios dos mercados, a anteciE também: “Stradivarius é: a) Um compositor clássico par a sua estratégia de negócios, a promover a sua pródo século XVI; b) Uma marca de instrumento musical”. pria imagem para impressionar a clientela. Em torno O leitor é livre de tirar conclusões, a formação cultural é deste quadro de deveres, obsidiante e possessivo, váum dado relativo, não se pode saber um pouco de tudo, rias disciplinas procuram atrair empresários e execupor vezes a rica personalidade e a autenticidade do exetivos para uma série de obrigações sem as quais tudo cutivo que pode ser a chave do seu sucesso. pode falhar: desenvolvimento pessoal, marketing pesO segundo pecado é não saber trabalhar a sua soal, etiqueta e boas maneiras. Convém lembrar que marca, não ter boas maneiras, não saber cumprimenuma profissional de relações públicas ganhou nototar, não conhecer a precedência nos cumprimentos, riedade com livros convidativos para que executivos e não saber fazer as apresentações, abusar da personaliempresários dessem conta da necessidade de terem dade exuberante e andar aos abraços a toda a gente. A boas maneiras, conhecerem o elementar da civilidaautora aproveita para dissertar sobre o cartão de visitas, de e etiqueta e manejarem a arte das boas impressões. igualmente como saber receber um cartão. Paula Bobone escreveu livros sobre estas obrigações de O terceiro pecado é não saber comunicar-se, não se cuidar da imagem, já que ela é o espelho da eficásaber explorar as palavras, a voz e a expressão corpocia e da eficiência da empresa que se comanda. Mas o ral; mas também saber inserir-se num círculo e não que é isto da arte das boas impressões? Primeiro, cuidar abrir a boca à toa, estar constantemente a atender o teda imagem (diz Paula Bobone que o que determina a lemóvel. É preciso saber falar em público, dirigir reuninossa imagem é o que os outros vêm em nós). Há, pois, ões, conduzir ou participar em entrevistas de emprego. que causar boa imagem, capitalizar o seu valor, cultivar Tem sucesso, adiciona a autora, aquele que sabe valoria nossa personalidade. Daí a importância da indumenzar os contatos pessoais privilegiando-os aos telefónitária, do saber cuidar do look, do saber adotar um escos ou via e-mail. tilo. Segundo, sem etiqueta naufraga-se na vida social O quarto pecado é não se saber e profissional. A etiqueta integra ceportar à mesa, não chegar a horas, rimoniais e ritos que não devem ser não conhecer o uso dos copos e taconfrontados, pode-se insultar aquelheres, quais as atitudes corretas dule a quem se apresenta condolências, rante as refeições, é indispensável conão saber estar à mesa, etc. Terceiro, nhecer a enologia básica, à mesa não o agir com correção a nível profissiose fala alto. nal pressupõe um domínio das regras O quinto pecado é não saber trada vida pública e social. Quarto, a etibalhar a sua embalagem, isto é, a sua queta nos negócios ou na vida proimagem. Diz a autora que o profissiofissional é um verdadeiro saber viver nal de sucesso tem uma imagem glocriando imagem na comunicação cobal que deixa transparecer a sua camercial, sair airoso numa conferênBeja Santos pacidade, a sua competência e o seu Assessor D. G. Consumidor cia de imprensa sobre um tema escalpoder. As suas atitudes são inequídante, é indispensável restabelecer a vocas, incluindo o andar, o sentar, o olhar, o vestir, os confiança do mercado. Quinto, o protocolo empresarial gestos. Cuidar da sua imagem é também saber em que não se organiza à toa, é preciso avaliar a participação condições se usam um trajo de passeio, a que eventos é em reuniões de trabalho ou nos atos sociais, caso das que se podem ir de blazer ou quando se usa o traje esrefeições ou viagens de trabalho. curo. É o mundo das gravatas, das meias e dos sapatos Resta acrescentar que a sociedade de consumo é e de saber combinar a camisa com a gravata. mediática: “Passámos a ser definidos pelo consumo de O sexto pecado é desconhecer o mundo à sua volta, imagens, pela industrialização do espírito, pela adesão pensar que o mercado de negócios é o mesmo na África à cultura de massas e esta baseia-se na rádio, televisão, do Sul ou nos países árabes, não ter sensibilidade ou dispublicidade, marketing, redes sociais e outros intermecernimento para visitar um cliente alemão e saber que diários das transações de informação. Nesse universo ele é diferente de um argentino ou de um chinês. Ultrapontificam as vedetas das indústrias de entretenimenpassar este pecado é dominar uma série de práticas coto e mesmo esses empresários e executivos que sabem muns sob pena de caminhar para um desastre, ofendentirar partido do marketing social. do ou influenciando negativamente o cliente. Serve este preâmbulo para registar a chegada O sétimo pecado é não saber mover-se nos círculos mais o manual de etiqueta, comportamento e marketing pessoal: “Os sete pecados do mundo corporativo” sociais, quem e como cumprimentar, com quem pode dançar, como deve receber visitas e como, em caso alpor Lígia Marques, Editora Vozes. A contracapa testa, à gum, deve ter relacionamentos amorosos na empresa. queima-roupa as potencialidades do leitor: “Você conEstas são as respostas que Lígia Marques tem para os segue fazer da sua conversa algo interessante e produempresários, assim os deixa preparados para enfrentar tivo? Sabe usar o seu cartão de visitas de forma correta? o seu dia-a-dia com segurança, elegância e eficiência. Sabe vestir-se para uma reunião com um cliente e para Que o leitor não se ria, a nossa sociedade de consumo outras ocasiões do mundo empresarial? Sente-se inseé também de simulacro e de aparências. A boa imagem guro à mesa de negócios ou numa entrevista de emdepende da exigência de boas maneiras. A idealização prego? Pois a autora esclarece estas e outras questões deste empresário é de que ele é um ator exímio, conhesobre etiqueta, comportamento e marketing pessoal ce os limites do aceitável e inaceitável, sabe pisar os pale para isso desnuda os sete pecados que podem comcos. Estas recomendações não são grotescas, estamos a prometer uma carreira. falar de uma economia do terciário onde há professores O primeiro pecado é a incultura, é preciso possuir de dição e estas profissionais de relações públicas gauma boa cultura pessoal, conhecer um pouco sobre nham a sua vida contribuindo para que os empresários tudo o que nos cerca. A autora é veemente com os canvivam a representar e a seduzir. O preço de não aceididatos: devem participar em blogues, escrever para tar este marketing pessoal pode ser muito pesado: a má jornais e revistas, frequentar teatros e outros territórios imagem pode ser sancionada para toda a vida. Dito de da cultura. E para desassossegar os indiferentes, segueoutro modo, que o empresário e o executivo não se es-se um questionário do tipo: “Como foram chamadas as queçam, as aparências não são para iludir. mulheres que, na Argentina, exigiram informações so[A seu pedido, alguns colaboradores escrevem de acordo com a antiga ortografia]

opinião

É PRECISO ENTRETER... Os portugueses têm a inata capacidade de descobrir o motivo e a razão de ser de tudo o que os rodeia e faz parte da sua vida. Inibe-se depois a dar o salto para a resolução dos problemas, esperando que alguém o faça para o copiar, o que raramente acontece pois todos esperam o mesmo, e entretém-se à espera dum milagre, que pode vir de qualquer lado menos dos políticos que lhes afagam o ego e lhe alimentam a ilusão e a delonga. Exemplo interessante é o dos inúmeros provérbios onde temos um para o sim e outro para o contrário, como bem os conhecemos. Há sempre uma justificação para tudo, sendo o artifício que os fundamenta tão ou mais fantasioso conforme o cargo ou cotação social de quem o emite. Completa-se o ramo com um ordenamento jurídico que, de cada vez que se melhora, fica sempre pior e que, quando se diz que vai tapar os furos, acaba por alargar a malha. A semântica completa o ramalhete da viscosidade que lubrifica a escapatória, sendo a última invenção o Tribunal Constitucional. Depois de correr todas as instâncias que o condenaram, sabe que ali terá mais sorte pois se nem a Constituição faz cumprir, coisa para que foi (exclusivamente) criado, a dilação é quase certa a confinar na prescrição. Roubar devia ter uma só interpretação: alguém que se apropria de algo que não é seu. Mas o “contexto”, “enquadramento”, “condicionalismos” e tudo o mais que se lhe apode, variam e valem conforme a encomenda, a sageza do ju- Armando Miro rista, a “textura” financeira do ar- Jornalista guido e a maré da justiça. Apresentam-se medidas para tornar o sistema mais justo e equitativo, e dá-se-lhe um ar de seriedade como o das listas de devedores de serviços acima dos 15 Euros. Palmas e parangonas de encómio pois é preciso acabar com os calotes. E a lista dos grandes devedores, à praça ou à banca, que com as suas falcatruas e negociatas nos puseram a pagar por eles os milhões embolsados? A nacionalidade fundou-se com o Rei a defender e a apoiar-se nos fracos, embora a História nos diga que havia Clero, Nobreza e Povo. Havia mais Justiça e equidade. Mas quando passámos às “classes”, o Rei, que se esvaziava de poderes que transferia do Povo, aguentava-se com comendas e prebendas aos poderosos. Pegou a moda e, mesmo na Democracia constitucional, com Rei ou República, manteve-se o sistema para garantir o voto e o sistema. Replicou-se em tudo, da Assembleia da República à do clube de bairro, pois quem vota não escolhe: põe a cruz onde lhe mandam ou tem interesses, limitando-se a corroborar a escolha de quem normalmente nem sequer conhece. E se já não há títulos de nobreza, há os de riqueza, cargos e lugares, em entidades que já existem ou para isso se criam, seja uma empresa fantasma ou um banco. Outra “distracção” bem recente tem a ver com a criminalização do «vandalismo urbano». Sempre defendi que tudo o que é do Estado (portanto nosso), devia ser escrupulosamente acautelado e severa e equitativamente punido e ressarcido. Agora prender ou multar o rapazola que pinta na parede uma declaração de amor, o anarca que nos diverte com os escritos, e noutras vezes até formas bem engraçadas e artísticas, para não gastar ao que se diz alguns milhares de euros em limpezas ou restauros, quando se deixam de fora os milhares de milhões que configuram um autêntico terrorismo de estado que sabemos, ouvimos e lemos mas não lhe vemos veredicto. Mudemos de assunto pois chega desta amofinação e passemos a outra que é mais nossa: o Douro. Voz que se presume autorizada pois disso é responsável, diz que a Entidade Regional de Turismo vai acabar. Ao longo dos últimos anos o Douro foi perdendo instituições que enquanto existiram fizeram obra, como o Instituto de Navegabilidade, outros que transferiram para cá mas perderam o comboio, como o Instituto do Vinho do Porto e Douro, e outros ainda que perderam força, representatividade e liderança, apagando-se do mapa, como a Casa do Douro. Os rios renderam-se à electricidade e nem disso beneficiamos, e ainda com possíveis prejuízos inerentes à classificação de Património. O que nos fica? Onde estão os Homens do Douro? Espero que as autarquias, se não lhes cair em cima o herbicida da relva, assumam, na provável extinção da entidade, o seu papel primordial na afirmação do Douro turístico e aproveitem as estruturas e técnicos que saberão fazer o que é preciso. É barato. O Norte a promoverá lá fora, mas é preciso uma imagem identitária de malha mais fina. Não podemos continuar a perder e por isso o empenho autárquico terá de se assumir como último arrimo e suporte de futuro.


agosto '12

diversos

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Troço do Marão no IP4 perde contrato de manutenção

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repórterdomarão

Cenários de Envelhecimento Cláudia Moura

SEXUALIDADE E IDADE O envelhecimento não compromete necessariamente a sexualidade. Os indivíduos que chegam à terceira idade com disposição emocional para manter uma vida sexual ativa vivem mais e melhor. O termo do contrato de conservação do maior troço do IP4, entre Amarante e Vila Real, uma estrada com elevado índice de sinistralidade, apesar da redução dos últimos anos, é a principal consequência da negociação entre a Estradas de Portugal (EP) e a Autoestradas XXI, subconcessionária da Autoestrada Transmontana, que acordaram reduzir o objeto da concessão em 80 milhões de euros. Ao contrário do noticiado pela maioria da comunicação social, não se regista qualquer poupança em encargos financeiros nesta ou noutras concessões (em taxas de juro, margens de lucro, etc.) mas tão só a redução do objeto das concessões, com a consequente diminuição de custos. Segundo o comunicado da EP, o concessionário AEXXI – que fazia a conservação do troço do Marão desde 2008 e realizou em 2011 importantes obras de pavimentação e sinalização (foto) – deixa de ter a seu cargo a manutenção dos dois troços do IP4 que se mantêm em serviço em simultâneo com a futura A4 – Amarante /Vila Real e a Variante de Bragança – estradas que, agora, passam para a responsabilidade da Estradas de Portugal. O mesmo tipo de negociação foi anunciado entre a EP e a Ascendi na subconcessão do Pinhal Interior. Há redução de encargos globais através da diminuição do objeto da concessão, tendo sido eliminados contratos de conservação de estradas e alguns troços novos ainda por construir. Entretanto, a construção e exploração da Autoestrada A4 entre Vila Real (Parada de Cunhos) e Quintanilha prossegue a bom ritmo, estando cerca de 60 quilómetros já concluídos e abertos ao tráfego e os restantes 73 quilómetros em fase adiantada de construção. Prevê-se que em setembro abram mais dois troços (17,7 km) e que até ao final do ano estejam em serviço 108 km de autoestrada. Para o primeiro trimestre de 2013 ficam os dois restantes lanços: Parada de Cunhos/Vila Real Nascente (10,6 km), troço com portagem (à semelhança da variante de Bragança da A4, em serviço desde há um ano) e Nó IP2/Vale de Nogueira (14,4 km). Quanto à concessão Túnel do Marão, entre Padronelo (Amarante) e Parada de Cunhos (Vila Real), com 25,4 km de extensão, incluindo o túnel de 5,6 km, a abertura ao tráfego poderá ocorrer em 2014 se as negociações entre o Estado e o consórcio construtor (liderado pela Somague) – eventualmente para a rescisão do contrato – ficarem concluídas até ao fim do ano. As obras estão paradas por falta de financiamento (o atraso global da obra já ultrapassa 20 meses) mas o Governo tem anunciado que reservou 200 milhões de euros para concluir a obra, verba conseguida com a recente reprogramação dos fundos comunitários.

DEIXO-VOS A PENSAR … A pirâmide das idades mostra um envelhecimento progressivo da população. Não exclusivamente os seres humanos vivem mais tempo, mas também as condições de saúde e o potencial de integração social são prolongados. Entretanto, os estereótipos ligados à degradação biológica, a qual serviu durante séculos para caracterizar o processo do envelhecimento, continuam a impregnar o imaginário cultural. E as repercussões do processo de envelhecimento sobre a sexualidade constituem um assunto particularmente contaminado por preconceitos. Com uma visão demarcada, tanto em relação à sexualidade como à velhice, a sociedade qualifica este período da vida como um período assexuado. Esta visão assexuada do idoso admite compreender que ser idoso continua a ser entendido como um período em que não se sente, não se deseja, e não se quer. Daí a urgência em realçar a necessidade de reformular tais crenças perante a sexualidade no processo do envelhecimento. Afinal a afetividade tem sido apontada como um excelente remédio contra a solidão, o abandono e a depressão, que são os mais sérios problemas enfrentados pelos idosos. Lá vai o tempo em que o homem ou a mulher que chegavam à terceira idade se sentia incapacitado para usufruir uma vida sexualmente feliz. Efetivamente, sem ignorar que à idade estão associadas mudanças físicas que em determinados casos, podem conduzir a doenças e outras dificuldades que interferem na sexualidade. Envelhecer é um processo fisiológico que começa na conceção e acarreta mudanças, específicas de cada espécie durante todo o ciclo vital. Portanto, a progressão do envelhecimento não pode ser evitada, mas sim melhorada, sendo necessário distinguir as alterações produzidas pelas diversas doenças no idoso, das mudanças que ocorrem no organismo apenas pela passagem dos anos, correspondentes aos efeitos naturais do processo de envelhecimento. Desta forma, não devemos relacionar a terceira idade apenas a processos patológicos, mas também a idosos saudáveis, à procura de orientações que melhorem a sua expectativa e qualidade de vida. O facto de o idoso apresentar uma diminuição das atividades sexuais, não significa portanto, a decadência da capacidade de amar, desejar, dar e receber prazer. Afinal a diminuição da frequência das atividades sexuais, não significa, fim da expressão ou do desejo sexual. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os indivíduos que chegam à terceira idade com disposição emocional para manter uma vida sexual ativa vivem mais e melhor, isto porque, a sexualidade na terceira idade reafirma a identidade de cada parceiro. A afetividade é desta forma explicada como uma excelente resposta para solidão e abandono, sendo este um dos mais sérios problemas enfrentados pelos idosos. Por isso, envelhecer não significa necessariamente redução de capacidade e diminuição afetiva, mas deve significar vida aprazível. A vida sexual transforma-se constantemente ao longo de toda a evolução individual, porém só desaparece com a morte. claudiamoura@portugalmail.pt Professora Universitária e Investigadora na área da Gerontologia.


22 agosto '12 repórterdomarão I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I

crónica & artes

Cartoons de Santiagu [Pseudónimo de António Santos]

A.M.PIRES CABRAL

O PADRINHO Lido assim, sem mais, o título desta crónica tem ressonâncias sinistras. Traz à memória a celebrada série de filmes sobre a máfia de Francis Ford Coppola, em que pontifica a figura de Don Vito Corleone, um Marlon Brando maduro e, como o vinho do porto, melhorado pela idade. Ora, longe de mim querer fazer arrepiar o Leitor com sugestões deste grau de crueldade. O padrinho de que aqui se fala está mais próximo da branda tradição portuguesa, plasmada desta forma no Dicionário da Academia: «1. Aquele que serve de testemunha ao baptismo, ao crisma ou ao casamento de outra pessoa [...]. 2. Aquele que atribui um nome a alguém, a alguma coisa... ou que preside a uma inauguração [...].» E o padrinho em questão sou eu – criatura de bonomia, tolerância e poderio nos antípodas dos de Don Corleone. Padrinho na primeira das acepções transcritas, fui-o escassamente: dois ou três afilhados de baptismo, outros tantos de casamento, zero de crisma, não fui além disso. E até há bem pouco tempo andavam por aí as minhas incursões no terreno escorregadio do apadrinhamento. De repente, eis que surjo como padrinho, agora na segunda acepção, e logo padrinho por duas vezes: da filial em Vila Real da Livraria Bertrand e de um clube de fotografia em M. Cavaleiros, que tem o sugestivo nome de Alustro, alusão ao modo de o povo se referir ao flash dos fotógrafos. (E não faltará quem pense – e eu sou um deles – que ‘alustro’ é bem melhor e mais português do que o internacionalmente consagrado flash.) Isto de ser padrinho tem muito que se lhe diga. Também na segunda acepção. A pessoa tem de pensar que ao emprestar ou a sua imagem (caso da filial da Bertrand) ou mesmo o seu nome (caso do Alustro – Clube de Fotografia A. M. Pires Cabral) está de alguma forma a comprometer-se com os ‘afilhados’, a interessar-se pelo seu presente e pelo seu futuro. Padrinhos são segundos pais, diz o povo, que

têm de avançar se os primeiros (os biológicos) faltarem. Bom, claro que no primeiro dos casos as minhas responsabilidades estão muito atenuadas. O apadrinhamento da Bertrand foi mais um happening para a inauguração das novas instalações do que outra coisa. Fui lá, debitei duas larachas, apresentei um livro e no fim cortei uma fita e bebi um trago de vinho do porto – e adeus, que por aqui me vou. De futuro, passarei por lá uma vez ou outra, a saber das novidades editoriais, a ver da saúde do ‘afilhado’ e a cumprimentar o pessoal, todo muito simpático. Mas não me sinto obrigado a mais nada. Aceitei apadrinhar porque a Bertrand, sendo embora uma empresa comercial, é ao mesmo tempo uma entidade empenhada no mesmo que eu – difundir o livro e a cultura –, estribada em quase trezentos anos de história. Apadrinhá-la não é exactamente o mesmo que apadrinhar uma loja McDonald’s – com todo o respeito pela McDonald’s. Já quanto ao clube de fotografia houve razões mais ponderosas, envolvendo outra casta de sentimentos e motivações e exigindo outro nível de envolvimento. O Alustro é uma aposta de um grupo de jovens macedenses, com duas coisas em comum (além da juventude): amor ao terrunho e gosto pela fotografia. Como reconhecem em mim exactamente os mesmíssimos predicados (excepto, ai de mim, a juventude), vá de me convidarem a ser, de algum modo, o patrono do clube. O Leitor adivinha o gosto com que aceitei o convite e abracei o projecto. Não é um apadrinhamento descartável, como o outro. É algo que me vinculará animicamente, enquanto a coisa tiver pernas e vontade de andar. Que oxalá tenha por muitos anos e bons, e eu que os conte, sempre a alustrar – eles e eu.

EÇA DE QUEIROZ 2012

Prémio Especial “António Oliveira Guimarães” na III BIENAL DO HUMOR LUÍS OLIVEIRA GUIMARÃES (2012) Espinhal - Penela

O OLHAR DE... Eduardo Pinto S/ Título 2 Amarante Anos 50

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agosto '12

diversos | crónica

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Projeto da UTAD e da CM Mondim pretende valorizar as Fisgas de Ermelo

Foto: Patrícia Posse

A zona de Fisgas de Ermelo, em plena serra do Alvão, poderá ser requalificada no âmbito das contrapartidas pela construção da barragem de Fridão, anunciou o Município de Mondim de Basto. A barragem, localizada no rio Tâmega a menos de dez quilómetros a montante de Amarante e concessionada à EDP, tinha arranque anunciado para este ano mas tudo indica que sofreu um adiamento devido à conjuntura económica desfavorável. Segundo o presidente da câmara de Mondim de Basto, Humberto Cerqueira, existe a possibilidade de incluir este projeto no Plano de Desenvolvimento Regional, que será implementado se a barragem avançar. É nesse pressuposto que a Câmara de Mondim de Basto e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) estão "a desenvolver um projecto de valorização, melhoria das acessibilidades e sinalização das Fisgas de Ermelo". As Fisgas de Ermelo – que atraem cada vez mais visitantes, mormente devido às piscinas naturais que se formaram no leito do rio Olo – são das maiores quedas de água da Península Ibérica e o principal motivo de atração do Parque Natural do Alvão (PNA) e do próprio concelho de Mondim de Basto. Centenas de pessoas, sobretudo no verão, deslocam-se para observar a cascata (com um

desnível de quase 200 metros) ou banharem-se nas suas lagoas, que se transformaram em praias fluviais de águas muito límpidas. O projeto em que intervém uma equipa da UTAD pretende a recuperação de duas casas florestais próximas das fisgas, destinadas a instalação de um centro interpretativo, bem como a acomodar alojamento para investigadores. Foi anunciada uma intervenção a nível das acessibilidades, através da construção de um parque de estacionamento, nas imediações do miradouro, onde será instalada uma plataforma de observação, dotando-a de condições de segurança para os visitantes. Será ainda melhorada a sinalização de trilhos e percursos. "O objetivo é valorizar e promover esta área das fisgas e criar melhores condições para atrair mais pessoas", frisou o presidente da autarquia de Mondim de Basto, citado pela Lusa. Entretanto, As Fisgas de Ermelo estão entre os dez locais mais votados no concurso "7 Maravilhas - Praias de Portugal", na categoria de praias selvagens. Outro local paradisíaco de Trás-os-Montes – a praia da Ribeira, na albufeira do Azibo, em Macedo de Cavaleiros – também está entre os mais votados na sua categoria: praias de albufeira e lagoas. A votação nacional decorre até 7 de setembro (mais informações no site www.7maravilhas.pt).

Câmara do Marco homenageia produtores de vinho verde A Câmara Municipal do Marco de Canaveses homenageia a 1 de setembro os produtores de vinho verde do concelho que foram premiados ao longo do ano nos diversos concursos vínicos, alguns deles em concursos de âmbito nacional. O evento terá uma sessão na câmara (às 21:30) e uma festa com animação musical (23:00). A criação da Rota dos Vinhos do Marco veio dar visibilidade aos produtores-engarrafadores do concelho, tendo surgido nos últimos anos diversas marcas com visibilidade no mercado do vinho verde. São mais de duas dezenas as quintas e produtores associados na Rota do Marco, entre eles a Casa de Vilacetinho, a Quinta do Burgo, a Quinta da Herdade, o Solar de Carvalhosa, a Quinta da Samoça e a Casa de Ambrães.

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repórterdomarão

António Mota

ELISABETE e OSVALDO Penso que foi a melhor decisão da minha vida. Bem, talvez esteja a exagerar; o melhor e o pior são dois termos muito perigosos, tornam-nos pouco tolerantes. Não acha que tenho razão? Se não foi a melhor, foi uma das melhores decisões que tomei na minha vida. Disso estou certa. E não foi fácil, acredite. Mas eu não quero estar a hiperbolizar as minhas agruras, irrita-me ouvir gente que passa a vida a dizer que está cansada e doente. Se eu pergunto: então como vai?, não tenho de receber um rol imenso de doenças da família inteira. É um desconforto ouvir essa gente. Acho que mais de meio Portugal sofre de qualquer maleita. Somos um povo muito exageradamente hipocondríaco, não acha que estou a dizer coisas acertadas? Falemos então da decisão que me mudou a vida. Mas as realidades não são tão lineares como parecem. Eu penso que nós somos como os vulcões adormecidos que de repente acordam e queimam tudo em volta. A correr, a correr, para não estar a contar a minha vida a uma pessoa que mal acabei de conhecer, mas que me parece simpática e muito atenta, devo falar de uma família muito ciosa do seu brasão, e de uns pais fechados ao mundo, castradores, tradicionais e moralistas até não se aguentar. E eu, para mal dos meus pecados, tive o azar de ser a filha única, a menina que tinha o dever de dar continuidade à egrégia família. Achava um piadão quando o primo Lourenço, com o seu ar afetado começava a falar da nossa egrégia família. Quando o ouvi falar dos egrégios corri à procura de um dicionário para não fazer o papel de parva. Depois da faculdade comecei a dar aulas. E de repente já estava casada com um homem bonito, muito inteligente, com dinheiro e advogado. Meio ano depois do casamento já andava com os enjoos do meu João. Naquele tempo era assim. Um ano depois nasceu a Isabel. Nessa altura eu era uma mulher de certa forma acomodada. Ti-

nha um marido, tinha uma família, não me faltava dinheiro, que é que eu mais queria? Quando a Isabel fez cinco anos o encanto acabou. Descobri que tinha em casa um marido amável, e não o meu homem. Ele é muito inteligente, reconheço, mas eu também não me considero destituída. O Osvaldo era astuto, pensava que eu engolia as patranhas que ia inventando para justificar a entrada em casa a desoras. Contei a minha mãe quem era o verdadeiro Osvaldo. E disse que queria o divórcio. Nem pensar, disse minha mãe, nesta família nunca houve um divórcio, e não será, certamente, a Elisabete a quebrar a tradição. Era o que mais faltava! Encolhi-me. Tive receio de ficar sozinha e ostracizada. E aguentei mais treze anos aquele casamento de faz de conta, cada um na sua cama. Um dia ganhei coragem e disse-lhe: Osvaldo quero divorciar-me. Ele respondeu que não estava de acordo. E que se isso acontecesse que me ia fazer a vida num inferno. Eu pedi o divórcio. E ele fez-me sofrer imenso e tirou-me tudo o que pôde. O João e a Isabel ficaram a viver comigo e eu aguentei as despesas. Abreviando, para não aborrecer: os filhos casaram e agora já tenho três netos, todos rapazes. No ano em que me reformei decidi: Elisabete, está na altura de cuidares de ti, basta de viveres em função dos outros. Passei por uma agência e comprei uma viagem num cruzeiro. Foram três semanas de deslumbramento. Voltei a passar pela agência e marquei outra viagem. Depois outra, e outra, e outra. Todos os meses viajo, umas vezes para mais perto, outras para mais longe, viagens baratinhas e viagens com maior orçamento. Viajar é a minha nova profissão. Adoro ser uma mulher livre, sem ter de dar satisfações a ninguém, adoro conhecer gente e mundo. Não acha que tomei a melhor decisão da minha vida?

anttoniomotta@gmail.com



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