Apresentação
Relevância do Direito Societário e do direito da empresa em crise para atenuar os efeitos da COVID-19 na atividade empresária Dentre os poucos consensos atuais, destacam-se a violência e a velocidade com que a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) alterou o cotidiano da vida social e econômica. Quando mal se percebeu, já se estava no olho do furacão, que a todos arrastou, do dia para a noite, para uma crise global, cujos reflexos futuros são pouco previsíveis. Como consequência disso, empresas tiveram suas atividades abruptamente impactadas – seja pelo excesso de demanda (indústria farmacêutica e de EPIs, por exemplo), seja pela necessidade de interromperem suas atividades por completo. As razões não são apenas de ausência de demanda, mas também sanitárias. A esse componente, por si só já explosivo, somaram-se, no caso brasileiro, as tensões de ordem política e federativa, que colocaram o país em uma verdadeira panela de pressão. Tudo isso tende a gerar ainda maior insegurança aos agentes econômicos. Reflexo disso é a instabilidade da bolsa de valores, termômetro da confiança dos investidores. Nesse sentido, se o risco é inerente à atividade empresarial, essa ideia ganhou novo significado em tempos de COVID-19. Se ao empresário já se exige, diariamente, a tomada de decisão
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em âmbitos complexos, as dúvidas agora se avolumam e se agudizam: como fazer para quitar a folha de pagamento? Quando a atividade será restabelecida? Como negociar com meus credores e com meus devedores? Na tentativa de orientar a gestão pública e também privada, União, estados e municípios vêm editado uma série de normas. Muitas consagram exceções explícitas – e temporárias – às regras jurídicas anteriormente vigentes, as quais pressupunham uma realidade temporariamente não mais existente. Daí a pandemia ter gerado, também, uma “epidemia” de leis especiais. Por conta disso, nossa equipe especializada em Direito Societário preparou este breve material. Nosso objetivo é responder as dúvidas mais frequentes sobre o tema, bem como orientar sócios e administradores acerca das medidas tomadas na condução das atividades empresariais. Se há, de um lado, muita incerteza e uma crise já instaurada, há, de outro, meios jurídicos para suavizá-la ou, ao menos, dimensionar os riscos tomados. É aqui, pois, que o Direito Societário e o Direito da Empresa em Crise adquirem especial relevância.
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01.
MP 931 e a postergação da data limite para realização de assembleias gerais ordinárias
Como regra, as sociedades – sejam elas limitadas ou anônimas – devem realizar suas assembleias gerais ordinárias[1] (AGO) em até 120 dias, contados do término do exercício social. Essa AGO tem como pauta obrigatória a aprovação das contas dos administradores e a deliberação do resultado do exercício finalizado. Na prática, o exercício finda em 31 de dezembro e, por isso, deve ocorrer até 30 de abril. Com o auge da pandemia previsto para ocorrer próximo à data limite para realização das Assembleias Gerais Ordinárias, havia dúvidas sobre como compatibilizá-las com as medidas sanitárias que estivessem vigentes. Objetivando flexibilizar a regra originária, foi editada a Medida Provisória n. 931, em 30 de março de 2020, que estendeu o prazo para realização das Assembleias e permitiu o voto à distância de sócios e de acionistas. De acordo com o artigo 1º da MP, as AGOs de sociedades anônimas devem ser realizadas em até sete meses contados do término do seu exercício social. Essa regra se aplica inclusive às sociedades que preveem prazo inferior para a realização de AGO. Consequentemente, 4
também ficaram prorrogados os mandatos dos administradores, membros do conselho fiscal e de outros comitês estatutários. O artigo 4º replica a mesma lógica para as sociedades limitadas, estendendo o prazo para realização de reunião ou assembleia de sócios para sete meses a partir do término do exercício social, também prorrogando os mandatos dos administradores. Além dessas dilações de prazo, também foi possibilitada a participação e voto à distância de sócios nas assembleias. Ou seja, as sociedades e seus sócios podem decidir postergar a realização das Assembleias ou realizá-las de maneira remota, optando pela solução que reputarem mais adequada, a depender das circunstâncias concretas de cada sociedade. Por fim, a MP 931 também permite que as assembleias das sociedades anônimas sejam realizadas em outro local que não a sua sede, desde que no mesmo município do seu estabelecimento. [1] Em sociedades limitadas com até dez sócios, haverá reunião e não assembleia de sócios, conforme prevê o art. 1.072 do Código Civil.
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02.
Administração em meio à pandemia: como os administradores devem se portar em situação de crise?
Embora as reuniões e assembleias para prestação de contas e eleição de administradores tiveram seu
prazo estendido, pode-se fazer necessária a convocação de reuniões extraordinárias justamente para deliberar sobre eventuais efeitos da crise na condução dos negócios. O dever de balizar informação e de gerir com transparência, em situação de crise, adquire grande relevância. Ainda que os administradores possam ter a competência para deliberar medidas a serem tomadas em situação de urgência para a superação de eventual crise, recomenda-se, em sociedades limitadas e sociedades anônimas fechadas, a convocação de assembleia (mesmo que de forma virtual), a fim de que os sócios possam ser informados dos efeitos da crise nos negócios da empresa. Nesse sentido, o plano para a administração da situação de crise pode ser traçado de diferentes formas, dependendo da estratégia adotada pelos administradores, sócios e acionistas. Por exemplo, podese optar por recorrer a empréstimos bancários, novação de obrigações, renegociação de contratos, aumento de capital social, a depender das circunstâncias concretas envolvendo a sociedade e seus sócios.
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Na prática, se o administrador decidir por atrasar o pagamento de impostos, salários, fornecedores ou questões afins, recomenda-se para sociedades limitadas e anônimas fechadas a convocação de assembleia geral extraordinária, de forma remota, para informar os sócios/acionistas a respeito dessa situação e, se for o caso, colocar tais decisões em votação. Nas sociedades em que possuem conselho de administração, entendemos que a convocação de assembleias gerais extraordinárias é desnecessária, cabendo ao conselho deliberar sobre as medidas de urgência pretendidas pela administração. Por fim, se for necessária a realização de aumento de capital, mesmo diante da situação extraordinária, devese seguir os procedimentos previstos no Código Civil e na Lei das Sociedades Anônimas. Consequentemente, é preciso oportunizar que os sócios e acionistas manifestem seu interesse em manter a sua participação no capital social. Do mesmo modo, é preciso ter atenção especial com o preço de emissão das novas quotas/ ações. Especificamente para o administrador, esse é o momento em que o cumprimento de seus deveres fiduciários se tornará ainda mais relevante, devendo agir com extrema diligência e lealdade. Recomenda-
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se, por conta disso, que as decisões administrativas sejam sempre embasadas em relatórios que avaliem de maneira técnica o impacto da pandemia na atividade social, sempre buscando realizar o provisionamento necessário para a superação da crise. Nesse âmbito, seria possível a retenção da distribuição do lucro do exercício de 2019 pela administração ou pelo conselho de administração, servindo de reserva à situação de crise no exercício de 2020. Repisa-se que é recomendável que tal determinação seja objeto de deliberação em reunião ou assembleia de sócios. Em caso de urgência, no entanto, entende-se ser possível que o administrador ou conselho de administração tome essa decisão ad referendum, especialmente considerando a previsão do art. 1º, § 3º da MP 931 de 2020. É aconselhável, também, que os efeitos da pandemia sejam considerados nas demonstrações financeiras de todas as sociedades, apesar de tal recomendação ter sido feita formalmente somente às companhias abertas, no OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/ SNC/SEP/n.º 02/2020.
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03.
A importância da recuperação judicial como meio para solução da crise provocada pela COVID-19
Em decorrência da crise provocada pela COVID-19, é desejável que os administradores busquem renegociar de maneira consensual as obrigações contraídas antes do início da pandemia. Em situações de crise
avançada, ganha especial relevância o procedimento da recuperação judicial, a fim de se viabilizar a restruturação formal das dívidas contraídas. A recuperação judicial é importante porque permite caminhos para que a empresa se reorganize. Possibilita a renegociação do passivo existente e coloca credores e devedor no mesmo processo, sob a fiscalização do Poder Judiciário. Nesse sentido, é sabido que nenhum empresário gosta de solicitar recuperação judicial. Entretanto, esse é um instrumento importante para superação da crise. Veja-se, por exemplo, empresas que tiveram suas atividades drasticamente interrompidas por força de atos estatais. Será que é possível superar essa situação sem a instauração de uma ampla discussão entre credores e devedor?
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Ora, a recuperação judicial, apesar do estigma que a cerca, nada mais é do que um mecanismo forçado de renegociação dos créditos. Diz-se “forçado” porque a lei obriga a todos os credores participarem do procedimento. Cabe a eles decidir se o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor será ou não aceito. Para as empresas já em recuperação judicial, recomenda-se a tentativa de prorrogação do stay period, medida que já vem sendo deferida por juízos recuperacionais. Exemplo disso é a decisão do dia 16 de março no processo 102615553.2019.8.26.0100, que tramita perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível de São Paulo. A tendência foi seguida também no Rio Grande do Sul, em decisão proferida pela Vara de Direito Empresarial, Recuperação Judicial e Falências de Porto Alegre no dia 1º de abril de 2020. Outra alternativa que deve ser considerada é o pedido para realização virtual das Assembleias Gerais de Credores. Tal medida foi deferida no âmbito da recuperação judicial do Grupo Odebrecht e é alternativa bastante razoável a ser considerada
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pelos administradores judiciais para que se possibilite a continuidade dos procedimentos de recuperação. Por último e, em linha com o recomendado acima e buscando a preservação das atividades empresariais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, no dia 31 de março de 2020, a recomendação n. 0002561-26.2020.2.00.0000, que prevê medidas como: • autorização de assembleias gerais de credores virtuais; • prorrogação do período de suspensão do art. 6º da Lei de Falências; • autorização de apresentação de plano de recuperação modificativo quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia; • continuidade da fiscalização das atividades pelos administradores judiciais, devendo publicar na internet relatórios de atividades.
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04.
Fusões e aquisições em andamento: recomendações importantes
Em negociações de M&A (fusões e aquisições de empresas), é bastante comum que no signing da operação se inclua a cláusula de “MAC – Material Adverse Change”, prevendo mudanças materiais adversas nas circunstâncias da negociação. Em relação à pandemia do Coronavírus, questiona-se se, em negócios em que o closing não tenha sido realizado, a pandemia e as restrições por ela causadas poderiam ser consideradas a fim de se preencher o suporte fático e possibilitar o não fechamento de uma aquisição pelo comprador. A resposta nos parece afirmativa nos casos em que o signing da operação antecedeu o início dos casos do vírus, pois não se poderia, naquele momento, prever-se o desenvolvimento da pandemia dessa maneira. No entanto, se o signing fora feito após o início da curva epidemiológica no Brasil, não acreditamos que a imposição de restrições comerciais posteriores possa ser utilizada para impedir o fechamento da operação. Ou seja, o enquadramento da pandemia do novo Coronavírus como uma mudança material adversa depende da análise caso a caso. O mesmo poderá ser dito para a alegação de tais fatos como caso fortuito ou força maior no âmbito de discussões sobre inadimplemento contratual. No mais, será essencial realizar uma due diligence aprofundada na sociedade objeto da aquisição, para analisar a precificação de ativos e aferir o risco envolvido no negócio, especialmente no que tange aos efeitos da pandemia na condução das atividades empresárias. 12
05.
Mercado de capitais
Um dos pontos fundamentais do mercado de capitais é o dever de informação das companhias abertas. É de se considerar, portanto, a necessidade de divulgação de fato relevante, nos termos da Instrução 358 da CVM, apresentando projeções sobre os efeitos da pandemia. Enquanto pendente de revelação dos impactos e riscos da pandemia à atividade, é recomendável que a companhia se abstenha de negociar valores mobiliários. Tal recomendação é feita pela própria CVM, no OFÍCIO-
CIRCULAR/CVM/SNC/SEP/n.º 02/2020, feita em 10 de março de 2020. Em relação aos prazos para entrega de demonstrações financeiras das companhias abertas, há previsão específica na Deliberação 849 da CVM, que estendeu o prazo original para 5 meses após o término do exercício. A possibilidade de prorrogação autorizada pela CVM encontra previsão no Art. 3º da Medida Provisória n. 931. Através da MP 931 de 2020, foi também aberta a possibilidade, pendente de regulamentação da CVM, de autorização para realização de assembleia digital no caso das sociedades anônimas de capital aberto.
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06.
Considerações finais
Em suma, em relação às mudanças e recomendações, destacam-se:
• A extensão do prazo para realização de AGOs e Assembleias de Sócios para sete meses após o término do exercício social. Ou seja, até 31 de julho de 2020 para os exercícios sociais findos em 31 de dezembro de 2019; • A possibilidade de participação remota dos sócios em reuniões e assembleias; • A recomendação de que os administradores convoquem assembleia ou reunião para informar os sócios e acionistas a respeito da situação de crise, exceto no caso de haver conselho de administração; • A possibilidade de retenção da distribuição dos lucros do exercício de 2019 pela administração; • A função essencial da recuperação judicial em caso de crise mais avançada, pois permite a renegociação do passivo existente; • A possibilidade de prorrogação do stay period das recuperações judiciais em curso, bem como realização virtual de AGCs; • Que a mera existência de cláusula MAC em operações de M&A não impede o fechamento da operação, dependendo de análise caso a caso; • A necessidade, para as companhias abertas, de divulgação de fatos relevantes sobre os efeitos da pandemia; • A extensão do prazo para as companhias abertas apresentarem suas demonstrações financeiras para 5 meses após o término do exercício social 14
Conteúdo técnico desenvolvido em 02/04/2020 Guilherme Bier Barcelos Advogado, Sócio de Capital do Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Mestre em Direito pela mesma instituição de ensino e Doutorando em Direito Comercial na Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador visitante junto ao Max Planck Institute for Comparative and International Private Law, em Hamburgo (Alemanha) no ano de 2018. Membro da Comissão de Sociedades de Advogados da OAB/RS, e associado junto ao Turnaround Management Association do Brasil, ao Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR) e ao Instituto de Estudos Culturalistas (IEC). Reconhecido pela REVISTA ANÁLISE 500, em 2019, como um dos advogados mais admirados. Gabriela Barcellos Scalco Advogada. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestranda em Direito também na UFRGS. Editora da plataforma online CISGBrasil.net. Membro do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC). Letícia Pheula Soares Estagiária em Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados. Graduanda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Membro da Equipe de Arbitragem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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Com 54 anos de trajetória, o Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados é um escritório multidisciplinar, que une especialidades de diferentes áreas. Possui uma equipe com mais de 60 profissionais, entre advogados e colaboradores administrativos. Com sedes em Porto Alegre e São Paulo, o RMMG Advogados está presente nos principais rankings jurídicos do Brasil, como o Análise Advocacia 500. Em 2019, foi apontado como um dos escritórios mais admirados do país.
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