OLORUM
MODERNO 1
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CONTEMPORÂNEO #1 EDIÇÃO
S U M Á R I O 4. NINO CAIS IDENTIDADE DA AUSÊNCIA POR ISABELLA PRADO
6. MARINA ABRAMOVIC ELA ME FEZ CHORAR POR ISABELLA PRADO
9. RICARDO CAVOLO O MUNDO COLORIDO DE RICARDO CAVOLO POR LUISA JUBILUT
12. LORI PREUSCH LORI PREUSCH E O MUNDO DA FANTASIA POR MARIEL RECHULSKI
13. ROB GONSALVES O MESTRE DA ILUSÃO POR MARIEL RECHULSKI
14. CATARINA GUSHIKEN COR ÀS RUAS POR JULIANA BITTENCOURT
16. ALEX SENNA PERSONAGENS DO CINZA POR JULIANA BITTENCOURT
17. CATARINA SABINO APOSTA POR LUISA JUBILUT
18. GUTO LACAZ GUTO LACAZ POR FELIPE MOLITOR
24. GILVAN SAMICO GILVAN SAMICO POR FELIPE MOLITOR
30. EDUARDO KAC ARTE DE PROVETA POR RODOLFO ALMEIDA
34. TROPICÁLIA POSTURA ARTE TRANSGRESSÃO POR RODOLFO ALMEIDA
Jo Baer, Ohne Titel (Dyptich), 1966 Capa: Marina Abramovic, Rest Energy, 1980
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E D I T O R I A L Arte já foi clássica. Arte já foi moderna. Arte já foi contemporânea. Arte já aconteceu na paisagem. Arte já aconteceu no artista. Arte já aconteceu no museu. Já aconteceu no cubo branco. Arte já aconteceu na rua. Já aconteceu no muro. Em um pedaço de árvore. No mármore. Arte acontece debaixo de um microscópio. Dentro de uma célula. Arte acontece dentro de uma ideia. Arte já deixou de acontecer dentro de uma ideia. Todas as artes são concomitantes e evoluem. Não há exclusão. Há somatória. Alex Senna faz grafite. Catarina Gushiken pinta muros. Guto Lacaz odeia grafite. Estão aqui publicados. Lori Preusch pinta telas. Rob Gonsalves pinta telas. Tropicália acontece fora das telas, pinta o cubo branco. Marina Abramovic dança dentro do cubo branco. Estão aqui publicados. Nino Cais faz colagens. Catarina Sabino faz colagens. Ricardo Cavolo pinta sapatos. Gilvan Samico ainda faz xilogravuras. Artistas fazem obras de arte. Eduardo Kac faz seres vivos de arte. Estão aqui publicados. O caráter de evolução constante da arte estabelece um jogo dialético de formação, inclusão, ruptura, evolução, ad infinitum. Ruptura com a tinta. Ruptura com a tela. Com as duas dimensões. Com o espaço branco. Com as ruas. Com a instalação. Com o conceito. Com a arte. Deste jogo infinitamente permutável de rupturas, dá-se o panorama de evolução das artes. Entre o moderno e o contemporâneo. Fornecemos este panorama. Está aqui publicado. OLORUM
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IDENTIDADE DA AUSÊNCIA
Desde o cubismo e dadaísmo, movimentos de vanguarda da era modernista, a colagem tem sido uma modalidade altamente explorada nas artes plásticas. Jornais impressos, pinturas, fotografias antigas são materiais principais para a criação de texturas, que se sobrepõem e formam uma nova imagem – ou identidade. O artista brasileiro Nino Cais, que vive e trabalha na capital paulista, destaca-se pela criação de colagens com fotos antigas: cobre o rosto de crianças com objetos, motivos florais, ou utiliza os próprios autorretratos, que combinados de objetos e situações inusitados, deixam-o irreconhecível. Formado em artes plásticas, em 2001 pela Fasm (Faculdade Santa Marcelina), Nino participa de diversas exposições em museus e galerias, incluindo a 30a. Bienal de Arte em SP, além de prêmios que recebeu como artista de destaque de mostras coletivas. Recentemente, colaborou com a primeira edição da revista Harper’s Bazaar Brasil dedicada à arte, onde criou a capa com a modelo Daiane Conterato. Nua, ela segura a imagem de um tucano sobre o corpo, uma mexerica e com a outra mão uma flor cobrindo um de seus olhos. A colagem, mesmo que não seja feita com recortes, pode ter texturas com a presence de objetos que descarecterizam a personagem principal da obra. É preciso olhar mais de uma vez para conseguir ver quem está representado na foto. Os autorretratos de Nino também funcionam desta forma. Com uma camisa cobrindo o rosto, um vaso ou até mesmo um buquê de flores, o artista torna impossível uma identificação imediata. O espectador, ansioso por alguma pista, tem que criar a partir da imaginação um possível rosto para o mistério ali apresentado. O colorido das imagens também é um ponto destacável de seu trabalho, lembram a decoração e clima das casas de avós quem moram no interior – existe uma referência à sua vó, em uma das exposições, com cortinas e cadeiras de balanço com pés de foice. Em outros trabalhos, igualmente interessantes, expostos na Bienal de 4
POR ISABELLA PRADO
2012, Nino colocou sobre o chão taças e vasos de vidro, depois apoiou-se neles e ficou suspenso numa cena no mínimo perigosa. Quem passava pela frente da imagem, ficava chocado, sentia até um arrepio, com medo que o vidro tivesse de fato quebrado naquele momento. Na mesma linha das colagens, segue Beth Hoeckel, artista norte-americana, nascida em Baltimore. Formada em artes plásticas pela School of The Art Institute of Chicago, Beth já fez colaborações para revistas público jovem, como Rookie e Dazed and Confused, e uma lista infinita de publicações digitais. Seu trabalho é baseado em livros antigos, onde ela recorta e cola com perfeccionismo e recria situações. A curadoria de imagens parte, na maioria do tempo, de memórias pessoais e paisagens, tornando o resultado final uma experiência nostálgica. É um trabalho intuitivo, e talvez seja essa a palavra que define bem a direção que arte contemporânea vem tomando. Com a quantidade de informações que entramos em contato, constantemente, muitas vezes vemos uma imagem, repetidademente, ela é bastante agradável, mas pouco se sabe sobre a sua história. É um jogo de percepção, uma reunião de objetos, fotografias, texturas contempláveis. É o inverso do academicismo, ou da pintura clássica propriamente dita. Antes era preciso conhecer técnicas para admirar uma obra de arte, enquanto hoje, o processo de criação é simplificado e o completivo é controlado pelos sentidos, é como ver uma obra de Nino Cais, entrar em contato com ela de uma maneira que o espectador se sente inquieto ou perturbado por não saber o que se esconde por de trás de um pano.
Nino Cais, sem título
Beth Hoeckel, sem título
Nino Cais, sem título
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Marina Abramovic, The Artist Is Present, 2012
ELA ME FEZ CHORAR Marina Abramovic a artista do presente POR ISABELLA PRADO 6
A artista performática Marina Abramovic já fez muita coisa em nome da arte: pendurou-se na parede de um museu nua; cortou com uma lâmina o seu próprio abdômen; já até se masturbou dentro de um museu. É uma lista grande de apresentações que exploram a arte conceitual. Em uma das suas útltimas performances que até rendeu um filme da sua trajetória, The Artist Is Present – a artista está presente, na tradução – Abramovic ficou 700 horas sentada, em silêncio, mantendo apenas contato visual com os espectadores, que enfrentaram filas longas no MoMa. O museu fechava e as pessoas continuavam em frente aguardando a abertura no dia seguinte, para ver se conseguiam penetrar, o mínimo que fosse, na aura da artista – num ritual silencioso. A "avó da arte da performance", como gosta de se apresentar, tem 66 anos, sendo destes, 40 dedicados a sua carreira. Nasceu em 1946, na antiga capital da Iugoslávia, que hoje pertence a Sérvia. A partir de 1971, Marina iniciou a sua carreira, com uma obra chama Metronome. Dois anos depois, em 1974 numa galeria, separou alguns objetos para que os espectadores usassem para interagir com o corpo dela. Os mais de 70 objetos, entre eles, mel, uma arma, bala, bisturi, chicote e batom, todos dispostos numa mesa. Foram escolhidos com destreza, poderiam causar tanto dor, como prazer. “No começo o público estava realmente brincando comigo, e depois tudo foi ficando cada vez mais agressivo. Foram seis horas de terror: eles cortaram minhas roupas, me cortaram com uma faca perto do pescoço e beberam o meu sangue.”,
conta a Marina em dos vídeos onde está documentado o trabalho. Em 1976, Marina apaixonou-se perdidamente por um rapaz, Ulay. Ela e o namorado viajaram juntos num trailer, com pouquíssimo dinheiro, pelas estradas europeias. Nasceram no mesmo dia, 30 de novembro. Duas cabeças diferentes, porém com propósitos artísticos semelhantes. Ele, metade travestido de mulher, usando peruca e maquiagem, fazia autorretratos com a sua polaroid. Ela, focada na sua carreira artística, fazia colaborações com Ulay nas perfomances que desenvolveu. Juntos, fizeram Imponderabilia, em 1977, onde os amantes, nus, ficavam encostados na passagem que ligava uma sala a outra do museu. Portanto, as pessoas tinham que passar entre o vão dos dois corpos estáticos para acessar o outro lado. Experiência que causava um constrangimento instântaneo, mas que depois era substiuída pela sensação de naturalidade a exposição da figura humana. Depois de algum tempo, separaram-se, tornando a relação entre eles conturbada. “Era incrível. No começo tinha essa enorme atração sexual. Íamos dormir, e ficávamos tipo dez dias sem sair do quarto. E ambos nascemos no mesmo dia, e nos conhecemos no nosso aniversário. Muitas coisas estranhas aconteceram. Antes de nos conhecermos, em nossas vidas, cada um de nós, por razões diferentes, estava à procura de algo novo. Eu não podia fazer mais performances como as que eu fazia porque teria me matado. Estavam ficando muito extremas.” Relembra Marina, na entrevista que deu para a revista Vice. A artista, depois de 2010, com sua acla-
// FORAM SEIS HORAS DE TERROR: ELES CORTARAM MINHAS ROUPAS, ME CORTARAM COM UMA FACA PERTO DO PESCOÇO E BEBERAM O MEU SANGUE //
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mada exposição no MoMa, que contou com uma releitura de suas obras, voltou aos holofotes, e parece ter gostado disso. Este ano, fez uma parceria com o rapper e empresário Jay-Z – enquanto ela dançava, ele cantava algumas rimas improvisadas, tudo no mesmo palco. Também produziu um video com a cantora Lady Gaga no qual as duas fazem juntas exercícios de purificação mental, num espaço que mais parece um spa de arte. Para um futuro próximo, está prometido o Instituto Marina Abramovic, que tem como principal missão um lugar que seja dedicado a obras imateriais e de devoção a trabalhos de longa duração, sejam estes músicas, óperas, ciência, filmes ou performances de arte. Os workshops serão dedicados ao que a artista chama de “Método Abramovic”, onde os interessados participam de longas performances de arte e fazem exercícios relacionados ao tema. Uma experiência tanto física, como mental, assim como todos os trabalhos de Marina.
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O MUNDO COLORIDO DE
POR LUISA JUBILUT Fogo, corações, símbolos religiosos, ícones pop. Tudo serve como inspiração para Ricardo Cavolo, ilustrador espanhol de 31 anos. A única coisa que todos estes elemenos tem em comum é a vibração colorida que seu trabalho exala. “Tento prestar muita atenção para a cor no meu trabalho por dois motivos”, ele contou à revista espanhola Daily Metal, “primeiro porque desperta algo biológico, a cor chega a nós pela visão, nos aprisiona ou nos repele, gera sensações dentro de nós que atendem aos nossos instintos primários” começa. “O segundo, é porque reforça a ideia , o conceito, que eu tento evocar atmosfera em uma composição”. Licenciado em Belas Artes com estudos em ilustração, vídeo, fotografia, Cavolo se expressa através de murais, tatuagens, camisetas, capas de álbuns e publicidade – ele já foi abordado por grandes agências como a Sra. Rushmore, Young & Rubica, Leo Burnett. Nascido em Salamanca, Ricardo Cavolo cresceu rodeado pelas pinturas do pai, que lhe serviu como professor. Quando chegou a sua vez de pintar, se aproximou da vida cotidiana para compor seu estilo. Em novembro de 2013, lançou uma novela ilustrada em homenagem a um dos seus maiores ídolos: o roqueiro indie Daniel Johnston. “Na época, depois de ver um documentário sobre ele, [The Devil and Daniel Johnston (2005)] eu decidi fazer algo sobre isso, porque tocou meu coração. Então eu decidi fazer um livro infantil que explica como Daniel Johnston funciona”. O Desorganismo de Daniel Johnston retrata a trajetória da perturbada figura do multi-artista, o seu frágil estado de saúde mental e conturbado universo sonoro pessoal. “Estou sempre interessado em contar histórias de personagens e observar as pessoas e encontrar formas de vida, atitudes, 9
Ricardo Cavolo, Garito, 2013
// ESTOU SEMPRE INTERESSADO EM CONTAR HISTÓRIAS DE PERSONAGENS E OBSERVAR AS PESSOAS //
sonhos. Isso me ajuda a criar histórias”, ele explica ao site espanhol Complejo. Com o passar dos anos, Ricardo Cavolo criou sua própria iconografia. O símbolo coração com um olho pegando fogo se tornou recorrente em suas ilustrações, assim como letras, pássaros e caveiras. Para o futuro, Ricardo Cavolo planeja se mudar para Inglaterra, onde está expondo em uma galeria em Hackney, Londres. Está trabalhando no seu primeiro livro, escrito e ilustrado por ele, que ele descreve como “uma espécie de diário”. “No final, você tem em sua cabeça uma certa maneira de ver o mundo e explicar. Isto é tudo. A única coisa que faço é usá-lo como um meio de expressão no meu trabalho.”
Ricardo Cavolo, Totem 3, 2012
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Ricardo Cavolo, O Desorganismo de Daniel Johnston, 2013
L O R I PREUSCH E O MUNDO D A FANTASIA Lori Preusch, sem título
POR MARIEL RECHULSKI
vas delicadas de se estabilizar no mercado artístico, uma amiga em comum a apresentou a Dianne Borsini-Burr, que com sua experiência Lori é uma artista contemporânea, nasceu e apoio ajudou Lori a focar nos aspectos criaem Pasadena, Califórnia, EUA e recebeu educa- tivos que traziam tanta alegria ao seu trabalho. ção artística através da California State University E essa parceria foi extremamente gratificante. Long Beach. Tem sido reconhecida por suas obras Com a colaboração de Dianne, Lori lançou seu há décadas. Desde cedo, ela descobriu que pos- primeiro livro, Reflections of the Heart (Reflexos suía uma habilidade inata de inspirar confiança do Coração), no qual ela selecionou suas princiem todos os tipos de seres vivos, e talvez por isso pais obras, englobando anos de criatividade. E o goste tanto de colocar animais em suas obras, projeto de um livro para crianças com ilustrações além de perceber que em sua arte podia retratar feitas por Lori está em andamento. os sonhos mais profundos. Sua arte é inspirada VISÃO DA ARTISTA na natureza, oceano, seres vivos, nos desejos e fantasias intrínsecos do ser humano. “Alguns dias, eu sento em meu estúdio pensando que devo ser a mulher mais sortuda A ARTE COMO TRABALHO do mundo por estar aqui neste momento. Eu es Para financiar sua paixão, Lori começou tou agora escolhendo se na minha próxima obra a dar aulas de arte e a vender suas telas a partir deveria haver um macaco ou um urso sentado dos 13 anos. Graças a isso, conseguiu juntar di- em uma cadeira puída de uma festa de chá, que nheiro e comprar um cavalo, pelo qual se apai- cor deveria ser a xícara e qual deveria ser o anixonou, e hoje em dia esse gosto por cavalos é mal lendo um livro no canto. Este é meu trabauma das coisas que nutrem seu processo criativo, lho. Este é meu mundo. E é o lugar perfeito para já que ela os reproduz em muitas das suas pintu- mim. As minhas pinturas contam histórias, que são na verdade nada mais do que as próprias ras. Ela não foi atraída para o mundo de arte co- histórias da minha vida, sou uma criança com mercial, preferindo ao invés disso ser tão inde- uma imaginação ilimitada que nunca cresceu. E pendente quanto possível. Lori abriu uma galeria todo dia, quando sento em meu estúdio antes de para vender suas pinturas em cartões, camisas e começar a trabalhar me pergunto: Agora, não gravuras. Ela guardou os originais para si, ven- seria divertido se...?” dendo apenas cópias. Após 26 anos de tentati12
Rob Gonsalves, Waterfalls 2
O MESTRE DA ILUSÃO POR MARIEL RECHULSKI
Rob Gonsalves é um artista plástico canadense, nascido em Toronto, em 1959. Mestre da arte fantástica, suas obras criam ilusões e interagem entre o mundo real e o imaginário fazendo com que o espectador reflita sobre o que está vendo e tente desvendar os mistérios das obras. Cada tela guarda inúmeras surpresas e reflexões. Durante sua infância, Rob desenvolveu um interesse por desenhar usando apenas a imaginação como base. Aos 12 anos, sua noção sobre arquitetura aumentou, já que ele começou a aprender técnicas de perspectiva e a criar suas primeiras pinturas e desenhos de prédios. Depois de conhecer o trabalho de Salvador Dali e Yves Tanguy, Gonsalves começou a criar suas primeiras pinturas surrealistas. O “Realismo Mágico” abordado por Magritte e a precisão das perspectivas de Escher também influenciaram seu trabalho no futuro. Em seus anos de faculdade, Rob trabalhou como arquiteto, e às vezes também pintando murais com a técnica trompe l’oeil e cenários de teatro. Depois de uma crítica positiva pelo seu trabalho em 1990, no Toronto Outdoor Art, Gonsalves começou a trabalhar exclusivamente com a pintura, deixando a arquitetura de lado. Apesar de seu trabalho ser considerado surrealista, é diferente dos demais porque as imagens são muito bem planejadas. As ideias são criadas a partir da observação do mundo externo e envolvem muito trabalho, utilizando dispositivos de ilusão para ajudar a criar as perspectivas. Gonsalves coloca um senso de magia nas cenas realísticas, e portanto, a expressão “Realismo Mágico” descreve muito bem as suas obras. Seu trabalho representa o desejo humano de acreditar no impossível, e es-
tar aberto a todos os tipos de circunstâncias. Muitas pessoas ao redor do mundo, incluindo um senador, corporações e embaixadores norte-americanos colecionam o trabalho original de Gonsalves. Ele já fez exposições no Art Expo New York e em Los Angeles, Decor Atlanta e no Fine Art Forum de Las Vegas, além de outras mostras no Discovery Galleries, Ltd., Marcus Ashley Gallery in South Lake Tahoe, Hudson River Art Gallery, Saper Galleries e Kaleidoscope Gallery. Em 2008, foi lançado mais um livro, o “Imagine a Place” (Imagine um lugar). Gonsalves possui atualmente mais de 70 pinturas. Ele passa a maior parte do tempo planejando cada parte de suas obras para que saiam sem nenhum erro e normalmente lança quatro telas por ano. A mensagem principal de suas obras é que não podemos, e nem devemos acreditar no que enxergamos logo no primeiro momento. Analisar e se deixar surpreender. É o tipo de pintura onde você consegue captar realidades paralelas distintas em um mesmo quadro.
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CATARINA POR JULIANA BITTENCOURT Catarina Gushiken nasceu em São Paulo no ano de 1981 e desde que se conhece por gente, ama desenhar. Possui um estúdio próprio na Aclimação que tem um mural de entrada pintado pela artista e ainda oferece aulas, com diversos artistas incríveis e até ela mesma, para quem se interessar. INSPIRAÇÃO Desde pequena gostava de desenhar e sua avó lhe dava bastante abertura para isso, deixando que a neta pintasse até mesmo nas paredes de sua casa. Com descendência japonesa, Catarina se lembra de sua avó usando adereços, vestimentas e maquiagens da cultura japonesa, fazendo danças e isso foi de grande influência para sua arte. "Minha relação com o desenho sempre teve muito a ver com a beleza, o universo feminino, principalmente pelas referências da minha avó". ESTUDO Catarina não cursou o colegial formal, como a maioria das pessoas. Junto com as 14
GUSHIKEN: matérias básicas, a artista tinha aulas de pintura, escultura e fotografia, o que a ajudou a pensar e desenvolver novas maneiras de criar, tudo isso graças ao seu pai que percebeu que a filha tinha um futuro no ramo da arte. Foi nessa época que Catarina se encontrou, fez amigos e começou a perceber que havia um futuro para a sua paixão. "Dos meus amigos, eu era a única que tinha essa pegada, sabe? Eles desenhavam mais grafite, ou HQ. Eu era a única que desenhava, mas tinha um pézinho diferente, pensava na roupa, na maquiagem". Foi durante o terceiro ano do colegial que surgiu uma proposta real de trabalho com moda e, mesmo ainda com dúvidas a respeito de sua relação com a moda, foi trabalhar com estilo na marca Cavalera. Diferente do que acreditava, acabou se apaixonando pelo trabalho. Catarina diz que o incrível era ver um desenho seu se transformando em uma estampa de roupa e aí alguém vestindo isso. Acabou ficando nove anos nessa área de desenvolvimento de moda, trabalhando em desfiles e com criação.
Catarina Gushiken, Mural
COR
ÀS
RUAS
Também se formou em Design de Moda e deSALA ILUSTRADA pois fez pós-graduação em Direção de Arte. Dentro de seu estúdio, Catarina reserva um espaço especial para o aprendizado. A "Sala ARTISTA PLÁSTICA + ESTÚDIO Ilustrada" é voltada para o público de arte e para Apesar de gostar muito do universo da quem quer conhecer o universo criativo de perto. moda e da criação, Catarina percebeu que, mes- Catarina convida diversos artistas que posmo possuindo muita liberdade, ainda era pouco. suem diferentes características para ensi"No desenho tudo pode, no produto nem tudo". nar um grupo de pessoas que esteja disposEla precisava se desfazer de várias ideias porque ta a se aventurar por esse mundo da arte. nem tudo podia ser produzido, nem tudo podia ter a comercialização necessária para a empresa. COLORINDO A ACLIMAÇÃO Quando percebeu que havia algo faltando Catarina convocou seus alunos para em sua vida, a artista não pensou duas ve- dar uma cara nova ao bairro onde seu estúzes, largou tudo e foi abrir seu próprio estú- dio se localiza. As paredes cinzas e monótodio para poder trabalhar só com ilustração. nas incomodavam-na, então deu a elas mais Catarina não se afastou da moda de maneira al- personalidade com seus desenhos místicos. A guma, mas acredita que hoje, a moda está pre- pintura da escadaria foi gravada em vídeo e sente em seu trabalho de maneira mais completa, muito bem recebida pelos moradores da região. onde ela não precisa se desfazer de suas "via- Essa ideia surgiu porque a escadaria ficava no gens", como ela gosta de se referir aos desenhos. caminho da casa da artista para chegar em seu "A parte da moda que eu gosto, não é a da in- estúdio. A única regra determinada era a cardústria, é a da fantasia. Então eu paro por ali, eu tela de cores: preto, branco, amarelo e vermesó desenho". lho, para que houvesse harmonia entre os desenhos, que podiam ser feitos a partir de qualquer técnica, tinta e forma que os alunos quisessem. 15
Alex Senna, Grafite
PERSONAGENS DO CINZA POR JULIANA BITTENCOURT
Alex Senna tem 26 anos e é diretor de arte, ilustrador e grafiteiro. Ama desenhar e o faz desde os três anos de idade. Sua mãe é artista, o que fez com que ele e o irmão pegassem gosto pelo desenho. Seu trabalho é simples, mas, ao mesmo tempo, cheio de detalhes marcantes. Ele desenha cenas comuns do dia-a-dia, um casal abraçado, uma pessoa tocando um instrumento, um alguém solitário. Sua arte toca nas pessoas pois existe identificação do espectador. Alex desenha personagens que trazem ao espectador uma atmosfera nostálgica, possui sensibilidade para falar sobre amor, vida e morte. Sua arte está espalhada por galerias e ruas de São Paulo, Berlin, Paris e Barcelona. O ilustrador trabalha com nanquim, tintas spray e usa o photoshop e 16
o illustrator para fazer arte digital. Seu trabalho é muito versátil e é, diversas vezes, documentado em vídeos e fotos. Trabalhou como diretor de arte em diversas agências de propaganda, como Souza Aranha, The Group, Milk Comunicação, GP7 Comunicação, Karambola Design e Tritone Propaganda. Suas ilustrações, além de fazerem parte do dia -a-dia de muitas pessoas por se encontrarem em muros e paredes em várias cidades, foram publicadas em diversas revistas como Destructed Info (Alemanha), Caros Amigos, Ocas, Revista Raiz, Revista Pancrom e Jornal Destak. Participou também do videoclipe da banda Cordel do Fogo Encantado, "Barão das Árvores" e tem seus desenhos impressos pelas marcas Dice, Banca de Camisetas e IS. O artista sempre possuiu gosto pela arte e, por ser filho de uma artista plástica, desenha desde pequeno e aprendeu várias coisas dentro de casa. Fez várias aulas de artes, mas na faculdade acabou seguindo outro caminho. De acordo com ele, isso não importa, pois encontrou sua verdadeira paixão, que é a ilustração.
APOSTA: CATARINA SABINO
Catarina Sabino, intervenção sobre Nascimento de Vênus, 2010
POR LUISA JUBILUT Estudante de arte vem roubando a cena na internet e em pequenas exposições na cidade de São Paulo. Catarina Sabino sempre se considerou uma artista amadora, mas quando Damien Hirst, um dos artistas mais evidêntes desde os anos 90 tuitou a foto de uma das suas colagens com a legenda “New Upcoming Artist” [Nova Próxima Artista], um fragmento do mundo de arte começou a enxergá-la de outra maneira. Na época, ela tinha apenas 17 anos e havia acabado de ingressar no Centro Universitário Belas Artes. “Era uma colagem que eu tinha feito para um festival que misturava música, teatro e artes”, ela conta. “Fiz uma série de reinterpretações de obras clássicas do ponto de vista do movimento feminista na música dos anos 80 e 90. Tentei explorar essas obras como se fosse Kathleen Hanna ou Courtney Love”. A abordagem de Catarina atraiu o olhar dos presentes e acabou mergulhando nesse limbo que é a internet. Como foi que Hirst entrou em contato com a montagem, ela não sabe dizer. Catarina Sabino se interessou por arte desde pequena. Contudo, na adolescência, foi o cinema que despertou seu interesse. Com a estudante de teatro Paola Pilnik, começou a produzir clipes e curtas. O sucesso veio aos 16 anos,
quando a dupla foi vencedora do Festival do Minuto, criado pelo cineasta brasileiro Marcelo Masagão em 1991, com um filme – de um minuto – que adaptava o cotidiano humano aos filmes, ambos clássicos e atuais. “Mas mesmo naquela época, cuidei da parte visual da coisa: da fotografia, da direção de arte, figurino, correção de cor” ela diz, “achei que prestaria cinema, algo assim”. Mas durante o projeto de autobiografia conduzido pela Escola Nossa Senhora das Graças no terceiro ano do colegial, onde Catarina se formou, foi que ela percebeu que seguiria o caminho da arte “Recebi dez no meu autorretrato”. Enquanto todos os alunos se esforçavam para pintar seus próprios rostos de maneira perfeita, Catarina arranjou cola, tecidos e reproduziu a figura mística do Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda. Desde que entrou no curso de artes visuais, e de que recebeu atenção de um dos seus maiores ídolos, Catarina está tentando se descobrir e crescer: “Não quero me pressionar só porque recebi elogios de pessoas que eu admiro. Também não quero expor o meu material por algum tempo. Estou em uma fase reclusa. Ainda não sou ninguém”, ela afirma. Mas dizem que para bom entendedor, meia palavra – ou colagem – basta. 17
Música Ao Vivo, 2012
G U T O POR FELIPE MOLITOR Um mosquito picou um curioso. Desde criança, o curioso fascinava-se com o funcionamento de engrenagens e engenhocas, das máquinas, dos elétricos e eletrônicos. Recriava objetos como forma de passatempo – era o mosquito zumbindo. Em 1970, o paulistano formou-se em Eletrônica Industrial no Liceu Eduardo Prado, e em 1974 em Arquitetura pela FAU – São José dos Campos, uma faculdade experimental fechada pouco depois pela ditadura militar. Quatro anos se passam, e veio a ferroada: o curioso Guto Lacaz descobre o mundo das Artes Plásticas e, desde então, é um perfeccionista em constante êxtase criativo. Quando venceu o concurso Objeto Inusitado, promovido pelo MIS em 1978, Guto se deu conta que seus “cartuns tridimensionais”, as engenhocas que construíra durante a faculdade de arquitetura, na verdade eram arte. A crítica da época o relacionou com Marcel Duchamp – que 18
por sinal, ele nem conhecia - por conta da refuncionalização do objeto-comum em objeto artístico. Além disso, a amizade com Carlos Fajardo, Baravelli e outros artistas foi decisiva. “Quando conheci os artistas plásticos, eles entravam no ateliê às oito da manhã e saíam às oito da noite, ficavam produzindo, era uma atividade com ritmo. Percebi então que também queria aquilo, ao invés de criar algo a cada seis meses, eu queria criar seis objetos por dia!”, disse em entrevista A OLORUM. O artista recém-nascido se apaixonou pelas vanguardas no início do século, pelo Construtivismo, foi apadrinhado por Regina Silveira e Dudi Maia Rosa, que o acolheram em seus ateliês e, como ele brinca, taparam os buracos que faltavam em sua formação. Hoje possui um legado de mais de 40 exposições, 25 instalações, 12 performances, além de intervenções urbanas, trabalhos cenográficos, trabalhos para a TV, criações de troféus, livros publicados e ilustrados, co-
laborações para revistas e - ufa! - 21 prêmios ao longo de sua carreira. Guto não se considera um artista engajado, mas a releitura que suas obras iniciais propunham sobre os objetos tirados de uma linha de produção contém um teor político instigante. “Apresentar uma versão que ninguém pensou a respeito sobre um objeto que já teve todo um trabalho de criação, de produção em escala industrial, com sua funcionalidade, é uma opção política, um humor, uma violação. É também um louvor do objeto.” Talvez um dos títulos que mais cai bem em Guto seja o perfeccionismo: costuma aperfeiçoar suas obras quando tem oportunidade de fazer outras montagens. Ele mesmo diz que faria diferente tudo o que já produziu. Suas graduações lhe renderam o primor na escolha dos materiais e o rigor empregado na construção de suas obras. “Minha formação de arquitetura ajuda em tudo. Faço o croqui e depois o desenho técnico pra tudo, desenvolvo um projeto. Tento antever ao máximo como será o produto final”, afirma. A
própria tecnologia e seus avanços estruturam as obras de Guto. Segundo ele, tudo o que vai aparecendo na ciência, a arte vai dragando. “Sempre gostei de motor, sensor, aparelhos, amplificador. É um conhecimento que já é muito plástico, basta ter boas ideias para dar vida nisso em forma de arte”. Uma de suas próprias obras favoritas é Auditório para Questões Delicadas, em 1989 no Lago do Ibirapuera. “Diria que foi uma obra emblemática. Passei por tudo! Vaidade, ferida, vergonha escancarada na mídia quando as cadeiras afundaram. Foi minha primeira intervenção urbana, e me orgulho muito do resultado alcançado, do efeito que a obra produziu”. Uma de suas críticas mais ferrenhas ultimamente tem sido com a arte urbana, especialmente o grafite. Para ele, esse tipo de intervenção perdeu a boa imagem que tinha antes. “Por ser uma arte jovem, podia vir com mais porrada, transgressão, com revolta. O grafiteiro grava nome dele e enche de cor, mas não tem um bom desenho. O cara nunca viu história da arte
L A C A Z
Música Ao Vivo, 1992
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Guto Lacaz, croqui para “Musica ao Vivo”
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e acha que tá arrasando. Prefiro o Banksy, que com duas cores e um estêncil faz um trabalho incrível”. Ainda assim, Guto acompanha a atual produção artística, costuma visitar de duas até cinco exposições diferentes em uma semana, preferencialmente espaços alternativos. “Se você tiver azar, pode visitar umas dez exposições e só ver merda, ou ir a uma só e se encantar. Precisa ter o olhar treinado para ir selecionando melhor. Vemos muita gente desinteressada nas escolas de arte, e até com razão. Vale mais a pena ficar produzindo de modo mais solto do que ficar fazendo lição de casa”. Essa visão aguçada que Guto tanto prioriza também advém de um de seus epítetos mais famosos, cunhado por Fernando Morais – um artista prático. Guto vê a arte como uma prática diária, uma práxis inerente a qualquer atividade artística. “Fico absorvido só pensando nisso, anotando tudo o que vejo de interessante pra absorver e adaptar ao meu trabalho. A minha cachaça é ficar pensando, produzindo, expondo. To cada vez com a cabeça mais rápida do que a capacidade de produzir”. O mosquito que ouvia zumbir, não para de picar.
// TUDO O QUE VAI APARECENDO NA CIÊNCIA, A ARTE VAI DRAGANDO //
Guto Lacaz, croqui para “Musica ao Vivo”
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Guto Lacaz, Audit贸rio Para Quest玫es Delicadas
Recorte de jornal, Audit贸rio Para Quest玫es Delicadas
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Marina Abramovic, The Artist Is Present, 2012
Guto Lacaz, OFNI - Objeto Flutuante N達o Identificado, 2012
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GILVAN SAMICO ★ 1928 † 2013
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Recentemente tivemos a perda de um dos maiores gravuristas brasileiros, o recifense Gilvan Samico. O artista criou uma identidade própria, mais colorida, aproximando cultura erudita e popular, tal como os contemporâneos J. Costa Leite e J. Borges. A influência do expressionismo alemão e as aulas com os mestres Osvaldo Goeldi e Lívio Abramo foram decisivas para a construção de sua obra. A xilogra-
vura, a técnica de gravura que dominava, nasceu no Brasil quase que concomitantemente com a Literatura de Cordel, ambas trazidas pelo colonizador e inspiradas no período medieval português. Foi nas raízes de nossa história que Samico mais se inspirou, para que junto de Ariano Suassuna e o Movimento Armorial, pudesse representar tão poeticamente o folclore e as pelejas do povo nordestino. POR FELIPE MOLITOR
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Gilvan Samico, A Chave de Ouro do Reino do Vai Não Volta, 1969
PARA OUVIR JUNTO: “Revoada” e “Ponteio Acutilado”, do álbum “Do Romance ao Galope Nordestino”, do Quinteto Armorial. 26
Gilvan Samico, Tentação de Santo Antônio, 1962
Gilvan Samico, João, Maria e o Pavão Azul, 1960
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A xilogravura é o mais antigo método de gravura nas expressões artísticas, existente desde o século VI. Passou por muitas transformações ao longo da história, com o advento da litografia, da serigrafia, e marcos como A Grande Onda de Kanagawa, de Hokusai, e a obra do britânico Thomas Berwick.
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Gilvan Samico, Homem e Cavalo, 1958
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E D U A R D O
K
A
C
ARTE DE PROVETA
POR RODOLFO ALMEIDA
Eduardo Kac, Natural History of the Enigma, 2003/08
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Eduardo Kac, Genesis, 1999
Dos limites de uma tela à instalação tridimensional. De uma escultura impermeável a efemeridade da performance. Da arte como representação a arte como modo de vida. O pensamento artístico em geral já passou por transformações inimagináveis, e na ponta da lança destas está Eduardo Kac: da arte da microbactéria ao chip eletrônico. Pioneiro da arte digital, o carioca radicado nos EUA tornou-se notório por explorar os limites do pensamento e dos modos de fazer artístico no contexto da arte contemporânea. Sendo ao mesmo tempo protagonista e pioneiro de diversos gêneros, Kac cunhou termos como bioarte, arte holográfica, arte transgênica, holopoesia, biopoetica, weblografia, entre outros. Considerando a si mesmo um artista transgênico, ou um bio artista, Kac parte de diversos métodos na construção e desenvolvimento de suas obras, sempre ligadas de alguma maneira ao universo científico ou robótico e às tecnologias de comunicação, utilizando satélites, microchips, próteses robóticas, instalações em rede, manipulação em vídeo e exploração de código genético e de biotecnologia para criar obras provocativas que inserem o discurso artístico no campo da ciência e a criticam. Para sua obra Natural History of the Enigma [História Natural do Enigma], Kac criou uma
nova forma de vida botânica batizada de Edunia, uma flor geneticamente modificada, fruto da fusão do DNA de uma petúnia com o do próprio artista. Esta mutação se manifesta na superfície das pétalas da flor, que replicam os vasos sanguíneos de Kac. Inexistente na natureza, a flor possui uma manifestação do código genético do artista em cada uma de suas células, sendo possível extrair seu DNA a partir das pétalas superfície. Com a intenção de demonstrar a proximidade da vida humana à biologia floral e provocar a reflexão acerca da continuidade da vida entre diferentes espécies, Kac acaba por criar um novo ser, metade humano, metade flor que é não apenas objeto da arte como um ser da arte. Ainda aproximando o mundo artístico dos métodos científicos, Kac produziu uma de suas mais profundas e estudadas obras, Genesis, um trabalho multidisciplinar que demonstra as relações entre biologia, ética, sistemas de informação, internet e interação dialógica. Para a obra, o artista criou um “gene Genesis”. Este gene é composto de uma passagem da Bíblia (do livro de Genesis: “tenha o Homem domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra”), que foi então traduzida para o código morse e novamente traduzida para o código genético. 31
Este gene foi isolado em uma bactéria e manipulado ao vivo por participantes através da internet, que poderiam operar luzes ultravioletas direcionadas a bactéria, causando assim mutações reais em sua composição genética. Após a interação online, o código genético foi mais uma vez isolado da bactéria, retraduzido para o código morse e novamente para o inglês. Desta vez, por conta das mutações genéticas causadas pela ação dos participantes online, a frase bíblica original havia sido alterada. As duas passagens foram comparadas e expostas em galeria. A escolha da passagem bíblica se deu por conta de seu caráter duvidoso que implica uma sanção divina da falsa supremacia do homem sobre a natureza. A própria “habilidade” das bactérias de alterar a passagem consiste em um gesto simbólico de não aceitação de seu significado e de comprovação do caráter complexo e indomável da natureza. Em uma de suas obras mais controversas, GFP Bunny, o artista utilizou de engenharia genética para introduzir os genes de fluorescência de uma espécie de água viva em uma coelha que ficou conhecida como Alba: sob certa luz, o coelho emite uma radiante luminosidade verde. O projeto recebeu duras críticas por parte de movimentos de defesa dos animais e Kac respondeu acoplando estas manifestações à obra de arte, com a montagem de exposições dedicadas exclusivamente às reações causadas pela obra, incluindo publicações voltadas a discussão de bioética feitas pelo próprio artista, ilustrações e performances cuja temática girava em torno da polêmica do projeto.
Eduardo Kac, GFP Bunny, 2000
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Alguns de seus trabalhos anteriores, como a publicação Escracho, que reunia literatos como Millôr Fernandes, Paulo Leminski, Carlos Drummond de Andrade e Guillaume Apollinaire, indicavam o caminho do artista no sentido da videopoesia e da exploração de técnicas digitais. Nestas obras, assim como em muito de sua pesquisa com arte digital, a ideia do fazer artístico e da subjetividade autoral clássica e moderna são inteiramente substituídos pela ideia de concepção e projeto. Mais próximo dos laboratórios e tubos de ensaio do que de pincéis e telas, o artista passa a montar exposições que ultrapassam o ambiente da galeria, englobando redes internacionais de informação, a criar instalações que dependem da atuação do público e a criar obras que ultrapassam completamente a noção de objeto artístico, trazendo discussões sobre limite da ciência e bioética para o contexto artístico.
// MAIS PRÓXIMO DOS LABORATÓRIOS E TUBOS DE ENSAIO DO QUE DE PINCÉIS E TELAS, O ARTISTA TRAZ DISCUSSÕES DA BIOÉTICA PARA A ARTE //
Eduardo Kac, capa de Escracho, 1983
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TROPICÁLIA P O S T U R A OITICICA A R T E LYGIA CLARK TRANSGRESSÃO POR RODOLFO ALMEIDA A Tropicália, enquanto movimento amplo, com frentes na política, na música, na literatura, no teatro, nas artes plásticas, no cinema, etc. consolidou-se como um gesto de ebulição cultural de força tremenda. Devendo muito a seu momento político -- em pleno golpe de 1964 e instalação e recrudescimento da ditadura militar --, a Tropicália representou uma ruptura com o status quo da arte brasileira, clamando, como se há de esperar, por uma iminente, intensiva e sobrecarregada participação popular com o fazer artístico, em qualquer seja o gênero. Significou, antes de tudo, um novo passo na compreensão do que pode ser, de fato, arte. Uma superação do ambiente formal, academicista -- notável nos ambientes dos museus e galerias -- e comprometido com ideais de uma comodidade burguesa aversa ao engajamento político; e uma progressiva acepção de um modelo de arte inseparável de vida. De arte não apenas enquanto obra ou objeto, mas enquanto postura: política, cultural, de costumes. Uma postura voltada à transgressão. Acumulando as atribuições de militantes, agregadores políticos e artistas, as personalidades do período viram-se protagonistas de um momento crucial não apenas no curso da história do país, como do entendimento da arte. Hélio Oiticica, um dos principais nomes do período nas artes plásticas, apresentou pela primeira vez seus Parangolés: obras de arte literalmente vestíveis, compostas de panos e tecidos de diversas cores, consistências e luminosidades, ornamentados por frases e palavras de ordem de transgressão que só se podem ver quando a vestimenta é movimentada. Por meio da dança. Enquanto obra, os parangolés representam a máxima da participação popular para a realização e existência do fenômeno artístico. Enquanto não forem vestidos e movimentados no corpo, os 34
Hélio Oiticica, stencil
parangolés não são obras de arte. Só são “ativados”, através da interação com o espectador. Levado para dentro do ambiente da galeria, este raciocínio de participação fundamental para a realização da obra é visível também na obra que deu nome ao movimento: o penetrável Tropicália. Trata-se de uma instalação, inserida em uma galeria de arte, composta por tenda, areia, pedras, madeira, vasos de plantas, flores, etc. formando um trajeto a ser seguido no interior da instalação. Como indica o nome, por ser um penetrável, a obra apenas se “efetiva” no momento em que há a interação com o espectador -- em que este a penetra e passa a seguir seus caminhos. A participação popular, sintomaticamente, dá a tônica da arte em geral no país durante este período, sendo diretamente associada a necessidade de tomada de posição, e de ação direta, através até mesmo do próprio corpo, dentro
Hélio Oiticica, Parangolés
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do embate político. A arte, assim, pode-se dizer, passa mesmo a se desviar do ambiente formal do museu e da galeria para se concentrar no reboliço das ruas: das assembleias de estudantes, das articulações políticas, das manifestações de rua, do movimento de oposição à ditadura em geral. A vivência destes processos políticos e comportamentais passa a ser diretamente retratada nas temáticas e métodos da arte. Isso torna-se visível, por exemplo, tomando a obra de Lygia Clark, outra figura essencial do movimento. Através de sua obra Bichos, que consistia de uma série de lâminas facilmente manipuláveis, que se articulam de diferentes maneiras, assumindo diferentes formas, equilíbrios e figuras, Lygia explora a obra de arte enquanto happening, ou seja, não enquanto objeto inerte e estanque no espaço e tempo, mas como instrumento artístico construído tendo em mente a manipulação humana -- a participação do espectador, palavra esta que nunca teve tão pouca importância quanto neste período. Caetano Veloso -- uma das principais figuras do movimento dentro do campo da música, ao lado de Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, entre centenas de outros -capturou com precisão a essência da obra de Lygia em sua canção If You Hold A Stone, dedicada à artista plástica. Conforme os versos, If you hold
Hélio Oiticica, Tropicália PN2 e PN3, Penetráveis, 1967
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a stone / Hold it in your hand / If you feel the weight / You’ll never be late to understand (em tradução livre: Se você segurar uma pedra Segurá-la em suas mão / Se sentir o peso / Nunda será tarde para compreender/). Esta potencialidade de transgressão foi sacralizada no até hoje recente stencil de Hélio Oiticica “Seja marginal, Seja herói”, que trazia esta frase -- a epitome da transgressão -- ao lado de uma imagem do corpo do traficante Cara de Cavalo, assassinado durante o regime. Seja através do cinema de Glauber Rocha, dos lendários Festivais de Canção, da poesia de Torquato Neto, das obras de Oiticica e Lygia Clark, a Tropicália é o retrato de uma geração que viu-se praticamente forçada a romper com os valores tradicionais burgueses: seja da família até o museu, mostrando que a arte acontece em toda parte a todo momento e, sobretudo, nas ruas. É o retrato de uma geração que experimentou a libertinagem, a prisão, a tortura, o exílio e a democracia e diante disso não teve outra opção senão mostrar-se com espírito que a conjuntura pedia: transgressor, marginal e herói.
Lygia Clark, Bichos
// IF YOU HOLD A STONE, HOLD IT IN YOUR HAND, IF YOU FEEL THE WEIGHT, YOU’LL NEVER BE LATE TO UNDERSTAND //
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OLORUM
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