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11 Uma carta

a cavalo e voltou-se para uma existência perfeitamente sedentária”, escreve Ângelo Pereira. “A sua constituição neuropática facilitou a eclosão de uma doença nervosa, nesse tempo ainda mal compreendida, o que permitia confundir-se com a alienação mental. Tinha vertigens e acessos de profunda ansiedade.” Trocou o Palácio de Queluz, onde morava com a família, pelo de Mafra, passando a viver em companhia dos frades. Em seguida, isolou-se ainda mais, indo morar no solar da família real em Vila Viçosa, na região do Alentejo. Achando que o marido tinha ficado demente, a princesa Carlota Joaquina tentou afastá-lo do poder e assumir ela própria a regência de Portugal. Alertado pelo seu médico, Domingos Vandelli, D. João retornou a Lisboa a tempo de abortar o golpe. A partir daí, marido e mulher viveram separados.11 [pág. 170] No Palácio de Mafra, onde passou a viver desde então o príncipe regente vivia cercado pelos padres, que também o haviam educado quando criança. Adorava música sacra e detestava atividades físicas. “Criou-se longe dos homens ativos e alegres, fortes e sangüíneos, que melhor amam a vida”, escreve Pedro Calmon.12 Profundamente religioso, ia à missa todos os dias e era muito influenciado pela Igreja. O general Junot, comandante das tropas francesas que invadiram Portugal, o definiu da seguinte forma em carta ao seu ministro das Relações Exteriores, Charles Maurice de Talleyrand: “É um homem fraco, que suspeita de tudo e de todos, cioso de sua autoridade mas incapaz de fazer-se respeitar. É dominado pelos padres e só consegue agir sob a coação do medo”.13 Sua vida amorosa foi medíocre. Casou-se por obrigação com Carlota Joaquina, com quem teve nove filhos e viveu pouco tempo sob o mesmo teto. Seu único caso de amor verdadeiro entrou para a história como uma tragédia obscura. Aos 25 anos, morando em Portugal e já casado, D. João teria se apaixonado por Eugênia José de Menezes, dama de honra da própria princesa Carlota.14 Eugênia era neta de D. Pedro quarto marquês de Marialva, e filha de D.

Rodrigo José Antônio de Menezes, primeiro conde de Cavaleiros, mordomo-mor de Carlota. Nascera no Brasil, em 1781, quando o pai era governador de Minas Gerais. Em maio de 1803, ainda solteira, apareceu grávida. As suspeitas recaíram sobre D. João que manteria encontros amorosos com ela com a ajuda de um padre da corte e do médico João Francisco de Oliveira, físico-mor do Exército, que era casado e tinha filhos. Logo que se descobriu que Eugênia estava grávida, Oliveira teria decidido sacrificar sua própria reputação para [pág. 171] salvar a do príncipe regente: deixou a mulher e os filhos em Lisboa e fugiu com Eugênia para a Espanha, mas abandonou-a logo depois de atravessar a fronteira, na cidade de Cadiz. Eugênia foi recolhida pelas freiras do Convento de Conceição de Puerto de Santa Maria, onde teve sua filha. Dali, mudou-se para outros dois conventos religiosos. Morreu num deles, na cidade de Portalegre, em 21 de janeiro de 1818, quando D. João já tinha sido coroado rei no Rio de Janeiro. Durante esse período, todas as suas despesas foram pagas pelo monarca. Quanto ao médico Oliveira, depois de deixar Eugênia na Espanha, fugiu para os Estados Unidos e, em seguida, para a Inglaterra, onde, segundo o historiador português Alberto Pimentel, teria se reencontrado com a família que deixara em Portugal. Em 1820, por decisão de D. João VI, Oliveira foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo e nomeado encarregado de negócios de Portugal em Londres. 15 Esse teria sido o único caso extraconjugal conhecido de D. João. No Brasil, revelou-se um monarca ainda mais solitário do que já era em Portugal. O casamento com Carlota Joaquina, que já estava fracassado desde 1805, converteu-se em separação explícita no Rio de Janeiro. Enquanto D. João foi morar na Quinta da Boa Vista, Carlota preferiu viver numa chácara na região de Botafogo. Relacionavam-se de modo protocolar, em cerimônias públicas ou missas e concertos na Capela Real.

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