ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Presidente Reginaldo Miranda da Silva Vice-Presidente Raimundo Nonato Monteiro de Santana Secretário-Geral Oton Mário José Lustosa Torres 1º Secretário José Elmar de Mélo Carvalho 2º Secretário
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Tesoureiro
Manoel Paulo Nunes
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS N° 69 - ANO XCIV - 2011
CASA DE LUCÍDIO FREITAS
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Dezembro de 2011 Ano XCIV – Nº 69 Comissão de Redação Celso Barros Coelho Francisco Miguel de Moura Humberto Soares Guimarães Nildomar da Silveira Soares Oton Mário José Lustosa Torres Organização Vera Lúcia Rocha Sales Digitação Isis Pinto do Nascimento Soares Diagramação Raimundo Araújo Dias raimundoad@yahoo.com.br Fone: 8838-5570 Impressão Gráfica e Editora Uruçuí Revista da academia piauiense de letras. – Ano XCIV, n. 69 ( jul./2011) – Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2013. 211 p. v. : il.; 21 cm. Anual ISSN 2236-5036 1. Literatura – Periódicos 2. Literatura Brasileira Piauiense.
3. Literatura CDD 805
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Av. Miguel Rosa, 3300-Sul Cep: 64001-490 - Teresina-PI Fone/Fax.: ( 0**86) 3221-1566 site: www.academiapiauiensedeletras.org.br e-mail: acadpi@ig.com.br
SUMÁRIO
NOSSA REVISTA
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VIDA ACADÊMICA
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Pastoral de Moura Rego
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Humberto Guimarães
Discurso de Agradecimento
29
João Alves Filho
CONFERÊNCIAS
35
Sobre Política Ciências e Arte
37
Teresinha Queiroz
LANÇAMENTO DE LIVROS
69
Primavera e Outono
71
Armando Gomes da Silva
COLABORAÇÃO
75
Odilon Nunes – M. Paulo Nunes
77
Felismino Weser
85
Celso Barros Coelho
A Morte dos índios Gueguês
91
Francisco Miguel de Moura
Saudação a Nossa Senhora D’Carmo
95
Manfredi Mendes Cerqueira
Onde Fica a Casa Grande da Parnaíba 103 Alcenor Candeira Filho
Ode a Fernando Pessoa 117 Alcenor Candeira Filho
Mel, uma Cachorrinha 121 Elmar Carvalho
Trajédia Shakespeariana em Sete Cidades 125 Elmar Carvalho
Vultos da História do Piauí 133 Reginaldo Miranda
Miranda - Uma Família Pioneira do Piauí 163 Reginaldo Miranda
QUADRO DA APL 187 Situação em Dezembro de 2011 189 Antiguidade dos acadêmicos de acordo com o ingresso na Academia - Quadro em 31 de Dezembro de 2011 199 Sócios de Diversas Categorias 201 Personalidades Agraciadas com a Comenda do Mérito 207 Cultural “Lucídio Freitas”
NOSSA REVISTA A história de nossa revista bem retrata a trajetória quase secular da Academia Piauiense de Letras, dizendo de seus momentos de maior culminância, bem como daqueles em que sofreu na planície das necessidades mais comezinhas. Fundado o nosso sodalício em 30 de dezembro de 1917, com inauguração oficial em 24 de janeiro seguinte, não tardou a divulgar a sua revista com a intenção de fazêla semestral, solenemente lançada em junho de 1918. As dificuldades não são de hoje. Já naquele primeiro número o secretário-geral João Pinheiro as menciona e diz dos objetivos da revista que se lançava, assim anotando: “Apesar de todas as dificuldades, sobretudo de caráter econômico, empreendemos esta publicação, destinada, principalmente, a difundir o gosto das boas letras e dos estudos de história e de geografia do Piauí, de que tanto carecemos. O nosso olvido pelas cousas piauienses concorre para que sejamos esquecidos dentro do país, de forma que os geógrafos e historiadores cometem os erros mais grosseiros sempre que se referem à nossa terra, tão pouco amada de seus filhos”.
O preclaro fundador, ainda anota em sua Advertência inicial: “A fundação da Academia de Letras e a publicação desta Revista visam chamar a atenção dos entendidos para o estudo de quanto nos possa interessar, de seus homens, de suas cousas, tanto quanto estiver ao alcance das nossas forças”.
Felizmente, desse objetivo não se desvirtuou essa casa de cultura, ainda hoje seguindo os princípios norteados pelos eminentes fundadores. Todavia, a divulgação da revista bem demonstra as
dificuldades econômico-financeiras de nossa instituição cultural. Com exceção do ano de 1920, a revista teve publicação regular até o ano de 1929, publicando edições dobradas nos anos de 1923, 1924 e 1927. Depois de seis anos inativa, volta à estampa em 1936 com a edição n.º 15, seguindo regularmente até o ano de 1939, com uma edição anual. Os anos de 1940 e 1941 foram difíceis, apresentandose ao público novamente nos anos de 1942 e 1943, com as edições n.º 19 e 20. Desde então, uma apatia se abateu sobre os nossos intelectuais, quase não se reunindo e priorizando outras atividades literárias. Entre os anos de 1944, inclusive, e 1972 apenas uma edição da revista foi publicada em 1962, a 21ª. Somente com a revigoração da Academia em 1967, quando completou cinquenta anos de fundação e foram ampliadas as cadeiras de trinta para quarenta, trazendo novos membros, a mocidade de então, bem como a posterior assunção à presidência do notável Arimathéa Tito Filho, foi que a edição da revista voltou a ser priorizada. Em 1972, 55º ano de sua fundação, a Academia retoma a publicação de sua revista, que segue regularmente até à atualidade. Quando assumimos a direção do sodalício a publicação estava atrasada, dependendo da execução de convênio com a Universidade Federal do Piauí(UFPI). Embora tenha havido sugestões de lançar edições referentes a mais de um ano, a fim de atualizar com maior facilidade a Revista, preferimos manter as edições anuais, como manda o novo Estatuto. Em pouco mais de três anos de gestão, estamos publicando nove edições da revista, apenas duas por aquele convênio, as demais com recursos próprios. É que pensamos como os fundadores, que uma casa de cultura não pode bem viver sem uma boa publicação. O presente ano foi profícuo. Diversas atividades
foram desenvolvidas na Academia Piauiense de Letras. Promovemos palestras e debates, recebemos inúmeras delegações de professores e alunos, lançamos livros. Enfim, o sodalício cumpre o seu desiderato de promover o desenvolvimento da cultura em nosso Estado. Parte dessas atividades está expressa na presente edição que ora vem a público. Boa leitura! Reginaldo Miranda Presidente da Academia Piauiense de Letras
VIDA ACADÊMICA
PASTORAL DE MOURA RÊGO: UMA SINFONIA DE CEM ANOS Humberto Guimarães*
PRELIMINARES
R
aimundo de Moura Rêgo partiu deste planeta faltando 33 anos para completar cem de existência material; um século que está se completando sem a sua presença física, mas com a imortalidade da sua obra metafísica talhada em belasartes como expressão do mais admirável dos sentimentos humanos, que é o sentimento da estética vivenciada com o prazer que experimentam as almas carismáticas que impregnam de bem-estar as pessoas que com elas *
Médico, escritor e acadêmico. Titular da Cadeira 7 da Academia Piauiense de Letras.
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compartilham momentos, como o professor Manuel Paulo Nunes – que dele guarda a lembrança de uma das mais agradáveis presenças de pessoa humana, poeta, músico, desenhista, pintor, prosador e professor. Professor de desenho na Escola Industrial do Piauí, casado com a senhora Cássia Pires Rêgo, com quem teve os filhos Humberto e Teresa, esta ainda viva, morando com a tia viúva do famoso professor de Química Odilo Ramos – de quem tive a satisfação de receber algumas aulas pelos idos de 1963, no Cursinho do Professor Cordão. Ocupou a Cadeira nº 7 desta Casa, a mesma que ora ocupo como seu sucessor desde dezembro de 1988, quando empossado em solenidade no auditório da Assembleia Legislativa, presidida, a solenidade, pelo saudoso e profícuo professor A. Tito Filho, após aprovação em votos, eleição ocorrida no mês de agosto daquele ano. PRELÚDIO COMO EPÍGRAFE Esta homenagem que ora prestamos a Raimundo de Moura Rego, requer o destaque ornamental de um ambiente bucólico pautado na simetria de um pentagrama lírico e no virtuosismo da simplicidade estética das artes em equilíbrio de integração sinestésica dos sentidos humanos ouvindo com naturalidade as pulsações da natureza indiferente aos turbilhões de vaidades e ambições, porque a personalidade que ora reverenciamos construiu a sua vida de modo pacífico, responsável e alegre, lembrando aquelas imagens machadianas em momentos de contemplação metafísica para descrever, em metáfora incomparável, composta em texto misto de uma mística envolvendo, a um tempo, crônica e conto integrados, descrever a exaltação dos bons sentimentos em manifestação de regozijo diante o exemplo
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humano que deve ser louvado e lembrado sempre, quando as asperezas da vida ameaçarem a nossa paz interior de inquietos e imediatistas, a fim de nos balsamizar com os fluidos da saúde como higiene espiritual compartilhada como bem maior da existência, tornando-a serenamente resistente a defeitos e fraquezas, sem pieguismo e sem hipocrisia. Sim, porque há pessoas comuns que veem ao mundo e vivem fruindo e fluindo a felicidade que muitos homens que se dizem pais da pátria e são proclamados homens incomuns, não conseguem fazê-lo, por mais roupagem de anjo que vistam, por mais palácios que construam, porque o fazem sempre para si e à custa do trabalho alheio que despudoradamente exploram. Então, lembrando o exemplo de personalidades raras, capazes de admirar com naturalidade os lírios dos campos e as aves do céu, é que o escritor Joaquim Maria, em inspiração deificada, abriu a esplanada de um jardim virtual para uma festa metafísica em que os filhos dos homens e as filhas das mulheres, no seu estilo singular, reuniram-se para saudar, entre palmas e cânticos, o artista capaz de convencer os angustiados de que vale a pena viver, desde que sejamos também capazes de perceber que as mamoranas estão florindo, e que isto merece um salmo. II – TRAÇOS BIOGRÁFICOS – Nasceu Raimundo de Moura Rêgo no município de Matões, Estado do Maranhão, no dia 23 de junho de 1911, dois anos antes de meu pai, também maranhense do vale do rio Parnaíba, quilômetros e quilômetros, léguas e léguas acima, por onde os vapores-gaiola, navios fluviais, passando por Teresina, por lá passariam quinze dias a um mês depois, a depender da fartura das águas e dos bons ventos da sorte. De modo sumário extrai-se da primeira página do seu romance autobiográfico, que se radicara por longos anos em Teresina
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após alegre e sadia infância passada na propriedade paterna, a Fazenda São Pedro, onde veio à luz deste mundo; na súmula biográfica traçada por A.Tito Filho destacam-se as gratificantes atividades vocacionais já aludidas de cultor da poesia em versos, da música provinda da linhagem paterna, de prosador, jornalista e desenhista, cujos méritos foram reconhecidos por esta Academia, acolhendo-o na Cadeira 7 como sucessor do combativo jornalista Higino Cícero da Cunha, cátedra do patrono Anísio Auto de Abreu, que governara o Piauí em substituição a Areolino Antônio de Abreu e que, como este, morreria no cargo logo depois, de sorte que naquele ano de 1911, do nascimento de Moura Rego, governava nosso Estado, Antonino Freire. Outro grande poeta acolhido por este sodalício, Martins Napoleão, disse de Moura Rêgo ser ele “Produto de uma vocação irresistível para as artes(...) num meio hostil a que só a Revista desta Academia vinha resistindo, ainda assim a longos intervalos.” Chegado para esta cidade aos 12 anos, em 1923, transfere-se o nosso homenageado para a cidade do Rio de Janeiro em 1952, já aposentado como Fiscal de Tributos Federais do Ministério da Fazenda, passando então a exercer a advocacia, pois que era bacharel nas ciências do Direito. Naquela ocasião eu me encontrava, aos sete anos de idade, naquela Capital do Brasil, tempos agonizantes do getulismo que então eu julgava eterno como rei do país, rei, aceito por unanimidade, rei intocável. Acolhido no apartamento número nove do 9º andar do Hospital dos Servidores dos Estados, por mercê da maçonaria, irmandade a que meu pai então pertencia. Fui ali acolhido desde o dia 29 de maio, data do meu aniversário, para uma permanência até 10 de outubro, entre o longo período pré-cirúrgico de 62 dias, uma cirurgia intracraniana de sete horas para extração de
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um tuberculoma occiptal, quinze dias de coma profundo e uma convalescença de 22 dias, quando tivemos, meu pai e eu. defronte, no apartamento 10, o deputado Tenório Cavalcanti com uma perna fraturada consequência de um atentado por atropelamento no trânsito, executado por desafetos, que não eram poucos, e recebemos rápida visita de dona Alzira Vargas numa de suas passagens costumeiras de dama caridosa, por aquele nosocômio. Coisas da vida e seus caminhos, como diria José Lopes dos Santos: já tendo perdido seu filho Humberto, mudava-se para o Rio de Janeiro, aposentado, o acadêmico da APL Raimundo de Moura Rêgo, quando outro Humberto, piauiense, ainda tão miúdo de biografia, conduzido pelo pai, era entregue aos dois por cento de chances para sobreviver, e sobreviveu, para o próprio espanto dos médicos, trazendo consigo muitas lembranças ainda conservadas do Rio de 61 anos atrás, como a música carnavalesca Sassaricando, a imagem do Cristo Redentor no pico do Pão de Açúcar, da enfermeira Marina dos olhos azuis e dos soldados do exército lá embaixo, na Rua Sacadura Cabral, a fazer evoluções matinais com suas armas para guardar o rei. Desculpem-me este interlúdio na biografia do homenageado, mas julguei-o necessário para destacar essas coincidências da vida – que não são meras coincidências, mas, no dizer do psicanalista suíço CARL GUSTAV JUNG, são sincronicidades de destinos que se passam independentes do previsível, do visível, do pensamento lógico e da razão consciente, posto que fruto de energias fundamentais da alquimia que gera o inconsciente coletivo e os arquétipos que atraem em afinidades magnéticas sincronizadas, que laboram silenciosamente no cosmos, constituindo o complexo de operações ainda tidas como o Misterium Coniunctionis (Mistério da União), linha de raciocínio, aliás, que dera a GOETHE a inspiração do título
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Afinidades Eletivas, para um dos seus livros antológicos. Em 1981, quando, patrocinado por A. Tito Filho foi publicado o meu primeiro livro, o acanhado Essências em Conflito, meses depois, tendo o ilustre presidente Arimathéa enviado exemplares para os acadêmicos, recebi, por intermédio desta Casa, um único cartão de apreciação aos meus escritos, e esse cartão com palavras de incentivo, era desse, para mim desconhecido, Raimundo de Moura Rêgo. Raimundo de Sousa Rêgo, o pai do meu antecessor nesta Academia, provinha da musical cidade de Oeiras e tocava a flauta desde menino a executar benditos nos festejos de N. S da Vitória, tendo nos ascendentes mais flautistas, bandolinistas e pianistas entendidos de solfejos e partituras. Tendo ficado órfão de pai ainda em tenra idade, e logo de mãe, e depois ainda dos padrinhos que o acolheram, alguns anos após a inauguração da Nova Capital, para cá viera com outros rapazolas, dedicando-se à aprendizagem da alfaiataria, ofício em que progrediria, passando depois ao comércio merceeiro, quando conhece PETRÔNIO JOSÉ DE MOURA, o SINHÔ, seu futuro cunhado e coronel da Guarda Nacional – que o leva a passear na Fazenda São Pedro, onde vem a conhecer a futura esposa, mãe do homem exemplar a quem ora fazemos esta solenidade de exaltação e reconhecimento ao mérito, qualidade, aliás, que hoje em dia anda tão relegada a quarto de despejo. CHAMADAS DA MEMÓRIA: AS MAMORANAS ESTÃO FLORINDO (...) Passam-se os anos da primeira infância e da segunda, e à medida que os anos vão passando desde que nascemos, à frente deles vamos flutuando em ondas de existência a suspirar saudades e avançando de circunstância
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em circunstância. O ímpeto propulsor da vida nos puxa para frente enquanto um empuxo de desejos impossíveis representados nas imagens do pensamento e nas suas fantasias, assalta-nos em ímpetos de desejos de estugar e voltar o passo ao pretérito para, em sofreguidão de menino, rebatizarmo-nos nas primeiras águas da nossa primeira fonte e avançar novamente a repassar os dias com maior intensidade e melhor proveito de sentimentos. Isto é particularmente verdadeiro para quem nasceu no campo e hauriu as impressões do bucolismo de verdes alfombras, pipilos de passarada, águas de brejos fartos e o mugir das reses no curral ou na pradaria. E há sempre uma árvore frondosa à frente do casarão, ícone de vida fixado na mente numa lembrança para sempre, ora vetusta mangueira, ora velhos tamarineiros como o de Augusto dos Anjos, como o de Da Costa e Silva no Engenho Santa Rosa do Amarante – que lhe abrigava o estro a desfiar sonetos alexandrinos imortais. Para mim, o grande oitizeiro solitário com seus frutos de um aroma inesquecível na Fazenda Canto de um tio, os laranjais da China no saguão da nossa casa e a festa das pipiras nos seus galhos. Moura RÊGO lembra as mamoranas como Proust vivencia metáforas de raparigas em flor. Lembra Jesualdo Cavalcanti, certamente com justificável orgulho, que a melhor obra por ele mandada editar quando à frente da então Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, pelos idos de 1985, foi este romântico memorial de MOURA RÊGO, As Mamoras estão Florindo. Realmente, porque escrito pelo homem artisticamente completo, a quem a natureza concedeu com fartura as propriedades espirituais do eidetismo, que é essa espontânea aptidão para captar a essência da percepção das coisas do mundo interno e externo, percebendo, portanto, além da imaginação comum, como o já citado Goethe, Richard Wagner, Shubert,
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Shumann, Beethoven, Paganini, Mozart e Strauss; eidetismo mais refinado em Beethoven, porque, surdo para o exterior, captava com mais pureza metafísica os acordes da alma em vibrações terríveis. Sendo MOURA RÊGO também músico, executando o mais belo dos instrumentos de corda – que é o violino -, além da flauta doce e do violão, era com fascinação que, em alexandrinos, traçava o perfil subjetivo do compositor Beethoven; vale a pena declamar o soneto: REVOLTA de alto mar... Tristezas e alegrias//na grande confusão dos grandes elementos;//ribombos de trovões, relâmpagos e ventos,//ondas arrebentando em meio a penedias...Eis a minha impressão se te ouço as sinfonias// - tesouros musicais, sonoros monumentos//talhados na oficina ideal dos sofrimentos,//misto de desespero e de melancolias./// Desgraçado titã, glorioso e sem ventura!// Roubando-te a audição, a dor, que te depura,//fez-te cedo provar suas fatalidades...// E surdo, na revolta interna dos sentidos,//ouvias uma orquestra estranha de gemidos,//de mágoas e paixões e angústias e ansiedades...” Todas as vezes que passamos no outono pelas estradas do sertão, podemos contemplar a mata ornamentada de flores amarelas, roxas, brancas e lilases – dos paus d’arco, ipês ou tílias, dos juás e dos jacarandás. Para uns nada significam, não lhes despertando nenhum sentimento de admiração; para outros, sendo motivos de reverência, de paradas para fotografias. Essa espiritualidade estética, sem afetação, é que diferencia os homens rudes dos homens repletos de riqueza existencial, capazes de, em contrição, como diria Bilac, ouvir estrelas e conversar com elas, capazes, portando, de conversar, em bom entendimento, com Deus, sem as angústias das dúvidas ou das vaidades intelectuais.
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NOTAS FORA DE PAUTA Talhado para o cultivo espontâneo das Belas Artes, sua biografia gira em torno da simetria eufônica universal, sem se desviar da rotina responsável dos deveres e obrigações do trabalho para assegurar, pela contribuição à disciplina social, a economia familiar, enquanto vai registrando as impressões sensíveis em modestas obras gráficas como Ascenção de Sonhos, Trovas, Gritos Perdidos, Contracanto, Em surdina e As Mamoranas estão Florindo. Acompanhemos os passos desse cultor e escultor de harmonias em exercícios melódicos; acompanhemolo através de suas crônicas intimistas que delineiam o sentido da vida no amealhar de amizades naquela singeleza filosófica de Saint-Exupéry a deslumbrar-se com a sonoridade ofertada pela natureza desde as primeiras vibrações rítmicas das coisas em movimento – como o escoachar das águas, o esvoejar das borboletas e o sopro dos ventos – vozes captadas pela sensibilidade acústica da inteligência emocional que as rendilham na delicadeza de broqueis sinfônicos que acalmam e enlevam os organismos vivos fascinados pela eutonia proporcionada em luz, cor e som quando tratados com delicadeza. Ele nos comunica impressões de uma Teresina musical, desde que aqui chegara para estudos regulamentares no Atheneu Teresinense do Padre Cirilo Chaves; de uma Teresina provinciana que se alegrava em movimentos culturais na coleta poética para montagens de sonetos e canções para serenatas ao luar, especialmente o límpido luar de agosto; uma Teresina de pessoas simples que costumavam assobiar modinhas; que vibravam de emoção quando das representações teatrais amadoras, aplaudindo de pé os seus intelectuais talentosos, cultores da oratória e dos versos alexandrinos
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transbordantes de paixão ofertados ao público no palco do Quatro de Setembro e nas festas cívicas dos colégios, à frente os animadores Jônatas Batista, Higino Cunha, Mário Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Adalgisa Paiva e Silva, Antilhon Ribeiro Soares e tantos outros jovens respirando artes, bailando valsas e tangos argentinos de Carlos Gardel, que iam, aos poucos esmaecendo ou sofrendo distorções à medida que o progresso se aproximava com o rádio e as ameaças de novas e grandes guerras. MOURA RÊGO E O VIOLINO Música, magia de ondas sonoras da natureza vibrando; em combinação rítmica afinada e harmônica trabalhada com sensibilidade artística, produz a melodia; melodia capaz de acalmar as fráguas tormentosas e fazer a alma adormecer sorrindo e despertar cantando como nas vivências infantis de Casimiro de Abreu. Não se concebe o paraíso sem a doçura da flauta de Pan, sem o harpejo da lira, sem a dolência mística do violino – que requer leveza de pluma para uma sonata ao luar numa contrição de amor. Alfredo Mecenas, um maranhense sem mais biografia conhecida que por cá vivia naqueles anos, no Salão Pálace da Praça Rio Branco, nicho melódico do maestro Pedro Silva escritor de partituras: Alfredo Mecenas encantava os teresinenses boêmios – e não eram poucos – Solando ao violino mágico Meditação de Thaís, obra-prima de Massenet, nome que se afina com o músico maranhense praticamente anônimo. Foi ele o iniciador de Moura Rêgo nesse delicado instrumento aperfeiçoado por Stradisvarius; instrumento que, mesmo sendo de fabricação rude como nos sertões nordestinos, conforme chistoso trocadilho de CID MOREIRA numa reportagem da Rede Globo sobre um violinista dos arrabaldes de Caruaru, “não sendo um Stradisvarius, dava pão
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para vários”. E o nosso homenageado chegou a SCHUBERT, MOZART, STRAUSS e outros clássicos a flexionar o arco de crinas em tiradas de valsas ligeiras, boleros de enamorados das estrelas do céu e da terra, e ardentes tangos de Gardel. Teresina não era a Paris decantada por HEMINGUAY daqueles mesmos anos, mas, também era uma festa social com Zila Paz e sua filha Alice, Maria Yeda Caddad, Maria Cleofas, irmâ do poeta, Lourdes Ferraz, Oneide Veloso, Dulce Paz, Dora Vieira, Marina Cardoso, Iara Neves, Adalgisa Paiva e Silva e mais e mais jovens mulheres refinadas ao piano, musas dos varões das serestas ao violão. Chega a Teresina o engenheiro Pedro Ciarlini, exímio violoncelista que se integra ao conjunto musical da cidade, enriquecendo as festas de salões residenciais e os concertos no Teatro Quatro de Setembro. Chega também o cinema, mas, ainda mudo, é preciso sonorizá-lo com belas trilhas melódicas, o que é feito com muito gosto pelos instrumentistas amadores, rapazes e moças, sob arranjos do maestro Pedro Silva. Tempos de oratória, de sonetos alexandrinos laborados por nossos intelectuais entusiastas, cultores do jornalismo ousado, das bombásticas ideologias iconoclastas e da sátira mordente. Enquanto Moura Rêgo vibrava o violino nos salões de baile, no palco do teatro, no Cinema Olímpia, nos coretos das praças Aquidabã (Pedro II) e Rio Branco, do Recife de Tobias Barreto traziam os acadêmicos a pena vibrante contra os governos, citando-se Jônatas Batista, Higino Cunha, Mário Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Mário e Zito Batista, Abdias Neves, a família Freitas de Clodoaldo, Alcides, Lucídio e o jovem Newton, irmão do nosso confrade Paulo de Tarso Melo e Freitas, todos poetas, todos seresteiros, ainda que fosse somente para acompanhar e ouvir o Pintassilgo, que era Antônio Prado de Moura, cantar para todas as donzelas da cidade adolescente. Todos jovens mortais imortais.
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CONTRACANTO Os dicionários de música definem o contracanto como uma melodia que se vai desenvolvendo paralela ou secundariamente à melodia primária. Moura Rego, ao dar esse título ao seu, digamos, mais representativo livro de poesia em versos, quis, evidentemente, expressar que o seu veio artístico condutor principal era a música, sempre a música, divina música, porque percebia musicalidade em tudo, nas almas e nos ambientes, em toda a natureza, e que a literatura versificada o seguia como contracanto de apoio. Livro editado por esta Academia em 1979, um ano após sua revisitação a Teresina, transcorridos vinte e seis anos desde a sua transferência domiciliar para o Rio de Janeiro, Contracanto é todo ele uma canção de amor reacendido em fráguas de saudade e pulsações de gratidão. Veio ele nas asas da alegria abrilhantar, com sua presença e o seu violino, a abertura do primeiro Congresso Piauiense de Odontologia, a convite da comissão organizadora daquele evento científico, presidida pela Drª Leonília Melo e Freitas. E encantou-se, cercado de amigos e admiradores, a percorrer a cidade com roupagem de desenvolvimento e atavios festivos, em cada esquina uma lembrança boa daqueles tempos dos bares Carvalho e Avenida na Praça Rio Branco, e de suas musas sempre em flor. Em 1985, por iniciativa do deputado Francisco das Chagas Ribeiro Magalhães, o governo do Estado, mandato de Hugo Napoleão do Rêgo Neto, também membro desta Casa, sanciona a Lei nº 4.027, datada de 22 de novembro e publicada no Diário Oficial do Estado do dia 25 daquele mês e ano, concedendo-lhe o título de Cidadão Piauiense. Esse título por demais merecido, ele guardou comovido pelo resto de sua vida e para a posteridade, como guardou e registrou
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todas as suas amizades, todos os seus mestres, todas as imagens percebidas, vivenciadas e acolhidas na memória, traduzidas em música e poesias pastorais, cultuadas pela arte e acondicionadas em escrínios urdidos em palhetas de sentimento imorredouro, como confessa neste soneto de profissão de fé a que intitula como Sacerdócio. Ei-lo: ARTE! Religião que defendo e professo! Sob o teu pálio de ouro, excelso e luminoso, vivo e trabalho, sonho e canto, luto e cresço forte, heróico, feliz e digno e valoroso!
Arte! Sonho, Beleza, Ideal, Vida! Confesso Que, para te elevar ao páramo glorioso, Dos maus enfrentarei o bárbaro arremeço, Como um novo Templário, arrogante e orgulhoso! Jamais consentirei que a fúria iconoclasta Dos que não crêem em ti – horda vil e nefasta – Tente manchar-te o nome e o teu altar divino! E se tombar, em meio ao grande prélio, ó Arte, Que eu consiga ainda erguer a voz para mandar-te A última saudação num verso alexandrino!
*** Conhecia-se como introspectivo que era; e como introspectivo que era, definia-se por estes termos: No mundo eu sou, talvez, o mais incompreensível Dos homens. Calmo e bom, tenho, às vezes, no entanto, Ímpetos de demônio e aspirações de santo; Quero hoje um nada, e, após, um bem inatingível Alegre, às vezes choro, e triste, às vezes canto; Ao fácil muita vez prefiro o que é impossível, Vivo assim a oscilar de nível para nível Entre a graça de um sonho e a dor de um desencanto.
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Penso nisso ao fitar uns grandes, lindos olhos, uns olhos que são dois esplêndidos escolhos neste mar em que gasto as minhas energias... São cegos para mim, bem sei; inutilmente olho-os. Mas mesmo assim amo-os perdidamente, como se fossem sois no escuro dos meus dias
*** Acalanto em Contraponto resume a alma universal do poeta músico total a fluir a essência no êxtase de uma comunhão do infinito, como testamento dos seus desejos ressonantes para a eternidade. Com eles, deixamos esculturadas as nossas homenagens ao século de Raimundo de Moura Rêgo: Quero som de violinos em surdina, Velado som de viola em contracanto, Alados trinos, música divina, suspiros De anjo, murmurar de santo... Pulsar de violoncelo em pizzicato, Quarteto ideal que as emoções acorda, Sons de veludo em tempo moderato A fluir do coração de cada corda... Harmonias sublimes, repousantes, Vozes em comunhão, entrelaçadas, Rolando como pérolas errantes Pelas mãos cariciosas das arcadas... Paz de berceuse os astros embalando, Languidez de acalanto em contraponto, Flores e sons ao luar desabrochando Do perfume e da cor em áureo confronto... Vibre, cante, em bemóis e sustenidos, Toda a gama cromática da escala, Glissandos, como anímicos gemidos Lanceando em fusas a amplidão de opala...
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Combinações de acordes em arpejos Modulando as passagens, parte a parte. Oh, a expressão! Consonância de beijos, Tudo o que faz da música obra de arte!
*** Com estes versos gregorianos, Raimundo de Moura Rêgo partiu no pentagrama universal para os páramos celestes, deixando para nós, da sua vida imortalizada na holística da Arte, a sua expressão completa. Discurso pronunciado pelo acadêmico Humberto Guimarãres, no dia 18 de junho de 2011, na Academia Piauiense de Letras, em solenidade de comemoração ao centenário de nascimento de Raimundo de Moura Rêgo
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DISCURSO PROFERIDO NA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS, PELO ESCRITOR JOÃO ALVES FILHO, QUANDO HOMENAGEADO COM A MEDALHA E DIPLOMA LUCÍDIO FREITAS, EM 30.09.11. Ilustre Senhor Reginaldo Miranda da Silva Presidente desta histórica Academia Piauiense de Letras Senhores e senhoras acadêmicos que compõem este conceituado quadro de intelectuais do Piauí Saudação especial às autoridades, convidados e imprensa Respeitável confrade JOSÉ RIBAMAR GARCIA propulsor da felicidade que estou vivendo. nesta solenidade representado pelo confrade Herculano Moraes
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Senhores e senhoras, Os líderes civis e militares que promoveram o rompimento com o Regime Monárquico e instalaram o tão sonhado Regime Republicano naquele 15 de novembro de 1889, com o mais democrático dos golpes militares: Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, Benjamim Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Campos Sales, Aristides Lobo, Demétrio Ribeiro e o Almirante Eduardo Waldenkolk, enquanto trabalhavam a organização jurídica da federação dos Estados, outro movimento de líderes se organizava, sob a liderança de Joaquim Maria Machado de Assis, apoiado por valorosos intelectuais: Lúcio de Mendonça, Inglês de Souza, Olavo Bilac, José Pereira da Graça Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo e Visconde de Taunay iniciavam o movimento para fundarem no Brasil, a Academia Brasileira de Letras, que tem como modelo a Academia Francesa de Letras, naquela data marcante de 20 de julho de 1897, decisão que engrandeceu a cultura da língua pátria. No Estado do Piauí, enquanto o mundo vivia apreensivo a Primeira Grande Guerra Mundial, valorosos líderes intelectuais, sob a liderança do inteligentíssimo jovem bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, formado pela tradicional Faculdade de Direito do Recife, Lucídio Freitas, aos 19 anos de idade, com reconhecido talento literário, decidiram fundar a Academia Piauiense de Letras, em reunião na sede do Conselho Municipal desta nossa tão querida Teresina, naquele 30 de dezembro do ano de 1917. A partir daquela sábia decisão, o Piauí passou a compor o cenário nacional da língua pátria, pelos valores intelectuais dos iniciados e outros tão brilhantes que deram continuidade até os dias atuais. A convocação aos dez primeiros ilustres intelectuais:
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Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, João Pinheiro, Edson Cunha, Lucídio Freitas, Jônatas Batista, Celso Pinheiro, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas e Fenelon Castelo Branco, foi feita pelo próprio Lucídio, que presidiu os trabalhos, ouvindo parcimoniosamente os pareceres daqueles sábios, entre eles, o seu pai Clodoaldo Freitas, um dos mais brilhantes intelectuais da história do Piauí e, já reconhecido no cenário nacional. Aprovado o Estatuto da novel instituição cultural, cujo conteúdo continha 30 cadeiras e patronos iguais, documento elaborado por uma comissão de três membros: Lucídio Freitas, (relator) Antônio Chaves e João Pinheiro, elegeram a primeira diretoria, com a escolha de Clodoaldo Freitas para presidente. Estava formada a Academia Piauiense de Letras, esta gloriosa instituição que tanto tem contribuído para o engrandecimento do Estado do Piauí, pelos valores humanos e intelectuais que ao longo de sua existência, compuseram e compõem o seu valioso e prestigioso quadro de homens sábios. A primeira diretoria ficou assim constituída: Clodoaldo Freitas (Presidente), João Pinheiro (Secretário geral), Fenelon Castelo Branco (segundo secretário) e Jônatas Batista (Tesoureiro). Empossados os primeiros diretores, com entusiasmo e muita empolgação, estava definitivamente instalada a Academia Piauiense de Letras no Estado do Piauí, reconhecido no cenário nacional pela determinação patriótica da “Batalha de 13 de março de 1823”, fato ocorrido às margens do Rio Jenipapo, na Vila de Campo Maior, que confirmou em caráter definitivo, o rompimento Brasil/ Portugal, a Independência do Brasil e o reconhecimento de Dom Pedro – Imperador. Campo Maior, célula viva da história do Piauí, tem oferecido sua contribuição acadêmica e cultural a este sodalício, através dos seus filhos: Miguel de Sousa Borges ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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Leal Castelo Branco, Mons. Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, Cláudio Pacheco Brasil, Pe. Cláudio Melo, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, José Elmar de Melo Carvalho e Heitor Castelo Branco Filho, que mesmo sem o registro, tem Campo Maior no seu coração, pelo conjunto familiar, esposa e filhos. Os intelectuais que presidiram esta instituição ao longo dos seus 94 anos de feliz existência, cada gestor deixando nos anais deste sodalício, o seu registro histórico. O maior tempo de mandato coube ao confrade Arimathéa Tito Filho, barrense da “Ilha do Marataoan” e titulada de “Terra dos Governadores” que a dirigiu por 21 anos. O acadêmico A. Tito Filho veio a falecer durante os preparativos da Academia, para comemorar os seus 75 anos de existência. Foi substituído pelo vice-presidente acadêmico Manuel Paulo Nunes, que deu continuidade ao programa elaborado pelo colega falecido. Senhor Presidente e Senhores Acadêmicos. Meus senhores e minhas senhoras, Sou de origem rurícola, filho de um casal feliz, com uma prole de 15 irmãos. Aos 14 anos da minha idade, descobri que não tinha vocação para o manuseio dos instrumentos da lavoura. A enxada não me oferecia nenhum entusiasmo, mesmo sabendo que todos nós somos produtos da terra e dos seus frutos nos alimentamos. Compreendido pelos meus pais, busquei a minha Campo Maior, com a vontade de viver o mundo das letras. Não me aprofundei tanto. Aprendi apenas o suficiente para satisfazer o meu ego, conquistar um bom emprego, representar dignamente o município que me viu nascer, ser partícipe na solução dos problemas da minha comunidade e escrever livros. O intérprete e compositor Benito de Paula tem uma de suas belas músicas que diz: “Ah, eu chorei, quando sai lá de casa e entrei pelo mundo, eu chorei. Ah, eu nem sei,
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e pra chegar onde estou, confesso que nem eu não sei. Desenganos foram pra mais de mil. Indiferença, só Deus sabe e quem viu, mas valeu a pena...” Este quadro musical parece o dia da saída de minha casa. Chorávamos e nos abraçávamos eu, minha mãe e meu pai. Trabalhei com veemência para conquistar os meus projetos, abrir portas para os meus irmãos e sobrinhos a estudarem. Tornei-me um vencedor. Caindo aqui, levantando ali, sempre com o Cristo no meu coração, tendo a bandeira da honestidade como referência e perseverança, adentrei o mundo das letras e tenho-me dado bem. Tudo o que sou, agradeço a Deus por ter estudado. Minha modesta produção literária, representada por 11 livros, os trato como filhos. Os livros me promoveram ao ponto de ter a felicidade de ser membro efetivo de importantes instituições históricas culturais e das quais participo efetivamente: Academia de Letras do Vale do Longá- ALVAL (fui presidente); Academia Maçônica de Letras do Piauí- AMALPI; Academia Campomaiorense de Artes e Letras – Acale (sou o atual presidente); Academia Piauiense de Mestres Maçons e União Brasileira de Escritores- UBE – secção Piauí. O romântico Rei Roberto Carlos, um dos maiores talentos artísticos do mundo, em uma de suas encantadoras letras musicais, assim se expressa: “quando eu estou aqui, vivendo este momento lindo...” Imaginem meus caríssimos convidados, como estou vivendo este sublime momento cultural. É para mim, o coroamento de todos os meus feitos, encontrar-me hoje nesta histórica Academia de Letras, expressando-me deste parlatório, por onde passaram oradores de conceito nacional e intelectuais dos mais elevados níveis de conhecimento da língua pátria e até poliglotas. Confrade presidente, ilustres confrades e confreiras da Academia Piauiense de Letras, meus confrades da ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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Academia Campomaiorense de Artes e Letras, da Academia de Letras do Vale do Longá, da Academia Maçônica de Letras do Piauí, da Academia Piracuruquense de Letras da Região das Sete Cidades, da Academia de Ciências do Piauí e da Academia Piauiense de Mestres Maçons, Senhoras e Senhores que formam este seleto auditório e que me honram com vossas presenças. Desejo registrar o meu agradecimento especial ao acadêmico JOSÉ RIBAMAR GARCIA, do valoroso quadro desta tão honrada Academia de Letras. Piauiense apaixonado, talentoso advogado, renomado escritor e diretor do departamento de Recursos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rio de Janeiro. Ele indicou o meu nome para apreciação dos seus pares e tomei conhecimento da unanimidade dos acadêmicos, concedendo-me tão honrosa medalha, símbolo maior desta Academia de Letras, que homenageia o nome do seu fundador, o líder intelectual Lucídio Freitas. Acadêmico RIBAMAR GARCIA, você e a Academia Piauiense de letras, fazem parte da minha corrente sanguínea, portanto da minha vida. Os laços de amizades que produzem a medalha Lucídio Freitas, dão-me uma vinculação permanente e de compromisso com este soberano sodalício, pois, aumentaram o meu amor pela cultura do Piauí e pelas coisas justas do nosso Estado. Senhor Presidente, estou emocionado e para me recompor, desejo abraçar carinhosamente a minha esposa Geni, pacificadora das minhas emoções e dona do ombro que acalenta as minhas angústias. Desejo encerrar, registrando agradecimentos a todos. Afirmando a minha imensa satisfação pela grandeza deste momento, que passa a compor uma página especial da história da minha vida.
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CONFERÊNCIAS
SOBRE POLÍTICA, CIÊNCIA E ARTE: HIGINO CUNHA E AS CONTROVÉRSIAS DE SEU TEMPO Teresinha Queiroz
SOBRE HIGINO CUNHA
A
vida de Higino Cunha exemplifica da maneira mais perfeita as trajetórias das gerações intelectuais brasileiras atuantes entre os decênios de 1870 e 1930, em seis décadas ao longo das quais a política, a sociedade, os costumes e as crenças sobre o mundo sofreram profundas e radicais transformações. Sujeito e sujeitado por essas transformações avassaladoras, Higino Cunha é simultaneamente narrador privilegiado desses tempos e construtor consciente das mudanças que arrastavam os homens para o imponderável amanhã. Nascido no seio de uma família cujo arranjo, não
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formalizado, foi produto do gosto e do interesse de um homem branco originário das velhas raízes patriarcais lusobrasileiras por uma mulher pobre e insistentemente dita branca e livre – essa família lhe permitiu uma gama variada de experiências. Da vida rural, com seus trabalhos, lazeres e crenças, transpõe-se para a pequena Teresina, volta-se para os labores do comércio, até transformar-se em estudante secundarista em São Luís do Maranhão e em acadêmico de Direito no Recife nos tempos gloriosos de Tobias Barreto. Nascido em 1858, na outra margem do rio Parnaíba1 e bacharel em 1883, retoma esses tempos em suas Memórias,2 escritas em meados dos anos 1930, para realçar, como um novo Marcel Proust, as não poucas misérias e as infindáveis delícias desses tempos perdidos. É possível afirmar, sem temor, que o centro da vida de Higino Cunha é a prática da escrita. Não que tenha deixado de maneira transparente esse legado, visto que suas obras publicadas apenas alcançam uma dúzia, nem sempre de muitas páginas, pois o seu mais alentado volume é o História das religiões no Piauí, de 1924.3 Trata-se aqui não apenas da prática cotidiana da escrita, especialmente da escrita jornalística, mas sobretudo dos significados desse labor para o reconhecimento do seu lugar e do lugar dos outros no mundo, da compreensão das coisas a partir dos registros escritos sobre elas e ainda da construção imperativa e diurtuna de um novo mundo, impresso primeiro em 1
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Nasceu no sítio Bacuri, propriedade do pai, a 3 km da margem esquerda do rio Parnaíba e a 30 km da vila de São José das Cajazeiras, sede do município do mesmo nome, antiga Flores, hoje cidade de Timon, no Maranhão. CUNHA, Higino. Memórias: traços autobiográficos. Teresina: Imprensa Oficial, 1939. CUNHA, Higino. História das religiões no Piauí. Teresina: Papelaria Piauiense, 1924.
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letra de forma. Esse vínculo buscado com a posteridade, inventado a partir da escrita, é facilmente percebido nos textos de feição autobiográfica, e nos inumeráveis estudos biográficos, situando os seus personagens no lugar que lhes era devido na história. Dessa forma, bacharel e homem de letras, Higino dá forma ao mundo social no presente e com vistas ao futuro, ao produzir de maneira incansável e ininterrupta, desde os anos 1870 ao início da década de 1940 – textos de naturezas as mais variadas: poesias, relatos de viagens, cartas, biografias, necrológios, crítica literária, discursos, crítica religiosa, polêmicas jornalísticas, polêmicas religiosas, diatribes políticas, peças jurídicas, pareceres, crítica de arte, crônicas sobre os costumes, discursos maçônicos, conferências, estudos filosóficos, livros tratando de assuntos diversos,4 de que podem ser lembrados o primeiro – Proveritate, de 1883,5 crítica filosófica e polêmica, e Anísio de Abreu: sua obra, sua vida e sua morte,6 de 1920, memorável discurso proferido na Academia Piauiense de Letras (APL), sobre o seu Patrono na Cadeira 7. A PRODUÇÃO INTELECTUAL E SUA NATUREZA É necessário realçar que a diversidade e a abrangência da escrita de Higino Cunha configuram menos particularidade e distinção, e mais correspondência à natureza da formação intelectual e aos formatos assumidos pela reflexão no Brasil na segunda metade do século XIX e 4 5 6
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994. CUNHA, Higino. Pro-veritate. Recife: [s.n.], 1883. CUNHA, Higino. Anísio de Abreu: sua obra, sua vida e sua morte. Teresina: Papelaria Piauiense, 1920.
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primeiras décadas do século XX. Importa chamar a atenção para o fato de que as concepções dualistas do mundo estão sendo fortemente rebatidas pelas concepções monísticas – seja pelo monismo naturalista, seja pelo monismo filosófico -, conceitos que retomaremos no momento oportuno. Por enquanto, deve ser apontado que as concepções monísticas do universo alargam sobremaneira as perspectivas de ver o mundo natural, o social, o cultural e o religioso, desde que essas instâncias são consideradas como subordinadas ao mesmo movimento e aos mesmos desenvolvimentos. Face a isso, modificam-se amplamente as fronteiras entre o mundo natural e o humano, entre o céu e a terra, entre o real e o ideal, entre a realidade, racionalmente apreendida e sensivelmente experimentada e a metafísica. Modificamse irremissivelmente os conceitos de real, de realidade, de verdadeiro e de falso, reabilita-se o mundo da fantasia e da imaginação e ao contrário da proposição retumbante de Sílvio Romero, esbatem-se as diferentes noções de metafísica, que não morre,7 e sim ganha novo alento. Tratase, nas décadas em análise, dos debates entre o realismo e o idealismo. A que serve essa filosofia pela rama? Para significar a variedade e a pertinência da ampla obra de Higino Cunha, especialmente de suas séries publicadas em folhetins na segunda década do século XX – a saber: O idealismo filosófico e o ideal artístico;8 Proteção aos 7 8
BEVILAQUA, Clóvis. Épocas e individualidades: estudos literários. 2 ed. Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro-Editor, [18—]. CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 267, p. 1, 6 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 269, p. 1, 8 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 270, p. 1, 10 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 272, p. 1, 12 dez. 1912; CUNHA, Higino.
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animais,9 e ainda a série A nudez e o vestuário10, publicada na revista Litericultura, todas de 1912 e 1913. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 274, p. 1, 14 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 275, p. 1, 15 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 278, p. 1, 19 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 280, p. 2, 21 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 281, p. 1, 22 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 283, p. 1, 25 dez. 1912; CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 284, p. 1, 26 dez. 1912. 9 CUNHA, Higino. Proteção aos animais. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 217, p. 1, 3 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais II. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 218, p. 1, 4 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais III. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 220, p. 1, 8 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais IV. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 221, p. 1, 9 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais V. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 224, p. 1, 12 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais VI. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 233, p. 1, 24 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais VII. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 238, p. 1, 30 out. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais VIII. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 242, p. 1, 5 nov. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais IX: algumas ideias sobre o direito e o circo romanos. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 252, p. 1, 19 nov. 1912; CUNHA, Higino. Proteção aos animais X. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 253, p. 1, 6 nov. 1913. 10 CUNHA, Higino. A nudez e o vestuário: na religião, na ciência, na arte, etc. Litericultura, Teresina, v. 2, ano 1, fasc. 2, p. 69-80, 1 ago. 1912; CUNHA, Higino. A nudez e o vestuário: na religião, na ciência, na arte, etc. Litericultura, Teresina, ano 1, fasc. 3, p. 137-148, 31 out. 1912; CUNHA, Higino. A nudez e o vestuário: na religião, na ciência, na arte, etc. Litericultura, Teresina, ano 1, n. 3, p. 37-48, 1912; CUNHA, Higino. A nudez e o vestuário: na religião, na ciência, na arte, etc. Litericultura, Teresina, 2 (2): 84-..., 1913.
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O movimento das especializações disciplinares que ganha forte alento na segunda metade do século XIX vem acompanhado de intensas polêmicas ao redor da pertinência de um componente filosófico capaz de atribuir/ justificar os sentidos conferidos aos processos históricos e sociais, sobretudo. Filosofia e metafísica, confundidos, tornam-se o centro dos movimentos de saber tendentes à secularização. Por diferentes vias científicas são propostas novas concepções de mundo, que consideram as instâncias extramateriais como atavismos sociais a serem afastados do conhecimento e da experiência humana. Essas tensões e disputas se expressam, na prática, especialmente sob a forma de antagonismo entre a ciência e a religião, nas disputas em torno da secularização do Estado e da deslegitimação do poder da Igreja sobre a vida laica. E no âmbito da escrita, pelos antagonismos entre o positivismo comtiano, em sua primeira fase, e o pensamento alemão, em suas variadas formas historicistas. Essas tensões atravessam fortemente a obra de Higino Cunha e marcam igualmente a maneira como ele foi visto pelos contemporâneos. Jovem bacharel recémformado, suas ideias monistas, tributárias, no tempo, dos ensinamentos de Tobias Barreto e de sua grei germanista – foi apelidado incontinente de “sábio do pescoço de girafa”, em alusão às teses defendidas do transformismo biológico de Darwin e Haeckel.11 Esses fortes atravessamentos das ideias do tempo são perceptíveis sobretudo nos textos de feição mais ampla e complexa, casos das séries antes indicadas. Para o momento, interessa situar sua obra nas referências do tempo, buscando chaves para comparála à obra de Abdias Neves, autor com quem polemiza em 11 QUEIROZ, 1994.
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diferentes momentos e ao redor de vários temas. Como visto anteriormente, a escrita de Higino Cunha, do ponto de vista temático, é bastante vasta, interessandose por questões da natureza e da cultura, em suas diferentes expressões. Assim como Abdias Neves, tem o gosto do estudo das crenças religiosas e dos saberes científicos, com particular predileção pelos estudos das origens e das transformações das crenças religiosas e, por essa via, da dogmática cristã. Se as temáticas dos dois autores eram convergentes, as hipóteses, os procedimentos e os resultados dos estudos não eram necessariamente na mesma direção – sendo, ao contrário, lugar de intensas discordâncias e disputas. ESCRITA E CONTEXTO POLÍTICO Incorre em equívoco quem parte do suposto de que a escrita mantém um diálogo preferencial com a própria escrita. A escrita, diz Michel de Certeau, é fundamentalmente tópica. Ela pertence a um lugar que é simultaneamente social, político, institucional.12 Diria mais, esse lugar é subjetivo e subjetivado, portanto enraizado numa condição histórica muito particularizada. Como as demais escritas, a de Higino Cunha, ao longo de seis décadas, incorpora as marcas do lugar onde ela acontece, enreda-se fortemente na trama política mesmo quando, num primeiro olhar, o debate ocorre em torno de ideias mais gerais e de temas de interesse universal. Não quero fazer referência apenas às polêmicas políticas que ocupam o Autor desde os anos 1880 e que não arrefeceram sequer em sua velhice – tais como a 12 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
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enfrentada contra Simplício Coelho de Resende – Turvamse os horizontes,13 de 1886, – a polêmica no início do século com Abdias Neves – Arlequim e D. Pasquim,14 de 1901-1902 e ainda menos à famosa série Ódio velho,15 com o governador Miguel Rosa, em 1915. Essa escrita do conflito só pode ser compreendida a partir de sutilezas, sutilezas só decodificáveis pelo acompanhar dos enraizamentos do autor e de seus êmulos nas diferentes conjunturas, levando-se em conta não apenas os óbvios pertencimentos políticos e partidários, mas igualmente as situações relacionadas à busca/manifestação dos vínculos sociais, às concorrências de âmbito simbólico e mesmo as localizações familiares e de parentesco. Dessa forma há que se pensar, numa primeira aproximação, que 13 CUNHA, Higino. Turvam-se os horizontes. A Imprensa, Teresina, ano 22, n. 937, 2 out. 1886; CUNHA, Higino. Turvam-se os horizontes. A Imprensa, Teresina, ano 22, n. 939, 16 out. 1886; CUNHA, Higino. Turvam-se os horizontes. A Imprensa, Teresina, ano 22, n. 940, 23 out. 1886. 14 PASSOS, Artur. Abdias Neves: homens e eventos de sua época. Teresina: [s.n.], 1966. p. 21. 15 CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 137, p. 1, 27 set. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 138, p. 2, 4 out. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 139, p. 1, 11 out. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho IV. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 140, p. 1-2, 19 out. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 141, p. 2, 26 out. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 141, p. 2, 26 out. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho VI. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 142, p. 2, 2 nov. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 143, p. 2-3, 9 nov. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho VIII. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 144, p. 1, 16 nov. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho IX. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 145, p. 1, 23 nov. 1915; CUNHA, Higino. Ódio velho X. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 148, p. 2, 30 nov. 1915.
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a escrita diuturna de Higino Cunha acontece em jornais políticos e sua função precípua como jornalista é a defesa de situações – quer instaladas no poder instituído, quer na oposição a esse poder. Essa escrita política diária, via de regra não assinada, preenche milhares de páginas de periódicos piauienses e, eventualmente, de outros estados, desde os anos 1880 e pode ser localizada desde o jornal A Imprensa, órgão do Partido Liberal no Piauí, até o A Democracia, no início da República, bem como no jornal ora oficial, ora oficioso O Piauí, em que escreve por várias décadas, isso apenas de maneira exemplificativa. De outro lado, sua intensa e profícua atividade literária pode ser avaliada pelas inesgotáveis colaborações em jornais – muito particularmente em O Norte, O Monitor, Diário do Piauí, Correio de Teresina, O Nordeste – e nas principais revistas que circulam no Piauí nos decênios aludidos – a Revista Mensal, a Alvorada, a Litericultura, a Revista da Academia Piauiense de Letras -, nas quais é possível localizar mais facilmente sua colaboração, por vir autógrafa. Estudando de perto seu intenso labor literário e cultural e suas manifestações escritas, é fácil concordar com a expressão machadiana que ele aduziu para configurar sua experiência – servira, de fato, “de agulha para muita linha ordinária”.16 POLÊMICAS POR TODA A VIDA Feição do tempo, as polêmicas são disputas de poder no seu mais largo sentido e passaporte rápido para a fama – para o bem e para o mal. Higino Cunha pagou seu tributo a essas formas políticas e literárias desde a Academia em Recife – fazendo-se presente e quase sempre atuante nas mais ruidosas manifestações, no norte do Brasil, dos intensos 16 CUNHA, 1939, p. 97.
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deslocamentos políticos, sociais, literários e religiosos de que foram tão férteis sobretudo os anos de 1870 a 1900. Afinal, essas décadas registram, no plano nacional, as lutas pela abolição da escravatura, pela república, pela secularização do Estado, por novas partilhas entre o capital e o trabalho, pelas acomodações no poder de militares e de civis e ainda a emergência da questão regional e dos desejos federalistas. De São Luís a Recife e a Teresina, Higino Cunha, são suas as palavras – é “magna parte” em muitos desses sucessos e neles contribui com sua presença e com sua escrita. Esses registros são facilmente localizáveis nas já citadas memórias do autor, e reforçados não apenas por seus biógrafos, Artur Passos17 em especial, mas igualmente e com maior detalhamento, nas fontes da época. Façamos referência, mesmo que ligeira, a algumas dessas polêmicas que a juventude do período protagonizou e a tagarelice de muitos perpetuou. Apenas para efeito didático, vamos referilas por lugar e tempo. São Luís – decênio de 1870: Higino Cunha é estudante secundarista no Liceu do Maranhão, entre 1878 e 1880. Na Atenas brasileira discute-se não apenas o problema da dirigibilidade dos balões e a teoria nebular de KantLaplace, como incendeiam-se os ânimos entre os estudantes com as lutas de O Pensador, jornal positivista e anticlerical, com os padres do Civilização, lutas de persistente memória nos anais maranhenses, em que a gênese do mundo divide católicos e jovens estudantes, leitores e defensores das novas ideias de Charles Darwin e de outros naturalistas, apropriados especialmente através de Luiz Buchner, em seus livros Força e matéria e O homem segundo a ciência, que já circulavam em francês entre os estudantes. Como é sabido, trata-se de uma polêmica regional, e que interessou também 17 PASSOS, Artur. Esboço de um perfil. Teresina: Tipografia Ribeiro, 1959.
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ao grupo de Tobias Barreto, no Recife. Em São Luís, Higino Cunha conviveu com o jovem Graça Aranha e com Aluísio Azevedo. Recife – 1881 a 1883: Higino Cunha estudou Direito em Recife no decênio mais acalorado daquela instituição pernambucana, sob os auspícios de Tobias Barreto. Dividiu república com alguns dos estudantes maranhenses com quem já convivia em São Luís – nomeadamente Benedito Leite, Urbano Santos e Viveiros de Castro. Tobias, liderança do novo movimento jurídico-filosófico, fazia a propaganda das doutrinas alemãs. Higino colaborou em jornais abolicionistas e republicanos, como a Folha do Norte, de Isidoro Martins Júnior e Faelante da Câmara, num momento em que também pontificam no Recife Clóvis Bevilaqua e Artur Orlando, dentre outros. Em 1883, publicou o folheto Pró-veritate, de crítica a outro folheto, do maranhense Georgiano Horácio Gonçalves, de que teria resultado demorada polêmica na imprensa sobre o movimento literário da Academia. O contexto é o da campanha abolicionista cujos centros eram Joaquim Nabuco, incansável nas suas conferências, o tribuno liberal José Mariano e os estudantes em torno de Martins Júnior. Nas Memórias de Higino Cunha o que sobreleva desse tempo de delícias, os bons velhos tempos, é a viagem que fez entre Recife e Fortaleza, em 1882, com José do Patrocínio, no calor da campanha abolicionista. Ao passar quinze dias em Fortaleza acompanhando o Tigre da Abolição, lhe serviu algumas vezes de secretário. Na velhice, ao recordar esses tempos, Higino Cunha recorria a Dante: Nessum maggior dolore che ricordarse del tempo felice nella miseria. Teresina, 1886: de volta aos penates e pertencendo a antiga família liberal, Higino entrará na vida pública substituindo Clodoaldo Freitas na chefia da redação do
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jornal A Imprensa, em 1886. Data daqui a sua sempre problemática inserção nos torneios da política piauiense. E sua estreia é enfrentando um gigante da palavra – o deputado geral conservador Simplício Coelho de Rezende – envolvido no caso que ficou registrado na história do Brasil como a Questão Militar, que opôs o governo imperial e o exército. Resumamos brevemente os fatos para o melhor entendimento da polêmica Turvam-se os horizontes, desenvolvida nos jornais A Imprensa e A Época. Tudo começou com a inspeção do coronel Cunha Matos a uma companhia de infantaria em Teresina, de que resultou grave acusação ao capitão Pedro Lima, amigo do deputado geral Coelho de Resende. Este, na câmara federal, ao defender ardorosamente o amigo, atacou o coronel Cunha Matos, taxando-o de traidor e covarde. O coronel retrucou pela imprensa, foi repreendido e preso por ordem do ministro da Guerra, mas atraiu para si a solidariedade e a simpatia dos oficiais do exército. O resto da história, no Brasil, é amplamente conhecido e desemboca na República. Instalado o imbróglio, Coelho de Resende volta ao Piauí antes do final da sessão legislativa, ocorrendo então o choque entre o novo e impetuoso redator de A Imprensa e o deputado conservador. Diz Higino Cunha que “Foi rude e tremenda a peleja, da qual, ainda hoje, não sei qual de nós dois saiu mais malferido”.18 Para não me alongar, destaco apenas que a palavra-chave dessa polêmica foi fuga – Higino apelidou Coelho de Resende de “deputado fujão”, enquanto este acusava nosso autor de fuga – porém, da senzala. Teresina – 1901-1902: O Arlequim e D. Pasquim. Não apenas de polêmicas políticas se alimentavam os escritores do passado. As disputas no campo simbólico também marcavam época, especialmente se somadas às desavenças 18 CUNHA, 1939, p. 43.
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pessoais e familiares. Higino Cunha gastou muitas páginas e muita tinta no intuito de minimizar os conflitos reais ou atribuídos à sua relação com o concunhado Abdias Neves. Em vão. O que prevalece na memória sobre eles é mais a disputa e a diferença que o afeto e a identidade de posições. Como diria Higino Cunha, apenas vou respingar nessa seara. No início do século XX, os “jovens turcos” – como foram apelidados Abdias Neves, Miguel Rosa, Antonino Freire e outros aspirantes à política – recém-formados e recém-chegados a Teresina, buscam penetrar e conquistar os espaços do jornalismo e do poder. Os seus sucessos, quase imediatos, foram de molde a suscitar reações, inclusive do veterano Higino Cunha. Não é o caso de referir ao extenso anedotário em torno dessas relações e desses fatos, mas de recordar uma polêmica de maneira exemplificativa. Seguiremos sobretudo Artur Passos em Abdias Neves: homens e eventos da sua época.19 Segundo Passos, as refregas e o mal-estar entre os dois teriam iniciado na formação do corpo redacional do Pátria, em 1901, jornal patrocinado pelos irmãos Anísio e Areolino de Abreu para enfrentar O Norte. Higino pretendera ser o redator-chefe do Pátria, o que não conseguiu. O caso teve sequência com os pretensos ciúmes de Higino Cunha suscitados pela leitura do original do romance Um manicaca, trazido de Piracuruca por Abdias Neves, que lá judicava. Lido o romance e reconhecido o seu valor, Higino não conseguiria mais disfarçar o seu despeito, tendo esse sentimento se comunicado inclusive às relações familiares, desde que os dois eram genros do coronel Manoel Raimundo da Paz.20 19 PASSOS, Artur. Abdias Neves: homens e eventos da sua época. Teresina: [s.l.], 1966. 20 Manoel Raimundo da Paz (Humildes, hoje, Alto Longá - PI, 1838 – Teresina - PI, 1923). Comerciante e político. Um dos fundadores da
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Qualquer que seja a natureza desses fatos, o malestar entre os dois está amplamente documentado em suas escritas jornalísticas. No jornal O Estado, cujo redator chefe era Clodoaldo Freitas, Higino Cunha publica ataque a Abdias Neves, sob o título D. Pasquim. A réplica aparece sob o título O Arlequim. Miguel Rosa, em 1915, no calor de sua polêmica com Higino Cunha que deu origem à série denominada Ódio velho, afirma que este, mesmo sem conhecer o romance, já desdenhava de seu merecimento e julgava mau do autor. Abdias, ignorando o que ocorria, lhe teria facilitado a leitura do manuscrito. Segundo Miguel Rosa, teria se operado em Higino uma transformação radical, pois este, ao compreender ser Abdias Neves um escritor vitorioso. “[...] passou a mover campanha contra Abdias Neves. Nem a intervenção do coronel Manoel da Paz, nem ao conselho dos amigos comuns atendeu [...]”.21 Mais adiante, a propósito dessa luta, Higino Cunha escreveu: Quanto ao Dr. Abdias Neves, é verdade que uma vez cortamos as nossas relações; não por ciúmes literários, que, graças a Deus, nunca tive de ninguém, mas por questões de imprensa política, justamente quando o Piauí teve que fazer frente, por meu intermédio, aos desmandos da Pátria. Mas isso passou há muito tempo, e as nossas relações foram reatadas na maior intimidade.22 Associação Comercial e o primeiro presidente da Junta Comercial do Estado. Conselheiro e intendente municipal de Teresina em várias legislaturas. Deputado estadual em seis legislaturas. Signatário das Constituições de 1891 e de 1892. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, tendo, nessa qualidade, assumido o governo do Piauí, com o falecimento de Anísio de Abreu, em 1909. Eleito vice-governador na chapa encabeçada por Antonino Freire em 1910. 21 PASSOS, 1966, p. 22. 22 CUNHA apud PASSOS, 1966, p. 22.
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O certo é que se houve algum interregno de paz entre os dois ao longo do primeiro quartel do século XX – tratava-se de uma paz armada. Entretanto, dos movimentos mais retumbantes e das polêmicas mais acesas e violentas da primeira década do século passado – envolvendo a Maçonaria e a Igreja Católica – conduzida pela Loja Caridade II e sob a direção de Miguel Rosa e Abdias Neves, Higino Cunha pouco participou, em virtude das desavenças políticas. Embora fossem todos palacianos ao longo dos governos sucessivos de Álvaro Mendes (1904-1907), Areolino de Abreu (1907-1908), Anísio de Abreu (1908-1909) e Antonino Freire (1910-1912), ou seja, entre 1900 e 1912, situavam-se em alas distintas do partido situacionista. A temperatura dessas polêmicas elevou-se mesmo foi no contexto da sucessão de Miguel Rosa, período de mais intensa disputa política no Piauí, com iminência de luta armada entre os partidários do governador e os de Eurípides de Aguiar. Antes disso, o tom das disputas já podia ser percebido na polêmica Ódio velho, de 1915. Higino Cunha escrevia no Correio de Teresina e Miguel Rosa no Diário do Piauí, subscrevendo a série Pelo gasnete. Vejamos o tom dessas relações. De Miguel Rosa para Higino Cunha: O Dr. Higino Cunha escreveu um artigo com citações em três línguas, para dizer duas simples coisas: que a nossa discussão não está à altura em que a quisera colocar e que ainda tem garras aduncas para ferir. [...] Se, portanto, há sujidade, imundície, nas nossas escritas a culpa não é nossa e sim do nosso contendor, que não pauta os seus atos pela moral e pela decência, pois, no seu pensar, não há honestidade de senhora que não ponha em dúvida; recato íntimo que não macule; honra de cavalheiro que não suspeite; reputação que não atassalhe; trabalho próspero que não maldiga; lar feliz que não atormente;
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mão amiga que não morda; amor sincero que não difame. O que dói no truão Passa-bem é a demonstração cabal de que ele não sabe coisa alguma, vive do alarde de conhecimentos que não possui, da pose de onisciência, é um literato de retalhos e um jurista de fancaria. [...] uma gralha enfeitada com penas de pavão. 23 (grifo do autor)
Ainda não satisfeito, Miguel Rosa suspende a série para publicar apenas uma nota: Fomos forçados a publicar hoje [25-11-1915], o artigo com que costumamos desancar o Dr. Higino Cunha, às quintas-feiras. É que pedimos para São José dos Matões a sua certidão de batismo, que pretendemos publicar, e o portador não regressou até a última hora.24
A essa nota revidou Higino Cunha: Não satisfeito com os desatinos já praticados, supõe ferir-me na minha filiação, como se eu fosse algum fidalgo desconhecido, descendente de pais desconhecidos. [...] Como consta de vários atos de minha vida, na minha certidão de batismo S.S. encontrará o nome de um menino ao lado do nome de sua mãe branca; nada mais. [...] Quando o Dr. Miguel Rosa publicar a minha certidão de batismo, há de consentir que façamos uma exposição de nossos filhos, a fim de ver quem os tem mais válidos, de olhos mais azuis e de cabelos mais louros.25
Entre os “desatinos” praticados pelo governador Miguel Rosa constam as demissões de Higino Cunha dos empregos públicos de Procurador dos Feitos da Fazenda e de lente do Liceu e da Escola Normal. Quanto à ameaça 23 ROSA apud PASSOS, 1966, p. 22-23. 24 ROSA apud PASSOS, 1966, p. 23. 25 CUNHA apud PASSOS, 1966, p. 23.
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da publicação da certidão de batismo, Miguel Rosa fizera o mesmo que Simplício Coelho de Resende em 1886 – chamara a atenção para a condição de filho natural e para as possíveis origens escravas da mãe de Higino -, daí sua resposta sugerindo a exposição dos filhos. Mesmo na velhice, Higino Cunha ainda tinha energia para refutar o que considerava acusações infundadas. No final dos anos de 1930 encontramo-lo a debater ardorosamente com o Pe. Cícero Nunes, então diretor do Colégio Diocesano, acerca de sua possível condição de comunista.26 UMA RELAÇÃO MUITO ESPECIAL: HIGINO CUNHA E ABDIAS NEVES Nos escritos do final da década de 20 e em suas Memórias, redigidas na década de trinta, após a morte de Abdias Neves, ocorrida em 1928, Higino faz uma avaliação de suas relações com seu colega bacharel e concunhado – desde que os dois eram casados, respectivamente, com Cristina e Corina – ambas filhas do coronel Manoel Raimundo da Paz, comerciante e político de muita influência em Teresina. Higino realça não apenas sua admiração pelo talento, pelo desassombro e pelas virtudes do autor de Um manicaca, como minimiza também as diferenças com Miguel Rosa. Essas afinidades reivindicadas se assentavam em especial nas formas de conceber o mundo, de praticar contra as opressões sociais e especialmente na recusa às tiranias religiosas, particularmente da Igreja Católica Apostólica Romana. Após realçar sua solidariedade de princípios e o respeito pessoal por Clodoaldo Freitas e Antonino Freire, 26 CUNHA, Higino. Caveant Consules.... . A Democracia, Teresina, ano 1, n. 23, p. 1, 15 out. 1937.
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Higino trata de Abdias e Miguel Rosa: Já não se deu o mesmo com Abdias Neves e Miguel Rosa, apoiados por Antonino Freire desde que apareceram na vida pública em 1902. [...] Solidário com eles algumas vezes, tive que enfrentá-los em revides pessoais e tristemente acrimoniosos [...]. Apesar dos choques passados e das polêmicas irritantes, os últimos anos dos [...] ilustres lutadores [...] constituíram um período de reconciliação e de entendimento amistoso de modo que o desaparecimento deles abriu um vácuo impreenchível nas tristezas irreparáveis da minha velhice cheia de saudades e de desilusões. Não esquecerei jamais as suas boas qualidades, especialmente o desassombro com que afrontavam os preconceitos dos elementos ingratos e retrógrados.27
É interessante observar que, se havia identidade e uma certa solidariedade decorrentes da formação comum e das perspectivas de ver o mundo, nem sempre as práticas aconteciam na mesma direção. Durante as duas primeiras décadas do século XX, enquanto Abdias Neves e Miguel Rosa se colocavam no centro das tempestades que abrasavam as relações entre a Igreja e a Maçonaria, Higino, desavindo com eles em política, não participava desses tumultos. Em 1906 representou o povo piauiense discursando na recepção do primeiro bispo do Piauí – dom Joaquim Antônio de Almeida.28 Em 1914, repetiu o mesmo gesto, sendo o orador oficial na acolhida ao segundo bispo do Piauí – dom Otaviano Pereira de Albuquerque.29 27 CUNHA, 1939, p. 54. 28 Dom Joaquim Antônio de Almeida (Rio Grande do Norte, 1868 - Rio Grande do Norte, 1948). Primeiro Bispo do Piauí, tomou posse em 12 de março de 1906, permanecendo na direção do bispado até 1911. 29 Dom Otaviano Pereira de Albuquerque (Canguçu-RS, 1866 – CamposRJ, 1949). Segundo Bispo da Diocese do Piauí, tomou posse em 2309-1914. Transferido para a Diocese de São Luís do Maranhão em 1922, onde foi o primeiro arcebispo. Em 1935 é transferido para a
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Apesar da extrema velhice, retoma o entusiasmo anticlerical e, às vezes, até antirreligioso, fazendo profissão de fé muito próxima do que ele considerava os mais sublimes ímpios da história – Voltaire, Tolstoi, Renan, conforme pode ser visto em seu famoso Testamento filosófico-religioso, capítulo de suas Memórias. Entretanto, como ele mesmo afirmava ao tratar da natureza do conhecimento científico, uma coisa é a abordagem geral, outra coisa é a consideração dos detalhes. Um procedimento geral não exclui o conhecimento do específico. Nos termos de Carlo Ginzburg, nada como observar as coisas mais de perto.30 UMA RESPOSTA AO O OCASO DO IDEALISMO Em novembro de 1912, Abdias Neves publicou no jornal Diário do Piauí artigo denominado O ocaso do idealismo,31 em que, retomando aquele entusiasmo juvenil que caracterizou o episódio da morte da metafísica, promovido em 1875 por Sílvio Romero, episódio de longa e persistente memória – igualmente sugere a morte da poesia, do idealismo que lhe serviria de substratum, bem como do heroísmo. O que deveria ser apenas mais um artigo produzido ao correr da pena suscita entusiasmada resposta de Higino Cunha em série publicada, a partir da semana seguinte, no mesmo jornal, sob o título O idealismo filosófico e o ideal artístico. Em 1913, os artigos, já aprofundados e Diocese de Campos (RJ), com o título honorífico de Arcebispo. Foi vigário-geral de Porto Alegre (RS) e de São Paulo (SP). 30 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 31 NEVES, Abdias. O ocaso do idealismo. Diário do Piauí. Teresina, ano 1, n. 254, p. 1, 21 nov. 1912.
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tornados em primoroso ensaio, são publicados em diferentes números da revista Litericultura. No segundo semestre desse mesmo ano, aparece o folheto com o mesmo título, de longa repercussão nas letras piauienses.32 Como vimos anteriormente, Higino e Abdias andavam a essa época desavindos em política. Pelo esforço que o primeiro despendeu para refutar, nos menores detalhes, as teses de Abdias, as desavenças iam além, e aquela solidariedade de pensamento algumas vezes reivindicada, de fato não se sustenta a partir de uma análise microscópica. Antes de passarmos à análise dos pontos principais enfrentados pelos dois autores, deve ser observado que Higino escreveu, nesse ano de 1912, e reformulou no ano seguinte, as séries mais gerais, amplas e complexas de seus escritos – O idealismo filosófico e o ideal artístico, a série Proteção aos animais e o ensaio A nudez e o vestuário: na ciência, na filosofia e na arte, que trazem vários aspectos comuns. Por enquanto, importa considerar que a chave principal de seu pensamento e que organizava a leitura dessas questões complexas e gerais era a do deslocamento dos saberes e, para ele, a falência do cientificismo. No meio de todas essas transformações profundas que constituem o balanço total da civilização na referida época, a ciência foi um dos magnos fatores, como já fizemos ver noutro capítulo. Mas, a embriaguez das suas conquistas a envaideceu demais, esquecendo a obra do passado, afidalgou-se na vertigem do poder, renegou a sua parentela, quis empunhar o bastão do mando supremo e, como os antigos déspostas, quis destruir os seus próprios irmãos para não lhe fazerem sombra. ‘Supôs que estava só, que tudo se lhe devia, e que, 32 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Teresina: Imprensa Oficial, 1913.
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oh! pretensão! Havia de se vingar de muitas de suas auxiliares – matando-as. Daí estes passamentos decretados à filosofia, à arte, à religiosidade [...], à literatura às vezes, e, quase sempre, à poesia.33
O embate entre Higino Cunha e Abdias Neves ocorre em torno das concepções filosóficas e científicas que buscam explicar e dar formato ao mundo, bem como relativamente às partilhas de poder entre as diferentes disciplinas – antigas e novas e suas realocações no campo simbólico. Assim, estão no centro do debate as tensões e disputas entre os materialismos e as formas de historicismo, com todos os desdobramentos sobre as concepções correntes de ciência, de arte, de religião e de crenças, no sentido mais amplo dos termos. Comecemos pelas questões centrais enfrentadas por Abdias Neves em seu artigo O ocaso do idealismo. Numa síntese ligeira, é possível indicar os aspectos essenciais de sua argumentação. Ele aponta a morte da poesia enquanto forma métrica e rítmica que a imaginação realiza, considerando-a sobrevivência do homem préhistórico; afirma que a artilharia moderna matou o heroísmo e que o peito dos lutadores estaria agora reservado para as medalhas; realça o domínio do lado real da vida e o utilitarismo como a corrente mais seguida; considera como passada a época dos devaneios e dos sonhos, aditando que a observação e a experiência conduziram as criações metafísicas para a noite do passado, arrastando com elas antigos conceitos, doutrinas, crenças, religiões e deuses; que se assiste à morte do ideal, o que poderia ser provado pelo desprezo dos homens práticos pelo verso, tornado privilégio 33 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 3, 30 set. 1913, p. 143.
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dos moços; registra-se o crepúsculo da arte; o catolicismo enfraquece, ressentindo-se da nova situação; desaparece a ânsia do infinito; o homem procura a felicidade em si; que vence a matéria. E conclui: “Não é [só] a poesia que morre. É o idealismo que se extingue, depois de ter sido uma fonte secular de consolações e de esperanças. Não somente o verso desaparece. Desaparece tudo o que o idealismo alimentou”.34 Higino Cunha escreve o seu livro mais erudito para rebater, ponto a ponto, argumento a argumento, as ideias de Abdias Neves. Para cada discordância, um aprofundamento a partir dos autores mais festejados entre os estudiosos da época e a defesa de um argumento central – o saber científico, contingente e falível, apenas roça a superfície dos acontecimentos e o incognoscível corresponde quase à totalidade do ser do mundo e dos homens. Ao realçar os limites do conhecimento científico e da razão para a compreensão de quase tudo, considera: “Os nossos conhecimentos sobre o mundo objetivo nos parecem imensos e importantíssimos; contudo, não passam de uma insignificante nesga do véu que encobre a natureza das coisas”.35 Pela impossibilidade de resenhar tão complexo conjunto de objeções, apenas apontarei as noções gerais trazidas pelo autor para estabelecer sua diferença quanto a Abdias Neves. Claro que se trata apenas de instigar o leitor a reconhecer a pertinência e a atualidade do tema, quando outra vez os embates em torno da razão e de seus limites desafiam os estudiosos das mais distintas disciplinas. 34 NEVES, Abdias. O ocaso do idealismo. Diário do Piauí. Teresina, ano 2, n. 254, 21 nov. 1912, p. 1. 35 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, ano 2, v. 4, 31 ago. 1913. p.109.
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Desdobremos, pois, os temas, para realçar a distância entre os dois autores. DO PONTO DE VISTA DA FILOSOFIA Higino critica o apego de parte da intelectualidade brasileira ao positivismo comtiano, que considera um materialismo disfarçado e que teria sido recusado pelo próprio Comte na segunda fase de seu pensamento, quando cria a religião da humanidade. Ao referir-se à dualidade filosófica que vem da noite dos tempos, aparecendo sob as formas do realismo e do idealismo, em suas várias manifestações e distintas nomeações, situa-se como partidário do idealismo filosófico, oposto a todo sistema cujo princípio seja a matéria – seja nomeado realismo, ou materialismo, ou positivismo ou mecanicismo. Posicionase como tributário do idealismo moderno vindo de Descartes, porém não na corrente empiricista, baseada na crítica dos dados sensíveis, e sim na corrente racionalista, também denominada espiritualismo concreto ou monismo, defendidas por Schopenhauer, Hartmann, Noiré, Alfredo Weber e muitos outros pensadores da segunda metade do século XIX. Aproxima-se dos germanistas brasileiros Tobias Barreto, Artur Orlando e Sílvio Romero, todos discípulos de Kant, através de Schopenhauer e Hartmann. A concepção monista por eles defendida é a que Tobias denomina monismo filosófico, para a qual existe uma realidade superior aos átomos, cujo jogo constitui a vida universal: o bem, o justo, o ideal. Segue a linha de Schopenhauer que admite: “A vontade, como princípio das coisas, jaz adormecida na rocha, desperta na planta, desenvolve-se plenamente no homem”. Essa concepção, apoiada também em Spinoza, é reforçada pelas descobertas da Física, da Química e da Biologia. As teorias evolucionistas de então radicalizam a ideia de unidade do homem e da natureza, reforçando o princípio da
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cadeia dos seres, tão caro não só aos panteísmos em vigor, como às emergentes ideias ecológicas e de proteção aos animais. Dessa forma, Higino coloca Abdias Neves como materialista e se identifica como idealista. DO PONTO DE VISTA DA RELIGIÃO Higino Cunha compartilha posições de Sílvio Romero, para quem a religião tem a mesma importância que as outras criações humanas e sustenta a perenidade do ideal religioso. Acompanhemos Sílvio Romero: [...] Eça [de Queiroz], ao que parece, considera a religião como a criação matreira de padres velhacos. Penso por modo diverso, modo inspirado nas longas leituras que pude fazer da crítica mítica ou religiosa, nas páginas de Max Muller, Calani, Reuss, Michel Nicolas, Réville, Scherer, [...], Renan, [...] e tantos outros. Depois, a teoria das criações fundamentais e irredutíveis da humanidade veio demonstrar-me que a religião, produção normal de profundos impulsos da alma humana, é tão digna de respeito quanto a ciência, a moral, o direito, a arte, a sã política, nas suas inspirações superiores. Que se diria de um poeta, de um romancista, de um dramaturgo, de um artista, que viesse, à face da humanidade, sempre reverente diante dos grandes gênios seus benfeitores, chasquear de um Platão, de um Aristóteles, de um Descartes, de um Newton, de um Kepler, de um Leibniz, de um Kant, de um Dante, de um Milton, de um Shakespeare, de um Byron, de um Beethoven, de um qualquer dos mais sublimes gênios da política, da filosofia, da ciência, da arte, das grandes invenções, de todos esses que têm servido ao homem para mitigar-lhe o caminho de dores? Meteria horror! Pois bem, não vejo motivo para se abrir exceção contra os eminentes criadores de religiões, almas de escol, que têm consolado e embevecido a humanidade, no correr dos séculos: um Moisés, um Buda, um Confúcio, um Zoroastro, um Cristo, um Maomé, um Lutero.36 (grifo do autor) 36 ROMERO apud CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal
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DO PONTO DE VISTA DO IDEAL A escrita de Higino Cunha, de uma perfeição lógica invejável, começa quase sempre com a definição dos termos. Ao responder a Abdias Neves, mesmo considerando a largueza de certos conceitos, como idealismo e ideal, não deixa de enfrentar a questão: Não há palavra menos definida do que o ideal. No entanto, procuraremos dizer algo dele. O ideal na arte é o conjunto abstrato das perfeições, de que se faz ideia, mas que se não pode atingir completamente, o modelo ideado ou sonhado pela fantasia do artista ou poeta.37
DO PONTO DE VISTA DO HEROÍSMO Respondendo ao argumento de Abdias Neves de que a ênfase moderna no material, no utilitário e no individual teriam decretado a morte do heroísmo, Higino afirma que, ao contrário, mesmo na civilizada Europa a conquista da paz universal parecia muito distante e os países imperialistas eram verdadeiros acampamentos. A situação mundial seria de paz armada. De outro lado, considerava que o heroísmo não era apenas o guerreiro, mas igualmente o da luta ingente e cotidiana pela sobrevivência, especialmente entre os humildes. Para ele: [...] os símbolos da civilização moderna não são o Coliseu, nem a catedral de São Pedro, em Roma, e sim o museu de South-Kensington, com a máquina de Watt e a locomotiva de Stephenson; o gabinete do sábio; o atelier do artista; o escritório do jurisconsulto, onde se doutrina o povo sobre os seus direitos e deveres.38 artístico. Litericultura. Teresina, ano 2, v. 3, 31 maio 1913. p. 258. 37 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, ano 2, v. 3, 31 maio 1913. p. 259. 38 CUNHA, 1913, p. 267.
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A despeito do ideal de paz da ciência, “até à conquista da paz universal, o heroísmo guerreiro seria uma necessidade e uma virtude gloriosa”.39 DO PONTO DE VISTA DA CIÊNCIA Nesse aspecto, argumenta segundo duas ordens de fatores. Por um lado, reconhece a importância, o significado e a constituição das diferentes disciplinas no século XIX – dito por ele, o século das luzes. Por outro lado, critica o exclusivismo do saber científico, chamando a atenção para a limitação, a contingência desse conhecimento e para o resíduo desconhecido – o incognoscível – que é o quase tudo do saber sobre o homem e a natureza. Acompanhemos sua argumentação: De todos os apelidos que se tem dado ao século XIX, o que mais lhe assenta, como característica eminente, é o de século das luzes, ou das ciências, pois os seus triunfos nos domínios do saber, com as suas insignes descobertas e múltiplas aplicações, o assinalam como único no decurso da história da civilização. Algumas ciências, esboçadas apenas anteriormente, constituíram-se de modo definitivo; outras surgiram dos escombros das velhas doutrinas, ou dos materiais acarreados; as indústrias tomaram impulso inusitado; perlustraram-se os céus; percorreram-se as camadas da terra e as profundezas dos mares; encurtaram-se as distâncias e o tempo; tudo num renovamento contínuo, febril e incoercível. [...] surgiram espíritos reformadores, procurando arquitetar novas teorias e sistemas, colimando novas instituições do mundo e da sociedade. Tudo foi revolvido e esmerilhado na busca do melhor. A lei da evolução completou o arsenal das armas de combate para a demolição e reconstrução de tudo.40 39 CUNHA, 1913, p. 267. 40 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 3, 30 abr. 1913, p. 232-233.
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Entretanto, acrescenta, trata-se de uma atividade humana. A arrogância do cientismo e dos cientistas e o arroubo dos materialistas não tem razão de ser, pois: Nós não conhecemos o mundo externo e o nosso próprio corpo senão pelas sensações que deles recebemos, através dos nossos fracos e falíveis sentidos. A essência, a coisa em si, a substância do mundo, tem sido e será sempre o enigma supremo, o eterno incognoscível.41
Ao criticar o apego aos fatos, recorre a Claude Bernard, a Louis Pasteur e a Charles Darwin, prescrevendo o uso das ideias e das hipóteses, dando livre curso à imaginação, pois a ideia é o princípio de todo raciocínio e de toda invenção. Que é uma hipótese científica? Logicamente é uma indução não verificada, uma antecipação divinatória na explicação dos fatos, uma generalização que excede o acúmulo empírico dos mesmo fatos. É um produto da imaginação criadora, que não pode ser banido do espírito humano, essencial ao método experimental. Para que se fazem experiências senão para verificar uma ideia preconcebida, uma hipótese? Os grandes sistemas filosóficos, assim como as religiões, são hipóteses sobre a origem e o destino do homem e do universo. [...] As intuições de verdade científica são ‘iluminações interiores’, como dizia Faraday, ou ‘vistas interiores’, insights, como dizia Carlyle, só próprias do gênio, tão necessário às artes como à ciência.42
Define ciência como: [...] um conjunto de afirmações, [...] conhecimentos relativos aos fenômenos da natureza. O espírito humano estuda o universo 41 CUNHA, 1913, 231-232. 42 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 4, 31 ago. 1913, p. 110-111.
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por partes distintas, verificando as causas dos fenômenos e formulando as leis segundo as quais eles se produzem no espaço e no tempo. Esse trabalho se efetua segundo um sistema especial de instrumentos, regras e processos (métodos) estudados na lógica. Todas as ciências têm um fundamento comum e um alvo idêntico: o estudo da natureza, inclusive o homem, e a descoberta das suas leis, em proveito da humanidade.43 (grifo do autor)
Ao expressar suas próprias discordâncias quanto à incompatibilidade suposta por Abdias Neves entre a poesia e a ciência, Higino Cunha adita aos seus próprios argumentos observação que ele considera curiosa: a de que os detratores das artes e especialmente da poesia não são os cientistas profissionais, nem os verdadeiros filósofos e sim alguns materialistas míopes do mecanicismo puro, que ele vê como uma falsa doutrina. Os verdadeiros naturalistas, como Humboldt e Spencer consideram os ideais da verdade, da beleza e da virtude como as três deusas da nova religião monista. Para eles, as manifestações morais, estéticas e religiosas seriam as mais nobres qualidades do espírito humano. DA (IN)COMPATIBILIDADE ENTRE A CIÊNCIA E A RELIGIÃO Higino Cunha refere-se ao episódio da morte da metafísica com que Sílvio Romero, em seu concurso na Faculdade de Pernambuco assombrou os doutores da velha escola do direito natural. Supunha bastante viva e forte a metafísica enquanto crítica do conhecimento, tributária de Kant, e vista como “explicação do mundo e do homem que 43 CUNHA, Higino. Ciência e religião. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 4-5, 30 nov. 1913, p. 231.
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não se limita ao puro empirismo ou que remonta às causas primárias e finais”.44 E continua, em concordância com Sílvio Romero, para quem: [...] A religião em todos os tempos, ontem como hoje, não foi em essência outra coisa mais do que o peculiar estado da alma diante do desconhecido, o ponto de partida de todas as coisas, das origens do universo e de seu ulterior destino, tudo isto em face do acanhado dos nossos conhecimentos, que não podem prender em uma fórmula a imensidade dos fatos e nem sufocar o surto do sentimento diante do infinito, qualquer que seja o conteúdo que se possa ou deva dar a este conceito. Enquanto houver uma falha na explicação geral do universo, uma lacuna na ciência e uma interrogação sem resposta definitiva diante do homem, ele há-de ser um animal religioso; porque em sua alma tem de haver até lá a vibração específica das emoções que constituem a religiosidade.45
A morte das religiões não era tema de interesse apenas de Abdias Neves. Outros pensadores mundiais já davam por morta todas as religiões, entre eles, Augusto Comte, em sua primeira fase, o que não o impediu de fundar, depois, a religião da humanidade; Vacherot, em La religion, de 1869; David Strauss, em A velha e a nova fé, de 1874; e Marie Jean Guyau, em L’irreligion de l avenir, de 1887. Farias Brito, no Finalidade do mundo, de 1894, repisou nos mesmos conceitos. Para ele: Não há religião presentemente no mundo. Passou a época das convicções e dos grandes entusiasmos! Já não há possibilidade de, no seio do cristianismo e por fatos de crença religiosa, reproduzirem-se cenas de martirologia, como na época da fundação da Igreja, nem a inquisição poderia de novo acender 44 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura, Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 3, 30 abr. 1913, p. 235. 45 CUNHA, 1913, p. 237.
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suas fogueiras, porque já não encontrará mais apoio na ignorância e na fraqueza das multidões.46
O que Higino Cunha fazia era insistir sobre o mistério das coisas: O fundo, a substância do ser, foi, é e será o eterno mistério. É o mistério metafísico, o noumeno de Kant, a lei de substância de Haeckel, o incognoscível de Spencer, o enigma supremo, para o qual tendemos fatalmente, sem nunca podermos alcançalo em toda a sua plenitude. É o alvo de todas as ciências, o fundamento de todas as religiões, o domínio fugidio e inatingível do ideal.47
A irredutibilidade desse mistério era o que alimentava a filosofia, a poesia e a religião. Todas três tem por objetivo final o ideal e o divino: mas uma, a filosofia, persegue esse fim pelo exame e a livre reflexão; a religião pela fé; a poesia pela imaginação e a ficção. O filósofo pensa; o homem pio vê e adora; o poeta canta e sonha; mas é um mesmo sopro, um mesmo Deus que os anima e conforta.48 Este conforto buscado se fazia necessário em virtude da fragilidade do homem frente ao mundo. Afinal, para ele, crítico também do iluminismo teleológico, com seus exageros racionalistas, “a história [era] como uma teia inconsútil, cujas tramas se fixam incessantemente, sem princípio e sem fim”.49 E para concluir, guardemos uma imagem que seria do agrado do velho Mestre, produzida pelo ativista alemão Karl 46 BRITO, Raimundo de Farias apud CUNHA, 1913, p. 238-239. 47 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 4, 31 ago. 1913, p. 109. 48 CUNHA, 1913. Os grifos são de Higino Cunha. 49 CUNHA, Higino. O idealismo filosófico e o ideal artístico. Litericultura. Teresina, Imprensa Oficial, ano 2, v. 1, 31 jul. 1913, p. 13.
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Liebkhecht: “Quem não tem visto, em um dia de outubro, diante de si, um branco nevoeiro? Vamos-lhe ao encontro, e ele foge de nós; se olhamos para trás, vemos que ele nos precede. A verdade é que estamos dentro do nevoeiro”.50
50 LIEBKNECHT apud CUNHA, 1913, p. 13.
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LANÇAMENTO DE LIVROS
PRIMAVERA E OUTONO Armando Gomes da Silva*
É
com indizível prazer que este modesto autor se encontra diante de tão seleto auditório para lançar o seu livro de poesia Primavera e Outono, mas não sem antes agradecer, com a mais viva emoção, ao Dr. Reginaldo Miranda, dedicado presidente desta Veneranda Casa de Lucídio Freitas, por proporcionar-lhe a honra deste evento, ao acadêmico e Juiz de Direito da Comarca de Regeneração, Dr. Elmar Carvalho, pela generosidade de suas palavras de apresentação, bem como ao amigo de longa data William Palha Dias, infelizmente acometido de grave enfermidade (daí a razão de sua ausência), à irmã Alcinda de Castro Gomes e ao genro Nelson Freire Penteado por terem *
Bacharel em Direito, escritor e bancário (aposentado). A obra foi apresentada pelo acadêmico José Elmar de Mello Carvalho.
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escrito a primeira e a segunda orelhas, respectivamente, aos familiares presentes e às pessoas amigas que aqui vieram prestigiá-lo. Era propósito do autor homenagear a esposa ofertando-lhe a edição deste livro na solenidade comemorativa das Bodas de Diamante de casamento, porém problemas com a editora inviabilizaram a concretização desse desiderato. Os poemas que compõem Primavera e Outono foram escritos em duas fases distintas de sua vida. A primeira parte foi na juventude, nos idos de 1948/9, aos 23/24 anos de idade, exceto o soneto Primavera, em virtude do título dado posteriormente ao livro. São poesias de uma época em que se apaixonou pela bela jovem Rosicler, depois esposa e mãe de seus filhos. Foram escritas para conquistar o coração da mulher amada, e se não fora terem sido por ela guardadas sem dúvidas estariam hoje irremediavelmente perdidas. A descoberta dessas poesias e um sonho recitando lindos poemas levaram o autor, aos setenta anos de idade, a escrever poesias novamente, razão pela qual deu ao livro o sugestivo título de Primavera e Outono, termos que simbolizam a mocidade e o entardecer de nossa existência. O livro é na sua essência uma declaração de amor à sua eterna musa. Boa parte das poesias da segunda fase foi escrita na antessala de consultórios médicos, inclusive algumas do livro Regeneração, cujo lançamento tive a honra de fazer neste mesmo auditório. Na ocasião, o consagrado beletrista conterrâneo Manoel Paulo Nunes, em seu discurso de apresentação do livro São Gonçalo de Amarante, de autoria de Reginaldo Miranda, atual presidente deste Venerando Sodalício, também lançado na mesma solenidade, declarou: “é uma pena que o Armando tenha resolvido revelar-se tão tardiamente”.
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Realmente é verdadeira a sua declaração. Ao se aposentar definitivamente, para não ficar ocioso, dedicouse o autor à filatelia e à pesquisa da árvore genealógica da importante família cajazeirense Cartaxo, à qual pertence sua esposa, trabalho que terminou com a publicação do livro Cartaxos: Origens e Ramificações. Em verdade, não pretende parar por aqui, pois a pedido de seus filhos já está com outro pronto, faltando apenas a capa, no qual narra as aventuras vivenciadas por ele, sua esposa e filhos em viagens de automóvel pelas perigosas e poeirentas estradas brasileiras, principalmente no Nordeste, pavimentadas de piçarra, ou mesmo naturais, pois naquele tempo não existiam estradas asfaltadas. Ao tomar conhecimento de que Amarante, cidade que possui o mais importante acervo cultural do Piauí, se acha ameaçada de ser tragada pelas águas de uma represa, lembrou-se de que talentoso escritor e acadêmico Pedro da Silva Ribeiro havia vivenciado o drama de ver sua terra natal ser coberta pelas águas represadas pela barragem da Boa Esperança, achou ser a ocasião propícia para incluir o seu poema Vento Geral em Primavera e Outono. Felizmente, apesar do querido torrão do amigo Pedro não mais existir, ficou para sempre imortalizado nas comoventes páginas de seu livro Vento Geral, por isso torço para que Amarante, no futuro, não seja lembrada apenas na literatura e em fotografias. Ao ler o referido livro fiquei tão emocionado que resolvi dedicar-lhe o poema citado, que nada mais é do que um resumo do seu magnífico trabalho. Muito em breve espero estar novamente nesta acolhedora Casa, agora para lançar Memória de um Sobrevivente, em prosa.
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COLABORAÇÃO
ODILON NUNES, O CONSTRUTOR DA HISTORIOGRAFIA PIAUIENSE M. Paulo Nunes*
A
o assumir a presidência da Academia, após a morte de Arimathéa Tito Fº, que nela demorara 22 anos, mediante a solene aclamação dos confrades, andei à cata de papéis velhos, em seu arquivo documental, de interesse da administração da Casa, e deparei-me com um estudo manuscrito do acadêmico Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, intitulado Os poetas e a ascensão de Amarante, fazendo-o publicar na Revista da Academia que havia sido reativada sob feição nova, em nossa gestão. Nele é traçado o quadro da ascensão cultural da cidade *
Crítico literário e escritor. Membro e ex-presidente da Academia Piauiense de Letras. Desde 1992, preside o Conselho Estadual de Cultura.
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de Amarante, em consequência de seu desenvolvimento econômico e social, na época, como porto fluvial ligado ao comércio exterior. (Nº 53. Ano 1978. pp.203-217). E é a ele a que me reporto, no início dessas considerações sobre a obra ímpar de Odilon Nunes. Foi nesse ambiente de desenvolvimento material e espiritual que veio ao mundo, a 10 de outubro de 1899, o insigne historiador Odilon Nunes, segundo dos filhos de Gil José Nunes e D. Presilina Liberalina do Bonfim Nunes, com o mesmo nome, pois era comum entre nós, naquele tempo, repetir-se o nome do filho morto. Cria-se assim num ambiente intelectual, onde se ouvem as histórias do mundo exterior, uma vez que seu pai, a quem ele dedica seu livro básico, Pesquisas para a História do Piauí, era pessoa cultivada e amante da história, conforme ele declara, no volume inicial de sua obra: “À memória de Gil José Nunes, um afeiçoado à História e à Geografia. Gratidão do autor, cujos estudos têm origem no convívio do progenitor, que incitou o filho ao amor à terra piauiense”. Estava ele imbuído, isto posso assegurar-lhes, do compromisso com a verdade histórica, fazendo da história uma ciência de aplicação, segundo o entendimento do pai da moderna historiografia portuguesa, Alexandre Herculano. De par com a preocupação de ressuscitar “o viver e o crer das extintas gerações”, conforme a lição do autor da História de Portugal, assume ele, desde o início de seu itinerário de historiador, o compromisso indesviável com a verdade histórica, indo persegui-la, de forma beneditina, no mais recôndito documento dos arquivos, conforme o declara na Introdução ao 3º volume de sua obra, que tem como subtítulo Subsídios para a História da Balaiada, o que vale para toda a obra. “Propusemos-nos então a estudar essa página de nossa
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história...” “Era opulento o manancial, quase todo inexplorado. Conduziunos, então, o propósito de abandonar, no possível, a erudição originada na bibliografia impressa, e coordenar nosso trabalho com erudição baseada naquelas fontes primitivas, em grande parte desconhecida dos pesquisadores, ainda oculta na poeira dos arquivos. Pretendíamos fazer investigação meticulosa, porque, como diz Guilherme Bauer, sondar a verdade e só a verdade constitui a finalidade que o historiador há de pôr diante de sua vista.”
A seguir, num pré-julgamento sobre aquele discutido episódio de nossa história, vem uma confissão de humildade que tanto o dignifica como historiador probo e consciencioso: “Éramos da corrente de Calógeras e víamos nos BALAIOS ‘uma malta de desordeiros, criminosos fora da lei, réus de prisão, ladrões de gado e de cavalos”. “Apesar da opinião que tínhamos a respeito daquela época, no manuseio e concatenação daquelas peças escritas há mais de século, vimos logo em nosso juízo flagrante injustiça”. “Tivemos então que ingressar no terreno da análise dos documentos e, em procura do que preceitua Guilherme Bauer, interpretá-los, fazer sua síntese, ‘sentir e pensar a grandeza e humildade dos personagens’, pois, em verdade, como diz José Honório Rodrigues, ‘a objetividade histórica não consiste em contemplar a vida dos povos sem pestanejar, de coração frio’. A história é também juízo, e tanto um como outro, pela sua significação e pelo seu valor, inseparáveis da verdade”.
Quanto ao problema do estilo, em Odilon Nunes, é bom que fique de já esclarecido um assunto bastante equívoco em sua obra, o de que ele não teria estilo literário. Pura balela. Odilon era detentor de um estilo literário próprio. Talvez não pomposo e elegante, mas um estilo que convinha ao seu tema: seco, escorreito, despido de louçanias
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e galas inúteis, mas um estilo. Talvez em sua modéstia, que era incomensurável, ele próprio tenha contribuído para isto, ao dizer que não tinha no que escrevia preocupações literárias. A mesma coisa disseram, por muito tempo, os detratores de Euclides da Cunha, ao afirmar que o seu estilo era cheio de voltas como cipó. Acho que foi o malévolo Carlos de Laet, cascavel de adro de igreja, como dele disse Agripino Grieco, quem espalhou essa perfídia. Em uma conferência que proferi sobre Canudos, no centenário daquela tragédia, procurei demonstrar o contrário, transcrevendo, inclusive, passagens épicas da descrição daqueles combates feita por Euclides em Os Sertões, que lembram o melhor dos grandes historiadores e poetas clássicos, como Heródoto e Homero. Nada de estilo cipó. Mas estilo sublime, eloquente, uma coisa das mais dignas de se ler e sentir-lhe a beleza imperecível. Euclides aí ficou em sua grandeza, bela e transcendental, como uma figura marmórea em nossa história política e social. E os seus detratores, com certeza terão ido para o inferno, que é lugar dos que cometem pecados sem remissão. Odilon Nunes possui uma obra historiográfica bastante vasta, toda ela, entretanto, convergindo para a sua obra básica, seminal, que é Pesquisas para a História do Piauí. As Pesquisas, publicada em 4 volumes, constituem relato pormenorizado de toda a história do Piauí, desde as origens até a administração de Vitório da Costa, no final do século XIX. Deixou o nosso historiador o último deles inédito, sob a forma de notas inaproveitáveis, ao que suponho, conforme as tentativas feitas recentemente para restaurá-lo. No primeiro, são tratados a pré-história e os primeiros contatos com a terra; os primórdios da colonização e os primeiros currais; os primeiros governos; e a oligarquia
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indígena contra os delegados de El-Rei. O segundo trata da independência no Piauí e no Maranhão e as manifestações republicanas. O terceiro é dedicado exclusivamente à história da Balaiada, culminando com o estudo sobre o Visconde da Parnaíba. O quarto, finalmente, contempla as lutas partidárias na Província, a busca da organização do Estado, escola e trabalho, a mudança da capital, transportes e comunicações, fontes econômicas, a guerra do Paraguai e seus reflexos na Província, a Abolição, a catequese e as tentativas de colonização, as condições sanitárias, a educação e a cultura, e a administração de Vitório da Costa. Constitui ela assim um painel magnífico de nossa história, traçado com abnegação, descortino e um grande amor à terra. Não iremos respigá-los todos, aqui e agora, que o tempo não comporta. Apenas diremos que os aspectos mais significativos dessa história foram pelo autor estudados exaustivamente, quais sejam, a grande contribuição popular na construção de nossa história, a presença marcante dos jesuítas, a significação política e social da “Balaiada”, a figura do Visconde da Parnaíba, Manuel de Sousa Martins, admiravelmente retratada no romance de José Expedito Rego, Né de Sousa, as lutas pela independência e o heróico episódio da batalha do Jenipapo, em suma, nossa terra e nosso destino aí estão retratados com mão de mestre. Possam estas belas páginas resgatar a nossa terra de tantos sofrimentos, injustiças, misérias e tribulações. Em seu discurso de posse em nossa Academia, modelo de humildade e de devotamento à nossa historiografia, declara, ao significar a tarefa daquele beneditino cultor da ciência de Estrabão: “Mas permiti ainda que vos diga, se ao estudo da história do Piauí se dedicou, foi a necessidade sentida de assentamento de bases documentais na elaboração de nossa historiografia, e
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também de revisões a serem feitas, não somente sob o ponto de vista interpretativo, mas sobretudo sob o ponto de vista factual. ‘Já o dissemos, a história é ciência, e seu material de exame é o documento, e este nem sempre aparece em nossa historiografia ainda em formação, e se aparece, quase sempre não traz a fonte originária, imprescindível à frontação documental dos desvios, sob o aspecto interpretativo e factual. Foi o que procuramos fazer”. ‘Contudo, sempre julguei meu trabalho literário um trabalho de sapa, e assim foi, eu o sentia, quando na poeira dos arquivos. Não posso, entretanto, sopitar os frêmitos da vaidade, ao proclamar que me sentia engrandecido como os faiscadores das grupiaras que buscavam seu enriquecimento nas fraldas poeirantes das montanhas. ‘Buscava eu também, nos escaninhos arquivais, preciosas jóias documentais, na esperança de valorizar a história de minha terra, e restabelecer em plenitude as tradições de minha comunidade, de tanta beleza e encantamento”.
Odilon Nunes teve vida ativa e longa, falecendo aos 90 anos incompletos, a 22 de agosto de 1989, em completa lucidez, já viúvo, uma vez que sua esposa, a dedicada D. Maria, desaparecera alguns anos antes. Em 26 de maio de 1984, participou da inauguração da Casa “Odilon Nunes”, em Amarante, para onde fez transportar sua biblioteca, talvez o único bem material que lhe restou em vida. Norberto Bobbio, insigne pensador italiano, em seu livro de memórias – O Tempo da Memória, afirma: “... Tive a oportunidade de repetir mais de uma vez que a história das ideias e a história política não correm paralelas. Há momento em que as ideias precedem, outros em que vêm depois. Para usar duas célebres metáforas hegelianas, algumas vezes a filosofia é como o canto do galo que anuncia aurora, como nos anos que antecederam a Revolução Francesa, e outras vezes, em uma era de restauração, é a coruja de Minerva que surge com o crepúsculo.” (Cf.ob. cit.,p.115)
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A obra de Odilon Nunes é para todos nós piauienses, como o canto do galo que anuncia a aurora, da metáfora de Hegel. Espero que nós outros sejamos dignos dela. Assim seja.
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FELISMINO WESER: O MAGISTÉRIO COMO VOCAÇÃO E MISSÃO* Celso Barros Coelho**
“O sábio é coerente em tudo o que diz respeito à perfeição, o que justifica sua fama”. (Baltasar Grancián)
P
oderia ocupar-me da personalidade de Felismino Freitas Weser numa visão puramente sentimental, ligando o seu lado humano e familiar aos momentos em que se projetava como um Este trabalho foi inserido, originariamente, no livro Professor Felismino Weser. Educação como missão e vocação, de autoria de Maria Leonília de Freitas, Francisco Antonio Freitas de Sousa e Francisco Newton Freitas. Editora Zodíaco, 2009. ** CELSO BARROS COELHO – Advogado. Do Instituto dos Advogados Brasileiros. Professor da Universidade Federal do Piauí. Procurador Federal. Membro da Academia Piauiense de Letras e de outras instituições culturais. *
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homem dedicado ao cultivo da amizade dos que se colocavam ao seu lado. Fui um deles, pois a ele devo os primeiros passos em minha carreira de professor, para mais tarde ligar-me à sua família, na condição de genro. Após haver ele fundado o Ateneu Piauiense, onde iniciaria, em Teresina, a sua grande missão educativa, surgiram incompatibilidades pessoais que o levaram a se desligar da instituição. E como a vocação irresistível era continuar no cumprimento daquela missão, fundou o Colégio Demóstenes Avelino, numa iniciativa pioneira com a instalação, no Estado, do curso noturno, a que os estudantes menos favorecidos teriam acesso. A esse colégio foi anexada mais tarde a Escola Técnica de Comércio do Piauí. A iniciativa foi bem sucedida. Dentro em breve o colégio tornou-se um dos principais estabelecimentos de ensino do Estado, atraindo grande número de alunos. Foi aí que me acolheu como professor, pois, saído do Seminário Menor de Teresina, a ele fui levado por convite de seu principal auxiliar e professor, Amandino Teixeira Nunes, do qual os organizadores deste livro colheram rico e significativo depoimento. Assim, a oportunidade de ali ingressar devo-a a esse velho amigo. E dali para diante minha dedicação ao magistério foi constante, pois se estendeu até os dias finais em que o colégio encerrou suas atividades, já quando o seu diretor, Professor Felismino Weser, por motivo de saúde, se afastara definitivamente da direção. Durante esse longo período, a figura do educador, que exorna a personalidade de Felismino Freitas Weser, ressalta em toda a sua plenitude, pois desde que tomou consciência de si e do mundo, foi para o ensino que voltou as suas atenções. Vemo-lo, ainda muito jovem, em Piripiri, onde nasceu em 1895, fundar o Instituto Arcoverde, destinado ao ensino das primeiras letras. De lá veio para Teresina em busca da
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própria formação intelectual. Foi na área da educação que se formou, matriculando-se na Escola Normal do Estado. Daí, já com a experiência de quem lidava com as coisas do ensino, fundou aqueles estabelecimentos. Espírito culto que emprestou toda a sua capacidade realizadora em prol do desenvolvimento educacional da mocidade piauiense, como afirma o historiador e acadêmico, Wilson Carvalho Gonçalves, ao traçar-lhe o perfil no Grande Dicionário Histórico-Biográfico Piauiense, 1549 a 1997, não alimentou outras aspirações senão essas, ao longo de sua existência. Ao magistério deu tudo: inteligência, dedicação, ideal de servir, solidariedade humana e riqueza espiritual. Poderia ter-se destacado em outras atividades, com êxito. Mas era dentro da escola que estava o seu mundo. Dele nunca lhe aprouve sair, salvo por breve espaço de tempo quando foi convidado, pelo então Governo do Estado, para substituir o Diretor da Instrução Pública do Piauí, o seu particular amigo, Benedito Martins Napoleão, consagrado poeta. Ou quando exerceu as funções de Inspetor de Ensino no Estado. Joaquim Nabuco, ao apresentar as páginas de seu grande livro, Minha Formação, faz esta confissão: Está aí muito de minha vida. O Professor Felismino Weser não se dedicou a escrever livros. Poderia fazê-lo com vantagem em relação a muitos de seus contemporâneos, pois tinha talento, preparo e versatilidade. Conhecia muito bem a História, sobretudo a História do Piauí. Conhecia a literatura brasileira como poucos, com a leitura de seus clássicos, era profundamente versado nos arcanos da língua portuguesa. Estava, porém, convencido de que sua missão não era escrever, mas educar gerações. A estas cabia o papel de realizar essa nobre tarefa: a produção intelectual. No recesso do colégio, nas lides diárias com os problemas da educação, poderia dizer,
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parafraseando Joaquim Nabuco e indo um pouco além: Está aí toda a minha vida. As comemorações em que se empenhava o colégio, para lembrar as datas cívicas, eram especialmente preparadas. Tinha no tocante a elas aquela reverência que os santos dispensam às coisas sagradas. Valores como Pátria, Nação, Família, Tradição, Cultura e Ética para ele eram sagrados. Inspirado neles orientava suas atividades docentes, fortalecia o ânimo para continuar lutando em busca do que era melhor e mais proveitoso para a educação. Sem perder o sentido objetivo dos problemas a serem enfrentados, o ideal e o simbólico tinham igual poder de domínio sobre seu espírito, na visão do futuro da mocidade. O Colégio editava uma revista Zodíaco, em que colaboravam professores e alunos, mais voltada para temas literários e históricos, consoante o gosto da época. Não compreendia que funcionasse um estabelecimento de ensino sem um veículo de ideias. Por isso, a revista era prioridade e os trabalhos zelosamente selecionados. Nela colaborei, ao lado de Amandino Nunes, M. Paulo Nunes e alguns outros, sempre estimulados pelas ideias e pelo exemplo do Diretor. Zeloso no cumprimento do dever, procurava incutir nos outros essa nobreza do caráter. Nas suas observações pessoais, nas conversas de família, nos diálogos com alunos e professores, usava argumentos colhidos da experiência humana e das lições da história. A clareza do pensamento despertava o respeito pelas suas ideias. A simplicidade de sua vida não dissimulava as preocupações com o futuro da família. Talvez sem ter lido o clássico texto de A Arte da Prudência de Baltasar Grancián, as lições aí colhidas se ajustavam aos princípios que adotava. Poderia com ele dizer: “No verão é prudente prover-se para o inverno”. Ou então: “É bom poupar para um dia chuvoso;
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a adversidade é cara e tudo falta”. Isso lhe deu segurança no trabalho e equilíbrio na vida doméstica. Os seus filhos compreenderam essa lição, e, com isso, souberam honrar sua memória. Muito teria ainda a dizer sobre a vida de Felismino Weser, vida exemplar, que conservou o senso da humildade, a compreen são da sabedoria e a riqueza do trabalho, se fosse acompanhá-lo em sua jornada entre o lar e a escola, no cuidado dos filhos, que educou exemplarmente, e na formação dos alunos a quem dedicou as suas melhores energias espirituais. Nessa trajetória houve momentos de alegria e de sofrimento. Em qualquer situação, porém, era o mesmo homem consciente de suas responsabilidades de educador, recebendo as alegrias com naturalidade e suportando os momentos difíceis com resignação. De lembrar-se o golpe que o atingiu com a morte, aos dezenove anos, do filho primogênito, José Newton de Freitas, que despontava no horizonte literário com grande brilho. Era, realmente, um espírito brilhante, inspirado poeta, com produção espalhada em revistas e jornais. Nele, como já disse alhures, se reuniam a mocidade, o gênio e o amor, sobretudo o amor à terra, que cantou em versos de grande inspiração. O sofrimento do pai, ante a frustração de uma aurora intelectual que despontava, vem retratado de forma admirável na apresentação do livro de poemas deixados por José Newton. A publicação desse livro era o anseio do jovem poeta e vê-lo editado era o seu sonho de glória. É aí que se estampa a dor do pai atormentado pelo sofrimento com a perda prematura do filho, produzindo uma página de fino lavor literário. DESLUMBRADO constituía a ânsia de Newton de Freitas. Vêlo, manuseá-lo, apresentá-lo à crítica dos entendidos era o seu
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maior desejo – desejo tantas vezes manifestado, já ao apagar da sua preciosa existência! E porque este livro constitui a jornada dolorosa de quem o forjou sob a impressão da própria Dor; e porque “DESLUMBRADO” se assemelha, a meus olhos, às lágrimas de quem sofreu tão estoicamente, fazendo revelar, deste modo, a sua grandeza espiritual; e porque as páginas enfeixadas neste livro cantam a vida de uma esperança que se fugiu às plagas terrenas sonhando com a Glória, que era o seu fanal; e porque eu vejo em cada verso de DESLUMBRADO uma saudade, e nos seus 45 poemas um ramalhete dessa flor que simboliza a recordação indelével do mais querido dos meus entes queridos, orvalhado das minhas lágrimas de pai, não me fugi à dolorosa contingência de ter que relê-lo, sorvendo, na doçura dos seus versos, a taça da própria amargura, para depois passá-lo às vossas mãos, querido leitor.”
A taça da amargura que teve de sorver foi repartida com a esposa, dona Celina de Carvalho Melo Freitas, a quem igualmente prestamos esta modesta homenagem, pois seria impossível compreender a vida de Felismino Freitas Weser sem a ajuda, o conforto e a compreensão da esposa, aliada na sua glória e na sua dor. José Newton de Freitas é meu patrono na Academia Piauiense de Letras. Todos nós sonhamos com a felicidade. A felicidade para todos os homens e que resulta da comunhão dos povos, em busca da igualdade e da fraternidade. Foi a luta dos Libertadores. O nosso jovem poeta viu o caminho para essa conquista. Está na sua poesia O caminho, com o seu final de utopias: “Meus irmãos! No grande caminho não haverá pobres nem ricos, não haverá pretos nem brancos. Os homens se curvarão apenas diante de Deus!”.
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A MORTE DOS ÍNDIOS GUEGUÊS Francisco Miguel de Moura*
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esta importante obra, o criterioso historiador Reginaldo Miranda se esmera, em estilo de quase romancista, para resumir o genocídio dos nossos índios, especialmente os da tribo dos Gueguês, numa sequência em que vai apontando os protagonistas e responsáveis, desde os García d’Ávila aos Castelo Branco, especialmente o famigerado João do Rego Castelo Branco. Hediondo foi o massacre de todas as tribos, no território hoje compreendido como Piauí. Essa guerra, na História do Brasil, só tem paralelo com a de Canudos, onde não ficou ninguém dos vencidos para contar a história. O Piauí significativamente não possui sangue indígena, todo ele derramado nessa luta sem trégua até o fim. A desumanidade *
Poeta, romancista, contista e crítico literário. Membro da Academia Piauiense de Letras, Cadeira 8.
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que guiou o espírito dessa gente colonizadora do Piauí é incalculável. Todos os nossos índios foram mortos, em lutas frente a frente, em emboscadas ou a sangue frio nos aldeamentos, fora os que sucumbiram pelas doenças, sem nenhum tipo de piedade. Sem poupar um lado ou o outro, Reginaldo Miranda vai fundo, para que a verdade seja esclarecida. Para tanto, junta um documento valioso, inédito – “Os Autos da Devassa”, que retratam a desumanidade e a desídia em apurar os fatos e fazer as punições, ao mais alto grau, maior que na maioria das guerras cruentas da história. Apesar da aridez do assunto, como é um excelente escritor, consegue mostrar a realidade da vida do índio e do colonizador e descrever a terra onde os índios viviam, isto é, a natureza virgem do Piauí e cercanias, naquele tão recuado tempo, de forma segura e sensível. Chega-se a perceber, nas páginas iniciais da segunda parte, “Os dominados: breve história dos índios Gueguês”, um certo sabor de Os Sertões de Euclides da Cunha. Apontando minúcias e curiosidades ao estudar as tribos do Piauí, desde suas primeiras obras, no que é um “expert”, a leitura ou a consulta a Reginaldo Miranda tornase indispensável quando alguém quiser falar ou escrever sobre os índios do Piauí, conhecer e aprender sobre o Piauí a partir das primeiras entradas do português para a conquista do Sertão de Dentro. Em determinados momentos a gente chega a crer que Reginaldo torce pelos índios. E torce mesmo, mas consciente de que os portugueses fizeram seu papel – com exagero, é claro – mas eles vinham para conquistar tudo isto para o rei de Portugal e produzir rendas que lhe seriam enviadas. Somos hoje o que somos, graças àquelas conquistas, diz a certa altura, Reginaldo Miranda, reconhecendo que não se pode estudar a história antiga e julgá-la pela ética do hoje, como não se pode dizer que os
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índios não tinham razão. Mas não basta ter razão para vencer a guerra, e eles não tinham o principal: armas iguais às dos portugueses. Dizem os céticos que “lendo a história a gente só aprende que com a história não se aprende nada”. Mas, nós outros, cremos na faculdade do homem de saber distinguir o certo e o errado em determinado tempo e lugar. De qualquer forma, sabemos que a história é sempre violenta, o mais forte vence os mais fracos, embora haja muita perversidade e hediondez. O historiador e o leitor compreendem que o crime contra uma população inteira, quase ao mesmo tempo, não parece igual àquele que, ao perpassar dos dias, sempre acontece porque os homens são, por natureza, um animal violento. Sendo assim, como é assim, Reginaldo Miranda terá, certamente, nossa leitura, nossa compreensão e nosso aplauso. Como a maioria dos escritores, ele é um coração de bondade e uma inteligência brilhante – as duas bases que transformam o homem num ser consciente. E é essa consciência tão fina e tão profunda que cultiva em todas as suas obras, que levará, cada vez mais, a história do Piauí, para o caminho da verdadeira história.
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SAUDAÇÃO A NOSSA SENHORA DO CARMO Acadêmico Manfredi Mendes de Cerqueira*
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ão aspirava a uma honra tão alta quanto esta de poder participar desta solenidade litúrgica comemorativa da passagem dos 250 anos de construção deste Templo doado a Nossa Senhora do Carmo pelos irmãos Dantas, como assim atesta a História. Levado eu às pressas à pia batismal da Igreja de Santo Antônio, que fica bem próxima, para não morrer pagão, eis que, sobrevivendo, ainda me é dado o privilégio de estar hoje e agora vivendo a emoção inefável proporcionada por este acontecimento histórico. Somente a fé justifica a minha presença. Fé e amor são sentimentos que se solicitam reciprocamente. Com *
Acadêmico e magistrado. Desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Titular da cadeira 28 da Academia Piauiense de Letras.
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efeito, não há fé sem amor e vice-versa. Num ato de amor Deus construiu o mundo e fez Adão e Eva, colocando-os no paraíso. A desobediência de ambos, fez surgir a ciência antiética do Bem e do Mal, tornando-se necessário a vinda do filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, para implantar a civilização do Amor e garantir a salvação da humanidade. As Sagradas Escrituras revelam a peregrinação de José e Maria de porta em porta, assim descrita por excelente poeta mineiro Bartolomeu Campos Queirós: “Sonhavam pousada pelas travessas de Belém. Não fora por acaso que lhes restou a estrebaria, refúgio recoberto em palmas e acolchoado em palhas. Ao por ali se adentrar a quase família sagrada não causou assombro ao jumento nem espanto ao boi. Lá fora, o luar abrandava o escuro e voos povoavam de cascata e asa a claridade. O céu se bordava com estrelas. O vento trazia lembranças do mar no cheio da maresia.” Ainda na versão do poeta “Gabriel abriu, de par em par, as portas do firmamento. O silêncio que até então musicava os prelúdios do nascimento, cedeu lugar a falanges de anjos e arcanjos que invadiram de glórias, cítaras e clarins a paisagem inteira. Santos e profetas, querubins e serafins se debruçavam nas constelações. O choro do menino explodiu em tamanha liberdade que ainda se ouve seu eco”. Veja-se bem: Ele, o Pequeno Grande, que nascia para salvar o mundo, tinha como berço uma simples manjedoura. O notável Arcebispo Norte-Americano, Fulton Sheen, em seu primoroso livro Rumo à Felicidade, afirma que o prazer como a beleza, é condicionado pelo contraste. Assim, o espetáculo dos fogos de artifício não nos impressionaria se tivesse por fundo o clarão de um sol do meio-dia. Enfim, o contraste serve para que nos faça ver as coisas em sua vívida realidade. Isto, por certo, não estava nos planos de Deus. Sabia que era precioso despojar seu Filho do “esplendor
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divino”, porque Ele haveria de ser um simples “missionário caminheiro” na propagação de Sua Mensagem Salvífica. Consequentemente, ele que veio para libertar, para salvar o mundo, para redimir os pobres e os humildes, não poderia nascer em “berço de ouro”. Era necessário ser um pobre, um humilde, assumir uma condição humana compatível com o grande objetivo a que se propunha. Mais tarde, já adulto, Nosso Senhor Jesus Cristo deixou isto bem explícito, quando, no Tabor, na presença de Pedro, Tiago e João, seu irmão, transfigurou-se, dando-lhes a exata dimensão de Sua Divindade. Segundo Mateus, N. S. Jesus Cristo depois lhes ordenou: “A ninguém contem esta visão, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos.” Evidentemente, os problemas da pobreza não são resolvidos com a lógica dos ricos, tampouco com manifestações exibicionistas e pomposas. O Verbo se fez Carne não apenas para socorrer os pobres, senão para resgatar a humanidade do pecado, não usou nenhuma fórmula mágica. Somente a prática efetiva do “amai-vos uns aos outros”. Não há negar, a força gigantesca do Cristianismo emana do amor ao próximo e, em torno dele, gira toda a expectativa da felicidade humana. A nada levará a mudança da forma e sistema de governo em qualquer Pátria sem o exercício contínuo e consciente da fraternidade. Não haverá paz mundial permanente. Existirão sempre os bolsões de miséria, apertando como terríveis cinturões os grandes centros populacionais. Não sossegarão os sem-terra, os semteto e os sem-afeto. Subsistirá a maldição garantida pela insensibilidade e estupidez dos homens sem fé. Leon Tolstoi, com muita segurança, sustenta que “não se vive sem fé. A fé é o conhecimento do significado da vida humana. A fé é a força da vida. Se o homem vive é porque crê em alguma coisa”.
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Aqui, no Brasil, o Padre Virgílio, em seus bem lançados e lapidares artigos publicados no semanário litúrgico-catequético, afirma que “A fé é a respiração e a força motora da vida cristã. Mas o coração ou o centro da fé é a ressurreição de cristo. Pois, se Cristo não tivesse ressuscitado, ilusória seria nossa fé: continuaríamos atolados em nossos pecados...” No livro Pró e Contra de A. M. Lescure, traduzido pelo Cônego Xavier Pedrosa, está escrito que Larevelliére Lépeaux, julgando-se em condições de destronar N. S. Jesus Cristo e fundar uma nova Religião, foi à presença de Napoleão Bonaparte e expôs o seu plano. O monarca encarou o audacioso revolucionário e, calmamente, disse-lhe: “Cidadão Lépeaux, estais seriamente convencido de que podereis fazer concorrência a Jesus Cristo? Se estais convencido disto, só vos resta uma coisa: deixai-vos crucificar uma sextafeira e ressuscitai no domingo”.
Isto ocorreu em 1.793. São passados dois séculos e não há notícia de que Lépeaux haja tentado a experiência... Maria, a Imaculada Medianeira, acompanhou a Jesus Cristo até a Sua morte com prudência, humildade e dedicação afetuosa. Ciente e consciente de sua grande missão como mãe, soube cumpri-la com inigualável fidelidade, conseguindo a merecida Assunção. Criada a Ordem dos Carmelitas, surgiu o culto a Maria, “honrada como a Bem-aventurada Virgem do Carmo.” O Carmo, disse o Cardeal Piazza, carmelita, “Existe para Maria e Maria é tudo para o Carmelo, na sua origem e na sua história, na sua vida de lutas e de triunfos, na sua vida interior e espiritual.” O profeta Elias é considerado como o patriarca modelo da Ordem dos Carmelitas, uma das mais antigas na
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história da Igreja. Ele e Maria, consoante refere o Livro das Instituições dos primeiros monges, são figuras centrais de uma lenda, assim narrada: “Em lembrança da visão que mostrou ao profeta a vinda desta Virgem sob a figura de uma pequena nuvem que saía da terra e se dirigia para o Carmelo, os monges, no ano 93 da Encarnação do Filho de Deus, destruíram sua antiga casa e construíram uma capela sobre o monte Carmelo, parte da fonte de Elias em honra desta primeira Virgem voltada a Deus”. Conta-se que, expulsos pelos sarracenos no século XIII, os monges se voltaram ao Ocidente, onde fundaram vários mosteiros, enfrentando tremendas dificuldades superadas com a proteção da Virgem Santíssima. Houve um episódio marcante: “Os irmãos suplicavam humildemente a Maria que os livrasse das insídias infernais. A um deles, Simão Stock, enquanto assim rezava, a mãe de Deus apareceu acompanhada de uma multidão de anjos, segurando nas mãos o escapulário da Ordem dos filhos do Carmelo: todo o que for revestido deste hábito será salvo”. Nossa Senhora do Carmo: Há dois séculos e meio, Piracuruca recebe a Sua proteção. As bênçãos que se derramam sobre esta terra e seu povo têm sido profusas e benfazejas e refletem um amor incomensurável. Um amor assim magistralmente descrito por São Paulo, na célebre Carta aos Coríntios: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.” “Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada serei.” “E ainda que eu distribua todos os meus bens entres
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os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, e se não tiver amor, nada disso me aproveitará.” “Agora, pois permanecem a Fé, a Esperança, e o Amor. Estes três. Porém, o maior deles é o Amor.” Exatamente o Amor. Henry Drummond, em memorável pregação, feita no final do século passado, já afirmava que “estamos acostumados a escutar que o tesouro mais importante do mundo espiritual é a Fé. Nesta simples palavra se apoiam muitos séculos de religião. “Por que o Amor é mais importante que a Fé? Por que a Fé é apenas uma estrada que nos conduz até o Amor Maior.” “Por que o Amor é mais importante que a Caridade? Porque a Caridade é apenas uma das manifestações do Amor. E o todo é sempre mais importante que a parte. Além disso, a Caridade é também apenas uma estrada, uma das muitas estradas que o Amor utiliza para fazer com que um homem se una a seu próximo.” Admitia ele a prática da caridade sem Amor, acrescentando “que é muito fácil jogar a moeda para um pobre na rua. Geralmente é mais fácil fazer isto que deixar de fazê-lo. Deixamos de nos sentir culpados pelo cruel espetáculo da miséria.” Nossa Senhora e seu filho, Jesus Cristo, personificaram o Amor, que é o “Dom Supremo”, o mandamento que justifica todos os mandamentos, a regra que resume todas as regras. Enfim, como afirmou São João Batista, “Deus é Amor”. Assim, quem ama o próximo está em comunhão com Deus. Nesta festa comemorativa, com indiscutível dimensão histórica, um fato merece especial registro. O altar original
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foi restituído à nossa queridíssima Padroeira. A elegância do gesto do Exmo. Sr. Governador do Estado, Dr. Antônio de Almendra Freitas Neto, tornou uma realidade velha aspiração deste Povo, por intermédio do dinâmico vigário desta Paróquia, o Padre Oney Braga de Sousa. O primeiro magistrado do Estado, homem público de rara sensibilidade, sabe que o passado não é um túmulo. Com efeito, resgatar o passado é preparar o futuro, garantindo a continuidade cultural. Nenhuma geração, por mais dinâmica que seja a cultura da comunidade, não rompe totalmente com o passado. Assim é que os sociólogos sustentam que “os mortos governam os vivos”. É bem verdade que se cuida, na espécie em cogitação, do retorno de um objeto, porém um traço que, ao lado dos demais, entra na composição da cultura da sociedade local. Concorrendo para o resgate de um perfil histórico, o Exmo. Sr. Governador Freitas Neto tornou-se credor de nossas homenagens e da gratidão de Nossa Senhora do Carmo. Descrevendo as portas do Céu, “mimosas perfeições, pequenas e preciosas”, disse o célebre pregador, Padre Antônio Vieira, que cada uma delas estava aberta em pérola. Neste instante de tanta fé e tão rico de emoção, cada coração piracuruquense está aberto em pérola, pulsando em uníssono, numa festa de incontida alegria, com a certeza inabalável de que Nossa Senhora do Carmo, Mãe generosíssima, dará mais proteção e mais fecundas e prediletas bênçãos, para que Piracuruca prossiga confiante em sua longa caminhada no rumo de sua grande destinação histórica. Viva Nossa Senhora do Carmo!
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ONDE FICA A CASA GRANDE DA PARNAÍBA? Alcenor Candeira Filho* a memória é fraca e tênue como o corpo; o que reluz d’outrora agora, muito pouco... A voz d’antanho tange numa voz de morto... O poema é faca de ponta que escava em vão. A lua, no entretanto, que no céu circula, é a mesma d’outrora e na lâmina tremula. (Memorial da cidade amiga – A. C. F.)
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INTRODUÇÃO
nde fica a Casa Grande da Parnaíba? Que edifício corresponde a ela? Não, não se trata de brincadeira ou pegadinha. A indagação é pertinente porque as respostas ou esclarecimentos sobre o assunto são tão *
Poeta. Titular da Cadeira 19 da Academia Piauiense de Letras.
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conflitantes que saí das minhas pesquisas de fim de semana cheio de dúvidas. O leitor, portanto, deve cessar agora a leitura se imaginar que darei a resposta. Em verdade, pretendo apenas mostrar e demonstrar como os livros, revistas, jornais e documentos por mim (re) lidos recentemente tratam do tema de forma contraditória. A confusão começa com a variedade de denominações usadas para designar o sobrado construído em duas etapas, entre 1758/1770, para servir de residência de Domingos Dias da Silva: Casa Grande da Parnaíba, Solar dos Dias da Silva, Casarão de Simplício Dias, Casarão dos Dias da Silva, Solar Casa Grande. A pergunta – qual o sobrado que representa a Casa Grande da Parnaíba? - vem sendo respondida pelos pesquisadores e historiadores de três maneiras: 1ª) é o edifício voltado para a Rua Grande, atual Avenida Presidente Vargas, com as linhas arquitetônicas razoavelmente preservadas; 2ª) é o edifício descaracterizado nas linhas arquitetônicas e situado na Rua Monsenhor Joaquim Lopes (antiga Rua da Glória), próximo da Igreja de Nossa Senhora da Graça; 3ª) é o conjunto dos dois edifícios, funcionando o da Avenida Presidente Vargas como dependência ou anexo da Casa Grande. OPINIÕES VAGAS E/OU CONTRADITÓRIAS Existem autores que não primam pela clareza ao opinarem sobre o assunto e até os que caem em contradição, como se observa nos seguintes exemplos: Em 1884, de passagem na cidade da Parnaíba, visitamos a casa solarenga de Simplício Dias da Silva, um vasto prédio de
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sobrado, situado na Rua Grande, com comunicação interna para a Igreja Matriz … (F. A. Pereira da Costa – Cronologia histórica do estado do Piauí, p 225/226) Data desta época o esplêndido nicho, trabalho português, em pedra de Dioz, colocado na quina da Casa Grande (…) Próxima à Casa Grande erguia-se a Igreja Matriz, construída pelos Dias da Silva e a ela ligada por uma galeria. (BRANCO, Renato Castelo. Tomei um ita no norte. São Paulo, L. R. Editores Ltda., 1981, pág. 24)
Os dois renomados escritores reportam-se à Casa Grande como sendo o prédio localizado na Rua Grande (Avenida Presidente Vargas), ao tempo em que ressaltam a comunicação interna entre ele e a Igreja de Nossa Senhora da Graça, situação difícil de ser concebida, se se considerar o fato de que entre o prédio da Rua Grande e a Igreja existe o sobrado da Rua Monsenhor Joaquim Lopes. Sem referir-se ao nome da rua em que está situado, Carlos Eugênio Porto fornece uma só pista a respeito do prédio famoso – a ligação interna entre ele e a Igreja: Simplício Dias (…) era dado a extravagâncias asiáticas como a construção daquela galeria ligando a Igreja ao palácio, a respeito do qual se teciam lendas maravilhosas. (PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Rio de Janeiro, Editora Artenova S. A., 1974, p.76).
TRÊS INDICAÇÕES SOBRE A LOCALIZAÇÃO DA CASA GRANDE Voltemos às três propostas de esclarecimento sobre qual é exatamente o sobrado que representa a Casa Grande da Parnaíba. De modo objetivo vejamos transcrições e
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comentários que abonam cada hipótese: 1ª HIPÓTESE: Casa Grande = sobrado da Avenida Presidente Vargas. Este é o entendimento que prevalece no Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba – IHGGP e no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. No âmbito do IHGGP posso citar como defensores da ideia de que a Casa Grande é representada pelo sobrado da Avenida Presidente Vargas: Mário Pires Santana, Reginaldo Pereira do N. Júnior, Régis de Athayde Couto, Sólima Genuína, Vicente de Paula Araújo Silva, Dederot Mavignier, Renato Neves Marques e outros. Coincidentemente esse grupo de intelectuais do IHGGP é o mesmo que vem liderando o movimento que defende a ideia de se comemorar 300 ANOS DE HISTÓRIA DA PARNAÍBA, correspondente ao período de 11-06-1711 a 11-06-2011, com base na criação, fundação ou instalação da denominada e imaginária Vila Nova de Parnaíba, que nunca existiu, pois é uma ficção do baiano dono de sesmarias – Pedro Leal Barbosa – , inexistindo qualquer documento, ato ou lavratura oficial a respeito, e simplesmente trecho corroído pelo tempo, com palavras ilegíveis, de mero traslado de carta, dirigida ao Bispo do Maranhão, autoridade eclesiástica não competente, pois o território do Piauí estava ainda subordinado à Diocese de Pernambuco, o que torna o “documento nulo de pleno direito. No mencionado traslado de carta, de junho de 1711, é feito pedido de autorização para construção de Igreja ou Capela não construída. É importante salientar que há uma evidente confusão entre história administrativa (vila) e história eclesiástica
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(freguesia ou paróquia), pois a data da carta, se realmente histórica e verdadeira, pertence à Diocese de Parnaíba, que já possui e consagra 8 de setembro como sua data magna , e não teria como abrigar outra data, no caso 11 de junho, a qual já pertence à Marinha do Brasil. Na mesma linha de pensamento do IHGGP, no que diz respeito à Casa Grande, posiciona-se o IPHAN, como se verifica no livro Conjunto histórico e paisagístico de Parnaíba (Teresina: Superintendência do IPHAN no Piauí, 2010, p. 50): Outra edificação de destaque, talvez a mais importante delas, é a antiga Casa Grande, ou Casa de Simplício Dias, como é atualmente conhecida (…). Apesar de bastante modificada no pavimento térreo, o casarão ainda conserva praticamente intactos elementos característicos nos dois pavimentos superiores (…). Outro elemento interessante é o pequeno nicho aplicado ao cunhal.
O texto acima é seguido de duas fotografias da Casa Grande, com esta legenda: Vista da Casa de Simplício Dias, antiga Casa Grande, a partir da Av. Presidente Vargas e do terraço do Hotel Delta.”
2ª HIPÓTESE: Casa Grande = sobrado da Rua Monsenhor Joaquim Lopes. Aqui a opinião predominante na Academia Parnaibana de Letras – APAL, que vem lutando desde a sua fundação em 1983 pela conservação e restauração da Casa Grande e do Palacete Vista Alegre. A partir de 1985, a Academia recebeu e expediu diversos documentos (ofícios, memoriais, cartas, relatórios) que tratam do assunto em tese. Em fevereiro de 1985, o então Secretário Geral do
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Ministério da Educação, Coronel Sérgio Pasquali, enviou uma carta (01-02-1985) ao Secretário de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, deputado Jesualdo Cavalcanti Barros, e outra destinada ao escritor parnaibano e membro da APAL Renato Castelo Branco (15-02-1985), das quais transcrevo os seguintes trechos: Brasília, 01 de fevereiro de 1985. Dep. Jesualdo: (…) Informo que o MEC, através do FNDE, está liberando 350 milhões de cruzeiros para reequipamento da Fundação Cultural do Piauí e compra e restauração da Casa Grande de Simplício Dias, em Parnaíba. Brasília, 15 de fevereiro de 1985 Meu caro Renato: (…) É também grande minha satisfação informar-lhe que estamos liberando para a Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí a importância de 200 milhões de cruzeiros para a aquisição e restauração da Casa Grande de Simplício Dias (Parnaíba), atendendo a uma antiga aspiração sua, e mais 150 milhões para reequipamento da Fundação Cultural do Estado.
Em razão das correspondências assinadas pelo Coronel Sérgio Pasquali, a APAL elaborou em 1985 um memorial dirigido ao Secretário de Cultura, Desportos e Turismo, deputado Jesualdo Cavalcanti Barros, nos seguintes termos: Senhor Secretário: A
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de
Letras,
por
sua
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infraassinada, toma a liberdade de expor a V. Exª o seguinte: (…) 4. Que a Casa Grande dos Dias da Silva, localizada ao lado da também histórica Catedral de Nossa Senhora da Graça, na Rua Monsenhor Joaquim Lopes, às proximidades da Avenida Presidente Vargas, é, assim, o local ideal e oportuno para transformar-se no Centro de Cultura de Parnaíba, em cujas dependências poderão ser abrigados o museu da cidade, um auditório, a sede da APAL e biblioteca pública. (…) 7. Por oportuno, segue em anexo a atual proposta de venda do mencionado imóvel. O novo preço, traduzido em moeda corrente, está expresso também em ORTN’s. 8. O nosso confrade Renato Castelo Branco assegurou aos companheiros Alcenor Rodrigues Candeira Filho e Cândido de Almeida Athayde que tem todas as condições para conseguir da Fundação Roberto Marinho os valores necessários para fazer face às despesas com restauração, adaptação e pintura da Casa Grande.
Em 11-03-1985, uma Comissão da APAL, integrada por Cândido de Almeida Athayde, Salmon Noronha Lustosa Nogueira e Lauro Andrade Correia, apresentou ao Presidente João Nonon de Moura Fontes Ibiapina relatório com dados e informações sobre a Casa Grande. Eis parte do teor desse documento: (…) A visita ao local nos levou a confirmar a existência e separação nítida de dois edifícios, a saber: a) Sobrado da atual Rua Monsenhor Joaquim Lopes, nº 629, com 3 pavimentos, próximo à Catedral, identificado como CASA GRANDE dos Dias da Silva, construído por Domingos Dias da Silva em 1770, e que serviu também de residência de seu filho – Simplício Dias da Silva. O sobrado foi reformado e conservado, certo que a reforma principal foi empreendida pelo então proprietário Sr. Rodrigo Ricardo Coimbra. b) Sobrado de esquina da Avenida Presidente Vargas com a
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Rua Monsenhor Joaquim Lopes, próximo ao anterior, mas mais distante da Catedral, identificado como Sobrado Vista Alegre, construído pela família Silva Henriques, representada por Manoel Antônio Silva Henriques, sobrinho de Domingos Dias da Silva, e seu filho Domingo Dias da Silva Henriques. O sobrado, além de residência da família Silva Henriques, foi residência de José Francisco Miranda Osório, casado, primeiras núpcias, com Angélica da Silva Henriques, filha de Manoel Antônio da Silva Henriques. Ambos os edifícios possuem 3 pavimentos, mas facilmente se verifica que a Casa Grande tem altura superior a 1,50m mais que o sobrado Vista Alegre. (…) Não temos dúvida, em poder reafirmar que a CASA GRANDE é o sobrado colonial, contíguo à Catedral, com 3 pavimentos, construído em 1770, se constituindo no mais importante patrimônio histórico-cultural da cidade.
Em 14-06-1986, novamente a Academia se dirige à Secretaria Estadual de Cultura, Desportos e Turismo, agora com novo titular, o Secretário Monsenhor Solon Correia de Aragão. O documento entregue ao Secretário Solon praticamente reproduz o teor do ofício anteriormente encaminhado à mesma Secretaria e é assinado por toda a Diretoria da APAL, a saber: José de Anchieta M. de Oliveira (Presidente), Caio Passos (Secretário-Geral) Bernardo Batista Leão (1º Secretário) Raimundo Fonseca Mendes (2º Secretário), Maria da Penha F. e Silva (1º Tesoureira), José de Lima Couto (2º Tesoureiro), Raul Furtado Bacelar (Bibliotecário). Em ofício datado de 06-08-1987 e destinado ao Governador Alberto Tavares Silva, a APAL insiste na questão do tombamento da Casa Grande dos Dias da Silva. Desse ofício constituído de cinco folhas e assinado por Lauro Andrade Correia como presidente da Academia
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e pelo secretário-geral Alcenor Rodrigues Candeira Filho, destaco este trecho: Que assim, esta Academia tem opinião firmada no sentido de que a Casa Grande dos Dias da Silva, localizada ao lado da também histórica Catedral de Nossa Senhora da Graça, na atual Rua Monsenhor Joaquim Lopes, nº 629, nas proximidades da Avenida Presidente Vargas, é o prédio de maior valor histórico de Parnaíba, com três pavimentos e construído na segunda metade do século XVIII por Domingos Dias da Silva, para sua residência.
Em 1997, a APAL encaminhou ao prefeito Antônio José de Moraes Souza Filho dois memoriais. O primeiro focaliza três assuntos: Biblioteca Municipal, Museu da Cidade e Arquivo Público Municipal; o outro trata do Sobrado Vista Alegre. Em ambos os documentos a APAL insiste em distinguir a Casa Grande do Sobrado Vista Alegre. Esses memoriais foram assinados praticamente por todos os acadêmicos residentes em Parnaíba: Lauro Andrade Correia, Alcenor Rodrigues Candeira Filho, Carlos Araken Correia Rodrigues, Edmée Rêgo Pires de Castro, Francisco Iweltman Vasconcelos Mendes, Francisco Pereira da Silva Filho, Israel José Nunes Correia, José de Anchieta Mendes de Oliveira, Renato Neves Marques, Rubem da Páscoa Freitas, Salmon Noronha Lustosa Nogueira e Cândido de Almeida Athayde. As acadêmicas e historiadoras Maria Luíza Mota e Maria da Penha Fonte e Silva externam com muita clareza as suas convicções sobre o tema. Do livro Parnaíba, minha terra, da Maria da Penha (Parnaíba, 1987), transcrevo trechos das págs. 41 e 50:
Na Rua Monsenhor Joaquim Lopes, antiga Rua da Glória, esquina com a Avenida Presidente Vargas fica situada a Casa Grande da Parnaíba (…) com três pavimentos (…). É preciso não confundir. A casa solarenga com frente para a Avenida
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Presidente Vargas é o sobrado Vista Alegre e não faz parte do histórico sobrado dos Dias da Silva, que é um só bloco com 06 janelas de sacada e uma porta larga e é a mais alta. (p. 41) O sobrado colonial Vista Alegre está situado na Avenida Presidente Vargas, ao lado da suntuosa Casa Grande da Parnaíba. O Vista Alegre ainda conserva autêntica a sua arquitetura; é mais baixo e pertencia a Manoel Antônio da Silva Henriques, parente bem próximo de Domingos Dias da Silva (…). A fachada do sobrado Vista Alegre não foi reformada como a Casa Grande e conserva suas características coloniais (p.50).
Por sua vez, Maria Luísa Mota declara nos livros de sua autoria José Francisco de Miranda Osório e seus descendentes (Editora Henriqueta Galeno, Fortaleza, 1980, p. 60) e Parnaíba no século XX (Gráfica Aley, Fortaleza, 1994, p. 62): Sobrado Colonial Vista Alegre, ao lado da suntuosa e secular Casa Grande de Simplício Dias. Aí morou Miranda Osório … Na Avenida Presidente Vargas o bicentenário sobrado Vista Alegre, que pertenceu à família Miranda Osório …
Cito finalmente como defensor dessa segunda corrente de pensamento Cláudio Bastos, em cuja gigantesca obra Dicionário histórico e geográfico do estado do Piauí, produto de 32 anos de pesquisas, está escrito sobre os dois sobrados em questão: PARNAÍBA: Os prédios mais antigos são: Casa Grande da Parnaíba – sobrado de 3 pavimentos, construído entre 1768/70, por Domingos Dias da Silva para sua resistência. Fica na rua Monsenhor Joaquim Lopes, 129, junto ao sobrado Vista Alegre, que tem frente a antiga rua grande atual avenida Presidente Vargas (…). Sobrado Vista Alegre – 1740. Era propriedade de Manuel Antônio da Silva Henriques.
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Ao lado da Casa Grande. Esquina da Rua Grande (Av. Presidente Vargas) com rua Monsenhor Joaquim Lopes. 3 andares. Nicho no 2º andar, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição (…) (BASTOS, Cláudio. Dicionário histórico e geográfico do estado do Piauí. Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994, p. 47).
3ª HIPÓTESE: Casa grande = o conjunto dos dois edifícios, sendo o da Av. Pres. Vargas dependência ou anexo do outro. Destaco como defensores do ponto de vista acima os intelectuais parnaíbanos Orfila Lima dos Santos, Elita Araújo e José de Nicodemos Alves Ramos, como se constata nas seguintes transcrições: Outro marco foi o Solar Casa Grande, residência dos Dias da Silva, localizado ao lado da igreja (…) Raimundo foi assassinado aos trinta e nove anos, sendo que no anexo do Solar Casa Grande, o edifício voltado para a atual Avenida Presidente Vargas, na esquina, ainda temos o símbolo instalado relacionado ao assassinato. (Parnaíba e a nossa história – trabalho de Orfila Lima dos Santos encaminhado a APAL através da carta datada de 05-11-1997). Existe ainda um sobrado de aspecto bem antigo que está carcomido pelo tempo, anexo à Casa Grande de Simplício Dias – Vista Alegre, que pertenceu a Manoel Antônio da Silva Henriques, situado na Presidente Vargas. Alguns o consideram casarão; outros, não. Sua entrada principal é para a referida avenida. É quase certo que esse sobrado pertencia à Casa Grande. (ARAÚJO, Maria Elita Santos de. Parnaíba: o espaço e o tempo. Parnaíba. Gráfica Sient, 2002, págs. 52/53). Aqui começou a construir o complexo arquitetônico da Casa Grande, formado por dois edifícios contíguos, ambos com três andares: o térreo, destinado ao comércio; e os outros dois, à família. Um virado para a Rua Monsenhor Joaquim Lopes, atualmente
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bastante descaracterizado. O outro voltado para a Rua Grande, que se encontra destroçado, mas permanece com muitas de suas características, entre elas um pequeno nicho para colocação de santo protetor. (RAMOS, José de Nicodemos Alves. Parnaíba de a a z – guia afetivo. Brasília. Multicultural Arte e Comunicação Ltda., pág. 78)
CONCLUSÃO Mais importante do que discutir sobre qual prédio representa verdadeiramente a Casa Grande – são as conquistas que estão sendo alcançadas no presente, com o tombamento do centro histórico e paisagístico de Parnaíba e com o início e andamento das obras de recuperação do sobrado voltado para a Avenida Presidente Vargas. Com a conclusão da obra, resta saber o que será instalado no prédio reformado: Museu da Parnaíba? Biblioteca Municipal? Centro Cultural? Arquivo Público Municipal? Eis aí um assunto pelo qual os parnaibanos devemos nos interessar. Para facilitar a decisão sobre o uso do edifício em restauração pelo IPHAN na Avenida Presidente Vargas, lembro que a Esplanada da Ferrovia tem ao seu derredor a Secretaria Municipal de Educação, A Secretaria Municipal de Cultura, A Secretaria Municipal de Turismo, O Centro de Eventos Mandu Ladino, o Museu do Trem e a Faculdade de Direito da UESPI, e para a Esplanada da antiga Estrada de Ferro Central do Piauí estão projetadas duas obras básicas para a nossa cidade: Biblioteca Pública Municipal, moderna, com capacidade para 50.000 livros; Arquivo Público Municipal, moderno, com ar condicionado para a conservação dos documentos e papéis antigos, desgastados pelo tempo.
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Lembro finalmente que Parnaíba – Cidade Polo, Rainha do Delta e Cidade Universitária, com mais de 145.000 habitantes, dos quais 10.000 universitários, não conta ainda com seu Museu Municipal. Parnaíba, abril de 2011.
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ODE A FERNANDO PESSOA Alcenor Candeira Filho*
Pessoa, genial pessoa que me ensinou a mim e a milhões de outras pessoas que o início é o fim do começo do meio do mar sem fim. Pessoa plural porquanto um além doutros que me ensinou a mim e a muitos outros que a lição sem igual é igual à essência do superficial. *
Poeta. Titular da Cadeira 19 da Academia Piauiense de Letras.
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Pessoa de confusa coerência poeta de louca lucidez de um não convicto sempre atentamente alheio a tudo ator/mentadamente igual a todos e sinceramente fingidor a ponto de fingir que é dor a dor do alcoólico tabagista solitário esquizóide fóbico compulsivo depressivo mediúnico... imortal morto de Portugal e do mundo todo total que entre o tudo e o nada por não ser pensador pensou sem pensar e que entre o nada e o tudo por não ser sonhador sonhou sem sonhar. poeta de bastantes importantes lições você contudo Pessoa com ser mestre não me ensinou a mim
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nem a outras pessoas em suas largas preces se rezar é sonhar ou pensar ou se as duas coisas juntas ou se nem uma coisa nem outra - mas tão somente ORAR, ou seja: balbuciar silenciosa e simplesmente alguma coisa que só o céu pode escutar.
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MEL, UMA CACHORRINHA Elmar Carvalho*
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uando fui morar, no início de abril de 2007, no condomínio Pingo d’Água, em Regeneração, cidade onde passei, em minha adolescência,
alguns dias de férias, em companhia de meu amigo Otaviano, que nela morara alguns anos, juntamente com seu pai, João Capucho do Vale, com sua mãe, dona Consolação, e com seu irmão Augusto César, grande craque do futebol piauiense, logo me chamou a atenção a cadelinha Mel, cujo nome doce não se deve a eventual sabor, mas a sua graciosa cor. Sempre a via quentando sol, graciosamente deitada sobre um tapete, na porta do apartamento em que morava, na companhia de seus donos, o senhor Rodrigo e *
Acadêmico e magistrado. Titular da cadeira 10 da Academia Piauiense de Letras.
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dona Antônia, dedicada professora de geografia e história, disciplinas de que sempre gostei, ao lado de literatura. Minha aproximação com essa cachorrinha foi um tanto difícil, pois ela era muito ciosa de seu “pedaço”, de seu território. E eu tinha de invadi-lo, quando ia ao trabalho, ou quando voltava, em meus dois expedientes diários. Ela latia vigorosamente, quando eu passava. Felizmente, eram latidos apenas de advertência, uma vez que ela nunca tentou morder-me. Empenhei-me, então, em conquistar a sua amizade, procurando fazer-lhe alguns “agrados”, estalando os dedos e lhe dirigindo algumas palavras afetuosas. Aos poucos, ela deixou de latir e já me permitia ficar em sua proximidade, mas nunca cheguei ao ponto de lhe tocar e acariciar, como gostaria. Gradativamente, tornou-se amiga de minha pequena cadela Belinha, que é arredia, um tanto desconfiada, mas muito dócil e tímida. Gostava de ver Mel, passeando e fazendo evoluções e piruetas no largo corredor de acesso ao condomínio. De longe ela me mirava, focando sua atenção ao levantar suas pequenas e pontiagudas orelhas, como se estivesse em guarda ou na defensiva, ante algum eventual e invisível perigo. Sua dona, a bem de sua saúde e também para lhe assegurar a descendência, providenciou o seu cruzamento com um de seus descendentes, talvez na intenção de obter algumas fidedignas cópias. Dessa providência advieram quatro filhotes, um dos quais nascido morto. Dona Toinha providenciou-lhes uma espécie de ninho, em um cesto, no qual Mel dormia com os seus três rebentos. Era esmerada em seus cuidados de mãe, diligente em seus deveres maternos, inclusive quanto ao asseio e alimentação. Contaram-me que segurava, um a um, os filhotes em sua boca, para descê-los do cesto, a improvisada alcova ou ninho. Quando um dos filhotes punha as patinhas
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sobre a borda do cesto, insinuando querer entrar nele, Mel o segurava, suavemente, pelo pescoço, e o punha no aconchegante reduto. Entrei de férias e não mais tive notícias dessa família canina. No final delas, vim a Regeneração, numa viagem maçônica, oportunidade em que encontrei a dona da Mel, pois o seu marido é irmão maçônico. Perguntei pela cadelinha e suas crias, tendo ela me dito que estavam bem, com os filhotes ficando tão espertos quanto a mãe. Retornei de minhas férias e logo ao chegar tive uma forte comoção, um verdadeiro choque emocional, ao saber que Mel havia morrido. Senti uma profunda tristeza e um grande vazio em meu coração. Dona Toinha contou-me como foi o desfecho da vida de Mel. Gostaria de ter o talento de Platão, ao contar a sublime e bela morte de Sócrates, para narrar como foi a morte dessa encantadora e valente cachorrinha. Dona Toinha saíra para visitar uma vizinha, do outro lado da rua. Uma pessoa, inadvertidamente, ao sair, não fechou o portão. Mel, sempre ativa e inquieta, e talvez saudosa de sua dona, atravessou a rua para encontrá-la. Depois de fazer a “festa” de praxe, abanando o rabinho em cumprimento, começou a brincar na rua, correndo e volteando de um lado para outro, buliçosa que era. Latiu para uns cachorros grandes, e os pôs em fuga. Claro que a fuga devia ser simulada, uma brincadeira dos cães, para aumentar-lhe a auto-estima. Certamente Mel, em sua bravura sem arrogância, achava que os pusera para correr de verdade. Em suas evoluções na rua, verdadeiras coreografias caninas, expunha-se aos perigos do trânsito, em virtude da imprudência e brutalidade dos apressados pilotos e motoristas dos estressantes dias atuais. De repente, num átimo, que não se mede e não se espera, uma motocicleta, em alucinante disparada, passa
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por cima da pequenina Mel. A mimosa cadelinha, inteiriçada de dor cruciante, contudo aparentemente perfeita, sem um ferimento sequer, talvez pensando nos filhotes, talvez no desespero de uma dor insuportável, ainda se ergueu, e caminhou em direção a sua casa, tentando atravessar a rua. Mas caiu em seguida. Ergueu-se novamente, em heróico esforço, em busca dos filhos. Tornou a cair, transida de dor, para outra vez se levantar. Tombou, ainda outra vez. E ainda outra vez se levantou, sabe Deus a que custo e a quanto sofrimento. Porém não resistiu, e, logo nos primeiros passos, voltou a cair para não mais se levantar. Sua dona a ergueu, traspassadas, ambas, de intensa dor; a cadelinha, creio, com dores físicas e sentimentais, pensando nos filhotes, que deixaria para sempre, e a sua dona possuída por forte comoção e tristeza. Levou-a, com muito cuidado e carinho, para o apartamento, em que Mel ainda resistiu por alguns minutos, para depois exalar o seu último suspiro, cercada pelos seus rebentos. Dois filhotes se encontram, hoje, com parentes da professora Toinha. Cresceram em graciosidade e em esperteza. Todo dia, no Pingo d’Água, vejo Juquinha, negro como noite sem luar, negro como asa de graúna, para fazer poética intertextualização. Embora negro, como luzidio e ambulante carvão, é uma cópia autêntica de sua mãe. Ao vêlo, sinto uma grande saudade da Mel, bela e brava cadelinha, que tanto admirei, e que tanto me encantou em sua beleza sem vaidade, em sua bravura sem insolência, como disse o bardo Lord Byron, no epitáfio de seu cão.
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TRAGÉDIA SHAKESPEARIANA EM SETE CIDADES Elmar Carvalho*
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lgumas décadas atrás, um caçador, ao se abrigar de forte chuva, entrou numa furna da Serra Negra, em Sete Cidades. Para se aquecer e afugentar possível onça, acendeu uma fogueira. Pode, então, descobrir um objeto algo semelhante a um pote, só que hermeticamente fechado. Ao lhe bater com uma pequena pedra, verificou, pelo som, que era oco. Chegou a pensar que na urna de argila estivesse contido algum tesouro, mas para sua decepção, quando a quebrou com uma pedra, constatou que dentro dela só havia várias *
Acadêmico e magistrado. Titular da cadeira 10 da Academia Piauiense de Letras.
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placas de barro cozido, semelhantes a mosaicos, porém retangulares e de maior dimensão. Logo viu que essas peças continham caracteres, semelhantes a hieróglifos, como os que existem em outras grutas e paredões de Sete Cidades. Deliberou contar o caso a um ermitão, de nome Licurgo Meneses, tido como sábio, por alguns, e por louco, por outras pessoas, que estudava essas escritas antigas fazia vários anos. O ermitão ficou feliz com a notícia, com a qual sempre sonhara, e pediu ao caçador o levasse até a furna. Depois, no lombo de burros, ambos transportaram essas peças de cerâmica até a casa onde o solitário Licurgo morava, perto da Pedra do Castelo. Este já tinha vários cadernos com as cópias dos caracteres que encontrara em diferentes locais de Sete Cidades. O desejo de decifrar o teor das placas de argila foi muito forte, e o ermitão dedicou todas as horas do dia a esse mister, comparando as letras, cotejando os caracteres com as figuras, até conseguir fazer a leitura do que as peças diziam. Esse Champollion de Sete Cidades traduziu o que a urna cerâmica continha, assim como também outros escritos que ele encontrara nas pedras das grutas e das encostas dos morros e dos paredões rochosos. Pelo menos foi o que ele afirmou, sem nunca ter sofrido contestação. Fiz uma cópia da tradução dos caracteres das placas de argila, e passo a narrar os fatos com minhas próprias palavras, e de forma resumida, já que não quero me fatigar e nem aborrecer o meu leitor. Acrescento que pretendo divulgar as outras anotações de Licurgo, falecido aos 77 anos de idade, já faz alguns anos. Para muitos ele foi uma espécie de feiticeiro, rezador ou simplesmente um místico solitário e maluco. Como seu corpo nunca foi encontrado, houve inevitável mistificação, com algumas pessoas acreditando ter sido ele arrebatado numa carruagem de fogo, e que retornará quando as cidades de
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pedras forem desencantadas. Entretanto, os mais realistas simplesmente acham que seu corpo foi devorado por animais, embora seu esqueleto nunca tenha sido visto. II O narrador das tábuas cerâmicas fala da história e dos costumes de sua tribo, que habitava às margens do rio Piracuruca. Essa etnia tinha uma casta de sacerdotes, que viviam isolados nas formações rochosas de Sete Cidades. Esses místicos viviam a adorar a lua e o sol, considerados deuses. A ordem era composta de homens, que oravam ao sol e de mulheres que reverenciavam a lua. Tinham eles um calendário, baseado na estação das chuvas, que correspondia aproximadamente a um ano solar. Os sacerdotes cultivavam o celibato, e qualquer violação a essa regra era punida com a morte. A cada período de aproximadamente quatro anos um homem e uma mulher, virgens e adolescentes, passavam a integrar o grupo. Eram instruídos na escrita e nos mistérios religiosos, bem como na arte de curar, através de ervas e de rezas. Formavam a aristocracia guardiã da história e da tradição da t ribo, e do saber da escrita. O casal de adolescentes teria de passar por um período de provação, que consistia em passar, inicialmente, um período chuvoso em região isolada da floresta, na região da Serra Negra, a meditar e a rezar, sem que o homem e a mulher pudessem se tocar. Caso o pretendente eleito fosse aprovado, seria admitido na confraria religiosa, em que teria restrições, mas gozaria de privilégios, entre os quais alimentação e moradia gratuitas, sem necessidade de caçar, guerrear, colher frutos silvestres, ou de praticar a rústica agricultura tribal, além de gozar de prestígio social e político. Durante o período probatório, os segredos religiosos não foram revelados a Anajá e Ulana, e nem lhes foi dito
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que sofreriam observação por parte de olheiros, que se revezariam na rigorosa vigilância. O casal teria de dormir obrigatoriamente em determinada furna, sob o pretexto de que era mais segura e mais confortável. Desde antes da adolescência, Anajá e Ulana já se olhavam com muita ternura, e chegaram a se tocar furtivamente, mas não lhes foi permitido o casamento, vez que foram escolhidos, pelos sacerdotes, por serem física e mentalmente perfeitos, para ingressar na ordem religiosa. Foram advertidos de que deviam se manter virgens, e lhes foi contado, como advertência, que, em mais de uma ocasião, casais de adolescentes já teriam sido imolados, ao serem flagrados a se tocar, ou quando a jovem dava sinais de estar grávida. III O sacrifício tinha requintes de crueldade. O homem e a mulher eram amarrados em dois postes, completamente desnudos, quase a se tocar, de modo que um pudesse contemplar o outro. Ficavam expostos ao sol e às intempéries e mosquitos noturnos, sofrendo sede e fome. Portanto, um via a insolação cruel e o inexorável definhamento do outro. Assim, o último a morrer assistia à decomposição do ser amado, atrelado ao cruel pelourinho, e devorado pelas aves de rapina. Ó, como a morte se tornava tão desejável, tão implorada em preces ardentes... Anajá e Ulana, numa noite tempestuosa, em que o céu pareceu derramar toda a água que tinha, se tocaram e se amaram com sofreguidão, várias vezes, com todo o furor e êxtase da libido adolescente, numa quase insaciedade, como se quisessem fazer valer a pena o risco de vida, que corriam, caso a violação da castidade fosse descoberta. Claro, não
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lhes foi dito, mas aquela furna tinha um furo, que permitia ao sacerdote espião olhar e ouvir tudo o que se passava no seu interior. Quando escurecia, o vigia retirava cuidadosamente uma pedra que fechava o buraco, e ficava a espionar o casal a noite toda, à procura de sussurros e gemidos amorosos, e mesmo a contemplar o casal, caso a fogueira estivesse acesa, como, aliás, era recomendado, sob o argumento de que servia para o aquecimento e para afugentar animais ferozes. Já houvera caso em que o homem fora retirado brutalmente de cima da mulher, pelos espiões, antes do término do coito. Morcegos esvoaçavam na caverna, esquivando-se das labaredas. De repente, o canto esganiçado de alguma rasga-mortalha, por entre o ribombar dos trovões, ecoava na gruta. Ulana estremecia, como se tivesse um calafrio de mau presságio. Mas naquela noite fria de tempestade tão violenta, de chuva tão forte, de relâmpagos tão refulgentes e de trovões tão ensurdecedores, o sacerdote claudicou na sua missão, mesmo porque o córrego que se formava poderia arrastá-lo para o despenhadeiro; em lugar de cumprir o seu dever, justificadamente procurou abrigo numa toca que havia a uns trezentos metros, onde estavam seus companheiros, de modo que o casal escapou do flagrante fatal. Todavia, no dia seguinte veio o terror de que haviam pecado contra a castidade, que lhes fora inculcado na consciência, desde que lhes fora dito que seriam sacerdotes. A jovem ficou com um brutal medo de engravidar, e jurou à lua que, se tal não acontecesse, cumpriria o seu mister religioso com a mais devotada dedicação. IV Contudo, vieram os sinais da gravidez. Ulana, apreensiva, notou que a sua regra menstrual falhou.
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Constatou a sutil alteração nos seios e no ventre. Sabedora da morte cruel a que seriam submetidos ela e o amante, tomou a decisão heroica de se matar, sem nada dizer ao seu amado. Fingiria um acidente, e se lançaria do alto do abismo. Premeditou detalhadamente como executaria o seu plano, de modo que não despertasse nenhuma suspeita, nem dos sacerdotes e sacerdotisas, nem de Anajá. Se os religiosos desconfiassem da gravidez, determinariam a morte do amante, e se este soubesse da sua simulação, poderia querer matar-se. Quando o rapaz adormeceu, a jovem pegou um utensílio de palha, como se fosse colher frutos, e se dirigiu a um penhasco. Lá, derrubou uma pedra, para deixar as marcas, que pudessem simular um tropeço, e se lançou no abismo, de ponta cabeça, de modo que não houvesse a menor possibilidade de salvação. Quando Anajá viu o cadáver, quis morrer também. Imaginou o que acontecera; fora suicídio, por causa de possível gravidez. Examinou atentamente os belos seios e o ventre da amada, e não teve dúvida de que a moça estava no início da gestação daquele que seria seu filho. Aprendera, com seu pai, os segredos do envenenamento das pontas das flechas. Colheu as ervas mortais. Os espiões viram o suicídio de ambos. Entenderam o que se passara entre os dois jovens, e tiveram certeza, ao contemplar o cadáver de Ulana, de que ela estava grávida. Comunicaram o triste acontecimento à casta sacerdotal e à tribo. Os jovens amantes foram enterrados entre fortes clamores e pungentes soluços. V O mais idoso dos sacerdotes foi à gruta sacrificial, tomou a bebida sagrada, e retornou com o olhar de louco. Em altos brados, convocou os demais sacerdotes, e lhes
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contou a visão que tivera. Disse-lhes que o deus sol lhe aparecera em pessoa, como se fosse uma tocha humana, e lhe dissera, em voz tonitruante, cheio de autoridade e resplandecência, que a partir dessa tragédia ficava proibida a castidade obrigatória. Se alguém quisesse guardar a virgindade, que o fizesse por devoção, por livre e espontânea vontade, mas sem que a isso estivesse obrigado. O ancião jurou estar falando a verdade, de modo que a confraria foi obrigada a acatar a decisão divina. Contudo, não mais recobrou a sanidade mental. Algumas pessoas murmuraram que a dose da bebida sagrada fora demasiadamente forte, e lhe ensandecera. Outros, disseram que ninguém via o deus sol em sua forma humana impunemente. O privilégio se transformava em maldição, com o visionário ficando louco, a proferir palavras desconexas e por vezes proféticas.
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VULTOS DA HISTÓRIA DO PIAUÍ: AJUDANTE FÉLIX DO REGO1 Reginaldo Miranda2
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA É nosso desejo traçar o perfil de diversos vultos que se destacaram na história do Piauí, iniciando pela fase colonial, por ser a mais antiga e, também, a que mais temos pesquisado. E nesse desiderato lançaremos em fascículos o livro Vultos da História do Piauí, cujo volume primeiro abrangerá o período colonial. O primeiro fascículo traz o perfil do Ajudante Félix do Rego Castelo Branco, geralmente bastante referido pelos cronistas do Piauí Colonial, mas paradoxalmente ainda um 1 2
Esta monografia foi publicada em volume no ano 2004. Historiador e advogado. Titular da Cadeira 27 e atual Presidente da Academia Piauiense de Letras.
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desconhecido, cuja vida surge em toda a sua pujança nas linhas que se seguem. Félix do Rego, foi um militar que ao lado do pai e de alguns outros ditos conquistadores, dizimaram diversas tribos indígenas do Piauí, Maranhão e adjacências. Por isso, a análise de sua personalidade, o conhecimento do meio em que atuou e das influências que recebeu, faz-se importante para se compreender a formação da sociedade em que vivemos. Cada um fará o seu juízo de valor. Ao pesquisador cabe apresentar os fatos e personagens. É o que faremos nesse e nos outros fascículos que sucederão. Boa leitura! NASCIMENTO E FORMAÇÃO Irascível, obstinado e orgulhoso, saía de si perdendo totalmente o controle quando contrariado em seus objetivos. Nesses momentos tornava-se extremamente violento, desconhecendo limites. Vendo-se como um homem predestinado a grandes feitos, perseguia o sucesso obstinadamente, sendo capaz de sacrificar-se ao extremo para dar cabo de uma missão que lhe fosse confiada. Para ele o único limite seria a vitória. Se em guerra contra tribos indígenas era capaz de passar dias incontáveis na mata, em prejuízo da saúde e com risco da própria vida, enfrentando quaisquer adversidades, entre as quais fome e doença, não aceitando retroceder sem cumprir seu objetivo. E se os índios conquistados se recusassem a segui-lo não hesitava em matá-los a sangue frio, contanto que não fosse contrariado. Por outro lado, nutria pelo pai, a quem acompanhava nas tropas militares desde a adolescência, verdadeira adoração. Poucas vezes se viu na história, pai e filho interagirem de forma tão completa. Era filho na genética e no idealismo político-militar. Sobre essa dedicação, em 15 de maio de
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1773, disse o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro: “sempre o acompanhou, mostrando nas veias iguais caprichos aos do pai” (CABACap. Cod. 149. p. 16v/17v). De fato, quando o velho tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, perde a visão é o filho Félix do Rego quem vai ser seus olhos, seus braços e suas pernas. Então, passa a executar caprichosamente as ordens do pai. E o faz com um raro talento que nada fica a lhe dever. Pode-se dizer, então, que foi somente pela decidida ação desse filho dedicado que o pai pôde continuar no comando do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Capitania. Desde cedo o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco o prepara para sucedê-lo. Mal chegara a adolescência e já o acompanhava nas mais diversas diligências militares. Nascera por volta de 1742, no Maranhão, onde seu pai prestava serviço, filho desse militar e de sua esposa, D. Perpétua Luzia de Barros Taveira, descendendo de ilustradas famílias tanto pelo lado paterno quanto materno3. Em 12 de outubro de 1761, estava com o pai no aldeamento de S. Félix, no termo de Pastos Bons, Maranhão, quando são convocados pelo governador João Pereira Caldas, para integrarem as tropas militares piauienses. E a correspondência endereçada a João do Rego deixa claro que este já havia recomendado o filho anteriormente. Diz o governador,: “Procure V.Mce em 3
De fato, João do Rego Castelo Branco era descendente de velha estirpe. Seu avô, D. Francisco da Cunha Castelo Branco, que mudouse para o Brasil, era filho de D. Antônio de Castelo Branco Cunha, português, 12º Senhor de Pombeiro e comendador de Santa Maria de Almendoa na Ordem de Cristo, descendendo ainda de Vasco Paes Castelo Branco, primeiro deste apelido, que se tornou alcaide-mor em 1367. Pelo lado materno, eram avós de Félix do Rego o capitão-mor de Oeiras Gonçalo de Barros Taveira e D. Antônia Gomes Travassos, portugueses chegados à Bahia nos primeiros dias do século XVIII, e dali por volta de 1710 passados ao Piauí.
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recolher-se a esta vila com a brevidade avisada, trazendo em sua companhia ao sobredito seu filho, porque estou certo, que V.Mce não duvidará dar-mo para soldado, de que brevemente poderá passar a alguns dos Postos subalternos desta companhia de Dragões, a que Sua Majestade destinou muito bons soldos” (CABACap. Cod. 146. p. 29/29v). De fato, Félix do Rego Castelo Branco, em 1º de janeiro de 1762, sentou praça de soldado da Companhia Franca de Dragão, passando a cabo de Esquadra da mesma companhia, em 6 de agosto de 1769, no exercício de cujo cargo, em 19 de janeiro de 1777, teve o nome proposto pelo governo do Piauí para o posto de Ajudante do Terço de Cavalaria Ordenança da Capitania de S. José do Piauí, em que era mestre-de-campo João Paulo Diniz. E, logo mais, em 3 de abril do mesmo ano foi nomeado para esse posto pelo capitão general do Estado, Joaquim de Melo Póvoas, “pelo serviço que tem rendido a S. Mag. (...), com honrado procedimento, e por esperar que daqui em diante se haverá da mesma forma e confiança que faço de sua pessoa”. Tomou posse no novo posto em Oeiras, a 18 de junho do mesmo ano, quando foi registrada sua patente no livro próprio da Capitania(CABACap. Cod. 149. p. 58. Cod. 274. p. 118/119). AS PRIMEIRAS DILIGÊNCIAS Pois, de outubro de 1762 a junho de 1763, esteve ao lado do pai, com um competente corpo de tropa de Cavalaria e Ordenança, guarnecendo as barras do rio Parnaíba e do braço dele chamado Igarassu, lugares considerados mais expostos a invasões e, por isso, mais dignos de vigilância. É que fora declarada guerra de Portugal contra Castela e França. Porém, em 20 de junho de 1763, o governador autoriza o tenente-coronel João do Rego, a se recolher com
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seu destacamento, em face da paz celebrada na Europa, em fevereiro daquele ano. Nesse período, Félix do Rego Castelo Branco pôde conhecer a terra onde nascera o pai e travar conhecimento com alguns parentes (CABACap. Cod. 146. p. 84v/86. 117). Todavia, não teve tempo para descanso, pois mal chegou a Oeiras, envolveu-se nos preparativos para a guerra que se deveria fazer contra as tribos nativas que habitavam o sul do Piauí e Maranhão. Dessa forma, no início do verão de 1764, em companhia do pai e de uma tropa que deveria atingir o número de cento e cinquenta homens, parte para a vila de Jerumenha, de onde ruma para Pastos Bons e vale do Itapecuru, sempre recebendo novos contingentes de homens por onde passavam, já adredemente preparados. E fundam um presídio na foz do rio Uruçuí, que lhes serviu de apoio para as diversas entradas que fizeram contra as tribos Timbira e Gueguê, praticamente dizimando-as. No primeiro confronto aprisionaram 183 indígenas, deixando mais de quatrocentos mortos e feridos que ficaram por aqueles matos. Desses prisioneiros, somente 143 chegaram a Oeiras, falecendo os demais em virtude de virem acorrentados, ferindo-se e passando fome e maus tratos. Muitos outros faleceram em outras pelejas, de forma que com o início do inverno e o retorno de João do Rego e sua tropa, o governador João Pereira Caldas, não mais desejava continuar essa onerosa guerra que representou o pior momento de seu governo. Porém, “os Gueguês, massacrados em suas próprias tabas, respirando com dobradas forças e maior ousadia, informa a Câmara de Jerumenha, em represália assaltam as fazendas do município, queimam, depredam e matam por toda parte, deixando a desolação em Castelo, S. Lourenço, Golfos, S. Francisco, Morros e, enfim, Carnaíba a apenas 4 léguas da sede municipal” (NUNES, 1975:115). Então, atendendo pleito da Câmara Municipal de Jerumenha,
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em junho de 1765, tem início nova campanha do governo contra os Gueguês que, finalmente, são contactados por João do Rego, na margem ocidental do rio Uruçuí, firmando a paz e sendo estabelecidos 434 deles, em novembro desse mesmo ano no aldeamento de S. João de Sende, que fundam em território localizado oito léguas ao norte de Oeiras. Embora Félix do Rego Castelo Branco participe de todas essas campanhas militares ainda não ocupava posição de comando, sendo mero auxiliar do pai, que nesse tempo contava com auxiliares mais experientes, a exemplo do capitão Ignacio Paes Maciel e do tenente João Rodrigues Bezerra. Contudo, para ele fora um aprendizado, de cujas lições fizera-se aluno dedicado. O MASSACRE DOS ACOROÁS Novamente, Félix do Rego Castelo Branco volta a acompanhar o pai4 na guerra contra a nação Acoroá, que teve início em 1º de maio de 1771. E após alguns confrontos, em setembro desse dito ano, firmam a paz com essa nação nas proximidades do rio do Sono, em Goiás, retornando ao seu quartel em 8 de novembro próximo. E no ano seguinte, parte em diligência a esses índios, se 4
Sobre essa participação, em 20 de novembro de 1771, em carta a S. Majestade, o governador Gonçalo de Castro elogia a contribuição de Félix do Rego. Diz: “Nesta última expedição se empregou também um filho do mesmo Oficial chamado Félix do Rego de Castelo Branco, atualmente Cabo de Esquadra da Companhia de Dragões da guarnição desta cidade, o qual imitando com muita propriedade o préstimo, e atividade do pai, se distinguiu em todas as empresas pelo valor, e merecimento. E querendo S. Majestade premiá-lo, além de ser digno de qualquer mercê, facilitar-se-ão outras muitas a empregar-se nesta qualidade de serviço, que é o mais útil à Capitania” (AHU. Cx. 20. Doc. 1046).
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demorando de 6 de abril a 9 de setembro, quando se dá seu aldeamento nas cabeceiras do riacho Mulato, cuja localidade passou a chamar-se S. Gonçalo, sendo hoje a cidade de Regeneração. Eram 1237 indígenas. Contudo, em virtude da fome ser grande e os castigos dados por qualquer motivo, na noite de 21 para 22 de janeiro do ano de 1773, grande parte desses índios foge de S. Gonçalo, em busca de suas antigas moradas, buscando caminhos diversos pelas margens do rio Parnaíba, em rumo de suas nascentes. E ainda em meio à repressão aos fugitivos, nova fuga com o mesmo procedimento ocorre na noite de 2 de abril seguinte, desta feita liderada pelo cacique Bruenque, que durante a anterior estava fora da aldeia, em diligência no Maranhão. Em ambas as oportunidades marcha contra eles, Félix do Rego. É que o pai ficara em S. Gonçalo, onde era diretor, disciplinando os remanescentes e castigando os fugitivos que lhe eram remetidos do mato. Fora essa a primeira missão de Félix do Rego, como comandante. E não deslustrou o nome do pai, reeditando o mesmo massacre de 1764 e assinalando o pior momento do governo de Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. Partindo de S. Gonçalo a 22 ou 23 de janeiro, em Jerumenha recebe o reforço da tropa do tenente João Rodrigues Bezerra, que se submeteu ao seu comando(CABACap. Cod. 148. p. 198. 198v/199). E logo mais deram com diversas malocas dos fugitivos, dos quais mataram mais de seiscentos indígenas desarmados pelo simples motivo de não quererem retornar ao aldeamento. E remeteram algumas dezenas para S. Gonçalo, acorrentados, onde João do Rego separava os desertores que julgava mais perigosos e os mandava para a cadeia de Oeiras, a fim de posteriormente serem degredados para o Maranhão. Os outros ficavam amarrados nos troncos fincados na única praça da aldeia, ainda hoje existente(CABACap. Cod. 149. p.
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16v/17v. Cod. 150. p. 9v/10. 11/11v. 11v/12). Nesse tempo o governador Gonçalo de Castro escreve ao tenente-coronel João do Rego, dizendo-lhe, entre outros assuntos: “fiquei ciente pela carta de VM. do efeito que resultou das diligências de seu filho Félix do Rego, e visto ele continuá-las, queira Deus prosperá-las, para que não fique no mato, algum, ou alguns dos desertores. A tropa que VM manda existir armada na aldeia de São João de Sende, eu a aprovo; e da vila de Jerumenha até agora não tive notícias” (CABACap. Cod. 150. p. 4v/5).
Infelizmente, somente uns poucos conseguiram escapar, abrigando-se no aldeamento de S. José do Duro, em Goiás. É quando o fraco governador, preocupado com o genocídio que se ia praticando, timidamente chama para si a responsabilidade, dizendo ao tenente coronel João do Rego: “Tenho compreendido pela carta de VM. o que finalmente resultou das diligências de seu filho Félix do Rego, cuja atividade e préstimo sempre me será recomendável. Enquanto as providências para se extrair do mato a maloca que escapou não lhe determino a obrar cousa alguma sem que VM. me ouça” (CABACap. Cod. 150. p. 6/6v).
Sobre esse episódio tornou-se clássico o depoimento de um juiz ordinário de Oeiras, resgatado por Alencastre. Sobre a repressão imposta por Félix do Rego durante a primeira fuga ocorrida em janeiro, ele sintetiza da seguinte forma: “Juntos, e postos a caminho, [os Acoroás] buscavam a sua antiga morada; porém sendo seguidos prontamente, foram presos uns e postos em pedaços outros, trazendo-se orelhas destes que se pregaram nos lugares públicos da aldeia, para terror dos que não fizeram movimento algum naquela ocasião” (ALENCASTRE, 1981:59).
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E sobre a repressão aos fugitivos de abril do mesmo ano, cuja ação militar não sofreu solução de continuidade, acrescenta o mesmo juiz ordinário: “Neste tempo chega o principal Bruenque do Maranhão, onde tinha ido buscar para a sua aldeia uma partida de parentes, que no ano antecedente tinha descido com a nossa bandeira, tomados no presente assalto na forma já dita, que por errada política se tinha mandado com alguns Timbiras, para a dita cidade do Maranhão. Vendo tantos castigos, tanta carniçaria, tanta crueldade, tanta vexação e violação do ajustado por aqueles mesmos homens, que em nome de seu príncipe lhes tinham segurado uma bela paz, muita fortuna e segura amizade, a quem ele com a sua gente, deixando a pátria e a liberdade e o pouco que tinham, se entregaram de boa fé, sem que de sua parte dessem causa atendível para semelhante tratamento, marcha a esta cidade [de Oeiras] e se queixa amargamente ao Governador, pedindo-lhe uma satisfação do sucedido, ou ao menos que evitassem semelhante desordem para o futuro, e mandasse tirar dos lugares em que se achavam pregadas as orelhas dos que se tinham mandado passar à espada, sem outra culpa que a de quererem evitar com a fuga o que já não podiam levar com paciência; e dos troncos, os que achavam presos pela mesma causa. ‘Não foi atendido Bruenque porque não eram minas do rio do Sono [e sim Oeiras]; [então] retira-se sumamente picado da desfeita, e vendo que lhe não restava outro remédio, caminha 30 léguas [...], e na mesma noite em que chega, com todos os principais parentes, que se achavam na Missão, deixa com eles o rancho, e marchando em muitos e espalhados magotes para o mato, demandam à antiga morada” (ALENCASTRE, 1981:60).
E sobre a ação repressora do Ajudante Félix do Rego, nesse episódio, acrescenta o referido juiz ordinário: “O dito coronel fica na aldeia sustentando o resto, que tinha ficado daquela nação, e manda seu filho Félix do Rego e um impávido Teodósio, que se intitula ajudante das primeiras entradas, acompanhados de alguns auxiliares e Gueguês, seguindo o alcance dos fugidos, e ao caminho se lhes
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agregaram alguns socorros de cá [de Oeiras] expedidos, com que engrossaram as suas tropas, e alcançando sucessivamente as malocas dos tapuias, os vão passando todos a ferro, segundo a sua inclinação e ordens de seu pai o tenente-coronel, e não seguindo as que lhe dirigiu o governador na carta de instrução, que determinava o contrário. ‘Duas façanhosas proezas, ou famigeradas ações se viram executadas nesta ocasião pelos grandes Teodósio e Félix do Rego: a primeira, muitas vezes repetida, consistiu na grande piedade que alcançaram as donzelas e meninos que se iam encontrando em um e outro magote dos fugidos; porque vendo estas matar a sangue frio a seus pais, irmãos e parentes, que não resistiam, nem levavam armas de qualidade alguma para o fazer, se humilhavam, batendo as palmas das mãos, que entre eles é o modo mais expressivo de misericórdia para comoverem a ternura. Mas, nesta mesma ação de humildade, digna da maior compaixão, se lhes trespassam os peitos até darem o último suspiro, sem lhes valer a fraqueza do sexo e o tenro da idade, a falta de resistência, e carência de culpa e o pedirem humilde e incessantemente misericórdia. ‘Sem lhes valer o serem inocentes nessa inculpável ação de fugirem, seguindo a seus parentes, que as levavam e a quem tinham obrigação de obedecer, sendo igualmente estes impuníveis na sã fuga que fizeram, posto se lhe desse o nome de levante, e rebelião, para se proceder com aleivosia na forma do estilo que assim costumam praticar as maiores crueldades; porque não fizeram hostilidade alguma não só na aldeia de que saíram, mas nem ainda pelas fazendas e caminhos por onde passaram. ‘Segue-se o resto aos que ainda faltavam e ultimamente se vêm render uns dezoito voluntários, pedindo [que] os conduzissem para companhia de seus parentes, com os quais prometiam viver quietos. – Seguiram-se logo, amarrando-se bem, com o pretexto de não tornarem a fugir, - mas depois de manietados, se passam todos a espada, deixando os corpos no campo, para pasto das feras. ‘Chegam os dois cabos da sua jornada, e dão parte dos sucessos referidos que fizeram e por terem ido contrários à ordem, que por escrito se lhes mandara, além de terem eles e o seu comandante sido a causa da fuga com os seus castigos
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e desaforadas insolências que cometeram, eles foram os que castigaram os fugitivos, eles os principiaram a acometer, e acabaram de destruir, mas nesta forma ficou em paz, por ficar a gosto e conforme a ordem do carrasco do comandante, e basta que ficaram reduzidos ao número de menos de quatrocentos, sendo de mil duzentos e trinta e sete, que entraram nesta Comarca, tendo os mais acabado, a ferro” (ALENCASTRE, 1981:60/61)
A fim de se aferir o número de baixas, esclarecese que somente permaneceram desta fuga, uns por não quererem seguir a resolução do Principal, e outros por se acharem em casa de alguns moradores, o número de duzentas e duas almas da nação Acoroá, disse Gonçalo Botelho em 15 de maio de 1773, logo após a deserção (CABACap. Cod. 149. p. 16v/17v). Contudo, em face da recaptura de alguns fugitivos, em 3 de janeiro de 1774, já existiam trezentos e vinte sete índios da nação Acoroá na aldeia de S. Gonçalo, e mais alguns fora dela, que foram mandados buscar. Ao todo não chegavam a quatrocentos, talvez uns trezentos e oitenta, o que resulta no retorno forçado de cerca de cento e oitenta desertores, além dos líderes que foram presos em Oeiras, a fim de posteriormente serem desterrados para o Maranhão. Para concluir, sobre essa perseguição desenfreada aos fugitivos, diria mais tarde o governador Gonçalo Botelho de Castro, confirmando, assim, o citado depoimento do anônimo juiz ordinário: “... logo expedi repetidas tropas para os fazer retroceder; e agora devo dizer a V. Ex.ª que desta diligência resultou pegaremse à força muitas índias e crianças; porém homens de guerra poucos, e a maior parte dos mais pereceram nestes encontros, ou fugidas que faziam para não tornar com os nossos; e me assegura o tenente coronel João do Rego Castello Branco, que também andou no mato sobre eles, que seriam raros os que escaparam, acertando comigo de passado o inverno, repetir
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tropa que vá extrair esses poucos que ficaram” (CABACap. Cod. 149. p. 27/28).
Por fim, ainda pensando em recapturar os poucos índios que tinham escapado, no final do inverno de 1774, o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro se anima em mandar tropas ao mato. Assim, em 12 de março escreve ao tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, dizendo-lhe que achava conveniente empreender uma nova campanha contra os desertores Acoroás que ficaram no mato, e quanto ao tempo de se iniciar deixava a seu critério. Manda-lhe, então, algumas arrobas de chumbo compradas em sua maior parte aos mercadores, e determina que se dêem quatro cavalos de El Rei, porque já lhe custa pensionar os moradores com mais contribuições. E ordena que se formem duas tropas, segundo sugestão do próprio João do Rego, sendo uma comandada por Félix do Rego e outra por Teodozio de Araújo Braga, militar que atuava no termo de Parnaguá. A primeira deveria em caminho, tomar os mantimentos que necessitasse passando recibos que seriam, posteriormente, apresentados à Provedoria, para os pagar, como de costume. Quanto à segunda tropa, o juiz ordinário de Parnaguá, pelo que lhe passava na ordem inclusa, deveria preparar os mantimentos e mais acessórios, devendo o Ajudante Manoel Lopes de Carvalho conseguir os soldados que deveriam formá-la, para a qual já existiam dois soldados Dragões. Finalmente, propõe que em face de irem nesta diligência dois tão excelentes cabos, como são Félix do Rego e Teodozio de Araújo, era desnecessário que João do Rego tomasse pessoalmente esse laborioso enfado. Porém, se desejasse ir por sua livre e espontânea vontade, que deixasse respondendo pela direção da aldeia, ou Antônio Teixeira de Novaes ou Antônio Alves Brandão, uma vez que ambos eram homens preparados para o exercício do cargo.
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João do Rego, porém, já velho, cansado, com princípio de cegueira, prefere ficar na Missão de S. Gonçalo tocando as obras necessárias para sua implantação, à custa da Real Fazenda, inclusive a edificação da igreja. Porém, mesmo sem se ausentar da aldeia, orientou seu filho Félix a seguir o caminho do Maranhão, por onde anos antes trouxera os Acoroás. Certamente os encontraria, pensava. Na verdade, desde a fundação da aldeia de S. Gonçalo que ele, embora ocupando o posto de comandante das tropas militares da Capitania, preferiu tomar pessoalmente a administração do lugar, onde se fixou, transferindo a execução das atividades puramente militares ao filho, sob sua orientação. Eram já mais de trinta anos de campanhas. Teodozio de Araújo, partindo de Parnaguá, onde residia, comandou sua tropa pelas cabeceiras do Parnaíba, onde se sabia da passagem dos desertores, e seguindo rio acima foi ter com eles nas aldeias do Duro. No mês de julho já estava de volta à sua casa em Parnaguá, de onde escreve ao governador, pelo Correio daquele mês. Comunica-lhe que os índios que por lá passaram da Missão de S. Gonçalo se retiraram para o Duro, onde tinham os parentes e lá se conservavam de paz com eles. Conclui indagando se os havia de ir buscar. E o governador lhe responde que se unisse a Félix do Rego, com quem ainda não havia se encontrado e, juntos executassem o que melhor lhes parecesse, sempre na conformidade das ordens de João do Rego. Na verdade, o governador desejava buscar os índios desertores na aldeia do Duro, Capitania de Goiás, porém, não teve coragem de dar a ordem. Esperava que os cabos o fizessem por sua conta e risco, e se desse errado, ele não se responsabilizaria diretamente. Então, Teodozio de Araújo partiu rumo ao incerto encontro com Félix do Rego em lugar ignorado. A essa altura, já final de julho e ninguém sabia
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notícias de Félix do Rego, que partira desde 5 de abril, o que era motivo de preocupação. Havia um silêncio total. Sabia-se apenas do destino que tomara. Na verdade, sua campanha fora de um fracasso inusitado. Dirigira-se pelo distrito de Pastos Bons, pelo caminho onde anos antes seu pai surpreendera os Acoroás, metendo-os de paz, como então se dizia. Porém, não encontrou nem pista dos mesmos, frustrando-se. É quando já em agosto encontra-se com o Mestre de Campo Francisco Barbosa Lima, que lhe convence a fazerem uma entrada contra os índios Timbiras, a despeito de alguns insultos que haviam praticado. Então, aceita o convite a fim de minimizar a despesa da Real Fazenda. E na perseguição desenfreada conseguem encurralar os Timbiras na margem direita do rio Tocantins, altura hoje da cidade de Estreito, ao que pensamos, onde tentavam atravessar, impressionando-se com as dimensões desse rio. Prendem, afinal, cento e cinquenta e tantos Timbiras, repartindo-os, dos quais Félix do Rego manda oitenta e três ao governador, acrescidos de oito que foram brindados pelo Mestre de Campo. São conduzidos por Felipe de Sousa, soldado Dragão, e mais quinze soldados Gueguês. Porém, alguns morreram e outros fugiram a caminho, chegando a Oeiras apenas oitenta e um deles. Então, seis foram distribuídos a amigos de Félix do Rego, a pedido deste, e setenta e cinco remetidos a Joaquim de Mello Póvoa, governador e capitão general do Estado do Maranhão e Piauí. Só então se soube notícias do paradeiro de Félix do Rego, que após essa remessa continua procurando pista dos desertores Acoroás. Conforme dissemos, por questão de gênio, não aceitava retornar sem os desertores. É quando se encontra com Teodozio de Araújo, que lhe comunica o estado dos Acoroás, no Duro. E por não terem mais o que fazer, voltam, enfim para casa no mês de setembro, com Félix do Rego se
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apresentando no seu quartel em 20 de novembro. Estava encerrada a busca desenfreada aos fugitivos (CABACap. Cod. 150. p. 76v/77. 93v. 101/101v). Antes, porém, é importante mencionar as impressões de Félix do Rego sobre o rio Tocantins, ditas ao governador5 na carta em que remeteu os Timbiras presos. O governador, não menos admirado as transmite a João do Rego, veterano dessas conquistas. Vejamos como o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, aborda o assunto: “Ele já pode noticiar a VM. do famoso Tocantins, pois me assegura no Diário que me remeteu chegara a ele, onde vira onças d’água grandíssimas, arraias como rodeiros, e jacarés de três, e quatro varas de comprido. Deus nos livre destas monstruosidades e conceda a VM. inteira saúde para desempenhar dessa obra e tocar a mais Missão” (CABACap. Cod.150. p. 101/101v). 5
Essa expedição reveste-se de importância histórica por ser a primeira vez que homens brancos atingiram a margem maranhense do rio Tocantins, até então desconhecida. Na Enciclopédia Brasileira dos Municípios, volume XV, pág. 109, consta o seguinte: “A descoberta do Tocantins, pelo lado maranhense, segundo ainda Carlota Carvalho, deve-se a uma das expedições organizadas para tal fim pelo comandante de Pastos Bons. Essa é a versão adotada no texto, mas devem ser observados os tópicos do Ofício dirigido pelo governador Sebastião Gomes da Silva Belford, em 10 de maio de 1810, ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra: ‘Ignorava-se totalmente no Estado do Maranhão a altura em que se achava o rio Tocantins, quando as sábias e providentes Cartas Régias de 12 de março de 1798 decretaram que se promovessem os meios de descobri-lo e navegá-lo, a fim de se conseguirem os grandes e incalculáveis interesses, que eram de esperar e se arrumarem, e se estabelecerem pelo dito rio relações comerciais entre as Capitanias do Maranhão, Grão Pará e Goiás”. Portanto, está elucidada também essa questão: o governo do Piauí, através do Ajudante Félix do Rego, foi o primeiro a descobrir a atual margem maranhense do rio Tocantins, juntamente com o comandante de Pastos Bons.
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CONFLITO COM O OUVIDOR-GERAL Assim, vencida essa fase de perseguição aos indígenas fugitivos da aldeia de S. Gonçalo de Amarante, cuja última campanha, onerosa e infrutífera, deu-se no ano de 1774, o Ajudante Félix do Rego Castelo Branco, retornou ao seu quartel. E logo em 2 de janeiro do ano de 1775, o governador Gonçalo de Castro, retorna ao reino via S. Luiz do Maranhão, passando o governo a uma Junta Trina presidida pelo Ouvidor-geral da Comarca, e com dois Adjuntos, o portador da mais alta patente militar residente na Capital e o vereador mais velho da Câmara da mesma cidade. O Piauí foi administrado dessa forma até 19 de dezembro de 1797, quando ocorreu a posse de seu terceiro governador, Dom João de Amorim Pereira. E de início o T.te-C.el João do Rego Castelo Branco, tomou posse do governo como militar de maior graduação, ao lado do vereador Domingos Barreira de Macedo, tendo por presidente Dr. Antônio José de Morais Durão, Ouvidor-geral da Comarca. E a 3 de janeiro do ano seguinte, na vaga de Vereador assume José Esteves Falcão, em lugar de Domingos Macedo. Então, com a posse de seu pai na Junta Trina de Governo, acumulando-a com o de diretor do aldeamento indígena de S. Gonçalo, Félix do Rego, vez ou outra assumia interinamente a administração do aldeamento, durante as ausências do pai. Passou a ser seu auxiliar e substituto. No vizinho aldeamento de S. João de Sende, desde 1772, era diretor o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, irmão de Félix. Os Rego Castelo Branco, estavam no auge desde o governo anterior e permaneciam durante a administração da Junta Trina, da qual o chefe da família era membro. Também, administravam dois dos três aldeamentos indígenas existentes na Capitania, sendo
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remunerados com um sexto6 de tudo o que produziam os índios e ainda contando com essa farta mão-de-obra para os seus trabalhos particulares. Aliás, o desvio de índios de seus afazeres no aldeamento para atividades particulares foi uma constante nos aldeamentos piauienses, embora contrário às leis e aos bons costumes, fato que gerou diversas denúncias. Por essa razão, era a administração dos aldeamentos indígenas um rentável cargo no Piauí colonial. Todavia, essa situação confortável dos Rego Castelo Branco, à frente da administração pública piauiense não demorou por muito tempo durante o governo da Junta Trina. É que no ano de 1776, o Ouvidor-geral Antônio José de Morais Durão desentendeu-se com o T.te.-C.el João do Rego Castelo Branco, afastando-se esse último dos trabalhos no governo e retornando para S. Gonçalo, embora de direito ainda fosse membro do governo. Porém, as hostilidades continuaram, acirrando a animosidade entre ambos. E preocupado com a presença dos Rego nos arredores de Oeiras, assim como para diminuir os poderes da família, logo mais o Ouvidor Durão, destitui o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, filho de João do Rego, da diretoria da aldeia de S. João de Sende, remetendo-o para a distante vila de S. João da Parnaíba, a fim de disciplinar a tropa local. Essa justificativa era puro engodo, todos sabiam. Então, no mês de fevereiro o Ajudante Antônio do Rego manifesta desejo de retornar. Porém, em resposta datada de 2 de março de 1777, 6
Estabelecia o Diretório Indígena, que os diretores receberiam “a sexta parte de todos os frutos que (...) cultivarem [os índios], e de todos os gêneros, que adquirirem, não sendo comestíveis. E sendo comestíveis, só daqueles, que os mesmos índios venderem, ou com que fizerem outro qualquer negócio”. Visava esse prêmio aos diretores, animá-los a “desempenharem com maior cuidado as importantes obrigações de seu ministério” e para dirigirem os índios com eficácia no “interessantíssimo trabalho da agricultura” (§ 34).
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Durão lhe ordena que continue residindo na vila de Parnaíba, dando assistência à Tropa Auxiliar, disciplinando-a. Conforme se sabe, o retorno forçado seria considerado deserção militar passível de punição. Enquanto isso, o implacável Ouvidor Durão fustigava o velho João do Rego, a despeito de problemas corriqueiros. Cobrava a prestação de contas de armas e munições utilizadas em diligências antigas, substituía soldados de seu comando sem sua aquiescência, cobrava a presença dos índios na aldeia, etc. João do Rego, estrategicamente fingia-se de morto. Media os passos do adversário. Em segredo preparava-lhe o troco. Ao seu lado, fiel como cão de guarda entrincheirou-se o filho Félix do Rego. Temperamental como era, desejava partir para a violência. O velho, porém, o segurava, pois sabia não ser apropriado esse comportamento. Era tudo o que desejava o Ouvidor, para ter motivos contra eles. A esse tempo, é bom se esclarecer que os dois filhos de João do Rego possuíam temperamento diametralmente opostos. Antônio do Rego era homem de bastidores que sabia muito bem intrigar politicamente, na fiel concepção de Maquiavel, ao passo que Félix era temperamental, menos político e mais militar, às vezes agindo com a emoção, sem medir as consequências, aliás, temperamento que lhe trouxe diversos problemas, a si e ao pai, obrigando-o a assumir alguns de seus crimes(CABACap. Cod. 150. p. 157v/158. 184). Porém, não satisfeito com essas ações, voltou-se também o Ouvidor Durão para o Ajudante Félix do Rego Castelo Branco, então diretor interino do aldeamento de S. Gonçalo. Assim, em agosto do mesmo ano de 1777, afasta-o da direção do lugar. Evidentemente que, entusiasmado como era, Félix do Rego não aceita essa decisão. E, então, induz os índios a lutarem por sua permanência no lugar. Contrariado
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com essa resistência e se movimentando num jogo arriscado, em que esperava apanhar os Rego numa falta, Durão, a 4 de setembro, lhe adverte que ocupar o posto de Ajudante da Cavalaria Ordenança e com o soldo competente, tornava-o embaraçado para o exercício da diretoria de S. Gonçalo. Mais uma vez, Félix do Rego, ao invés de entregá-la, manipulou os índios para que intercedessem em seu favor. Então, agastado com esses obstáculos e agindo arbitrariamente, como era de seu feitio, a 21 de setembro do mesmo ano, Durão assina uma missiva a Félix do Rego, com advertência a seu pai. Também, assinava a sua própria sentença, afinal João do Rego era um militar graduado e bastante respeitado. Analisemos, pois, o teor da correspondência: “Carta ao Ajudante Félix do Rego Castelbranco. ‘Devendo VM. respeitar as ordens deste governo e agradecer o modo conciso com que se mandou abster da Directoria dos índios Acoroás, em que só interinamente estava empregado, ofertando pelo contrário, que concitou ou por si ou por outrem os mesmos índios para nos virem pedir a sua reposição e como quem obra nesta forma sem sentimento algum de probidade é muito capaz de causar um formal levante na mesma nação de forma que toda se retire para o mato, determinamos a VM. se recolha logo para esta Praça onde se deve residir por obrigação do seu emprego e antes da sua partida advirta a seu pai que de toda a alteração ou desordem que houver na Aldea dos referidos Acoroás será ele reputado por cabeça e tratado como tal, pois sabemos muito bem as máximas que nestes casos se costumam praticar, tendentes todas a fazer irrisórias as determinações deste governo e a continuar na destruição dos mesmos índios como até aqui se tem feito. Deus guarde a VM. Oeyras do Piauhy 21 de setembro de 1777 = Antonio Joze de Morais Duram = Fernando Vellozo de Miranda e Souza = Joam Ferreira de Carvalho. = Senhor Ajudante Féllix do Rego Castelbranco” (CABACap. Cod. 150. p. 184v/185).
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Em face dessa ordem peremptória e da ameaça que lhe fora dirigida, o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco se articula rapidamente e cobra uma ação enérgica do general do Estado, que também antipatizava o Ouvidor, e com quem vinha se entendendo desde a ruptura dos trabalhos na Junta. No reino, contava também com o decidido apoio do ex-governador Gonçalo de Castro, também desafeto do Ouvidor Durão. E como vinha colhendo provas em segredo, enquanto Antônio José de Morais Durão bradava a inimizade, não foi difícil fornecer ao general do Estado elementos para a punição do Ouvidor, que angariara diversas inimizades. Dessa forma, a 3 de dezembro o Ouvidor Durão é surpreendido em Oeiras com a ordem de prisão, e a 17, enviado para S. Luiz do Maranhão, sob escolta militar, donde logo mais seria embarcado para o reino. Esse desfecho foi também favorecido com a queda do Marquês de Pombal, que protegia Morais Durão. Dessa forma, estava restabelecido o poder da família Rego Castelo Branco na Capitania de S. José do Piauí. Nesse quadro, o Ajudante Félix do Rego, que fora afastado em setembro, na forma já dita, reassume a direção do aldeamento indígena de S. Gonçalo de Amarante, ainda durante o mês de dezembro do mesmo ano, logo após a prisão do Ouvidor, sendo efetivado, porém, somente em 3 de agosto de 1779. E permanece nessa diretoria até 18 de agosto de 1784, quando, novamente, fora substituído pelo pai(CABACap. Cod. 162. p. 1v/30v). COMBATE AOS PIMENTEIRAS Enquanto isso, índios até então desconhecidos, e que mais tarde se descobriria serem da nação Pimenteira, alarmam as cabeceiras do rio Piauí, no termo de Oeiras, divisa deste com o de Parnaguá e Pernambuco, hoje
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Bahia. Contra eles, em 1º de abril de 1776, marcha Félix do Rego, retornando em 10 de julho do mesmo ano. E, novamente, enceta campanha contra os mesmos índios, de 14 de fevereiro a 17 de junho de 1777. Por fim, promove sua terceira e última investida contra essa nação, de 15 de abril a 30 de junho de 1779. Contudo, foram de pouco proveito essas diligências nas cabeceiras do rio Piauí, tendo Félix do Rego se voltado para a administração do aldeamento de S. Gonçalo. ADMINISTRAÇÃO DO ALDEAMENTO DE SÃO GONÇALO E mesmo com o tenente-coronel João do Rego influenciando a administração do filho, como eminência parda, este tentou imprimir sua marca. Assim, logo após a posse, em 10 de fevereiro de 1778, relata à Junta de Governo o péssimo estado em que se encontrava a aldeia, principalmente a igreja, requerendo providências. Em meado do ano, avisa que os índios vivem em paz e remete à Tesouraria Geral dos Índios uma conduta de farinha produzida pelos Acoroás, fato demonstrativo de que o aldeamento de S. Gonçalo passou a produzir alguns cereais. E pelos índios que levaram a conduta de farinha, a Junta de Governo remeteu ferramentas de trabalho e alguns remédios, então requeridos, a fim de prevenir o curso de algumas moléstias que os atacavam, prometendo remeter mais se, acaso, não bastassem. Por esse tempo os índios de S. Gonçalo requerem ao governo a restituição do cacique Bruenque à aldeia, de onde havia sido condenado ao degredo desde a fuga de 1773, pleito esse que foi indeferido. Logo mais, em setembro de 1777, Félix do Rego pede seja remetido um rolo de pano, exigência dos
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índios para continuarem no trabalho, que é remetido pela Junta a 12 de outubro, juntamente com enxadas e seis foices novas. A essa altura dos acontecimentos, a Junta de Governo desejava transformar S. Gonçalo em aldeamento único, devendo para lá serem levados os Jaicós, de N. Sra. das Mercês(Cajueiro) e Gueguês, de S. João de Sende. De fato, alguns Jaicós foram ali estabelecidos, com suas roças situadas na margem esquerda do Mulato, onde hoje existe um bairro de mesmo nome; contudo, logo mais, retornaram para seu antigo aldeamento, para viverem em companhia dos demais parentes que lá permaneceram. Porém, os Gueguês se negaram terminantemente a efetuar a transferência, pois embora seu aldeamento vivesse em declínio já estavam a ele habituados, uma vez ali foram estabelecidos desde novembro de 1765, em número de 434 indígenas e contando com suas roças e mais de trinta fogos. E como o governo insistisse na transferência, por influência de João do Rego, que a essa altura ocupava o cargo de inspetor das duas aldeias, com autoridade superposta à dos diretores(S. João de Sende e S. Gonçalo de Amarante), em 9 de julho de 1778, os Gueguês fogem em rumo da Chapada Grande, incitados por um escravo fugido da fazenda do capitão Manoel da Silva. Contudo, após alguns entendimentos a Junta consegue trazê-los de volta para S. João de Sende. E por ação de João do Rego, em dezembro de 1778, já estavam alguns homens Gueguês, mesmo que a contragosto, estabelecidos na aldeia de S. Gonçalo de Amarante, a fim de prepararem a roça comum, quando então viriam os demais. E a outra parte continuou em S. João de Sende, à espera. No entanto, mesmo após o estabelecimento da roça comum, os índios que ficaram se recusaram a seguir para S. Gonçalo, inclusive, as esposas dos índios que lá estavam. E, também, fizeram roça comum em S. João de Sende, dividindo a aldeia e,
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assim, criando sério problema (CABACap. Cod. 147. p. 102v. Cod.150. 180v./181. 189v. Cod. 151. p. 3v/4. 22/22v. 25. 43/44). COMBATE AOS GUEGUÊS E ACOROÁS Insatisfeito com essa situação esdrúxula, o tenentecoronel João do Rego, incumbe seu filho Félix do Rego Castelo Branco de ir a S. João de Sende, buscar o restante dos Gueguês para S. Gonçalo, onde era diretor. E como eles, novamente se negaram a segui-lo, fugindo alguns, são imediatamente capturados e presos todos, sendo conduzidos coercivamente para S. Gonçalo. Félix do Rego não fora pedir opinião, mas buscá-los. Todavia, a caminho alguns se libertam das presilhas de couro e novamente se rebelam. Em represália, são mortos seis, após ferirem um soldado, fato ocorrido “próximo ao riacho Bacuri, entre as fazendas Jacaré e Chapada”. Nesse episódio foram praticados atos de barbaridade, sendo decapitados quatro indígenas, cujas cabeças foram fincadas em postes no centro da aldeia. Dizem que foram praticados atos de barbaridade. E em torno do episódio houve devassa, porém nenhuma punição aos culpados. João do Rego assumira as responsabilidades em nome do filho e com o prestígio de que gozava, ficou tudo a contento. Muitos Gueguês sobreviventes é que foram punidos, sendo que em 1780, vinte homens foram degredados para o Maranhão e doze mulheres para Marvão, hoje Castelo do Piauí, com a recomendação de ficarem longe uma das outras a maior distância que possível for(CABACap. Cod. 149. p. 75/75v. Cod. 151. p. 97v/98). Contudo, desgostosa com a chegada dos Gueguês ao seu aldeamento, na madrugada de 9 de setembro de 1780, uma maloca de Acoroás, composta em sua maioria
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por mulheres, se levantou rebelada e seguiu para o mato, em rumo de suas antigas moradas, conforme anunciou a Junta de Governo. E na tentativa de reconduzi-los à aldeia, a Junta avisou aos moradores de Jerumenha, por onde eles deveriam passar, para se acautelarem. E despachou três tropas no encalço dos fugitivos, sob os comandos respectivos de João Rodrigues Bezerra, Francisco Lopes de Sousa e Félix do Rego Castelo Branco, todas custeadas pela Real Fazenda, e sendo a última composta pelos índios Gueguês e alguns outros moradores da região. Porém, não obtiveram nenhum sucesso na campanha, perdendo a pista dos fugitivos. A certa altura, ainda obtiveram notícias desses passando pela distante fazenda da Pinguela, porém, com antecipação de tempo, e logo mais essas pistas desapareceram por completo. De retorno, Rodrigues Bezerra e Félix do Rego se queixaram da deserção de soldados milicianos de suas tropas, que não se interessaram na recaptura dos índios fugitivos. Então, esses desertores foram devidamente castigados pelo governo. Frise-se ainda, que Félix do Rego foi o último a partir e, a contragosto, em razão da devassa que vinha sofrendo pelo crime que praticara contra os fugitivos do ano anterior, na forma mencionada, e que mais tarde fora arquivada. Há notícias de que os autos dessa devassa se encontram, atualmente, arquivados no Arquivo Público do Maranhão7. Então, o governo ficou a lamentar a perda dos índios, em face da grande despesa que já tinham feito com eles, tanto a Real Fazenda quanto os particulares. É quando em maio do ano seguinte surge a notícia de que os fugitivos tinham sido vistos no sertão de Parnaguá. E em 10 desse mesmo mês e ano nova tropa se expede sob o comando do Ajudante Félix 7
Encontrado no arquivo histórico ultramarino, em Lisboa. Estamos também publicando uma cópia dessa devassa no livro Autos da Devassa da Morte dos índios Gueguês.
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do Rego, desta feita custeada pelos moradores de Parnaguá, de mantimentos, gado e mais acessórios que precisassem. Porém, nem todos se dispuseram a contribuir, sendo mais tarde punidos os omissos. Na verdade, os moradores da Capitania já estavam cansados das despesas com essas desgastantes campanhas, pois contribuíam regularmente tanto com seus filhos e/ou trabalhadores para engrossar as tropas, quanto com recursos materiais para sustentá-las. A esse tempo os silvícolas já não os incomodavam tanto, pois grande parte já tinha sido dizimada. De fato, existiam apenas problemas localizados. E, também, essa segunda campanha de Félix do Rego, contra os Acoroás fugitivos, viuse inicialmente frustrada; porém ele não desistia facilmente. É quando vem a seu encontro uma índia Acoroá fugitiva que diz ter fugido dos Tapacuás, e que os outros se achavam com uma numerosa aldeia e, também, procuravam os brancos para se entregarem. Então, são encontrados e recapturados pelo Ajudante Félix do Rego Castelo Branco, retornando ao aldeamento em 3 de setembro de 1781. Contente com mais esse sucesso de Félix do Rego, a 14 desse mesmo mês de setembro, o governo piauiense felicita-o, mediante os termos que se seguem: “Recebemos a Carta de VM.ce e nos deixou sumamente satisfeitos a participação, que nela nos fez de ter chegado a esse lugar com a diligência de que havíamos encarregado concluída com bom sucesso, do qual nunca duvidamos pela certeza que temos do seu préstimo, e da honra e zelo com que se emprega no Real serviço, o que louvamos (...) é preciso uma relação de toda a gente que conduziu do mato para esse lugar a qual mandará VM.ce com toda a brevidade possível” (CABACap. Cod. 151. p. 132v).
Também D. Antônio de Sales e Noronha, capitão general do Estado, em carta a João do Rego, datada de 10
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de dezembro de 1781, louva a boa conduta de Félix do Rego, nessa diligência, dizendo ao pai: “reconheço nele todas as qualidades que constituem um perfeito oficial, devendo Vossa Mercê prezar-se muito de ter um tal filho” (AHU Cx. 20. Doc. 1046)
Estava, pois, concluída com êxito, embora com os fracassos iniciais, a diligência contra o último levante que sofreu o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante, e o diretor Félix do Rego, pelo denodo com que a cumpriu, reabilitado perante as autoridades, sem qualquer mácula pelo crime anterior. A REDUÇÃO DOS GAMELAS E, novamente, no ano de 1794, quando já estava afastado do aldeamento, foi o Ajudante Félix do Rego, designado para nova campanha contra silvícolas. Desta feita seria contra os Gamelas, sub-ramo dos Timbiras, por ordem do general do Estado, no distrito de Aldeias Altas, hoje Caxias no Maranhão, seguindo com tropa formada por índios Gueguês e Acoroás, além de outros soldados. Essa campanha se revestia de dupla importância, pois ao tempo em que visava livrar aquele distrito de alguns inconvenientes praticados pela referida tribo, também reforçaria o contingente indígena de S. Gonçalo, onde deveriam ser aldeados. O aldeamento carecia de índios. Dos primitivos, muitos já estavam ficando velhos, e parte dos jovens era mestiça, existindo ainda grande quantidade de moradores alienígenas agregados ao lugar. Portanto, essa conquista seria interessante para o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante. E fiel às tradições do pai, sendo sempre bem sucedido nessas diligências, a 21 de agosto
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de 1794, Félix do Rego, da margem do Parnaíba, onde se encontrava, despacha um escravo da fazenda da Gameleira, de sua Inspeção, com carta ao governo. Informava que vinha marchando para o lugar de S. Gonçalo com sessenta e tantos índios Gamelas que reduziu à paz. E em pouco tempo chegam ao destino, onde o Ajudante desejava entregá-los à administração de seu pai. Porém, o governo lhe faz ver que o adiantado estado da moléstia deste, não permitia entregar-lhe tal responsabilidade. Então, permanece em S. Gonçalo o Ajudante Félix do Rego, a regê-los juntamente com o diretor do lugar. Em 29 de outubro, em seu lugar assume o capitão Ignacio Paes Maciel, para continuar a reger apenas os Gamelas, e em harmonia com o diretor. Todavia, esses Gamelas não se adaptaram ao aldeamento nem se harmonizavam com os outros índios, fugindo para o vale do Itapecuru; logo após receberem as ferramentas agrícolas. Em face dessa fuga, em 1º de fevereiro do ano de 1795, a Junta de Governo recomenda a Félix do Rego que retorne à Inspeção de Nazaré, onde era inspetor, pois ficara sem objetivo sua permanência em S. Gonçalo. AS INSPEÇÕES DE NAZARÉ E CANINDÉ De fato, desde agosto de 1784, que o Ajudante Félix do Rego entregara a direção da aldeia de S. Gonçalo para o pai e assumira o cargo de Inspetor da Residência de Nazaré, das fazendas do Real Fisco. Era esse um cargo muito rentável, o melhor que existia na Capitania de S. José do Piauí, reservado somente para pessoas de elevado prestígio. Todos os administradores faziam fortuna. É que desde a morte de Domingos Afonso Sertão, um dos quatro maiores colonizadores do Piauí, em 1711, seus bens foram legados à Companhia de Jesus, sendo administrados pelos religiosos
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dessa companhia. E por divergências com o Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal, primeiro ministro português, por motivos que não cabem aqui serem analisados, em 1760, esses bens foram confiscados pela Coroa, expulsando aqueles religiosos do Brasil. Entre eles se encontravam 39 fazendas e 50 sítios, aos quais os jesuítas acrescentaram outras por compra. E após testar administrações individuais durante os primeiros anos, fato considerado desastroso, mais tarde o governador João Pereira Caldas as dividiu em três administrações: as inspeções de Nazaré, Piauí e Canindé. A inspeção de Nazaré8, com onze fazendas espalhadas nas adjacências do aldeamento de S. Gonçalo, era constituída de boas terras. Então, em 1784, quando vagou a sua administração, Félix do Rego conseguiu para si essa rendosa Inspeção, afastando-se da administração dos índios. Em 1795, encontramos um ofício de sua lavra, onde comunica ao governo da Capitania, que se encontrava impedido de assistir a disposição das boiadas, pois além de ter que cuidar da mulher e filhos, seu pai se encontrava de moléstia. E nessa Inspeção permaneceu até 1797, quando fora removido para a de Canindé9, de melhor rendimento, no exercício de cujo cargo falecera, prematuramente, em fevereiro de 1798. Deixara viúva a D. Joana Angélica de Menezes, e numerosa descendência10. 8
A Inspeção de Nazaré, era composta pelas fazendas Gameleira, Guaribas, Mato, Lagoa de S. João(Careta), Olho d’água, Mocambo Serrinha, Jenipapo, Tranqueira e Algodões. 9 A Inspeção de Canindé era composta pelas fazendas Ilha, Pobre, Baixa dos Veados, Sítio, Tranqueira, Poções, Saco, Castelo, Buriti, Campo Grande e Campo Largo. 10 Félix do Rego deixou várias filhas, entre as quais, D. Mariana Angélica de Menezes Castelo Branco, que foi casada com o capitão Lourenço Antônio Marreiros da Silva Costa Lima, juiz ordinário, vereador e presidente do Senado da Câmara de Oeiras(1811 – 1815). E entre os
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CONCLUSÃO Portanto, foi uma figura de muito prestígio no período colonial, cujo nome querendo-se ou não, faz parte da história do Piauí. E apesar de ter sido cruel com os índios, foi um filho dedicado, um esposo amantíssimo e um pai carinhoso. Infelizmente, no que se refere aos índios, atendia a uma errada política que considerava o silvícola como ser inferior. BIBLIOGRAFIA LIVROS: ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Memória cronológica, histórica e corográfica da Província do Piauí. 2ª Edição. Teresina: COMEPI, 1981. NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vol. I. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Artenova, 1975.
netos do Ajudante Félix do Rego, filhos desse casal, assinalamos: a) Lourenço Antônio Marreiros de Castelo Branco(n. em 15.10.1809 e f. em 09.07.1863), político de largo prestígio, foi vereador de Oeiras(1833 e 1841), jurado(1834), juiz de paz(1843-1844), suplente de Fiscal da Fazenda, Inspetor da Administração da Fazenda e, posteriormente, presidente da Câmara Municipal de S. Gonçalo, hoje Amarante, de 24.01.1865 a 09.01.1869, além de deputado provincial na legislatura iniciada em 1864; b) D. Mariana Angélica Marreiros de Menezes Castelo Branco, f. em 06.08.1856, na cidade de Teresina, foi casada com o sargento-mor José Ignacio Madeira de Jesus, membro do Conselho Geral da Província e combatente na Guerra da Independência. Na verdade, até os dias de hoje sua descendência exerce influência na sociedade piauiense.
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FONTES PRIMÁRIAS I - Arquivo Público do Estado do Piauí, denominado Casa Anísio Brito. Teresina (PI) - Brasil: Códice 146 Códice 147 Códice 148 Códice 149 Códice 150 Códice 151 Códice 162 Códice 274 II - Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa - Portugal): Caixa 20. Doc. 1046. SIGNIFICADO DAS SIGLAS INABITUAIS AHU – Arquivo Histórico Ultramarino. CABACap. – Casa Anísio Brito, seção do Arquivo da Capitania. Cod. – Códice. Cx. – Caixa P. – Página V. M/V. M.ce. – Vossa Mercê
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MIRANDA – UMA FAMÍLIA PIONEIRA DO PIAUÍ1 Reginaldo Miranda2
A
s origens da família Miranda mergulham fundo na história de Portugal e Espanha. Segundo alguns registros, no recuado ano de 711, um cavaleiro de nome Obrão de Miranda, participando de guerra contra os mouros, luta bravamente ao lado de D. Rodrigo, último rei dos godos, na histórica Batalha de Guadelete, de que foi vítima o monarca, ruindo, então o Reino Visigótico de Toledo. Em 718, Obrão de Miranda foi um dos primeiros a empunhar armas ao lado do futuro rei Pelágio, de cujas lutas fundam o reino das Astúrias, embrião dos outros reinos 1 2
Texto adaptado da introdução ao livro Memória dos ancestrais, ainda inédito. Advogado e historiador. Titular da Cadeira n.º 27 e atual presidente da Academia Piauiense de Letras.
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cristãos ibéricos responsáveis pela reconquista da península. É possível que seja esse guerreiro cristão o primeiro tronco da família Miranda na península ibérica, com descendência espalhando-se por Portugal e Espanha. Ainda nas Astúrias, outro cavaleiro, este da casa de Ponce de Leon e, talvez descendente daquele, por nome Albar Diaz de Miranda deu origem à importante linhagem da família. Não resta dúvida, porém, segundo a maioria dos dicionaristas e heráldicos, de que este sobrenome tem origem toponímica, relacionando-se à região norte portuguesa, no alto Douro, onde se situa a cidade de Miranda e tiveram a alcaidaria-mor. Provém do latim Miranda, “que é para admirar, coisa digna de admiração”. Os primeiros representantes dessa linhagem eram sempre identificados por “de Miranda”, a indicar a região de onde provinham. Foi nessa região, próxima às fronteiras de Leão, que, segundo alguns cronistas, os primeiros portugueses receberam títulos de nobreza e foram governantes de províncias. Portanto, é esta a mais plausível origem dessa família. Por esses fatos, quase todos os genealogistas preferem apontar para uma origem espanhola, também ligada a domínios de terras, com posterior migração para Portugal através de casamentos entre nobres. A nosso sentir, porém, como a região de Miranda, no atual norte de Portugal, é fronteiriça com a Espanha, teriam aí mesmo surgidos os primeiros desse sobrenome, inclusive o cavaleiro Obrão, passando a descendência para os dois lados da península ibérica, sempre identificados com a origem geográfica “de Miranda”, como a não deixar dúvidas. Ademais, por aqueles dias tudo isso era muito emaranhado, às vezes surgindo domínios diferentes, com fronteiras imprecisas e mutáveis. Situada nesse imbróglio milenar, a
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referida Miranda do Douro, possui até idioma próprio, o mirandês. Muitos representantes dessa família, no outro lado da península ibérica, sempre trouxeram a indicação da origem de seus ancestrais, todos “de Miranda”, e não apenas “Miranda”. Um exemplo é o revolucionário Francisco de Miranda, descendente de espanhóis e precursor da independência venezuelana. Todavia, é importante ressaltar que existem outras localidades com o nome de Miranda em Portugal, na serra pertencente ao Conselho de Arcos de Valdevez, distrito de Viana do Castelo; no Conselho de Guimarães; no Arcebispado de Braga; a conhecida Miranda do Corvo, vila e sede de Conselho, no distrito de Coimbra; Mirandas, em forma plural, na freguesia de Sacavém, margens do rio Tejo, encostada em Lisboa; e, por fim, uma Mirandela, belo diminutivo, nas margens do rio Tua, afluente do Douro, distrito de Bragança, província de Trás-os-Montes. Por seu turno, em Espanha existem ao menos dezenove localidades com o nome de Miranda. Fora da península, existe uma no distrito de Gers, na França, e outra na província de Isérnia, na Itália, nessa última existindo também a forma Mirândola. Por fim, o nome foi também bastante difundido nas colônias do Novo Mundo, nominando cidades, rios e províncias. Pois, esquecidos daquele tal cavaleiro Obrão de Miranda, ou sem fontes documentais para traçarem a origem da família até àquele vetusto ancestral, antigos registros genealógicos somente traçam a origem dessa família aos descendentes de D. Martim Afonso e Emília Gonçalves de Miranda, esta de origem espanhola, além de Fernão Gonçalves de Miranda. Seguramente, é desta descendência que se originou o brasão dos Miranda, hoje consagrado na heráldica e muito conhecido entre os interessados pelos
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assuntos genealógicos. Desde cedo, porém, representantes da família Miranda chegaram ao Brasil. É conhecido aquele Simeão de Miranda, que comandou uma das naus da esquadra de Pedro Álvares Cabral, que disseram ter descoberto o Brasil para os europeus, em 22 de abril de 1500. Presentes, portanto, desde o tal descobrimento, estão também entre os primeiros colonizadores da nova terra. Existem registros de colonizadores de sobrenome Miranda em praticamente todas as regiões do Brasil: São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso; no nordeste, desde cedo chegaram à Bahia, Pernambuco e Ceará. Miranda é nome muito difundido no mundo ocidental, sobretudo na Europa e América Latina. Em Portugal, sobressaíram: o referido Simeão de Miranda(f. 1515), navegante, foi um dos capitães de caravelas da frota de Pedro Álvares Cabral; Francisco Sá de Miranda(1481 – 1558), festejado poeta, irmão do governador-geral Mem de Sá; Caetano Pinto de Miranda Montenegro(1748 – 1827), magistrado e político português com atuação no Brasil, primeiro barão, visconde com grandeza e marquês de Vila Real da Praia Grande. Na Espanha: Juan Carreño de Miranda(1614 – 1685), destacado pintor na corte espanhola de Felipe VI; Álvaro Fernández de Miranda(Oviedo, 1855 – 1924), escritor e político asturiano; Diego Arias de Miranda (1845 – 1929), político, foi senador vitalício e ministro da marinha(1910 – 1911) e da Justiça(1912); Torcuato Fernández-Miranda Hevia(1915 – 1980), político e jurista de Gijón (Asturias). Na América latina são inúmeros os exemplos. No Piauí, os primeiros registros datam de 1712, quando o chantre Baltazar de Faria e Miranda foi nomeado vice-vigário da freguesia de N. Sra. da Vitória(Oeiras)3. 3
CARVALHO Jr, Dagoberto Ferreira de. História episcopal do Piauí.
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Por esse tempo muitos religiosos que vinham catequizar rebanhos no Novo Mundo, costumavam trazer parentes, principalmente sobrinhos para colonizarem as novas terras recém-descobertas. Entre nós, o padre Tomé de Carvalho e Silva, primeiro vigário de Oeiras e ainda titular ao tempo de Baltazar Miranda, é um exemplo, ao trazer alguns sobrinhos que iniciaram a família Carvalho, no Piauí. Mais tarde, o padre português João Manoel d’Almendra, vigário de Campo Maior, no Piauí, trouxe os sobrinhos Jacob Manoel d’Almendra e José Almendra de Freitas, que iniciaram as famílias Almendra, Freitas e Gaioso, no Piauí. Portanto, não é despropósito se pensar que o vice-vigário Baltazar Miranda possa ter trazido para Oeiras alguns irmãos ou sobrinhos para iniciarem vida nesses dilatados sertões de dentro. Desde que tivemos notícia da existência desse religioso em Oeiras, alimentamos essa hipótese porque foi exatamente nos arredores dessa povoação, mais precisamente no vale do rio Piauí, que encontramos os primeiros membros da família na bacia parnaibana. Parentes ou não daquele religioso, nesse mesmo período adentram o sertão, desbravam, colonizam e assentam as caiçaras de seus currais os irmãos João Rodrigues de Miranda e Francisca de Miranda do Rosário. Que motivos os teriam trazido ao Piauí? Não seria plausível a presença de outros parentes já aqui estabelecidos? Ou mesmo de conterrâneos? Por esses dias existem registros de muitos colonos do Alto Douro, de Algarve e até da Galícia. 2.ª Ed. Recife: Editora Thormes, 2011: “Nomeia-se por provisão de 1712, segundo pesquisa do bacharel Jerônimo Martiniano de Melo, o Chantre Baltazar de Faria e Miranda para vice-vigário da freguesia de Nossa Senhora da Vitória. O documento acha-se registrado na Câmara Eclesiástica de Olinda. Depreende-se do fato, o crescimento da freguesia, a exigir já àquela época, auxiliar de tão elevada dignidade hierárquica” (p. 44).
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O certo é que atuando firmemente na margem ocidental do rio Piauí, João Rodrigues de Miranda combate os índios que infestavam os vales do riacho Fundo e de seus afluentes, os riachos do Brejo e de Santa Maria. Então, estabelece seus primeiros rebanhos em fazenda que denomina Buriti, nas margens do riacho do Brejo, também chamado Brejo do Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí, onde constrói casa, curral, capela e primeiros roçados. No Mapa do Piauí, de Henrique Antonio Galluzzi (1760), aparece como fazenda com capela. Todavia, mesmo arriscando sua vida para colonizar essas terras, é obrigado a pagar renda aos Regulares, como sucessores de Domingos Afonso Sertão, no valor de 10$000 (dez mil réis) anuais(AHU-Piauí. Cx. 4, Doc. 4; Cx. 25, Doc. 60; AHU-ACL-CU-016, Cx. 4, Doc. 309). E com o crescimento de seu rebanho bovino e cavalar vai alargando seus domínios pela região, cedendo parte aos filhos à medida que vão crescendo e se estabelecendo. Assim, é que na relação de fazendas e criadores que o Conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia elabora e finaliza em 15 de novembro de 1762, aparece como possuidor e morador na “fazenda Buriti, com três léguas de comprido, e de largura em a metade de uma légua, e em outra nada, por serem matas bravas, do qual também foram [por ele] povoadas”. Informa que “destas duas fazendas também se pagou renda aos Regulares até o tempo que cessou a satisfação delas” em razão de sua expropriação e expulsão dos mesmos, assumindo aquele o domínio do imóvel(AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e 27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513). Sobre seus filhos o mesmo documento informa que “Antonio Pereira de Miranda, possui uma fazenda chamada Trindade, com légua e meia de comprido, e de largura meia, a qual povoou com consentimento de seu pai, a quem pertenciam as terras dela” (AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e
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27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513). Também, “Francisco Félix de Miranda, possui uma fazenda chamada as Guaribas, com duas léguas de comprido e uma de largura, a qual povoou também, por consentimento de seu pai, a quem pertenciam as terras/ por serem como as da sobredita fazenda/ da do Buriti, de que são possuidores os ditos seus pais” (AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e 27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513)). Essa fazenda Guaribas é, provavelmente, a origem da cidade de Canto do Buriti. Mais tarde, em 1764, o mencionado Francisco Félix de Miranda aparece como intendente na arrecadação de alimento (gado e farinha) para abastecer a tropa capitaneada pelo tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, e que ia ao mato combater os índios Gueguês, Timbiras e Acoroás. Fora designado pelo governador João Pereira Caldas para arrecadar esses mantimentos no médio curso do rio Piauí e lados dele (Arquivo Público do Piauí. Códice 146, p. 156/157). Outro documento importante para se reconstituir a presença dessa família na colonização do vale do rio Piauí, é a relação de fazendas e moradas da freguesia de N. Sra. da Vitória, elaborada pelo vigário Dionísio José de Aguiar, em 29 de maio de 1763, com base nos róis de desobrigas do ano anterior. Segundo anotou o referido vigário, o pioneiro João Rodrigues de Miranda havia falecido, encontrandose residindo na aludida fazenda Buriti, a viúva Josépha de Souza, com os filhos Ignácio, Luiz e João, mais quatorze escravos e um forro; também residiam na fazenda, Antonio Pereira e Julião Pereira, que devem ser seus filhos, embora o vigário não indique o parentesco, apenas dos que residiam sob o mesmo teto, e suas respectivas esposas Mariana da Silva e Inocência de Abreu; o último casal residia com os filhos solteiros José e Joana, além de Ignácia de Abreu, filha viúva(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-
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CU-016, Cx 9, Doc. 547). Antonio Pereira, não seria o mesmo Antonio Pereira de Miranda, do registro anterior, e que não aparece nesse? Também, nesse segundo registro não aparece Francisco Félix de Miranda, apenas Francisco Félix, residindo na fazenda Santa Maria, com sua esposa Eugênia Maria. Parece que o vigário gostava de economizar na tinta, abreviando os nomes. Portanto, até o momento está comprovada a filiação de cinco filhos do casal João Rodrigues de Miranda e Josépha de Souza, faltando comprovar a filiação de outros. Todavia, outros Miranda residiam no vale do rio Piauí, muito próximo desse casal e de seus filhos. Na fazenda São João, situada no riacho de Antonio Pereira, afluente do Piauí, residia a viúva Maria de Miranda, com os filhos Manoel, Joana, Ana, Ignácia, Antonia e Francisca; também, Manoel de Miranda, que aparece sem indicação de parentesco. A fazenda lhe pertencia “por falecimento de seu marido Antonio Pereira de Abreu, que a tinha descoberto e povoado”. Na fazenda Piripiri, residia Manoel Barbosa de Miranda, que a descobrira e povoara, já não existindo em 1762, apenas a viúva Helena de Brito, com dez escravos e dois forros (AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHUACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547).. Também, logo depois do rio Piauí, Canindé abaixo, na fazenda Retiro residia Joana de Miranda, com seu marido Manoel Ferreira Guimarães e os filhos José Rodrigues, Manoel Ferreira, Leonardo Ferreira, Joaquim Ferreira, Antonio Ferreira(menor), Maria da Purificação e Teresa de Jesus (AHUPiauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). Por fim, ainda na ribeira do Piauí, na fazenda Palmeira de São Tiago, morava a pioneira Francisca de Miranda do Rosário, viúva do capitão-mór Domingos de Abreu Valadares,
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com os filhos Gaspar de Abreu Valadares, que fora almotacé, vereador, juiz ordinário e de órfãos da vila da Mocha, depois cidade de Oeiras, José de Abreu Valadares e Francisca de Miranda. A filha Ignácia da Conceição, nossa ancestral, casara com o português Manuel Alves da Rocha e fora morar na fazenda Craíbas, vale do rio Gurguéia. Segundo uma petição datada de 24 de novembro de 1769, da “viúva que ficou do capitão-mór Domingos de Abreu Valadares [...], tem a trinta anos que [este] é falecido, ficando por seu falecimento de todo exaurido de bens, que todos os gastou no serviço de Sua Majestade, no princípio da povoação desta Capitania em desinfestar o gentio das ribeirras do Piauí, Canindé, Itaim e Itaueira, e à sua custa” (AHU – Piauí, Cx. 9, Doc. 22. AHU-ACLCU-016, Cx. 10, Doc. 628; AHU-Piauí, Cx. 10., Docs, 3 e 19; AHU-ACL-CU-016, Cx. 11, Doc. 655). Toda essa gente morava, com exceção de Joana de Miranda, na ribeira do Piauí e, certamente, era aparentada. É que, por esse tempo, essa proliferação de Miranda não existe em outros vales ribeirinhos, somente passando ao Itaueira e Gurguéia depois de alguns anos. E seria muita coincidência que todos eles fossem morar próximo sem serem parentes. Não há dúvida, porém, de que D. Francisca de Miranda do Rosário era irmã de João Rodrigues de Miranda. Então, os que não forem filhos de um serão filhos do outro. Existe documento que comprova o parentesco entre os filhos de ambos4. 4
Autos da devassa feita pelo cônego João Maria da Luz Costa, por ordem do Bispo frei D. Antônio de Pádua, sobre o procedimento do vigário colado da igreja matriz de Oeiras, padre Dionísio José de Aguiar. Depoimento da testemunha n.º 23, Francisco José dos Santos, sobre o fazendeiro e político Gaspar de Abreu Valadares ter falecido sem receber o sacramento de unção, por recusa do aludido vigário: “sabe por lhe dizer o mesmo Gaspar de Abreu ao tempo de sua enfermidade que para haver de receber o sacramento da eucaristia,
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E porque a ribeira do Piauí vai se consolidar como berço de nossa família durante o século XVIII, ainda citamos um casal de portugueses de avultados cabedais, segundo os cronistas, que também morava nesse vale e que seus descendentes iriam se entrelaçar com os Miranda. Segundo o relatório do vigário(1763), residia na fazenda das Mutucas (não seria Malhada?), os fazendeiros Antonio Pereira da Silva e Maria da Purificação, com os filhos Manoel Caetano, Antonio, Francisco (então menor, e nosso ancestral), Joséfa Maria (casada que era com o tenente Hilário Vieira de Carvalho, também nosso ancestral), Leandra e Simoa, com nove escravos, dois forros e um agregado. Por esse tempo, a filha Maria Pereira da Silva já não residia em companhia dos pais, e sim do marido José Vieira de Carvalho (AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). Eram portugueses e os filhos varões foram membros da Junta Trina de Governo do Piauí (1775 – 1797). Também, outra família dessa ribeira e que iria se entrelaçar com a nossa seria a dos Ribeiro Soares, cujo embrião fora a viúva Maria Josépha de Jesus, cujo marido já não existia em 1765. Morava ela na fazenda da Onça, em companhia dos filhos José, Gabriel, Ana, Ignez, Izabel e Manuel Ribeiro Soares, este último casado com Iria Dias (AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). A essas, mais tarde, iriam se juntar outras havia pedido, ou escrito a seu primo o capitão Ignácio Rodrigues de Miranda, então Ouvidor interino, nesta cidade [de Oeiras], que de outra forma não podia conseguir por ter inimizade com o Reverendo vigário; e o mandava esperança que logo o faria” (AHU-Maranhão. Cx. Nv 886; Piauí, Cx. 12, Doc. 2; AHU-ACL-CU-016, Cx. 15, Doc. 829). O importante a ressaltar é o parentesco existente(a testemunha declarou serem primos), entre Gaspar e Ignácio, filhos, respectivamente, dos pioneiros Francisca de Miranda do Rosário e João Rodrigues de Miranda.
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famílias de outros vales ribeirinhos. Entre os filhos de João Rodrigues de Miranda, vai sobressair o capitão Ignácio Rodrigues de Miranda. Nascido em 1737, na fazenda Buriti, vale do rio Piauí, termo de Oeiras, inicia carreira militar desde muito cedo, quando sentou praça no posto de soldado da Companhia Franca de Dragões. Em pouco tempo foi promovido a Ajudante do Terço das Ordenanças (as primeiras que foram organizadas no Piauí, posteriormente extintas). Mais tarde (1777), quando foi novamente organizado o Terço de Ordenança do Piauí, teve ele o nome indicado novamente, sendo, porém, recusado pelo general do Estado, porque não se encontrava servindo na tropa ao tempo da proposta. Por esse tempo, a Junta Trina de Governo do Piauí, testemunha ser ele um “homem distinto” e merecedor da nomeação. No mesmo ano de 1777, em que ocorrem esses fatos, foi nomeado Capitão do Terço de Cavalaria da Capitania de São José do Piauí. Durante os anos de 1782/83, foi eleito Ouvidor-geral, e como tal assumiu a presidência da Junta Trina de Governo. Portanto, Ignácio de Miranda, em companhia de dois adjuntos(um vereador e um militar), por dois anos consecutivos governou a Capitania de S. José do Piauí. Posteriormente, em 1790 comandou a tropa militar que marchou para as cabeceiras do rio Piauí, em combate aos índios Pimenteiras. Após alguns entreveros, conseguiu aprisionar onze deles, tratando-os com todo o cuidado, sendo essa a primeira vez que índios dessa nação foram aprisionados no Piauí. Depois dessa campanha, permanece em sua fazenda Buriti, que fora de seu falecido pai. É que nomeado pela Junta Trina de Governo, assumiu o comando militar do rio Piauí. Nesse posto permanece até à morte em princípio do século XIX. Por seu turno, no segundo lustro do século XIX, o governador Carlos César Burlamaque vai enfrentar
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firmemente a prepotência dos governantes do Maranhão, cuja capitania era geral, sendo-lhe a do Piauí subalterna. E como resultado desse conflito jurisdicional deflagrado pelo governador do Piauí, que não se conformava com a condição humilhante de subalterno do Maranhão, foi o mesmo preso e afastado de suas funções, por ordem daquele. Então, a sociedade piauiense levanta-se em defesa de seu governador e em protesto contra as arbitrariedades que se praticava, de que resultou na plena autonomia do Piauí, que foi elevado à categoria de capitania geral. O movimento de solidariedade foi liderado pelo Senado da Câmara de Oeiras, a ele se juntando o clero, os militares, a aristocracia rural e o povo em geral. A esse movimento não poderiam se furtar os Miranda, sempre afeitos à luta. Reunidos para esse fim, 79 fazendeiros do vale do rio Piauí, entre esses, treze Miranda e outros parentes, firmaram documento em defesa do governador. Embora o documento não seja datado, o despacho que o recebe é de 18 de agosto de 1807. Assinaram o mesmo, entre outros, os seguintes parentes5: Raimundo Pereira de 5
Segue o documento, na íntegra: “Ilmo. Senado. Nós abaixo assinados, moradores na ribeira do Piauhy, constando-nos que V. Sas., à frente do Clero, Nobreza e povo dessa cidade, como Metrópole da Capitania, recorriam a S. Alteza para que fosse servido por sua inata piedade conservar por mais nove anos no governo da Capitania o Ilmo. Sr. Carlos César Burlamaque, seu atual governador, e desanexar para sempre da Capitania Geral do Maranhão, dita Capitania e lhe permitir liberdade para livremente comerciar com a Capital do Reino. Tendo não só nós, mas todos os moradores desta Capitania, experimentado quão útil e vantajoso nos é, e tem sido o suave, piedoso, sábio e justo governo do dito Ilmo. Sr., que com tanta eficácia cuida na fidelidade pública, e em desterrar os males que os pretéritos governos nos haviam causado, e pela falta de liberdade do comércio. P//a V. Sas., Ilmo. Senado, que à sobredita representação queiram unir este nosso requerimento, pelo qual nos obrigamos a cumprir, da nossa parte toda, e qualquer proposição que para o conseguimento das referidas
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Miranda, João Barbosa de Miranda, Felipe Neri de Miranda, Leandro Rodrigues de Miranda (1º), Ladislau Pereira de Miranda, Francisco Bernardino de Miranda, Manoel Pereira de Miranda, José Barbosa de Miranda, Manoel Barbosa de Miranda, Leandro Rodrigues de Miranda(2º), Pedro Rodrigues graças V. Sas., fizerem a Sua Alteza Real, ou aqueles outros que este Sr. for servido impor para este fim. E. R. Mce..Ass: Francisco Pereira da Silva; Antonio de Medeiros Chaves; Francisco Xavier de Macedo; Joaquim da Silva Barbosa; Raimundo Pereira de Miranda; Joaquim Jorge Afonso; João Barbosa de Miranda; João Vieira de Carvalho; Felipe Neri de Miranda; Martinho Soares dos Santos; Luís Soares da Cunha; Manoel Soares de Brito; José Joaquim Soares; Leandro Rodrigues de Miranda; Joaquim Ribeiro Soares; Ladislau Pereira de Miranda; Plácido Ribeiro Soares; Damião Barbosa; José Pereira da Silva Araújo; José Ribeiro Soares; Francisco Bernardino de Miranda; João Baptista Ribeiro; João Paulo da Silva; Manoel Pereira de Miranda; Bernardo Alves de Araújo; José Barbosa de Miranda; Manoel Barbosa de Miranda; Manoel dos Santos P....; Eugênio José P...; Manoel da Costa Passos; Patrício Alves; Eliziário Pereira de Araújo; Manoel de Souza; Clemente Ribeiro de Souza; Manoel Pereira Maciel; Manoel de Oliveira Lima; Antonio Félix Gansolo; José de Matos Z...; José de Araújo; José Francisco Soares; Antonio José L...; José Joaquim de ...; ...... ..... Lima; Manoel Gomes Afonso; José Pereira de Máximo; Leandro Rodrigues de Miranda; Manoel Roberto Ferraz Porto; Joaquim José de Santa Ana; Manoel Pinto Ramalho; João da ....; Alexandre José da Costa; .... Júlio Ribeiro; Manoel Vicente; Manoel Gomes; Eucário Ferreira; José Maria de Oliveira; Antonio de Oliveira Araújo; Custódio de Oliveira; Floriano de Souza Estrela; Miguel Ferreira de A...; André Correia de Mesquita; Antonio Leal da Mota; Agostinho da Fonseca; João Paulo de Souza; Manoel Vicente; Antonio Nunes; Antonio Félix; Sebastião de Souza; Lucas Félix; Thomaz Ferreira da Cruz; Adriano Pereira de Novaes; José Pinto de Aguiar; Félix dos Santos; Pedro Rodrigues de Miranda; Cosme Barbosa de Miranda; José Pereira da Silva Miranda; Bento Pereira Rego; Paulo de Brito Porto; João Baptista Damasceno. Registrado à fls. 183 até 185 do Livro 10 deste Senado. Corrª (assinatura ilegível)” (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHUACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573). O documento possui despacho datado de 18 de agosto de 1807.
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de Miranda, Cosme Barbosa de Miranda e José Pereira da Silva Miranda. Note-se que existem dois com o prenome Leandro, talvez tratando-se de pai e filho. Também, assinaram esse documento Francisco Pereira da Silva e João Vieira de Carvalho, nossos parentes. Entre os demais signatários do documento, alguns deveriam ser casados com mulheres de nossa família. É que por esse tempo apenas os homens participavam dessas reuniões. Também, aí já participaram representantes da segunda e terceira geração da família no vale do rio Piauí (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHUACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573). Documentos com o mesmo teor foram firmados pelos fazendeiros de outras regiões da capitania. Entre os moradores do vale do rio Gurguéia aparecem as assinaturas de Antonio Rodrigues de Miranda e Albino Rodrigues de Miranda, além de Manoel Caetano da Rocha e Bernardo Luís da Rocha, todos nossos parentes. E entre os da vila de Jerumenha, firmam o requerimento Francisco Félix de Miranda e Lutero de Miranda, além de João Alves da Rocha e Antonio da Rocha, também parentes. (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHU-ACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573). Então, esses documentos comprovam que no início do século XIX, os Miranda já começavam a migrar para os vales do Itaueira e Gurguéia, no termo de Jerumenha, onde vão aumentar vertiginosamente, entre esses Francisco Félix de Miranda. Porém, Felipe Neri de Miranda ainda residia na ribeira do Piauí, onde assina o documento, logo mais passando para o Itaueira. Sobre esse antepassado ainda existe alguma dúvida a respeito de sua filiação. Na ausência de documentos, recorremos às probabilidades, ao entender ser ele filho de Ignácio Rodrigues de Miranda ou de seu irmão Francisco Félix de Miranda, ambos filhos do pioneiro
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João Rodrigues de Miranda. Assim pensamos porque, entre outros fatos, batizou um de seus sete filhos com o nome de Francisco Félix de Miranda (2º do nome) e outro com o nome de Ignácio Francisco de Miranda. E entre seus netos e bisnetos vamos encontrar muitos com o prenome “Ignácio” e outros com nome e sobrenome “Rodrigues de Miranda”. Inclusive, o próprio era tratado ora por Felipe Neri de Miranda, ora por Felipe Rodrigues de Miranda. Nos registros eclesiásticos aparece Joaquim Felipe Neri de Miranda. Embora ao final de sua vida fosse residente na fazenda Tabuleiro Grande, no vale do rio Itaueira, termo de Jerumenha, próximo aos limites com Oeiras, em 1807 ainda residia no vale do rio Piauí, onde firma o documento em apoio ao governador Burlamaque. Também, na relação de seus bens aparece uma propriedade denominada Buriti, no termo de Oeiras, em clara evidência ao imóvel de seus ancestrais. E o capitão Ignácio Francisco de Miranda, seu filho, por muito tempo residiu no termo de Oeiras, onde se casou, demonstrando a ligação deles com aquele termo, berço dos primeiros Miranda, aqui relacionados.. Não pense, porém, o leitor que em nossa pesquisa genealógica trabalha a fantasia, sendo ela toda calcada em fonte documental, principalmente autos de inventário e cíveis em geral, termos de qualificação eleitoral, atas de eleição, livros de registros de ofícios e correspondências oficiais, listas de recenseamentos descritivos, de fazendas e de criadores, registros de imóveis, livros de registros de nascimentos, batizados, casamentos e de óbitos, etc. Formado em Direito em julho de 1988, desde então iniciamos na advocacia, nos primeiros anos com quase toda a militância no sul do Piauí. E nos primeiros três anos de advocacia, por todas as comarcas em que militamos, desde Floriano a Jerumenha, São João do Piauí,
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Bertolínia e Bom Jesus, onde nos levavam os interesses dos clientes, aproveitamos sempre essas oportunidades para bisbilhotar os arquivos judiciais e restaurar o passado dessa família sul-piauiense a que temos a honra de pertencer. Complementamos esses dados com pesquisas no Arquivo Público do Piauí, nosso velho conhecido desde a elaboração de um livro anterior sobre a cidade de Bertolínia, onde nascemos. Foram três anos de pesquisa, ao fim da qual elaboramos uma apostilha impressa e encadernada que traz na capa o ano de 1991. Desde então, conhecidas as informações centrais que fazem as ligações de Felipe Neri de Miranda com as atuais gerações, deixamos essa apostilha numa gaveta e de vez em quando anotávamos um dado novo fortuitamente encontrado. Recentemente, encontramos importantes informações na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), de Lisboa. Assim nasceu a árvore genealógica da família Miranda e de outras que lhe são entrelaçadas. Por fim, as probabilidades sobre os demais filhos de João Rodrigues de Miranda e sobre a ascendência de nosso ancestral Felipe Neri de Miranda, ficam como sugestões para outros interessados que desejem investigar as origens mais remotas dessa família. A documentação eclesiástica de Oeiras, à qual até agora não tivemos acesso, pode esclarecer tudo. Recomendamos, então, a análise de registros eclesiásticos dessa freguesia e de Jerumenha, documentação judicial da comarca de Oeiras, além de requerimentos e registros de sesmarias. A análise cuidadosa dessa documentação esclarecerá essas dúvidas, pois certamente existirão registros, vez que quase todos esses primeiros ancestrais foram militares, proprietários rurais, membros de câmaras municipais, juízes ordinários, etc., não sendo impossível se encontrar anotações sobre eles. A quem
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interessar, fica aberto o caminho através destas primeiras informações. Também, gostaríamos de lembrar que essas informações genealógicas visam dar conhecimento aos descendentes e a quem interessar possa, sobre as origens da família Miranda e de outras que lhe são entrelaçadas. Traz o caule e os principais galhos da árvore, sem atualização das ramificações mais recentes. É que anotamos apenas os dados que encontramos nos arquivos. Não fomos buscar informações nos descendentes atuais dessas gerações, porque achamos enfadonha essa tarefa de incomodar os parentes com busca de informações pessoais. Sabese que, nessa luta renhida pelo capital, nem todos dão valor a estudos genealógicos. E para evitar dissabores preferimos não incomodar ninguém. Ficamos, porém, à disposição daqueles que desejem atualizar seus dados ou de seus respectivos ramos familiares, bastando nos entregar pessoalmente as informações ou enviá-las pelos correios ou via e-mail, a fim de que possamos inscrevê-los na árvore genealógica da família, o fazendo com o maior prazer. Por essa razão, as disponibilizamos na Internet, para facilitar a complementação. Por oportuno, esclarecemos que os dados da descendência do major José Felipe Neri de Miranda, nosso ancestral, quase todos sem o apelido Miranda, estão um pouco mais atualizados porque esses descendentes também são pertencentes à família Rocha6, do sul do Piauí, 6
Esses são também descendentes da pioneira Francisca de Miranda do Rosário e de seu esposo, o capitão-mór Domingos de Abreu Valadares. É que a filha desses, Ignácia da Conceição, casou com o português Manoel Alves da Rocha e passou a morar no vale do Gurguéia, de cujo consórcio gerou a família Rocha. E duas netas suas, irmãs, de forma sucessiva, vão casar-se com o primo José Felipe de Miranda, gerando grande descendência, que são os Costa e Silva(da ribeira do Itaueira), os Pereira Nunes e os Mendes da Rocha(os dois
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e tiveram a sua árvore genealógica atualizada recentemente, de onde retiramos algumas informações sobre pessoas mais recentes. Frise-se que além de termos participado daquela reedição (3ª), cedemos os originais desse livro para complementar aquela, de forma que se comparando a terceira edição com as anteriores de Dados Genealógicos da Família Rocha, verificaremos que muitas informações por nós levantadas foram ali incorporadas, com nossa aquiescência, constando, inclusive, na bibliografia. A bem da verdade, deixamos de traçar nesse estudo a genealogia completa da família Rocha, a que também pertencemos e sobre a qual temos muitas anotações, porque a mesma já foi levantada por outros pesquisadores, sendo desnecessário repeti-los. Por fim, outro fator que tem atrasado a publicação desse estudo é a necessidade de complementar a ascendência das famílias Brasil, Rodrigues, Santana, Martins e Ramos, do lado paterno, cuja tradição familiar remonta ao capitão Roberto Ramos da Silva7 (Roberto da Cachoeira), fazendeiro estabelecido na fazenda Cachoeira, divisa do Piauí com Pernambuco, também entrelaçada aos Miranda. É que sendo descendentes do português estabelecido no Piauí, Valério Coelho Rodrigues, passaram para a divisa de Pernambuco, hoje Município de Afrânio(PE), e dali algumas gerações retornaram ao Piauí, de qualquer forma obrigando uma pesquisa em Pernambuco, a fim de fazer a ligação entre as gerações. Infelizmente, ainda não temos essas informações. ***
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últimos do Gurguéia), inclusive o autor dessas notas, que descende de ambos os irmãos pioneiros. Roberto Ramos da Silva era natural de Oeiras, onde casou e ainda residia no final do século XVIII. É testemunha em autos de devassa realizada em Oeiras no ano de 1798.
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JOÃO RODRIGUES DE MIRANDA, fazendeiro, pioneiro da colonização do Piauí, desbravador e povoador de extensas áreas no vale do rio Piauí e de seu afluente, o riacho Fundo, este formado pelos riachos de Santa Maria e do Buriti, que desinfestou do gentio e onde assentou a caiçara dos primeiros currais; residente na fazenda Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí; foi c.c. D. Josépha de Souza, que lhe sobreviveu; filhos(ao que conseguimos apurar): F.1. Francisco Félix de Miranda (1º), fazendeiro, residente na fazenda Guaribas e depois na fazenda Santa Maria, ambas no vale do rio Piauí, de onde passou para o termo de Jerumenha no início do século XIX; foi c.c. D. Eugênia Maria; ainda sem filhos em 1765. (Nota: Na relação de fazendas do Conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia, aparece como rendeiro da fazenda Guaribas, por disposição de seu pai; e na lista dos moradores, conforme rol de desobriga do vigário Dionísio José de Aguiar, aparece apenas com o nome de Francisco Félix e residindo na fazenda Santa Maria, que seu pai vendera a Vidal Afonso Sertão). F.2. Antonio Pereira de Miranda F.3. D. Maria de Miranda*, residente na fazenda São João, vale do rio Piauí, foi c.c. Antônio Pereira de Abreu( já falecido em 1762); filhos: Manoel, Joana, Ana, Ignácia, Antônia e Francisca; também, morando na fazenda aparece Manoel de Miranda, mas o rol de desobrigas não indica o parentesco acaso existente. F.4. Manuel Barbosa de Miranda*, residente na fazenda Piripiri, vale do rio Piauí, já não existindo em 1762; foi c.c. D. Helena de Brito, que lhe sobreviveu; no rol das desobrigas, não morava com ela, já viúva, qualquer descendente, que parece não existir, apenas dez escravos e dois forros. F.5. José Fernandes de Miranda*, foi c.c. uma filha de
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Francisco Xavier de Azevedo; possuía a fazenda da Alagoa, terras de engenho e pagava 160$000 de renda anuais aos Regulares, como sucessores de Domingos Afonso Sertão. F.6. Ignácio Rodrigues de Miranda, fazendeiro, militar e político de larga atuação na segunda metade do século XVIII. F.7. Luiz F.8. João (Confirmada a filiação apenas de cinco filhos; os três que aparecem com asterisco ainda não tiveram a filiação comprovada, embora morassem entre esses, razão de terem sido relacionados, podendo ser também irmãos dos pioneiros). D. FRANCISCA DE MIRANDA DO ROSÁRIO, fazendeira, pioneira da colonização(era irmã de João Rodrigues de Miranda), residente, senhora e proprietária da fazenda Palmeira de São Tiago, no médio curso do rio Piauí, onde faleceu c. de 1770; foi c.c. o capitão-mór Domingos de Abreu Valadares, fazendeiro, militar, pioneiro da colonização do Piauí, f. c. 1739, pois segundo declarou a viúva em 24 de novembro de 1769, “tem a trinta anos que é falecido” (AHU – Piauí, Cx – 9, Doc. 22); filhos(ao que conseguimos apurar): F. 1. Gaspar de Abreu Valadares, fazendeiro, político e magistrado piauiense, “e das famílias nobres desta Capitania, natural desta mesma freguesia (de N. Sra. da Vitória, de Oeiras), donde sempre foi morador e ocupando os empregos mais honrosos desta cidade [de Oeiras], como almotacé, vereador, juiz ordinário e de órfãos” conforme declarou e foi comprovado por testemunhas em auto de justificação que tramitou em agosto de 1772; com o prematuro óbito do pai tornou-se arrimo de família, ajudando a criar os irmãos mais novos. (AHV - Piauí, Cx. 9, Doc. 22; Cx. 10, Docs. 3 e 19). F.2. D. Inácia da Conceição (f. 25.06.1791), c. 1747, c.c.
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Manuel Alves da Rocha(f. 16.06.1771), fazendeiro, português de nascimento, ao que diz a tradição, fixando residência definitiva na fazenda Craíbas, no vale do Gurguéia, onde já residia o esposo; filhos: 2.1) Joséfa Maria de Santana, faleceu sem deixar sucessores; 2.2) Manuel Caetano da Rocha, não se conhece nada sobre a existência de sucessores; 2.3) João Alves da Rocha, foi c.c. Antônia Vieira de Carvalho, deles descendendo muita gente, inclusive o saudoso padre José Marques da Rocha, os acadêmicos Petrarca Rocha de Sá e Pedro da Silva Ribeiro e o ex-governador do Maranhão, Luiz Alves Coelho Rocha; 2.4) Ana, faleceu sem sucessores; 2.5) Gonçalo Francisco da Rocha, foi c.c. Maria Vieira de Carvalho, filha de Hilário Vieira de Carvalho e Joséfa Maria da Conceição(deles descendem os acadêmicos João Crisóstomo da Rocha Cabral, Adelmar Soares da Rocha, Zenon Rocha e Reginaldo Miranda da Silva, bem como o ex-governador João Clímaco de Almeida); 2.6) Jerônima Teresa de Jesus, foi c.c. o capitão José Vieira de Carvalho, não deixando sucessores; 2.7) Bernardo Luís da Rocha, foi c.c. Claudina Maria de Jesus, de cujo consórcio deixou quatro filhas: Inácia, Ana, Bibiana e Raimunda; F.3. José de Abreu Valadares F.4. Francisca de Miranda(2ª) *** CAPITÃO FELIPE NERI DE MIRANDA (nos registros eclesiásticos aparece Joaquim Felipe Neri de Miranda; em vários registros aparece Nery), fazendeiro piauiense, n.c.1772, no vale do rio Piauí, neto de João Rodrigues de Miranda e sua mulher, D. Josépha de Souza; residente na fazenda Tabuleiro Grande, na ribeira do Itaueira, naquele tempo pertencente ao termo de Jerumenha, depois, sucessivamente
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da Manga, de Floriano, de Itaueira, de Rio Grande do Piauí e, por último, de Pavussu, onde veio a falecer ab intestato no dia 9 de maio de 1828; c. 1797 c. c. D. QUITÉRIA VIEIRA DE CARVALHO, que lhe sobreviveu, sendo ela filha do tenente Hilário Vieira de Carvalho (2.º do nome), Juiz Ordinário e Órfãos, residente na fazenda Várzea Grande, do termo de Jerumenha, onde faleceu em 1813, e de D. Josefa Maria da Conceição; neta paterna de Hilário Vieira de Carvalho (1.º do nome), fazendeiro, vereador, residente na fazenda da Volta, no vale do rio Canindé, arrematador dos dízimos da Capitania do Piauí durante os anos de 1725 a 1727 e 1740 a 1742 e de D. Maria do Rego (esta filha do Capitãomór Manoel do Rego Monteiro); bisneta de José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva, casal paulista de origem portuguesa que entrou no Piauí na bandeira de 1719, fundando um arraial de paulistas que deu origem à cidade de Paulistana(PI); neta materna de Antonio Pereira da Silva e D. Maria da Purificação, casal de abastados fazendeiros portugueses radicados na fazenda Mutucas, vale do rio Piauí; eram devotos de Nossa Senhora da Conceição; do entrelaçamento matrimonial, nasceram sete filhos, com idades em 1828, segundo consta no inventário do genitor: F.1- Major José Felipe Neri de Miranda F.2- Manuel Felipe de Miranda F.3- Francisco Félix de Miranda F.4- Thereza Maria da Conceição F.5- D. Leandra Maria da Conceição F.6- Cap. Ignácio Francisco de Miranda F.7- Carolina Maria da Conceição
- 29 anos; - 25 anos; - 20 anos; - 16 anos; - 15 anos; - 13 anos; - 10 anos;
Destes, D. Leandra Maria da Conceição, n. em 1813, casou-se e transferiu-se para o termo de Pilão Arcado,
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na Bahia, onde deixou filhos, já não existindo em 1867. Nada sabemos informar a respeito do destino de Thereza e Carolina. Teriam seguido a irmã para a Bahia? Faleceram solteiras? Casaram e não tiveram filhos? É difícil asseverar. Por essas razões, a descendência do capitão Felipe Neri de Miranda, será traçada apenas por seus filhos varões. Sempre há a esperança de que um dia alguém possa complementar esta pesquisa. José Felipe Neri de Miranda e Francisco Félix de Miranda, também são ancestrais do autor dessas notas. Nos livros de registros de correspondências da capitania de S. José do Piauí, arquivados no Arquivo Público Estadual encontramos duas missivas do governador D. João de Amorim Pereira a Felipe Nery de Miranda, datadas do ano de 1799, então com a patente de porta-estandarte. Interessante é que a primeira dessas missivas o trata por Felipe Rodrigues de Miranda, talvez em alusão ao nome de Ignácio Rodrigues de Miranda. A segunda, certamente com os dados da resposta, já o trata pelo nome correto. A título de registro histórico seguem na íntegra. A primeira correspondência se reporta às diligências militares de que esse Miranda era encarregado e sobre a dispensa de alguns moradores encarregados das fazendas do Real Fisco: “Carta ao Porta Estandarte Felipe Roiz de Miranda. ‘Chegando a mim a notícia por várias vezes que V.M.ce chama para o exercício não só aos vaqueiros das fazendas do Real Fisco, mas também aqueles que se hão empregados nas obras das mesmas fazendas como o carpina que atualmente se acha fazendo carros e mais acessórios das ditas fazendas vou declarar a V.M.ce que as pessoas que se declarem como essa mencionada, ocupadas no indispensável e ativo serviço das fazendas de Sua Mag.e não se deve enquanto este durar distrair das suas ocupações tão essenciais para a conservação do patrimônio Real// Deus guarde a V.M.ce. Palácio de Oeiras 10 de Setembro de 1799/ Dom João de Amorim Pereira/ Snr. Porta Estandarte Felipe Roiz de Miranda”(CABACap. Cod. 157. P. 194).
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No mesmo sentido da primeira, também essa segunda correspondência se reporta à disciplina militar de vaqueiros e demais empregados das fazendas do Real Fisco, sob responsabilidade do Porta-Estandarte Felipe Miranda. Era ele responsável pela disciplina militar em sua região. “Carta ao Porta Estandarte Felipe Nery de Miranda. ‘Pelo portador foi entregue nesta Secretaria a carta que V. M.ce me dirigiu inclusa a que recebeu do seu comandante cuja volta outra vez. Tendo determinado a V.M.ce assim como a todos os mais encarregados da disciplina militar o que se deve obrar com os vaqueiros e mais pessoas empregadas no serviço das fazendas do Real Fisco, o mesmo seu comandante me propôs o que V.M.ce lhe representou respeito o acharem-se disciplinados os soldados dessa Ribeira sobre cujo assunto lhe ordenei o que havia de fazer. Deus guarde a V.M.ce. Palácio de Oeiras 9 de Outubro de 1799/Dom João de Amorim Pereira/Snr. Porta Estandarte Felipe Nery de Miranda”(CABACap. Cod. 157. P. 212).
Portanto, são esses alguns dados sobre esse nosso antepassado da família Miranda, do centro-sul do Piauí. No tempo da correspondência supra, ocupava o posto de portaestandarte, depois foi promovido, sendo reformado no posto de capitão de um dos regimentos da capitania. Em outra oportunidade divulgaremos dados sobre sua descendência.
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QUADRO DA APL
SITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2011 CADEIRA Nº 1 Patrono: José Manuel de Freitas 1º ocupante: Clodoaldo Severo Conrado de Freitas 2º ocupante: Cirilo Chaves Soares Carneviva (Padre) 3º ocupante: Esmaragdo de Freitas e Sousa 4º ocupante: Avelar Brandão Vilela (Cardeal) 5º ocupante: Alberto Tavares Silva Ocupante atual: Antônio Fonseca dos Santos Neto CADEIRA Nº 2 Patrono: Hermínio de Carvalho Castelo Branco 1º ocupante: João Pinheiro 2º ocupante: Deolindo Augusto de Nunes Couto 3º ocupante: José Expedito de Carvalho Rêgo Ocupante atual: Jônathas de Barros Nunes
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CADEIRA Nº 3 Patrono: Joaquim Sampaio Castelo Branco (Padre) 1º ocupante: Fenelon Ferreira Castelo Branco 2º ocupante: Cromwell Barbosa de Carvalho 3º ocupante: João Gabriel Baptista Ocupante atual: Jesualdo Cavalcanti Barros CADEIRA Nº 4 Patrono: David Moreira Caldas 1º ocupante: Jônatas Baptista 2º ocupante: Mário José Baptista 3º ocupante: Fernando Lopes e Silva Sobrinho Ocupante atual: William Palha Dias CADEIRA Nº 5 Patrono: Areolino Antônio de Abreu 1º ocupante: Édson da Paz Cunha 2º ocupante: José Miguel de Matos Ocupante atual: Oton Mário José Lustosa Torres
CADEIRA Nº 6 Patrono: Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Aurélio de Freitas 2º ocupante: Alarico José da Cunha 3º ocupante: Petrarca Rocha de Sá Ocupante atual: Orlando Geraldo Rego de Carvalho CADEIRA Nº 7 Patrono: Anísio Auto de Abreu 1º ocupante: Higino Cícero da Cunha 2º ocupante: Raimundo de Moura Rego Ocupante atual: Humberto Soares Guimarães
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CADEIRA Nº 8 Patrono: José Coriolano de Sousa Lima 1º ocupante: Antônio Chaves 2º ocupante: Breno Pinheiro 3º ocupante: Celso Pinheiro Filho 4º ocupante: Francisco da Cunha e Silva Ocupante atual: Francisco Miguel de Moura CADEIRA Nº 9 Patrono: Alcides Freitas 1º ocupante: Lucídio Freitas 2º ocupante: Pedro Borges da Silva 3º ocupante: João Nonon de Moura Fontes Ibiapina Ocupante atual: Hugo Napoleão do Rego Neto CADEIRA Nº 10 Patrono: Licurgo José Henrique de Paiva 1º ocupante: Celso Pinheiro 2º ocupante: Antônio Monteiro de Sampaio (Monsenhor) 3º ocupante: Hindemburgo Dobal Teixeira Ocupante atual: José Elmar de Mélo Carvalho CADEIRA Nº 11 Patrono: João Alfredo Freitas 1º ocupante: Abdias da Costa Neves 2º ocupante: Benedito Martins Napoleão do Rego 3º ocupante: Fabrício de Arêa Leão Carvalho 4º ocupante: Aluízio Napoleão de Freitas Rego Ocupante atual: José Ribamar Garcia CADEIRA Nº 12 Patrono: Antônio Coelho Rodrigues 1º ocupante: João Crisóstomo da Rocha Cabral 2º ocupante: Hermínio de Morais Brito Conde ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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3º ocupante: Antônio Bugyja de Sousa Brito 4º ocupante: José Maria Soares Ribeiro Ocupante atual: Wilson Carvalho Gonçalves CADEIRA Nº 13 Patrono: Joaquim Ribeiro Gonçalves 1º ocupante: Antônio Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Gonçalo Castro Cavalcanti 3º ocupante: Clidenor Freitas Santos Ocupante atual: Pedro da Silva Ribeiro CADEIRA Nº 14 Patrono: Raimundo Alves da Fonseca (Cônego) 1º ocupante: Pedro de Alcântara de Sousa Britto 2º ocupante: Carlos Eugênio Porto 3º ocupante: Ofélio das Chagas Leitão 4º ocupante: Alvina Fernandes Gameiro Ocupante atual: Altevir Soares de Alencar CADEIRA Nº 15 Patrono: Antônio Borges Leal Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Francisco Nogueira Tapety 2º ocupante: Cristino Castelo Branco 3º ocupante: Carlos Castelo Branco Ocupante atual: Benjamin do Rego Monteiro Neto CADEIRA Nº 16 Patrono: Taumaturgo Sotero Vaz 1º ocupante: Raimundo Zito Baptista 2º ocupante: José Pires Rebelo 3º ocupante: Adelmar Soares da Rocha 4º ocupante: Edgard Nogueira 5º ocupante: Petrônio Portella Nunes 6º ocupante: Zenon Rocha Ocupante atual: Eustachio Portella Nunes Filho
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CADEIRA Nº 17 Patrono: Raimundo de Arêa Leão 1º ocupante: Odylo de Moura Costa 2º ocupante: Odylo Costa Filho Ocupante atual: João Paulo dos Reis Velloso CADEIRA Nº 18 Patrono: Marquês de Paranaguá 1º ocupante: José Félix Alves Pacheco 2º ocupante: José Burlamaqui Auto de Abreu Ocupante atual: Herculano Moraes da Silva Filho CADEIRA Nº 19 Patrono: Antônio José de Sampaio 1º ocupante: Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Renato Pires Castelo Branco Ocupante atual: Alcenor Rodrigues Candeira Filho CADEIRA Nº 20 Patrono: Álvaro de Assis Osório Mendes 1º ocupante: Matias Olímpio de Melo 2º ocupante: Jacob Manoel Gayoso e Almendra 3º ocupante: José Camillo da Silveira Filho Ocupante atual: Raimundo José Airemoraes Soares CADEIRA Nº 21 Patrono: Leopoldo Damasceno Ferreira (Padre) 1º ocupante: Antônio Francisco da Costa e Silva 2º ocupante: Maria Isabel Gonçalves de Vilhena Ocupante atual: Francisco Hardi Filho CADEIRA Nº 22 Patrono: Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco 1º ocupante: Luís de Moraes Correia ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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2º ocupante: José Pires de Lima Rebelo 3º ocupante: Júlio Antônio Martins Vieira 4º ocupante: Gerardo Majela Fortes Vasconcelos Ocupante atual: Nildomar da Silveira Soares CADEIRA Nº 23 Patrono: Lucídio Freitas 1º ocupante: Amélia de Freitas Beviláqua 2º ocupante: Joaquim Raimundo Ferreira Chaves (Mons.) Ocupante atual: Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz CADEIRA Nº 24 Patrono: Jonas de Moraes Correia 1º ocupante: Jonas Fontenele da Silva 2º ocupante: Jônatas de Moraes Correia 3º ocupante: Robert Wall de Carvalho Ocupante atual: Paulo de Tarso Mello e Freitas CADEIRA Nº 25 Patrono: Gabriel Luís Ferreira 1º ocupante: Simplício de Sousa Mendes 2º ocupante: Luiz Lopes Sobrinho Ocupante atual: Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior CADEIRA Nº 26 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante:
Simplício Coelho de Resende Benjamim de Moura Baptista Álvaro Alves Ferreira Manoel Felício Pinto João Emílio Falcão Costa Filho
Ocupante atual: Magno Pires Alves Filho CADEIRA Nº 27 Patrono: Honório Portela Parentes
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1º ocupante: Armando Madeira Brandão 2º ocupante: Armando Madeira Basto 3º ocupante: José Eduardo Pereira 4º ocupante: José Lopes dos Santos Ocupante atual: Reginaldo Miranda da Silva CADEIRA Nº 28 Patrono: Luísa Amélia de Queirós Brandão 1º ocupante: Elias de Oliveira e Silva 2º ocupante: José Vidal de Freitas Ocupante atual: Manfredi Mendes de Cerqueira CADEIRA Nº 29 Patrono: Gregório Taumaturgo de Azevedo 1º ocupante: José de Arimathéa Tito 2º ocupante: José de Arimathéa Tito Filho 3º ocupante: João Porfírio de Lima Cordão Ocupante atual: Afonso Ligório Pires de Carvalho CADEIRA Nº 30 Patrono: Deolindo Mendes da Silva Moura 1º ocupante: Antônio Bona 2º ocupante: Cláudio Pacheco Brasil Ocupante atual: Álvaro Pacheco CADEIRA Nº 31 Patrono: João Crisóstomo da Rocha Cabral 1º ocupante: Artur de Araújo Passos 2º ocupante: José Patrício Franco Ocupante atual: Júlio Romão da Silva CADEIRA Nº 32 Patrono: Antonino Freire da Silva Ocupante atual: Raimundo Nonato Monteiro de Santana ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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CADEIRA Nº 33 Patrono: Abdias da Costa Neves 1º ocupante: Wilson de Andrade Brandão Ocupante atual: Nelson Nery Costa CADEIRA Nº 34 Patrono: Anísio de Brito Melo 1º ocupante: Odilon Nunes 2º ocupante: Cláudio Melo (Padre) 3º ocupante: José Magalhães da Costa Ocupante atual: Zózimo Tavares Mendes CADEIRA Nº 35 Patrono: Antônio Alves de Noronha Ocupante atual: Maria Nerina Pessoa Castelo Branco CADEIRA Nº 36 Patrono: Vicente de Paulo Fontenele Araújo 1º ocupante: Darcy Fontenele Araújo 2º ocupante: Josias Carneiro da Silva 3º ocupante: José de Ribamar Oliveira Ocupante atual: Francisco de Assis Almeida Brasil CADEIRA Nº 37 Patrono: Heitor Castelo Branco 1º ocupante: Emília Castelo Branco de Carvalho 2º ocupante: Emília Leite Castelo Branco Ocupante atual: Heitor Castelo Branco Filho CADEIRA Nº 38 Patrono: João Francisco Ferry Ocupante atual: Manoel Paulo Nunes
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CADEIRA Nº 39 Patrono: José Newton de Freitas Ocupante atual: Celso Barros Coelho CADEIRA Nº 40 Patrono: Mário Faustino dos Santos e Silva 1º ocupante: João Coelho Marques 2º ocupante: Salomão Azar Chaib Ocupante atual: Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati
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ANTIGUIDADE DOS ACADÊMICOS DE ACORDO COM O INGRESSO NA ACADEMIA QUADRO EM 31 DE DEZEMBRO 2011 CADEIRA ACADÊMICOS POSSE 35 39 38 32 18 17 04 06 25 24 09 28 07 21
Maria Nerina Pessoa Castelo Branco Celso Barros Coelho Manoel Paulo Nunes Raimundo Nonato Monteiro de Santana Herculano Moraes da Silva Filho João Paulo dos Reis Velloso William Palha Dias Orlando Geraldo Rego de Carvalho Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior Paulo de Tarso Mello e Freitas Hugo Napoleão do Rego Neto Manfredi Mendes de Cerqueira Humberto Soares Guimarães Francisco Hardi Filho
19/12/1966 29/05/1967 28/08/1967 18/12/1967 01/05/1980 30/04/1981 17/09/1982 07/06/1983 31/08/1984 05/03/1986 06/03/1987 20/05/1988 10/12/1988 07/08/1989
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31 08 16 30 15 37 40 12 26 19 36 14 22 02 13 05 33 34 29 20 27 11 23 10 01 03
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Júlio Romão da Silva 21/05/1990 Francisco Miguel de Moura 30/10/1990 Eustachio Portella Nunes Filho 08/08/1991 Álvaro Pacheco 28/01/1994 Benjamin do Rego Monteiro Neto 03/03/1994 Heitor Castelo Branco Filho 20/05/1994 Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati 26/08/1994 Wilson Carvalho Gonçalves 10/02/1995 Magno Pires Alves Filho 25/10/1995 Alcenor Rodrigues Candeira Filho 15/03/1996 Francisco de Assis Almeida Brasil 09/08/1996 Altevir Soares de Alencar 13/06/2000 Nildomar da Silveira Soares 27/09/2000 Jônathas de Barros Nunes 22/11/2000 Pedro da Silva Ribeiro 08/02/2001 Oton Mário José Lustosa Torres 05/04/2001 Nelson Nery Costa 30/10/2001 Zózimo Tavares Mendes 10/12/2002 Afonso Ligório Pires de Carvalho 27/06/2003 Raimundo José Airemoraes Soares 12/08/2004 Reginaldo Miranda da Silva 18/10/2006 José Ribamar Garcia 15/03/2007 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz 05/10/2007 José Elmar de Mélo Carvalho 21/10/2008 Antônio Fonseca dos Santos Neto 02/03/2010 Jesualdo Cavalcanti Barros 06/08/2010
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SÓCIOS DE DIVERSAS CATEGORIAS SÓCIOS CORRESPONDENTES 1970 – 1982 Ribeiro Ramos (CE) Afonso Pereira da Silva (PB) Manoel Rodrigues de Melo (RN) Lothar Hessel (RS) Paulo Klumb (Santa Maria-RS) Manoel Caetano Bandeira de Melo (RJ) Alípio Mendes (Angra dos Reis-RJ) João Aragão (Nilópolis-RJ) Aristheu Bulhões (Santos-SP) Benedito Cleto (Sorocaba-SP) Elza Meireles (Mogi das Cruzes-SP) Mário Pires (Campinas-SP) Djalma Silva (GO)
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Nereu Corrêa (SC) Enéas Athanázio (Blumenau-SC) Oliveira Melo (Patos de Minas-MG) Vasco José Taborda (PR) Teresinka Pereira (Boulder-EUA) Cândido Carvalho Guerra (Corrente-PI) João Lindemberg de Aquino (Crato-CE) 1985 João do Rego Gadelha (Belém-PA) 1988 Tobias Pinheiro (Rio de Janeiro-RJ) Gerardo Mello Mourão (Rio de Janeiro-RJ) 1992 Cassiano Nunes (Brasília-DF)
1994 Jorge Medauar (São Paulo-SP) 1995 Maria Aparecida de Mello Calandra (Mogi das Cruzes-SP) 22.01.1998 Jorge Lima de Moura (Palmas-TO) 03.10. 1998 Cleá Rezende Neves de Mello (Brasília-DF) SÓCIOS HONORÁRIOS 1918 Rui Barbosa
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1927 Leonardo Mota 1970 – 1984 E. D’Almeida Vitor Lycurgo de Castro Santos Filho Maria Yêda Caddah Theobaldo Jamundá Haroldo Amorim Rego Nelson Carneiro 08.05.1993 Raul Furtado Bacellar 1994 Virmar Ribeiro Soares Geraldo Fontenelle 04.05.1996 Vicente Ribeiro Gonçalves – (Post mortem) 22.01.1998 Tobias Pinheiro Filho Raimundo Alonso Pinheiro Rocha Edson Raymundo Pinheiro de Sousa Franco Alvacir dos Santos Raposo Filho Tomaz Gomes Campelo Humberto Costa e Castro João Costa e Castro Ademar Bastos Gonçalves José Pires Gayoso de Almendra Freitas Eurípides Clementino de Aguiar – (Post mortem) Joacil de Britto Pereira Dimas Ribeiro da Fonseca Arassuay Gomes de Castro
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30.01.2008 José Elias Martins Aréa Leão SÓCIOS BENEMÉRITOS Leônidas de Castro Melo Dirceu Mendes Arcoverde Bernardino Soares Viana 05.03.1994 Antônio de Almendra Freitas Neto Raimundo Wall Ferraz Robert de Almendra Freitas Álvaro Brandão Filho Charles Carvalho Camillo da Silveira José Moacy Leal Moisés Ângelo de Moura Reis José Elias Martins Arêa Leão Carlos Burlamaqui da Silva José Elias Tajra Jesus Elias Tajra Filho Edilson Viana de Carvalho 22.01.1998 Jesus Elias Tajra João Claudino Fernandes Paulo Delfino Fonseca Guimarães 23.01.2000 Antônio Rodrigues da Silva José Osmando de Araújo Vieira
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24.01.2004 Álvaro Freire Aerton Cândido Fernandes 24.01.2006 Antonio Dib Tajra Stanley Fortes Baptista Antonio Machado Barbosa Francisco das Chagas Campos Pereira Maria Célia Portella Nunes Danilo Damazio da Silva 30.01.2008 Maria de Lourdes Leal Nunes Brandão Cláudia Maria de Macêdo Claudino Júlio César de Carvalho Lima Osmar Ribeiro de Almeida Júnior
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PERSONALIDADES AGRACIADAS COMENDA DO MÉRITO CULTURAL “LUCÍDIO FREITAS” 21.01.1993 Antônio de Almendra Freitas Neto José Sarney Antônio Houaiss Hugo Napoleão do Rego Neto Murilo Hingel Marcus Acioly Álvaro Pacheco Francisco das Chagas Caldas Rodrigues Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco Cláudio Pacheco Brasil Raimundo Wall Ferraz Milton Nunes Chaves Jesualdo Cavalcanti Barros
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Octávio Miranda Heráclito Sousa Fortes Domingos Carvalho da Silva Eloi Portela Nunes Sobrinho Clidenor Freitas Santos José Elias Martins Arêa Leão Moaci Ribeiro Madeira Campos José Gomes Campos Maria Yêda Caddah Afrânio Pessoa Castelo Branco José de Arimathéa Tito Filho – Post mortem 08.05.1993 Lauro Andrade Correia 12.11.1993 Maria Cecília da Costa Araújo Mendes Niède Guidon 07.05.1994 Charles Carvalho Camillo da Silveira 08.10.1994 Afonso Ligório Pires de Carvalho 11.12.1995 Alberto Vasconcellos da Costa e Silva 30.03.1996 Lucídio Portella Nunes 26.09.1996 José Ribeiro e Silva
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16.11.1996 Antenor de Castro Rego Filho 23.05.1997 Joacil de Britto Pereira 24.05.1997 Pedro Leopoldino Ferreira Filho 22.01.1998 Francisco de Assis de Moraes Souza Gerardo Juraci Campelo Leite José Luiz Martins de Carvalho Dom Miguel Fenelon Câmara Firmino da Silveira Soares Filho Agenor Ribeiro Artur Eduardo Benevides Clóvis Olinto de Bastos Meira Jomar da Silva Moraes 19.11.1998 Francisca das Chagas Trindade 13.01.2000 Francisco de Assis Almeida Brasil 24.02.2000 Clóvis Moura 30.03.2000 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
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25.05.2000 Manoel Paulo Nunes Cassiano Nunes 27.07.2000 Paulo Bonavides 15.08.2000 Cristovam Buarque 05.09.2000 Eduardo de Castro Neiva Júnior 28.09.2000 Washington Luís de Sousa Bonfim 07.11.2000 Éverton dos Santos Teixeira 26.04.2002 Banco do Nordeste do Brasil, S.A. 19.11.2003 Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy 26.01.2008 Raul Wagner Veloso 30.01.2008 José Wellington Barroso de Araújo Dias Sílvio Mendes de Oliveira Kleber Dantas Eulálio Antonio Rodrigues de Sousa Neto
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Luiz de Sousa Santos Júnior Felipe Mendes de Oliveira José Reis Pereira Sônia Maria Dias Mendes Antonio Soares Batista Cineas das Chagas Santos Maria Conceição Soares Meneses Instituto Dom Barreto Diva Maria Freire Figueiredo Raimundo Aurélio Melo Enéas Athanázio Doralice Andrade Parentes Maria do Socorro Rios Magalhães Paulo Delfino Fonseca Guimarães Danilo Damásio da Silva Valmir Miranda Segisnando Ferreira de Alencar Jesus Elias Tajra José Elias Tajra José de Arimatéia Azevedo
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