ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Presidente Reginaldo Miranda da Silva Vice-Presidente Raimundo Nonato Monteiro de Santana Secretário-Geral Oton Mário José Lustosa Torres 1º Secretário José Elmar de Mélo Carvalho 2º Secretário
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Tesoureiro
Manoel Paulo Nunes
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS N° 70 - ANO XCV - 2012
CASA DE LUCÍDIO FREITAS
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Dezembro de 2012 Ano XCV – Nº 70
Comissão de Redação Celso Barros Coelho Francisco Miguel de Moura Humberto Soares Guimarães Nildomar da Silveira Soares Oton Mário José Lustosa Torres Organização Vera Lúcia Rocha Sales Digitação Isis Pinto do Nascimento Soares Diagramação Raimundo Araújo Dias raimundoad@yahoo.com.br Fone: 8838-5570 Impressão Gráfica e Editora Uruçuí Revista da academia piauiense de letras. – Ano XCV, n. 70 (dez./2012) – Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2013. 223 p. v. : il.; 21 cm. Anual ISSN 2236-5036 1. Literatura – Periódicos 2. Literatura Brasileira Piauiense.
3. Literatura CDD 805
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Av. Miguel Rosa, 3300-Sul Cep: 64001-490 - Teresina-PI Fone/Fax.: ( 0**86) 3221-1566 site: www.academiapiauiensedeletras.org.br e-mail: acadpi@ig.com.br
SUMÁRIO NOSSA REVISTA
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LANÇAMENTO DE LIVROS Francisco Miguel de Moura - O Menino Reencontrado (Memorial da Infância)
11
PANEGÍRICOS William Palha Dias - Vida e Obra em Breve Panegírico
23 25
Homenagem a Benjamim do Rego Monteiro Neto
35
CENTENÁRIOS Ano Marquês de Paranaguá
43 45
Reginaldo Miranda
Teresinha Queiroz
Oton Lustosa
Celso Barros Coelho
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Jesualdo Cavalcanti Barros
Fazenda Grande do Mocambo e sua Importância no Contexto Histórico do Piauí
51
Dom Avelar - De Mitra e Fardão
57
Assim nos Contaram Nossos Pais - Homenagem aos Cem Anos do Nascimento de Dom Avelar Brandão Vilela
77
POSSE DO ACADÊMICO WILSON NUNES BRANDÃO Discurso de Recepção
89 91
Oton Lustosa
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wellistony C. Viana
Manoel Paulo Nunes
Discurso de posse 101
POSSE DO ACADÊMICO DEOCLÉCIO DANTAS FERREIRA 115 Discurso de Recepção 117 Zózimo Tavares
Discurso de Posse 139 HOMENAGEM A ACADÊMICO NA UFPI 165 Nerina Castelo Branco é Professora Enemérita 167 COLABORAÇÃO 175 Cultura e Contracultura 177 Manfredi Mendes de Cerqueira
Um Mestre da Historiografia Indígena 181 Elmar Carvalho
Cachoeira do Roberto 185 Reginaldo Miranda
Joaquim Brasil – Um Mestre no Sertão 191 Reginaldo Miranda
QUADRO DA APL 199 Situação em Dezembro de 2012 201 Antiguidade dos Acadêmicos 211 Sócios de Diversas Categorias 213 Personalidades Agraciadas com a Comenda do Mérito Cultural “Lucídio Freitas” 219
NOSSA REVISTA A história de nossa revista bem retrata a trajetória quase secular da Academia Piauiense de Letras, dizendo de seus momentos de maior culminância, bem como daqueles em que sofreu na planície das necessidades mais comezinhas. Fundado o nosso sodalício em 30 de dezembro de 1917, com inauguração oficial em 24 de janeiro seguinte, não tardou a divulgar a sua revista com a intenção de fazêla semestral, solenemente lançada em junho de 1918. As dificuldades não são de hoje. Já naquele primeiro número o secretário-geral João Pinheiro as menciona e diz dos objetivos da revista que se lançava, assim anotando: “Apesar de todas as dificuldades, sobretudo de caráter econômico, empreendemos esta publicação, destinada, principalmente, a difundir o gosto das boas letras e dos estudos de história e de geografia do Piauí, de que tanto carecemos. O nosso olvido pelas cousas piauienses concorre para que sejamos esquecidos dentro do país, de forma que os geógrafos e historiadores cometem os erros mais grosseiros sempre que se referem à nossa terra, tão pouco amada de seus filhos”.
inicial:
O preclaro fundador, ainda anota em sua Advertência “A fundação da Academia de Letras e a publicação desta Revista visam chamar a atenção dos entendidos para o estudo de quanto nos possa interessar, de seus homens, de suas cousas, tanto quanto estiver ao alcance das nossas forças”.
Felizmente, desse objetivo não se desvirtuou essa casa de cultura, ainda hoje seguindo os princípios norteados pelos eminentes fundadores. Todavia, a divulgação da revista bem demonstra as
dificuldades econômico-financeiras de nossa instituição cultural. Com exceção do ano de 1920, a revista teve publicação regular até o ano de 1929, publicando edições dobradas nos anos de 1923, 1924 e 1927. Depois de seis anos inativa, volta à estampa em 1936 com a edição n.º 15, seguindo regularmente até o ano de 1939, com uma edição anual. Os anos de 1940 e 1941 foram difíceis, apresentandose ao público novamente nos anos de 1942 e 1943, com as edições n.º 19 e 20. Desde então, uma apatia se abateu sobre os nossos intelectuais, quase não se reunindo e priorizando outras atividades literárias. Entre os anos de 1944, inclusive, e 1972 apenas uma edição da revista foi publicada em 1962, a 21ª. Somente com a revigoração da Academia em 1967, quando completou cinquenta anos de fundação e foram ampliadas as cadeiras de trinta para quarenta, trazendo novos membros, a mocidade de então, bem como a posterior assunção à presidência do notável Arimathéa Tito Filho, foi que a edição da revista voltou a ser priorizada. Em 1972, 55º ano de sua fundação, a Academia retoma a publicação de sua revista, que segue regularmente até à atualidade. Quando assumimos a direção do sodalício a publicação estava atrasada, dependendo da execução de convênio com a Universidade Federal do Piauí(UFPI). Embora tenha havido sugestões de lançar edições referentes a mais de um ano, a fim de atualizar com maior facilidade a Revista, preferimos manter as edições anuais, como manda o novo Estatuto. Em pouco mais de três anos de gestão, estamos publicando nove edições da revista, apenas duas por aquele convênio, as demais com recursos próprios. É que pensamos como os fundadores, que uma casa de cultura não pode bem viver sem uma boa publicação. O presente ano foi profícuo. Diversas atividades
foram desenvolvidas na Academia Piauiense de Letras. Promovemos palestras e debates, recebemos inúmeras delegações de professores e alunos, lançamos livros. Enfim, o sodalício cumpre o seu desiderato de promover o desenvolvimento da cultura em nosso Estado. Parte dessas atividades está expressa na presente edição que ora vem a público. Boa leitura! Reginaldo Miranda Presidente da Academia Piauiense de Letras
LANÇAMENTO DE LIVROS
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA: O MENINO REENCONTRADO (MEMORIAL DA INFÂNCIA) Teresinha Queiroz*
Daqueles dias quase tudo está perdido! Gesto, palavras, fatos, visões e sonhos, amores que doíam e desejos que voavam. Quem pode contar a história de Ciro? A pergunta não lhe devolve a realidade presente. (MOURA, 2004, pg.19)
O
trecho acima constitui o convite para a formulação de uma outra pergunta: Quem pode contar a história de Chico, do menino Chico? A pergunta e o anseio da resposta não têm o condão *
Professora da Universidade Federal do Piauí. Acadêmica da Cadeira 23 da APL.
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de nos devolver a realidade passada. Seguramente, não devolveu esse passado também ao escritor Francisco Miguel de Moura quando ele escrever O menino quase perdido (MOURA, 2009) e não o devolveu certamente por que essa matéria mole e flexível que é o tempo o é igualmente duro e perdido e só pode ser reencontrado pelos artifícios da memória, da memória de cada um e da memória dos outros. Isto posto, como poderemos reencontrar o menino, a menina perdidos e olvidados ainda mais nos outros? A resposta parece simples: pelos fiapos de nossas próprias lembranças e pelas lembranças dos outros e ainda pelo acionar dos mais distintos registros e suportes que podem dizer, ao observador atento e interessado, de nós. Velhos álbuns de família, nossa roupinha de batismo, os presentes duráveis que guardamos, as cadernetas e os cadernos escolares, antigas cartilhas empoeiradas, os primeiros coeiros cuidadosamente guardados pela mãe e tantos outros possíveis restos, cacos, fragmentos, resíduos que ativam a lembrança e nos fazem, no esforço para que não nos percamos de nós mesmos, vislumbrar frações às vezes quase infinitesimais do tempo e especialmente inventar e reinventar o tempo perdido. Por que falar de invenção e reinvenção? Para adiantar que memórias são construções poéticas, são escritos de um tempo, portanto são camadas superpostas da história. E histórias, em qualquer tempo e lugar, são narrativas que se tecem de certezas e incertezas, de fatos que podemos afirmar como acontecidos, conferindo-lhe um grau elevado de veracidade, mas igualmente de fatos possíveis, mas não seguramente acontecidos. A escrita, qualquer que seja ela, guarda em si esses desníveis e aproximações maiores ou menores com um real acontecido, porém quase todo perdido para nossa experiência do presente.
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Memória, no caso, são escritas que se fazem segundo inúmeros limites: o do acesso ao acontecido é o menor deles. Memórias quando se querem como acontecidas, verdadeiras, consideram, como bem afirmou Bujyja Britto em suas Narrativas autobiográficas (1977), todas as conveniências pessoais, familiares, sociais e especialmente a vontade expressa de formatar uma imagem para a posteridade. Neste ponto, minha própria memória me põe em dificuldades e ameaça desviar-me do roteiro traçado, pois O menino quase perdido, de Francisco Miguel de Moura, guarda enorme distância desse painel bordado por Bujyja Britto. O reencontro de Francisco Miguel com o menino Chico é de outra natureza. É de natureza poética. Dito isso, está visto que o livro é um produto artístico que toma a infância como tema. A infância do menino Chico e a infância de cada um de nós. O tema da infância, recorrente no memorialismo e na literatura, tem se tornado um interesse também entre os historiadores, sobretudo em face do uso cada vez mais intenso do conceito de memória e de noções afins, especialmente entre os que se debruçam sobre a história contemporânea e, em particular, entre os que estudam a chamada história do presente. Na literatura, o exemplo mais notável que me ocorre é de Jean-Paul Sartre que, em As palavras (1984), conta com agudo senso de humor e invejável ironia, a história de sua infância e de sua formação como escritor, sem dúvida, um dos maiores do séc. XX. Em fidelidade ao tropo lingüístico a que recorre – o irônico - Sartre poetiza sua formação segundo dois recortes: o ler e o escrever. Como menino leitor, recria-se como um ator, um fingidor, representandose em toda a infância, para o avô Charles Schweitzer calvinista e professor de línguas – como um pequeno adulto
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de interesses eruditos e distantes do comum, com o que se fez crente o avô na genialidade do neto; ao mesmo tempo, vivia sua infância de frequentador de cinemas populares, de consumidor de revistas em quadrinhos americanas, de que era um colecionador, e de voraz leitor de produtos voltados para os interesses infantis das décadas iniciais do séc. XX, tudo propiciado pela mãe, companheira e cúmplice desses seus brincos de criança solitária. Sobre o escrever, chama a atenção nesse livro extraordinário a maneira como Sartre trata a retomada do passado, a necessidade de aprisioná-lo e sorvê-lo outra vez, outras vezes, pelo consumo de sua escrita. Acompanhemos o autor ao se referir ao seu ofício infantil de escrever, que ele define ao mesmo tempo como clandestino e verdadeiro, ou seja, sem leitores, porém igualmente sem a obrigação de agradar. Olhando para o passado, já tendo dobrado a quadra das tormentas, para ele, a dos cinquenta anos, afirma: [...] “por ter descoberto o mundo através da linguagem, tomei durante muito tempo a linguagem pelo mundo. Existir era possuir uma marca registrada, alguma parte nas Tábuas infinitas do Verbo; escrever era gravar nelas seres novos – foi a minha mais tenaz ilusão – colher as coisas vivas na armadilha das palavras: se eu combinava as palavras, o objeto enleava-se nos signos, eu o apanhava” [...] (SARTRE, 1984, p.132).
Às vezes, Sartre apenas observava as coisas, não depositava os seus achados no papel. Acumulavam-se as impressões, pensava ele, em sua memória. Na realidade, as esquecia. Entretanto, já pressentia o seu futuro papel – imporia nome às coisas (SARTRE, 1984, p.132). Deixemos o pequeno Sartre, em seu devaneio literário, a observar os plátanos do Jardim de Luxemburgo de Paris da sua infância. Transportemo-nos para outras plagas. Viajemos, tomando a memória do adulto Francisco Miguel de
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Moura como nosso guia, para o Angico Branco, para Aroeiras do Itaim, para a Barra, para Sussuapara, para Rodeador, para Bocaina, para o Curral Novo, para o Jenipapeiro, para Conceição, para Picos e para tantos outros lugares a que nossas lembranças nos conduzirem, alagando com nossas saudades a aridez que o tempo impôs a esses começos de vida. Deixemos lampejar os fragmentos. Imponhamos sentidos a eles, pois é deles que se faz vida e história. E assim Francisco Miguel de Moura o fez. Sua escrita toma o fragmento como estratégia. Costura sua narrativa com fiapos de lembranças. Escava o tempo com uma colher dourada, tão ciosamente escondida de seu tio Antônio, ameaça permanecer à sua pequena posse. Abre cavoucos no chão seco, frechas que cavoucos lhes vão permitir olhar para o outro lado, para outros mundos e, especialmente, olhar para dentro de si. Filosofia que criança, mesmo com a razão morando distante da razão do adulto, é pensador maior. Diz no singular o que é plural, diz no individual o que é social. Diz de si, mas diz sobretudo de nós. E aqui convido a todos para um saque, para um butim, para que nos aprofundemos nesse belo memorial. Afinal, quando o escritor transforma sua experiência em narrativa, o que ele faz é transpor a vida para a forma da arte. E ao transformar o cotidiano em produto artístico, este passa a ser de todos, pois a arte é para ser degustada no coletivo, é feita sobretudo para emocionar, para conferir beleza às coisas, para ajudar a viver da maneira mais plena. O escritor Francisco Miguel de Moura trata de todas as infâncias, ao transformar, pela palavra, esta idade da vida em arte. Afinal, podemos encontrar em todas as infâncias, ou pelo menos em boa parte das infâncias ocidentais do último século – o apego à mãe e o medo de perdê-la, a
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figura presente-ausente do pai, o pai como representação da razão, a mãe como o signo da emoção, a descoberta da desigualdade e da injustiça, a formação da consciência do corpo e de suas urgências, o susto com as rápidas mudanças físicas, as descobertas do amor e de suas múltiplas formas. Para significar essa descoberta, trouxe de volta as meninas e meninas-moças de seu tempo, perfumadas romanticamente nos jardins do passado – meninas-flores – mas foi enfático principalmente ao recordar pedaços de pernas, braços nus, seios nascentes e... suprema e inesquecível visão – a primeira mulher nua. Claro que todas vestidas da mais pura invenção! No entanto, como duvidar da verdade dos sentimentos, do prazer da descoberta do outro sexo, da atração e do desejo do menino e do homem? Francisco Miguel de Moura, já adulto, registra esse mesmo sentimento, dá a ver essa antiga descoberta nos notáveis poemas Aqui, a moça e De novo, a moça, ambos publicados em Tempo contra tempo (MOURA, 2007, p.9 e 11). Imaginemos com ele: Aqui, a moça Há, sim, quem possa se livrar do tempo, e dos seus males, mas por pouco, embora: É quando então se arranja um passatempo e ri do tempo enquanto o tempo chora. Se a moça “mal-sentada” se demora na calçada, sorrindo, por exemplo, então se pede a Deus e até implora que aquele espaço seja um novo templo. Tempo não morre e suicídio ignora. Mas se acaso morrer, renasce e enflora na imagem da moça “mal-vestida”.
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Sinal do bem, “a moça” até se cora, e nos remoça como fosse outrora. Pois viva a moça, o renascer da vida! De novo, a moça Quero insistir que a moça “mal-sentada” é o mais lindo dos quadros que conheço, e aquele vestir pouco não tem preço, faz a curva da idade abençoada. Para os que vão embaixo da calçada, vencer o tempo é esforço muito avesso. E se a ilusão não muda de endereço pode ajudar tão bem na caminhada. Um sorriso, um olhar... E continua... Tempo passante é sol, passado é lua. E o futuro? Nem Deus sabe de nada. O tempo é assim: nem novo nem tão velho... Mas quem o vê no retrato ou no espelho Como se avista a moça na calçada?
Quero chamar a atenção para apenas dois aspectos. Primeiro, para a multiplicidade de representações do tempo presente nos poemas e igualmente em O menino quase perdido: tempo mau, passatempo, tempo riso, tempo súplica, tempo eterno, tempo morte, tempo ressuscitado, tempo enflorado, tempo abençoado, tempo avesso, tempo ilusão, tempo passado, tempo natureza, tempo novo, tempo velho, tempo Deus, tempo futuro, o tempo com quadro persistente e recorrente da “mal-sentada”. E outros tempos que cabe ao leitor descobrir. Segundo aspecto: o que faz renascer todas essas temporalidades? O tempo Eros que invadiu o ser na infância, aqui reconstituída também sob esse signo. Vê-se que o menino quase perdido se fez homem.
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E se fez escritor. E como homem escritor nos conduz, neste livro e em outros de sua romancística como Os estigmas (1984), Laços de poder (1991), Ternura (1993) e D. Xicote (2005) pelos caminhos da vida e por suas errâncias, pelas migrações que marcam a trajetória de quase todos nós, pelo desafio do sair dos povoados e das pequenas cidades e enfrentar, e ter que vencer, nas capitais desses vastos Brasis e quiçá do mundo. Francisco Miguel de Moura elabora uma síntese perfeita entre a imaginação infantil tal como tem sido representada na escrita ocidental erudita e na cultura popular, certamente indissociáveis, e a poética do literato ao reinventar essas vidas e também a sua. Como não se emocionar, como não ser profundamente afetado ao reencontrar os medos mais primordiais da infância – medo de bicho, medo de escuro, de morrer afogado, de lobisomem, de eclipse, do fim do mundo, de apanhar do pai, de perder-se nos caminhos e não ser encontrado, medo de onça braba, de a mãe não voltar das desobrigas, de passar fome, de ser feio/ feia? Todos esses medos misturam cultura e natureza, causos contados por avós e tios, contos da carochinha, fábulas européias de séculos passados, leituras de velhos e ensebados livros infantis, narrativas de cordel, histórias de caçadores e pescadores, sabedorias populares e até conversas para boi dormir? Como ignorar em nós, e no autor, toda essa mistura de saberes travestida em memória? Como não sorrir interiormente de felicidade, de saudade e de autocomplacência de adulto para a criança que fomos ao recordar, nessas buscas com cavadores, necessariamente de madeira, das botijas de ouro que poderiam estar escondidas em qualquer lugar, especialmente onde, em noites escuras, borboleteavam ora um foguinho, ora uma luz insistente?
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Como esquecer o “faz-de-conta” que dava início a todas as brincadeiras, brincadeiras cujo principal ingrediente era a fantasia compartilhada? Faz-de-conta que é um boi, que é um cavalo, que é dinheiro, que é uma quitanda, que é uma princesa, que é um palácio, que é uma carruagem, quando às vezes nem a abóbora havia? Afinal, escrever não é sobretudo brincar de faz-deconta? Faz-de-conta que houve um menino Chico... Para dar corpo a esse faz-de-conta ele fez literatura. Enredou palavras e frases, construiu significados, atribuiu valores, inventou outros mundos, acionou sentimentos, criou um campo – lugares, cenas, personagens, eventos, escolheu uma forma de enredo, adicionou pitadas de real à sua imaginação. Fez literatura. E como Humberto de Campos em suas Memórias (19..) fala de amor e de sofrimentos, como O. G. Rego de Carvalho de Ulisses entre o amor e a morte (1994) fez poesia na forma de prosa. Leu, escreveu, fantasiou, contou, cortou e nos convocou a abraçar esse menino, agora reencontrado, que magro, fraco, assustado e sensível crescia para exercitar seu melhor papel – o de notável escritor.
Referências BRITTO, Bujyja. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977. CAMPOS, Humberto de. Memórias. CARVALHO, O. G. Rego de. Ulisses entre o amor e a morte. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1994. MOURA, Francisco Miguel de. D. Xicote. Teresina: [s.n], 2005. MOURA, Francisco Miguel de. Laços de poder. Teresina: [s.n],
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1991. MOURA, Francisco Miguel de. O menino quase perdido. Teresina: [s.n], 2009. MOURA, Francisco Miguel de. Os estigmas. Teresina: [s.n], 1984. MOURA, Francisco Miguel de. Tempo contra tempo. Teresina: [s.n], 2007. MOURA, Francisco Miguel de. Ternura. 2. ed. São Paulo: Livro Pronto, 2011. SARTRE, Jean-Paul. As palavras: história da formação de um dos maiores escritores do nosso tempo, contada com humor e ironia por ele próprio. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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PANEGÍRICOS
WILLIAM PALHA DIAS: VIDA E OBRA EM BREVE PANEGÍRICO*
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Oton Lustosa**
olpes de punhais fremiam no ar como se os atacantes estivessem endiabrados. Herculano, numa investida furiosa, fora ferido pelo punhal destemido de Adriano, que não parava. Nesse momento, Mariana, que já se integrara na luta ao lado de seu marido, conseguiu, num esforço extremo, com uma mão-de-pilão acaso encontrada, acertar em cheio na cabeça de Chico Mão de Onça, deixando-o, ali mesmo, de canela esticada, sem *
Oração de elogio à memória de William Palha Dias proferida pelo acadêmico Oton Lustosa, na Academia Piauiense de Letras, em 29.3.2012. ** Oton Lustosa é magistrado, jurista, contista, romancista e titular da cadeira nº 5 da Academia Piauiense de Letras.
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vida para sempre. Adriano, já ferido, não conseguiu manter a mesma resistência de antes. Contudo, a luta continuou sem que o vaqueiro se desse conta da superioridade dos atacantes. Herculano sentiu, mesmo assim, perigosa a situação. Examinou seu revólver e ainda encontrou por acaso uma bala. Apesar de ferido, conseguiu alvejar Adriano, que tombou desesperadamente na febre da luta. Mariana, mesmo só, não arrefeceu o ânimo de lutar; lançava-se indômita contra jagunços e patrão até se ver tombar, varada pelo punhal de Porciúncula.”1 Não leio trechos de Pedra Bonita nem de Cangaceiros, romances do ciclo do cangaço de JOSÉ LINS DO REGO. Não reproduzo passagens de Vila dos Confins nem de Chapadão do Bugre, de MÁRIO PALMÉRIO. Não faço releitura de Tocaia Grande, de JORGE AMADO. Tampouco relembro passagens dramáticas do romance O Tronco, de BERNARDO ÉLIS. Senhoras e senhores, Nesta noite de reconhecimento, de exaltação e de saudade, confiaram-me os meus confrades a incumbência de relembrar a vida e a obra do saudoso acadêmico WILLIAM PALHA DIAS. Empresa dificílima, porque haverei de executá-la com palavras e frases inteligíveis, que o seleto auditório bem merece. Mas ao mesmo tempo, tarefa prazerosa, porque dela me desincumbirei, embevecido, relendo trechos da obra do romancista piauiense, filho do sertão de Caracol. Lia, na introdução deste panegírico, trecho de Vila de Jurema, o segundo romance de WILLIAM PALHA DIAS, publicado em 1973. Nesta narrativa emocionante o 1
Vila de Jurema, p. 93.
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ficcionista retrata, transfigura e expõe a vida tal como ela era nos idos dos anos vinte do século passado, nos confins do sertão piauiense, onde o látex da maniçobeira de branco se transmudava em tinto na arena das refregas, no palco do punhal e do bacamarte. Sobre este romance, de confirmação da madureza intelectual do escritor, que antes já havia publicado dois livros escolares e o romance Endoema, o médico e intelectual, membro da Academia Piauiense de Letras, GERARDO MAGELA FORTES VASCONCELOS, exteriorizou as seguintes reflexões: “O livro é um primor quer pelo continente quer pelo conteúdo, denso e nítido ciclo nordestino” a seca, o cangaço, o coronelismo, noção severa da honra e da família, episódio cíclico da borracha de maniçoba no Piauí. É história romanceada, atraente, vívida, um painel bem burilado, espontâneo, movimentado, descritivo, chocante na sua contundente humanidade, emocionante na beleza dos seus amores rudes, dos seus aventureiros cruéis, história e sociologia apaixonadas, urdidas com veracidade e imaginação.”2 Nascido em Caracol, no sertão piauiense, a 17 de setembro de 1918, WILLIAM PALHA DIAS era filho de Claudionor Augusto Dias e de Leonor Palha Dias, neto do coronel Aureliano Augusto Dias. Sobre o seu pai, nas páginas de Memorial de um lutador obstinado, seu livro de memórias, traça o seguinte perfil: “Meu pai, apesar de compreensivo e cuidadoso, não era de muito acarinhar os filhos, ao contrário disso, imbuído do espírito de austeridade machista da época, entendia não ser possível educar os jovens sem duros castigos e severas admoestações. Não tolerava mentiras, chegava mesmo à intransigência quando suspeitava de qualquer mentira que se lhe afirmasse. Quando apanhava-me em 2
VASCONCELOS, Gerardo Magela Fortes. in Reflexões sobre Vila de Jurema de William Palha Dias.
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contradição ou estória mal contada, a investigação era certa e imediata, não deixava para depois. Conhecidos a lorota ou o deslize, o castigo não se fazia esperar. Todavia, essa conduta rigorosa de meu pai foi bastante fundamental para moldar o meu comportamento.”3 Sobre o avô paterno, depõe nas páginas do mesmo Memorial: “Chefe local, exercia grande controle, não só da família mas, sobretudo, junto aos seus amigos e correligionários da região que dominava. Por assim ser, essa posição emprestava certa auréola de sapiência e respeito ao seu nome. Nada na antiga vila resolvia-se sem a sua supervisão. Todos os atos ali praticados teriam de receber, antes de tudo, a sua aprovação. Mesmo assim, com todo esse prestígio, não aninhava em seu espírito qualquer pretensão de régulo. Tudo o que praticava o fazia com moderação e respeito aos seus amigos e parentes. Essa posição muito concorria para a verdadeira consideração que desfrutava entre os seus concidadãos.”4 Do livro Caracol na História do Piauí, obra de estreia de WILLIAM PALHA DIAS, recolho dados históricos dando conta de que Aureliano Augusto Dias veio a ser o fundador e o primeiro intendente da Vila de Caracol, nos idos de 1912 em diante. No mesmo livro inaugural, o mais tarde consagrado autor de Vila de Jurema e de Mulher Dama, Sinhá Madama, fez o seguinte registro: “Quando o sopro da alta do preço da borracha de maniçoba sacudiu o Nordeste, tangendo, febrilmente, para a zona produtora número sem conta de aventureiros, Caracol tornou-se o centro de grande atração para levas e mais levas de gente de todo jaez social, sobretudo cangaceiros e malfeitores, os quais povoaram de desordens e tropelias a vida comunitária. [...] Chefiando uma horda de cem homens dessa espécie, disfarçados em 3 4
PALHA DIAS, William. Memorial de um lutar obstinado. Teresina: COMEPI, 1997, p. 19. Idem, ibidem. p. 19.
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seringueiros, em 1910 chegou a Caracol Ângelo Gomes Lima, figura central nos futuros acontecimentos políticos da terra.”5 Apeado da intendência por forças poderosas da perseguição política estadual, narra WILLIAM PALHA DIAS, nas páginas de seu livro de estreia, que o seu avô AURELIANO, vendo os destinos de sua terra natal confiados ao forasteiro Ângelo Gomes Lima, o Ângelo da Jia, teve de pegar em armas, comandar uma milícia e sitiar a cidade buscando devolvê-la aos caracolenses. Mudando de tática, ensarilhou as armas, retomou estratégia política e reverteu a situação. Senhor presidente, senhores acadêmicos, Foi nesse ambiente, em meio a depoimentos e testemunhos vivos da recente história sangrenta de sua terra natal, que veio ao mundo, em 1917, o menino WILLIAM PALHA DIAS. Ouçamos, agora, as suas próprias palavras, nas páginas de Memorial de um outador obstinado: “Eu era um menino traquinas a valer. [...] Não respeitava perigo.”6 Único varão, ficou órfão de mãe aos três anos de vida. Ainda criança, com onze meses de idade, sofreu uma queimadura grave com água fervente. Taludo e arteiro, apanhou de dar dó de uma moça velha sua tia, em casa do avô paterno. Confessa em suas memórias: “Eu era um menino entanguido e feio. Só cheguei a desenvolver o crescimento depois de atingir quinze anos, refazendo-me até os vinte, quando consegui a altura de um metro e sessenta e cinco centímetros. Por outro lado, não contando com beleza física, não era tão carecido de inteligência e alguma simpatia.”7 5 6 7
PALHA DIAS, William. Caracol na história do Piauí. Teresina: edição do autor, 4ª. edição, 2003, p. 59. Idem, ibidem, p. 17. Idem, ibidem, p. 21.
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Aos doze anos, alfabetizado, já sabendo fazer contas, com tropa de jegues, bruacas, ancoretas e cangalhas, saiu a mascatear na companhia de um irmão adotivo, lá pelas plagas de Nova Lapa, no vasto mundo cerradão do médio Gurgueia. Dessa experiência de tropeiro, mascate vendedor de cachaça e fumo-de-rolo, relembra nas páginas do seu Memorial a seguinte passagem: “Nas penosas viagens, que sempre fazíamos a pé, nas madrugadas frias, quando o carregamento era cachaça, extraíamos das ancoretas, com a ajuda de canudos de taboca, o inebriante líquido para abrandar o frio que nos fustigava, deixando-nos em verdadeira apatia para enfrentar a labuta com as pesadas cargas. Tropear em tais condições era uma vida sofrida, porém animada para a inexperiência dos improvisados almocreves.”8 Noutro trecho narra o seguinte incidente: “[...] defrontamo-nos com terrível incêndio que destruía tudo no meio do baixão e avançava em nossa direção. Sentindo-nos em meio ao grande perigo, fomos levados a improvisar, imediatamente, um aceiro em volta da rancharia. Com essa providência, embora envoltos no turbilhão de fumaça, conseguimos escapar de sermos consumidos pelo descomunal incêndio que arrastou toda a mata e a bicharada ali existente. O companheiro, privado de ar mais puro, parou de respirar, caindo em profundo desmaio, deixando-me em verdadeira situação de desespero. Felizmente, o estado de desalento demorou pouco e ele voltou logo a si. O incêndio passou, mas deixou tudo devastado. Somente no dia seguinte conseguimos deixar aquele ambiente, agora em completa aniquilação.”9 Eis o mundo-sertão de WILLIAM PALHA DIAS. Como essas experiências, travessuras e travessias foram 8 9
Idem, ibidem, p. 23. Idem, ibidem, p. 24.
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importantes na formação da personalidade daquele que viria a ser, na vida adulta, o operário sem preguiça; o estudante retardatário, mas persistente e determinado; o comerciário diligente; o funcionário público exemplar; o advogado altivo e vencedor de demandas; o magistrado intrépido, laborioso e justo; o narrador ficcionista com grande cabedal de histórias, todas elas extraídas de si próprio, que ele tinha a experiência da vida e assim lhe era fácil inventar a arte. Corriam-lhe as primaveras da juventude. Sonhava com a poeira das estradas, com os rega-bofes dos arruados, com a faceirice das cabrochas, com a lua e as serenatas. Aos vinte anos acordou. Teria de estudar. Relembra-se do que na infância já distante lhe vaticinara o pai, também sonhador, prático de farmácia, rábula de ocasião: - Vai ser advogado, bacharel pela Faculdade de Direito da Bahia! Matriculou-se num preparatório, em Floriano, e ao fim do ano saía-se vitorioso no exame de admissão ao ginásio. Transferindo-se para Teresina, aqui chegou em 1941, para estudar no Liceu Piauiense. Em sala de aula, no primeiro dia, viu-se às voltas com os colegas como a admirarem-lhe o jeitão diferente. Registrou em seu Memorial, longos anos depois, o que naquela ocasião lhe veio à cabeça a respeito do que pudessem estar pensando os colegas do Liceu naquele primeiro dia de aula: “– Quem seria esse fearrão de nome tão diferente, de nome estrangeiro?” Ao fim daquela aula que lhe marcara a nova vida de estudante na capital piauiense, submeteu-se ao batismo da cabeça raspada e da imersão em tanque a céu aberto na Praça da Bandeira, no centro da roda, entre colegas e veteranos. O trote evolui para o que hoje se chamaria bullyng. Desafiado e quase humilhado, saiu no braço com um estudante de outra turma. Separados os dois pugilistas, não houve vencedor nem vencido. Residiu na Rua da Glória, atualmente Lizandro
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Nogueira, em casa de uns parentes; depois mudou-se para a pensão de Dona Teresa, que ficava no casarão em que outrora fora assassinado o juiz Lucrécio Dantas Avelino. Concluído o ginásio, submeteu-se a ligeiras experiências de trabalho como comerciário na Casa Inglesa e como tabelião em Barão de Grajaú. Desempregado, comprou quinquilharias e foi mascatear no garimpo de Gilbués, no extremo sul do Piauí. Em seu livro de memórias já referido, narra espetacularmente o cenário da mina: “O garimpo de diamantes aparecido naquela região, sem qualquer intervenção de geólogos, desafiava em produção a todos os demais do gênero, descobertos no meio norte-nordeste do país. O movimento era tamanho que aviões monomotores planavam sobre as manchas diamantíferas como se fossem pragas de gafanhotos a multiplicarem-se a cada dia. Enquanto aqueles manchões se viam cruzados pelos vôos dos inúmeros planadores, tropas e mais tropas de animais cargueiros, de todos os tipos, fervilhavam nas estradas e veredas na condução de víveres para o abastecimento, tanto dos que se dedicavam à garimpagem quanto daqueles que exerciam as diversas atividades decorrentes da exploração do minério. Junto aos manchões, barracos e barracos eram construídos do dia para a noite.”10 De mascate transmudou-se em garimpeiro, dono de barranco. Sem lucro e sem sucesso, mudou de ramo e passou a vender poções e pílulas à gentalha empaludada do garimpo. Mais uma vez sem sorte na empresa, comprou tropa de jegues e voltou a mascatear com bugigangas. Era dezembro de 1946. Regressou à casa paterna. Vendeu a tropa e se foi para São Paulo. Trabalhou de balconista em loja de turco e de escriturário na anglo-brasileira Mappim. 10
Idem, ibidem, p. 79.
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Na Pauliceia, tencionava estudar e não pôde, porque ali outrora como hoje, para nordestino, tudo é trabalho e trabalho pesado. Uma carta de parente, com promessa de político, lhe garantia cargo de Coletor Federal na cidade dos Picos. Regressa à terra mafrense, mas o alvissareiro cargo já havia sido entregue a apadrinhado pessedista. Por golpe de sorte, influência de amigo, conseguiu emprego na Comissão de Estradas de Rodagem, que fazia a restauração da velha carroçável de Floriano a Bom Jesus. Por injunção política do senador Ribeiro Gonçalves, transferiu-se para Teresina, onde passou a residir e a estudar. Casa-se com Maria das Graças e vai viver a sua vidinha de funcionário público, chefe de família. Quando corria o ano de 1955, levanta o pensamento e volta a estudar. Ingressa na Faculdade de Direito do Piauí. Já advogado, em causa própria, reconquista o cargo perdido por perseguição política no DER. Em disponibilidade no serviço público, escreveu de jornalista e advogou no júri. Aprovado em certame, recusou o cargo de juiz. Mais uma aprovação em novo concurso e desta vez prevaleceu o conselho de Dona Gracy, a amada esposa. WILLIAM PALHA DIAS é nomeado Juiz de Direito e assume a comarca de Regeneração. Juiz austero e corajoso, combateu a fraude no tabelionato imobiliário e nas folhas de votação de pleito municipal. Condenou e prendeu poderosos. No desempenho de sua carreira magistratural, depois de Regeneração, percorreu as comarcas de Pedro II, Castelo do Piauí e Oeiras. Promovido para a comarca de Picos, imediatamente se aposentou. Retomou a advocacia. Depois, entregou-se apenas à literatura e ao convívio acadêmico. Eis a trajetória de vida e de trabalho de WILLIAM PALHA DIAS, que lutou e venceu e viveu feliz, ao lado da esposa Maria das Graças (a sua amadíssima Dona Gracy), do filho Francisco de Sales, das filhas Leonor, Celina, Célia,
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Míriam e Andreia; dos netos, bisnetos, nora e genros. A 14 de fevereiro de 2012, na hora das ave-marias, partiu para a eternidade. Deixa a dor da saudade, que passará; deixa a obra e o nome, que não passarão. Autodidata, intelectual, literato. Mercê de sua verve artística e de sua produção literária, ingressou nesta Academia Piauiense de Letras, no ano de 1982, aqui ocupando a cadeira número quatro. O conjunto de sua obra reúne dezenove livros, entre eles dezessete de composições literárias. A sua narrativa Irmãos Quixaba foi convertida em roteiro para o cinema. Leitores, estudantes e pesquisadores se embevecem em páginas de sua prosa bem escrita, erudita e sertaneja a um só tempo, verossimilhante, convincente; bem à altura de fazer a grandeza da Literatura Piauiense. Privilegiado, privei de sua amizade. Trocamos cartas, livros e leituras. Com orgulho e honra, na orelha de PapoAmarelo, drástica solução, composição romanceada em que narra a luta fratricida de Lustosas, Nogueiras e Granjas nos sertões de Parnaguá, grafei que WILLIAM PALHA DIAS “é o consagrado escritor piauiense que mais entende das pugnas e refregas dos sertões mafrensinos.”11 Muitos críticos, daqui e de longe, têm aplaudido as composições literárias de WILLIAM PALHA DIAS. A pesquisa universitária da graduação, da pósgraduação e do mestrado muito têm que explorar na obra deste consagrado autor piauiense. Assíduo às sessões acadêmicas, espirituoso contador de histórias, era a certeza da alegria do ambiente acadêmico nas manhãs de sábado. Sempre um dito chistoso a narrar, fazendo ecoar gargalhadas. Simples, amigo e bom, WILLIAM PALHA DIAS para sempre viverá na lembrança dos amigos e na memória desta Casa de Lucídio Freitas. 11
PALHA DIAS, William. Papo-amarelo, drástica solução. Teresina: edição do autor, orelha.
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HOMENGEM A BENJAMIN DO REGO MONTEIRO NETO* Celso Barros Coelho**
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Introdução
a obra completa de Jorge Luis Borges há uma profunda reflexão sobre a eternidade. É a História da Eternidade. Eternidade, diz ele, cuja cópia despedaçada é o tempo. Para Santo Agostinho, como para Platão, o tempo é um vestígio ou uma imagem da eternidade, esclarecendo *
Discurso proferido na Academia Piauiense de Letras, no dia 14 de abril de 2012, às 10hs, em homenagem a Benjamin do Rego Monteiro Neto, falecido em 24 de fevereiro. ** Celso Barros Coelho é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Piauiense de Letras e presidente da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons.
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que, na eternidade, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente. Ele tem presente, passado e futuro. De nossa parte, podemos afirmar que o tempo depende do espírito. É este que o projeta e o explica, como se deduz da reflexão escolástica: si non esset anima, non esset tempus – se não existisse a alma, não existiria o tempo. Não é impertinente a essa solenidade tratar de tema como este, pois, aqui, estão pessoas que se reúnem em hora e dia marcados, para render sua homenagem a outra pessoa que nos deixou para sempre, na voragem da morte. O tempo está ao nosso lado; com ele convivemos. A pessoa homenageada está do outro lado. Entrou para eternidade, podemos dizer que participa da eternidade, onde nada passa, tudo é presente.
Na cadeira nº 15 Benjamin do Rego Monteiro Neto está, espiritualmente, fazendo parte do nosso meio, no seu lugar de sempre, na cadeira número 15, que tem como patrono Antônio Borges Leal Castelo Branco. Por ela passaram Benedito Aurélio de Freitas, Francisco Nogueira Tapety, Cristino Castelo Branco e Carlos Castelo Branco, todos aqui projetando a luz do seu espírito sobre aquela cadeira. No discurso de posse nesta Academia, no dia 3 de março de 1994, Benjamin Monteiro Neto traça o perfil intelectual de cada um deles com a riqueza de observações que nos leva não apenas a conhecê-los melhor, mas admirálos nos seus dotes morais e intelectuais. Ao tratar do último ocupante da cadeira, Carlos Castelo Branco, de quem fora colega no Liceu Piauiense, e particular amigo, relembrou episódios da vida estudantil naquele colégio. Merece
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destaque o seguinte: “Quando eu cursava a 5ª série, ultima do currículo antes da reforma Francisco Campo, Castello e outros liceístas das 2ª e 3ª séries do novo regime, criavam a Corporação de Artes e Letras, de finalidade puramente cultural, de que ele foi eleito Presidente e o meu irmão, Oswaldo Franklin do Rêgo Monteiro, VicePresidente. Em 1936, estávamos Castello e eu solidários no júbilo da inauguração do prédio construído para a sede até agora do querido Liceu, no Largo do Poço, hoje Praça Landri Sales. Eu, já secundarista de Direito, fui escolhido para discursar em nome dos ex-alunos e ele, com outros colegas do estabelecimento, dentre os quais recordo José Newton de Freitas. Falecido aos vinte anos, brilhante em letras, José Newton notabilizouse como um dos grandes poetas da sua geração e honra a Academia Piauiense de Letras, sendo patrono da cadeira n 39, cujo ocupante é Celso Barros Coelho.”
Seja no Liceu Piauiense, seja na Faculdade de Direito, Benjamin foi um estudante de projeção, já a indicar o que seria como profissional, no exercício das funções de Inspetor Federal do Ensino e, depois, de professor da Faculdade de Direito. Conquistou aí a cátedra de Direito Internacional Público. Para esse concurso deu o melhor de suas energias intelectuais, que eram muito fortes e abundantes. O estudo do Direito Internacional Público lhe deu a oportunidade de escrever três notáveis trabalhos: A Santa Sé no Direito Internacional (1953), A igualdade dos Estados e o Direito de Veto pelo Conselho de Segurança da ONU e O Direito da Sociedade Humana (1990), incluindo-se um quarto, O Cristianismo, Sacerdócio e a Paz (1956). O primeiro deles, a Santa Sé no Direito Internacional, foi a tese com que se habilitou ao concurso de Livre Docência na Faculdade de Direito do Piauí. O concurso não se realizou.
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O concurso Quero destacar a conquista da cátedra, por ser o ponto mais significativo de sua vida e que o consagrou no magistério de Direito. Recolho aqui palavras que proferi ao recebê-lo nessa Academia: “A primeira tese que apresentou – A Santa Sé no Direito Internacional - impõe-se pela sua originalidade e que, nos estreitos limites de uma concepção positivista e naturalista, seria impossível conceber. Só no campo das indagações espirituais, em que é possível distinguir o homem em sua dimensão de indivíduo e pessoa, aquele podendo render seu tributo ao Estado e este sobrepondo-se a ele, na ordem de sua finalidade essencial, seria lícito enquadrar-se o tema objeto daquele título, apresentado à congregação da Faculdade.
Nas conclusões da tese foi bem explícito o autor em reconhecer que ‘sem ser Estado pela origem, competência e estrutura, a Igreja Católica é, por outro lado, comunidade independente dele, em razão de seu objeto, que lhe permite sujeitar soberanamente os homens, sem atenção às suas fronteiras’. E concluía, enfaticamente: ‘Nessa qualidade, pela sua representação organizada, e criadora e destinatária da regra de Direito Internacional, praticando atos que entendem com o dinamismo dessa esfera de ordenamento dos interesses humanos’. A tese de Benjamin do Rêgo Monteiro Neto se assentava, assim, quanto ao aspecto doutrinário, sobre a base dos princípios em que se sustentavam os direitos fundamentais do Homem e o interesse em sua internacionalização. Tese, portanto, atualizadíssima e polêmica. Sem uma visão cristã da vida, sem se ter em vista aquela tríplice características apontada por J. Gredt, citada
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por Alceu Amoroso Lima, que são, no homem, a sua substância e a sua condição de ser animal e racional, não é possível falar-se em valores inerentes à sua dignidade e muito menos projetá-los na órbita internacional, porque, despido o homem de sua essencialidade e de sua racionalidade, só resta o indivíduo, o sinal físico de suas relações de causa e efeito. Como indivíduo, o homem seria instrumento fácil e submisso nas mãos do Estado e jamais poderia tentar justificar o exercício de sua liberdade e dos seus direitos sociais. Sob o ponto de vista quantitativo, a tese em referência, que se circunscreve a poucos números de páginas, revela, no entanto, substancialmente, admirável poder de síntese – qualidade essencial da inteligência – e contém penetrante análise da problemática do poder espiritual da Igreja em suas relações com o poder temporal do Estado. Destinado, inicialmente, ao preenchimento da vaga para a livre docência na Faculdade, o trabalho não foi aproveitado para esse fim, pois o concurso não se realizou. Outro foi aberto, desta feita para a cadeira vaga, ao qual concorreu o autor com outra tese, sob o título A Igualdade dos Estados e o Direito de Veto pelo Conselho de Segurança da ONU. Como a anterior, era uma nova faceta do Direito Internacional Público que vinha ao debate, com a mesma segurança e, podemos dizer, com a paixão de um estudioso que se dedicara ao exame desse tema. Conquistou a cátedra com galhardia, discutindo os pontos principais do debate com um conhecimento abalizado da matéria. Um dos examinadores, o consagrado mestre de Direito Internacional, Lineu de Albuquerque Mello, da Universidade do Brasil, teceu elogios ao seu trabalho, o que foi relembrado pelo filho, Celso Albuquerque Mello,
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no prefácio apresentado a um dos livros posteriores de Benjamin. Assim expressou este jurista: ‘Ouvi de meu pai referência ao brilhantismo com que se saíra o então candidato a Professor Catedrático da Faculdade de Direito. Podemos imaginar o esforço de Benjamin do Rêgo Monteiro Neto para se manter atualizado na então longínqua Teresina de três décadas atrás. E mais ainda em uma disciplina que exige, além do conhecimento especializado, uma ampla cultura geral abrangendo a História e a Política.’”.
O elogio da palavra Ao ingressar nessa Academia, voltou aos velhos tempos da infância e da juventude, para mostrar sua verdadeira vocação à atividade intelectual. E relata: “A palavra, oral e escrita, foi o meu único instrumento de trabalho, até hoje, e sempre procurei afeiçoá-la aos meus objetivos”. O magistério faz parte dessa atividade, pois foi professor desde o ensino primário ao superior, incluindo a pós-graduação. A palavra exercia sobre ele um fascínio irresistível e deu provas disso ao discursar em certa solenidade, ou antes, quando proferira belíssima oração na colação de grau de doutor em direito, conferido aos novos catedráticos da Faculdade de Direito do Piauí, no dia 23 de janeiro de 1958. Inspirado em Latino Coelho e em outros notáveis escritores, fez, naquela oportunidade, o elogio da palavra, com a mesma beleza de estilo e mesma altitude de ideias. A palavra que tem as outras artes como ancilas e ministras, para impor-se como soberano universal, segundo o elogio do grande escritor português. Ele, Benjamin, a exaltou com esta convicção:
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“Força magnífica, impulsionadora das ideias; sublime antecipação das conquistas humanas, quer se embeba de ousadia nas fontes da imaginação, quer se mostre austera e prudente nos moldes do raciocínio que alça aos pâramos das certezas filosóficas e aprofunda na colheita das verdades cientificas; semente de beleza da inspiração dos poetas; emanação de amor das mães na carícia dos filhos; húmus da sabedoria a nutrir a vocação dos mestres; exteriorização da dignidade do ser humano pelo dom da faculdade intelectiva – a palavra se impregna de grandiosidade miraculosa. Veiculo natural do pensamento, é simples no manejo comum, para satisfazer as vulgares necessidades das relações sociais, mas exige perícia dos que a utilizam nos misteres qualificados da inteligência. Brinquedo descuidado nos lábios das crianças; no pensamento do orador, é flor que deve desabrochar gloriosa. ‘Gládio do espírito’ na expressão do autor da epístola aos Efésios, reflexo do sopro de Deus em a natureza do homem, com ela a divindade espalhou também a luz do mundo, revelando a forma de todas as coisas, descortinando as paisagens e transfigurando as cores do poema dos matizes. Arma potentíssima da panóplia do espírito, não se deve abastardar nas justas banais nem degradar-se no torvelinho das paixões malsãs, mas sempre ser pugnadora da beleza, na conceituação platônica do ‘esplendor da verdade’”.
O elogio da palavra é, para ele, o elogio da própria verdade. Dizia em seu discurso de posse: “Cedo madrugou em mim a sedução da atividade no campo das letras”. Recordo aqui o incentivo que lhe deu o pai, também com pendores para as letras. Na consagração desse momento, em que somos envolvidos pela luminosidade do seu espírito, é-nos dada a oportunidade de vê-lo sentando ao nosso lado, abrindo seu caderno e fazendo anotações, acompanhando o que nós falávamos. E cada um pensava: o que escrevia? Era o impulso natural para a palavra. Queria gravá-la, perpetuá-la, com receio de que já não pudesse retê-la. A palavra, tinha-a como
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mensageira do coração, mistério da inteligência, luz que aclara as ideias e revoluciona o pensamento. Encerro esse discurso citando ainda Jorge Luiz Borges, na bela conferência proferida sobre a Divina Comédia de Dante. Diz ele que somos feitos para a arte, somos feitos para a memória, somos feitos para a poesia ou, possivelmente, somos feitos para o esquecimento. Quanto a nós, não conta o esquecimento. A Academia, valorizando a arte, conservando a memória e cultivando a poesia, justifica o signo da imortalidade, jamais esquecendo os que por ela são favorecidos. Benjamin do Rêgo Monteiro Neto, que repousa na eternidade do seu silêncio, deixou-nos um discurso que o tempo não esquece. No princípio era o verbo. A palavra no começo de tudo. Com esse elevado pensamento reverenciamos sua memória.
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CENTENÁRIOS
ANO MARQUÊS DE PARANAGUÁ
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Jesualdo Cavalcanti Barros*
om a bela palestra do jovem diplomata correntino Marcus Henrique Paranaguá, até há pouco servindo no consulado brasileiro de Nova Iorque (EUA), a Academia Piauiense de Letras deu início ao Ano Marquês de Paranaguá em concorrida solenidade no Auditório Acadêmico Wilson Brandão, na manhã do dia 11 de fevereiro de 2012. O evento visa a celebrar o centenário de falecimento de João Lustosa da Cunha Paranaguá, segundo visconde e marquês de Paranaguá, ocorrido no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1912. Paranaguá é patrono da cadeira nº 18, atualmente ocupada pelo acadêmico Herculano Moraes. *
Jesualdo Cavalcanti Barros. Membro da Academia Piauiense de Letras e presidente do Centro de Estudos e Debates do Gurgueia
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Pretende o sodalício, durante 2012, por meio de palestras, encontros, debates e publicações, sensibilizar a sociedade piauiense e suas instituições culturais e educacionais, para um amplo estudo da vida e da obra do preeminente coestaduano, por certo o maior de todos, embora pouquíssimo conhecido nestas plagas de tanto desleixo com sua cultura, valores e memória histórica. Paranaguá nasceu na fazenda Brejo do Mocambo, nos remotos sertões de Parnaguá, “aquela espécie de nação gurgueia” de que fala Fonseca Neto, em 21 de agosto de 1821. Sobre esse sítio diria o ouvidor Antônio José de Morais Durão, em sua Descrição da Capitania de São José do Piauí, de 1772: “com 42 moradores, que fazem um povo mais numeroso que a própria vila, da qual dista 12 léguas ao mesmo rumo, mas nem nome tem de aldeia, nem juiz ou justiça, ao passo que se aumenta em cultura e negócio.” Na inspeção que realizou na vila de Parnaguá, instalada pessoalmente pelo governador João Pereira Caldas havia dez anos, despertou a atenção do ouvidor a saúde de seus moradores, graças aos bons ares, tanto que encontrara, nos 29 fogos em que se distribuía sua diminuta população, nada menos de três homens em avançada idade: um com 110 anos, outro com 112 e o terceiro com 120. Com a opulência gerada pela criação de gado, de que resultaria a chamada civilização do couro, não admira que da velha fazenda tenha surgido nada menos de 40% da nobiliarquia piauiense (o marquês com dois títulos e mais os irmãos – barões de Paraim e de Santa Filomena), no total de dez títulos para oito agraciados. Paranaguá bacharelou-se na antiga Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco (1846). Formar-se em Direito era o sonho dourado de jovens futurosos, justamente aqueles predestinados ao exercício de um “verdadeiro
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mandarinato” na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX. Conforme exaustivas pesquisas que publiquei em Sertões de bacharéis, livro lançado no ano passado, muitos conseguiram realizá-lo. Destarte, oriundos da mesma academia, brilhariam dentro e fora da província, dentre outros, os piauienses Francisco de Sousa Martins (iniciara o curso em Coimbra), Casimiro José de Morais Sarmento, Marcos Antônio de Macedo, Antônio Borges Leal Castelo Branco, José Manuel de Freitas, Antônio de Sousa Mendes Júnior, Eliseu de Sousa Martins, Polidoro César Burlamaqui, Antônio de Sousa Martins e Antônio Coelho Rodrigues. Igualmente, à mesma época, buscariam a Faculdade de Direito de São Paulo: Francisco José Furtado (que iniciara o curso em Olinda, mas, perseguido por suas posições políticas, migrara para lá), José Basson de Miranda Osório, Lourenço Valente de Figueiredo e outros. Como se sabe, fundadas em 1828, com vistas a formar novos quadros dirigentes do País que emergia da Independência, em substituição aos velhos bacharéis coimbrãos, as duas academias atraíam os filhos da aristocracia rural enriquecida pelo trabalho escravo. Paranaguá não poderia fugir à regra. Por outro lado, naturais de outras províncias mas egressos das mesmas academias, aqui aportariam, para emprestar o concurso de seu talento à administração do Piauí, antes de alçarem altos voos no cenário nacional, outros brilhantes bacharéis. Citam-se, por exemplo, José Antônio Saraiva, João José de Oliveira Junqueira, Zacarias de Góis e Vasconcelos e Franklin Américo de Meneses Dória. *** Deputado geral em cinco legislaturas (1850/1864) e depois senador vitalício do Império por cerca de 24 anos (1865/1889), sempre pelo Piauí, Paranaguá ocupou quase
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todos os ministérios no Segundo Reinado (da Justiça – duas vezes, da Guerra, dos Estrangeiros – duas vezes, da Marinha e da Fazenda). Não se sabe porquê, só não ocuparia dois: o do Império e o da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Além do mais, foi conselheiro do Império e desembargador da Relação do Rio de Janeiro. Presidiu as províncias do Maranhão, de Pernambuco e da Bahia. Presidente do Conselho de Ministros (1882/1883), tornou-se o segundo piauiense a governar o Brasil. O primeiro fora o oeirense Francisco José Furtado (1864/1865), embora militante da política do Maranhão. Devotado ao estudo da realidade do País, presidiu a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro de 1883 a 1912. No biênio 1906/1907, também o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tendo passado a presidência ao barão do Rio Branco, no ano seguinte. Convém destacar, por um dever de estrita justiça, que na carreira fulgurante que o levou dos confins gurgueianos ao brilho dos salões mais sofisticados da Corte, inclusive por privar, como poucos, da intimidade de dom Pedro II, Paranaguá não se descurou da problemática piauiense. Ao contrário. Desde o primeiro momento de sua atuação parlamentar até o último suspiro, sustentou bandeiras ainda hoje recorrentes em nossa agenda de desenvolvimento, tais como a navegação do rio Parnaíba, a interligação das bacias do Parnaíba, São Francisco e Tocantins, a construção de um porto marítimo e a ligação deste com os demais portos do litoral brasileiro. Para ele, promovida a navegação, “o progresso e as ideias do tempo se introduziriam na província [...].” Assim, no firme propósito de dotar o Piauí do tão sonhado porto, não hesitou em patrocinar a permuta, pelo decreto imperial nº 3.012, de 1880, dos áridos sertões piauienses de Crateús pelas areias brancas
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da antiga freguesia cearense de Amarração, hoje Luís Correia, onde há mais de cem anos a lerda burocracia estatal teima em construí-lo. Paranaguá, arrostando descrenças e incompreensões, fez a parte que lhe competia, à época. E, se algum dia o Piauí concluí-lo, como se espera, que se louve a ação destemida desse gurgueiano de escol. Por todos os títulos, Paranaguá deve ser motivo de orgulho dos piauienses. Sobretudo, na atual quadra de baixa representatividade política, marcada por frequentes frustrações e desenganos. Com efeito, é fácil perceber que, depois dele e de Félix Pacheco, Petrônio Portella, Reis Veloso, Hugo Napoleão, Valdir Arcoverde, Freitas Neto e João Henrique, praticamente fomos escorraçados do centro das decisões nacionais. Pois bem, se não surgem novos valores, que ao menos se recorra aos velhos! Daí o acerto de nossa Academia em resgatar a memória do velho marquês. No mínimo, concorre para alimentar nossa autoestima, tão carente de estímulos na atualidade.
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FAZENDA BREJO DO MOCAMBO E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO HISTÓRICO DO PIAUÍ*
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Oton Lustosa**
uinze de julho de 2011. Pisamos o chão do calo velho da Fazenda Brejo do Mocambo, no extremo sul do Piauí. Para localizar o lugar exato da Capela e redescobrir túmulos e lápides, removeram-se troncos majestosos de madeira de lei e fizeram-se escavações com mais de metro de profundidade. Sob a iniciativa de Edilson de Araújo Nogueira, com o * **
Discurso proferido em solenidade de inauguração de capela e museu, na Fazenda Mocambo, no município de Parnaguá-PI, em 15.7.2011. OTON MÁRIO JOSÉ LUSTOSA TORRES. É desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras. Natural de Parnaguá(PI).
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apoio irrestrito do proprietário da gleba, Sr. Bismark Lustosa Nogueira, a imprescindível ajuda de parentes, amigos e várias outras pessoas, reergueu-se a Capela que ora se inaugura e nela se instala o Museu, com documentos, fotografias e mobiliário, que bem expressam a importância da família Lustosa da Cunha no contexto histórico, econômico, social e político do Piauí, durante todo o século XIX e início do século XX. Senão vejamos. Nos idos de 1.745, bem antes da instalação da Vila de Parnaguá – que ocorrera a 3 de junho de 1762 -, aqui chegava o português José da Cunha Lustosa, casado com Helena Camargo de Souza. Depois de breve estadia no oeste baiano, demanda o sertão do Piauí e vem parar exatamente aqui no Brejo do Mocambo1, onde estamos hoje e onde nasceram todos os seus filhos, entre os quais aquele que viria a ser o líder do clã, o coronel José da Cunha Lustosa Filho, o pai dos Barões e do Marquês de Paranaguá, o chefe de uma numerosa família que povoou esta vastidão de terras e as fez produtivas com a criação de gado, desde as nascentes do Paraim até a foz do Gurgueia. Tempos depois, coube a seu filho primogênito, José da Cunha Lustosa (Neto), a partir dos quatorze anos, órfão de pai2, exercer a chefia dos negócios da família e se transformar no maior fazendeiro da região e na maior liderança política do sul do Piauí. Estou a falar do Barão de Paraim, nascido neste chão da Fazenda Mocambo, aqui prosperou, liderou politicamente, faleceu com 75 anos de idade e aqui se encontra sepultado ao lado dos pais, dos avós e de muitos outros membros da família. Homem de 1 2
Vide PARANAGUÁ, Correntino Nogueira. Terra de um paladino. Rio de Janeiro. s/d. Vide NOGUEIRA, Jackson Cunha. O patriarca – troncos e galhos. Corrente: 2008, p. 41.
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poucas letras, educado no recesso do lar e instruído aqui mesmo por algum mestre-escola, demonstrou inaudita visão de futuro ao encaminhar seus irmãos, irmãs e demais parentes na conquista de boas relações sociais e de grande acumulação de bens de raiz. Não fosse o seu tirocínio e o seu irrestrito apoio, por certo o seu irmão, João Lustosa da Cunha, aquele que mais tarde seria o Marquês de Paranaguá e o maior entre os políticos piauienses, não teria partido para os estudos em Salvador e para o bacharelato em Olinda. Pela expressividade de sua atuação econômica e por sua liderança política, José da Cunha Lustosa Neto conquista altos cargos na administração pública da Província, tendo exercido os cargos de Comandante da Guarda Nacional em Parnaguá, Deputado Provincial, Chefe dos Índios na Província do Piauí, além de ser agraciado com o título nobiliárquico de Barão junto à Corte de Pedro II. Nas páginas da História do Piauí não há registros de que este Senhor da Fazenda do Mocambo, dotada de senzala e pelourinho, tenha sido dado a práticas autoritárias, violentas ou sanguinárias. É certo que a violência fratricida aqui chegou, alastrando-se pelos municípios de Parnaguá, Corrente e todo o extremo sul do Piauí, mas veio com as ambições do garimpo da maniçoba e com as intolerâncias da política partidária. Registre-se, porém, que tudo isto se deu muitos anos mais tarde, quando já eram sepultados os três nobres varões do Mocambo: José da Cunha Lustosa, o Barão de Paraim; José Lustosa da Cunha, o Barão de Santa Filomena; e João Lustosa da Cunha Paranaguá, o Conselheiro do Imperador Pedro II, o Marquês de Paranaguá. Quero destacar a figura de João Lustosa da Cunha, o Marquês de Paranaguá, nascido aqui, debaixo das telhas da velha Fazenda do Mocambo, à beira do brejo do mesmo nome. Fazenda à moda piauiense dos idos oitocentistas:
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com a casa-grande, o curral de toras, o grande pátio e as vastidões de campinas, veredas e baixões; os magotes numerosos de curraleiras e barbatões a pejar os pastos de capim mimoso e jitiranas em flor. Moço inteligente, fezse bacharel em Pernambuco, na Faculdade de Direito de Olinda. Casa-se com uma jovem de importante família baiana e ergue-se genialmente através dos degraus da política provincial e nacional em pleno apogeu do Segundo Reinado. Intelectual com grande preparo humanístico, jurídico e literário. De seus discursos parlamentares como deputado geral pelo Piauí e como senador vitalício do Império e de suas conferências como ministro de várias pastas, atualmente, acessíveis em livro de biografia e em meio virtual, pode-se concluir que se tratava de um político de alto espírito democrático, que sabia ouvir os adversários e os combatia com lhaneza no trato, sempre no campo das ideias e das constatações documentais. O seu currículo político-partidário é o mais rico entre todos os daqueles que fazem a História do Piauí de ontem e de hoje. Foi magistrado, deputado provincial pelo Piauí e Bahia, chefe de polícia do Piauí e do Rio de Janeiro, deputadogeral pelo Piauí em cinco legislaturas, senador vitalício do Império, conselheiro do Império, presidente das Províncias do Maranhão, de Pernambuco, da Bahia, ministro da Justiça, ministro da Guerra, ministro dos Estrangeiros, ministro da Marinha, ministro da Fazenda e presidente do Conselho de Ministros. Visconde e depois Marquês de Paranaguá. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de que foi presidente.3 É patrono da cadeira 18 da Academia Piauiense de Letras, fundada em 1917. Faleceu o Conselheiro Paranaguá em 9 de fevereiro de 1912. À data de fundação 3
Vide BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Gurgueia – espaço, tempo e sociedade. Teresina: 2009, p. 281.
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da Academia Piauiense de Letras, maior instituição cultural do Estado, se vivo fosse, certamente teria sido convidado a assumir uma das cadeiras como co-fundador deste Sodalício. A grande obra do Marquês de Paranaguá, em prol do Piauí e do Brasil, é encontrada nos anais da política partidária e nos registros burocráticos da organização jurídicoadministrativa do País. Era um pensador do reinado de Pedro II, de quem fora amigo pessoal e um dos seus prediletos conselheiros. Durante a Guerra do Paraguai, deflagrada em 1864, ministrou instruções políticas ao valoroso Comandante das Forças Militares Brasileiras, Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, e mais tarde, em plena conflagração, ao lado do Imperador e no enfrentamento a grave crise política, soube convencer Caxias a continuar à frente do Exército e vencer a guerra em janeiro de 1869.4 No Piauí, os seus irmãos José da Cunha Lustosa, Barão de Paraim; e José Lustosa da Cunha, Barão de Santa Filomena, participaram ativamente deste desenlace vitorioso de nossa Pátria, quando enviaram para o front de batalha o 2º Corpo de Voluntários, formado genuinamente por piauienses do Sul do Piauí, à frente o irmão mais moço, José Lustosa da Cunha, o Barão de Santa Filomena. Por estas e outras razões históricas é que este momento ganha vulto. Aqui se lança o livro Sesmaria do Mocambo – Berço dos Nobres, de autoria do advogado e historiador Edilson de Araújo Nogueira; e aqui se entrega à visitação pública a Capela e o Museu, com rico acervo memorialístico a respeito desses antepassados ilustres. Procede-se a este resgate histórico – reconheça o Piauí por suas entidades culturais e governamentais -, à custa de grande devotamento e inusitado desprendimento destes 4
Vide CASTRO, Chico. Perfis parlamentares. Marquês de Paranaguá. Brasília: 2009, p. 67/68.
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piauienses do extremo sul, que não hesitaram em empregar dinheiro e tempo nesta empreitada cívica, todos movidos pelo amor telúrico e pela grave responsabilidade de redescobrir, honrar e conservar a história de vida daqueles que no passado concorreram para o progresso do Piauí e do Brasil.
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DOM AVELAR – DE MITRA E DE FARDÃO*
O
Fonseca Neto**
que é uma Academia de Letras? O distinto intelectual Nicolau Waquim Neto, presenteou-nos há pouco tempo, com um sugestivo extrato de oração que fez quando da instalação de um desses sodalícios na vizinha cidade de Timon. “Academia de Letras é uma instituição que guarda tesouros para a eternidade. Nela, os mortais não morrem e os mortos para sempre vivem... *
Discurso proferido em Sessão Especial conjunta da Academia Piauiense de Letras e do clero arquidiocesano de Teresina, em 15 de dezembro de 2012, nas comemorações do Centenário de dom Avelar Brandão Vilela. Ato co-presidido pelo arcebispo, dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho e pelo acadêmico Reginaldo Miranda da Silva, presidente da Academia Piauiense de Letras (APL). ** Antonio Fonseca dos Santos Neto, ocupante da Cadeira 1, da APL.
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Toda Academia de Letras é um santuário em que a inteligência humana ilumina o mundo e enaltece o destino épico da Humanidade. Onde se edifica uma Academia de Letras, perpetuase um evangelho retumbante de amor à literatura, à filosofia, às artes, à ciência e à sabedoria do ser humano através da História. Academia de Letras é templo de vida, dinamicidade, tradição; é o próprio efêmero que se faz eterno...”. Prestaram atenção nessa linguagem? Parece que esses trechos da seleção waquiniana foram feitos para esta manhã, para esta ocasião de lembrar a pessoa imortalacadêmica de Avelar Brandão Vilela, quando o lembramos na passagem do primeiro século de sua presença entre nós. Não se deixe de realçar, desde já, que o viçosano Avelar, das Alagoas, parece que foi esculpido, por aqueles que ergueram a colunata de sua figura exponencial, olhando essa quase receita de elaboração de alguém para a imortalidade acadêmica. Trata-se de um filho do tempo de 1912. Mas o conhecimento de sua trajetória no Seminário sergipano de Aracaju, lavratura da liderança episcopal de d. José Tomás Gomes da Silva, é que nos assegura de quanto foi ali que se constituiu o esteio do pensar e do agir do padre e futuro príncipe da Igreja, Avelar Brandão Vilela. É desse lugar que ele conhecerá as vagas e se deixa tomar pelas viragens intencionadas de mudança do Brasil dos anos de 1930. Onde ele decifrou, muito jovem, e rápido, as chaves do debate eclesiástico, de fundo, questionador, no fundamental, da condição do homem na modernidade; a constituição do homem em sua fé e, deste, as exigências éticas para as fruições, por exemplo, do que esse tempo punha tal sendo o conhecimento “cientifico”. O seminarista Avelar, e logo o padre ordenado, mete-se (literalmente) de cabeça no debate
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da sociedade, lavrando, desde aí, sua especial relação com jornais impressos. Ressaltando a militância “jornalística” dele nessa época (1935, ano da ordenação), realça Sônia Carvalho que o diácono “chegou a publicar que ciência e fé são irmãs e filhas do mesmo pai [porquanto] a observação da necessidade do homem de desenvolver-se pela ciência e confortar-se na fé deveria ser levada em conta como medida cautelar diante da crise moral que se instalara pela secularização. Os diálogos com os pensadores como Rousseau foram travados no intuito de nortear os fiéis às descobertas científicas que incomodavam a Igreja Católica” (p. 167). Imaginem os padres de hoje, um menino-padre, ordenado aos 23 anos, e aos 25 assumindo a direção espiritual de um Seminário – algo que se nos parece ser função de sacerdotes amadurecidos pelo tirocínio ministerial mais alargado –, além de cometimentos epistolares difíceis de terem marcado, já, a experiência de um padre cheirando a leite. Pois em Avelar tudo isso se realiza, muito próximo de seu bispo, que o chamou a secretariar o arcebispado e logo sobre ele as honras de monsenhor, depois, de cônego da catedral de Aracaju. Logo seria ele sagrado bispo, aos 33 anos; foi para o sertão de dentro, de Petrolina, no vizinho Pernambuco: aqui, abrir-se-ia ante ele, a Igreja em lavras e forjas quentes, e o bispo Avelar, fazendo jus ao dom que lhe concedera a ordenação e a investidura, tem em seu horizonte de sentido apostolar, uma cidade inteira, uma diocese completa, para viver e humanizar, para adensar os dons de servir, rebanho orante/luminar, episcopado-serviço. É algo reiterado a percepção comum de Avelar Brandão Vilela tal um homem singular, para além daquela singularidade que individua os seres humanos. Já o dissemos
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linhas atrás e mais o diremos. Dom Avelar ganhou, há pouco tempo, aqui em Teresina, uma biógrafa muito cuidadosa, a professora Sônia Maria dos Santos Carvalho, que concluiu dissertação de mestrado na Ufpi elaborando um estudo históricobiográfico – acho que o mais completo – até aqui feito sobre ele (do qual esta breve apresentação recorta trechos e flagra sentidos, a exemplo do que acima já utilizamos)1. E justamente a propósito desse migrante eclesial – singular – do Seminário aracajuano para a sede diocesana petrolinense, é que essa autora, pensando com Michel de Certeau e suas formulações sobre “produção e uso da fala”, e ante a escritura embatente dele na imprensa católica sergipana, observará que, no caso, houve por ele “o mapeamento do contexto social e a produção de sua singularidade naquele cenário” (Aracaju) no qual vislumbrou a “estratégia de calcular uma atuação diante das relações estabelecidas [havendo em seu favor] o fato de constituir-se autoridade religiosa, legitimada pela sociedade como um intelectual com autonomia de fala em assuntos vários”. Para essa biógrafa, “no lugar social” a ele circunscrito, estariam “as possibilidades de gerir relações com a exterioridade [pois os] jornais eram uma arena pública, lugar de poder, de querer se diferenciar. Escrever era comunicar sua particularidade, exercitar a fala legitimada, com base na condição religiosa, e construir singularidade na relação com o outro ...”. A atuação pastoral de dom Avelar estaria, assim, alicerçada em tais construções textuais e reunião de “predisposições pessoais e externas” que lhe permitiam bem avaliar os cenários de sua atuação (p. 45-46). 1
Estudo já aprovado para publicação, em livro, pela própria Ufpi. Os trechos transcritos o fizemos de exemplar digitado, integrante do acervo do Mestrado em História do Brasil / CCHL.
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& Cheguei aqui em Teresina há exatos (amanhã, 16) 43 anos. Lá na minha paróquia de origem, no Maranhão, já ouvira falar do arcebispo de Teresina, pela Rádio Pioneira e em contato com gente da igreja de lá. Aqui chegando, logo fui concluir o curso ginasial numa escola do Estado, mas dirigida em convênio pelos frades capuchos da paróquia de São Benedito (aliás, com sua matriz vizinha do arcebispo). E logo, além da oportunidade de conhecer pessoalmente o arcebispo, ouviria muita gente sussurrando algo que acho que outros contemporâneos podem atestar (o acadêmico Deoclécio Dantas, por exemplo): comentava-se muito que o arcebispo viajava demais e pouco permanecia entre o rebanho de seu pastoreio. Mas ao mesmo tempo também se percebia, e era muito flagrante na cidade, o quanto Teresina tinha orgulho de seu bispo que quase todo mundo dizia ser um dos mais “preparados” das Américas. Aquele era o tempo da Ditadura e é fácil saber quem se sentia por ele incomodado, se ficando aqui ou se viajando, soltando sua bela voz a pregar por esse mundão. É de se considerar ainda que as percepções comuns sobre a figura do arcebispo eram aquelas correspondentes a um homem superior, a mais acatada e por isso a pessoa mais influente do Piauí, abstraída a autoridade, por exemplo, do governador. Este, encarnação do poder e autoridade política; o arcebispo Avelar, a autoridade pastoral amplamente embasada na força moral, expressa no homem intelectualmente preparado, e sobretudo infundida, pelo carisma do pastoreio, sobre o conjunto da comunidade. Era como se nada de relevante pudesse se fazer possível sem o toque e o vislumbre dele. Cabe indagar: por que a figura arquiepiscopal de
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dom Avelar Brandão Vilela se agigantaria tanto no meio e no coração do povo piauiense, uma vez que a condição eclesial hierarquicamente superior, por si, não o explica? Por que e como se fez ele um líder indubitavelmente acatado – pelos diocesanos teresinenses e pelos provincianos da igreja particular do Piauí, em geral, mas também por todas as pessoas, inclusive aquelas constituídas em dignidade, além das autoridades politicamente selecionadas para as funções de governo? Dom Avelar desembarca em Teresina, em 1956, encontrando o trono arquidiocesano vazio de seu antigo pastor, recém falecido, e que passara mais de três décadas em sua direção – dom Severino Vieira de Melo – e pelo que consta, e sob todos os aspectos, um homem muito diferente do bispo que vinha de Viçosa, Aracaju e Petrolina. Dom Avelar pisa em chão piauiense e é recepcionado com esperanças viçosas: pouso de uma criatura grande e impactante, mas como que produzindo a brisa leve das incensações benfazejas, já o povo daqui sabedor de seus intentos pastorais fazendo fortalecer a igreja por dentro, mas sabedor, idem, de seu labor pastoral-social experimentado na interiorana Petrolina, e sua diocese, num sertão árido, banhado em tangente pelo rio de São Francisco. Já em sua viagem de vanguarda a esta cidade, antes da posse, delineou diretrizes de ação. E já em pleno viço de seu múnus, ano seguinte da chegada, 1957, e sabedor do estado de certa indigência de alargada parcela de seus diocesanos, marcada com níveis vergonhosos de analfabetismo, toma a si uma tarefa que deveria ser do poder público, e de outros entes sociais, e anima a criação de uma Faculdade para a formação de professores em nível superior. Aliás, essa iniciativa foi o primeiro - e acredito, um decisivo – passo de seu intenso labor social entre nós pelos quinze anos
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que viriam em seguida. Mais: de labor e de capacidade de remover entulhos de obscurantismo e aspergir em forma de luz e realidade as substâncias intencionais proclamadas em seu lema episcopal – “Humanizar e Evangelizar”. Essa díade de conceito e sentido guia o seu itinerário. Ao penetrar o seio do seu rebanho local, em 1956, homem nascido nesta região da antiga América do sul aportuguesada, é certo que logo percebeu dom Avelar que um lugar travejado por certo embotamento de iniciativas de futuro, falto de certa esperança iluminadora e sobretudo o sentiu em sua fração elitista dirigente, e pouco horizonte, muito mais moldada pelo olhar rebaixado do alpendre e pouco ou nada afeito aos horizontes descortináveis dos mirantes. Dom Avelar parece que conhecia um ofício que um governador do Estado do Piauí e Maranhão (dom Fernando Antonio de Noronha), escrito em 1795, dirigiu ao rei, a propósito do pagamento de um professor de Filosofia, no qual dizia ‘não ser conveniente que aqui (São Luís) houvesse mais do que a cadeira de gramática latina e a de ler e escrever, porque o abuso dos estudos superiores só servia para nutrir o orgulho próprio dos habitantes do Meio-Dia, e destruir os laços de subordinação política e civil, que devem ligar os habitantes das colônias a Metrópole’”. (Celso Pinheiro Filho - História da Imprensa no Piauí).
Nutro o entendimento de que o novo bispo tinha clara compreensão do nível de ruptura local que representaria a criação de uma Faculdade de Filosofia. Apenas cinco ou seis anos antes (1950 ou 1951) um grupo de jovens intelectuais – esforçados para que sua “geração” não ficasse “perdida” – intentou criar uma Faculdade do tipo e encontrou resistência bastante de parte daquela sobredita
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fração do elitismo. Sobretudo, ressalte-se, daquela fração que falava e agia pelos filtros da Faculdade de Direito – única escola superior do Piauí e uma criação do tenentismo vitorioso de 1931 e logo devidamente modelada sob os formões dos donos do Estado, assim enquadrada aos seus desígnios de conservação do poder, cheiroso de curral, ferindo qual o ferrão e o arame farpado de sua usança senhorial. Um grupo foi o MEC e derrubou o projeto precedente da Faculdade de Filosofia de Celso Pinheiro, Camilo Fº, Edgar Nogueira e outros. Mas não teve a petulância de enfrentar os arrojos e luzeiros de Avelar e da nova Fafi em germinação rápida. Nos seus estatutos [da SPC – Sociedade Piauiense de Cultura], publicados em 6 de junho de 1957, está inscrito que a mesma “tem por objetivo instituir, manter e dirigir Estabelecimentos de Ensino Superior, bem como outras organizações de natureza cultural” 2. Na visão de [padre] Ayremorais Soares3(1980:266), que viria a ser o seu segundo diretor, a criação da Faculdade de Filosofia constituiu “verdadeiramente uma vitória”, mormente em face da frustração da experiência anterior, que feneceu apesar do muito esforço, “muito idealismo” e “muito trabalho” que se encetou ao tempo. “a) Formar professores e orientadores de educação para o ensino médio...; “b) Preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das atividades culturais de ordem desinteressado-técnica; 2 3
Diário Oficial do Estado, 6 de junho de 1957, p.1 (APPI). Raimundo José Ayremorais Soares. Padre. Professor e Diretor da FaFi. Professor da Ufpi. Bacharel e licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor (PHD) em Teologia Pastoral pela Universidade de Montreal, Canadá. Hoje [1998] Diretor do Seminário Maior Sagrado Coração de Jesus, em Teresina.
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“c) ...
“d) realizar pesquisa em vários domínios da cultura adaptada às realidade brasileira e piauiense, informadas na filosofia cristã”.
Dos contemporâneos, todos “os que examinam e falam sobre a criação e consolidação da FaFi, são unânimes em apontar o metropolita Vilela como o líder do movimento criador, nesta fase vitoriosa (como ainda um dos principais articuladores pela criação da própria Ufpi)”. Instituição privada, não tendo a estrutura eclesiástica os meios próprios de provê-la, é nas estruturas do Estado que dom Avelar buscará as subvenções para fazer caminhar a experiência – e imagine-se o torpor dos dirigentes do Estado tendo que – em face do reclamo e fortaleza da autoridade moral do bispo – abrir orçamentos logo para uma “faculdade de Filosofia”, algo, aliás, quase sinônimo de agência de formação docente, e que no debate nacional pegava fogo, por então. E logo na batalha do reconhecimento legal dos cursos da Faculdade, saberia ele urdir o necessário apoio político para havê-lo, e aí, segundo Benedito Freitas (outro historiógrafo da Faculdade) há o apoio decisivo do governador Petrônio Portella, do deputado José Auto de Abreu e de outros. Esse engajamento do bispo no provimento da Educação revela muito do que ele pensava sobre sua missão propriamente evangelizadora. E isso nos faz lembrar que foi outro bispo, dom frei Manuel da Cruz, que por volta de 1740, impulsionou o padre Gabriel Malagrida (agora quase beato) a criar a primeira escola destes sertões, o “Seminário da [Ribeira] da Parnaíba”, o qual, debalde, não floresceu – mas ficou a semente lançada. E “valeu a intenção da semente”, para lembrar o poeta literalmente seminal. Mas a propósito desse meteoro de pura leveza humanazidora, que cairia sobre o Piauí partir de 1956, parece que jamais pensou sua igreja que não fosse a igreja
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caminheira e ressuscitada; pregando apenas pelo amor fraterno radical, parece não queria uma igreja de mãos cruzadas ante os grilhões crucificantes das misérias fluentes. A presença de Avelar no Piauí potencia os “elementos de ruptura entre os intelectuais que articulam a criação da Faculdade de Direito (anos 30) e os que darão vida à FaFi (anos 50). Pouco perceptíveis, mas há. Assim, é possível notar que parte dos fafianos expressa percepções e formas diferentes de pensar o mundo, o Brasil, e o próprio Piauí. Apesar de figuras ligadas à Faculdade de Direito virem para a FaFi (ou servirem a ambas concomitantemente), sobressaem entre os da última, alguns expoentes da geração cuja formação cultural está vincada pelas jornadas e pelejas contra o nazi-fascismo, pela paz, etc., especialmente sintonizados com as tendências escolanovistas. Um expoente dessa geração de novos intelectuais diria mais tarde o seguinte sobre aquele ambiente em que se discutia o fazimento da FaFi4: “(...). A Faculdade de Filosofia marcou época na evolução da educação piauiense justamente porque a Faculdade de Direito era uma faculdade conservadora, uma faculdade tradicionalista e estudavam na Faculdade de Direito as pessoas que já estavam instaladas na vida, eram bancários, eram pessoas já realizadas”. “Era uma maneira de legitimar o ‘status’ que já possuíam; a Faculdade de Filosofia, não, a Faculdade de Filosofia foi a moçada, os jovens, tanto que no processo de instalação da ditadura militar ela era a instituição mais visada, porque era onde havia mais agitação, mais movimento, mas foi a Faculdade que trouxe a meu ver uma contribuição significativa à cultura piauiense, no sentido de acrescentar alguma coisa, no sentido de rever os processos de ensino, no sentido de discutir os problemas da cultura sob o enfoque crítico e também em dar uma nova concepção de cultura.” (Nunes, 1992:26-7). 4
O depoimento é de Manoel Paulo Nunes, professor, advogado e educador com largo tirocínio no sistema educacional piauiense e brasileiro. Literato, é autor de muitos trabalhos, especialmente ensaios de crítica literária. Foi um dos destacados fundadores da UFPI no final dos anos 60. Hoje [1998] é o presidente do Conselho Estadual de Cultura.
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Ainda nesse propósito também o testemunho do contexto cultural em que foi instituída a FaFi, vale a pena invocar uma vez mais o testemunho de outro intuído da força avantina em lavratura.
“Pode-se dizer [...] que o clima intelectual no Piauí, pouco antes da fundação da Faculdade de Filosofia do Piauí, guardava, ainda, os resquícios desse (daquele) Positivismo meio utópico e que se alimentava de preconceitos e que era um tanto indiferente a outras indagações de ordem filosófica que não fossem aquelas subordinadas aos esquemas da ciência positiva”. “Não fosse a fundação da Faculdade de Filosofia, teriam atrasado em muito a fundação de nossa Universidade. Foi um bem inestimável...”. (Coelho (1995: s.p.) A [Fafi] nasceu sob a égide da igreja e a liderança do arcebispo de Teresina e assim seria também vincada com traços que a aproximaria de outras experiências, a exemplo a Universidade Católica do Rio de Janeiro. É ainda ao testemunho do professor Celso Barros Coelho que recorremos:
“As críticas surgidas, a incompreensão de setores isolados não serviram de obstáculos à ideia pioneiramente traçada pelo principal idealizador da Faculdade - D. Avelar Brandão Vilela -, cujo papel na organização e na constituição da Faculdade de Filosofia do Piauí não foi diferente, dentro das proporções do meio, daquele que desenvolveu o Pe. Leonel Franca, na criação da Universidade Católica do Rio de Janeiro”. A Universidade Católica pode-se dizer que foi o ponto de referência para a criação das faculdades católicas de Filosofia no Brasil. Uma nova mentalidade se instalara no País, superandose a divergência ideológica que se tornou extremada na fase do Positivismo...”. (Coelho, 1995: s.p.).
Outro fafiano, Antonio José Medeiros, aponta-nos uma pista interessante para se entender o processo social piauiense que conformará a recepção e o papel seguinte de dom Avelar no contexto. A análise desse autor, pensando o
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Piauí e as mudanças que esse tempo insinua, o faz operando nos marcos estruturais da economia nacional com ênfase para o que chama de modelo de integração “reflexa ou passiva” do Estado, Medeiros (1996:37 et. seq.). E com efeito assinala, entre outras coisas, que “...a retomada do crescimento a partir de 1956, significará um redirecionamento da economia piauiense, provocado fundamentalmente pelo processo de integração regionalnacional que se intensificava. (...). “Em síntese, no final dos anos 50 e início dos 60, o estado se integra mais, internamente; se insere fortemente no mercado nordestino e tem sua situação reinterpretada à luz da questão regional; sofre mais os efeitos da integração econômica; e participa dos debates e embates sociais, políticos, ideológicos e culturais da conjuntura nacional”.
A partir desse pano de fundo e orientando sua análise para a cenário político local e suas interfaces com a conjuntura nacional e especialmente situando em todo o processo os governos de Chagas Rodrigues e Petrônio Portella, é ainda Medeiros (1996: 53 et. seq.) que diz, textualmente: “Na crise da democracia populista, dois projetos de modernização do Brasil estiveram em disputa: um projeto nacional reformista como desdobramento do próprio populismo e um projeto de associação ao capital internacional, que incorporava reformas e oscilava entre liberalismo e autoritarismo. Significativamente, os dois últimos governadores do Piauí na fase pré-1964, serão representantes típicos dessas alternativas: Chagas Rodrigues, do PTB (1958-62), representará a alternativa reformista-nacionalista e Petrônio Portela, da UDN, representará um reformismo democratizante, na primeira fase de seu governo (1962-64) e aderirá ao reformismo autoritário, na última fase (1964-66). As semelhanças e diferenças dos dois projetos - modos de rompimento com a dominação oligárquico-
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coronelista tradicional - talvez expliquem porque num primeiro momento (1958) os dois estejam aliados; depois, entrem em disputa (1962) e enfim, sigam caminhos diversos (1964)”.
Desse protagonista/autor não passa em branco (...) o papel de inspiração nitidamente renovador do clero local naquele contexto, em que presidia a igreja romana o pontificado de João XXIII e a igreja particular de Teresina, o arcebispo Avelar Brandão Vilela (e sua ação pastoral que o fizeram uma espécie de “delegado social” do Piauí junto aos centros de poder do país, sendo portador não somente de “reivindicações de interesse direto da igreja, mas também de alcance social e cultural”). Diz: “Na área educacional, a Arquidiocese cria a Faculdade Católica de Filosofia, em 1958 (sic) e reabre o Colégio Diocesano, em 1960, entregando-o à direção dos Jesuítas. É a Arquidiocese que lidera a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG, posteriormente Escolas da Comunidade, CNEC). Cerca de dez ginásios foram criados, inclusive em municípios fora da área da Arquidiocese... Implanta o Movimento de Educação de Base MEB, articulado nacionalmente pela CNBB, que desenvolverá grande campanha de alfabetização e conscientização, através do rádio” (Medeiros, 1996: 91).
Acrescente-se a Rádio Pioneira de Teresina. E ainda no tempo de governo de Chagas Rodrigues, em ação terçada com sua esposa, Maria do Carmo, mulher socialmente engajada, dom Avelar articulará a criação da Ação Social Arquidiocesana, este portento que Teresina tanto faz voar em sincronia com os desvalidos, os empobrecidos, agora ampliada pelas décadas e na direção e labor do padre Tony Batista [que aqui na primeira fila me olha atento, ele, discípulo maior de Avelar por aqui e avelariano contumaz embrenhado nas fileiras de nosso querido clero teresinense].
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Até 1971, as jornadas lutadoras de d. Avelar teriam o tamanho do próprio Piauí. E não esqueçamos dele subindo o vale do Gurgueia rumo àquela “colônia” vontadosa de minorar o flagelo dos sem-terra. Já nos três anos que antecedem sua ida para a Bahia, dom Avelar será um protagonista central na criação da Universidade Federal do Piauí. E aqui veremos fechar-se o círculo virtuoso do força fafiana, enquanto entidade que se afigurará determinante para a criação dessa IES maior. E a Fafi e o arcebispo serão proeminentes nesse caso porque já amplamente lastreados pelo acatamento de muitos – aqui no Piauí, no Brasil, em Roma. O arcebispo de Teresina é, já, aquela pessoa exponencial da igreja latino-americana francamente transitando na sede vaticana. Para que se tenha uma ideia, até por volta de 1965, a criação de uma universidade no Piauí entusiasmava a poucos. Mas a ideia avançou porque era também projeto da Ditadura realizá-lo – a seu modo, claro. Para se ter uma melhor ideia do papel do arcebispo, no dia 6 de novembro de 1968 (seis dias antes da aprovação da lei respectiva pelo Congresso Nacional, Avelar era chamado pelo governo Costa e Silva para assentar seu decisivo apoio à iniciativa. A Fafi não seria mais católica e ele pediu apenas que se contemplasse na nova organização acadêmica a criação de um “Departamento de Teologia”, no do qual vingaria, anos mais tarde, um de Filosofia. Todavia, seu papel não se encerraria por aí: criada a UFPI por lei federal de 14 de novembro de 1968 (num processo congressual que juntou as chefias políticopartidárias de Petrônio Portella e Chagas Rodrigues), sua instalação somente viria três longos anos depois e por circunstâncias cujo exame revela mais um elemento da grandeza do arcebispo. Nesses anos, detonou-se uma
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espécie de trama de bastidores enredando a indicação do primeiro reitor. E todos sabiam que a escolha recairia sobre uma das figuras mais densas do magistério fundador da Fafi, o padre Raimundo José Ayremorais Soares. Dom Avelar o indicou para o Conselho Diretor, em nome da SPC/Fafi, e seria reitor porque dito colegiado era então o Colégio Eleitoral da ocasião. O regime militar, então, através de um recadista de plantão, sugere-lhe a substituição do nome do seu indicado. E dom Avelar devolve o recado, sem aparente afetação, dizendo ao Regime: “... mandem-me por escrito as razões da recusa... aí eu indicarei outro...”. Ele sabia que nada escreveriam, como nada escreveram – é que esses regimes de exceção, que torturam e matam, são “fortes” mas são covardes. E por esse motivo principal, a Ufpi somente seria instalada em março de 1971, sem Conselho Diretor. E já chegando outro arcebispo, que folgou em entregá-la à sanha ditatorial e a uma fração neo-oligárquica, levantados os gravames opostos por Avelar com vistas ao não avassalamento da nova Instituição e destituída ficaria esta de sua alma e consciência críticas, aprisionadas para a alegria da A.S.I. [E neste recinto está o acadêmico Manoel Paulo Nunes, a ouvir-nos, ele que, enquanto esses episódios se davam, operava a elaboração [“costura”] estatutária da nova Instituição, afinal formalizada, enquanto Fundação, já em 1969]. & Esta sessão é uma realização da Academia Piauiense de Letras, acolhida pela Arquidiocese de Teresina, a casa de família de dom Avelar. Sabendo que o padre Wellystanio falará em seguida do que os irmãos padres mais velhos
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disseram a ele sobre o padre-Cardeal Vilela, faço agora as minhas últimas linhas sobre o Avelar acadêmico. O imortal assentado na cadeira 1, seu quarto ocupante, portanto, meu predecessor, sendo eu o sexto. Volto àquelas palavras tão bem escolhidas por Nicolau Waquim. E acrescento que um homem tal o viçosano cardeal-primaz do Brasil, qualquer Academia o queria sentado em suas cadeiras. E a narrativa de seu ingresso e os lastros de seus cabedais imortalizáveis realcei na oração de posse, em 2 de março de 2010. O fiz numa casa de padres – o “Auditório Padre Vieira”, do Diocesano – e não foi somente para cumprir um ritual de chegada, consoante o protocolo das cerimônias atinentes. Foi também com a força de uma admiração especial que este seu sucessor na Cadeira 1 sempre nutriu pelo padre, pelo intelectual, pelo humanista, pelo orador tão vibrante, Avelar Brandão Vilela. Dom Avelar apreciava os referenciais das Academias de Letras. Além desta, ficou imortal também sentando à Cadeira 18 da Academia Baiana de Letras. E foi sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Ingressando na Academia Baiana de Letras disse ele (havia dito algo parecido, aqui, em 1969) o seguinte: “das centenas de trabalhos que escrevi 80% são de expressão oral”. “O que sou, afinal? Sinto-me padre”. “A palavra, escrita e oral, é presença obrigatória em minha vida, a estampar as virtudes e defeitos deste comunicador... [...]. Não quero entrar em conflito comigo. Não posso viver o drama de ser dois. Acadêmico eu estou. Sacerdote sempre serei. Não creio muito nas minhas letras, na imortalidade das letras, das minhas letras” (Carvalho, p. 166).
Penso que o acadêmico Avelar teve apreço
enorme por esta Cadeira, pois foi precedido por três 72 |
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intelectuais muito festejados desta terra, além de ter como patrono outra referência dessas grandezas, no caso, José Manuel de Freitas, magistrado nascido em Jerumenha. O primeiro ocupante foi Clodoaldo Freitas, imediatamente sucedido [d. Jacinto] por um padre e músico, de nome Cirilo Chaves Carneviva, que nos anos 20 e 30 do século passado atuou no Colégio Diocesano. E Avelar foi imediatamente antecedido por Esmaragdo Freitas, também magistrado. E todos intelectuais e figuras respeitáveis. Junto a mim, na APL, chegou neste ano, outro que cuidará com muito prazer e sentido de missão, de fazer troante a imortalidade de Dom Avelar – estou falando do acadêmico Deoclécio Dantas, nosso benjamim (aliás, sucessor de um Benjamim, de verdade), o qual, jornalista, conheceu o arcebispo, de perto, já fez livros sobre ele, e tem a compreensão do sentido histórico da vida episcopal do tempo. Já citei acima o esforço de elaboração biográfica da professora Sônia Carvalho, da Uespi, e quero realçar que dom Avelar está na moda nos estudos universitários. Harrington Veras fez dissertação sobre ele. Já citei o Benedito Freitas, feito por Avelar secretário e uma coluna articuladora da Fafi. Dom Avelar, enfim, esse imortal, é tudo isso, e muito mais – há muito a se dizer dele. & Dom Avelar Brandão Vilela – um cometa imantado nas sertanias piauizeiras namorando as trepidações do segundo Vaticano conciliar, agitando as sinodais: de lá, em sua cauda púrpura, traria o primeiro papa a pisar nesta margem do Atlântico, Paulo VI, seu amigo. Paulo VI veio inaugurar a Conferência de Medellín
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e aquele era o ano de 1968, sobretudo a ocidentalidade insinuando virar de ponta cabeça – barricadas em toda parte, “é proibido proibir”, “paz e amor”, e assim, “faça amor não faça a guerra”... A América Latina se afundando cada vez mais em ditaduras militares de furor fascista a serviço da neometrópole do Norte. E o arcebispo de Teresina, exato nesse momento, exercendo uma liderança indispensável ao governo da Sé Romana, articulando com pleno domínio de causa, o acolhimento das emergências do contexto-mundo e o jeito de continuar caminhando a igreja fundada por Jesus e assentada sobre os continentes pelo apostolado diasporino da pontifícia Roma. Até o presente, ninguém levou tão longe e de maneira tão positiva o nome desta cidade de Teresina, colado a seu título, na CNBB, no Celam, em Roma – como é de todos sabido, ele participou de todas as sessões do Concilio Vaticano II e coordenou o primeiro Sínodo dos Bispos, dos tempos modernos. Se se pode aprisionar os signos significados de uma vida tão plena num ano só, penso que para Avelar esse ano é o de 1968: o grande príncipe da igreja e morador do Piauí governando em modo de genial concertação a Madre Católica aberta como que de repente ao mundo, sem temor, por João XXIII e a ação conciliar reformadora... Uma igreja que literalmente explodia e que passava a falar a língua comum de cada gente, de cada nação. Mitigava-se o “Roma locuta causa finita est” e ele passa a operar em zonas de fronteiras em brasa. Os pobres são sujeitos da história e esse radical evangelizador do amor fraterno, antes de em qualquer lugar, prova o sentido de sua missão junto aos empobrecidos desta cidade de Teresina. Dom Avelar, viçoso-piauizeiro, converte-se num formidável embaixador, apascenta o rebanho assustado com
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tanta ventania, com “aquelas brisas ligeiras que iam virando viração”. Dom Avelar o faz percorrendo os caminhos que se cruzavam para as costuras essenciais e prudentes da perenidade da mensagem da libertação, com muita clareza do enredo, mas desafiando – e como ele mesmo disse, incomodado – ao incômodo gerador de fecunda tensão, pelos extremos da “direita” e da “esquerda” – e daí o certo mito da sua moderação, grande elemento prefigurador de seu protagonismo. Dom Avelar não estranhou e também não brincou com os extremos das configurações ideológicas. Vi certa vez alguém dizer que ele tinha muita expressão retórica e pouca filosofia embasante – não teria lido, p. ex. Tomás de Aquino. Isso me faz lembrar que ao padre necessário basta ser o “primus inter pares” no meio da caminhada do povo na construção sem tréguas vaciladoras da vida em liberdade, assim fraterna, assim em paz, nos cultivos essenciais do ideal do Justo. E ele cumpriu esse papel. E é claro que as estruturas oligárquicas e carcomidas que sempre infernizaram o Piauí, tinham razão em sempre estarem assustadas com esse líder. E como dizia o orgulho local do tempo: um dos poucos bispos do mundo que, desde João XXIII, “falava com o papa na hora que queria”. Não tinha defeitos esse homem dos engenhos alagoanos? Tinha, dizem que “vaidoso” envergando o talar de suas vestes, filas imensas após missas para o beijo no anel e as “benças” aos fiéis que o amavam. E é tão pequeno esse “defeito” que é apenas a contraprova de sua presença significada na experiência de existir, pecador e santo, entre os humanos.
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ASSIM NOS CONTARAM NOSSOS PAIS! HOMENAGEM AOS CEM ANOS DO NASCIMENTO DE DOM AVELAR BRANDÃO VILELA*
E
Dr. Pe. Wellistony C. Viana**
stimado Presidente da Academia piauiense de Letras, sr. Reginaldo Miranda da Silva, Exmo. Senhor Arcebispo de Teresina Dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho, prezados acadêmicos, *
Discurso proferido em Sessão Especial conjunta da Academia Piauiense de Letras e do clero arquidiocesano de Teresina, em 15 de dezembro de 2012, nas comemorações do Centenário de dom Avelar Brandão Vilela. Ato co-presidido pelo arcebispo, dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho e pelo acadêmico Reginaldo Miranda da Silva, presidente da Academia Piauiense de Letras (APL). ** Wellinstony C. Viana é padre.
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autoridades, Senhoras e Senhores, Há um famoso livro da literatura bíblica cujo título é Nossos pais nos contaram! O livro relata, inter alia, o modo próprio de transmissão dos contos da Sagrada Escritura. De pai para filho, ano após ano, aqui e ali, as maravilhas de Deus vinham passadas de geração em geração. Assim, chegaram até nós relatos, verdadeiros ou fictícios, fatos mais ou menos ordinários da vida de Jesus que somente depois foram escritos. Por que falar desse livro numa preleção sobre D. Avelar Brandão Vilela? Nunca vi D. Avelar pessoalmente. Não conheci seu modo de governar, de comunicar às multidões, de humanizar e evangelizar. Quando ele deixou de ser o Arcebispo de Teresina em 71, não havia nem mesmo nascido. Conheço D. Avelar porque nossos pais nos contaram! Foram relatos passados às novas gerações por padres, leigos e autoridades que nos fizeram vislumbrar a personalidade, virtudes e limites desse grande homem. Na verdade, sinto-me aqui com uma tarefa comparada àquela de pintar um quadro impressionista. O interessante na arte, segundo essa escola, não era reproduzir o mundo como ele é, mas como se nos apresenta. O impressionista recria o mundo a partir de seu mundo, criando imagens meio toscas, embaçadas, porém cheias de um colorido envolvente e luminoso. É o que experimento ao tentar falar sobre Dom Avelar! Um realista ingênuo seria contra meu discurso. Como pintar o quadro de alguém sem ter visto o movimento de seus lábios, ouvido o timbre de sua voz, experimentado a firmeza de sua personalidade? Respondo à la Claude Monet: uma bela tela deve saber juntar realidade e ficção, subjetividade e objetividade, fazendo da pessoa um mito, do ponto um conto e, dessa forma, da figura branda e singela do garoto de Viçosa o Cardeal Primaz do Brasil, assim como nossos pais nos contaram.
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Nossos pais nos contaram que há cem anos a história fora tangida pela presença, personalidade e carisma de Avelar Brandão Vilela tal como as cordas de um violão são feridas, produzindo uma harmonia agradável ao ouvido. Dia 13 de junho de 1912 – dia de Santo Antônio - nascia um párvulo nas terras de Viçosa em Alagoas, o qual viria a se tornar um dos homens mais influentes da Igreja na América Latina. Nascido do tronco de seu Elias Brandão Vilela e Isabel Brandão Vilela, esse pequeno “ramo do sertão” escutou a mesma profecia que outrora fora anunciada ao herói Aquiles por Tétis, sua mãe: “Se te atirares rumo à luta em Troia, teu nome será lembrado de geração em geração. Se, ao invés, quiseres uma vida tranquila, terás uma esposa e filhos, mas teu nome não atingirá senão os filhos dos teus filhos”. Nosso Aquiles de Viçosa decidiu-se por entrar numa via que o levaria aos píncaros do Calvário e do Tabor. Sua estrada rumo ao ministério eclesial começou no Seminário de Maceió e, depois, no de Aracaju num tempo em que a Igreja ainda se defrontava com questões sociais, após a publicação da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Esse foi um tempo em que o novo e o velho travaram luta intermitente no seio da Igreja; ora conservadores faziam prevalecer o Syllabus de Pio IX, ora os renovadores a Encíclica social de Leão XIII. Uns viviam a rigidez dielétrica de uma Igreja que condenava a modernidade, outros queriam abrir a Igreja para um diálogo com o mundo. É nesse contexto que nasce e cresce a vocação do menino Avelar. Pelos corredores do tradicional Seminário de Olinda, o adolescente arguto e cândido, de batina preta e colarinho branco, mastigava sem querer digerir os gritos de uma Igreja acuada e cega aos avanços da sociedade, sem ao mesmo tempo sucumbir a uma abertura exagerada e ingênua. Quem imaginaria que, trinta anos depois, aquele jovem seminarista tomaria
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parte na maior guinada eclesial do século XX e conduziria toda a Igreja da América Latina rumo a tempos de abertura, humanização e testemunho profético! O moço se transforma em homem e, hoc erat in fatis1, ordena-se sacerdote no dia 27 de outubro de 1935. Nessa época, pululavam tendências renovadoras na Igreja, entre as quais a chamada Nouvelle Theologie, que trazia nomes como Karl Rahner, Yves Congar, Joseph Ratzinger, Henri de Lubac, Teilhard de Chardin e Jacques Maritain. No Brasil, a Liga Eleitoral Católica se organizava para defender os interesses católicos frente ao Estado Novo de Getúlio Vargas. Tomava-se cada vez mais consciência de que a Igreja não podia esperar pelo Estado no que se refere à assistência aos pobres. Podese bem imaginar, como essas forças reformadoras faziam o espírito desse jovem padre pender em direção a uma ala favorável a Reformas eclesiais e sociais. Já no início de seu ministério, teve uma história ascendente e brilhante. Apesar de nunca ter deixado o país para cursar um mestrado ou doutorado, fazia-se portador de uma cultura quase nata que o levou a assumir a vida acadêmica em Aracaju, lecionando Psicologia, Português e Literatura Luso-Brasileira no Seminário. Em Aracaju, foi secretário da Diocese, diretor espiritual da Ação Católica, cônego da Arquidiocese e membro do Instituto Histórico e geográfico de Sergipe. Eleito bispo na tenra idade de 33 anos para a diocese de Petrolina, Pernambuco, Dom Avelar exerceu um ministério aberto aos novos ânimos da Igreja, sem jamais resvalar num espírito revolucionário e pueril. Bem se aplica a ele a figura do padre retratado num manuscrito medieval que assim reza: “O sacerdote deve ser, ao mesmo tempo, pequeno e grande, de espírito nobre, como de sangue real, simples e 1
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espontâneo como um lavrador”. Isso descreve sobremaneira seu espírito sacerdotal e episcopal, acostumado a pisar em solo divino e humano. Nas terras do Conselheiro Saraiva, chega Dom Avelar a 05 de maio de 1956 e toma posse como nosso 2º Arcebispo Metropolitano. Foi nessas “bandas quentes” do país que o futuro cardeal demonstrou toda a sua polivalência e de onde se lançou no cenário nacional e internacional. Causa-me impressão espantosa: como pode ter um bispo realizado numerosas e tão importantes obras dentro de sua Arquidiocese e, ao mesmo tempo, fora dela, doandose aqui sem detrimento de sua maestria no que realizava lá? Como pôde um bispo, pari passu, realizar feitos como ter participado do processo de renovação da Igreja no Concílio Vaticano II; sido eleito duas vezes presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM); dirigido na qualidade de Presidente do CELAM a Conferência de Medellín (Colômbia) em 68 e, ao mesmo tempo, ter fundado, em nossas terras, uma das maiores ações sociais em prol dos pobres e desfavorecidos, a ASA; ter-se dedicado de corpo e alma à educação com a formação do MEB, da CNEC, da FAFI – o embrião da Universidade Federal do Piauí; terse lançado na comunicação e educação das massas através da criação da Rádio Pioneira; apoiado os sindicatos rurais e os movimentos jovens como a UNE, a JAC, JEC, JOC e JUC; fundado novas paróquias como as de Nossa Senhora de Lourdes, Cristo Rei e Fátima? Essa polivalência, exercida com eficácia e elegância, confere-lhe uma merecida admiração! Era um homem capaz de cuidar do todo, sem descurar de uma única parte. Apesar das idas e vindas, nacionais e internacionais, o rebanho jamais ficava sem a voz inconfundível e penetrante do Pastor que elevava com as ovelhas, diariamente, uma “Oração por um dia feliz”.
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A impressão que nos deixaram os relatos de nossos pais sobre Dom Avelar, foi a de um homem não só polivalente, mas, sobretudo, virtuoso. Como dizia o velho Horácio: Est modus in rebus2 (é preciso medida em todas as coisas). Dom Avelar seguiu em tudo o conselho aristotélico de que a força moral de um homem sempre evita os extremos: virtus in medio est! A virtude constitui um meio entre um excesso e uma falta: a liberalidade está entre a prodigalidade (excesso) e a avareza (falta); a coragem entre a covardia e a temeridade; a prudência, entre a precipitação e a moleza; a magnificência, entre a vulgaridade e a vileza. Nosso Cardeal sabia estar no meio sem ser medíocre, equilibrar-se sem pecar por exagero ou privação. Das muitas virtudes que saltarão aos olhos de seus biógrafos, ressalto aqui algumas que, segundo nossos pais, teria possuído este grande homem: coragem, prudência, simplicidade, misericórdia e caridade. E começo pela coragem! “Em toda parte a covardia é desprezada; em toda parte a bravura é estimada”3. A coragem, na verdade, pode servir para tudo, até mesmo para maldade. O verdadeiro corajoso deve trazer consigo um bem pelo qual se arrisca; deve escapar pouco ou muito do interesse egoísta e imediato. Nossos pais nos dão a impressão de que Dom Avelar foi um homem corajoso, não para salvar sua pele, mas para salvaguardar o bem de um outro: seja da Igreja que almejava renovar; do pequeno sem vez; do operário sem voz; do cidadão sem liberdade; do fiel sem a Palavra; seja do analfabeto sem o alfa ou o beta. A coragem fez dele um homem confiante, inovador e 2 3
Sátiras, I, 1. Comte-Sponville, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad. Eduardo Brandão. 2ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 51.
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de visão aguçada. Não tinha ânimo para estagnar enquanto não houvesse tijolos novos na estrutura eclesial, consciência aberta na mente do obtuso, habilidade producente nas mãos do operário e uma Palavra confortante nos ouvidos do aflito. Mas, o que seria da coragem sem a prudência! Dom Avelar não foi corajoso por puro fascínio do perigo ou aventura de ser diferente, mas pela nobreza da causa e o valor do efeito. Seu espírito era audaz, sem deixar de ser cauteloso. Com sua coragem prudencial sabia unir as oposições, mediar os extremos, aliviar os embates. Era um homem que não acreditava em revoluções, mas em reformas. Um exemplo é sua postura na época da ditadura militar no Brasil. Em tempos de repressão, ele soube polarizar as forças de direita (os Círculos operários), com as de esquerda (a Ação Popular) e se transformar numa espécie de “delegado social” do Piauí junto aos centros de poder no país4 . Quando o Estado não agia, sua coragem o impulsionou a criar um “Estado assistencial paralelo”, sem lutas, sem armas, sem ódio contra o Estado inerte e repressor. Coragem e prudência se uniam numa simplicidade paradoxalmente magnânima. De fato, unir simplicidade com magnanimidade não é tarefa fácil. Pois, se de um lado a simplicidade nos faz querer estar em nosso lugar; de outro, a magnanimidade causa em nós o desejo das coisas grandes e nobres. Dom Avelar sabia desejar as últimas sem descambar na ruína do exibicionismo ou complexo de superioridade. Agia como um príncipe sem desconhecer o camponês no íntimo de si. Isso favoreceu sua convivência com os intelectuais, autoridades e empresários, sem nunca deixar de olhar o pequeno e se empenhar até o fim por ele. Como exímio comunicador que era, soube falar aos acadêmicos 4
Cf. Medeiros, A. J., Movimentos sociais e participação política. Teresina (PI): CEPAC, 1996. p.89.
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com a mesma paixão, precisão e elegância linguística com que se dirigia aos analfabetos. Não sei se a homenagem que ora fazemos inibiria sua simplicidade ou enobreceria sua magnanimidade! De qualquer forma, digamos como Machado de Assis: “Está morto, podemos elogiá-lo à vontade!”5 Uma virtude a ser lembrada é sua misericórdia, caridade e fé na pessoa humana! Seu lema pastoral “Humanizar e Evangelizar” me traz à mente dois personagens da Literatura universal. Um deles é Il Cardinale Federigo da famosa obra I promesi sposi de Alessandro Manzoni, sem dúvida, a maior obra literária italiana, depois da Divina Comédia. Há uma passagem no livro que descreve o encontro memorável deste Cardeal que, segundo Manzoni, era um “generoso, benévolo e perseverante amador do melhoramento humano”6, com ninguém mais que o “Inominável”, homem terrível, pai da violência, mestre da vingança, exímio assassino. A conversão desta aberração humana se dá nos braços de misericórdia do cardeal Federigo. O relato é comovente ao se ouvir da boca do convertido: “Deus verdadeiramente bom! Eu me conheço agora, compreendo quem sou e, mesmo assim, experimento um alívio, uma alegria que não experimentei em toda esta minha terrível vida”7. Assim agia o cardeal Federigo, assim me parece, agia o cardeal Avelar. Nossos pais nos contaram que seu amor pelo pobre, malfeitor e desfavorecido era notável. Acreditava na bondade das pessoas, apostava em sua formação, respeitava seu direito de errar e seu dever de melhorar. Assim, também fazia um outro personagem da literatura 5 6 7
O empréstimo, 1881. Manzoni, A., I promessi sposi. Cap. XXII. Manzoni, A., I promessi sposi. Cap. XXIII.
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universal, o simpático Monsegneur Bienvenu de Victor Hugo na inesquecível ficção francesa: Os miseráveis. Nunca se descrevera tão bem o embate entre justiça e misericórdia. Jamais se visualizara de forma tão nítida o rosto da compaixão quanto nas páginas, nas quais se descreve Mons. Myriel: um homem que havia adquirido a beleza da bondade! Será o Mons. Bienvenu, homem pobre, corajoso e bom, o sinal da misericórdia divina para o miserável Jean Valjean na estória de Victor Hugo. O cardeal Federigo e o Mons. Bienvenu me fazem lembrar fatos que nossos pais nos relataram sobre Dom Avelar. Um desses episódios se passa em Salvador, quando Dom Avelar era já Cardeal de notável experiência humana e eclesial, sem a ingenuidade juvenil ou o vetusto endurecimento. Os personagens desse episódio são dois jovens seminaristas. O que tinha um de virtuoso, tinha o outro de medíocre. O primeiro, destinado, como o próprio Cardeal, aos píncaros da excelência humana e eclesiástica. O segundo, reservado a percorrer a carreira que, na Idade Média, seguiam aqueles do chamado baixo clero. O Cardeal Avelar sabia como ninguém prestigiar um, sem humilhar o outro; curvar o primeiro à humildade e elevar o segundo às honras do altar. O pitoresco no episódio é que ao perguntar ao primeiro se seria capaz de ordenar o segundo, caso fosse o arcebispo de Salvador, obteve a resposta negativa e amarga: nunca! Esquecera o jovem promissor que, por trás do anel e cruz peitoral, havia um homem compassivo, capaz de crer na beleza humana, muitas vezes, escondida no lodo de nossas mediocridades. - “Meu filho” - respondera o Cardeal – “todos merecem uma oportunidade, até mesmo baterias velhas e desgastadas!”. A resposta caía como uma bigorna na cabeça do
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jovem que, dias antes, ficara de “calundu” por causa de umas velhas pilhas que, sob as ordens do Cardeal, teve que colocar na geladeira para reaproveitá-las dando, também a elas, uma nova chance! Assim era Dom Avelar: homem que acreditava no homem. Como há homens que extraem ouro do solo, extraía o Cardeal aquilo que de melhor e profundo havia nas pessoas. Ele era excessivamente bom, justo, confiante na capacidade do outro, misericordioso e belo! Sim, diga-se mesmo belo, pois a beleza da bondade se faz perceber em qualquer guardião da virtude. Como dizem os ingleses: “Last not least”, como não lembrar sua paciência e doçura, demonstrada, sobretudo, nos últimos meses de sua vida, quando travou uma batalha fatal contra um inimigo tão próximo. Enfrentou o câncer no estômago sem ódio nem desespero, suportando resignadamente o mal inevitável para se conservar no caminho de Deus. Seu poema ao “Irmão estômago” revela um homem doce, humilde, paciente e orante; homem à espera da irmã morte, sem revolta ou amargura. Eis umas poucas linhas desse seu poema: POBRE IRMÃO ESTÔMAGO! ESTAVAS DOENTE E EU NÃO SABIA HÁ QUANTO TEMPO SE INSTALARA O MAL NO TEU REGAÇO? AH! EU NÃO SABIA! PERDÃO, MEU VELHO AMIGO DE 74 ANOS. PERDÃO! EU TE AGRADEÇO, NA ESPERANÇA, A TUA SANTA PACIÊNCIA, MEU IRMÃO! Dom Avelar morre afetado pela lança do inimigo interno. Era o dia 19 de dezembro de 1986. O corpo do
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Cardeal Primaz, “Mensageiro do Evangelho”, exímio orador e comunicador da vida, fora sepultado na Catedral-Basílica de São Salvador. Enquanto seu cadáver entrava no féretro, seu nome entrava na história e sua alma na glória de Deus. Na comemoração dos cem anos de seu nascimento, queremos recordá-lo, isto é, trazer de volta ao coração o seu legado. Se não para imitá-lo, pelo menos não deixar morrer em nós o ardente desejo de vencer aquela batalha interna entre ideal e real que um dia Goethe descrevera em seu Fausto: Duas almas habitam no meu peito, Uma da outra separar-se anseiam: Uma com órgãos materiais se aferra Amorosa e ardente ao mundo físico; Outra quer insofrida remontar-se De sua excelsa origem às alturas8
Que a memória de Dom Avelar dê asas ao melhor de nós e nos faça tanto menos medíocres quanto mais próximos de Deus. Assim, nossos pais nos contaram! Obrigado a todos! ***
8 “Zwei Seelen wohnen, ach! in meiner Brust, die eine will sich von der andern trennen: die eine hält in derber Liebeslust sich an die Welt mit klammernden Organen; die andre hebt gewaltsam sich vom Dust zu den Gefilden hoher Ahnen“ Goethe, Faust, I Teil, Seile 1112-17. Tradução de Agostinho D´Ornellas (1867).
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POSSE DO ACADÊMICO WILSON NUNES BRANDÃO
DISCURSO DE RECEPÇÃO DO ACADÊMICO WILSON BRANDÃO
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Manoel Paulo Nunes
m artigo recente sobre André Malraux, a que intitulei “Malraux e a Esperança”, quis pôr em destaque as qualidades marcantes da geração que antecedeu a nossa e teve como nota de relevo a participação na Segunda Guerra Mundial, que alteraria o quadro político e social do mundo, na 2ª metade do século XX, no qual nos competiu viver. Evoquei aqueles espíritos que inspirariam profundamente a nossa formação política e espiritual – Charles Péguy, “peregrino do absoluto”, como o conceituávamos; George Bernanos, que esteve exilado no Brasil, durante a guerra, em Barbacena, e autor da famosa “Lettre aux Anglais” que tanto nos influenciaria; Romain Rolland, cuja obra fundamental, Jean Chistophe, tão fortemente me impregnaria; e mais, Jacques e Raissa
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Maritain, esta, com As Grandes Amizades; Antero de Quental, “aquele gênio que era um santo”, nas palavras de Eça, seu companheiro de geração, todos figuras exemplares dessa geração perdida, assim por nós cognominada, num instante de profunda melancolia, inspirada talvez em Gertrud Stein. Dizia ainda naquela nota que o mais autêntico daqueles ícones e talvez o mais sofrido fosse Malraux, por repercutir, em sua figura humana e em sua obra de escritor participante, as opções políticas e morais de nossa época e por isto mesmo assumindo plenamente o papel de um combatente da liberdade em favor de um mundo melhor, sem guerras e de plena felicidade. Em discurso de posse nesta Academia, talvez ainda nos verdes anos, supostamente da idade hoje do recipiendário, assim exprimia minha profissão de fé; “Pertenço, senhores acadêmicos, a uma geração em que o debate literário condicionou todas as preocupações dos jovens do meu tempo, de tal maneira que ele se tornaria o tema central de uma época. Ao contrário dos moços de hoje, víamos a política e as demais manifestações da vida pública somente até o ponto em que servissem de suporte aos valores literários. Aquele ardoroso e empolgante debate entre “clérigos” e “cidadãos”, do qual seriam expressões marcantes as obras A traição dos clérigos, de Julian Benda, e Os irresponsáveis, de Archibald Mac Leish, não nos deixaria indiferentes, pois vendo no intelectual um clérigo, na defesa intransigente dos valores literários, não éramos uns absenteistas ou partidários da teoria da “arte pela arte”. Queríamos assim o artista cidadão participante, lutando pelas causas do homem, impregnando suas obras das dores e comoções do seu tempo. Repetiríamos assim como Carlos Drummond de Andrade: “Não serei o poeta de um mundo caduco.
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*** O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. (Cf. A geração perdida – Editora Arte Nova – 1979, p. 107).
Daí a nossa predileção pelo chamado “romance de 30” ou de documentação social da vida brasileira, que teria início com A Bagaceira, de José Américo de Almeida, e revelaria nomes famosos como Graciliano Ramos, mestre na arte de escrever, com Angústia, São Bernardo, Vidas Secas, encerrando com Memórias do cárcere, painel admirável da ditadura Vargas, e ainda José Lins do Rego, com Banguê e Fogo morto, Rachel de Queiroz (O quinze e Memorial de Maria Moura), Armando Fontes (Os corumbas, Rua do siriry), Jorge Amado e muitos outros, de tal sorte que de cada região do país surgiria um representante de sua vida e de sua paisagem social e humana, cada qual tentando pintar o seu retrato do Brasil. Assim, o Rio Grande do Sul nos daria Érico Veríssimo, com Olhai os lírios do campo, Caminhos cruzados, a trilogia O tempo e o vento (O continente, O retrato, O arquipélago), enfim, uma plêiade admirável que marcaria uma época das mais férteis e brilhantes de nossa literatura, abrindo horizontes novos à cultura brasileira. Nunca mais nossa literatura teria uma fase tão produtiva e de tanto efeito multiplicador. Ao lado disso ou “pari-passo” com esse fenômeno, viria a preocupação com a leitura das obras básicas que traçariam o retrato perfeito da sociedade brasileira, como Os sertões, de Euclides da Cunha, do genial Euclides a quem tanto deve a nossa cultura, na definição do seu perfil sociológico, e antes dele, do grande Nabuco, com o seu livro
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antecipador O Abolicionismo; Manoel Bonfim com América latina – Os males de origem, Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil, Gilberto Freyre, com sua obra seminal, Casa grande & senzala, enfim, aqueles que praticamente redescobriram o Brasil. Perdoe, meu caro Wilson, este desfile um tanto enfadonho, que talvez não retrate o clima intelectual da minha geração, mas constituirá, com certeza, o seu honesto inventário de ideias básicas que possa servir-lhe de roteiro a uma investigação mais profunda de nossos valores, sobretudo a quem, como V., vem estudando e pesquisando nossa realidade social e política, como se observa já por sua obra de cientista político, tão bem retratada neste oportuno e promissor estudo de nossa realidade política, Mitos e Lendas da política piauiense, que vindes de lançar em hora oportuna, em momento de profundas mudanças sociais e políticas em nosso país. Sucedeis, na cadeira 4, que vindes de assumir, de patrono David Moreira Caldas, republicano histórico, jornalista e ilustre diretor do profético O 89, tendo, como primeiro ocupante, o criador do teatro piauiense, Jonathas Baptista, já admiravelmente retratado pela notável historiadora Teresinha Queiroz, glória desta Academia, em seu livro memorável, Os literatos e a república, no qual enfeixa as figuras lendárias de nossa Academia, Clodoaldo Freitas e Higino Cunha; e secundado por Mário José Baptista, meu professor de Economia Política em nossa velha Faculdade de Direito; Fernando Lopes e Silva Sobrinho, com quem servi, durante curto período, na categoria de jurista, no Tribunal Regional Eleitoral e com quem tive um convívio maior, no magistério secundário, quando exerci as funções do cargo de Inspetor Federal do Ensino Secundário. Sobre o último deles, William Palha Dias, que ora substituis, desejaria
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deter-me um pouco, porquanto com ele mantive um convívio diário e prolongado, desde quando, aposentado, abandonei o meu exílio voluntário em Brasília e aqui passei ao exercício de novas funções públicas, estas, na área cultural, como presidente do Conselho Estadual de Cultura, onde ainda me encontro. Romancista que se situa, de certa forma, pelo menos em alguns livros significativos de sua obra, como Vila de Jurema¸ em um plano sociológico já por mim referido em artigo de jornal, reproduzido na revista Presença, em significativa homenagem que lhe foi prestada pelo transcurso de seu 90º aniversário, inaugura ele, entre nós, o ciclo da borracha de maniçoba em nossa literatura, a exemplo do que já realizara, na Bahia, Jorge Amado, com o ciclo do cacau, lançando obras primas como Terras do sem fim e o clássico Gabriela, cravo e canela, que explode, neste seu primeiro centenário, como a figura central dessa grei, em tipos populares como as mulheres do povo a exemplo de Gabriela, Teresa Batista, Tieta do agreste, uma delas capaz de reviver o mito grego de Lisístrata, de Aristófanes: ou farão a paz ou não mais terão direito a sexo, com a sua famosa guerra do balaio fechado, em defesa da condição da mulher que quase derruba o governo da Bahia. Em Papo amarelo focaliza o nosso romancista outra vertente na literatura piauiense, qual o ciclo do cangaço, em que tematiza as lutas travadas no sul do Estado, no início do século XX. Em transcrição feita por Oton Lustosa, este luminar de nossa Academia, em substancioso estudo sobre a obra daquele autor, assim sobre ele se manifesta o nosso saudoso companheiro Gerardo Vasconcelos, num juízo perfeito sobre Vila de Jurema, mas, em substância, abrangente de toda a obra romanesca do velho William: “O livro é um primor, quer pelo continente, quer
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pelo conteúdo. Denso e nítido ciclo nordestino – a seca, o cangaço, o coronelismo, noção severa da honra da família, episódio cíclico da borracha de maniçoba, no Piauí. É história romanceada, atraente, vívida, um painel bem burilado, espontâneo, movimentado, descritivo, chocante na sua contundente humanidade, emocionante na beleza de seus amores rudes, dos seus aventureiros crueis, história e sociologia apaixonantes, medidas com veracidade e imaginação.(...) É bela, máscula, atraente, profundamente humana a história de Jurema, perdida nos confins de um sertão bruto, saído de criatividades, modulação dramática de William Palha Dias, com o domínio da forma, dos recursos narrativos, documental e imaginoso, sensível e lúcido na aventura histórico-social de Vila de Jurema.” (Presença, nº 41, p.15) Grande Gerardo! Que falta nos faz hoje. Chegais a esta Casa, Senhor Wilson Nunes Brandão em um momento dramático da vida nacional, quando todos os municípios têm a oportunidade de decidir o seu destino político e o de sua vida social, de tal maneira que o debate público, principalmente nas grandes capitais, sobremodo se intensifica. O município é, como se costuma dizer, a célula da nacionalidade, porquanto nasceu ele com o estado brasileiro. Alexandre Herculano, a figura maior da historiografia portuguesa, assim já o definira ao surpreender, na História de Portugal, as bases da nação portuguesa, que ele surpreende nos conselhos, ou seja, nos municípios. E de lá é que viemos nós. Os Estados já constituem uma invenção republicana, por influência dos Estados Unidos. Portanto, preservemos os municípios e lhes demos a força de que precisam. O tema vem a propósito por estarmos aqui hoje a receber um político de escol e um homem de bem que virá
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integrar o quadro de nossa Academia, sendo aqui precedido por seu saudoso pai, o acadêmico Wilson de Andrade Brandão, ex-presidente desta casa e figura de relevo em nossos quadros acadêmicos e representante ilustre de nossa cultura em várias áreas do conhecimento, como historiador, jurista, ensaísta e crítico literário; criador da revista Presença, da qual agora lançaremos o nº 48, juntamente com a Secretaria da Cultura, em má hora extinta e até hoje nunca restaurada, publicação esta que vem mantendo-se como das melhores do gênero, no país. Na criação da Academia Brasileira, houve um debate muito forte polarizado entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco sobre a presença ou não de políticos ou personalidades de exceção, chamados ali de expoentes, em sua composição. Machado, na condição de escritor, advogaria a presença pura e simples de escritores, com a exclusão das demais categorias, optando Nabuco, pela segunda, prevalecendo um meio termo que praticamente não excluiria ninguém. Na eleição de Wilson, o assunto chegou a ser palidamente levantado, em conversa, mas nada a ponto de perturbar a sua eleição consagradora e merecida. Talvez tenha faltado, nesta abordagem sumária dos ideais e propósitos da minha geração, uma notícia, por breve que seja, do quadro político em que vivemos, a partir do ano de 1945, salientando o clima de otimismos e esperanças que passamos a viver, sobretudo a partir da célebre entrevista concedida por José Américo de Almeida ao jornalista Carlos Lacerda, e publicada no Correio da Manhã, de 22 de fevereiro daquele ano, em que são escancarados os portões da censura do Estado Novo, com os sucessos daí decorrentes: a anistia aos presos políticos da ditadura
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Vargas, o lançamento das candidaturas presidenciais de Eduardo Gomes, o legendário Brigadeiro, pelas oposições, seguida pela do Ministro da Guerra, Gal. Eurico Dutra, pelo ditador, a farsa da campanha da Constituinte com Getúlio, com o apoio dos comunistas, e finalmente, a deposição do ditador, com o apoio dos candidatos Eduardo Gomes e Dutra e a entrega do poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Linhares, até a posse, em 31 de janeiro de 1946, dos eleitos em 2 de dezembro daquele ano. Por fim, a eleição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com a missão constituinte de elaborar a nova Constituição, a famosa Constituição de 18 de setembro de 1946, de tão curta vigência, porquanto é reduzida a farrapo de papel, com o Ato Institucional de abril de 1964, que impõe a ditadura militar no país. Depois disso, a longa noite de agonia que viveu o país, com o seu cortejo de misérias, com o desrespeito às liberdades individuais do cidadão, a vilania dos atos de força dos então dirigentes do país, a adoção da tortura como procedimento habitual nos interrogatórios, enfim, a impunidade como norma de conduta do estado policial até a eleição de um governo democrático que culmina com a Constituição de 5 de outubro de 1988. No Piauí, a deposição do Interventor Leônidas Melo e sua substituição pelo Cel. Leôncio Ferraz, e a posse deste, num espetáculo de explosão popular de um povo oprimido e insubmisso. Depois disso e de outras breves interventorias, já aí sob o comando do PSD, como delegados do poder central. Finalmente, num espetáculo de reação popular, a eleição, em abril de 1947, do jovem médico Rocha Furtado, com o desastre político e administrativo de seu governo, não só em razão da crise econômica, com a queda na cotação da
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cera de carnaúba, como pela total falta de apoio do governo federal. Ficará essa abordagem para outra oportunidade ou tarefa que passaremos ao competente cientista político que ora assume, com pompa e circunstância, sua cadeira, nesta Casa. Quanto a mim próprio, sobrevivente de uma geração perdida, que vos recebo com a euforia que decorre de uma velha amizade que vem de vossos saudosos país, Wilson e Lourdinha, fico por aqui, vendo o tempo passar, já “en la última vuelta del camiño”, como diria o romancista Pio Baroja. Chegais aqui assim em clima próprio a animar a vossa vocação mais próxima, a ambientação política que, ao lado da formação literária, constitui os atributos de vossa personalidade de exceção, conforme o atesta o currículo com que apresentastes vossa candidatura à Academia, que será a seu tempo por ela divulgado. Por ele se verifica que nascestes a 14 de agosto de 1960, no Rio de Janeiro-RJ, e tendes funções públicas e profissionais altamente diversificadas, quais sejam: vossa graduação em engenharia elétrica, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC, Belo Horizonte-MG), em 15 de dezembro de 1983. Já em nossa terra, onde já exercíeis vossas atividades profissionais, com destaque, vos formastes em direito, no Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT – turma de 2001. E ainda obtivestes graduação em licenciatura plena, em História, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, turma de dezembro de 1989. Mas foi a atividade política que com certeza mais vos motivou o exercício profissional com o exercício de alguns cargos públicos eventuais, como os de Secretário de Estado de Projetos Especiais, no governo Freitas Neto, Secretário de
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Estado de Justiça e Cidadania, no governo Hugo Napoleão e o de Secretário do Governo, no atual governo Wilson Martins, que atualmente ocupais. Foi, entretanto, a atividade parlamentar que maior sedução exerceu sobre o vosso espírito, ocupando a maior parte da vossa produtiva atividade pública, como a de líder do governo Wilson Martins, em 2010. Eleito sucessivamente deputado estadual, por seis mandatos consecutivos, o último dos quais com 48.636 votos, como o mais votado do Estado, ocupastes funções de destaque, não apenas na mesa diretora da Casa, como em importantes comissões, além de várias funções na direção partidária das agremiações políticas em que militastes. Acrescento ainda, neste final, votos calorosos de muita paz e plena felicidade pessoal às vossas filhas Laíse e Lícia, complementos de vossa vida, como dizeis na dedicatória de vosso livro, e à doce Elisabeth (Betinha), companheira de lutas, nas alegrias e nas tristezas, como de igual modo ali declarais. Homenagem que estendo, igualmente, a José de Sousa Almeida Jr. vosso estimado genro, marido da Laíse. O poeta francês Saint-John Perse, Nobel de Literatura de 1960, dizia que o escritor é a consciência maldita da sociedade. É um bom conselho para quem como vós iniciais com tanto empenho vossa tarefa de escritor participante. Que o nosso país se mantenha íntegro e digno, com a sua cultura rica e diversificada, de que há pouco tivemos uma pálida ideia, livre de mensalões e da miséria, como patrimônio comum do povo brasileiro. Assim seja! Com o pensamento no futuro que, de acordo com a sabedoria popular, a Deus pertence, sede bem-vindo à Casa de Lucídio Freitas.
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DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO WILSON BRANDÃO
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stimado Presidente da Academia Piauiense de Letras, Dr. Reginaldo Miranda da Silva Prezados e ilustres acadêmicos Exmo. Sr. Governador do Estado do Piauí, Dr. Wilson Nunes Martins, de quem tenho a honra de ser Secretário de Governo. Exmo.Sr. Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, Desembargador Edvaldo Pereira de Moura. Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Piauí, Deputado Themistocles Filho Exmo. Sr. Presidente do Conselho Estadual de Cultura, Professor Manoel Paulo Nunes. Cumprimento com muita alegria, os dois patriarcas de minha família, Desembargador Álvaro Brandão Filho, irmão
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de meu pai, e, Doutor Alfredo Alberto Leal Nunes, irmão de minha mãe. Meus familiares - Minha esposa Elisabete, minhas filhas Lícia e Laíse, meu genro Almeida Júnior, minha irmã Lourdes Amélia e Raimundo Nunes, meu irmão Luciano e Adriana, Minha querida Tia Terezinha, Alberto Leal Nunes, em nome do qual saúdo todos os demais familiares. Demais autoridades constituídas. Saúdo com muita distinção os familiares de Dr. William Palha Dias, último ocupante da cadeira nº 04, nas pessoas de Dona Gracy, sua esposa, e de Dr. Francisco de Sales Palha Dias, seu filho, em nome dos quais cumprimento a todos os membros da família. Senhores e Senhoras, Em 1897, Machado de Assis, iniciou seu discurso na Academia de Letras, proclamando: “Não é preciso definir esta instituição. O vosso desejo é conservar a unidade literária. Tal obra exige, não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual essa se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira”. A Academia Piauiense de Letras reflete ao longo de sua existência quase secular, as sábias e precisas palavras de Machado de Assis. Início o discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, cumprindo, em primeiro lugar, o meu ofício de gratidão e de renovação à minha profissão de amor à
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educação e à cultura do meu Estado - o Piauí. Gratidão pela acolhida e pela generosidade das senhoras e dos senhores acadêmicos, que sufragaram meu nome para assumir a cadeira 04 deste sodalício, fundado em 30 de dezembro de 1917, permitindo-me desfrutar dos debates, das tendências e dos valores da cultura piauiense, brasileira e mundial, em ambiente tão seleto e comprometido com essa causa. A cadeira que ora assumo foi ocupada por homens ilustres e atores importantes de nossa cultura, a começar pelo seu patrono, David Moreira Caldas, professor, jornalista, promotor público, deputado provincial, abolicionista e defensor dos ideais republicanos; Jônatas Baptista, um dos fundadores desta Academia e de vários jornais e revistas, poeta, incentivador da vida teatral em Teresina, tendo sido autor de diversas peças; Mário José Baptista, formado na tradicional Faculdade de Direito do Recife, professor de história do Liceu Piauiense, professor catedrático de economia política e diretor da Faculdade de Direito do Piauí, Procurador Geral de Justiça, jornalista, historiador e geógrafo; Fernando Lopes e Silva Sobrinho, desembargador, juiz de direito no Ceará e no Piauí, professor da Faculdade de Direito do Piauí e, o último ocupante, William Palha Dias, filho do longínquo município de Caracol, juiz de direito em Oeiras e nas minhas duas terras, Regeneração e Pedro II, professor, romancista, contista, tendo retratado com perfeição o homem do semi-árido, as suas angústias e o seu sofrimento. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Autor de muitas obras, dentre elas, “Endoema” “Vila de Jurema”, “Mulher Dama Sinhá Madama”, “Os Irmãos Quixaba” e “Marcas do Destino”. Na comemoração de seus 90 anos de idade, o acadêmico Oton Lustosa proferiu em sessão solene: “Aprendeu a ler quando já tinha consciência prática
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da vida dura do sertão, em lombo de burro a mercadejar por ínvios caminhos e longas distâncias, às voltas com jumentos, cangalhas e bruacas, como aprendiz de tropeiro e imitação de mascate. Aos vinte anos estreou em sala de aula para o exame de admissão. Já casado, prosseguiu nos estudos, formou-se advogado e se fez julgador. Peticionou e sentenciou a valer, proclamando o Direito Positivo, em homenagem e em observância estrita à lei. Arguto observador da vida, se fez intérprete do fato social, por outra via, sem as amarras dos artigos, dos parágrafos e das alíneas legais, mas através da prosa ficcional, que é a reinvenção da realidade mundana. Leitor voraz, habituou-se aos livros, ao ponto de passar a escrevê-los. ... Atreveu-se a interpretar a vida sertaneja, nordestina, bem-brasileira, feita de lutas, paixões, dinheiro, fé e política. ... Toda a sua prosa é o porto seco, por isso mesmo muito seguro. Narra as experiências da vida, por isso tão verossímil é a sua prosa, rica de linguagem regionalista e culta a um só tempo, onde o gosto pela singularidade da frase resulta evidente, sem cair no coloquial sertanejo, mas, também, sem subir às alturas nevoentas do pedantismo obsoleto”, conclui Oton Lustosa. Sinto-me, pois, honrado em suceder a tão representativas figuras do mundo intelectual do nosso estado. Além dos já citados, a Academia Piauiense de Letras, uma instituição sólida e respeitada, tem nos seus membros, verdadeiros sacerdotes da cultura. Historiadores, poetas, juristas renomados, críticos literários, romancistas, jornalistas, todos, imbuídos dos mais fervorosos interesses em fazer e em divulgar a riqueza e a inteligência do povo piauiense. É nesse meio que passo a viver e a conviver para, associado aos que já realizam essa grande obra, poder também dar minha contribuição, quer escrevendo livros ou artigos, quer valorizando o belo e importante trabalho desenvolvido pela
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Academia. O imortal Marcos Villaça, em seu discurso de posse na Presidência da Academia Brasileira de Letras fez a seguinte afirmação: “ A Academia deve propor e liderar um sistema básico de referência para compreensão e valorização da cultura brasileira. Fazê-lo não a partir de uma concepção restritiva de cultura, mas de um conceito dela amplamente antropológico: abarcando todo o pensar, o agir, o fazer humano, quando motivado por valores. Fazê-lo não a partir de uma visão da cultura como coisa “morta”, escrava ou apenas testemunha do passado, mas a partir de uma visão dinâmica da cultura, de uma cultura “viva”, libertadora, integrativa. Deve, sim, nutrir-se do passado, porém avançar criativamente para um novo futuro. Por meio dele pode produzir-se uma síntese harmoniosa de nossa diversidade de nossos contextos culturais específicos, até mesmo dos paradoxos de nossa cultura”. Dentro do contexto evidenciado por Marcos Villaça, acredito que o homem que abraça a cultura não é apenas aquele que detém grande preparo em determinada área do conhecimento, o “intelectual em si”, mas aquele, que somado a isso, prestigia os eventos culturais, desperta a sociedade, incentiva o novo poeta, o artista plástico, busca patrocínio, luta em favor de projetos culturais, valoriza os detentores de talentos. Assim vejo o verdadeiro “homem da cultura”. Até porque a cultura é uma dimensão construtiva da existência humana. Ela é ampla. Quando desenvolvida, multiplica o espaço para vozes que refletem sobre os problemas da sociedade. As transformações do mundo que acompanhamos, às vezes abismados com o inacreditável avanço da tecnologia, às vezes preocupados com a desumanidade que essas transformações oferece à sociedade, nos leva a ter a crença
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inquebrantável do quão é importante valorizar a educação dos nossos jovens, incentivando, principalmente a leitura, porque nela, encontramos o conhecimento sadio, o despertar das idéias, a sabedoria, a humanização da sociedade e, principalmente porque, o homem culto é um ser do bem, desprovido do apego a bens materiais, mas, sobretudo, dotado de um sentimento voltado para o desenvolvimento de uma sociedade justa e comprometida com os verdadeiros valores éticos e morais que o ser humano deve possuir . Desde criança, acompanhei meu pai, praticamente vivendo em uma biblioteca. Impressionava-me o fato de ele conseguir passar horas a fio lendo algum livro, concentrado na leitura, em plena campanha política, dividindo perfeitamente esses dois mundos. E foi nessa mesma biblioteca, na tradicional Praça do Liceu, que ele me introduziu e me conscientizou da importância e da necessidade de estudar. Mas não era estudar para passar de ano! Era estudar e estar entre os melhores. Acumular conhecimentos. Para vencer na vida, dizia ele! Assim, muito cedo, com sua exigência peculiar, me colocou para ler os clássicos brasileiros. Machado de Assis, Jorge Amado, José de Alencar, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Bernardo Guimarães, Rachel de Queiroz; as antologias poéticas, como a de Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, além de tantos outros, como Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e Manuel Bandeira. Com um detalhe: após a leitura tinha que fazer a redação sobre o livro. Aquilo, que para mim, era uma obrigação, com o andar dos anos, transformou-se em deleite e passei a ser um leitor compulsivo. Hoje, são raros aqueles que assim procedem. Meus primeiros estudos foram realizados na Escola Dom Bosco, com a professora Alda Neiva em 1966. Posteriormente, no Educandário Santa Terezinha, com a
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professora Donana Soares e a Professora Bárbara Macedo Mendes, seguindo, depois, caminho para o Colégio São Francisco de Sales, o tradicional Colégio Diocesano, onde por lá fiquei até o 1º ano do 2º grau. Após essa etapa da vida, morei uma temporada nos Estados Unidos e, retornando ao Brasil, fui para Belo Horizonte, onde concluí o 2º grau e graduei-me em Engenharia Elétrica na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Já de volta ao Piauí, cursei Direito e História, na Universidade Federal. Toda essa minha trajetória de formação acadêmica, devo aos meus pais, Wilson e Lourdinha. Eles foram, também, os verdadeiros benfeitores da minha formação ética e do meu caráter. Em verdade, cresci em um ambiente cultural intenso. A eles devo tudo. Permitam-me uma breve passagem pela rica trajetória do Professor Wilson de Andrade Brandão. Nascido na Fazenda Concórdia, Pedro II, hoje município de Milton Brandão, filho do homem do campo, Álvaro, e de uma dona de casa, Maria Amélia, que lhe encaminhou para as primeiras letras. Ainda muito cedo, veio morar em Teresina, onde estudou no Liceu Piauiense e graduou-se em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Piauí. Professor de Francês e de Direito Civil. Autor de mais de quinze livros nas mais diversas áreas do conhecimento. Em “Perfis Paralelos”, o acadêmico Celso Barros Coelho afirma: “Titular da cadeira nº 33, que tem como patrono Abdias Neves, nela se destacou Wilson Brandão como intelectual que dominava todos os ramos do conhecimento na área do direito, da história, da filosofia, da crítica, da literatura. Colocando-se em todas as vertentes como um estudioso, produziu obras da maior importância, dentre as quais se apontam pela sua divulgação, no País, e pela profundidade na análise dos temas a elas concernentes, as de Direito Civil, de que era profundo
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conhecedor como Catedrático de Direito Civil da Faculdade Federal de Direito do Piauí, ... num exemplo de labor incansável de pesquisa, de aprofundamento de idéias e de estudos da origem de nossa legislação ancorada no direito privado”. E conclui Celso Barros: “Não podemos pensar em Wilson Brandão, já agora sob a impressão de sua obra intelectual, da pureza de suas idéias e da plenitude de sua vida, sem meditarmos nestas palavras de San Tiago Dantas:”... a tarefa da inteligência humana é tirar o valor das coisas da obscuridade para a luz”. Esse o seu esforço constante, a sua missão principal”, conclui o Prof. Celso. Chegar a esse mundo acadêmico, ainda me parece um sonho. Acompanhei de perto o velho Wilson nas suas andanças para as reuniões de sábado. Dos seus confrontos, de idéias é claro, de debates acalorados, principalmente com o Professor Arimatéia Tito Filho. Do seu sofrimento e, principalmente de minha mãe, no seu mandato de presidente, já abatido pelo mal de Parkinson e Alzheimer, e no ocaso da vida, mas querendo a todo custo construir o auditório da Academia, hoje uma referência e um ponto de encontro dos eventos culturais de nosso estado. Até aí são reminiscências. Hoje, vejo que o sonho transforma-se em realidade. Lutei para chegar a esse momento. E como é salutar, como é agradável a conquista. Não pela vitória eleitoral em si, mas principalmente porque foi preciso uma vida de cinqüenta e dois anos, comemorados hoje, acumulando conhecimentos, experiência, pesquisas, publicações de artigos em jornais, escrevendo livro, adquirindo os requisitos necessários para uma candidatura. Com o falecimento do notável sertanejo William Palha Dias, fui incentivado por vários amigos, alguns deles da própria academia, a postular essa cadeira. A eles e a todos os acadêmicos, o meu agradecimento sincero pela acolhida.
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Agora, uma palavra especial, de apreço, admiração e respeito; Falo do Professor Manoel Paulo Nunes, conterrâneo de Regeneração, filho de Francisco de Paula Teixeira Nunes, conhecido como Mestre Velho, irmão de meu avô materno, Gonçalo Nunes. Professor de Português e Literatura do Liceu Piauiense, da antiga Faculdade Católica de Filosofia e, posteriormente, da Universidade Federal do Piauí. Secretário de Estado da Cultura, membro do Conselho Estadual de Educação e, atualmente, Presidente do Conselho Estadual de Cultura. Crítico literário renomado e autor de várias obras, dentre elas, “A Geração Perdida”, “O Discurso Imperfeito” e “A Província Restituída”. Desde já agradeço pelo apoio, incentivo e pelo discurso de recepção. Pela minha formação em História, é sobre ela que tenho debruçado minhas pesquisas, especialmente sobre a história política do Piauí. “Mitos e Legendas da Política Piauiense”, livro de minha autoria, retrata uma história rica, constituída por homens e mulheres que se doaram à missão de construir uma coletividade mais justa e igualitária em um Piauí de muitas riquezas. Rico pelo seu povo bravo, lutador, sofrido, mas, sempre, com a permanente esperança do nordestino, que não se abate em razão das adversidades da vida, como bem traduziu o imortal William Palha Dias. Em um Piauí rico pela sua cultura, por tudo que já foi produzido em pesquisas e livros. Rico na sua arqueologia, principalmente pela impressionante história milenar da Serra da Capivara. Rico pelas suas belezas naturais – do litoral, passando por Pedro II, Teresina, até chegar às nascentes do Rio Parnaíba – “O Velho Monge”, como diria o poeta Da Costa e Silva, no soneto “Saudade”. Rico, pelas suas grandiosas riquezas minerais, da pedra opala de Pedro II, do ferro de Paulistana, avaliado em 400 milhões de toneladas, do níquel de Capitão Gervásio Oliveira, avaliado em 25 milhões de toneladas, dos
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diamantes de Gilbués. Piauí, de um processo de ocupação diferenciado dos outros, porque foi colonizado do interior para o litoral, povoado a partir do sertão. Iniciado por Domingos Afonso Mafrense, pelos Dias d’Avila, da Casa da Torre, por Domingos Jorge Velho, esse processo foi de fundamental importância no abastecimento de gado para a Bahia e Pernambuco, principalmente, para atender aos engenhos de cana de açúcar e à mineração. A nossa independência, também foi diferenciada. Enquanto, em praticamente todo o Brasil, ela se dava em clima de paz e festa, no Piauí, tivemos derramamento de sangue e perdas de muitas vidas. Desde o 19 de outubro de 1822, em Parnaíba, passando pelo 23 de janeiro em Oeiras, até chegar ao 13 de março de 1823 em Campo Maior, na histórica Batalha do Jenipapo, até a rendição de Fidié, demonstra-se a bravura do povo piauiense. Epopéias como a mudança da capital de Oeiras para Teresina, e a passagem da Coluna Prestes por vários municípios do Piauí, no Governo de Mathias Olympio, os embates políticos de PSD, UDN e PTB, posteriormente, com o bipartidarismo de ARENA e MDB, o duro período da ditadura militar, a redemocratização, até a história atual, são uma mostra que também vivenciamos passagens memoráveis da política partidária piauiense. É nesse torrão que lutamos e que desejamos contribuir para a existência de uma sociedade onde todos possam desfrutar das mesmas oportunidades. É por essa razão que defendo o socialismo moderno. Nele está o futuro. A crise na Europa e nos Estados Unidos representa o grande fracasso do capitalismo selvagem, extremado entre milionários e pobres, formado por nações dominadoras, numa espécie de neocolonialismo. O
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avanço do homem em direção a um futuro melhor passa, necessariamente, por um ajuste na sociedade de todas as nações. O socialismo moderno encontra-se entre as duas ideologias tradicionais - o neoliberalismo e o comunismo. É nele, o único caminho moderno e progressista, que rejeita simultaneamente o “cada um por si” e o “todos por um”, em nome de uma idéia que, no fundo, representa a essência da vida - o direito de todos, homens e mulheres, à felicidade e à justiça social. E é essa felicidade que vivencio agora, ao lado de meus familiares, acadêmicos, intelectuais, de amigos verdadeiros, da classe política de nosso estado. Divido com todos, esse momento raro e dos mais significativos de minha vida. Chego à Academia, não como político, nem tão pouco pela influência ou pelos caminhos da política, não obstante alguns terem tentado durante o processo eleitoral desqualificar minha candidatura. Chego sim, pela minha própria história e prometendo honrar a confiança depositada no trabalho que pretendo continuar fazendo em prol de uma causa grandiosa: o fortalecimento da cultura do nosso estado. Aliado à sabedoria dos luminares que fazem a Academia Piauiense de Letras, quero ressaltar o meu verdadeiro entusiasmo pela riqueza cultural que permeia por todo o Piauí. A partir desse momento, sinto nos meus ombros o peso da responsabilidade em fazer parte desse novo mundo - A Casa de Lucídio Freitas. Já encerrando meu discurso, não poderia deixar de agradecer à minha esposa Elisabete, pelo carinho, pelo afeto e, principalmente, por estar sempre ao meu lado, nos momentos angustiantes da atividade política. Às minhas filhas, Laíse e Lícia, o reconhecimento do amor paterno e a felicidade de tê-las como verdadeiro tesouro.
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Por fim, reproduzo uma poesia de autor desconhecido, cujo título expressa bem a vida de todos que, obstinadamente, lutam por alcançar os seus próprios ideais. “NEM TUDO É FÁCIL” É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste. É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada. É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perder para sempre. É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia. É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua. É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo. É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar. É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo. Se você errou, peça desculpas... É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado? Se alguém errou com você, perdoa-o... É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se
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arrepender? Se você sente algo, diga... É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar? Se alguém reclama de você, ouça... É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você? Se alguém te ama, ame-o... É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz? Nem tudo é fácil na vida... Mas, com certeza, nada é impossível. Precisamos acreditar, ter fé e lutar. Para que não apenas sonhemos, mas, também, tornemos todos esses desejos, REALIDADE. Que minha missão na Academia Piauiense de Letras seja “infinita enquanto dure”, como diria Vinicius de Moraes em seu “Soneto de Fidelidade”. Muito obrigado a todos! Teresina, 14 de agosto de 2012. WILSON NUNES BRANDÃO
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POSSE DO ACADÊMICO DEOCLÉCIO DANTAS FERREIRA
DISCURSO DE RECEPÇÃO DO ACADÊMICO DEOCLÉCIO DANTAS FERREIRA* Zózimo Tavares**
Sr. Presidente, Sras. e Srs Acadêmicos,
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ostaria de fazer, inicialmente, um pedido ao presidente desta sessão, para me autorizar a quebrar o protocolo e a lançar mão da ‘licença poética’, no sentido de fazer, aqui e agora, um discurso acadêmico à maneira de uma conversa que marca o reencontro de dois companheiros de jornalismo. * **
(Discurso proferido pelo acadêmico Zózimo Tavares, na recepção ao jornalista Deoclécio Dantas, na Academia Piauiense de Letras, em 18 de agosto de 2012). Jornalista e titular da cadeira nº 15, da APL.
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*** A Academia Piauiense de Letras se ilumina, nesta manhã de 18 de agosto de 2012, pelo brilho, pela limpidez e pelo talento de Deoclécio Dantas, o novo confrade que chega à Casa de Lucídio Freitas. O Piauí e os piauienses o admiram pela sua vida pública exemplar e também pela sua longa e intensa atividade jornalística, ambas assinaladas pela coragem e a ética. Seu ingresso neste sodalício é, a meu ver, um tanto tardio. Se bem que ele nunca havia se candidato a uma das cadeiras da APL. A primeira vez que se inscreveu, agora, numa das eleições mais disputadas desta Casa – da qual participaram outros cinco candidatos também de notável valor literário –, seu nome foi consagrado como acadêmico, o que significa que já havia uma simpatia por ele. Celso Barros, figura estelar de nossa Academia, nosso ex-presidente, postula que a Casa de Lucídio Freitas é a Casa do Tempo. Sendo assim, qualquer tempo é sempre tempo para que algo relevante aconteça por aqui, como esta posse, nesta data. E, com imensa sabedoria, ensina o Eclesiastes: Sob os céus, há um tempo determinado para tudo. *** Deoclécio Dantas toma assento numa das mais emblemáticas cadeiras de nossa Academia, a de número 15. A história dessa cadeira acaba de ser por ele contada. Seu último ocupante foi o professor Benjamin do Rego
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Monteiro, presença frequente em nossa academia, enquanto a saúde assim o permitiu. (Presença constante e também muito querida!) Todos os ocupantes desta Cadeira tiveram, em algum momento, militância na imprensa, como literatos ou como jornalistas profissionais. O novo ocupante vem, portanto, prosseguir e honrar uma tradição. ***
O jornalista Estas ocasiões são um momento de reencontro com o tempo e com a memória. Também com a saudade. Começo, então, narrando que Deoclécio Dantas Ferreira é formado em Contabilidade, pela Escola Técnica Felismino Freitas Weser. Exerceu a profissão na antiga Centrais Elétricas do Piauí S. A., a Cepisa, hoje Eletrobrás Distribuição Piauí. Mas o contador que fez história foi outro: o contador de histórias. O contador de histórias da vida real que é o repórter. E sua ligação com o jornalismo foi uma paixão à primeira vista, literalmente. Ainda menino, acompanhando o pai, que trabalhava na Praça Rio Branco, como taxista, via o jornal O Dia exposto na banca, gritando suas manchetes em letras garrafais. Aquilo o seduziu inapelavelmente. E jurou para si mesmo: Um dia vou escrever nesse jornal! Não demorou, o juramento estava sendo cumprido, pois, ainda garoto, aos 17 anos, adentrava a redação do jornal O Dia, então sob a direção de Leão Monteiro, seu
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fundador. Iniciou-se na profissão que abraçou como vocação e missão trabalhando como revisor. Por essa época – 1955 – já colaborava com artigos esparsos e tímidos (ou seriam atrevidos?) publicados nos jornais Compasso e Cidade de Teresina, já extintos. A partir daí, fez uma longa e incansável caminhada na imprensa, atuando em jornal, rádio e televisão. Já nos primeiros passos no jornalismo, incorporou em sua atividade profissional aquela lição que mais tarde Cláudio Abramo nos legaria: O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter.
*** Com esta consciência profissional, Deoclécio Dantas foi editor dos jornais O Dia, Folha da Manhã, Jornal do Piauí, O Estado e Diário do Povo. Primeiro correspondente da revista Veja no Piauí. Dirigiu o Departamento de Jornalismo da Rádio Pioneira de Teresina. Foi apresentador e analista político da TV Clube e da TV Pioneira (hoje TV Cidade Verde). Ainda colabora regularmente com a imprensa piauiense, com artigos que são publicados semanalmente no Diário do Povo. Como profissional de imprensa, Deoclécio Dantas foi além de seu juramento de ser jornalista. Afirmou-se, indiscutivelmente, desde jovem, como um grande jornalista, um dos maiores e melhores de sua geração, que tantos talentos deu ao nosso jornalismo. Deoclécio é aclamado, com mérito e justiça, como
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uma legenda do jornalismo! Antes dele, por mais de um século, nossa imprensa era meramente partidária – chapa-branca ou marrom –, mas sempre apaixonada e radical. Os jornais existiam, desde 1832 – quando apareceu nosso primeiro jornal, O Piauiense – para defender seus partidos políticos com unhas e dentes, suor e sangue, com o uso de linguagem por vezes literária ou ideológica, doutrinária, mas essencialmente panfletária e virulenta. Era uma imprensa que se fazia com furor, que não levava em conta o “outro lado”, nem o leitor nem a sociedade, a cidadania. Carregava nas tintas exclusivamente para defender seus próprios interesses ou atacar violentamente os adversários. (Não estou aqui fazendo juízo de valor sobre a qualidade desse tipo de jornalismo. Apenas um registro histórico. Cada tempo tem sua história, ditada pelas suas circunstâncias). A história de nosso jornalismo é contada por Celso Pinheiro Filho, em seu livro História da Imprensa no Piauí. A professora Ana Regina Rego, da Universidade Federal do Piauí, mergulhou nas raízes mais profundas desse jornalismo em seu livro seminal Imprensa Piauiense – Atuação no Século XIX, que recebeu o Prêmio Cidade de Teresina e foi editado em 2000. O professor Gustavo Fortes Said, também de nossa UFPI, faz uma análise consistente de nossa imprensa, com suas virtudes e misérias, em seu livro Comunicações no Piauí, editado por esta Academia, em 2001, na profícua gestão do professor R. N. Monteiro de Santana. ***
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Deoclécio Dantas se destacou, então, como um profissional que ajudou a virar esta página e a imprimir um novo padrão no jornalismo, segundo os novos modelos editorais, que impunham a busca obsessiva – ainda que utópica! – da objetividade e da isenção, na apuração, edição e divulgação da notícia. Nunca foi fácil movimentar-se nesse terreno de areia movediça que é a imprensa. Nesse território – como adverte o professor-doutor Juvenal Zanchetta Júnior, pesquisador da USP, com o foco de seus estudos voltados para a imprensa – algumas balizas são pouco visíveis, como as tendências ideológicas dos meios, os costumes políticos e sociais, as leis, até princípios e interesses classistas, éticos e comerciais. *** Deoclécio Dantas vem de um tempo em que o jornalista varava a noite nas redações, entre barulhos ensurdecedores de gigantescas máquinas de linotipo e velhas impressoras que rodavam o jornal do dia seguinte, ou da semana. Em sua caldeira em brasa, os linotipos derretiam chumbo que viravam letras, palavras, frases, enfim o texto jornalístico. Daí, seguia para a impressão, quase sempre tormentosa e mal acabada. Ele vem de um tempo, também, em que as velhas máquinas de escrever matraqueavam desafinadas e neuróticas nas redações, num ambiente dominado pelo cheiro de tinta fresca, fumaça de cigarro e café. (E havia sempre, também, um boteco por perto!). Ele vem de um tempo em que muitos colaboradores
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escreviam à mão, em garranchos que só os linotipistas mais habilidosos, e com o dom da adivinhação, podiam decifrar. Ele vem de um tempo, ainda, em que a publicação de denúncia contra malfeitos de intocáveis do poder dava enquadramento certo na famigerada e temida Lei de Segurança Nacional, de triste e vergonhosa memória. Ele vem de um tempo, finalmente, em que os intocáveis do poder, incontáveis vezes, pediam à direção dos veículos a cabeça dos jornalistas que lhes incomodavam. E raramente não conseguiam! Mas ele, pelo seu idealismo, pelo modo rigoroso de apurar e divulgar os fatos, pela sua coragem e pela sua cultura, enfrentou de peito aberto os desafios da profissão. E, por isso mesmo, inspirou gerações de jornalistas e radialistas que igualmente entenderam que vale a pena abraçar o jornalismo com ética e esperança, sem levar em conta eventuais e insanáveis prejuízos de qualquer ordem e/ ou sacrifícios pessoais. *** O jornalista ganha pouco, enfrenta muitas pressões – a principal delas é a do tempo –, mas também se diverte. Há pessoas que valorizam exageradamente a astrologia. Do jornal, só lêem o horóscopo. O Piauí já teve governador que só saía de casa depois de consultar o horóscopo. No começo de sua carreira como jornalista, Deoclécio Dantas trabalhava em um jornal onde ele fazia tudo. Perto do jornal, ficava uma pensão onde moravam umas moças bonitas, vindas do interior do Piauí. Elas vieram para estudar. Uma delas, a mais bela, ia com frequência ao jornal só
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para ler seu signo. Deoclécio se engraçou da moça, mas ela estava interessada era em um militar que morava na vizinhança. Pouca gente sabia que, naquela época, como ainda hoje, os horóscopos são inconfiáveis, escritos por qualquer um da redação. Desconfiado do interesse da moça pelo militar, e já sabendo qual era o signo dela, Deoclécio jogou sua cartada. Assim, escreveu: Signo Tal – Um futuro promissor aguarda os nascidos sob este signo, especialmente na parte sentimental e amorosa. Desvie um pouco o olhar da meta de seus desejos e observe outras pessoas à sua volta. No amor, os nascidos sob este signo não combinam com militar.
*** Deoclécio Dantas atravessou todas as fases importantes de nossa imprensa. Vivemos hoje uma nova era de transição da imprensa, uma época de novos desafios no jornalismo, sobretudo no impresso e também no digital. Mas isto é um assunto para discussão em outra oportunidade. Desde Gutemberg, o jornalismo vive de desafios. O mais importante a destacar é que, no passado e no presente, o desafio maior do jornalismo não é propriamente a tecnologia. É a ética. E aqui temos um tema para um interminável e apaixonante debate sobre sensacionalismo, manipulação da mídia e muitos outros pontos que nos desafiam a cada momento. O jornalismo tem muitos caminhos e descaminhos.
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Para o jornalista se encontrar é uma caminhada. No entanto, para se perder, é um passo. Outro ponto: em qualquer suporte – impresso ou digital, rádio ou TV – as ameaças e os ataques à liberdade de imprensa são insistentes, a qualquer tempo, na ditadura ou na democracia. Uns escancarados. Outros sofisticados e dissimulados. Por enquanto, é bastante reconhecer e proclamar que Deoclécio Dantas participou decisivamente da modernização do jornalismo piauiense. Seu nome está associado ao processo de renovação da imprensa do Piauí, na esteira das grandes transformações vivida pelo jornalismo brasileiro, a partir do final dos anos 50. Deoclécio Dantas gravou seu nome na história do jornalismo ao lado de outros personagens que engrandeceram o ofício, como David Caldas, Lívio Castelo Branco, Abdias Neves, Eurípides de Aguiar, Celso Pinheiro, Zito Batista, Clodoaldo Freitas, Baurélio Mangabeira, A. Tito Filho, Carlos Castello Branco, João Emílio Falcão, Abdias Silva, Alberoni Lemos Filho, José Eduardo Pereira, José Lopes dos Santos, Wilson Fernando e Carlos Augusto de Araújo Lima. De sua geração, uns mais velhos e outros mais novos, citaria Carlos Said, nosso decano, Pompílio Santos, Dídimo de Castro, Joel Silva, Francisco Leal, Chico Viana, Pedro Alcântara Nascimento, Ribamar Barros, Ednaldo Cícero, Weyden Cunha, João Eudes e Ari Ribeiro. Já entre os mais novos Amadeu Campos, Elivaldo Barbosa, Cláudia Brandão, Mussoline Guedes, Toni Rodrigues e Allisson Paixão.
O radialista Ainda em sua juventude, Deoclécio Dantas praticava,
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no Piauí, um ensinamento de outro mestre do jornalismo contemporâneo, Alberto Dines: A sociedade é maior do que o mercado. O leitor não é consumidor, mas cidadão. Jornalismo é serviço público, não espetáculo.
Da redação do jornal, Deoclécio Dantas passou ao rádio. Às vezes atuando concomitantemente no jornal e no rádio. No Brasil, o noticiário do rádio mostrou a sua força através do Repórter Esso, que contou a história do país nos anos 50 e 60. No Piauí, marcou época o Grande Jornal Q/3, idealizado para a nossa Rádio Difusora pelo saudoso José Lopes dos Santos, que integrou esta Academia. O Grande Jornal Q/3 foi apresentado de 1951 a 1980. Quase 30 anos no ar! Mas, inegavelmente, o divisor de águas do radiojornalismo piauiense foi o da Pioneira, com a Grande Revista Noticiosa Pioneira e o Correspondente Pioneira, na voz de Carlos Augusto e Deoclécio Dantas, nos anos 70. Nunca se fez nada igual no Piauí! E devo salientar que aquele estrondoso sucesso radiofônico de Carlos Augusto e Deoclécio Dantas se deu num momento em que as condições de trabalho no rádio eram precaríssimas, em relação ao fabuloso aparato tecnológico de que se dispõe hoje. *** Uma grande parte de sua profissão o jornalista Deoclécio Dantas a exerceu durante a ditadura militar, que mandou e desmandou no Brasil entre 1964 e 1985. O que foi aquele tempo, também chamado de Anos
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de Chumbo? Para os mais novos, sobretudo para eles, trago esta página escrita pelo mestre Manoel Paulo Nunes, no discurso de saudação ao nosso acadêmico Wilson Brandão, dia 14 de agosto passado. O que foi 64? Passo a palavra ao professor Paulo Nunes: A longa noite de agonia que viveu o país, com o seu cortejo de misérias, com o desrespeito às liberdades individuais do cidadão, a vilania dos atos de força dos então dirigentes do país, a adoção da tortura como procedimento habitual nos interrogatórios, enfim, a impunidade como norma de conduta do estado policial até a eleição de um governo democrático que culmina com a Constituição de 5 de outubro de 1988.
Trata-se de uma noite tenebrosa sobre a qual a recém-criada Comissão da Verdade tenta agora jogar luzes. O professor Fonseca Neto, também integrante desta Casa de Lucídio Freitas, traz, em texto escrito em 1999 e publicado no Diário do Povo, intitulado Crônicas deoclecianas, o testemunho eloquente de um episódio que ele viveu em sua juventude, em Teresina, envolvendo o radialista Deoclécio Dantas. Conta o professor Fonseca: Corria o ano 1970 ou começo de 71. O Brasil mal respirava ante o sufoco da Ditadura, era o auge da era Médici.
Ele prossegue informando que, apesar do clima sombrio e tenso, havia resistência. E relata: A ilustrar esta atitude (a da resistência), relembre-se da ação política do Grêmio Juventude Progressista, do “Anexo” Estadual Colégio São Francisco de Assis - dirigido este por frades ali da praça e Igreja de São Benedito.
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A direção do Grêmio detectou o sumiço de uma verba arrecadada em seu nome e que a Diretoria entendeu de não repassá-la sob a alegação de que com a mesma compraria um Laboratório de Ciências para a Escola. Os estudantes não aceitaram a desculpa: ao próprio Estado caberia prover suas escolas de meios para bem funcionar, todos pensavam. E foi o que aconteceu. Mas o tal Laboratório chegou como aquisição e presente do Grêmio à Escola; estava instalada a confusão. (...) Procurou-se os órgãos de imprensa, cuja maioria se recusou ouvir. Numa rádio da cidade, a Pioneira, encontramos uma especial receptividade. Comparecendo ao Departamento de Jornalismo um grupo de estudantes, ali foi atentamente ouvido e, minutos depois, no “Correspondente Pioneira”, a denúncia da “suspeita” de malversação de dinheiro público encheu a cidade.
E enfatiza o professor Fonseca, na conclusão de sua crônica: No Departamento de Jornalismo da Pioneira, naquele dia, estavam dois jornalistas: Deoclécio Dantas e Carlos Augusto de Araújo Lima, este mais conhecido porque fazia, preferencialmente, a locução do Correspondente Pioneira e não só gravaram nossa voz, como a colocaram no ar; não só colocaram-na no ar, como fizeram sua a nossa voz indignada ante a prova da conduta desviante; (...)
Nos tempos de hoje, seria um caso banal, mas à época em que se deu, não resta dúvida de que o gesto dos radialistas seria tomado como uma afronta ao regime. *** Herculano Moraes, jornalista e escritor, ex-vereador de Teresina e ex-secretário de Comunicação do Estado, um dos expoentes de nossa Academia, foi companheiro de geração e de sonhos de Deoclécio Dantas. E também pinta com as tintas da memória um painel daquela época.
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Ele recorda, em depoimento para o livro História de Uma Vida, perfil biográfico do professor Clementino Siqueira, lançado em 2003, o ambiente político, cultural e social dos anos 70, no Piauí: Éramos um grupo unido e obstinado, com um projeto em andamento: melhorar a qualidade da educação, através do fortalecimento do professor, o verdadeiro agente de transformação social, e das instituições representativas. A política classista era a muralha, através da qual as lideranças se entrincheiravam para combater o autoritarismo de um regime censor e discricionário. Wall Ferraz, Olímpio Castro, Cristina Leite, José do Egito, Iveline Prado, Ana Galvão, Celso Barros, Deoclécio Dantas, entre outros, comungavam as mesmas aspirações de Clementino Siqueira, a quem coube a tarefa de construir a cidadania classista, restabelecer a auto-estima do magistério, fixar uma luta de conduta sem capitulação, mas sem ofensas, à altura da grandeza moral daquele grupo. Era uma luta desigual. O governo era indiferente às reivindicações da categoria, chegando a retirar de folha o desconto destinado à Apep (hoje Sinte), cuja renda amortizava o empréstimo feito ao Banco do Estado para a construção da sede da entidade.
Por estas e outras tantas, àquela época e durante anos, ecoava no Piauí, através das ondas poderosas da Rádio Pioneira, o bordão: - Êta Piauí difícil! O famoso bordão de Deoclécio Dantas, pela veracidade inquestionável que encerrava, caiu no gosto popular. Na verdade, não era propriamente um bordão. Era um brado! Um brado retumbante, como aquele referido na letra do Hino Nacional Brasileiro. Isso justamente porque traduzia a indignação dos
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justos, que não se conformam nunca com esta situação crítica do Piauí: entra governo e sai governo, e o Estado perpetua indicadores sócio-econômicos humilhantes, enquanto as oligarquias se banqueteiam no poder, em revezamentos que condenam nosso Estado ao atraso crônico. O Piauí perdeu o bonde da história. Onde está nosso porto? Onde estão as estradas dos Cerrados? Com que energia contamos para impulsionar nosso desenvolvimento? Qual o outro investimento de vulto feito no Estado após a usina de Boa Esperança?... Aquele brado era um lamento! Mais que isso! Era um estrondoso protesto diante de nossa pobreza política, de nossas mazelas sociais, das injustiças, da burocracia enervante, dos desmandos, da corrupção. Nunca uma frase tão simples resumiu tão magnificamente a angústia de um povo, diante de nossa condição de Estado que vive penosa e eternamente para servir a uma elite desumana, gananciosa e voraz. Uma elite insaciável que, à direita, ao centro e também à esquerda, se alimenta do fisiologismo, do clientelismo, da demagogia barata e do nepotismo desenfreado. Se lhe perguntassem hoje, passados tantos anos, se o Piauí é mesmo difícil, não tenho a menor dúvida de que Deoclécio Dantas confirmaria sua sentença. E até acrescentaria: - E bota difícil nisso! ***
O político O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil
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aos membros dela, ensinava o patrono de nossa imprensa, Hipólito José da Costa. O fundador do Correio Braziliense escrevia, ainda, na edição inaugural daquele que foi nosso primeiro jornal: Cada um deve servi-la com suas forças físicas e morais, mas aqueles que espalham as luzes são os membros mais distintos da sociedade, porque tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inércia e do engano.
A aguerrida militância de Deoclécio Dantas na redação do jornal e no microfone da rádio o conduziu à tribuna parlamentar. Não se pense aqui que ele usou a profissão como trampolim para a política. O que houve é que, em muitas ocasiões, o ar ficou tão sufocante nas redações que o jeito foi procurar outro lá fora para poder respirar e continuar a sua luta. Assim, elegeu-se vereador de Teresina, em 1976, e deputado estadual, em 1978, pela força de sua voz e de suas ideias. Também por isso, reelegeu-se para a Assembleia Legislativa e, depois, em 1985, como vice-prefeito de Teresina, quando foram restabelecidas as eleições diretas para prefeito de capital. Ou seja, ele vem de um tempo, também, em que o voto tinha valor, e não preço. Na Assembleia, lutou bravamente em defesa do meio ambiente – quando este ainda era um tema fora de moda. Da tribuna e através de instrumentos próprios da atividade parlamentar, defendeu incansavelmente o rio Parnaíba, levantou-se contra a devastação de nossos babaçuais e denunciou a exploração criminosa das jazidas de
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mármore de Pio IX. Combateu também o saque e o contrabando da opala de Pedro II. Quem ousa desafiar o coro dos contentes, como nos versos de Torquato Neto, não tarda a levar a pecha de pessimista. Com Deoclécio Dantas não foi diferente. Mas, em 1986, ele avisava: Não sou pessimista. Pelo contrário, na política e em minha vida pessoal, sempre fui e creio que sempre serei um grande otimista. Mas reconheço que o pessimismo, às vezes, tem seus méritos. Ele protege e prepara as pessoas – principalmente os políticos, contra o fel de certas decepções.
Muitas de suas iniciativas como deputado foram amparadas, depois, pela Constituição de 1988, e também pela nossa, de 1989, como o aumento de idade para se fazer concurso público. Antes, chegava-se ao cúmulo de exigir o máximo de 25 anos para se pleitear uma vaga no serviço público através de concurso. Porém, através do bilhetinho político, através da janela, podia-se entrar com qualquer idade! Afora as lutas internas, com as questões de interesse do Estado no centro de suas atenções, Deoclécio Dantas engajou-se em outras campanhas de cunho nacional, como a redemocratização do país, através do movimento pelas eleições diretas. Esteve ao lado de personalidades como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola e Lula. Recordo que, em 1985, em eleição entre os jornalistas políticos do Piauí, Deoclécio Dantas era aclamado com o Diploma de Melhor Parlamentar de 1984. Eu estava lá, dando meus primeiros passos no
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jornalismo político. Como diria o poeta, “Meninos, eu vi!” *** Como não poderia deixar de ser, saiu da política pela porta da frente, de cabeça erguida. Certamente com a consciência tranquila, pela certeza do dever cumprido, no que lhe competia, pessoalmente. Mas, certamente, também, desapontado e frustrado, porque não viu à sua frente um horizonte propício para prosseguir em sua luta. O sistema político de então – que ainda é o mesmo de hoje! – não o permitiu. *** Registro que, na vida pública, Deoclécio Dantas foi ainda presidente da Comepi, a extinta Companhia Editora do Piauí. Nessa condição, revolucionou a Imprensa Oficial do Estado, do ponto de vista de renovação de seu parque gráfico e de pessoal. Foi membro da Comissão do Plano Editorial do Estado, integrada ainda por A. Tito Filho e Madeira Bastos. Foi a primeira ação oficial articulada e ousada de valorização da literatura piauiense. Foram editados àquela época mais de 30 livros de autores do Piauí. Foi ainda secretário municipal do Trabalho e Ação Social, em Teresina, chefe de Gabinete da Presidência do Tribunal de Contas do Estado e secretário-presidente da Junta do Serviço Militar de Teresina. E, na condição de jornalista, foi chefe da Coordenadoria de Comunicação da Universidade Federal do
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Piauí em duas oportunidades, nas gestões dos reitores Élcio Ulhôa Saraiva e Anfrísio Neto. Também integrou o Conselho Estadual de Cultura e o Conselho Estadual de Educação. ***
O literato Se Jornalismo é literatura com pressa, como postulou Matthew Arnold, ou se é rabiscos da história, como acredita Geneton Moraes Neto, nessa perspectiva Deoclécio Dantas construiu sua brilhante carreira literária. O jornalismo foi, na essência, a matéria-prima com que construiu sua obra, agregando à sua argamassa dados e testemunhos da história. Publicou livros reunindo artigos políticos e crônicas que se incorporaram de tal forma à literatura piauiense que hoje já se estabeleceram como necessários. De sua bibliografia recolho: Debocharam da seca (1983) – Uma pungente denúncia contra o descaso oficial em relação à seca que massacrou o Piauí entre 1979 e 1983; Dá licença? (2002) – Uma coletânea de artigos publicados na imprensa piauiense, na qual o autor constrói um panorama sobre o Piauí, a partir dos anos 60. Ali estão registrados o aguçado senso de observação e a inquietação do espírito do repórter sobre fatos, episódios e temas que influenciaram o modo de ser do Piauí. Sua leitura explica nossas poucas conquistas e nossas muitas desgraças. Das vantagens do Gurgueia (2003) – Nessa obra, o autor externa a sua simpatia pelo nascimento do novo Estado, a partir de uma consistente exposição de dados que
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justificam a criação da nova unidade federativa. Esta uma bandeira que já encontra, nesta Casa, a simpatia de muitos, como Jesualdo Cavalcanti, Oton Lustosa e Herculano Moraes. Dom Avelar Brandão Vilela- Uma vida a serviço da paz (2006). Trata-se do perfil biográfico de uma das figuras mais importantes para o Piauí, na segunda metade do Século XX: Dom Avelar, nosso ex-arcebispo metropolitano e um dos luminares de nossa Academia, cujo centenário celebramos este ano. Nos 15 anos de seu fecundo arcebispado no Piauí, o futuro cardeal-primaz do Brasil deixou, ao lado de seu marcante trabalho pastoral, uma obra que resiste ao tempo e cresce na admiração de seus pósteros. Cito a ASA (Ação Social Arquidiocesana), FAFI (Faculdade de Filosofia do Piauí, pilar da criação da Universidade Federal do Piauí) e Rádio Pioneira de Teresina, cujo cinquentenário estamos a comemorar. Marcas da Ditadura no Piauí (2008) - Um documento revelador sobre os Anos de Chumbo no Piauí. O autor, testemunha viva e vítima da ditadura, traz um relato irretocável e chocante sobre a ação da censura, as prisões e cassações de mandatos; também sobre o terror, a pequenez e a grandeza dos homens, o papel nefasto e mesquinho do dedo-duro. Passagem pelo Legislativo (2011) – O mais recente livro do autor é, em síntese, uma prestação de contas de sua atuação parlamentar, que se estendeu por quase nove anos. Na apresentação do livro, D’Sordi Sousa Dantas recorda que Deocéclio, em seu discurso de despedida da Assembleia, de onde se afastou para assumir o cargo de vice-prefeito de Teresina, ouviu depoimentos de deputados do governo e da oposição. Todos manifestavam respeito para com o parlamentar que se despedia e, em coro, associavam seu comportamento
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a serenidade, equilíbrio e bom senso. Afastado da vida partidária há mais de 20 anos, seu nome é sempre lembrado quando se fala em ética na política. ***
O acadêmico Eis que, depois dessa longa jornada, Deoclécio Dantas, o filho de Seu Zé Félix, motorista de praça, e dona Altair, chega à Academia Piauiense de Letras. É uma coroação de uma vida dedicada à comunicação, à cultura, à educação e à cidadania. O menino que nasceu na Rua Benjamin Constant, ali no Centro, e jogava peladas no campinho de futebol que era a Praça do Liceu, ingressa na Casa de Lucídio Freitas com a láurea do reconhecimento público de seu valor intelectual e também pela sua envergadura moral. Aqui ele chega, hoje, respaldado pela sua história de vida e imbuído do sentimento do mundo, de que falava Carlos Drummond de Andrade. Como resumiu Jesualdo Cavalcanti, seu contemporâneo e também membro desta Casa, Em sua jornada de vida, qualquer que seja o campo que se lhe escarafunche, uma marca pessoal e inconfundível: a inabalável coerência entre o discurso e a prática, entre a ideia e a ação. Da Teresina que lhe viu nascer, em 4 de junho de 1938, da Teresina que cabia entre os braços do Parnaíba e do Poti, pouco resta. A cidade atravessou os rios, a braçadas largas e a passos céleres, em busca de novos horizontes. Mas a cidade, por mais que tenha crescido ao longo desse período, hoje é pequena para guardar todo o orgulho
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que sente, nesta data, ao ver seu filho ilustre e honrado tomar posse na Academia Piauiense de Letras, cercado pelo júbilo dos acadêmicos, pela admiração de seus colegas de profissão e dos intelectuais, e pelo afeto de seus amigos e admiradores de todos os tempos. A cidade se enche de orgulho também por ver Deoclécio Dantas entrar na Casa de Lucídio Freitas, como membro efetivo e perpétuo, de braços dados com sua amada esposa Josélia. E cercado também pelo carinho e o orgulho dos filhos Socorro,Tito e D’Sordi. E ainda pela alegria dos irmãos Heloisa, que reside no Rio, Oscar, Lúcia Eline e Walkyr, e de mais dois irmãos queridos que se fazem presentes espiritualmente, pois vivem na saudade de sua família: João Luís Ferreira e Félix Pacheco. Também estão vivendo a mesma alegria, aqui, suas noras e seus netos. *** O objetivo da Academia, como advoga Fides Angélica, extrapola os estreitos limites da cultura literária. A nossa, particularmente, é uma casa-cidadã, com atuação nos mais diversos campos do saber e da vivência humana, como a filosofia, a educação e a política. Por isso, asseguro que, aqui, Deoclécio Dantas se sentirá em casa. E, para dar-lhe as boas vindas em nome dos acadêmicos, lembro a saudação do mestre Camilo Filho, de saudosa memória, ao acolher nesta Casa o acadêmico Nildomar da Silveira Soares: - Como o apóstolo Paulo, a vida inteira você combateu o bom combate. Aqui, nesta Academia, o bom combate vai prosseguir!
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Bem-vindo à Casa de Lucídio Freitas, que agora passa também a ser sua! Muito obrigado!
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DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO DEOCLÉCIO DANTAS*
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enhoras e senhores acadêmicos Faz bem ao meu espírito homenagear, como o faço neste momento importante de minha vida, a memória dos fundadores desta gloriosa Academia Piauiense de Letras, já citados pelo Cerimonial. É importante lembrar o fato de que, em 1911, Clodoaldo Freitas, um dos seus fundadores, lançou o livro Em Roda dos Fatos, com segunda edição primorosa, lançada em 1996, pela extraordinária professora e acadêmica Teresinha Queiroz. Nesse livro, um dos poucos que li mais de duas vezes, Clodoaldo Freitas, dominado por profundo ceticismo, *
Discurso proferido em 18.08.2012, na sessão de posse do acadêmico Deoclécio Dantas Ferreira, no auditório da Academia Piauiense de Letras.
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escreveu o seguinte, numa abordagem com o título As Loterias: “Por toda a parte só deparamos ruínas morais, religiosas, políticas, econômicas, a guerra, as desconfianças, o ódio. De pé, só as ambições e os vícios, as dores e a escravidão. A prostituição cerceia a família, que se desagrega: o fanatismo, a superstição e a incredulidade minam a religião, que se humaniza; as desigualdades, a tirania, a injustiça arruínam a sociedade, que se dissolve na anarquia. E tudo isso traz, como pródumos do tempo, as vantagens e bondades da riqueza, eterno mal estar, cada vez pior do pobre”. Impressiona o fato de que, numa atmosfera como essa descrita por Clodoaldo Freitas, aqueles homens, em período agravado pela Primeira Guerra Mundial, encerrada em 1918, encontraram ânimo para fundar a instituição que certamente serviu aos nobres ideais do grupo e àqueles e àquelas que os sucederam até os dias de hoje. Por isso, não devemos esquecê-los – e nisso consiste a imortalidade acadêmica. Este ano de 2012 marca o transcurso do primeiro centenário de morte de Antônio Coelho Rodrigues, nascido na área da Fazenda Boqueirão, município de Oeiras, depois emancipada com o nome Picos pela Resolução Provincial 397, de 17 de dezembro de 1855. Considerado em nível nacional um dos grandes juristas brasileiros, esse notável piauiense teve sua obra lembrada em estudos realizados pelos acadêmicos Celso Barros Coelho e monsenhor Joaquim Chaves, além de abordagens produzidas pelos professores Francisco de Assis Couto Castelo Branco e Ana Regina Barros Rego. É de 2006 o livro “Direito Civil – Coelho Rodrigues e a Ordem de Silêncio”, de autoria do jurista piauiense Antônio Chrysippo de Aguiar, titular de escritório de advocacia no
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estado do Tocantins. Essa obra, com pouca divulgação em Teresina, contém análises e referências até então desconhecidas sobre o jurista, professor e político Coelho Rodrigues, autor do primeiro projeto do Código Civil Brasileiro, no distante ano de 1893. Na segunda quinzena de julho último, quando visitava parentes e amigos aqui residentes, Chrysippo de Aguiar lamentou as dificuldades de publicação de boas e relevantes obras no Estado do Piauí, não obstante, disse ele, o obrigatório reconhecimento ao monumental esforço de inúmeras e valiosas publicações realizadas por alguns autores que patrocinam a cultura do próprio bolso, bem como pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Também merece destaque, ressalto eu, o esforço da editora da Universidade Federal do Piauí, atenta ao fato de que, este ano de 2012, marca o transcurso do centenário de nascimento de dom Avelar Brandão Vilela, que nesta Casa deixou marcas de sua vasta cultura. De autoria da professora Sônia Maria dos Santos Carvalho, aguarda publicação, pela editora da UFPI, a dissertação de mestrado com o título “Dom Avelar Brandão Vilela, uma Biografia Histórica”. Infelizmente, esse livro corre risco de não ser editado no corrente ano, em decorrência de greve ali deflagrada por professores e funcionários. Por este e outros motivos, a atriz Fernanda Montenegro diz que “Existe uma condenação velada à erudição”. De que mais vos devo falar? Não irei muito além de uma lembrança sobre os caminhos que percorri para chegar a esta tribuna, e de episódios de minha vida, marcados por honrosa afinidade com os objetivos desta gloriosa Academia Piauiense de Letras.
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Aos fatos: Instalada em julho de 1948, a Rádio Difusora de Teresina reinou, absoluta, na radiofonia local, até 1960, quando passou a enfrentar concorrência da Rádio Clube. Por volta de 1952, ano do primeiro centenário de Teresina, essa emissora iniciou debates sobre problemas que afligiam a população do Piauí, figurando entre seus principais convidados os professores Valdemar Sandes, José Camilo, Tito Filho e o assistente social Paulo Mota. Atento a tais debates, também enriquecidos pela participação de uma jovem de nome Maria Guadalupe Lopes de Lima, que ganharia vaga na Câmara local, na eleição de 1955, senti incontida vontade de escrever e publicar minha opinião sobre os temas ali abordados. Um dia, com artigo datilografado numa máquina Remingthon da escola da senhora Magnólia Lopes, fui à oficina do relojoeiro e abridor de cofres Benedito Almeida, que aqui editava, a cada 15 dias, o jornal O Compasso, distribuído entre os frequentadores do Café Avenida, Bar Carvalho, Restaurante Carnaúba, Restaurante Acadêmico e também nas repartições públicas. Após a publicação de outros textos, inclusive no jornal Cidade de Teresina, editado pelo bacharel em Direito Raimundo Ramos, fui procurado por um homem exótico, alto, que usava colete, cachimbo e gravata borboleta, além de bem cuidada barba, dizendo-se portador de recado do professor Leão Monteiro, proprietário do jornal O Dia. Compareci ao local por ele indicado, o famoso Café Avenida, ponto de encontro, todas as manhãs, do que havia de mais seleto na sociedade local. Na presença do homem exótico, que não era outro senão o jornalista Olímpio Vaz da Costa Neto, recebi convite para, às quartas e sábados,
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trabalhar na revisão do O Dia, que circulava às quintas e domingos. Começaria, ali, ganhando nem lembro quanto por cada revisão, meu primeiro contato com oficina e redação de jornal, claro que encantado com textos enviados à publicação, com os pseudônimos Plínio, Petrus Maurício, Perigeu e outros. O único dos colaboradores que assinava seus textos era o professor A. Tito Filho, um dos craques, em todos os tempos, da imprensa piauiense, e a quem devo o estímulo para, indo além de revisor, publicar artigos no jornal do senhor Leão Monteiro. E foi o que fiz, até a data em que, procurado pelo mesmo cidadão exótico – ele estava em todas, inclusive, dizia-se, no coração de algumas mulheres –, recebi recado para ir ao escritório do empresário José Paulino de Miranda Filho, então proprietário do jornal Folha da Manhã, aqui inaugurado, no início da segunda metade da década de 1950, pelo político e empresário Marcos Santos Parente. Instalado em casarão da rua Areolino de Abreu, cruzamento com a travessa 7 de Setembro, Folha da Manhã era o mais bem equipado jornal da cidade. Operava com três linotipos, uma impressora plana, que rodava quatro páginas de uma só vez, três a mais que os concorrentes; gerador de energia, equipamento indispensável numa cidade com frequentes racionamentos de corrente elétrica; uma camioneta Kombi, para o serviço de reportagem, e uma lambreta, à disposição do editor. De José Paulino recebi convite irrecusável para assumir o cargo de editor do seu jornal, com autorização para melhorar o quadro de redatores, com a contratação de mais três profissionais. No matutino de Miranda Filho já atuavam, como
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colunistas principais, o jurista e filósofo Simplício de Sousa Mendes e a professora e jornalista Nerina Castelo Branco. Não tive dificuldades em atrair Tito Filho e o professor José Eduardo Pereira para o quadro de editorialistas do jornal, também enriquecido pela participação, como repórter, do talentoso Alberoni Lemos Filho, o mais jovem de todos, com apenas 18 anos. Do Rio de Janeiro, o professor Cláudio Pacheco Brasil, amigo e conterrâneo de José Paulino, enviava fotos e textos da Agência UPI, além de horóscopo produzido sob o pseudônimo de professor Yucanan. As fotos, usadas na produção de clichês, ilustravam a primeira página do jornal. Pouco tempo depois, com tanta gente talentosa integrada ao jornal, foi possível dobrar a tiragem diária, principalmente a partir da cobertura dada, em várias edições, ao brutal assassinato, em emboscada, da senhora Nair Almeida, de tradicional família piauiense. Para as funções de redator e noticiarista da Rádio Pioneira, fato ocorrido em novembro de 1964, fui levado, sem deixar a redação da Folha da Manhã, pela solidariedade que emprestei, num final de tarde daquele mês, a uma família pobre, da zona sul da cidade, que consumira iguaria produzida com tapioca envenenada. Tendo comparecido à sede da emissora, no momento em que o jornalista Carlos Said noticiava o lamentável fato, com vítimas fatais, fui por ele solicitado a dar apoio, em frente ao Pronto Socorro do HGV, ao repórter Henry Nelson, que de lá enviava informações ao estúdio da Pioneira, usando camioneta de Frequência Modulada. Em decorrência do apoio dado àquela cobertura radiofônica, recebi convite do advogado Francisco das Chagas Mendes, diretor da emissora, para integrar o quadro de repórteres da rádio de maior audiência no Piauí, onde
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trabalhei por exatos 16 anos, e de onde saí, em 1979, após episódio sobre o qual discorrerei no final deste discurso. Senhoras e Senhores Acadêmicos, Se era forte a censura aos jornais, no ano de 1964, por força do golpe militar que derrubara o governo João Goulart, maiores eram as pressões sobre as emissoras de rádio, então submetidas a proibições diárias, que não poupavam nem mesmo generais, um deles o então ministro Albuquerque Lima, além de padres, bispos e arcebispos, sendo Dom Helder Câmara, então no comando da Diocese de Olinda, o mais visado de todos. A censura enviava à redação das três emissoras locais relação com nomes de pessoas que não deviam ser citadas em seus noticiários, entre as quais, Chagas Rodrigues, deputado federal, e deputados estaduais que haviam escapado, no início daquele ano, à cassação arbitrária dos deputados Celso Barros, José Alexandre Caldas Rodrigues, Themístocles Sampaio e Deusdeth Mendes Ribeiro. Na Câmara local, atingido por igual violência ditatorial, fora cassado o mandato do vereador Jesualdo Cavalcanti. Todo mundo desconfiava de todo mundo, principalmente a partir do dia 21 de maio de 1964, quando, usando um jipe do Exército, um tenente visitou as redações dos jornais e emissoras de Teresina, distribuindo cópias de uma nota vazada nos seguintes termos: O Comando da Guarnição Federal solicita aos senhores chefes de repartições federais, autárquicas, paraestatais, estaduais e municipais, para, no prazo de 48 horas, informarem a esta Guarnição, da existência, ou não, de funcionários comprometidos com o movimento subversivo, a fim de que este Comando possa tomar as devidas providências, tendo em vista os artigos 7° e 10° do Ato Institucional. Quartel em Teresina, 21 de maio de 1964. Coronel Francisco Mascarenhas Façanha.
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E não faltava dedo-duro nas redações dos jornais e emissoras de rádio, com vários dos seus repórteres perseguidos de forma injusta. Fui um deles. Incomodado por reportagens sobre problemas que afligiam a população local, comentados no programa Pioneira vai às ruas, o prefeito da época enviou cartas ao acerbispo de Teresina e ao proprietário do jornal Folha da Manhã, chamando-me de agitador perigoso. A censura à impressa recrudesceu a partir de 13 de dezembro de 1968, quando da edição do AI 5. É dessa época uma frase lapidar do jornalista piauiense Carlos Castelo Branco, várias vezes preso e censurado: “A função do jornalista, hoje, é procurar um jeito de dizer o que não pode ser dito”. Mas foi trabalhando, em períodos diferentes, como editor de três jornais de circulação diária – Folha da Manhã, O Dia e Jornal do Piauí – que conheci de perto a aflição daqueles que, com ampla produção literária, não tinham como publicá-la em forma de livros. Recordo a noite em que, na redação do jornal Folha da Manhã, o professor e jornalista A. Tito Filho, que chegaria à presidência desta Casa, sugeriu ao magistrado, jornalista e filósofo Simplício de Sousa Mendes, que também exerceu a presidência desta instituição, que reunisse, em livros, textos de sua autoria, publicados, por vários anos, em jornais locais. - Dinheiro não tenho para tanto e o governo do Estado, que mal edita o Diário Oficial, não se estruturou para nos apoiar na edição de livros – explicou Simplício Mendes. Eu vi! Eu vi de perto! Em época anterior, sensível ao problema do magistrado aposentado Esmaragdo de Freitas, que também pertenceu a este sodalício, aqui ocupando a Cadeira 5, o exgovernador e ex-senador Eurípedes de Aguiar, custeou as
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despesas com a publicação, na gráfica do Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, do livro de Esmaragdo sobre Manoel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. Com a chegada dos livros à sua residência, no ano de 1947, Eurípedes de Aguiar foi surpreendido por destaque, na abertura do compêndio, dizendo que a obra fora revisada por Giovanni Piauyense da Costa, seu inimigo da época em que, em 1927, o crime organizado – e essa praga já existia na Teresina daquele tempo – eliminara o juiz federal Lucrécio Dantas Avelino. Recorrendo a meios inconfessáveis, Giovanni Costa, trabalhando como delegado de Polícia, tudo fizera para incriminar o ex-governador Eurípedes de Aguiar, um sincero e dedicado amigo do magistrado assassinado. Dessa investigação facciosa nos dá conta o livro O Assassínio do Juiz Federal, por mim reeditado, em 2008, com importante comentário de autoria da jornalista Genu Moraes. Inconformado com o nome de Giovanni Costa no livro, o ex-governador levou toda a edição para o quintal de sua residência, na Avenida Antonino Freire, ali ateando fogo nos livros. Apenas dois exemplares dessa obra escaparam da fogueira, por intervenção da senhora de Eurípedes, homem de pavio curto, amigo dos amigos, e implacável no combate aos seus adversários. Mas, numa manhã do mês de março de 1969, aconteceu algo que mudaria para melhor a situação de homens e mulheres angustiados com a falta de apoio do Estado aos seus projetos literários. Na redação da Rádio Pioneira, onde trabalhava desde 1964, fui procurado pelo consagrado poeta José Ribeiro e Silva, também advogado e chefe da Casa Civil do então governador Helvídio Nunes, de quem recebei convite para, às 11h30 daquele dia, visitá-lo, no Palácio de Karnak.
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Lá estive, e foi rápido o nosso diálogo. O governador queria saber com quantos gráficos e quantos redatores eu editava jornal diário de 8 páginas e um deles – Jornal do Piauí – nem linotipo tinha. Era feito manualmente, letra por letra, sob a direção do sempre lembrado jornalista José Vieira Chaves. Somos dezesseis, entre gráficos e redatores, os envolvidos nessa tarefa, que exige trabalho noturno – respondi. Em seguida, Helvídio Nunes pediu que eu lesse parte de relatório sobre a Imprensa Oficial, que mal produzia duas edições semanais do Diário Oficial, usando 88 funcionários. - Quero mudar essa situação, transformando esse velho Departamento em uma Editora de livros e jornais, e você é o escolhido para essa missão. Não deixarei o governo sem oferecer apoio aos poetas, pesquisadores e romancistas autores de obras importantes, disse o governador. Ponderei que era impossível mudar os rumos da velha Imprensa Oficial sem renovar o seu quadro de funcionários, além da recuperação de seus equipamentos, muitos deles trazidos da Alemanha, na Interventoria, década de 1940, do senhor Leônidas de Castro Melo. Decidido a modificar aquela situação, Helvídio Nunes autorizou-me a relacionar, para lotação em outros órgãos, os nomes dos funcionários inservíveis aos objetivos da Companhia Editora do Piauí, deixando-me à vontade para, usando a CLT, contratar pessoas indispensáveis à implantação da nova empresa. Tomadas as primeiras providências, formei, com jovens de boas notas, concludentes do Científico em escolas públicas, duas equipes de revisores que passaram a receber, de 7 às 8 da manhã, às segundas, quartas e sextas, aulas de português ministradas pelo professor Wagner Sena, um dos
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melhores do quadro de mestres do Liceu Piauiense. Avancei na qualificação de toda a equipe da empresa, oferecendo, no mesmo horário, às terças e sábados, aulas de inglês, ministradas pela professora Hercília Freitas, uma gaúcha, casada com o militar piauiense Antônio de Lisboa Melo e Freitas. Junto à Companhia Editora de Pernambuco, em Recife, e à Linotipo do Brasil, no Rio de Janeiro, ganhei apoio para o treinamento de operários que passariam a compor o quadro técnico da Editora do Piauí. Efetivadas tais providências, tomei a iniciativa de aliviar a angústia do notável pesquisador Odilon Nunes, membro desta Academia, na época com vários trabalhos dependendo de publicação, um deles o 4º volume, com um total de 280 páginas, de suas “Pesquisas para a História do Piauí”. Do erudito pesquisador, a Editora do Piauí também lançou os seguintes livros: Devassamento e Conquista do Piauí; O Piauí, seu Povoamento e seu Desenvolvimento; Os Primeiros Currais; Economia e Finanças – Piauí Colonial, e O Piauí na História. Ainda assim, dias após o falecimento de Odilon Nunes, fato ocorrido em 1989, um jornalista de Teresina – esqueci o nome da fera – publicou artigo dizendo que o notável pesquisador morrera sem que suas obras merecessem as atenções do Poder Público. A Editora também publicou livros dos acadêmicos João Gabriel Batista, Artur Passos, A. Tito Filho, Lilizinha Castelo Branco de Carvalho, Hardi Filho, Herculano Moraes, Wilson Brandão, Fontes Ibiapina, William Palha Dias, Alvina Gameiro, F. A. Pereira da Costa, Padre Cláudio Melo, Antônio Veríssimo de Castro, monsenhor Joaquim Chaves, dom Avelar Brandão Vilela, Hermínio Castelo Branco, Carlos Porto, Celso
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Pinheiro Filho, J. Miguel de Matos, Isabel Vilhena, Félix Aires, Victor Gonçalves Neto, além de dezenas de livros de outros autores, então radicados em cidades do interior, um deles o jornalista Sidnei Soares, autor da Enciclopédia dos Municípios Piauienses. Nos planos da Editora do Estado também estava a publicação de livro com textos divulgados por jornais de Teresina de autoria do mestre Simplício de Sousa Mendes, presidente do Conselho Estadual de Cultura, no período em que integrei aquele colegiado. Numa manhã de domingo de dezembro de 1970, por volta das 10h00, visitei-o em sua residência na Rua Coelho Rodrigues, casa de alpendre amplo e confortável. Ao informá-lo de que a editora do Estado pretendia homenageá-lo, o notável jornalista e filósofo, dizendo-se honrado, revelou que pediria a seu filho, Mariano Mendes, médico, a contratação de um datilógrafo para copiar, nas coleções de jornais da Casa Anísio Brito, artigos de sua autoria, publicados na década de 1960. Infelizmente, na manhã do dia 3 de janeiro de 1971, tomei conhecimento de que Simplício Mendes fora encontrado sem vida, no leito em que se deitara para dormir, na noite anterior. Muitas das ações desenvolvidas pela Companhia Editora do Piauí ocorreram a partir de janeiro de 1972, quando o governador Alberto Silva, através do Decreto número 1416, criou Comissão para elaboração do Plano Editorial do Estado. No seu artigo 1º, o Decreto dava prazo de 40 dias para o levantamento do acervo bibliográfico de autores piauienses, ou de obras relativas ao Piauí, selecionando, justificadamente, as que deveriam ser incluídas no Plano Editorial do Estado.
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Em outro ato, datado de 24 de janeiro do mesmo ano, o governador nomeou, com tal objetivo, a seguinte Comissão: Raimundo Wall Ferraz, professor; Noé Mendes, professor; Odilon Nunes, professor; Deoclécio Dantas, jornalista; Casemiro Távora Ramos Filho, professor; Manoel Felício Pinto, desembargador, e Armando Madeira Basto, jornalista. O decreto estabelecia o seguinte: “Serão considerados relevantes os serviços prestados pelos membros da Comissão aqui nomeada”. Infelizmente, no final de 1972, com a Editora do Estado preparada para executar outras metas do Plano Editorial, usando equipamentos importados de Hamburgo, na Alemanha, fui surpreendido por decisão tomada pelo secretário de Comunicação, jornalista Armando Madeira Basto, mandando editar livros de autores piauienses em parque gráfico do Rio de Janeiro. O primeiro com livros editados fora do Piauí, no formato determinado pela Secretaria de Comunicação, foi o mestre Odilon Nunes, surpreendido, ele próprio, com a reedição dos quatro volumes de suas “Pesquisas para a História do Piauí”, que circularam com péssimo serviço de revisão, fato que levou o notável amarantino a um quadro de depressão. Diante de tal situação, com a Editora do Estado esvaziada no seu principal objetivo, renunciei ao cargo de presidente, para, tempos depois, observar o anúncio de concurso público, lançado pelo governo do Estado, destinado à escolha da melhor pesquisa sobre as Lutas da Independência no Piauí. Desse certame, que coincidiu com a inauguração do Monumento aos que tombaram na Batalha do Jenipapo, saiu vencedor o padre e pesquisador Joaquim Ferreira Chaves,
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que, sentado, esperou, por longo tempo, a publicação de sua pesquisa, prometida, mas não realizada, para o final de 1973. O capítulo “Debandada em Parnaíba”, contido na pesquisa vitoriosa, irritara profundamente dois notáveis parnaibanos com influência no governo Alberto Silva, fato que impediu a publicação da obra de monsenhor Chaves. Senhoras e senhores acadêmicos No início de março de 1975, recebi convite, transmitido pelo jornalista José Lopes dos Santos, para um diálogo com o médico Dirceu Mendes Arcoverde, que, a 15 daquele mês e ano, tomaria posse na chefia do Executivo Estadual. Do cordial político amarantino, que no governo do Sr. Alberto Silva exercera o cargo de Secretário de Saúde, ouvi relato sobre sua intenção de editar, nos dois primeiros anos de seu governo, Perfis de nomes consagrados na história do Piauí, citando, entre esses, os seguintes: Marquês de Paranaguá, Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, marechal Pires Ferreira, Deolindo Couto, Félix Pacheco, Edgar Nogueira, Simplício Mendes, Odilon Nunes, dom Avelar Brandão Vilela, Leônidas de Castro Melo, Eurípedes de Aguiar, Antônio Coelho Rodrigues, além de outros. A ideia do professor Dirceu Arcoverde era nomear Comissão de Notáveis para produzir esses Perfis, e em seguida lançá-los, com a chancela do governo do Estado, pela Companhia Editora do Piauí. Aproveitei aquele encontro para perguntar o que o novo governador faria com a pesquisa do monsenhor Chaves, enfiada no fundo de alguma gaveta, no Palácio de Karnak. Surpreso, Dirceu respondeu que não sabia de censura imposta ao pároco da Igreja do Amparo e até adiantou: “Convido-o para assumir a presidência da empresa,
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autorizando-o a publicar o livro censurado”. A posse do governador Dirceu Arcoverde aconteceu no dia 15 de março de 1975, e, no dia 30 de abril do mesmo ano, às 20h00, na sede do Governo do Estado, ocorreu o lançamento do livro do padre Joaquim Chaves, com o título “O Piauí nas Lutas da Independência do Brasil”, com capa, a meu pedido, de autoria do poeta e acadêmico Hardi Filho, que nada cobrou por sua produção artística. É também de sua autoria, sem ônus para a empresa, a capa da segunda edição do livro Lira Sertaneja. A primeira edição da pesquisa censurada foi publicada com nota do autor, vazada nos seguintes termos: Escrevi para você este livro. Para fazê-lo, desenvolvi intenso e paciente trabalho de pesquisa. Minhas afirmações estão alicerçadas em documentos. O livro poderá ser melhorado com a sua crítica. Mas, por favor: que também ela venha acompanhada de documentação. Afirmações gratuitas, baseadas em tradições ou lendas, não serão consideradas. Não confundamos História com “estória”. Meus agradecimentos ao governador Dirceu Mendes Arcoverde que mandou imprimir a primeira edição de O Piauí nas Lutas pela Independência do Brasil. A mesma edição circulou com orelha de minha autoria, a pedido do pesquisador premiado, na qual discorro sobre as razões da censura imposta ao livro. Esse livro mereceu outra publicação, em 1993, com o patrocínio da Fundação que leva o nome do monsenhor Chaves, mas dela suprimiram o texto de minha autoria, contido na primeira edição. Ainda no Governo Dirceu Arcoverde, a Editora do Piauí lançou o livro de memórias Trechos do Meu Caminho, de autoria do médico, ex-governador, interventor federal e ex-senador Leônidas de Castro Melo. É do mesmo período
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o lançamento da edição de número 6 da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Ressalto, por oportuno, a inestimável contribuição dada às ações da Companhia Editora do Piauí pelo jornalista, poeta e escritor Gregório de Moraes. Do Rio de Janeiro, onde residiu por vários anos, trouxe a Teresina um técnico em impressão e encadernação de livros. Com sua colaboração, foi possível, apesar das precárias tecnologias de então, a impressão, em Teresina, de capa de livro com várias cores, sendo exemplo disso, o livro de memórias do ex-governador e ex-interventor Leônidas de Castro Melo. Influente junto aos meios culturais do Rio de Janeiro, Gregório de Moraes também trouxe a Teresina, quando do meu período na presidência do Sindicato dos Jornalistas, o general e homem de letras Humberto Peregrino, que aqui ministrou, para um grupo de 62 pessoas, um curso destacando a importância da literatura no jornalismo. Peregrino era, na época, presidente do Instituto Nacional do Livro. Por razões que desconheço, não prosperou a ideia do governador Dirceu Arcoverde de nomear Comissão de Notáveis para produzir os Perfis de que falei antes, de modo que, no ano seguinte, 1976, renunciei ao comando da Editora, para cuidar de outras ações que marcaram a minha vida, uma delas, a permanente defesa dos recursos naturais do Piauí. Tempo que passa, em 28 de agosto de 1979, a ditadura militar editou a Lei nº. 6.683, anistiando aqueles que cometeram crimes políticos ou conexos com estes. Retornaram ao país os principais adversários da ditadura, figuras que amargaram longos anos de exílio, entre os quais, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Fernando Gabeira,
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Mário Covas, Márcio Moreira Alves e tantos outros – todos com direito a voz e a voto. Pois muito bem. Em novembro do ano da polêmica anistia, fui informado de manobras, comandadas por forte grupo político local, exigindo meu afastamento da equipe que fazia – e eu estava lá desde 1964 – o jornalismo da Rádio Pioneira de Teresina. Na manhã do dia 15 de novembro de 1979, fui visitado, na sede da emissora, pelo sacerdote e professor Cláudio Melo, membro desta Academia, e meu amigo, desde o tempo em que ele, bem jovem, celebrava missa, às 6 da manhã, na Capela do então Patronato Dom Barreto. Do padre Cláudio ouvi a informação de que as pressões contra minha permanência na Rádio eram fortes, mas que a situação poderia ser estancada pelo Chanceler da Arquidiocese. No dia seguinte, muito cedo, estive na casa do Chanceler, que morava em imóvel da rua Benjamim Constant, entre as travessas 24 de Janeiro e 7 de Setembro. Homem de poucas palavras, ao ouvir meu comentário sobre tais pressões, o Chanceler saiu-se com essa: “Não perca seu tempo, que é tão precioso, ouvindo fofoca de gente desocupada. Fique tranquilo”. No mesmo dia, turno da tarde, procurei o diretor geral da emissora, a quem mostrei a necessidade de entrar no gozo de férias, enquanto as tais pressões passavam. Bravo que só ele, o diretor desferiu uma braçada sobre a mesa, tendo o cuidado de acertar uma pilha de papéis, para proclamar a seguinte bravata: “Aqui mando eu. Nenhum ditador tupiniquim ditará normas nesta emissora”. E deu no que deu! Ao adentrar a sede da Rádio Pioneira, na manhã do dia 29 de novembro de 1979, ano da Anistia Política, fui informado, pela moça da portaria, de que
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o diretor comercial da emissora pedia minha presença em seu gabinete. Do jovem gestor recebi, com recomendação para dar ciência no rodapé, a Portaria 01/79, vazada nos seguintes termos: “A direção geral desta Rádio, tendo em vista a observância da legislação que regula o funcionamento das empresas de radiodifusão, e a fim de evitar possíveis transgressões à referida legislação, RESOLVE: 1º- Que os programas noticiosos devem ser apresentados com base exclusivamente nos textos escritos, não sendo permitido qualquer comentário ou informação improvisada. 2º- Que, igualmente, não serão permitidos enfoques de natureza pessoal, relacionados com funcionários ou ouvintes, que possam representar desabafos ou ofensas contra terceiros”. Estava consumada a censura aos programas que eu apresentava na emissora católica, alguns deles marcados por denúncias, todas apoiadas em farta documentação, sobre corrupção em vários órgãos estaduais. E, o mais surpreendente: a tal Portaria é assinada pelo monsenhor Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, a quem ainda procurei por duas vezes em busca de uma explicação para o fato, mas ouvi a informação, dada por sua irmã, de que ele, mergulhado em suas pesquisas, dera ordem para não ser importunado. Das sequelas que sofri: fui proibido de fazer o que mais gostava na minha atividade profissional; perdi o emprego, além de amargar profunda decepção com a falta de lealdade da figura em que eu tanto confiara. No distante ano de 1647, o jesuíta espanhol Baltasar Gracián publicou o extraordinário livro “A Arte da Prudência”, no qual destaca, no aforismo 182, o seguinte: “Ninguém consegue exceder os limites estreitos do ser humano. Todos têm um senão, uns de caráter, outros de talento”.
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A censura imposta pelo Chanceler contaminou os demais meios de comunicação de Teresina, de modo que, ao lado dos professores Wall Ferraz, Olímpio Castro e do então candidato a deputado federal Heráclito Fortes, recorri à imprensa alternativa. Juntos, produzimos e assinamos dezenas de panfletos, um a cada 15 dias, denunciando mazelas gigantescas na administração pública. Infelizmente, os tentáculos dos então donos do Piauí alcançaram as gráficas locais. Assim, com grandes dificuldades, passamos a imprimir panfletos em gráfica de Fortaleza, prática essa logo inviabilizada pelos elevados custos com deslocamento e hospedagem daqueles que levavam textos para impressão na capital alencarina. Em 1982, vítima da intolerância de um dono do Piauí, fui enquadrado numa das Leis da Ditadura, episódio sobre o qual, citando os nomes de todos os autores dessa trama, concedi longa entrevista ao jornal Tribuna do Piauí, então editado pelo jornalista e escritor José Olímpio. Essa entrevista foi publicada na edição de 30 de março de 2010. Sem espaços na imprensa local, encontrei abrigo no Jornal de Floriano, à época semanalmente editado na cidade do mesmo nome pelos engenheiros civis e jornalistas Gabriel e Antônio de Pádua Kalume. Gabriel partiu em janeiro de 2005, quando se preparava para comemorar, em fevereiro de 2006, seus 70 anos de vida. Foi um dos principais engenheiros na obra de construção da hidrelétrica de Boa Esperança; trabalhou por 6 anos, na construção de obras de infraestrutura no Iraque e foi diretor do DNOCS, do qual foi demitido por não querer assinar contrato para realização de obras superfaturadas. Antônio de Pádua Kalume, aposentado no cargo de assessor do Senado, voltou a residir em Floriano, onde exerce o cargo de secretário de Cultura, Esporte e Lazer do
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Município. No final da segunda metade da década de 1980, tive a honra de integrar o quadro de repórteres e apresentadores da TV Clube, a convite do jornalista Carlos Augusto, tendo como editor o competente profissional e acadêmico Zózimo Tavares. Lá também fui censurado, após comentar, numa apresentação do programa a Palavra é Sua, que o Piauí marchava para incontrolável atraso no pagamento do funcionalismo público estadual, e isso de fato aconteceu, com o sacrifício do ano letivo de 1990. Detalhes sobre esse fato foram narrados pelo companheiro Carlos Augusto, em artigo publicado pelo jornal Diário do Povo, edição de 10 de março de 2008. Na primeira metade da década de 1990, atuei, a convite do jornalista Carlos Augusto, como repórter e apresentador de noticiosos da TV Pioneira. Também trabalhei como editor dos jornais O Estado e Diário do Povo. Neste último, que tem como editor o mestre e acadêmico Zózimo Tavares ainda atuou como colunista, às quartas-feiras. Senhoras e Senhores Acadêmicos, Cumpro, a partir de agora, o dever de homenagear aqueles que me antecederam na Cadeira 15, que tem como Patrono, Antônio Borges Leal Castelo Branco, escolhido pelo primeiro ocupante, Benedito Francisco Nogueira Tapety, piauiense de Oeiras, onde nasceu no ano de 1890. Aos 22 anos, já formado em Direito na Faculdade do Recife, exerceu o cargo de promotor público em sua cidade. Pouco depois, já residindo em Teresina, lecionou Filosofia, Psicologia e Lógica no Liceu Piauiense. Jornalista, atuou, em Teresina, como colaborador do jornal O Piauí e do
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Diário de Pernambuco. É citado nas pesquisas do acadêmico Wilson Carvalho Gonçalves como “poeta parnasianista, com acentuado conteúdo lírico, telúrico e panteísta”. Acometido de tuberculose, Benedito Francisco Nogueira Tapety faleceu em sua cidade natal, em 1918, com apenas 27 anos de idade, sem chance de assumir a Cadeira que agora ocupo, mas, por decisão unânime dos membros desta Casa, nela declarado empossado. Segundo ocupante - para a vaga deixada por Benedito Francisco Nogueira Tapety foi eleito o magistrado, professor e poeta Cristino Couto Castelo Branco, piauiense de Teresina, onde nasceu a 24 de junho de 1892. Antes de conquistar vaga de desembargador no Tribunal de Justiça do Piauí, Cristino Couto Castelo Branco ministrou aulas na Faculdade de Direito, além de atuar como colaborador dos jornais Cri-Cri, o Piauí, Correio de Teresina e Diário do Piauí. Foi um dos redatores da Revista da Academia Piauiense de Letras “em que se revelou um observador seguro dos fatos sociais, um crítico percuciente de nossa cultura, com grande sensibilidade, traduzindo-os nas suas crônicas, nos seus artigos, em composições de rara beleza e de elegante estilo”. Publicou vários livros, entre os quais Codificação Processual, 1920; Razões do Advogado; Pareceres de Procurador Geral; Decisões Judiciais; Homens que Iluminam (1946); Frases e Notas (1950); Sonetos; Escritos de Vários Assuntos (1968), e Últimas Páginas. Por muitos anos, esse notável piauiense presidiu a Federação das Academias de Letras do Brasil. Mas um fato interessante merece destaque no discurso de posse de Cristino Couto Castelo Branco na cadeira que agora ocupo. Como seu antecessor falecera sem deixar referências bibliográficas sobre o patrono por ele escolhido, Cristino, ao
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assumir aquela vaga, não tinha como reverenciar a memória do patrono da Cadeira na qual tomava posse. Assim, limitouse a fazer o seguinte registro: “O Dr. Antônio Borges Leal Castelo Branco aparece aos olhos do meu espírito como um desses grandes, iluminados apóstolos da Justiça e das liberdades públicas nos regimes passados”. Cristino Couto Castelo Branco, aposentado como desembargador, faleceu no Rio de Janeiro, aos 80 anos, em 25 de fevereiro de 1983. Terceiro ocupante – Carlos Castelo Branco, piauiense de Teresina, onde nasceu a 25 de junho de 1920. Em 1938, já residindo em Belo Horizonte, trabalhou como repórter policial quando cursava Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, figurando seu nome entre os mais brilhantes concludentes da turma de 1943. Em 1945, integrando o grupo do qual faziam parte, entre outros, os intelectuais Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, iniciou brilhante atuação na imprensa do Rio de Janeiro, com passagem pela revista O Cruzeiro, Tribuna de Imprensa e Jornal do Brasil. Foi secretário de Imprensa da Presidência da República, no governo Jânio Quadros, e presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, de 1976 a 1981. Da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, recebeu o prêmio Maria Cabot, conferido a jornalistas notáveis das Américas. Em 4 de junho de 1982, ingressou na Academia Brasileira de Letras, nela ocupando a Cadeira número 34, vaga com o falecimento do escritor R. Magalhães Júnior. Entre as obras por ele publicadas, destaco as seguintes: Continhos Brasileiros (1952), Arco do Triunfo, romance (1958); Idos de Março, (1964); Introdução à Revolução de 1964, dois volumes (1975); Os Militares no Poder, Três
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volumes, 1976-1978; Agonia do Poder Civil (1975) e Retratos de Fatos da História Recente (1994). Recebeu, em vida, as mais altas condecorações dos três poderes da República. Carlos Castelo Branco faleceu no Rio de Janeiro, em primeiro de Janeiro de 1993, aos 73 anos de idade. Estive perto desse notável piauiense em três oportunidades, quando de eventos aqui realizados pelo médico e acadêmico Clidenor de Freitas Santos. Naquelas oportunidades, limitei-me a ouvir diálogos por ele travados com o anfitrião e os consagrados jornalistas Neiva Moreira e Sebastião Nery, todos vítimas de repressões impostas a democratas brasileiros pelo golpe militar de 1964. Os eventos realizados pelo saudoso acadêmico Clidenor de Freitas Santos eram também prestigiados pela encantadora presença da cantora Elizete Cardoso, intérprete de músicas inesquecíveis. Quarto ocupante – Benjamim do Rego Monteiro Neto, piauiense de Teresina, onde nasceu no ano de 1915, o consagrado jurista foi professor de Direito Público, no curso de Mestrado da Universidade Federal do Ceará, e professor de Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito do Piauí. Lecionou inglês e francês em colégios públicos e particulares de Teresina. Na impressa, atuou como colaborador dos jornais O Estado do Piauí e O Dominical e teve textos de sua autoria publicados pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Escritor de admirável talento, o último titular da Cadeira que agora ocupo, publicou os seguintes livros: O Cristianismo, o Sacerdócio e a Paz (1956); Poesia de Ontem (1989); O Direito da Sociedade Humana (1990), e A Casa do Barão de Gurgueia (1987). O professor Benjamim do Rego Monteiro Neto, assim como seus antecessores na Cadeira de número 15,
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não conseguiu acesso a dados biográficos sobre o Patrono escolhido por Benedito Francisco Nogueira Tapety e eu, diante da necessidade de preparar este discurso, só superei essa dificuldade histórica porque tive acesso, com honrosa dedicatória, ao Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado, aqui publicado em 2003, pelo talentoso acadêmico Wilson Carvalho Gonçalves. Antônio Borges Leal Castelo Branco é assim biografado pelo mestre que aqui ocupa a Cadeira de número 12: “Piauiense de Campo Maior, onde nasceu em 1817. Foi magistrado, político e jornalista. Bacharel em Direito (o primeiro piauiense que se formou em Direito), foi, na sua província, Chefe de Polícia, deputado provincial (1844-1847). Deputado-geral em duas legislaturas (1848-1849 e 18651866). Juiz de Direito em Caxias (MA). Presidiu a Província de Pernambuco e do Maranhão. Publicou o seguinte livro: Exposição Circunstanciada Sobre as Eleições do Primeiro Distrito da Província do Piauí (1857)”. Ressalto o fato de que o Patrono da Cadeira 15 nasceu no distante ano de 1817, cem anos antes da fundação desta Academia. Senhoras de senhores acadêmicos, Lembro o dia 12 de maio deste ano de 2012. Éramos cinco os candidatos à vaga aqui deixada pelo professor e jurista Benjamim do Rego Monteiro Neto. Dos 38 acadêmicos aptos a votar, apenas 1 não o fez em tempo hábil, sendo que, dos votos apurados, fui honrado com 29 sufrágios . Obrigado, Senhor. Obrigado senhoras acadêmicas e senhores acadêmicos, aos quais, com forte sentimento de gratidão, manifesto o propósito, sem os atributos de romancista, poeta, e muito menos de crítico literário, de
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servir, como colunista do jornal Diário do Povo, aos objetivos da instituição que me acolhe no dia de hoje como ocupante da Cadeira 15. Dedico este momento de minha vida à memória de meus pais, José Félix Ferreira e Altair Parentes Ferreira. Compartilho a alegria que sinto, com minha mulher Josélia, meus filhos Socorro, Tito e D’sordi, meus netos Brunna, Deoclécio Neto e Danilo; minhas noras Rosa Maria e Caroline e meus irmãos Heloísa, Lúcia Eliene, Oscar e Walkyr. Também sou grato às amigas e aos amigos que aqui estão, prestigiando meu ingresso na Academia de Letras fundada em conturbado momento, dezembro de 1917, penúltimo ano da Primeira Grande Guerra Mundial. Honrado e agradecido com a acolhida que de vós recebo – glória maior de minha vida – encerro este discurso com uma reflexão sobre as dificuldades de muitos daqueles e muitas daquelas que produzem poesia, romance e pesquisa histórica, dentro e fora desta Academia. Em crônica recente, sob o título O Imenso Jorge, Carlos Heitor Cony, jornalista, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, diz: “Se o poeta é o fingidor, o romancista é mentiroso. No caso da poesia, quanto mais finge, mais o poeta é sincero. No romance, quanto mais se mente, mais se é verdadeiro”. Mas – digo eu – os poetas e romancistas não podem fingir nem mentir diante das dificuldades por que passam na busca, nem sempre exitosa de apoio à edição de sua produção cultural. Poetas e romancistas não podem fingir nem mentir em relação ao calote de que são vítimas na comercialização de seus livros, trapaça que também atinge os artistas que produzem CDs e DVDs. Poetas e romancistas não podem fingir nem mentir
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diante da constrangedora realidade que indica baixo índice de leitura em nosso território. Somos 196 milhões de brasileiros, mas a revista de maior circulação no país tem tiragem semanal pouco superior a 1 milhão e 200 mil exemplares. Quanto ao jornal de maior circulação, sua tiragem diária tem média inferior a 300 mil exemplares. E não é para menos, num país com ex-presidente que se ufana em dizer que nunca leu um livro. Alias, pesquisa recente, realizada pelo IBGE, diz que o brasileiro aplica por ano a insignificante quantia de 11 reais (vou repetir: 11 reais) na compra de livros. É igualmente grave o fato de que, com 224 municípios, pouco deles com bibliotecas públicas, prefeituras do Piauí com baixa receita, aplicam somas elevadas na contratação de bandas de forró que esbanjam seu talento cobrando preços elevados. Serei saudado nesta solenidade pelo brilhante jornalista e acadêmico Zózimo Tavares, de quem ouvi, faz poucos dias, comentário sobre debate que pretende realizar, com apoio daqueles e daquelas que fazem esta Casa, sobre os problemas aqui citados. Não se concebe, numa cidade como Teresina, com parques gráficos tão modernos, a ausência de facilidades para a edição de livros, tão presentes, essas facilidades, em cidades do interior maranhense, também dotadas de parques gráficos de alto padrão técnico. Com diálogo, quem sabe, venceremos esses desafios. Saúde e paz. É o que desejo a todos e a todas, amigos e amigas, aqui presentes.
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HOMENAGEM A ACADÊMICO NA UFPI
NERINA CASTELO BRANCO É PROFESSORA ENEMÉRITA Maria Nerina Pessoa Castelo Branco, por ocasião da concessão do Título de PROFESSOR EMÉRITO pelo Egrégio Conselho Universitário da UFPI - 16.01.2012 - Cine Teatro.
A
o iniciar esta fala, nesta sessão solene, onde recebi o título de Professora Emérita da UFPI, permitam-me os presentes dizer-lhes que emoção, alegria e vaidade estão juntas para que externe gratidão e apreço aos que outorgaram-me tão insigne honraria. Lendo ALDOUS HUXLEY, ao dizer que devemos honrar todos os instantes da vida, para não torná-la uma insignificância. Em verdade, o título de EMÉRITO, segundo o dicionário AURÉLIO, nos leva a considerar alta relevância, uma posição de jubilado, muito versado em uma ciência ou
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arte; sábio, insigne, mestre emérito. Pergunto-me: em que me enquadraria nestes significados? Penso que, a rigor, em nenhum. Se algo fiz no decurso de minha história, o fiz por consciência, pelos valores morais e éticos que devem nortear princípios da espécie humana; se estudei e aprendi muito foi acumulando experiências de vida, de saber dosar as relações humanas. Ao dedicar-me ao magistério, aí sim, fiz profissão de fé, integração total, ao mister de ensinar, de orientar e conviver com pessoas que queriam o saber. Assim, pude externar minha verdadeira vocação, por quase 38 anos! E aos poucos, com o tempo e o convívio dos livros, acho que saí como razoável, porém, certamente, com a segurança necessária para ser chamada PROFESSORA! Agora, quanto tempo! Vem a minha UNIVERSIDADE proclamar-me PROFESSORA EMÉRITA! Serei mesmo? A grandeza do título está no tamanho da minha humildade a dizer-lhes que esta honraria não ficará guardada só no meu coração! Vou além e digo à vocês: ficará guardada toda, em minha alma inteira! Somos herdeiros de muitas culturas, de usos e costumes os mais diversos, mas a mim, aguçava-me a curiosidade e a riqueza da sabedoria greco-romana e uma passagem me faz, neste instante, somar a sensibilidade dos heróis de Roma, que ao voltarem de suas guerras e conquistas, recobertos de louros, deviam desfilar para o povo e exaltar a figura de César – o imperador tido como um Deus. O desfile era o esplendor e o poder que Roma mostrava ao mundo. O general vitorioso, o herói reverenciado, em uma quadriga, percorreria a cidade engalanada, sob os aplausos e a alegria de todos. Ao lado, ao pé do ouvido do general que dava à Roma mais poder e glória, um centurião dizia-lhe quando em vez: Lembra-te que és pó!
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Esta lição é de uma filosofia profunda. Quero aqui dizer e Deus está sabendo, que nenhuma honra ou glória pode desvirtuar o ensinamento que trouxe da minha educação cristã, do seio de minha família amada, do exemplo que vi dos meus pais, quando ensinavam que a humildade faz parte da formação do caráter, em qualquer circunstância. Acho que, nestes anos de vida, quando caí sobre a minha fronte a neve dos caminhos, aprendi e pude praticar esta virtude, mas, uma outra virtude há de ser vista e anotada: a gratidão. Por essa razão, relembrando os primeiros instantes desta universidade, a expectativa de sua instalação, a luta para dar ao Piauí ensino superior da melhor qualidade, desfilam em minha memória companheiros desta jornada – uns, já do outro lado da vida; outros ainda conosco, mas privilegiado em ver esta instituição fluir para um grande futuro. Na saudade, asa de dor do pensamento, a alegia poética do nosso Da Costa e Silva, revejo na serenidade do seu semblante D. Avelar Brandão Vilela, criador da Faculdade Católica de Filosofia, grande figura do clero brasileiro; Clemente Fortes – filólogo e humanista; José Camilo da Silveira – sociólogo e historiador; Noé Mendes – folclorista e amante das artes. Onde quer que estejam, junto à outros que escapam à memória, partilham do nosso viver por tudo que fizeram e legaram ao nosso acervo de lembranças e valores. Se quiséssemos nominar todos os amigos, professores, servidores que estiveram nesta caminhada – uns já na aposentadoria, outros, ainda, no batente, seria tarefa muito grande e quase impossível, até porque incorreríamos no pecado da omissão. Mas, em um gesto de amizade e fraternidade, abraço à todos, reafirmando minha lealdade e carinho. Também agradecer é preciso. E nos evangelhos, uma passagem aponta a sabedoria de CRISTO quando perguntado quantas vezes se devia
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perdoar um pecador: 7 vezes ou mais? O MESTRE ensinou: Não só sete vezes, mais 70 vezes mais, e mais de 70. – muito mais. A lição deixa claro que o perdão há de ser indefinido, sem limites. Pois agora, senhoras e senhores, meus amigos, agradeço sem limites, á todos que colaboraram para a beleza desta noite, mencionando o Professor Doutor Luiz Santos Júnior, Reitor Magnífico desta Universidade, cuja gestão faz jus ao progresso que vem imprimindo ao ensino superior no Piauí; ao Conselho Universitário, que por unanimidade aprovou meu nome para receber o título de Professora Emérita; à caríssima Chefe de Cabinete da Reitoria, Carminda Fonseca, - nome escrito em meu coração, em filigranas de ouro, pela postura elegante e distinta, o que me faz mais agraciada. Um abraço especial ao colega de Academia – Manfredi Cerqueira pela velha amizade e apreço mútuos. No livro Pequeno Princípe, Exupéry diz um pensamento que vai retratar o que desejo acrescentar aos agradecimentos: saibam os amigos que a partir de agora “são responsáveis pelo que cativaram.”
Eu me dôo – corpo e alma à bondade que tiveram comigo, porque encontro em Nisthzche, a frase certa e apropriada para o momento: Estamos todos, além do bem e do mal. Permitam-me recorrer mais uma vez às lembranças, a fazer uma retrospectiva de um momento em minha vida tão belo e significativo quanto este. Em dezembro de 1966, depois de eleita por unanimidade, como agora, para ocupar a cadeira 35 da ilustre Casa de Lucídio Freitas – a Academia Piauiense de Letras, eu era a própria felicidade por alcançar, ainda tão moça, aos 30 anos, esta honraria e, ademais, por
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ser a segunda mulher a ingressar no Sodalício das letras de minha terra, seguindo, após muitos anos, a saga da pioneira Amélia de Freitas Beviláqua. Recebida pela inteligência e a versatilidade de MARTINS VIEIRA, em meu discurso de posse assinalei que ali estava sentindo-me privilegiada, mas, muito consciente de que chegara até ali sem pisar ou sobrepor-me à glória dos outros... Fizera, por esforço próprio, meu caminho, até chegar àquele instante. Não preciso dizer que foi uma ocasião mágica inigualável! E agora? Este título tão honroso faz-me sentir a mesma emoção de antes, tendo um sabor diferente agora, porque ele me chega no outono da minha vida, quando acumulo experiências, muita vivência e tendo meu espírito mais voltado para a vulnerabilidade das coisas, e com mais firmeza e fé na religião que professo, no amor a Deus e na compreensão do efêmero da vida... Exulta meu ser, em poder reafirmar, assim, publicamente, meu credo na Igreja Católica, na sua doutrina, seus ensinamentos e por ter experimentado a âncora que esta Igreja representa quando você precisa de força, de coragem, de juntar os pedaços d’alma, para ressurgir do NADA, trazendo no coração o AMOR do Senhor da vida, único e verdadeiro. Esta vitória foi a mais bela da minha vida. Não quero minimizar as honrarias deste mundo, mas comparando-as com a fortaleza da fé, com o abandono aos ditames de Deus, elas se tornam frágeis, porém, não deixam de somar pontos àquilo que Deus permite. Assim vejo as coisas visíveis e penso as invisíveis. Se pudesse tudo na vida seria BELO. A beleza seria uma constante e o homem ficaria ligado ao ETERNO para sempre. Na concepção de Kant, o belo eleva o ser humano ao mais alto nível de grandeza: poderá vislumbrar o próprio Deus,
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que é a própria beleza para Aristóteles, sobrepõem-se ao belo, a arte e a santidade. Estas reflexões, meus amigos, deixam-nos a meditação de que somos portadores de sensibilidade, deste ingrediente só permitido aos seres racionais. Em assim sendo, vamos adotar em nós, o senso da beleza, nos nossos atos, no dia-a-dia, no convívio com os semelhantes para que nos tornemos criaturas dignas de nossa criação. Somos o arquétipo da beleza, até porque Deus não iria nos fazer diferente. Mergulhada no pensamento do belo, na comparação maravilhosa de Tomaz de Aquino, de que a beleza é a maior dádiva do Divino às criaturas e que, se somos esta beleza, cabe-nos vivê-la e amá-la. Volto ao ambiente festivo que nos congrega aqui e agora. Fiz um esforço para não dar à estas palavras um tom saudosista. Porém, não segurei o pensamento e as recordações. Consolo-me, porém, ao encerrar minha fala, apegando-me a algumas passagens da obra notável de Júlio Dantas, consagrada universalmente – A ceia dos cardeais. Quando o Cardeal de Montmorency, justificando as recordações e o passado de GONZAGA e RUFO, seus companheiros, diz: Recordar é viver – ressugir dentro d’alma uma idade passada, como em capela de oiro há cem anos fechada, onde não vai ninguém, mas onde há festa”... Se eu não recordasse um pouco de minha vida, não teria chegado a esta festa. Sei que devo reconhecer, mais uma vez, que amigos foram cúmplices desta hora, mas devo acrescentar que peço INDULGÊNCIAS pela paciência com que me ouvistes. Obrigada, pois. Com esta honraria, sinto-me mais forte pata subir o misterioso monte, que é, neste mundo, a
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vida.
Mas, pela generosidade de vocês, terei rosas se abrindo, ao galgar, na subida, com leveza, esta montanha que louvarei para sempre. Por fim, a presença de quem não poderia esquecer: Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és, no mínimo que fazes. Assim, em cada lago a lua toda, brilha, porque alta vive”. Meu amigo, Fernando Pessoa. Tenho dito.
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COLABORAÇÃO
CULTURA E CONTRACULTURA
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Manfredi Mendes de Cerqueira*
esde 1917, a Academia Piauiense de Letras mantém-se a serviço da Cultura, guardando fidelidade ao ideário de seus fundadores. Observe-se que, no tempo de sua criação, estava em curso a I Guerra Mundial e surgia, em Zurique, na Suíça, no ano de 1916, o movimento artístico denominado dadaísmo, proclamando a falência dos valores então vigentes na literatura e nas artes. Assim, os arautos do movimento entendiam que os valores morais da Cultura não foram capazes de impedir a ocorrência da Guerra. Apontavam, todavia, alternativas como o despojamento ingênuo e a absoluta espontaneidade, defendendo o automatismo psíquico *
Manfredi Mendes de Cerqueira é desembargador (aposentado) do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e titular da cadeira 28 da Academia Piauiense de letras.
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e a abertura para o inconsciente como princípios para a criação artística. Estava aberta a porta para os movimentos voltados para a chamada contracultura. Em Paris, destacam-se Luís Aragon e André Breton, cabendo a este divulgar, em 1924, o Manifesto Surrealista, que foi o embrião do Surrealismo, do qual se tornou líder e o principal teórico. Tal movimento teve seu período áureo nos anos 30, ressurgindo após a II Guerra Mundial e prolongouse até a década de 60. Sucedendo ao dadismo, o surrealismo, com âncora nas teorias de Freud, chegou a convencer-se do “poder supremo do mundo onírico fantástico e instintivo”, partindo para o reconhecimento de que o inconsciente conhece uma realidade superior, mais verdadeira do que a da consciência. Evidentemente, equivocam-se aqueles que deixam de acreditar na Cultura. Com efeito, a experiência histórica vem revelando a todas as luzes que a humanidade somente conseguiu progredir com apoio em seu acervo cultural. Compreendendo a totalidade das criações humanas, quer os elementos materiais (construções, instrumentos de trabalho, vestuário, alimentação, etc.) e elementos espirituais (valores, ideias, conhecimentos científicos e técnicos, manifestações artísticas, crenças, filosofia, organização social), a Cultura há de ser considerada não apenas o conjunto desses elementos, mas sim um todo integrado e não a justaposição deles, como ressalta a Professora Irene de Melo Carvalho, em seu excelente livro Introdução aos Estudos Sociais. Tal constatação coloca a contracultura à deriva no oceano da História. Desenganadamente, não há desenvolvimento sem Cultura. Quando esta apresenta pontos de estrangulamento, o mundo fica sob a ameaça de naufrágio. O vocábulo Cultura adquiriu os sentidos assim catalogados:
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• como saber; • escolha de existência; • prática de comunicação voltada para a comunhão. É o entendimento de Remy de Souza manifestado na Revista Brasileira de Filosofia, volume XXV, fasc. 94, 1974. Cultura não se improvisa. Cuida-se de um processo de elaboração contínuo, no qual a Educação exerce função fundamental, na condição de pré-requisito. Por isso mesmo Herbert Spencer afirmou que a humanidade somente conseguiu progredir depois que se auto-educou. Sem dúvida, auto-educando-se o homem aprende a pensar, a criar, capacitando-se a ser sujeito e não objeto da História. Gaston Bachelard, no mesmo diapasão, asseverara que é criando, construindo, refletindo, que o espírito chega à verdade. Como demonstrado, a Cultura é produto da comunidade em seu próprio benefício. Não foi sem razão que o Sumo pontífice João Paulo II proclamou que não há cultura sem causação e subjetivação humanas. Na Casa de Lucídio Freitas convivem poetas, romancistas, juristas, historiadores, contista, filósofos, que formam uma diversidade humana cultural. No importante sodalício realizam-se lançamentos de livros, debates, palestras, seminários, que nucleiam um processo de constante elaboração, inclusive homenageando ilustres varões que já se foram, deixando edificantes exemplos de amor à Cultura. E não se menospreze tal atitude, pois como ponderava A. Panzini: Ai de nós se os mortos não dessem forças aos vivos. A Academia Piauiense de Letras tem sido incansável na preservação desses elevados propósitos, cumprindo, anualmente, vasta e bem elaborada programação de eventos
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culturais. Enfim, mesmo sob o impulso de uma rápida conclusão, dá para perceber que a Cultura envolve educação, ação, pensamento e sentimento, porque: – a educação ensina a pensar positivamente; – a ação é a concretização do pensamento, mantendo-lhe o perfil. Ela mede o valor do conhecimento; – o pensamento é a objetivação do sentimento; – consoante a observação feita por William James, sentia-se primeiro para depois agir, hoje, à medida que se age, o sentimento aflora com a possibilidade de mudar o comportamento de cada um. Em suma, coexistindo com a Sociedade, a Cultura vai com ela tecendo um trabalho de fundamental importância com avanços e recuos proporcionais à bravura e à infidelidade de seus combatentes.
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UM MESTRE DA HISTORIOGRAFIA INDÍGENA
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Elmar Carvalho*
ão bastasse ser Reginaldo Miranda, sobretudo na temática indígena, um competente e consciencioso historiador, é também um escritor hábil no manejo do vernáculo, exprimindo suas ideias de forma elegante, fluida e clara, contudo sem rebuscamentos e torcicolos estilísticos. Não é ele um mero divulgador e repetidor dos fatos históricos, uma vez que vem estudando e pesquisando a história dos índios no Piauí ao longo de mais de duas décadas. Dessa forma, não se conteve apenas em consultar e cotejar a bibliografia disponível, mas também foi aos * Poeta e magistrado. Membro da Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 10.
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documentos, compulsando-os diretamente ou através de livros que os transcrevem. Sendo ele um jurista e historiador experimentado e de longo curso, conseguiu dar correta interpretação aos autos de devassa em que se tentou apurar a matança de indígenas, tanto no contexto das leis da época como também no modus operandi da máquina judiciária de então. Analisou os atos e os fatos sem perder de vista a conjuntura do espaço/tempo em que eles aconteceram, considerando as circunstâncias da realidade, as leis, os costumes, as crenças e crendices, sem jamais descambar para o anacronismo e muito menos para maniqueísmos ideológicos ou de posturas preconcebidas. Quando fez eventuais interpretações, não se baseou apenas em vagos e genéricos achismos, mas se fundamentou no cotejo de documentos, relatórios e livros, todavia sem ideias mirabolantes e iconoclásticas, no afã de provocar polêmicas e discussões; aliás, quem assim procede, talvez o faça para atrair os holofotes, muitas vezes ofuscantes, da mídia. Reginaldo Miranda alinhavou suas conclusões interpretativas de forma plausível, verossímil, em que a lógica e a dialética são facilmente assimiladas. Procurou ver os fatos como eles efetivamente se passaram, buscando-lhes as causas e as consequências, com justiça, sem tomar partido de grandes ou pequenos, de brancos ou índios. Buscou a verdade, porque a História para realmente ser História deve se fundamentar na verdade, e não em meras suposições tendenciosas. Em suas parcimoniosas ilações, não descurou dos velhos papéis, em que se fundamentou, e nem dos ensinamentos dos grandes mestres de nossa historiografia, que são grandes exatamente porque buscaram a verdade, mormente nas fontes primárias. No seu livro, além das narrativas dos principais fatos,
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com a indicação dos documentos em que se alicerçou, muitas vezes transcrevendo-os, também lançou luzes sobre como se desenvolveram as relações entre brancos e índios, desde o início da chamada Conquista, até a saga dos aldeamentos de São João de Sende e de São Gonçalo de Amarante, com ênfase a este último e aos Acoroás, com as consequentes deserções, capturas e indiocídio. Vislumbramos, também, aspectos de história do cotidiano, tais como administração da aldeia, salário, alimentação, educação, religiosidade, modo de vida, cultura etc. Nas páginas de Aldeamento dos Acoroás, de Reginaldo Miranda, perpassa a grandeza e miséria de uma época importante de nossa História, que não podemos esquecer, para que ela nos sirva de lição e advertência. Como já tive ocasião de dizer, “somos o que somos; somos o amálgama de três raças, e a nossa civilização é o cadinho do que elas construíram ao longo dos séculos”.
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CACHOEIRA DO ROBERTO*
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Reginaldo Miranda**
ma das mais antigas povoações do sudoeste pernambucano é a vila de Cachoeira do Roberto, cujas raízes históricas remontam ao princípio do século XIX, quando ali se estabeleceu com seus rebanhos o agropecuarista piauiense e capitão da guarda nacional Roberto Ramos da Silva. Cachoeira era um inculto terreno que pertencera primeiramente ao português Valério Coelho Rodrigues, estabelecido na fazenda Paulista, hoje Paulistana, no Piauí, onde faleceu em 1783. Depois, teria passado ao seu filho * **
Artigo publicado originalmente no jornal Meio Norte, de Teresina – PI, edições de 23 e 30 de março de 2012, com alterações promovidas pelo autor. Historiador e advogado. Titular da Cadeira 27 e Presidente da Academia Piauiense de Letras.
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Estêvão Rodrigues Coelho que, alguns anos depois, sem desenvolver qualquer atividade econômica no imóvel, o vendeu ao referido Roberto Ramos por cinco contos de réis. Desde então o adquirente estabeleceu-se com sua família e escravos no lugar, assentando a caiçara de seus currais e desenvolvendo laborioso trabalho de agricultura e pecuária. Porém, com seu rebanho já em número avantajado passou a enfrentar dificuldades com a escassez de água e pastagens em face das constantes estiagens que ainda hoje afligem aquela região do semiárido nordestino. Consta que era católico fervoroso e, segundo a tradição, em pagamento de promessa pela mantença de seu rebanho, em 1817 construiu em frente à sua residência uma capela sob a invocação de Nossa Senhora das Dores, santa de sua devoção. Também, deu início à tradicional festa do Divino Espírito Santo. Para o primeiro empreendimento contou com o concurso de Fr. Ângelo Maurício de Niza, missionário capuchinho italiano, que desde 1803 catequizava em missões pelo alto sertão, terminando os seus dias em 1824, no aldeamento da Baixa Verde, hoje cidade de Triunfo, em Pernambuco, conforme anotou o festejado historiador F. A. Pereira da Costa em seus Anais Pernambucanos (vol. 5, p. 568/569). Desde então, o padre em desobriga passou a celebrar a missa e desenvolver as atividades católicas no novo templo que, inclusive, serviu de sede paroquial entre os anos de 1867 e 1870. E o lugar ficou conhecido por “Cachoeira do Roberto”, em homenagem ao seu proprietário e fundador. Depois de seu óbito foi sucedido na administração e conservação do templo, bem como na organização da festa do Divino, por sua filha Ana Maria, que, juntamente com o esposo, José Santana, tomaram para si essa responsabilidade, tornando-se benfeitores do lugar. O capitão Roberto Ramos da Silva, também
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conhecido por “Roberto da Cachoeira”, era natural da cidade de Oeiras, então capital da capitania de S. José do Piauí, sendo filho do português Jorge Ramos, fazendeiro e funcionário do real serviço, e de sua esposa Delfina Rodrigues Seabra, que ao lado de Fr. Henrique, capuchinho italiano, construiu o cemitério de Cachoeira do Roberto, sendo, porém, sepultada no altar-mor da referida capela de Nossa Senhora das Dores, quando faleceu aos 105 anos de idade. Consta que Roberto da Cachoeira fez-se latifundiário construindo invejável patrimônio que, posteriormente, foi dividido entre seus 16 filhos. A povoação possuía localização privilegiada, situando-se entre os rios Pontal e S. Francisco, à margem da antiga estrada real, onde demandavam os viandantes, vaqueiros, tropeiros e boiadas no percurso entre os sertões do Piauí, Pernambuco e Bahia. Por essa razão, “era muito frequentada pelos viandantes, que estacionavam na localidade, pelos recursos que proporcionava, vindo daí o seu desenvolvimento e sua importância”, anotou o citado F. A. Pereira da Costa, primeiro escritor a narrar a fundação e desenvolvimento do lugar. Acrescenta o mesmo autor: “Muito habitada, ela teve vida própria e animada pelo seu movimento comercial, com uma boa feira semanal, e um clima ameno e agradável, proporcionando excelente e abundante água potável, com a sua capelinha curada e um cemitério em conveniente situação, já teve a povoação o predicamento de paróquia com a remoção da sede da do Senhor Bom Jesus da Igreja Nova, ou Boa Vista, em virtude da Lei Provincial n.º 758 de 5 de julho de 1867 e servindo de igreja matriz a sua capela de N. S. das Dores, e depois da de Santa Maria Rainha dos Anjos de Petrolina, até que foi transferida para a sua própria sede pela Lei Provincial n.º 921 de 18 de maio de 1870” (op. cit).
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Em face dessa vantajosa posição, em 1851 a sede de fazenda já se tornara um povoado próspero e prometedor, progredindo ao ponto de, em 1868, contar com cerca de 80 casas, informa F. A. Pereira da Costa (Anais Pernambucanos. vol. 5, p. 568/569). Pertencia originalmente ao Distrito de Santa Maria da Boa Vista, depois cidade e município de mesmo nome. Todavia, pela Lei Provincial n.º 530, de 7 de junho de 1862, que criou o município de Petrolina, passou a este, retornando para o município original pela Lei n.º 601, de 13 de maio de 1864, que extinguiu este último. Por fim, já como sede distrital retornou a Petrolina pela Lei Provincial n.º 921, de 18 de maio de 1870, que restabeleceu sua autonomia administrativa. No entanto, conforme se disse, em face de seu desenvolvimento foi elevado a sede distrital e paroquial pela Lei Provincial n.º 758, de 5 de julho de 1867, permanecendo integrando o Município de Petrolina e, como tal, permaneceu por largos anos. Todavia, o progresso da povoação estacionaria a partir de 1926, como efeito da construção da inconclusa Estrada de Ferro Petrolina/Teresina que, ao invés de passar pela tradicional vila de Cachoeira do Roberto, em novo traçado passou pela vizinha fazenda “Inveja”, sucessivamente de Francisco Rodrigues da Silva e Sebastião Rodrigues Coelho. Então, esse novo lugar que, a partir de 1928 recebeu o nome de São João de Afrânio, em homenagem ao Engenheiro Afrânio de Melo Franco, um dos responsáveis pela obra, prosperou em prejuízo de Cachoeira do Roberto. Por fim, essa decadência econômica se completaria com a edição do decreto-lei estadual n.º 235, de 9 de dezembro de 1938, que extingue o distrito de Cachoeira do Roberto, sendo seu território repartido entre os distritos de Afrânio (ex-São João de Afrânio), Rajada e Poço da Anta. E permanece a povoação de Cachoeira do Roberto
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nessa situação decadente até a criação do novo município de Afrânio, pela lei estadual n.º 4.983, de 20 de dezembro de 1963, com instalação oficial em 31 de maio do ano seguinte. Então, nesse interregno, pela lei municipal nº 28 de 23 de dezembro de 1963, é restabelecido o distrito de Cachoeira do Roberto, não sendo, porém, instalado, o que só ocorre depois de ser recriado pela Lei Municipal n.º 13-A, de 20 de outubro de 1967, agora com novos limites territoriais e pertencente ao novo município, em cuja situação permanece até à atualidade. Aos poucos a povoação retoma os caminhos do progresso. Segundo o jovem historiador Ricardo de Araújo Rodrigues – que exerce o magistério em Afrânio –, o distrito sobrevive da agricultura de subsistência, pecuária extensiva, indústria cerâmica e comércio de gêneros alimentícios. Atualmente possui 90 domicílios e 300 habitantes (IBGE – Censo, 2011) e possui um cartório de registro civil das pessoas naturais. Segundo informações que temos, a festa do Divino Espírito Santo é muito tradicional em Cachoeira do Roberto, reunindo grande número de fiéis no novenário que encerrase no dia de “Pentecostes”, com festas e quermesses. No que se refere aos 16 filhos do capitão Roberto Ramos da Silva (Roberto da Cachoeira), sei apenas que um de nome Roberto Ramos da Silva Filho, estabeleceuse no vizinho território de Casa Nova(BA), onde faleceu em avançada idade, no ano de 1934, deixando descendência. Ao que sei a referida filha, Ana Maria Ramos, foi casada com o fazendeiro José Santana, ao que parece descendente do português Valério Coelho Rodrigues, gerando entre outros filhos: Francisco Martins Santana, que foi casado com Domingas Santana e Bertolina Maria de Jesus, que foi casada com José Marreiros. O primeiro casal gerou, entre outros filhos, meu bisavô Teodoro Francisco Martins, que foi casado
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com sua prima Adriana Maria de Jesus(minha bisavó), filha do segundo casal e que depois de viúva mudou-se para São João do Piauí, onde faleceu em 19 de fevereiro de 1959, aos 92 anos de idade. Esses últimos são os pais de treze filhos, entre esses minha avó paterna, Antonia Maria da Conceição, nascida na Cachoeira do Roberto, em 1907, onde viveu sua infância e juventude, casando-se na mencionada capela de Nossa Senhora das Dores, em 7 de julho de 1925, com meu avô paterno Joaquim da Silva Brasil, natural do arraial de Santa Rita, município de Casa Nova(BA), depois de alguns anos passando ao sul do Piauí, onde faleceram. Com essas notas coligidas entre informações esparsas presto uma homenagem a esta antiga povoação pernambucana, pela qual nutro simpatia em face de ser a terra de meus avoengos e sobre a qual muito ouvi falar na meninice, na voz de meus ancestrais.
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JOAQUIM BRASIL, UM MESTRE NO SERTÃO
A
Reginaldo Miranda*
história da educação no Brasil, ao contrário do que se possa imaginar, em seu início ficou mais a cargo da iniciativa privada do que do poder público. No tempo da dominação portuguesa, chegou a ser obstacularizada a educação de brasileiros para não dar azo à formação de idéias. Com a independência, embora permitida, a educação não encontrou conjuntura propícia para se desenvolver, mormente no sertão nordestino, longe dos maiores centros e onde as condições sempre foram adversas. Por muitos anos o poder público não conseguiu fazer-se sentir no sertão longínquo, mesmo na fase republicana. Ali, até a primeira metade do século passado, via de regra, imperava a ignorância e o analfabetismo. O poder público *
Historiador e advogado. Titular da Cadeira 27 e Presidente da Academia Piauiense de Letras.
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sempre foi ausente, não só na área da educação, mas em todas as demais, como p. ex., segurança, que ficou entregue aos semi-analfabetos coronéis da Guarda Nacional e que quase sempre eram delegados dos distritos; saúde, cujas consultas eram feitas aos boticários das vilas e cidades, e os partos entregues a parteiras incultas, onde as consequências seriam o elevado número de jovens mães falecidas ao dar à luz. Nesse quadro caótico não poderia ter melhor sorte a educação. Convenhamos, mesmo nos tempos modernos a educação quase nunca foi prioridade de governantes. Houve até quem a combatesse em terras alienígenas, a exemplo de Hitler, que aconselhava em seu famoso livro Mein Kampf, que se transformaria na bíblia do nazismo, à Alemanha a fechar as escolas da Polônia após a invasão, “pois todo elemento educado é, em potencial, um inimigo do Estado”. Diferentemente dessa conduta, e com argumentos contundentes, nos albores do século XIX, bradava nos Andes o legendário libertador Simon Bolívar, que se precisava educar os povos hispânicos então libertos, pois “a ignorância gera escravidão” e a “escravidão é filha das trevas”. Foi na ausência do poder público brasileiro e pensando em tirar o povo das trevas da ignorância que surgiram, no vasto sertão nordestino, iniciativas pioneiras de sertanejos beneméritos, estabelecendo escolas, irradiando saber, acendendo mentes, propagando ensinamentos e, de qualquer forma, disseminando cultura, a exemplo do padre Marcos de Araújo Costa, na fazenda Boa Esperança, em Jaicós, no Piauí, e do padre Inácio de Souza Rollim, em Cajazeiras, na Paraíba, para citar apenas dois dos mais expressivos. Em tempos mais recentes, na primeira metade do século XX, pode-se lembrar os nomes de Odilon Nunes, cognominado “o acendedor de lampiões”, e Francisco da Cunha e Silva, seu sucessor, em Amarante; do Professor
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João Siqueira Paz(Prof.º Salu), alternadamente em Angical e Regeneração, todos na região médio-parnaibana do Piauí. Foram essas iniciativas pioneiras encetadas por denodados cidadãos, desajudados do poder público, mas obstinadamente lutando contra o meio, empenhando-se em acender lampiões ou fagulhas de saber no árido sertão, convencidos de que a melhor maneira de se ajudar um País é preparar intelectualmente a juventude. Entre esses pioneiros, verdadeiras formigas do deserto, trabalhando na aspereza do meio e na ausência do poder público, encontra-se o mestre baiano Joaquim da Silva Brasil, cuja vida foi a de um professor itinerante que percorreu e distribuiu saber pelos mais longínquos rincões de três unidades da federação, acendendo lampiões de saber e, assim, ajudando a seu modo, a construir a história de nossa nação. A esse tempo é bom se esclarecer que a história não é feita somente pelos grandes líderes, pelos governantes, pelos ditos “notáveis” que trabalham sob os olhares da nação, mas por toda pessoa do povo e, sobretudo por pioneiros como estes que acabamos de citar. A ação alfabetizadora de mestres leigos e itinerantes como Joaquim da Silva Brasil foi marcante no esquecido sertão de seu tempo, pois a história de seus inúmeros alunos não seria a mesma sem suas sábias lições. Certamente, fizeram algo mais do que diversos governantes seus contemporâneos. É este o principal motivo de estarmos a resgatar o nome deste inolvidável mestre, não sem razão nosso avô paterno, traçando o seu perfil e tirando-o do limbo do esquecimento, que a nosso ver é o mais nefasto dos males. O Professor Joaquim da Silva Brasil era uma vocação nata para o magistério, exercendo essa atividade durante toda a vida, sem nunca dela se afastar. Foi, também, agricultor e poeta. Por não ter publicado nada, sua produção literária desapareceu por completo. Entretanto, seu filho
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primogênito e também poeta Josias da Silva Brasil, de saudosa memória, declamava um poema de sua autoria denominado O Descobrimento da América. Para ele seu pai “não fazia poesias piegas. Seus poemas eram voltados para a educação, tendo por temas grandes fatos históricos, ajudando a ensinar seus alunos”. Nasceu o professor, agricultor e poeta Joaquim da Silva Brasil a 12 de novembro de 1903, no arraial de “Santa Rita”, Município de São José da Casa Nova, hoje Casa Nova, à margem esquerda do rio São Francisco, na Bahia, e encostado na divisa com Pernambuco e o Piauí. Foram seus pais Joséfa Naára Batista Ramos de Brito, prematuramente falecida, e o capitão Bernardino Eugênio Rodrigues da Silva Brasil, fazendeiros na fazenda “Braúna”, de São José da Casa Nova. Em razão do nome do pai, no início da vida o filho ficou conhecido por “Joaquim Bernardino”. Era neto paterno do coronel Eugênio José Gregório Rodrigues da Silva, fazendeiro, comerciante e político na vila de Remanso, na Bahia, e de Ana Jussara da Silva Brasil (D. Naninha), de ascendência indígena, tendo esta criado o neto Joaquim. Foram seus bisavós paternos a portuguesa Márcia Maria Cristina Rodrigues da Silva e o coronel fluminense José Mariano Gregório da Silva, destacado em missão de Petrópolis, onde servia, para o interior da Bahia, a fim de apaziguar conflitos, aí se radicando definitivamente com a família. Era trineto de Onésia da Silva Aguiar e de Mariano Gregório da Silva, residentes em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Por fim, seu tetravô era o português Gregório Silva, piloto de navio radicado no Rio de Janeiro, onde era conhecido por “Gregório Marinheiro”. Essas informações genealógicas não são de nossa lavra, não tendo conseguido apurá-las, mas constam de um Histórico de Genealogia, elaborado em 1987, por seu filho José Rodrigues da Silva, pastor Batista, com a colaboração de seu parente David Câmara Batista Ramos,
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magistrado na Bahia. Ao que sabemos, esses ancestrais adotaram o sobrenome Brasil como ato de ufanismo no tempo das lutas nacionalistas que sacudiram o Nordeste, notadamente a Bahia, nas quais se envolveram. Joaquim da Silva Brasil convolou núpcias em 7 de julho de 1925, na capela da vizinha vila de “Cachoeira do Roberto”, então Município de Petrolina, hoje de Afrânio, Pernambuco, com Antônia Maria da Conceição, de tradicional família daquela região, com remotas origens piauienses. Era a nubente filha do fazendeiro Teodoro Francisco Martins, falecido na “Cachoeira do Roberto”, e Adriana Maria de Jesus, que, depois de viúva mudou com alguns filhos para o lugar “Banguê”, Município de São João do Piauí. Os nubentes eram primos, sendo Teodoro, filho de Francisco Martins Santana e sua esposa Domingas Santana; e Adriana, filha de Bertolina Maria de Jesus e seu esposo José Marreiros; Francisco e Bertolina eram filhos do fazendeiro José Santana e sua esposa Ana Maria Ramos, benfeitores do lugar, conservaram a capela e lideraram por muitos anos a tradicional festa do Divino em “Cachoeira do Roberto”. Por fim, Ana Maria era filha do abastado latifundiário e fazendeiro Roberto Ramos da Silva, mais conhecido por “Roberto da Cachoeira”, residente em sua fazenda “Cachoeira”, depois e em sua homenagem “Cachoeira do Roberto”, onde construiu a capela de Nossa Senhora das Dores e promoveu a festa do Divino. Embora haja quem afirme ser Roberto Ramos português de nascimento, informações mais consistentes indicam ser ele natural de Oeiras(PI), filho do português Jorge Ramos, fazendeiro e funcionário do real serviço e de sua esposa Delfina Rodrigues Seabra, tendo se mudado para Pernambuco ainda na juventude. Depois de casados, Joaquim Brasil e Antonia fixaramse por alguns anos no arraial de “Santa Rita”, onde o cônjuge varão intensificou sua militância no magistério e vieram
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ao mundo os três primeiros filhos: Josias da Silva Brasil, nascido em 14.03.1927; Paulo Rodrigues da Silva, nascido em 26.06.1931; e Etevaldo Rodrigues Brasil, nascido em 16.08.1933. Desnecessário dizer que Joaquim Brasil nasceu vocacionado para o magistério, lecionando com muito gosto e dedicação. Ainda em 1933, apura seus haveres e enceta mudança para o Piauí, fixando residência no povoado “Pavussu”, vale do rio Itaueira, hoje cidade de mesmo nome, naquele tempo apenas um pequeno povoado do Município de Floriano. Segundo depoimento do filho Etevaldo, seu pai deixou a família com a sogra e foi na frente para o “Pavussu”, ali adquirindo imóvel, estruturando lavoura, contratando trabalho no magistério e construindo uma confortável casa de tijolos e cobertura de telhas. Somente então retornou para buscar a família. A travessia, em lombos de animais, foi muito dificultosa, em virtude dos filhos menores e de grande seca que assolava o Nordeste. Acrescenta o filho Etevaldo, que um dos motivos da transferência de seu pai para o “Pavussu” era a existência de um tio naquele povoado. Também, sua esposa tinha muitos primos naquela região, filhos de seus falecidos tios-avós José Rodrigues da Silva e Maria Francisca do Nascimento(D. Maria do Pavussu), acreditados fazendeiros. Era também entrelaçada com a família Miranda, muito antiga e extensa naquela região, de forma que estavam em casa. No novo domicílio Joaquim Brasil continuou a exercer o magistério, da mesma forma que fizera no vale do rio São Francisco, em Pernambuco e na Bahia. Era um homem de conhecimento acima da média, dominando História, Geografia, Ciências, Português, Matemática, Topografia e outras áreas, segundo seu filho José Rodrigues da Silva. Por essa razão, era muito acatado por onde passava. No Pavussu, em pouco tempo alfabetizou a criançada do lugar,
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passando a investir nas adjacências, indo cada vez mais distante. O seu trabalho consistia num contrato com um fazendeiro ou líder de determinada região para alfabetizar seus familiares e na onda iam as crias da casa, filhos dos vaqueiros e agregados. É que o Estado ainda não estava organizado o suficiente para manter escolas públicas fora das sedes municipais e até nestas o ensino era deficiente. Então, era em face dessa inoperância estatal que atuavam os professores leigos, prestando relevante serviço ao País. E, de fato, só concluíam sua missão quando o alunado soubesse ler, escrever e dominasse as quatro operações aritméticas. Então, mudavam de endereço, mas permaneciam gozando da estima do contratante, dos pais e dos ex-alunos. Nesse tempo de domicílio e trabalho no “Pavussu” nascera-lhe mais dois filhos: Jacinto Rodrigues Brasil, em 26 de julho de 1935, quando a mulher foi ganhar o filho no novo domicilio da mãe, no lugar “Banguê”, em São João do Piauí; e José Rodrigues da Silva, em 26 de setembro de 1936, no lugar “Feira Velha”, encostado ao “Pavussu”. Depois de alguns anos o professor Joaquim da Silva Brasil mudou-se para o lugar Brejo, município de Canto do Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí, onde alfabetizou a meninada do lugar. Demorou nesse novo domicílio por pouco tempo, o suficiente para gerar mais um filho, que aí nasceu em 29 de setembro de 1938, Abdon Rodrigues da Silva, pai do autor dessas notas. Então, o professor Joaquim Brasil encetou outra grande mudança, desta feita para o vale do Gurguéia, fixando-se inicialmente no povoado “Várzea Grande”, então de Jerumenha, hoje de Canavieira, onde passou a lecionar por algum tempo. Depois, ainda no então Município de Jerumenha, lecionou no vale do Prata, território do atual município de Landri Sales, lugares “Pequizeiro” e “Prata”, onde adquiriu imóvel rural. Mais tarde, incompatibilizando-se
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com o então prefeito de Jerumenha, que passou a perseguilo com exagerada cobrança de impostos, mudou-se para o vizinho lugar “Riacho d’Areia”, no Município de Aparecida, hoje Bertolínia, a convite do coronel Manuel Emídio, então chefe político municipal. Nessa nova região fixou residência definitiva, desenvolvendo importante ação educacional. Desse tempo, colhemos interessantes depoimentos de seus ex-alunos, todos elogiando a didática do mestre e agradecendo pelos conhecimentos recebidos. Politicamente, acompanhou o grupo político dos pessedistas Manuel Emídio Pereira da Rocha e Dermeval Mendes da Rocha, este último, cuja mulher era prima da sua. Nesse tempo nascem-lhe os três últimos filhos: Evina Rodrigues da Silva (28.09.1940), Maria José Rodrigues da Rocha(1944) e Antonio José Rodrigues da Silva, em 11 de setembro de 1947. Nesse último ano viaja para o Maranhão, onde vem a falecer. A família continuou radicada em Bertolínia, fixando-se na sede municipal, onde a viúva faleceu em 12 de agosto de 1980. Todavia, a ação educacional desenvolvida pelo mestre Joaquim da Silva Brasil se fez notável, sobretudo numa região desassistida dos poderes públicos. Foi um benemérito que contribuiu decididamente para o combate ao analfabetismo no sertão longínquo. Entendia como Monteiro Lobato, que um País se faz com homens e livros. De todo modo, fez a sua parte, de forma que seu nome permanece lembrado como uma legenda entre seus alunos, muitos hoje já no entardecer da vida. Com essas notas resgata-se a memória de um profissional que enfrentou toda sorte de adversidade, vivendo, lutando e morrendo pela educação. Portanto, nada mais justo que preservar a sua memória honrada, na esperança de que essa luta pelo soerguimento da educação frutifique. Assim seja.
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QUADRO DA APL
SITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2012 CADEIRA Nº 1 Patrono: José Manuel de Freitas 1º ocupante: Clodoaldo Severo Conrado de Freitas 2º ocupante: Cirilo Chaves Soares Carneviva (Padre) 3º ocupante: Esmaragdo de Freitas e Sousa 4º ocupante: Avelar Brandão Vilela (Cardeal) 5º ocupante: Alberto Tavares Silva Ocupante atual: Antônio Fonseca dos Santos Neto CADEIRA Nº 2 Patrono: Hermínio de Carvalho Castelo Branco 1º ocupante: João Pinheiro 2º ocupante: Deolindo Augusto de Nunes Couto 3º ocupante: José Expedito de Carvalho Rêgo Ocupante atual: Jônathas de Barros Nunes
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CADEIRA Nº 3 Patrono: Joaquim Sampaio Castelo Branco (Padre) 1º ocupante: Fenelon Ferreira Castelo Branco 2º ocupante: Cromwell Barbosa de Carvalho 3º ocupante: João Gabriel Baptista Ocupante atual: Jesualdo Cavalcanti Barros CADEIRA Nº 4 Patrono: David Moreira Caldas 1º ocupante: Jônatas Baptista 2º ocupante: Mário José Baptista 3º ocupante: Fernando Lopes e Silva Sobrinho 4º ocupante: William Palha Dias Ocupante atual: Wilson Nunes Brandão CADEIRA Nº 5 Patrono: Areolino Antônio de Abreu 1º ocupante: Édson da Paz Cunha 2º ocupante: José Miguel de Matos Ocupante atual: Oton Mário José Lustosa Torres
CADEIRA Nº 6 Patrono: Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Aurélio de Freitas 2º ocupante: Alarico José da Cunha 3º ocupante: Petrarca Rocha de Sá Ocupante atual: Orlando Geraldo Rego de Carvalho CADEIRA Nº 7 Patrono: Anísio Auto de Abreu 1º ocupante: Higino Cícero da Cunha 2º ocupante: Raimundo de Moura Rego Ocupante atual: Humberto Soares Guimarães
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CADEIRA Nº 8 Patrono: José Coriolano de Sousa Lima 1º ocupante: Antônio Chaves 2º ocupante: Breno Pinheiro 3º ocupante: Celso Pinheiro Filho 4º ocupante: Francisco da Cunha e Silva Ocupante atual: Francisco Miguel de Moura CADEIRA Nº 9 Patrono: Alcides Freitas 1º ocupante: Lucídio Freitas 2º ocupante: Pedro Borges da Silva 3º ocupante: João Nonon de Moura Fontes Ibiapina Ocupante atual: Hugo Napoleão do Rego Neto CADEIRA Nº 10 Patrono: Licurgo José Henrique de Paiva 1º ocupante: Celso Pinheiro 2º ocupante: Antônio Monteiro de Sampaio (Monsenhor) 3º ocupante: Hindemburgo Dobal Teixeira Ocupante atual: José Elmar de Mélo Carvalho CADEIRA Nº 11 Patrono: João Alfredo Freitas 1º ocupante: Abdias da Costa Neves 2º ocupante: Benedito Martins Napoleão do Rego 3º ocupante: Fabrício de Arêa Leão Carvalho 4º ocupante: Aluízio Napoleão de Freitas Rego Ocupante atual: José Ribamar Garcia CADEIRA Nº 12 Patrono: Antônio Coelho Rodrigues 1º ocupante: João Crisóstomo da Rocha Cabral
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2º ocupante: Hermínio de Morais Brito Conde 3º ocupante: Antônio Bugyja de Sousa Brito 4º ocupante: José Maria Soares Ribeiro Ocupante atual: Wilson Carvalho Gonçalves CADEIRA Nº 13 Patrono: Joaquim Ribeiro Gonçalves 1º ocupante: Antônio Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Gonçalo Castro Cavalcanti 3º ocupante: Clidenor Freitas Santos Ocupante atual: Pedro da Silva Ribeiro CADEIRA Nº 14 Patrono: Raimundo Alves da Fonseca (Cônego) 1º ocupante: Pedro de Alcântara de Sousa Britto 2º ocupante: Carlos Eugênio Porto 3º ocupante: Ofélio das Chagas Leitão 4º ocupante: Alvina Fernandes Gameiro Ocupante atual: Altevir Soares de Alencar CADEIRA Nº 15 Patrono: Antônio Borges Leal Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Francisco Nogueira Tapety 2º ocupante: Cristino Castelo Branco 3º ocupante: Carlos Castelo Branco 4º ocupante: Benjamin do Rego Monteiro Neto Ocupante atual: Deoclécio Dantas Ferreira CADEIRA Nº 16 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante:
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Taumaturgo Sotero Vaz Raimundo Zito Baptista José Pires Rebelo Adelmar Soares da Rocha Edgard Nogueira
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5º ocupante: Petrônio Portella Nunes 6º ocupante: Zenon Rocha Ocupante atual: Eustachio Portella Nunes Filho CADEIRA Nº 17 Patrono: Raimundo de Arêa Leão 1º ocupante: Odylo de Moura Costa 2º ocupante: Odylo Costa Filho Ocupante atual: João Paulo dos Reis Velloso CADEIRA Nº 18 Patrono: Marquês de Paranaguá 1º ocupante: José Félix Alves Pacheco 2º ocupante: José Burlamaqui Auto de Abreu Ocupante atual: Herculano Moraes da Silva Filho CADEIRA Nº 19 Patrono: Antônio José de Sampaio 1º ocupante: Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Renato Pires Castelo Branco Ocupante atual: Alcenor Rodrigues Candeira Filho CADEIRA Nº 20 Patrono: Álvaro de Assis Osório Mendes 1º ocupante: Matias Olímpio de Melo 2º ocupante: Jacob Manoel Gayoso e Almendra 3º ocupante: José Camillo da Silveira Filho Ocupante atual: Raimundo José Airemoraes Soares CADEIRA Nº 21 Patrono: Leopoldo Damasceno Ferreira (Padre) 1º ocupante: Antônio Francisco da Costa e Silva 2º ocupante: Maria Isabel Gonçalves de Vilhena Ocupante atual: Francisco Hardi Filho ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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CADEIRA Nº 22 Patrono: Miguel de Sousa B. Leal Castelo Branco 1º ocupante: Luís de Moraes Correia 2º ocupante: José Pires de Lima Rebelo 3º ocupante: Júlio Antônio Martins Vieira 4º ocupante: Gerardo Majela Fortes Vasconcelos Ocupante atual: Nildomar da Silveira Soares CADEIRA Nº 23 Patrono: Lucídio Freitas 1º ocupante: Amélia de Freitas Beviláqua 2º ocupante: Joaquim Raimundo Ferreira Chaves (Mons.) Ocupante atual: Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz CADEIRA Nº 24 Patrono: Jonas de Moraes Correia 1º ocupante: Jonas Fontenele da Silva 2º ocupante: Jônatas de Moraes Correia 3º ocupante: Robert Wall de Carvalho Ocupante atual: Paulo de Tarso Mello e Freitas CADEIRA Nº 25 Patrono: Gabriel Luís Ferreira 1º ocupante: Simplício de Sousa Mendes 2º ocupante: Luiz Lopes Sobrinho Ocupante atual: Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior CADEIRA Nº 26 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante:
Simplício Coelho de Resende Benjamim de Moura Baptista Álvaro Alves Ferreira Manoel Felício Pinto João Emílio Falcão Costa Filho
Ocupante atual: Magno Pires Alves Filho
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CADEIRA Nº 27 Patrono: Honório Portela Parentes 1º ocupante: Armando Madeira Brandão 2º ocupante: Armando Madeira Basto 3º ocupante: José Eduardo Pereira 4º ocupante: José Lopes dos Santos Ocupante atual: Reginaldo Miranda da Silva CADEIRA Nº 28 Patrono: Luísa Amélia de Queirós Brandão 1º ocupante: Elias de Oliveira e Silva 2º ocupante: José Vidal de Freitas Ocupante atual: Manfredi Mendes de Cerqueira CADEIRA Nº 29 Patrono: Gregório Taumaturgo de Azevedo 1º ocupante: José de Arimathéa Tito 2º ocupante: José de Arimathéa Tito Filho 3º ocupante: João Porfírio de Lima Cordão Ocupante atual: Afonso Ligório Pires de Carvalho CADEIRA Nº 30 Patrono: Deolindo Mendes da Silva Moura 1º ocupante: Antônio Bona 2º ocupante: Cláudio Pacheco Brasil Ocupante atual: Álvaro Pacheco CADEIRA Nº 31 Patrono: João Crisóstomo da Rocha Cabral 1º ocupante: Artur de Araújo Passos 2º ocupante: José Patrício Franco Ocupante atual: Júlio Romão da Silva
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CADEIRA Nº 32 Patrono: Antonino Freire da Silva Ocupante atual: Raimundo Nonato Monteiro de Santana CADEIRA Nº 33 Patrono: Abdias da Costa Neves 1º ocupante: Wilson de Andrade Brandão Ocupante atual: Nelson Nery Costa CADEIRA Nº 34 Patrono: Anísio de Brito Melo 1º ocupante: Odilon Nunes 2º ocupante: Cláudio Melo (Padre) 3º ocupante: José Magalhães da Costa Ocupante atual: Zózimo Tavares Mendes CADEIRA Nº 35 Patrono: Antônio Alves de Noronha Ocupante atual: Maria Nerina Pessoa Castelo Branco CADEIRA Nº 36 Patrono: Vicente de Paulo Fontenele Araújo 1º ocupante: Darcy Fontenele Araújo 2º ocupante: Josias Carneiro da Silva 3º ocupante: José de Ribamar Oliveira Ocupante atual: Francisco de Assis Almeida Brasil CADEIRA Nº 37 Patrono: Heitor Castelo Branco 1º ocupante: Emília Castelo Branco de Carvalho 2º ocupante: Emília Leite Castelo Branco Ocupante atual: Heitor Castelo Branco Filho
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CADEIRA Nº 38 Patrono: João Francisco Ferry Ocupante atual: Manoel Paulo Nunes CADEIRA Nº 39 Patrono: José Newton de Freitas Ocupante atual: Celso Barros Coelho CADEIRA Nº 40 Patrono: Mário Faustino dos Santos e Silva 1º ocupante: João Coelho Marques 2º ocupante: Salomão Azar Chaib Ocupante atual: Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati
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ANTIGUIDADE DOS ACADÊMICOS DE ACORDO COM O INGRESSO NA ACADEMIA QUADRO EM 31 DE DEZEMBRO 2010 CADEIRA ACADÊMICOS 35 39 38 32 18 17 04 06 25 24 09 28
POSSE
Maria Nerina Pessoa Castelo Branco Celso Barros Coelho Manoel Paulo Nunes Raimundo Nonato Monteiro de Santana Herculano Moraes da Silva Filho João Paulo dos Reis Velloso William Palha Dias Orlando Geraldo Rego de Carvalho Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior Paulo de Tarso Mello e Freitas Hugo Napoleão do Rego Neto Manfredi Mendes de Cerqueira
19/12/1966 29/05/1967 28/08/1967 18/12/1967 01/05/1980 30/04/1981 17/09/1982 07/06/1983 31/08/1984 05/03/1986 06/03/1987 20/05/1988
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07 21 31 08 16 30 15 37 40 12 26 19 36 14 22 02 13 05 33 34 29 20 27 11 23 10 01 03
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Humberto Soares Guimarães 10/12/1988 Francisco Hardi Filho 07/08/1989 Júlio Romão da Silva 21/05/1990 Francisco Miguel de Moura 30/10/1990 Eustachio Portella Nunes Filho 08/08/1991 Álvaro Pacheco 28/01/1994 Benjamin do Rego Monteiro Neto 03/03/1994 Heitor Castelo Branco Filho 20/05/1994 Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati 26/08/1994 Wilson Carvalho Gonçalves 10/02/1995 Magno Pires Alves Filho 25/10/1995 Alcenor Rodrigues Candeira Filho 15/03/1996 Francisco de Assis Almeida Brasil 09/08/1996 Altevir Soares de Alencar 13/06/2000 Nildomar da Silveira Soares 27/09/2000 Jônathas de Barros Nunes 22/11/2000 Pedro da Silva Ribeiro 08/02/2001 Oton Mário José Lustosa Torres 05/04/2001 Nelson Nery Costa 30/10/2001 Zózimo Tavares Mendes 10/12/2002 Afonso Ligório Pires de Carvalho 27/06/2003 Raimundo José Airemoraes Soares 12/08/2004 Reginaldo Miranda da Silva 18/10/2006 José Ribamar Garcia 15/03/2007 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz 05/10/2007 José Elmar de Mélo Carvalho 21/10/2008 Antônio Fonseca dos Santos Neto 02/03/2010 Jesualdo Cavalcanti Barros 06/08/2010
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SÓCIOS DE DIVERSAS CATEGORIAS SÓCIOS CORRESPONDENTES 1970 – 1982 Ribeiro Ramos (CE) Afonso Pereira da Silva (PB) Manoel Rodrigues de Melo (RN) Lothar Hessel (RS) Paulo Klumb (Santa Maria-RS) Manoel Caetano Bandeira de Melo (RJ) Alípio Mendes (Angra dos Reis-RJ) João Aragão (Nilópolis-RJ) Aristheu Bulhões (Santos-SP) Benedito Cleto (Sorocaba-SP) Elza Meireles (Mogi das Cruzes-SP) Mário Pires (Campinas-SP) Djalma Silva (GO)
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Nereu Corrêa (SC) Enéas Athanázio (Blumenau-SC) Oliveira Melo (Patos de Minas-MG) Vasco José Taborda (PR) Teresinka Pereira (Boulder-EUA) Cândido Carvalho Guerra (Corrente-PI) João Lindemberg de Aquino (Crato-CE) 1985 João do Rego Gadelha (Belém-PA) 1988 Tobias Pinheiro (Rio de Janeiro-RJ) Gerardo Mello Mourão (Rio de Janeiro-RJ) 1992 Cassiano Nunes (Brasília-DF)
1994 Jorge Medauar (São Paulo-SP) 1995 Maria Aparecida de Mello Calandra (Mogi das Cruzes-SP) 22.01.1998 Jorge Lima de Moura (Palmas-TO) 03.10. 1998 Cleá Rezende Neves de Mello (Brasília-DF) SÓCIOS HONORÁRIOS 1918 Rui Barbosa
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1927 Leonardo Mota 1970 – 1984 E. D’Almeida Vitor Lycurgo de Castro Santos Filho Maria Yêda Caddah Theobaldo Jamundá Haroldo Amorim Rego Nelson Carneiro 08.05.1993 Raul Furtado Bacellar 1994 Virmar Ribeiro Soares Geraldo Fontenelle 04.05.1996 Vicente Ribeiro Gonçalves – (Post mortem) 22.01.1998 Tobias Pinheiro Filho Raimundo Alonso Pinheiro Rocha Edson Raymundo Pinheiro de Sousa Franco Alvacir dos Santos Raposo Filho Tomaz Gomes Campelo Humberto Costa e Castro João Costa e Castro Ademar Bastos Gonçalves José Pires Gayoso de Almendra Freitas Eurípides Clementino de Aguiar – (Post mortem) Joacil de Britto Pereira Dimas Ribeiro da Fonseca Arassuay Gomes de Castro ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
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30.01.2008 José Elias Martins Aréa Leão
SÓCIOS BENEMÉRITOS Leônidas de Castro Melo Dirceu Mendes Arcoverde Bernardino Soares Viana 05.03.1994 Antônio de Almendra Freitas Neto Raimundo Wall Ferraz Robert de Almendra Freitas Álvaro Brandão Filho Charles Carvalho Camillo da Silveira José Moacy Leal Moisés Ângelo de Moura Reis José Elias Martins Arêa Leão Carlos Burlamaqui da Silva José Elias Tajra Jesus Elias Tajra Filho Edilson Viana de Carvalho 22.01.1998 Jesus Elias Tajra João Claudino Fernandes Paulo Delfino Fonseca Guimarães 23.01.2000 Antônio Rodrigues da Silva José Osmando de Araújo Vieira 24.01.2004 Álvaro Freire Aerton Cândido Fernandes
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24.01.2006 Antonio Dib Tajra Stanley Fortes Baptista Antonio Machado Barbosa Francisco das Chagas Campos Pereira Maria Célia Portella Nunes Danilo Damazio da Silva 30.01.2008 Maria de Lourdes Leal Nunes Brandão Cláudia Maria de Macêdo Claudino Júlio César de Carvalho Lima Osmar Ribeiro de Almeida Júnior
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PERSONALIDADES AGRACIADAS COMENDA DO MÉRITO CULTURAL “LUCÍDIO FREITAS” 21.01.1993 Antônio de Almendra Freitas Neto José Sarney Antônio Houaiss Hugo Napoleão do Rego Neto Murilo Hingel Marcus Acioly Álvaro Pacheco Francisco das Chagas Caldas Rodrigues Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco Cláudio Pacheco Brasil Raimundo Wall Ferraz Milton Nunes Chaves
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Jesualdo Cavalcanti Barros Octávio Miranda Heráclito Sousa Fortes Domingos Carvalho da Silva Eloi Portela Nunes Sobrinho Clidenor Freitas Santos José Elias Martins Arêa Leão Moaci Ribeiro Madeira Campos José Gomes Campos Maria Yêda Caddah Afrânio Pessoa Castelo Branco José de Arimathéa Tito Filho – Post mortem 08.05.1993 Lauro Andrade Correia 12.11.1993 Maria Cecília da Costa Araújo Mendes Niède Guidon 07.05.1994 Charles Carvalho Camillo da Silveira 08.10.1994 Afonso Ligório Pires de Carvalho 11.12.1995 Alberto Vasconcellos da Costa e Silva 30.03.1996 Lucídio Portella Nunes 26.09.1996 José Ribeiro e Silva
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16.11.1996 Antenor de Castro Rego Filho 23.05.1997 Joacil de Britto Pereira 24.05.1997 Pedro Leopoldino Ferreira Filho 22.01.1998 Francisco de Assis de Moraes Souza Gerardo Juraci Campelo Leite José Luiz Martins de Carvalho Dom Miguel Fenelon Câmara Firmino da Silveira Soares Filho Agenor Ribeiro Artur Eduardo Benevides Clóvis Olinto de Bastos Meira Jomar da Silva Moraes 19.11.1998 Francisca das Chagas Trindade 13.01.2000 Francisco de Assis Almeida Brasil 24.02.2000 Clóvis Moura 30.03.2000 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
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25.05.2000 Manoel Paulo Nunes Cassiano Nunes 27.07.2000 Paulo Bonavides 15.08.2000 Cristovam Buarque 05.09.2000 Eduardo de Castro Neiva Júnior 28.09.2000 Washington Luís de Sousa Bonfim 07.11.2000 Éverton dos Santos Teixeira 26.04.2002 Banco do Nordeste do Brasil, S.A. 19.11.2003 Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy 26.01.2008 Raul Wagner Veloso 30.01.2008 José Wellington Barroso de Araújo Dias Sílvio Mendes de Oliveira Kleber Dantas Eulálio Antonio Rodrigues de Sousa Neto Luiz de Sousa Santos Júnior
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Felipe Mendes de Oliveira José Reis Pereira Sônia Maria Dias Mendes Antonio Soares Batista Cineas das Chagas Santos Maria Conceição Soares Meneses Instituto Dom Barreto Diva Maria Freire Figueiredo Raimundo Aurélio Melo Enéas Athanázio Doralice Andrade Parentes Maria do Socorro Rios Magalhães Paulo Delfino Fonseca Guimarães Danilo Damásio da Silva Valmir Miranda Segisnando Ferreira de Alencar Jesus Elias Tajra José Elias Tajra José de Arimatéia Azevedo
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