ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Presidente Reginaldo Miranda da Silva Vice-Presidente Raimundo Nonato Monteiro de Santana Secretário-Geral Oton Mário José Lustosa Torres 1º Secretário José Elmar de Mélo Carvalho 2º Secretário Nelson Nery Costa Tesoureiro Manoel Paulo Nunes
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS N° 71 - ANO XCVI - 2013
CASA DE LUCÍDIO FREITAS
REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS
Dezembro de 2013 Ano XCVI – Nº 71 Comissão de Redação Celso Barros Coelho Francisco Miguel de Moura Humberto Soares Guimarães Nildomar da Silveira Soares Oton Mário José Lustosa Torres Organização Vera Lúcia Rocha Sales Digitação Isis Pinto do Nascimento Soares Diagramação Raimundo Araújo Dias raimundoad@yahoo.com.br Fone: 8838-5570 Impressão
Revista da academia piauiense de letras. – Ano XCVI, n. 71 ( jul./2013) – Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2013. 205 p. v. : il.; 21 cm. Anual ISSN 2236-5036 1. Literatura – Periódicos 2. Literatura Brasileira Piauiense.
3. Literatura CDD 805
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Av. Miguel Rosa, 3300-Sul Cep: 64001-490 - Teresina-PI Fone/Fax.: ( 0**86) 3221-1566 site: www.academiapiauiensedeletras.org.br e-mail: acadpi@ig.com.br
SUMÁRIO
NOSSA REVISTA
7
POSSE DO ACADÊMICO HOMERO CASTELO BRANCO NETO Discurso de Posse
11 13
Reginaldo Miranda
Homero Ferreira Castelo Branco Neto
Discurso de Recepção
31
POSSE DO ACADÊMICO ALUÍZIO NAPOLEÃO Discurso de Posse
47 49
Reginaldo Miranda
Aluízio Napoleão
Discurso de Recepção
61
POSSE DO ACADÊMICO JOSÉ RIBAMAR GARCIA Discurso de Recepção
75 77
VIDA ACADÊMICA Clidenor, Um Espírito Quixotesco
89 91
Júlio Romão
97
Celso Barros Coelho
Herculano Moraes
Celso Barros Coelho Celso Barros Coelho
SOLENIDADES REALIZADAS NA APL 105 Solenidades Realizadas em 2010 107 Solenidades Realizadas em 2011 110 Solenidades Realizadas em 2012 111 Solenidades Realizadas em 2013 114 LANÇAMENTO DE LIVROS 117 Conversas com M. Paulo Nunes 119 M. Paulo Nunes
COLABORAÇÃO 125 Homenagem a M. Paulo Nunes 127 Celso Barros Coelho
Geração de 45 no SALIPI 135 M. Paulo Nunes
Navegando o Velho Monge 141 Elmar Carvalho
JEAN-JACQUES ROUSSEAU: TREZENTOS ANOS 147 Nelson Nery Costa
QUADRO DA APL 181 Situação em Dezembro de 2013 183 Antiguidade dos Acadêmicos 193 Sócios de Diversas Categorias 195 Personalidades Agraciadas com a Comenda do Mérito Cultural “Lucídio Freitas” 201
NOSSA REVISTA A história de nossa revista bem retrata a trajetória quase secular da Academia Piauiense de Letras, dizendo de seus momentos de maior culminância, bem como daqueles em que sofreu na planície das necessidades mais comezinhas. Fundado o nosso sodalício em 30 de dezembro de 1917, com inauguração oficial em 24 de janeiro seguinte, não tardou a divulgar a sua revista com a intenção de fazêla semestral, solenemente lançada em junho de 1918. As dificuldades não são de hoje. Já naquele primeiro número o secretário-geral João Pinheiro as menciona e diz dos objetivos da revista que se lançava, assim anotando: “Apesar de todas as dificuldades, sobretudo de caráter econômico, empreendemos esta publicação, destinada, principalmente, a difundir o gosto das boas letras e dos estudos de história e de geografia do Piauí, de que tanto carecemos. O nosso olvido pelas cousas piauienses concorre para que sejamos esquecidos dentro do país, de forma que os geógrafos e historiadores cometem os erros mais grosseiros sempre que se referem à nossa terra, tão pouco amada de seus filhos”.
inicial:
O preclaro fundador, ainda anota em sua Advertência “A fundação da Academia de Letras e a publicação desta Revista visam chamar a atenção dos entendidos para o estudo de quanto nos possa interessar, de seus homens, de suas cousas, tanto quanto estiver ao alcance das nossas forças”.
Felizmente, desse objetivo não se desvirtuou essa casa de cultura, ainda hoje seguindo os princípios norteados pelos eminentes fundadores. Todavia, a divulgação da revista bem demonstra
as dificuldades econômico-financeiras de nossa instituição cultural. Com exceção do ano de 1920, a revista teve publicação regular até o ano de 1929, publicando edições dobradas nos anos de 1923, 1924 e 1927. Depois de seis anos inativa, volta à estampa em 1936 com a edição n.º 15, seguindo regularmente até o ano de 1939, com uma edição anual. Os anos de 1940 e 1941 foram difíceis, apresentandose ao público novamente nos anos de 1942 e 1943, com as edições n.º 19 e 20. Desde então, uma apatia se abateu sobre os nossos intelectuais, quase não se reunindo e priorizando outras atividades literárias. Entre os anos de 1944, inclusive, e 1972 apenas uma edição da revista foi publicada em 1962, a 21ª. Somente com a revigoração da Academia em 1967, quando completou cinquenta anos de fundação e foram ampliadas as cadeiras de trinta para quarenta, trazendo novos membros, a mocidade de então, bem como a posterior assunção à presidência do notável Arimathéa Tito Filho, foi que a edição da revista voltou a ser priorizada. Em 1972, 55º ano de sua fundação, a Academia retoma a publicação de sua revista, que segue regularmente até à atualidade. Quando assumimos a direção do sodalício a publicação estava atrasada, dependendo da execução de convênio com a Universidade Federal do Piauí (UFPI). Embora tenha havido sugestões de lançar edições referentes a mais de um ano, a fim de atualizar com maior facilidade a Revista, preferimos manter as edições anuais, como manda o novo Estatuto. Em pouco mais de três anos de gestão, estamos publicando dez edições da revista, apenas duas por aquele convênio, sendo as demais com recursos próprios. É que pensamos como os fundadores, que uma casa de cultura não pode bem viver sem uma boa publicação. O presente ano foi profícuo. Diversas atividades foram
desenvolvidas na Academia Piauiense de Letras. Promovemos palestras e debates, recebemos inúmeras delegações de professores e alunos, lançamos livros. Enfim, o sodalício cumpre o seu desiderato de promover o desenvolvimento da cultura em nosso Estado. Parte dessas atividades está expressa na presente edição que ora vem a público. Boa leitura! Reginaldo Miranda Presidente da Academia Piauiense de Letras
POSSE DO ACADÊMICO HOMERO FERREIRA CASTELO BRANCO NETO
DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO HOMERO FERREIRA CASTELO BRANCO NETO
AGUENTA, CORAÇÃO!
E
m geral termino meus discursos, emocionado, mas desta vez é o contrário, já começo emocionado. – Senhor presidente da Academia Piauiense de Letras, acadêmico Reginaldo Miranda da Silva. – Excelentíssimo senhor representante do governador do Estado, secretário de governo, deputado Wilson Nunes Brandão. – Excelentíssimo senhor presidente da Assembleia *
Discurso de Posse do Acadêmico Homero Ferreira Castelo Branco Neto, na Cadeira 31 da Academia Piauiense de Letras, proferido em 20.06.2013, no auditório da OAB/PI.
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Legislativa do Piauí, deputado Themistocles Filho. – Excelentíssimo senhor vice-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Fernando Carvalho, representando o Poder Judiciário. – Excelentíssimo senhor secretário municipal de governo, deputado Luciano Nunes Filho, representando o prefeito municipal. – Excelentíssimo senhor secretário geral da Academia Piauiense de Letras, desembargador Oton Lustosa. – Senhor primeiro secretário da Academia Piauiense de Letras, acadêmico José Elmar de Melo Carvalho. – Excelentíssimo senhor presidente da União Brasileira de Escritores, desembargador Tomaz Gomes Campelo. – Hilma Martins Castelo Branco quem aprendi a amar desde quando aprendi a conhecê-la. É hoje parte de minha vida, parte de minha alma, parte de meus nervos, parte de meu sangue. – Minha querida irmã Vânia Pontes Castelo Branco Oliveira e meu irmão Herbert Marathaoan Castelo Branco Júnior, exemplos raidoso de solidariedade, cimentado na boa-vontade, aprofundado na raiz indestrutível no mar de leite da ternura de nossos pais. Mamãe um buquê de virtude sem o defeito do espinho e nosso pai, pacato e paciente. – Amigas Wanda Siqueira Nunes, personagem saída de romance, uma linda mulher com a fidalguia de dama antiga e Emília da Paixão Costa (Bizinha) com seu lindo sorriso e com seus olhos luminosos como o Amarante. “A minha terra é um céu se há um céu sobre a terra.” – Em nome dos quais saúdo os demais familiares e amigos, peças componentes de meu mundo, razão única de meu viver, quem eu gostaria de nominar individualmente. Sou infatigável cultivador das velhas amizades, mormente nesta fase imprecisa e nevoenta da vida que
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sentimos com os encantos que findam e os afetos que não morrem. Sentimos que, se é tarde para vivê-la, é cedo para deixá-la porque deixá-la é perder instante como este. A vida é feita de instante e num instante passa. A Academia Piauiense de Letras – Casa de Lucídio Freitas – venerada em sua prodigiosa existência, o relicário das figuras mais ilustradas e mais respeitáveis de nossa intelectualidade, púlpito sagrado da inteligência piauiense em cujos nomes iluminados, jamais deixou de brilhar o lampejo dos poetas e prosadores, dos sociólogos, dos folcloristas e dos filósofos da Terra Mafrense. A propósito, quiçá não seja demasiado evocar que em 30 de dezembro de 1917, há 96 anos, portanto graças ao espírito vanguardeiro de nossa raça, fundou-se a Academia Piauiense de Letras. Em que pese a defasagem, aqui e acolá emergente, ao longo de sua fulgente história, a verdade cristalina é que ela, desde seu prelúdio constitui um dos mais fortes elementos de nossa vida literária. Há anos, em rotineira diligência, acompanho as atividades desta Casa, procurando viver e sentir suas merecidas glórias de instituição que caminha para dealbar de sua primeira centúria de existência, sempre acrisolada no ideal de divulgar a cultura, aprimorando a expressão da palavra, símbolo maior da afirmação humana em sua luta pela cobiça do domínio na natureza. No percorrer dessa trajetória aprendi a admirar o talento dos que por ela passaram como hoje o faço em relação aos que nela atualmente mourejam legítimos representantes da tradição de nossa opulenta cultura e paladinos incansáveis das vocações literárias da alma piauiense, sequiosa por traduzir na imagem do verbo, o encanto e a maravilha do orbe e, por igual modo, os conflitos
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e as ideias do homem em seus deslumbramentos e em suas perplexidades diante da cosmovisão do universo e da insondável penetração de suas potentes leis e regências. O silente amanho desse apostolado fez surgir em minha imaginação, o pretensioso sonho de vir um dia integrar o quadro orgânico desta Academia, para coroar o projeto de minha aspiração literária e poder sentir, com maior proximidade, o enlevo de seus notáveis feitos e realizações. Ao pressentir a acolhida calorosa das senhoras e dos senhores acadêmicos a minha humilde pessoa; ao pressentir que esquecíveis em me terem a seu lado; ao pressentir que, facilmente se me abririam as veneradas portas da Academia, comecei de prelibar da alegria desta noite festiva e de antegozar da delícia de convívio que me será, tenho certeza, soberanamente salutar e revigorador. Senhoras e Senhores Acadêmicos Afirmou Austregésilo de Athayde, no discurso de recepção a José Lins do Rego na Academia Brasileira de Letras: “A Academia não é uma escola de aperfeiçoamento de escritores. É antes um regaço tranquilo para aqueles que, nas labutas da pena, deram os melhores frutos. Aqui é um lugar de onde contemplamos a obra realizada, recebendo na imortalidade, os precários galardões da fama e da glória.”
Meditando estas palavras e pensando em quanto afirmam outros, isto é, que o ingresso na Academia é o prêmio conferido a valores consagrados e refletindo, ainda, no preceito do estatuto desta Casa, quando diz somente poder ser acadêmico titular, escritor ou cientista de relevo, olho para mim mesmo. Olho para o escriba que sou tentando descobrir a razão que os conduziu a sufragar meu nome para o preenchimento de uma vaga na respeitabilíssima Casa de Lucídio Freitas.
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Tentando, ainda, desvendar o segredo da surpreendente unanimidade de seu sufrágio, fato que o acadêmico Manoel Paulo Nunes declarou ter sido “Uma excepcionalidade única na história deste tradicional sodalício.” A escolha sobre mim que fizeram para compor este magno sodalício é extremamente generosa. Diz uma forma real ao ambicioso sonho que acalentava em segredo, ao embalo da esperança, com a fé inquebrantável com que lutam os que aspiram à vitória de seu ideal. Decerto levaram, senhoras e senhores acadêmicos, em conta que minha modesta produção literária revestese do mérito de haver sido realizada no isolamento da militância política, onde as ambições gerais se voltam quase que exclusivamente para as atividades político-partidárias, com desprezo quase que total das atividades do espírito. Neste caso, a honraria insigne a mim tributada, com tamanha generosidade, não tendo o sentido da premiação, valerá como o maior de todos os estímulos a quem por entre percalços e obstáculos, quase intransponíveis, dedica-se à cultura, em ambiente indiferente. A etapa derradeira do ciclo deliberativo de sua soberana vontade culmina com esta magnífica sessão solene que as senhoras e os senhores organizaram ao abrigo desta sólida Casa dos Operadores do Direito, no encanto desta noite, para proporcionar meu primeiro encontro com minha nova e querida morada espiritual, onde sou recebido com a pompa de sua ilustre presença, para ouvir a saudação do conspícuo membro desta Academia, o escritor Reginaldo Miranda da Silva, fulgurante inteligência que pontifica com maestria em quase todos os gêneros literários, sobressaindose no conto e como historiador vivamente preocupado com a memória. Suas palavras pinçadas de originalidade por certo darão uma versão muito maior a minha modesta
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atividade literária e revelará que o julgamento da amizade é emocionalmente benevolente, ungindo de justificação amorável. Sou-lhes, por tudo isso, gratíssimo, por terem acudido ao rogo inaudível de meu sonho, não permitindo que ele fosse reduzido a quimera, perdendo-se na imensidão da aspiração irrealizada. O ritual das academias, seguido pelo desta CASA impõe ao eleito, na ocasião de sua posse, fazer a retrospectiva da memória do sucedido, do patrono e dos demais ocupantes da cadeira para que sejam eles os verdadeiros homenageados. Sentar-me-ei, sobremodo honrado na Cadeira 31 que tem como Patrono, João Crisóstomo da Rocha Cabral, destacado filho da pioneira Jerumenha onde nasceu em 1870, uma das maiores expressões do Judiciário brasileiro, atuando como ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Formou-se em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Recife. Após a formatura fixou residência em Manaus onde se destacou como advogado e jornalista. Em 1905, transferiu-se para o então centro das decisões políticas do país, Rio de Janeiro, onde se consagrou como jurista responsável pela elaboração de textos vitais para o aprimoramento do Judiciário. Em Manaus foi autor do texto original do Código de Processo Penal do Estado do Amazonas. Na capital da República foi professor de Direito Comercial da Universidade do Brasil. Ingressando na política, elegeu-se deputado federal pelo Piauí, atuando no Congresso em duas legislaturas, onde teve excelente desempenho. Os discursos que proferiu da tribuna da Câmara foram enfeixados em vários livros que publicou.
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Como afirma o historiador Wilson Gonçalves: João Cabral foi brilhante parlamentar, notável escritor e destemido jornalista.
Porém, sua grande projeção ocorreu como jurisconsulto, praticando como exemplo de saber para todo o país. Na abalada opinião de Édison Cunha: João Cabral é um espírito forte e culto. Muito culto. Jurista, é professor acatadíssimo pelo estudo especializado, de renome no país e no exterior. Nas belas letras é o conferencista delicado e espirituoso, o crítico de humor arguto, poeta inspirado.
O Código Eleitoral por ele redigido foi a base para a criação do Tribunal Superior Eleitoral, aprovado e sancionado em fevereiro de 1932, instalado oficialmente em 20 de maio do mesmo ano. Em seus discursos e conferências, vislumbra-se a influência do Evolucionismo. Homem da mais acrisolada cultura geral é, sem dúvida a personagem que abrange por inteiro o círculo do conhecimento humano, cujo espírito viaja por todos os ramos do saber, reunindo em si, elemento bastante para se constituir em exemplo dos mais raros de verdadeira ilustração enciclopédica... As obras de sua autoria estão a refletir uma inteligência das mais fecundas ao lado de inigualável fascínio pessoal, o que o levou não apenas ao píncaro da glória literária, como também o fez ascender a honrosos cargos. Eminentes homens de letra do Piauí fizeram para o pôster impressões que enaltecem a figura de nosso perfilado. Um fato curioso: João Cabral é o primeiro ocupante da cadeira 12, cujo patrono é Antônio Coelho Rodrigues.
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Porém, quando a Academia Piauiense de Letras elevou para 40 o número de cadeiras, João Cabral surge como patrono da Cadeira 31, imediatamente ocupada por seu conterrâneo Arthur de Araújo Passos (1882), nascido em Jerumenha. Na juventude Arthur Passos transferiu-se para Manaus, onde exerceu o mandato de subprefeito e prefeito de Polícia, função correspondente hoje ao de secretário de Segurança. Não frequentou banco escolar, dedicandose aos estudos e pesquisas por conta própria. Autodidata, interessou-se pela história e desenvolvimento dos municípios. Retornou a Jerumenha em 1911, exercendo ali os cargos de coletor estadual, vereador e prefeito. Órfão de pai decidiu morar na capital, aqui chegando em 1928 onde trabalhou como balconista. Político militante foi secretário particular do interventor federal Vitorino Correia e chefe da Casa Civil no Governo de Teodoro Sobral. Trouxe para Teresina a disposição para a política, elegendo-se vereador. Municipalista convicto expôs sua ideia na obra Conceito político e social do município. Como jornalista teve imensa participação nos jornais de sua época. Foi diretor da Imprensa Oficial e legou uma obra literária com destaque para lendas e costumes regionais, o folclore, a expressão viva do povo simples do sertão. Duas obras de sua rica bibliografia podem ser destacadas: – Folclore piauiense, publicada em 1945. – Lendas e fatos, 1948. Na Academia foi sucedido por José Patrício Franco (1906), bacharel em Direito, jornalista, historiador, poeta, professor, também nascido na pioneira Jerumenha. De origem modesta, cedo teve que trabalhar para viver. Passou algum tempo em Uruçuí, mudando-se em
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seguida para Floriano, onde trabalhou como caixeiro-viajante e lecionou história em escola do município. Em 1942 chegou a Teresina onde exerceu os cargos de escriturário e contador. Ingressou no Banco do Estado do Piauí do qual foi presidente, nomeado por seu amigo, então governador João Clímaco d´Almeida. Adquiriu boa cultura através de dedicação própria. Raro talento, passa a pesquisar assunto municipalista. Por duas legislaturas, foi vereador de Teresina. Jornalista, é um dos fundadores da Associação Piauiense de Jornalistas, embrião do sindicato da classe. Sempre o mesmo homem cortês, atencioso, modesto e simples. Publicou: – Cinco anos no Norte do Brasil. – Uruçuí, sua história e sua gente. – Três ensaios históricos. – História do Banco do Estado do Piauí. – O município no Piauí. – Capítulos da história do Piauí. – Momentos sonoros – poesia. – Poesias. Na cadeira 31 de acentuado perfume vernáculo, o último a sentar-se foi Júlio Romão da Silva (1917), escritor, etnólogo, jornalista e dramaturgo de apreciável estrutura dimensional, nascido em Teresina. Escritor fiel a seu idealismo intelectual no modo de ver e sentir; trazia dentro de si, como causas fundamentais além de outras, a bondade, a justiça, sobretudo, o social e a pureza. Neste sentido usou-as como arma eficaz nos embates travados em prol de um mundo melhor, bastante conscientizado, totalmente cabível na esfera de seu otimismo
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sábio.
Assim era Júlio Romão da Silva quem conheci, nós conhecemos e as senhoras e os senhores o conheceram. Assim dou seguro testemunho de seu estro espontâneo quanto fulgurante. De seu receio e esperança em torno da divisão da humanidade em raça, aliás, uma constante no mundo de sua preocupação social, saliente-se a inteireza de seu caráter. O talento para o jornalismo manifestou-se muito cedo, ainda na Escola de Aprendizes a Artífices, ao fundar em 1936 o jornal O Artífice. Mas Teresina tornou-se pequena para sua ambição. Aventurou-se num pau de arara e foi para o Rio de Janeiro, onde construiu sua história e tornou-se referência como fundador do Teatro Negro e da Orquestra Afro-Brasileira. Ligou-se aos movimentos ideológicos e fez de sua arte teatral instrumento da propaganda de sua ideia nacionalista. Defendeu a língua tupi, exaltou os ídolos da raça, trafegou livre na sociedade carioca por sua obstinada luta. Trabalhou no Diário de Notícias, Correio da Manhã e Jornal do Comércio. Fez parte da elite do teatro brasileiro. Tornou-se Cidadão Carioca, é nome de rua na cidade do Rio de Janeiro. Bacharelou-se em Letras, em História e Geografia pela faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro. Seus amigos, coordenados pelos professores Aci Campelo e Élio Ferreira, organizaram uma antologia com a bibliografia de Júlio Romão – Entre o formão, a pena e a flecha – com depoimento crítico sobre sua vasta obra. Foi feito mais por amor às letras e total respeito a quem soube exercê-las com requinte de delicadeza e inequívoca honestidade.
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Chegaram, portanto, como escritor e com o escritor para desanuviar o ambiente, no caso de uma espessa névoa imprevisível, sem dúvida, um complemento que se integra a sua polimorfa cultural. Escritor engajado, ativista negro liderou diversos movimentos sociais no Rio de Janeiro. Escreveu sobre assunto de ordem filosófica. Para ele a palavra harmonia tinha um significado especial: harmonia era o fundamento do universo da ciência e também fundamento da felicidade que resulta do equilíbrio interior. Publicou as seguintes obras: – Os escravos (1947). – O golpe conjurado (1950). – Memória histórica sobre a transferência da capital do Piauí (1952). – Luís Gama e suas poesias satíricas (1954), prefaciada, respectivamente por Otto Maria Carpeaux e Barbosa Lima Sobrinho. – Vida e obra de Teodoro Sampaio (1955). – A maçonaria, os destinos políticos do Brasil e a atualidade brasileira (1958), discurso oficial na sessão magna do Grande Oriente do Brasil, comemorativa do 60.º ano da Proclamação da República no Palácio Maçônico da Rua do Lavradio, Rio de Janeiro. – Santa Catarina: geografia, demografia, economia (1960), apresentação do então governador Celso Ramos. – Geonomásticos cariocas de procedência indígena (1962) pela qual recebeu o prêmio João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras, revisão crítica de Aurélio Buarque de Holanda. – A parábola da ovelha (1963), enfoque dramaturgo da problemática da juventude transviada. – Evolução do estudo das línguas indígenas do Brasil
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(1965). (1966).
– Denominações indígenas no toponímica carioca
– A mensagem do salmo (1967), encenada e adaptada para o teatro nacional e para o cinema mexicano. – A família etnolinguística Bororo (1968). – O monólogo dos gestos (1968), obra didática adotada nos cursos de teatro. – Zumbo-zumbo (1969), apresentação do Brasil através do folclore, representada no Teatro Nacional de Comédia. – A epopeia brasileira (1972), representada no auditório da Associação Brasileira de Imprensa como parte da programação oficial do sesquicentenário da Independência do Brasil, Rio de Janeiro. – Solano Trindade (1974). – Cera de carnaúba e cacau (1974). – Cultura humanística em Portugal e arte biográfica (1975). – Louvado seja Castro Alves (1975). – José, o vidente (1975), saga dramática de Israel pela qual recebeu o prêmio do Teatro Cláudio Sousa da Academia Brasileira de Letras, prefácio de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde). – Os índios bororos: família etnolinguística (1980). – Os anjos caídos (S/d), além de palestras e conferências que projetaram seu nome no cenário nacional. Dentro da convulsão emocional em que se envolveu não deixou de transmitir a sua obra o cuidado na exposição que faz com que seus livros se constituam em obras permanentes. Raros escritores piauienses de sua geração adquiriram a projeção desse conterrâneo – Júlio Romão da Silva – uma projeção que
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corresponde ao próprio enaltecimento da terra que o tem como um de seus filhos mais ilustres, uma forte e magnífica contribuição à moderna literatura brasileira, para honra e glória de nosso País (opinião do mestre A. Tito Filho).
Genolino Amado, R. Magalhães Júnior e Francisco de Assis Barbosa, em parecer ao prêmio de dramaturgia Cláudio de Sousa, vencido pelo piauiense: Sob o ponto de vista da literatura teatral os méritos de Júlio Romão se evidenciam na segura construção das cenas, como no vigor e fluência dos diálogos, estes sempre de boa linhagem.
O escritor e acadêmico Herculano Moraes faz a seguinte análise sobre a trajetória de Júlio Romão: Imagine um negro adolescente, pobre, descalço, levando no matulão os sonhos de prosperidade e afirmação, desembarcando na rodoviária do Rio de Janeiro, rompendo barreira e preconceito e se afirmando no teatro, no jornalismo, no meio acadêmico, na elite intelectual do país. Todos os aplausos que dedicarmos a ele será pouco para a grandeza de Júlio Romão da Silva no cenário da cultura brasileira”
Júlio Romão retornou ao Piauí. Diante de tão consistentes obras, a Academia Piauiense de Letras em 21 de maio de 1990 o recebeu como titular da cadeira 31. Durante mais de duas décadas ele empolgou a todos com o brilho contagiante de sua inteligência. Ao falecer, levando a saudade com brilhante luz à presença de Jesus, deixou-nos uma obra imperecível... Em cada frase a síntese de um pensamento. A concisão, a clareza, o equilíbrio são qualidades do escritor e estão presentes em toda sua obra. Sua literatura é uma literatura de ideia.
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A despeito de sua intensa curiosidade intelectual nunca trocou o livro pelos livros. Como nos dois Testamentos está consubstanciada a Sabedoria Universal, senão em suas inúmeras irradiações, pelo menos em sua substância e suas raízes, fez da Bíblia a fonte de sua principal inspiração artística (Tristão de Athayde).
Sou o quarto a suceder esses continentes da cultura iluminados que viveram intensamente para o engrandecimento das letras piauienses. No dia 3 de abril de 2013, quando eu celebrava com familiares e amigos meus 70 anos de vida, refletia comigo mesmo se seria aquele o momento mais significativo de minha vida. Leve, amoroso, de reconhecimento por tantas coisas boas que a vida me deu, em troca de outras que me tirou, não porque seja perversa, mas porque viver é isso: se olharmos bem, quase sempre o peso da balança da vida é maior naquele pratinho onde a gente coloca a realidade positiva que pode ser um telefonema, um abraço inesperado, aquela mão pegando a nossa só pelo carinho. Passados 77 dias daquela data coroada pela generosa acolhida dos imortais desta Casa, percebo que este instante é único, imperecível e incomparável com os demais por mim vividos. Sei que ainda viverei outras datas com igual vigor, certamente mais rico de cultura e conhecimento, mais gratificado pela convivência que terei com os luminares que constituem a essência deste templo de inteligência e saber. Uma das características do patrono e dos acadêmicos que ocuparam a cadeira 31 é a participação na política partidária disputando mandato eletivo. Assim foi com João Cabral, Arthur Passos, Patrício Franco, Júlio Romão e assim é comigo. A política é uma das mais belas instituições criadas pelo homem civilizado.
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Quando exercida em alto nível, torna-se uma verdadeira arte e pode ser comparada à arte do amor de Ovídio. O verdadeiro estadista ama sua pátria, sua família, seu povo, sua história e faz grandes coisas. Em baixo nível, a política não passa de uma publicação pornográfica, manual de posições de prazer que, apesar de bem engendrado, é obsceno do começo ao fim. Em meus mandatos parlamentares testemunhei quase todas as emoções de que o homem é capaz. Tudo falava a meu instinto, provocava minha vocação de político. Frases que então ouvia ainda ressoam em meus ouvidos. Vi como o povo morre. Vi como suporta o sofrimento. Vi expressão da esperança, do medo, do alívio, vi o desespero desenhado em sua face, vi a coragem e a firmeza. Vi a fé brilhar nos olhos daqueles que acreditavam no que eu apenas podia considerar uma ilusão e vi o desafio que faz com que um homem acolha a miséria com um gracejo, por ser demasiado orgulhoso para deixar que os circunstantes não vejam o terror de sua alma. Na política comecei a habituar-me com a frieza humana. Foi lição de vida que recebi através da observação direta de caso de esquecimento, omissão, abandono e traição, ocorrido com alguns de meus mais nobres companheiros. Desenvolveu em mim uma couraça que muito me ajudou a minorar o desapontamento provocado pela indiferença e ingratidão do homem. Por outro lado, tenho bonitos exemplos de abnegação, sacrifício e doação total que me abriram o coração e o entendimento para o lado melhor do ser humano. Os 32 anos de Assembleia Legislativa do Piauí prepararam-me para ver a humanidade em sua real dimensão, sem dela esperar muita gratidão e justiça. Foi um
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curso de realismo humano ao vivo. Perplexo, participei de tragédias medonhas. Não numa plateia, confortavelmente sentado como expectador, mas lado a lado, no palco dos acontecimentos. Foi tudo uma valiosa experiência para mim. Não existe melhor treino para se conhecer a natureza humana do que passar alguns anos na política. Tive múltiplos ganhos, inclusive a matéria-prima de minha literatura que foi forjada com o homem simples desses encontros, a magia dos reencontros com amigo, a saudável convivência com companheiro de parlamento, o homem e suas circunstâncias, a verve humorística dos que tornam a vida muito melhor de se viver. A irreverência e a alegria são marcas de meu viver, permitindo-me ver pessoa, fato, coisa, por um ângulo de maravilhosa beleza. O ângulo do amor à vida milagrosa de nosso bom Deus. No capítulo final desta oração desejo manifestar minha gratidão aos acadêmicos que, de forma generosa, acolheram minha mensagem, sufragando meu nome por unanimidade. Não destacarei nenhum individualmente, pois considero a importância de todos no processo de escolha do sucessor de Júlio Romão. Exalto a grandeza de participação do advogado Macário Oliveira e do sociólogo Marcos Damasceno, com cuja postura ética e digna, honraram a competição. Agradeço ao dinâmico presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Piauí, Dr. William Guimarães, por ter cedido a confortável instalação desta honrada casa para nela se realizar esta magnífica sessão solene, num ambiente onde se casam a pompa e a cordialidade. Não posso deixar de exaltar o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Themistocles Filho que tem
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na alma uma jazida de bondade e de espírito de leite pelo esforço para o êxito desta solenidade. Preciso dizer de minha gratidão a Hilma por nossa caminhada fazendo a divisão do tempo entre o desejável e o possível. Conciliando as atividades do espírito e minha amante. A mais exigente das amantes que o homem pode portar, a política, que seduz por sua beleza. É uma amante exigente, que quer tudo e às vezes nega tudo. Mas teve o mérito de fazer de Hilma minha heroína. Educando, moldando e formando o caráter de nossos filhos. Porque não dizer sozinha, pois a rival da família absorvia todo meu tempo. Meu amor por Hilma é verdadeiro e o defendo bravamente com a alma de um guerreiro, mas com paciência de um jardineiro. Nesta oportunidade, peço aos filhos Geraldo, Verônica e Hosana Karinne que zelem e amem a mãe que também foi pai, por tudo que representa para nós e para a sociedade. Devo aos piauienses tudo que conquistei na vida. A estima, o respeito da comunidade e dos amigos. A imagem positiva que consegui firmar é valor que não pode ser mensurado. Constato para minha alegria, dos amigos e da família, que todos os luminares desta cadeira viveram bastante longevos na essência e na riqueza legada às gerações. Pelo menos neste plano espero merecer do criador a bondade de permitir que a cadeira 31 demore a ficar vaga. Com estes valores, aqui chego com a esperança de contribuir para o engrandecimento da cultura e do saber, significativa riqueza e ornar este templo da inteligência piauiense. Estou feliz. Supremamente feliz. Mas, acima disso, asseguro-lhes, sinto-me responsável e não um deslumbrado,
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à prova de confiança depositada em minha modesta pessoa. Procurarei corresponder, à medida de minha força, engajando-me decisivamente nas grandiosas tarefas que a Academia tem a desempenhar. A todos sou imensamente grato, pelo fulgor que sua presença proporcionou à solenidade desta noite, para mim a mais imponente, a mais maravilhosa e a mais bela. Eis-me aqui, senhoras e senhores acadêmicos em sua casa, na casa de Lucídio Freitas. Obrigado!
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DISCURSO DE RECEPÇÃO AO ACADÊMICO HOMERO FERREIRA CASTELO BRANCO NETO* Reginaldo Miranda**
Senhores e senhoras. IMORTALIDADE ACADÊMICA
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egundo Heródoto – considerado o pai da História, o numeroso exército persa possuía uma tropa de infantaria pesada composta por dez mil homens, que avançava à frente, nos combates. Essa formação *
Discurso proferido na Academia Piauiense de Letras, em recepção ao acadêmico Homero Ferreira Castelo Branco Neto, cadeira 31, em 20.06.2013, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ PI). ** Reginaldo Miranda, advogado e historiador, é membro e atual presidente da APL.
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era permanente, de forma que durante as batalhas, cada membro morto ou gravemente ferido era imediatamente recolhido pelos companheiros e substituído por outro, entre os que estavam na retaguarda. Então, essa tropa de elite sempre avançava em combate com o mesmo número inicial. Dessa forma, se morresse um combatente era substituído por outro combatente; se morressem dois combatentes eram esses substituídos por outros dois combatentes, e assim, sucessivamente, de forma que a infantaria persa nunca tinha mais, nem menos de dez mil integrantes. Daí ganharam a fama de imortais, ou imorredouros, na tradução literal do grego, porque o inimigo tinha a sensação de que realmente o eram, vez que nunca diminuíam. Assim, também, são as academias de letras. Fundadas no modelo francês têm a formação permanente de quarenta membros. E toda vez que falece um, sua vaga é preenchida por outro. Dessa forma, nunca aumentam nem diminuem. Pelas mesmas razões da infantaria persa, também seus membros são cognominados de imortais. Imortais na permanente composição da casa, na lembrança dos pósteros e na perenidade da obra, é o que se deseja. A imortalidade foi sempre objeto de fascínio do homem, desde o começo dos tempos, constituindo-se num dos mais profundos desejos humanos. No fabrico do elixir da longa vida se bateram os mais antigos e ousados alquimistas do passado. Na busca pela fonte da juventude os homens foram capazes de lutas sangrentas e de proezas mirabolantes. Tudo em vão, pois já trazemos ao nascer a certeza da morte: morte física, biológica. Dizia com ironia o argentino Jorge Luís Borges: Todos os caminhos levam à morte. Perca-se. Para o velho bardo Manuel Bandeira: Duas vezes se morre: primeiro na carne, depois no nome.
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Os mais conscientes dessa condição humana, conformaram-se com a entrega do corpo à terra e foram buscar a imortalidade da alma. Daí nasceram as religiões, pregando a vida eterna depois dessa passagem terrena. A imortalidade acadêmica tem sentido diverso. Quando se diz que os acadêmicos são imortais, evidentemente, não se está dizendo que são imorríveis ou imorredouros, o que seria até interessante. Mas que possuem vitaliciedade e que serão lembrados para sempre, na forma regimental, pelos futuros ocupantes de sua cadeira; que tiveram o reconhecimento público de sua obra pelos contemporâneos e que terão as suas efemérides lembradas pelos demais acadêmicos; enfim, que foram pessoas úteis à sua comunidade e cujos nomes merecem ser lembrado pelos pósteros. AS ACADEMIAS Mas para que servem as academias? Essa é uma indagação que, vez ou outra se ouve. Existem aqueles que são acadêmicos até demais e, às vezes, se tornam inconvenientes, se insinuando em vaga inexistente. Outros, que de tão antiacadêmicos, vivem desfazendo das academias. Na verdade, o fato de ser acadêmico não faz ninguém escrever melhor. Todavia, entre o critério de escolha dos novos acadêmicos está o de se eleger aqueles que bem escrevem. E em assim sendo, as academias são em si um conjunto de intelectuais que prezam a arte do bem escrever. Na verdade, se as academias não tivessem outra utilidade, justificaria a sua existência a reunião de escritores e a troca de informações. É um ambiente propício à discussão intelectual e geração de ideias, à divulgação das letras e ao desenvolvimento da literatura e da historiografia.
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A APL A nossa academia, fundada há quase um século, tem primado pelo cultivo do idioma pátrio e pelo desenvolvimento da literatura piauiense. Fundada por uma geração brilhante, cujo pensamento intelectual plasmado na Escola do Recife, foi alimentado pelo idealismo positivista de Augusto Comte(1798 – 1857), pela pregação agnóstica e pelo cientificismo positivista de Haeckel(1834 – 1919) e Spencer(1820 – 1903). Foram líderes dessa geração, entre outros, Anísio de Abreu, grande tribuno parlamentar, Abdias Neves, Clodoaldo Freitas e Higino Cunha: o primeiro faleceu antes da fundação da Academia, sendo eleito patrono de uma Cadeira, e o segundo não está entre os dez fundadores porque se encontrava no Rio de Janeiro, no exercício do mandato de senador da República, mas aderiu à mesma imediatamente, tomando posse na Cadeira 11. Durante todos esses anos a academia nunca se afastou dos ideais de seus fundadores, pugnando diuturnamente pelo desenvolvimento da literatura e da historiografia piauiense. Nenhum grande projeto intelectual, projeto de qualidade, foi desenvolvido no Piauí, sem a participação efetiva da Academia Piauiense de Letras. Se voltarmos as vistas para o passado e verificarmos a fundação da velha Faculdade de Direito do Piauí, da Faculdade de Filosofia, de Odontologia, de Medicina e, mesmo da Universidade Federal do Piauí, vamos ver a participação efetiva de muitos acadêmicos. Na produção literária piauiense, mercê da carência de recursos financeiros, a Academia foi sempre estrela de primeira grandeza, para isso contando com importantes parceiros, que os concitou a grandes empreendimentos. Com o Governo do Estado editou importantes obras; o mesmo
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ocorreu, em épocas diversas, com o Município de Teresina, com o Senado Federal, com a Universidade Federal do Piauí, com o Banco do Brasil e com o Banco do Nordeste, para lembrar apenas as parcerias mais expressivas. É importante ressaltar o memorável Plano Editorial do Piauí, que notabilizou o primeiro governo de Alberto Silva, no início da década de setenta, promovendo o resgate de importantes obras e divulgando outras novas. Foram 37 publicações, numa época em que era difícil publicar um livro. Pois, à frente desse grande empreendimento literário brilharam os nomes de Arimatéa Tito Filho, estimado e saudoso presidente da Casa de Lucídio Freitas; de Deoclécio Dantas e Armando Madeira Basto, mais tarde e em homenagem à sua determinação nesse empreendimento, também fizeram-se membros, ao lado do próprio governador Alberto Silva, de nossa agremiação literária. Outro grande momento literário, um como sucedâneo do outro, representando, ambos, em seu conjunto, uma verdadeira revolução intelectual no Piauí, foi o Projeto Petrônio Portella, no início da década de oitenta, no governo Hugo Napoleão. Mais uma vez brilhou a estrela de Arimatéa Tito Filho, ao lado do secretário de cultura Jesualdo Cavalcanti, que o concebeu, do médico Clidenor Freitas Santos, do professor Benjamim do Rego Monteiro Neto e do governador Hugo Napoleão, todos integrantes da Casa de Lucídio Freitas. Portanto, esses nomes devem ser guardados pelo povo do Piauí. A Academia mantém, desde sua fundação, a sua revista literária, já na 70ª edição. Desde que assumimos a direção do Sodalício demos especial atenção à atualização dessa revista, já tendo publicado sete edições e encontrandose com mais duas em fase de preparo, para fechar esse ciclo com a edição relativa ao corrente ano, de forma
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que publicaremos dez edições, atualizando, assim, essa importante revista literária piauiense. Recentemente, em parceria com o Governo do Estado, a Academia deu à estampa a Coleção “Grandes Textos”, divulgando nove importantes obras de cunho histórico e literário. Publicou algumas obras avulsas e deu início a uma importante coleção literária. Trata-se da Coleção “Centenário”, visando comemorar o primeiro século de fundação da Academia. Foram publicados os três primeiros números, dois em convênio com o Senado Federal e um com a Universidade Federal do Piauí. Dando prosseguimento a essa iniciativa, mais seis obras literárias se encontram no prelo, duas em preparo e doze foram, recentemente, aprovadas pelo Conselho do Sistema de Incentivo Estadual à Cultura(SIEC). É nossa intenção que esse seja o maior empreendimento literário do Estado do Piauí, superando os dois anteriores, com a edição de mais de sessenta obras que forem julgadas importantes para a compreensão da realidade piauiense. Será o ponto culminante dos festejos com que a intelectualidade piauiense comemorará o centenário de fundação da Academia. Para isso desejamos contar com o apoio das instituições públicas e da iniciativa privada. OS CASTELO BRANCO Na Academia, para o bom êxito deste trabalho teremos de contar com o apoio e a colaboração de todos os acadêmicos. Nesse aspecto, a eleição de Homero Ferreira Castelo Branco Neto é um alento, pois se trata de um escritor admirável e um intelectual engajado e muito determinado em seus afazeres. Homero costuma dar tudo de si em cada coisa que faz, por mais que pareçam pequenas. Nesse aspecto segue à risca a lição do bardo Fernando Pessoa:
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“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive”.
Aliás, eu não diria que Homero chega tarde, mas chega na hora certa. Tudo neste mundo tem seu tempo; cada coisa tem sua ocasião. Está no Eclesiastes(31-8). Para Homero ainda é tempo de plantar, de construir, de se alegrar, de abraçar e de amar. A sua eleição foi consagradora, por unanimidade, dizendo, assim, a Casa, da satisfação em recebê-lo. Meu caro Homero, esta Casa é vossa, seus familiares ajudaram a construí-la. A família Castelo Branco tem profunda ligação com a assim cognominada “Casa de Lucídio Freitas”, ele próprio aparentado aos Castelo Branco. A sua família deu uma enorme contribuição à literatura piauiense. Foram patronos de cadeiras na Academia Piauiense de Letras: Hermínio de Carvalho Castelo Branco(2), Joaquim Sampaio Castelo Branco(3), Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco(6), Antônio Borges Leal Castelo Branco(15), Miguel de Souza Borges Leal Castelo Branco(22), Simplício Coelho de Resende(26) e Heitor Castelo Branco(37). A grande ausência foi Leonardo da Senhora das Dores Castelo Branco, autor de O ímpio confundido(1837) e A criação universal(1836). Tiveram ou têm assento nas diversas cadeiras da Academia: Fenelon Ferreira Castelo Branco, um dos fundadores(3), Cristino Castelo Branco(15), Carlos Castelo Branco(15), Renato Pires Castelo Branco(19), Emília Castelo Branco de Carvalho(37), Emília Leite Castelo Branco(37), e na
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atualidade, Maria Nerina Pessoa Castelo Branco(35) e Heitor Castelo Branco Filho(37), para mencionar apenas aqueles que trazem consigo o nome da família. A Academia ainda abrigou ou abriga outros descendentes de Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, tais como: João Pinheiro(2), Breno Pinheiro(8), Celso Pinheiro(10), Celso Pinheiro Filho(8), Benedito Martins Napoleão do Rego(11), Aluízio Napoleão de Freitas Rego(11), Benjamin do Rego Monteiro Neto(15), Jacob Manoel Gayoso e Almendra(20), Gerardo Majela Fortes Vasconcelos(22), José de Arimatéa Tito(29), José de Arimatéa Tito Filho(22), Hugo Napoleão do Rêgo Neto (9), Alcenor Rodrigues Candeira Filho (19), Magno Pires Alves Filho(26) e Afonso Ligório Pires de Carvalho(29), para citar apenas os descendentes em linha direta. Portanto, meu caro Homero, a sua família é quase dona da Casa de Lucídio Freitas. E isto ocorreu porque sempre prezaram o estudo e cultivaram as boas letras. O NOVO ACADÊMICO NASCIMENTO O novel acadêmico Homero Ferreira Castelo Branco Neto, entrou pela vida na cidade de Amarante, barrancas do Parnaíba, terra de grandes paladinos, entre os quais Da Costa e Silva e Odilon Nunes, ilustrados membros de nossa Casa. Foram seus pais, dona Hosana Pontes Castelo Branco e Herbert de Marathaoan Castelo Branco, que ali exercia o cargo de promotor de Justiça, depois sendo juiz de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará. Sobre essa época, mais tarde se reportaria o velho pai: “Foi justamente em Amarante, este recanto admirável do Piauí, encravado na confluência dos rios Parnaíba e
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Canindé, que veio ao mundo, no ano de 1943, meu filho Homero” (Mensagem ao povo de Amarante, 1978). FORMAÇÃO Cedo, porém, Homero deixa a bucólica cidade de Amarante, do “velho monge”, atravessa a Serra da Ibiapaba, das missões jesuíticas, e depois de breve período no interior cearense, vai ter-se na “capital alencarina”, defronte aos verdes mares bravios. Ali cursa, com êxito, as diversas séries dos ensinos Ginasial e Médio, para ingressar no Curso de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas e Contábeis da Universidade Federal do Ceará, onde se forma no ano de 1967. Desejando aprimorar os conhecimentos, fez especializações em Monterrey, no México e em Atlanta, nos Estados Unidos da América. VIDA PROFISSIONAL Então, a convite do Prof. Raimundo Nonato Monteiro de Santana, ilustre membro de nossa Casa, regressa ao Piauí, fixando-se na cidade de Teresina, onde se emprega na extinta CODESE(Coordenação de Desenvolvimento Econômico do Piauí), instituição que antecedeu a Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí (CEPRO) e como professor no Liceu Industrial e na Escola Técnica “Leão XIII”. Ainda no campo profissional, exerceu os cargos de diretor do Departamento de Assistência aos Municípios, secretário de Planejamento do Município de Teresina, onde também, por breve período, exerceu o cargo de Prefeito Municipal; em nível estadual, exerceu ainda os de subsecretário de Planejamento, secretário de Administração, de Fazenda e do Trabalho e Ação social.
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FAMÍLIA Homero Ferreira Castelo Branco Neto é casado com dona Hilma Martins Castelo Branco, de tradicional família sulpiauiense, com quem tem três filhos: Geraldo (administrador), Verônica(contadora) e Hosana Karinne(médica); o casal tem, também, três netos: Stelios, Stella Hilma e Nícolas. O POLÍTICO Com vocação política, Homero Castelo Branco ingressou no movimento estudantil ao tempo dos estudos no Ceará, sendo eleito e assumindo os cargos de presidente do Diretório Acadêmico “Nogueira de Paula”, da Faculdade de Ciências Econômicas, e presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará(DCE/UFCE). Portanto, com essa imensa vontade de servir, não tardaria a ingressar na política partidária. Disputou seu primeiro mandato de deputado estadual no pleito travado em 1974, integrando a Assembleia Legislativa do Piauí, onde permanece, com breves interregnos, até fevereiro de 2007. Político ativo e irrequieto, durante esses sucessivos mandatos parlamentares, ocupou os cargos de vice-presidente e secretário da mesa diretora, presidente de comissão técnica e relator de várias matérias de interesse do Estado, além de cofundador de partido político e líder de bancada(PFL). Homero Castelo Branco colocou sempre seus mandatos a serviço do povo, pugnando pelas grandes causas. Por essa razão, teve o reconhecimento popular, consubstanciado nas sucessivas reeleições, e das diversas organizações e instituições estaduais, nacionais e até internacionais. A cidadania honorária lhe foi outorgada pelo povo, através de seus representantes, em 36 municípios
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piauienses e em Monterrey, no México. Foi condecorado em Nova Leon, no México, e em Amarante, cidade homônima e patrona de sua terra natal, em Portugal. E o reconhecimento público não pára por aí. Tem as seguintes medalhas: do Mérito Legislativo, outorgada pela Assembleia Legislativa do Piauí; do Mérito Municipalista, pela Associação Piauiense de Municípios; de Honra ao Mérito “Heróis do Jenipapo”, pela municipalidade de Campo Maior; do Mérito “Conselheiro José Antônio Saraiva”, pela Prefeitura Municipal de Teresina; do Mérito Legislativo, pela Câmara Municipal de Teresina; além de várias outras condecorações outorgadas por instituições culturais e lojas maçônicas, todas em forma de reconhecimento ao seu trabalho em benefício das comunidades e das instituições que representou. E toda essa atividade política, meu caro Homero? “Valeu a pena?”. “..................? Tudo vale a pena se a alma não é pequena” – responde Fernando Pessoa, acrescentando: “Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor”. Ouçamos o experiente Homero Castelo Branco, político tarimbado, que foi muito além do Bojador: “Cedo me deixei dominar pela mais exigente e absorvedora das amantes que o homem pode portar: a política. (...).” “A política tenho como dona de minha cabeça. Chegou como festa – paixão e como paixão sempre recomeço. (...).” “Hoje ando devagar. Tive pressa. Chorei demais por tantas topadas. Mas a política continua-me seduzindo, apesar de ter a certeza de que muito pouco sei dessa divindade. Ela é muito sedutora e nunca a esquecerei. Digo e ela não acredita. É minha amada e amante de todos. Ela é bonita demais. Aprendi a amá-la. Agora pressinto
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que vai abandonando-me. Meu Deus, logo agora! Ela é parte de minha vida, de minha alma, de meus nervos e de meu sangue!” (CASTELO BRANCO, Homero. Sentimentos embalsamados. Teresina: Gráfica do Povo, 2013. p.43/44). Portanto, valeu a pena. O INTELECTUAL Mas o que justifica a eleição consagradora de Homero Ferreira Castelo Branco Neto, para a Academia Piauiense de Letras? Sem sombra de dúvidas, é a sua intensa atividade intelectual. De fato, a sua atuação parlamentar esteve também a serviço da cultura. Concomitante à militância política andou publicando alguns trabalhos interessantes, o que se intensificou depois dos mandatos parlamentares. Podemos dizer assim, que o Piauí perdeu um parlamentar atuante e ganhou um escritor produtivo. Em face dessa intensa produção intelectual, pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e a quatro academias regionais. Homero Castelo Branco é autor das seguintes obras: Histórias do velho Homero, onde relembra a personalidade de seu avô paterno; Auta Rosa, resgatando uma personagem mítica de Amarante, a sempre lembrada terra natal, cujo laço nunca se quebrou; Padre Marcos, estudo biográfico, o melhor que até aqui se produziu, sobre um dos principias personagens do Piauí na primeira metade do século XIX, o famoso Padre Marcos de Araújo Costa, da Boa Esperança, religioso exemplar e um educador de grandes méritos; e, Alcides – o primeiro filósofo e o último coronel de Barras, tomando por tema o político barrense Alcides do Rego Lages; com saborosas crônicas e uma pitada de humor, traça um painel da cidade de Barras, sua história, suas contendas políticas, enfim, é Barras que surge, além de trazer à baila o
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fazer político sertanejo. A divulgação de suas ideias, a análise da conjuntura política, as teses defendidas nos palanques populares e na tribuna parlamentar, ele as resumiu em: Temas de uma intensa vida parlamentar; Planejamento familiar e aborto: uma discussão sem hipocrisia; 100 dias sem rumo; Agente do desenvolvimento; João Paulo II; Do Planalto a Guaribas; Voz do ontem; Grandes civilizações americanas; 2004 – do sonho ao pesadelo; Acredito; Conversas soltas ao vento; Amor & outros males; Anjo ou demônio; Prevenção da cegueira; Ventos imprevisíveis; e, Quando a porca torce o rabo, este último um conjunto de saborosas crônicas De sua vasta obra desejamos destacar: Sentimentos embalsamados e Ecos de Amarante. O primeiro é também o mais recente livro do novo acadêmico: Sentimentos embalsamados. Lançado em abril, em comemoração aos seus setenta anos de vida, é um livro que veio para ficar, porque o autor desnudou a sua alma, falando francamente sobre suas forças e suas fraquezas. São livros como esse que ficam, porque acrescentam ao leitor, conforme as mostras delineadas nessa fala. Alguns escrevem memórias, mas poucas, porém, ficam porque a maioria dos escritores esconde os sentimentos, o que não foi o caso de Homero. Sua franqueza e estilo lembram as Memórias, de Humberto de Campos; Minha formação, de Joaquim Nabuco; ou, Confiteor, de Paulo Setúbal. Modesto, Homero Castelo Branco nega ter pretensões literárias, chegando mesmo a afirmar não ser escritor, no que não concordamos. Sentimentos embalsamados é mais do que o desnudamento de uma alma, do que a história viva e empolgante de uma pessoa, resgatando a própria história de uma geração, as impressões de um povo, o drama da alma humana. Homero Castelo Branco é um piauiense genuíno, que ama a sua terra com intensidade, daí os seus sentimentos serem
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os sentimentos de todos os piauienses. É, também, um observador perspicaz e abalizado protagonista da cena política, razão pela qual suas observações servem de suporte para os historiadores da época contemporânea. Enfim, com olhar percuciente penetra fundo na alma humana, fazendo de suas conclusões um suporte seguro a todas as pessoas inteligentes. Ecos de Amarante é um belo livro sobre sua cidade e os personagens que a fizeram. É a história romanceada de Amarante, recheada de personagens fictícios e reais, onde a principal protagonista é a própria cidade. De suas páginas pululam políticos, coronéis, fazendeiros, comerciantes, gente simples, pessoas do povo, numa trama entremeada de ficção e realidade, onde vão aparecendo a paisagem local, as ruas, os becos, as praças, os morros, os rios, as fazendas, os sítios, o modo de falar, de ser, as estórias e as histórias do lugar; o resgate dos costumes, das lendas, das cantorias, das modinhas, da dança, das rezas, das “incelenças”, das festas juninas, do folclore, enfim, de personagens esquecidos e da vida política, econômica e social da cidade. O livro traz um vasto painel da Amarante antiga. Aliás, Homero e Amarante sempre protagonizaram uma história de amor. Nas inúmeras campanhas políticas o povo daquela cidade viu nele um intérprete de seus sentimentos e a transformaram em sua base eleitoral. Juscelino Kubitschek, ex-presidente da República, anotou em um livro de memórias, Meu caminho para Brasília, que nos momentos mais difíceis, quando muitas eram as provações, retornava à sua Diamantina natal e ali, no reencontro com as suas origens, recobrava as energias e retornava mais forte à arena de luta. Parece-me que Homero Castelo Branco pode dizer a mesma coisa com relação à sua Amarante. Pode até cantar com o conterrâneo ilustre, Da Costa e Silva:
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“A minha terra é um céu, se há um céu sobre a Terra: É um céu sob outro céu, tão límpido e tão brando, Que eterno sonho azul parece estar sonhando Sobre o vale natal, que o seio à luz descerra.”
Ou pode dizer com Fernando Pessoa: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura...”
Ele mesmo mesmo diz: “Viajei por muitos países. Conheço uma dúzia de mar. (...). ‘Vi gruta, nevoeiro, vi tanta coisa bela e doida neste mundo incerto, mas nunca sai de meu coração, Amarante, meu berço, este pedaço de terra no Piauí, feito de esperança, que guarda história, lenda e cantiga. Cidade feita de azul que não desbota, cidade de todos os amantes, de todos os poetas, que ouve queixa e não conta as suas. Que ouve cantiga, viola, prece, desejo e voto. Cidade que festeja iemanjá” (CASTELO BRANCO, Homero. Sentimentos embalsamados. Teresina: Gráfica do Povo, 2013. P.36).
Assim é o amor de Homero por sua Amarante. Com essas observações, não temos dúvida em afirmar que Homero Ferreira Castelo Branco Neto é um bom escritor, de linguagem simples, concisa, precisa, elegante. É, também, um conversador admirável, lhano de trato, um gentleman. Por esses relevos de personalidade, é uma boa aquisição que faz a Casa de Lucídio Freitas. E com muita honra é que o recebo nesta solenidade. Sede, pois, bem vindo Senhor Homero Castelo Branco, à nossa casa. Ela agora também é vossa. Muito obrigado.
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DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO ALUÍZIO NAPOLEÃO DE FREITAS REGO
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enetro neste recinto, em que se reúne a Academia Piauiense de Letras, com o mesmo respeito, reverência e humildade com que, em 1959, entrei, após honrosa eleição, como agora, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E desejo, neste momento, antes de qualquer manifestação, dizer de minha profunda gratidão aos Acadêmicos piauienses, pelo generoso gesto, ao me aceitarem como membro desta prestigiosa associação de letras do Piauí. Pretendo, nesta minha primeira alocução aos meus ilustres colegas, expressar-me com singeleza. Isso não significa, porém, que não procure, dentro dessa singeleza, dizer, com a força do sentimento, o quanto significou, para mim, a decisão de meus pares, não somente por ingressar neste cenáculo augusto das letras, como pelo genuíno espírito de piauiensidade que embebe a Casa de Lucídio
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Freitas. Paira, sobre este cenáculo, a espiritualidade sem a qual a vida não tem sentido e os povos não alcançam seus ideais. Esse espírito de Ariel, que ilumina os homens de pensamento, contribui, de maneira transcendente, para a afirmação nacional, para a educação das massas, para a inspiração dos governantes. É esse espírito que impulsiona as Academias em suas intenções mais nobres, provocando, através do poder criador do homem, a formação da intelligentzia que, de forma imaterial, orienta, como disse, os povos e imprime direção às comunidades humanas. Creio que a força das academias, desde a criação primeira de Platão, nos bucólicos jardins dos arredores de Atenas, com objetivos de indagações filosóficas, que iluminou o espírito grego do Século IV antes de Cristo ao século I, fecundando, mais tarde, as associações da Idade Média e da Renascença, até a inspiração do cardeal de Richelieu, ao fundar a Academia Francesa no século XVII, a forças das academias, dizia eu, reside justamente no primado do Espírito, para usar expressões de Jacques Maritain, que faz brotar as ideias, sem as quais o homem permaneceria na materialidade do primitivismo da espécie humana. Foi dentro dessa ideia que se fundaram, no século XVIII, as academias literárias brasileiras e, em fins do século XIX, por sugestão de Lúcio de Mendonça, a Academia Brasileira de Letras, que Joaquim Nabuco, seu primeiro intérprete, assim definiu, na qualidade de seu secretário geral e no dia de sua inauguração: A formação da Academia é a afirmação de que literária, como politicamente, somos uma nação que tem o seu destino, seu caráter distinto, e só pode desenvolver sua originalidade empregando os seus recursos próprios, e só querendo, só aspirando à glória que lhe possa vir do seu gênio. Mas Joaquim Nabuco salientou ainda o espírito democrático das Academias, ao dizer: A utilidade desta companhia
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será, a meu ver, tanto maior quanto for um resultado da aproximação, ou melhor, do encontro em direção oposta, desses ideais contrários, a trégua de prevenções recíprocas em nome de uma admiração comum, e até, é preciso esperá-lo, de um apreço mútuo. Essa concepção de Nabuco não poderia ser mais atual, pois não difere do conceito do diálogo e do consenso de nossos dias. Não foi muito diferente a interpretação do crítico José Veríssimo, ao afirmar: Mas a própria espontaneidade de sua criação e o modo por que se constitui estão indicando que ela nasceu do sentimento, indefinido embora, da necessidade, ao menos da utilidade, de sua instituição, como um elemento proveitoso de conservação e progresso do nosso patrimônio literário nacional. A plêiade de grandes escritores que fundou a Academia Brasileira de Letras iria provocar, em todos os Estados da Federação, a criação de associações literárias afins, fazendo surgir, no alvorecer do Século XX, a Academia Piauiense de Letras. Por uma curiosa similitude – e vós o sabeis melhor do que eu – foram grandes figuras das letras piauienses que propiciaram, no Piauí, a criação desta Academia, aureolada pela tradição de nomes exponenciais, como os de Clodoaldo de Freitas, Celso Pinheiro, Higino Cunha, Antônio Chaves, Abdias Neves, Félix Pacheco, Da Costa e Silva, Jonathas Batista, Edison Cunha, Fenelon Castelo Branco e o daquele que é o seu Patrono – Lucídio Freitas. Esta gloriosa Casa guarda, com todos os sacrifícios que são impostos aos homens de letras, as tradições de sua melhor literatura, de sua mais refinada cultura. Foi Cristino Castelo Branco quem, a meu ver, a definiu com felicidade: Na Academia Piauiense de Letras, nos seus quadros, nas suas cadeiras, nos seus valores espirituais permanentes, estão, luminosamente, o passado, o presente e o futuro do Piauí. Dentro e fora do Estado, é ela o ponto mais alto da vida
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piauiense. Simboliza, significa, representa em nossa terra, o maior de todos os poderes – o poder da inteligência. Essas observações, muito adequadas, nos levam à indagação do que seríamos nós se não fosse o passado, essa verdadeira riqueza que nos traz a sabedoria, às pessoas e às nações, passado cuja presença e permanência na nossa vida foi interpretada, de maneira excepcional, pela pena penetrante de Marcel Proust em sua obra complexa – À La Récherche Du Temps Perdu. Que tempo perdido foi esse senão o extraordinário trabalho de escafandro do romancista francês para fazer vir à tona da memória os tesouros de um mar perdido na profundeza misteriosa do ser humano? E Sigmund Freud, afundando sua mente perspicaz no subconsciente e no inconsciente humanos, revelando o que se acha escondido dentro de nós, não nos deu a lição diferente. O passado está sempre presente em nós, fazendo com que o presente condicione as coordenadas de nossa vida futura. Sem essa ligação permanente, tudo estagnaria, tudo desapareceria, tudo se desvaneceria. Somos, Senhores Acadêmicos, o reflexo, muitas vezes inconscientes, do nosso passado, de nossa ancestralidade. Que é esta Academia senão a permanência do espírito piauiense, da piauiensidade? No recesso dos gabinetes, nos recantos dos laboratórios, no silêncio da meditação é que germinam as ideias. São elas que conduzem os gênios, essas criaturas extraordinárias que brotam de vez em quando, como plantas exóticas, do seio da humanidade, explodindo inexplicavelmente na incógnita da criação, diante da qual o maior gênio científico de nossa época, Albert Einstein, reconheceu, com humildade, derivar de uma alta energia, admitindo uma força criadora de todas as coisas. Minha condição humana me fascina, dizia ele. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta terra, mas às
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vezes o pressinto. E acrescenta: E cada dia, milhares de vezes, sinto minha vida – corpo e alma – integralmente tributária do trabalho dos vivos e dos mortos. Não diria, no fundo, coisa diferente, o grande bardo português, Luiz de Camões, em Os Lusíadas, ao considerar-nos um bicho da terra tão pequeno... A grandeza do homem está, percebendo a sua pequenês, em saber que carrega, como Atlas, um mundo dentro de si próprio, ao mesmo tempo em que apreende a dimensão infinita do cosmo. Peço-vos, agora, permissão para dizer-vos, com aquela singeleza de que vos falei no início desta oração, o que significou para mim o vosso gesto de acolher-me neste sacrário da vida piauiense. Criei-me na atmosfera do verdadeiro amor por esta terra e sua gente, impregnada cotidianamente pela meiguice, retidão, energia e afeto de minha querida mãe, e pelo alto espírito, temperamento dinâmico, combativo e generoso de meu não menos querido pai, ambos autenticamente piauienses. Aquela nasceu em Livramento (hoje José de Freitas), este em União, o velho Estanhado, duas cidades históricas, marcadas pelo movimento de nossa independência, que despertou esta frase inolvidável de meu inesquecível Pai: O piauiense ama a liberdade, ama-a tanto que, por vezes, a tem conquistado com o seu próprio sangue. Foi este mesmo sentimento, em relação à terra, que envolveu meu Filho, hoje vosso governante, embebido na convivência dos avós, sentimento que, como um fruto maduro, caiu no seu coração e veio desabrochar na mais impressionante das paixões por esta terra de nossos antepassados. Podeis compreender o meu orgulho, a minha imensa satisfação de homem realizado vê-lo plantado nesta terra com o ímpeto, a inteligência e a vontade de uma juventude criadora, o sangue do meu sangue – o vosso jovem governador que, faço prece a Deus, possa realizar aquela
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aspiração que me comoveu e impressionou, quando lhe perguntei, ao completar seus 14 anos, qual seria sua vocação e me responder: Ser útil à comunidade. Vós adivinhais que essa comunidade era o nosso Piauí! Como vedes, sou, como vós, um sentimental incorrigível! O longo afastamento da Pátria, em vez de arrefecer esse sentimento, só fez aumentálo! Por isso podeis imaginar minha emoção, ao receber, em Brasília, pelo telefone, de Teresina, de nosso prezado colega Josias Carneiro as Silva, o surpreendente convite para candidatar-me à Cadeira nº 11, que fora ocupada por ilustres nomes da literatura piauiense, gesto logo seguido pelo apoio claro e tão honroso do presidente José de Arimathéia Tito Filho e de todos vós que me ouvis e que tanto me tocastes o coração com a vossa acolhida. Não teria me estendido tanto se não me sentisse, como sinto, numa reunião de Família, pois aprendi, desde cedo, com meu pai, a necessidade de ser conciso. Mas aqui, está falando a alma e não a razão. Creio que serei perdoado por esta expansão, fora dos meus hábitos, pois, pela primeira vez, estou fazendo uma confissão pública. Sigo as praxes acadêmicas e, dentro da moldura da Cadeira nº 11, passo ao seu patrono e seus ocupantes, aos meus antecessores. Creio ser da tradição salientar o que de mais nobre adorna os seus perfis de homens de letras, em vez de fazer suas biografias. O nosso patrono, João Alfredo de Freitas, figura ilustre em sua época, filho de José Manoel de Freitas, patrono da cadeira nº 1, contava, entre as irmãs, a escritora Amélia de Freitas Bevilaqua, que pertenceu a esta Academia e esposou um dos mais clarividentes espíritos de sua época, iluminando-a com a penetração e a percuciência de um mestre do Direito – Clóvis Bevilaqua, com o qual fundou João Alfredo de Freitas o jornal Arquivo Brasileiro, em que assuntos de jurisprudência e literatura eram versados
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com grande proficiência. Suas obras atestam seu espírito eclético, destacando-se Contetos, que Clodoaldo de Freitas assim descreveu: São poemas de amor não metrificados, idílios castos dessa sublime poesia do coração de que Lamartine é o tipo mais perfeito. Socorro-me ainda de Clodoaldo de Freitas para arrematar o seu perfil: Necessitando de estudos sérios para suprir as defeituosidades e lacunas de sua educação – dizia ele – João Freitas consagrou-se resoluta e valentemente aos livros, conseguindo para sua inteligência, perdida nas sofisticarias da mais enervadora metafísica, uma orientação científica séria e metódica, suficiente para abrir-lhe a porta e dar-lhe ingresso nos vastos domínios da filosofia e da ciência. O primeiro ocupante da Cadeira nº 11, Abdias da Costa Neves, foi um espírito cintilante, do qual tomei conhecimento na juventude, na coleção de obras piauiense da biblioteca de meu pai. Senador da República, sua atuação parlamentar foi intensa e luminosa, admirada em todo País. Jornalista brilhante, fundou ou dirigiu vários órgãos da imprensa piauiense. Na literatura, revelou-se um espírito multiforme, escrevendo A Guerra do Fidié, na qual traça com grande penetração, a história das lutas pela Independência. Rocha Pombo, o Barão de Sturdart, Sílvio Romero e Clovis Bevilaqua consagraram sua inteligência de escol, antecipando o julgamento das gerações posteriores pela sua obra, complexa e diversificada. Romancista de um só romance, Um Manicaca, Martins Napoleão exaltou suas, páginas vividas, pessoais, interessantes, que fotografam os retalhos dessa Teresina placidamente familiar, com a beatice, com os cochichos de velhas cadeiras... Ressalta, ainda, sua filiação ao romance psicológico de Paul Bourget. Artur Passos destacou outra faceta de sua vocação literária, a poesia: Seus sonetos apresentam um sabor de bucólico lirismo, lembrando vagamente as concepções de Bilac. Sua inteligência, sua
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vivacidade, seu encanto pessoal tornaram-no, na sua época, como doublé de escritor e político, um dos centros de atração da intelectualidade piauiense, que o aplaudia nas suas manifestações oratórias e admirava nas suas criações literárias e seus estudos históricos, polarizando, assim, o interesse e o entusiasmo das elites de seu tempo. Chego à parte mais delicada de minha oração, dedicada a um escritor, a um poeta a que estou ligado, desde a infância, sendo, por isso mesmo, difícil para mim, pois, encarando-o como um espírito superior, não posso deixar de senti-lo como um próximo, um irmão – meu Tio Benedito Martins Napoleão do Rêgo. E por que, senhores acadêmicos? É que uma sensação muito especial, apesar de não termos tido uma convivência maior, em virtude de vidas vividas em diferentes lugares, especialmente pelo meu afastamento do Brasil em missões diplomáticas, era ele afilhado de meus pais, vivendo em sua casa em Belém, antes mesmo de meu nascimento. Daí a ternura que escorregaria naturalmente de suas cartas amigas e quase paternais. Cérebro em constante ebulição, com seus nervos à flor da pele, que traíam a intensidade de sua vida e o borbulhar constante de sua inteligência, Martins Napoleão me faz evocar a figura de André Malraux, quando o conheci na década de 50, no Rio de Janeiro, pois, quando falava, parecia que emitia, como Martins Napoleão, uma descarga nervosa, que se projetava de seu físico ao mesmo tempo que o cintilar de seu cérebro. Foi essa a imagem que dele guardei – a de um ser nervoso, pronto a extravasar raios de seu espírito e de sua sensibilidade peculiar. Homem inquieto, de uma vivência que, ao ser externada, traía o seu íntimo massacrado pela vida, nunca foi vulgar, jamais a mediocridade teve guarida no seu espírito. E a admiração que os piauienses lhe devotam, seus discípulos e seus amigos, a mim revelada
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constantemente, mostram a influência que ainda hoje exerce sobre sua geração, o fascínio intelectual daqueles que sentiram o fulgor de sua personalidade literária. Professor, político e administrador, cultor do Direito, como Consultor Jurídico do Banco do Brasil, suas obras poéticas, conhecidas por todos vós e enfeixadas no Cancioneiro Geral, assim como seus escritos de prosador, no livro Folhas Soltas ao Vento, participou Martins Napoleão do movimento de renovação da poesia brasileira. Assim explicou, ele próprio, com veracidade e franqueza, sua obra poética, ao autor de Visão Histórica da Literatura Piauiense, Herculano Moraes: Minha contribuição, despretensiosa e modesta, mas profundamente pessoal, para a renovação literária no Brasil, data de 1917, quando estreei em jornais e revista de Belém do Pará, ao lado, entre outros, de Osvaldo Orico e Peregrino Júnior, diletos amigos meus de sempre, numa fase que chamaríamos de pro-modernista, já assinalada em publicação do admirável contista de Matupá e do extraordinário Péricles de Morais. E confessa: Se me fosse possível definir-me, diria que sou um néo-clássico – um clássico renovado e em permanente renovação: romântico no fundo e clássico na forma. Não sei porque podem encontrar em mim influência de Byron, pois a ele sempre preferi os grandes de seu tempo: Keats e Shelley, aos quais talvez deva um pouco da difusa melancolia dos meus versos. Se constitui influência o deixar-me contaminar pela arte e pela beleza expressa por outrem, tendo dívidas para com todos os antigos e modernos que leio apaixonadamente. A Dante (o Alighiere), por exemplo, não lhe sendo nem mesmo discípulo remoto, colhi muito do meu estilo, assim na técnica do decassílabo como no gosto das comparações, que reaparece forte em D’Anunzio. Em carta a meu tio, datada do Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1973, eu lhe dizia: Só agora, após meu regresso do Piauí, onde estive com os nossos, é que pude sorver a sua poesia. Tive a sensação de que você
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esculpe a sua poesia, bem mais do que a escreve. Ficoume na memória a forma cristalina dos seus versos, sem quebra, é claro, de seu conteúdo, da profundidade de seus pensamentos e sentimentos, que tendem ao sublime. A poesia, a meu ver, é como a pintura: cada qual, do seu ângulo, a ela reage de maneira própria. Não somente entre as pessoas as verdades são mil, como queria Luigi Pirandello, mas também entre as criaturas e as obras de arte. Em um de seus altos momentos, o Poema da Forma Eterna, em Os Caminhos da Vida e da Morte, Martins Napoleão atinge a sublimidade do pensamento e da poesia, na eterna indagação do homem sobre seu destino, que peço licença para evocar: Como o oleiro o seu momento de inocência criadora, e o pintor o seu momento de domínio incomparável da matéria plástica, e o músico o seu momento de cósmica integração, e o atleta o seu momento de superação definitiva, e o heroi o seu momento de vitória espetacular, e o santo o seu momento de êxtase supremo, e o lavrador o seu sentimento de esperança milagrosa, e o poeta o momento de seu canto absoluto, todos aspiram a perpetuar-se, moldando o grande sonho em forma eterna: Todos desejam essa alegria perfeita da forma em que se transfunde, num jato, a substância do Momento imortal, único entre os dois limites extremos e inúteis do tempo fugaz.
Chego, agora, ao meu antecessor, à figura de Fabrício de Arêa Leão Carvalho, cujos artigos acompanhava na imprensa piauiense, quando, certo dia, vi que haviam desaparecido, subitamente e para sempre, da página de suas penetrantes crônicas diárias... Quis o destino que viesse eu, neste momento, sucedê-lo, nesta Academia, da maneira como já vos relatei. O que me impressionou, de imediato, na vida de
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Fabrício de Arêa Leão, foi o contraste entre os seus estudos juvenis – que não foram além do curso primário e o aprendizado técnico posterior – e a sua cultura humanística que o levou ao cultivo das línguas alemã, francesa, russa, espanhola e húngara, tornando-se, igualmente, um escritor de várias facetas literárias, que vão da poesia à biografia, da erudição em que se encantava com Camões, Dante, Virgílio e Petrarca, ao jornalismo, em que captava o significado dos acontecimentos contemporâneos com a desenvoltura e interesse de um verdadeiro profissional da imprensa. O manto do humanismo, com o cultivo dos clássicos, envolveu sua atividade intelectual, tornando esse autodidata um autêntico homem de letras, como atestam a sua biografia de Abdias Neves – Opulência do espírito: a de Fernando Marques e a de Joaquim Leitão – Um Jornalista Montanhês, cuja fidelidade histórica foi atestada pelo filho ao recebêlo nesta Casa. Sobre seu humorismo, já falou Mestre José de Arimathéia Tito Filho, ajuntando sua graça e a sua verve à ironia de Fabrício de Arêa Leão. Consagrado inteiramente ao cultivo espiritual, só estancou o seu labor quando as forças lhe faltaram em definitivo, deixando um exemplo de perseverança e amor ao jornalismo brasileiro. Rendo-lhe aqui minha homenagem, pela dedicação ao seu ideal, convicto de bem servir à comunidade com a sua pena sempre sucinta e destemerosa, em favor do que reputava ser a melhor causa. Senhores Acadêmicos, Permiti-me, antes de deixar este recinto, em que acabo de receber a palma da cultura piauiense, que siga o exemplo do grande orador mexicano Ezequiel Padilla, ao repetir a canção popular, quando disse que o Brasil cabia todo dentro de seu coração. Posso eu dizer, neste momento
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raro, que o Piauí cabe todo dentro do meu coração.
DISCURSO DE RECEPÇÃO DO ACADÊMICO ALUÍZIO NAPOLEÃO DE FREITAS REGO*
A
Celso Barros**
costumado que sois a regras de cerimonial, não vos surpreendeis ante o fato de que esta Academia, excedendo-se nos limites de sua simplicidade e de sua modéstia, se engalane para recebervos, como representante de uma família de piauienses que, ao longo das gerações, tem elevado o nome e o prestígio do Piauí. Desde o avô – José de Freitas – a cuja vida de homem *
Discurso proferido na Academia Piauiense de Letras em recepção a Aluízio Napoleão de Freitas Rego, cadeira 11, em 27 de julho de 1983, na sede da Associação Comercial Piauiense. ** Celso Barros Coelho é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Piauiense de Letras e presidente da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons.
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simples dedicastes páginas de admiração e de saudade, no livro Meu avô José de Freitas, editado em 1950 e cuja glória já se perpetua nos brasões da cidade que lhe herdou o nome, até o filho, aqui presente, elevado ainda tão jovem, como Governador do Estado do Piauí, às culminâncias da vida pública, representais o ponto alto de uma estirpe de ascendente e descendentes, que tiveram, nos valores do espírito, a herança que hoje ofereceis à Casa de Lucídio Freitas, como é chamada nossa Academia, numa homenagem ao seu inspirador e principal fundador. Em verdade, como lembra Ganner Ahlstrom, a propósito de Romain Rolland, as mais belas heranças são as heranças da alma. E essa é a herança que enriquece o patrimônio da vossa família, onde encontramos lídimos representantes da poesia, da oratória, do jornalismo, da política, da administração, da diplomacia e por onde podemos avaliar os altos dons de que foram servidas as gerações passadas e presentes. Lembro aqui o nome de Martins Napoleão, de que já falastes, polígrafo consagrado que esta Academia ainda recorda nos áureos tempos em que pontificava ao lado de Higino Cunha, Matías Olímpio, Simplicio Mendes, Álvaro Ferreira, Arimatéia Tito e Cristino Castelo Branco. Há precisamente 13 anos, pois foi em 24 de julho de 1970, numa sessão noturna como esta, era ele festivamente recebido por nossa Academia. A mim foi dada a honra de saudá-lo. E no comovido discurso de agradecimento Regresso à terra natal, como está publicado no livro Folhas Soltas ao Vento, há estas palavras tocadas de saudade no reencontro do homem com a sua terra: Ainda no avião que nos trouxe de novo a estes ares e a este chão, quando o profundo olhar azul do céu de julho começou a descer ao âmago de minh’alma, bem senti que ele procurava saber de mim se
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continuava ali o mesmo que se fora, sofrido e pobre, há um quarto de século, tangido outra vez pelo destino, em busca de sobreviver. E a resposta não se fez rogada, pronta e afirmativa: lá estava o piauiense de toda a vida, mais ralado embora pela aspereza do tempo, sim, porém, estreme de deformações com que certo mundo castiga, não raro, o emigrado por força de circunstâncias. Também emigrados da terra por força de circunstâncias, posto que circunstâncias bem diversas, foi o vosso pai, Hugo Napoleão, fostes vós, tangidos pela necessidade de procurar em terra estranha, em ambientes culturais diversos, outros meios de vida e de trabalho. Mas o que é importante assinalar é que, mesmo distantes tanto ele quanto vós, guardastes fidelidade à terra e à sua gente, identificando-vos com o Piauí, no trabalho, nas lutas, nas conquistas, nos momentos de glória, nas horas difíceis, vendo a terra não como uma imagem apagada à distância, mas como uma presença viva a dominar o coração. Na poesia de Martins Napoleão a presença da terra é uma constante e quando regressou aos pagos da infância e viu o chão de sua juventude com sua paisagem transmudada em ruínas, a fazenda abandonada, o velho poço, traduziu tudo isso num belo soneto evocativo dos seus passados sonhos de moço: Por este chão pisei quando era moço, e andei por estes campos e caminhos que ora vejo, tristes e sozinhos, das ruínas da casa ao velho poço. Era tanto o meu íntimo alvoroço quando pensava nestes doces ninhos dos meus passados sonhos adivinhos, de que somos recíproco destroço! Fazenda de meu Pai. Aqui no inverno
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com minha Mãe e irmãos vivi, cuidando fosse a vida – ai de mim! – um sonho eterno. Morta ilusão! Desamparado e só, resta-me apenas ora estar chorando diante de tudo reduzido a pó.
Batido pelo destino, cada um de nós deixa ao longo do caminho os destroços de sua luta, o legado de suas conquistas, para reencontrar-se no final, despido de ilusões, com a realidade de si mesmo, o que nos leva às vezes imaginar a viagem de regresso, em busca do tempo perdido proustiano ou apenas refletir que é hora de parar diante de tudo reduzido a pó. Só então é possível seguir o conselho de Dag Hammersjold: Não olhes para trás. Nem tampouco sonhes com o futuro. Isso não te devolverá o passado, nem satisfará teus outros devaneios. Teu dever, tua recompensa – teu destino – estão aqui e no momento presente. Vamos, pois, pensar em nosso destino de agora, falar em Aluízio Napoleão em função do que é, do que fez, do que escreveu, do que representa para o Piauí e do que significa para esta Academia a sua convocação para integrar os seus quadros de sócio. A literatura foi a sua primeira grande atração, pois já em 1935, com apenas 21 anos de idade, enveredava pelos domínios do conto, escrevendo Segredo. O título é bem sugestivo. Com efeito, as histórias narradas, envolvendo casos familiares, aventuras amorosas, cenas da vida real, em que repontam situações de surpresa e de contrastes, mostram que o jovem contista forcejava a imaginação para situar pessoas e fatos num quadro de realismo, mas que, afinal, o que resultava eram combinações românticas, pois colocadas no plano dos desejos, das evocações, dos devaneios, das vagas aspirações, das
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conveniências sociais e dos dramas individuais. Cada história revela, no seu autor, a preocupação de desvendar os mistérios da alma humana, apontar interesses contrariados nos seus personagens, as suas desventuras, o que, ao cabo de tudo, é um segredo da própria vida, construída ao sabor de percalços que a condição social ou os desvios da conduta tornam inevitáveis. A crítica da época recebeu com aplausos o trabalho e entre os que sobre ele se manifestaram, com palavras de louvor e estímulo, encontramos uma plêiade de notáveis escritores. Clóvis Beviláqua reconheceu no autor o talento de um jovem que se afirma como artista de excelentes qualidades de observação e desenho já firme das coisas vistas da vida real. Afonso Celso reconhece em Segredo formosa coletânea de contos atestadores da capacidade literária merecedora de todo apreço e incentivo. Miguel Osório de Almeida proclama, por sua vez: em um livro de estreia, Segredo, escrito por um jovem, os defeitos não têm maior significação. O que importa são as qualidades. E estas são muitas. E ainda Xavier Marques para quem o livro revelava um talento novo e pujante e Artur Ramos que via no pequeno volume de contos obra de ficção que surge já tão cheia de méritos. Por fim Viriato Correia, com esta interessante observação: No Segredo Aluízio Napoleão mostra todas as qualidades que se exigem de um narrador e de um narrador da difícil modalidade do conto: simplicidade, leveza, agilidade, clareza, brilho. Até a técnica, que é a tortura dos contistas, ele a possui como um dom inato. E até Agripino Grieco, crítico temido da época pela irreverência com que tratava sobretudo os estreantes, revela sua simpatia pelo autor de Segredo, nele reconhecendo o necessário tato na escolha dos assuntos e a inteligência sem saber concluir a tempo.
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Que mais se poderia dizer de um estreante? Pena é que Aluízio Napoleão não tenha avançado no seu caminho. Talvez as responsabilidades da função que iria assumir na administração pública o tenham privado desse trabalho de criador de imagens e de símbolos, que formam a tessitura de seus contos, preocupados com a vida e com a natureza, numa tentativa de explicar os fracassos e os contrastes humanos. Mas, se já não foi a ficção que o atraiu daí para diante, deu-nos prova de sua vocação para as letras e de sua aprimorada arte descritiva, no livro Imagens da América, de 1945, contendo impressões dos Estados Unidos da América. Publicado dez anos após o primeiro livro e quando já produzira, em outros gêneros, as obras capitais de sua bibliografia, como depois veremos, essas Imagens da América revelam já um escritor seguro, consciente de sua arte, atento aos aspectos de uma realidade que o atraia, sobretudo, pelo elevado nível de cultura e de civilização. Imagens da América é livro rico de informações, tem páginas vibrantes de entusiasmo pela obra de um povo que se distinguiu pelas suas realizações materiais e culturais. Característica do estilo do autor, nesse como nos demais livros, é a simplicidade da narrativa, a concisão da linguagem, revelando apenas aquilo que é essencial, através de termos e expressões adequados. Dir-se-ia que observava, analisava, confrontava dados, equacionava situações, penetrava o âmago das coisas que se colocam à sua frente e que convinha levar ao conhecimento do leitor, para depois descrever. Se o mérito de certos estilos, como crê Eduardo Sapir, é executar sem esforço e com economia o que a língua já tem tendência de executar, não temos dúvida em afirmar que tendes esse mérito, porque assim nas crônicas que nos
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mandastes da América e que foram publicadas na imprensa do Rio de Janeiro, formando o volume em referência, como nos demais trabalhos, reveste-se a linguagem de toda a simplicidade para exprimir o certo, o interessante, o agradável, o que é belo e o que é útil. Esse mérito poucos escritores o possuem, sobretudo quando é preciso aliar elementos de interpretação e de exposição, o real e o simbólico que, quase sempre, se associam na obra literária. Deixemos de lado, porém, esses dois aspectos da produção intelectual de Aluízio Napoleão – o contista e o cronista – para examinar a sua personalidade sob o ângulo mais abrangente e que, em verdade, é o traço dominante de sua vida – o diplomata de méritos que, na representação do Brasil no exterior, soube honrar as tradições culturais do Itamaraty e deu à Pátria, ao longo de toda a sua atividade pública, o exemplo de fidelidade aos princípios que orientaram a nossa formação histórica e cultural. Ainda aqui ressalta a figura do escritor, mas já distanciado da linha intelectual dos dois trabalhos apontados, porque agora as suas atenções se voltam à pesquisa histórica, à biografia, ao documentário, legando-nos, nesse domínio, obras do mais alto valor. Aliás, convém frisar, foi a atividade diplomática que condicionou, de certa forma, quase toda a atividade intelectual de Aluízio Napoleão, nessa fase, pois o que produziu foi em função do exercício dessa atividade. Com o propósito de defender a prioridade brasileira sobre importante conquista científica, ocupou-se da personalidade de Santos Dumont. Surgiram daí os livros Os arquivos particulares do Itamaraty, de 1940; O Segundo Rio Branco, de 1941, Rio Branco e as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, de 1947, O Arquivo do Barão do Rio Branco, de 1951, todos
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ligados, como se vê, à vida diplomática e, no que concerne à outra alternativa, Santos Dumont e a Conquista do Ar, em dois volumes, publicado em 1941. Todas elas são obras de um pesquisador, de um estudioso de nossas tradicionais relações diplomáticas, nas quais destaca a figura mais exponencial e por todos os títulos admirável, o Barão do Rio Branco, como homem e estadista. O livro é uma síntese da vida de Rio Branco sob os dois ângulos apontados e no qual o autor confessa que “embora seguindo a opinião dos seus contemporâneos, tentou, no ensaio, ‘explicar Rio-Branco’ pelo próprio Rio-Branco, buscando as ‘suas palavras, os seus pensamentos, consultando os seus discursos, tendo as suas cartas, sentindo o valor de sua pena, a sua maneira de ser, de expressar-se, de trabalhar, de viver, de encarar a vida, a sua própria vida e a vida nacional’”. Com esse trabalho foi direto ao exame de cada questão, penetrou o pensamento do grande chanceler, descobriu-lhe as nuances, empolgou-se com a sua vida, tudo isso traduzido em páginas ricas de conteúdo, repletas de informações valiosas para o conhecimento do estadista que tantas glórias deu ao Brasil. Muitos aspectos da personalidade de Rio Branco estão retratados nesse livro de pouco mais de cem páginas, mas que condensa a riqueza inesgotável de uma vida, não porque o autor não tivesse muita coisa a dizer, mas porque é do seu próprio estilo dizer só o essencial, sem afetação, sem digressões, sem extravasamentos verbais. O livro não foi escrito apenas com inteligência, mas também com amor e devoção. De cada página ressumbra a nota afetiva, o toque de admiração. E ao encerrar o volume, numa síntese de todo esse sentimento de admiração pelo estadista e de todo o amor do estadista pela sua Pátria, temos tais palavras: Se fecharmos um pouco os olhos e
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meditarmos nos fatos apontados, na vida predestinada de Rio Branco, na linha ascensional de sua existência, iremos ver que a sua figura continua bem presente, que o seu pensamento sobre o Brasil e o destino da América possui essa força imponderável que faz com que os grandes homens divisem os acontecimentos que hão de vir e que as suas expressões continuem a viver na memória dos pósteros. A importância do trabalho de Aluízio Napoleão sobre o Rio Branco foi enaltecida pelas vozes mais autorizadas da época. Seria alongar demasiadamente este discurso arrolar aqui todas as opiniões expendidas em torno do livro. Limitarme-ei a mencionar as principais, destacando, de início, esta de Pedro Calmon, grande historiador e membro da Academia Brasileira de Letras: “Aluízio Napoleão, jovem diplomata, iniciando a vida pública, pupilo predileto, poderia dizer, das velhas gerações do Itamaraty, dedicou ao nume doméstico, o Chanceler, o melhor dos seus estudos. O Segundo Rio Branco – o homem e o estadista, com o mérito em que precede a moderna bibliografia, sobre os personagens e o assunto, de ilustrá-lo com o subsídio inseparável dos arquivos, desses arquivos do Itamaraty que organizou com um zelo inexcedível. Em outro volume, Rio Branco e as Relações entre o Brasil e os Estados Unidos, completou o seu estudo magistral sobre o grande brasileiro. Em seguida, nos deu obra de reinvindicação do pioneirismo patrício, o seu estudo que devo considerar na primeira linha dos trabalhos desta espécie sobre Santos Dumont”. Sobre esse mesmo livro, Rio Branco e as Relações entre o Brasil e os Estados Unidos, é importante o depoimento de Gilberto Freire: Acabo de ler com o maior interesse o excelente trabalho do diplomata Aluízio Napoleão, ‘Rio Branco e as Relações entre o Brasil e os Estados Unidos’. Não só o assunto me atraiu de modo particular: também o fato de ser
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o ensaio do diplomata brasileiro baseado em grande parte na correspondência do Barão do Rio Branco com John Basset Moore, o notável mestre de Direito internacional cujas aulas segui na Universidade de Colúmbia, ao lado das de Munro, outro mestre ilustre do Direito Público. No prefácio do seu livro, o ministro Aluízio Napoleão reproduz sobre o segundo Rio Branco estas palavras ‘Rio Branco was the greatest combation of scholar and statesman I ever knew. O então Presidente Juscelino Kubitschek, proferindo palavras por ocasião da posse de Aluízio Napoleão no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, enfatizou as palavras antes citadas de Pedro Calmon dizendo: “... quero juntar, neste instante, a voz do meu aplauso às vozes que aqui se fizeram ouvir, para proclamar que realmente o Dr. Aluízio Napoleão, pelos seus estudos e pela sua mocidade dedicada ao Brasil, está admiravelmente bem assentado, hoje, num cenáculo em que se cultivam, em primeiro lugar, as virtudes, as glórias e as tradições do Brasil”. De par com as páginas dedicadas ao Barão do Rio Branco, justo e oportuno é destacar, por outro lado, o trabalho mais alentado de Aluízio Napoleão, como exigia o nome, a glória e o destino do seu personagem – Santos Dumont. Em dois volumes – Santos Dumont e a Conquista do Ar, é uma ora que consagra o seu autor, pela riqueza dos elementos colhidos, pela narração de todos os episódios que envolveram a vida e as experiências do gênio da aviação, umas fracassadas, outras plenamente vitoriosas, mas em tudo revelando-se um homem obstinado no seu ideal e disposto a lutar por ele. Hoje é impossível escrever-se sobre Santos Dumont sem se recorrer ao trabalho de Aluízio Napoleão, que soma ao louvor nacional, pela publicação, o fato de haver sido traduzido para o Inglês, o Francês e o Espanhol. Para a
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elaboração deste discurso, li a tradução espanhola de Alarcón Fernandez. Também deste livro, como de todos os outros, são numerosas as manifestações de encômios, no Brasil e no estrangeiro. João Neves da Fontoura, em discurso pronunciado na Academia Brasileira de Letras, assim se expressa sobre o livro: É com muito prazer que convoco a atenção desta Casa para o volume nº 295 da Coleção Brasiliana. O tema do livro interessa a todos os brasileiros. Melhor diria, a toda a humanidade, pois nele é versada a história, desde a infância até a glória, de um dos maiores contemporâneos: Santos Dumont. Sobre Santos Dumont e a sua obra já muito se escreveu. Nunca, porém, se escreveu melhor, com maior verdade e clareza, nem em mais belo estilo do que acaba de fazer um jovem compatriota nosso, o ministro Aluízio Napoleão. O nome do escritor esteve desde muito incorporado às letras pátrias, que tanto já lhe devem não obstante sua juventude. É que soube dobrar os êxitos de sua brilhante carreira diplomática com os da literatura e da pesquisa histórica, nas quais se afirmou entre os principais valores da sua geração. Poderia enriquecer este trabalho com outras citações de eminentes figuras das letras e da cultura nacionais. Mas ficamos aí, não sem mencionar, porém, o que, das obras do nosso novo acadêmico, disse o consagrado romancista português, Ferreira de Castro: Estas obras deram-me a grata certeza de haver estado em contato com um notabilíssimo polígrafo, que passa da ficção à biografia, ‘da crônica à monografia – e como é interessante a de Rio Branco. Sempre com um grande brilho, sempre com um alto nível. Investigador, ensaísta e contista, o meu novo e já querido amigo Aluízio Napoleão honra sobremaneira a cultura do Brasil. E que diremos da honra que traz à nossa Academia?
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É só considerar o homem que ora recebemos no seu valor cultural, na sua glória de escritor, na sua ascensão na carreira diplomática, no seu prestígio internacional. Só falta mesmo o Piauí falar sobre ele, abrir as páginas dos seus livros, analisá-los e, se quiser seguí-lo na trajetória de sua atividade diplomática, encontra-lo-á como Vice-Cônsul do Brasil em Portland, Oregon, Estados Unidos da América, 1943; como Assessor da Delegação do Brasil à VI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 1951, após percorrer as embaixadas do Brasil em Washington e Paris, já como Secretário. Integrante da Delegação do Brasil às solenidades de inauguração do Monumento Alberto Santos Dumont, em Saint-Cloud, Encarregado dos Negócios do Brasil em Paris, Assessor da Delegação do Brasil à II Sessão Extraordinária da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Paris; Conselheiro das Embaixadas do Brasil em Paris e Ancara; Membro da Comissão de Estudos dos Textos da História do Brasil; Chefe do Cerimonial da Presidência da República, por nomeação de Nereu Ramos. O mesmo cargo por nomeação de Juscelino Kubitschek. Embaixador do Brasil em Pequim. É membro, como já vimos, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Não referimos todos os títulos. Seria demasiado e mesmo desnecessário fazê-lo, pois o que mais importa para a glória de Aluízio Napoleão não são os postos que exerceu na diplomacia, as numerosas missões que recebeu, as instituições a que pertenceu e pertence, mas a sua obra literária, os seus estudos biográficos, as suas pesquisas históricas, a sua contribuição para que homens como Rio Branco e Santos Dumont – glórias nacionais – se tornassem mais conhecidos e admirados além de nossas fronteiras. Os cargos, as honrarias, os títulos vão-se com o homem. Ficam as obras do espírito, as criações da
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inteligência, projetando a personalidade além do tempo e da vida. Estas é que propriamente interessam às Academias, cuja missão, cuja força, como vós bem o definistes, reside justamente no primado do espirito. É, pois, em razão desse primado, que vem de longe, que durará para sempre, que a Academia Piauiense de Letras abre suas portas para recebervos, como portador daquele espírito de Ariel de que falastes, que ilumina os homens de pensamento, que influi na formação nacional, na educação das massas e nas inspirações dos governantes. Vivendo à luz desse espirito e por ele conduzida, a nossa Academia, nas suas tradições de cultura e de liberdade, de valorização da terra e do homem, sente-se honrada em vos oferecer a Cadeira de antecessores ilustres, como Abdias Neves, Martins Napoleão e Fabrício de Arêa Leão. Deles traçastes os respectivos perfis em vosso belo discurso. De Martins Napoleão, vosso tio, aqui presente em nossa memória e em nossa saudade, mais do que de qualquer outro, recebemos a lição de que muito vale ao homem a crença na imortalidade, porque, diz ele, no Poema da Forma Eterna: todos aspiram perpetuar-se, moldando o grande sonho em forma eterna. Ou como Bilac por ele mesmo relembrado: A terra ao nosso amor não basta.... Para nós da Academia o grande problema é o das relações entre o real e o ideal, o que, na opinião do grande pensador e filosofo John Dewey, não é um problema da filosofia, mas um problema permanente da vida. Alguns veem as Academias apenas sob o prisma idealista da vida, sem atentar que são elas também parcelas do mundo real e trabalham em função de uma realidade que encontra no homem a sua explicação e sua força. O que distingue as Academias, porém, das instituições que só acreditam no real e que, por isso mesmo, se mostram
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indiferentes às razões do espírito, é que acreditam elas no conhecimento como coisa dinâmica e isto faz com que o ideal e o real se combinem e reciprocamente se influenciem. É a práxis dominando a vida e ensinando o homem. É nesse sentido que o mesmo grande filósofo nos fala: Quando a crença de que o conhecimento é coisa dinâmica e eficaz encontra guarida no espirito dos homens, o reino do ideal não mais permanece como alguma coisa longínqua e separada, torna-se antes um conjunto de possibilidades imaginadas que estimulam os homens a novos esforços e realizações. Senhor Embaixador Aluízio Napoleão. No ideal de servir à Academia está também o interesse de renová-la. E é esse o interesse que demonstrastes, já no ádito de nosso templo, quando falastes de suas origens e dos seus elevados objetivos. Vossa chegada aqui reveste-se de um cunho todo especial, que as solenidades anteriores não registram. O pai, Imortal da Academia, ao lado do filho, Governador do Estado. Ainda aqui combinam-se o ideal e o real. O ideal, que é imanente ao reino do espírito. O real, que é o próprio do governo dos homens. É o poder da glória ao lado da glória do Poder.
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POSSE DO ACADÊMICO JOSÉ RIBAMAR GARCIA
DISCURSO DE RECEPÇÃO
E
Herculano Moraes
xiste nas pessoas uma cidade imaginária, aquela que permanece na alma de nossa infância e adolescência, que nos acompanha como uma paisagem sentimental, da qual não queremos nos afastar. Na minha alma ainda existe uma rua imaginária, como um rio subterrâneo a reavivar minhas lembranças. É ali na rua São Pedro, das águas torrenciais dos períodos invernosos, que estão as mais suaves de minhas emoções. Era uma cidade de um afetuoso tom de humildade. Uma cidade que despertava sob o canto do galo ao nascer do sol e cerrava suas cortinas, silenciando suas angústias, ao toque noturno do recolher originado do corneteiro da Polícia Militar, cujo som era ouvido por todos. Minutos depois o passeio da Praça Pedro II,
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onde jovens de todas as idades viviam suas fantasias, era completamente esvaziado, gerando um logradouro lúgubre, de sombras e fantasmas, como a figura esbelta da Não se Pode a aguçar a imaginação das crianças. O Clube dos Diários era o destino de alguns para um jogo de baralho, uma troca de ideias, um drink. Ali realizavam-se as melhores festas da região, animada por orquestras nacionais, especialmente convidadas, cavalheiros de paletó, gravata e chapéu, damas de vestido longo e salto Luís XV. Nascia aí outra cidade: a cidade que ria e se alegrava nos lupanares da Paissandu, nos catres miseráveis dos cabarés da Piçarra, nas estivas da Palha de Arroz, onde o romance da vida supria a ficção dos construtores de memórias. Uma cidade pacata, estiolada de desencantos, ruminando às margens dos rios mesopotâmicos, em um dos quais o lendário Crispim vigiava suas margens, à procura das Sete Marias Virgens que devolveriam sua condição humana. Cidade que incorpora os fantasmas de suas ruas descalças, das avenidas empoeiradas, das ancoretas cheias de água conduzidas nos lombos de animais; dos pregoeiros de frutas, verduras e legumes; sem água encanada, de precária luz elétrica, geradas pelas caldeiras a lenha, do IAEE, que emitia três sinais antes de ser suspensa, substituída por lamparinas a querosene; cidade de raios faiscantes emoldurando suas noites silenciosas, o sono interrompido pelo barulho dos trovões ribombando na madrugada, olhos abertos de crianças que tremiam de medo e frio sob os lençóis de morim e caqui, fabricados na fiação. Cidade que retomava sua rotina ao nascer do sol e onde, como na Itabira de Drummond, ... o homem ia devagar, / o burro ia devagar / o cachorro ia devagar / as janelas olhando a vida.
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Mas o espírito da gente não era só a cidade invisível do nosso encantamento. Na alma de cada um existe a memória das pessoas, a força das gerações como grupos humanos construindo suas vivências. Cada qual vive seu tempo, com todas as circunstâncias do viver. E o tempo nos acompanha com todos os seus apelos. Cultivamos a memória das coisas como se cuida de um cristal. Manuel Bandeira tem um poema – A Última Canção do Beco – em que nos revela essa fantasia. Vão demolir esta casa, Mas meu quarto vai ficar. não como forma imperfeita neste mundo de aparências; Vai ficar na eternidade. com seus livros, com seus quadros, intacto, suspenso no ar.
Esse espírito de permanência das coisas na alma das pessoas está presente em expressões memoráveis, como em Celso Barros Coelho, que dá à sua cidade – Pastos Bons – o valor de um monumento que desperta recordações: umas sentimentais, bucólicas; outras prazenteiras, alegres, algumas tristes, dolorosas. Na alma das cidades está o conjunto de pessoas que formam as gerações. Cada qual, como individualidade, cultivando seus talentos, construindo sua história, participando da aventura de viver. Muitas dessas pessoas despertam o desejo de diagnosticar e compreender sua cidade e seu tempo, alguns projetando o inconformismo por tudo o que não puderam realizar.
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Perdida não do ponto de vista social, político, cultural, mas na significação do drama de uma geração que embora haja realizado, através dos seus mais representativos expoentes, obra admirável de afirmação no campo da atividade prática – nas artes, nas letras, na vida profissional, talvez tenha deixado muitas vezes de atender à missão a que fôra convocada a desempenhar – a do inconformismo com os valores do seu tempo, a de transformar a aventura do espírito em algo que possa realmente dar sentido e dignidade à peripécia de viver. Esta era a Teresina de meados da década de 1940, cognominada Chapada do Corisco. Mergulhemos um pouco na memória do tempo. Chovia muito naquela noite de 10 de abril de 1946. No quarto do casal, numa rua de nome Benjamin Constant, na Baixa da Égua, dona Bernarda sofria os dolorosos espasmos do parto de um menino que estava para nascer, enquanto na sala seu Francisco de Assis não conseguia esconder sua ansiedade, esfregando as mãos, suando frio, atento a qualquer ruído, como se esperasse o choro do filho romper a noite espessa. Teresina não possuía maternidade. As parteiras aparavam as crianças que chegavam, qualquer que fosse a hora ou a circunstância. Foi um parto difícil, tendo por suporte a experiência da parteira e a luz protetora do Criador a reanimar as energias de dona Dedé. Mas essa história não sou eu quem vai contar. Usarei as palavra objetivas e sentimentais do doutor Ivan Simões, filho do novo imortal, reproduzindo o trecho do belo discurso que pronunciou quando José Ribamar Garcia recebeu o honroso título de Cidadão do Rio de Janeiro. Diz o doutor Ivan Simões Garcia, sobre seu pai: Aquele nascimento, solitário, transparente, obstacularizado,
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deu o indicativo do que seria sua vida: Uma sucessão de transposições; uma sequência de nascimentos a cada adversidade vencida; uma imponderável capacidade de tenazmente sobrepor as barreiras. Infância pobre, perambulando pela Rua Benjamin Constant, pela “baixa da égua” e pelos bairros da capital piauiense, enriqueceulhe, desde então no imaginário o apreço à liberdade e a sensibilidade lúdica, que mais tarde se revelaria na veia artística do literato. O caráter solidamente moldado pela coragem e retidão do pai, FRANCISCO DE ASSIS GARCIA, cuja perda insubstituível, muito cedo – aos nove anos de idade – deixou para sempre vinco na alma. Do pai reteve, além do profundo amor reproduzido em grau infinito aos seus próprios filhos, os caracteres genéticos do destemor, da bravura e da força para realizar seus projetos pessoais. Caráter também forjado no exemplo da mãe, BERNARDA DE SOUZA GARCIA – DONA DEDÉ, com sua luta para sustentar os quatro filhos, sempre insistindo em valorizar o caminho da educação como única forma de crescimento e emancipação para uma condição melhor. Senda trilhada no Grupo Escolar Engenheiro Sampaio e no Liceu Piauiense, onde disputou vaga com centenas de candidatos para cursar o primeiro ano ginasial, hoje, 5ª série do Ensino Médio. Dona Dedé também anteviu que tal crescimento não poderia ir muito longe na Teresina do final dos anos 60, e resolveu mandar JOSÉ RIBAMAR GARCIA para o Rio de Janeiro, quando este tinha apenas 14 anos, avalia o dr. Ivan Simões. Voou pela primeira vez nas asas do DC3 da Real Aerovias. Nervoso e demonstrando ansiedade, o menino viu a cidade se dissolvendo na nuvem de pó provocada pelas hélices da aeronave, revolvendo poeira do solo piçarrado. Aos poucos a caudal Tabatinga do Parnaíba sobre o verde musgo da paisagem foi ficando na distância, uma imagem retida na memória, jamais esquecida. Selaram-se a partir de então, em pleno carnaval de 1961, os laços retesados que ataram o coração de JOSÉ RIBAMAR GARCIA à cidade do Rio de Janeiro.
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É o doutor Ivan Simões quem revela: Tudo na cidade maravilhosa lhe pareceu maravilhoso. O clima, a paisagem, a beleza do encontro da serra com o mar, as mulheres cariocas. Mas a trama não se fez, senão sorrateira, em meio ao suor do trabalho e às lágrimas da solidão e da saudade da família. Trabalhava de dia, até 10 horas, ganhando meio salário mínimo, para estudar à noite. Na labuta percorreu diversas funções, de Office boy a secretário em laboratório de análises clínicas; de auxiliar de escritório de construção civil a vendedor de livros. Juventude de privações: havia dias que conseguia entrar duas vezes no restaurante estudantil o Calabouço, para reforçar a alimentação, posto que dali nada mais comeria, e a melhor saída era forçar a vinda do sono para que Morfeu tentasse ludibriar a fome, lembra o filho, com emoção.
O fermento dos festivais excitava a juventude, num momento em que a repressão proibia reuniões culturais. E veio o instante eterno, quando Geraldo Vandré deslumbrou a plateia com o hino da mocidade dos anos sessenta: Vem, vamos embora que esperar não é saber; quem sabe faz a hora não espera acontecer.
A passeata dos cem mil. O Calabouço, restaurante da UNE, no Rio, como palco da mais dolorosa tragédia do período. O corpo de Édson Luís de Lima Souto insepulto, servindo de massa de manobra para as legiões insanas dos rebelados. O dr. Ivan Simões recorda esse ambiente: No ambiente efervescente do Rio de Janeiro da década de 60, a falta de recursos o afastou do agito cultural da classe média, mas foi indelevelmente marcado pelo enfrentamento político contra a Ditadura Militar, sem se deixar cegar pelos auto-denominados
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corifeus da liberdade e da esquerda. Assim, concluiu o ginásio no Colégio Maria José Imperial, em Botafogo, hoje apenas Colégio Imperial; cursou o clássico no Colégio Frederico Ribeiro, no Largo de São Francisco; prestou vestibular para o curso de Direito, até que conseguiu concretizar o sonho, em 1971, de formar-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF, em Niterói. Vocação inata de advogado, despertada pelo exemplo respeitável de Antônio Batista de Araújo, com quem trabalhou na velha Teresina. Na advocacia erigiu seu trabalho, realizando na prática seu receituário de sucesso: organização e seriedade; respeito e ética; altivez com humildade e muito estudo e leitura. A sobrevivência e o senso crítico o fizeram distante dos rompantes aventureiros que seduziram alguns jovens da época, mas isso não impediu de, já no terceiro ano do curso de Direito, impetrar Hábeas Corpus em favor de vários colegas comensais do Calabouço, presos pelo regime militar. Galgou a vida para o êxito e o reconhecimento, exercendo diuturnamente essas ligações nos 35 anos de advocacia integral, chegando a dirigir departamentos jurídicos de entidades como Associação dos Servidores do DNER e empresas como Casa Sendas S.A e Casas da Banha S.A, e patrocinando mais de 20 mil causas. O espírito livre o fez sempre exercer, em paralelo a advocacia em sua banca privada, atuando primeiramente nas áreas de Direito Penal, Civil e Administrativo, mas consolidando sua carreira junto ao Direito do Trabalho, ramo no qual seu nome toma hoje projeção e relevo, pelo exercício da advocacia de forma digna e aguerrida em favor da Justiça.
Senhor acadêmico José Ribamar Garcia: A diáspora piauiense, desde o período colonial, enriqueceu o Brasil de expressões plurais, todas elas de excepcional contribuição ao desenvolvimento do país. Permito-me dizer que essa trajetória começou com João Lustosa da Cunha, de quem descende um dos nossos melhores contistas, Oton Lustosa.
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Saindo de uma região pobre e esquecida, localizada nos sertões de dentro, Lustosa da Cunha tornou-se, anos depois, guiado pela mão do destino, pelo talento e pela férrea vontade dos que sabem sonhar, figura central da Monarquia, provavelmente o mais poderoso e influente piauiense na história imperial do Brasil. Ao receber o título de Marquês homenageou sua terra incorporando ao nome o Paranaguá, numa referência sentimental às suas raízes. Outros vieram na esteira dessas conquistas: Os cientistas Pedro da Costa Alvarenga, revelador da insuficiência aórtica, cuja descoberta recebeu o nome de “sinal de Alvarenga”, Fernando Pires Ferreira, pai da oftalmologia no Brasil; Conselheiro Francisco José Furtado, de excepcional poder político no coração do Império; Chanceler Félix Pacheco, o pintor Lucílio Albuquerque, consagrado como artista do universo; Antônio Alves de Noronha, construtor do Maracanã; Conselheiro Coelho Rodrigues, a quem devemos a instituição do casamento civil, autor do texto original do Código Civil Brasileiro; botânico Eugênio Marques de Holanda, criador da primeira escola de farmácia do Brasil; Frederico César Leopoldo Burlamaqui, primeiro diretor do Museu Nacional; Benjamin de Moura Baptista, auxiliar de Osvaldo Cruz na cruzada contra a febre amarela e a peste bubônica; Hermínio de Morais Brito Conde; Amélia de Freitas Bevilacqua, primeira mulher a disputar uma vaga na Academia Brasileira de Letras; primeiro diretor do Centro de Pesquisas Oftalmológicas do Ministério da Saúde; Murilo Braga, criador do INEP; Francisco Portella, Renato Castelo Branco, Mário Faustino, Espedito Resende, a quem devemos a vinda do Papa ao Piauí; Carlos Castelo Branco, Abdias Silva, Alvina Gameiro, Evandro Lins e Silva, Taumaturgo de Azevedo, mestre Dezinho, Torquato Neto, Petrônio Portella, integram uma enorme lista de nomes que tornaram o Piauí referência
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no Brasil e no mundo. O Embaixador Aluízio Napoleão, que o senhor sucede nesta Casa, foi um dos mais conceituados diplomatas brasileiros, biógrafo de Rio Branco e Santos Dumont, cuja vida é dissecada em seu discurso de posse. Na história contemporânea, homenageio os piauienses notáveis das três últimas décadas, na expressão singular do deputado federal, governador, senador, Ministro de Estado e líder político de expressão internacional, o acadêmico Hugo Napoleão do Rêgo Neto. Will Durant disse que a verdadeira história do homem não está nos preços e salários, nem em eleições e batalhas, nem no nível de vida do homem comum. Está, sim, nas duradouras contribuições dos gênios para a soma da civilização e da cultura humana. Homens sonhadores, com vidas mais altas, vivendo-as integralmente. Homens que não se rendem ao tempo, que resistem, que permanecem até o momento final, como quem sabe que tem um destino a cumprir. Como vive, sonha e cria o Benjamin dos nossos pares, José Ribamar Garcia. Homem que vive o ideal da conquista de uma cidade agitada, geograficamente bela, de exuberante paisagem, de conflitos entre violência e paz; cidade de inumeráveis chances, de enormes espaços para a messe da esperança. Cidade onde aportou, viu, sentiu e venceu; constituiu família, fez amigos, afirmou-se como profissional de elevado prestígio entre seus pares; fidalgo, educado, gentil, de fino trato, mas decidido, enérgico, firme nas ocasiões necessárias. Homem que dá aos filhos belos exemplos de ética e honradez, exercendo a advocacia com profissionalismo e respeito aos direitos humanos; homem que mereceu e
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recebeu o reconhecimento de uma cidade, que o tornou cidadão honorário. Carioca, sim, mas sem perder um milímetro sequer do extremado amor que sente por sua Teresina de muitos abris. Teresina que permanece em sua memória, emocionalmente descrita nas crônicas de Imagens da Cidade Verde; na imagem do pai construindo sonhos na garapeira da estudantina; cuja leitura recomendo, por ser um reencontro com a cidade imaginária que se movimenta nas ruas e avenidas de uma cidade memorial: Palmeirinha, Rua da Glória, Rua dos Negros, Avenida Circular, Mafuá, Barrocão, Palha de Arroz... A luta pela sobrevivência encontramos na leitura de Em Preto e Branco, romance ágil, fiel aos episódios de uma época de repressão e censura, de discriminação e autoritarismo vivida por nossa geração. Vejo algo de autobiográfico na engrenagem dos fatos, do tempo cronológico e da comparação com a sua vida. É forte a presença do Piauí nos livros de José Ribamar Garcia. Ruas, avenidas, acontecimentos pitorescos, retratos e imagens, paisagens e fantasias, fatos e episódios que ocorrem paralelos à vida do escritor se incorporam à narrativa como elementos vivos de tempo cronológico, características e planos de composição literária. Cavaleiros da Noite resume esse universo, trafegando entre o drama de situações conflitantes a episódios picarescos, na construção de personagens com o mesmo perfil da realidade humana do nosso povo. O tom jornalístico prepondera nas narrativas Com esta fortuna José Ribamar Garcia chega a esta casa.
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A cidade que acalentou nossos sonhos juvenis e está muito bem descrita na edição original de Imagens da Cidade Verde, foi demolida, substituída por outra que desconhecemos. O progresso verticalizou suas moradias, as pessoas com seus sonhos e esperanças foram alargando as fronteiras, de princípio era a Socopo e Jóquei Clube, originando novos bairros – Fátima, Ininga, São Cristóvão, Piçarreira, Morada do Sol; aproximou-se da Universidade, avançou em direção às terras ainda inabitadas da zona sul - Parque Piauí, Promorar, Bela Vista, Morada Nova, Porto Alegre; aproximou-se do rio com o conjunto habitacional João Emílio Falcão – e ergueu enormes edifícios às margens do rio Poti, onde convivem belíssimas estruturas arquitetônicas de última geração e casebres de chão batido, a revelar os contrastes de uma cidade sem alma. Ninguém consegue andar a pé do Verdão, onde estava localizada a baixa da égua, ao Liceu, colégio que possuía os melhores educadores da região, pois o sedentarismo é a marca destes tempos selvagens. A cidade cresceu em conforto e bem estar, com seus Shoppings e calçadões, seus restaurantes e hotéis de inumeráveis estrelas, bares bem aparelhados, comidas requintadas, carros de último modelo, universidades privadas; motéis luxuosos; esculturas recriando nossas lendas, estátuas de bronze homenageando nossos líderes. Confortos estes a que se somam outros instrumentos civilizatórios do progresso, definindo conquistas movidas pela sensibilidade política e social, mas também pela ambição e pela vaidade, pela competição desenfreada, pelo desespero da notoriedade. A esse universo a cidade incorporou cercas elétricas, cães raivosos nos poucos quintais existentes, segurança nas portas, monitores de TV controlando cada
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passo, desrespeito às regras sociais, roubo, corrupção, prostituição, hipocrisia são valores sobre os quais a cidade instaura sua ideologia progressiva. Os vestígios da memória histórica e social da cidade e do Estado estão sendo roídos pelas traças nas estantes mal cuidadas do arquivo público. Não somos, como poderiam supor pelo que está sendo dito, uma legião de saudosistas, fora do tempo, apegados aos valores do passado. Não, não é isto! O que desejamos é uma cidade que não destrua seu espírito humanista, nem permita que as energias negativas originadas pela competição, pela vaidade e pela luta pelo poder acabe afetando a qualidade de vida, pois a vida não é só a conquista material, mas é alma, sonho, fantasia, elementos sem os quais a existência se torna inútil. José Ribamar Garcia chega a esta casa, com uma invejável história de vida, em cuja vida a cidade imaginária tem os tons da saudade. Bem vindo seja.
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VIDA ACADÊMICA
CLIDENOR, UM ESPÍRITO QUIXOTESCO*
A
Celso Barros Coelho**
o completar oitenta anos de idade, Clidenor de Freitas Santos reuniu os amigos e admiradores, em ambiente festivo, sua própria residência. Presente àquela comemoração, dirigira-lhe uma carta aberta, na qual falava de sua grande admiração intelectual por Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura como foi imortalizado. Relembrei na Carta uma passagem do terceiro livro da obra poética de Cervantes, Viaje Del Parnaso, na qual Apolo, para expressar o seu contentamento com a presença *
Discurso proferido na sessão solene da APL, no dia 16/02/2013, data comemorativa do centenário de nascimento de Clidenor Freitas Santos, em 16/02/1913. ** Celso Barros Coelho é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Piauiense de Letras e presidente da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons.
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dos poetas em sua morada, indica-lhes o lugar que devem ocupar, conforme “el ingenio y valor de cada uno”. Não localizei, entre meus papeis, o texto dessa carta. Desejaria lembrá-la aqui, dado o sentido simbólico que o fato representa na comemoração de hoje, o centenário de nascimento de Clidenor. Lembrei-me, porém, de que o caro amigo e colega Manoel Paulo Nunes, em discurso de homenagem a Clidenor, na Universidade Federal do Piauí, destacou um tópico da Carta e a ele recorri, para não perder a oportunidade de relembrar aqui e agora aquela “viaje del parnaso”. Reunindo em torno de si os poetas, Apolo, após designar o lugar de cada um, mantenho-se Cervantes de pé, deu-lhe este Conselho: “Mas, si quieres salir de tu querella, / alegre y no confuso y consolado, / dobla tu capa y sientate sobre ella”. E dirigindo-se a Clidenor, repetia Paulo Nunes palavras daquela Carta, dizendo: À sua mesa, pois, conclui Celso a narração do episódio, estamos para esse encontro espiritual, em que apenas você, como o próprio criador de Dom Quixote, não tem lugar assinalado, porque, sendo o maior de todos os presentes, ultrapassa ‘el ingenio y valor de cada uno’.
Relacionar o nome de Clidenor a Dom Quixote é revelar uma paixão. Uma paixão exacerbada, porque atinge a plenitude da mensagem humana desse extraordinário fidalgo, a respeito de cujas aventuras temos muito de louvar e aprender. Os livros que Clidenor encontrava sobre o Quixote eram logo adquiridos não apenas para enriquecer sua coleção e deleitar-se com sua leitura, mas para agraciar os amigos. Tal era o seu interesse no sentido de que também
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os amigos participassem do prazer intelectual de os ler e compreender. Presenteou-me com o notável estudo de San Tiago Dantas, D. Quixote - Um apólogo da Alma Ocidental. Recebi-o com prazer, deparando-me aqui e a li, em suas páginas, com a beleza do texto, com as lições ministradas e com equilíbrio da exposição, todos a revelarem o sentido do Quixote como medida do homem e do qual é possível compreender o heroísmo e o amor em suas várias manifestações. Ao tratar do sentido do Quixote, o autor esclarece: “Cervantes tomou como tema de seu romance, não a simples aventura de D. Quixote, mas a repercussão múltipla dessa aventura no espírito de seus personagens. De modo que D. Quixote é o primeiro livro em que se estuda e se discute o sentido e o valor da aventura do extraordinário fidalgo, por quem ainda não cessamos de estar atônitos”. Os personagens do livro, desse “apólogo da alma ocidental”, recebem o influxo da aventura quixotesca como lição exemplar para compreender o seu heroísmo, como valor máximo. No exemplo desse heroísmo, surgem três atributos, ou seja, o dom de si mesmo, a fé e a pureza. O dom de si mesmo pressupõe uma vontade superadora de limitações. E um esforço quase sobre-humano de vencer obstáculos e conquistar vitórias. Daí afirmar San Tiago Dantas que “o heroísmo do cavaleiro não está no seu feito, está nas suas disposições da alma. O fracasso, o insucesso, o ridículo não obumbram, antes fazem resplandecer o heroísmo de D. Quixote”. Ligado a esse heroísmo está o sentimento de fé, enraizado em todas as ações em que ele se manifesta. Dir-seia que é uma fé ingênua, mas para quem não avalia o estado de espírito que a explica. Como exemplo concreto dessa fé, aponta o San
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Tiago Dantas o elmo de Manbrino, que é a “alegoria da fé quixotesca”. Essa alegoria leva o D. Quixote a convencer-se de que o elmo não passa de uma bacia de barbeiro. Fora desse contexto é uma espécie de loucura. No contexto, é um ato de fé sincera. Por fim, a pureza dos seus sentimentos. Só se compreende o herói revestido de pureza, a exemplo de um São João da Cruz e de uma Teresa D’Avila, para citar apenas dois exemplos de heroísmo ligados às suas próprias raízes nacionais e culturais. Os gregos criaram o seu tipo de heróis na sua mais alta forma de humanização do homem. A Idade Média compreendeu os seus heróis forjados na concepção cristã da perfeição espiritual. Em nossos dias, há o exemplo dos heróis de Carlyle. Todos esses modelos de heróis revelam sua identidade, mas diferem do herói cervantino. Este revela seu heroísmo na pureza dos seus sentimentos, ao contrário dos heróis de perfil clássico, onde descobrimos um misto do que é divino e do que é humano. É difícil entender o Quixote. Exige meditação sobre as narrativas e o enredo dos livros de cavalaria. Neles está o motivo que levou Cervantes a produzir o seu Dom Quixote. Ler esses livros em novos tempos não era mais um prazer ou passatempo. Era lançar o olhar sobre um passado ridículo. Esse passado Cervantes quis fixar, não para trazê-lo à nossa compreensão, mas para revelá-lo em suas contradições. Nesse sentido, ressalta San Tiago Dantas: “O que Cervantes pretendeu mostrar no seu livro, ou - se não pretendeu - o que mostrou efetivamente, foi que a Cavalaria como forma social, como aparato externo e também como um tema literário que estava irremediavelmente ultrapassada e liquidada, mas que dela era possível desencarnar o sentido,
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transformando-a em mitologia”. Clidenor, por ser um pensador, era um amante dos livros. Tinha-os ao seu lado como inseparáveis amigos. Quando se lhe deparava uma boa leitura, tinha o interesse de sobre ela discutir com os amigos. Em certa oportunidade, falou-me ele do livro Pilão da Madrugada, de Neiva Moreira, seu companheiro de exílio, e, como ele, político de arraigadas convicções. Sabendo Clidenor que eu era do Sul do Maranhão, da terra de Neiva Moreira, falou-me a respeito desse livro, ao qual dediquei uma crônica, inserida no meu livro Tempo e Memória - Pastos Bons. Seja-me licito relembrálo aqui: Antes de conhecer o livro de Neiva Moreira, atualmente Deputado Federal pelo Maranhão, dele me falara um amigo comum, Clidenor de Freitas Santos, médico piauiense e que teve, como Neiva Moreira e eu, o mesmo destino: sermos cassados pelo movimento militar de 1964. Clidenor tinha sido Deputado Federal e exercia elevadas funções no âmbito do Poder Executivo Federal. Neiva Moreira, Deputado Federal e eu, Deputado Estadual. Era com entusiasmo, o entusiasmo que sempre o dominava quando se reportava aos fatos políticos da época, que Clidenor me falava do “Pilão da Madrugada”, pois ali estavam contadas as aventuras do exílio que sofreram, ele, Neiva Moreira e outros envolvidos naquele movimento. E ao saber que a terra de Neiva Moreira era também a minha terra, colocadas na faixa de um mesmo horizonte histórico e geográfico, tão próxima uma da outra, me dizia que essa era uma terra abençoada pelo destino dos seus filhos. Não sabia ele que um terceiro filho se juntara nessa mesma trincheira de lutas, nessa mesma linha de firmeza ideológica e coerência política: Félix Valois. Também Deputado Federal, filho de Pastos Bons, teve igualmente cassado o seu mandato na mesma época.
Dois outros livros chegaram às minhas mãos oferecidos por ele: O Colosso de Marússia, de Henry Miller,
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uma viagem do autor à Grécia, no início da Segunda Guerra Mundial. Nele criou um personagem enigmático, o poeta Katsimbalis, que o acompanhou nessa viagem poética e fascinante. O outro livro, Paidéia: a formação do homem grego, de Werner Jaeger, é uma obra extraordinária em que traça o perfil da Divina Grécia, sua cultura e educação. Para Clidenor a Grécia era realmente divina, ou, na expressão de Miller, um mundo concebido e criado na eternidade. Ambas essas obras e mais o D. Quixote, de San Tiago Dantas, são hoje para mim uma preciosa relíquia, que guardo com o cuidado que se tem por uma coisa sagrada. Essa coisa sagrada que, nesta data, 16 de fevereiro de 2013, decorridos cem anos de seu nascimento, deixa gravada, em nosso espírito, a admiração à sua pessoa e a reverência à sua memória.
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JÚLIO ROMÃO* Celso Barros Coelho**
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m entrevista concedida ao jornal IROHIM, inserida no livro Entre o formão, a pena e a flecha, organizado por Aci Campelo e Élio Ferreira, Júlio Romão nos apresenta esta confissão: o meu percurso de vida foi uma aventura orientada por um sonho, um sonho de liberdade e também um sonho de crescer na vida, me libertando do estreito e preconceituoso mundo em que vivo. Esse sonho de liberdade foi o signo que projetou sua
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Discurso na Academia Piauiense de Letras, em homenagem a Júlio Romão da Silva – Teresina, 13/04/2013. ** Advogado. Do Instituto dos Advogados Brasileiros. Da Academia Piauiense de Letras. Presidente da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons.
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longa existência, onde a força de vontade se combinava com o ideal de descobrir novos caminhos pelos quais trilhasse em busca da plena realização do ideal sonhado. Tinha como lema de vida e trabalho aquele sábio ensinamento da Imitação de Cristo: non coronabitur nisi qui legitime certaverit; isto é, não será coroado senão aquele que batalhar corajosamente. Júlio Romão foi um lutador incansável. Lutou contra a pobreza, a discriminação de sua cor, contra a orfandade, a incompreensão, a injustiça, a malevolência a hipocrisia. A pobreza marcou seus primeiros passos. Eis o que nos revela, remontando aos dias penosos de sua infância de menino órfão e desprotegido: “Parti de Teresina com apenas as ferramentas de marceneiro. Viajei até São Luís de carona em um trem. De São Luís para o Rio de Janeiro em um navio cargueiro, chamado Santos, que me levou no porão na condição de retirante que ia do nordeste fugindo da fome em busca de melhores dias. Ao chegar ao Rio, dormi a primeira noite num albergue da Boa Vontade, na Praça da Harmonia. Filho de pobre, sozinho, preto, sem parente, dormi com mendigos e vagabundos da pior espécie”. Esta é a saga heroica de um negro pobre que deixava o aconchego de sua terra, única riqueza que levava na memória, para buscar o destino que sonhara sem a ilusão dos que procuram o impossível, mas com a certeza de que ia ao encontro de sua própria sorte. Iniciando assim seus primeiros passos numa cidade grande, haveria de encontrar muitos e difíceis obstáculos. Ele os enfrentou com coragem e determinação até conquistar, com muita luta, o espaço em que haveria de ombrear-se com notáveis figuras da elite intelectual brasileira. A conquista foi lenta, mas duradoura. Era a conquista da inteligência, ajudada pela força de vontade e pela
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consciência dos próprios méritos. A negritude era para ele um símbolo de conquista e de afetividade. Gloriava-se da sua cor, pois nela está também o seu talento e a sua independência moral. A figura do negro para ele era um valor histórico que era necessário cultivar como exemplo a ser seguido pelas novas gerações. Um dos mais notáveis exemplares dessa simbologia era Luis Gama, a quem ele, Romão, devotava uma admiração sem limites e sobre o qual escreveu páginas do segredo dessa admiração. Indagado, naquela entrevista, qual o motivo de haver escrito sobre o mais consequente poeta satírico brasileiro, Luis Gama, respondeu: “Eu escrevi sobre grandes negros do Brasil, Dom Silvério Pimenta, Bispo de Mariana – MG, Teodoro Sampaio, o maior tupinólogo do Brasil e um dos maiores engenheiros, um sábio negro do nosso tempo. Ainda constam de meus estudos, André Rebouças e José do Patrocínio. Em relação a Luís Gama, tenho admiração pela sua persistência em vencer. Eu fiz minha obra geral destacando as poesias abolicionistas satíricas. Nós temos que resgatar os valores negros que ficaram à margem para lutar, como Luís Gama, pela libertação de nosso povo, de nossa raça. Ele, que foi escravo, experimentou a amargura da servidão e se tornou um advogado extraordinário e colocou o talento dele como orador e profeta da república”. A mesma história que imortalizou esses grandes nomes haverá de reservar um capítulo para Júlio Romão, que atingiu, na sua cuidadosa obra, a mesma altitude de seus ídolos negros. Cumpre aqui destacar o conjunto de sua obra selecionada, como se apresenta no citado livro Entre o formão, a pena e a flecha. Eis os títulos:
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TEATRO 1. A mensagem do Salmo (saga dramática do Cristianismo) 2. José, o vidente (saga dramática de Israel) CRÍTICA LITERÁRIA AFRODESCENDENTE 1. Luís Gama e suas poesias satíricas 2. Luís Gama: o mais consequente poeta satírico brasileiro: crítica à crítica. ETNOLINGUÍSTICA INDÍGENA 1. Os índios Bororos:família Etnolinguística 2. Tupi: língua indígena natural do Brasil MEMÓRIA – OPÚSCULO 1. Memória sobre a transferência da capital do Piauí ENSAIO BIOGRÁFICO – OPÚSCULOS 1. Solano Trindade 2. Teodoro Sampaio: a vida, a obra e a figura humana 3. Louvado seja Castro Alves Sobre o livro Teodoro Sampaio: a vida, a obra e a figura humana, vale recordar o elogio que fez do autor o grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, a revelar o conceito de que gozava, nos centros intelectuais do país, o grande piauiense que homenageamos: JULIO ROMÃO DA SILVA compreendeu e sentiu o que significava a presença de Luís Gama, na luta contra a escravidão. Fez questão, por isso, de deter-se na recordação do escritor que fazia da poesia a sua clava de combatente, definindo-se a si mesmo como Orfeu de Carapinha. Obra, por isso mesmo, altamente meritória, pela sua precisão e segurança, em excelente estilo, produzida por
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um homem que teve de percorrer trajetória semelhante à de Luís Gama, com a única diferença de que não nasceu e não foi escravo, num país em que a escravatura se limitou a mudar de nome e no qual, como observava era Otto Maria Carpeaux, ainda continua a luta de Luís Gama, já agora com Júlio Romão da Silva, para que se consagrem duas vitórias sobre a vida e, sobretudo, dois grandes exemplos no esforço para o reconhecimento da contribuição do negro na construção da cultura brasileira e na defesa da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Quanto ao livro A Mensagem do Salmo o acadêmico Manoel Paulo Nunes assim se manifestou: “O renomado crítico literário Tristão de Athayde fez editar em sua homenagem um ensaio intitulado “Romão da Silva e o Renascimento do Teatro Religioso no Brasil”, em que analisa com a maior simpatia o ciclo bíblico do seu teatro, nele incluindo, além desse auto-dramático, também a peça “José, o Vidente”, premiado em 1964 pela Academia Brasileira de Letras”. Antes, a Academia Brasileira de Letras já lhe havia outorgado outro prêmio - o Ri beiro Couto, pela primeira obra publicada e já referida. Ao completar 90 anos de idade, nossa Academia se reuniu para homenageá-lo. Dava-se, então, o lançamento da 4ª edição de A mensagem do Salmo. É importante ouvirmos suas próprias palavras a respeito de como concebe e realiza os seus trabalhos nessa especialidade, ao dizer: “Em todo o meu teatro eu sou também personagem. Não importa o tema, ambiente ou época da ação. O essencial é que estejamos nele. Ainda que na simples personificação de um sentimento reduzido a síntese filosófica. Parto sempre de um princípio: todos nós, intérpretes da vida do grande drama escrito por Deus, somos andarilhos do tempo, ou melhor, anjos caídos à busca do paraíso perdido.
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Vistos os fatos e as causas por esse ângulo, retropsectivamente, encarno-me em posição marcada com os demais do mundo e da época em que vive, nesta Saga Dramática do Cristianismo”. Ací Campelo, teatrólogo e estudioso de sua obra, afirma, por sua vez: “Júlio Romão com Dom Marcos Barbosa foram os renovadores do teatro religioso no Brasil. Antes, o teatro religioso no país era feito de forma ainda da idade média, tradicional, lacrimejante. Júlio Romão transformou essa forma de teatro introduzindo mensagem política e social, de forte apelo emocional. É tanto que, imaginem, a censura andou nos calcanhares de Júlio, censurando seu teatro religioso. Coisa de Brasil ditatorial”. Sua participação no meio cultural do país pode ser vista no prestígio que desfrutava junto à intelectualidade sobretudo no Rio de Janeiro onde era cercado de nomes notáveis, alguns integrantes da Academia Brasileira Letras. Dela recebeu prêmios, mas nunca lhe foi dada a oportunidade de entrar, como ele próprio esclarece: “Eu abri mão por duas vezes, uma para Carlos Castela Branco, também piauiense que estava praticamente eleito e acreditar que ele tinha mais condições naquele momento. E como piauiense resolvi apoiá-lo. Já tínhamos dois representantes do Piauí, na ABL: Odilo Costa Filho e Deolindo Couto. Na outra oportunidade, abri para o gaúcho, esse Estado ficou sem representante e o então presidente da ABL, no qual era bem próximo, me pediu para que eu abrisse mão, aguardasse outra oportunidade. A terceira candidatura foi no ano de 2003, mas estava morando em Teresina e perdi as referências”. Neste episódio, nos dá exemplo de compreensão e humildade, de desprendimento e de amor à terra e à sua gente. Conhecendo, em profundidade, nossas origens históricas, nos ofereceu importante estudo sobre a nossa
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formação humanística, no trabalho Humanismo em Portugal, em que se percebe a preocupação de conciliar a própria filosofia pagã com o espírito do cristianismo, no entendimento de que “na cultura mística foram buscar os cortesãos alento para os próprios voos espirituais do platonismo trovadoresco” Esse sentimento para realizar a arte, penetrando-se dos seus mistérios e mantendo-se fiel aos seus postulados espirituais, mostra o lado humano da criação de Júlio Romão, a quem o Piauí muito deve, por representá-lo tão bem nesses domínios da sua criação artística. Dizia Álvaro Lins, em conferência sobre José Veríssimo: “Não sei, por isso, de melhor serviço à memória de José Veríssimo do que aconselhar a leitura atenta dos seus livros” O mesmo se pode dizer a respeito de Júlio Romão. O melhor serviço à sua memória é aconselhar a leitura atenta de seus livros. Estes refletem a sua personalidade, a firmeza de seu caráter, sempre inclinada a atender aos apelos das letras e às solicitações da arte. São livros que retratam sua própria vida, revelam sua formação intelectual e dão a medida exata do seu senso crítico. Dele afirmou Hélio Ferreira, conhecedor de sua obra. “O Piauí não sabe o valor que tem. Júlio Romão da Silva participou de grupos responsáveis por vários projetos de edificação e modernização do país. Foi um dos idealizadores do projeto de construção da Hidrelétrica de Barragem de Boa Esperança. Consciente da condição de escritor negro, engajado aos princípios de igualdade social e racial, uniuse a jovens autores negros, tornando-se uma das pedras fundamentais na construção dos ideais políticos, estéticos e culturais do Movimento Literário da Negritude Brasileira. Ao lado de intelectuais como Abdias do Nascimento, Solano
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Trindade, Édison Carneiro, Aguinaldo de Oliveira Camargo, dentre outros, participou da criação do Teatro Experimental do Negro – TEM, Teatro Popular Brasileiro – TPB, Orquestra Afro-Brasileira, Fundação do Centro Cultural e do Comitê Democrático Afro-Brasileiro”. Queremos, nesta oportunidade, não só reverenciar a memória de Júlio Romão, mas mostrar o seu valor intelectual, o exemplo de sua vida, as lições de seus livros, em fim, queremos significar essa grande admiração pela sua produção intelectual. Afirma Sófocles, na sua Antígona, que é um piedoso ofício honrar os mortos. Esse piedoso ofício é o que, com justiça, exercitamos agora, na exaltação de seu nome e no louvor à sua memória.
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SOLENIDADES REALIZADAS NA APL
SOLENIDADES REALIZADAS NA APL EM 2010 JANEIRO • Solenidade de Posse da Nova Diretoria – Biênio 2010/2011. Data: 22.1.2010 MARÇO • Solenidade de Posse do Historiador Antônio Fonseca dos Santos Neto, na cadeira nº 1. Data: 2.3.2010 Discurso de Recepção: Acad. Manoel Paulo Nunes • Lançamento do livro: Amor e Morte Autor: Dimas Ribeiro da Fonseca Apresentação. Acad. Altevir Alencar Data: 6.3.2010
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• Solenidade em Comemoração ao Dia Internacional da Mulher – Ano do Sesquicentenário de Nascimento de Amélia Carolina de Freitas Bevilaqua e lançamento do livro Pedra do Sal – Um Pescador e seus Amores, de Rita de Cássia Amorim Andrade ABRIL • Conferência sobre A Vida e a Obra de Joaquim Nabuco – em homenagem ao seu Centenário de Morte. Palestrante: Acad. Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior Data: 10.4.2010 • Lançamento dos livros: Lira Sertaneja, de Hermínio Castelo Branco e Piauí Colonial, de Luiz Mott Data: 23.4.2010 MAIO • Lançamento do livro: Primavera & Outono Autor: Armando Gomes da Silva Apresentação: Acad. José Elmar de Melo Carvalho Data: 5.5.2010 • Panegírico do Acad. João Gabriel Batista Orador: Acad. Antônio Fonseca dos Santos Neto Data: 8.5.2010
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JULHO • Solenidade de Assinatura de Convênio entre a APL e o Senado Federal Data: 12.7.2010 AGOSTO • Solenidade de Posse do Escritor Jesualdo Cavalcanti Barros Discurso de recepção: Acad. Oton Mário José Lustosa Torres Data: 6.8.2010 • Palestra: Amélia Bevilaqua e a escrita Feminina no Brasil Palestrante: Acadêmica Teresinha Queiroz Data: 28.8.2010 SETEMBRO • Lançamento do livro: Valores, Amores e Sabores Autor: Antônio de Lisboa Mello e Freitas Apresentação: Acad. Celso Barros Coelho Data: 11.9.2010 • Conferência: O Piauí Pombalino Conferencista: Acadêmico Antônio Fonseca dos Santos Neto Apresentação: Acadêmico Reginaldo Miranda Data: 25.9.2010
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OUTUBRO • Lançamento dos livros: Que venha a Seca – Modelos para Gestão de Recursos Hídricos em Regiões Semiáridas e A Regulação dos Recursos Hídricos – Estado e Esfera Pública na Gestão de Recursos Hídricos: Análise do Modelo Atual Brasileiro, Críticas e Proposições Autor: Marcos Airton de Sousa Freitas Data: 9.10.2010
SOLENIDADES REALIZADAS NA APL EM 2011 FEVEREIRO • Lançamento do livro: Ideias no Tempo: crônicas, artigos, resenhas e ensaios Autor: Cunha e Silva Filho Apresentação: Acadêmico M. Paulo Nunes Data: 5.2.2011 MARÇO • Lançamento da Revista da APL nºs 62 e 63 Apresentação: Acad. José Elmar Mélo Carvalho Data: 19.3.2011 ABRIL • Conferência em Comemoração ao Dia do Índio: Escravidão Indígena no Período Colonial: As Devassas da Escravidão Palestrante: João Renôr Ferreira de Carvalho Data: 16.4.2011
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MAIO • Palestra: Psicologia da Violência Humana Palestrante: Acad. Humberto Soares Guimarães Data: 28.5.2011 JUNHO • Centenário de Nascimento do Acadêmico Raimundo de Moura Rego Orador: Acadêmico Humberto Soares Guimarães Data: 18.6.2011 SETEMBRO • Lançamento do livro: O Menino quase Perdido Autor: Acadêmico Francisco Miguel de Moura Apresentação: Acad. Teresinha Queiroz Data: 17.9.2011 • Solenidade de Entrega de Diploma e Medalha do Mérito Cultural Lucídio Freitas aos Srs. João Alves Filho e Fabiano de Cristo Rios Nogueira. Data: 30.9.2011
SOLENIDADES REALIZADAS NA APL EM 2012 JANEIRO • Posse da Nova Diretora Biênio 2012-2013 Data 24.1.2012
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FEVEREIRO • Solenidade de Instalação do Ano Marquês de Paranaguá Palestrante: Diplomata Henrique Paranaguá Data: 11.2.2012 MARÇO • Palestra: Centro Histórico de Campo Mario – Preservação e Desenvolvimento Palestrante: Arquiteto Olavo Pereira da Silva f. Data: 24.3.2013 • Panegírico do Acadêmico William Palha Dias Orador: Acadêmico Oton Mário José Lustosa Torres Data: 29.3.2013 ABRIL • Panegírico do Acadêmico Benjamin do Rego Monteiro Neto Orador: Acadêmico Celso Barros Coelho Data: 14.4.2013 • Documentário: Wilson Martins – A Consciência da Crítica Apresentação: Douglas Machado Data: 24.4.2012 JUNHO • Lançamento do livro: Voz e Verso Autor: João Carvalho
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Apresentação: Acadêmico Guimarães Data: 16.6.2012
Humberto
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JULHO • Lançamento do livro: Pelos Meus Caminhos Autora: Cléa Rezende Neves de Melo Apresentação: Acadêmico Humberto Soares Guimarães Data: 7.7.2012 AGOSTO • Solenidade de Posse do Acadêmico Wilson Nunes Brandão, na Cadeira nº 4 Discurso de recepção: Acadêmico M. Paulo Nunes Data: 14.8.2012 • Solenidade de Posse do Acadêmico Deoclécio Dantas Ferreira, na Cadeira nº 15 Discurso de recepção: Acadêmico Zózimo Tavares Mendes Data: 18.8.2012 SETEMBRO • Palestra: A Loucura de Hamlet Palestrante: Acadêmico Eustáchio Portella Nunes Filho Data: 13.9.2012
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NOVEMBRO • Palestra: Rousseau: Devaneios de um caminhante solitário Palestrante: Acadêmico Nelson Nery Costa Data: 24.11.2012 DEZEMBRO • Centenário de Nascimento de Dom Avelar Brandão Vilela ocupante da Cadeira nº 1, da APL Palestrantes: Acadêmico Antônio Fonseca dos Santos Neto e Padre Wellistony Carvalho Viana. Data: 15.12.2012 • Lançamento do livro: Júlio Romão – Entre o Formão, a Pena e a Flecha Organização: Aci Campelo e Élio Ferreira Apresentação: Acadêmico Zózimo Tavares Mendes Data: 22.12.2012
SOLENIDADES REALIZADAS NA APL EM 2013 FEVEREIRO • Solenidade de Abertura do Ano Acadêmico - Comemorativo do 95º Ano de Fundação da Academia Piauiense de Letras/Centenário de Nascimento do Acad. Clidenor Freitas Santos Data: 16.2.2013 ABRIL • Panegírico do Acad. Júlio Romão Orador: Acad. Celso Barros Coelho Data: 13.4.2013
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MAIO • Lançamento do livro: Vultos e Fatos da História de Campo Maior Autor: João Alves Filho Apresentação: Acad. José Elmar de Melo Carvalho Data: 17.5.2013 JUNHO • Solenidade de Posse do Escritor Homero Ferreira Castelo Branco Neto Discurso recepção: Acad. Reginaldo Miranda Data: 20.6.2013 AGOSTO • Lançamento do livro: Conversa com M. Paulo Nunes, organização da Acad. Teresinha Queiroz e lançamento da Revista da APL nº 69. Apresentação: Celso Barros Coelho Data: 3.8.2013 SETEMBRO • Lançamento dos livros: Memória de um Sobrevivente, de Armando Gomes e São Gonçalo da Regeneração – Marchas e Contramarchas de uma comunidade Sertaneja: da aldeia indígena aos tempos atuais, de Reginaldo Miranda Apresentação: Acad. Herculano Moraes Data: 14.9.2013
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OUTUBRO • Lançamento dos livros da Coleção Centenário: Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí, de Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco Apresentação: Acadêmico Herculano Moraes Nebulosa, de Antônio Chaves Apresentação: Acadêmico Francisco Miguel de Moura Aldeamento dos Acoroás, de Reginaldo Miranda Apresentação: Acadêmico Fonseca Neto Data: 26.10.2013 NOVEMBRO • Panegírico do Acadêmico O. G. Rego de Carvalho Orador: Acad. M. Paulo Nunes Data: 23.11.2013 DEZEMBRO • Eleição da nova diretoria da APL. Apresentação da Revista da APL n.º e dos livros Dom Clidenor – o último Quixote e Vultos piauienses – apontamentos biográficos, respectivamente, de Humberto Guimarães e Clodoaldo Freitas, este último integrando a Coleção Centenário.
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LANÇAMENTO DE LIVROS
CONVERSAS COM M. PAULO NUNES*
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M. Paulo Nunes**
orge Luís Borges, que era ateu, imaginou o outro mundo como uma espécie de grande biblioteca que pudesse deleitar aqueles que partem para uma vida melhor, melhorando assim a eternidade da nossa pobre condição humana. Nós outros, que suportamos o seu peso e as agruras da pobre condição de mortais, procuramos, na companhia dos livros, uma espécie de consolo aos desencantos e atribulações que a vida nos traz. Para mim, que cultivo a doce paixão da leitura, os livros constituem a melhor companhia *
Discurso proferido na Academia Piauiense de Letras, na sessão solene do dia 3 de agosto de 2013, no lançamento do livro Conversas com M.Paulo Nunes. ** M. Paulo Nunes é ensaísta e crítico literário. Ex-Presidente da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 38.
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possível. E desejaria, também como Borges que, na outra vida, que admito provável, com eles me reencontrasse, senão para relê-los, já que não mais posso fazê-lo nesta vida, ao menos para comentá-los, como habitualmente costumo fazer com o caro Celso Barros, que disse coisas tão bonitas a meu respeito, levado talvez pela grandeza de seu generoso coração. Meu caro Celso, muito grato por tudo de bem que disse a meu respeito. O meu reencontro com Celso, porquanto já antes o conhecia de nome e de fama, ocorreu no Colégio “Demóstenes Avelino”, nos idos de março de 1945, para ali iniciar, sob a batuta do Prof. Felismino Freitas Weser, o nosso trabalho de professores: Celso, tão bem aparelhado com os vastos conhecimentos hauridos em seus anos de seminário e eu, talvez, no mesmo nível de preparo dos alunos a quem iria ensinar português. O que releva salientar, nesta breve evocação, é que ali iniciamos, Celso e eu, uma aprendizagem que até hoje continua, quando discutimos literatura, filosofia e outras formas de expressão que a cultura nos pode proporcionar, através dos livros de nossa predileção. Era aquele um período rico de construção e de reafirmação de ideias e valores, o período que coincidia com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a humanidade reafirmava os seus princípios fundamentais de preservação da dignidade humana, através dos ideais que dignificam a vida na terra e transformam o homem num ser dotado de razão. Bendito aquele instante em que a espécie humana se redimia de tanta miséria e procurava distinguir o homem da condição de fera. Lembro-me de que, naquele momento, sob a inspiração de Celso e de outros grandes espíritos, como meu parente, Dr. Amandino Nunes, e os meus colegas de
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turma, os plumitivos da Arcádia Teresinense, a maioria deles, já estudando a geologia do Campo Santo, iniciávamos a primeira abordagem do fenômeno literário. Com Celso, o mundo das ideias se tornava mais visível: Ortega y Gasset, D. Miguel de Unamuno, Bernanos, Jacques e Raíssa Maritain, Charles Peguy, “o peregrino do absoluto”, enterrado nas trincheiras da 1ª Grande Guerra, Chesterton e a sua Ortodoxia... Era um mundo policolor que se entranhava profundamente em nossas mentes e passava a fazer parte essencial de nossas vidas e de nossas volições. Por minha conta e risco descobri outros caminhos, como Romain Rolland e o seu Jean Christophe que compeli toda a turma a lê-lo também; Marcel Proust, o maior romancista de todos os tempos, com o seu admirável Em busca do tempo perdido, que no original tem um nome poético – A la recherche du temps perdu; Charles Morgan, com a recriação do mito platônico na obra-prima que é Sparkenbroke e ainda, do mesmo autor, A Fonte, A Viagem, Retrato no Espelho; André Gide, de A Escola de Mulheres, O Imoralista, Os frutos da terra, Os moedeiros falsos e A sinfonia pastoral, a obra perfeita que resultou no belo filme estrelado por Michele Morgan, no papel de Gertrudes; Virgínia Woolf e Joyce, este, com Retrato do Artista quando jovem, Ulisses e os contos de Dublinenses. Quanto a Virgínia Woolf, cuja morte trágica, em plena 2ª Guerra, atirando-se nas águas geladas do Tâmisa, comoveu o mundo literário, deixou-nos obras renovadoras como Mrs. Dalloway, Orlando e As ondas, através das quais se empreendeu a reforma do romance moderno. A paixão pelo Eça, que teve início ainda na adolescência, como aluno do Liceu, duraria a vida inteira e os estudos sobre o autor do Primo Basílio se contêm, principalmente, na série inicial do meu Modernismo & Vanguarda. Machado de Assis constituiria preocupação dominante, já na maturidade,
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de modo especial o da segunda fase, a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando comecei a estudá-lo com mais profundidade. Por último, há que referir, neste longo percurso, meu e do Celso, pelos caminhos de nossa formação literária, a visão exata da realidade social do país, um país que começaria a ser recriado, a partir da chamada Revolução de 30, abalando velhas estruturas arcaicas de um país, essencialmente agrícola, para uma nova moldura social e política que pudesse conter o surto de transformações que a nova ordem social vinha promover. Tivemos assim, ao mesmo tempo, as antenas ligadas nas obras definitivas que trataram do assunto, quais sejam, Os Sertões, que considero a bíblia do nosso patriotismo e, como costumo dizer, todo brasileiro deveria ler. Ler apenas não: ler, reler, tresler e sobre ela meditar e, quanto possível, exaltar a genialidade do grande Euclides da Cunha. No particular, a minha identificação com Celso Barros é tão perfeita que, nas notas comemorativas do centenário dos Sertões, em 2002, ao reportar-nos àquele celebrado escritor o fizemos com idêntica citação, o que denota uma mesma leitura do genial escritor. Na mesma linha de considerações, posso seguramente afirmar que o mesmo fenômeno ocorreria com autores que igualmente lemos e tratam do mesmo tema, ou seja, a origem e formação da sociedade brasileira sob o regime patriarcal, como Gilberto Freyre, com Casa Grande & Senzala, e Sobrados & Mucambos, Oliveira Viana, com Populações Meridionais do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil, e Caio Prado Jr, com Evolução Política do Brasil. Incluiríamos ainda neste capítulo autores como o grande Anísio Teixeira, com toda uma obra dedicada
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à educação brasileira e cuja influência permearia nossa educação por todo o século passado. Para concluir, uma breve referência ao romance de 30 ou de documentação social da vida brasileira que, após o êxito de A Bagaceira, de José Américo de Almeida, em 1928, ensejaria o aparecimento de uma nova romancística no país, com Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Amando Fontes, Érico Veríssimo e uma numerosa plêiade de escritores que mudariam o perfil de nossa literatura, mudando, assim, a face do Brasil. É de Goethe a observação de que “todas as obras que escrevi até hoje nada mais são do que fragmentos sucessivos de uma grande confissão”. Ao que acrescenta Josué Montello: “Sobretudo quando nos escondemos em nosso texto”. Tratando-se de um livro de confissões como este, não é difícil descobrir-se o autor, de maneira íntegra, em suas páginas. O livro, que já está praticamente esgotado, nesta sua lª edição, dele restando apenas a quantidade reservada ao lançamento na Academia, corresponsável pela edição, está assim entregue ao exame e discussão dos leitores a que se destina, ou seja, os caros leitores piauienses. Espero que dele retirem o melhor proveito possível. Concluo citando ainda Borges, valendo-me aqui de uma frase de Carlos Alberto Sepúlveda, na homenagem a Eduardo Portela, na Academia Brasileira, pela passagem dos 80 anos dessa figura ilustre de nossas letras: “Não por acaso, Jorge Luis Borges, que também realiza uma crítica despudoradamente impressionista, no sentido positivo do prazer de ler, escreveu que um livro é mais que uma estrutura verbal, ou que uma série de estruturas verbais: é o diálogo que trava com seu leitor, e a entonação que impõe à sua voz, e as mutáveis e duradouras
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imagens que lhe deixam na memória. Para completar, mais tarde, dizendo que se orgulhava dos livros que leu, e não propriamente dos livros que escreveu, julgava-se um excepcional leitor e um escritor sofrível, com todas as vênias da modéstia. (Eduardo Portella, o crítico literário, in Quatro vezes vinte – depoimentos – Academia Brasileira de Letras, pp.31-49). Dizem que um livro não é propriedade restrita de um só autor, mas de um conjunto de pessoas que se empenharam em sua publicação. Este livro tem assim vários autores: a Profª. Teresinha Queiroz, que coordenou o projeto e acompanhou a edição, Áurea Queiroz, que realizou as entrevistas, a professora Vanessa Soares de Negreiros Faria, que concordou em incluir nele um resumo de sua tese de mestrado a respeito de quem escreve estas linhas. E finalmente, o Prof. Ricardo Alaggio Ribeiro, entusiasta da ideia de editá-lo e que o incluiu ao plano editorial de que participam a Academia e a Universidade. Muito obrigado a todos.
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COLABORAÇÃO
HOMENAGEM A M. PAULO NUNES
A
Celso Barros Coelho
homenagem que é tributada a Paulo Nunes neste livro Conversas com M. Paulo Nunes é das mais justas e oportunas. Organizada por Teresinha Queiroz, houve o cuidado de recolher dados marcantes sobre a vida e a trajetória intelectual do homenageado, ambas muito ricas e consagradoras, o que nos leva a com ele nos solidarizarmos, no reconhecimento de seus inegáveis méritos, tão * **
Discurso de Saudação a Manoel Paulo Nunes, no lançamento do livro a ele dedicado “Conversas com M. Paulo Nunes”, na sessão solene da Academia Piauiense, no dia 3 de agosto de 2013, em Teresina. Celso Barros Coelho é advogado do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor, membro da Academia Piauiense de Letras e Presidente da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons.)
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amplamente ressaltados. Dessa conversa participam, em maior ou menor extensão, Reginaldo Miranda, Presidente de Nossa Academia, num texto simples e espontâneo, que termina por reconhecer em Paulo Nunes um grande homem de letras que honra e dignifica a cultura de nosso Estado. Essa proclamação, pode-se dizer, é de todos nós, que reconhecemos o seu valor e a sua inegável competência. Segue-se o louvor de Cineas Santos, que traça, em poucas linhas, o perfil intelectual, com a marca da altivez e da dignidade pessoal, como evidencia esse tópico: Se me pedissem para definir M. Paulo Nunes em duas linhas, eu não hesitaria em afirmar: um cidadão que não perdeu a capacidade de indignar-se com as injustiças do mundo. Tal conduta faz dele um intelectual orgânico, atento aos rumores do mundo, sempre pronto a intervir onde sua participação se fizer necessária.
Só os espíritos superiores recebem tal distinção. Em sequência, iniciamos a conversa travada entre Áurea Queiroz e M. Paulo Nunes, conversa que parte de suas raízes familiares, dos vínculos com a terra de onde Paulo Nunes hauriu, qual novo Anteu, as forças para enfrentar os embates da vida e sagrar-se um lutador impertérrito e corajoso. Anteu era uma figura mitológica, cuja invulnerabilidade estava em manter contato com a sua terra. Nas suas constantes aventuras no espaço, quando sentia que lhe faltavam as forças, tocava os pés na terra e recobrava as suas energias. O sentimento telúrico em Paulo Nunes mostra-se sempre ativo e sempre forte, pois guarda no coração e na memória a imagem de sua querida cidade de Regeneração. A conversa com Paulo Nunes avança e vai revelando
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novas facetas de sua formação intelectual, de seu caráter, de sua cultura, de suas preferências literárias, preferências essas que Cineas Santos, no citado trabalho, aponta: “Não seria exagero afirmar que M. Paulo Nunes leu todos os autores portugueses e brasileiros de expressão, de Camões a Saramago; de Gregório Matos a Mário Faustino. Não esconde, contudo, suas preferências literárias: Proust, Eça, Machado, Euclides da Cunha, Graciliano, G. García Márquez, J. L. Borges e Vargas Llosa.” Por fim o precioso trabalho Vanessa Soares Negreiros Farias – A trajetória de um homem cultura. Dos dias da infância aos dias de hoje, num espaço cronológico que já chega quase aos oitenta e oito anos, a vida de Paulo Nunes é apresentada em seus detalhes, cada um deles revelando, em sequência, fases diversas de sua luta, de seu ideal, de suas paixões, da responsabilidade profissional, da exação no cumprimento do dever, na coerência dos princípios, na firmeza de suas convicções. Nos caminhos percorridos, sem desvios voluntários, sempre se mostrou inclinado a tomar decisões corretas e corajosas. É de se destacarem duas vertentes de sua atuação intelectual: o magistério e a função pública. Uma está ligada à outra. É sua meta principal. Álvaro Lins, crítico de sua predileção, em conferência proferida no Colégio Pedro II, sobre a personalidade de José Veríssimo, mostra que este “estava sempre pelo gosto da ação, dentro da literatura e do ensino, pela vontade de atirar as suas ideias ao encontro dos acontecimentos”. A aplica-se esse conceito a Paulo Nunes. Foi, na sua juventude, um agitador de ideias. Desde os tempos do Liceu Piauiense, onde concluiu o curso secundário, as ideias representavam para ele a arma poderosa para engajar-se na luta social e incentivá-lo nas conquistas intelectuais que enriquecem sua biografia. Veio daí o gosto pela leitura e o
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compromisso com a verdade histórica. Já pensava com a maturidade de homem adulto, assim como, homem adulto, cultiva a juventude do espírito. Era a lição de Cícero, o grande orador romano: “Assim como aprovo o jovem que traz em si algo do homem idoso, fico igualmente satisfeito com o homem idoso que conserva qualquer coisa do jovem. Pode-se trazer a idade no corpo, mas não na mente.” Sua insatisfação contra tudo que desviasse os rumos da história, que corrompesse os seus postulados, como aconteceu com os massacres da guerra, que então sofríamos, já era manifestada nos artigos que escrevera na revista Zodíaco, órgão do Colégio Demóstenes Avelino, sob a direção do notável educador Felismino Freitas Weser. A França era a pátria de sua admiração intelectual. Começou aí o primeiro contato com mestres da literatura francesa, entre os quais avultava, para citar um exemplo, Romain Rolland, autor de Jean-Cristophe. Defendia a França com paixão, a paixão inspirada nos valores da tradição francesa. Falava nos horrores da guerra, como se lê na passagem de um discurso publicado na revista Zodíaco, a propósito da queda de Paris e da Independência do Brasil: E a França que tem um passado de glórias no gênio, no espírito, em tudo que é belo, a mãe da ciência, da arte, das letras, vanguarda brilhante da luz do progresso, a pátria ardorosa da liberdade sofria as maiores dores do mundo, vergada que estava ao peso do opróbrio.
A retórica e o preciosismo do texto não é um defeito do estilo do autor. Traduz o espírito da época. De Zodíaco, onde deixou várias publicações, passou para Geração, revista dos alunos do Colégio Estadual do Piauí, que ressurgia. A respeito de sua participação nessa revista, escreve Vanessa Soares Negreiros Filho, no estudo,
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que compõe o livro, tão rico de revelações sobre a obra e a vida de Paulo Nunes: Em Geração, M. Paulo Nunes já havia alcançado considerável maturidade intelectual em virtude das habilidades adquiridas ao expressar suas ideias nas revistas estudantis desde o início da década de 40, do acúmulo de leituras sistemáticas e das traduções dos textos dos autores estrangeiros.
Todos os movimentos literários que iam surgindo, estava ele à sua frente, expressando sua confiança, difundindo suas ideias, proclamando a necessidade de sua afirmação e renovação. Dirigindo-se aos moços, como ele, em artigo publicado em Geração, afirmava: Os mesmos moços que viviam roídos pelos mais frios espíritos niilitas em relação à classe, que viviam o seu mundo fora do mundo ambiente, isolados na torre de marfim do seu idealismo, não podem fugir ao imperativo de reconhecer esta renovação.
Era a lição que oferecia. Era o exemplo que dava. Estávamos na década de 45. Em l3 de setembro de l946, foi fundado o Clube dos Novos. Assumia Paulo Nunes a sua presidência e nessa condição apontava a diretriz do Clube: O novo clube lutará pela divulgação em nosso meio, da literatura, do teatro, da pintura, e por tudo que venha contribuir para o alevantamento do nível cultural da mocidade piauiense.
Nesse movimento me integrei, nascendo daí mais estreita vinculação minha ao grupo de jovens intelectuais responsáveis pelo destino do Clube. Em relação a Paulo Nunes, já nos aproximáramos desde março de l945, quando ingressei como professor no Colégio Demóstenes Avelino,
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onde ele já militava, embora mais jovem do que eu. Cheguei ao Colégio Demóstenes Avelino graças à apresentação que me fez ao Diretor, o secretário do colégio, Amandino Teixeira Nunes, primo de Paulo Nunes. Ao apresentar-me ao Diretor, afirmava: “Trata-se de um jovem, recentemente egresso do Seminário e com preparo suficiente para ensinar Português, Latim e Francês”. Fui contratado e com o Paulo Nunes passei a ser um dos colaboradores da revista Zodíaco. Foi o primeiro laço intelectual que nos prendeu. E seguimos daí até hoje sem perdê-lo, ou antes, tornando-o mais sólido ainda, a despeito do circunstancial afastamento que se deu por forças de nossas atividades profissionais. Paulo Nunes fez concurso para Inspetor Federal do Ensino e anos depois foi para Brasília. Fiquei eu mourejando no magistério e em função pública de cargo conquistado em concurso. Depois ingressei na Política, elegendo-me Deputado Estadual, com exercício de um ano e meses de mandato, pois fui cassado pelo movimento militar, em maio de l964. Depois elegi-me Deputado Federal, passando a trabalhar em Brasília. Esta foi nova oportunidade de aproximação. Passamos a nos encontrar e discutir política, literatura e os pensadores da época. Em 1984, já no segundo mandato de Deputado Federal, reuni para publicação os discursos proferidos na Câmara dos Deputados sobre personalidades que se destacaram no Estado e no país. Pedi a Paulo Nunes que o prefaciasse, o que fez produzindo excelente texto em que destaca a minha atuação intelectual e política. Aí ele relembra a fraternal amizade que surgiu entre nós desde a fase de nosso ingresso simultâneo no magistério, nos idos de março de 1945. Encerrando essa digressão, a que fui conduzido pela
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leitura do livro, destaco ainda três momentos significativos – momentos que são anos – em nossa convivência na Faculdade de Direito, onde nos formamos, ele antes de mim; na Faculdade de Filosofia, onde ingressamos juntos no magistério superior, e, por último, nesta Academia. Aqui, na Academia, convivemos lado a lado, ele ocupante da Cadeira 38, de que é patrono o poeta João Ferry e eu, a Cadeira 39, cujo patrono é o poeta José Newton de Freitas. Poetas que nos transmitem, em sua poesia, a mensagem de amor à terra, o compromisso de fidelidade à tradição acadêmica e o remédio às nossas inquietações espirituais. Inquietações que sabemos expressar em nossos encontros diários e nos trabalhos literários que divulga nossa Revista, já agora em 70 edições, que os acadêmicos estão recebendo nesta manhã. Paulo Nunes tem sido um colaborador assíduo na elaboração de trabalhos que enriquecem cada número da Revista da Academia. E por esse trabalho, nos domínios da crítica, do ensaio, da crônica e da biografia, tem conquistado aplausos de todos nós e dos seus leitores. Cumpro agora o simples dever em abraçá-lo, afirmando que se trata de um intelectual sintonizado com o nosso tempo, de um líder do pensamento e, sobretudo, de um mestre que tem sempre lições sábias e proveitosas a nos oferecer. Dai por ele a nossa admiração na extensão manifestada por Carlos Drumond de Andrade a Manoel Bandeira – “ontem, hoje, amanhã: a vida inteira”. Seja louvado e engrandecido.
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A GERAÇÃO DE 45 NO SALIPI*
M. Paulo Nunes**
“Saudade! gosto amargo de infelizes, Delicioso pungir de acerbo espinho, Que me estás repassando o íntimo peito Com dor que os seios d’alma dilacera, – Mas dor que tem prazeres – Saudade! Misterioso nume, que aviventas Corações que estalaram, e gotejam Não já sangue de vida, mas delgado Soro de estanques lágrimas – Saudade!” (Obras de Almeida Garrett, vol. 2, p. 301. Lelo e Irmão Editores – Porto-Portugal) * Discurso na abertura do 11º SALIPI. ** M. Paulo Nunes é ensaísta e crítico literário. Ex-Presidente da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 38.
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É com essa invocação ao sentimento da saudade, tão presente na lírica portuguesa, em Portugal e no Brasil, que Almeida Garrett abre o canto primeiro do seu poema Camões, com o qual dá início à reforma romântica naquele país irmão, em 1825, acontecimento que teria imensa repercussão nos dois países, ao contribuir lá e aqui para a transformação estético-literária que iria operar-se nas duas literaturas coirmãs. Com este sentimento presente na alma de quem viveu intensamente o clima literário de nossa época é que inicio esta moção de agradecimento ao gesto de autêntica generosidade e simpatia dos promotores do SALIPI, ao incluir meu modesto e apagado nome entre numes tutelares, como Vinícius de Moraes e Rubem Braga, homenageados no transcurso de seu centenário de nascimento. É de Charles du Bos a observação de que a sua vida só adquiriu sentido depois da leitura de Introdução à Metafísica, de Henry Bergson. Quanto a mim, posso afirmar que a vida somente viria a adquirir qualquer significação depois do encontro com a minha geração, figuras com as quais passei a conviver a vida inteira, elegendo como norte de nossas vidas a preocupação e a vivência com os valores da literatura – como a nossa preocupação fundamental e razão de ser em face da vida. Neste sentido, creio que aqui fizemos uma revolução. A única referência que até então existia, antes do aparecimento da chamada “geração de 45”, era a Academia Piauiense de Letras, fundada em 1917 por uma geração das mais brilhantes e intelectualmente produtivas do Piauí, da qual se destacaram figuras como Clodoaldo Freitas, seu primeiro presidente, Lucídio Freitas, seu idealizador, e mais, Higino Cunha, Jonathas Batista, João Pinheiro, Fenelon Castelo Branco, Edson Cunha, Celso Pinheiro, Antônio
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Chaves e Baurélio Mangabeira, seus fundadores, que dariam relevo àquela iniciativa. Eram, quase todos, adeptos do positivismo, em filosofia e política, e do parnasianismo, em estética literária. Sua influência iria daquele período até o aparecimento dessa nova geração, com H. Dobal, na poesia, O. G. Rego de Carvalho, na prosa, Afonso Ligório, no romance e na história, José Camillo Fº, Eustachio Portella, Vitor Gonçalves Neto, José Maria Ribeiro, José de Ribamar Oliveira, Celso Barros, já na fase do Clube dos Novos, e outros mais. A esses acrescentaríamos também, por oportuno, os nomes do pimenteirense Permínio Asfora, igualmente homenageado neste Salão e se afirmaria, literariamente, em outro meio intelectual, deixando obras significativas como Vento Nordeste e, acima de tudo, Noite Grande e Fogo Verde, inspirados na paisagem social e humana de sua terra natal, Pimenteiras, a primeira, e Valença, a segunda; o já consagrado Fontes Ibiapina, com Palha de Arroz e outros romances de temática social; e, recentemente, Oton Lustosa, com Vozes da Ribanceira, sobre a realidade social do Poti Velho, grande revelação de romancista já consagrado entre nós, além de membro ilustre de nossa Academia, a respeito de quem tenho um estudo dos mais completos que, dentro em breve, fará parte de um novo livro de minha autoria. Ousamos, assim, contestar, em certo momento de nossa evolução literária, esse domínio da Academia, inicialmente, por intermédio de um manifesto antiacadêmico e, em seguida, por meio de uma revista ou caderno de letras – Meridiano, publicação através da qual transmitiríamos nossa mensagem renovadora e viveríamos aquele instante solar da literatura piauiense. Não vamos mais remexer esse passado distante que hoje constitui história e saudade, um pouco da nossa vida
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literária, reconstituída com admirável brilho pela jovem mestra em história Vanessa Soares de Negreiros Faria, em sua tese de mestrado, a que denominou A Geração Perdida, título de meu livro de estreia, lançado em Brasília, em 1980, cujo resumo foi incluído em livro de memórias – Conversa com M. Paulo Nunes, resultante de entrevistas concedidas à escritora Áurea Queiroz, no final de 2006 e início de 2007, a que se acrescenta o resumo da tese já referida e o documento oficial da criação da Universidade Federal do Piauí, em 12 de dezembro de 1969, o qual dentre em breve será lançado, neste 11º Salão. Constitui ele assim uma tocante homenagem a essa geração, a mais inquieta em nossa história literária, porque partícipe de um movimento de afirmação nacional que sacudiria, de norte a sul, nossas seculares raízes conservadoras. Movimento este que se afirmaria através de revistas literárias que surgiriam em todas as regiões do país, congregando jovens intelectuais portadores de uma mensagem estética nova e avassaladoramente renovadores em seus processos estéticos e em sua temática revolucionária. Assim é que, no Rio, a então capital da República, apareceriam a Revista Branca e Orfeu; em São Paulo, Clima; no Paraná, Joaquim; no Rio Grande do Sul, Quixote. Na Amazônia, Fluminaçu, no Pará; no Maranhão, A Ilha; no Piauí, Meridiano; no Ceará, Clã e José; no Rio Grande do Norte, O Bando; na Bahia, Cadernos da Bahia, e outras mais. Foi um momento, este, da maior efervescência intelectual, em nosso país, anunciando, com estardalhaço, o aparecimento de uma nova geração. Outros acontecimentos houve, entre nós, que credito ao aparecimento dessa nova geração, como o Clube dos Novos, cuja instalação solene ocorreria no segundo semestre de 1946, no salão nobre da Escola Normal e de que fui o primeiro e único presidente. No ano seguinte ocorreria a
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fundação, no salão de conferências do Arquivo Público, da Secção Estadual da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), já aí com a ampliação de participantes para acolher também os membros mais atuantes da Academia, incluindo, em seu Conselho Fiscal, figuras como Álvaro Ferreira e Arimathéa Tito e seu então presidente, o poeta Moura Rego, aclamado presidente da ABDE, tendo sido escolhido secretário-geral o orador que vos fala. Da sessão de instalação da novel entidade participou, na condição de representante da direção nacional, então sob a presidência do escritor Guilherme Figueiredo, o saudoso poeta e depois querido amigo Jorge Medauar, no início de sua carreira literária que, naquela oportunidade, proferira uma palestra alusiva ao centenário de nascimento do excelso poeta Castro Alves, em 14 de março de 1947. Nascida no âmbito do I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, em março de 1945, a ABDE passaria a ser reflexo do clima de otimismo resultante da reconquista das liberdades democráticas, no fim da ditadura Vargas, com a anistia e a libertação dos prisioneiros políticos, inclusive, do mais notório deles, Luís Carlos Prestes, e do esmagamento do nazi-fascismo, na Europa, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas a entidade teria um destino melancólico. Depois de um confronto de tendências políticas, deu-se a ruptura, nas eleições realizadas para a direção nacional, em 1949, ocasião em que alguns de seus membros partiram para o confronto pessoal, como o pitoresco episódio da disputa entre o romancista paraense Dalcídio Jurandir e o poeta Carlos Drummond de Andrade, em torno da posse do livro de atas da entidade, de que resultaria a saída dos não comunistas da agremiação. Mais tarde, ou seja, findo o mandato do escritor baiano Homero Pires, eleito na
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tumultuada sessão de 49, contra Afonso Arinos, o romancista Graciliano Ramos assume a presidência, exercendo-a até a sua morte, em 1953. Pouco tempo depois desapareceria também a ABDE. De tudo isto ficou-nos a saudade e as obras que deixamos como testemunho e compromisso de uma das mais inquietas das gerações que o Piauí já conheceu no curso da sua história. Deus seja louvado! Resta-me, assim, ao concluir, agradecer, e o faço profundamente emocionado, à direção da Fundação Quixote, na pessoa de seu presidente, Prof. Kássio Gomes, pela generosidade com que gratifica um dos mais modestos servidores das letras em nosso Estado. Muito obrigado.
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NAVEGANDO O VELHO MONGE
N
Elmar Carvalho*
o domingo, minha filha Elmara Cristina, cedo da manhã, fugindo ao seu hábito de dormir até mais tarde, me recomendou tivesse cuidado no passeio a barco que iria fazer, navegando o Parnaíba. Disse-lhe para não ter preocupação, pois eu sabia nadar razoavelmente ou mais. Ela retrucou, jogando uma ducha de água gelada no meu entusiasmo algo fanfarrão: - Pai, o senhor já está velho... Em companhia de Antônio José, meu irmão, que foi o repórter fotográfico da expedição lírico-etílico-ecológica e do amigo Zé Francisco Marques, cheguei ao IATE às 10 horas em ponto, conforme havia combinado com o delegado Roberto Carlos, que já se encontrava no local, juntamente *
Acadêmico e magistrado. Titular da cadeira 10 da Academia Piauiense de Letras.
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com seu amigo Valério Freitas Mendes, procurador da Fazenda Nacional. Após os cumprimentos e apresentações iniciais, posto que alguns de nós não nos conhecíamos pessoalmente, desatracamos o barco e começamos o passeio, seguindo em direção à estação de captação d’água de Teresina, para fugirmos da poluição dos esgotos, cujos dejetos são lançados diretamente ao rio, sem nenhuma forma de tratamento. Disse ao Valério que havia sido aluno de seu tio, o juiz aposentado Anchieta Mendes, em Parnaíba, no curso de Administração de Empresas. Recordei que o seu pai, o professor universitário Noé Mendes fora um grande ativista da cultura piauiense, e dirigira a Fundação Cultural Monsenhor Chaves; fora também um notável folclorista e um defensor da ecologia piauiense, tendo participado de uma expedição que percorrera o rio Parnaíba (salvo engano, desde as nascentes até o delta), no intuito de verificar o seu estado de assoreamento e de degradação de suas nascentes e matas ciliares. A embarcação recebera o nome bem humorado de Barca de Noé. Quando chegamos perto da bela e elegante ponte metálica, o motor de popa deu sinais de que iria falhar, e efetivamente falhou. Ficamos à deriva por breve momento, mas não perdemos a calma e nem a compostura. O Valério, que pilotava a embarcação, fez imediatas tentativas de ligar o motor, vindo ele a funcionar com toda desenvoltura, enfrentando bravamente a forte correnteza, uma vez que o volume d’ água do Parnaíba aumentara de forma considerável, com as recentes chuvas a montante de Teresina, sobretudo na região de suas nascentes. Tanto que quase todas as coroas já estavam completamente submersas, e a corrente fazia rolar touceiras de capim, troncos, galhos e pedaços de ribanceiras.
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No percurso, vimos as várias bocas de esgotos que emporcalham o rio, o que nos causa viva repulsa, nos tempos ecológicos de hoje. Pude notar que, em certos trechos, a mata ciliar se mostra relativamente bem conservada, o que impede ou diminui o assoreamento e dá beleza à paisagem ribeirinha. Em meados da década de 70, participei de piquenique na floresta que havia perto da ponte metálica, do lado de Timon, com o Otaviano, o Pinto e umas amigas. Umas imensas mangueiras davam sombra e beleza ao aprazível local. No início dos anos 80, ainda curti as coroas de areia, e nadei em suas proximidades, sem medo e sem nojo de eventual poluição, que já deveria existir na época. Ao nos aproximarmos da chamada Ponte da Amizade, o Valério e o Roberto nos chamaram a atenção para a estrutura e o acabamento dela, e para que depois fizéssemos a comparação com a denominada Ponte Nova, que na verdade já é uma das mais velhas pontes de Teresina, cujo nome oficial é Ponte Engenheiro Antônio Alves Noronha, piauiense, que projetou várias obras importantes, como pontes, edifícios e viadutos. Foi ele uma das mais altas autoridades do Brasil na área de cimento armado. É de sua autoria o projeto da Ponte das Antas e do arsenal da Marinha, na ilha das Cobras. Integrou a equipe responsável pelo projeto do Estádio Maracanã. De fato (fechando o parêntese de homenagem ao engenheiro Noronha), é notória a diferença estrutural entre uma e outra ponte; a da Amizade parece esquelética e trôpega, ao passo que a segunda se mostra robusta, com boa aparência externa, o que parece denotar um serviço bem executado e de acordo com as especificações técnicas, além da utilização de material de boa qualidade. Ao contemplar a Ponte Engenheiro Antônio Noronha, me recordei de que a atravessei quando eu tinha 16/17 anos
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de idade, de carona em uma bicicleta, em companhia dos amigos Otaviano Furtado do Vale e Carlos Cardoso, como se fosse uma grande aventura e travessura, para irmos conhecer a cidade de Timon. No mais alto da curvatura da ponte e do alto de minha bisonhice de adolescente, lembrando-me dos magistrais versos de Da Costa e Silva, tentei improvisar um poema, que assim começava: Ó Velho Monge... Ainda bem que esse poema se perdeu nos cafundós de minha memória. Não era digno do rio, não era digno do excelso poeta, e nem mesmo de mim. De qualquer sorte, celebrava o Parnaíba, cantava-lhe as águas, as matas ribeirinhas, as praias, as ilhas fluviais. Talvez para compensar essa imprudente e afoita verve poética juvenil, escrevi, na maturidade, o poema Amarante, que teve boa acolhida por parte de amarantinos e de críticos literários, o que me redime do cometimento daqueles versos que para sempre se perderam no esquecimento, afogados nas águas barrentas do Velho Monge, retratado em sua beleza pelo bardo amarantino, que deu a esses versos telúricos o sutil veneno da suave melancolia e saudade que lhe inundavam a alma. Quando nos aproximamos da estação de tratamento d’ água da Agespisa, avistamos uma grande e copada árvore, que debruçava os seus galhos/braços para o rio, como se estivesse a nos chamar. Entendemos que ali seria o nosso porto seguro, e ali atracamos o barco. A árvore nos deu sombra, encanto e beleza, e o rio nos deu um banho gostoso, sem poluição, embora (ou por isso mesmo) a correnteza estivesse forte, e as águas profundas. O retorno foi uma outra grande aventura e ventura, mas me dispenso do trabalho de enfadar o leitor com a sua narrativa. O bravo Roberto Carlos conduzia uma tarrafa, e a lançou ao rio. Talvez tenha sido uma exímia tarrafada, mas a rede ficou presa nas raízes das árvores ribeirinhas.
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Desenganchar uma armadilha desse tipo é perigoso, e requer experiência e habilidade, pois a pessoa pode enredar-se nas malhas. Um pescador, que se encontrava providencialmente perto, mergulhou nas fundas e barrentas águas, e a retirou. Constatei, então, que o Roberto Carlos é um grande delegado de Polícia, um bom amigo, um piloto de longo curso e de invulgar competência, mas como pescador é um grande contador de história.
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JEAN-JACQUES ROUSSEAU: TREZENTOS ANOS Nelson Nery Costa*
PAIXÃO E VIDA
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ean-Jacques Rousseau1 nasceu em Genebra, em 28 de junho de 1712. Era filho de Isaac Rousseau, relojoeiro cuja família provinha de antepassados
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Membro da Academia Piauiense de Letras (APL), cadeira 33 e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI). “Rousseau (Jean-Jacques), filósofo e romancista suíço de língua francesa (Genebra, 1712 – Ermoville, 1778). Foi um dos pensadores de maior influência da época contemporânea. De família calvinista de origem francesa, órfão de mãe e abandonado pelo pai aos 16 anos de idade, deixou sua cidade natal em 1728, dirigindo-se para Annecy, onde foi escolhido por Mme. de Warens. Já adulto, peregrinou pela França e pela Suíça durante algum tempo, instalando-se em Paris em 1741. Data dessa época o início de sua longa ligação amorosa com Thérèse Lavasseur, uma criada com quem teve cinco filhos, todos
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protestantes que chegaram da França e foram para a Suíça, entregues ao orfanato Enfants Trouvés. Também em Paris, conheceu Voltaire, Diderot e outros filósofos do Iluminismo, tendo colaborado na Enciclopédia, redigindo verbetes sobre música. Em 1750, a publicação de seu Discurso sobre as ciências e as artes, com a qual venceu um concurso instituído pela Academia de Dijon, abriu-lhe o caminho para a fama, confirmada pelo êxito de sua ópera Lê devin du village (1752). Os anos seguintes porém, foram de dificuldades: a Academia de Dijon não consagrou seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, e Rousseau afastou-se da vida social, rompendo com Diderot e seus amigos. Sua atividade literária, nesse período foi, no entanto, intensa e fecunda. Em 1761 Rousseau publicou Júlia ou a Nova Heloísa, romance epistolar de enorme sucesso na época; no ano seguinte, redigiu sua obra mais importante Do Contrato Social, imediatamente seguido de Emílio ou Da educação, o que evidencia a estreita relação que Rousseau via entre política, moral e educação. Em Emílio, o escritor opõe-se radicalmente a toda a fé dogmática e defende uma religião natural; como suas ideias foram condenadas severamente, foi forçado a levar uma vida errante: depois de um período na Suíça, foi expulso de Berna e se refugiou na Inglaterra, sob a proteção de David Hume, com o qual rompeu mais tarde, voltando para Paris em 1770. Trabalhou, então, em suas últimas obras, Confissões e Devaneios de caminhante solitário. Em seu primeiro Discurso, Rousseau partiu do princípio de que o homem, naturalmente bom, é corrompido pela sociedade, onde o cultivo das ciências e das artes conduz à ociosidade, promovendo a decadência moral e deteriorando os costumes. Rousseau apresentou-se, assim, como um crítico implacável da organização social. Nas obras seguintes, fez a apologia do instinto e da natureza, exaltando a emoção e o sentimento, em oposição ao racionalismo progressista. Desse modo, tornou-se um percursor do Romantismo, influenciando autores como Goethe e Byron. Mas foi a vertente política de seu pensamento que teve repercussões mais amplas e profundas. Para ele, a desigualdade entre os homens surgiu com a propriedade, que gerou também o Estado despótico. Contraposto a este, o Estado ideal seria resultante de um acordo entre os indivíduos que cederiam alguns de seus direitos para se tornarem cidadãos. A base desse acordo seria a vontade geral, identificada com a coletividade, e, portanto, soberana. Essas ideias exerceram uma influência determinante na Revolução
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e de Suzanne Bernard, filha de um pastor. Logo depois do casamento, Isaac foi à Constantinopla ser relojoeiro de um harém, mas a mulher implorou por sua volta, já que era constantemente assediada por outros homens. Dez meses depois de sua volta, nascia Jean-Jacques, mas Suzanne logo faleceu. Durante muito tempo, pai e filho viveram do culto dela e os dois leram uma grande coleção de romances, provocando no menino a imaginação elevada e o sentimento dramático. O pai, certa vez, desentendeu-se com um certo capitão e este, para se vingar, acusou-o de desembainhar a espada no centro da cidade, mas ele acabou fugindo para evitar que fosse preso e desapareceu da vida do filho.2 Rousseau ficou, então, sob a tutela do tio Bernard, que o enviou para Bossey, a fim de estudar com o ministro Lambercier. Em Bossey, ficou até 1724, quando ele tinha doze anos. Enamorou-se da Srta. de Vulson, que tinha o dobro da sua idade, e apaixonou-se pela Srta. Goton, que brincava de professora dele. Foi enviado a um notário para aprender o ofício de despachante, mas não mostrou qualquer vocação para este tipo de trabalho. O tabelião considerava-o preguiçoso e idiota, dispensando-o. A tentativa que fizeram para que ele fosse gravador não deu certo, já que passava a maior parte do tempo cunhando medalhas para os amigos. Desanimado com a sua situação na oficina, voltou-se aos prazeres da leitura, alugando livros de uma senhora, de modo que em um ano esgotou toda a sua biblioteca. Além dos livros, encontrava prazer nos passeios pelo campo. Na noite de 15 de março de 1728, dormiu na esplanada externa das portas da cidade, jurando partir para sempre quando
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Francesa, e entre seus adeptos mais fervorosos estava Robespierre” (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, op. cit., vol. XXI, p. 5145). CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e Obra. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores: Rousseau. São Paulo: Nova Cultural, 1999, pp. 6-7.
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raiasse o dia, saindo animado pelos seus ideais, longe de Genebra. Conheceu a Sra. de Warens (séc. XVIII), quando esta tinha vinte e oito anos, e um belo rosto com olhos azuis. Rousseau tornou-se um prosélito católico, pois, para ele, uma religião pregada por missionária tão encantadora, não poderia deixar de conduzir ao paraíso.3 A Sra. de Warens quis conservá-lo junto de si mas, por prudência, achou melhor enviá-lo para Turim, para o Asilo do Espírito Santo. Depois, foi declarado converso, e fizeram-lhe uma coleta que lhe rendeu vinte francos, que logo acabaram, obrigando-o a procurar novo trabalho. Ofereceu seus conhecimentos como gravador à Sra. Basile, com a qual ficou pouco tempo, e depois trabalhou como secretário da Condessa de Vercellis. Encontrou um velho conhecido de Genebra, chamado Bâcle, com o qual viajou algum tempo, até resolver voltar para a companhia da Sra. de Warens, como melhor forma de manter a subsistência. Leu, então, Puffendorf4 (1632-1694),
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“Rousseau sentia-se vivamente atraído por ela, como qualquer jovem que se aproxima da femme de trente ans. Beijava furtivamente a cama na qual ela dormia, a cadeira em que se sentava, ‘até o próprio chão quando adivinhava que nele ela havia pisado’ [...]. Tinha um ciúme louco de todos que disputavam com ele o tempo que passava junto a ela. Mme. de Warens deixava-o ronronar, chamando-o petit chat (gatinho) e enfant. Pouco a pouco, Rousseau resignou-se em chamá-la ‘Mamãe’. Ela empregava-o para escrever cartas, fazer a contabilidade, apanhar ervas e auxiliá-la nos seus experimentos de alquimia. Davalhe livros: The Spectator, Pufendorf, Saint-Évremond, a Henriade de Voltaire” (DURANT, Will e Ariel. A História da Civilização: Rousseau e a Revolução. Rio de Janeiro: Record, s/d, p. 10). “Pufendorf (Samuel, barão von), jurista e historiador alemão (Chemnitz, Saxônia, 1632 – Berlim, 1694), autor de Do direito natural e das pessoas” (KOOGAN/HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado, op. cit., p. 1319).
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Voltaire5 (1694-1778) e outros autores. Estudou na casa do Sr. Le Maiter, no inverno de 1729 para 1730, que lhe permitiu ficar sabendo o suficiente para se apresentar como músico. Depois, perambulou um pouco e foi a Paris, por pouco tempo. De volta à casa da Sra. de Warens, agora instalada em Chambéry, aí viveu vários anos, lendo muito e começando a escrever. Em 1740, tornou-se preceptor de dois filhos do Sr. Mably e acabou escrevendo um Projeto de Educação de M. de Sainte-Marie, que lhe permitiu redigir depois O Emílio. Em 1742, chegou de novo a Paris6 disposto a 5
“Voltaire – Biogr. Pseudônimo literário de François Marie Arouet, uma das figuras mais evidentes das terras francesas no séc. XVIII, que somou parte preponderante no enciclopedismo. Nasceu em Paris, a 21 de novembro de 1694. Filho de um notário, fez seus primeiros estudos com os jesuítas, levando a seguir uma juventude dissoluta. Encetou o curso de direito que não terminou. De temperamento e ideias revolucionárias, esteve preso na Bastilha pela autoria suposta dum panfleto contra Luis XIV, fugindo depois para a Inglaterra, onde, pelo espaço de três anos, se dedicou ao estudo da língua, literatura, costumes e ideias filosóficas dos ingleses. Suas Lettres philosophiques, resultado desse estudo, foram mandadas queimar pelo parlamento francês. Novamente obrigado a fugir, foi acolhido no castelo de Mme. Chatêlet na Lorena. Os últimos anos de sua vida passou-os em Ferney, às margens do lago de Genebra. Morreu em Paris, em 30 de maio de 1778. Espírito irrequieto e ativo, deixou mais de 50 volumes, considerados clássicos na literatura francesa, pelo gosto da ordem, da nitidez, da medida e da elegância. São suas principais obras: Cedipe; Zaire; La morte de César; Mérope, no teatro. La Henriade, na épica. Remarques sur lês pensée de M. Pascal, na crítica. Lê siécle de Louis XIV; Histoire de Charles XII, na história, Micromégas; Zadig; Candide; Dictionnaire philosophique, no conto e na filosofia. Toda sua obra se ressente dum espírito sistemático céptico e duma irreligiosidade arraigada. Foi um dos grandes preparadores da Revolução Francesa” (Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado, op. cit., vol. II, p. 2373). 6 “O desenvolvimento espiritual independente de Rousseau só começou no momento de sua chegada a Paris, quando ele já tinha quase trinta anos. Lá, pela primeira vez, ele experimentou um
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conquistar a cidade e levou consigo um novo sistema de notação musical, uma ópera, uma comédia e uma coleção de poemas. Procurava a fama e o sucesso, mas os resultados não foram bons, com o sistema de notação musical sendo friamente recebido pela Academia de Ciência. Já o bailado As Musas Galantes, que conseguiu apresentar na Ópera de Paris, atraiu pouca atenção. Sofreu, ainda, a humilhação de não ser correspondido no amor pela Sra. Dupin e por fim, um resumo que fizera para uma ópera composta por Voltaire foi apresentado em Versailhes, sem que seu nome fosse citado. Em 1745, ligou-se a Thèrese Levasseur (séc. XVIII), com a qual teria cinco filhos, todos entregues a orfanatos, porque achava que não podia cuidar deles, sendo pobre e doente.7 O remorso por isso seria seu companheiro pelo resto da vida e, para se livrar dele, preocupou-se sempre em encontrar justificativas para tais atos.
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verdadeiro despertar de sua autoconsciência intelectual. A partir daquele momento, a infância e a adolescência ficaram para trás, envoltas numa penumbra esmaecida. Permaneceram para ele apenas como objeto de recordação e anseio – anseio, é bem verdade, que deveria perseguir Rousseau até a velhice, sem nunca perder seu poder” (CASSIRER, Ernst. A Questão de Jean-Jacques Rousseau. In: QUIRINO, Célia Galvão, e SOUZA, Maria Tereza Sadek R. de (org.). O Pensamento Político Clássico. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980, p. 380) “Thérèse era uma criatura simples, destituída de qualquer encanto e artifício. Não sabia falar de filosofia e política como uma salonnière, porém sabia cozinha, tomar conta de uma casa, assim como suportar com paciência o estranho temperamento e atitudes de Rousseau. [...] quando ela ficou grávida, Rousseau ‘viu-se no maior dos embaraços’. O que podia fazer com crianças? Seus amigos afirmaram-lhe ser hábito mandar para o asilo de crianças abandonadas, a prole indesejável. Quando a criança nasceu isto foi feito, sob protestos de Thérèse, mas com a cumplicidade de sua mãe (1747). Nos quatro anos seguintes, nasceram mais quatro crianças, que tiveram igual sorte” (DURANT, Will e Ariel. História da Civilização: Rousseau e a Revolução, op. cit., p. 18).
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Em 1749, Diderot8 (1713-1784) publicou sua Carta Sobre os Cegos, na qual expressava claramente posições ateístas. Por este motivo, foi preso durante três meses em Vincennes, onde recebia diariamente a visita de Rousseau. Numa tarde, estando a caminhar pela estrada de treze quilômetros que levava de Paris a Vincennes, para descansar um pouco, ele pegou um exemplar do Mercure de France para se distrair e leu ao acaso, o que lhe apareceu. Notou a notícia sobre um concurso da Academia de Dijon, tendo por tema se o progresso das ciências e das artes contribui para corromper ou apurar os costumes. A notícia deixou-o transtornado, tomando-se por um entusiasmo jamais sentido e imaginando um outro universo mental. Ficou meia hora em agitação interior. Ao levantar-se, ficou surpreso com a roupa toda molhada de lágrimas, sem ter sentido derramálas. Logo, pôs-se a tomar notas para responder à questão proposta e redigiu uma pequena dissertação. No ano seguinte, recebeu o primeiro prêmio nesse concurso e, com ele, veio também a fama.9 Dois anos depois, a ópera O Adivinho da Aldeia foi levada à cena e lhe foi oferecida uma pensão real, que 8
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“Diderot (Dennis), filósofo francês (Langres, 1713 – Paris, 1784). Foi um dos organizadores da Enciclopédia, cuja direção assumiu, apesar de inúmeras dificuldades, até sua conclusão. Compôs ensaios (Carta sobre os Cegos, 1746) e romances escritos com pitoresco humorismo: Jacques, o fatalista e seu amo (1796); O sobrinho de Rameau (publicado em 1821). Vivamente interessado pelo teatro, definiu as regras de um gênero dramático novo, o drama burguês (O filho natural, 1757; O pai de família, 1758). Seus estudos de crítica de arte (Os salões) e a correspondência com Sophie Volland documentam-lhe a insaciável curiosidade. Foi um dos mais ardentes defensores das ideias filosóficas do séc. XVIII e do Iluminismo” (Dicionário e Enciclopédia Ilustrado, op. cit., p 523). CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e Obra. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores: Rousseau, op. cit., pp. 9-10.
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orgulhosamente recusou. Publicou, ainda, a Carta sobre a Música Francesa, onde defendeu o estilo italiano. Visitou Genebra, onde retornou à fé protestante, que abjurara. Escreveu dois discursos, Sobre a Origem da Desigualdade10 e Sobre a Economia Política. Em 1756, passou a morar no Ermitage, uma enorme casa em Montmorency posta a sua disposição pela Sra. d’Epinay,11 onde redigiu o romance epistolar A Nova Heloísa,12 obra típica de sua personalidade 10 “Toda a primeira parte do Discurso insiste na distância, no abismo que há entre o estado de natureza e o estado social. O homem natural é desprovido de todas as características do homem social. E nada nesse estado de natureza indica que dele se deva sair: é um estado de felicidade e de equilíbrio que se basta a si mesmo, imutável e sem história” (BRAUNSTEIN, Jean-Franco. Comentários. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Brasília/São Paulo: Universidade de Brasília/Ática, 1989, p. 9). 11 “Rousseau mudou-se para a casa de campo de Mme. d’Épinay em 9 de abril de 1756, em companhia de Thérèse Levasseaur, sua mulher segundo as leis dele próprio, e da mãe dela. Por algum tempo foi feliz, enlevado com o canto e o gorjeio dos pássaros, o murmúrio e a fragrância das árvores, a paz dos passeios solitários na mata. Levava consigo lápis e caderno para ir anotando as ideias que lhe viessem à mente” (DURANT, Will e Ariel. A História da Civilização: Rousseau e a Revolução, op. cit., p. 155). 12 “O maior gosto do Sr. De Womar é o de observar. Gosta de julgar os caracteres dos homens e as ações que vê realizar. Julga-as com uma profunda sabedoria e a mais perfeita imparcialidade. Se um inimigo o prejudicasse discutiria seus motivos e seus meios tão tranquilamente quando se se tratasse de uma coisa indiferente. Não sei como ouviu falar de vós, mas falou-me várias vezes ele mesmo com muita estima e sei-o incapaz de fingimento. Julguei notar algumas vezes que me observava durante essas conversas mas é muito possível que essa pretensa observação seja apenas a secreta censura de uma consciência inquieta. Seja como for, nesse ponto fiz meu dever; nem o medo nem a vergonha me inspiraram uma reserva injusta e fiz-vos justiça perante ele como lhe faço perante vós” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Júlia ou A
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romântica. Em 1757, deixou o Ermitage e passou a viver em Saint Louis, onde permaneceu cinco anos muito produtivos e felizes. Escreveu a Carta Sobre os Espetáculos, em que criticou D’Alembert13 (1717-1783). Completou a obra A Nova Heloísa e redigiu as duas obras teóricas que marcariam toda a história da pedagogia e da teoria política: O Emílio14 e O Contrato Social. Os dois livros, depois de sua publicação, em 1762, foram considerados altamente ofensivos às autoridades e iniciouse o período mais negro da vida do autor. O problema agora não eram com os amigos e as amantes, mas com as autoridades e a opinião pública. Ordenou-se sua prisão, Nova Heloísa. São Paulo/Campinas: Hucitec/Universidade Estadual de Campinas, 1994, p. 326). 13 “Alembert (Jean Le Rond D’), escritor, filósofo e matemático francês (Paris, 1717 – id. 1783), filho natural de Mme. de Tencin; um dos colaboradores da Encyclopédie. Cético em religião e metafísica, defensor da tolerância, expôs, no Discours préliminaire de l”Encyclopédie, a filosofia natural e o espírito científico que presidiu à elaboração dessa obra. Membro da Academia de Ciências, secretário perpétuo da Academia Francesa, deixou os Elogios acadêmicos e trabalhos de matemática sobre as equações diferenciais e a mecânica. Sua obra básica é o Tratado de dinâmica (1743)” (KOOGAN/HOUAISS. Dicionário e Enciclopédia Ilustrada, op. cit., p. 52). 14 “El que en el orden civil quiera conservar la primacía a los afectos naturales, no sabe lo que quiere. Siempre en contradicción consigo propio, fluctuando siempre entre su inclinaciones y sus obligaciones, nunca será hombre ni ciudadano, nunca útil, ni para sí ni para los demás; será uno de los hombres del día, un francés, un inglés, un paisano, en una palabra, nada. Para ser algo, para ser uno propio y siempre el mismo, es necesario estar siempre determinado acerca del partido que se ha de tomar, tomarle resueltamente, y seguirle com tesón. En mostrándome este portento, sabré si es hombre o ciudadano, o cómo hace para ser una cosa y outra” (Libro Primero) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio o de la Educación. México: Porrua, 1984, p. 4).
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obrigando-o a deixar a França. Escreveu como respostas às críticas que lhe faziam, Carta a Cristophe de Beaumont e Cartas Escritas na Montanha. Em 1764, preparou um inacabado Projeto de Constituição para a Córsega, a pedido de Matteo Buttafuoco, líder local. Neste mesmo ano, tomou conhecimento de um panfleto anônimo que circulava em Paris sob o título de O Sentimento dos Cidadãos, no qual era atacado como hipócrita, pai sem coração e amigo ingrato. O panfleto vinha de Voltaire e feriu-o profundamente. Rousseau pôs-se, então, a escrever as Confissões,15 onde procurava explicar toda sua vida e seu pensamento, uma síntese do autor como homem, romancista, filósofo e educador. Em 1765, foi atacado pelos protestantes de Neuchâtel, onde estava refugiado, que chegaram a jogar pedras em sua casa. Foi para ilha de Saint-Pierre, mas o impediram de ficar. Aceitou a oferta de refúgio na Inglaterra, feita pelo filósofo David Hume16 (1711-1776). 15 “Minha carta a D’Alembert teve grande êxito. As minhas obras todas o tinham obtido; mas esse me foi mais favorável. Ensinou o público a desconfiar das insinuações da rodinha holbáquica. Quando fui para a Ermitage, ela tinha predito, com a sua suficiência, que eu lá não ficaria três meses. Quando viu que eu lá passara vinte meses, e, forçados a sair, fixava ainda residência no campo, sustentaram que era obstinação pura e que eu me aborrecia de morte no meu retiro; que, roído de orgulho, preferia morrer lá, vítima da minha teimosia, que me desdizer e voltar a Paris. A carta a D’Alembert respirava uma doçura de alma que via-se bem não podia ser fingida. Se eu estivesse roído de tédio no meu retiro, meu tom se ressentiria. O tédio reinava em todos os escritos que eu fizera em Paris e não reinava no primeiro que eu fizera no campo. Para os que sabem observar essa observação era decisiva. Viu-se que eu reentrava no meu elemento” (Livro Décimo) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. As Confissões. Rio de Janeiro: Athena, s/d, vol. 3º, p. 230). 16 “Hume, David – Biogr. Filósofo escocês (1711-1776). Tendo interrompido o curso de Direito na Universidade de Edimburgo, tentou o comércio, que abandonou para dedicar-se ao estudo. Foi secretário
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Logo depois, entrou em conflito com o amigo, devido a uma carta publicada em Paris, que Rousseau pensou ter sido alimentada por informações de Hume. Voltou a Paris e publicou o Dicionário de Música. Casou-se com Thèrése Levasseur e procurou defender-se de imaginários conspiradores. Leu extratos das Confissões, nos salões de Paris. Escreveu, ainda, Diálogos e Rousseau, Juiz de JeanJacques. A última obra técnica seria Considerações sobre o Governo da Polônia,17 a pedido do conde Wielhorski, que do general St. Clair, que acompanhou à França (1746), a Viena e a Turim (1748); guarda da Biblioteca dos Advogados, de Edimburdo; secretário de embaixada em Paris (1763-1766); subsecretário de Estado (1767-1769). Durante sua permanência na França, conviveu com Rousseau, a quem acolheu em sua propriedades na GrãBretanha quando o pensador francês esteve exilado na Suíça. Aos 28 anos escreveu o famoso Treatise of Iluman Nature (1739-1740), em que expôs o seu sistema. Seguiram-se: Essays Moral and Political (1741-1742); os famosos Philosophiques Essays, que posteriormente receberam o título de An Inquiry concerning Human Understanding; uma edição refundida do Livro III do seu Tratado, com o título An Inquiry concerning the Principles of Morals (1751); Political Discourse (1752); Essays and Treatises on Several Subjects (1753); History of England (1754-1762); Four Dissertations (1757) e Dialogues concerning natural Religion, publicados postumamente em 1779” (Dicionário Enciclopédico Brasileiro Ilustrado, op. cit., vol. II, pp. 16645). 17 “Este espírito geral acha-se presente no próprio diagnóstico que Rousseau formula sobre a situação polonesa logo no primeiro capítulo e de acordo com qual a Polônia é um grande corpo formado por um grande número de membros mortos e por um pequeno número de membros desunidos. Como construir ou reconstruir a nação? Resposta de Rousseau: fazendo renascer os membros mortos e unindos os membros desunidos. E a operação deverá incidir, aos olhos de Rousseau, ao mesmo tempo sobre o plano estritamente político-jurídico e sobre o plano educacional ou sobre a formação dos costumes dos cidadãos, que constitui para o autor um nível verdadeiramente ‘infra-estrutural’” (FORTES, Luiz Roberto Salinas.
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desejava conselhos para reformas das instituições políticas de seu país. Nos últimos dois anos de vida, os sintomas psicóticos diminuíram, permitindo escrever Devaneios de um Caminhante Solitário,18 contendo descrições da natureza e dos sentimentos humanos feitos com admirável suavidade e beleza. Em 2 de julho de 1778, faleceu em Ermenoville e foi enterrado nas ilhas dos Choupos.19 Entretanto, sua obra Apresentação. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 13). 18 “Mas o que me torna mais indesculpável é a divisa que escolhera. Essa divisa me obrigava, mais do que a qualquer outro homem, a uma profissão mais rigorosa da verdade, e não bastava sacrificar-lhe, em qualquer ocasião, meu interesse e meus gostos, teria sido necessário sacrificar-lhe também minha fraqueza e meu natural tímido. Teria sido preciso ter coragem e a força de ser sempre verdadeiro, em qualquer ocasião, e nunca permitir que saíssem ficções nem fábulas de uma boca e de uma pena que se haviam particularmente consagrado à verdade. Eis o que deveria ter pensado ao toar essa elevada divisa e repetido a mim mesmo, continuamente, enquanto ousei usá-la. Nunca a falsidade ditou minhas mentiras, todas vieram da fraqueza, mas esse fato me desculpa muito mal. Com uma alma fraca podemos, no máximo, nos defender contra o vício, mas ousar professar grandes virtudes significa ser arrogante e temerário” (ROUSSEAU, JeanJacques. Os Devaneios do Caminhante Solitário. São Paulo/Brasília: Hucitec/Universidade de Brasília, 1986, pp. 66-7). 19 “Quando as flores da primavera de 1778 principiaram a surgir, ele pediu que alguém lhe oferecesse uma casa no campo. O Marquês René de Girardin convidou-o para ocupar um chalé nas proximidades de seu château em Ermenonville, a uns cinquenta quilômetros de Paris. Jean- Jacques e Thérèse foram no dia 20 de maio. Lá ele reuniu algumas espécimes de plantas e ensinou botânica ao filho de seu anfitrião. Na madrugada seguinte, teve um ataque apoplético, caindo ao chão. Thérèse carregou-o até a cama, mas ele caiu, batendo no assoalho com tanta força que sofreu um talho na cabeça e perdeu muito sangue. Thérèse gritou por socorro. O marquês acudiu, encontrando Rousseau morto” (DURANT, Will e Ariel. A História da Civilização: Rousseau e a Revolução, op. cit., p. 898).
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instigante influenciou as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789). CRÍTICA À CIÊNCIA O Discurso Sobre as Ciências e as Artes, em 1750, foi um ataque às ciências e às artes que se opunham à virtude republicana.20 Ele mostrou que as ciências trouxeram a corrupção e que eram responsáveis pelo desaparecimento da cultura. A civilização, assim, era vista por Rousseau como responsável pela degeneração das exigências morais mais profundas da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual.21 A uniformidade artificial de comportamento, imposta pela sociedade às pessoas, levavam-nas a ignorar os deveres humanos e as necessidades naturais. A vida do homem primitivo, ao contrário, seria feliz porque ele sabia viver de acordo com suas necessidades 20 “Em 1749, Diderot publica sua Carta sobre os Cegos, na qual expressa claramente posições ateístas. Por esse motivo foi preso durante três meses em Vincennes, onde Jean-Jacques visita o amigo quase todos os dias. Foi numa dessas tardes que entreviu o caminho a ser trilhado pelo seu pensamento inquieto, ao responder negativamente à questão sobre o progresso das ciências e das artes que tinha contribuído para aprimorar os costumes” (CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e Obra. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores: Rousseau, op. cit. , pp. 9-10). 21 “Se nossas ciências são inúteis no objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem. Nascidas na ociosidade, por seu turno a nutrem, e a irreparável perda de tempo é o primeiro prejuízo que determinam forçosamente a sociedade. Na política, como na moral, é um grande mal não se fazer de algum modo o bem a todo cidadão inútil que pode ser considerado um homem pernicioso” (Segunda Parte) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes. In: Os Pensadores: Rousseau, op. cit., p. 204).
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inatas. Era amplamente auto-suficiente porque construía sua existência no isolamento das florestas, satisfazendo suas necessidades de alimentação e sexo, sem maiores dificuldades. No período acima, o homem vivia a idade de ouro, a meio caminho entre a brutalidade das etapas anteriores e a corrupção das sociedades civilizadas.22 Esta começava no momento em que surgia a propriedade privada. Os abusos centralizavam-se na perda de consciência a que era conduzido o homem pelo culto dos refinamentos, das mentiras convencionais, da ostentação, da inteligência e da cultura, nas quais buscava mais a admiração dos próximos do que a satisfação da própria consciência. Ele não pretendia queimar biblioteca ou destruir universidades e academias, reconhecendo a função útil das ciências e das artes, mas não queria ver os artistas e os intelectuais submetidos aos caprichos frívolos das modas passageiras. Pelo contrário, glorificava os esforços laboriosos da conquista intelectual verdadeira, que se realizava na luta contra os obstáculos e na atividade criadora do espírito livre de pressões. O sentimento, como meio de penetração na essência da interioridade, era outro dos elementos estruturais do pensamento de Rousseau. O núcleo central de todo pensar filosófico constituiria a chave com que se podia compreender toda a natureza e alcançar misticamente o próprio infinito, deixando de lado as convenções da razão civilizada. A natureza, desse modo, saltava dentro de cada ser humano com íntimo sentimento de vida. Tomou partido contra os filósofos e jamais quis ser chamado assim. 22 “Mais ainda, estava a dizer que a civilização e a sociedade culta, isto é, a sociedade baseada nas artes e ciências, produziriam os males presentes do homem” (BRONOWSKI, J., e MAZLISH, Bruce. A Tradição Intelectual do Ocidente, op. cit., pp. 299-300).
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A sugestão de Rousseau era de que só se podia alcançar uma ideia verdadeira da natureza do homem por meio de definição, por aquilo a que chamava de experiência de pensamento, pois todas as outras imagens da natureza do homem eram particulares, formadas por sociedades específicas e as espelhando.23 Afirmava que o estado de natureza nunca tinha realmente existido, mas era uma pura ideia da razão. Apenas pela construção imaginária do estado de natureza era que se poderia descobrir a natureza real do homem, pois a natureza significava na realidade, para Rousseau o desenvolvimento completo das potencialidades do homem, do qual a sociedade contemporânea era apenas um momento parcial e incompleto. OS HOMENS NASCEM LIVRES E IGUAIS A liberdade para Rousseau era um termo fundamental, entendida por ele como direito e dever ao mesmo tempo, “todos os homens nascem livres”.24 A liberdade lhe pertencia e 23
Rousseau é o homem do desdobramento e da diferença: ele é diferente de todos os outros, o único a ser idêntico consigo mesmo, a ser ainda o que ele foi e, por essa singularidade, o único a poder fazer com que os outros captem a sua diferença. Mas ele é também diferente de si mesmo, incapaz de esforço, não pensando jamais as verdades senão separadas, obcecado pelo desejo da unidade” (SALOMON-BAYET, Claire. Jean-Jacques Rousseau. In: CHÂTELET, François. A História da Filosofia, Ideias, Doutrinas: O Iluminismo, O Século XVIII. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 139). 24 “É uma frase formidável. Na verdade, porém, os homens não nascem nem livres, nem iguais, só se tornam assim através de um processo político. Assim, Rousseau também acaba atribuindo a uma suposta condição natural aquilo que, pelo contrário, é uma conquista da história social, da ideologia. Para Rousseau, os homens não podem renunciar a esses bens essenciais de sua condição natural: a liberdade e a igualdade” (GRUPPI, Luciano. Tudo Começa com Maquiavel: as
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renunciar a ela seria renunciar à própria qualidade de homem. O princípio da liberdade constituía-se em normas e, não, como fato ou como imperativo. Não era apenas uma negação de impedimentos, mas afirmação de um dever de realização das aptidões espirituais. Na consciência da liberdade revelavase a espiritualidade da alma humana, por isso, era a exigência ética fundamental e, renunciar a ela, seria renunciar à própria qualidade de homem e aos direitos da humanidade. Tornava-se necessário lembrar que em Rousseau havia duas expressões para a liberdade, uma era a liberdade natural, que era a ausência de leis, de Estado isento de leis. Enquanto a liberdade civil era a liberdade no sentido de submissão, somente àquelas leis que cada um dava a si mesmo. O homem natural era livre porque não tinha leis, com o homem civil sendo livre porque obedecia somente às leis que dava a si próprio. A igualdade, ainda, era fundamental para o autor. O homem só podia ser livre se fosse igual, pois assim que surgisse uma desigualdade entre os homens acabava a liberdade. Referia-se tanto à igualdade diante da lei, a igualdade jurídica, mas também chegava a compreender que existia um problema de igualdade econômico-social, daí ter uma visão pessimista do problema.25 ESTADO DE NATUREZA O estado de natureza não era mais do que uma concepções de estado em Marx, Engels, Lênin e Gramci, op. cit., p. 18). 25 “A considerarmos os próprios textos de Rousseau, deparamo-nos com uma certa incredulidade quanto à recuperação da liberdade por povos que já a perderam completamente. Sua visão da história é pessimista” (NASCIMENTO, Milton Meira. Rousseau: da Servidão à Liberdade. In: WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1989, vol. 1, p. 198).
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hipótese teórica, uma operação do espírito e um postulado da razão.26 A vida do homem primitivo seria feliz porque ele sabia viver de acordo com suas necessidades inatas. Era amplamente auto-suficiente por que construía sua existência no isolamento das florestas, satisfazendo suas necessidades de alimentação e sexo, sem maiores dificuldades e não sendo atingido pela angústia diante da doença e da morte. As necessidades impostas pelo sentimento de autopreservação presente em todos os momentos da vida primitiva, e que impelia o homem selvagem a ações agressivas, eram contrabalançadas pelo inato sentimento de piedade que o impedia de fazer o mal aos outros desnecessariamente. Desde suas origens, o homem natural estava dotado de livre-arbítrio e sentido de perfeição, mas o desenvolvimento pleno desses sentimentos só ocorria quando se estabeleciam as primeiras comunidades locais baseadas sobretudo no grupo familiar. Nesse período da evolução, o homem vivia a idade de ouro, a meio caminho entre a brutalidade das etapas anteriores e a corrupção das sociedades civilizadas. Esta começava no momento em que surgia a propriedade privada.27 26 “A prova do reconhecimento por parte de Rousseau da cultura ocidental como fenômeno cultural específico é fortalecida pela percepção daquilo que Rousseau entendeu como sendo a natureza humana corretamente ordenada e como se relacionava com a sociedade. Conforme argumentei, como resultado de leitura cuidadosa do segundo Discurso, verificamos que não foi a condição primitiva, associal do homem, que Rousseau identificou com a era áurea da humanidade, mas sim a sociedade comunal de famílias autosuficientes” (SPRINGBORG, Patrícia. Rousseau e Marx. In: FITZGERALD, Ross (org.). Pensadores Políticos Comparados. Brasília: Universidade de Brasília, 1980, p. 205). 27 “O primeiro que, tendo cercado um terreno, arriscou-se a dizer: ‘isso é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano
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Na primeira fase, o homem natural era um ser que vivia nas florestas, entre animais, e que tinha exclusivamente no instinto tudo o que lhe era necessário para viver, que apenas temia a dor e a fome. Conhecia como seus únicos bens o alimento, o repouso na ociosidade e uma fêmea, limitado que estava ao aspecto físico do amor. Por outro lado, com o coração em paz e o corpo saudável, tinha quase por única preocupação a sua própria conservação, mas que seus semelhantes, vivendo dispersos como ele, não mantinham nenhum comércio. Não precisava deles para nada, excluídos todos os grilhões da dependência, nem tendo nenhum desejo de lhes fazer mal, entre ele e seus semelhantes, não existia qualquer espécie de relação moral, nem deveres comuns. Na segunda fase, a propriedade para o autor teria nascido pelo ato de alguém colocar marcos e declarar ser proprietário dessa terra, e porque outras pessoas, estupidamente, teriam levado isso a sério. O aparecimento da propriedade era a última fase do estado de natureza e a primeira da desigualdade do estado social. O rompimento da igualdade iria acarretar a mais terrível desordem, sobretudo em ligação com a multiplicação de necessidades que caracterizava o homem artificial. Passara, então, a haver concorrência e rivalidade, oposição de interesses entre o rico, que usurpavam, e o pobre, por ele explorado. A desigualdade, dessa forma, podia ser de duas naturezas. A primeira, natural ou física, devida à diferença aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado a seus semelhantes: Fugi às palavras desse impostor; estarei perdidos se esquecerdes que os frutos pertencem a todos, e que a terra não é de ninguém” (Segunda Parte) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, op. cit., p. 84).
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de idade, de saúde, de força corporal ou das qualidades do espírito, em nada lhe interessava, já que não poderia fundar nenhuma organização social. Já a segunda, de natureza moral ou política, parecia estabelecida com o consentimento dos homens, após uma espécie de convenção e era a única que merecia ter sua origem e seu processo descritos. Na terceira fase da desigualdade, vinham nascer fatalmente as distinções políticas, uma desigualdade crescente entre o povo e seus chefes.28 Ao passo que se tornava inevitável a desigualdade de crédito e de autoridade entre os particulares reunidos em sociedade e uma infinidade de preconceitos daí sairiam, contrários, simultaneamente à razão, à infelicidade e à virtude. Até que, finalmente, o despotismo, elevando sua horrenda cabeça, devorava tudo o que restava de bom e de sadio no estado, substituindo os chefes e as leis por tiranos, senhores sem regras nem freios, e os súditos, por escravos. Assim fechava-se o círculo e se atingia a última etapa da desigualdade. Todos os particulares voltavam a ser iguais, por que nada eram. Tudo se resumia à lei do mais forte. O gênero humano reencontrava-se em um novo estado de natureza muito diverso do primeiro na medida em que era fruto de um excesso de corrupção, ao passo que o primeiro vinha a ser o estado de natureza, em toda a sua pureza. Existia, aí, um falso contrato, em que se criavam novos entraves para os fracos e novas forças para os ricos, com a destruição da liberdade natural. As leis da propriedade e da desigualdade foram instituídas para sempre, levando todo o gênero humano submetido, 28 “Convenhamos, pois, em que a força não faz o direito e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos” (Livro Primeiro, Capítulo III) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Pensadores: Rousseau,. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 60).
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doravante, para proveito de alguns ambiciosos ao trabalho, à servidão e à miséria. Os governos começavam pelo poder arbitrário, que não passava de corrupção que afinal reduzia os governos simplesmente à lei do mais forte.29 CONTRATO SOCIAL A sociedade política nascia de uma sequência de acidentes.30 Os agrupamentos das famílias se expandiram na idade de ouro das comunidades patriarcais, com o aparecimento da divisão do trabalho e da propriedade que nada devia à natureza. Esta sociedade política era fundada com base num contrato tão sábio e refletido quanto iníquo porque levava novos entraves aos fracos e novas forças aos ricos, fixando para sempre a desigualdade entre os homens. 29 “A complexidade dos pensamentos de Rousseau sobre ‘origens’ e o ímpeto dado à comunidade civil é um elemento crítico para distinguir o seu pensamento da dos outros da tradição da doutrina de contrato social. [...] Sua franca antipatia para com a sociedade foi, naturalmente, o fundamento de sua celebridade pessoal e literária” (CORCORAN, Paul E. Rousseau e Hume. In: FITZGERALD, Ross (org.). Pensadores Políticos Comparados. Brasília: Universidade de Brasília, 1983, p. 161). 30 “Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto são os votos da assembléia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quanto ativo, e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado” (Livro Primeiro, Capítulo VI) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. In: ROUSSEAU, Jean Jacques. Os Pensadores: Rousseau, op. cit., p. 71).
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A luta contra o despotismo exigia, preliminarmente, essa compreensão do político, porque eles não viam que as vantagens relativas e provisórias da segurança que esse contrato proporcionava levando à alienação da própria liberdade. No Contrato Social, propunha-se aos homens firmarem um pacto legítimo que lhes permitiria reconquistar a liberdade. Esse contrato social legítimo nada tinha de um contrato de governo, já que, para ele, antes de examinar o ato pelo qual o povo elegia um rei, seria bom examinar o ato pelo qual um povo era um povo.31 Não se tratava de um contrato estabelecido entre indivíduos, mas do contrato de cada um consigo mesmo e que transformava cada indivíduo num cidadão. As cláusulas desse contrato reduziam-se todas a uma só, a saber, alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade. A alienação total permitia a liberdade total, na medida em que ela evitava transpor para a nova sociedade política os estigmas da desigualdade preexistentes.32 O contrato social, assim, era uma livre associação de seres humanos inteligentes que, deliberadamente, resolviam formar um certo tipo de sociedade, à qual passavam a prestar obediência. O contrato social seria a única base 31 “Em consequência desse contrato, todas as vontades individuais desaparecem no seio de uma vontade comum, a vontade geral, que é a base da sociedade” (DURKHEIM, Emile. O Contrato social e a Constituição do Corpo Político. In: QUIRINO, Célia Galvão, e SOUZA, Maria Tereza Sadek R. de (org.). O Pensamento Político Clássico. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980, p. 355). 32 “A relação do governo com o povo soberano é uma proporção contínua que varia segundo o duplo regime da quantidade e da qualidade” (PHILONENKO, Aléxis. Rousseau: O Contrato Social. In: CHÂTELLET, François, DUHAMEL, Olivier, e PISIER, Evelyne. In: Dicionário de Obras Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 1037).
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legítima para uma comunidade que desejava viver de acordo como os pressupostos da liberdade humana. O ato coletivo de renúncia não era feito em favor de um terceiro, mas por cada um em favor de todos, ou seja, por cada indivíduo para si mesmo. A alienação acontecia em favor da comunidade inteira, ou do corpo político, do qual era manifestação suprema a vontade geral, que era exatamente a vontade dos indivíduos contraentes. O corpo político não resultava da adição das vontades particulares, confundindo-se com a vontade geral tal como essa resultava da alienação total de cada indivíduo e de sua liberdade. Esta não era mais do que a capacidade que possuía de fazer com que sua vontade geral dominasse a vontade particular. A alienação total à sociedade política envolvia igualdade ainda no sentido de que a vontade geral não era autoridade externa obedecida pelo indivíduo a despeito de si mesmo, mas corporificação objetiva de sua própria natureza moral. Aceitando a autoridade da vontade geral, o cidadão não só passava a pertencer a um corpo moral coletivo, como adquiria liberdade obedecendo a uma lei que a prescrevia para si mesmo.33
33 “A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão, compreende ele tacitamente este compromisso, o único que poderá dar força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos” (Livro Primeiro, Capítulo VII) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Os Pensadores: Rousseau, op. cit., p. 75).
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VONTADE GERAL Era a vontade geral que indicava as características gerais da soberania: a) inalienável; b) indivisível; c) infalível; d) absoluta. A característica da inalienabilidade levava o autor a se afastar do regime representativo, de modo que os constituintes revolucionários franceses assimilaram a teoria rousseauniana da lei. Esqueceram-se de que essa só tinha sentido com essa condição enunciada em termos pouco equívocos, pois a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais podia alienar-se, que o soberano só podia ser representado por si mesmo. O poder podia ser transmitido, não, porém, a vontade. A soberania era indivisível porque a vontade ou era geral ou não era, ou compreendia a vontade do corpo do povo ou era somente a de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada era um ato de soberania e fazia lei. No segundo, não passava de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, sendo, no máximo, um decreto. Era infalível porque a vontade geral era sempre justa e tendia sempre à utilidade pública. Por fim, era absoluta porque, assim como a natureza dava a todo homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dava ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, de modo que estas duas características confundiam a vontade geral com a vontade majoritária. A vontade geral tinha sementes totalitárias, por isso era essencial a unidade. Afirmava, ainda, que a vontade geral devia poder exprimir-se a si mesma, que não houvesse nenhuma sociedade parcial no Estado social e que cada cidadão pensasse apenas os seus próprios pensamentos.34 34 “A posição de Rousseau na história das ideias sobre a legitimidade radica exatamente nesta forma especial de delimitação de fundamentos. A estrutura lógica de seu raciocínio resume-se no
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Significava que não podia haver intermediário entre o cidadão e a força do Estado, excluindo os grupos livremente associados, como partidos políticos e seitas religiosas. Defendia que nada deveria interferir com a unidade do estado, uma vez que a vontade geral devia implicar unanimidade. A lei era a fonte da vontade geral sendo, ela, a sua única expressão.35 Estatuir sobre um objeto pessoal era contrário à própria natureza da vontade geral. Ela não agia, não ditava os atos, mas estipulava as regras.36 As regras mais gerais eram expressadas unicamente através de leis, na acepção muito forte que Rousseau dava a essa palavra. Para ele, a lei era a manifestação por excelência do vínculo seguinte: a sociedade justa devia constituir-se de modo que seus membros não necessitassem recorrer aos ‘direitos naturais’ contra a iniquidade da lei positiva. Em outras palavras, a própria lei real deveria coadunar-se aos ditames da justiça” (MERQUIOR, José Guilherme. Rousseau e Weber. Rio de Janeiro: Guanabara, 1980, p. 21). 35 “No novo estado natural, Rousseau afirma que o homem está sujeito à vontade dos outros, especialmente à de dirigentes que governam a lei, e à sua própria paixão. Ele está sujeito à vontade de outrem e não à sua própria razão. Assim, se esta é uma forma de contraposição feita por Rousseau, então ele claramente está querendo dizer que o homem é mais livre sob a soberania da vontade geral e não tão livre. Ou poder-se-ia arguir, agora que as condições contrastantes estão claras, que sobre a lei da vontade geral, o homem é (num sentido) tão e mais livre do que no estado original natural” (MACADAM, James. Rousseau e Hobbes. In: FITZGERALD, Ross (org.). Pensadores Políticos Comparados. Brasília: Universidade de Brasília, 1980, pp. 147-8). 36 “Encarnada no Estado e pelo Estado, a vontade geral é tudo. É o primado da política sobre a moral, ou melhor, é a fundamentação da moral na política. A defesa do bem comum chega a tal ponto que leva ao esvaziamento do indivíduo e da sua individualidade, bem como a sua absorção pelo corpo social, sem deixar restos” (REALE, Giovanni, e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990, vol. II, p. 772).
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social, a reguladora augusta da ordem social, ou seja, vínculo sagrado e ordem sagrada. Refletia aqui em baixo uma sabedoria transcendente. Derivava da moralidade, antes de derivar do poder. Encontrava sua beleza e seu caráter próprio em sua generalidade e impessoalidade, as quais excluíam o arbitrário e o instável que caracterizavam as vontades particulares. Graças à lei os homens serviam e não tinham senhores, obedeciam e, no entanto, eram livres. Garantia, assim, simultaneamente, a liberdade pública e a autoridade do governo. A lei, para o autor, como ato da vontade geral e expressão da soberania, era de vital importância, pois determinava todos os destinos do Estado.37 Os legisladores tinham relevante papel no contrato social, sendo investidos de qualidades quase divinas. Quem elaborava as leis devia assemelhar-se aos deuses, se perseguisse sempre o objetivo de servir às necessidades da natureza humana. Com efeito, ele não era soberano nem governante ou magistrado. Não governava os homens, só governava as leis. Instituía o Estado, mas não fazia parte da constituição, como Calvino38 37 “Aqueles que pensam Rousseau meramente como um mestre da sensibilidade e como um criador de imagens poderosas, deveriam reler o primeiro capítulo do Livro III do Contrato social. Não se pode deixar de admirar o rigor do argumento ou de notar a precisão com a qual o autor se desenvolve, por passos lógicos em direção à sua conclusão: uma conclusão que Rousseau considerava como lei o que poderíamos chamar hoje de ‘uma lei positiva da ciência política’” (JOUVENEL, Bertrand. A Teoria de Rousseau sobre as Formas de Governo. In: QUIRINO, Célia Galvão, e SOUZA, Maria Tereza Sadek R. de (org.). O Pensamento Político Clássico. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980, pp. 427-8). 38 “Calvino (João), reformador francês (Noyon, Picardia, 1509 – Genebra, 1564), partidário da Reforma na França e na Suíça, onde refixou em 1541 e onde organizou na república teocrática. O calvinismo, doutrina essencialmente teocêntrica, distingue-se das outras doutrinas
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(1509-1564) fez o mesmo em Genebra. Redigia as leis, mas não podia ter força executiva. Rousseau também concebia a sociedade política como a eliminação total do estado de natureza, que se limitava a garantir, por meio da coação, atribuída a um poder central os direitos naturais. Só que para o autor, a vontade geral era a expressão global dos interesses e dos sentimentos da sociedade dos cidadãos. E, portanto, como tal, não podia errar, ela era infalível. A ideia que movia Rousseau era que o Estado mais perfeito seria, quanto mais a vontade do Estado coincidisse com a vontade geral. Assim, ele voltava à posição radical de Hobbes39 (1588-1679), no sentido de que, protestantes nos seguintes pontos: dogma da predestinação e da graça irresistível; retorno à simplicidade cristã primitiva; sacramentos reduzidos ao batismo e à eucaristia, que guardam apenas seu valor de símbolos. Calvino é o autor da Instituição da Religião Cristã (1536), numa teologia do protestantismo francês, cujas edições (1541-1560) constituem momentos da língua francesa. O calvinismo expandiuse pela França, Suíça, Holanda, Inglaterra, Escócia. Foi do calvinismo presbiteriano que saíram as seitas dos puritanos e a maior parte das Igrejas não conformistas, que levaram à América do Norte” (KOOGAN/ HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado, op. cit., p. 300). 39 “Hobbes (Thomas), filósofo inglês (Westport, Wiltshire, 1588 – Hardwick Hall, 1679). Durante uma viagem pela França e Itália, entrou em contato com filósofos e cientistas, principalmente os do círculo de Mersenne e Galileu. Interessou-se pela física e matemática. Publicou De cive (1642) e o Leviathan (1651), sua principal obra, na qual expôs sua teoria do poder político. Hobbes professava um materialismo mecanista rigoroso. Ligando toda a realidade à ação e reação dos corpos em movimento. Para ele, o homem não escapa a essa lei universal e é movido pelo desejo e o temor, o que cria uma situação de conflito permanentemente (a ‘guerra de todos contra todos’), em que, ‘o homem é o lobo do homem’. A razão, ou a capacidade de calcular os efeitos favoráveis ou desfavoráveis das ações, impõe que cada indivíduo, por um contrato firmado com todos ou outros indivíduos, renuncie totalmente aos direitos que possui naturalmente sobre todas as coisas, em benefício de um soberano cujos direitos
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entre estado natural e estado civil, optava pelo segundo. Não obstante, desenvolvia a teoria deste autor no sentido democrático. Também ele pensava que entre estado natural e estado civil não existia meio termo, mas negava que o estado civil fosse incompatível com a liberdade. O problema tornava-se, portanto, conciliar o Estado com a liberdade. O autor também se aproximava do absolutismo de Hobbes, pois o contrato social tal como apresentava, tratavase também um ato coletivo de renúncia aos direitos naturais. Aqui estava a diferença fundamental, que deixava Rousseau como o teórico mais consequente do Estado democrático. A renúncia não era feita em favor de um terceiro, mas por cada um em favor de todos, ou seja, por cada indivíduo, para si mesmo como membro da totalidade. Para o autor, a alienação acontecia em favor da comunidade inteira, ou do corpo político, do qual a manifestação suprema era a vontade geral, razão pela qual devia se falar de um pactum societis, em lugar de subiectionis que era exatamente a vontade dos indivíduos contraentes. Diferente da renúncia de Hobbes, que levava a abandonar a liberdade natural para obter a servidão civil, a renúncia de Rousseau deveria levar a abandonar, sim, a liberdade natural, mas para reencontrar uma liberdade mais plena e superior, que era a liberdade civil, ou a liberdade do Estado. O próprio autor, entretanto, reconhecia tal situação como uma utopia, já que admitia que a democracia da qual estava falando não existia, nem nunca existiria. A condição natural a que se devia aspirar, a do homem que cedia a sua soberania e a sua liberdade, talvez nunca existisse e nunca fosse existir. Era um objetivo ideal para o qual se devia ilimitados lhe permitem fazer reinar a ordem e a paz” (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, op. cit., vol. XII, p. 3000).
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buscar. Desse modo, Rousseau diferencia-se de Locke40 (1632-1704), onde o contrato que dava origem ao Estado não era o ato de renúncia total aos direitos naturais, mas um ato pelo qual os indivíduos para sair do estado de natureza, renunciavam ao único direito de fazer justiça por si mesmo e conservavam os direitos naturais fundamentais à vida, à liberdade e à propriedade. A diferença, entre o estado liberal do tipo de Locke e o estado democrático de Rousseau podia ser reduzida em última análise a uma diferença entre duas concepções de liberdade. A visão liberal entendia a liberdade como um não-impedimento, ou seja, como uma faculdade de agir sem ter dificuldade pelos outros, e cada um teria liberdade quanto maior fosse o âmbito no qual podia mover-se, sem encontrar obstáculos. A concepção democrática, contudo, 40 “Locke, John – Biogr. (1632-1704). Foi educado em Oxford. Em 1660 ensinou grego e filosofia na Christ Churc dessa cidade. Mais tarde estudou medicina mas não a exerceu. Sua 1ª obra foi: Essay Concerning Toleration, sendo, porém mais conhecido por seu famoso Essay Concerning Human Understanding, iniciado em 1670 e terminado em 1690. Exerceu parte ativa na política do país e esteve envolvido em várias controvérsias sobre seus escritos que lograram grande difusão na Inglaterra e na Europa toda – É o principal representante do empirismo e materialismo inglês. Combateu o racionalismo, especialmente a doutrina da idéia nata, pois via na experiência a fonte de todo desconhecimento. Ocupou-se também da educação, cujo princípio fundamental para ele é o da formação de hábitos. As finalidades que vê no ensino são: o enrijamento do corpo (educação física); a utilidade prática (educação intelectual); e a virtude (educação moral). É considerado um dos inspiradores de Rousseau, e é grande sua influência na nova pedagogia. Como filósofo político advogou a monarquia constitucional. Além das obras citadas, publicou ainda: Two treatises of governement; Some troughts concerning education; The reasonableness; … of christianity as delivered in thr scriptures, etc.” (Dicionário Enciclopédico Ilustrado Brasileiro, op. cit., vol. 2, p. 1.861).
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entendia a liberdade como autonomia, e cada um tinha liberdade tão grande quanto maior a vontade de quem fazia as leis se identificasse com a vontade de quem deveria obedecer a essas leis. Segundo a visão liberal, o Estado correspondia tanto mais ao ideal quanto mais suas ordens fossem limitadas à liberdade do Estado. Para a democrática, o Estado era tanto mais perfeito, quanto mais suas ordens exprimissem a vontade geral, liberdade no Estado. No primeiro, o problema fundamental da liberdade coincidia com a salvaguarda da liberdade natural. No segundo, com a eliminação da liberdade natural, que era anárquica, havia a transformação em liberdade civil, que vinha a ser a obediência à vontade geral. Assim, Rousseau pensava poder conciliar a instituição do Estado com a liberdade, visando a uma liberdade que não era a desordem dos instintos, mas a participação consciente e de acordo com a lei do Estado.41 SOBERANIA POPULAR A soberania não podia ser alienada, nem representada. A vontade geral, se representada, ela era uma outra coisa, não existindo meio termo. Sendo ela, a lei, mais do que a declaração da vontade geral, o povo não podia ser representado no poder legislativo, mas podia e devia ser no poder executivo, que não passava da força aplicada à lei.42 Considerava-se que a assembleia representava o povo, 41 “Rousseau não quer ser considerado como um declamador e um sofista: conformará seus atos à suas palavras, viverá sua verdade sem se deixar influenciar pelo julgamento dos outros” (STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 49). 42 “O Soberano, em primeiro lugar, pode confiar o Governo a todo o povo ou à maior parte do povo, de modo que haja mais cidadãos magistrados do que cidadãos simples particulares. Dá-se a essa
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podendo confiar para algumas pessoas determinadas tarefas administrativas, relativas à administração do Estado. Podia revogá-las a qualquer momento, mas o povo nunca perdia sua soberania, jamais transferia para um organismo estatal separado. Os governantes eram apenas os comissários do povo. Para Rousseau, eram três as formas de governo: a) monárquico ou real; b) governo aristocrático; c) governo democrático. Essas três formas eram legitimadas, cada uma delas podendo ser guiada pela vontade geral, que era a lei, e em nenhuma delas o governo se confundia com o soberano. A democracia era o governo apoiado de insuficiência e até, se tomarmos o termo no rigor da acepção, jamais existindo uma democracia verdadeira. A democracia designava a forma de governo em que o povo em corpo não só votava as leis, mas decidia também as medidas particulares requeridas para a sua execução. O poder executivo estava unido ao legislativo. O aristocrático era o governo, confiado a um pequeno número, ou se era hereditário, vinha a ser o pior de todos os governos, ou eletivo, o melhor, pois escolhia seus membros, conduzindo os negócios com ordem e diligência. A monarquia, possuía mais vigor, pois que todas as engrenagens da máquina estavam na mesma mão, tudo forma de governo o nome de democracia. O soberano pode também confinar o Governo às mãos de um pequeno número. Finalmente, pode concentrar todo o Governo nas mãos de um único magistrado do qual todos os outros recebem seu poder. Essa terceira forma é a mais comum e se chama monarquia ou Governo real. [...] Se, nos vários Estados, o número de magistrados superiores deve estar em razão inversa à do número de cidadãos, conclui-se daí que em geral o governo democrático, convém aos Estados pequenos, o aristocrático aos médios e o monárquico aos grandes” (Livro Terceiro, Capítulo III) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. In: ROUSSEAU, JeanJacques. Os Pensadores: Rousseau, op. cit., pp. 147-8).
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se dirigindo para o mesmo objetivo, nada de movimentos opostos. As forças naturais do homem, inclusive sua liberdade natural, tinham que ser eliminadas, para que houvesse a afirmação do estado civil. Para que o homem civil, chamado de cidadão, pudesse se afirmar com sua liberdade moral e convencional, precisava retirar de si a liberdade natural, que era característica do homem na sua privacidade do estado de natureza, por conta do seu isolamento. O conflito surgia da dificuldade de separar as duas liberdades, pois que vivia no estado civil e pretendia a liberdade natural, podia se tornar um inimigo da comunidade política, pois sua atitude ameaçava sua existência.43 O autor entendia que qualquer forma de governo não convinha a qualquer país, dependendo da dimensão do mesmo44. O governo democrático era para os estados pequenos, o aristocrático, para os médios, e monarquia, para os grandes. Ele jamais aprovou o governo democrático, mas 43 “Uma outra consequência disso é que o estado de natureza não pode servir de modelo para o estado civil, nem a liberdade natural para a liberdade civil, no sentido de que cada indivíduo não pode pautarse indistintamente por uma ou por outra, independentemente do estado em que se encontra” (NASCIMENTO, Milton Meira. Reivindicar Direitos segundo Rousseau. In: QUIRINO, Célia Galvão, VOUGA, Cláudio, e BRANDÃO, Gildo Marçal. Clássicos do Pensamento Político. São Paulo: Ática, 1989, vol. I, p. 123). 44 “É um grande mal que o chefe de uma nação seja o inimigo nato da liberdade de que deveria ser o defensor. Esse mal, a meu ver, não é de tal maneira inerente a esse posto a ponto de não podermos dele isolá-lo ou, ao menos, diminuí-lo consideravelmente. Não há tentação sem esperança. Tornai a usurpação impossível a vossos reis e eliminar-lhe-eis a fantasia; e eles colocarão, em bem vos governar e vos defender, todos os esforços que fazem atualmente para sujeitarnos” (Capítulo VIII) (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerações sobre o Governo da Polônia e sua Reforma Projetada, op. cit., p. 59).
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também jamais admitiu a legitimidade de um outro soberano, senão o democrático.45 DEVANEIOS DE UM CAMINHANTE SOLITÁRIO Rousseau sempre foi um caminhante e continuou a sê-lo por toda vida, por espírito e por prática. De sua Genebra, na Suíça francesa, guardou a noção da democracia direta e da soberania do povo, com base nos princípios burgueses calvinistas, todos bastante iguais em condições econômicas e todos participando da gestão do burgo. Ao mesmo tempo ele queria se afastar do seu passado, inclusive se convertendo durante um longo tempo ao catolicismo, mas se recordava desse modo de vida nos escritos sobre democracia, igualdade e liberdade. Enquanto procurava o novo através de sua mente criativa e prolixa, refletia também sobre as virtudes da democracia direta e de seus desafios. Com dezesseis anos, amanheceu nos portões da cidade e partiu para a vida, sem nunca mais parar. Tornouse um hábito, pois as caminhadas foram sempre um prazer. Inclusive, visitou certa vez o pensador Diderot, que estava exilado em Vincennes, por seu escrito Cartas sobre os Cegos, próxima a Paris, em uma longa caminhada. Parou para descansar sobre uma árvore e acabou encontrando um exemplar do jornal Mercure de France, em que a Academia de Ciências de Dijon propunha um prêmio para quem 45 “O grande vício da democracia não é certamente a tirania e a crueldade; houve republicanos montanheses, selvagens e ferozes, mas não o espírito republicano que os fez assim, foi a natureza. [...] A multidão de cabeças se prejudica; a multidão de causas obedece a uma só cabeça, mas esta quer devorar tudo. [...] A democracia só parecer convir a um país muito pequeno e é necessário ainda que esteja situado favoravelmente” (VOLTAIRE. Democracia. In: VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Escala, 2008, p. 203).
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melhor escrevesse a resposta da seguinte proposição: “se o progresso das ciências e das artes contribui para corromper ou apurar os costumes?”. Logo entrou em transe, pela qual ficou meia hora. Quando acordou e viu que estava todo molhado de lágrimas, começou logo a tomar notas sobre o que pensara a pouco. Com a resposta que dera a Academia, acabou ganhando o primeiro prêmio e, em 1750, recebia a recompensa pelo seu texto e, com isto, a fama que lhe permitiu retornar a Paris em triunfo, depois do fracasso da primeira estada. Começou a produzir intensamente e deste período saíram suas maravilhas, como Sobre a Origem da Desigualdade, Sobre a Economia, A Nova Heloísa, O Emílio e O Contrato Social, em meio a outras obras importantes. Escrevia muita e refletia mais ainda, abrindo os caminhos para a democracia moderna e para o estado de direito, sendo o pai espiritual da Revolução Francesa, em 1789; no ano seguinte a sua morte. Depois do apogeu, veio o declínio e a vida lhe cobrou os cinco filhos que tinha deixado em orfanatos, apesar de escrever uma das mais importantes obras sobre educação e pedagogia, o panfleto acusatório foi atribuído a Voltaire. Sua vida virou, então, uma peregrinação sem fim, indo para Neuchâtel, depois para a ilha de Saint-Pierre e em seguida para Londres, sobre o abrigo do filósofo inglês David Hume, também jusnaturalista. Acabou voltando a Paris e a seus desafetos, quando começa a escrever suas obras autobiográficas e de defesa de si, como Confissões, Diálogos e Rousseau, Juiz de Jean-Jacques. Por fim veio à calma, quando passou a ter uma vida mais tranquila, no interior, em Ermenoville, com maior contato com a natureza e, com isto, com os sentimentos humanos. Dedicava seu tempo às caminhadas e às reflexões,
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diminuindo suas paranoias e lhe permitindo estar em paz consigo mesmo, depois de anos de combate intenso dentro dele e fora também. Produziu sua última obra, quase lírica, Devaneios de um Caminhante Solitário. Um pouco de si, um pouco da natureza e dos valores humanos, um pouco de um caminhante. É um texto leve e gostoso de ler, onde ele pode dizer que ainda guarda dentro de si o espírito livre de quem sempre partia para o mundo sem medo, para lhe entregar sua alma em troca do conhecimento e dos valores importantes para a humanidade.
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QUADRO DA APL
SITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2013 CADEIRA Nº 1 Patrono: José Manuel de Freitas 1º ocupante: Clodoaldo Severo Conrado de Freitas 2º ocupante: Cirilo Chaves Soares Carneviva (Padre) 3º ocupante: Esmaragdo de Freitas e Sousa 4º ocupante: Avelar Brandão Vilela (Cardeal) 5º ocupante: Alberto Tavares Silva Ocupante atual: Antônio Fonseca dos Santos Neto CADEIRA Nº 2 Patrono: Hermínio de Carvalho Castelo Branco 1º ocupante: João Pinheiro 2º ocupante: Deolindo Augusto de Nunes Couto 3º ocupante: José Expedito de Carvalho Rêgo Ocupante atual: Jônathas de Barros Nunes
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CADEIRA Nº 3 Patrono: Joaquim Sampaio Castelo Branco (Padre) 1º ocupante: Fenelon Ferreira Castelo Branco 2º ocupante: Cromwell Barbosa de Carvalho 3º ocupante: João Gabriel Baptista Ocupante atual: Jesualdo Cavalcanti Barros CADEIRA Nº 4 Patrono: David Moreira Caldas 1º ocupante: Jônatas Baptista 2º ocupante: Mário José Baptista 3º ocupante: Fernando Lopes e Silva Sobrinho 4º ocupante: William Palha Dias Ocupante atual: Wilson Nunes Brandão CADEIRA Nº 5 Patrono: Areolino Antônio de Abreu 1º ocupante: Édson da Paz Cunha 2º ocupante: José Miguel de Matos Ocupante atual: Oton Mário José Lustosa Torres CADEIRA Nº 6 Patrono: Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Aurélio de Freitas 2º ocupante: Alarico José da Cunha 3º ocupante: Petrarca Rocha de Sá Ocupante atual: Orlando Geraldo Rego de Carvalho CADEIRA Nº 7 Patrono: Anísio Auto de Abreu 1º ocupante: Higino Cícero da Cunha 2º ocupante: Raimundo de Moura Rego Ocupante atual: Humberto Soares Guimarães
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CADEIRA Nº 8 Patrono: José Coriolano de Sousa Lima 1º ocupante: Antônio Chaves 2º ocupante: Breno Pinheiro 3º ocupante: Celso Pinheiro Filho 4º ocupante: Francisco da Cunha e Silva Ocupante atual: Francisco Miguel de Moura CADEIRA Nº 9 Patrono: Alcides Freitas 1º ocupante: Lucídio Freitas 2º ocupante: Pedro Borges da Silva 3º ocupante: João Nonon de Moura Fontes Ibiapina Ocupante atual: Hugo Napoleão do Rego Neto CADEIRA Nº 10 Patrono: Licurgo José Henrique de Paiva 1º ocupante: Celso Pinheiro 2º ocupante: Antônio Monteiro de Sampaio (Monsenhor) 3º ocupante: Hindemburgo Dobal Teixeira Ocupante atual: José Elmar de Mélo Carvalho CADEIRA Nº 11 Patrono: João Alfredo Freitas 1º ocupante: Abdias da Costa Neves 2º ocupante: Benedito Martins Napoleão do Rego 3º ocupante: Fabrício de Arêa Leão Carvalho 4º ocupante: Aluízio Napoleão de Freitas Rego Ocupante atual: José Ribamar Garcia CADEIRA Nº 12 Patrono: Antônio Coelho Rodrigues 1º ocupante: João Crisóstomo da Rocha Cabral
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2º ocupante: Hermínio de Morais Brito Conde 3º ocupante: Antônio Bugyja de Sousa Brito 4º ocupante: José Maria Soares Ribeiro Ocupante atual: Wilson Carvalho Gonçalves CADEIRA Nº 13 Patrono: Joaquim Ribeiro Gonçalves 1º ocupante: Antônio Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Gonçalo Castro Cavalcanti 3º ocupante: Clidenor Freitas Santos Ocupante atual: Pedro da Silva Ribeiro CADEIRA Nº 14 Patrono: Raimundo Alves da Fonseca (Cônego) 1º ocupante: Pedro de Alcântara de Sousa Britto 2º ocupante: Carlos Eugênio Porto 3º ocupante: Ofélio das Chagas Leitão 4º ocupante: Alvina Fernandes Gameiro Ocupante atual: Altevir Soares de Alencar CADEIRA Nº15 Patrono: Antônio Borges Leal Castelo Branco 1º ocupante: Benedito Francisco Nogueira Tapety 2º ocupante: Cristino Castelo Branco 3º ocupante: Carlos Castelo Branco 4º ocupante: Benjamin do Rego Monteiro Neto Ocupante atual: Deoclécio Dantas Ferreira CADEIRA Nº 16 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante:
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Taumaturgo Sotero Vaz Raimundo Zito Baptista José Pires Rebelo Adelmar Soares da Rocha
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4º ocupante: Edgard Nogueira 5º ocupante: Petrônio Portella Nunes 6º ocupante: Zenon Rocha Ocupante atual: Eustachio Portella Nunes Filho CADEIRA Nº 17 Patrono: Raimundo de Arêa Leão 1º ocupante: Odylo de Moura Costa 2º ocupante: Odylo Costa Filho Ocupante atual: João Paulo dos Reis Velloso CADEIRA Nº 18 Patrono: Marquês de Paranaguá 1º ocupante: José Félix Alves Pacheco 2º ocupante: José Burlamaqui Auto de Abreu Ocupante atual: Herculano Moraes da Silva Filho CADEIRA Nº 19 Patrono: Antônio José de Sampaio 1º ocupante: Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Renato Pires Castelo Branco Ocupante atual: Alcenor Rodrigues Candeira Filho CADEIRA Nº 20 Patrono: Álvaro de Assis Osório Mendes 1º ocupante: Matias Olímpio de Melo 2º ocupante: Jacob Manoel Gayoso e Almendra 3º ocupante: José Camillo da Silveira Filho Ocupante atual: Raimundo José Airemoraes Soares CADEIRA Nº 21 Patrono: Leopoldo Damasceno Ferreira (Padre) 1º ocupante: Antônio Francisco da Costa e Silva
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2º ocupante: Maria Isabel Gonçalves de Vilhena Ocupante atual: Francisco Hardi Filho CADEIRA Nº 22 Patrono: Miguel de Sousa B. Leal Castelo Branco 1º ocupante: Luís de Moraes Correia 2º ocupante: José Pires de Lima Rebelo 3º ocupante: Júlio Antônio Martins Vieira 4º ocupante: Gerardo Majela Fortes Vasconcelos Ocupante atual: Nildomar da Silveira Soares CADEIRA Nº 23 Patrono: Lucídio Freitas 1º ocupante: Amélia de Freitas Beviláqua 2º ocupante: Joaquim Raimundo Ferreira Chaves (Mons.) Ocupante atual: Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz CADEIRA Nº 24 Patrono: Jonas de Moraes Correia 1º ocupante: Jonas Fontenele da Silva 2º ocupante: Jônatas de Moraes Correia 3º ocupante: Robert Wall de Carvalho Ocupante atual: Paulo de Tarso Mello e Freitas CADEIRA Nº 25 Patrono: Gabriel Luís Ferreira 1º ocupante: Simplício de Sousa Mendes 2º ocupante: Luiz Lopes Sobrinho Ocupante atual: Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior CADEIRA Nº 26 Patrono: Simplício Coelho de Resende 1º ocupante: Benjamim de Moura Baptista
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2º ocupante: Álvaro Alves Ferreira 3º ocupante: Manoel Felício Pinto 4º ocupante: João Emílio Falcão Costa Filho Ocupante atual: Magno Pires Alves Filho CADEIRA Nº 27 Patrono: Honório Portela Parentes 1º ocupante: Armando Madeira Brandão 2º ocupante: Armando Madeira Basto 3º ocupante: José Eduardo Pereira 4º ocupante: José Lopes dos Santos Ocupante atual: Reginaldo Miranda da Silva CADEIRA Nº 28 Patrono: Luísa Amélia de Queirós Brandão 1º ocupante: Elias de Oliveira e Silva 2º ocupante: José Vidal de Freitas Ocupante atual: Manfredi Mendes de Cerqueira CADEIRA Nº 29 Patrono: Gregório Taumaturgo de Azevedo 1º ocupante: José de Arimathéa Tito 2º ocupante: José de Arimathéa Tito Filho 3º ocupante: João Porfírio de Lima Cordão Ocupante atual: Afonso Ligório Pires de Carvalho CADEIRA Nº 30 Patrono: Deolindo Mendes da Silva Moura 1º ocupante: Antônio Bona 2º ocupante: Cláudio Pacheco Brasil Ocupante atual: Álvaro Pacheco
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CADEIRA Nº 31 Patrono: João Crisóstomo da Rocha Cabral 1º ocupante: Artur de Araújo Passos 2º ocupante: José Patrício Franco Ocupante atual: Júlio Romão da Silva CADEIRA Nº 32 Patrono: Antonino Freire da Silva Ocupante atual: Raimundo Nonato Monteiro de Santana CADEIRA Nº 33 Patrono: Abdias da Costa Neves 1º ocupante: Wilson de Andrade Brandão Ocupante atual: Nelson Nery Costa CADEIRA Nº 34 Patrono: Anísio de Brito Melo 1º ocupante: Odilon Nunes 2º ocupante: Cláudio Melo (Padre) 3º ocupante: José Magalhães da Costa Ocupante atual: Zózimo Tavares Mendes CADEIRA Nº 35 Patrono: Antônio Alves de Noronha Ocupante atual: Maria Nerina Pessoa Castelo Branco CADEIRA Nº 36 Patrono: Vicente de Paulo Fontenele Araújo 1º ocupante: Darcy Fontenele Araújo 2º ocupante: Josias Carneiro da Silva 3º ocupante: José de Ribamar Oliveira Ocupante atual: Francisco de Assis Almeida Brasil
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CADEIRA Nº 37 Patrono: Heitor Castelo Branco 1º ocupante: Emília Castelo Branco de Carvalho 2º ocupante: Emília Leite Castelo Branco Ocupante atual: Heitor Castelo Branco Filho CADEIRA Nº 38 Patrono: João Francisco Ferry Ocupante atual: Manoel Paulo Nunes CADEIRA Nº 39 Patrono: José Newton de Freitas Ocupante atual: Celso Barros Coelho CADEIRA Nº 40 Patrono: Mário Faustino dos Santos e Silva 1º ocupante: João Coelho Marques 2º ocupante: Salomão Azar Chaib Ocupante atual: Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati
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ANTIGUIDADE DOS ACADÊMICOS DE ACORDO COM O INGRESSO NA ACADEMIA QUADRO EM 31 DE DEZEMBRO 2013 CADEIRA ACADÊMICOS 35 39 38 32 18 17 6 25 24 09 28 07
POSSE
Maria Nerina Pessoa Castelo Branco Celso Barros Coelho Manoel Paulo Nunes Raimundo Nonato Monteiro de Santana Herculano Moraes da Silva Filho João Paulo dos Reis Velloso Vaga Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior Paulo de Tarso Mello e Freitas Hugo Napoleão do Rego Neto Manfredi Mendes de Cerqueira Humberto Soares Guimarães
19/12/1966 29/05/1967 28/08/1967 18/12/1967 01/05/1980 31/08/1984 05/03/1986 06/03/1987 20/05/1988 10/12/1988
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21 08 16 30 15 37 40 12 26 19 36 14 22 02 13 05 33 34 29 20 27 11 23 10 01 03 04 15 31
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Francisco Hardi Filho 07/08/1989 Francisco Miguel de Moura 30/10/1990 Eustachio Portella Nunes Filho 08/08/1991 Álvaro Pacheco 28/01/1994 Benjamin do Rego Monteiro Neto (faleceu) 03/03/1994 Heitor Castelo Branco Filho 20/05/1994 Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati 26/08/1994 Wilson Carvalho Gonçalves 10/02/1995 Magno Pires Alves Filho 25/10/1995 Alcenor Rodrigues Candeira Filho 15/03/1996 Francisco de Assis Almeida Brasil 09/08/1996 Altevir Soares de Alencar 13/06/2000 Nildomar da Silveira Soares 27/09/2000 Jônathas de Barros Nunes 22/11/2000 Pedro da Silva Ribeiro 08/02/2001 Oton Mário José Lustosa Torres 05/04/2001 Nelson Nery Costa 30/10/2001 Zózimo Tavares Mendes 10/12/2002 Afonso Ligório Pires de Carvalho 27/06/2003 Raimundo José Airemoraes Soares 12/08/2004 Reginaldo Miranda da Silva 18/10/2006 José Ribamar Garcia 15/03/2007 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz 05/10/2007 José Elmar de Mélo Carvalho 21/10/2008 Antônio Fonseca dos Santos Neto 02/03/2010 Jesualdo Cavalcanti Barros 06/08/2010 Wilson Nunes Brandão 14/08/2012 Deoclécio Dantas Ferreira 18/08/2012 Homero Ferreira Castelo Branco Neto 20/06/2013
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SÓCIOS DE DIVERSAS CATEGORIAS SÓCIOS CORRESPONDENTES 1970 – 1982 Ribeiro Ramos (CE) Afonso Pereira da Silva (PB) Manoel Rodrigues de Melo (RN) Lothar Hessel (RS) Paulo Klumb (Santa Maria-RS) Manoel Caetano Bandeira de Melo (RJ) Alípio Mendes (Angra dos Reis-RJ) João Aragão (Nilópolis-RJ) Aristheu Bulhões (Santos-SP) Benedito Cleto (Sorocaba-SP) Elza Meireles (Mogi das Cruzes-SP) Mário Pires (Campinas-SP) Djalma Silva (GO) Nereu Corrêa (SC)
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Enéas Athanázio (Blumenau-SC) Oliveira Melo (Patos de Minas-MG) Vasco José Taborda (PR) Teresinka Pereira (Boulder-EUA) Cândido Carvalho Guerra (Corrente-PI) João Lindemberg de Aquino (Crato-CE) 1985 João do Rego Gadelha (Belém-PA) 1988 Tobias Pinheiro (Rio de Janeiro-RJ) Gerardo Mello Mourão (Rio de Janeiro-RJ) 1992 Cassiano Nunes (Brasília-DF)
1994 Jorge Medauar (São Paulo-SP) 1995 Maria Aparecida de Mello Calandra (Mogi das Cruzes-SP) 22.01.1998 Jorge Lima de Moura (Palmas-TO) 03.10. 1998 Cleá Rezende Neves de Mello (Brasília-DF) SÓCIOS HONORÁRIOS 1918 Rui Barbosa 1927 Leonardo Mota
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1970 – 1984 E. D’Almeida Vitor Lycurgo de Castro Santos Filho Maria Yêda Caddah Theobaldo Jamundá Haroldo Amorim Rego Nelson Carneiro 08.05.1993 Raul Furtado Bacellar 1994 Virmar Ribeiro Soares Geraldo Fontenelle 04.05.1996 Vicente Ribeiro Gonçalves – (Post mortem) 22.01.1998 Tobias Pinheiro Filho Raimundo Alonso Pinheiro Rocha Edson Raymundo Pinheiro de Sousa Franco Alvacir dos Santos Raposo Filho Tomaz Gomes Campelo Humberto Costa e Castro João Costa e Castro Ademar Bastos Gonçalves José Pires Gayoso de Almendra Freitas Eurípides Clementino de Aguiar – (Post mortem) Joacil de Britto Pereira Dimas Ribeiro da Fonseca Arassuay Gomes de Castro 30.01.2008 José Elias Martins Aréa Leão
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SÓCIOS BENEMÉRITOS Leônidas de Castro Melo Dirceu Mendes Arcoverde Bernardino Soares Viana 05.03.1994 Antônio de Almendra Freitas Neto Raimundo Wall Ferraz Robert de Almendra Freitas Álvaro Brandão Filho Charles Carvalho Camillo da Silveira José Moacy Leal Moisés Ângelo de Moura Reis José Elias Martins Arêa Leão Carlos Burlamaqui da Silva José Elias Tajra Jesus Elias Tajra Filho Edilson Viana de Carvalho 22.01.1998 Jesus Elias Tajra João Claudino Fernandes Paulo Delfino Fonseca Guimarães 23.01.2000 Antônio Rodrigues da Silva José Osmando de Araújo Vieira 24.01.2004 Álvaro Freire Aerton Cândido Fernandes 24.01.2006 Antonio Dib Tajra
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Stanley Fortes Baptista Antonio Machado Barbosa Francisco das Chagas Campos Pereira Maria Célia Portella Nunes Danilo Damazio da Silva 30.01.2008 Maria de Lourdes Leal Nunes Brandão Cláudia Maria de Macêdo Claudino Júlio César de Carvalho Lima Osmar Ribeiro de Almeida Júnior
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PERSONALIDADES AGRACIADAS COMENDA DO MÉRITO CULTURAL “LUCÍDIO FREITAS” 21.01.1993 Antônio de Almendra Freitas Neto José Sarney Antônio Houaiss Hugo Napoleão do Rego Neto Murilo Hingel Marcus Acioly Álvaro Pacheco Francisco das Chagas Caldas Rodrigues Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco Cláudio Pacheco Brasil Raimundo Wall Ferraz Milton Nunes Chaves
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Jesualdo Cavalcanti Barros Octávio Miranda Heráclito Sousa Fortes Domingos Carvalho da Silva Eloi Portela Nunes Sobrinho Clidenor Freitas Santos José Elias Martins Arêa Leão Moaci Ribeiro Madeira Campos José Gomes Campos Maria Yêda Caddah Afrânio Pessoa Castelo Branco José de Arimathéa Tito Filho – Post mortem 08.05.1993 Lauro Andrade Correia 12.11.1993 Maria Cecília da Costa Araújo Mendes Niède Guidon 07.05.1994 Charles Carvalho Camillo da Silveira 08.10.1994 Afonso Ligório Pires de Carvalho 11.12.1995 Alberto Vasconcellos da Costa e Silva 30.03.1996 Lucídio Portella Nunes 26.09.1996 José Ribeiro e Silva
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16.11.1996 Antenor de Castro Rego Filho 23.05.1997 Joacil de Britto Pereira 24.05.1997 Pedro Leopoldino Ferreira Filho 22.01.1998 Francisco de Assis de Moraes Souza Gerardo Juraci Campelo Leite José Luiz Martins de Carvalho Dom Miguel Fenelon Câmara Firmino da Silveira Soares Filho Agenor Ribeiro Artur Eduardo Benevides Clóvis Olinto de Bastos Meira Jomar da Silva Moraes 19.11.1998 Francisca das Chagas Trindade 13.01.2000 Francisco de Assis Almeida Brasil 24.02.2000 Clóvis Moura 30.03.2000 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
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25.05.2000 Manoel Paulo Nunes Cassiano Nunes 27.07.2000 Paulo Bonavides 15.08.2000 Cristovam Buarque 05.09.2000 Eduardo de Castro Neiva Júnior 28.09.2000 Washington Luís de Sousa Bonfim 07.11.2000 Éverton dos Santos Teixeira 26.04.2002 Banco do Nordeste do Brasil, S.A. 19.11.2003 Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy 26.01.2008 Raul Wagner Veloso 30.01.2008 José Wellington Barroso de Araújo Dias Sílvio Mendes de Oliveira Kleber Dantas Eulálio Antonio Rodrigues de Sousa Neto Luiz de Sousa Santos Júnior
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Felipe Mendes de Oliveira José Reis Pereira Sônia Maria Dias Mendes Antonio Soares Batista Cineas das Chagas Santos Maria Conceição Soares Meneses Instituto Dom Barreto Diva Maria Freire Figueiredo Raimundo Aurélio Melo Enéas Athanázio Doralice Andrade Parentes Maria do Socorro Rios Magalhães Paulo Delfino Fonseca Guimarães Danilo Damásio da Silva Valmir Miranda Segisnando Ferreira de Alencar Jesus Elias Tajra José Elias Tajra José de Arimatéia Azevedo
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