Revistao 2010 ok

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ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS


ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Presidente Reginaldo Miranda da Silva Vice-Presidente Raimundo Nonato Monteiro de Santana Secretário-Geral Oton Mário José Lustosa Torres 1º Secretário José Elmar de Mélo Carvalho 2º Secretário Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Tesoureiro Manoel Paulo Nunes


REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS N° 68 - ANO XCIII - 2010

CASA DE LUCÍDIO FREITAS


REVISTA DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Dezembro de 2010 Ano XCIII – Nº 68 Comissão de Redação Celso Barros Coelho Francisco Miguel de Moura Humberto Soares Guimarães Nildomar da Silveira Soares Oton Mário José Lustosa Torres Organização Vera Lúcia Rocha Sales Digitação Isis Pinto do Nascimento Soares Diagramação Raimundo Araújo Dias raimundoad@yahoo.com.br Fone: 8838-5570 Impressão Gráfica e Editora Uruçuí Revista da academia piauiense de letras. – Ano XCIII, n. 68 (jul./2010) – Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2012. 254 p. v. : il.; 21 cm. Anual ISSN 2236-5036 1. Literatura – Periódicos 2. Literatura Brasileira 3. Literatura Piauiense. CDD 805 ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Av. Miguel Rosa, 3300-Sul Cep: 64001-490 - Teresina-PI Fone/Fax.: ( 0**86) 3221-1566 site: www.academiapiauiensedeletras.org.br e-mail: acadpi@ig.com.br


SUMÁRIO 1. VIDA ACADÊMICA

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1.1. Discurso de Posse do Acadêmico Antonio Fonseca dos Santos Neto

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1.2. Discurso de Recepção de Antônio Fonseca Neto – M. Paulo Nunes

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1.3. Discurso de Posse do Acadêmico Jesualdo Cavalcanti Barros

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1.4. Discurso de Recepção ao acadêmico Jesualdo Cavalcanti Barros – Oton Lustosa

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2. CONFERÊNCIAS 2.1. Amélia Beviláqua e a Escrita Feminina no Brasil – Teresinha Queiroz

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2.2. Joaquim Nabuco e o Pioneirismo da “Inclusão Social” – Dagoberto Carvalho Jr. 109 3. LANÇAMENTO DE LIVROS

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3.1. Valores, Amores e Sabores – Celso Barros Coelho 129 4. COLABORAÇÃO

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4.1. Escola Patética – Humberto Soares Guimarães

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4.2. Conversas Silenciosas – Maria Helena Ventura

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4.3. Uma Obra Quase Biográfica – Deolinda Marques 157 4.4. “Mensagem Poética” – A Obra de Almir Fonseca – Hardi Filho 165


4.5. O Valor do Verso – Teresinka Pereira, Presidente 169 da IWA 4.6. Falando Francamente – Francisco Miguel de 175 Moura 4.7. Vultos da História do Piauí - Ouvidor Moraes 181 Durão – Reginaldo Miranda 4.8. Palestra proferida na Academia Piauiense de Letras – Antônio de Lisboa Mello e Freitas 225 5. QUADRO DA APL 5.1. Situação em dezembro de 2010

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5.2. Antiguidade dos Acadêmicos de Acordo com o Ingresso na Academia - Quadro em 31 de dezembro de 2010 241 5.3. Sócios de Diversas Categorias

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5.4. Personalidades Agraciadas com a Comenda do 249 Mérito Cultural “Lucídio Freitas”


NOSSA REVISTA A história de nossa revista bem retrata a trajetória quase secular da Academia Piauiense de Letras, dizendo de seus momentos de maior culminância, bem como daqueles em que sofreu na planície das necessidades mais comezinhas. Fundado o nosso sodalício em 30 de dezembro de 1917, com inauguração oficial em 24 de janeiro seguinte, não tardou a divulgar a sua revista com a intenção de fazêla semestral, solenemente lançada em junho de 1918. As dificuldades não são de hoje. Já naquele primeiro número o secretário-geral João Pinheiro as menciona e diz dos objetivos da revista que se lançava, assim anotando: “Apesar de todas as dificuldades, sobretudo de caráter econômico, empreendemos esta publicação, destinada, principalmente, a difundir o gosto das boas letras e dos estudos de história e de geografia do Piauí, de que tanto carecemos. O nosso olvido pelas cousas piauienses concorre para que sejamos esquecidos dentro do país, de forma que os geógrafos e historiadores cometem os erros mais grosseiros sempre que se referem à nossa terra, tão pouco amada de seus filhos”.

O preclaro fundador, ainda anota em sua Advertência inicial: “A fundação da Academia de Letras e a publicação desta Revista visam chamar a atenção dos entendidos para o estudo de quanto nos possa interessar, de seus homens, de suas cousas, tanto quanto estiver ao alcance das nossas forças”.

Felizmente, desse objetivo não se desvirtuou essa casa de cultura, ainda hoje seguindo os princípios norteados pelos eminentes fundadores. Todavia, a divulgação da revista bem demonstra


as dificuldades econômico-financeiras de nossa instituição cultural. Com exceção do ano de 1920, a revista teve publicação regular até o ano de 1929, publicando edições dobradas nos anos de 1923, 1924 e 1927. Depois de seis anos inativa, volta à estampa em 1936 com a edição n.º 15, seguindo regularmente até o ano de 1939, com uma edição anual. Os anos de 1940 e 1941 foram difíceis, apresentandose ao público novamente nos anos de 1942 e 1943, com as edições n.º 19 e 20. Desde então, uma apatia se abateu sobre os nossos intelectuais, quase não se reunindo e priorizando outras atividades literárias. Entre os anos de 1944, inclusive, e 1972 apenas uma edição da revista foi publicada em 1962, a 21ª. Somente com a revigoração da Academia em 1967, quando completou cinquenta anos de fundação e foram ampliadas as cadeiras de trinta para quarenta, trazendo novos membros, a mocidade de então, bem como a posterior assunção à presidência do notável Arimathéa Tito Filho, foi que a edição da revista voltou a ser priorizada. Em 1972, 55º ano de sua fundação, a Academia retoma a publicação de sua revista, que segue regularmente até à atualidade. Quando assumimos a direção do sodalício a publicação estava atrasada, dependendo da execução de convênio com a Universidade Federal do Piauí(UFPI). Embora tenha havido sugestões de lançar edições referentes a mais de um ano, a fim de atualizar com maior facilidade a Revista, preferimos manter as edições anuais, como manda o novo Estatuto. Em menos de dois anos e meio de gestão, estamos publicando sete edições da revista, apenas duas por aquele convênio, as demais com recursos próprios. É que pensamos como os fundadores, que uma casa de cultura não pode bem viver sem uma boa publicação. O ano 2010 foi profícuo. Diversas atividades


foram desenvolvidas na Academia Piauiense de Letras. Promovemos palestras e debates, recebemos inúmeras delegações de professores e alunos, lançamos livros. Enfim, o sodalício cumpre o seu desiderato de promover o desenvolvimento da cultura em nosso Estado. Parte dessas atividades está expressa na presente edição que ora vem a público. Boa leitura! Reginaldo Miranda Presidente da Academia Piauiense de Letras



VIDA ACADÊMICA



DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO ANTONIO FONSECA DOS SANTOS NETO

A CADEIRA UM E SEUS OCUPANTES [Saudações aos componentes da Mesa de Honra... E mais, ao advogado e acadêmico Celso Barros Coelho, meu professor no curso de Direito da Ufpi; padre Tony Batista, representando a Arquidiocese de Teresina, designado por sua Excelência Reverendíssima, dom Sérgio da Rocha, que pessoalmente nos comunicou sua viagem nesta data; ao advogado Sigifroi Moreno, presidente da seccional piauiense da OAB; à Sônia Terra, presidente da Fundac, Fundação Cultural do Estado; professora Izália Lustosa Nogueira, ex-diretora do Colégio Agrícola de Teresina; professor Cineas Santos, presidente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves; professor Pedro Vilarinho Castelo Branco, Diretor do CCHL/Ufpi; professora Verônica Maria Pereira Ribeiro, chefe do Departamento de Geografia e História da Ufpi; professor Wellington Soares, secretário de comunicação governamental; pessoal do Cerimonial do Palácio de Karnak, na pessoa de sua Diretora, jornalista Mara Beatriz Raulino]1 .

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As expressões entre colchetes foram aditadas de improviso sobre a leitura do discurso.

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Esta é uma típica festa das letras. De letras estamos falando o tempo todo, e delas, com elas, vamos falar muito hoje e, quem sabe, por muito tempo -a Academia é de Letras e elas são, entre muitos, um meio promovente dos vários sentidos de imortalização de que cuida este ato.

Concedam-me, pois, o direito de fazer uma muito breve narrativa inicial em que as letras são protagonistas centrais. Uma narrativa de caráter pessoal, mas não tanto assim. Lá na virada do ano de 1959 para 60, na Passagem Franca onde nasci - e eu ia fazer sete anos - tínhamos lá na rua do Grajaú um carpinteiro vizinho, “seu” Leandro Alves Feitosa, e a ele minha mãe Itelvina encomendou 23 tabicas de cedro nas quais escreveu, graúdas, as 23 letras do alfabeto. Deu-me ela em seguida como tarefa conhecê-las e ordenálas. Não passou muito tempo e todas as letras eram já minhas conhecidas e até as citava de cor. Precisava então aprender a soletrar. Assim, aprendidas essas lições primeiras, fui para o Jardim de Infância, e já aí com a “Carta de ABC”, para aperfeiçoar o be-a-bá. E para encurtar a conversa, digo que nada mais que isso é o que venho fazendo até hoje, nas vagas do mundo. Essa minha primeira escola tinha e tem ainda o nome de “Getúlio Vargas” - “escolinha dos pés descalços” [lembra delas senhor Secretário de Educação, caríssimo professor Antonio José?] - e aquela que foi a minha primeira professora de escola, chama-se Eurides Borges [felizmente ainda viva e muito bonita, residindo em São Luís do Maranhão]. Vagando ainda pelos caminhos do mundo em busca do gosto das letras, devo distinguir e homenagear duas figuras muito interessantes da minha terra, que, por primeiro, ainda na estação dos meus 12 aos 16 anos, em mim

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descobriram certa queda à leitura mais aplicada. Cito com especial satisfação a Nelson Porto e Faustino Pinheiro, dois homens letrados, dos mais letrados da terra, conhecidos leitores e assim tidos entre as pessoas mais atualizadas da cidade; eram advogados provisionados. Nelson, que já o alcancei em idade avançada, vez por outra, chamavame a sua casa para conversar coisa séria: política; adorava política. Faustino, nosso meio vizinho, mandava-me jornais que recebia de S. Luís (indicava matérias, instigava que as lesse). Ambos tinham sido prefeitos da cidade, naquele tempo uma função extremamente honrosa e assim muito respeitada por quem a exercia: esta percepção é de uma criança e adolescente naquele cenário -seria impensável uma criança ouvir pelas ruas que o prefeito de sua cidade era, por exemplo, um ladrão, um desonrado. E é também nesse tempo que fui convidado pelo amigo de escola Josemar do Júlio para substituí-lo nas funções de acólito nas atividades da igreja paroquial local, muito animada com a chegada de um jovem e dinâmico pároco, Vicente de Paulo Britto, figura singular, de notável traquejo intelectual, já um famoso orador sacro, vindo de Caxias e Pastos Bons. Tem ele influência decisiva na constituição do meu doce vício por leitura: certo dia pegou um livro-romance de Machado de Assis de uma coleção da estante do escritório paroquial e colocou-me em mãos, dizendo mais ou menos isto: “leia, vai treinando e embatina de seminarista. Professora Clóris tinha um primo, que era também seu cunhado, José Sérgio dos Reis Jr., um escritor conterrâneo com livros publicados e homem de muita projeção e muito amor à terra passagense e a seus conterrâneos. E quando ele voltava a nossa cidade saía ela com ele de sala-em-sala nas escolas, apresentando-o como seu parente, “filho ilustre da terra” e exemplo para

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a mocidade [lembro com especial satisfação esse homem notável, autor do livro “Minha Terra e Minha Gente”, estando aqui nesta noite presente um sobrinho seu, meu estimado professor do curso de Direito, Adélman de Barros Villa]. Outras experiências foram fundamentais no percurso em que me fiz leitor: em Colinas, onde estudei o ginasial, com o padre José Manuel de Macedo Costa, educador exponencial; depois aqui em Teresina, o ensino médio, e a universidade. E neste cometimento reverencio meus professores de Língua e Literatura, já aqui em Teresina, Josias Soares Batista e Luiz Ubiraci de Carvalho, entre outros. A todas essas pessoas - e há outras muito inspiradoras nesse sentido de me tornar sabido pelas letras desde o solo de nascença - minhas homenagens nesta hora solene, assim tão marcante em nossa vida e na vida de qualquer pessoa. E faço um aceno reverencial a Wilson Moreira de Sousa, Aureliano Raimundo de Souza, Alice Cardoso Saraiva, Mundiquinho Saraiva, Salustiano Francisco de Araújo, o Badu, nosso notável lavrador-historiador, uma espécie de oráculo da cidade da Passagem [e na referência a nosso Badu, com vários parentes seus aqui presentes, entre eles a professora Maria dos Santos Araújo, quero abraçar de maneira muito especial aos conterrâneos - incluindo patoenses - que vieram para este ato, presença expressa na faixa colada ao fundo: “PASSAGEM FRANCA cumprimenta seu filho ilustre”]. [Senhoras acadêmicas e senhores acadêmicos] Sabeis antes de mim que o regramento deste rito de posse impõe fazer a quem chega a evocação do patrono e do último ocupante da cadeira. E o faremos desde já. E o faremos também [sem levar esta Assembleia ao cansaço extremado] em relação aos demais ocupantes e imortalizados nas

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colações dessa cadeira emblemática, por assim dizer entre os signos da economia das trocas justamente simbólicas [fazendo paráfrase imperfeita de rompante filosofal de P. Bourdieu], que incumbe agitar nesta oportunidade única. Única, claro, e inexcusavelmente única para mim que nela assentarei, porque outra movimentação do tipo nela não se prevê antes que o sentado de hoje esteja assentado do outro lado do mistério. Esta sessão foi aberta há pouco com a audição de dois hinos. Um, o hino oficial do Piauí; o outro, um hino, diríamos que profano, que canta o Piauí da experiência cotidiana, entre lendário e real. E comum em ambos, ouvimos cantar e cantar-se o rio Parnaíba, rio dos maiores encantos desta região, há alguns séculos utilizado para marcar os limites entre o Maranhão e o Piauí. Todo grande rio e do mesmo jeito qualquer brotação de água nova, são, aquele e esta, constituintes das comunidades humanas e de outros viventes, porque água é vida, ainda que no mais das vezes não demonstremos saber disso. Assim é o rio Parnaíba. O Piauí tem sua organização social erguida a partir dos elementos estruturantes ensejados por ele e sua imensa bacia capilarizada em vasto território. O Piauí é filho de sua ribeira direita. E o Maranhão da esquerda. Nele confluem e descem tranquilos outros rios de histórias. Estas, muitas delas, mui pertinentemente boas de serem contadas agora quando recordamos José Manuel de Freitas, Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, Cirilo Chaves Soares Carneviva, Esmaragdo de Freitas e Sousa, Avelar Brandão Vilela e Alberto Tavares Silva; quando falamos dos sertões nutridos por suas águas formando consórcios físicos e culturais que marcam em profundidade muitos dos sentidos do viver por perto de várzeas e chapadas, contemplando a beleza divinal de nossa serrania sertã que pinga por olhos

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d’água chorões de encanto - e que se vão secando pela ímpia agressão do interesse lucrativo e do enriquecimento fácil de poucos. Esta Cadeira 1 parece uma metáfora sobre o rio Parnaíba, bacia em cujas águas germinaram, em cruzamentos e caldeações, “rio abaixo e rio arriba”, as elaborações culturais dos viventes de ambos os lados. Viventes da mesma gente: os maranhenses e os piauienses são indistintos, especialmente os que são banhados desse Parnaíba Grande dos Tapuias. E ainda mais os do Maranhão do sertão que os do Maranhão do mar [registre-se por oportuno que o acadêmico M. P. Nunes, que na sequência encherá este ato de sabedoria, é um desses filhos de mista ascendência, sendo sua avó paterna a professora Florinda Teixeira Nunes, lá do Mirador, casada com Severino José Teixeira, ativo advogado do fórum da nossa Passagem Franca oitocentista]. José Manuel de Freitas, o patrono, nasceu em Jerumenha em 1832. Jerumenha está pertinho da barra do rio Gurgueia com o Parnaíba, colada à Passagem da Manga, unidade geofísica e humana com os “sertões dos pastos bons”. Clodoaldo Freitas e Esmaragdo Freitas são dessa família da Jerumenha, tendo nascido Clodoaldo num Retiro da antiga Oeiras e Esmaragdo no município da Manga, hoje Floriano - Passagem da Manga que é a mais remota travessia sertaneja sobre o Parnaíba, fundada por sesmeiros da Casa da Torre ainda no final do Seiscentos. Já os Fonseca, dentre os quais nasceu este novo ocupante, tem raízes alinhavadas nessa trissecular cidadela da Jerumenha de Santo Antonio de Pádua do Gurgueia, insistindo em sua memória o nome da avoenga Cândida da Fonseca. Fonseca que estão derramados por todo o médio Parnaíba, desde o tempo do Julgado de Pastos Bons, com seus cemitérios velhos em Passagem

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Franca [no Canto do Flor, hoje município da Lagoa do Mato] e São Francisco do Maranhão [primitiva Passagem adentrante dos sertões verdes do Maranhão, lugar de nascimento de minha mãe Itelvina Fonseca]. Padre Cirilo Chaves nasceu em Fortaleza, no Ceará. Sua mãe, Vitorina Chaves, era maranhense de Caxias. Estudou desde o Seminário Menor em Teresina; depois foi concluir estudos em Olinda, voltando para ser ordenado aqui, desse tempo em diante servindo junto a dom Otaviano de Albuquerque, como secretário do bispado. Pároco da Freguesia do Amparo, com passagem pela Freguesia de Natal, hoje Monsenhor Gil. Dom Avelar Brandão Vilela veio de mais longe. Era um viçosano das Alagoas, vindo para cá após passar por Sergipe e Pernambuco, terra esta última pela qual também passaram, antes, Cirilo, e todos os Freitas da Cadeira 1 e de outras cadeiras desta APL. Com o Maranhão, transpondo o rio Punaré, em Teresina, em mão dupla, convém registrar, que o laço forte do arcebispo de Teresina foi terçado com a figura luminosa do cônego Delfino da Silva Júnior, de Timon, em jornadas memoráveis lá e cá no tempo em que uma ditadura miserável atormentava o Brasil dos bons filhos da pátria [e aqui presente uma figura do tempo de Delfino, muito próxima dele, o eminente Nicolau Waquim]. Alberto Silva, nascido em São João da Parnaíba, claro, é filho desse rio quando ele se deixa esquartejar em Delta e se jogar, em tímidas pororocas, dentro do mar-oceano. Alberto viveu já neste tempo em que mais apressadamente vai morrendo o rio Parnaíba; intentou reanimá-lo; elaborou mil ideias para salvá-lo, sustentavelmente; debalde. A Cadeira 1 está repleta de bacharéis em Direito e padres. José Manuel, Clodoaldo e Esmaragdo, três

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desembargadores Freitas -o da rua da zona norte de Teresina é homenagem ao primeiro, José, mas bem que poderia estender-se a honraria aos três juristas. Juristas, sim. José Manuel de Freitas é um dos mais notáveis piauienses, formado na Faculdade do Recife, turma de 1858. Magistrado, poeta juvenil, político e chefe do partido liberal no Império: desembargador; governador (presidente provincial) do Maranhão e de Pernambuco; Piauí governou por pouco tempo na função de vice-governador em exercício: antes fora juiz e promotor, no Maranhão, Piauí e Pernambuco; em Caxias, São Luís, Rosário, Parnaguá, Piracuruca, Recife; deputado provincial e geral. Deixou publicadas obras jurídicas de valor. Parte de sua militância, tal era comum, faz-se pelas folhas dos jornais -à época, armas ferozes dos embates e conflagrações interpartidários. Clodoaldo Freitas, que fez sobre ele importante memorial, permitindo que os pósteros dele conhecessem a essência do caráter, lembra que o tio liderou o Liberal piauiense em tempo de muita ascendência e vigor desse partido no Piauí, também o tempo em que passou tal partido “pela decepção de ver um dos seus caros irmãos assassinado dentro da Igreja do Amparo [...] e muitos feridos, presos, e espancados nas mais diversas freguesias da província em honra e glória do voto livre, acentuou-se” (aqui seguindo recorte da professora Ivone Matos, em “Cadeira 1”, p. 11/12); [Ivone que por anos serviu com muita dedicação à secretaria da APL, agora nos honrando com sua distinta presença]. Mas é como juiz que José Manuel de Freitas inscreve uma página notável da magistratura brasileira: segundo Arimateia Tito Filho, em depoimento à APL, foi ele o primeiro juiz do Brasil a recusar a aplicação das penas de castigos corporais ao cativo -reinterpretando o art. 60 do Código Criminal do Império, à luz da lei abolicionista de

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28 de setembro de 1871, que dera ao escravo personalidade jurídica. Nesse passo, José Manuel atrai sobre si a ira do patronato agrário escravista e não deu outra: é punido com uma remoção odiosa para os confins do Goiás -uma suspeita promoção a desembargador da Relação de Goiás, a chamada “queda pra cima”, segundo traços biográficos profusos (Cláudio Bastos, “Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí”, p. 232). Isto teria determinado sua morte, em 1887, em Recife. Acrescenta Tito F°, a propósito, que “seus belos sentimentos humanitários repeliram o cumprimento da pena degradante”. Toda a crônica sobre sua vida dá conta de que era um homem probo, além de leal e destemido, a exemplo de Avelar que, assumindo ontem tal hoje esta cadeira, dele disse que JMF “não perdeu o senso comum, não vilipendiou a verdade e a justiça, não postergou os postulados morais, mas, muito pelo contrário, foi fiel à causa pública, glorificou a magistratura ...” (I.M., p. 14/15). José Manuel de Freitas leva em seus itinerários o Piauí da sua Jerumenha de nascença. Veja-se estes versos evocando o vaqueiro: “Ai que vida que passa na terra, Quem o leite das vacas bebeu! Quem, cantando num dia de ferra, Vê-se dono do gado que é seu! Quem um gozo quiser verdadeiro, É fazer-se uma vez de vaqueiro” [I. M., 10]. É importante realçar que José Manuel de Freitas é também figura notável por sua filha, Amélia Carolina de Freitas, depois Beviláqua, uma vez casada com o famoso Clóvis, civilista dos maiores. Recorde-se que Amélia foi a

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primeira mulher que teve assento nesta Academia, cadeira 23, hoje ocupada com muita distinção por Teresinha Queiroz [minha querida amiga, colega de Departamento na Ufpi, referência das maiores da presente geração de historiadores em nosso meio]. E por curiosidade e sobretudo pelo didatismo e aprendizado de cidadania que revela, lembro que Amélia também é a primeira mulher a tentar entrar na Academia Brasileira de Letras -seu nome foi recusado por um machismo atroz que leu o Regimento e ali estava que somente poderiam inscreverem-se “os brasileiros”. E ela era uma brasileira, portanto, não podia. Perdeu, com o charme de ter o mais famoso advogado do Brasil a seu encargo, o próprio Clóvis Beviláqua, esposo dedicado. Clóvis Beviláqua, genro, ajudou a divulgar a obra de José Manuel. Para registro desse emaranhado de Freitas jerumenhos descendo os sertões para o Maranhão do mar, diga-se mais que José Manuel tinha um irmão, igualmente desembargador, que servira ao estado vizinho: Jesuíno José de Freitas. Já o primeiro ocupante desta 1, Clodoaldo Freitas, é figura exponencial. É um dos fundadores desta Academia e o seu primeiro presidente. Diga-se logo desde já que é também um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras. Para os efeitos de uma apresentação breve como aqui se requer, desse homem que tem uma das mais densas biografias entre as de qualquer piauiense - e logo veremos porque o digo basta dizer que ele fulmina os ares de seu tempo como um cometa de luz alvissareira, parteiro de esperanças e que deixa rastilhos cintilantes quais sementes viçosas com bagas de ânimo aos que nunca quiseram se render às armadilhas, perversões, do mundo. Intelectual militante aspergindo sua fecunda poligrafia, escreve profusamente; na aproximação possível, pode-se dizer que pontifica a partir da região social e política onde estão os liberais naquele tempo de passagens

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do Império à República; faz da caneta, tingindo as folhas dos jornais de imprensa, com sua palavra e ideia claras como raios incandescidos, um totem vingador contra a tirania das estruturas de muita espécie de misérias. Promotor e juiz por esse Brasilão, tal o tio José Manuel -já se disse-, serve em vários estados, em comarcas as mais distantes, do Piauí ao Pará, do Maranhão a Minas Gerais e por outros lugares mais. Quando falece em 1924, era desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Sua escritura é vasta, e variada, que o qualifica como historiador, romancista, filósofo, poeta. Polemista genuíno é o que é, profundo - tem os arranques da Escola do Recife movendo sua alma, em frêmito de permanente atualização, pois viveu as belezas e cruezas de seu tempo de forma plena. Parece não haver dúvidas de que Clodoaldo Freitas é um dos homens públicos mais devotados à causa da humanidade que esta gleba gerou, para tanto tendo que enfrentar as misérias da politicalha. Por isso foi perseguido, muitos quiseram estilhaçada sua posição de agente político e público. Padre Joaquim Chaves, fazendo apontamento biográfico dele tira uma casquinha, quando escreve que “no ataque, argumentava, expendia conceitos, mas também revidava com diatribes às que lhe eram assacadas. Ele, tão amigo da verdade, no aceso da luta, deslembrava-se dela, se tal lhe parecia necessário para ferir o adversário. Então prevalecia o velho princípio de que a quem não tem rabo de palha, prega-se” (Padre Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, “Obra completa”, p. 552/53). Clodoaldo, que imergia criticamente nas elaborações filosóficas correntes na cultura humana de seu e de outros tempos, deixa-se timbrar à poética do sertão. Veja-se que graça de versos sua alma instila com o mais puro sabor das sertanias:

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“Piauí! Queira o destino que em teu seio, eu sempre viva; que minh’alma que te adora, de tuas glórias cativa, celebre, cheia de orgulho, teus belos rios, teus prados, as tuas aves, teus bosques, tuas campinas, teus gados. ... Oiticica, sambaíba, rompe-gibão, mulungu, tamboril, moreira, bilro, juazeiro, conduru, mororó, angico-branco, o pau-mocó, o tingui, cobrem de sombra e verdura o meu querido Piauí. Come a abóbora cozida com bem manteiga e feijão, arroz, farinha, pedaços de carne seca e pirão. E, depois, de sobremesa, a rapadura raspada numa tijela repleta de suculenta coalhada. ... Depois vai concluindo... “Entre abelhas, marimbondo; uruçuí, a tataíra, canudo, brabo, tiúba, manduri, limão, cupira;

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trombeta, inxu, manda-saia, a moça-branca, o inxuí, o manso, o breu, o mosquito, boca-de-barro, tubi. Maribondo-de-chapéu, grande, vermelho, valente, sanharó, que no cabelo, costuma pegar a gente; marimbondo de chocalho, o capuxu, o surrão, arapuá, e o caboclo, feio cavalo-do-cão” (In: Félix Aires, p. 85/85, “O Piauí na Poesia Popular”) [o pesquisador literário que recolheu esses versos raros de Clodoaldo Freitas, Félix Aires, é nosso conterrâneo, lá de junto da Passagem, de Buriti Bravo]. Deve-se realçar nesta noite tão cara à memória dessas figuras marcantes, que Clodoaldo Freitas, pela revisitação e estudos de sua variada obra, agiganta-se no presente contexto, quando se leva em conta que nossas universidades estão debruçadas sobre seu legado. Na Ufpi, p. ex., uma espécie de cátedra Clodoaldo Freitas foi criada sob a liderança da historiadora e acadêmica Teresinha Queiroz, que tem mobilizado um discipulado de mais de uma dezena de jovens escritores historiógrafos, examinando a contribuição literária desse homem público que tomou a literatura tal uma “missão” de sua vida, linguagem de sua luta. Teresinha elaborou o mais sistemático trabalho sobre Clodoaldo Freitas, e seu tempo, uma tese de doutoramento, publicada em livro com o título ousado de “Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo”. O segundo ocupante, padre Cirilo Chaves, é dos

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menos conhecidos entre os ocupantes pretéritos da Cadeira. Senta nela dos 32 aos 42 anos. Sacerdote e poeta, filólogo, músico, além de amigo de Clodoaldo Freitas. Toda a crônica sobre Chaves dá conta de ser ele um homem devotado à educação - dirigiu um Ateneu - e há informações de que pertencera ao corpo docente deste Colégio Diocesano. Em anotações, o padre Raimundo A. Soares, secundado por A. Tito Fº, sobre ele anotou que fora “orador fluente, polemista ardoroso, filólogo consumado e jornalista combativo [tendo tomado] parte em memoráveis campanhas políticas. Ao recebê-lo, em 25 de janeiro de 1925 nesta APL, disse Jônatas Batista sobre: ‘Um padre que, sem esquecer os sagrados deveres de sua religião, sabe fazer, com espírito e com agudeza de inteligência, meia hora de conversação, elegante e fina, entre os cavalheiros de trato ou mesmo entre os senhores de esmerada educação [...] que do alto do púlpito [...] prega a palavra divina [...] ao sabor dos nossos dias, sem a retórica surrada dos velhos sermões, sem as exclamações patéticas dos antigos conventos. Um padre, finalmente, que na eloquência de suas orações sacras cita Rui Barbosa ao lado de Antonio Vieira...’” (I. M., p. 27/28). Mas de uma obra sua de alto valor quase ninguém fala: sua condição de, como músico-compositor, ser coautor da música do hino do Piauí, em par com a professora Firmina Sobreira [e nós aqui ouvindo o hino e nem pensando a maioria de nós que tinha relação com um imortal dessa Cadeira 1. Precisamos estudar Cirilo Chaves - e para esse cometimento vou convocar a ajuda do acadêmico Zózimo Tavares, pois é padre-patrono da rua de sua morada...]. O terceiro ocupante é Esmaragdo de Freitas e Sousa. É da turma de 1911 da Faculdade de Direito do Recife. Segue o exemplo de seus parentes famosos, José Manuel de Freitas e Clodoaldo Freitas, enquanto palmilha sua vida dedicando-a

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ao serviço púbico, na capital de Pernambuco e aqui em sua terra. Aqui exerce a função relevante de procurador do Estado, professor da Faculdade de Direito, desembargador do TJ-PI, desde 1931: esta função desembargatória ele honra ao extremo e foi um episódio relacionado a ela que leva ao episódio de sua demissão do TJ pelo Interventor Federal no Estado, em 1939, porque se recusa a votar a favor da designação em lista de um irmão do próprio interventor para as funções de desembargador. Demitido, concorre nas eleições pela UDN sendo eleito senador logo após a Ditadura do Estado Novo -e falece no hotel retocando o discurso com o qual estrearia na tribuna do Senado Federal. Sua obra literária não é das mais vastas, mas deixa uma variedade de temas tocados pelo poder de sua pesquisa e narrativa. Deixa textos jurídicos de valor. Publica estudos e outros ensaios: “O Visconde da Parnaíba”, “Manuel Clementino”, “O Padre Marcos”... “O Testamento de Domingos Sertão”, “A água do Parnaíba”, “Lima Barreto”, “A santa de Piracuruca”. Escreve e publica um ensaio de Estudos Sociais “O padre Cícero e o Juazeiro” - trabalhos dele (e outros mais) que foram reunidos mais tarde por Tito F°, em “Esmaragdo de Freitas: homens e episódios” [In: I. M., p. 33-35]. De Esmaragdo, disse Aurélio Domingues que a “natureza dotara-o do senso perfeito da equidade [...] o senso de liberdade ele o possuía como não o possuem senão os raros homens públicos. Para ele a liberdade era um supremo bem da natureza [...] mantinha com serenidade o pudor da justiça”. (I. M., p. 35). Morto em 1946 Esmaragdo de Freitas, a Cadeira 1 fica vaga pelos 16 anos seguintes. Em 1962, nela toma posse o arcebispo de Teresina, d. Avelar Brandão Vilela, já chegado nesta cidade como destacado bispo, tendo saído da diocese de Petrolina, em Pernambuco, diocese que assumiu com

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apenas 33 anos de idade. D. Avelar dispensa maiores comentários, pois é fulgurante sua presença e muito conhecido o conjunto de sua obra pela presente geração de piauienses e brasileiros. Foi o primeiro ocupante da Cadeira 1 que nasce no século 20, em 1912. Aqui chega em 1956. Balança a arquidiocese, convertendo em medida do real seu lema episcopal “evangelização e humanização”. Por ele a igreja particular de Teresina e do Piauí conhece e se deixa permear pelas brisas do Concílio Vaticano II. Encontra um Estado imerso no atraso secular e com baixa estima desastrosa. Comprometido com projetos de educação, que entendia serem meio de redenção social, logo cuida de criar uma faculdade para formar bons professores para o ensino das crianças desvalidadas. Cria a FaFi - Faculdade Católica de Filosofia do Piauí e no mesmo diapasão a Rádio Pioneira de Teresina. A criação da ASA - Ação Social Arquidiocesana, a construção de Centros Sociais, é outro portento de Avelar [e quem a desconhece, agora cinquentenária e tão capilarizada e conduzida de perto por quem é uma espécie de filho de Avelar, o padre Tony?]. Bispo educador, preside e amplia no Piauí a CNEC, com a criação de 31 ginásios, entre os quais o Ginásio Popular de Teresina, na Vermelha. Intenso e decisivo seu protagonismo, além da FaFi, na consolidação da própria Universidade Federal do Piauí - Ufpi, tendo sido antes figura imprescindível na criação das faculdades de Odontologia e de Medicina. [vejam, a propósito, esta história: quando veio a Comissão Verificadora para autorizar a Faculdade de Odontologia, D. Avelar estava no Rio de Janeiro e lá foi apanhado para avalizar, às pressas, a compra de equipo mínimo exigido. Mas houve inadimplência dos reais adquirentes e foi grande o sufoco dos credores hesitando cobrar do famoso bispo ...].

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D. Avelar tem parte na criação do Núcleo Colonial do Gurgueia e protagonismo na luta pela Barragem de Boa Esperança. Um dos religiosos brasileiros mais conhecidos do século XX. Ainda em Teresina, preside o Celam - Conselho Episcopal Latino-Americano. Nessa condição, promove a vinda, pela primeira vez, de um papa a esta América Latina, Paulo VI, justamente para participar da famosa Conferência de Medellín, em 1968, evento de grande impacto na vida social igreja latinoamaricana e da própria igreja romana. Compreensivelmente, nessa época, viaja muito para longe de seu solo arquidiocesano. A púrpura cardinalícia veio depois que estava, já, na Bahia, na sede primacial, em Salvador. Foi, mas deixou os piauienses cheios de justo orgulho pelo brilho de sua estrela que nunca deixou de ser crescente. D. Avelar fica pouco mais de 15 anos no Piauí, coincidindo parte deles com a Ditadura de 64. O arcebispo fica face-a-face com ela, que sempre com ele foi meio assustada. Ele impede com sua autoridade e a seu modo que várias pessoas fossem injustamente perseguidas nos encaminhamentos pela criação da Ufpi, ação que partilha lado-a-lado com figuras do quilate do padre Raimundo José Ayremorais Soares, de Manoel Paulo Nunes, Camillo F°, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, Dedé Gaioso, e não tantos outros [dois deles aqui nesta solenidade de posse - Santana e Paulo Nunes - a encher este empossando de justo orgulho, professor que é da Ufpi, este cenáculo a merecer de todos nós a maior reverência]. A propósito, um episódio grave tem nele uma resposta firme, levando a Ditadura a um recuo: A Ufpi fora formalmente criada por lei nacional em novembro de 1968. Pelo formato então estabelecido - uma Fundação - ao Conselho respectivo caberia indicar entre os instituidores quem seria o reitor; pela FaFi, padre Raimundo José seria

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o reitor por consenso. Mas o “regime” repudiou o nome dele e fez chegar a Avelar o veto. Claro, à base de recados sussurrados. D. Avelar, altivamente, disse que até examinaria o caso, desde que o pessoal do “sistema” explicasse, por escrito, sua posição contrária. Claro que não o fariam. E como d. Avelar não cede, assim a Ufpi teve retardada em dois anos a sua implantação [padre Raimundo, hoje membro desta Casa, fez já esse depoimento em várias ocasiões, inclusive para este que vos fala. E aqui estão Santana e M. P. Nunes a confirmar essa ousadia do arcebispo]. D. Avelar deixa muito poucos escritos - ao passo que fala e asperge bilhões de palavras, com seu timbre de refinado orador que todos admiravam -bela voz. Disse Alberto Silva em sua posse, quando o sucedia, que “nele [operava] a vocação do escritor a serviço do orador”. E o próprio Avelar quando tomara posse referindose ao protocolo do rito que o exigia, como exige, agora, o discurso escrito, fraseou aos novos confrades: “... escrever o discurso ... para mim, seria mais fácil e vantajoso pronunciálo sem acorrentar as ideias à palavra escrita”. Acrescentou: “Sempre entendi o direito de falar como um dever - o de saber cumpri-lo”. “Não foi a esmo que recebemos o dom da linguagem [que por isso mesmo] se faz mensagem, carregando na alma os anseios coletivos, o pó dourado e quente das estradas, o silêncio das ermidas, o fragor dos vulcões em desespero, a paz dos eleitos, a coerência maravilhosa dos santos, a nostalgia do infinito, as esperanças da humanidade ...”. Talvez nada exemplifique melhor esse “escritor que faz palavras com a voz” que a “Oração Por Um Dia Feliz”, da Pioneira (de manhã cedo). Aliás, foi por ela que eu próprio, ainda na Passagem, lá na casa do padre [e o padre está aqui a tudo testemunhar] às vezes tínhamos retardada

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um pouquinho a missa cotidiana de cedinho para ouvir a “Oração ...” [única circunstância que fazia, ali, as quatro irmãs Vasco zeladoras da igreja (Merença, Inhá, Lourdes, Rosinha) atrasarem a chegada à missa ... Iam depois à sacristia justificar com o vigário o atraso ...]. Traga-se à colagem neste momento, muito a propósito, esta apreciação discursada por Avelar naquele dia de sua posse sobre o patrono desta Cadeira 1 e sucedendo Esmaragdo de Freitas: “Se, porém, no desembargador Patrono, a tônica de sua vida consubstanciava no aspecto político, em termos de culminância, a verdade é que, segundo me parece, no Desembargador Esmaragdo de Freitas, todos os elementos se harmonizavam, cada qual procurando interpretar-lhe a personalidade, sugar-lhes as qualidades inatas, com prevalência da consciência jurídica sobre a consciência política...”. Há pouco falamos no engajamento de d. Avelar na criação da Ufpi. Pois o 5º ocupante da Cadeira 1 é outro engajado na implantação dessa que é a primeira instituição do gênero em terras do Piauí: o governador Alberto Tavares Silva. E quem é esse homem? O engenheiro Alberto Silva, nasce em 1918, filho de dona Evangelina Rosa e João Carvalho de Tavares Silva. Engenheiro por formação universitária. Um homem público que ocupa quase todos os cargos imagináveis: prefeito de Parnaíba, deputado estadual e federal, senador e governador. Mais de uma dezena de cargos técnicos, para tanto concorrendo sua formação em Engenharia. Lembrar o quê do acadêmico Alberto Silva neste momento? Há muito o que lembrar. E socorrer-me-ei do que escreveu sobre ele, seu amigo e hoje também acadêmico, Heitor C. Branco. Vamos lembrar que muitos o chamavam

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de “visionário”. No entanto, lembra Heitor que ele era um “idealizador”. Assumindo o governo estadual em 1971, logo a paisagem local entraria numa espécie de canteiro de obras. De par com o prefeito da capital, lança-se na tarefa de alterar as feições tidas por provincianas de Teresina, dando nova roupagem e funcionalidade a ela. No seu conceito, era a “modernização”. Seria exaustivo mencionar neste espaço as tantas obras civis levadas a efeito sob seu comando administrativo aqui em Teresina e no Piauí todo. Citemos a abertura da rede de vias pelas margens dos rios Parnaíba e Poti, e outras grandes vias cortando e articulando as várias partes da cidade. Assim, as estradas de norte a sul numa tentativa de integrar o Estado. Teria sido preferível que sua obsessão por locomotivas tivesse dado certo; aliás, deu certo a criação do Terminal de Petróleo, razão de não ter sido desativada até a ferrovia Teresina-São Luís, para dar lugar à praga do rodoviarismo. Alberto Silva torna-se imortal desta Academia pelo conjunto de sua obra político-administrativa, e sobretudo porque quebra paradigmas de conduta política com seu afã de namorar, repitamos, o que entende por “moderno”. Moderno é ter uma universidade funcionando, ele, governador, move mundos para viabilizar a implantação da Ufpi, adquirindo a área do hoje Campus da Ininga e postulando uma universidade atuante no apressamento das soluções necessárias ao avanço do Estado. É muito bem sucedido nesse cometimento. Moderno é promover a edição de livros, o governo cria um ambicioso Plano Editorial que impacta o Estado pela reedição de obras raras sobre o Piauí de há muito ausentes. Agitar a cultura histórico-social dos piauienses significaria ser moderno, ele rompe dificuldades com vistas ao erguimento do monumento aos populares do Jenipapo. Ter o secular Teatro 4 de Setembro reaberto

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é ser moderno, então parte para a devida restauração, inscrevendo-a entre as melhores e mais tradicionais do país. Aliás, é seu governo que cria a Secretaria de Cultura. Mas Alberto Silva tem uma especial credencial para ingressar nesta APL com apenas dois pequenos textos brochurados em livros: mora, por anos, na cabeça do povo desta cidade de Teresina, cidade esta que sempre prestigiou o “doutor Alberto”. Poucos políticos ganharam o imaginário mediano desta capital quanto ele, que sonhou ser seu prefeito. Quando eleito para esta APL, há muito rhem rhem rhem dizendo que a escolha fora politicagem envolvendo este sodalício. A acusação é de que não escrevera livros. O então presidente Tito F°, que o abona nesse pleito, e o recebe, não perdeu a oportunidade para, em solenidade como esta, lapiar, a propósito daquelas asseverações. Fala: “Argúem [que v. produção literária é limitada]. Existem na literatura talentos de grande fecundidade, como um Balzac. O nosso Coelho Neto escreveu mais de cem livros e Camilo dos portugueses publicou 262. A torrente tem sabor e pureza. Outros escreveram muito e nunca passaram da obscuridade. Não se mede o talento pela quantidade da produção, nunca por arengas colossais, jamais pelos que constroem artigos sem terminação. Compensadoramente há os que nada escreveram, como Sócrates. Outro, Cristo, escreveu na areia, uma única vez e ignora-se o quê. O mais substancial discurso proferido na terra, o que condessa o cristianismo em toda a sua sublimidade, o Sermão da Montanha, não durou vinte minutos, tal a sua divina concisão”. Tito Fº, lembra que tão sólido é o contributo de Alberto Silva para a cultura piauiense que a vetusta ABL - Academia Brasileira de Letras o homenageara com a Medalha Machado de Assis, a mais alta comenda de sua distinção, e que para Teresina viera, a

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prestigiá-lo em sua posse, a ABL, em pessoa, na pessoa de seu então presidente, Austragésilo de Athayde. [SS, rogo-lhes um pouquinho de paciência, esta noite é única para tanto]. Este ato de posse ocorre hoje, dia 2 de março de 2010; 2 de março por quê? É o dia que temos como instituinte mais que simbólico do organismo jurídico hoje chamado de Piauí. O dissemos ontem em nota no jornal e portal de nossa colaboração às segundas, o Diário do Povo e o Acessepiauí: 2 é de março é “o dia em que é inaugurada canonicamente a freguesia de N. S. da Vitória, ocasião em que os moradores fizeram reunião e assistiram à sagração da igreja-matriz (“de 24 palmos de comprimento”) e à posse do primeiro pároco, no caso, o padre Tomé de Carvalho, desde aquele dia 2 a única autoridade local no real sentido do termo. “Dia de nosso primeiro documento civil”, tal a lembrança tão cara ao historiador Dagoberto de Carvalho Jr. - a mim relembrada em mensagem de mail quando o comuniquei da escolha deste dia para a posse. Trata-se - tal documento - da “Descrição do Sertão do Piauí”, infirmada pelo padre Miguel de Carvalho [e de público devo agradecer especialmente ao nobre acadêmico Carvalho Júnior, aqui na primeira fila diante de mim, por ter-se deslocado do Recife para este ato de posse, que, já em si pleno de outros significados, homenageia sua obra de historiador maior de sua/nossa amorável Oeiras do Piauí]. Ainda que conhecendo apenas os rudimentos da história da colonização, toda e qualquer pessoa sabe que ela é marcada desde o início pela distribuição senhorial das terras férteis e dos mananciais de águas entre os colonos, numa ação invasora que, dos litorais, alcançará, ao cabo de quinze décadas, os mais adentrados sertões. E a nova ordem se estabelece com a apropriação violenta do espaço (sesmaria) e a fixação da jurisdição real-eclesiástica. É o que se dá naquela

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ribeira direita do Canindé, na ribeirinha do Mocha afluente. É parte da compulsão de estar-se “eternamente retornando”, aferir a exatidão dos marcos originais das invenções históricas, sobretudo das que sejam elaboradas em sentidos de perenidade. Falamos de atos e mitos fundadores e quetais. Pois a “Descrição” miguelina é rica em detalhes, uma fonte a explorar em termos de busca de significados de como se movimentam os grupos humanos no tempo. Visto no geral, o Piauí de hoje é essa paróquia primeira, descrita em 1697, mais definidos agora os contornos e limites de sua jurisdição, distintos, dois séculos depois, o Estado da Província eclesiástica. Quinze anos passados, 1712, a sede da freguesia é também vila e seu território - do Atlântico a Rodelas e do Araripe aos “matos desertos” rumo as Índias de Espanha- o primeiro município do Piauí. Aquelas e este as matrizes de todas as entidades políticas e eclesiásticas da atualidade. Do Piauí, e da vasta região dos “pastos bons” adjacente, antes de por definitivo incorporar-se a última ao Maranhão. De fato, a “Descrição” é um memorial muito bem feito, organizado e assinado pelo padre Miguel de Carvalho, a serviço, ao que consta, do bispado de Pernambuco. Veio Miguel a estes sertões estender a fé cristã e ao mesmo tempo estabelecer na prática a jurisdição daquela diocese, recenseando cada morador e fazenda e caracterizando o espaço natural geográfico. Enfim, estabelecendo oficialmente, rente ao povo, a autoridade régia, no caso específico, a do tacão do rei-padroeiro. Nunca antes em tais confins de variadas capitanias se conhecera a ação do organismo ordenador burocrático régio, pois os poucos papéis escritos alusivos a estes sertões haviam sido emitidos há pouco tempo em forma de cartas sesmariais, ainda que poucas e vagas.

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Avulta, pois, a “Descrição” do padre Miguel como atestado escrito, e o mais relevante, da fundação do Piauí nas franjas e garras da cristandade dilatada a partir da península lusolatina, visigótica e moura. O Portugal da expansão mercantil - assim também a Espanha- era o papado romano imperial ampliando seu poder sobre a esfera terrestre, desde então aceita como finita, governável pela vontade dos príncipes terrenos. Assim é que o Piauí que conhecemos é fundado dentro da conformação do que chamamos hoje de paróquia ou freguesia, isto é, enquanto comunidade de fiéis, a catolicidade triunfante. Claro que, e já o aludimos, a vaga colonial-invasora vem intencionada e pulsionada pela exploração e criação econômicas, e a igreja-burocracia é o Estado em sua projeção centralizadora eficaz. Submeterá o país, subtrairá da vida homens, mulheres, tabas inteiras. A “Descrição” é datada no dia em que é inaugurada canonicamente a freguesia de N. S. da Vitória, ocasião em que os moradores fizeram reunião e assistiram à sagração da igreja-matriz e à posse do primeiro pároco, no caso, o padre Tomé de Carvalho, desde aquele dia 2 a única autoridade local no real sentido do termo. [SS] O sertão da minha nascença e de outras imersões caldeadoras da minha’alma são parte desse diapasão histórico. Nasci e fui criado naquela outra banda do rio Grande dos Tapuias, naqueles “matos desertos” rumo às Índias de Espanha dos quais fala o padre Miguel. Aquele nosso território deixaria de pertencer ao bispado do Pernambuco somente em 1728, ficando os “pastos bons” sob os auspícios da autoridade eclesiástica da Mocha até 1741, quando dela foi desmembrada a Freguesia de São Bento das Balsas de Pastos Bons. Vejam todos que acabei por dar um jeito de me inserir

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no universo da criação vitoriosa praticada pelos padres Miguel e Tomé de Carvalho naquele 2 de março de 1697, daí que quis tais significados timbrassem nesta ora em que assumimos esta Cadeira 1, de juristas e padres, e também do utopista engenheiro da Parnaíba. [SS] Algumas palavras que remetem às perguntas ultimamente agitadas sobre nossa eleição e posse e os impactos de tudo isso em nossa alma. Por que vir e que sentido há nesta vinda para a APL? A vinda é um chamado? Vimos, feito louco, para ter aumentadas nossas responsabilidades de escriba público. Isto quer dizer que consideramos nosso labor letrado e discursado parte do múnus próprio de nossa condição cidadã, além de imperativo de nossa pactuação como docente público, na Universidade Federal, instituição muito cara ao povo piauiense [e aqui hoje várias vezes referida a propósito de d. Avelar, um de seus pais, e de vários outros de seus pró-homens, quase todos membros desta valorosa Casa: M. P. Nunes, Monteiro de Santana, Camillo Fº, padre Raimundo José, Celso Barros Coelho ...]. Atraiu-nos, de maneira muito especial - e isto deve ser declinado com fundada vaidade, porque engrandece qualquer pessoa que viesse ou venha no futuro ocupar esta Cadeira 1 - ter ela os ocupantes pretéritos que ela tem. Fazer par com Clodoaldo, Esmaragdo e Avelar, por exemplo, é ter o conforto de sentar ao lado de homens que serviram à causa da humanidade sem incorrer em sinal de esmorecimento ante as misérias do mundo em suas danações. Com o músico, padre Cirilo (e quem não gosta do canto?). Os mais aconchegados de Alberto Silva sabem que adorava música, tocava em sede bissexta um conhecido instrumento. Sim , é uma cadeira de padres e juristas, de jornalistas

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de combate. Uma cadeira de homens que dignificaram o Brasil. Avelar, tornado Cardeal Vilela, virou príncipe da igreja no sentido genuíno do termo. Lembremos Medellín, tão plena de significados para a igreja latinoamericana, para as elaborações da igreja cristã caminheira, assumida santa entre os sofredores. Avelar, ainda que príncipe feito, poço da mais prodigiosa reiteração tolerante para fixar a igreja do pobre de Nazaré entre os oprimidos das franjas do mundo de hoje. Avelar, tolerante. Perguntavam, especulavam muito, se ele era um progressista, um conservador, um moderado. Ele dizia: “sou apenas um servo da esperança entre os filhos da terra”. Um homem dos grandes diálogos. Sentar nesta cadeira, partilhar a Academia de Letras do Piauí, a chamada Casa de Lucídio Freitas, impõe compromissos novos, que agora se vinculam a um coletivo em cujo seio, sei ter chances de aprender muito. Esta cidade-capital conhece este novo membro da APL por sua condição de aprendiz de historiador. Neste cometimento são - felizmente insistentes - as exigências de outros atores sociais para que partilhemos as reflexões de intelectual que no dia a dia vão datando o movimento da humanidade, na experiência elaborada neste lugar do mundo em que vivemos o papel de sujeitos da história. Sujeitos da história do nosso tempo; de qualquer tempo, destempo; tempo e tempos; temporalidades e atemporalidades. Interessante ser tomado como historiador, tem lá seu charme [e espero que concordem comigo as dezenas que aqui estão, mestres, colegas, estudantes]. TEMPO! Matéria fugidia. Fugidia até do pensamento. Falam até que o tempo seria “uma realidade psicológica”; que frase, hein!? Tempo é história. História, termo capaz de polissemias tão fecundas. Historiador, este sujeito de

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brisas velozes que fazem rodopiar a roda dos fatos, beijam as faces plurais dos espaços, que movem, ao vetor de Titã, as estruturas materializadas, que impulsionam, instrínsecas, as subjetividades, até intersubjetivamente. Walter Benjamim [Walter, olhai colega Tetê, o Benjamim das Passagens!] certa vez escreveu que “a ideia tem uma aura de poesia”, referindo-se a um quadro de Klee, chamado Mundus Novus, que tem um anjo representado; Benjamim afirma: “O anjo da história [tem] o rosto dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prendese em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Tempestade que o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Tempestade essa a que chamamos de progresso”. Esta citação de Benjamim nos foi sugerida por Jóina Freitas Borges em seu livro novidadeiro “A história negada, em busca de novos rumos”, editado pelo professor Monteiro de Santana, este homem que, tendo dobrado a oitava esquina da felicidade, é o nosso mais animado historiador do futuro. E ela anota com muito acerto, sobre esse anjo, que “a diferença é que onde o anjo da história vê uma catástrofe única, o historiador, usando uma lente especial qualquer (lente da ideologia, do lugar social, da corrente historiográfica, todas juntas ou quaisquer outras), veem um sentido. Os fragmentos são ordenados e o sentido é passado para a folha de papel, e, desta forma, o historiador faz da história, não as ruínas do anjo, mas uma construção ordenada, que nunca será a soma dos fragmentos” (Jóina F.

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Borges. “A história negada ...” p. 9/10). Jóina está elaborando uma história da humanidade ancestral que habitou estas terras, litorais e barrancas, do mar às serras, antes de uma vaga de branca iberoarianice aqui por os pés em ato de intrusão. [Jóina, que está ali a tudo assistindo, o que muito nos honra nesta hora]. O papel de historiador, escrevendo, discursando, operário no mundo concreto e das formas/não-formas abstratas ...: que papel é esse para que se possa arguir sua relevância, ou não? Historiador toma partido? Somos bandoleiros tangidos por perguntas feitas às latitudes. De tudo queremos saber mais do que sabemos sobre qualquer coisa. A tudo obrigam-nos as responsabilidades oriundas da ética sem adjetivos responder com a matéria do conhecimento que a cultura acumulou e se nos oferece, em pratos cheios, para as elaborações do presente. Na Cadeira 1, de par com José Manuel, Clodoaldo, Cirilo, Esmaragdo, Avelar e Alberto; dizendo-lhes das novidades que as trilhas percorridas por aqui foram criando, suscitando; trazendo para as rodas de nossa conversa outros sujeitos falantes que o tempo novo criou ... De par com eles, eles cada um na sua, nós a cá com nossa consciência compenetrada dos engajamentos e paixões que a presente vaga do tempo enseja - vamos construir as respostas que o agora exige de nós. Quando José Manuel, o homem e o agente público, recusou sentenciar os açoites desafiando uma dada lei, deu uma resposta concreta às esperanças dos que recusam as iniquidades; assim também quando Clodoaldo saltou de comarca em comarca, Estado e Estado, perseguido pelas tiranias insistentes da república fazendeira que não suportava o vigor demolidor de sua denúncia; idem, quando

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Esmaragdo desafiou e se recusou a eleger desembargador o Melo irmão do interventor; quando Avelar afugentou a milicada de por os pés nos caminhos da igreja particular de seu episcopado teresinense, brasileiro, latinoamericano [dele, Avelar, que virou cardeal junto com D. Paulo Arns, Geisel, ditador, roendo, teria dito: “podem mais que o mais estrelado dos meus generais...”]. Em comum, e no limite, esses homens combateram, insistentes, contra as injustiças, contra toda sorte de misérias que chamuscam a condição humana. Como será confortável cumprir o preceito desta Academia de que novos ocupantes valorizem a obra dos que passaram. De Alberto Silva diremos que conforta porque de tudo que se terá dito sobre ele jamais que teria sido um indigno. Sonhador, utopista, até de louco o chamaram. Melhor assim; até os adversários ferrenhos jamais assim o tiveram como trêfega figura da república em franco processo de espoliação. E como temos perspectiva de passar alguns dias por aqui e alhures, impõe perante os pares, e sob o testemunho de todos - em especial os aqui ora presentes - que afirmemos que estamos aqui para somar as experiências, compartilhar sonhos, dividir responsabilidades na mesa das exigências de militância pelo Brasil e pelo Piauí diferentes; multiplicar o vozerio, adensar o coro desafinador dos contentes, consoante a cogitação torquatana. O mundo é belo e a vida é bela, divina. Precisa é de mudanças que cabe a nós querer e fazer que venham. O que fazer? Frei Betto, o frade Libânio Cristo, socorre-me, com seu pensar e agir vertendo à flor límpida da terra qual a água das pingas pastobonenses lá nas bandas da Passagem. Lembra, pensando os cristãos da comunidade primitiva, descrita no Ato dos Apóstolos, que “o capitalismo

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é intrinsecamente inapto a construir um mundo de justiça e liberdade”. Betto diz e faz da vida uma recusa à aceitação de que “sempre foi assim e não haverá de mudar”. “Minha esperança não se ancora em teorias políticas, ideologias ou promessas eleitorais. Tem raiz ética: mais que qualquer corrupção, envergonha-me, como ser humano, a miséria coletiva”. Essa lembrança, feita e tida com muita paixão, o consigno agora para que repercuta, agite o sangue, nas academias de nossa vida, de cada lugar de nossas experiências factíveis: lugar de trabalho, público ou privado, família, rua, partido, diálogo com os amigos, a imersão nos livros, e agora a pescaria pelos fundos das redes e portos das infovias. Nos lugares dos desafios desta era: o fim mais ou menos previsível das águas, o verde virando cinzas, o amor esquecido nos braços das odiosidades, o metal vil, rei reinando em ondas das consumações infernais. É ter um norte; norte que não deverá virar seita, que mude de rumo pelos diálogos radicais entre as gentes da terra. Ilusão? O ser humano é perdido? Não acreditamos nessas asseverações resvalantes às inclinações dos que “assim é se lhe parece”. Disse por que vim; por que quis vir. Mas mestre Paulo, por sua voz muito gravemente bela, diga-me, diga-nos: por que quis V., e por que quiseram, os pares da casa do filho de Clodoaldo... Por que quisestes a mim como par? [À la Jacira Fernandes, à la Camillo Fº, digo: “disse” - e muito obrigado].


DISCURSO DE RECEPÇÃO DE ANTÔNIO FONSECA NETO M. Paulo Nunes*

G

abriel Garcia Marques, no livro mágico que é Cem Anos de Solidão, dentre os inumeráveis acontecimentos ali narrados, refere as façanhas do Coronel Aureliano Buendia, partícipe de mais de trinta revoluções, gravando, em sua terra e centro daquelas ações, Macondo, uma legenda supostamente imperecível. Em um outro livro do mesmo autor, Ninguém Escreve ao Coronel, passados já à memória aqueles eventos e quando a pátina do tempo já os levara para a tela do esquecimento, um transeunte ocasional, ao cruzar uma das ruas principais do logradouro, detém-se na indicação de sua placa e pergunta: – quem foi Aureliano Buendia? É este o destino de muitos personagens que transitam pela vida e assumem a condição de placas de ruas, muitos deles das nossas principais ruas e avenidas. Dois fatos me vêm à memória: o primeiro, uma *

M. Paulo Nunes é ensaísta e crítico literário. Ex-Presidente da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 38.

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anedota literária de que são partícipes Gilberto Amado, hoje um de nossos autores esquecidos ou fora de moda, como já o lembrei, certa feita, em artigo de jornal, e outro, o poeta Manuel Bandeira. Gilberto, que era muito vaidoso, pessoa bem vivida, brilhante conferencista, diplomata e homem de sociedade, lembrou ao poeta: – Bandeira, precisamos, com urgência, cuidar da escolha, de imediato, das ruas que deverão homenagear nossos nomes. Sim, porque senão corremos o risco de tê-los em qualquer beco indigno de nossa capital. A outra é uma lembrança local: o nome do professor Antônio Castro, filólogo, historiador, dicionarista, catedrático da Escola Normal, pessoa das mais ilustres de nosso estado, foi aposto a um beco de ponta de rua, de dois quarteirões apenas, que nem casas possui. Os ocupantes de cadeiras acadêmicas às vezes têm também esse destino. Constituem desconhecidos nomes de ruas. Meu caro Fonseca Neto, vosso destino é diferente. Aqui vindes ocupar uma cadeira emblemática, daquelas que fazem história nesta instituição, por sinal que a de nº 1, com o que se premia agora uma personalidade de escol em nosso meio social, um intelectual da mais alta projeção em nossa vida acadêmica e literária. Tem ela a presidi-la, como patrono, José Manuel de Freitas, o ilustre Des. Freitas, nome glorioso da antiga Rua da Estrela, e tendo como ocupantes Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, um dos fundadores desta Casa e seu primeiro presidente, o Pe. Cirilo Chaves Soares Carneviva, Esmaragdo de Freitas e Sousa, Dom Avelar Brandão Vilela, Cardeal Primaz do Brasil, e Alberto Tavares Silva, sobre os quais discorrestes há pouco com excepcional brilho e competência. É de Goethe a observação de que “Todas as obras que escrevi nada mais são do que fragmentos sucessivos de uma

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grande confissão.” Creio que a observação do genial autor do Fausto é válida para todos os que escrevemos. Posso dizer assim ter convivido de perto com quase todos os ocupantes da cadeira nº 1. Com Clodoaldo Freitas, como seu leitor devotado, tenho convivido com frequência através da leitura continuada de sua obra que nos traz sua lição de vida, áspera e difícil, sobretudo depois do empenho que vem dedicando à sua exegese e divulgação a acadêmica Teresinha Queiroz, um dos nomes gloriosos desta Casa. De Esmaragdo de Freitas, guardo lembrança indelével. Menino ainda, nos meus 15 anos, viajava em um dos vapores que faziam a rota do Parnaíba, nos duros tempos de racionamento de combustível, da 2ª Guerra Mundial, quando, vencida a minha timidez, aproximei-me daquele senhor simpático e conversador, sem saber quem era, e assim tivemos uma longa conversação. Fiquei encantado com a atenção que aquele senhor respeitável e culto dispensava a um garoto de tão tenra idade. Foi o único contato que tivemos, mas ficaria para sempre guardado na memória daquela criança, quais aquelas recolhidas por Marcel Proust de sua infância em Combray e reconstituídas, pela memória involuntária, em seu livro admirável, o maior romance de todos os tempos, Em Busca do Tempo Perdido. Viva eu cem anos e não esquecerei aquele instante mágico. Com Dom Avelar a convivência foi maior e mais afetiva e posso dizer, para honra minha, que tive a rara satisfação e o orgulho de privar de sua amizade. Dirigindo à época de sua serventia aqui, como Arcebispo, a Inspetoria Secional do Ministério da Educação, órgão que superintendia, do ponto de vista técnico e administrativo, o sistema de ensino secundário no Estado, esta circunstância mais ainda nos aproximaria, dado o fato de presidir ele a

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CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, benemérita instituição a quem muito deve o país, no momento de maior expansão do ensino secundário. Igualmente, nossos contatos se intensificariam, quando da elaboração dos documentos básicos de criação da Universidade Federal do Piauí, em razão de haver eu presidido à época a Comissão instituída pelo governo do Estado para a realização desse trabalho e exercer ele a presidência da sociedade mantenedora da Faculdade Católica de Filosofia que passaria também a integrar a Universidade. Com o Senador Alberto Silva foram esses contatos oficiais bastante reduzidos, porquanto já me encontrava em Brasília, servindo ao Ministério da Educação em sua sede quando ele assumira o governo do Estado. Entretanto, ali uma vez o procurei para tratar da publicação, a pedido da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade, da obra poética de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Poemas, tendo sido por ele prontamente atendido e ainda quando, exercendo a presidência desta Academia, realizamos a festa comemorativa de seus 75 anos, à qual compareceram pessoas gradas de nosso país, e de que ele também participara, já na condição de acadêmico. Fernand Braudel, autor de obras fundamentais que revolucionaram a teoria da história ocidental, como Civilização Material, Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII, descreveu na Introdução deste livro seu projeto como comparativo, por movimentar-se dialeticamente entre passado e presente, entre observação concreta e a consciência da heterogeneidade e complexidade da vida. Assim a história não é um fenômeno estático, mas dinâmico, como diria José Honório Rodrigues, o reformador da teoria da história do Brasil: “Deus não é dos mortos, mas dos vivos, porque, para ele, todos são vivos. A história

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também não é dos mortos, mas dos vivos, pois ela é a realidade presente, obrigatória para a consciência, frutífera para a experiência. A vida e a realidade são história, gerando passado e futuro.” Camus, cujo cinquentenário de morte ocorreu a 4 de janeiro último, ao receber o Nobel de Literatura, foi mais contundente ainda ao concluir a sua oração dizendo que os escritores não devem estar a serviço dos que fazem a História e sim dos que estão oprimidos por ela. Frase bem oportuna esta, no momento atual para os que desejam refazer a história sem conceder-nos sequer o direito elementar de enterrar os mortos. Direito humano este fundamental porquanto representa uma herança da civilização grega ou ocidental e constitui o cerne da imortal obra de Sófocles, Antígona, ao exigir esta do tirano Creonte o direito inalienável de enterrar o irmão por ele assassinado. No livro básico da bibliografia do recipiendário – Memória das Passagens, lançamento importante da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons (2006), há uma verdadeira revolução nos conceitos de história, no sentido de transformar os fatos históricos do passado, em memória do presente. É um livro este, como diria sobre Os Lusiadas, de Camões, a saga da nacionalidade portuguesa, o ilustre camonista Conde de Idanha, grande demais para ler-se de uma só vez e pequeno demais para ler-se a vida inteira. Há que penetrar-lhe os meandros e mergulhar em suas passagens (da Franca, dos Aranhis, da Manga, do Tuy, dos Picos, da Madre de Deus, dos Patos, das Queimadas, do Tremedal e dos Pastos Bons). Celso Barros Coelho, membro ilustre desta Casa e seu ex-presidente dos mais distinguidos e igualmente presidente daquela Academia e responsável pelo lançamento daquela

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obra, assim sobre ela se manifesta, em seu belo livro de memórias - Tempo e Memória, também lançado naquela cidade: “Passagens e passagens, passagens que levam ao encontro dos poetas, que cantaram o índio e a floresta e nos fazem mergulhar no passado das sagas sertanejas, inspiradas nesse confronto heróico entre o conquistador e o nativo de que surgiu esse Maranhão que se estende das margens do Parnaíba ao Tocantins com um mapa pontilhado de cidades desse vasto sertão dos Pastos Bons.” (Ob.cit., pg.92). O livro, verdadeiro cartapácio de 586 páginas, em letra miúda e inúmeras anotações marginais, se compõe de três partes distintas que o autor chama de “livros” e estes organizados em verbetes. O livro 1 constitui uma tematização sobre a história e a memória das “passagens”, compostas em plano dialógico entre as falas que ficaram no tempo, que é também passagem, e as falas construtivas do presente. O livro 2 trata das pessoas, através de breves apontamentos biográficos de alguns protagonistas, homens e mulheres representativos da vida passagense ao longo do tempo. E o livro 3 trata dos lugares primordiais que o autor chama de “palco iluminado” das tramas da história da Passagem e dos lugares de tantas outras passagens. Na Apresentação de tão riquíssima obra, das mais notáveis contribuições e das mais originais à história do nosso vizinho Estado e à história do país, diz-nos o autor que comentamos: “Mas o que agora você vai ler é sobretudo um testemunho de quem o escreveu, entre as tensões das teorizações e das formas embasantes do ofício de escrever a história, e as lembranças dialogadas num turbilhão de falas que bolinam a cabeça do autor, vivendo a ventura de ter vivido na Passagem – de ter nascido em minha amorável

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Passagem. Única, como única é a história de um povo e de um lugar”. Somente quem conhece de perto Fonseca Neto, temperamento borbulhante, que parece respirar história e “estórias” por todos os poros, é capaz de aquilatar o quanto este livro se identifica com o seu autor, a tal ponto que poderia ele dizer à maneira de Flaubert, ao referir-se a Madame Bovary – Memória das Passagens sou eu! Concluímos esta breve notícia sobre o livro seminal de Fonseca Neto, referindo um episódio da maior importância não apenas da história do Maranhão, mas do Brasil. Trata-se da “revolta do Bequimão”. É uma homenagem que prestamos ao neocadêmico, na sua condição de poeta das revoluções libertárias, como aqui já o chamei certa vez, a propósito da primorosa entrevista concedida à revista Presença, sobre a “Balaiada”, outro movimento insurrecional, este já na primeira metade do Séc. XIX, cuja fonte irradiadora é Pastos Bons. Constituído oficialmente o Estado do Maranhão, com a posse de seu primeiro governador, Francisco Coelho de Carvalho, ainda em terras do Ceará, “por ser então da jurisdição dele esta capitania”, segundo Berredo, chega ele a São Luís no dia 3 de setembro de 1626 para o exercício de suas funções. A 30 de agosto de 1677 se dá a criação da diocese do Maranhão, mediante a bula papal de Inocêncio X, separando-a do governo eclesiástico de Pernambuco. Com o Estado aparentemente em paz, explode a 24 de fevereiro de 1684 a revolta encabeçada por Manuel Beckman, o Bequimão, que constitui o primeiro movimento insurrecional a ocorrer na Colônia, e ficou conhecido como a “Revolta de Beckman”. Motivou-a a recusa do estanco régio (monopólio comercial) e a proibição de escravizar nativos,

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ao tempo em que se postulava a importação de escravos africanos. “O levante dos irmãos Beckman, diz-nos o nosso autor, no livro que comentamos, configurou-se a partir de um sermão de frei Inácio da Fonseca, na primeira dominga da Quaresma de 1684. Da procissão dos Passos, 25, de madrugada, a massa mobilizada orientou-se aos palácios e depôs os inimigos do povo. No final do dia, nobreza e povo dirigem-se à Sé Catedral, onde foi cantado um “Te Deum Laudamus”. Gregório dos Anjos, o bispo, primeiro a morar no Maranhão, também apoiou a revolução. Discretamente, mas apoiou.” (Ob. cit., p 29). O movimento foi sufocado meses depois. Manuel Beckman e Jorge Sampaio, outro destacado líder do movimento, foram enforcados na praia da Trindade, em São Luís. Quanto a Jacó Gonçalves e Dias Deiró, embora tenham escapado da condenação à morte, o primeiro foi açoitado pelas ruas de São Luís e degredado para o Algarve e o segundo, “como pôde fugir, executaram-no em efígie”. A exemplo do Bequimão, também foram enforcados, ao final do movimento, alegadamente por seu papel na revolta, Jorge de Sampaio e Tomás Beckman, irmão de Manuel. Francisco Dias Deiró, frei Inácio e outros foram degredados. “Mas o exemplo deles é imorredouro”, diz-nos o nosso autor. Foi um ato de crueldade este, uma das primeiras manifestações do colonizador em que se revela, em toda a sua hediondez, aquela ferocidade que constitui o traço distintivo dos povos ibéricos. O tema da tragédia do Bequimão merece a atenção de Clodoaldo Freitas que escreveu sobre ele uma novela, recentemente reeditada pela acadêmica Teresinha Queiroz, com um substancioso prefácio de Fonseca Neto, que nele

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estuda as raízes sociais do movimento, incluído em seu novo livro, Sertanias, já no prelo, que também contém seus estudos, prefácios, notas e artigos de jornal, inclusive o excelente ensaio sobre o historiador Odilon Nunes, resultante de uma conferência proferida no Conselho de Cultura, no centenário de nascimento daquele notável historiador. Tais estudos mereceriam uma apreciação à parte, que o momento não comporta. Vosso currículo, Senhor Fonseca Neto, é dos mais ricos e edificantes. Na folha que se antepõe à narrativa que comentamos, a primeira coisa que evocastes foi o testemunho de vossa genitora, D. Itelvina, a quem o livro é dedicado. Assim, está ali escrito: “Nasci na cidade de Passagem Franca, a 16 de fevereiro de 1953, em uma casa da rua Grande, já esta oficialmente batizada de rua Joaquim Távora. Era uma segunda-feira de Carnaval. Diz minha mãe: ‘Na noite anterior (de domingo) fiquei até tarde olhando, pela janela, uma festa de Carnaval no salão do João Preto. A parteira foi a Maria Barreira, porque a “mãe Domingas”, mais procurada, estava com a Vilani Vasco, que sofria desde cedo para ter a Ana, que somente nasceria à noite da mesma segunda-feira de Carnaval. Nesse mesmo dia o Tibúrcio feriu alguém na rua.” Fez o curso primário em várias escolas de sua cidade natal, o ginasial na cidade de Colinas, antiga Picos, concluindo-o em Teresina, onde também cursou o secundário (científico) no Colégio “São Francisco de Assis” e no Liceu Piauiense. Na Universidade Federal do Piauí, realizou os cursos de História e Direito, concluindo-os, em 1980 e 81, respectivamente. Depois do exercício de várias funções aleatórias,

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ingressou no Serviço Público Federal, como professor do Colégio Agrícola de Teresina, passando daí a integrar o quadro de docentes da Universidade Federal do Piauí, em cujas funções permanece até hoje. Ali exerceu as funções de direção acadêmica como Coordenador do Curso de História, Vice-Diretor do Centro de Ciências Humanas e Letras (CCHL) e membro do Conselho Universitário. Atualmente, reeleito pela comunidade universitária, exerce o cargo de diretor do CCHL. É advogado inscrito na OAB - Piauí, sócio da Associação Nacional de História (ANPUH), sócio honorário da Academia Caxiense de Letras e sócio fundador da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons. Sua família é toda entroncada em Passagem Franca antiga, com duas linhas de ascensão mais distantes, no Piauí, pelo lado materno e no Maranhão, pelo paterno. Seus pais são João Alves Santos, “João Elias”, ainda vivo, e Itelvina Alves da Fonseca dos Santos, que ele proclama Fonte e Inspiração, em sua dedicatória, já falecida. Desde os 12 anos mantém contato próximo com a Igreja de São Sebastião, de sua terra natal, onde foi, como acólito, iniciado nos ofícios religiosos “com muita dedicação e gosto”, como proclama, embora às vezes em detrimento de sua condição de estudante e empregado de quitanda. Mais prazer ainda lhe tem proporcionado o convívio privilegiado com o jovem vigário daquela Paróquia, Vicente de Paulo Brito, “que colabora para acender em mim o gesto pela boa leitura, pela cultura, pela música, enfim pelas coisas da ilustração”, segundo suas palavras. É casado com a Sra. Dirce Maria Magalhães dos Santos, funcionária pública, sendo seus filhos Petra Paula, advogada, Talya Carolina e Jean Victor, estudantes. Não fala o autor de suas atividades jornalísticas em

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nosso meio intelectual, que é das mais profícuas, mediante as quais exerce o seu mister, às vezes polêmico, é claro, com que vem debatendo os problemas sociais de seu tempo e de seu meio. Mas, neste instante da vida acadêmica, em momento tão grato para todos nós, pois que recebemos um novo companheiro, ao exaltar as qualidades eminentes da obra literária de Fonseca Neto acode-me um pensamento sibilino: será que o Fonseca, em vez de estar realizando a exaltação daquela tão bela região de nossa pátria, tão pródiga em ambientes de perfeita harmonia entre homem e natureza, não terá aqui, com este seu belo livro, composto o seu epitáfio? Lembro-me da história narrada por Machado de Assis, no início de Dom Casmurro, ao tentar reproduzir, no Engenho Novo, a antiga residência em que se criara, na rua de Matacavalos. Diz-nos o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas: “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor nem o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo e esta lacuna é tudo.” (Editora Ática S.A., 1987, p.12) Claude – Levy Straus, morto no final de 2009, quase aos cem anos e que viveu muito tempo no Brasil, sobre o qual escreveria aquela obra-prima Tristes Trópicos, dizia que uma das coisas sábias que aprendera com os nossos índios, com os quais – os nambiquaras e os caduveus – convivera tantos anos, fora o perfeito equilíbrio entre o homem e a natureza. Hoje, meus caros senhores e senhoras, este equilíbrio está praticamente rompido. Quase chegamos a duvidar da

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existência daquela bondade natural do homem, a que se refere Rousseau, vendo nele apenas o lobo destruidor, de que falava Hobbes - homo hominis lupus. O caro Celso Barros, que fundou em sua terra uma Academia de Letras, História e Ecologia me diz, com frequência, que as paisagens tão verdes e tão belas de sua terra natal – daí o seu sugestivo nome de Pastos Bons, os riozinhos que alimentavam as passagens que o homem descobria, no Itapecuru e no Parnaíba, nossos rios candidatos à morte próxima, para facilitar-lhes o convívio humano, todos já morreram. Assim, meus amigos, o que fazer para sensibilizar nossas autoridades, nossos homens de pensamento, nossos acadêmicos e intelectuais para essa tragédia? O poeta francês Saint-Jonh Perse, Nobel de Literatura de 1960, nos diz que o escritor é a consciência maldita da sociedade. Se assim é, façamos essa denúncia, de forma plena e destemerosa, convocando a todos, jovens e velhos, homens e mulheres para a defesa de nossas florestas, ou seja, do que nos resta delas, antes que o nosso planeta se extinga. Nossos livros deveriam ser como um látego a verberar aqueles que não cumprem o seu dever, que protraem a sua missão de defender o nosso patrimônio natural, a nossa riqueza ambiental. Em minha terra, Regeneração, havia uma bela chapada, uma espécie de meseta coberta de verdes matas como me diz o Fonseca Neto, que também a conheceu, que atravessava os limites dos municípios de Regeneração, Oeiras, Várzea Grande, Francinópolis, Elesbão Veloso, Valença e recentemente, o Tanque. Tudo foi devastado. Plantaram-se, como triste sucedâneo, matas de eucaliptos. Meu pai, Francisco Nunes, homem simples e de poucas letras, embora com uma boa visão prospectiva

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dos problemas públicos, considerava aquilo um santuário ecológico. E tinha planos para aproveitá-la racionalmente. Não pôde fazê-lo antes de morrer. Foi uma pena! Chegou a construir, no início da década de 40, como Prefeito, uma estrada seguindo as trilhas de velhos caminhos, com o intuito de preservar a mata, em parceria com a firma Moraes S.A. para ligar as cidades de Regeneração e Valença, através do antigo povoado Papagaio, hoje Francinópolis. Agora pretendem fazer o mesmo com as matas do entorno de Teresina e municípios adjacentes, inclusive as matas ciliares do rio, que lhes dão vida. Para também matálas, substituindo-as por eucaliptos. Teresina, que já é uma cidade extremamente quente, ficará inabitável. No sul do Piauí, em nosso cerrado, existem 3 mil carvoarias. Parte do cerrado, os restos de nossa mata atlântica, como parte da Serra Vermelha, já se foram. Que fazer? Há cerca de dois anos, a pedido de um editor de Brasília, escrevi a introdução a um livro sobre o rio Parnaíba, que saiu numa edição bilíngue, (português e inglês) distribuída no Brasil e em outros países, e nele fiz esta mesma denúncia que ora estou repetindo aqui. Creio que a obra, já em 2ª edição, tenha circulado o mundo, divulgada que foi pelas Embaixadas dos países acreditados na Capital Federal. É um belo livro com o sugestivo título de Viagem Pictórica pelo Rio Parnaíba, em que se faz o resgate da saga poética e paisagística do nosso rio mágico. É assim uma alegria, meu caro Fonseca Neto, tê-lo aqui, em nossa Academia, em hora tão decisiva para a vida humana em nossa terra e em nosso planeta. Entra V. aqui (permita que eu fuja à praxe acadêmica para usar assim neste final um tratamento afetivo, conforme o permite nossa velha amizade, não obstante os anos que nos

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separam). Afinal, “Você”, segundo os doutos, vem de Vossa Mercê, que é um tratamento que se reservava à nobreza e, por corruptela, passou para Vossimicê, na voz do povo, chegando até o nosso Você. É esta uma hora solar para esta Academia. Chega V. aqui, com o vigor de sua força e de sua bela inteligência, quando a Academia tem a presidi-la o mais novo de todos nós, o acadêmico Reginaldo Miranda. De minha parte, tudo fiz para atender ao seu apelo para que o recebesse nesta casa, em hora tão significativa para o seu destino literário, com as honras de estilo, ou seja, com pompa e circunstância, como se diz. Talvez V. desejasse nesta hora que eu pudesse talvez representar aqui, de forma simbólica, é claro, o papel que Dante, na Divina Comédia, atribuiu ao poeta Virgílio, que o conduziu pelos meandros do Inferno e do Purgatório, deixando-o às portas do Paraíso, porque por sua condição de pagão o ingresso ali lhe era defeso, reservando esse papel a Beatriz. Também não poderei conduzi-lo, ai de mim, meu amigo, ao nosso Paraíso, que é a glória acadêmica, aquela “que fica, honra, eleva e consola”, como diria Machado de Assis. Faltam-me atributos para tão alto mister. E por falar em tal, que é a glória e, no caso presente, que é a glória literária? Vamos responder à pergunta com a lição dos mais experientes. A literatura francesa, que é uma literatura de moralistas, tem algumas respostas interessantes. Napoleão Bonaparte, por exemplo, que tem para Josué Montello lampejos que rivalizam com os de Flaubert ou Chateaubriand, assim a conceitua: “Tocai um sino com uma luva, e ele não produzirá ruído algum; tocai-o com um martelo e ele ressoará”. Ou esta outra: “Uma reputação é

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um grande ruído que, quanto mais cresce, mais se espalha; as leis, as nações, os monumentos, tudo caí; mas o ruído fica”. Flaubert nos diria: “Gosto desta pergunta e da resposta respectiva: Que é a glória? Pretexto para que se diga muita tolice a nosso respeito”. Senhor Antônio dos Santos Fonseca Neto! Com as bênçãos de Nossa Senhora da Vitória, que nesta mesma data, 2 de março de 1697, teve instalada sua freguesia em Oeiras, a nossa velha Capital, seja bem-vindo à Casa de Lucídio Freitas.

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DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO JESUALDO CAVALACANTI BARROS

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onestamente, o Gurgueia não deve nutrir queixas desta Academia. Pois sou honrosamente recebido nesta sessão solene presidida por um gurgueiano – o acadêmico Reginaldo Miranda da Silva – e em que vai falar por todos outro gurgueiano – o acadêmico Oton Mário José Lustosa Torres. Se não bastasse, trata-se, embora ainda jovens, de dois expoentes da nova geração de intelectuais do Piauí e, por títulos vários, justos credores da minha e da admiração de todos. Como se fora um resgate histórico, é bom lembrar que Oton, que hoje aniversaria e deixou as comemorações familiares para nos prestigiar, o que muito agradeço, é filho da matriz dos sertões de Parnaguá, enquanto que Reginaldo tem o umbigo enterrado lá no antigo Lugar da Senhora, que os admiradores do coronel Bertolino Alves e Rocha desmembraram da velha Jerumenha para formar o atual município de Bertolínia. Parnaguá e Jerumenha, como sabemos, foram os dois

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primeiros municípios que nosso primeiro governador, João Pereira Caldas, instalou, pessoalmente, nos idos de 1762, naqueles confins onde começou o Piauí. Primeiro, inaugurou a vila mais distante, a de Parnaguá, dia 3 de junho; e depois, já na volta, a de Jerumenha, a 22. Oeiras, a capital, era então o único município e sediava a única comarca existente na recém-instalada Capitania de São José do Piauí. Caldas, viajando a cavalo, deixara a capital a 8 de maio daquele remoto ano e só a ela retornaria cerca de dois meses depois, após abrir toscos caminhos por caatingas e chapadões desconhecidos, vencendo dificuldades de toda ordem. Romper aqueles confins não era tarefa fácil. Exigia sacrifícios e determinação. Tanto que os governantes piauienses, como que, contrariando José Américo de Almeida, tivessem esquecido o caminho de volta, demoraram nada menos de 191 anos para revisitá-los. Pasmem, pois a segunda visita só se daria em 1953! Fê-la o então governador Pedro Freitas (por sinal, tio-avô de nosso colega acadêmico Hugo Napoleão), quando esteve em Corrente, viajando pelo moderno transporte da época – o jipe. Eu, menino de calças curtas, o vi caminhando pelas ruas esburacadas de minha cidade, cigarro de palha ao bico, na maior informalidade, homem simples e bom que era. Antes, invertendo o trajeto palmilhado por Caldas, passara por Jerumenha para participar da comemoração do aniversário de fundação do município e prestigiar a conferência, alusiva à data, do acadêmico Artur de Araújo Passos, vereador de Teresina e ilustre filho da terra. A essas festividades comparecera luzida comitiva do Centro de Estudos Piauienses, tendo à frente seu presidente – o jovem intelectual e prefeito de Campo Maior, o hoje acadêmico Raimundo Nonato Monteiro de Santana – já àquela época mestre dedicado à missão de pensar o Piauí e fazer o Piauí pensar-se também.

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Pois bem. Apesar do isolamento a que foram submetidos por quase dois séculos, os gurgueianos jamais deixaram de acorrer ao chamamento do Piauí e da Pátria, nos seus momentos mais graves. Assim é que, “nos tempos críticos de 1823”, marchou de Parnaguá, para lutar pela Independência, meu tetravô, o juiz ordinário da vila e capitão do regimento de cavalaria de milícias Tibúrcio José de Borges. Comandava 148 cavalarianos, “com cavalgaduras, matalotagens e dinheiros” por ele custeados e não reembolsados pelo governo (aliás, como sempre ocorre!), conforme requerimento que dirigiu ao presidente da Província, João José Guimarães e Silva, em 1830. Só ensarilhou as armas quando assinou a ata de capitulação do major Fidié na vila maranhense de Caxias. Rico fazendeiro que era, perdeu a fortuna, é verdade, mas ganhou o galardão: foi promovido a major (sargento-mor, à época), sob o fundamento de que fora “o único oficial desse regimento que marchou voluntariamente para a guerra”, conforme anota Abdias Neves. Não menos heroica foi a empreitada do tenentecoronel José Lustosa da Cunha, futuro barão de Santa Filomena, que desceu o Parnaíba em balsas de talos de buriti, em 1865, comandando o 2º corpo de voluntários da Pátria, composto de mais de 200 combatentes, depois ampliado com outros tantos. Fora organizado nas vilas de Parnaguá, Bom Jesus e Jerumenha e nos então arraiais do Corrente e Santa Filomena. Só retornariam com a completa vitória brasileira nos campos do Paraguai, após combaterem em todas as frentes, durante cinco anos de carnificina. Terminada a guerra, seriam recebidos pessoalmente pelo imperador dom Pedro II, no Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro, apinhado de piauienses orgulhosos de seus feitos, com esta saudação calorosa e consagradora: “Senhor comandante

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de voluntários da Pátria! Aceitai este abraço para vós e vossos camaradas! A glória coroou vosso heroísmo! Vinde receber as aclamações de vossos compatriotas!” Desembarcariam em Teresina, a bordo do vapor Piauí, em 1870, menos de 150 daqueles bravos – os salvados das “charqueadas de López” – como insinuava David Caldas no seu jornal O Amigo do Povo. Se me permitem continuar a navegar por esses mares, diria mais que foi dos sertões de Parnaguá que saiu João Lustosa da Cunha Paranaguá, depois Visconde e Marquês de Paranaguá, para brilhar na corte do Segundo Império ao ocupar praticamente todos os ministérios e a presidência do Conselho de Ministros, tornando-se, com toda justiça, o mais preeminente piauiense de todas as eras. No tocante a esta Academia, inúmeros foram os gurgueianos que por aqui passaram, deixando-nos, em marcas indeléveis, o brilho de sua cultura, inteligência e talento, a exemplo de Adelmar Soares da Rocha, Amélia de Freitas Bevilácqua (a esposa do jurista Clóvis Bevilácqua), Artur de Araújo Passos, Esmaragdo de Freitas e Sousa, João Crisóstomo da Rocha Cabral, José Miguel de Matos, José Patrício Franco e Pedro Borges da Silva. Com incontido orgulho, ocorre-me citar outros gurgueianos, que, portando idêntica bagagem, presentemente ilustram a Casa de Lucídio Freitas, como Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Omatti, Herculano Moraes da Silva Filho, Humberto Soares Guimarães, Jônathas de Barros Nunes, Pedro da Silva Ribeiro e William Palha Dias. Um parêntese para uma pergunta que não pode calar: então, por que duvidar de nossa capacidade de construir o Estado do Gurgueia? Ante a presença aqui de tantos filhos daquelas

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bandas, julgo da maior justiça reconhecer que nossa Academia não apenas cumpre a relevante missão de proteger e difundir as boas letras, unindo a tradição e a invenção na cultura piauiense, como acentua o mestre Manoel Paulo Nunes. Vai além ao praticar a boa cultura, que é a cultura democrática, justo aquela que, abominando preconceitos para valorizar o mérito, faz o politicamente correto, isto é, faz a inclusão de pessoas com profundo respeito a suas diversidades. Sou, portanto, outro filho do Gurgueia que aqui aporta, embora sem o brilho dos que me antecederam na chegança. No fundo, “um garoto vindo dos confins do Piauí fazer história na capital”, no dizer do instigante Zózimo Tavares. Por sinal, o primeiro membro desta Academia nascido no Corrente, a pérola daqueles antigos sertões de Parnaguá, cantada pelo telurismo singelo do poeta correntino Eudalton Teles: Num recanto abandonado Lá do sul do meu Estado Existe um lugar feliz: Meu querido Corrente, Que embora modestamente, É o mais belo do País.

E aqui chego nem cedo nem tarde. Como na imagem bíblica, se há um tempo para tudo sob o sol, diria que chego no momento próprio, na ocasião oportuna. Porque, ao contrário do filho pródigo, não dissipei o patrimônio que meus pais – Sebastião Barros e Iracema Cavalcanti – me legaram, voltado, basicamente, para os valores do espírito. Por certo, não bafejado pela precocidade de nossa decana Nerina Castelo Branco, aqui chegada na flor de seus 32 anos, precocidade, aliás, só superada por Lucídio Freitas, nosso patrono. Nem pelas vivências do sempre jovem Júlio Romão

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da Silva, empossado acadêmico aos 73 anos. Mas, filosofando com Chopra e Manfredi Cerqueira, que as pessoas só ficam velhas quando param de crescer, é que bato às portas da Academia ainda a tempo e com tempo de alimentar sonhos e cometer ousadias, missão historicamente reservada aos que teimam em resistir à mesmice dos tempos. Diria mais que a tempo e com tempo de poder prestar meus modestos serviços à Academia, ao lado da Socorro, a fiel companheira de todos os momentos e, assim, parceira tanto de desilusões quanto de conquistas, esperanças e utopias, com o despojamento, a coragem para lutar e a disposição de trabalho que Deus nos deu e mantém com muita proficiência. Ao lado também de nossos filhos Jesualdo, Juliana e Marina, da nora Flávia, dos genros Renato Guimarães e Valério Mendes e das netinhas Alice Maria, Mariana, Luíza e Laura, esta que acaba de nascer. E, mais do que tudo, a tempo e com tempo de conviver mais de perto com 39 figuras exponenciais da cultura piauiense, em suas andanças pelos múltiplos caminhos das letras, da pesquisa e do saber. Pois bem. Quem se achega a tantos valores e, o que é mais importante, por via de uma eleição marcada pela unanimidade de votos livremente concedidos, não pode exibir outra pretensão que não a de agradecer, servindo. Sou, portanto, profundamente grato a todas as acadêmicas e a todos os acadêmicos que materializaram o ingresso que ora faço na Academia. E só um compromisso me anima: o de procurar dignificar, em todos os momentos, por pensamentos, palavras e ações, tão calorosa manifestação de confiança e generosidade. Sou também profundamente grato a todos os que nos honram com suas presenças, muitos dos quais provindos de longe. Nascido em Teresina a 4 de agosto de 1920, João

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Gabriel Baptista, a quem tenho a honra de suceder nesta Academia, era casado com Maria Jesus de Carvalho Baptista, que lhe sobrevive. Ao falecer a 20 de março último, deixou sete filhos: cinco seguiram as pegadas profissionais do pai, sendo três engenheiros civis (Ernesto José, Fernando Luiz e Orlando Geraldo) e duas professoras (Maria do Socorro e Elisabeth), além da contabilista Aracy e do médico Mário Benjamin. Passara a integrar os quadros desta Academia desde 9 de janeiro de 1978, ocupando a cadeira 3, que tem o padre Joaquim Sampaio Castelo Branco por patrono e os acadêmicos Fenelon Ferreira Castelo Branco e Cromwell Barbosa de Carvalho como ocupantes. Aqui exerceria variados cargos de sua direção, os quais desempenhou com entusiasmo e competência. Formado engenheiro civil pela Escola Politécnica da Bahia, em 1946, logo assumiria, no Estado-berço, os postos de comando mais importantes em sua época e área de atuação, inclusive a direção geral do Departamento de Estradas de Rodagem e a então Secretaria de Estado de Viação, Obras Públicas, Agricultura, Indústria e Comércio. Para se aquilatar a amplitude do campo funcional dessa secretaria de nome quilométrico, basta salientar que, no organograma atual da administração pública do Estado, suas antigas funções acham-se distribuídas por nada menos de sete secretarias, afora órgãos menores. Professor ele foi a vida inteira. Professor do ensino secundário em colégios públicos e privados de Teresina, lecionando Geografia, Física, Química e Matemática. Professor de Geografia, Cartografia e Etnografia da antiga Faculdade Católica de Filosofia e da Universidade Federal do Piauí. Aluno do velho Liceu Piauiense, conheci-o nos

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idos de 1958. Ensinava Geografia, após concurso público em que defendera tese, em 1951, sob o título Vulcões no Brasil. Tempos gloriosos aqueles. Professor do Liceu ou da Escola Normal Antonino Freire era catedrático, isto é, falava de cátedra, eis que portador de amplo conhecimento da disciplina que lecionava. Se homem, quase sempre usava paletó e gravata em sala de aula. Mas não era respeitado apenas pela aparência indumentária. Tinha postura de formador de homens e condutor de ideias. Irradiava uma certa aura de ciência, técnica, conhecimento, sabedoria. E sabem por que portava toda essa autoridade moral? Pelo salário, está claro que não: o professor nesta terra nunca foi remunerado com justiça, nem agora nem outrora! Revela, por exemplo, padre Domingos da Conceição, nosso representante nas cortes constituintes de Portugal, em 1822, que já àquela época ao professor do Piauí era atribuído um salário de 60 mil réis anuais, enquanto um feitor de escravos percebia 200 mil réis, contando ainda com casa e mesa. Mas, a despeito do baixo salário e de outras condições negativas, toda essa autoridade moral, minhas senhoras e meus senhores, emanava de uma razão cristalina: o mérito. O professor conquistava a cadeira mediante concurso público, prestado perante banca examinadora competente, tendo como ponto alto a defesa da tese que escrevera, como o fez João Gabriel Baptista. A sociedade teresinense acompanhava atentamente todos os lances do concurso. Fazia-se presente. Palpitava, opinava, torcia. Já se vê: não eram momentos apenas de exteriorização da ciência e da cultura. Eram também momentos de manifestação e, mais que isso, de valorização da cidadania. Por isso deixaram marcas profundas, nítidas, inesquecíveis na memória popular. Desse modo, não é estranhável que o governo estadual oferecesse ensino de qualidade. Sobretudo,

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sabendo-se que em sua tessitura pontificaram, em diferentes épocas, muitos dos príncipes desta Academia, tais como Abdias Neves, Arimatéa Tito Filho, Camillo Filho, Celso Barros Coelho, Cristino Castelo Branco, David Caldas, Higino Cunha, Lucídio Freitas, Manoel Paulo Nunes, Martins Napoleão, Odilon Nunes, padre Joaquim Chaves, Wilson Brandão. Que diferença, meu Deus! Pena que “tiranias do tempo” houvessem impedido que Clodoaldo Freitas, príncipe-fundador desta Academia, lá ensinasse um pouco mais do muito que sabia. Não é verdade, Teresinha Queiroz? Fonseca Neto certifica que a obra especializada de João Gabriel Baptista foi feita ao vivo, na emoção do mestre em cena, suando a camisa, em interações plenas com seu discipulado. E sentencia: “Obra, até aqui, única.” Em arrimo dessa sentença lapidar, vai buscar o testemunho de Cineas Santos, para quem “se não fosse João Gabriel, o Piauí não teria Geografia.” O homem das confusões polêmicas (quem diria!), desta vez logrou a unanimidade. Com efeito, temos nessa síntese a maior homenagem que se poderia tributar ao engenheiro, professor e acadêmico João Gabriel Baptista, que foi, ademais, um pesquisador, um geógrafo, um cientista verdadeiro. Que jamais se limitou a burilar achados já conhecidos e repisados. Daí a observação de Camillo Filho, em prefácio da Geografia Física do Piauí, que lançou em 1975, posteriormente ampliada e reeditada em dois volumes: “não se trata de mero trabalho de coleta de dados e informações: há pesquisas e trabalho de campo, indispensáveis a uma obra deste vulto.” Chama atenção o empenho de João Gabriel Baptista em revelar a geografia piauiense, tanto física quanto humana. Visando a sistematizar os estudos que pacientemente realizara durante décadas, publicou outras obras sobre o assunto: Resumo Corográfico do Estado do Piauí (1971), A

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Origem do Rio Parnaíba (1987) e Mapas Geohistóricos do Piauí (1987). Antes publicara Nascentes de um rio (1971). Contagiava a todos seu entusiasmo em aprofundar pesquisas sobre o tema, a ponto de embrenhar-se, ao lado de Noé Mendes de Oliveira e professores outros da Universidade Federal do Piauí, em 1977, pelas caatingas e chapadões do extremo sul em busca das nascentes do Parnaíba. Só parou quando, topando nas fraldas da Chapada das Mangabeiras, onde, segundo Oton Lustosa, “o vento faz a curva”, conseguiu assentar, de uma vez por todas, que o caudal parnaibano tem origem realmente no riacho Água Quente e não no Corriola, como queria o alemão Gustavo Dodt. Não menos contagiante foi sua militância a favor da preservação do Velho Monge, ao participar de todos os movimentos tendentes a denunciar sua degradação e a fomentar ações capazes de devolver-lhe a pujança de outrora. Não sem razão, clamaria em relatório denunciador: se medidas práticas, urgentes, não fossem tomadas, o Parnaíba se tornaria “um rio periódico” e aquela imensa área do sul do Piauí, “um grande deserto em futuro próximo.” Menção especial merece sua última obra – Etnohistória Indígena Piauiense (1994) – que reconstitui o brutal processo de aniquilamento das populações nativas, na chamada “guerra aos bárbaros”, que o historiador Reginaldo Miranda nominou genericamente de “indiocídio”. Por exemplo, instruções especiais do governador João Pereira Caldas, de 1763, ao comandante da vila de Parnaguá, não deixavam dúvidas quanto ao destino reservado aos índios Gurgueias, Acaroás e Timbiras: recomendavam “castigar a ferro e a fogo (...) atacando todas as povoações que encontrar das ditas nações, e reduzindo-as a cinzas, depois de conquistadas.” O mestre Manoel Paulo Nunes, em prefácio da reedição de 2009, chega a afirmar que “nem Pizarro,

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talvez, no México, tenha empreendido tamanha guerra de extermínio contra um povo indefeso...” É triste saber que, nesse holocausto, o Piauí tenha conquistado uma primazia nada dignificadora de sua bela história: nas palavras da historiadora Claudete Miranda Dias, “foi o último Estado a ser colonizado no Brasil, e foi o primeiro a acabar com os índios”. Que lástima, bradaria Deoclécio Dantas! Doutrina o mestre Celso Barros Coelho que “o escritor vive na sua obra”. Esta fala por ele, ele ensina através dela. Eis aí o real sentido da imortalidade: mesmo fisicamente morto, continuar ensinando aos vivos. Esse o legado de João Gabriel Baptista que nos incumbe preservar. Palmas para ele! Muito obrigado!

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DISCURSO DE RECEPÇÃO AO ACADÊMICO JESUALDO CAVALCANTI BARROS Oton Lustosa*

Q

uando, a cinco de abril de 2001, em festiva noite de posse, tomei assento na cadeira cinco deste Sodalício, entre outras tantas palavras que pronunciei no discurso mais importante de minha vida, me demorei em duas passagens telúricas, que agora recordo. Eis a primeira, dizia eu: “Vejo-me na minha amada cidade de Parnaguá... Entre a serra encantadora e a lagoa encantada – imensa, de águas róseas maretadas, onde tem morada o curumim enjeitado filho de Miridan. Infante, um tanto acanhado, na casa do avô octogenário, sob os cuidados das tias, em meio à corriola dos primos citadinos, atilados, peraltas... Que chupavam picolés e pirulitos, atiravam de baladeiras, ajudavam de coroinhas, fumavam cigarros mansos, aperreavam as meninas na pracinha da igreja e faziam indecências nos escondidos dos quintais. [...]”1. Ponho reticências no texto e já relembro a segunda *

Oton Mário José Lustosa Torres. Magistrado, romancista, ocupante da cadeira nº 5 da APL.

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passagem daquela emocionante elocução: “Nas ruas da querida cidade de Corrente curto toda a minha adolescência e o início de minha juventude com os mergulhos no meu rio de águas lépidas, barrentas, com seu perau traiçoeiro e suas aconchegantes coroas; sob o verde das copas das mangueiras e a sentinela de esguios coqueiros da praia. Recordo as tardes alegres das peladas no campinho do Instituto Batista Correntino e as gloriosas manhãs setembrinas sob o rufo dos tambores e os solos dos clarins em homenagem à Pátria Amada. Miúdo, envergando o brim da fatiota de gala, no adro da Matriz da Conceição, interpretava o Castro Alves e o Casimiro de Abreu. Choviam as palmas [...]. “Belos tempos, belos sonhos.”2 E assim se explica, senhoras e senhores, o motivo pelo qual aqui estou a falar em nome da Academia Piauiense de Letras, na honrosa missão de saudar o novel acadêmico JESUALDO CAVALCANTI BARROS. Com muito orgulho me divido. Pertenço às duas cidades: Parnaguá e Corrente! JESUALDO, um filho de Corrente, toma assento hoje na cadeira número três na Casa de Lucídio Freitas e esta é uma oportunidade singular para que eu, cumprindo com muita honra uma missão acadêmica, possa, ao mesmo tempo, exteriorizar a minha imensa alegria pela ascensão de um conterrâneo ao cenáculo maior das letras piauienses. Entre a eleição e a posse, já tendo eu sido convidado e designado para proferir esta oração, numa de nossas sessões pelo mês de junho, o acadêmico MANOEL PAULO NUNES, ex-presidente desta Casa por dois mandatos, recordista em número de discursos de recepção aqui proferidos, dizia-me com entusiástica expectativa que seria esta uma 1 2

LUSTOSA, Oton. Discurso de Posse do Escritor Oton Lustosa na Cadeira n° 5 da Academia Piauiense de Letras, p. 21. Idem. Ibidem, p. 22.

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noite parnaguaense! Eis o alcance de suas palavras. Uma das razões da chegada de JESUALDO a esta Casa é o fato de ter ele enriquecido a bibliografia historiográfica piauiense com a aplaudida obra Memória dos Confins, onde retrata “a saga de vaqueiros, heróis e jagunços nos ermos sertões onde começou o Piauí.” E estes sertões são o vasto mundo histórico do Parnaguá e do Gurgueia. Da análise minuciosa das obras de PEREIRA DE ALENCASTRE3, de CARLOS EUGÊNIO PORTO4, de AGENOR MIRANDA5, de BARBOSA LIMA SOBRINHO6, de MONIZ BANDEIRA7 e das pesquisas em papéis antiquíssimos da Casa Anísio Brito, JESUALDO CAVALCANTI BARROS, cartesianamente, demonstra que os fazendeiros da Casa da Torre ingressaram em solo piauiense após subirem cursos d’água de rios baianos e em seguida descerem em busca das vertentes do Riacho Fresco, do lago de Parnaguá e das vazantes do Paraim e do Gurgueia. Aí nessa imensidão de caatingas, chapadas e vales; tabuleiros, veredas e várzeas foram concedidas as primeiras sesmarias e sitiadas as primeiras fazendas. Depois é que os conquistadores seguiram o rolar das águas e o sopro dos ventos em busca dos vales do Mocha, do Piauí, do Itaim, do Canindé e do Parnaíba até alcançarem a barra do Poti e daí em diante rumo ao Atlântico. Enfático, o autor de Memória 3 4 5 6 7

ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Memória Cronológica, Histórica e Corográfica da Província do Piauí. Comepi, 1981. PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Projeto Petrônio Portella, 1986. MIRANDA, Agenor Augusto de. Estudos Piauienses. Cia. Editora Nacional, 1938. SOBRINHO, Barbosa Lima. Devassamento do Piauí. Cia Editora Nacional, 1946. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Feudo: a Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Editora Civilização Brasileira, 2000.

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dos Confins afirma: “O Piauí começou, sem dúvida, pelo Gurgueia. E não poderia ser outra a conclusão – diz ele -, posto que os dois primeiros atos oficiais pertinentes à conquista têm relação direta com esse vale: o primeiro, como vimos, foi a entrada à aldeia dos índios gurgueias; o segundo, diz respeito à concessão das primeiras sesmarias em 1676, todas localizadas na região.”8 O livro Memória dos Confins, publicado em 2005, atualmente em 2ª. edição datada de 2007, tem recebido aplausos de muitos e variados leitores e o merecido reconhecimento da crítica especializada. A seu respeito destaco as palavras do historiador e acadêmico FONSECA NETO: “Não devem sobreviver dúvidas: é a melhor porque mais cuidadosa contribuição que aqueles sertões ganharam até hoje no sentido de desvendar sua história, que é a história dos sertões de dentro que se vão alevantando em maciço para virar planalto mais à frente.”9 E as do acadêmico M. PAULO NUNES, crítico literário de escol e defensor intransigente da cultura e da historiografia piauienses, que proclama: “Livro revelador e rico em informação documental, fruto do trabalho persistente deste incansável pesquisador, por certo haverá de ficar como das mais seguras contribuições à nossa História, realizada com método e apoio documental. Parabéns ao dileto amigo e historiador de peso pela obra realizada em favor do Piauí e de seu povo.”10 Em sentido amplo, a obra do novel acadêmico, entretanto, não se resume apenas ao grande feito 8 9 10

BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Memória dos Confins. Edição do autor, 2005, p. 33. BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Gurgueia, Espaço, Tempo e Sociedade. Edição do autor, 2008, p. 507. Idem, ibidem.

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da publicação do livro Memória dos Confins, que é esmeradamente bem escrito, rico, documentado. De uma apurada reflexão sobre a sua trajetória de vida, extrai-se a conclusão de que a matéria-prima do seu labor, em todas as horas, foi a palavra. Como que demarcando o início de sua vida pública, com quinze anos saía da adolescência escrevendo e publicando num jornalzinho do grêmio estudantil o seu primeiro texto11. Reivindicava a mudança da sede da Capital da República para o Planalto Central Goiano. Para um menino de quinze anos era perfeitamente factível o atendimento ao seu pleito. Não se decepcionou. O Presidente JUSCELINO KUBITSCHECK DE OLIVEIRA, que cultuava a virtude de ouvir e anotar as reivindicações dos anônimos do povo, dali a cinco anos inauguraria a deslumbrante Brasília, bem no seio do Planalto Central. O livro Tempo de Contar conta tais passagens da vida do intelectual e tribuno JESUALDO CAVALCANTI BARROS. Na capa, que exibe um fundo branco de paz e nele se carimbam uma tarja vermelha de sangue e uma nódoa cor de chumbo da pisada de um coturno militar, lêse o subtítulo: “O que vi e sofri nos idos de 1964.” A vinte e sete de dezembro de 1957, deixando para trás Goiânia, como deixara em 1954 a fazenda Malhada e a cidade de Corrente, desembarca em Teresina o décimo primeiro filho – de uma prole de dezesseis – de SEBASTIÃO DE SOUZA BARROS e IRACEMA CAVALCANTE BARROS. Estuda, trabalha, defende suas ideias, se faz ouvido e seguido por alguns. Dentro em pouco era líder entre os estudantes do Liceu e das demais escolas da capital piauiense. Da luta reivindicatória estudantil emerge vereador, eleito em 1962, com 22 anos de idade e 448 votos. Tido por inimigo do Golpe Militar de 11

BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de Contar – o que vi e sofri nos idos de 1964. Edição do autor, 2006, p. 82.

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1964, é preso e cassado. “Solto, mas não livre” – como ele próprio diz –, deixou nos anais do DOPS a ficha e a pecha de comunista. Instado por familiares e amigos, teve de fechar a banca de advocacia e se entregar à política partidária. Impossível aqui, nesta exígua fração de tempo, descrever o conjunto de suas realizações. Não poderei, entretanto, por mera economia de tempo e seleção de temas, excluir desta fala acadêmica, três destaques da carreira parlamentar de JESUALDO CAVALCANTI BARROS: sua obstinação pela difusão e preservação da cultura e da história piauienses, pela expansão do ensino universitário e pela criação do Estado do Gurgueia. Como gestor público, entre outros feitos, ergueu Casas de Cultura e Turismo, concorreu decisivamente para a aquisição e doação à Academia Piauiense de Letras do prédio onde funciona a sua sede e firmou convênios para recolhimento de documentos históricos ao Arquivo Público estadual. Como parlamentar, reivindicou e concretizou a implantação de uma Universidade no sul do Piauí, mais tarde encampada pela UESPI, cujo campus, na cidade de Corrente, recebe atualmente o seu nome. Quanto ao Estado do Gurgueia, bradou no Congresso Nacional e deixou ali a ideia corporificada nos anais da Casa. Com o propósito de fazer ver aos congressistas e convencer piauienses, sobre este tema escreveu livros e fundou o CEDEG – Centro de Estudos e Debates do Gurgueia. Aqui mesmo na Casa de Lucídio Freitas, no ano de 2007, travou debate com os acadêmicos – entre os quais me incluí –, e traduziu, com comparações estatísticas, a sua ideia inarredável de “dividir para crescer”, com a qual concordo inteiramente. Nenhuma obra humana, seja física ou intelectual, se alevanta senão pela propulsão de uma ideia. MANFREDI MENDES DE CERQUEIRA em um de seus magníficos livros adverte que É preciso filosofar e costuma lembrar em suas

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reflexões acadêmicas, citando FRANCIS BACON, que “As ideias governam o mundo.” Corram os dias, os meses e os anos, que a ideia de criação do Estado do Gurgueia há de concretizar-se. O trabalho de JESUALDO CAVALCANTI BARROS, porém, haveria de continuar e de outra forma não seria senão com o emprego da matéria-prima a que já me referi: a palavra. As perorações do Parlamento e os Acórdãos do Tribunal cederam lugar às páginas de pesquisa histórica e de narrativa memorialista. Depois de exercer três mandatos de deputado estadual, um mandato de deputado federal constituinte e de ter sido presidente da Assembléia Legislativa, fez-se conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, do qual foi presidente. O novo acadêmico é um homem realizado e feliz. Constituiu uma bela família, formada pela esposa Maria do Perpétuo Socorro Rocha Cavalcanti Barros, professora universitária, ex-reitora da Universidade Estadual do Piauí, pelos filhos: Jesualdo Cavalcanti Barros Filho, engenheiro civil e bacharel em direito, analista do Tribunal de Contas da União; Juliana Rocha Cavalcanti Barros, médica pneumologista/ alergologista; Marina Rocha Cavalcanti Barros, juíza federal; pelos genros, nora e netos. Não esperou a compulsória e aposentou-se aos sessenta e dois anos, “para dedicar-se por inteiro à família, ao estudo e à pesquisa dos problemas do Piauí.”12 Empreendeu pesquisas, guardou achados históricos preciosos e pediu ajuda a quem lhe pudesse ajudar. Entregou-se ao ofício de escrever. Eis o resultado dessa faina. Além de Memória dos Confins e de Tempo de Contar, já referidos, publicou as seguintes obras: Tempo de Cultura, O Estado do Gurgueia, Notícia do Gurgueia, Tempo de Tribunal, Dicionário Enciclopédico do Gurgueia e o livro 12

BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de Contar, 2006, p. 272.

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mais recente Gurgueia, Espaço, Tempo e Sociedade. Senhor JESUALDO CAVALCANTI BARROS, acabais de tomar assento na Casa de Lucídio Freitas e de agora em diante a cadeira número três estará vinculada ao vosso honrado nome. Fazem a história desta cadeira os nomes de JOAQUIM SAMPAIO CASTELO BRANCO, seu patrono; de FENELON FERREIRA CASTELO BRANCO, primeiro ocupante; de CROMWELL BARBOSA DE CARVALHO e JOÃO GABRIEL BAPTISTA, segundo e terceiro ocupantes, respectivamente. Grande é a vossa responsabilidade, como o é a de todos nós que compomos o quadro de membros deste Sodalício, pois temos o dever de seguir o bom exemplo dos nossos antecessores e deixar para a posteridade uma justificativa convincente da nossa condição de acadêmicos. A propósito dos nomes que dignificam a cadeira número três da Academia Piauiense de Letras, a partir dos estudos do acadêmico WILSON CARVALHO GONÇALVES13, faço esta apertada síntese. O padre JOAQUIM SAMPAIO CASTELO BRANCO, natural de José de Freitas-PI, foi o fundadorproprietário do jornal O Mensageiro, de São Luís-MA. Doutor em Direito Canônico, discutiu com profundidade se os padres deviam ou não se casar. Com o mesmo desassombro, em pleno apogeu da escravatura no Brasil, saiu-se em defesa da abolição dos escravos. O primeiro ocupante, FENELON FERREIRA CASTELO BRANCO, natural de Barras do Marataoan, era poeta, magistrado e jornalista; integra o grupo dos dez fundadores da Academia Piauiense de Letras. Seu poema satírico Recuerdo, em que parodia Meus Oito Anos de Casimiro de Abreu, é uma crítica mordaz àqueles governantes que se enfeitiçam com o poder, que é transitório. O segundo ocupante, CROMWELL BARBOSA 13

GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado. Edição do autor, 2003.

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DE CARVALHO, natural de Amarante-PI, era magistrado, jornalista e professor. Foi presidente do Tribunal de Justiça e o fundador da Faculdade de Direito do Piauí. O terceiro e último ocupante, JOÃO GABRIEL BAPTISTA, o segundo deste nome, era natural de Teresina-PI. Engenheiro civil, geógrafo e professor. Publicou seis livros. Em um deles, Ethnohistória Indígena Piauiense, no dizer do acadêmico M. PAULO NUNES, faz “um retrato minucioso, ano a ano, século a século, do que foi o chamado processo civilizatório piauiense, de como operaram nossos colonizadores, na sua obra sistemática e impressionante do massacre de uma raça e extinção de uma cultura, citando-lhes os nomes de batismo e as ações execrantes.”14 A cidade de Corrente, vossa terra-berço, senhor JESUALDO CAVALCANTI BARROS, de agora em diante e para todo o sempre passa a integrar, por extensão, a Casa de Lucídio Freitas, respeitável instituição secular que representa a memória histórica, artística e cultural do povo piauiense. Eis o alcance de uma academia de letras. Do belo discurso de posse de MURILO MELO FILHO na cadeira número 20, da Academia Brasileira de Letras, transcrevo sábia lição: “Legítimas sucessoras das Arcádias do Século XVIII, as atuais Academias de Letras não são maniqueístas e almejam objetivos que só serão atingidos daqui a quatro ou cinco gerações, quando muitos anos já terão decorrido depois de nós.”15 Muitos por aí alardeiam que elas – as academias para nada servem. O escritor MÁRCIO SOUZA, que escreveu Mad Maria, belo e comovente romance, que virou telenovela e que retrata a dolorosa realidade da construção da ferrovia 14 15

GONÇALVES, Wilson Carvalho. Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado. Edição do autor, 2003, p. 49. www.academia.org.br

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Madeira-Mamoré, em seu discurso de posse na Academia Amazonense de Letras, entre outras considerações convincentes, deu claro sentido às Academias de Letras com estas palavras: “Mesmo que as Academias de Letras não produzam o milagre de melhorar a arte de seus membros, talvez elas sejam o lugar ideal para melhorar as qualidades humanas de cada um, pelo convívio afável irmanado no amor às letras, pelo embate de ideias, pelo exercício da sofisticação crítica, pela influência civilizatória na comunidade em que se inscrevem. Isto se chama cidadania e não é por outro motivo que as Academias de Letras apareceram no alvorecer da democracia moderna e foram instrumentos importantes para a sua consolidação no mundo como hoje o conhecemos.” Restam, pois, sem argumento aqueles que não veem utilidade ou valor algum nas Academias de Letras, de que é expoente maior a Casa de Machado de Assis, glória da literatura nacional e patrimônio cultural mais representativo do povo brasileiro. Senhor JESUALDO CAVALCANTI BARROS, sede bem-vindo. A Academia Piauiense de Letras vos recebe com alegria e com muita honra, certa de que a vossa atuação acadêmica somará grandemente na consecução daqueles objetivos estatutários idealizados em 1917 e que continuam muito vivos na consciência e na determinação de cada membro da Casa de Lucídio Freitas.

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CONFERÊNCIAS



AMÉLIA BEVILÁCQUA E A ESCRITA FEMININA NO BRASIL Teresinha Queiroz*

A

mélia Bevilácqua, escritora brasileira nascida em Jerumenha (PI) em 1860 e falecida no Rio de Janeiro em 1946, tem sido, em anos recentes, contemplada com vários estudos de natureza biográfica e literária, sobretudo em Teresina e no Rio de Janeiro. Dentre esses estudos há que se destacar os de Algemira de Macedo Mendes,1 Maria do Socorro Rios Magalhães,2 Olívia Candeia Lima Rocha,3 Regina Coelli * 1

2 3

Professora da Universidade Federal do Piauí. Acadêmica da Cadeira 23 da APL. MENDES, Algemira de Macedo. A imagem da mulher na obra de Amélia Beviláqua. Rio de Janeiro: Caetés, 2004; MENDES, Algemira de Macedo. Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na história da literatura brasileira: representação, imagens e memórias nos séculos XIX e XX. Doutorado (Doutorado em Linguística e Letras) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006. MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios. A imagem da mulher na obra de Amélia Beviláqua. Cadernos de Teresina, Teresina, ano 17, n. 37, p. 12-15, ago. 2005. ROCHA, Olívia Candeia Lima. Uma perspectiva da inserção literária

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Batista de Moura Carvalho,4 Gizlene Neder5 e Alberto Venâncio Filho.6 No início do século vinte, Clodoaldo Freitas e Matias Olímpio foram os escritores que mais deram realce ao seu trabalho no Piauí, apontando seus méritos ou defendendo-a dos críticos cariocas. Ao chamar a atenção para esses pesquisadores e seus estudos, quero igualmente realçar que minha proposta é sugerir algumas possíveis relações entre os interesses e os percalços literários de Amélia de Freitas Bevilácqua e as formas culturais mais amplas que tanto permitem quanto colocam limites ao exercício da escrita feminina, posicionando-a numa tradição vinda do século dezenove e que está para além da experiência brasileira ou carioca. Entre a segunda metade do século dezenove e as primeiras décadas do século vinte a discussão em torno dos papéis de gênero ganha extraordinária visibilidade e os deslocamentos nesse campo se transformam em questão considerada capaz de afetar o sentido da civilização. Ao longo do século dezenove, formata-se um mundo burguês e urbano, cujo centro de exibição e de resistência passa a ser a família – moderna, nuclear e higienizada. Inventa-se igualmente e exacerba-se o medo do enfrentamento de tudo o que foge da

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da mulher piauiense entre 1875 e 1950. Cadernos de Teresina, Teresina, ano 14, n. 33, p. 4-17, ago. 2002; ROCHA, Olívia Candeia Lima. Escritoras piauienses: pseudônimos, flores e espinhos. Revista Mafuá: Revista de literatura em meio digital. Florianópolis, dez. 2003. CARVALHO, Regina Coelli Batista de Moura. Astúcias de mulher: Amélia Bevilácqua e as relações de gênero. Teresina: Halley, 2007. NEDER, Gizlene. Amélia e Clóvis Beviláqua: o casamento, o casal e a ideia de indivíduo. X ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, Anais... UERJ, Rio de Janeiro, 14 a 18 out. 2002. VENÂNCIO FILHO, Alberto. As mulheres na Academia. Revista Brasileira. Rio de Janeiro, fase 7, ano 13, n. 49, p.7-44, out./nov./dez 2006.

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norma, que ameaça o frágil equilíbrio sobre o qual se funda o mundo, a tudo que elide fronteiras, a práticas, representações e sentimentos que expressem a diferença. Entre essas novidades inclui-se a escrita feminina – que desperta tanto admiração quanto horror. Essas novas práticas e novos sentimentos extrapolam as fronteiras nacionais, aparecendo, com distintas peculiaridades, em espaços e culturas diversas e em escala mundial. A escrita, desde o século dezoito, já era exercida e praticada por mulheres, que escreviam sob encomenda para os homens, porém, com o tempo, assumem a autoria e publicam seus próprios livros. A escrita de romances por mulheres foi facilitada pelo fato de a atividade poder ser desenvolvida em espaço privado, no recôndito do lar, sem que a mulher tivesse necessidade de ir fisicamente à rua, de ocupar o espaço público. Além disso, a mulher, por muito tempo, pôde recobrir-se com pseudônimos, mantendo um anonimato protetor tanto da agressão masculina – especialmente de seus concorrentes literatos – quanto da agressividade difusa no social e que não raramente se expressava também nas escritas femininas. A leitura e a escrita de romances, no século dezenove, conquistavam o universo feminino e pareciam bastante adequadas às mulheres. Tanto a leitura quanto a escrita dos romances permitiam às mulheres o acesso a novos espaços geográficos, sociais, culturais e humanos, através das descrições detalhadas de estados psicológicos interiores e de cenas exteriores. Possibilitavam perceber as cidades em movimento; acompanhar suas sociabilidades pela imaginação; erotizar-se, viver paixões intensas, conhecer o mundo proibido do amor e da sexualidade, mesmo que de forma imaginária. Tudo isso sem sair de casa, ou seja, mantendo a postura passiva, caseira e doméstica atribuída

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às boas mulheres pela cultura ocidental dominante. Nesse século, o romance atinge o apogeu enquanto gênero, ao tempo em que as mulheres passam a ter forte presença como escritoras e como leitoras. Entretanto, essas novas práticas não são aceitas passiva e pacificamente em virtude dos deslocamentos sociais que propiciavam, às vezes silenciosos, mas quase sempre tagarelas, que eram vistos como desconfiguradores dos papéis atribuídos a cada sexo. Nos países ocidentais, uma profusão de escritoras de todas as gradações avança sobre as editoras e sobre os leitores, ameaçando, do ponto de vista de muitos concorrentes masculinos, não só a qualidade da escrita e a importância do gênero, como o reordenamento do gosto e o comportamento dos consumidores. Não é sem significado a alarmante reação suscitada pelos sucessos de vendas de romances produzidos por mulheres, mesmo nos Estados Unidos, onde a ideologia burguesa vitoriana – formando as perfeitas “mulherzinhas” – não foi suficientemente forte para abafar o crescente movimento de libertação da mulher e conter suas demandas de igualdade e de respeito, demandas que aparecem nas lutas e nos escritos de várias romancistas de renome mundial. A situação americana repete-se em quase todos os países europeus. No Reino Unido as numerosas “solteironas literárias” despertam admiração e ódio, até por ser impossível negar talento e repercussão a muitas delas, como George Eliot, as irmãs Brontë, Jane Austen. Na França, o cúmulo da admiração, da belicosidade e da tensão entre os sexos nessa partilha da escrita e na divisão dos talentos se exponenciou na mistificação de George Sand. A demonização da escrita feminina, a proibição e limitação das leituras, o disciplinamento do que poderia ser visto, ouvido, lido, conhecido pelas mulheres para que elas continuassem sendo mulheres – foi preocupação corrente

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entre inumeráveis escritores e escritoras também no Brasil. De acordo com Peter Gay,7 os homens experimentam com muita dor e ansiedade esses deslocamentos, requintamse em seus furores agressivos, escrevem e polemizam acerca dessas destruidoras do seu sexo e da sociedade e, a contrapelo, expressam a grande confusão na resposta à questão que vinha dos séculos anteriores, especialmente do século dezoito. Afinal, o que é uma mulher? O que é um homem? Quais as diferenças e, sobretudo, onde estão as fronteiras? Para muitos, as mudanças sociais e as práticas femininas estavam pondo o mundo de ponta-cabeça. Uma das respostas a esses dilemas foi a desqualificação da escrita feminina e das mulheres intelectualizadas – que logo foram chamadas de “as sabichonas de saias”, “as viragos obscenas”, “as solteironas da pena”, vistas como mulheres-homens que ameaçavam despudoradamente os sagrados valores da família, ou seja, do patriarcado em vigor. Afinal, quem eram e o que escreviam essas “diabas” de saias e de calças compridas também? Aproximemo-nos de algumas delas. Comecemos pelas inglesas. George Eliot (18198 1880), pseudônimo de Maria Evans, livre pensadora, vivia com o crítico e biógrafo G. Henry Lewes. Teve o nome protegido, por orientação do companheiro, até o lançamento do livro Adam Bede (1859). Definida como dona de uma escrita com “realismo, humor, rico vocabulário, capacidade de mostrar a vida comum, lhe foi creditada a ampliação do próprio romance”.9 Vista como tendo qualidades masculinas 7 8 9

GAY, Peter. O poderoso sexo frágil. In: GAY, Peter. O cultivo do ódio: a experiência burguesa da rainha Vitória a Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 292-370. GAY, 2001, p. 336. GAY, 2001, p. 352.

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– “inteligência ampla e calma”–, seu maior sucesso foi Meados de março (1862), um dos mais importantes romances ingleses do século dezenove. Charles Dickens era seu admirador. A descoberta de sua condição de mulher não atrapalhou a carreira. Uma de suas antecessoras, Jane Austen10 (1775-1817), na opinião de G. Henry Lewes, era “a maior artista que jamais escreveu” e um homem não poderia ter escrito Orgulho e preconceito. Afirmava que ler um de seus romances “era uma verdadeira experiência de vida”. Entretanto, Lewes pertencia a uma minoria de homens. Autora também de Emma (1816) e de Razão e sensibilidade (1811), Jane Austen era bem nascida em próspera família de pastores do sul da Inglaterra. As irmãs Anne, Charlotte e Emily Brontë, filhas de um pastor e órfãs, destacaram-se na poesia e no romance. Anne Brontë (1820-1849) foi poetisa. Charlotte Brontë (18161855), professora desde os 17 anos, governanta por algum tempo, posteriormente foi viver com as irmãs no plebistério. Juntas publicaram o livro Poesias, sob pseudônimo tríplice: Currer, Ellis e Acton Bell. Charlotte publicou The Professor, romance autobiográfico póstumo, Jane Eyre (1847), Shirley (1849) e Villette (1853). Em 1836, foi aconselhada pelo poeta Robert Southey a “não sonhar acordada”. Emily Brontë (1811-1848), a mais famosa das três, escreveu O morro dos ventos uivantes (1847), considerado o maior romance do romantismo inglês.11 Entre as americanas, destaque para Harriet Beecher Stowe, Maria Cummins, Susan B. Warner e Louisa May Alcott. Harriet Beecher Stowe (1811-1896),12 escreveu o 10 11 12

GAY, 2001, p. 345. GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA LARROUSE. Paris: Libraire Larousse, 1979.p. 1.112.v.3. GAY, 2001, p. 351.

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romance mais influente do século dezenove, A cabana do pai Tomás (1852), que vendeu 300 mil exemplares no ano de sua publicação apenas nos Estados Unidos. Na época da Guerra Civil já alcançara a espantosa cifra de dois milhões de exemplares vendidos. Maria Cummins (1827-1866)13 autora de O acendedor de lampiões (1854) vendeu cerca de 40 mil exemplares nas oito primeiras semanas do lançamento e 55 mil exemplares no primeiro ano. O acendedor de lampiões foi publicado anonimamente. As vendas do livro exemplificam esse fenômeno novo, o aparecimento de novos leitores e leitoras, as pessoas comuns, bem como o vigor de uma nova ficção. Susan B. Warner (1819-1855)14 produziu, na América, outro campeão de vendas, O vasto, vasto mundo (1850). A autora deu início à sua carreira para resolver problemas financeiros da família. Louisa May Alcott (18321888)15 conquistou a fama com o clássico Mulherzinhas. Era filha de pais excêntricos e perdulários e teve que assumir o papel do “marido vitoriano”, ou seja, ganhar o pão. Dizia ter nascido com um espírito de menino sob o gorro e o avental. Deve ser notado que esse sentimento de inveja do homem e de sua condição foi expressa também por George Sand e por Amélia Bevilácqua, esta pela voz da personagem Daluz, no romance Através da vida.16 A alemã Johanna Schopenhauer (1766-1838),17 mãe de Arthur Schopenhauer, pertenceu à linhagem das mulheres que entraram na literatura por razões financeiras. Foi a mais celebrada escritora alemã da primeira metade do século 13 14 15 16 17

GAY, 2001, p. 339. GAY, 2001, p. 340. GAY, 2001, p. 347. BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Através da vida. Paris: H. Garnier, 1906. GAY, 2001, p. 344.

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dezenove. Autora do romance Gabriela. A francesa George Sand18 (1804-1876) foi caracterizada por alguns críticos como uma aberração, um homem-mulher. Após o lançamento do romance byroniano Lélia (1833) já era identificada pelo famoso pseudônimo. Teve vida pessoal movimentada. Em 1831 foge para Paris, deixando para trás um casamento infeliz; na capital francesa tenta garantir sua sobrevivência fazendo jornalismo político no Fígaro e escrevendo romances. Foi aconselhada a fazer filhos e não livros. Entre os contemporâneos, havia uma confusão permanente entre o julgamento de sua militância política e sexual e a avaliação de sua obra. Considerada um fenômeno na escrita e na conquista de leitores no século dezenove, em todo o Ocidente, sobre ela choviam elogios e críticas. Alvo de especulações e discursos relativos às fronteiras de gênero, era tratada como homem e como mulher simultaneamente. Ao longo do século dezenove e ainda no século vinte essa mulher encantou, deslumbrou, horrorizou e assombrou o mundo. Seu nome de batismo era Aurora Dupin. Recuperemo-la a partir de Clodoaldo Freitas, em artigo de 1914,19 em que os referidos temores masculinos e femininos quanto aos papéis de gênero são condensados. Para Clodoaldo Freitas, George Sand significava o antimodelo feminino e encarnava a sedução diabólica que atormentava os homens instruídos em nossa tradição judaico-cristã. Dentre os seus malefícios, constava o da inversão dos papéis sexuais, feminizando os homens, como teria acontecido a Alfred de Musset, Chopin e Lamennais. Considerável parcela desses medos masculinos 18 19

GAY, 2001, p. 345. FREITAS, Clodoaldo. George Sand no teatro. Diário Oficial, São Luís, ano 9, n. 43, p. 1, 21 fev. 1914.

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aparece na descrição da escritora francesa, quando Clodoaldo Freitas se aventura a defender seus amantes: Aquela mulher desabusada, que se vestia de homem, usava cartola e cabelo curto; frequentava os cafés e afrontava imprudentemente as regras da moral social, que prescreve aos sexos uma linha intransponível de conduta, era um verdadeiro contraste e não podia, realmente, apaixonar-se por muito tempo por um poeta sentimental, que se estiolava nas orgias e não possuía sangue bastante vigoroso para lutar em extravagâncias e arroubos com quem tinha nas veias o sangue ardente dos reis do norte. [...] Dessa raça [...] [de] Maurício de Saxe, George Sand herdou essas tendências brutais, essa paixão desenfreada pela liberdade, essa ânsia animal pelos amores efêmeros, esse cinismo que a levava aos mais grosseiros paradoxos com relação ao casamento e às relações de família.20

George Sand encarnava aquilo que uma mulher não deveria ou poderia ser: Tipo acabado da mulher grega nos tempos da sua florescência intelectual, George Sand [...] passou a vida sempre em exibições teatrais, fazendo drama de seus amores e dando ela própria o exemplo [de que] nada valem essas venerandas fórmulas de respeito pelo pudor da mulher e pela sociedade da união dos sexos. [...] Ela que mudava de amante anualmente, como as andorinhas mudam de clima, tinha o dom funesto de seduzir, amar e ser amada, com o triste dom mais fatal de esquecer os amantes [...] ela que bebia e fumava e andava vagabunda nas suas estroinices [...] e trazia Paris, a terra dos escândalos, embasbacada com os seus escândalos [...]. 21

E ele disse ainda mais de George Sand, que, em vida, “nunca levou a sério a honra feminina, abandonando 20 21

FREITAS, 1914. FREITAS, 1914.

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o marido e prostituindo-se, arrebatada sempre pelas ardências carnais, envoltas nas filigranas das mais vaporosas idealidades sentimentais”.22 Nessa crônica sobre George Sand, fragmento representativo de milhares de textos produzidos no período acerca da questão, Clodoaldo Freitas aponta com extraordinária clareza e invulgar força pedagógica os dilemas das relações entre os sexos – cuja identidade e diferença ele via ameaçadas de diluição e confusão – ao tempo em que mostra o que deve ser uma mulher, em contraposição ao que fora a notável romancista. Sua atenção é atraída para os perigos e os horrores dos deslocamentos dos papéis sexuais – escandalosos para uns, aplaudidos por outros. Seus medos apontam para o que ele considerava a masculinização da mulher e, pour cause, a feminização dos homens, temor ainda mais intenso; o livre exercício da sexualidade feminina, ou seja, o amor livre; a prostituição da mulher não como efeito de um ato masculino, mas enquanto escolha e busca femininas; as mulheres sedutoras, significadas como diabólicas, funestas, estranhas, extravagantes, rebeldes, despudoradas, imorais e pagãs, que atuando sobre masculinidades delicadas e frágeis faziam com que esses homens, submissos aos seus poderes de sedução, rastejassem a seus pés, sofrendo e aniquilando-se! Tensionado entre a admiração pelo talento e pelas obras23 e o horror às suas práticas como mulher, Clodoaldo Freitas vai recortando-a como ameaça à sociedade e à família, - tão “bandoleira” quanto as heroínas pervertidas de seus romances. Põe em evidência sua “masculinidade” – ela fuma, bebe, viaja, troca de amantes anualmente, dá escândalos, usa calças, chapéus, cartola, trás o cabelo 22 23

FREITAS, 1914. FREITAS, 1914.

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curto, produz intensamente, polemiza, é personagem de seus próprios livros – e com isso mostra quais seriam os deslocamentos indesejáveis nos papéis de gênero e a fuga, temida como incontrolável, pelos homens, dos ideais femininos. George Sand é apenas o caso mais notável entre as centenas de escritoras “pervertidas”, do século dezenove – romancistas por excelência – desde que o romance cada vez mais se feminiza, não só do ponto de vista da leitura, mas especialmente da escrita. Nos séculos dezenove e vinte, admiração e condescendência poderiam conviver com agressividade e desrespeito. No Brasil, objeto de todas essas reações e sentimentos foi Amélia de Freitas Bevilácqua, que também mereceu registros generosos em que mulher e escritura, família e pátria, valores femininos e vida cristã são vistos em total harmonia – é a forma como Clodoaldo Freitas e Matias Olímpio tratam a autora, ao resenhar suas obras. Ao tratar de Amélia Bevilácqua e mesmo de George Sand, Clodoaldo Freitas não condena ou reprime a escrita feminina. Esclarece, porém, acerca das práticas, das virtudes e das características que devem ser incentivadas para se constituir a mulher do sonho: pureza, amor, casamento, maternidade, instrução, modéstia, recato, companheirismo em relação ao cônjuge e aos filhos, harmonia, singeleza, simplicidade, pudor, bondade, frugalidade, apego aos trabalhos domésticos, bom humor, alegria, felicidade. Amélia Bevilácqua é discreta e louvada como o exato oposto de George Sand, tida como a mulher diabólica, que destrói todas as qualidades da verdadeira mulher. Para ele, mesmo a prática da escrita, fosse ela masculina, feminina ou infantil, estava marcada por interesses, vocações e saberes afetos ao sexo: o homem escreve sobre Filosofia e Direito; a mulher

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registra suas impressões pessoais, descreve a natureza, escreve romances amorosos e sentimentais; as crianças dedicam-se à poesia e aos contos. As reações masculinas à escrita profissional e cada vez mais visível das mulheres variou da agressividade mais aberta à ambivalência e ao apoio irrestrito, como o manifesto por John Stuart Mill. Para os descontentes, especialmente os escritores, um dos argumentos era o de que havia gente demais no ofício. Essas “escrevinhadoras”, que ousavam publicizar seus diários, eram definidas e amaldiçoadas como arrogantes, amazonas da pena, produtoras de livros popularescos, escandalosas, licenciosas, provocativas, afinal, pretensas “sabichonas de saias”. Mesmo o crítico G. Henry Lewes, francamente ao lado das escritoras e apoiando fortemente sua companheira George Eliot, acreditava, como muitos outros críticos oitocentistas, que a mente masculina era caracterizada pela predominância do intelecto e a feminina pela predominância das emoções. Somente a partir do final do século dezenove a rejeição masculina vai adoçando e se dirigindo para a forma de uma inquieta ambivalência. Entretanto, um coro de homens repercurtia no Ocidente: “escrever é quase uma epidemia no mundo das senhoras”.24 Nesse contexto, o uso de pseudônimos era funcional: as mulheres escondiam sua identidade usando nomes masculinos, o que se justificava pela agressividade dos homens, por imposições familiares e também pela baixa autoestima das escritoras. Embora houvesse, na prática, uma composição variada desses ingredientes, as grandes escritoras oitocentistas ficaram famosas com os seus pseudônimos, casos de George Sand, George Eliot, Otto Stern, Ossip Schubin, E. Marlitt e muitas outras. Esse era 24

GAY, 2001, p. 352.

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um dos traços da cultura escrita feminina na era vitoriana, quando a atividade se tornou uma indústria doméstica forte. Nos anos 1850, no mundo anglo-saxão, as mulheres já eram consideradas as maiores leitoras de romances; e, também quem mais os escrevia. A escrita dos romances por mulheres e para mulheres não pode ser compreendida fora desse quadro expressivo de luta pela emancipação feminina – desde que muitas dessas escritoras eram personagens importantes do forte e radical feminismo do período. Alguns dos modos de expressão desse feminismo eram astuciosos, quase subterrâneos e apavoravam os homens pelo poder que pareciam carregar de corrosão dos valores patriarcais e de desorganização da esfera doméstica. Os artifícios poderiam aparecer na própria escrita, pois, a despeito de quase todos os best-sellers terem como personagens principais heroínas imaculadas, perfeitas, piedosas, sentimentais, evangelizadoras, moralizadoras, resistentes, lacrimosas e que, no final, conquistavam a felicidade e o amor, tais enredos, que faziam sucesso na América e na Europa, apresentavam um herói quase sempre imperfeito, que era suave e docemente corrigido pela heroína. As mulheres, no papel, domavam, domesticavam e dominavam os homens. Na passagem para o século vinte, a maternidade e a domesticidade, valores vitorianos, já eram considerados triunfantes. Entretanto, eles se embatiam com os novos desejos de instrução feminina e de independência e com as novas exigências sociais – as de a mulher ser competente. Tanto as escritoras como suas heroínas viviam esse dilema. As romancistas, cada vez mais, procuram interferir e instruir o mundo feminino acerca das novas demandas e dos novos saberes necessários à boa performance das solteiras e das

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casadas, especialmente as das classes médias e dos estratos elevados. Esse filão literário contribuiu para o extraordinário sucesso de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), ela própria representante dos estratos de elite. Em seu Livro das noivas (1896), trata das obrigações e dos inumeráveis saberes e habilidades desejados para as mulheres, especialmente para as casadas. A mulher deveria dominar muitos saberes para ser boa esposa, boa mãe, boa cidadã, bom exemplo. Ela deveria ser cristã, doce, maternal, higiênica, econômica, boa administradora, financista do lar, bondosa, caridosa, incentivadora do marido; e ainda costureira, bordadeira, floricultora, horticultora, decoradora de bom gosto, nutricionista, enfermeira e administradora dos recursos humanos empregados em seu lar. Além de dominar todo um arsenal de conhecimentos e de executar dezenas de tarefas distintas, deveria manter-se sempre limpa, bela, elegante e com excelente humor! Júlia Lopes de Almeida, na maturidade, e em livros posteriores, já expressa certa impaciência com a condição subalterna das mulheres, problematiza a hegemonia masculina e se distancia muito do que propusera no Livro das noivas. Em Maternidade (1925)25 aborda a condição da mulher no mundo e sua relação com os homens. Júlia, nos anos vinte, põe sob suspeição os limites atribuídos à racionalidade feminina, mostra desconforto com a dominação masculina, posicionando-se quase como uma feminista. Associa de forma direta e sem subterfúgios a guerra e a belicosidade como valores masculinos, e estabelece relação entre a mulher e a paz. Realça a condição da mulher enquanto formadora dos homens, e, em virtude disso, insta pela valorização das mães e destaca as responsabilidades da 25

ALMEIDA, Júlia Lopes de. Maternidade. Rio de Janeiro: Editora Olívia Herdy de Cabral Peixoto, 1925.

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maternidade. Júlia Lopes de Almeida escreve sob o signo da mudança – ao tempo em que trata das novas competências femininas, insere-se na tradição que na Europa foi nomeada de a “gaiola doméstica como prêmio”. Tanto os sucessos como as dificuldades experimentadas por Júlia Lopes de Almeida e por Amélia Bevilácqua como mulheres escritoras guardam forte paralelismo com as batalhas enfrentadas pelas escritoras europeias e americanas ao longo do século dezenove. Em que pese o fato de apenas poucos nomes ainda ecoaram em nossa memória e nos registros escritos, acusava-se, no período o furor e agressividade de uma “multidão de escrevinhadores”, muitas delas extraordinariamente bem sucedidas. Advogo, pois, a ideia de que a escrita romancística de Amélia Bevilácqua é tributária, do ponto de vista das temáticas, dos problemas sociais, culturais, psicológicos e de gênero abordados, da grande tradição do romance europeu que se consolida no século dezenove, especialmente dos romances escritos por mulheres. Naquele século, a escrita feminina dialogava com dois grandes processos sociais em curso: o célere aburguesamento do mundo ocidental, que transformava o universo da família e os papéis de gênero e os ecos e verberações das lutas de um feminismo radical que se expressava na vida e na obra de muitas mulheres e de uns poucos homens. Dessa maneira, a escrita feminina torna-se um vetor de transformações ou de indicações para mudanças sociais almejadas por mulheres e constitui-se em reforço aos modelos de família burguesa em ascensão. Ao tempo em que as romancistas inventam seus homens e suas mulheres de papel, exercendo o poder sobre as personagens, elas próprias se tornam modelos para outras mulheres que se lançam no mundo da escrita e que transformam a vida das famosas

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escritoras em inspiração para seus personagens ficcionais. Nesse contexto, as mulheres se apropriam da escrita ficcional e através dela formatam novas relações sociais e culturais e, ao mesmo tempo, são modeladas por essa nova escrita. O romance, cada vez mais, torna-se parte importante do universo feminino, como escrita e como leitura. Evidentemente, essa intimidade entre mulheres e romance não veio acontecendo sem grandes sustos e sem proibições e limites. A relação, tensa, de inúmeros escritores europeus e americanos com esse novo conjunto de mudanças é facilmente percebida a partir da avaliação – positiva, negativa ou ambivalente – tanto das obras quanto do modo de vida de inumeráveis escritoras. No Brasil, não foi distinto esse processo e Amélia Bevilácqua corporifica e experimenta fortemente essas tensões da cultura. Tanto sua vida pessoal e profissional quanto sua obra podem ser lidas a partir das chaves analíticas apresentadas. Dividida entre um forte e quase incontrolável amor pela leitura e pela escrita, esses desejos e essas práticas foram o seu lugar de se fazer indivíduo e igualmente o seu espaço de grandes sofrimentos psicológicos e morais. As relações e as reações agressivas do mundo literário e cultural, especialmente do Rio de Janeiro, com a escritora, têm se constituído em romance real, com enredos que variam do cômico ao trágico, e ao patético e quase sempre descambam para a vitimização da autora. Basta referir ao sempre citado episódio da tentativa de inscrição de Amélia para vaga na Academia Brasileira de Letras.26 O interesse aqui não é desdobrar o episódio, já sobejamente explorado, mas apontar em outra direção. A 26

BEVILÁQUA, Amélia Carolina de Freitas (Org.). A Academia Brasileira de Letras e Amélia de Freitas Beviláqua: documentos histórico-literários. Rio de Janeiro: Bernard Frères, 1930.

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que liga essa recusa àqueles reordenamentos e tensões que marcavam a dança do poder entre os sexos, cujo suporte, talvez o mais firme, era a crença masculina e feminina também, não apenas na diferença entre os sexos, mas em um modo particular de expressão dessa diferença: a de que as inteligências de homens e de mulheres eram definidas, respectivamente, pela razão e pela emoção. Crença naturalizada e posta como esteio para a definição dos papéis masculinos e femininos no espaço público e na esfera doméstica. Mesmo no espaço doméstico, cada vez mais conferido à mulher, a última palavra deveria ser a do homem. Práticas sociais eram sobrepostas a representações masculinas acerca dos exercícios intelectuais como o da escrita – invadida pelas mulheres escrevinhadoras sentimentais e chorosas como suas heroínas –, conforme diziam muitos homens, especialmente escritores. Produtoras culturais, mas igualmente produtos da cultura, as escritoras também davam tratos à imaginação para se autojustificar e explicar aos leitores e às leitoras, mas sobretudo aos seus detratores masculinos, alguns no limiar da misoginia, as razões para se terem aventurado e de perseverar na atividade da escrita, muitas vezes definida como “um indigno comércio” praticado por mulheres. Nesse sentido, as escritoras justificavam o exercício da escrita formulando complexas e criativas respostas que misturavam, em graus variados, ingredientes como vocação, dita às vezes como irresistível; desejo de fama; compensações psicológicas e, às vezes, autoterapia; prazer de inventar mundos imaginários, argumento recorrente; necessidades financeiras, um motivo muito frequente, mas dourado por outras justificativas e quase sempre colocado em plano secundário; por paixão incontrolável e incontida, caso autoproclamado de George Sand e muitas vezes motivo também expresso por

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Amélia Bevilácqua. Sobre esse impulso incontido, George Sand afirmava: “Tenho uma meta, uma tarefa ou, em outra palavra, uma paixão”. [...] “O ofício de escritor é uma delas, violenta e quase indestrutível. Quando toma conta de uma pobre cabeça, não pode ser detida”.27 Como visto, muitos dos sentimentos ditos e atribuídos às escritoras aparecem nas falas das personagens por elas criadas em seus romances. Amélia Bevilácqua, em Através da vida (1906), verbera, através de Daluz, essa angústia feminina pelo saber. Daluz é uma leitora compulsiva e uma estudiosa às escondidas, que enfrenta astuciosamente o controle do pai e os desgostos e censuras da mãe. Deixemos Daluz falar sobre essa força indomável que sentia dentro de si para seguir esse caminho de leituras de onde todos a queriam afastar: [...] Deus meu, porque essa fascinação pela arte, porque esse amor pelas belezas dos livros me seduzem e me fascinam tanto? [...] tira-me esse tormento do espírito, não me deixeis mais nunca debaixo dessa medonha e fascinante tentação... 28

Aqui é necessário realçar o elo entre história e ficção e a maneira como a Vida e a Arte andam juntas na experiência e na imaginação das escritoras, inclusive Amélia Bevilácqua. Interessante observar, na História da Literatura Brasileira, como as trajetórias de Amélia Bevilácqua e de Júlia Lopes de Almeida guardam paralelismos, porém, ao mesmo tempo, apontam para signos distintos da cultura burguesa vinda do século dezenove. Júlia Lopes, antes de Amélia, sente os prazeres e sofre as dores e as limitações que sua condição de mulher lhe impõe no domínio da escrita e, particularmente, 27 28

George Sand apud GAY, 2001, p. 346. BEVILÁQUA, Amélia de Freitas. Através da vida. Paris: H. Garnier, 1906.

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na repercussão pública de seu trabalho. Talvez a primeira mulher brasileira a ter seu nome cogitado para cadeira da ABL, lá teria, por méritos dela, assentado o seu príncipeconsorte, o poeta português Filinto de Almeida. O fato, seguramente composto de parcelas de real e de temperos da imaginação, teria marcado esse primeiro momento da casa de Machado de Assis, que, inspirando-se na tradição francesa, tornou-se uma quase inexpugnável fortaleza masculina. Como realçar a trajetória de Amélia? Nascida em momento em que as práticas do silêncio são mais conferidas à mulher que a verberação da retórica, a menina, que veio à luz numa família de bacharéis, de escritores e de poetas, trouxe consigo os signos da inquietação e da recusa: inquietação quanto aos espaços femininos convencionais de seu tempo e recusa à acomodação nos estreitos limites conferidos às mulheres pela cultura oitocentista e do início do século vinte. Rebelde, longe de ser apenas a “Amélia” das prendas domésticas, reinando apenas no lar, submissa aos ditames masculinos, Amélia acredita na verberação da retórica. E fala! Fala com seus livros, artigos, conferências, com o seu corpo rebelde ao cânone da beleza da BelleÉpoque. Ela se faz diferente e experimenta o conforto e a dor imensa dessa diferença. A vida de Amélia Bevilácqua foi longa – 86 anos – dos quais mais de 60 casada com o jurista Clóvis Bevilácqua. O seu tempo foi marcado por deslocamentos ora sutis, ora agressivos nos papéis femininos e pela busca da plenitude humana – a despeito do gênero. A vida de Amélia e sua escrita possibilitam realçar as virtualidades do seu tempo, o que pode ser percebido a partir das centralidades de sua vida: as práticas da leitura e da escrita, a inquietação com a natureza das relações 1906.

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amorosas e especialmente conjugais, a infância, a educação, as distinções de gênero, as relações familiares. Os interesses de Amélia eram pela vida, a vida em suas contingências, suas virtualidades, seus limites, suas angústias. Filha primogênita de um bacharel, juiz, político e escritor, José Manuel de Freitas, que foi presidente das províncias do Piauí, do Maranhão e de Pernambuco, foi educada, como os irmãos, em diferentes espaços, função dos deslocamentos profissionais do pai. Família de letrados, muitos com projeção regional e nacional, alguns, como ela, foram membros da Academia Piauiense de Letras (APL). Sem grandes problemas familiares e vivendo naquela abastança que poderia propiciar acomodação em um lugar de mulher de elite, ela escolhe percorrer caminhos ainda pouco trilhados pelas mulheres no Brasil, – o da cultura escrita, o de ser uma mulher de letras. E sua escrita – extensa e variada – publicada em mais de vinte volumes de romances, contos e memórias29 – enuncia as fortes e novas angústias decorrentes de um “vazio” que se esboça no mundo feminino, o do saber. 29

Da sua extensa obra destacamos: BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Alcione. Salvador: José Luís da Fonseca Magalhães, 1902; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Aspectos. Recife: Oficina Literária Martins Júnior, 1905; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Através da vida. Paris: H. Garnier, 1906; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Silhouettes. Recife: Manuel Nogueira de Sousa, 1906; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Vesta. Rio de Janeiro: Papelaria Americana, 1908; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Angústia. Rio de Janeiro: Besnard Fréres, 1913; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Açucena. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Impressões. Rio de Janeiro: Besnard Fréres, 1929; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. A Academia Brasileira de Letras: documentos históricos literários. Rio de Janeiro: Besnard Fréres, 1930; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Jeanete. Rio de Janeiro: Besnard Fréres, 1933; BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas. Jornada pela infância: memórias. Rio de Janeiro: J. Borsoi, 1940.

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Esse saber-poder seria a condição de visibilidade para uma profusão de sentimentos e de desejos novos, silenciados no corpo e na alma femininos. Em Através da vida, a personagem Daluz corporifica essas angústias, que, mostradas permeando desde a infância à maturidade da personagem, cruzam-se profundamente com as mudanças sociais que estavam acontecendo no Brasil na segunda metade do século dezenove, com suas revoluções silenciosas que solicitavam cada vez mais a presença feminina na gestão competente da família, exigiam novas performances no mundo urbano em expansão, induziam a mulher a também pensar e buscar a própria sobrevivência material, conquistando espaços no mundo do trabalho – especialmente como educadora de crianças. Daluz não apenas aponta para essas transformações sociais que sorrateiramente vão minando a posição tradicional das mulheres na família, como, e principalmente, dá vazão a um conjunto de novos sentimentos que afloram mercê desse processo – ligados não apenas ao trabalho, mas igualmente às sociabilidades urbanas e especialmente às relações amorosas que parecem em crise. Em seu trajeto de menina viva e curiosa, Daluz sofre por ter uma educação diferente da ministrada aos seus irmãos e “viciada em leituras”, no dizer do tio, espiona as aulas dos meninos. Estuda às escondidas, rouba e lê os livros disponíveis, aprende sozinha rudimentos da geografia e de desenho, e esconde, tanto quanto possível, esse “desvio” de sua formação. Seus modos provocam reações fortes em seu tio Paulino, que indagava: “menina, você é homem para se incomodar tanto pelos livros?!”30 As angústias de Daluz realçam o esforço e a dor que acompanham o desdobrar das regras e rusgas do 30

BEVILÁCQUA, 1906, p. 21-22.

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tempo e das escolhas que delineariam, no futuro, os novos modelos de educação feminina. Daluz é toda sofrimentos, depois de ter tomado, com o irmão Jorge, umas lições, em mapas, de geografia e de cartografia, lições que a seduziam e fascinavam. Essas angústias de menina às vezes se transformavam em palavras quase sussurradas e em pedidos sutis de perdão por não conseguir controlar o ardente desejo de saber e por não sufocar a vontade de aprender em um colégio, de estudar na escola normal, de tirar diploma de professora. Ao contrário do que possa sugerir a trajetória de Daluz, a personagem principal do romance Através da vida, ela não é, do ponto de vista da trajetória escolar, um alterego de Amélia Bevilácqua. Entretanto, é possível comparar o trajeto de Daluz ao da escritora alemã Fanny Lewald, nascida em 1811 em uma próspera família judia burguesa. Seu pai, um patriarca cultivado e exigente lhe impôs destinação diferente da dos filhos homens, enviados para a universidade. Quanto à futura escritora, diz Peter Gay: Quando, aos catorze anos, terminaram seus dias de escola – os dois irmãos haviam sido mandados para a universidade, mas não se colocava a questão de mandá-la junto –, foramlhe atribuídas horas diárias de ‘realizações’: cinco horas de trabalho de agulha, duas horas ensaiando piano, e um certo tempo para melhorar seu nível de leitura, que, por decisão paterna, excluía romances.31

Fanny Lewald só reage às decisões paternas aos 26 anos, quando lhe é apresentado um candidato a marido que ela considera inaceitável. Após fatigantes combates domésticos, consegue a anuência do pai para continuar avançando em sua atividade de escrever, porém com a 31

GAY, 2001, p. 349.

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condição de publicar anonimamente sua obra. No romance Clementine (1843), critica os casamentos de convenção, considerando-os piores do que a prostituição. Fanny, como Amélia, e ao contrário de Daluz, que casa a contragosto, teve uma vida completada por um feliz casamento com o escritor Adolf Stahr, que se divorciou da esposa para casar com ela. Sobre a escolarização de Amélia Bevilácqua, Miridan Knox afirma: “Amélia aprendeu a ler e a escrever à base de palmatória e com a figura carrancuda de um professor contratado por seu pai. Acabaram-se os folguedos, a vida despreocupada e impuseram-lhe o estudo”.32 O que Miridan Knox sugere como tendo sido uma experiência pouco agradável, a própria Amélia coloca nos seguintes termos: A formação do meu espírito foi muito diferente da formação dos mestres. Não foram os livros nem os professores, que os tive em número muito escasso, quem abriu o caminho de minha intelectualidade, me deu o entendimento de tudo o que era necessário saber: foi a dor. Com ela aprendi muito.33

Amélia Bevilácqua escreve os sentimentos de muitas mulheres como ela. A trajetória desoladora de Daluz não se confunde com os seus caminhos de realizações pessoais, de escrita permanente, de sociabilidades literárias e mesmo de insatisfação na conquista do reconhecimento literário e da glória pessoal. Como Daluz, a menina Amélia tinha esquisitos sonhos de ser doutora e sonhos de Academia. Enquanto Amélia Bevilácqua narra as vidas femininas em seus romances e destaca esse desassossego frente às mutações da história, outras mulheres, como 32 33

FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 252. BEVILÁCQUA, Amélia de Freitas apud FALCI, 2000, p. 252.

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ela, pertencentes aos extratos sociais elevados e afeitas ao mundo da leitura e da escrita, transformavam-se em escritoras reconhecidas. Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), como Amélia, originava-se de família de afeitos às letras e igualmente teve como companheiro um militante dessa seara do sonho – Filinto de Almeida, que, como Clóvis Bevilácqua, pertencia à ABL. Júlia, a despeito do extraordinário sucesso de seus livros, também não foi contemplada com vaga naquela casa – até 1977 reduto de homens. No Brasil, como em outras partes do mundo, estavam em mutação o lugar da mulher na família, no mercado de trabalho e nas sociabilidades urbanas. Na percepção dessas mulheres escritoras – as duas citadas em especial –, essas mudanças solicitavam novos relacionamentos sociais, suscitavam a emergência de novos sentimentos e todas essas novidades rebatiam nas subjetividades femininas. Dessa forma, os seus romances têm como centro indiscutivelmente as questões femininas: os novos desejos e necessidades de escolarização, as ameaças da miséria com a solteirice ou a viuvez, as novas condições que impõem à mulher também prover o lar, o desejo de relações mais igualitárias entre homens e mulheres na família e, em particular, no casamento, desejado como em fidelidade mútua e de natureza monogâmica. Amélia de Freitas Bevilácqua, assim como Júlia Lopes de Almeida, têm trajetória comparável à de outras mulheres originárias das antigas aristocracias agrárias rurais e dos extratos urbanos médios e altos, cujo acesso à escrita já acontecia no espaço doméstico, nas sociabilidades familiares de que participavam pais, irmãos, primos, maridos, muitos já treinados nas Faculdades de Direito, de Medicina, de Farmácia, de Engenharia e em outras que se expandiam no final do Império e no início da República. A literatura

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do período já informava acerca dessas formas de ocupação feminina, a de leitora, principalmente a jovem leitora, a que os escritores como Machado de Assis já faziam referência e com as quais construíam interlocuções. O passo a ser dado era o da leitura para a escrita, o que vem a acontecer com muitas mulheres independentemente da publicação e divulgação dos seus textos. Esses pudores femininos são lentamente rompidos, bem como a representação masculina dominante de que a escrita é uma prática dos homens. O universo da escrita feminina no período é marcadamente o das mulheres – seus sonhos, angústias, medos, desejos, seus problemas reais, as relações com a família, com o marido, com os filhos, com as mães, com as outras mulheres, daí porque, tanto em Amélia quanto em Júlia os caminhos do amor, da literatura e da família parecem tão cruzados. Essa nova mulher se dirige sobretudo às outras mulheres, colocando sob suspeição os costumes antigos, os valores da sociedade patriarcal, os papéis tradicionais de esposas. Por outro lado, elas vão inventado, na escrita e na vida, os novos modos de ser mulher, de se auto-educar, de educar os meninos e as meninas, de garantir novos direitos no relacionamento conjugal, sugerindo alternativas baseadas no companheirismo, na identidade de interesses e na busca da igualdade entre os sexos. Vistas de fora, as trajetórias das duas escritoras brasileiras parecem muitas vitoriosas, inclusive no campo amoroso e conjugal. Seus maridos reais estão muito próximos do perfil do homem do desejo que aparece em seus romances e contos. O romance feminino é sobretudo pedagógico. Nesse sentido, a Daluz de Amélia é uma mulher que não teve forças para mudar e para acompanhar o seu tempo. Sua vida insípida e fracassada, sua infelicidade conjugal, sua velhice de privações resultam da não escolarização que já

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era imperativa no meio urbano como uma possibilidade de sobrevivência da mulher. Se a mulher perdesse, por qualquer contingência, a proteção masculina, poderia ser normalista e professora. O casamento arranjado, também na ficção passava a ser já visto como o “casamento amaldiçoado” por sua condição de forçado, desde que o amor romântico já se insinuava fortemente no universo das mulheres, contribuindo para o questionamento da obediência passiva às imposições familiares, o amor aparecendo como uma promessa de felicidade a distanciar a mulher de sua miséria e de seu vazio existencial. Nesse novo cenário urbano, em que o que mais chamava atenção das pessoas eram as outras pessoas. As personagens dos romances, representando parte das mulheres reais, vão se tornando cada vez mais complexas e com cada vez maior densidade psicológica, densidade que guardava forte relação com os emergentes conhecimentos da Psicologia, da Sociologia, dos estudos sobre os costumes e mesmo da Literatura, que conferia grande visibilidade a esses processos. Amélia Bevilácqua, inventora de mundos novos pelos artifícios da escrita ficcional e memorialística, ao contrário da condição de vítima que em muitos momentos foi colada à sua imagem, foi uma mulher possível de seu tempo, como muitas outras escritoras que a memória apagou e a história não registrou.

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JOAQUIM NABUCO E O PIONEIRISMO DA “INCLUSÃO SOCIAL” Dagoberto Carvalho Jr.*

V

enho do Engenho Massangana, dos ondulantes canaviais da Mata Sul pernambucana – “as velas verdes de cana, com a chama no pendão”, do poema de Mauro Mota – para este reencontro piauiense com Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, no centenário de “seu silêncio”, como bem diria o anfitrião maior (pela lembrança da data e a sugestão do convite) desta festa da memória, que é o mestre M. Paulo Nunes, nabuquiano e gilbertiano, como poucos o são, no Piauí, como em Pernambuco. Convite institucional que agradeço à Casa – também minha – na pessoa de seu jovem e dinâmico presidente Reginaldo Miranda. Com ele, o Gurguéia chega ao Velho Monge, em sua confluência – também literária – com o Poti. Ao porto seguro de nossas vocações intelectuais. Trago com a geografia física e histórico-social do engenho, no Cabo de Santo Agostinho, as bênçãos do *

Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior, médico, escritor e historiador. Membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 39.

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Evangelista São Mateus, padroeiro da capela altaneira do sítio e o clamor dos antigos habitantes da atual casa de turismo rural, negros antecipadamente libertos da senzala por Nabuco, cuja voz – por essa antecipação social mesma – ainda ressoa no século XXI, em defesa dos irmãos (e seus descendentes), de raça e desgraça que não se beneficiaram das conquistas da sociedade como um todo. Dos avanços que Nabuco pensou e propôs como desdobramentos e consequências imediatas e definitivas da abolição da escravatura no Brasil. Massangana Recifense, da Rua do Aterro, atual Rua da Imperatriz (Tereza Cristina), bairro da Boa Vista, onde nasceu em 19 de agosto de 1849, Joaquim Nabuco viveu os primeiros oito anos no Engenho Massangana, de seus padrinhos Joaquim Aurélio Pereira de Carvalho e Ana Rosa Falcão de Carvalho. Infância que lhe foi, definitivamente, a da memória. Madrinha, Ana Rosa, com quem conviveu e em quem encontrou além da imagem/presença de primeira mãe – se pudesse ter tido mais de uma – a referência da vida inteira, contada no livro bíblia da saga de sua vida privada e pública (e poucas vidas foram tão públicas quanto a sua), Minha Formação. Logo viúva, Ana Rosa assumiu para o afilhado a projeção do Engenho e da própria vida social e econômica de seu tempo e de seu meio, em matriarcado que em nada comprometeu a primeira educação do menino, definida pela mudança dos pais para o Rio de Janeiro, onde o baiano José Tomaz Nabuco de Araújo foi deputado e seria senador do Império. A mãe seja dito até para caracterizar a nobre ascendência do futuro defensor de causas

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populares e democráticas – vocação que a muitos dos seus contemporâneos não deixou de estranhar – era Ana Benigna de Sá Barreto, de quinhentistas raízes pernambucanas, associadas ao legendário Morgado do Cabo. Vem de seu tempo de Engenho, o Massangana, o primeiro alumbramento – como poeticamente à meninice referiu-se outro grande pernambucano que foi Manuel Bandeira, o da “estrela da vida inteira,/ vida que poderia ter sido e não foi / poesia minha vida verdadeira” – com a casagrande e sua circunstância, depois magistralmente estudadas pelo maior de seus discípulos e sucessor entre os sucessores, que foi Gilberto Freyre. Alumbramento com o bucolismo do campo e, sobretudo, com a dura realidade dos métodos de exploração escravocrata da agroindústria açucareira de sua terra. A lembrança literária desse tempo é Minha Formação, memórias parcialmente publicadas na imprensa e enfeixadas em livro – que passou o século como clássico do gênero no Brasil – em 1900. “Das recordações da infância a que eclipsa todas as outras e a mais cara de todas é o amor que tive por aquela que me criou até aos oito anos como seu filho. Foi graças a ela que o mundo me recebeu com um sorriso de tal doçura que todas as lágrimas imagináveis não me fariam esquecer. Massangana ficou sendo a sede do meu oráculo íntimo; para impelir-me, para deter-me e, sendo preciso, para resgatar-me, a voz, o frêmito sagrado viria sempre de lá”. Foi na casa grande do Engenho Massangana que se deu o encontro de Nabuco com sua vocação libertária. Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa – escreveu – quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, cerca de dezoito anos, o qual se abraçou aos meus pés suplicando-me, pelo amor de Deus,

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que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir... Foi o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição, com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava. Quanto ao colégio, “não preciso remontar (a esse período), ainda que ali tenha sido lançada no subsolo de minha razão a camada que lhe serviu de alicerce: o fundo hereditário do meu liberalismo”. Com a morte da madrinha, a transferência para a casa dos pais, na Corte, onde fez curso primário. O secundário, em Nova Friburgo. O curso de Ciências Sociais e Jurídicas, iniciado na pioneira faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, e concluído na igualmente pioneira escola que, fundada no Mosteiro de São Bento de Olinda, mantém no Recife, a aura de tempo, saber e tradição das duas mais antigas faculdades de Direito do país. Diplomado em 28 de janeiro de 1870, volta para o Rio, onde se inicia nas lides forenses, no escritório do pai: e no jornalismo, em “A Reforma”, já imbuído do espírito político que lhe estigmatizaria a vida: o apoio à Monarquia como forma de governo. A propósito de experiência profissional, contabilizou Nabuco – ainda quintanista de Direito – a vitória da transformação de pena de morte em prisão perpétua, para o escravo Thomaz, pelo duplo assassinato de autoridade que o mandara açoitar, e de um guarda, quando tentava prendêlo. Sobrepôs os “crimes sociais” do regime – açoite e perda de liberdade pela reação humana de defender-se o açoitado – ao “crime pessoal” do escravo. Ele não cometeu um crime – disse Nabuco – removeu um obstáculo. O político Desde muito moço – reconhece, ele – “havia uma

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preocupação em meu espírito que ao mesmo tempo me atraía para a política e em certo sentido era uma espécie de amuleto contra ela: a escravidão. Posso dizer que desde 1868 vi tudo em nosso país através desse prisma”. Fadado à política também pela ascendência dos Nabuco de Araújo – do pai, baiano, de brilhante carreira nas casas legislativas do Império –, pela formação humanística, pelos compromissos sociais cedo assumidos, pela brilhante oratória, pelos ventos do tempo, elegeu-se deputado geral pela Província de Pernambuco em 1878. O partido, o Liberal, liderado por Domingos de Souza Leão, 2º Barão de Vila Bela. Desse primeiro mandato, destaque-se a par da independência frente ao Gabinete Sinimbu (de seu próprio partido), o início da campanha pela abolição da escravatura, o alinhamento em defesa do Xingu e intransigente posição contra projeto de substituição da mão de obra escrava por imigrantes chineses. Já não fugiria a essa linha de análise o problema causado, contemporaneamente, nas Antilhas Espanholas, pelos “coolies” recebidos via Macau, para o cultivo da cana de açúcar? A crise social também interessou, de perto, o cônsul português em Havana, José Maria Eça de Queiroz, de quem Nabuco foi colega diplomata e viria a ser amigo. Em 1882 experimentou a primeira derrota, concorrendo à vaga na Câmara dos Deputados, pelo Rio de Janeiro, com o apoio dos abolicionistas que organizara dois anos antes, na Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. O exílio voluntário a que se impôs em Londres, valeulhe e, à santa causa, um dos mais importantes livros, O Abolicionismo. No mesmo ano, em Pernambuco, ao lado de José Mariano, derrotaria o candidato conservador à Câmara, Manuel do Nascimento Machado Portela. Expurgado (artifício eleitoreiro que ainda enodoo a República Velha), voltou ao Parlamento com a renúncia

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de Ermírio Coutinho que ao lado de Joaquim Francisco de Melo Cavalcanti, chefiava o Partido Liberal no 5º Distrito, constituído pelas cidades de Nazaré da Mata e Bom Jardim. O conhecido episódio voltou a gerar polêmica (ou insinuação disso) jornalística no Recife, como a que motivou o artigo “O beau-geste de Ermírio Coutinho” publicado no Diário de Pernambuco. O juiz Hélio Coutinho Filho chegou a transcrever trecho de carta autógrafa de Joaquim Nabuco: “Rio de Janeiro, 19 de maio de 1885 / Exmo. Sr. Dr. Ermírio Coutinho / Faltam-me expressões para agradecer-lhe o seu procedimento para comigo, é uma data em minha vida, e eu espero que venha a devolver-lhe no dia 7 de junho uma cadeira na Câmara dos Deputados como já lhe devo a maior de todas as compensações de ter sido excluído d’ella”. O agradecimento aparece também em Minha Formação, edição da Garnier, Rio de Janeiro, 1906 anotada pelo articulista. Em 1887, nova vitória sobre Machado Portela, este na condição de ministro do Conselho de Estado. Dois anos depois, a eleição para a que seria a última legislatura do Império. Desgostos e desentendimentos com adversários e, até, correligionários. Com o próprio Império, mas nada que ameaçasse, nele, a convicção monárquica. Do mesmo 1889, é sua plaquete Por que sou monarquista. Só adere à República onze anos depois, quando assume a Legação Brasileira em Londres. Foi um “revolucionário conservador”, como o definiu já no título de livro clássico para sua biografia intelectual, o também pernambucano Vamireh Chacon. Notável sua observação de que Nabuco não ficou com a Monarquia, apenas por gratidão. Mas por “discordar da primeira Assembleia Constituinte da República que não só confirmava sua proclamação, legalizando assim um golpe militar, quanto substituía o parlamentarismo, em

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lenta elaboração, sob o Segundo Reinado, por um abrupto presidencialismo [construído, em parte], pelos ressentidos contra o abolicionismo”. Para Nabuco, o adesismo antiabolicionista ao Partido Republicano “fê-lo perder de vista o povo” e – a ele, Nabuco – fez perguntar-se e responder antologicamente: “Monarquista sem esperança de monarquia, para que serve? Serve para não ser republicano sem esperança de liberdade”. Para Fernando da Cruz Gouvêa, decano dos historiadores pernambucanos, em seu conhecido e respeitado livro Nabuco, entre a Monarquia e a República: “Ele foi um abolicionista estremado, mas consequente. Entrou na política para fazer uma única coisa: a abolição”. Disse tudo. Diplomacia e academialidade Antes da política, para além dela – e paralelamente à atividade que mais o destacou e emprestou-lhe a tribuna para a luta social que empreendeu e venceu cavalheirescamente –, registre-se a jovem (1876) experiência diplomática, como adido da Legação do Brasil nos Estados Unidos. Foi seu primeiro cargo público. Serviu em Nova Iorque e em Washington. Já na República, foi chefe das Legações Brasileiras em Londres e na capital norte-americana. De sua presença intelectual nos Estados Unidos, são testemunhos maiores, três conferências proferidas e publicadas em inglês, sobre Luís de Camões e Os Lusíadas, além de discursos oficiais nas Universidades de Chicago e Wisconsin. E, em reconhecimento disso e de todos os seus outros méritos literários, o título de Doutor em Letras, pela Universidade de Yale. Em 1906 presidiu a III Conferência Pan-Americana, no Rio de Janeiro, evento pelo qual tanto se empenhara e

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que, de fato, o projetou, internacionalmente, como autor maior do incansável trabalho diplomático pela causa continental. Tribuno dos maiores de seu tempo, intelectual respeitado em seu meio e na sociedade que frequentava e encantava, participou – como representante, também, desse grand monde – da fundação da Academia Brasileira de Letras. Ocupou a Cadeira 27, escolhendo como patrono, o poeta conterrâneo – os pernambucanos são bairristas mesmo – Antonio Peregrino Maciel Monteiro, autor do conhecido soneto “Formosa qual pincel em tela fina...”. Foi secretário perpétuo da Academia e amigo muito próximo do presidente Machado de Assis. É rica a correspondência entre os dois e, conhecida a posição de Nabuco – ante a intransigência do “Bruxo do Cosme Velho” – de que a Casa, que viria a consagrar (ainda mais), o nome do presidente fundador, não se restringisse a expoentes da literatura, mas que abrangesse o saber intelectual como um todo. Daí os termos “machadiano” e “nabuquiano”, ocasionalmente lembrados em disputas eleitorais, sem prejuízo da academialidade que as deve caracterizar. Machado e Nabuco foram o melhor e mais completo exemplo disso. Para o filólogo e acadêmico (atual titular da Cadeira 33 da ABL) Evanildo Bechara, em recente mesa redonda, na Universidade Federal de Pernambuco, sobre “As raízes francesas da contemporaneidade de Joaquim Nabuco”, em todas as áreas de que participou, ele foi um arquiteto de propósitos, nas discussões políticas, na abolição, na vida cultural. “Foi o responsável por não deixar que a Academia ficasse restrita à atividade literária, mas servisse de um grande encontro de notáveis da ciência, do jornalismo, da área militar, como as Academias Francesa e Italiana. Defendeu que os primeiros acadêmicos escolhessem os

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patronos. Com isso, instituiu a inclinação da ABL com o passado, permitindo que Machado de Assis estabelecesse o elo com José de Alencar”. Mesmo quando ausente, em missões diplomáticas, sua contribuição foi fundamental. “De fora continuou acompanhando a ABL, dando parecer a novos candidatos e trocando uma intensa correspondência com acadêmicos como Machado de Assis, Graça Aranha e José Veríssimo”. Nabuco – concluiu Bechara, a respeito das muitas influências européias recebidas – reprocessava essas ideias e as adaptava ao seu entendimento de como deveria funcionar a ABL. Louvação ao pai Há que reconhecer em Joaquim Nabuco, entre as muitas virtudes que o diferenciam, como homem público, a veneração ao pai, senador José Tomás Nabuco de Araújo, a propósito de quem escreveu Um estadista do Império (1896), livro que transcendendo os limites da biografia, representa a mais lúcida análise da vida política, social e econômica do Brasil de seu tempo. Em brilhante análise histórica depois sintetizada em Minha Formação, escreveu que “Os homens da Regência, que entraram na vida pública ou subiram ao poder representando a ideia de revolução, foram com a madureza dos anos restringindo as suas aparições, aproveitando a experiência, estreitando-se no círculo de pequenas ambições e no desejo de simples aperfeiçoamento relativo, que constitui o espírito conservador”. Como esse retrato colorido com as cores da verdade, se parece com os dos políticos brasileiros de hoje e, lamentavelmente, de sempre! O senador Nabuco, porém – completa o filho – “foi quem iniciou, guiou, arrastou um grande movimento em sentido contrário, do

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campo conservador para o liberal, da velha experiência para a nova experimentação, das regras hieráticas de governo para as aspirações ainda informes da democracia. Ele é quem encarnará em nossa história – entre a antiga “oligarquia” e a República, que deve sair dela no dia em que se esboroar – o espírito de reforma. Ele é o nosso verdadeiro Lutero, o fundador do livre exame no seio dos partidos, o reformador da velha igreja saquarema, que com os Torres, os Paulinos, os Eusébios, dominava tudo no país. Zacarias, Saraiva, Sinimbu, com os seus grandes e pequenos satélites, Olinda mesmo em sua órbita independente não fazem senão escapar-se pela tangente que ele traçou com a sua iniciativa intelectual, a qual parece um fenômeno da mesma ordem do profetismo e que, por isso mesmo, só lhe consentia ter em política um papel quase imparcial: o de oráculo”. Reclamação ao Papa Tomada ao pé da letra a máxima popular de, historicamente, “reclamar-se ao Bispo”, quando já não há autoridade civil a quem reportar-se o cidadão, Joaquim Nabuco foi ao próprio chefe da Igreja Católica, ao sentirse órfão da Santa Madre na defesa da causa abolicionista brasileira. Quando nem os poderes públicos, nem o episcopado, nem os padres, ouviam o grito escravo que, dramaticamente, bradava aos céus do país. Decepcionado com a omissão recorreu a Leão XIII que o recebeu em audiência privada, em 10 de fevereiro de 1888. Apelo moral emblemático e definitivo para a fatalidade do ano histórico, entre todos, da Lei Áurea. “É agradável para nós a confirmação de que a maioria do povo brasileiro deseja o fim da crueldade da escravidão. E esse sentimento popular é fortemente apoiado

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pelo Imperador e por sua augusta filha, assim como pelos ministros e homens da lei que sancionaram a Lei da Abolição. Reafirmamos a importância dessa medida do Embaixador Brasileiro, assim como asseguramos a ele que iríamos endereçar cartas aos bispos do Brasil na defesa desses infelizes escravos”. Assim escreveu Leão XIII em sua Carta aos Bispos do Brasil. Pena que a Encíclica “In Plurimis”, assinada em 5 de maio, só nos tenha chegado depois do glorioso dia 13. Não era de esperar-se outra posição de Roma. “Roma locuta, causa finita”. Vivia-se o lema do pontifica: “Lumem in coelo”. Coincidentemente, o papado de Gioachino Vincenzo Raffaele Luigi Pecce Prosperi Buzzi (1878/1903), foi o das grandes decisões no campo das políticas sociais da Igreja. Homem vivido e provado, como núncio apostólico em Bruxelas e Bispo de Perúgia, coube-lhe a afirmação da Igreja Nova, entendida esta como a que surgiu com a conquista laica de Roma e o consequente fim do poder temporal dos papas. O escritor Juan Dacio, em seu Diccionario de los Papas (Barcelona, 1963), lembra que antes de Karl Marx e Frederic Engels, já o Bispo Ketteler, de Magúncia, se havia insurgido contra os abusos a que o “capital” submetia a classe trabalhadora alemã. Paralelamente outros movimentos católicos de tomada de consciência e solidariedade despontaram na França e nos Estados Unidos da América. Imagine-se a exploração do homem escravizado, no Brasil. Acusada a Igreja, reagiu o pontífice: “Isto não é socialismo, é cristianismo... Vossos inimigos não têm ideia do que é a ordem social cristã... Esperai minha próxima encíclica; o papa dirá que há uma ordem social cristã”. Para o autor espanhol, “Con estas palabras, Leon XIII se integraba en una de las más genuínas tradiciones cristianas, la de la defensa de

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los pobres, de los oprimidos y de los débiles”. A nova ordem chegou. Muitas foram as suas “mensagens” de cunho social. A maior delas, a mais conhecida, a de que a Igreja e o mundo jamais esquecerão a Rerum novarum, de 1891. Nabuco e nós tivemos o papa conosco. O Don Juan Tipo apolíneo considerado bonito por mulheres e, mesmo, por homens de seu tempo – tempo menos rigoroso na valorização e verbalização de valores estéticos entre pessoas de mesmo sexo – e até bem pouco, ainda, assim exaltado por ninguém menos que Gilberto Freyre, seu admirador mais convicto e estudioso mais entusiasta, Nabuco não fugiu às oportunidades que a vida, também por esse lado lhe ofereceu. Aliás, foi-lhe mesmo, pródiga “nesse particular”, como a assuntos do gênero, às vezes se refere – com o humor eciano que lhe é característico – o conteur Paulo Nunes. É historicamente rumoroso o love affair Nabuco / Eufrásia Teixeira Leite, pioneiramente tratado com este título mesmo (em português A ingrata arte da correspondência: um caso de amor), por Monika Kittiya Lee, em sua tese de doutorado na Universidade do Texas. Ele, o conhecido político e escritor de quem trata este pretenso ensaio, mais rico de projetos e de presença física e social, que de dinheiro. Ela, bela – dizem os seus biógrafos – rica, herdeira de tradicional família de cafeicultores de Vassouras, Estado do Rio de Janeiro. O romance náutico, nascido de paixões recíprocas a bordo do navio Chimborazo que, em 1874, os levou à Europa, durou a “eternidade” de treze anos e teve desdobramentos dignos de um folhetim à moda do tempo, podendo situar-se – em termos de escola

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literária – entre o ‘romantismo’ do projeto político de Nabuco e o ‘realismo’ dos negócios financeiros de Eufrásia. Entre o ‘romantismo’ da vida parisiense dela, e o ‘realismo’ das pregações nabuquianas pela abolição da escravatura no Brasil. Uma em Paris, outro no Rio: um Atlântico de cartas perdidas no mar da saudade, um mar de lembranças nos diários sentimentais de ambos, nas cartas dela que enriquecem o “Diário” e os acervos de Nabuco. Em Nabuco um radical do Império, o jornalista Vandeck Santiago reconhecendo a paixão entre os dois, episódio sentimental que é o menos conhecido da trajetória do conhecido e respeitado abolicionista, escreveu que “por duas vezes o casal chegou a preparar-se para o matrimônio, mas nunca consumou o ato”. Eufrásia era, por demais, ciumenta e, presa à França, por suas rentáveis aplicações financeiras, fez perder o casamento já acertado, para desgosto, sobretudo, do pai do noivo que, a propósito, mandou o filho “olhar para a realidade das coisas e segurarse a si mesmo no mundo de inconstâncias e vaidades”, em que, então, já se vivia. Amor demais. Reconciliação. A distância, talvez, na raiz de todos as desavenças. Em bilhete de 8 de dezembro de 1885, Eufrásia ainda dizia “amá-lo de todo o coração”. Vaidade dos dois lados. O romance sucumbiu definitivamente quando ela, sabedora de dificuldades financeiras do amado, propôs-lhe doação travestida de empréstimo. A vaidade das vaidades de Nabuco fere de morte, o amor que sempre pareceu verdadeiro. Ele morreu em 1910, de outros amores. A “noiva” da vida inteira resistiu-lhe mais dez anos. Talvez, de saudades. Em 1888 o Don Juan – que se reaproximaria da Igreja por influência da mulher, a ponto de converter-se ao velho credo e escrever o livro Minha Fé (Fundação Joaquim Nabuco, 1986) – vai ao altar com Evelina Torres Soares

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Ribeiro, filha do Barão de Inhoã, rico fazendeiro na cidade fluminense de Maricá. Família também endinheirada. Teve os filhos Maurício, diplomata; Joaquim, sacerdote católico, monsenhor, protonotário apostólico; Maria Carolina, escritora; Maria Ana; e José Tomás. De Carolina Nabuco, é a primeira biografia do abolicionista escritor, A vida de Joaquim Nabuco (1929), livro que, contrariamente ao que previu a autora “não pertence (felizmente), à literatura efêmera de propaganda”. Como outros livros de possível cunho apologético, entre os quais se destaca pela elevada qualidade literária e rica metodologia, o do baiano, Luís Viana Filho (1952), coincidentemente, de mesmo título. As cartas de Eufrásia para Nabuco podem ser encontradas nos Diários do escritor, publicadas pela Editora “Bem-Te-Vi”, em coedição da Fundação que consagra seu nome, com prefácio e notas de Evaldo Cabral de Mello (Recife, 2005). As dele, ela guardou a vida inteira e, em curiosa disposição testamentária, mandou queimar. A paixão não respeitou a História. Nabuco e Eça de Queiroz Outra associação que se impõe nesta festa jubilar é a de Joaquim Nabuco e Eça de Queiroz dois dos mais representativos escritores de seus países e de suas literaturas, ao tempo ainda mais próximas pela efetiva imposição da matriz lusíada, como “correspondentes” da grande Geração de 1870. Nisso amparo-me em Paulo Franchetti, professor de Literatura da Universidade de Campinas, que também situa e caracteriza o relacionamento social e intelectual entre os dois. Pela Geração de 70 mesma, liderada por Eça de Queiroz, Antero de Quental, Oliveira Martins e Guerra

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Junqueiro. Pelo romantismo de Alexandre Herculano e Almeida Garrett, ainda vivo no(s) Amor(es) de Perdição e Salvação e em A brasileira de Prazins, de Camilo Castelo Branco. Pela contemporânea geração brasileira de Eduardo Prado, Domício da Gama, Olavo Bilac, Silva Paranhos e do próprio Nabuco. Encontrei-me com o professor paulista nas páginas da edição carioca da “Obra Completa de Eça de Queiroz”, organizada, prefaciada e anotada pela comum amiga Beatriz Berrini, da Pontifícia Universidade de São Paulo e UNICAMP, para cujos volumes escrevemos, respectivamente, os textos de abertura de “Uma Campanha Alegre” (As “Farpas” de Eça) e (ele) da seção “Correspondência com Brasileiros”; encontro sobre o qual não poderia ter sido mais generoso, nem menos vaidoso de sua condição magisterial. Sobre a “grande familiaridade” do cronista com o criador de Os Maias, confessou – admirado – “já não ser comum nem mesmo entre os estudiosos profissionais, como são os universitários”. Estudioso da correspondência eciana e, portanto, conhecedor dos seus limites, só recentemente alargados pela referida Beatriz Berrini e pelo arquiteto e pesquisador português Alfredo Campos Matos – organizadores das mais novas edições temáticas –, lamenta Franchetti, “não serem muitos os nomes brasileiros no conjunto das cartas” de Eça. Deve-se isso, entretanto, “mais ao acaso que a real dimensão das relações brasileiras de Eça de Queiroz, que foram sempre, principalmente depois que se instalou em Paris, muitas e variadas. Assim não há nenhuma carta de Eça a Joaquim Nabuco, que ele conheceu e com quem quase com certeza se correspondeu”. A amizade com Nabuco é referida por Eça, em carta à mulher, Emília de Castro, datada de Biarritz (França), 20 de fevereiro de 1900. “Encontrei aqui no Hotel o Nabuco,

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que veio para o Sul, para a convalescença da pequena. É excelente companhia – e com ele converso e passo estas tardes encerradas”. No dia 23 – suas cartas familiares eram frequentes – lamentando os ares da praia, confessa: “Além disso oito dias de Biarritz já é uma fartura, apesar da sua beleza, do confortável hotel, e da útil cavaqueira do Nabuco... Gostei muito que saísses da concha de Neuilly e te sacudisses pelo mundo... Se não fosse o encontro com o Nabuco também eu teria feito esta vilegiatura... De resto só há ingleses – que não se conhecem, eles próprios... Mas felizmente tenho o Nabuco”. Bela impressão a do pernambucano universalizado. Gilberto Freyre foi outro que nunca se cansou de exaltar-lhe esta riqueza de convívio. Atualidade de Nabuco O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, e ao qual este terá sempre de se cingir sem o saber. Pela minha parte – escreveu Nabuco – acredito não ter nunca transposto o limite das minhas quatro ou cinco impressões... Massangana, uma delas, a mais cara e definitiva dessas impressões! “O traço todo” de sua vida foi gravado pela imagem do escravo fugido que lhe implorou liberdade na escadaria do Engenho, símbolo que o homem público Joaquim Nabuco jamais esqueceu. Como nunca esqueceria que sua campanha só foi vitoriosa em parte, porque a abolição da escravatura que defendia – e aqui está o pioneirismo da “inclusão social”, tão em moda nos dias que passam – não se completou sem a garantia da terra a trabalhar, pelos libertos, e da dignidade a eles devida. Sem a reforma agrária que, hoje, cento e vinte e dois anos depois, o Brasil ainda não conseguiu realizar com a justiça social que aquele tempo mais que secular já cobrava – até como

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penitência do pecado moral da escravidão – para a grandeza da pátria que eles, os negros, tanto ajudaram e ajudam a construir como coluna mestra de nossa etnia. Nabuco, como escreveu Gilberto Freyre, e completou o cientista político da UNESP (Universidade Estadual de São Paulo), Marco Aurélio Nogueira, não foi um. “Foi vários, mas os diferentes Nabucos não conviveram caoticamente de modo concomitante, superpondo-se e misturando-se uns aos outros”. Sempre um liberal preocupado com os grandes problemas do país. Primeiro, o liberal revolucionário, de O Abolicionismo, tempo do mais completo engajamento com a causa; depois o liberal conservador que, sem perder a visão social de sua grande vocação de político, não só do tempo em que viveu, mas dos “tempos difíceis e amargos que vão”, como aos da morte de Fradique Mendes, referiu-se Eça de Queiroz. A esse político de liberalismo insuspeitado, devese na segunda fase, Um Estadista do Império e Minha Formação. História e literatura das boas. Ontem, como sempre. Como vimos observando, foram os compromissos sociais de Joaquim Nabuco e sua fidelidade – de vida inteira – a esses propósitos, que fizeram e fazem a atualidade do grande político pernambucano. Em discurso de mais que centenária antecipação, em novembro de 1884, na Praça de São José de Ribamar, disse com todas as letras e a retórica dos grandes oradores de apelo popular: “Não há outra solução possível para o mal crônico e profundo do povo, senão uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade, e que vos abra um futuro, a vós e vossos filhos, pela posse e pelo cultivo da terra. Essa congestão de famílias pobres, esta extensão de miséria – porque o povo de certos bairros desta capital não vive na pobreza, vive na miséria – estes abismos de sofrimento não tem outro remédio senão a organização da

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propriedade da pequena lavoura. É preciso que os brasileiros possam ser proprietários de terra e que o Estado os ajude a sê-los”. Foi com certeza dessa antevisão social que, mesmo assinada a Lei Áurea, continuou combatendo o bom combate ensinado pelo Apóstolo do Gentio. Como São Paulo, guardou a fé. Outro aspecto de sua notável contribuição aos estudos brasileiros – observou em artigo no “O Estado de São Paulo” (21 de fevereiro de 2010), o professor e acadêmico (ABL), Celso Lafer – foi a permanente preocupação com nossa governabilidade, sobretudo, a partir da proclamação da República, quando o Brasil “começou a fazer parte de um sistema político mais vasto: o latino-americano... [tendo] de auscultar a pulsação continental”. Ausculta em que destaca além dos riscos do desgoverno, a falta de “consciência do Direito, da Liberdade e da Lei”. Como faz falta ao Brasil de hoje um deputado desse porte intelectual e moral. Concluo fazendo minhas – adaptando-as, é claro, à situação e ao nosso tempo, outro tempo jubilar de Nabuco – palavras de Gilberto Freyre pronunciadas em discurso na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, em 20 de maio de 1947: Este o homem, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, atualíssimo de palavras e de ideias tão moças que dificilmente o imaginamos morto há cem anos. Academia Piauiense de Letras Celebração do centenário da morte de Joaquim Nabuco Teresina, 10 de abril de 2010.

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LANÇAMENTO DE LIVROS



“VALORES, AMORES E SABORES” Celso Barros Coelho*

A

o expedir o convite para esta solenidade de lançamento do livro de Antonio de Lisboa Mello e Freitas, a Academia Piauiense de Letras esclarece que o autor é irmão do patrono da Cadeira n°. 39, José Newton de Freitas e do Acadêmico, Paulo de Tarso Mello e Freitas. Com essa indicação, quis a Academia realçar na pessoa do autor do livro sua linhagem intelectual, que encontra o mesmo brilho em ancestrais comuns, um dos quais, é, sem dúvida, o pai dos três nomes indicados, Prof. Felismino Freitas. Em homenagem a este foi, recentemente, publicado o livro de coautoria da filha, Maria Leonília de Freitas, do neto, Francisco Antonio Freitas de Sousa e do sobrinho, Francisco Newton Freitas e de outros colaboradores. *

Celso Barros Coelho, professor, advogado, Ex-Presidente da Academia Piauiense de Letras, Ex-Deputado Federal, membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 39.

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Poderíamos unir esses dois livros com um laço comum de admiração intelectual pela mensagem muito rica e significativa que nos oferecem, embora sejam diferentes os motivos que os inspiraram e o conteúdo por eles revelado. Esta união, porém, ficaria incompleta se não acrescentarmos à mensagem de ambos um terceiro livro, “Deslumbrado”, livro de poesias, de José Newton de Freitas, falecido nos albores de sua mocidade, aos dezenove anos incompletos. No livro dedicado ao Professor Felismino Freitas, no qual também expresso meus sentimentos de gratidão e admiração ao homenageado, tive a oportunidade de fazer menção ao momento difícil por que ele passou com o infausto desaparecimento do filho poeta. Seja-me lícito relembrar aqui as palavras que escrevi em suas páginas, a propósito da dor externada pelo pai, no momento em que apresentava a público a obra Deslumbrado. Dizia Eu: “De lembrar-se o golpe que o atingiu com a morte, aos dezenove anos, do filho primogênito, José Newton de Freitas, que despontava no horizonte literário com grande brilho. Era, realmente, um espírito cintilante, um inspirado poeta, com produção espalhada em revistas e jornais da época. Nele reuniam-se a mocidade, o gênio e o amor, sobretudo o amor à terra, que cantou em verso de grande inspiração. O sofrimento do pai, ante a frustração de uma glória literária que despontava, vem retratado de forma admirável na apresentação daquele livro de poemas deixado por José Newton. A publicação desse livro era o anseio do jovem poeta e vê-lo editado era o sonho de glória. É aí que se estampa a dor do pai, atormentado pelo sofrimento com a perda prematura do filho, produzindo uma página de fino lavor literário. Relembra o pai: ‘DESLUMBRADO constituía a ânsia de Newton de Freitas. Vê-

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lo, manuseá-lo, apresentá-lo à critica dos entendidos era o seu maior desejo — desejo tantas vezes manifestado, já ao apagar da sua preciosa existência! E porque este livro constitui a jornada dolorosa de quem o forjou sob a impressão da própria dor; e porque ‘DESLUMBRADO’ se assemelha, a meus olhos, as lágrimas de quem sofreu tão estoicamente, fazendo revelar, deste modo, sua grandeza espiritual; e porque as páginas enfeixadas neste livro cantam a vida de uma esperança que se fugiu as plagas terrenas sonhando com a Glória, que era o seu fanal; e porque vejo em cada verso de DESLUMBRADO’ uma saudade e em seus 45 poemas um ramalhete dessa flor que simboliza a recordação indelével do mais querido de metes entes queridos, orvalhado de minhas lágrimas de pai, não me fujo a dolorosa contingência de ter que lê-lo, sorvendo, na doçura de seus versos, a taça da própria amargura para depois passá-lo a suas mãos, querido leitor’ .

Completava eu: A taça de amargura que teve de sorver foi repartida com a esposa, dona Celina de Carvalho Mello Freitas, a quem igualmente prestamos esta modesta homenagem, pois seria impossível compreender a vida de Felismino Freitas sem a ajuda, o conforto e a compreensão da esposa, aliada em sua glória e em sua dor. José Newton de Freitas é meu patrono na Academia Piauiense de Letras. Todos nós sonhamos com a felicidade. A felicidade para todos os homens e que resulta da comunhão dos povos, em busca da igualdade e da fraternidade. Foi a luta dos Libertadores. Nosso jovem poeta viu o caminho para essa conquista. Está em sua poesia “O caminho”, com seu final de utopia: “Meus irmãos! No grande caminho não haverá pobres nem ricos, não haverá pretos bem brancos. Os homens se curvarão apenas diante de Deus!”.

Um

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expoentes

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desta

Academia,

seu

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Presidente, A. Tito Filho, escreveu, como muitos já o fizeram, a respeito de Newton de Freitas: “Esse poeta de rebeldias divinas pertence a uma família de intelectuais. Felismino Weser, o pai, escreve com segurança e asseio, e projetou-se no Piauí como educador de raras qualidades; são parentes de Newton dois luminares da Academia — Baurélio Mangabeira e Álvaro Ferreira; era Newton irmão de Paulo Freitas, desembargador, moço estudioso, magistrado dos que muito alteiam a magistratura piauiense”.

A esses expoentes de nossas letras, pertence, como vimos, o autor do livro que ora apresentamos, Antônio de Lisboa Mello e Freitas. Recebê-lo em nosso plenário, por onde tantos escritores lançaram os seus livros, ou tomaram posse em suas cadeiras acadêmicas, é como se estivéssemos prestando homenagem especial não só a ele, mas a toda essa família que se destacou ao longo de décadas e décadas, pelo amor à poesia, pela dedicação às letras e pelo respeito aos valores da inteligência e do saber. Do livro que ora apresentamos tenho a dizer que segue a mesma linha das obras anteriores ligadas ao pensamento da família Freitas. Resta considerá-lo em si mesmo, sob inspiração de quantos fizeram prosa agradável, revestida do sentimento do belo, do amor à verdade e da entrega total aos grandes sonhos que embalaram os homens de pensamento. Eis o livro: Valores, Amores e Sabores. Estas três palavras condensam, em suas 112 páginas, as ideias, a sensibilidade, o caráter e, por fim, alguns aspectos da vida de Antônio de Lisboa Mello e Freitas, traduzidos no livro que lançamos neste ambiente intelectual da Academia Piauiense de Letras. A simplicidade da mensagem que nos transmite,

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mesclada de agradável senso de humor, levou um escritor e poeta gaúcho, Armindo Trevisan, no prefácio ao livro, a dizer, com toda propriedade: “O memorialismo, principalmente o memorialismo bem-humorado – como este que singulariza o texto de Antonio Freitas - não tem sido cultivado entre nós. Quase sempre se valoriza o memorialismo que serve de moldura barroca a própria importância, ou, com mais precisão, o memorialismo - andor - sobre o qual se instala a estátua do próprio ego”. A verdade está aí, nessa singular e rica observação a propósito de um livro marcante, pelo estilo simples, a palavra sincera e o pensamento cristalino. Não há o interesse de mostrar erudição, pois o que aí vem expresso é o desejo de dar à palavra aquele toque mágico do diálogo, que vem do íntimo de cada escritor para se transformar em mensagem emoldurada numa linguagem saborosa. As palavras do título - VALORES, AMORES e SABORES - tem a mesma rima para responderem aos apelos do mesmo sentimento. O livro se situa num cenário diversificado para representar um desejo unificado. É esse o papel da arte: procurar equilíbrio, a unidade e a universalidade, sem deixar de valorizar o individual e o regional. Ao penetrar, pois, nas páginas do livro, em cada capítulo, sentimo-nos como que na companhia de um viajante que nos mostra os valores que segue, os amores que vive e que, depois de cada parada, para dormir ou descansar, nos convida para a delícia dos sabores, apresentados ao fim de cada capítulo. Como se fosse um viajante, ele nos lembra aquilo que está no final do livro de Saramago, Viagem a Portugal: “Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse:

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`Não há mais que ver’, sabia que não era assim”. Não sabemos se o viajante Antonio Freitas vai empreender outra viagem. Mas, por certo, este desejo e este interesse não o largam nunca. Aqui está ele nos lembrando fatos, nos falando de coisas boas, nos chamando para o banquete da fraternidade, nos advertindo para a importância do que na vida é transitório, enfim, nos cobrando o que os valores tanto significam para o homem em sua caminhada. Ele está certo de que as viagens são duradouras e que o viajante nem sempre esta disposto a empreendê-las, de novo. Mas que carrega na memória o que nela deve ser conservado; traz nos olhos a paisagem que não morre e conserva, nas linhas da mão, os traços indeléveis de sua identidade moral. E mais uma vez nos vem a imagem do grande romancista de nossa língua, o mesmo Saramago, ao dizer, na mesma fonte: “O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caia, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.” Enfim, ver como o nosso viajante. Ver Teresina; Fortaleza; o Rio Grande do Sul, o Brasil, o Mundo, pois é esta a paisagem que ressalta das páginas do livro. Ver tudo isso é renovar. E reviver. É para esse renovar e esse reviver que nos convida o livro. Na cadência dos passos do viajante, na aproximação de um horizonte que se alonga, na beleza dos campos abertos à luz do sol, na alegria dos pássaros que despertam, no toque dos sinos que nos convidam à oração. Que belos tempos aqueles em que tudo isso era possível. Ao apresentar o livro, no Rio Grande do Sul, onde há muitos anos reside o autor, o renomado médico, dr.

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Fernando Lucchese, falando de Antônio Freitas, dedica-lhe essas palavras: “Quem acumula em seu currículo o título de Advogado, Administrador de Empresas, Pós graduado em Comunicação Social e Professor Universitário com longa carreira, transcende o estudioso comum e passa a ser o real perscrutador da alma e do conhecimento humanos.” A Academia recebe o autor e o livro com aplausos. E faz aos presentes o convite para a leitura de suas páginas que revelam realmente ser ele um perscrutador da alma e do conhecimento humano. A leitura, além de agradável, será útil pois nos leva ao mundo dos valores, dos amores e dos sabores. Aí esquecemos mágoas e cultivamos a esperança.

Discurso de apresentação do livro “Valores, Amores e Sabores”, de autoria de Antônio de Lisboa Mello Freitas, em sessão da Academia Piauiense de Letras, na manhã do dia 11.09.2010.

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COLABORAÇÃO



ESCOLA PATÉTICA Humberto Guimarães*

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NASCIMENTO

LATÃO (428/427 –348/347 a.C) fundou a Escola Peripatética no amplo e arejado espaço de um sítio de oliveiras cedido por um gentil amigo, nos arredores atenienses, onde a sombra da folhagem balsâmica, balançada pela brisa, proporcionava melhor clima ao rendimento intelectual pelo fácil fluir das ideias em curso para a consciência, e à maior tenacidade na concentração da atenção dos discípulos. Para aí mudou a sua academia e passou a exercitar vantajosamente a retórica intimista seguindo o método didático do mestre amigo SÓCRATES DE HALICARNASSO, que cometera autocídio em cumprimento à sentença de uma justiça mais que injusta, porque acima de tudo fanática e preconceituosa. O método consistia em transmitir conhecimentos de princípios filosóficos a um grupo de discípulos aplicando a dialética refinada em passeio *

Humberto Soares Guimarães, médico, escritor e historiador. Membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 7.

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a céu aberto pela praça da Ágora. Pegamos o transporte da barca que vem navegando desde as primitivas moldagens do caráter juvenil nos clãs orientais, e, entrando pelo mar Egeu, percorremos a Hélade com os argonautas e nos instruímos sobre a evolução da escola ocidental em todos os seus segmentos, tendo início com as “escolas de bairros” e as “lojas de ensino”, onde exescravos, humildes, pobres e velhos, não prestando mais para outra coisa, ganhavam a subsistência como mestresescolas, prelecionando as primeiras letras e os bons costumes, embora de maneira rudimentar, para meninos pobres e meninos ricos. Só depois é que começaram a nascer as escolas superiores, citando-se, pela importância, a iniciático-filosófica de Pitágoras, a metafísica de Sócrates, a acadêmica e depois peripatética de Platão, seguindose o Liceu de Aristóteles, a epicurista e a sofista, tendo, dessas universidades, evoluído as academias técnicoprofissionalizantes de medicina – em Kós e em Cnidos, todas adotando a metodologia didática de Sócrates. Escola peripatética, escola que anda e prospera, que movimenta ideias numa empatia de transferências e contratransferências positivas; escola dinâmica onde os temas práticos da vida, calcados nos conhecimentos teóricos bem esclarecidos e necessários para a interação social, são apresentados, discutidos e aplicados com o perfeito discernimento dosado pelo bom-senso, com respeito e proveito no bem-pensar para o melhor agir e produzir atos e fatos para bem-estar da humanidade. AMOSTRAGEM PANORÂMICA O historiador Odilon Nunes identifica a fonte da organização escolar na província piauiense em núcleos

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particulares de fazendas esparsas na interlândia, em que os fazendeiros mais aquinhoados mantinham, às suas expensas, preceptores para desasnar seus filhos e alguns outros parentes próximos; destaca, entretanto, a Escola de Boa Esperança, na aldeia de Cajueiro(Jaicós), obra filantrópica organizada com farta e atualizada biblioteca formada e mantida pelo proprietário das terras, o padre Marcos de Araújo Costa, irmão do visconde da Parnaíba (Manuel de Souza Martins), ele mesmo o mestre que ministrava, abnegadamente, para crianças e jovens rurícolas, tirocínios linguísticos, científicos, retóricos, filosóficos e religiosos, dessa sorte atraindo ao abrigo do casarão púberes e adolescentes oriundos da maior distância desta e de províncias vizinhas. Nesse atarefamento que desempenhava de bom grado encontra-o em 1840 o naturalista inglês George Gardner, nele vislumbrando o orgulho do seu internato – que fora inaugurado há vinte anos, conforme registro de Anísio Brito (apud Odilon Nunes). O exemplo de padre Marcos foi seguido em Piripiri pelo padre Francisco Domingo de Freitas e Silva a partir de 1844, seguindo-o outros, todos clérigos, como Joaquim Damasceno Rodrigues, sucessor do pioneiro na Boa Esperança; Sebastião Ribeiro Lima, em São Raimundo Nonato, e Joaquim Ferreira de Melo, em Oeiras. Desse modo, oficiosa e diletantemente, vai-se espalhando pelo Piauí o ensino de latim, português, francês, matemática, geometria, história e geografia. O presidente provincial Zacarias de Góis e Vasconcelos, sucessor do barão do Rio Pardo para o mandato de 1845 a 1847, elegeu como objetivo principal da sua passagem o ensino público, já tendo encontrado células escolares de pequena monta em alguns pontos da província, contabilizando 16 para o sexo masculino e 3 para mulheres.

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De imediato providencia uma reforma na instrução pública adotando como ponto de relevância a criação do Liceu, e ainda arrostando dificuldades acerbas de ordem financeira e de qualificação de pessoal, deixando encaminhado o projeto do “Estabelecimento dos Educandos”, cuja efetivação deixou ao sucessor Marcos Antônio de Macedo. O conselheiro Antônio Saraiva assume o comando provincial (1850-1853) tendo como objetivo maior a mudança da Capital para Teresina, não descurando das demais ocupações administrativas, especialmente o aprimoramento dos estabelecimentos de educação pública, concentrando maior esforço e dedicação ao aperfeiçoamento do Liceu. Em nosso país, até os anos 1960, o sistema de ensino, apesar de algumas imperfeições, era estável, suficiente e eficiente, apesar de modesto; evoluía sem alardes doutrinários e psicopedagógicos superficiais, estereotipados, improvisados e exibicionistas, mutáveis ao sabor das preferências e idiossincrasias políticas comandadas pela incompetência profissional de pseudo-educadores fabricados na esplanada da corrupção político-partidária que devasta a saúde, a educação e a cultura intelectual da juventude brasileira, uma verdade escancarada que os órgãos administrativos oficiais consciente e deliberadamente negam, procurando minimizá-la com propagandas espetaculares a anunciar projetos modernos e demonstrar dados estatísticos fantasmas, sem mais, sequer, dar-se conta do vandalismo demagógico devido ao contínuo e habitual exercício da hipocrisia adoçada de verbosidade macia e imagens de fantásticas “realizações modernas”, enquanto as salas de aula se deterioram e aumenta a evasão escolar. É por isto que, o que era modesto e ainda imperfeito, é relembrado, não pelo saudosismo romântico e inepto, mas

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pelo que trazia e demonstrava em seriedade, competência e economia, refletindo o esforço organizacional em que se sobressaiam vantajosamente as Escolas Públicas e os grandes educadores como, além dos anônimos e humildes mestresescolas, os mestres engajados na condução formadora do caráter cultural psicodinâmico de várias gerações de jovens empenhados em atingir a meta preconizada por gregos e romanos – simples e tão-somente o Homem Educado, no seu mais amplo sentido. Se hoje falamos muito no modelo finlandês de instrução básica, já no século XIX, anos 1860 em diante, o aperfeiçoamento do ensino elementar principalmente, e dos seguintes na escala ascendente, era preocupação prioritária dos poucos e bons administradores políticos, exatamente aqueles que tinham formação humanística no desempenho do magistério e profundo compromisso moral com a consciência nacional de civilismo. No Piauí o presidente provincial Franklin Américo de Meneses Dória (baiano, bacharel em Direito, poeta, futuro genro do segundo marquês de Paranaguá), na sua gestão de 1864-1866, conseguiu a transformação do então desestruturado Liceu Piauiense em Escola Normal para o sexo feminino, em 1865, estabelecimento de ensino secundário destinado à pedagogia, que estava, digamos assim, fadado a sofrer ondulações de destituições e ressurgimentos de acordo com as ideias e os humores de cada governante da província e depois estado com a proclamação da república. Desse modo, de acordo com os dados históricos que lemos nas excelentes pesquisas de Pedro Calmon, Odilon Nunes, Monsenhor Chaves e Gervásio Santos/Kenard Kruel, foi extinta em 1877 na presidência de Adelino Antônio Luna Ferreira (1866-1867), por carência financeira, voltando ao cenário com Manoel do Rêgo Barros de Sousa Leão (1870-1872), funcionando em dependência

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do prédio do Liceu. Em 1874 é novamente eliminada, sob a presidência de Adolfo Barreto Lamenha Lins (1873-1874), para voltar a ser restabelecida em 1882 sob a determinação do presidente Miguel Joaquim de Almeida e Castro, com a denominação de Escola Normal Autônoma – para ambos os sexos (apud Odilon Nunes in Pesquisas para a História do Piauí, IV Vol. Pgs. 310-311, edição Fundepi/Fund. Mons. Chaves – PI – 2007). Problemas econômicos dificultam o acesso de alunos, especialmente do interior da província. O ensino primário, embora precariamente, difunde-se pelas fazendas do sertão, e o Liceu, a duras penas, continuava. Vão, aos poucos surgindo colégios particulares na Novacap; escolas noturnas são abertas em Teresina, Parnaíba, Amarante, Oeiras, Pedro II e Piracuruca, todas, entretanto, de curta vida, pois dependiam de verbas do ministério do império, irregulares e sumíticas. No púlpito da Igreja Matriz de N. S. das Dores o padre Raimundo Alves da Fonseca, como tema constante, inserido nos sermões, falava da necessidade de ser criado o Seminário, até conseguir a adesão do presidente provincial e do bispo – que logo depois desinteressa-se, deixando o Seminário apenas no papel. Enquanto isso, o Liceu, após sua segunda instalação, vinha resistindo com as escolas normais, embora a trancos e barrancos. Proclamada a república em 1889, dos 2016 alunos que se mantinham matriculados desde 1885, abandonam as salas de aula 98 matriculados, iniciando-se o novo sistema de governo com 1918 matrículas em toda a província, onde as obras públicas são muito escassas, apesar da preocupação de alguns governantes como Emídio Adolfo Vitório da Costa, que clamava em vão por mais escolas desde que assumira o governo em 1883. E além de tudo, os baixíssimos salários dos professores. Quanto desestímulo! Desde Vitório da Costa implanta-

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se a ideia de uma escola agrícola. Bolsas de estudo são oferecidas a professores que pleiteiam emprego, a fim de se aperfeiçoarem no Rio de Janeiro; poucos os que têm coragem de aceitar. O Liceu está para fechar as portas novamente – pouquíssimos alunos, professores improvisados; felizmente a escola profissionalizante implantada por Menezes Dória, continua sendo bem procurada. Em 1873 fora criado o Internato Artístico, cuja duração não passara dos dois anos; na Praça Saraiva, duas escolas primárias abertas em 1857 tiveram as portas cerradas em 1874, quando, entretanto, em Parnaíba é inaugurada a Companhia de Aprendizes de Marinheiro e em Teresina, para compensar a perda das duas escolas, é criada a Sociedade Propagadora da Instrução sob a direção de Polidoro César Burlamaqui, o qual procura instalar uma razoável biblioteca pública – que é fechada por Eugênio Marques de Holanda em 1877, pasmem, sob pressão do “Movimento das mães em proteção da formação moral das crianças”. No seu lugar instala-se a Escola Noturna para o sexo masculino. De 1843 a 1889 a província do Piauí foi governada por 57 presidentes, apesar de 76 mudanças, tendo em vista os pequenos intervalos em que uma mesma pessoa ocupava interinamente; assim foi com Simplício de Sousa Mendes (4 vezes), Ernesto José Batista (3 vezes), José Mariano Lustosa do Amaral (3 vezes), José Manuel de Freitas (3 vezes), Luis Antônio Vieira (2 vezes) e Manuel Ildefonso de Sousa Lima (4 vezes). Essa dança de presidentes não lhes permitia grandes realizações, de sorte que, principalmente educação e saúde permaneciam as mais prejudicadas. A entrada da República prometia grandes esperanças, mas a realidade não demonstrou tamanhas diferenças com a transformação oficial de províncias em estados, por aqui começando com o governo provisório do Major Gregório Taumaturgo de

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Azevedo que, no campo da educação, nos seis meses e quinze dias de governo, procurou regularizar os ensinos primário e secundário, adaptando-os ao sistema republicano. Sendo o primeiro do novo regime, só vamos ter referência no campo educacional, a partir do décimo primeiro governo da república e do sexto constitucional (Raimundo Artur de Vasconcelos [1896- 1900] que promoveu uma reorganização, na qual transformou o Liceu em Escola Normal. Seu sucessor, Arlindo Francisco Nogueira, torna obrigatória a educação primária; Álvaro Mendes (1904-1907) reimplanta o Liceu Piauiense (de Artes e Ofícios), restabelece a Escola Normal, reúne as 14 escolas da Capital em três Grupos Escolares, implanta uma escola de alfabetização na cadeia pública e reivindica mais verbas para a educação. A Sociedade Auxiliadora de Instrução Pública é criada em 1908 por Anísio Auto de Abreu, que também cria a Escola Normal Livre. Como os dois governadores que o antecederam, Anísio de Abreu morre no cargo, assumindo o vice Antonino Freire, o qual é eleito governador titular no pleito de 1910, assim permanecendo de 1909 a 1912, marcando a sua passagem com a meta da educação e da cultura. Promove nova reforma no ensino, oficializa a Escola Normal, reaparelha o Liceu Piauiense, cria a Escola Modelo, a Escola de Agrimensura, o Grupo Escolar de Amarante, e, ainda, na promoção cultural, a Biblioteca e o Arquivo Públicos, e instala a Imprensa Oficial. *** Não tivemos transformações importantes para melhor no âmbito do ensino primário/secundário brasileiro desde os anos 1960, apenas improvisações ao desvairado sabor político com denominações pomposas enquanto, na

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realidade, assistíamos, de fato, a uma desastrosa queda na eficácia do ensino básico das escolas públicas, com prédios escolares esfacelados na sua maioria, professores incompetentes e desestimulados, alunos maltrapilhos e desorientados, tornando-se uma verdade aceita como natural, de que aluno de escola pública não seria aprovado nos vestibulares para o ensino superior. Em verdade constatávamos, e isto ainda ocorre, que as raras exceções têm representado aberrações louváveis de indivíduos geniais. CAOS Depois que esdrúxulas ideologias se infiltraram na administração educacional, corroendo as hierarquias de valores de mérito pela dedicação e experiência de carreira no magistério; depois que foram substituídos os sistemas de ensino tradicionais por fórmulas “psicopedágógicas” superficiais e inobjetivas, sobrecarregando os alunos de informações insulsas perfeitamente dispensáveis para a formação cultural e moral; depois que, em nome da desilitização, foram abolidas as fardas, a cobrança disciplinar, a punição moral pelos cometimentos desrespeitosos, entre tantos outros fatores negativos para a formação do caráter civilista, aí então, a roda desandou de vez, e o que vemos, infelizmente, é a infiltração da marginalidade nas salas de aula, atemorizando o corpo docente na sua segurança de vida, promovendo desordens sob propulsão de drogas, e até mesmo crimes de morte entre alunos rixentos, numa afronta a tudo o que se pode conceber como bons costumes em uma sociedade civilizada. Estamos vivendo a era do buyling. Estamos mal, sim. Filósofos, psicólogos e psicopedagogos, cada categoria mais doutorizada, mais

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recheada de monografias e teses sem objetivo lapidar da realidade cognitiva do alunado cada vez mais solto no liberalismo da libertinagem, cada vez mais atulhado de informações e vazio de formação, infelizmente só difunde incipiência, só gera insipiência, só expande dúvidas e desequilíbrio na definição concreta de um método educacional seguro e econômico – que desperte as aptidões e estruture as bases vocacionais, transmitindo aos jovens, com simplicidade pedagógica da boa didática o acervo de conhecimento estritamente necessário ao inteligir da idade mental associada à idade cronológica no que diz respeito à linguística e ao comportamento individual e social como esteio da formação humanística, além das disciplinas que formam os pilares do conhecimento técnico-científico que abre os caminhos para as pesquisas em benefício do homem como espécie na sua integração de sociedade em interação de altruismo e em simbiose com o ambiente universal para o saudável convívio de soberania pacífica, quando se equilibram a conscientização dos princípios do dever e do direito advindo como consequência refletida, plano em que se assenta o direito de uma sociedade próspera. Somos, aprioristicamente, animais, tais como felinos e equinos; somos oriundos da selva, somos primatas hereditários, biológicos: entregues à força bruta dos instintos, ou tendo-os espicaçados por estímulos de sobrevivência individual, tanto subreptício como de explicitude escancarada à conquista desenfreada dos instrumentos do prazer primário e do poder, soltos no mundo sem o cerceamento das arestas imposto pela cultura adaptativa à sociabilidade, seremos, sem dúvida, a espécie mais nociva ao planeta, porque mais promotora do desequilíbrio ecológico; a espécie mais canibalesca e bárbara sobre a face da terra, pois que no desenfreio tulmutuário dos

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instintos insatisfeitos revolve-se a tormenta dantesca dos diabos num inferno em erupção. Como animais pensantes, somos terríveis, extraordinariamente perigosos: somos uma bomba pronta para explodir se não houver o redutor consciente de uma sublimação como aplicativo inteligente do sentimento nas suas manifestações gregárias e espirituais. FIAT LUX O economista Claudio de Moura Castro, que aprecia analisar os caminhos para a condução do caráter humano, compara métodos opostos entre duas civilizações extremas, a chinesa e a judia: a primeira defende e emprega a disciplina pela imposição do que deve ser aprendido, da rígida proibição do que deve ser praticado, do “vai ou racha”, ainda que sob vergastadas, do “escreveu não leu, o pau comeu”. Os pais têm autoridade sobre os filhos; os professores, sobre os alunos. Não há opção, fora destes parâmetros, a não ser a marginalidade. A segunda pretende atingir os objetivos do conhecimento prático pela constância da disciplina dosada pelo afeto inteligente, procurando despertar a aptidão criativa da inteligência, premiando os filhos com lazeres coletivos à medida que cumprem seus deveres, abrindo-lhes os caminhos de escolha não necessariamente acadêmica, mas que seja profissional, para o que, entretanto, estimulaos ao alcance da melhor qualificação, da exímia competência; os pais e professores não ameaçam, mas “gentilmente chantageiam” de todas as maneiras que podem imaginar. Sabemos de uma verdade incontestável: os avanços científicos da modernidade têm a tradição e a disciplina judia nas veias, quer dizer, na alma, assim como os maiores gênios da economia mundial. Judeus da diáspora espalharam-se pelo planeta e revolucionaram o mundo,

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causando admiração, inveja e revolução, e conquistando, até o momento, nada menos que 128 prêmios Nobel (apud o autor citado), nas várias áreas do conhecimento humano. Se há memória genética de boas estirpes, a esse fundo biológico há de se acrescentar procedimento de pertinácia, de hábitos disciplinares inabaláveis. E conclui o articulista que o meio termo da disciplina rigorosa com o meio termo da chantagem emocional produzem bons resultados, mas que, no caso brasileiro, o problema é que não se emprega com seriedade e obstinação nem um caso, nem outro, – e, completamos –, ficando tudo no exibicionismo do arremedo, do faz de conta, pois quando se almeja progredir em educação, cada civilização segue o seu caminho com inteligência, honestidade e determinação, devendo apenas inspirar-se nos melhores exemplos como princípio, mas não copiar nem China, nem Israel, nem Finlândia; mas encarando a nossa própria realidade a seguir pelas sendas da saúde, da educação, da cultura e da economia social, sem paternalismos e sem bandalheira, sem hipocrisia, sem fanatismos ideológicos, a despertar o potencial cognitivo das personalidades em formação. Não é possível acreditar em fórmulas radicais e maniqueistas para melhorar o sistema de ensino, como a de Andreas Schllicer que põe o problema da educação apenas no professor, recomendando que ele precisa ser continuamente monitorado, apoiando-o e incentivando-o, mas retirando-o das salas de aula quando não demonstra eficácia. Isto, dito assim, cheira a intolerância e estimula a caça às bruxas; claro que o corpo docente tem de ser qualificado em conhecimento e objetividade psicopedagógica reciclável e em estímulo com prêmios financeiros dignos. Mas não é o bastante: é necessária a ação direta dos governantes nas escolas públicas através de ministros que tenham evoluído na profissão de

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educadores, agindo sem estrelismo, sem hipocrisia, sem demagogia, sem firulas, sem vaidade, mas com denodo, com amor pela causa, com a competência de mestre apoiado numa legislação que lhe assegure a estabilidade das normas instituídas. Sem investir na base, como diz o olímpico brasileiro de 1984, Joaquim Cruz, “não temos nem quantidade nem qualidade”. A política educacional eficaz, está sobejamente provado, dispensa a política partidária, adesista e presunçosa dos acrobatas do sofisma que negam a realidade atual do sucateamento das escolas no sentido estrutural e moral, e expõem planilhas miraculosas que não deslancham além de barracões de circos transitórios gerenciados por mestres em pantomimas, cujos interesses pessoais se sobrepõem à seriedade e à dedicação diuturna que o trabalho requer para que a lapidação educacional possa esculpir caracteres superiores em humanismo, capacitados ao trabalho solidário, de relevância enaltruismo, sentimento estético sensível ao belo e à religiosidade, pois materialismo sem metafísica é autodestrutivo, fanfarrão e patético.

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CONVERSAS SILENCIOSAS Maria Helena Ventura*

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silêncio, quando nele se consegue viajar, é um campo povoado de ordeiras vozes, imagens coloridas, polissémico sentido. Assim como se fosse o espaço significante para retomar fôlego entre aventuras verbais ou encadeamentos de palavras. Que o diga o cronista, poeta, crítico Francisco Miguel de Moura, que gosta de comunicar com os outros captando a musicalidade desses espaços onde a vida freme, tal uma poça de água cristalina na maré baixa. Basta olhar com atenção. Chico Miguel produz a sua obra de múltiplas expressões ou discursos num silêncio recatado, sem a interrupção do ruído poluente de conversas ocas. Daí que cada peça das suas dezenas de títulos traga a marca da experiência e da ponderação. A GRAÇA DE CADA DIA, livro de crónicas de 2009, *

Maria Helena Ventura - Escritora portuguesa Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade de Geografia de Lisboa e do IWA-International Writers and Artists Association – USA.

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é uma tapeçaria de memórias e reflexões envolvidas por fios de um humor às vezes corrosivo (O Poço dos Mortos). De muita oportunidade, também, no reconhecimento das coisas aparentemente comuns e no entanto tão importantes na vida como a simpatia (Ensaio Sobre o Sorriso) ou o perdão (A Culpa e o Perdão). Cada texto um saboroso naco de prosa em língua portuguesa. O registo é biográfico e autobiográfico, enriquecido pelas lições retiradas de sucessos e insucessos, com uma percentagem significativa de resíduos das experiências alheias. Com essa amálgama, essa pasta flexível, processa Chico Miguel os seus relatos do quotidiano ou tece novos enredos. Às vezes com recurso à Ciência, à História, ao colorido da Mitologia (Pã e Sua Flauta de Sete Tubos) de todos retirando mensagens actuais (Anfião – Fábula de Ontem e de Hoje). Há muito de O MENINO QUASE PERDIDO que acabei por conhecer primeiro, aqui um menino feito homem a moldar ao seu jeito as experiências dos outros, a colocar nos outros, às vezes inventados, a sua própria experiência iniciática. Há o respeito pelo saber popular, pelas minorias, pelos afectos de família e dos amigos. Afinal o afecto é cego, não distingue das outras as ligações de sangue quando é igual a intensidade do querer. Aparentemente não há um fio condutor entre os factos de cada peça, mas existe um nexo na fluência do pensamento: todos os temas se interligam. Assim A GRAÇA DE CADA DIA converte-se num apetecível instrumento de análise de problemas reais pelo acto da leitura. As preocupações com o retrocesso disfarçado de progresso (Imagens de Um Tempo Verde) com a ignorância generalizada (A Sabedoria Popular) com a sexualidade de homens e mulheres (Erotismo) com a importância da leitura

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e da escrita (Falar ou Escrever) são alguns dos pontos altos de um conjunto de crónicas que marcam um percurso, percursos, aprendizagens de vida em sociedade. A propósito do volume de memórias ESPELHO DE PRÍNCIPE de Alberto da Costa e Silva, escreve Francisco Miguel de Moura na página 117 (Espelho do Homem) que é “um livro para ser lido muitas vezes”. O mesmo me apetece afirmar sobre o seu livro de crónicas, A GRAÇA DE CADA DIA. É preciso reler alguns excertos, parar de vez em quando para captar o borbulhar do pensamento nas frases despojadas do seu discurso sóbrio. Em todas há informação, quase o DNA do homem enquanto ser social e do escritor com a responsabilidade de questionar a vida com recursos formais e estilísticos. Recomendo vivamente a leitura desta Antologia e cumprimento o autor pela coragem de produzir obra literária como se respirasse.

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UMA OBRA QUASE BIOGRÁFICA Deolinda Marques*

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omo leitora contumaz da obra do escritor Francisco Miguel de Moura, ao terminar a leitura de O Menino quase Perdido (2009), posso afirmar que não apenas é um livro maravilhoso, como também que nele encontramos representadas muitas das nossas lembranças de criança e nos faz reviver, com saudade, a infância que se foi. Com o menino Xico, entrei na nave do tempo e me transportei para minha Lagoa Grande de outrora. Vi-me rolando na areia do terreiro, tirando cacho de bananinha, comendo coalhada com rapadura, atravessando o Guaribas cheio a nado, com meu pai me esperando mais abaixo, caso o rio me carregasse. Pude ouvir o balido triste das ovelhas do meu avô Joaquim Marques; pude sentir o cheiro gostoso do coentro e da cebola, quando aguava canteiros, sem nem mesmo poder direito com a cuia. Lembrei das histórias de alma e de caçadas, contadas pelo meu avô *

Deolinda Marques é professora, escritora, ensaísta e crítica literária. Mora em Bocaina – PI, município da região de Picos.

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Neno. Sonhei com o ouro da casa da finada Anália (que até hoje continua lá, uma vez que ninguém conseguiu arrancálo). Ouvi a toada saudosa das cantorias de viola e relembrei algumas cantigas de reisados que ficaram guardadas na memória, como: “O senhor, seu Zé Marques, Folha da cana caiana. Quanto mais a cana cresce Mais aumenta a sua fama. Senhora dona Quindor É a flor da jitirana. É a jovem mais bonita Que eu já vi nesta semana. Senhor, seu Zé Filho, Fita preta no chapéu. Sua pessoa merece Patente de coronel. Senhorita Deolinda, Não se dê por agravada. Só ficou por derradeira, Por ser a mais estimada”.

Vi-me também numa sala de aula (grande) junto com alunos enormes (eu era a menorzinha de todos), ouvindo a cantilena monótona de um coro de vozes: “um-bê-cum-a: bêa-bá”, “um-bê-cum-é: bê-e-bé”, “um-bê-cum-i: bê-i-bi”, “umbê-cum-o: bê-o-bo”, “um-bê-cum-u: bê-u-bu”. Senti o mesmo medo de quando perdi a “licença” detrás da casa, morrendo de dor de barriga. Revivi a surpresa de descobrir meu nome “verdadeiro” – Deolinda, quando pensava que meu nome de batismo era Linda. Não gostei nada! Era muito grande para escrever.

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Como Xico, também fui uma menina chorona, que levava os gritos do meu avô Neno, pois era ele quem mais se aborrecia com meu chororô e a quem minhas lágrimas não provocavam nenhuma piedade. Senti a dor dos cocorotes secos de minha mãe, dados por qualquer coisa, e a tristeza de, já maiorzinha, ter de ajudar a enterrar anjinhos, cantando incelências. Todas essas lembranças só revisitaram minha mente porque a experiência de vida e o sofrimento dos meninos nordestinos (sejam do sexo masculino ou feminino) são muito semelhantes, em qualquer época ou circunstância. Encontrei-me na obra e recomendo a qualquer leitor, seja ele nordestino ou de qualquer parte do mundo. Num comentário menos impressionista, poderia afirmar com convicção que a leitura d’O Menino quase Perdido faz lembrar Infância, de Graciliano Ramos, até mesmo na polidez da linguagem e na grandiosidade de recursos expressivos, que permitem ao leitor a construção de uma imagem real e concreta daquele menino e do seu mundo pintado em cores vivas e impregnado de cheiros inesquecíveis. Teresinha Queiroz, como leitora primeira do livro, nos alerta (em sua belíssima apresentação “A vida começa num sonho”) para a necessidade de retomarmos o tempo como forma de religar passado e presente, resguardando o passado e evitando a perda de nós mesmos. Mostra a importância da obra como trabalho de redescoberta (tanto para o autor quanto para o leitor) por nos fazer refletir sobre o sentido da vida e a urgência de concretizar sonhos e eternizar lembranças que ameaçam escapar da memória. Numa atitude proustiana, nos leva a pensar sobre a transitoriedade e fugacidade do tempo e nos conscientiza sobre a perda da criança que há em cada um de nós. Conclui, sabiamente, afirmando que “o tempo só pode ser

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verdadeiramente encontrado sob o signo da Arte” (p. 13). Já um leitor amargurado, inconformado com a dureza dos problemas vividos na infância, semelhantes ao do menino Xico, afirmaria que o livro não passa de um relato triste e autobiográfico, tal qual os de Graciliano Ramos, Zé Lins do Rego e tantos outros memorialistas. Justificaria que leitores mais sentimentais morreriam de pena daquele menino sofrido e se indignariam com a atitude de um pai que pretendia “dar um filho para um desconhecido criar”. Condenariam o desamor e o sofrimento vivenciados por aquela criança, responsabilizando o espírito aventureiro de um homem que tinha o papel de educar - mestre-escola, mas praticava ações aparentemente cruéis. Classificaria a obra como um desabafo amargurado de um adulto traumatizado, que não consegue esquecer (e quer lembrar muito mais) a infância sofrida. Por isso, rememora tudo, numa tentativa de compreender a si mesmo, de expurgar os traumas, de lavar e enxaguar a alma. Para esse tipo de leitor, a autobiografia é um gênero “menor” (ou não-literário) que tem funções pragmática e/ou catártica tão somente. Prática, quando o objetivo é transmitir para outrem experiências vividas exemplares. Catártica, quando o autor pretende, tão somente, purgar seus traumas e/ou alcançar um autoconhecimento. Nesta última função, a catarse também se dá no leitor, uma vez que este vivencia experiências ímpares e/ou nunca anteriormente vividas; se angustia, sofre com as dores e os sofrimentos do outro e, na maioria das vezes, cresce espiritualmente, transformando-se numa pessoa melhor, mais humana. Mas a autobiografia não é um gênero “menor”, nem tem função apenas didática e/ou catártica. Para Bakhtin, ela possui função estética “quando o autor-criador não se confunde com o autor-pessoa”.

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Segundo FARACO (2010)1 , no texto “O autor e o heroi na atividade estética”, escrito provavelmente por volta de 1920-1922, Bakhtin estabelece a distinção entre autor-pessoa e autor-criador. Assinala que o autor-pessoa é o artista, o escritor e se distingue do autor-criador que é a função estético-formal, que organiza a obra. Para ele, mesmo que a voz do autor-criador seja a do escritor como pessoa (como é o caso das autobiografias), ela será esteticamente criativa se houver um “deslocamento”, ou seja, “se o escritor for capaz de trabalhar em sua linguagem permanecendo fora dela” (p. 40). Essa exterioridade no ato criador, que muitas vezes é questionada no caso da autobiografia, é justamente o que ocorre em O Menino quase Perdido, de Chico Miguel, uma vez que, segundo depoimento do próprio autor-pessoa, esta obra foi concebida há muitos anos, mas, só agora, depois de um longo distanciamento de tempo e espaços, tornou-se material estético. Para Bakhtin, “o autor-criador é quem dá forma ao conteúdo, não apenas registrando passivamente os fatos da vida, mas, recortando-os e reorganizando-os esteticamente, uma vez que o ato criativo envolve um complexo processo de transposição da vida para a arte” (p. 40). Assim sendo, quem compõe o objeto estético não é o autor-pessoa, mas o autor-criador. No caso de O Menino quase Perdido, quem compõe a obra não é o menino Xico. É o poeta, contista, cronista, romancista, ensaísta, e agora memorialista Francisco Miguel de Moura, que conta com uma boa experiência de vida, agraciada pelos anos, e com uma vasta capacidade de transformação estética, como autor-criador. 1

FARACO, Calos Alberto. “Autor e autoria” in: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4ª ed., 3ª impressão. São Paulo: Contexto, 2010.

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Uma análise psicológica da obra talvez se interessasse em entender e tentar explicar por que algumas imagens, fatos, acontecimentos permanecem na memória, outros não. Isso sempre me intrigou! Assim como, nunca pude entender por que a noção de tempo, tamanho, distância é tão diferente entre crianças e adultos. Terezinha Queiroz arisca explicar que “(...) deve haver algum sentido oculto na maneira como essas costuras da idade se processam e no fato de essa volta acontecer ou de fazer-se necessária quando nossa infância nos parece mais distante e quase olvidada” (p.11). Nesse sentido, Bakhtin nos esclarece que, no ato artístico, é o autor-criador que dá forma ao conteúdo. Para tanto, “ele não apenas registra passivamente os eventos da vida, mas, a partir de certa posição axiológica, recorta-os e reorganizaos esteticamente” (p. 39). Entendido fundamentalmente como uma posição estético-formal, “o autor-criador materializa a relação heroi/mundo, olhando-os com simpatia ou antipatia, distância ou proximidade, reverência ou crítica, gravidade ou deboche, aplauso ou sarcasmo, alegria ou amargura, generosidade ou crueldade, júbilo ou melancolia” (p. 38). O autor-criador d’O Menino quase Perdido, ao selecionar as lembranças e fatos narrados, consegue um distanciamento, uma isenção tamanha, que só é possível aos grandes escritores. Quem sabe, por isso, em alguns momentos, faz uso (talvez até inconscientemente) da 3ª pessoa – narrador de 3ª pessoa, o que não é comum em obras memorialistas. Esse narrador, que não é mais um menino, demonstra esta consciência, quando afirma: “No menino Xico (ou melhor, no escritor Chico Miguel) não ficou mágoa dos beliscões e xingamentos. Se agora revolve a história, é por homenagem a Zezinho, seu primo, que muito tempo depois se tornaria conhecido como Zé Toinho, vindo a falecer em Brasília,

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depois de ajudar tantas pessoas” (p.33). Como bem se pode ver, o escritor Francisco Miguel de Moura não é um traumatizado, revoltado pelas agruras sofridas na infância. Hoje, ele é um homem tranquilo, de coração bom, que tem plena consciência da situação histórico-cultural e sócio-econômica da época, bem como da formação tradicional do pai (que não era muito diferente dos demais da sua época) e consegue materializar a relação homem/mundo com distanciamento, simpatia, generosidade, postura crítica, humor, sem deixar transparecer ressentimento, raiva ou revolta. Um pouco de tristeza, melancolia, sim; às vezes, até de saudade. No entanto, mesmo os pensamentos e lembranças mais cruéis não chegam a se constituir um relato sarcástico, amargurado ou vingativo. Impressiona como o autor-pessoa se despe e revela de forma honesta, sincera e verdadeira seus sentimentos mais íntimos, como seus medos, fraquezas e, sobretudo, o surgimento dos primeiros botões do amor, mostrando como esses sentimentos e experiências ficam marcados para sempre, mesmo quando, posteriormente, encontramos “a flor” com a qual nos uniremos e produziremos frutos. Assim sendo, à luz do pensamento bakhtiniano, podemos concluir que O Menino quase Perdido é uma obra quase biográfica porque nela os fatos narrados não são apenas sentimentos, lembranças, relatos pessoais, memórias do autor-pessoa, mas uma recriação estética de um autorcriador. Bocaina-PI, 25 de julho de 2011.

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“MENSAGEM POÉTICA” A OBRA DE ALMIR FONSECA Hardi Filho*

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alar sobre um poeta é tarefa difícil. Mais do que razoável domínio da língua, conhecimentos formais de expressão e comunicação, requer capacidade de visualização objetiva e subjetiva das concepções poéticas; sensibilidade necessária à percepção da mensagem artística; e, sobretudo, vivência literária. À alguém que não possua as condições acima aludidas, não aconselho que fale ou escreva sobre um poeta. Também não é fácil falar de um amigo quando este não mais se encontra entre nós. O que se diz não tem, evidentemente, o mesmo significado nem a feição corajosa de quando se fala de um amigo (ou inimigo), cara a cara, com possibilidade de resposta (ou defesa). Daí porque, falar sobre um amigo poeta, e que já se foi, torna-se um trabalho não somente penoso, mas susceptível de interpretações nem sempre concordantes com *

Francisco Hardi Filho é poeta e membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 21

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a verdade que se quis relacionar. Este prelúdio para dizer a quanto me obriga a satisfação de ter privado da amizade do poeta Almir Fonseca. Eu, que penso possuir apenasmente o sentimento do Belo e amor pela verdade, falto de quaisquer outras capacitações, escrevendo aqui estas palavras que não dizem muito. Espero que sejam vistas, pelo menos, como manifestações espontâneas de um coração afeito ao reconhecimento, à admiração das belezas da vida e à aceitação dos misteriosos desígnios de Deus. Anote-se a meu favor, ainda, e principalmente, o entusiasmo e a alegria pessoal que me causou ver condignamente publicados os versos cujo destino foi objeto de preocupação minha e de outros amigos de Almir, por ocasião do inesperado passamento do talentoso amigo, em 1972. Que seria dos sonetos de Almir? Perder-seiam no tempo? Louvei portanto, a atitude da distinta e dileta filha Marília que, entendendo o valor e o significado da obra poética do pai, nos deu a oportunidade de ter em mãos “MENSAGEM POÉTICA”, livro tão caro à saudade de quantos conheceram Almir Fonseca, e tão precioso pela mensagem de beleza a todos os que apreciam a Arte em sua expressão mais comovedora. Transcrevo, aqui, o soneto “Mistério”. “De onde vim? Quem sou eu? Para onde vou? Perguntas que não foram respondidas, e que ninguém jamais as explicou durante vidas, sucessivas vidas... A inteligência humana aí parou! Pois todas as respostas conhecidas não definem o que se perguntou e permanecem incompreendidas... Os filósofos, sábios, cientistas,

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físicos, químicos, naturalistas, há séculos estudam, sofrem, suam. E as respostas nenhum jamais achou: – De onde vim? Quem sou eu? Para onde vou? E os profundos mistérios continuam...”

Transcre-o de propósito, porque foi justamente ele a causa do meu conhecimento com Almir Fonseca. Lendo este soneto pela primeira vez, não resistir ao desejo de entrar em contato com o autor de versos tão magníficos, tão cheios de humana e profunda verdade. Informado sobre alguns “recantos” desta cidade de Teresina preferidos do Poeta, um dia fui encontrá-lo em um bar. Já vai longe, mas lembro-me que ali ouvi-lhe a primeira declamação e bebemos juntos a primeira cerveja. E daí pra frente, a cada vez que me encontrava com Almir, que dialogava com Almir, que ouvialhe os versos de viva voz, mais se ia afirmando em mim a convicção de que estava diante de uma das mais notáveis inspirações poéticas do Piauí, um mestre do soneto – forma de poesia na qual só se sobressaem talentos verdadeiros. Mas até agora falei somente do poeta Almir Fonseca. O que e como dizer, especificamente, sobre a sua poesia, sobre os versos, muitos dos quais meus conhecidos íntimos, alvos de minha admiração? A poesia de Almir Fonseca é dessas que valem e falam por si. Dispensa interpretações, demonstrações, justificativas. Poesia adulta na forma e no conteúdo, porém eivada de um sentimento visceral de franqueza, ousadia e despreendimento, só encontrável num coração de criança. Poesia especulativa das razões do Existente. Poesia reveladora dos recôncavos solitários e sensitivo da alma. Poesia amargurada, talvez espelho do seu destino de tormento. E aqui se adaptariam perfeitamente os conhecidos veros de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor./Finge tão completamente/ que chega a fingir que

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é dor/ a dor que deveras sente”. Almir era um homem bom, de espírito nobre e aparência tranquila. Difícil se adivinhar nele o universo interior de mágoa, de emoção. Em sua poesia, as vezes, as ideias e os conceitos atingem o chocante, mas a harmonia e a musicalidade geram um perfeito equilíbrio, e este sempre nos leva à justa compreensão do sentimento expresso. Poesia, ora jungida aos quebrantos de um amor imenso, ora transbordante de desilusão e revolta. Poesia onde não se vislumbra qualquer artificialismo, como se jorrasse, tal uma fonte, naturalmente, sem nenhum esforço, límpida, completa.

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O VALOR DO VERSO Teresinka Pereira, Presidente da IWA*

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rancisco Miguel de Moura dedicou-me um poema tão intrínseco em suas metáforas e realidade que se torna impossível explicar, analisar, ou mesmo comentar. Por isso, cito-o aqui: ASSAS(SINAIS) Para Teresinka Pereira a-pu-nha-la-do pelo v e r d e de vossos olhos pelo a m a r - e l o de nossos óculos pelo vosso desacordo (por sinal v e r m e l h o) *

Teresinka Pereira, poeta e crítica literária, Presidente da IWA (Associação Internacional de Escritores e Artista), sigla em inglês. E-mail: tpereira@buckeye.express.com Webside: http:/WWW. internacional-writers-association.com

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Desde então e a - go - r a namoro o semáforo Quem me conhece vai me reconhecer no poema. Por coincidência, o poema chegou pelo correio (sem data, tanto o artigo quanto o poema) e veio em cópia xérox, do outro lado de um artigo, pelo mesmo autor, que, entre outras coisas diz: “... minhas desilusões não resistem às minhas ilusões da juventude. Românticas, tão boas, sem limites, por uma democracia que não veio, uma liberdade que não existe, direitos totalmente desrespeitados em nome de quê?”1

O artigo merece nossa leitura e nosso consentimento para falar por todos nós que fomos jovens durante a ditadura militar no Brasil, e tivemos a coragem de manter nosso espírito livre das nefastas influências da lavagem cerebral imposta pelo medo de perder a vida por declarar-se dono de um pensamento autenticamente crítico. Durante os 25 anos de ditadura militar no Brasil, somente nas secretas comunicações de companheirismo e no exílio podíamos estudar marxismo (o sinal vermelho no poema). A juventude cresceu sem a possibilidade de aprender que a solidariedade, o companheirismo e o amor, reconhecendo a igualdade de homem para homem é o mesmo que a liberdade de ter justiça. E como Maria Gomes Guilherme explica em um artigo publicado no jornal “O Eco do Funchal”2 “a justiça é uma virtude cívica, e pode produzir felicidade para uma comunidade. Utilizando o método da igualdade, a justiça 1 2

de Moura, Francisco Miguel: “Nossas ilusões e desilusões” in “O Dia”, Teresina, Piauí, 15-8-2009. O jornal “Eco de Funchal” é publicado na cidade de Funchal, Ilha da Madeira, Portugal.

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pode distribuir proporcionalmente as vantagens e honras em função dos méritos de cada um. O outro princípio em que a justiça se apóia é o da equidade, quer dizer, devemos oferecer a cada um o que lhe é devido”. O poema é gráfico, quase chegando ao varal da poesia concreta, a qual sempre dispensou explicações. Quem entendeu, é poeta-leitor e gostou, e quem não entendeu fica com um ponto de interrogação (?) na ponta do nariz! Meus olhos são azuis, mas aparecem verdes no poema, porque: 1. Verde é a cor do semáforo que deixa passar livremente; 2. é uma das cores da bandeira brasileira; 3. é a poderosa cor ecológica das nossas matas (o ouro verde); 4. É a cor da esperança. Infelizmente um dos maus símbolos do verde foi roubado pelo “integralismo” brasileiro, de herança do fascismo italiano, que nos anos anteriores à nossa geração fez oposição ao “vermelho”, símbolo do comunismo. Por tudo isto, posso dizer, companheiros, que meus olhos são mesmo “vermelhos”, como o poeta diz muito gentilmente ao final do poema, evitando mencionar que dizê-los “azuis” estaria sendo indelicado simbolicamente, pois a cor “azul” tem o simbólico sentimento de “abandono e morte”. E pelo mesmo catálogo, “o amar-elo” de nossos óculos, contém a ideia muito fiel de “fome e sede”3. Entretanto, o tema do meu colega era libertinagem da juventude de hoje, que representa a terceira geração de depois da ditadura. De acordo com o velho ditado “a gente só aprende o valor da liberdade depois que a perde” e que 3

O escritor mexicano Fredo Arias de la Canal diz: “Quién observe con detenimiento y método los nóumenos de la creatividad poética, inducirá que ciertos colores tiene una relación a un significado arquétipo, por ejemplo: Rojo=sangre y heridas;/Azul=abandono y muerte/Amarillo=hambre e sed”.

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se adapta muito bem à nossa geração, porque envelhecemos antes de fazer os 21 anos de idade, chorando por uma liberdade que a ditadura roubou. Nós aprendemos sofrendo o valor da liberdade. Nós fomos aqueles que passamos o tempo da juventude lutando dentro ou fora do Brasil para recuperar a liberdade como o Comandante Marcos, de Chiapas, no México, explicava: “A liberdade é como a manhã. Há quem espera por ela dormindo, mas há quem fica acordado e caminha pela noite para alcançá-la”. Nós fomos como os que caminhamos a noite inteira da ditadura para merecer a liberdade. Nossos filhos sofreram com nossa a caminhada. Uns foram criados sem pai, outros sem mãe, e outros com medo de que os “milicos” perseguissem seus pais até mesmo no exílio. Alguns odiaram a política das ideologias, outros abraçaram a fé da teologia da libertação, e ficaram ainda mais subversivos que nós jamais conseguimos ser, outros viram “hipies” e seus filhos já cresceram marginais. Eu entendo a nova geração que “não quer saber de nada”. Ela é filha de nosso egoísmo, nossa falta de participação na sua caminhada pela noite. A nova geração está observando nosso outono sem frutos. Demos muito, mas estamos cansados demais para exigir justiça: não aceitar nenhum pacto com a direita! “Quando a esquerda começa a contar dinheiro, converter-se em direita”, disse Carlito Maia, com razão. E já que estamos no processo de fazer a crítica da esquerda que se converteu em neoliberalismo cristão, como disse Pascual Serrano, referindo-se aos que abandonaram seu idealismo revolucionário e criticam a esquerda pela fresta da esquerda, enquanto o resto critica a esquerda já do outro lado da cerca, a “esquerda democrática”, expressão que parece contraditória, mas que no fundo é verdadeira, porque a esquerda sempre foi mais democrática que a direita. Enfim, vamos terminar este comentário citando

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Hegel outra vez: “O desenvolvimento histórico da própria consciência humana é a marcha em busca da liberdade”.4

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Georg Wilhelm Friederich Hegel (1770-1831): filósofo alemão que influenciou Karl Marx.

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FALANDO FRANCAMENTE Francisco Miguel de Moura*

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uma ocasião como esta, a tentação é falar de si próprio. Mas seria impertinente falar sobre mim, quando minha apresentadora, Profª Teresinha Queiroz, já disse tudo e de forma muito clara e generosa. Resta-me, portanto, agradecer, e falar sobre a criatura – minha obra – e não sobre o criador. Lembro sempre do que disse Confúcio: – “Não se deve a todo momento ficar falando de si, por dois motivos: é que, se falamos de bem, ninguém vai acreditar, e se falamos de mal, todos acreditarão”. Entrando no assunto que quero desenvolver, de imediato me vem à lembrança um certo dia dos anos 1980, morando em Salvador, quando entrei numa livraria e comecei a olhar os livros, atividade para mim muito prazerosa, mesmo que nada possa ler além do título, autor *

Francisco Miguel de Moura - poeta, cronista, romancista, crítico literário e contista. Licenciado com pós-graduação em Crítica de Artes. Membro da Academia Piauiense de letras, ocupante da cadeira nº 8.

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e orelhas, e mesmo que nada possa comprar daquela vez. E, por uma simples coincidência, li na lombada de uma pequena brochura, o seguinte título O Menino Perdido, de autor americano, já falecido há muito tempo. Comprei o compêndio, li todos os contos e gostei, mas, por algum mecanismo obscuro da mente, não guardei nem o livro nem o nome do autor. Foi o meu espanto. Senti-me roubado, pois já me fixara naquele título para escrever algo que fosse memória da minha meninice. Lembro-me também de outro dia, já no começo dos anos 1990, em Luís Correia, depois de um banho na praia de Amarração. Sentindo já o começo de uma intransigente crise de depressão, comecei a reler pedaços de contos, crônicas, capítulos. Saudade e angústia. Vontade de fazer algo distinto do que já tinha lido sobre a infância. Era isto que sentia. E começava a refazer alguns bosquejos miúdos, num caderninho escolar, e a partir dali ressurgia o nome de O Menino Perdido como título não definitivo. Começada a escrita, vieram as indecisões. Não encontrara um novo título e isto me contrariava. Era impossível abrigar minha matéria sob esse título e depois publicá-la. Eu já havia escrito uma crônica com o título de Um Menino Perdido, que logo desejaria publicada num livro de crônicas, o que de fato aconteceu em 1996. Muitos questionamentos foram feitos mentalmente e permaneceram em ebulição na minha cabeça. Era muita a matéria a escrever, e não queria um livro grande, no fundo eu desejava um grande livro. Também nem pensar em fazer coisa parecida com O. G. Rego de Carvalho, em Ulisses entre o Amor e Morte. Não tinha como. Eu sou realmente discípulo de O. G. Rego de Carvalho e muito me orgulho disto. Ele é um dos maiores amigos que fiz na minha vida, em Teresina, só não maior do que o Hardi Filho,

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poeta dos melhores do Piauí, pessoa com quem primeiro me encontrei em Teresina e, juntamente com Herculano Moraes, fundamos o movimento literário O CLIP – Círculo Literário Piauiense. Com O. G. Rego de Carvalho foi diferente: antes de encontrar-me com ele, como colega do Banco do Brasil, já havia lido Ulisses entre o Amor e a Morte. Foi outro espanto na minha vida. Espanto que se repetiu em Somos Todos Inocentes e em Rio Subterrâneo. Que obras incomparáveis! Mas quantos escritores, que vieram antes dele e de mim, escreveram a infância (ou sobre a infância)? Lembrome de alguns: José Lins do Rego, com seu O Menino de Engenho; Graciliano Ramos com o seu livro Infância; Joaquim Nabuco, com o espetacular Minha Formação. Os clássicos russos Dostoiévski e Leon Tolstói fizeram livros sobre sua infância e adolescência, excelentes obras cujos nomes não me vêm à memória. Os clássicos modernos mais à vista seriam O Pequeno Príncipe, de Antoine de Exupéry, e O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon. A enumeração seria enorme e tomaria muito tempo. Não falemos das historinhas da vida comum e das fábulas antigas renovadas que tanto têm sido escritas e publicadas como meio de ganha-pão de escritores desempregados e de editores sem imaginação senão a do vil metal. Claro que o genial Monteiro Lobato não entraria nessa última classificação, antes merece ser o primeiro da boa lista, com Memórias de Emília e Caçadas de Pedrinho, para referir apenas duas da sua numerosa produção. Não, eu jamais escreveria uma história ou um conto com o fim único de ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro é bom, mas vender a consciência é horrível. Passei mais de 20 anos a elaborar O Menino quase Perdido. Finalmente, sem matar completamente o nome

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primitivo, encontrara o novo título: com uma palavrinha apenas ganhei originalidade. Daí então passaram a ser pensadas, com mais gosto, as formas de escrever e a escolha do conteúdo de cada uma das suas partes. Ele, O Menino... não é um conto grande, não é somente feito de contos encadeados, não é de crônicas, não é um romance. E é tudo isto. Ou quase tudo. A matéria eu já possuía até demais, não que minha infância tenha sido tão rica, mas foram minha infância, minha família, minha terra, minha vida que me inspiraram para escrever esta obra. Original na forma, dentro do poder de minha inventiva. Escolhendo como escrever e o que escrever. E o que publicar e o que deixar de publicar. Muitas páginas foram rasgadas. O livro é não somente real como pode ser ficção, imaginação de homem adulto sobre o que e como sentia o menino, naquele tempo. Um transporte enorme no tempo, no espaço e nas emoções. Assim se casaram o distanciamento e a intimidade. Quase todos os personagens são parentes: pai, mãe, avós, tios, irmãs, primos, amigos, amigas e namoradas – algumas inventadas. Mas é preciso que diga: - este livro é da minha mãe, principalmente. Quem não gosta de mãe certamente não vai gostar dele. Assim como para Saramago a pessoa mais sábia que ele conheceu, quando menino, foi o avô, para mim, foi minha mãe, até os 8 anos. Fui educado para emoções duradouras e positivas. Daí por diante, juntar-se-ia a influência de meu pai. Com relação a sua composição, repito: - Foi todo escrito e reescrito muitas vezes. Não digo que esteja perfeito. Não há perfeição, na espécie humana nem sei se em outras. A perfeição é apenas um ideal a perseguir. E é isto que os bons escritores fazem, por si, para si e pela humanidade. Creio que estou sendo capaz de dizer pouco sobre a matéria de O Menino quase Perdido, mas o suficiente

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para saber-se que não se trata de biografia, muito menos de minha biografia. Minha biografia são meus livros, não sou cientista nem personagem da mídia, não sou político para quem tudo o que faz precisa ser dito e mostrado, e mentido e enganado. Sou um homem simples e ao mesmo tempo vaidoso do que faço, do que penso e do que recuso. Se em O Menino quase Perdido isto for achado, então o escritor, o personagem onisciente não pôde ser totalmente isento de imprimir sua marca. Eis minha luta pela originalidade e pela diferença em minha escrita, assim como sou diferente em pessoa, sabendo como o filósofo Schopenhauer, que “o estilo é a fisionomia do espírito” e não da cara. Para confirmar minhas palavras, é pertinente que cite, mais uma vez Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), filósofo d “os anos selvagens da filosofia” e autor de “O Mundo como Vontade e Representação”. Escreveu ele: 1º) “Um livro nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor”; 2º) “Para estabelecer uma avaliação provisória sobre o valor da produção intelectual de um escritor não é necessário saber exatamente sobre o que ou o que ele pensou, pois para tanto seria necessária a leitura de todas as suas obras. A princípio basta saber como ele pensou”. Pensei “O Menino quase Perdido” como uma obra original sobre a infância, no estilo e na construção, quando qualquer menino é rei, ficando distante o autor onisciente, muito distante do que sentia e sente “o menino”, no íntimo - ambos realmente tornados personagens. Auguro, pois, que O Menino... seja lido como verdade mista, real e ficcional, coleção de contos, de crônicas, ou mesmo romance, para os leitores mais liberais. Editorialmente é um memorial, assim ficou classificado e

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registrado. E que cada leitor encontre seu menino de forma diferente, da forma que o próprio leitor foi em criança. Se assim acontecer estarei pago. Finalizando, repito com o vulgo que “de bons propósitos, o inferno está cheio”. Sim, porque me traí e traí a todos, dizendo, no início, que não iria falar de mim mesmo, porém da obra. Acontece que a obra é o homem. Eu sou a minha obra, jamais um se desligará do outro. Se isto acontecer, ambos são falsos ou hipócritas e é isto que eu não quis nem quero ser.

Depoimento lido no lançamento de O menino quase perdido, na APL, em 17-9-2011

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VULTOS DA HISTÓRIA DO PIAUÍ – OUVIDOR MORAES DURÃO1 Reginaldo Miranda2

RECEPÇÃO EM OEIRAS

V

erão de 1771. Um vento seco balançava suavemente a copa das árvores. E do chão levantava folhas secas fazendo baixas nuvens de poeira pelas ruas do pequeno burgo sertanejo. Os cajueiros floridos engrinaldavam os bosques expelindo ondas de fragrância. A pequena Oeiras, cidade única do sertão de dentro, acordara cedo, como sempre. Na praça da matriz já havia pequena movimentação. Umas três ou quatro escravas varriam as portas de seus amos. Um outro escravo passava com um tacho sobre a rodia de pano que trazia à cabeça, em rumo da Rua das Pataratas. Outro com um cântaro levava água para o asseio da patroa, na Rua do Paço. Um outro morador seguia à Rua Direita, com o leite do curral. Cerca de trezentas casas aboletavam em torno de mil e duzentos 1 2

Este ensaio foi publicado em volume separado no ano de 2004. Reginaldo Miranda é advogado, escritor, membro e atual presidente da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira nº 27 da APL.

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moradores. Quebrando a monotonia daquele pequeno burgo, numa das trinta e poucas casas da praça de N. Sra. da Vitória, chamava a atenção o movimento de pessoas: matavam animais e preparavam uma recepção. Era 26 de agosto. Naquele dia Oeiras acordara em reboliço para receber o novo Ouvidor-geral da Comarca. Ansiosamente esperado, desde muito que o Piauí não contava com tal autoridade, ficando à mercê de leigos interinos. Pois, devidamente recepcionado pelas autoridades, logo mais entrou na cidade de Oeiras o português de nascimento, bacharel por Coimbra, Dr. Antônio José de Moraes Durão. Trazia já experiência no Real serviço, em cujo exercício exercera diversos cargos, entre os quais o de Juiz de Fora da alentejana vila de Serpa e, por último, o de Auditor do Regimento da Praça de Moura, onde se encontrava antes da nomeação para a Ouvidoria do Piauí. Aristocraticamente vestido, leve sorriso, saudou as autoridades e principais moradores. Recepção calorosa, discursos de boas vindas, agradecimento, relações amistosas, lauta refeição, enfim, a posse no dia seguinte perante o Senado da Câmara de Oeiras. Voltava, assim, o Piauí a contar com os serviços de um bacharel na aplicação da justiça. Passado esse primeiro momento, em 16 de outubro, o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro avisa da chegada e posse do novo Ouvidor, ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro e ao general do Estado, residente em Belém do Pará (CABACap. Cod. 149. p. 8/8v. AHU. Cx. 11. Doc. 673). Então, desde 27 de agosto de 1771, que o novo Ouvidor-geral Antônio José de Moraes Durão, fora investido no seu cargo e passou a ministrar justiça no Piauí. Desde o início tentou imprimir um estilo dinâmico e moderno, combatendo as diversas formas de privilégio, porém, autoritário, isolou-se como se fora numa redoma, sem ouvir

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as queixas e pretensões dos jurisdicionados. Por essa razão, logo mais iria se confrontar com diversas autoridades da Capitania. E não tardou a surgirem as primeiras críticas às suas atividades, sobretudo as relacionadas à Provedoria da Real Fazenda. Porém, não se pode dizer da veracidade dessas críticas, porque em momentos de confronto eram comuns as acusações, aliás, todas as autoridades piauienses que angariaram desafetos, em algum momento foram denunciadas por má conduta. Era esse um procedimento bastante comum naqueles dias. Não havia luta de ideias, mas apenas conflitos pessoais. Com o Ouvidor Durão, não foi diferente. A NOMEAÇÃO. PROBLEMAS DA JUDICATURA PIAUIENSE Conforme se disse, o Dr. Antônio José de Moraes Durão se achava no exercício da Auditoria do Regimento da Praça de Moura, em Portugal, quando em 15 de junho de 1770, foi nomeado para a Ouvidoria do Piauí, em atenção a resolução de El Rei de 14 de março do mesmo ano e pelo tempo fixo de três anos, podendo eventualmente se demorar mais, enquanto não chegasse ordem em contrário. Em seguida a essa nomeação requereu provisão no cargo de Provedor da Real Fazenda do Piauí, que era anexo ao da Ouvidoria, e sempre fora exercido em conjunto por seus antecessores. Por essa razão, em 15 de maio de 1770, teve seu pleito deferido por El Rei, sendo a nomeação datada de 25 de junho “para por este modo se ajudar dos emolumentos desta ocupação, e mais comodamente poder passar, visto não ter negócio por lhe estar proibido; e por haver de executar o dito cargo lhe era necessária Provisão minha. Me pedia lhe mandasse passar na mesma forma que se

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praticou com o seu antecessor; e visto o seu requerimento hei por bem fazer-lhe mercê de que sirva juntamente com o lugar de Ouvidor Geral, o de Provedor da Fazenda Real daquela Capitania, debaixo da posse e juramento, que se lhe dará quando entrar no dito lugar” (AHU. Cx. 11. Doc. 630. CABACap. Cod. 274. p. 34v/35v. 35v/36). COMISSÃO DOS CULPADOS NAS DEVASSAS Pouco mais de um mês após sua posse, o Dr. Moraes Durão se queixa ao rei da pequena remuneração dos Ouvidores e da perda de uma comissão que recebiam desde a criação da Ouvidoria do Piauí, quando saíam no exercício de correições pelas vilas. E pede uma solução, pois sem o retorno dessa comissão ou aumento da remuneração era impossível ao Ouvidor efetuar essas necessárias correições. Justifica que essas correições eram necessárias para orientar e fiscalizar a ação dos juízes ordinários, que muitas vezes deixavam de realizar suas atribuições a contento, seja por ignorância da lei, medo, amizade, parentesco com os réus, ou por outras razões. Por ser um documento elucidativo sobre a aplicação da justiça no Piauí colonial e, também, por estarmos trilhando caminhos inexplorados, segue o mesmo na íntegra: “Estando os Ouvidores desta Capitania, no continuado estilo de levarem alçada, quando saíam em correição pela mesma, vencendo comissões à custa dos Réus, desde o tempo de sua criação, até ao em que serviu o Desembargador Manoel Cipriano da Silva Lobo, na forma, que ainda hoje se observa nas comarcas do Ceará, Jacobina, Goiazes e outras; sucedeu que o Desembargador Luís José

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Duarte Freire/ que sucedeu, e sindicou ao dito Ouvidor/ proibiu o mesmo estilo, pelo fundamento de não haver ordem alguma, ou provisão, que o legitimasse; mas como desta abolição/ que pareceu justa/ se seguiram os irremediáveis danos, de se multiplicarem os delitos, ignorando-se muitos, e não se punindo os averiguados; porque com a falta daqueles salários se impossibilitaram as correições, de por meio daqueles se coibirem; de sorte que o mesmo Ouvidor que reprovou o dito estilo, apenas fez duas pelo espaço de nove anos, que serviu o dito lugar; o seu sucessor nenhuma; conhecendo ambos, eram excessivas as despesas, que nelas se faziam, com jornadas de muitos centos de léguas, a que não podiam suprir com o diminuto ordenado, que tinham como Ouvidores; antes continuando em fazê-las, era infalível a ruína de se empenharem, além de ficar sem recompensa um tão excessivo e extraordinário trabalho, muito mais, porque ainda daqueles tênues emolumentos que o Regimento lhes arbitrou, se não podiam ajudar, por não terem as Câmaras das vilas, receita alguma para lhes satisfazerem; e eu me vejo exposto a faltar ao que devo, ou experimentar aquela ruína pelas razões expostas, me pareceu preciso pôr esta matéria na Real presença de V. Majestade/ principalmente por conhecer nada se pode evitar por meio dos juízes ordinários, que ou por ignorantes, ou por omissos na execução das ordens que se lhes cometem; temendo a uns Réus, e disfarçando outros por amizades, parentescos e por outros respeitos, deixam tudo em pior estado; muito mais sabendo que eles mesmos não podem ser corrigidos pela dita causa/ a fim de

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que seja servido aprovar o mencionado estilo como necessário para se acautelarem aqueles danos: ou dar a providência, que como mais justa for do seu Real agrado. Oeiras do Piauhy, 1º de Outubro de 1771. Ouvidor da Comarca Antônio José de Moraes Durão” (AHU. Cx. 11. Doc. 671). Diante desse pleito do novo Ouvidor-geral da Comarca do Piauí, em 9 de abril de 1772, o Conselho Ultramarino solicita o parecer do desembargador Luiz José Duarte Freire, ex-Ouvidor do Piauí e referido no requerimento supra. E a 22 de maio seguinte, este emite seu parecer desfavorável à solicitação do Ouvidor Durão. Aliás, demonstrou irritação e agastamento pela afirmação de que só fizera duas correições durante nove anos. Seguramente, com essa afirmação o Ouvidor Durão colecionava sua primeira animosidade em decorrência de sua judicatura no Piauí. Em seu referido parecer, informa o desembargador Duarte Freire que o Ouvidor Durão pretende haver uns salários a que chama alçada, e que alguns Ouvidores antigos o percebiam até ele proibir. Lembra que tomou posse do mesmo cargo em dias do mês de janeiro de 1759, tirando a residência de seu antecessor, Dr. Manoel Cipriano da Silva Lobo, e lhe fez culpa por ter levado os ditos salários, em razão de não serem autorizados pela lei. Por essa razão pôs Provimento para se não levarem, “cujos salários consistiam em dias de caminho, de ida e vinda, e estada nas povoações a dois mil e quatrocentos réis por dia ao Ouvidor, mil e duzentos réis ao Escrivão e seiscentos réis ao Meirinho da correição; pago tudo pelos pronunciados à razão e livramento, achando terem importado os salários contados em uma devassa de correição, para o sindicado, a quantia de duzentos e dois mil quinhentos e cinquenta réis, os quais mandei restituir”.

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Esclarece ainda que, ao contrário do afirmado pelo Ouvidor Durão, “o abuso de levar os mencionados salários não teve princípio na criação do lugar, como diz aquele Ministro na sua conta; pois o Dr. Antônio Marques Cardoso, que foi o criador, e tem exato dela não levou três salários, nem seus sucessores, os Drs. José de Barros Coelho e Francisco Xavier Morato Boroa, sendo o primeiro Ouvidor a quem foram contados, o Dr. Custódio Corrêa de Matos, havendo sido estabelecidos por um Acórdão da Câmara da cabeça da Comarca em audiência geral da correição do ano de 1741, cujo Acórdão anulei; pois a constituição de salários é uma das cousas reservadas à V. Majestade; constando-me o que acabo de referir pela averiguação que fiz examinando as devassas respectivas tiradas desde a criação do lugar” (AHU. Cx. 12. Doc. 682). Sobre a referência dita de que se escusara de proceder a suas obrigações em decorrência da falta desses salários, retrucou: “Igualmente diz com ofensa da verdade, que eu apenas fizera duas correições, e isto por considerar as grandes despesas que se faziam nas jornadas de muitos centos de léguas; quando a verdade é que eu cumpri com a minha obrigação fazendo nas povoações da Comarca as correições respectivas, faltando somente fazê-las no ano de 1760, e isto por me ter empregado pelo espaço de quase seis meses em as diligências da remessa dos Regulares da Companhia denominada de JESUS, que residiam naquele Continente, para a cidade da Bahia, e de inventários, e sequestros das três casas de residência em que viviam, e das muitas fazendas de gados que administravam, e possuíam, serviço que me foi encarregado pelo Marquês do Lavradio, vice-rei do Estado do Brasil, na conformidade da Real ordem de V. Majestade, ordenando-me o mesmo vice-rei e governador que era da Capitania da dita cidade da Bahia juntamente com a Carta de ... de 19 de Janeiro de 1760, que

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me desocupasse de todo e qualquer exercício para esse de pôr em prática as indicadas diligências, razão porque encarreguei o serviço do lugar ao Juiz Ordinário por me ser preciso andar por aquele vasto sertão correndo as fazendas, que haviam ligar-se com sequestro na forma da predita ordem. Eis aqui a clareza porque não fiz correição no dito ano, com o que se convence o que se diz pelo contrário com animosidade, imputando-se-me a omissão, em que não incorri, o que me agrava, e muito principalmente o contemplado temor de despesas, que nunca ocupou o meu ânimo despido de ambição, tendo-o para as fazer nas diligências do Real serviço de V. Majestade, como fiz nos dos referidos sequestros, como foi público naquela Comarca; sendo certo que não levei salários de caminho, nem pedi ajuda alguma de custo, que anteponho sempre a incomparável honra de servir à V. Majestade sem interesses e utilidades que só arrastam aos ânimos ambiciosos”(AHU. Cx. 12. Doc. 682).

Por fim, esclarece porque suspendeu a cobrança dos referidos salários: “Com a extorsão, Senhor, dos preditos salários eram vexados os domiciliários da dita Comarca, de que achei clamores verificados não sendo eles pela maior parte os cometentes de delitos atrozes, que contempla o dito Ouvidor, pois os que perturbam o sossego público daquela Capitania, são os vadios, que por os largos sertões da mesma andam dispersos, vindos das bandas do rio de S. Francisco, e do Ceará, para a prisão dos quais estão encarregados os Oficiais do Regimento Auxiliar, e das Ordenanças, por ordens expressas do governador da Capitania, sendo os moradores dela pacíficos, e dados ao tráfico do País que consiste principalmente em criações de gados; e como só eles têm com que pagar os tais salários, para o fim de haverem culpados por onde se houvesse ou se injuriam na série dos itens da devassa (...). Não me constou se levassem tais salários, se não na Comarca do Ceará: Parece-me, que é indigna de atenção a conta deste Ministro, que deve observar o meu Provimento de Residência, que tirou o abuso de tão injustos salários, e na de se lhe dar

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em culpa na sua Residência, sendo observada a Real ordem, porque V. Majestade assim o manda em Livro do Regimento da dita Ouvidoria, para a todo o tempo constar dele, remetendo o mesmo Ouvidor certidão de como foi registrada” (AHU. Cx. 12. Doc. 682).

Por esse parecer, não resta dúvida, pois, de que o Ouvidor Durão começava a criar animosidades na Corte, em razão do exercício de suas funções no Piauí. E o Conselho Ultramarino, em 9 de julho do mesmo ano de 1772, acata o parecer transcrito, indeferindo o pleito do Ouvidor Durão. E ainda o recrimina por querer repetir o abuso trilhado por outros Ouvidores que o antecederam, com protestos e graves prejuízos dos povos. Finalmente, na mesma data de 9 de julho de 1772, Carta Régia do rei D. José proíbe tal comissão, recriminando ainda a ambição do Ouvidor. Estava, pois, dirimida qualquer dúvida sobre esse assunto e proibida essa costumeira prática. REMESSA DE CRIMINOSOS, APELAÇÕES E AGRAVOS Conflito positivo de jurisdição entre a Relação da Bahia e a Junta de Justiça do Pará No dia seguinte àquela desastrada correspondência, i.e., em 2 de outubro de 1771, o Dr. Durão, participa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, diversas confusões e desordens que, a seu juízo, encontrou na comarca do Piauí. Principia se queixando de problemas relacionados à remessa de criminosos, apelações e agravos para a Junta de Justiça do Pará ou para a Relação da Bahia, conforme arbítrio ou empenho do Ouvidor do Piauí. Entende que, dessa incerteza nasce desordem e

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dano, tanto aos miseráveis réus quanto aos acusadores. É que pela Carta Régia de 30 de junho de 1712, que autorizou a criação da vila da Mocha (Oeiras) e da Ouvidoria do Piauí (só instalada em 1723), com trezentos mil réis de ordenado ao Ouvidor, ficou determinado que das decisões dos juízes do Senado da Câmara se agravaria para o Ouvidor, e das sentenças deste para a Relação da Bahia, por ser mais próxima do Piauí. Entretanto, sem revogação desta ordem, em 1763, se determinou fossem para a Junta do Grão-Pará. Sobre essa segunda ordem, o Ouvidor Durão foi de parecer contrário, conforme se vê: “E posto eu conheça a dificuldade de se cumprirem nesta Capitania, as segundas; pelos mesmos fundamentos que moveram o dito Senhor a criar Juntas de Justiça para mais fácil expedição dos recursos em todas as comodidades deste Continente pelo Alvará de 18 de Janeiro de 1763, que igualmente militam e se encontram com as ditas remessas para o Pará; e observe a mesma utilidade que das mesmas se tem seguido pois em lugar de ser mais pronta a punição dos réus, se impossibilita, e retarda muito mais, pelas inevitáveis demoras, que causa um caminho de mais de trezentas léguas de distância com rodeios, (...), excessivos gastos, e outros prejuízos; o que se não encontra nas remessas para a Relação da Bahia; além de parecer mais provável se decidam com diferente reflexão, e acerto, os casos que ocorrem e versam sobre as vidas, fazendas e liberdade dos vassalos do dito Senhor, em uma Relação composta de muitos e circunspectos Ministros; do que numa Junta não possam dar as mesmas circunstâncias; contudo nada altero, nem posso resolver enquanto V. Exa., não põe na presença do dito Senhor esta matéria e me participa a sua resolução, para eu obrar com o acerto que devo” (AHU, Cx. 11. Doc. 672).

Também esse pleito do Ouvidor Durão foi rejeitado na Corte. Era contrário a todo o curso da história do Piauí,

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que sempre registrou reações no sentido de se desligar da jurisdição baiana. DEMARCAÇÃO DAS SESMARIAS Outro problema enfrentado pelo novo Ouvidor do Piauí, também abordado na mesma correspondência supra, foi a irregularidade dos títulos de sesmarias, assim como o abuso e violência dos sesmeiros, oprimindo os moradores/ agricultores, de forma que muitos, depois de arruinados por serem impedidos de cultivar a terra, abandonaram a Capitania. Segundo ele, esse fato resultou em grande penúria e carestia de víveres, por falta de cultores. A situação foi agravada pelo abuso dos sesmeiros que, além de não cultivarem a terra, impediam que também o fizesse os posseiros. Por fim, denuncia que esse pequeno número de sesmeiros possui uma excessiva quantidade de léguas de terras ociosas, muitos delas sem cartas de concessão e/ou confirmação de El Rei. E esse comportamento reprovável impede “o aumento desta Capitania e fica tudo em incerteza de domínios, impedindo o comércio, a cultura, o adiantamento e abundância, de que se segue a decadência e confusão em que tudo se acha como facilmente se depreende”. Lembra ainda que El Rei, sensível a esse problema, pela Provisão de 20 de outubro de 1753, baseada nas resoluções do Conselho Ultramarino, de 11 de abril e 2 de agosto do mesmo ano, resolveu “anular, cassar e abolir todas as datas, ordens e sentenças que tem havido por ocasião das contendas e litígios, que movem aos moradores dessa vila[de Oeiras], os sesmeiros que no distrito dela possuem excessivo número de léguas de terra de sesmaria, para cessarem os fundamentos das demandas, que pode haver por umas ou outras partes”. E fossem as

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terras dadas a quem as cultivassem. Eram esses sesmeiros aquinhoados com excessivas léguas de terras nos sertões do Piauí, Bahia e Pernambuco, referidos nominalmente na Provisão: Francisco Dias de Ávila, Francisco Barbosa Leal, Bernardo Pereira Gago, Domingos Afonso Sertão, Francisco de Sousa Fagundes, Antônio Guedes de Brito e Bernardo Vieira Ravasco. Lamenta, porém, que essa Provisão não tenha sido cumprida, suspendendo-se, inclusive, a realização de necessárias demarcações, uma vez que a secretaria de Estado, em 19 de junho de 1761, mandou sustar sua execução enquanto se não concluía a Carta Geográfica de que se encarregara o Engenheiro Antônio Galuzio. Novamente, em 28 de outubro do mesmo mês e ano, o Ouvidor volta a abordar à mesma autoridade, esses dois graves problemas que afligiam a Capitania e reforça o pedido de providências(AHU, Cx. 11. Docs. 672 e 675). E desde então, o Dr. Antônio José de Moraes Durão, na qualidade de Provedor da Real Fazenda, insiste em levar a cabo a demarcação das sesmarias de sua jurisdição. Contra essa pretensão, porém, se pôs o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, que com ele vinha se incompatibilizando. Em correspondência datada de 20 de novembro de 1771, ao secretário Martinho de Melo e Castro, adverte que essa pretensão do Provedor é fruto de razões menos refletidas, pois essas demarcações farão sem dúvida a ruína da Capitania, como em outro tempo experimentaram seus moradores, ainda hoje sofrendo as consequências, tanto pelas excessivas despesas quanto por prejudicar antigas e legítimas posses de sítios, roças e fazendas, havidas a título precário, porém, sem controvérsia. E cuja ruína se refletirá também no pagamento dos Reais dízimos. Acrescenta que, quando El Rei for servido resolver sobre “terras para o rendimento e logradouro das Câmaras das vilas que se criaram nesta Capitania, é muito mais

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conveniente para todos estes povos que as demarcações, ou medições de semelhantes terras sejam feitas pelas justiças das respectivas vilas, e não pelo Provedor da Fazenda Real, pelas excessivas despesas que a V. Exa., deixo ponderadas, como também o meu antecessor prudentemente precaveu” (AHU. Cx. 11. Doc. 678). Todavia, em correspondência datada de 28 de julho de 1772, ao Marquês de Pombal, o governador reformula seu pensamento, colocando-se favorável à demarcação das terras, desde que não fosse custeada pelos moradores do Piauí, por serem pobres e não poderem arcar com as despesas sem comprometerem seu patrimônio e a própria contribuição para o Real Fisco. Também entendia que o Provedor da Real Fazenda e Ouvidor da comarca não tinha tempo para realizála, devendo ser designado um Provedor especial somente para esse ato. Pensamos que nesse segundo aspecto sua preocupação maior era privar Durão desse grande poder que teria encetando as demarcações numa terra de criadores e, também, privá-lo dos correspondentes honorários, que não seriam poucos. Quanto ao primeiro aspecto, era uma medida de gosto popular isentar os moradores da despesa e impôla à Real Fazenda, através dos bens arrecadas dos jesuítas. Vejamos como a questão foi abordada pelo governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro ao Marquês de Pombal: “O terceiro e último princípio, que confunde a tranquilidade destes povos, e entre eles atenta sempre abominável espírito de dissensão, é a dúvida com que possuem as suas terras e propriedades. Acham-se os moradores desta Capitania estabelecidos uns em terras, que povoaram, outros em as que compraram, e outros nas que houveram por seus antepassados; mas deve-se advertir, que estas situações quase todas não são medidas, nem demarcadas; e daqui tomam ocasião os que não são de melhor conduta, ou consciência para se introduzirem nas terras e propriedades de outros,

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produzindo-se por semelhante respeito tantos litígios de forças no juiz contencioso, que afirmo a V. Exa., que no desta Ouvidoria correm de presente grande multidão deles, os quais posto que se decidam por este ou aquele modo, nunca se pacificarão os moradores; porque sempre existe a causa, que é a falta de demarcação das terras” (AHU. Cx. 11. Doc. 678).

Porém, embora favorável à demarcação das terras, acrescenta o governador: “Julguei indispensável recorrer à grande vigilância de V. Exa., para promover a mesma disposição, dizendo também à V. Exa., que a suma pobreza dos mais destes moradores não é capaz de sustentar o peso das expensas, que se pagam à Provedores, e mais oficiais, que fazem as demarcações; e que por isso, benefício grande fora, que/ servindo-se S. Alteza de mandar aplicar a este Almoxarifado o produto dos bens dos Jesuítas, como acima se pondera/ do mesmo produto se pague o ordenado a um Ministro, que privativamente viesse executar esta diligência, e ao medidor que acerto fora vir com ele, porque nestas partes certissimamente não há quem bem saiba fazer, e para escrivão das ditas demarcações, e meirinhos, que servissem os das Câmaras respectivas, persuadindo-se V. Exa., que o Provedor da Fazenda Real deste Almoxarifado, que é o mesmo Ouvidor da Comarca, não pode servir para este emprego; porque as muitas ocupações do seu ofício não lhe permitem o largo tempo, que será preciso para se concluir semelhante empresa” (AHU. Cx. 12. Doc. 690).

SOLDO DOS SARGENTOS-MORES E IMPOSTO DAS AGUARDENTES Ainda em 8 de outubro do ano de 1771, o Ouvidor Antônio José de Moraes Durão, se queixa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, da falta de verbas para o pagamento dos dois oficiais nomeados para Sargentos-mores das milícias da

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Capitania. É que por anterior ordem de El Rei, os Sargentosmores deveriam ser pagos com o rendimento das Câmaras competentes. Por essa razão, informa que, “se apresentaram os mesmos com as partes e se lhes sentou praça na Câmara desta cidade[de Oeiras], em observância da Carta Régia de 19 de Abril de 1766, porém não tendo aquela, renda suficiente para satisfazer os ordenados com que se acha gravada, e outras despesas igualmente precisas como é notório, se acham aqueles Oficiais sem soldo, ou pagamento algum até o presente”. E acrescenta: “Por essa razão insinuei aos camaristas passem por contrato as aguardentes da terra, e rapaduras, com consentimento do povo, e sem alteração de preços ou medidas, para que se acautelasse todo o prejuízo ao mesmo; como meio mais pronto para ocorrer à falta dita, enquanto S. Majestade não provia do remédio, ou aprovava o expediente tomado de que se lhe devia dar parte, apontando por exemplo o que nessa cidade e na do Maranhão se praticava em casos semelhantes, que fizeram precisos os mesmos e outros contratos”. Finaliza, porém, informando que os camaristas abraçaram a causa e convocaram o povo para resolvê-la, porém, antes da execução dessa salutar medida, retrocederam sem explicar o motivo da recusa ou com explicação pífia. É que houve interferência do governador. Inconformado com essa recusa o Ouvidor apela para o general do Estado, com sede em Belém do Pará, que, então, autoriza a efetivação da medida. Porém, o governador do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, em 18 de julho de 1772, se dirige àquela autoridade, dizendo-lhe que embora ele tenha achado desnecessário ouvi-lo antecipadamente, lembrava-o da existência de uma lei de isenção de 1761, quando foram criadas as vilas, pelo prazo de doze anos. Acrescenta que “esta razão bastava para este Ouvidor que

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informou a V. Exa., abster-se de lhe lembrar tão arriscada providência; porque sendo diametralmente oposta a ordens do soberano, cujas ele tem rigorosíssima obrigação de procurar e concorrer, para que se executem, não devera pensar a consecução de um fim bom por via de um meio mau. Contudo como até aqui pode ele alegar ignorância/ se bem que sempre foi crassa/ outro motivo se oferece de não menor atenção cujo ele tinha obrigação de saber que é que se não devem impor tributos sem expresso consentimento de S. Majestade, donde no caso de faltar aquela razão primeira havia esta que em todo o caso deve subsistir” (AHU. Cx. 12. Doc. 689). E não satisfeito, em 27 do mesmo mês e ano, o governador se dirige ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, denunciando-lhe que atendendo a pleito do Ouvidor Durão, o general do Estado Fernando da Costa de Ataíde Teive, estabeleceu na cidade de Oeiras o contrato das aguardentes para tirar do donativo que arrecadasse do arrematante, os soldos dos Sargentos-mores (Auxiliar e Ordenança) da Capitania. Entretanto, adverte que aquela autoridade se baseou em informações menos consideradas do Ouvidor, parecendo-lhe da mesma natureza a sua resolução, desconsiderando “a graça que El Rei Nosso Senhor fez a estes moradores de os isentar de qualquer gênero de tributo, durante os doze anos da criação desta Capitania, e que semelhantes pensões se não deve introduzir sem precedência da sua Real permissão” (AHU. Cx. 12. Doc. 689). Por esses fatos, observa-se que desde a chegada do Ouvidor passou a existir uma competição e medição de forças, com sério conflito de atribuições entre ele e o governador da Capitania. Durão, como sempre assumia medidas polêmicas. Porém, não é difícil supor que os

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moradores da Capitania, nesse caso ficassem ao lado do governador, pois desde os tempos bíblicos instituição e cobrança de tributos foram sempre medidas impopulares. CONFLITO COM O GOVERNADOR GONÇALO DE CASTRO No item anterior, observou-se que desde os primeiros dias após a chegada do bacharel Antônio José de Moraes Durão, ao Piauí, para exercer os cargos de Ouvidor-geral da comarca e Provedor da Real Fazenda, foi complicada a administração das vaidades com o governador da Capitania Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. Os dois se imiscuíam nos mesmos assuntos e se atritavam por isso, cada um querendo mostrar maior autoridade. Durante um ano e meio dissimularam o conflito, porém, depois tornaramno público se engalfinhando por questões corriqueiras em prejuízo da cousa pública. Todavia, mesmo sem querer apontar culpados, lembra-se que Durão era pouco afeito ao diálogo, ao entendimento, sendo mesmo antigregário, não conseguindo trabalhar em equipe, em sintonia com outras autoridades. Queria preponderar, impor seu pensamento, o que nem sempre foi possível. Vê-se que de início atritou-se com o ex-Ouvidor do Piauí, agora exercendo suas atividades na Corte, Dr. Luiz José Duarte Freire. Em seguida, com o governador em referência. Também, suas pretensões de criar novos tributos na cidade, onerar os réus com comissões e os criadores com despesas demarcatórias não deveriam ser vistas de bom grado pelos piauienses. Ele mesmo mais tarde vai reconhecer que a defesa dessas causas foi princípio de algumas inimizades. Entendemos de muito valor para se compreender os meandros dessas intrigas uma correspondência do Ouvidor Durão ao Marquês de Pombal,

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dando a sua visão da contenda, e onde diz textualmente que ele Ouvidor era “criatura sua”. Portanto, fica evidente que Durão era protegido do Primeiro Ministro Português e, por isso, se sentia fortalecido para enfrentar as querelas cotidianas com desassombro, sem medo de quaisquer outras autoridades. Por essa razão, somente com a morte de Dom José I em 24 de fevereiro de 1777, e a consequente queda do todo-poderoso Marquês, pôde ser derrubado o inquebrantável Ouvidor do Piauí. Inicialmente, pensamos em resumir ou apenas comentar a aludida correspondência, porém, como se trata de assunto novo, ainda não explorado por outros pesquisadores, transcrevemos-na na íntegra. É datada de 16 de junho de 1772. Ei-la: “Que desde que tomei posse deste lugar, achei as jurisdições todas desta Capitania arrogadas despoticamente à pessoa do governador da mesma; porque se achava depondo juizes, invalidando pelouro; mandando proceder a novas eleições, inibindo a elas Almotacés, e determinando nada se resolver na Câmara, sem primeiro se lhe dar parte de tudo; e tudo isto por ordens que se acham registradas nos livros das mesmas Câmaras. Que interpretara umas leis para eleição das cousas, e dispensara noutros, como as testamentárias, com o pretexto de que não deviam ter observância nesta Capitania, onde não tinham sido publicadas. ‘Que obrigara os juizes das vilas a dar-lhe todos os meses conta por um miúdo diário de tudo o que tinha sucedido nos seus distritos, e juízos; não tirando nenhum deles devassa de caso algum, sem ordem sua, e remetendo todas as que tiravam para a secretaria do governo, para se pronunciarem pelos Ouvidores interinos, ao seu arbítrio. Que se tiraram muitas de casos que não eram de devassa, e dos que eram, se faziam sumários conforme as ordens que se expediam pervertida a disposição das leis, e reduzido tudo a maior confusão; mas pior de tudo, achei se desterrarem umas pessoas, e prenderem outras por vinganças; se deram buscas a casas particulares para lhes caçar os papéis de segredo; e despediam alçadas para destruir

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famílias; que se formavam parcialidades e todos os que não eram da dominante, se perseguiam, sequestravam, e reduziam a maior vexação. Que os maus se honravam depois de se consentirem, e conservarem nos empregos, e ofícios públicos com culpas em aberto, e alguns ainda sujeitos a prisão; e que por péssimos que fossem, em tendo a prenda de mexeriqueiros, eram estimados, e validos. ‘Que da mesma sorte se governava no juízo dos ausentes, contra as ordens que nele havia; e se faziam despesas supérfluas em prejuízo da Real Fazenda com levas de presos de que nunca houvera estilo. ‘Como para atalhar necessariamente esta horrível desordem, e suas perniciosas consequências, pelo único meio de fazer se observasse o que as leis determinam, restabelecendo a prática, e pondo em ordem a administração da justiça como devia; se seguiu daqui, vituperarem-se-me alguns procedimentos com o título de novidade e absolutos; e tomar-se a máxima diabólica de me infamarem de venal; espalhando esta fama, para sobre ela firmarem as suas cartas, e darem contas, como me seguram; ou ao menos ver se me aterravam, para desistir da resolução de os trazer suprimidos; o que não conseguem. ‘Eu duvido com fundamento, se assinem a semelhante arrojo; porque qualquer Ministro medianamente instruído que venha a conhecer da sua queixa, há de precisamente averiguar a falsidade com que me arguem, em os títulos que houve para se buscar tão maligna ideia; mas como toda a cautela é prudente, muito mais conhecendo a depravação dos sujeitos que se convocam; me pareceu devia dar também conta pela secretaria competente, como faço; e suposto nela não aponto fato algum positivo, dos que levo dito, e ainda agora eram tocados com generalidade, nem pessoa que os cometesse, por política; contudo a V. Exa.,/como criatura sua/devo falar mais claro, dizendo-lhe quem é o mentor de tudo; associado a cinco ou seis homens publicamente conhecidos por perversos, quais são Antônio Vieira do Couto, e Luís Antônio Ribeiro, administradores das fazendas do Fisco; que por liberais à custa das mesmas fazendas, são os senhores validos conseguindo pelos seus interesses, se não vendessem as ditas fazendas e se duvidasse, com frívolos pretextos, a ordem que na frota passada para esse efeito veio, dirigida ao dito governador. –

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Manoel Antônio de Torres. Manoel Alves de Araújo. Veríssimo Ferreira Soares, e Luís Soares Ferraz Porto, que por orgulhosos enredadores, falsários, e de conhecida malevolência, são da mesma forma estimados. ‘Como também que eu de nenhuma forma procuro baralhar a sua queixa, ainda que tendo prendido a alguns destes, pronunciado outros, e contido os mais nas suas costumadas insolências, poderia pretendê-lo; principalmente apontando na Corte quem desse uma verídica informação de suas vidas, como são os Desembargadores Francisco Marcelino de Gouveia, e Luís José Duarte Freire; que nesta Capitania serviram a S. Majestade por mais de sete anos; intento sim se lhe sejam testemunhas e partes que é sistema muito usado nestes Países, formarem as queixas em nomes de uns, e ficarem livres para a informação, ou para o juramento, os mesmos que as formam, resultando do mesmo, a ruína de muitos Ministros inteiros; e as perniciosas consequências de ligarem outros à ideia da retidão, a do precipício; para se converterem em puros aduladores, deixando perverter tudo e destruir os vassalos de S. Majestade sem recurso; pelo único interesse da sua conservação; sistema que não posso, nem devo seguir, como católico. ‘E que V. Exa., julgando-o preciso, queira ter a bondade de expor e ponderá-lo na presença de S. Majestade, para que o dito Senhor determine o que como mais justo for do seu Real agrado” (AHU. Cx. 12. Doc. 685).

Agastado com os dissabores provenientes dessas intrigas, saudoso dos seus e sem nunca ter se integrado de fato ao Piauí, em 15 de agosto de 1772, o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro lembra ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro, que já completara os três anos que S. Majestade se dignou nomeá-lo governador do Piauí, e pede a nomeação de substituto, a fim de voltar para o reino. Lembra ainda de sua saúde precária e que necessitava de tratamento na Corte. Porém, só seria autorizado o seu retorno um ano e meio depois. Dessa forma, por mais esse período continua o duelo com Durão.

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Em 20 de novembro de 1772, afirma Durão ao mesmo secretário de Ultramar, que o governador o ataca por todos os modos, com pública paixão e, por último escreveu uma carta injuriosa contra ele à Câmara de Oeiras, com termos indecorosos. É que o governador havia isentado o militar João Barbosa de Carvalho de servir para o ano vindouro. E, logo em seguida, ele, Ouvidor, encaminhara à mesma Câmara ordem de que não se admitissem isenções de Auxiliares que tentassem eximir-se dos ofícios da governança alegando privilégios. Então, o Senado da Câmara, em 14 de novembro daquele ano, consulta o governador, dizendo-se dividido no cumprimento de ordens contrárias. Insatisfeito com essa atitude, o governador envia outra correspondência à Câmara, de que se refere Durão, dizendo-lhe que “é demência esta tão consumada questão admirar”, pois foi El Rei quem garantiu esses privilégios quando criou as forças militares da Capitania, a fim de estimular o alistamento. E conclui: “Eu cuidava que Vossas Mercês já conheciam que cavalo é ir nos excessos de semelhantes Ministros. É que El Rei Nosso Senhor pôs nesta Capitania governadores, mas como vejo que ainda ignoram quando o poderão inferir das prosas que por aqui eles têm praticado, é preciso assim declará-lo a Vossas Mercês”. E reiterou a ordem mandando registrar nos livros próprios da Câmara. Ofendido, pois, com essa reação do governador, acrescenta Durão em sua representação que o problema teve origem em face da administração da justiça, porque o governador quer usurpar todas as jurisdições da Capitania. E que ele Ouvidor só havia advertido a Câmara porque não se acham pessoas idôneas para os cargos públicos, uma vez que a Capitania só tem 1885 homens brancos, entre plebeus, meninos, velhos e outros inábeis, ao passo que os ditos corpos auxiliares se compõem de 1800 praças, absorvendo, assim, todos os moradores disponíveis

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para o exercício dos outros cargos. E, que, embora sabendo do privilégio existente, entende que o governador deveria facilitar e não dificultar a ocupação dos outros cargos. Novamente, em 12 de dezembro de 1772, Durão volta a se queixar ao secretário de Ultramar, de que a ideia do imposto das aguardentes para soldo dos Sargentos-mores fez nascer contra ele notável paixão, com várias ideias e intrigas. E que essas aumentaram em razão de ter nomeado um procurador da Coroa interino e com ele e demais adjuntos, julgado desfavorável um recurso do capitão Antônio Vieira do Couto. Por esses fatos e outros semelhantes têm sido remetidas muitas denúncias contra ele para a Corte, adulterando os fatos e falseando a verdade. E arremata dizendo que sempre se conduziu pelo caminho da verdade, sem se deixar trilhar pelo da lisonja, em prejuízo da justiça. E para encerrar esse tópico, lembra-se que logo mais em 20 do mesmo mês de dezembro de 1772, Durão se queixa diretamente ao rei, sobre os alegados problemas de jurisdição com o governador do Piauí. Segundo ele, esses problemas eram devido às exigências deste de que não responsabilizasse oficial algum de sua jurisdição sem ordem sua, pois se ele governador, era competente para provê-lo deveria ser também para as suspensões; e, também, mandou o governador que se restabelecesse um meirinho que o Ouvidor suspendeu, porque ele assim o queria e mandava. Lamenta Durão que a dissimulação e prudência que manteve durante um ano e meio não foi eficaz para evitar o confronto. Conclui solicitando providências e a graça de lhe conceder sucessor, para evitar a última ruína que o ameaça. Note-se que este mesmo pedido de afastamento da arena de disputa já havia sido solicitado pelo governador. Sabiam ambos, que essa acirrada disputa era desgastante e poderia levá-los ao descrédito, colocando-os fora do Real serviço.

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DIVERGÊNCIA COM O GENERAL DO ESTADO Conforme foi demonstrado, desde o início o Ouvidor Durão vinha se desentendendo com diversas autoridades e moradores do Piauí. Sua fama de criador de caso já ia longe e muitos não o viam com bons olhos. Um exemplo da teimosia de Durão e do agastamento das demais autoridades com sua pessoa, foi o conflito com a Real Junta das Justiças Criminais do Estado do Grão-Pará, Maranhão, São José do Rio Negro e Piauí. Através de carta de diligência e ordem de 8 de julho de 1773, aquela corte afirma que o Ouvidor Durão não observou a Lei de Polícia, e nem a fez observar pelos demais juízes, sentenciando as causas criminais dos réus, razão pela qual ordena-lhe que não mais os sentencie, mas preparados os processos com a respectiva defesa, faça-os remeter ao juiz relator da mesma Junta, que os sentenciará, conforme preceitua a referida lei. Contudo, teimoso como sempre, Durão ao invés de cumprir essa determinação superior, suspende provisoriamente sua execução e faz ver ao governador do Pará e general do Estado, João Pereira Caldas (também ex-governador do Piauí), a impossibilidade de sua execução, por se opor a diversas outras ordens e também a uma Carta Régia que se encontra registrada nos livros da Ouvidoria, em que El Rei determina que o Ouvidor do Piauí conheça das Apelações e Agravos que saírem dos juízes, não se lhe aplicando a Lei de Polícia, que é restrita à Corte. E reiterando seu pensamento, em 22 de dezembro formula várias dúvidas obstativas de sua execução ao mesmo governador do Pará, como p. ex., que a generalidade da ordem não distingue os delitos, advertindo que se forem todos, como indica, torna-se a decisão contrária à citada lei. Todavia, no dia 24 do mesmo mês de dezembro, antes mesmo de receber essa última consulta de Durão, o

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governador do Pará lhe remete a seguinte ordem, que diz bem de seu desgaste em face das permanentes disputas em que se metera: “Sendo certa e evidente a contumácia com que os Ouvidores dessa Capitania deixam de executar as ordens, e leis de S. Majestade respectivas à administração da Justiça em todo este Estado, passando cartas de seguro contra o disposto na Lei de Polícia, que se manda observar em todo ele; fazendo por outra parte cumprir as sentenças da Relação da Bahia, em causas crimes, sendo elas reservadas à Junta de Justiça, que o mesmo Senhor mandou criar nesta Capital, para serem julgados os crimes das pessoas, que residem pelas três Capitanias sujeitas a este governo general; e por outra parte sentenciando os réus antes de remeter as culpas, quando não devem, nem podem mais, que preparar os autos com culpa formada, admitindo os criminosos a ajuntarem alguns documentos, que possam servir de prova à sua defesa; e isto em atenção à grande distância, que medeia entre essa cidade, e esta Capital, e poder por este motivo demorarem-se os seus livramentos, eternizando-se na cadeia os réus com escândalo da mesma justiça, e da república, que deseja ver castigados os criminosos, e livres os inocentes. Estes fatos praticados em oposição às sobreditas Reais ordens, e leis, se fazem tão abomináveis, e repreensíveis, que me obrigam a estranhar com todo o poder da minha jurisdição, uma culpa, que se faz incrível, cometida por aqueles mesmos homens, que o soberano escolhe, e deputa para serem os primeiros executores das suas respeitáveis e paternas leis: E para que cesse de todo esse escandaloso abuso contra o Real poder, e decoro, ordeno a V. M.ce., que para a todo o tempo constar, ocorre com o remédio desta providência a esse intolerável absurdo, mando registar esta nos livros da Ouvidoria, e Câmara dessa cidade, remetendo-me certidão de assim se ter feito, ficando V. M.ce., na inteligência de me ser responsável pela primeira infração desta ordem; que se dirige

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a mandar observar todos aqueles com que S. Majestade tem estabelecido a administração da Justiça neste Estado: E se esta advertência não bastar para a sua observância, procederei contra V. M.ce., com todo aquele rigor, e poder, que me confere a autoridade de que o Príncipe me tem investido. Deus guarde a V.M.cê. Pará a 24 de dezembro de 1773. João Pereira Caldas”(AHU. Cx. 12. Doc. 714).

Então, diante dessa ordem peremptória, Durão tratou de efetuar sua execução, registrando-a à fl. 42 do livro 4º da Ouvidoria. E em 3 de abril de 1774, avisa ao governador do Pará que cumpriu sua determinação, executando-a inteiramente, embora dela divirja, e lembra não lhe terem sido respondidas as dúvidas formuladas. Porém, afirma se submeter às suas determinações, reconhecendo-o como seu legítimo superior. E o faz para desfazer a alegada contumácia, que nunca teve. Contudo, teimoso como era, em 3 de maio do mesmo ano, Durão participa essa divergência ao rei, via secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, pedido-lhe que evitasse a execução da medida e, ao mesmo tempo, advertia que ele estava isento de qualquer responsabilidade por sua execução. E, também, chamava a atenção para a enfermidade de ânimo do general do Pará a seu respeito, as ameaças que lhe fizera e o sinistro ânimo com que os militares sempre olharam para os ministros, principalmente nestas conquistas. Em síntese, Durão enfrentava forte oposição de importantes moradores e autoridades coloniais. A “DESCRIÇÃO DA CAPITANIA DE SÃO JOSÉ DO PIAUÍ” O Ouvidor Antônio José de Moraes Durão foi também

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responsável por uma importantíssima memória setecentista sobre a Capitania do Piauí, manuscrita e datada de Oeiras em 15 de junho de 1772, cujos originais se encontram depositados no Arquivo Histórico Ultramarino, felizmente microfilmados e recentemente distribuídos em CD, em cuja situação tivemos oportunidade de lê-lo(AHU. Doc. 684. 703). Entretanto, a primeira divulgação desse manuscrito se deve à percuciente pesquisa do Prof. Luiz Mott, do Departamento de Ciências Sociais da UNICAMP. Conforme nos apresentou esse pesquisador, a “Descrição da Capitania de São José do Piauí”, consta basicamente de duas unidades: constituindo a primeira de uma série de oito mapas estatísticos onde aparecem arroladas para cada termo da Capitania (cidade de Oeiras e as vilas de Parnaguá, Jerumenha, Valença, Marvão, hoje Castelo do Piauí, Campo Maior e S. João da Parnaíba) os seguintes dados: número de fogos, número de almas(homens e mulheres), de fazendas e sítios. E totalizando esses mesmos dados organizou um mapa geral da Capitania. Dividindo a população em faixa etária, encerra esta primeira unidade com um importante levantamento sobre o número de fazendas do Piauí, informando sobre a residência do senhorio e apontando entre os que residiam fora, os seguintes locais: Portugal, Bahia, Ceará, Pernambuco e Maranhão. A segunda parte é complementar às tabelas estatísticas, discorrendo o autor a respeito dos aspectos geográficos, sociais, econômicos, demográficos e criminais de cada uma das vilas, antecedida de uma série de informações sobre os conceitos utilizados na elaboração dos mapas estatísticos, localização da Capitania, seus limites, clima, rios, etc. Na conclusão apresenta um resumo histórico sobre a conquista e colonização do território, enfatizando, inclusive, a seu juízo, os maus costumes reinantes entre a população. Segundo o Prof. Luiz Mott, “através da leitura

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desta DESCRIÇÃO podemos concluir que certamente o Dr. Moraes Durão devia ser homem culto, pois tanto sua argumentação como seu vocabulário refletem razoável erudição. Homem de visão, não se contenta em ‘descrever’ a capitania da qual foi Ouvidor: diagnostica, faz prognósticos, sugere remédios para os problemas que afetavam perniciosamente tal região”(p. 21). E em outro trecho: “Comparativamente à estatística assinada pelo Governador João Pereira Caldas(1762), a do Ouvidor Durão revela-se, sem dúvida, muito mais minuciosa e completa, apesar de ter omitido um dado fundamental: contentase em subdividir a população pela cor, sem especificar qual o número daqueles mestiços, mulatos, vermelhos, mamelucos e pretos era escravo ou forro. Embora tenha o cuidado de diferenciar as fazendas dos sítios, Durão deixa o leitor confuso, pois não esclarece se no total dos fogos de cada lugar estão incluídos os fogos das ditas fazendas e sítios. Outra ressalva: ao discriminar as idades, apresenta em vez dos tradicionais grupos de 10 em 10 anos, seis grupos que embora se aproximando do chamado critério ‘profissional’, estende o grupo dos ‘ativos’ dos 14 aos 70 anos, diferentemente do procedimento usual, que considera ‘velhos’ aos indivíduos que ultrapassam a casa de 60 anos. Aliás, que valor analítico teria visto o Ouvidor Durão em subdividir o grupo de velhos em três subgrupos? ‘Tais lacunas não desmerecem o valor insofismável das informações quantitativas e qualitativas prestadas nesta Descrição: dentre os ‘Resumos’, ‘Memórias’, ‘Descrições’, etc., do século XVIII consagradas ao Piauí e até agora conhecidas, esta de Antônio José de Moraes Durão é sem dúvida a mais completa, interessante e que mais luz traz sobre a vida sócio-econômica sertaneja. Tendo percorrido pessoalmente grande parte do território

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da Capitania, embora tenha vindo de fora(...), ele discorda de certas informações prestadas pelos habitantes locais no que se refere às distâncias e área da Capitania. Discorda igualmente dos mapas de Volim(?) e de Galúcio, reputandoos pouco exatos no tocante à hidrografia”(p.20/21). GOVERNO INTERINO A situação melhorou para o Ouvidor Antônio José de Moraes Durão, em 2 de janeiro de 1775, com a partida para o reino do governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, desafeto que ganhara nesses anos de estada no Piauí. É que desde agosto de 1772, concluíra seu período trienal de governo no Piauí, conforme lembrara anteriormente, e só agora conseguira licença para retornar. Então, assume a chefia do executivo local uma Junta Trina presidida pelo ouvidor da comarca e tendo como membros o militar de maior patente e o vereador mais velho do Senado da Câmara de Oeiras, na forma preceituada no alvará de perpétua sucessão de 12 de dezembro de 1770, que regulou as futuras sucessões de governo. Dessa forma o Ouvidor Durão, tanto se livrou de um poderoso desafeto quanto o substituiu no governo, assistido pelo tenente-coronel João do Rego Castelo Branco e o vereador Domingos Barreira de Macedo. No correio de maio para a Corte, avisam de suas posses e enviam ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, certidão com a receita e despesa da Real Fazenda, no período de 1º de janeiro a 30 e um de dezembro de 1774, atendendo a obrigação de informar anualmente esse rendimento. E da mesma forma comunica o estado do cofre do Real Fisco, que de praxe consta unicamente do que produzem os bens que administravam os jesuítas, e que no presente ano não se extraiu nenhuma

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boiada para dispor na feira de Capuame, na Bahia, em razão de forte seca que castigava a região, podendo causar prejuízos em quaisquer dos percursos (travessia nova ou velha). Novamente, enviam informações sobre esses mesmos rendimentos em 14 de junho de 1776. Por influência do Ouvidor Durão, em 4 de março de 1775, foi erroneamente extinto o serviço mensal de correio entre as vilas e a capital, criado pelo governador que o antecedeu. Segundo ele, para evitar tudo o que é vexação desta Capitania, como é dos principais objetos dos que governam, “constrangendo-se para este impróprio serviço os pobres auxiliares que conduziam as bolsas por escala, ocupando-se por ano cento e doze nesta impertinente operação, porém resultando da mesma a morte de alguns afogados em ribeiras, a ausência de outros para se livrarem de semelhante opressão, e os terríveis danos que se tem experimentado tanto nas vinganças a que se abriu larga porta com uns esquisitos Diários que indefectivelmente deviam vir nos dos Correios de todos os Juizes e Comandantes da Capitania” (CABACap. Cód. 149). Mais tarde, com a ausência de Durão esse serviço seria restabelecido. Provisão real de nove de março de 1777, autoriza o governo interino a fechar todas as casas de sorte existentes no Piauí e proibir se estabeleçam outras. E em quatorze de junho desse mesmo ano, por influência de Durão, os oficias do Senado da Câmara de Oeiras solicitam do rei seja abolida a proibição estabelecida pelos capitães-generais do Maranhão e Pará, de que o Ouvidor do Piauí conceda cartas de seguro. Segundo eles essa proibição traz graves prejuízos. É desse período(1775) um importante relatório sobre a Capitania do Piauí, tratando de diversos aspectos políticos, sociais e econômicos. Segundo esse relatório, das

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seis vilas criadas no Piauí, somente a de S. João da Parnaíba tem tido aumento, em face do comércio no porto de mar que se lhe introduziu, bem como pelas fábricas e manufaturas que possui. As demais não tiveram qualquer aumento, “conhecendo-se unicamente por vilas em razão de terem Pelourinho, ou um pau cravado na terra a que se deu aquele apelido”. Por outro lado, com o irrelevante progresso do aldeamento de S. João de Sende, dos índios Gueguês, em 1775, a Junta de Governo aventou a hipótese de transferir esses índios para um novo aldeamento a ser fundado nas férteis terras da foz do rio Poti com o Parnaíba (CABACap. Cód. 147. p. 38v/39). Também houve a tentativa de os transferir para a margem do riacho Mutum, não tendo sido a proposta aceita pelos índios, sob a alegação de que a terra era insalubre. Por fim, em 1778, foi determinada a transferência para o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante, dos Acoroás, o que foi motivo de revolta, fuga e posterior negociação com as autoridades. Novamente, em dezembro de 1779, o tenente-coronel João do Rego, que era inspetor das duas aldeias, autoriza seu filho Félix do Rego a efetuar a aludida transferência à força, se necessário. E como os Gueguês não consentiram, fugiu grande número a caminho. Então, houve violenta repressão, sendo recapturados todos os fugitivos, presos uns e mortos outros a sangue frio, que tiveram as cabeças cortadas e exibidas na aldeia para aterrorizar os demais, conforme registrou a crônica contemporânea. Em torno do episódio houve devassa, encontrando-se os autos no Arquivo Público do Maranhão. Sobre os índios ditos bravios, em 1º de abril de 1776, tem início a guerra contra os Pimenteiras, tendo nesta data marchado de Oeiras, uma expedição militar comandada pelo Ajudante Félix do Rego Castelo Branco. E tendo marchado

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outras comandadas pelo mesmo militar e seus familiares em 1777 e 1779, sem obterem maiores sucessos. Mais tarde essas campanhas vão ser retomadas sob o comando do capitão Ignacio Rodrigues de Miranda que, enfim, em 1790, consegue aprisionar onze deles, que são preparados para intérpretes dos demais. Por fim, fazendo um balanço desse período, anotou o incansável Odilon Nunes, que “logo nos primeiros dias, a rotina foi quebrada, certamente por influência do Ouvidor Durão. A junta oficia aos inspetores das fazendas do fisco, determinando que procedessem a um recenseamento dos gados, casas, currais, chiqueiros, oficinas, escravos, e demais cousas. E também autoriza o plantio de algodão e de outras culturas e ainda a seleção de escravos para aprenderem ofícios de carreiro, seleiro, ferreiro. Por intermédio da Câmara de Oeiras constrange os moradores a plantar em suas roças e fazendas a rica malvácea que começava a enriquecer o Maranhão” (NUNES: 1975:128). CONFLITO COM O TENENTE-CORONEL JOÃO DO REGO Pouco depois de tomarem posse no governo interino do Piauí, começou uma divergência, a princípio dissimulada, entre os dois principais membros: o Ouvidor Antônio José de Moraes Durão e o representante militar, tenente-coronel João do Rego Castelo Branco. Todavia, parece-nos que a origem dessa divergência é anterior à instalação do governo interino, pois conforme foi demonstrado o Ouvidor não se entendia anteriormente com o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, tornando-se seu desafeto. E com a saída deste passou a hostilizar seus amigos e seguidores. E não é segredo que João do Rego fosse amigo pessoal de Gonçalo

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Botelho. Daí fácil foi o nascimento de antipatia mútua. Porém, a favor de João do Rego, embora também fosse autoritário, pesam os diversos outros desentendimentos do Ouvidor Durão, mostrando ser ele pessoa de convivência difícil. Essa é uma verdade a que não se pode fugir. Então, o relacionamento entre os dois tornou-se insuportável, levando ao isolamento de João do Rego, que por essa razão, mais tarde abandonou os trabalhos no governo. E por esse motivo passaram a ser perseguidos os filhos de João do Rego. Assim, o Ajudante Antônio do Rego foi destituído da direção do vizinho aldeamento de S. João de Sende e remetido para a distante vila de S. João da Parnaíba, sob justificativa de disciplinar a tropa local. E o outro filho varão, também Ajudante, Félix do Rego, foi autorizado a abandonar o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante, onde se encontrava em companhia do pai, para retornar a Oeiras, a fim de, certamente, ser designado para longínqua missão. Ainda, Durão substitui todos os soldados da companhia do T.te-C.el João do Rego, em S. Gonçalo de Amarante, onde era diretor, sem lhe ouvir, certamente tirando-lhe os homens de confiança. Parece que temia uma ação violenta e repentina da família Rego, sobretudo dos filhos mais jovens, incomodados com as hostilidades desferidas contra o pai. E, de fato, Félix do Rego, era irascível, violento e orgulhoso de suas façanhas. Tinha verdadeira adoração pelo pai. Também, não aceitava contrariedades. Por diversas vezes, demostrou esse temperamento, bem como a persistência para cumprir seus caprichos nas diligências contra o ameríndio. Fiel ao pai como cão de guarda, relutou em seguir as ordens do Ouvidor Durão, para abandonar o genitor em S. Gonçalo. Então, manipulou os índios para exigirem do governo a sua permanência. Insatisfeito com esse procedimento, em 21 de setembro de 1777, o ouvidor escreve ao filho deste,

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ameaçando a ele e ao pai, com os rigores da lei, no caso de usarem os índios em favor de sua permanência no aldeamento. João do Rego, então, militar muito respeitado em toda a colônia, contando com a solidariedade de várias autoridades, reuniu provas contra o ouvidor e as repassou para o general do Estado. Na verdade, todas as autoridades desejavam se livrar do incômodo ouvidor do Piauí. Assim, o general do Estado do Maranhão e Piauí, nascido com a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão, Joaquim de Melo e Póvoas, a 2 de novembro de 1777, ordenou ao governo interino fosse o ouvidor Antônio José de Moraes Durão, suspenso de suas funções e preso na casa da Câmara da cidade de Oeiras, conservando as sentinelas precisas por espaço de três dias e, após, remetido com toda a segurança à cidade do Maranhão. Essa ordem foi executada em Oeiras a 10 de dezembro do mesmo ano, sendo o mesmo conduzido ao Maranhão em 17 do mesmo mês, e em 23 de fevereiro do ano seguinte para a Corte, na galera Santíssimo Sacramento, de que era capitão Feliciano dos Santos. Assumiu seu lugar, interinamente, o Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório, que, coincidentemente chegara a Oeiras no mesmo dia 26 de agosto de 1771, em que também chegara o Ouvidor Durão. Na verdade, analisando esses fatos achamos que, de fato, Durão pressentia o perigo que se avizinhava, pois nesse final de ano de 1777, prepara uma justificação em que vários moradores do Piauí atestavam sua inteireza de conduta. Junta a esta uma valiosa declaração do governo interino, datada de 13 de agosto de 1776, assinada por João do Rego e Domingos Barreira de Macedo, atestando a boa conduta dele Ouvidor. Como àquela época já não se entendia bem com João do Rego, é provável que este tenha assinado com dissimulação, vez que ainda não estavam publicamente rompidos. Encerrava-se, assim, uma fase do governo interino. Mas,

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infelizmente, o clima de intriga continuaria no Piauí. A PRISÃO Afinal, por que razão foi suspenso de suas funções e preso o Ouvidor Durão? A nosso sentir, porque era prepotente, arrogante, chato e criador de caso. Fora esses delineamentos de seu caráter, nenhum crime cometeu. Primeiro o prenderam, depois foram procurar motivos para fundamentar a prisão. Após esta, se seguem várias correspondências para a secretaria de Estado da Marinha e Ultramar, acrescentando novas acusações. As primeiras apenas requentam os conflitos antigos com o governador Gonçalo de Castro e o desentendimento com o capitãogeneral Pereira Caldas, apresentando como falta mais grave as insolentes cotas que ele fez à margem das correspondências daqueles, justificando as razões pelas quais não deveriam ser cumpridas as respectivas ordens emitas à Câmara. Também acreditamos que o principal motor dessa prisão foi a família Rego Castelo Branco. Não é sem coincidência que o ouvidor tenha ameaçado o tenentecoronel João do Rego em 21 de setembro e, logo, em 2 de novembro o general do Estado tenha decretado a sua prisão. Coincidência? Achamos que não. Cerca de quarenta dias entre uma cousa e outra, tempo suficiente para uma viagem ao Maranhão e uma boa articulação política. Frise-se que em seguida à prisão do ouvidor, o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco foi eleito juiz de Oeiras, para o ano de 1778, e seu primeiro ato foi extrair várias certidões dos livros da Câmara com provas contra o ouvidor. Mais tarde, João do Rego assina com alguns outros um rosário de acusações contra o mesmo ouvidor. Em resumo, conseguiram do general do Estado a prisão e, posteriormente, trabalharam

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as provas para sua manutenção no reino. De fato, Durão não havia tido nenhum conflito sério com o general Joaquim de Melo e Póvoas. Somente depois quando este quer justificar a prisão aponta algumas desobediências. O certo é que três dias após a prisão, quando Durão ainda se encontrava na Casa da Câmara de Oeiras, os vereadores locais prepararam, a seu pedido, uma carta à rainha D. Maria I, comunicando a prisão, pedindo a nomeação de um substituto e o mais importante: “para segurarmos a Vossa Majestade debaixo de mais pura e sincera verdade que o dito Ministro senão fez credor de semelhante tratamento porque a inteireza com que administrou justiça a todos, e limpeza das suas mãos, o incansável zelo para o Real serviço de V. Majestade, aumento das fazendas do Real Fisco, bem comum, obras públicas, e agricultura, a que tudo se aplicou inocentemente sem opressão, violência ou injustiça de pessoa alguma lhe permitiam melhor sorte, não obstante as calúnias de alguns” (AHU. Cx. 13. Doc. 748). Interessante é que essa correspondência não foi elaborada em câmara nem registrada nos livros próprios. Seus subscritores temiam represálias. Mas é demonstrativa de que Durão, apesar de tudo, ainda contava com alguns quadros. Todavia, esse não era o entendimento de seus colegas de governo interino que, em correspondência à rainha, expuseram que “esse procedimento [da prisão] o devemos legitimar como por uma indispensável providência daquele tão inteiro como prudentíssimo e incansável general que com as mais caras qualidades se emprega no Real serviço de V. Majestade, e no aumento e felicidade de seus vassalos; o que o expomos na Real presença de V. Majestade e igualmente a precisão, em que se acha esta comarca, de V. Majestade despachar um novo Ministro em quem se conheçam as melhores

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circunstâncias”. Em outro documento ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, o mesmo governo interino acrescenta que a “conduta [do Ouvidor Durão] não admitiria menos demonstração, nem menor providência no espírito de um general tão reto e vigilante no serviço de S. Majestade. E aumento de seus vassalos, e se nos foi tudo com justificadíssimos motivos, devemos pôr na presença de V. Exa., o quanto interessante e vantajosa seria ao Estado a conservação deste grande general, e no caso de que V. Exa., julgue cabimento a esta representação rogamos a V. Exa., que haja por bem de a fazer na de S. Majestade” (AHU. Cx. 12. Doc. 751. Cx. 13. Doc. 753). Nesses termos, em 23 de fevereiro de 1778, o general do Estado Joaquim de Melo e Póvoas, envia ao secretário supra, ofício acompanhado de vários documentos comprobatórios dos insultos praticados pelo ouvidor, que lhes fora remetido pelo novo juiz de Oeiras, Antônio do Rego Castelo Branco, com as seguintes acusações: a) Algumas petulantes cotas em que ele pôs nas cartas do governador Gonçalo de Castro, escrita aos oficiais do Senado da Câmara de Oeiras, bem como de uma do general do Estado, João Pereira Caldas, referidas anteriormente. b) Insolentes provimentos ou capítulos de correição datados de 12 de fevereiro de 1775, em que aquele Ministro deixou nos livros do Senado, proibindo ao mesmo de admitir nas procissões religiosas que pessoa alguma de qualquer qualidade ou graduação que seja, fosse entre o corpo do mesmo Senado e o pálio, querendo, assim, mostrar, segundo a acusação, que o governador não devia tomar aquele lugar, dando vazão ao seu empenho de destruir a autoridade do governador da Capitania e dos generais, pois presentemente publicava que Joaquim de Melo e Póvoas não tinha mando algum sobre ele ouvidor.

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Todavia, ainda com a mesma data o general volta a escrever ao mesmo secretário, reforçando a acusação com novas denúncias chegadas do Piauí. Nota-se, assim, que a primeira carta fora escrita com antecedência de tempo. No reforço da denúncia, afirma: c) O ouvidor vinha se opondo a todas as suas determinações, e se qualquer morador da Capitania lhe requeresse alguma cousa o Ouvidor apontava-lhe um crime e mandava prendê-lo, como aconteceu com Manoel da Costa Muniz, cujo pedido de retorno à administração de fazendas do Real Fisco foi deferido por ele, general do Estado para que o governo interino fornecesse informações. Contudo, ao apresentar o despacho em Oeiras, foi preso pelo Ouvidor, com acusação fantástica. d) Requerendo José Rodrigues de Azevedo, provisão de advogado e mandando-lhe passar ele general, logo que a apresentou em Oeiras, o Ouvidor formou-lhe um crime e o prendeu. e) Também, praticou as maiores insolências contra o capitão Luís Antônio Ribeiro, sequestrando-lhe papéis e prendendo-o pela simples razão de que anteriormente era favorecido do governador Gonçalo de Castro, pela sua boa capacidade e préstimo. Embora fosse requerida a remessa de sua culpa para o Pará e, ultimamente, para o Maranhão, aquele Ministro a enviou para a Bahia, assim como fez com muitas outras. E porque ele, general, ordenou que se lhe apresentasse o preso no Maranhão, em represália aquele o meteu de ferros na prisão em que o tinha, de forma que, ou por desesperado de semelhantes violências ou por desgraça, se suicidou o mesmo capitão. f) Sendo provido João Pereira de Barros, nos ofícios de tabelião e escrivão da Câmara da vila de Parnaguá, pelo governador Gonçalo de Castro, o Ouvidor o destituiu dos

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cargos sem outros motivos que inimizade contra quem o nomeou. Em seguida, ordenou a sua prisão. g) Outra grande violência obrou esse Ministro na vila de S. João da Parnaíba (pois o governo do Piauí estava só nele e o que ele determinava era o que se fazia, lembra), foi mandar ir o juiz dela à cidade de Oeiras, para ser repreendido, e o escrivão metido na enxovia e remetido preso à mesma cidade, pela simples razão de tê-lo escrito “uma carta ridícula endereçada ao juiz pela lei”. E em face de impedimento momentâneo, substituiu aquele juiz o vereador mais velho, porém, quando a carta chegou já tinha o titular reassumindo seu cargo. Então, ao abrir a carta verificou que era dirigida àquele vereador substituto, José Fernandes Pereira, e a entregou. Esse tratou de comunicar ao Ouvidor que recebera a carta aberta, sendo o juiz titular punido injustamente. h) Que, quando ele, general, resolveu fazer a obra da passagem de S. Joaquim, ordenou ao governo interino do Piauí que lhe mandasse os vadios para trabalharem na dita obra, o que assim foi feito através dos juízes ordinários das vilas. Porém, mais tarde o Ouvidor desautorizou essa ordem. i) Que logo que o governador se afastou da Capitania o Ouvidor Durão, ordenou aos juízes das vilas que não remetessem mais o diário dos casos cíveis e criminais para o governo interino, de que fazia parte, mas somente para ele, justificando que somente ele competia conhecer. E, logo mais, extinguiu o serviço de correio mensal. j) Que “este Ministro saiu do Maranhão para a Capitania do Piauí em 17 de julho de 1771 (deve ter repousado por alguns dias em Aldeias Altas, hoje Caxias, ou outra localidade, porque só chegou a Oeiras em 26 de agosto) e em outubro do mesmo ano entrou nesta cidade um sertanejo que conduzia três mil cruzados que este Ministro

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mandou a sua mulher; e continuou semelhante remessa de um conto de réis, dous mil cruzados, e muitos cordões e peças de ouro; o que sei com evidência porque fazendo estas remessas por via do tenente coronel Valério Baptista Bayma, com o falecimento deste tive em meu poder todas as cartas que o dito Ministro lhe escrevia, das quais consta que pela Bahia fazia iguais remessas; e sei que leva muito bom dinheiro, pois só uma letra passada por Domingos Antônio Pereira consta de seis mil cruzados”. Mais tarde surgem também uns capítulos de queixa contra o Ouvidor, organizados pelo velho João do Rego Castelo Branco, com um rosário de acusações e mais de uma centena de itens, todos elaborados a posteriori e que não foram causa da prisão, porém recheados de sérias acusações, embora muitas pareçam infundadas, e que não interessam a esse trabalho sob pena de torná-lo excessivamente longo. Dessas, destacamos a indicação de um concubinato do Ouvidor Durão com a filha de um mestiço, ou quase pardo, chamado Manoel de Abreu Lima, por alcunha “Caranga”, de quem teve uma filha chamada Maria, que foi enjeitada e entregue a Luís Soares Ferraz Porto, na fazenda Cachimbo, distante de Oeiras três léguas. Lembra que antes esse fazendeiro fora perseguido pelo Ouvidor. Todavia, por tornar-se protetor e padrinho da menor, portanto, compadre do Ouvidor, se tornaram amigos íntimos, passando aquele a ser seu protegido, assim como a família “Caranga”. Então, se aponta alguns desvios de conduta do Ouvidor adúltero para proteger essas pessoas, seguido de perseguições contra quem comentava o fato. Porém, há registro de que a amásia e diversas parentas suas eram permanentemente vistas na janela do Ouvidor. O padre João José de Siqueira Tavira e seu pai Manoel Pacheco Tavira, com fazenda vizinha à de Luís Soares, foram ameaçados e perseguidos porque seus

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escravos comentaram o nascimento da menina, inclusive, o padre chegou a receber carta do Ouvidor colocada na janela de seu quarto de dormir, em Oeiras, com ameaças contra sua pessoa. Assuntos menores são referidos nesses extensos capítulos. Quanto a esse concubinato e nascimento da criança é crível que seja verdadeiro, pois além de ser testemunhado por vários, naquele tempo essas autoridades reinóis, geralmente jovens, deixavam as esposas na Corte ou ainda solteiras vinham para a colônia por período passageiro. Então, é natural que se envolvessem em aventuras amorosas, afinal não faziam voto de castidade. Por essa razão muitos deixaram filhos não reconhecidos na colônia. Antônio José de Moraes Durão não fugiu à regra, vez que sua esposa Maria Rita Lôbo de Gouveia ficou no reino durante todos esses anos em que o mesmo permaneceu no Piauí. Entre seus filhos, destacou-se o Dr. Carlos Honório de Gouveia Durão, magistrado e político português que, entre outros cargos, foi Ministro e Secretário de Estado dos negócios do reino, cargo equivalente ao do atual PrimeiroMinistro. Mais tarde, Durão foi reabilitado no real serviço, servindo como Ouvidor-Geral em Moçambique, onde se encontrava compondo uma junta de governo entre 1783 e 1786. CONCLUSÃO O Ouvidor Durão viveu intensamente seu curto período de estada no Piauí, no exercício de importantes cargos públicos: apenas 6 anos e 3,5 meses, transcorrido de 27 de agosto de 1771 a 10 de dezembro de 1777, quando foi preso, e não 3 daquele mês, como até agora vêm afirmando nossos cronistas, conforme documento original microfilmado

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no Arquivo Histórico Ultramarino e citado no texto. Durante esse período exerceu os cargos de Ouvidor geral da Comarca, Provedor da Real Fazenda e, por fim, presidiu a Junta de Governo (interino). Bacharel por Coimbra, culto, vaidoso, prepotente, arrogante, vingativo, não era, porém, inteligente, perspicaz e contemporizador de circunstâncias. Por esses relevos de personalidade e pensando-se incondicionalmente apoiado no prestígio do Marquês de Pombal, de quem afirma ser cria, enfrentou ferozmente os latifundiários, a aristocracia da terra, a vereança, os militares, o governador e até o general do Estado. Fazia apenas o que lhe mandava a consciência sem ouvir ninguém. Porém, a nosso sentir, inicialmente procurou cumprir sua missão com justiça, só perdendo o prumo mais tarde quando passou a perseguir os seguidores do ex-governador Gonçalo de Castro, que retornara ao reino. Foi quando se perdera. Antes suas querelas advinham de conflitos de atribuições com o mesmo governador, que, mesmo ganhando cores pessoais, deixam transparecer duas linhas de atrito: militares versus bacharéis e executivo versus judiciário. De qualquer forma, pensamos que Durão possa não ter praticado desvio de recursos da Real Fazenda, pois essa acusação só surge após sua prisão e como uma das justificativas. Por fim, pensamos que Durão foi suspenso de suas funções e preso unicamente em face de seu temperamento agressivo, intrigas e perseguições em que se metera, pois inicialmente apenas se lhe acusam de problemas advindos do conflito com o ex-governador, já há tempos superado, requentando-os. Depois é que foram buscar outras acusações mais sérias, deixando, assim, dúvida de sua veracidade. E no ajuntamento de todas essas provas estava o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco e seus dois filhos, daí pensarmos que se não fora o conflito com essa família dificilmente teria o Ouvidor Durão tido esse destino

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trágico. Não que essa família estivesse errada, pois estava sendo perseguida pelo Ouvidor, mas porque nenhuma outra tinha influência para derrubá-lo. Não temos dúvida, pois, de que o general Joaquim de Melo e Póvoas agiu sob influência dessa poderosa família e através dela recebeu todas as provas necessárias para justificar a prisão. De qualquer forma, Durão encheu uma página da história piauiense. E ainda nos deixou uma preciosa memória setecentista. É, pois, vulto de importância na história colonial piauiense. BIBLIOGRAFIA: FONTES PRIMÁRIAS Manuscritas Arquivo histórico ultramarino(ahu) – Lisboa – Portugal: Cx. 11. Doc. 630. 671.672. 673. 674. 675. 678. Cx. 12. Doc. 682.. 684. 685. 687. 689, 690. 691. 692. 695. 697. 698. 699. 700. 703.704. 707. 708. 709. 714.719. 728. 729. 730. 737. 738. Cx. 13. Doc. 739. 743. 744. 748. 749. 751. 753. 755. 756. 757. 758. 759. Arquivo público do Piauí/Casa Anísio Brito – Teresina – Piauí: Cód. 147 Cod. 149. Cod. 274


Impressa FALCI, Miridan Britto. A cidade de Oeiras do Piauí. In: Revista do Instituto Histórico de Oeiras. Nº 17 – 2000/2001. FONTES SECUNDÁRIAS MOTT, LUIZ R.B. Piauí Colonial – população, economia e sociedade. Teresina: 1985. NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Vol. 1. 2ª Ed. Rio: Artenova, 1975.

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PALESTRA PROFERIDA NA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS Antônio de Lisboa Mello e Freitas*

S

enhoras e Senhores Ao fazer o Prefácio do meu livro Valores, Amores e Sabores, o Prof. Armindo Trevisan, conceituado mestre, poeta e escritor gaúcho, com mais de trinta obras publicadas, inclusive no exterior, afirmou que a mim interessa recordar para melhor viver e que eu trago ao leitor estórias de personagens de minha existência com episódios que chama a atenção por sua bizarrice, graça e poesia. Destacou, ainda, a presença no livro, de receitas interessantes, que estão relacionadas por mim a cada caso relatado e que, ao final, transmito uma bela lição de vida, resultando num trabalho fervilhante de surpresas e de fábulas reais. Finalizou dizendo: “diverti-me muito com o memorialismo despretensioso de Freitas. O mundo atual está *

Antonio de Lisboa Mello e Freitas, bacharel em Direito, escritor, residente em Porto Alegre-RS.

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um tanto louco... e obeso! Faz-nos falta, de vez em quando, a leveza de uma história à altura do cidadão comum, embora as histórias dele tenham, por vezes, a dignidade e a comoção que se encontra na grande história, a que não foi maquiada pela vaidade de seus protagonistas”. No decorrer de minha obra outros fatos entraram em cena e o próprio motivo peara escrevê-la foi uma forma “terapêutica” de apressar o processo de cura e que foi sugerido pelo meu médico e amigo, Dr. Fernando Lucchese, que graças à sua perícia e de sua equipe e à proteção de Deus tive a oportunidade de retomar a alegria de viver. O Doutor Lucchese é professor e escritor, com uma dezena de obras publicadas e cirurgião cardiovascular, consagrado internacionalmente e na Apresentação que fez do livro assim falou: “Freitas me surpreendeu mais uma vez. Conserva a sensibilidade do nordestino, que já nasce pronto para o microfone e para a escrita. Mas, principalmente, ele demonstrou aqui um coração do tamanho do Nordeste, que nós gaúchos, fustigados pelas lutas de fronteiras, custamos tanto a compreender. Freitas conseguiu unir esses dois mundos tão diferentes.” E prossegue: facilitou-lhe certamente a disciplina adquirida na caserna que o remeteu do Piauí, onde o Rio Parnaíba deságua no Oceano Atlântico, diretamente a São Leopoldo, onde o Rio dos Sinos ainda é apenas uma esperança à busca do mar. Freitas é um tipo especial, destes que fazem irmãos em todas as famílias, um cultivador de valores humanos e que faz questão de escancarar em cada página deste livro”. Na minha caminhada em busca da cura, a fé e o otimismo foram fundamentais para que a meta de minha vida passasse a ser a de viver, com plena consciência, a importante fase da velhice.

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Paralelamente aos procedimentos científicos recomendados pela medicina utilizei o reforço da espiritualidade caminho, infelizmente, ainda minimizado por alguns, mas que me fez reforçar o conhecimento de que muitos terapeutas, médicos e até curandeiros, através dos tempos, sempre enfatizaram os efeitos curativos da fé na expectativa da cura pelo otimismo, pelo pensamento positivo, pela visualização futura e pela paz interior. Durante o processo de cicatrização deixei o egoísmo de lado e aceitei o fato de que o sofrimento a que estava sendo submetido, traduzido principalmente pela dor, atingia também o meu semelhante, em situações por vezes muito mais graves e algumas até com a aparência de injustas. Descobri, principalmente, que as verdadeiras cicatrizes não são as do corpo físico, curáveis pelo ser humano, mas as da alma as quais somente Deus é capaz de remover. Este fato me tornou mais tolerante comigo mesmo e com o meu próximo e me fez valorizar, mais ainda, minha vida e a do meu semelhante que, igualmente, alimenta sonhos, ilusões, necessidades e ambições. Aliás, o Salmo 8º da Bíblia, é muito claro quando cita o episódio em que Davi questiona Deus pelo valor que ele atribui ao ser humano, nosso próximo, ao dizer: Senhor “quando olho para o teu céu, obra de tuas mãos, Vejo a lua e as estrelas que criaste: Que coisa é o homem para dele te lembrares. que é o ser humano, para o visitares. No entanto, o fizeste só um pouco menor que Deus, e de glória honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das obras de tuas mãos. tudo pusestes sob o seus pés; todas as ovelhas e bois, todos os animais do campo, as aves do céu e os peixes do mar.”

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Nesta altura da vida, meus amigos, estou consciente de que tenho para viver menos tempo do que já vivi e já não disponho de idade suficiente para lamentar traições e fracassos ou curtir desilusões e perdas. Daqui para frente quero viver somente o lado bom da vida e praticar, cada vez mais, a tolerância que é mais nobre das virtudes. Esta é a mensagem que, se me permitem, desejo passar para vocês. Antes de concluir minha apresentação, gostaria de citar, traduzindo meu novo estado de espírito, um trecho do poema “Canção da Estrada Aberta”, de Walt Whitman, escritor americano, autor de “Canto de mim mesmo”, quando disse: “A pé, coração alegre, sigo em direção à estrada aberta. Sadio, livre, o mundo à minha frente. O longo caminho conduz-me para onde acho que convém. Daqui para frente já não peço boa sorte pois, eu mesmo sou a boa sorte”. Daqui para frente, não mais me queixarei, não mais adiarei, nada mais necessitarei. Forte e contente, sigo em direção à estrada aberta. A terra – é suficiente; Não desejo que as constelações estejam próximas: Sei que elas estão muito bem onde estão; Sei que elas bastam aos que lhes pertencem.”

Encerro minhas palavras, agradecendo o carinho de todos, usando o texto que melhor expressa meus sentimentos com relação a vocês e á minha terra querida. Trata-se do poema Saudade do imortal poeta piauiense, filho de Amarante, Antônio Francisco da Costa e Silva, publicado em 1908 em seu livro Sangue. Ele, por sinal, é o titular da cadeira nº 21 desta Academia.

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“Saudade, olhar de minha mãe rezando, E o pranto lento deslizando em fio. Saudade, amor da minha terra, o rio Cantigas de águas claras soluçando... Noites de junho, o caburé com frio Ao luar sobre o arvoredo, piando, piando E, ao vento, as folhas lívidas cantando A saudade imortal de um sol de estio Saudade, Asa de dor do Pensamento Gemidos vãos de canaviais ao vento... As mortalhas de névoa sobre a serra... Saudade, o Parnaíba – velho monge, As barbas brancas alongando... E, ao longe. O mugido dos bois da minha terra...

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QUADRO DA APL



SITUAÇÃO EM DEZEMBRO DE 2010

CADEIRA Nº 1 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: 5º ocupante: Ocupante atual:

José Manuel de Freitas Clodoaldo Severo Conrado de Freitas Cirilo Chaves Soares Carneviva (Padre) Esmaragdo de Freitas e Sousa Avelar Brandão Vilela (Cardeal) Alberto Tavares Silva Antônio Fonseca dos Santos Neto

CADEIRA Nº 2 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Hermínio de Carvalho Castelo Branco João Pinheiro Deolindo Augusto de Nunes Couto José Expedito de Carvalho Rêgo Jônathas de Barros Nunes

CADEIRA Nº 3 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante:

Joaquim Sampaio Castelo Branco (Padre) Fenelon Ferreira Castelo Branco Cromwell Barbosa de Carvalho

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3º ocupante: Ocupante atual:

João Gabriel Baptista Jesualdo Cavalcanti Barros

CADEIRA Nº 4 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

David Moreira Caldas Jônatas Baptista Mário José Baptista Fernando Lopes e Silva Sobrinho William Palha Dias

CADEIRA Nº 5 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Areolino Antônio de Abreu Édson da Paz Cunha José Miguel de Matos Oton Mário José Lustosa Torres

CADEIRA Nº 6 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco Benedito Aurélio de Freitas Alarico José da Cunha Petrarca Rocha de Sá Orlando Geraldo Rego de Carvalho

CADEIRA Nº 7 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Anísio Auto de Abreu Higino Cícero da Cunha Raimundo de Moura Rego Humberto Soares Guimarães

CADEIRA Nº 8 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

José Coriolano de Sousa Lima Antônio Chaves Breno Pinheiro Celso Pinheiro Filho Francisco da Cunha e Silva Francisco Miguel de Moura

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CADEIRA Nº 9 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Alcides Freitas Lucídio Freitas Pedro Borges da Silva João Nonon de Moura Fontes Ibiapina Hugo Napoleão do Rego Neto

CADEIRA Nº 10 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Licurgo José Henrique de Paiva Celso Pinheiro Antônio Monteiro de Sampaio (Monsenhor) Hindemburgo Dobal Teixeira José Elmar de Mélo Carvalho

CADEIRA Nº 11 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

João Alfredo Freitas Abdias da Costa Neves Benedito Martins Napoleão do Rego Fabrício de Arêa Leão Carvalho Aluízio Napoleão de Freitas Rego José Ribamar Garcia

CADEIRA Nº 12 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

Antônio Coelho Rodrigues João Crisóstomo da Rocha Cabral Hermínio de Morais Brito Conde Antônio Bugyja de Sousa Brito José Maria Soares Ribeiro Wilson Carvalho Gonçalves

CADEIRA Nº 13 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Joaquim Ribeiro Gonçalves Antônio Ribeiro Gonçalves Gonçalo Castro Cavalcanti Clidenor Freitas Santos Pedro da Silva Ribeiro

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CADEIRA Nº 14 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

Raimundo Alves da Fonseca (Cônego) Pedro de Alcântara de Sousa Britto Carlos Eugênio Porto Ofélio das Chagas Leitão Alvina Fernandes Gameiro Altevir Soares de Alencar

CADEIRA Nº15 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Antônio Borges Leal Castelo Branco Benedito Francisco Nogueira Tapety Cristino Castelo Branco Carlos Castelo Branco Benjamin do Rego Monteiro Neto

CADEIRA Nº 16 Patrono: Taumaturgo Sotero Vaz 1º ocupante: Raimundo Zito Baptista 2º ocupante: José Pires Rebelo 3º ocupante: Adelmar Soares da Rocha 4º ocupante: Edgard Nogueira 5º ocupante: Petrônio Portella Nunes 6º ocupante: Zenon Rocha Ocupante atual: Eustachio Portella Nunes Filho CADEIRA Nº 17 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Raimundo de Arêa Leão Odylo de Moura Costa Odylo Costa Filho João Paulo dos Reis Velloso

CADEIRA Nº 18 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Marquês de Paranaguá José Félix Alves Pacheco José Burlamaqui Auto de Abreu Herculano Moraes da Silva Filho

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CADEIRA Nº 19 Patrono: Antônio José de Sampaio 1º ocupante: Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves 2º ocupante: Renato Pires Castelo Branco Ocupante atual: Alcenor Rodrigues Candeira Filho CADEIRA Nº 20 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Álvaro de Assis Osório Mendes Matias Olímpio de Melo Jacob Manoel Gayoso e Almendra José Camillo da Silveira Filho Raimundo José Airemoraes Soares

CADEIRA Nº 21 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Leopoldo Damasceno Ferreira (Padre) Antônio Francisco da Costa e Silva Maria Isabel Gonçalves de Vilhena Francisco Hardi Filho

CADEIRA Nº 22 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

Miguel de Sousa B. Leal Castelo Branco Luís de Moraes Correia José Pires de Lima Rebelo Júlio Antônio Martins Vieira Gerardo Majela Fortes Vasconcelos Nildomar da Silveira Soares

CADEIRA Nº 23 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Lucídio Freitas Amélia de Freitas Beviláqua Joaquim Raimundo Ferreira Chaves (Mons.) Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz

CADEIRA Nº 24 Patrono: Jonas de Moraes Correia 1º ocupante: Jonas Fontenele da Silva

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2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Jônatas de Moraes Correia Robert Wall de Carvalho Paulo de Tarso Mello e Freitas

CADEIRA Nº 25 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Gabriel Luís Ferreira Simplício de Sousa Mendes Luiz Lopes Sobrinho Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior

CADEIRA Nº 26 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

Simplício Coelho de Resende Benjamim de Moura Baptista Álvaro Alves Ferreira Manoel Felício Pinto João Emílio Falcão Costa Filho Magno Pires Alves Filho

CADEIRA Nº 27 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: 4º ocupante: Ocupante atual:

Honório Portela Parentes Armando Madeira Brandão Armando Madeira Basto José Eduardo Pereira José Lopes dos Santos Reginaldo Miranda da Silva

CADEIRA Nº 28 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Luísa Amélia de Queirós Brandão Elias de Oliveira e Silva José Vidal de Freitas Manfredi Mendes de Cerqueira

CADEIRA Nº 29 Patrono: Gregório Taumaturgo de Azevedo 1º ocupante: José de Arimathéa Tito 2º ocupante: José de Arimathéa Tito Filho

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3º ocupante: Ocupante atual:

João Porfírio de Lima Cordão Afonso Ligório Pires de Carvalho

CADEIRA Nº 30 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Deolindo Mendes da Silva Moura Antônio Bona Cláudio Pacheco Brasil Álvaro Pacheco

CADEIRA Nº 31 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

João Crisóstomo da Rocha Cabral Artur de Araújo Passos José Patrício Franco Júlio Romão da Silva

CADEIRA Nº 32 Patrono: Antonino Freire da Silva Ocupante atual: Raimundo Nonato Monteiro de Santana CADEIRA Nº 33 Patrono: Abdias da Costa Neves 1º ocupante: Wilson de Andrade Brandão Ocupante atual: Nelson Nery Costa CADEIRA Nº 34 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Anísio de Brito Melo Odilon Nunes Cláudio Melo (Padre) José Magalhães da Costa Zózimo Tavares Mendes

CADEIRA Nº 35 Patrono: Antônio Alves de Noronha Ocupante atual: Maria Nerina Pessoa Castelo Branco CADEIRA Nº 36 Patrono: Vicente de Paulo Fontenele Araújo

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1º ocupante: 2º ocupante: 3º ocupante: Ocupante atual:

Darcy Fontenele Araújo Josias Carneiro da Silva José de Ribamar Oliveira Francisco de Assis Almeida Brasil

CADEIRA Nº 37 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Heitor Castelo Branco Emília Castelo Branco de Carvalho Emília Leite Castelo Branco Heitor Castelo Branco Filho

CADEIRA Nº 38 Patrono: João Francisco Ferry Ocupante atual: Manoel Paulo Nunes CADEIRA Nº 39 Patrono: José Newton de Freitas Ocupante atual: Celso Barros Coelho CADEIRA Nº 40 Patrono: 1º ocupante: 2º ocupante: Ocupante atual:

Mário Faustino dos Santos e Silva João Coelho Marques Salomão Azar Chaib Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati

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ANTIGUIDADE DOS ACADÊMICOS DE ACORDO COM O INGRESSO NA ACADEMIA QUADRO EM 31 DE DEZEMBRO 2010

CADEIRA ACADÊMICOS

POSSE

35 39 38 32 18 17 04 06 25 24 09 28 07 21 31 08 16 30 15 37

19/12/1966 29/05/1967 28/08/1967 18/12/1967 01/05/1980 30/04/1981 17/09/1982 07/06/1983 31/08/1984 05/03/1986 06/03/1987 20/05/1988 10/12/1988 07/08/1989 21/05/1990 30/10/1990 08/08/1991 28/01/1994 03/03/1994 20/05/1994

Maria Nerina Pessoa Castelo Branco Celso Barros Coelho Manoel Paulo Nunes Raimundo Nonato Monteiro de Santana Herculano Moraes da Silva Filho João Paulo dos Reis Velloso William Palha Dias Orlando Geraldo Rego de Carvalho Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior Paulo de Tarso Mello e Freitas Hugo Napoleão do Rego Neto Manfredi Mendes de Cerqueira Humberto Soares Guimarães Francisco Hardi Filho Júlio Romão da Silva Francisco Miguel de Moura Eustachio Portella Nunes Filho Álvaro Pacheco Benjamin do Rego Monteiro Neto Heitor Castelo Branco Filho

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40 12 26 19 36 14 22 02 13 05 33 34 29 20 27 11 23 10 01 03

Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati 26/08/1994 Wilson Carvalho Gonçalves 10/02/1995 Magno Pires Alves Filho 25/10/1995 Alcenor Rodrigues Candeira Filho 15/03/1996 Francisco de Assis Almeida Brasil 09/08/1996 Altevir Soares de Alencar 13/06/2000 Nildomar da Silveira Soares 27/09/2000 Jônathas de Barros Nunes 22/11/2000 Pedro da Silva Ribeiro 08/02/2001 Oton Mário José Lustosa Torres 05/04/2001 Nelson Nery Costa 30/10/2001 Zózimo Tavares Mendes 10/12/2002 Afonso Ligório Pires de Carvalho 27/06/2003 Raimundo José Airemoraes Soares 12/08/2004 Reginaldo Miranda da Silva 18/10/2006 José Ribamar Garcia 15/03/2007 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz 05/10/2007 José Elmar de Mélo Carvalho 21/10/2008 Antônio Fonseca dos Santos Neto 02/03/2010 Jesualdo Cavalcanti Barros 06/08/2010

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SÓCIOS DE DIVERSAS CATEGORIAS

SÓCIOS CORRESPONDENTES 1970 – 1982 Ribeiro Ramos (CE) Afonso Pereira da Silva (PB) Manoel Rodrigues de Melo (RN) Lothar Hessel (RS) Paulo Klumb (Santa Maria-RS) Manoel Caetano Bandeira de Melo (RJ) Alípio Mendes (Angra dos Reis-RJ) João Aragão (Nilópolis-RJ) Aristheu Bulhões (Santos-SP) Benedito Cleto (Sorocaba-SP) Elza Meireles (Mogi das Cruzes-SP) Mário Pires (Campinas-SP) Djalma Silva (GO) Nereu Corrêa (SC) Enéas Athanázio (Blumenau-SC)

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Oliveira Melo (Patos de Minas-MG) Vasco José Taborda (PR) Teresinka Pereira (Boulder-EUA) Cândido Carvalho Guerra (Corrente-PI) João Lindemberg de Aquino (Crato-CE) 1985 João do Rego Gadelha (Belém-PA) 1988 Tobias Pinheiro (Rio de Janeiro-RJ) Gerardo Mello Mourão (Rio de Janeiro-RJ) 1992 Cassiano Nunes (Brasília-DF) 1994 Jorge Medauar (São Paulo-SP) 1995 Maria Aparecida de Mello Calandra (Mogi das Cruzes-SP) 22.01.1998 Jorge Lima de Moura (Palmas-TO) 03.10. 1998 Cleá Rezende Neves de Mello (Brasília-DF) SÓCIOS HONORÁRIOS 1918 Rui Barbosa 1927 Leonardo Mota

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1970 – 1984 E. D’Almeida Vitor; Lycurgo de Castro Santos Filho; Maria Yêda Caddah; Theobaldo Jamundá; Haroldo Amorim Rego; Nelson Carneiro 08.05.1993 Raul Furtado Bacellar 1994 Virmar Ribeiro Soares Geraldo Fontenelle 04.05.1996 Vicente Ribeiro Gonçalves – (Post mortem) 22.01.1998 Tobias Pinheiro Filho Raimundo Alonso Pinheiro Rocha Edson Raymundo Pinheiro de Sousa Franco Alvacir dos Santos Raposo Filho Tomaz Gomes Campelo Humberto Costa e Castro João Costa e Castro Ademar Bastos Gonçalves José Pires Gayoso de Almendra Freitas Eurípides Clementino de Aguiar – (Post mortem) Joacil de Britto Pereira Dimas Ribeiro da Fonseca Arassuay Gomes de Castro 30.01.2008 José Elias Martins Aréa Leão

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SÓCIOS BENEMÉRITOS Leônidas de Castro Melo Dirceu Mendes Arcoverde Bernardino Soares Viana 05.03.1994 Antônio de Almendra Freitas Neto Raimundo Wall Ferraz Robert de Almendra Freitas Álvaro Brandão Filho Charles Carvalho Camillo da Silveira José Moacy Leal Moisés Ângelo de Moura Reis José Elias Martins Arêa Leão Carlos Burlamaqui da Silva José Elias Tajra Jesus Elias Tajra Filho Edilson Viana de Carvalho 22.01.1998 Jesus Elias Tajra João Claudino Fernandes Paulo Delfino Fonseca Guimarães 23.01.2000 Antônio Rodrigues da Silva José Osmando de Araújo Vieira 24.01.2004 Álvaro Freire Aerton Cândido Fernandes

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24.01.2006 Antonio Dib Tajra Stanley Fortes Baptista Antonio Machado Barbosa Francisco das Chagas Campos Pereira Maria Célia Portella Nunes Danilo Damazio da Silva 30.01.2008 Maria de Lourdes Leal Nunes Brandão Cláudia Maria de Macêdo Claudino Júlio César de Carvalho Lima Osmar Ribeiro de Almeida Júnior

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PERSONALIDADES AGRACIADAS COMENDA DO MÉRITO CULTURAL “LUCÍDIO FREITAS”

21.01.1993 Antônio de Almendra Freitas Neto José Sarney Antônio Houaiss Hugo Napoleão do Rego Neto Murilo Hingel Marcus Acioly Álvaro Pacheco Francisco das Chagas Caldas Rodrigues Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco Cláudio Pacheco Brasil Raimundo Wall Ferraz Milton Nunes Chaves Jesualdo Cavalcanti Barros Octávio Miranda Heráclito Sousa Fortes Domingos Carvalho da Silva Eloi Portela Nunes Sobrinho

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Clidenor Freitas Santos José Elias Martins Arêa Leão Moaci Ribeiro Madeira Campos José Gomes Campos Maria Yêda Caddah Afrânio Pessoa Castelo Branco José de Arimathéa Tito Filho – Post mortem 08.05.1993 Lauro Andrade Correia 12.11.1993 Maria Cecília da Costa Araújo Mendes Niède Guidon 07.05.1994 Charles Carvalho Camillo da Silveira 08.10.1994 Afonso Ligório Pires de Carvalho 11.12.1995 Alberto Vasconcellos da Costa e Silva 30.03.1996 Lucídio Portella Nunes 26.09.1996 José Ribeiro e Silva 16.11.1996 Antenor de Castro Rego Filho

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23.05.1997 Joacil de Britto Pereira 24.05.1997 Pedro Leopoldino Ferreira Filho 22.01.1998 Francisco de Assis de Moraes Souza Gerardo Juraci Campelo Leite José Luiz Martins de Carvalho Dom Miguel Fenelon Câmara Firmino da Silveira Soares Filho Agenor Ribeiro Artur Eduardo Benevides Clóvis Olinto de Bastos Meira Jomar da Silva Moraes 19.11.1998 Francisca das Chagas Trindade 13.01.2000 Francisco de Assis Almeida Brasil 24.02.2000 Clóvis Moura 30.03.2000 Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz 25.05.2000 Manoel Paulo Nunes Cassiano Nunes

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27.07.2000 Paulo Bonavides 15.08.2000 Cristovam Buarque 05.09.2000 Eduardo de Castro Neiva Júnior 28.09.2000 Washington Luís de Sousa Bonfim 07.11.2000 Éverton dos Santos Teixeira 26.04.2002 Banco do Nordeste do Brasil, S.A. 19.11.2003 Ivo Hélcio Jardim de Campos Pitanguy 26.01.2008 Raul Wagner Veloso 30.01.2008 José Wellington Barroso de Araújo Dias Sílvio Mendes de Oliveira Kleber Dantas Eulálio Antonio Rodrigues de Sousa Neto Luiz de Sousa Santos Júnior Felipe Mendes de Oliveira José Reis Pereira Sônia Maria Dias Mendes

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Antonio Soares Batista Cineas das Chagas Santos Maria Conceição Soares Meneses Instituto Dom Barreto Diva Maria Freire Figueiredo Raimundo Aurélio Melo Enéas Athanázio Doralice Andrade Parentes Maria do Socorro Rios Magalhães Paulo Delfino Fonseca Guimarães Danilo Damásio da Silva Valmir Miranda Segisnando Ferreira de Alencar Jesus Elias Tajra José Elias Tajra José de Arimatéia Azevedo

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