Centro de Ciências Sociais Departamento de Geografia e Meio Ambiente Monografia Final de Conclusão de Curso Rogério Pereira dos Santos
Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento
Profª Drª Haidine da Silva Barros Duarte (Orientador)
Rio de Janeiro Dezembro/2005
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Agradecimentos:
Aos meus pais, apesar de estarem um tanto distante da minha realidade acadêmica... À
minha
orientadora,
professora
Haidine
Duarte,
pela
paciência,
disponibilidade de tempo e, principalmente, pelo suporte acadêmico durante este trabalho final de curso e, também, nas disciplinas por ela ministradas. Aos professores do Departamento de Geografia e Meio Ambiente pelos ensinamentos que adquiri ao longo de minha jornada como graduando e à Edna, funcionária, que tantos galhos quebrou a este aluno. Agradecimentos esses extensivos ao Cláudio e a Anair do Departamento de História que, também muito me ajudaram. Aos professores da banca avaliadora, professores João Rua e Regina Célia que, carinhosamente aceitaram o desafio de julgar minha monografia. Aos funcionários do campus da PUC-RJ: André do Laboratório de Informática – RDC; Sebastião da Biblioteca – 3º andar do prédio Frings; ao pessoal da Pastoral (para o qual presto uma homenagem em especial pois, sem o benefício do FESP, minha caminhada estudantil aqui na universidade não seria completa) e aos ascensoristas que diariamente contribuíam para a minha chegada/saída às aulas. Aos colegas que conheci durante o curso, em especial, ao amigo FilósofoGeógrafo Professor Paulo José (PJDADS) que, sem dúvida alguma, foi um dos alicerces de meu progresso como aluno. Ao meu irmão Rildo, que muito me ajudou, principalmente, com xerox de textos e outros materiais durante esses anos. Ao técnico de informática Fernando Santos (Bimbão) pelo suporte operacional dedicados a mim nesses quatro anos e meio de minha vida acadêmica. Por último, dedico esta monografia em nome de José Rinaldo Pereira dos Santos, meu irmão já falecido e a Ellen Ferreira Pereira dos Santos, minha primeira filha.
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Sumário
I – Apresentação..................................................................................... 05 Capítulo 01: A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em Movimento .............................................................................................. 11 1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual ........................... 11 1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana ............. 19 Capítulo 02: A Formação do Complexo da Maré.................................. 29 2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960) ............................ 29 2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/1980)..................................................................................... 40 2.3 – Reconhecimento de Um Bairro Popular e as intervenções Públicas (1980/2005) .............................................................................. 46 Capítulo 03: Os Territórios da Maré e Suas Particularidades ............. 51 3.1 – Os Atores Sociais e Suas Atuações na Maré: As Territorialidades em Movimento............................................................ 51 4 – Conclusão ......................................................................................... 68 5 – Referências Bibliográficas............................................................... 69 6 – Anexos .............................................................................................. 72
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"A favela é um espaço em constante movimento porque os moradores são os verdadeiros responsáveis por sua construção, ao contrário do morador da cidade formal, que muito raramente se sente envolvido na construção do seu espaço urbano e, em particular, dos espaços públicos de sua cidade. A participação comunitária ocorre de forma muito mais representativa nas favelas e áreas favelizadas em geral do que na cidade formal. Os técnicos, arquitetos e urbanistas responsáveis por projetos e intervenções em favelas, na maioria dos casos, em vez de tentar seguir os movimentos já iniciados pêlos moradores, impõem sua própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e à estética da cidade formal. Esses profissionais lutam exatamente contra tal movimento do espaço das favelas, com a finalidade de estabelecer uma pretensa” ordem". O resultado (...) é uma rejeição por parte dos moradores dessa imposição formal, o que resulta em uma favelização ainda mais radical, como no exemplo das alterações realizadas pelos próprios moradores nos conjuntos habitacionais”. (Jacques 2002, p. 48).
In memória de José Rinaldo Pereira dos Santos 4
Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento
1 – Apresentação: Este trabalho final de curso tem como objetivo central identificar os territórios que envolvem o complexo da Maré e suas particularidades, tendo como foco principal o tema “Complexo da Maré: Múltiplas Territorialidades Locais em Movimento”, então observadas na área de estudo. Para tal será utilizado, com freqüência, “A História da Maré em Capítulos”, encontrado na internet em http://www.ceasm.org.br e que discutirá com muita eficácia a trajetória da formação do bairro “Maré”. De acordo com o site da Prefeitura (2003) a área territorial da Maré corresponde a 426,88 ha (a densidade demográfica de cada comunidade está no Anexo I). O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré, estabelecida desde o final da década de 80, reconhecendo as comunidades locais como “Unidades Territoriais Específicas” – é a maior concentração de população de baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro do Timbáu (1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1961), Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996) e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.000”1, uma população de 132.176 representando esse contingente, 2,26% da população do município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do Estado do Rio de
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O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas condições peculiares.
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Janeiro abrigado em 38.273 domicílios (Censo Maré 2000 2). A densidade habitacional da Maré está representada no Anexo II. Para Jacques (2002, p. 19) a Maré se diferencia de uma outra favela pois; “A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairros distintos, uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maiores laboratórios urbanos de habitação popular do país, onde inúmeras experiências habitacionais foram feitas nas últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantas alterações que a própria maré que deu nome ao complexo já não existe mais; foram tantos os aterros, que o mar já ficou bem distante”.
Ainda Jacques (Ibidem, p. 21): “A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentida em um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjunto habitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também”.
Tomadas no interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que compõem o bairro da Maré possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma expressão significativa em relação ao conjunto da população da Região Metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000). A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada quando se toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha municipal do Estado do Rio de Janeiro, hoje composta por 91 unidades administrativas. Um olhar superficial verifica que o bairro da Maré possui um número de habitantes superior aos identificados para Macaé (131.550 hab), Cabo Frio (126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra dos Reis (119.180 hab), Resende (104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab). E, numa classificação por ordem de grandeza, se o bairro da Maré recebesse o status de município, ocuparia a 17ª posição em termos populacionais nesse estado (Ibidem).
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O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa do CEASM, com financiamento do BNDES e com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”.
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O destaque da Maré torna-se mais evidente e visível quando comparamos o tamanho absoluto de sua população com os números identificados para os municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme apresenta o Tabela I.
Tabela I – População Residente nos Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Município 1 – Rio de Janeiro
População 5.851.944
Município
População
11 – Queimados
121.688
2 – Nova Iguaçu
915.366
12 – Japeri
83.160
3 – São Gonçalo
889.828
13 – Itaguaí
81.952
4 – Duque de Caxias
770.865
14 – Maricá
78.556
5 – Niterói
458.465
15 – Seropédica
65.020
6 – São João de Meriti
449.229
16 – Paracambi
40.412
7 – Belford Roxo
433.120
17 – Guapimirim
37.940
8 – Magé
205.669
18 – Tanguá
26.001
9 – Itaboraí
187.127
19 – Mangaratiba
24.854
10 – Nilópolis
153.572
XXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXX
Fonte: (Censo Maré 2000) http://www.ceasm.org.br
A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré apresenta um tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove municípios
da
Região
Metropolitana
(Queimados,
Japeri,
Itaguaí,
Maricá,
Seropédica, Paracambi, Guapimirim, Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré como um município hipotético, ele ocuparia a 11ª posição em termos de população desta região do Estado. Seu contingente demográfico corresponde à população de um município com a possibilidade de representação política, segundo o que determina a Constituição Federal. No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de Janeiro, Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que o bairro em estudo aparece como o de maior concentração populacional. 7
Tabela II – População nas Principais Favelas do Rio de Janeiro: Localidade
1991
1996
2000
Rocinha
42.892
45.585
56.313
Alemão
51.591
54.795
65.637
Jacarezinho
37.393
34.919
36.428
Maré
62.458
68.817
113.817 / 132.176*
Fonte: (Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000).
Embora a Tabela II confirme a concentração da população na Maré, cabe destacar que o crescimento revelado pelos números do IBGE, não expressa um incremento real, por que o Instituto levou em consideração na sua contagem da população da Maré, nos anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União, Praia Ramos e Timbáu. As demais não foram incorporadas por serem definidas como conjuntos habitacionais. Na composição social do Bairro Maré é bastante relevante a questão de gênero. A presença feminina destaca-se ali como sendo a maioria dos seus habitantes (vide Tabela III), acompanhando a tendência da distribuição da população por gênero no estado e no município do Rio de Janeiro (vide Tabela IV), onde as mulheres também se apresentam com expressiva maioria.
Tabela III – Distribuição da População Residente no Bairro Maré por Gênero: Comunidades
Homens
Mulheres
Sub-total
Parque União
8.911
8.885
17.796
Vila Pinheiros
7.641
7.844
15.485
Parque Maré
7.557
7.842
15.399
Baixa do Sapateiro
5.512
5.955
11.467
Nova Holanda
5.547
5.748
11.295
Vila do João
5.280
5.371
10.651
Rubens Vaz
4.060
3.936
7.996
Marcílio Dias
3.610
3.569
7.179 8
Timbáu
2.962
3.069
6.031
Conjunto Esperança
2.827
2.901
5.728
Salsa e Merengue
2.644
2.665
5.309
Praia de Ramos
2.287
2.507
4.794
Conjunto Pinheiros
2.319
2.448
4.767
Nova Maré
1.517
1.625
3.142
Roquete Pinto
1.238
1.276
2.514
Bento Ribeiro Dantas
1.082
1.117
2.199
206
218
424
65.200
66.976
Mandacarú Maré
Total
132 176
Fonte: Censo Maré – 2000
Tabela IV – População por Gênero no Estado e no Município do Rio de Janeiro – 2000 Unidade
Mulheres
Homens
Estado do Rio
7.490.947
6.900.335
Município
3.109.761
2.748.143
66.976
65.200
Maré
Fonte: Censo IBGE – 2000
Ao longo dos últimos 10 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de domicílios e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira vez, como o mais populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre da incorporação ao bairro, pelo IBGE, das comunidades locais até então identificadas como conjuntos habitacionais. Outro fator significativo foi a construção, entre 1993 e 1997, de três novos conjuntos, realizada pelo programa municipal de remoção de populações em áreas de risco: Nova Maré; Bento Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue (oficialmente identificado como Novo Pinheiros). A grande fronteira interna existente atualmente no Complexo da Maré não está entre as comunidades mas, infelizmente, entre as três diferentes facções do tráfico de drogas e do crime organizado que, literalmente, cortam a Maré ao meio com suas disputas de territórios de dominação. Verdadeiras batalhas são travadas quase sempre entre as facções rivais ou entre essas e a polícia, o que acaba, de 9
fato, formando áreas de confronto perigosas, verdadeiras ‘linhas-de-tiro’ dentro do complexo, afetando de forma direta a vida cotidiana de seus moradores. O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca (ver a disposição espacial da Maré no Anexo III) advém não só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades, decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no processo de estruturação do local. O primeiro capítulo procura de forma, sucinta, mostrar o Complexo da Maré como produto da chamada “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como define Souza (2003, p. 500), no processo de expansão da cidade do Rio de Janeiro e a constituição de territorialidades em seu tecido urbano, partindo de considerações de natureza conceitual formulada por autores que têm se dedicado ao tema territorialidades. O segundo capítulo, de caráter empírico, trata de forma factual a formação do Complexo da Maré e suas vinculações com as políticas públicas voltadas para a população de baixa renda, tema este que extrapolando o objeto da presente dissertação mantém-se na pauta de discussões, como as que ainda hoje, em pleno século XXI, envolvem as lideranças políticas do Município do Rio de Janeiro. No terceiro capítulo são apresentados os principais atores sociais que fazem do Complexo da Maré um espaço partido, fragmentado e marcado pelo interesse de facções antagônicas, suas práticas sociais e, de que algum modo, caracterizam as territorialidades e as desterritorialidades evidenciadas no local. Finalmente, na tentativa de arriscar algumas conclusões, são feitas as considerações finais sobre esta monografia.
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1 – A Cidade do Rio de Janeiro e as Territorialidades em Movimento: 1.1 – Territorialidades e a Problemática Conceitual: Antes de esclarecer de que forma entendo o termo território – para logo em seguida tratar das possíveis territorialidades que possam ser identificadas nas áreas da Maré – acho de suma importância definir o conceito de espaço pois, é nele que se insere o território e como diz Raffestin (1993, p. 178): “o espaço é anterior ao território”. De acordo com Andrade (1994, p. 213) o conceito de território: “não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada área, sendo assim, deve-se ligar sempre a idéia de território à idéia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas”.
Este mesmo autor cita que “o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado e cria novas formas de territorialidades que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidades e dá origem a novas territorialidades” (Ibidem, p. 220). Milton Santos (1997, p. 51) foi um dos autores que mais trabalhou com este tema geográfico e segundo ele o espaço seria formado: “por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Define ainda que (Ibidem, p. 83): “O espaço, uno e múltiplo, por suas diversas parcelas, e através do seu uso, é um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, cada fração da paisagem”.
Para o mesmo autor, “o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e 11
cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.”(Ibidem p. 51). Santos, afirma, entretanto, que espaço e paisagem não são sinônimos. “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (Ibidem, p. 83). Para Lefebvre, citado por Ferreira (2005): “a utilização da noção de forma, função e estrutura (utilizadas com o mesmo peso de importância) que contribuiriam para a revelação do espaço produzido, já que permitiria a apreensão de suas estabilidades provisórias e de seus equilíbrios momentâneos, até porque a própria noção de estrutura tem, também, um caráter provisório. Ademais, a conjunção das três noções permite desvelar um conteúdo sócio-espacial que se encontra oculto, posto que dissimulado nas formas, funções e estruturas analisadas”.
Ainda Ferreira (2005) citando Santos, apoiado por Lefebvre, propõe a utilização dessas categorias como um auxílio na interpretação do espaço em sua totalidade – acrescentando aqui outra variável, o processo. Para Ferreira o espaço deve ser analisado a partir de algumas categorias a qual ele classifica como: Forma (o aspecto visível de um objeto), Função (atividade a ser desempenhada pelo objeto criado, a forma), Estrutura (trata-se da natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do tempo: matriz social onde as formas e funções são criadas e justificadas) e Processo (é uma estrutura em seu movimento de transformação). A esse respeito Correia (1995, p. 29-30) escreve que: “Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade”.
Referindo à sua natureza multifacetada como aspecto teórico mais importante do espaço, Lefebvre citado por Gottdiener (1993, p. 127), menciona que: “O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar-se na ação. Isto é, num plano individual, por exemplo, ele não só representa o local onde ocorrem os eventos (a função de receptáculo), mas também significa a formação social de engajar-se nesses eventos (a função da ordem social)”.
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Lefebvre conceitua “design espacial” como sendo ele próprio, um aspecto das forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento humano e a força de trabalho, contribuem para o nosso “potencial de produção – assinala ele que: “A cidade, o espaço urbano e a realidade urbana não podem ser concebidos apenas como a soma dos locais de produção e de consumo... O arranjo espacial de uma cidade, uma região, um país ou um continente aumenta as forças produtivas, do mesmo modo que o equipamento a as máquinas de uma fábrica ou de um negócio, mas em outro nível. Usa-se espaço exatamente como se usa uma máquina.” (Ibidem, p. 128). “O design espacial é um instrumento político de controle social que o Estado usa para promover seus interesses administrativos. O espaço de autoridades e administrações políticas dá, assim, ao Estado um instrumento independente para promover seus interesses”. (Ibidem, p. 130).
Já Geiger, (1994, p. 238) analisa a cidade de forma que ela “aparece implicitamente como o elo entre o território e o amplo espaço, o material, e o abstrato, do pensamento. O território corresponde a um nível de produção social do espaço”. Este autor também defende a tese de que “espaço e território não significam exatamente a mesma coisa e o esclarecimento deste fato tem a ver com a argumentação sobre os conceitos de des-territorialização e espacialização ora em uso” (Ibidem, p. 235). A respeito de território, Raffestin (1993, p. 59-60) entende ser “um trunfo particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço político por excelência, o campo de ação dos trunfos”. Neves (1994, p. 271) define os territórios como “espaços de ação e de poderes e esse poder – como capacidade de decidir – é adaptado às circunstâncias contraditórias e particulares no tempo e no espaço [cada vez mais diversificado e heterogêneo]”. Ainda para esse mesmo autor, “os novos territórios estão sendo formados e transformados em todas as partes sobre os escombros das territorialidades, da luta de classes ou das novas fontes espacializadas de produção de mercadorias” (Ibidem, p. 273). Já Corrêa (1989, p. 09) analisa o espaço urbano como sendo um local “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas”. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela 13
mais aparente, materializada nas formas espaciais. Cita ainda que “este espaço seja um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem espaços, são agentes sociais concretos”. A esses agentes que fazem e refazem a cidade ele nomeou-os em: proprietários dos meios de produção (os grandes industriais); os proprietários fundiários (interessados no valor de troca da terra e não no seu valor de uso); os promotores imobiliários (que realizam operações de incorporação, financiamento...); o Estado (que atua diretamente como grande produtor e consumidor de espaço) e os grupos sociais excluídos (que tinham como possibilidades de moradia os densamente ocupados cortiços localizados próximos ao centro da cidade). E assim o espaço transforma-se, através da política, em território. Para Andrade (1994, p. 251) o “território não é sinônimo de espaço... do mesmo modo territorialidade e espacialidade não devem ser empregadas de modo indiferenciado”. Para ele “território constitui-se, em realidade, em um conceito subordinado a um outro mais abrangente, o espaço, isto é, à organização espacial; ele é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas”. Trindade Júnior (1996, p. 139) analisa da seguinte forma: “O espaço urbano não é sujeito, mas produto, condição e meio de (re)produção das relações sociais. Nesse sentido, a reprodução da vida da e na cidade hoje faz-se num contexto de instauração de uma, como diz Lefebvre, sociedade urbana que é, ao mesmo tempo, real e virtual”. Ramagem (1996, p. 49) diz que “um território pressupõe um povo, um grupamento com unidade cultural, o qual reclama uma dada porção do espaço como exclusivamente sua; um espaço vivido, campo de representações simbólicas, lócus de solidariedades territoriais, percebido através do sentimento”. Outro autor que trabalha com este tema é Souza (1995, p. 78) que define o território fundamentalmente como: “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Souza (Ibidem, p. 99) prefere empregar o termo “Territorialismo” – que longe de ser uma simples questão de instinto, é também uma estratégia – para designar o conteúdo de territorialidade. Diz ainda que no singular (territorialidade) “remeteria a algo extremamente abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território, isto é, relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial” e no plural (territorialidades) significariam “os tipos gerais em que podem 14
ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmicas, etc”. O autor exemplifica:
territórios
contínuos
e
territórios
descontínuos
singulares
são
representantes de duas territorialidades distintas, contínuas e descontínuas. A territorialidade remete a um certo tipo de interação entre o homem e o espaço, a qual é sempre uma interação entre seres humanos “mediatizada pelo espaço” (Raffestin, 1993 p. 160). Já Robin, citado por Haesbaert (1995, p. 202) indaga que: “Quanto ao espaço e ao território, eles tendem a ser escamoteados: a mundialização operada pela multimídia e a infovias apagam nossas referências espaciais. O espaço público vivido, aquele da rua, da cidade (...), desaparece. Ora, o território é o lugar privilegiado da construção social, o laço maior de articulação entre o social e o econômico; é aí também que se constata a alteridade e se opera o confronto com os outros. De fato, não existe político que não se inscreva sobre um território.”.
O geógrafo Haesbaert é o autor que tem se dedicado a discutir o conceito de território, alimentando com suas formulações o conhecimento das relações sociais inerentes ao processo da produção do espaço. Compreende o autor (2001, p. 1770) que as concepções de território podem ser agrupadas em três pontos – tendo como influências as leituras de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994), Raffestin (1993) e Sack (1986):
* Jurídico-político = “... é a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes visto como o poder político do Estado”.
* Cultural(ista) = “... prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, em
que
o
território
é
visto
sobretudo
como
o
produto
da
apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço”.
* Econômico = “... bem menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho”. O território define-se, segundo Ferreira (2005), essencialmente, a partir de relações de poder: “... o território seria relacional não somente no sentido da incorporação de um conjunto de relações sociais, mas também no de desenvolver uma complexa relação entre processos sociais e espaço material, onde se conclui que o território inclui o movimento, a fluidez e as redes – sendo relacional".
Ainda Haesbaert (2001, p. 1770):
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“... o território envolve sempre, ao mesmo tempo, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais correta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.”.
Corrêa (1994, p. 251) aproxima-se de Haesbaert (2001, p. 1770) quando afirma que a “territorialidade, por sua vez, refere-se ao conjunto de práticas e suas expressões materiais e simbólicas capazes de garantirem a apropriação e permanência de um dado território por um determinado agente social, o Estado, os diferentes grupos sociais e as empresas”.3 A expansão do território, segundo Andrade (1994, p. 214), ao mesmo tempo em que promovia a ampliação da territorialidade: “provocava a desterritorialidade nos grupos que se sentiam prejudicados com a forma e a violência com que era feita”. E assim “o território – que ficou ausente das preocupações geográficas até recentemente – retorna com insistência na última década do século XX como elemento que condiciona as relações de produção”, como salienta Sposito (2004, p. 119). E dessa convergência espacial dos contrários, surgiu a reação à gestão central, à desterritorialização e à integração com a formação de novas territorialidades, novas formas de concepção do uso e do processo de domínio do território. Com
esta
base
conceitual
seguirá
uma
apresentação
sobre
as
denominações: territorialização, desterritorialização e re-territorialização (des-reterritorialização). Com uma grande ligação com o lugar, a territorialização é iniciada sem a preocupação de estar fincada somente no viés da ocupação do espaço de forma materialmente construída, mas também, através de um processo de criação de símbolos e códigos que caracterizam um lugar para um indivíduo ou grupo social, estando esse próprio lugar, interligado às relações travadas entre as pessoas ao longo do tempo – o lugar embebido de objetos comuns. Conforme afirmam Deleuze e Guattari, citados por Ferreira (2005): “não há território sem um vetor de saída do 3
Esta definição de territorialidade está embasada em Sack (apud, Corrêa/1994) onde ele aceita que “para os seres humanos (territorialidade) é uma poderosa estratégia geográfica para controlar pessoas e coisas através do controle de uma área”.
16
território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”. Haesbaert (1995, p. 168) define desterritorialização como “a superação constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela velocidade, de tornar-se ‘liberto’ em relação aos constrangimentos geográficos – ou rugosidades”,
quando
se
refere
Milton
Santos.
Quando
se
remete
a
desterritorialização percebe-se a perda dos vínculos com o lugar e as relações nele realizadas. Santos, citado por Ferreira (2005), enfatiza essa tese quando argumenta que: “hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. Os homens mudam de lugar(...) mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as idéias. Tudo voa. Daí a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também, desculturização”.
Ainda Ferreira (Ibidem): “A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de significados, de valores, que foram instituídos através de práticas sócio-culturais que, por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar. A noção de desterritorialização deve ser percebida como uma concepção mais integradora do território, ao mesmo tempo espaço de apropriação/reprodução concreta e simbólica”.
Um processo de desterritorialização pode ser tanto simbólico – com a destruição de símbolos, marcos históricos, identidades – quanto concreto, material [político e/ou econômico], pela destruição de antigos laços/fronteiras econômicopolíticas de integração. É
bom
lembrar
que
a
produção
do
espaço
envolve
sempre
e,
concomitantemente, a desterritorialização e a reterritorialização como definiu Barel, citado por Haesbaert (1995, p. 170): “(...) seria interessante se representar a mudança social [e seu contrário, o bloqueio] sob a forma de uma dinâmica territorial, pois a mudança social é em parte esta: a vida e a morte dos territórios. Estes territórios têm uma história. A mudança social é vista aqui como um movimento de territorialização-desterritorializaçãoreterritorialização bem entendido, a história territorial da transformação social resta inteira por escrever (...) De uma certa maneira, pode-se representar a modernidade como o lento aparecimento de códigos desterritorializantes que engendram seu contrário, isto é, a necessidade de novos territórios”
17
As práticas sócio-culturais, que foram responsáveis pela construção social do lugar, fazem com que haja uma ruptura de toda uma formação de sistemas simbólicos de significados e de valores através da desterritorialização. A reterritorialização representa uma nova rede de relações e processos que geralmente desencadeiam uma nova codificação; ela rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos e significados e de valores instituídos que foram responsáveis pela elaboração do lugar. Quando é realizada guarda novos traços e trajetórias. O processo de reterritorialização se manifesta em associação a um movimento dentro da própria organização espacial do lugar. Um exemplo disso é um indivíduo que passa a trabalhar como autônomo e permanece com seu vínculo empregatício; ele monta em sua própria residência um mini-escritório de vendas de pequenos produtos para beleza feminina, por exemplo, – com esse movimento de migração de tarefas de um determinado lugar para outro ele exercita uma desterritorialização e uma reterritorialização para logo após, desterritorializar-se e reterritorializar-se novamente. Concluindo, Corrêa (1994, p. 252) menciona que a desterritorialização: “É entendida como a perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território. Novas territorialidades ou re-territorialidades, por sua vez, dizem respeito à criação de novos territórios, seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos territórios, seja por meio da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que contém, entretanto, parcela das características do velho território: neste caso os deslocamentos espaciais como as migrações, constituem a trajetória que possibilita o abandono dos velhos territórios para os novos”.
O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidades que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialização e dá origem a novas territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o estudo de três comunidades do “Complexo da Maré” (foco desse trabalho) objetiva identificar as relações sociais do processo de construção do espaço. A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do processo de formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem, ainda que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e as suas territorialidades resultantes da segregação sócio-espacial ou ainda, da fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial, conforme apontado por Souza (2003a, p. 90). 18
1.2 – Territorialidades e Segregação Sócio-Espacial Urbana:
O entendimento das possíveis territorialidades existentes na cidade do Rio de Janeiro, exige ema volta no tempo para que se possa compreender como ocorreu e para qual direção se deu o espraiamento da população carioca. Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro foi sem dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte coletivo da cidade carioca no último quartel do século XIX, onde “as empresas de ‘carris’ comandaram – em larga medida – o espraiamento da malha urbana para muito além do antigo perímetro da Cidade Velha e da Ulterior Cidade Nova, contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada vez mais nítida uma nova estruturação social do espaço carioca”, Benchimol (1990, p. 96). Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois viézes distintos: de um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas áreas norte e sul e de outro uma área central com características “febril, multiforme, superpopulosa e insalubre”. Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco ferroviário da Estação Ferroviária D. Pedro II, aonde os bairros do subúrbio iriam progressivamente se estruturar até final do século, dando início a implementação das principais estações ferroviárias e conseqüentemente, o espraiamento da população carioca. (ibidem). Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço urbano durante a transição de cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra escravista – para a cidade capitalista. Neste instante, século XIX, surgiram os primeiros elementos segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem que torna a expansão física do espaço expressiva. Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como “escassez e carestia das habitações para gente pobre” – emergiu como um dos traços mais característicos e recorrentes da vida urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a incidência de epidemias, onde o epicentro desta crise seria a área central onde coabitava-se em grande número e de forma desordenada, grande parte da população carioca. Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990, p. 124) cita que: “a crise da habitação é produto da forma social burguesa; sua história está, portanto, indissoluvelmente subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas de 19
produção no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse espaço). No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao governo republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de Janeiro, Ao procurar embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann Tropical” iniciou a reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas residenciais, oficializando a segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se, paradoxalmente, um grande responsável pela consolidação inicial das favelas4. Corrêa (1989, p. 65), citando Harvey, diz que a segregação significa: “diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de proximidade aos custos da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura, etc. se já há diferença de renda monetária, a localização residencial pode implicar diferença ainda maior no que diz respeito à renda real”.
De acordo com a definição da Escola de Chicago, “Segregação Residencial” seria “uma concentração de tipos de população dentro de um território”, onde a área natural – ”uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural resultante do processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação dos diferentes grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem no mundo vegetal” – seria a expressão espacial da segregação (Zorbaugh, apud Corrêa/1989, p. 59). Castells (apud Corrêa, 1989 p. 60) define a Segregação Residencial como “um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produto da existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano” . Ainda Corrêa escreve que: “A segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução social, e neste sentido o espaço social age como um elemento condicionador sobre a sociedade”. Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e sociais, constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, 4
Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia (construções feitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento e drenagem), à ocupação (morfologia e tipologia) e à propriedade da terra. (IPEA 2001).
20
mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro (Corrêa, 1989 p. 60). A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é superado pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado – e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa parte da população. No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da construção de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos consumidores e às firmas construtoras, ampliando a demanda solvável e viabilizando o processo de acumulação capitalista. Isso define a questão de “como e onde morar” apontada por Corrêa (1989, p. 63), onde “ambos se fundem dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da sociedade. Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante (ou algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação residencial na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano, atuando indiretamente através do Estado. O primeiro registro referente a uma favela no Rio deu-se no recenseamento de 1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução. Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na cidade do Rio de Janeiro, já a partir da década de 60, quando sua população teve 21
um crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela V e nos Gráficos I, II, III e IV. As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornandose cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do século XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo então como eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido caracterizava-se pela sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em termos urbanísticos, além da precariedade e da insalubridade. Assim, quando não pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser extirpada e seus moradores removidos.
Tabela V – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e do Crescimento de Favelas no Estado do Rio de Janeiro Entre as Décadas de 1950/1991.
% do crescimento % de crescimento de Favela por da População do Década Rio por Década
Ano
População de Favelas (A)
População total do Rio (B)
A/B (%)
1950
169.305
2.337.451
7.24
_____
_____
1960
337.412
3.307.163
10.20
99.29
41.49
1970
563.970
4.251.918
13.26
67.15
28.57
1980
628.170
5.093.232
12.33
11.38
19.79
1991
1.001.336
5.480.768
18.27
59.41
7.60
Fonte: http:www.ibge.gov.Br
22
Gráfico I – Percentual de Moradores de Favelas
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Gráfico II – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
23
Gráfico III – Evolução do Nº de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Gráfico IV – Crescimento Populacional de 04 Favelas:
Fonte: http://www.favelatemmemoria
24
De 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Nesse período, muita coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro. Algumas comunidades viraram complexos, Alemão, Jacarezinho e Maré, que conforme o
gráfico acima, ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas
como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia barata e hoje lideram o ranking de novas construções. Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é evidente que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela, sugerindo a formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos. A partir da década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da cidade formal como “aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora a crítica à chamada “teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos discursos dualistas sobre as favelas a partir da década de 70. De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo fôlego com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de legitimidade social pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade partida” e “desordem urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o próprio Estado mudou sua forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de controle e repressão sendo os aglomerados usualmente comparados a “doenças sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de remoção das favelas são postas em práticas, emergem demandas por parte de governo e instituições não governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração da favela ao bairro”. Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas continua em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade, materializa-se através da auto-segregação da classe média em condomínios exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da estigmatização e do preconceito geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza (2002 p. 500), o ingrediente principal para esta “fragmentação do tecido sóciopolítico-espacial” encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais controlados por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatais. 25
Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de droga e sua conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas encorajou o surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o poder público oficial e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o comprometimento do poder público com a cidade formal em detrimento das populações mais carentes, resultou em assentamentos irregulares de tipologia urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses assentamentos juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o descaso de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a integração com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão. Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o baixo valor da renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos, deve-se levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades, seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal. É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados espacialmente aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de novas áreas nas periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder público. A política governamental do Estado em relação às favelas mudou radicalmente na última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era o desfavelamento (erradicação), hoje a “urbanização e regularização de favelas”5 são consideradas importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população 5
Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos ilegais ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e jurídicas para promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de propriedade) e a administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos públicos para urbanização e mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às obras de urbanização.
26
de mais baixa renda à terra urbana. Sobre o programa de erradicação das mesmas será melhor abordado no item 04 deste trabalho. Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito entre traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população, sem ter como se defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos, que dominam e impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra saída a não ser aprender a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez que diferentemente de qualquer morador da cidade formal, não tem nenhum acesso à segurança e à polícia. Essa última vê em todos os moradores da favela um bandido em potencial, dando o mesmo tratamento a todos: a intimidação e a repressão violenta. Como fato social, a favela deve ser enquadrada em um processo histórico mais generoso tendo em vista a dinâmica de seus atores: os favelados. Neste sentido, entende-se que a única estrutura espacial urbana que atende é o quilombo. Assim, a favela vem representando para a república o mesmo que o quilombo representou para a ordem imperial, onde a ação do Estado se fez presente somente através do aparelho repressivo policial. Desta maneira, o espaço favelado vem passando por um processo contraditório de construção (busca de habitação pelos mais pobres) e desconstrução (“necessidade” do ordenamento espacial da cidade). Um mix de fatores como ausência do Estado na dotação infra-estrutural, sobretudo para saúde e educação; falta de absorção desta mão-de-obra pelo mercado de trabalho, dentre outros fatores; juntamente com pré-disposição do aparelho repressivo fizeram da favela ‘locus’ da violência urbana nos dias de hoje. Em se tratando de Rio de Janeiro, fica evidente que, desde sua origem, se pensarmos em um processo, os lugares ocupados pelos mais pobres vêm recebendo pouca atenção do poder público no que se refere ao tamanho dos problemas sociais. Entretanto, como no passado, em sua versão anterior à República, o quilombo, a favela recebe uma atenção especial do aparelho policial, tendo em vista que favelas e favelados são considerados como um caso de polícia, mas não como um problema da sociedade. “Atualmente, a favelização e a periferização, expressões espaciais mais marcantes da reprodução da pobreza urbana, impressionam não somente por sua magnitude, mas igualmente por sua complexidade (Souza, 2000 p. 193).” 27
De acordo com Souza (2000, p. 193), “o traço mais impressionante da favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da ‘territorialização de favelas por parte do tráfico de drogas”, onde os espaços socialmente segregados que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas metrópoles não se restringem às favelas... Elas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo, inexistente em bairros de classe média. Essa territorialização ficou evidenciada na virada dos anos 70 para os anos 80 sendo um marco histórico pois conduziu a uma fragmentação que envolveu não apenas dos ‘territórios ilegais’ – as favelas e outros espaços controlados por alguma quadrilha de traficantes vinculada a algum ‘comando’ – mas igualmente, aqueles espaços que não estão submetidos a qualquer ‘poder paralelo’ ao Estado. O que pode ser observado é que quando o território, unidade de gestão, se expande pelo espaço não conquistado cria novas formas de territorialidade que dialeticamente provocam novas formas de desterritorialidade e dá origem a novas territorialidades – é um ciclo contínuo. E é sobre essas (possíveis) territorialidades que o estudo das comunidades da Maré procura identificar.
28
2 – A Formação do Complexo da Maré:
O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial, consolidou o poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura e a forte industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção às cidades. Os migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios distantes ou nas favelas. A distância entre o local de trabalho e o domicílio aumentou consideravelmente e a necessidade de morar perto do local de trabalho levou a população migrante a se instalar nos terrenos não ocupados que escaparam da especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo, impossibilidade de construção: morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa. Favelas se propagaram tanto em zonas industriais, como residenciais. O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório, uma vez que o aumento da mão-de-obra barata era necessário para a indústria em crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco valorizados. Por outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre 1945 e 1964, as favelas passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos. Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no Rio de Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar dos números deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial pelo Estado da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade do Rio de Janeiro. 2.1 – Primórdios da Ocupação na Maré (1940/1960): Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência de 105 favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As favelas concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da população favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região Centro-Tijuca (com 22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em 1970, também revelou a predominância de uma população de migrantes nas favelas cariocas: 52% eram naturais do Estado do Rio de Janeiro (na ocasião a capital 29
federal – a Cidade do Rio de Janeiro – constituía o Distrito Federal), Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro.
Tabela VI – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro ANO
Nº DE FAVELAS
DOMICÍLIOS
HABITANTES
1950
105
44.000
169.305
1960
147
69.680
335.696
1967
230
162.741
757.696
1970
300
185.000
1.000.000
Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300 Favelas”. Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976.
Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto 63,8% faziam do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que este quadro inverteu-se, drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua população vivendo nos grandes centros urbanos. Esse crescimento da população urbana no Brasil foi conseqüência de vários fatores, mas nenhum tão marcante como o êxodo rural. Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo migratório agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a descontinuidade de uma política urbana e habitacional voltada para população de baixa renda, problemática esta agravada a partir da década de 40 quando assumiu proporções cada vez maiores, permanecendo ainda hoje como tema de um debate político
sem
soluções
concretas
legitimadas.
Mesmo
assim,
medidas
governamentais foram objeto de políticas públicas que visavam a proibição do crescimento das favelas. A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo. Eles procuravam áreas pertencentes à União. Neste sentido, a área ocupada hoje pela Maré, oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava, em boa parte, de terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura abaixo pode-se observar a antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré.
30
Figura 01. “Maré – Época de Manguezal”. (Fonte: http://www.ceasm.org.br)
Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi a construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis”, que mais tarde se tornaria a conhecida Avenida Brasil (Fig. 02).
Fig. 02 – “Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940”. Acervo do Arquivo Geral da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br
31
O projeto de construção de uma via (ver fig. 03) tinha a finalidade principal de expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da cidade. A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o surgimento das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos dos primeiros moradores destas áreas – como se percebe na figura abaixo a Av. Brasil e o viaduto de Bonsucesso em construção.
Fig. 03. “Variante Rio-Petrópolis – atual Av. Brasil – com o Instituto Oswaldo Cruz ao centro/acima”. (Foto: acervo da Casa de Oswaldo Cruz). In: http://www.ceasm.org.br
E segue adiante um pequeno recorte das comunidades da Maré... As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a partir das décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do Timbáu, região já ocupada desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma. Posteriormente, a área foi ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram suas chácaras e por pescadores que fundaram uma colônia de pesca. O nome da comunidade passa a ser o da região, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani, "entre as águas", o que denota terem sido os índios os primeiros habitantes do lugar. Esse local “é uma formação típica de favelas em 32
encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de morro; o Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa” (Jacques, p. 25). A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de final de semana se apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido. Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de cômodos, atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar do interior de Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo, "com a chuva caindo em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa pequena elevação próxima ao mar e levantou seu pequeno barraco com os materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu fazer tudo sem que qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante assustado, percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes pertencia. Sobre o processo de formação das comunidades da Maré, Jacques (2002, p. 22) argumenta que: “As comunidades que formam o complexo têm características e processos espaciais bem distintos, que vão do mais planejado ao mais espontâneo, do mais regular ao mais irregular, do mais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. As diferentes entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muito rica, se deram por vários fatores: a história de cada ocupação, as características do sítio, as questões de propriedade, as origens da população, a organização da comunidade, os contextos políticos e sociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser encontradas na Maré... As diferentes comunidades são tão distintas como os diferentes bairros de uma cidade formal e chegam a ter identidades próprias, que constituem, todas juntas, a cultura multifacetada da Maré”.
O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se defronte ao Morro do Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe pertenciam (o que mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um controle sistemático sobre a comunidade com a derrubada de barracos, o controle da entrada de moradores através da colocação de cercas de arame farpado e a cobrança, por parte, de alguns militares de ‘taxas de ocupação’. A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela resistência ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir por todos os meios, inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D. 33
Orosina, que escreve uma carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio Vargas, que a recebe no Palácio e lhe responde dando garantias contra os agentes militares, a comunidade passou a crescer e se organizar tendo, em 1954, fundado a terceira associação de favelas do Rio de Janeiro. Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento crescimento, permanecendo na década de 40 com poucos habitantes surgia, ao final deste período (1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do Sapateiro que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de barracos construídos sobre palafitas. Não há consenso sobre a origem do nome. A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento de Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa época se tem notícias dos primeiros barracos: “Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinha à margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que, à medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de 800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. A Prefeitura mandou destruir tudo”.(Fonte: Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947). “Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800 barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes”.(Fonte: Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).
Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em 1947, da existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da Rua Jerusalém, hoje principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa forma, pode-se dizer que a localidade é uma das mais antigas comunidades da Maré. Em 1957 surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro”, que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras associações de favelas do Rio de Janeiro. Em 1944, após pedido do ministro Gustavo Capanema ao Presidente da República decide-se pelo aterramento do arquipélago das ilhas do Fundão para tornar realidade o sonho de uma universidade neste local, o que provocou diversas alterações no quadro social da região, pois muitos dos que trabalharam na sua construção vieram a se instalar na Maré, devido à proximidade, o que provocou um
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incremento na ocupação e crescimento das comunidades – principalmente no Morro Timbáu e na Baixa do Sapateiro. “É interessante notar que na Maré, ao contrário da maioria das favelas de morro, os terrenos mais valorizados eram os mais altos, por serem os mais secos. Na parte mais baixa ficava a população mais pobre, geralmente em palafitas nas áreas inundáveis. Foi só com o ‘Projeto Rio’ que as palafitas desapareceram completamente... Mesmo que hoje já não existam palafitas nem áreas inundáveis na comunidade, em sua configuração urbana, e principalmente na irregularidade do tecido, podemos ainda notar sinais desse passado próximo de precariedade e instabilidade. A Baixa do Sapateiro junto com parte do Morro do Timbáu e do Parque Maré são as áreas onde as características típicas das favelas cariocas – arquiteturas fragmentária, tecido urbano labiríntico, desenvolvimento territorial orgânico – se apresentam de forma mais evidente dentro do Complexo da Maré” (Jacques 2002 p. 32-33).
Em 1950, surgem as primeiras moradias do Parque Maré (vide fig. 04) como um prolongamento da ocupação ocorrida na Baixa do Sapateiro e essa área tornouse bastante atrativa às populações que chegavam com o fluxo migratório, principalmente da Região Nordeste. A área que ia sendo ocupada pelos moradores do Parque da Maré (1953 já consolidado) era dominada pela lama, por vegetação de mangue e pelo movimento das águas, tendo a partir da década de 60 ocorrido uma grande expansão da ocupação em direção à Baía da Guanabara, sendo o Parque Maré, nesta época, predominantemente dominado pelas palafitas, conforme as figuras abaixo:
Fig. 04 – “Parque Maré – Década de 50”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
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Fig. 05 – “Maré em 1960”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Não havia qualquer infra-estrutura, a luz era coisa rara nas casas, inicialmente puxada, através dos "gatos" e posteriormente por meio de cabines onde havia um medidor da LIGHT e a luz era revendida às casas. Posteriormente, por medida do próprio governo, foram criadas as Comissões de Luz. A água chegava através de pequenas bicas, puxadas clandestinamente dos ramais, onde se formavam grandes filas. Muitos apanhavam água do outro lado da Avenida Brasil, que pela distância exigia meios criativos para o transporte de uma maior quantidade. Daí surgiram os chamados "rola-rola" ou "água-de-rôla": um barril de madeira, envolto em pneus, ou com madeira emborrachada, puxado por uma alça de ferro. Comuns eram os atropelamentos na "variante" (atual avenida Brasil) e face as dificuldades, muitos faziam um verdadeiro comércio com a água. Enquanto isso acontecia as crianças não tinham local apropriado para brincarem, pois eram escasso os locais de entretenimento – somente nas escolas ou quando saíam com os pais –, sendo assim, elas brincavam em ambientes inadequados como, por exemplo, nas pontes sobre a maré negra e correndo sérios riscos à sua integridade física (como retratada na fig. 07).
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Fig. 06 – “Armazenamento caseiro d’água”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
O esgoto, muito precário foi feito pelos próprios moradores, e era despejado por ligações clandestinas nas galerias construídas pelo Governo Carlos Lacerda na Rua Flávia Farnese – no Parque Maré. Também na década de 60 é fundada a Associação de Moradores do Parque Maré que teve importante papel na consolidação da comunidade, principalmente na época de instituição do Projeto-Rio.
Fig. 07 – “Crianças sobre as pontes da maré”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
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A história do “Parque Rubens Vaz” começa no ano de 1951, quando surgem no local os primeiros barracos. A área, nesta época, era conhecida como areal, devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e canalização do Canal da Portuária. Quando uma pessoa chegava à área para fixar residência, já era avisada de que não deveria construir à margem da avenida Brasil, porque esta seria futuramente alargada, como de fato foi. Sendo assim, ninguém construiu sua habitação a menos de 40 metros da variante Rio-Petrópolis. Os barracos eram construídos, inicialmente, com um cômodo só e, de acordo com as possibilidades, os moradores iam aumentando o número de cômodos. As construções eram rudimentares e sem nenhuma tecnologia. Segundo os moradores, era proibida a construção em alvenaria sob pena de demolição por parte da polícia. Em 1965, durante o Governo Carlos Lacerda, a população da área sente necessidade de encontrar um nome oficial para o lugar. Escolhem o nome Rubens Vaz em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana. A Associação de moradores é então registrada com o nome de Associação de Moradores do Parque Major Rubens Vaz.6
Fig. 08. “Construção de palafita na Maré em 06/09/1971”. Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br 6
História dos Bairros da Maré, coordenado por Lilian Fessler Vaz, UFRJ, 1994. Retirado da internet em http:// www.ceasm.gov.br em 05/10/05.
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O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu direito de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz – ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas para a estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi uma das áreas com um certo “planejamento de ocupação”, pois ele demarcou áreas para a permanência dessa população. Segundo Vaz (1994), “As casas eram construídas primeiramente em madeira. Internamente eles iam levantando as paredes em alvenaria, isso tudo feito às escondidas, pois, segundo a população, o governo proibia a construção em alvenaria. A madeira só era retirada, quando a casa já estava praticamente pronta”. Margarino e sua equipe lideraram e administraram a área até 1961.
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2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço (1960/80):
“A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de ocupação completamente diferente, para não dizer oposto, ao das demais formações que vimos até agora. Sua origem não foi um invasão espontânea, nem mesmo uma invasão planejada, como ocorreu no Parque União. A comunidade de Nova Holanda foi inteiramente planejada e construída pelo poder público na década de 60, no governo Carlos Lacerda, sobre um imenso aterro realizado ao lado do Parque Maré. As dimensões do aterro realizado impressionaram tanto que influenciaram até a escolha do nome da comunidade, uma homenagem à Holanda, o país europeu quase inteiramente construído abaixo do nível do mar sobre aterros e diques. Outra semelhança são as roldanas, que podemos encontrar em algumas casas e que indicam que as mudanças eram feitas por cabos externos, exatamente como ocorre em cidades holandesas, principalmente Amsterdã” (Fonte:http://www.ceasm.org.br).
Nova Holanda foi concebida como um Centro de Habitação Provisória (CHP) que funcionaria como um local de triagem, dentro da política de remoções do governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de áreas nobres da cidade, do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o processo de transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor análise dessa situação é preciso voltar ao passado e conhecer melhor o “Programa de Erradicação de Favelas”, que deu origem aos CHPs – como a Nova Holanda. “No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de cuidados com a nova moradia. No período de 1962-63 foi construído o primeiro setor, que era formado por 981 (conforme quadro abaixo) casas de madeira construídas em lotes 5 X 10 mts e o segundo setor foi construído no último ano de governo de Lacerda, onde se construíram 228 vagões de madeira divididos em 39 unidades... O que era transitório, acabou por se tornar definitivo, e até hoje vivem na comunidade, muitas famílias que foram para Nova Holanda aguardar sua remoção
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para um novo conjunto da cidade, o que nunca chegou a acontecer. Com a degradação dos serviços de água e esgoto e a chegada em 1971 dos removidos da Favela Macedo Sobrinho, a situação do CHP se agrava e dessa forma, os moradores de Nova Holanda iam se integrando, pelos problemas comuns, cada vez mais aos demais moradores da Maré” (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
Em 1956, foi criado o SERFHA – Serviços Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas – que sofreu uma reestruturação em 1960, tornando-se o primeiro organismo oficial voltado mais precisamente para “urbanização de favelas”. Na década de 60, inaugura-se uma nova forma de tratamento das favelas com o lançamento do “Programa de Remoção das Favelas”, cujo objetivo era de “eliminar as favelas e transferir suas populações para outros locais, apoiados pela administração de Lacerda (1960-1965), criando assim a COHAB-GB (1962), órgão estadual. “Durante o governo Lacerda (1961-1965) foram adotadas diversas medidas a fim de dar um aspecto moderno à cidade. Tal política baseava-se na realização de obras suntuosas como a construção de viadutos, túneis e parques e jardins na zona sul da cidade. Ao mesmo tempo, a população mais pobre sofria com uma política de erradicação de favelas e remoção de sua população para áreas distantes e desvalorizadas da cidade e nesse contexto surge o projeto do ‘cais de saneamento’, que visava construir uma cais de pedra por toda a extensão da orla da baía do Cajú ao Rio Meriti, seguindo à Avenida Brasil, e portanto, o cais de saneamento visava atingir a dois problemas que vinham preocupando as autoridades na época: a poluição da Baía de Guanabara e a saturação da Avenida Brasil”. (Fonte: Ceasm).
Com o aumento do número de habitantes nas favelas do Rio de Janeiro, as associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível interno, quanto no nível de suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja, através da Pastoral das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e atual FAFERJ). Em dado momento da história (1969) esta repressão [ao tentar liderar os moradores da primeira favela atingida pela ação da CHISAM 7 – Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (1968-1973)], junto a eles a CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré) que conseguiu criar um espaço de participação na elaboração definitiva do “Projeto Rio” [projeto esse que veio a beneficiar os moradores da maré na década
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O programa da CHISAM se iniciou com a remoção das favelas situadas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Valladares (1980, p. 30).
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de 80] foram órgãos fundamentais na luta dos favelados pela posse definitiva de seu barraco. Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior operação
anti-favela
que
a
cidade
jamais
tinha
conhecido.
Os
órgãos
governamentais então envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de Habitação, como financiador – , a própria CHISAM, como coordenadora do programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular, como construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas. Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII – que surgiu em 1946 a partir de entendimento entre a Arquidiocese e a Prefeitura do Rio de Janeiro, que tinha como meta a “recuperação das favelas”. A COHAB-GB e a Secretaria de Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria do Bem-Estar Social. Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua ação no sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava, em 1968, a CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidade – a partir de uma alternativa oposta à remoção: a “Urbanização”. (ver Tabelas VII e VIII).
Tabela VII – Conjuntos Habitacionais da COHAB-GB por Localização, Ano de Ocupação, Nº e Tipos de Unidades Nome do Conj.
Bairro
Ano de Triagem Ocup.
Casa
Apartº
Total por Conj.
Nova Holanda
Bonsucesso
1963
981
xxxx
xxxx
981
Cidade de Deus
Jacarepaguá
1966
1.193
3.865
1.600
6.658
Miguel Gustavo
Senador Camará
1972
2.466
xxxx
xxxx
2.466
Total
xxxx
xxxx
4.640
3.865
1.600
10.105
(Fonte: CEHAB-RJ – Extraído de Valladares (1980, p. 40) – Adaptado.
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“Foram tais problemas básicos que serviram para justificar a elaboração de pelo menos quatro projetos de intervenção na região. Como as favelas ali existentes eram responsabilizadas por grande parte da poluição da baía, e por outro lado, ocupavam parte da área por onde deveria passar a nova via paralela à Avenida Brasil, os projetos previam a remoção de grande parte da população residente no local” (Fonte: http://www.ceasm.org.br).
Tabela VIII – Remoções Realizadas na Guanabara, no Período de 1962-1974. Administração e Períodos das Remoções
Total de Favelas Atingidas
Total de Barracos Removidos
Total de Habitantes Removidos
Calos Lacerda (19621965)
27
8.078
41.958
Negrão de Lima (6667/68-71)
66-67 (s/r) 68-71 (33)
66-67 (s/r) 68-71 (12.782)
6.685/63.910
Chagas Freitas (19711974)
20
5.333
26.665
Total
80
26.193
139.218
Fonte: COHAB-GB – Extraído de Valladares (1980, p. 39) – Adaptado.
Em decorrência da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, grande parceiro na realização do Projeto com o Governo do Distrito Federal, o “Cais de Saneamento” se resumiu apenas a estudos preliminares, tendo sido retomado apenas em 1966, pela Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAM), do então Estado da Guanabara. Em janeiro de 1969, houve no Rio de Janeiro uma reunião com membros relacionados ao assunto favela onde foi simulado um jogo em que se traçava o futuro das favelas para os próximos dez anos. No desenrolar da reunião, três pontos de vista emergiram, sintetizando tanto a opinião erudita como as idéias populares de como, as favelas eram consideradas: “Aglomerações patológicas”, “Comunidades em busca de superação” ou como “Uma calamidade inevitável”. Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo Federal na área: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a 43
transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança, localizados próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, na Maré. Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974) onde a área ocupada pelas favelas foi declarada “non aedificandi”, como forma de conter o avanço das favelas sobre aterros clandestinos. (Ibidem). “Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato (1979-82), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio anunciado um mês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os projetos, o Governador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi anunciado pelo Governo Federal, via o Ministério do Interior (DNOS e BNH), através do então ministro Mário Andreazza”. (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).
E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava nos projetos anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram implementados (Ibidem). O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí e Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava como objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía de Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH), como órgão financiador, e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido de fazer os aterros e macrodrenagem. À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de levantamento cadastral. Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré morava em palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu, Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, e para execução desse programa, o BNH criou o “PROMORAR” – Programa de Erradicação da Sub-habitação – que seria o responsável pelo processo de construção de 9.531 unidades habitacionais para o assentamento dos moradores das palafitas. O projeto previa, ainda, o saneamento do trecho da Baía da
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Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares. Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos nas obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM – Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as promessas de campanha fossem cumpridas.
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2.3 – Reconhecimento de um Bairro Popular e as Intervenções Públicas (1980/2005): Até o início dos anos de 1980, a Maré das palafitas era tida como símbolo da miséria nacional como retrata a música “Alagados” (1984) da Banda Paralamas do Sucesso, que estourou nas rádios naquele momento:
Alagados
Todo dia
(Música: Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone Letra: Herbert Vianna)
O sol da manhã vem e lhes desafia Traz do sonho pro mundo que já não queria Palafitas, trapiches, farrapos Filhos da mesma agonia E a cidade Que tem braços abertos no cartão-postal Com os punhos fechados da vida real Lhes nega oportunidades Mostra a face dura do mal Alagados, Trenchtown, Favela da Maré A esperança não vem do mar Nem das antenas de Tevê A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na década de 1980. A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para os moradores das palafitas que após cadastro no programa Promorar, receberam suas casas. A Vila do João, na época de sua inauguração, foi apelidada pela população de “Malvinas” e de “Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão 46
à Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios e, o segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas, apelidos esses que caíram no desuso (Fonte: http://www.ceasm.org.br). A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do Pinheiro”, na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do projeto, mas acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo Projeto Rio. Na época, a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto de casas de nome Salsa e Merengue (2000). “Em frente ao Conjunto Pinheiros foi construído, já na década de 1990, o Conjunto Bento Ribeiro Dantas, mais conhecido como ‘Fogo Cruzado’, por ter estado por muito tempo próximo da ‘linha de tiro’ entre as facções criminosas rivais... atualmente, percebe-se no conjunto um processo contínuo de favelização e até mesmo de verticalização. Os moradores desse conjunto foram transferidos de outras favelas consideradas de risco, através do ‘Programa Morar Sem Risco’, ou seja, favelas que não poderiam ser urbanizadas pelo programa municipal de urbanização sistemática de favelas criado em 1994 – o “Favela Bairro”. Tratava-se basicamente das ditas “favelas de Rua”, que se situavam na beira de avenidas, embaixo de viadutos ou ainda na margem de rios urbanos; ou ainda de áreas de risco das favelas que estavam sendo “urbanizadas” pelo Favela-Bairro. O novo “modelo” ou padrão construtivo do conjunto foi repetido em outras comunidades carentes da cidade, inclusive na própria Maré, com a construção do Conjunto Nova Maré em um aterro próximo à Baixa, decorrente da construção da Linha Vermelha, como cita Jacques”. (2002, p. 47-48).
A identificação da Maré como um bairro popular ocorre principalmente pela criação em 15/08/1988 da XXXª Região Administrativa (ver figura 09 e 10) – a primeira de favelas da cidade através do Decreto de 24/01/1994 – como um marco no reconhecimento das novas características da Maré, que vai se consolidando como um complexo de bairros populares. A figura 11 mostra a delimitação territorial do Complexo da Maré nos dias de hoje (e assim se observa a evolução urbana ocorrida na Maré, conforme apresentada no Anexo IV). Em 21/04/1992, é inaugurado um antigo projeto – elaborado na época de Carlos Lacerda passando pelos governos de Chagas Freitas e por Leonel Brizola – a 47
Linha Vermelha. Construída sob a alegação de promover o desafogo no trânsito da saturada Avenida Brasil, tornou-se na verdade, uma via de elite que favorece o trânsito de carros particulares, tendo promovido forte impacto, uma espécie de ‘tiro de misericórdia’, no que sobrou da Baía de Guanabara. Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro elege a Maré como uma nova área de assentamentos, face a sua política de remoção de moradores de áreas consideradas de risco em toda a cidade e tendo em vista o grande número de grandes áreas remanescentes do Projeto Rio que não haviam sido utilizadas. A Prefeitura, na gestão do Prefeito César Maia, adquire tais áreas da Caixa Econômica Federal e inicia a construção de novas casas, nos molde do Conjunto Bento Ribeiro Dantas (1992), surgindo o Conjunto Nova Maré (1996). Outra via de transporte importante, criada na região, foi a Linha Amarela em 24/11/1997. Sua construção tornou-se realidade pela utilização do modelo de concessão de serviços públicos, sendo a primeira e, até hoje, a única concessão rodoviária municipal do país. Uma solução pioneira de uma grande parceria envolvendo enormes desafios e que beneficiou, de um certo modo, a população da Maré no intuito de encurtar a distância entre a Maré e a Barra da Tijuca, local de trabalho de boa parte dessa população. Em 1998, a Prefeitura, com base numa idéia inicialmente proposta pela União das Associações de Moradores do Bairro Maré (UNIMAR), inicia no Parque Burle Marx, área verde contígua à Linha Vermelha – as obras da Vila Olímpica da Maré, que viria a ser um dos mais importantes agentes sociais presentes na Maré. Sem dúvida, a Vila Olímpica da Maré (1999) atende a mais de 8.000 alunos em seus mais diversos projetos educacionais e em 23 modalidades esportivas. Ela foi criada em parceria com a iniciativa privada e em convênio com a gestora UEVOM (União Esportiva da Vila Olímpica da Maré).
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Fig. 09 – “Localização da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
Fig. 10 – “Área de atuação da XXXª R.A. da Maré”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
O desenho territorial da Maré encontra-se atualmente rearranjado como observado na ortofoto abaixo: 49
Fig. 11 – “Desenho territorial da Maré nos dias de hoje”. Fonte: http://www.armazemdedados.com.br
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3. Os Territórios da Maré e Suas Particularidades: 3.1 – Os atores sociais e suas atuações na Maré: as territorialidades em movimento: Neste capítulo será descrita a atuação dos atores sociais envolvidos nas possíveis territorialidades encontradas na Maré: a Ong CEASM8, as Associações de Moradores, a Igreja, o Poder Público (a Polícia), a Vila Olímpica da Maré (ligada à Prefeitura da cidade) e o próprio tráfico como ator circunstancial de transformação do espaço segregado, responsável principal das territorialidades em movimento. O texto está fundamentado nas informações obtidas através de uma entrevista concedida pelo Srº Lourenço César – um dos diretores da ong CEASM, com sede nas comunidades do Morro do Timbáu e da Nova Holanda, e morador há mais de 30 anos da Maré. Seu testemunho, somado ao conhecimento adquirido pela convivência cotidiana com o lugar, permite traçar um perfil das relações e conflitos decorrentes do jogo de interesses entre os atores envolvidos.
A respeito da ong CEASM:
É inegável a atuação positiva das ações realizadas por esta instituição nas comunidades da Maré, principalmente, no tocante às práticas sociais que envolvem, de um lado, profissionais capacitados nas mais diversas áreas do planejamento educacional e, do outro, o jovem – presente no âmago da população interessada por novos conhecimentos – que representa o desejo cada vez maior pelo saber e pelo discernimento do aprendizado que no futuro, lhe será de grande valia. Assim, se inicia essa entrevista com o discurso real de um diretor de uma importante organização educacional e, acima de tudo, um morador que percebe, a cada dia que passa, a realidade de um imenso complexo de favelas que se territorializa, desterritorializa para mais adiante voltar a re-territorializar-se, em um verdadeiro círculo vicioso. Suas visões a respeito da ong são as seguintes: 8
O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM – é uma associação civil, sem fins lucrativos, criada em 15 de agosto de 1997 que atua no conjunto de comunidades populares da Maré. O Centro foi fundado e é dirigido por moradores e ex-moradores locais que, em sua grande maioria, conseguiram chegar à universidade. Os projetos desenvolvidos pelo CEASM visam superar as condições de pobreza e exclusão existentes na Maré, apontado como o terceiro bairro de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade (Censo 2000).
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“A proposta do CEASM é de uma atuação na área política, através da educação, da cultura e da comunicação. Essas três linhas serão norteadoras de uma intervenção na área da Maré a médio e longo prazos”. “Foi sempre passado pelos fundadores do CEASM que a idéia era de que a entidade pudesse aos poucos se libertar dessa função – que seria do Estado – e estar ocupando um papel cada vez mais político e mobilizador”. “A prática do cotidiano foi solapando um projeto político de futuro que atualmente está em discussão por aqui: ‘O que a gente está fazendo’? e ‘O que pretendemos fazer’? Essa seria a avaliação do que estamos concretizando no nosso dia a dia.” “As ongs fazem, sim, o trabalho que seria próprio do Estado. Elas poderiam ser classificadas como ‘Potencializadoras de Movimentos Sociais’. Há a dificuldade dos movimentos sociais em mobilizar a mídia, e neste sentido, surge a ong com o propósito de colaborar; exemplo disso foi no Fórum Social Mundial em que a presença de várias ongs contribui para que as classes menos favorecidas participassem neste evento – antes marcados pela presença somente da classe média bancada pelo Estado e pelas Universidades”.
Neste sentido as ongs, têm papel fundamental no processo de estruturação social do lugar, embora deixe de cumprir seus objetivos seja pela necessidade de estar aliada aos interesses do ‘financiador’, que pode não concordar com a forma de atuação, ou pelas demandas do próprio cotidiano de estar atrás de recursos e financiamentos, para a manutenção do espaço da entidade. Continuando, Lourenço destaca que: “Aqui dentro do CEASM eu puxo muito para essas questões como, por exemplo, a criação da U.A.U. (União de Alunos Universitários) que surgiu com a finalidade de mobilizar universitários de favelas; a Rede Maré Jovem – rede de jovens que contribui com o debate de vários temas criando mobilizações nas ruas – e o Fórum Maré que já ocorre há um ano e que conta com a participação de várias instituições, líderes comunitários etc.”.
Na realidade, ocorre, também, a presença de movimentos sociais externos à Maré, que, de forma geral, atingem as comunidades do complexo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, que se coloca sempre à disposição das necessidades do CEASM, no sentido de somarem forças potencializadoras, embora, muitas vezes, a relação dos atores sociais na Maré acabe por inibir os efeitos dessa potencialidade, como afirma Lourenço:
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“A incapacidade nossa de não conseguirmos mobilizar uma determinada comunidade em um evento participativo de uma outra devido à questão da ‘fronteira’ causada pelo tráfico de drogas, faz com que essa mobilização seja fragilizada, ou seja, nem todo mundo está apto ou com garantias de vida para se fazer presente em outra comunidade num ato público, por exemplo. Uma ação que fazemos aqui no CEASM (Morro do Timbáu), que se faz necessária a essas pessoas, é impedida, através do tráfico, de que moradores de outra comunidade possam assistir”.
As políticas de mobilização realizadas pela ong CEASM é assim destacada por Lourenço quando ele afirma que: “As políticas de mobilização na Maré são realizadas nas dezesseis comunidades o que causa um grande desgaste de várias ordens, ocorre que em cada reunião do movimento surgem grupos distintos participando e isto é um fator que tem prejudicado em muito as nossas ações. Outra dificuldade é que o público alvo das comunidades trabalha e estuda e o tempo disponível é limitado, muito reduzido, e que as vezes inviabiliza os questionamentos sobre as ‘Utopias Coletivas’ que exige certa mobilização e uma disponibilidade de tempo muito grande e um arcabouço financeiro-familiar que o impossibilita a uma liberdade para estar realizando suas ações, sendo isso mais um fator negativo”.
Recentemente um artigo vinculado num jornal de grande circulação na cidade promoveu um reboliço nas classes menos favorecidas da Maré, pois colocava em pauta a discussão sobre a remoção de favelas, como cita nosso entrevistado:
“A questão da polícia e a relação com o Estado e a mídia que, ao mesmo tempo que cobra do Estado uma ação mais efetiva, inibe por parte do Estado, uma ação mais cidadã; Um exemplo disso foi uma matéria vinculada no jornal ‘O Globo’ intitulada ‘Ilegal e daí?’ que é uma campanha em relação às favelas, onde o presidente do Sindicato das Empresas de Materiais de Construções criticava uma tentativa do Governo do Estado de se criar uma cesta básica para materiais de construções. A alegação era que se ‘baratear’ o preço desses materiais para a construção de obras iria se consolidar a favela, pois o pobre teria acesso a esses materiais e assim ele melhoraria sua qualidade de moradia e de vida dentro de suas casas. O que se percebe é que uma ação dessas, proveniente dessas organizações venham inibir que o Governo/Estado façam qualquer tipo de ação que é apoiada por essas instituições. Eles são a favor das ‘remoções de favelas’.
A favela começa a conquistar o direito de ser ouvida e representada como voz atuante de seu caminho. E para tanto, torna-se essencial o conhecimento, não só de suas carências, mas também de suas virtudes, de seu passado e de seu presente, de suas generalidades e particularidades, e principalmente, de seus desejos. Por isso o Censo Maré 2000, trabalho realizado pelo CEASM, representou a possibilidade de realização de um estudo específico da realidade das várias marés. 53
Ou seja, as várias histórias e geografias das favelas que foram se formando na área hoje reconhecida como XXXª Região Administrativa. Tem-se agora, um instrumento primordial na luta por uma vida mais digna e justa, pois os dados permitem uma atuação consciente na gestão pública e comunitária, possibilitando uma visão mais focal, centrada em algumas particularidades e uma visão global, que apreende as generalidades da XXXª R.A. Um instrumento que permite a ação conjunta frente aos órgãos públicos e entidades privadas, sem mais especulações e incertezas9. Portanto, um instrumento fundamental de territorialização da Maré na cidade do Rio de Janeiro (Fonte: Censo Maré 2000. In. http://www.ceasm.gov.br).
As Associações de Moradores: O funcionamento e as relações com a comunidade local e o tráfico de drogas por parte das associações de moradores nas comunidades da Maré é assim relatada por Lourenço: “Uma ação que vem prejudicando em muito as mobilizações coletivas nas comunidades da Maré é a ‘despolitização das ações das associações de moradores’. Raras dessas associações têm eleições presidenciais – a maioria dos presidentes dessas instituições são ‘empossados’ pelo tráfico; qualquer ação realizada nessas comunidades e que ‘chamam a atenção da mídia ou do Estado, os traficantes têm que estar sabendo com antecedência pois senão correm risco de vida os próprios organizadores desses eventos”.
Os moradores sofrem muito com esse fardo quando se discute o problema, o que muitas vezes se reflete na própria identidade dos moradores, que dominados pelo medo, têm dificuldades de se relacionarem com o local.
“Dentro deste retrato atual quem (qual o morador) bate no peito e diz com satisfação que mora na Maré? Ou que mora numa favela? Um exemplo contrário a isso é que na época da Grécia antiga os grandes artistas tinham como sobrenome o nome de 9
“As favelas apresentam várias características, mas nenhuma delas parece ser tão específica quanto o seu status jurídico ilegal, na qualidade de ocupação de terras públicas ou privadas pertencentes a terceiros. A pobreza de sua população é, sem dúvida, uma característica distintiva muito comum, mas o nível de pobreza é bastante variável não só entre favelas (...), mas também no interior de favelas grandes e consolidadas, especialmente quando situadas em áreas valorizadas. A carência de infraestrutura, assim como a pobreza, é, igualmente, uma característica muito comum, mas, não menos que a pobreza, variável... ‘mas, e se o Estado dotar uma favela de infra-estrutura e promover a sua regularização fundiária? O espaço continuará a ser uma favela?, citado por Souza (2003, p. 173-174).
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sua cidade; o cidadão daquela época pertencia a uma cidade e tinha com ela uma identidade e um orgulho por pertencer a ela”.
Fazendo um panorama entre as décadas de 60/70/80 e a época atual, Lourenço destaca que: “Nos governos militares da década de 60 – no pós Vargas – teve aquela tentativa de se ‘abraçar a favela e as comunidades carentes’ no intuito do próprio Vargas ter um poder de voto muito grande (aquela idéia do ‘pai dos pobres’) e isso possibilitou uma visão romantizada da favela e neste momento os artistas tinham seu nome ligado às favelas como Cartola, Pixinguinha, etc. Já entre as décadas de 70/80 tínhamos o Martinho da Vila (Izabel), Jorginho (do Império), etc. Todos eles ligados à uma favela, via questão cultural e às identidades culturais”. “Mais tarde (década de 90/00) surgem os ‘funkeiros’ que são totalmente marginalizados pela mídia, e conseqüentemente, pela sociedade, e desta forma são lançados nos braços dos traficantes, que são os únicos a apoiarem esses garotos e esse ‘movimento musical’, fazendo com que eles (os funkeiros) tenham uma identidade muito forte com aquela determinada facção criminosa do que com o estilo musical e que acabam por terem seus nomes vinculados às comunidades como o Duda (do Borel) e outros”. “Atualmente, essa situação está mais marginalizada pois quem recebe o sobrenome da comunidade é o traficante: Marcinho VP, Celsinho da Vila Vintém, etc. Hoje o seu nome ligado a uma comunidade ou a uma favela, já traz consigo um aspecto negativo para sua própria circulação dentro de sua cidade. Por outro lado, há um fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e apropriado de serviços públicos de ordem coletiva e a própria garantia de poder manter uma identidade e um respeito perante a cidade”.
Por outro lado, continua Lourenço, “se há o discurso de que a favela venceu por que conseguiu manter e sobreviver às remoções da década de 60, há um fracasso de não se garantir enquanto um espaço totalmente urbanizado e apropriado de serviços públicos de ordem coletiva a própria garantia de poder manter uma identidade e um respeito perante a cidade”. “Mas a favela venceu no sentido cultural: a cultura que sai da favela, a idéia do samba e da mulata e do próprio futebol, onde os maiores ídolos são provenientes dessas áreas (Zico – Quintino Bocaiúva, Ronaldo – Vila da Penha). E apesar da mídia negar a favela, ela continua a ter uma identidade muito forte com a cidade, até pelo ponto geográfico da própria cidade que possibilita que a classe média e a favela morem lado a lado – como no exemplo da Rocinha. Muito mais que isso é o aspecto cultural e identidário que faz com que a gente não tenha aqui o tão sonhado projeto de ‘europeirização’ de nossa cidade e que foi tentado por Passos e mais recentemente, com César Maia – que tentou transformar a cidade carioca numa
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Barcelona. Essa idéia de vender a cidade negando essa diversidade cultural e da população é um obstáculo que eles estão desejando desde o século XIX e que não irão conseguir êxito pois não há como fazer isso aqui no Rio de Janeiro. É uma luta insana que eles estão tentando praticar”.
Mesmo assim, as associações de moradores mantêm uma relação próxima com os moradores em relação à melhoria da qualidade de vida e de habitação. Elas ainda realizam serviços que, a princípio, seriam dever do Poder Público – como o desentupimento de caixas de esgotos, serviços de educação com cursos profissionalizantes em sua sede própria, a exemplo do que acontece na associação de moradores da Baixa do Sapateiro e outras atividades, o que faz com que consigam atingir um número razoável de participantes. Por outro lado, temos a visão do Srº Waldir – morador há cerca de 50 anos na comunidade da Baixa do Sapateiro e que trabalhou como um dos diretores da Associação de Moradores do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro por 16 anos consecutivos, que de colaborador passou a ser, após seu segundo mandato, o secretário geral e, atualmente, exerce a função de conselheiro dos oito postos de saúde localizados na área da Maré. Sua participação foi e continua sendo de suma importância entre os moradores (principalmente os mais antigos) da Baixa do Sapateiro e ele descreve assim a funcionalidade da citada associação: “A relação entre a associação de moradores e os moradores é relativamente boa. No início (há dezesseis anos atrás) era um pouco conflitante mas atualmente é harmoniosa, apesar de hoje em dia poucos moradores contribuírem com o pagamento das taxas cobradas pela associação. Em relação ao binômio associação de moradores e o tráfico de drogas pode-se dividir em duas frentes: a convivência e a conivência. O líder comunitário não pode simplesmente atender (somente) a parentes de pessoas ligadas ao tráfico, pois, assim, ele não estaria fazendo o seu trabalho social que é pensar no coletivo. O tráfico não interferiu no trabalho de planejamento da associação, o que tem que haver é o respeito de ambas as partes. As ações realizadas por mim no passado são lembradas até hoje na comunidade”.
Contrário a opinião de Lourenço, srº Waldir diz que o trabalho realizado na associação de moradores na época que ele trabalhava como diretor era sério e atendia às necessidades da população e, à respeito das eleições comunitárias, ele menciona que:
“As eleições comunitárias se realizavam de quatro em quatro anos e a última realizada há menos de três meses foi bastante democrática. O candidato que eu
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apoiei perdeu por uma diferença de 107 votos... Quem tinha direito à votação? moradores com no mínimo três anos de residência na comunidade. Corrupção? Se tinha eu desconheço...”.
A Funcionalidade do Tráfico na Maré: “A droga, através do tráfico internacional, tornou-se a segunda maior indústria econômica do mundo, capaz de destruir a imagem de países e redesenhar mapas políticos. Poder sem rostos, a droga está na origem de inúmeras guerras internacionais que se desdobram em guerrilhas urbanas e vem cada vez mais incorporando-se ao cotidiano das cidades dos cinco continentes... sendo uma questão que transcende fronteiras e se globaliza. Hoje, prevalece a hegemonia do cinismo, resultante da promiscuidade existente entre o legal e o ilegal”. (Fábio Magalhães – Diretor-presidente do Memorial da América Latina – 1996 – Seminário: “Drogas – Debate Multidisciplinar – prólogo p. 13).
As questões sobre o tráfico de drogas tornam-se importantes principalmente quando configuram territórios dominados pelas forças paralelas que controlam o tráfico e por estarem profundamente relacionadas à questão urbana, em particular, nas favelas. E como afirma Silva Júnior (2005) a respeito do cenário do tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro: “O Rio de Janeiro tem como preponderância o fato de que a violência se articula com o tráfico, a exclusão social configura territórios demarcados por lideranças locais, diminuindo a imagem tão conhecida do crime organizado. Nesse cenário em que o tecido sócio-político espacial apresenta-se tão fragmentado, formam-se territórios descontínuos: "A pulverização territorial (e a instabilidade das redes em termos espaciais) determina uma territorialidade distinta daquela que é característica de um cartel ou quase-cartel, como é o caso do jogo do bicho, onde, em conformidade com um "pacto territorial", cada bicheiro possui sua área de influência, a qual é um território contíguo, portanto um território em sentido convencional. Já a cada uma das "organizações" do tráfico de drogas que lidam com o varejo e manifesta sob a forma do que o autor do presente artigo denominou, em trabalho anterior, de territorialidade descontínua (ou em rede).”
O tráfico se aloja principalmente nas favelas devido às oportunidades de trabalho que são oferecidas em suas mais variadas funções e cargos. É nas favelas onde se encontra com facilidade menores sem nenhuma estrutura familiar definida, sem perspectiva de futuro e, por isto aptos a se engajarem neste infortúnio que é a vida no tráfico. A falta de opções e a ociosidade são causas do crescimento do
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número de crianças no mundo do tráfico. A visão de Evangelista (2003, p. 45) é objetiva neste sentido: “A favela corresponde a um ambiente que torna fácil a busca por quadros que se disponham a entrar no tráfico. Esta pobreza combinada com a insuficiente presença de organizações civis (estatais ou não), fazem com que os traficantes sejam, de fato, os verdadeiros mandarins da localidade, tendo, inclusive, o reconhecimento, por parte de não poucas comunidades, em decidir temas que não estão propriamente afeitos ao tráfico, por exemplo, custear despesas, apressar favores, decidir pendências entre vizinhos etc.”
Sobre o funcionamento do tráfico de drogas na Maré constata-se que cada facção criminosa têm seu espaço de dominação: o Comando Vermelho (C.V.) atua na área da Nova Holanda, Amigos dos Amigos (A.D.A), dominam a Vila do João e Pinheiros e o Terceiro Comando Puro (T.C.P.), exerce seu poder no Morro do Timbáu e Baixa do Sapateiro. Cada facção tem uma forma distinta de agir e a própria comunidade também tem sua forma específica de se relacionar com o tráfico local. Como cita nosso entrevistado, o Srº Lourenço César: “No Timbáu essa relação se dá da seguinte forma: o morador ‘cobra’ do traficante um respeito pela moradia e cada vez que essa cobrança diminui, o morador cobra mais. Mas ainda há esse ‘respeito’, pois o Morro do Timbáu sofreu poucas intervenções de diferentes facções ou de pessoas estranhas. Mesmo quando mudasse a facção, o ‘dono’ continuava o mesmo. Isso possibilitou que se criasse uma identidade muito forte entre o morador e o próprio traficante sendo o ‘dono da favela’, também um morador dessa comunidade e não aquele ‘empresário do tráfico’ que traz consigo sua mão-de-obra de outra favela, a sua própria gang (de outra facção). Somente no momento de guerra entre traficantes rivais é que o ‘dono’ pede reforço a favelas que tenham a mesma facção igualitária [fato comum nestes tipos de conflitos]”.
Isso possibilitou que o Morro do Timbáu e a Baixa do Sapateiro – que sempre foram da mesma facção criminosa – ainda tivessem uma relação mais ‘benevolente’ entre morador e traficante como sintetiza Lourenço: “...Isso não quer dizer que essas comunidades vivam às mil maravilhas, elas também sofrem muito com esse poder exercido pelo tráfico mesmo sendo, pode-se dizer, as únicas que foram afligidas em menor escala com a guerra do tráfico”. Fazendo uma análise geral sobre a atuação das facções criminosas em três comunidades da Maré, Lourenço estigmatiza sua vivência como morador da seguinte forma:
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“A questão do tráfico nestas comunidades ligadas ao ‘Terceiro Comando Puro’ é muito recente ainda (à respeito da relação na Baixa do Sapateiro e no Morro do Timbáu). Já na Vila do João (ligada atualmente pela facção A.D.A.) seu histórico já ultrapassa os quinze anos em que a guerra com a própria Vila Pinheiro (antes ligada ao ‘T.C.P.’ e atualmente ‘A.D.A.) renderam vários e intensos tiroteios, o que fez com que parte da população se retirasse e mais tarde voltassem a residir nestas comunidades - exemplo claro de des-re-territorialização”.
“A Nova Holanda tem sua história negativa relacionada com o tráfico há muitos anos (desde a década de 70) e essa relação é bastante diferenciada, pois essa comunidade sempre teve uma única facção – o C.V. – e assim se tem por parte dos moradores uma maior identificação com essa coisa ligada ao tráfico e desta forma, não há uma facilidade de uma facção rival tentar se instalar – ‘tomar a favela’ como dizem – nessa comunidade, contrária às Vilas do João e Pinheiro, que já foram tomadas e retomadas por grupos rivais e até hoje há o medo de serem invadidas e retomadas novamente...”.
A seguir, Lourenço faz uma abordagem entre o aspecto sócio-econômico de cada comunidade em consideração a sua relação com a possibilidade de cobrança (respeito), por parte do tráfico, em relação aos moradores: “A relação entre moradores e o tráfico é diferenciada em cada comunidade devido a substancial desigualdade em relação ao aspecto econômico de cada comunidade. No Morro do Timbáu, onde o poder aquisitivo dos moradores é superior ao das outras comunidades – Nova Holanda e Vilas do João e Pinheiros – a presença de traficantes armados causa um estranhamento por parte dos próprios moradores que se incomodam com a situação e a maior parte deles que tinha condições, mudou para outras localidades e os que não tinham permaneceram e ainda não se acostumaram com essa questão do tráfico”.
Neste momento, nosso entrevistado faz uma reflexão sobre os constantes tiroteios que outrora se faziam presentes com mais intensidade – e que atualmente deu uma ‘acalmada’ – nestas comunidades e que aterrorizavam e afugentavam os moradores dessas favelas para áreas mais ‘calmas’ da cidade:
“Um exemplo gritante disso é quando há o tiroteio no Morro do Timbáu – que é diferenciado em relação a Nova Holanda e nas Vilas do João e Pinheiros – a reação dos moradores é de fechar rapidamente todas as portas e janelas e se recolher. Fecha-se também as dependências do CEASM (onde há uma boa concentração de jovens realizando diversas atividades ligadas à cultura). E já na Nova Holanda os moradores adotam uma outra estratégia: eles esperam piorar a situação, pois enquanto não piora, eles acham que não há a necessidade de se recolherem e de fecharem suas portas e janelas (?!?!). Na Vila do João eu mesmo tinha medo de ir à praça comprar um sanduíche devido aos intensos tiroteios; tinha mais medo do que
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os próprios traficantes. E isso causou nos moradores uma nova adaptação no seu estilo de vida: o lazer ‘dentro de casa’, como o videocassete, computador, aparelho de dvd, e a net, que acaba forçando o morador a ficar em casa e, conseqüentemente, evitar o pior, caso ele esteja na rua. Falta segurança !!”.
A violência urbana atinge a todos sem nenhuma distinção entre ricos e pobres, causando o medo e aflição aos moradores das grandes cidades brasileiras e, neste sentido, a mídia especializada destaca sempre que a classe média é bastante afetada e que o pobre está acostumado com essa situação. Sobre isso Lourenço enfatiza, de forma clara e sucinta, que:
“Há um mito de que o ‘favelado’ não sofre com a questão do tráfico de drogas. Quanto de nós planejamos sair à noite e evitamos voltar na madrugada para não encararmos o tiroteio de frente, preferindo assim, voltar pela manhã. Isso viabiliza uma territorialidade mais intensa e solidária, pois o medo da morte está sempre presente em nossas mentes. Então o tráfico tem esses aspectos, tanto vale da facção que está envolvida quanto também da experiência que aquela comunidade tem em relação ao tráfico”.
A participação do tráfico numa determinada comunidade carente causa grande transtorno aos moradores, que, por falta de condições financeiras, acabam por se adaptarem a esse modo (infeliz) de vida, pois não conseguem se alojar em áreas menos conflitantes. As mais prejudicadas são as crianças que por falta de opções (como a ausência de uma “CEASM” em uma comunidade, por exemplo) se tornam presas fáceis devido, principalmente, à ociosidade, pois o convívio direto nas ruas com a presença de traficantes armados causa, nessas crianças, o desejo de um dia empunharem uma arma como forma de (poder) passagem da fase infantil para a fase adulta – pulando etapas – e que é possibilitado pelo tráfico. Desta forma, a síntese de Evangelista (2003, p. 51) é bastante precisa:
“Enfim, é uma atividade, a do tráfico, que cresce se autodestruindo, continuamente, sem deixar marcas. As alianças são fortuitas, esporádicas, circunstanciadas a uma dada situação (que tão logo estas desaparecem os ‘laços de amizades’ são desfeitos). A morte percorre suas vidas e dias, ela está incluída no negócio. Não há cultura, não há associações, impera um voraz sistema competitivo que facilmente aumenta as estatísticas de violência das delegacias”.
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O que se pode concluir é que está em andamento, de acordo com Souza (2003 p. 500): “... um processo em que, de uma parte, espaços segregados, notadamente favelas, passam a ser objetos de territorialização por parte de quadrilhas e ‘organizações’ de traficantes de droga e, de outra parte, cada vez mais como reação escapista à crescente sensação de insegurança em seus bairros tradicionais, elites e parte da classe média se auto-segregam, buscando refúgio nas cidadelas fortificadas que são os condomínios exclusivos, a isso se refere a fragmentação do tecido sóciopolíticoespacial da cidade”.
O tráfico responde por algumas das territorialidades que ocorrem numa favela e que, de certo modo, conforme esse mesmo autor (1995, p. 91 e 92): “contrasta vivamente com a estrutura territorial característica de organizações mafiosas ou mesmo do jogo do bicho. Entre dois territórios amigos – como exemplo a Baixa do Sapateiro e o Morro do Timbáu –, quer dizer, duas favelas territorializadas pela mesma organização, existe, porém, não apenas ‘asfalto’; pode haver igualmente territórios inimigos, pertencentes a outro comando. A territorialidade de cada facção ou organização do tráfico de drogas é, assim, uma rede complexa, unindo nós irmanados pelo pertencimento a um mesmo comando, sendo que, no espaço concreto, esses nós de uma rede se intercalam com nós de outras redes, todas elas superpostas ao mesmo espaço e disputando a mesma área de influência econômica (mercado consumidor), formando uma malha significativamente complexa”.
As favelas como espaços residenciais segregados vão, como no caso da Maré, sendo controladas – ou territorializadas – por quadrilhas de traficantes de drogas, que intimidam a população. A ‘lei do silêncio’ é imposta. Regras de uso do espaço são impostas. O toque de recolher, a proibição de crimes comuns como roubos e estupros são impostas. Aqueles que transgridem essas regras, são severamente punidos. Existe uma hierarquia e uma divisão do trabalho nas quadrilhas que operam nesses espaços socialmente segregados – como no caso exposto – que envolve diversos outros atores sociais, como cita Souza (2000, p. 57):
“O chefete local é o ‘dono’, o qual controla diversos pontos de venda de tóxicos (‘bocas-de-fumo’). Uma vez que os ‘donos’ cada vez menos moram em favelas e sim no ‘asfalto’ (ainda que tenham origem favelada), quem responde pelo negócio em um dado local é o ‘gerente’, o qual realiza a contabilidade, supervisiona o pessoal da
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segurança e realiza diversos contatos em nome do ‘dono’10. Além do ‘dono’ e de seus ‘gerentes’ há os ‘soldados’, que são aqueles indivíduos que, fortemente armados, garantem a segurança do negócio, impondo a ‘ordem’ na favela e defendendo os pontos de venda de um ‘dono’ contra as tentativas de captura realizadas por outras quadrilhas (rivais). Há, também, os ‘olheiros’, que são aqueles que avisam sobre a aproximação da polícia ou de ‘alemães’ (estranhos, inimigos), e os ‘aviões’ e ‘aviõezinhos’, que entregam droga aos Clientes, os quais muitos vezes aguardam na entrada da favela dentro de seus carros. Há, finalmente, as pessoas que trabalham na embalagem da droga a ser comercializada. Cada ator tem uma participação diferente nos ganhos do negócio...”
A escalada do jovem na vida do tráfico é intensa e aos poucos ele vai subindo, de degrau em degrau a um patamar que, na maioria da vezes, seu final é quase o mesmo: a morte. Sobre essa trajetória Zaluar (Apud Evangelista 2003, p. 26) tem a seguinte opinião: “No Rio de Janeiro, onde o tráfico internacional de drogas se intensificou a partir do final da década de 70, a posse de armas de fogo poderosas deu para os jovens quadrilheiros um poder militar que não só os levou a matar-se mutuamente, como abalou as bases de qualquer autoridade. No esquema de extorsão e dívidas contraídas com traficantes, os jovens começam como usuários de drogas, são levados a roubar, a assaltar e, algumas vezes, até a matar para pagar aqueles que os ameaçam de morte e os instigam a se comportar como eles. Muitos tornam-se membros de quadrilhas para saldarem dívidas ou para se protegerem dos inimigos criados, num círculo diabólico”.
E a relação entre os traficantes e o poder público – na forma do envolvimento policial – se dá, conforme Souza (Ibidem, p. 58) da seguinte forma: “Note-se, ainda, que no caso dos policiais que extorquem dinheiro de traficantes que operam no varejo, a expressão ‘dificultadores’, embora um pouco irônica, é mais apropriada que ‘facilitadores’... Quanto aos policiais que, eventualmente, financiam e organizam o negócio, esses são, a rigor, sócios dos traficantes. Podem, entretanto, ser simplesmente seus empregados, como no caso de policiais que fazem a segurança de criminosos”.
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De acordo com Souza (2000, p. 57): “Existem, na verdade, dois tipos de gerente: o ‘gerente geral’ e, nas quadrilhas mais estruturadas, ‘gerentes’ que cuidam de tarefas específicas ou de apenas uma ‘boca-de-fumo’.
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O Foco Agora é a Polícia: A presença do aparato policial nas comunidades carentes em geral é quase que despercebida, a não ser no momento em que eles têm que intervir numa ação, causando os freqüentes tiroteios com os traficantes locais. Atualmente, a imagem da polícia encontra-se de forma estática (de mãos atadas perante a realidade), o que possibilita a dificuldade de uma modificação nas relações que se estabelecem com os grupos sociais, sendo desta forma, um dos grandes problemas que são enfrentados na relação entre a comunidade e a polícia. Neste sentido Dorneles (2003, p. 71) explicita a forma comportamental da atuação policial: “Há um comportamento ambíguo, tanto da corporação policial e das autoridades públicas quanto do conjunto da sociedade. Por um lado, parte considerável da sociedade exige uma polícia que respeite os direitos e que seja cumpridora das leis, ao mesmo tempo em que não deixe de garantir a segurança de todos. Por outro lado, essa mesma sociedade tem a expectativa geral de que a polícia se comporte de acordo com o estereótipo negativo que marca a instituição, isto é, a conduta brutal, violenta, arbitrária, corrupta e ilegal. Assim, a imagem que a população tem da polícia se reforça, formando uma cadeia difícil de se desfazer”. “Também a polícia quer se apresentar com uma imagem positiva para o conjunto da sociedade, buscando a aceitação para a sua atuação. Quer ser respeitada e identificada como protetora dos direitos, da lei e da justiça, garantindo a segurança de todos. No entanto, ao mesmo tempo, reforça a sua imagem social negativa quando não apenas deixa de garantir a segurança geral, como também passa a ser identificada como violenta, corrupta e transgressora das leis”.
Com base nessa introdução, voltemos ao nosso entrevistado que, neste instante, abordará, em seus comentários, a presença (?) e/ou atuação/intervenção do aparato policial nas comunidades da Maré em estudo: “É complicado falar da polícia, pois não há um ação sistemática nas comunidades na qual, pode-se dizer, que essa ou aquela ação foi boa ou não. Não há o policiamento ostensivo e o que se vê é o conflito com os traficantes e que de certo forma, envolve a população. O que há é a ação truculenta e sem planejamento por parte dessa instituição”. “É incrível a facilidade com que o traficante anda armado nas ruas e, principalmente, na rua atrás do batalhão da polícia (criado recentemente na Nova Holanda). Ela faz ‘vista grossa’, pois há uma câmera localizada em um dos postes da Light que cobre toda a rua e os traficantes fazem questão em mostrar suas armas e seus rostos; Eles
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‘endolam’ – prática de se colocar a cocaína já pronta para o consumo em sacos plásticos para a venda no varejo – a droga fazendo questão de serem observados, e a polícia não vê ou se vê, não toma nenhuma providência. É um absurdo total”.
Lourenço afirma que essa realidade retratada acima, do ‘trabalhar a droga’ no meio da rua, essa promiscuidade, é “uma total falta de respeito e consideração para com os moradores – principalmente idosos e crianças – e esse histórico negativo já é antigo nesta comunidade”. Dando continuidade a sua fala, nosso entrevistado argumentando a respeito do ocorrido, conclui que: “Isso leva a crer que a criação desse batalhão parte do princípio de que há um aspecto de ‘negociação’ (entre o comando militar e os traficantes locais) que eu não sei até onde ela é velada. Há a história na comunidade de que o comando do batalhão prefere ‘colaborar’ com essa do que aquela facção”.
Atualmente a polícia adotou um carro especial, revestido de material à prova de balas e alguns policiais em seu interior fortemente armados e prontos para ‘disseminar’ (ou exterminar) a bandidagem, conhecido com o singelo pseudômio de “Caveirão” e outro de “Pacificador” e que se relaciona com a comunidade de forma muito agressiva e desrespeitosa, como aponta Lourenço: “Eles usam um microfone interno dizendo em voz alta: ‘troca-se bandidos por pintinhos’ ou ainda diziam para os traficantes, ‘vou c... sua mulher’. Essa é a nossa polícia”. Por outro lado, há também o lado positivo dessa mesma polícia a qual eles abrem suas portas (do batalhão) à comunidade para reuniões sistemáticas com os líderes comunitários na tentativa de se manter um canal aberto à população, mas o próprio líder comunitário tem a sua própria limitação ao falar, como indaga nosso entrevistado: “Como é que ele (o líder comunitário de determinada comunidade) vai a reunião no batalhão e pedir para acabarem com esse ou aquele traficante da favela que ele reside? O máximo que ele pede é que a polícia tenha uma ação mais respeitosa. Mesmo assim é difícil. Os únicos locais na Maré onde há um policiamento mais ostensivo são as Linhas Amarela e Vermelhas devido ao grande fluxo de carros/pessoas”.
Mas a entidade polícia também tem seu lado positivo no combate ao tráfico de drogas na região em estudo. Diversas são as apreensões realizadas no Complexo da Maré na tentativa de diminuir o índice de criminalidade local, como pode ser 64
observado em matéria vinculada na mídia intitulada “Preso chefe de tráfico em 11 favelas da Maré.”
“Um dos bandidos mais procurados do Rio, Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, de 34 anos, foi preso ontem de manhã num esconderijo subterrâneo na Favela Salsa e Merengue, no Complexo da Maré. Chefe do tráfico em 11 favelas da região, Sassá foi responsável pela maioria dos tiroteios que nos últimos tempos levaram à interdição da Avenida Brasil e das linhas Vermelha e Amarela. O delegado Ricardo Hallack, titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), que comandou a operação, disse que o bandido ofereceu R$ 1 milhão para ser solto. Sassá, que tem 11 mandatos de prisão contra ele, era o principal aliado de Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi, da Rocinha, morto sábado passado pela polícia”. (Fonte: Jornal ‘O Globo’ de 05/11/2005).
Para concluir esta parte que retrata a polícia como um ator social de transformação do espaço na Maré, cito a fala de Lima (2000, p. 175), onde ele analisa assim a participação da polícia: “Na verdade...a polícia opera como se fosse uma agência autônoma, a serviço de um Estado imaginário, encarregado de manter uma ordem injusta, um uma sociedade de desiguais”. Mais adiante esse mesmo autor (Ibidem, p.231) afirma que: “Se, por um lado, as formas de organização da vida comunitária das classes populares alimentam a rede do tráfico, no entanto, são estes mesmos valores de reciprocidade e de solidariedade que permitem a emergência de organizações comunitárias hoje capazes de oferecer não apenas uma alternativa ao mundo do tráfico em termos de ascensão social, mas também uma alternativa de construção de políticas públicas de saúde e de educação infinitamente mais eficazes do que as propostas que o Estado poderia elaborar”.
O Papel da Igreja:
A relação das instituições com o tráfico são todas elas desrespeitosas, com exceção da Igreja e nosso entrevistado assim analisa: “A igreja consegue realizar nas comunidades da Maré algo que as ong’s e o Estado não conseguem fazer: tirar as crianças do tráfico. Todo grupo de marginalizados têm uma forte e interessante relação com a Igreja”. Fazendo uma retomada histórica Lourenço cita que: “Na década de 60 os traficantes tinham uma ligação com o candomblé (e com a macumba), nos anos 90/00 a idéia e a relação é com a Igreja subentendido com o slogan: ‘Fé em Deus!’ Mas há um respeito muito grande entre o traficante e a Igreja:
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muitas pessoas conseguiram largar o tráfico e permanecerem na Igreja e eu não conheço nenhuma ong que tenha conseguido esta proeza”. “A igreja tem cumprido um papel muito forte em relação a isso, trazer o ex-traficante para o seio da sociedade. A igreja serve como um refúgio para essas pessoas”.
Além disso, as Igrejas vêm praticando ações de solidariedade em prol da comunidade, já há algum tempo e isso fica nítido na fala de nosso entrevistado: “Uma determinada igreja, não lembro bem o nome dela, estava desenvolvendo uma ação social na comunidade de Nova Holanda como: corte de cabelo, tratamento dentário, exame de pressão e hipertensão... A igreja entrou por um lado onde somente as orações não estavam dando resultados e assim muda-se o formato daquela igreja antiga”.
A Vila Olímpica da Maré:
Outro agente social de grande relevância na área na Maré é a “Vila Olímpica da Maré” que teve suas atividades iniciadas em Fevereiro/2000 e ocupa uma área de 80.000 m² . Criada pela prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e em parceria com a iniciativa privada, num convênio com a gestora UEVOM (União Esportiva da Vila Olímpica da Maré), atende a mais de oito mil pessoas de seis a oitenta anos de idade. São oferecidas gratuitamente, de segunda a domingo, 23 atividades esportivas e educacionais. Têm aulas esportivas de tênis, atletismo, capoeira, vôlei, basquete, futebol, natação, ginástica aeróbica e olímpica, entre outras. A Vila Olímpica da Maré funciona, assim como a ong CEASM, como um espaço de atividades sociais numa tentativa de cidadania em prol dos moradores dessas comunidades, visando principalmente a inserção dos jovens na expectativa de que esse mesmo jovem não venha a adentrar na vida do tráfico. Entendemos que as intervenções, em conjunto ou não, desses principais atores sociais na área da Maré, possibilitam territorialidades diversas no campo das observações realizadas. Essas territorialidades vão ao longo do tempo assumindo alterações que possibilitam que essas áreas em questão sofram desterritorializações e, dependendo da atuação desses atores e a atitude dos moradores face aos resultados encontrados, essas mesmas áreas passam a sofrer uma re66
desterritorialização. É um verdadeiro ciclo que se inicia e se repete a cada atitude praticada pelos atores estudados e que surtem efeitos negativos à população. As territorialidades se formam porque a presença do poder do tráfico supera a ação dos demais atores que, representando instituições organizadas para oferecer à população oportunidades e perspectivas de uma vida com maior dignidade e respeitabilidade, não conseguem atingir seus objetivos. A própria divergência entre facções divide o espaço por elas dominadas. As variáveis tempo e espaço são afetadas por forte mobilidade, dependendo da força do grupo dominante que tem sob seu poder conjuntos de comunidades, gerando conflitos sociais entre os próprios moradores. Novas territorialidades se fazem freqüentes quando o comando das facções está fora do próprio Complexo da Maré, porque o “chefe” mora, ou porque o mando passa para grupos externos que dominam outras favelas da cidade do Rio de Janeiro. Esta mobilidade afeta e redireciona o trabalho exercido pelos diversos atores que atuam no local.
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4 – Conclusão:
Como tentativa de conclusão deste trabalho podemos argumentar o fato de que os atores sociais em plena atividade no espaço territorial do Complexo da Maré, nos leva a perceber que as atividades exercidas, em conjunto, pelos mesmos, geram novas territorialidades e que redefinem, ainda, novas formas de re-desterritorialidades nos espaços nos espaços locais. Esse “ciclo contínuo e ambíguo” se mostra bastante visível quando se percebe a atuação dos principais atores sociais envolvidos na área de estudo. O Estado como agente da produção do espaço tem papel fundamental na “fragmentação do tecido sócio-político espacial”, como mencionado anteriormente (Souza 2003, p. 500). Neste sentido, a mais prejudicada é a população que, em geral, se desloca continuamente, para territórios provisórios onde, em determinado momento, aparenta ser mais “confortável”, em termos de segurança e moradia. Não obstante as solidariedades expressas pela população, as territorialidades se formam através das relações de poder do tráfico. As práticas destas facções exercidas por códigos e ameaças caracterizam as relações entre os diferentes atores. A constituição social do lugar representada pela formação das 16 comunidades que constituem o Complexo da Maré é, sem dúvida, afetada diretamente pelas práticas das facções do tráfico. A Maré em seu processo contraditório de construção e desconstrução revela suas territorialidades, em constante movimento de desterritorialização. Espero que com esse trabalho final de curso, tenha superado o desafio de tentar detalhar essas múltiplas territorialidades que sempre estão em movimento no espaço territorial do Complexo da Maré.
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5 – Referências Bibliográficas: 01 – Andrade, Manuel Correia de. Territorialidades, desterritorialidades, novas territorialidades: os limites do poder nacional e do poder local. In: Santos, Milton et alli (Orgs). Território: Globalização e fragmentação. São Paulo. Editora Hucitec. 1994. 02 – Corrêa, Roberto Lobato. “O Espaço Urbano”. Editora Ática. 1989. R.J. 03 ______________________“Territorialidade e corporação: um exemplo”. In: Território – Globalização e Fragmentação. Santos, Milton et alli (Orgs). Editora Hucitec. São Paulo. 1994. 04 – Dorneles, João Ricardo W. “Conflitos e Segurança (Entre Pombos e Falcões)”. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2003. 05 – Evangelista, Helio de Araújo. “Rio de Janeiro: Violência, Jogo do Bicho e Narcotráfico segundo uma interpretação”. Editora Revan. Rio de Janeiro. 2003. 06 – Ferreira, Álvaro. “A Tendência ao Esvaziamento da Área Central da Cidade do Rio de Janeiro e sua Associação com a Implementação do Teletrabalho Pelas Empresas”.In: VII Coloquio Internacional de Geocrítica. “Los Agentes Urbanos Y Las Políticas Sobre La Ciudad”. Santiago de Chile, 24-27 de mayo 2005. Retirado da Internet: www.ub.es/geocrit/7-colalvaro.htm em 24/08/2005. 07 – Geiger. Pedro P. “Des-territorialização e espacialização. In: Território – Globalização e Fragmentação. Santos, Milton et alli (Orgs). Editora Hucitec. São Paulo. 1994. 08 – Geografia: Conceitos e temas. (Orgs). Castro, Iná Elias de. Gomes, Paulo César da Costa e Corrêa, Roberto Lobato. Bertrand Brasil, 1995. Rio de Janeiro. 09 – Gottdiener, Mark. “A Produção Social do Espaço Urbano”. Edusp. São Paulo. 1993. 10 – Haesbaert, Rogério. “Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão”. In: Geografia: Conceitos e Temas. Castro, Iná Elias de et alli (Orgs). Bertrand Editora. 1995. Rio de Janeiro. 11 – Haesbaert, Rogério. “Da desterritorialização a multiterritorialidade. In: Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro. 2001 p. 1769-1777. 12 – Haesbaert, Rogério. O Mito da Desterritorialização – Do “Fim dos Territórios à Multiterritorialidade”.Bertrand Brasil. 2004. 400p. 69
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25 ____________________________ “ABC do Desenvolvimento Urbano”. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil. 2003a. 26 – Sposito, Eliseu Savério. “Geografia e Filosofia – Contribuição para o Ensino do Pensamento Geográfico”. Editora Unesp. 2004. São Paulo. 27 – Valladares, Licia do Prado. Passa-se uma casa – Análise do Programa de Remoção de Favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores. R.J. 2ª ed. 1980. 142p. 28 – Varella, Drauzio; Bertazzo, Ivaldo; Jacques, Paola Berenstein e Seiblitz, Pedro. “Maré: Vida na Favela”. Rio de Janeiro. Ed. Casa da Palavra. 2002. 29 – Velho, Gilberto e Alvito, Marcos (Orgs). “Cidadania e Violência”. Editoras UFRJ e FGV. Rio de Janeiro. 2000.
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5 – ANEXOS:
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Anexo I – “Densidade Demográfica na Área da Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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Anexo II – “Densidade Habitacional na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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Anexo III – “Uso do Espaço na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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Anexo IV – “Evolução Urbana na Maré”. Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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