Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Tecnologia e Ciências – Instituto de Geografia Coordenação de Pós-Graduação Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro
Rogério Pereira dos Santos
Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados na Cidade do Rio de Janeiro: O Complexo da Maré
Profº Drº Miguel Angelo Ribeiro
Rio de Janeiro 2009
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Rogério Pereira dos Santos
Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados na Cidade do Rio de Janeiro: O Complexo da Maré
Monografia apresentada ao corpo docente do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro.
BANCA EXAMINADORA
-----------------------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. Miguel Angelo Ribeiro (Orientador/Presidente da Banca) Instituto de Geografia - UERJ -----------------------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus Instituto de Geografia - UERJ
-----------------------------------------------------------------------------------------------Prof. Dr. João Baptista Ferreira de Mello Instituto de Geografia - UERJ
Rio de Janeiro 2009
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Agradecimentos Ao maior de todos os fenômenos religiosos deste universo, por ter me aberto as portas do meio científico através das pesquisas que venho desenvolvendo, pois sem essa oportunidade eu não poderia ter tornado o sonho de prosseguir meus estudos, uma realidade. Ao professor Miguel Angelo Ribeiro, por ter aceitado esse desafio que foi orientar-me nesta pesquisa, e pelas sugestões e auxílio dadas durante nossos encontros e nas disciplinas ministradas em sala de aula por ele nesses dezoito meses. Aos professores do Departamento de Pós Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pela oportunidade de fazer parte da turma de 2008 do Curso de Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro, em especial a Gilmar Mascarenhas de Jesus e João Baptista Ferreira de Mello, que muito contribuíram para o meu aperfeiçoamento educacional. Aos alunos da turma de Especialização em Políticas Territoriais que conheci durante esses dezoito meses de convívio, em especial a Victor Baroni e Vanessa Telles - e seus churrascos! À secretária do Departamento de Pós Graduação de Geografia srª Alice que vem ao longo dos anos prestando um ótimo serviço aos (desesperados) alunos sempre com dedicação e bom humor. Valeu Alice. Gostaria de aproveitar o momento para agradecer, em especial, à todos aqueles pesquisadores acadêmicos que, como eu, moram em comunidades carentes e que fazem de sua ‘luta de vida’ um estímulo a mais no momento da produção de seus trabalhos acadêmicos onde enaltecem o seu ‘local de origem”: a Favela. A favela têm vozes! Ao meu “compadre” e amigo Eliano pelas imprescindíveis ajudas durante esta pesquisa. Dedico este trabalho em nome dos meus entes queridos já falecidos: meu irmão José Rinaldo Pereira dos Santos e ao meu pai Edésio Pereira dos Santos (Quantas saudades!!). E em especial a minha filha Ellen Ferreira Pereira dos Santos que tem sido o meu ponto de equilíbrio nesta vida: papai lhe ama bebê!
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As comunidades que formam o complexo [da Maré] têm características e processos espaciais bem distintos, que vão do mais planejado ao mais espontâneo, do mais regular ao mais irregular, do mais formal ao mais informal, do mais projetado ao mais livre. As diferenças entre as formas, que hoje constituem uma diversidade muito rica, se deram por vários fatores: a história de cada ocupação, as características do sítio, as questões de propriedade, as origens da população, a organização da comunidade, os contextos políticos e sociais. Uma grande gama de formas espaciais pode ser encontrada na Maré, uma gradação que vai, por exemplo, dos estreitos becos labirínticos do Morro do Timbáu às ruas mais amplas e lineares da Nova Holanda, das habitações fragmentárias da Baixa do Sapateiro até os prédios modernistas do Conjunto do Pinheiro. As diferentes comunidades são tão distintas como os diferentes bairros de uma cidade formal e chegam a ter identidades próprias, que constituem, todas juntas, a cultura multifacetada da Maré (JACQUES, 2002 p.22).
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Resumo Esta monografia final do Curso de Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro tem como tema central as políticas públicas em âmbito habitacional que foram implementadas na Cidade do Rio de Janeiro, tendo como recorte espacial o período que envolve – com mais fervor – às discussões que abrangem a crise habitacional (1850/1870) e, um pouco mais adiante, a erradicação dos cortiços e favelas e as precárias condições de habitabilidade na urbe carioca, até o Programa Favela-Bairro elaborado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, última intervenção governamental. As áreas residenciais segregadas representam um ponto relevante no que tange aos processos de reprodução das relações de produção no bojo do qual se reproduzem as diversas classes sociais e suas ramificações, assim por dizer, os bairros - que são os locais de reprodução dos diversos grupos sociais, como indaga Corrêa (1999 p. 125). Neste sentido, esta pesquisa irá analisar as propostas que foram postas em prática no recorte espacial selecionado e verificar se o saldo foi satisfatório ou não à população do Município do Rio de Janeiro e, em especial, aos moradores da Maré. Para proceder a uma análise crítica dos programas apresentados pelas esferas governamentais ao longo do recorte espacial, esta pesquisa parte de uma reconstituição histórica dos programas implementados na urbe carioca desde então, e para tal, será realizado um diagnóstico da atual problemática que é o chamado ‘déficit habitacional’ que assola tanto o município do Rio de Janeiro, quanto o país numa escala mais abrangente e, ao mesmo tempo analisaremos se houve ausência ou não por parte do poder público na área de estudo. Para tal será utilizado, de forma constante, dados oficiais e históricos da ONG instalada na Maré e que exerce um trabalho de reeducação e cidadania - a ONG CEASM.
Palavras-Chave: Complexo da Maré – Déficit Habitacional – Favelas – Políticas Públicas – Segregação Residencial.
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Sumário Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------09 1 – Segregação Residencial em comunidades carentes da Cidade do Rio de Janeiro a partir da consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da Maré---------------------------------------------18 2 – Políticas Públicas na Cidade do Rio de Janeiro e Seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré----------------------------------------------------------------------------------------------------44 2.1 – Políticas Públicas: definição conceitual--------------------------------------------------------44 2.2 – Políticas Públicas e seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré---------------------49 Para Não Concluir----------------------------------------------------------------------------------------73 Referências------------------------------------------------------------------------------------------------78 Anexos-----------------------------------------------------------------------------------------------------82
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Figuras Fig. 01 – Mapa de Localização da XXXª Administração Regional-------------------------------09 Fig. 02 – Mapa da Cidade do Rio de Janeiro com o Bairro Maré em destaque------------------10 Fig. 03 – Área de Planejamento 3----------------------------------------------------------------------11 Fig. 04 – Estalagem existente nos fundos dos prédios nºs 12 e 44 na Rua do Senado----------21 Fig. 05 – Autoconstruções no espaço territorial da Maré-------------------------------------------22 Fig. 06 – Maré na época dos manguezais-------------------------------------------------------------36 Fig. 07 – Obra de construção da Avenida Brasil em 1940------------------------------------------37 Fig. 08 – Palafitas da Maré na década de 70---------------------------------------------------------40 Fig. 09 – Evolução Urbana na Maré-------------------------------------------------------------------43 Fig. 10 – Vista parcial da Favela Baixa do Sapateiro em 1950/1960-----------------------------54 Fig. 11 – Mapa das 12 Regiões integrantes do Plano Estratégico II------------------------------65 Fig. 12 – Mapa dos 17 bairros que compõem a Região da Leopoldina---------------------------66 Fig. 13 – Mapa com a Densidade Demográfica na área da Maré----------------------------------71 Fig. 14 – Maré na década de 70------------------------------------------------------------------------74 Fig. 15 – Maré na atualidade---------------------------------------------------------------------------74
Tabelas e Gráficos Tabela 1 – Os 22 Municípios com os maiores Índices Populacionais (2000)--------------------13 Tabela 2 – População nos 16 Municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro...........13 Tabela 3 – População nas Principais Favelas do Município do Rio de Janeiro------------------14 Tabela 4 – Número de Cortiços e Estalagens por Freguesia na Cidade do Rio de Janeiro entre 1869/1888-------------------------------------------------------------------------------------------------28 Tabela 5 – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e do Crescimento de Favelas na Cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950/1991---------29 Gráfico 1 – Percentual de Moradores de Favelas (1950/2000)------------------------------------30 Gráfico 2 – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro---------------31 Gráfico 3 – Crescimento Populacional de Quatro Favelas da Cidade do Rio de Janeiro-------31 Gráfico 4 – Crescimento populacional de 04 favelas da Cidade do Rio de Janeiro-------------32 Tabela 6 – Percentual de Favelas em Diferentes Períodos de Ocupação-------------------------34 Tabela 7 – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro--------------------------------------------------------------------------------35 Tabela 8 – Censo de Favelas de 1920-----------------------------------------------------------------53
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Gráfico 5 – Número de Favelas em algumas Cidades Brasileiras---------------------------------64 Tabela 9 – Estimativas Revisadas do Déficit Habitacional (Grandes Regiões, Unidades da Federação e Brasil/2000)--------------------------------------------------------------------------------68 Tabela 10 – Estimativas do Déficit Habitacional Básico, por situação do domicílio (Grandes Regiões, Unidades da Federação e Brasil/2000)--------------------------------------------------------------------69
Anexos Anexo I – Densidade habitacional na Maré----------------------------------------------------------83 Anexo II – Uso do espaço na Maré--------------------------------------------------------------------84
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Introdução:
Esta pesquisa em forma de monografia do Curso de Especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro visa realizar uma discussão no que tange às políticas públicas em âmbito habitacional realizadas em uma área onde se constata a efetivação do processo de segregação residencial, criada a partir da ausência de um modelo adequado de planejamento urbano na área de estudo. A área em questão se localiza na XXXª Administração Regional (ver fig. 1 e 2) - criada em 04/08/1986 conforme o Decreto Municipal nº 6011 Art. 2º da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, e que foi homologada de acordo com os parâmetros conferidos pela mesma. Os estudos estão voltados para o ‘Complexo da Maré’, área considerada de ‘baixa renda’ no município do Rio de Janeiro e fixado em uma área de 426,88 hectares - conforme dados do sítio da Prefeitura do Rio de Janeiro, mais dados em anexo. Fig. 1- Mapa de Localização da XXXª Administração Regional com o Bairro Maré em destaque
Fonte: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/2516_ap3.JPG
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O bairro da Maré foi criado através da Lei Municipal nº 2119 de 19/01/1994, está organizada, de acordo com o Instituto Pereira Passos, como pertencente às Coordenadorias Regionais de Urbanismos (CRU) e Área de Planejamento 03 conforme indicado na figura 3. Fig. 2 - Mapa da Cidade do Rio de Janeiro, com o Bairro Maré em destaque.
Fonte: www.rio.rj.gov.br/ipp
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o bairro da Maré é reconhecido e classificado como “Unidades Territoriais Específicas”, sendo a maior concentração de população de baixa renda do município do Rio de Janeiro. O conjunto de 16 comunidades [Morro do Timbáu (fundada entre 1930/1940), Baixa do Sapateiro (1947), Conjunto Marcílio Dias (1948), Parque Maré (1953), Parque Roquete Pinto (1955), Parque Rubens Vaz (1951/1961), Parque União (1961), Nova Holanda (1962), Praia de Ramos (1962), Conjunto Esperança (1982), Vila do João (1982), Vila do Pinheiro (1989), Conjunto Pinheiro (1989), Conjunto Bento Ribeiro Dantas ou Fogo Cruzado (1992), Nova Maré (1996)
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e Salsa e Merengue (2000)] totaliza, segundo o “Censo Maré – 2.0001”, uma população de 132.176 residentes. De acordo com Jacques (2002) a Maré se diferencia de outras favelas pois;
A Maré não é simplesmente uma favela, mas o que se denomina um complexo de favelas, várias comunidades diferentes juntas, como se fossem vários bairros distintos, uma quase cidade formal. Assim a Maré se torna um dos maiores laboratórios urbanos de habitação popular do país, onde inúmeras experiências habitacionais foram feitas nas últimas décadas. O próprio sítio sofreu tantas alterações que a própria maré que deu nome ao complexo já não existe mais; foram tantos os aterros, que o mar já ficou bem distante (p. 19).
Ainda esta mesma autora aponta que: A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas cariocas pode ser desmentida em um rápido passeio pela Maré. A diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por palafitas em áreas alagadas e conjunto habitacionais favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que acaba se informalizando também (Ibidem).
Fig. 3 - Área de Planejamento 03 com a Maré em destaque
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/ipp
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O “Censo Maré 2000” foi um empreendimento com iniciativa da ONG CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) e com vínculos a um conjunto de iniciativas de Políticas Sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro e que ficou conhecido como “Projeto Multissetorial da Maré”. A Maré é constituída por 16 comunidades. O Censo Maré, a fim de melhor descrição da heterogeneidade local, considerou a comunidade de Mandacaru, localizada no território de Marcílio Dias, como uma comunidade específica, devido às suas condições peculiares.
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A área que atualmente forma o bairro Maré foi, no século XVI, o chamado ‘Porto de Inhaúma’, e que serviu para escoar os produtos explorados e cultivados nesta porção carioca. Esse Porto desenvolveu importante papel econômico para o subúrbio e terminou seus dias abrigando a Colônia de Pescadores Z-6 e devido aos sucessivos aterros na área, desapareceu nas primeiras décadas do século XX. Entre meados dos séculos XVII e XVIII, a área da Maré fazia parte da ‘Freguesia rural de Inhaúma’ e integrava uma grande propriedade: a Fazenda do Engenho da Pedra. Suas terras abrangiam os atuais bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e parte de Manguinhos. No início do século XX, pequenos núcleos de povoamento - quase sempre formados por pescadores - já se aglutinavam em torno dos portos desta área. Mas este processo acelerou-se mesmo com a reforma urbana da Prefeitura de Pereira Passos - que expulsou a população mais pobre do centro da cidade, provocando a ocupação das zonas periféricas. A partir da mesma época, a enseada de Inhaúma - que se estendia da Ponta do Caju até a Ponta do Thybau (atual Morro do Timbáu) - teve sua orla de manguezais destruída pela ação de diversos aterros, como veremos mais adiante. A Ponta do Thybau, por ser uma porção de terra firme, foi uma das primeiras áreas a ser povoada na Maré atual. Era o início de povoação do atual Complexo da Maré (http://www.ceasm.org.br). O bairro Maré é a maior concentração de população de baixa renda do município do Rio de Janeiro e do Brasil. O conjunto de 16 comunidades totaliza, segundo o Censo Maré – 2.000, uma população de 132.176 pessoas, abrigada em 38.273 domicílios. Tomadas no interior de uma mesma unidade territorial, as comunidades que compõem o bairro da Maré possuem, na sua dimensão populacional absoluta, uma expressão significativa em relação ao conjunto da população da Região Metropolitana e do próprio Estado do Rio de Janeiro. A população do bairro da Maré representa 2,26% da população do município do Rio de Janeiro e apenas 0.97 % dos habitantes do estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Censo Maré (2000). Contudo, se demarcarmos uma outra escala geográfica para a nossa análise, a exemplo da escala municipal, observaremos um destaque indiscutível dessa população no território fluminense. A expressividade do tamanho do Complexo da Maré pode ser constatada quando se toma como referência os 22 municípios mais populosos da malha municipal do Estado do Rio de Janeiro, hoje composta por 92 unidades administrativas. Um olhar leviano verifica que o bairro da Maré possui um número de habitantes superior aos identificados para Macaé (131.550 hab), Cabo Frio (126.894 hab), Queimados (121.688 hab), Angra dos Reis (119.180 hab), Resende (104.482 hab) e Barra do Piraí (88.475 hab) - dados de 2000. Em uma
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classificação por ordem de grandeza, se o bairro da Maré recebesse o ‘status’ de município, ocuparia a 17ª posição em termos populacionais no estado fluminense, conforme verificado na tabela 1. Tabela 1 – Os 22 Municípios com os maiores índices populacionais – 2000
Municípios
Rio de Janeiro
População 5.851.944
Municípios
População
Itaboraí
187.127
Nova Iguaçu
915.366
Nova Friburgo
173.321
São Gonçalo
889.828
Barra Mansa
170.593
Duque de Caxias
770.865
Nilópolis
153.572
Niterói
458.465
Teresópolis
138.019
São João de Meriti
449.229
Macaé
131.550
Belford Roxo
433.120
Cabo Frio
126.894
Campos de Goytacazes
406.511
Queimados
121.688
Petrópolis
286.348
Angra dos Reis
119.180
Volta Redonda
242.046
Resende
104.482
Magé
205.699
Barra do Piraí
88.475
Fonte: Censo IBGE 2000 – http://www.ceasm.org.br
A simples observação dos dados nos indica que a população da Maré apresenta um tamanho absoluto superior aos números apresentados por nove municípios da região Metropolitana (Queimados, Japeri, Itaguaí, Maricá, Seropédica, Paracambi, Guapimirim, Tanguá e Mangaratiba). Tomando a Maré como um município hipotético, ele ocuparia a 11ª posição em termos de população desta região do Rio de Janeiro. Com os seus 132.176 habitantes neste contexto, a Maré corresponde à população de um município com a possibilidade de representação política, segundo o que determina a Constituição Federal.
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No que concerne aos outros complexos de comunidades populares do Rio de Janeiro, Rocinha, Alemão e Jacarezinho, observa-se que a Maré aparece como o de maior concentração populacional, conforme indicado na tabela abaixo: Tabela 3 – População nas Principais Favelas do Município do Rio de Janeiro Localidade 1991 1996 2000 Rocinha
42.892
45.585
56.313
Alemão
51.591
54.795
65.637
Jacarezinho
37.393
34.919
36.428
Maré
62.458
68.817
113.817 / 132.176*
Fonte: Censo IBGE – 2000; *Censo CEASM-2000 - http://www.ceasm.org.br
A tabela 3 confirma a concentração da população na Maré, reunindo ela o maior número de comunidades populares do município do Rio de Janeiro. Cabe destacar, de qualquer forma, alguns limites nos números encontrados pelo IBGE, expressos, principalmente, no inverossímil crescimento da população da Maré em apenas quatro anos – entre 1996 e 2000. Na verdade, o Instituto levou em consideração na sua contagem da população da Maré, nos anos de 1991 e 1996, apenas nove comunidades: Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Roquete Pinto, Rubens Vaz, Parque União, Praia de Ramos e Timbáu. As demais não foram incorporadas por serem definidas como conjuntos habitacionais. O recorte definido pelo IBGE ignorou a condição formal de bairro da Maré, estabelecida desde o final da década de 80, sendo as comunidades locais reconhecidas como unidades territoriais específicas. Tal opção metodológica, além de descaracterizar o bairro do ponto de vista sócio-geográfico, gerou um registro limitado da população residente na Maré para os anos de 1991 e 1996. Caso fosse mantido no Censo de 2000 do Instituto o mesmo recorte territorial, considerando-se apenas as nove comunidades supracitadas, seria identificada uma população residente de apenas 77.292 pessoas, de acordo com as informações colhidas pelo Censo CEASM – 2000. Isto significaria a exclusão de 54.884 moradores na contagem da população local. Ao longo dos últimos 15 anos, a Maré apresentou um rápido incremento de domicílios e, evidentemente, de população. Com isso, ela aparece, pela primeira vez, como o mais populoso complexo de favelas do Rio de Janeiro. O fato decorre da incorporação ao bairro, pelo IBGE, das comunidades locais até então identificadas como conjuntos habitacionais. Outro fator significativo foi a construção, entre 1993 e 1997, de três novos conjuntos,
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realizada pelo programa municipal de remoção de populações em áreas de risco: Nova Maré; Bento Ribeiro Dantas e Salsa e Merengue (oficialmente identificado como Novo Pinheiros). Neste sentido, pode-se afirmar, que o Complexo da Maré é um fiel produto da chamada ‘fragmentação do tecido sócio-político espacial’ como define Souza (2003a p.90) e, neste sentido, o objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca advém não só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender suas possíveis territorialidades, decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no processo de estruturação do local e, neste sentido, discutir as políticas públicas implementadas na área de estudo pelos órgãos competentes. Posto isto, as favelas2 são um dos maiores exemplos da configuração sócio-espacial extremamente desigual da cidade do Rio de Janeiro, e neste sentido, a Maré, reconhecida como um ‘conglomerado urbano’, é formado por dezesseis comunidades distintas com suas realidades e frustrações em comum. Localizada às margens da Baía de Guanabara e cortada, atualmente, pelas Linhas Amarela e Vermelha e pela Variante Petrópolis (atual Avenida Brasil), se caracterizava primitivamente por vegetação de manguezal. Ocupada desde a segunda metade do século XX por barracos e palafitas, os manguezais foram sendo progressivamente aterrados ora pela população menos favorecida, ora pelo próprio poder público. Na atual fase do modo de produção capitalista, as desigualdades sociais apresentam-se de modo contraditório trazendo reflexos na distribuição territorial da sociedade em vigor, conferindo deste modo, uma aproximação entre os grupos que ocupam posições antagônicas no espaço social. A possibilidade de uma homogeneização de grupos pertencentes à essa mesma camada social cria um distanciamento nas relações de contato que possam, eventualmente haver entre os diferentes estratos da sociedade, e desta forma, acentua-se a chamada ‘segregação residencial’. Segregação essa, como discutiremos mais adiante, nasce na esteira do desenvolvimento urbano-espacial da cidade do Rio de Janeiro com a introdução e melhoria no que tange aos meios de transporte coletivos. Dentro deste contexto, tentaremos analisar o Complexo da Maré na ótica de efetivação dos processos de políticas públicas adotadas pelo governo - em suas três esferas de
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Caracteriza-se pela precariedade das condições de habitabilidade, tanto no que se refere à moradia (construções feitas com materiais perecíveis), como à oferta de infra-estruturas básicas (saneamento e drenagem), à ocupação (morfologia e tipologia) e à propriedade da terra (IPEA 2001).
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hierarquização [municipal, estadual e federal] - durante as décadas de formação e consolidação do bairro Maré até os dias atuais. O objetivo em estudar esse complexo encravado no espaço urbano carioca advém não só de uma vivência cotidiana como morador que nasceu e cresceu acompanhando seus movimentos sociais mas, sobretudo, de procurar entender de que forma as políticas públicas implementadas até o momento nesta área da cidade do Rio de Janeiro, influenciam no dia a dia da população local, decorrentes do conflito de interesses entre os atores sociais que interagem no processo de estruturação do local. Em relação aos passos metodológicos e de forma resumida, esta pesquisa estará assim representada: o objeto pesquisado será as Políticas Públicas em Espaços Residenciais Segregados; o recorte espacial abordado será compreendido desde a época da total erradicação dos cortiços e mais adiante, das primeiras favelas da Cidade do Rio de Janeiro, até a última política pública em âmbito habitacional - O Programa Favela-Bairro); já o recorte temporal será entre 1870 (expansão da população e escassez de moradia) até 2009 com a continuidade do Programa Favela-Bairro - última intervenção governamental na esfera habitacional na Cidade do Rio de Janeiro. A questão central norteadora é: De que forma está representado, espacialmente, o Complexo da Maré no que tange as políticas públicas em âmbito habitacional na Cidade do Rio de Janeiro? E como subquestão: O atual rearranjo do Complexo da Maré atende as necessidades habitacionais da população? Em relação a operacionalização serão utilizados nesta pesquisa, tabelas, gráficos, imagens, mapas, figuras, análises estatísticas e uma breve bibliografia sobre o tema em questão. Para dar conta do Objetivo e do Caminho de Investigação a pesquisa apresenta-se estruturada em dois capítulos. O primeiro, com o título de “Segregação Residencial em Comunidades Carentes da Cidade do Rio de Janeiro a Partir da Consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da Maré” tentaremos realizar uma discussão no que tange ao processo de segregação residencial, partindo, primeiramente, da discussão sobre o espaço urbano para logo após apresentar de que forma entendemos a temática segregação residencial que, conforme Corrêa (2005a) é “uma expressão das classes sociais”. No segundo capítulo tentaremos definir o conceito de ‘política pública’ e para tal utilizaremos uma breve bibliografia de autores que discutem o tema e, logo a seguir,
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tentaremos verificar quais as principais intervenções da esfera governamental na área de estudo. Por fim, realizaremos uma tentativa de conclusão do tema proposto para esta pesquisa e desdobramentos futuros.
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1 – A Segregação Residencial em Comunidades Carentes na Cidade do Rio de Janeiro a partir da Consolidação do Espaço Urbano: O exemplo da Maré. A produção do espaço urbano não acontece de maneira isolada, é um somatório das práticas sociais através das relações políticas, econômicas e culturais e que constituem diferentes formas espaciais. Vários autores se debruçaram sobre o tema que continua em evidência atualmente. Milton Santos (1997) analisa o espaço como sendo criado “por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Na visão de Raffestin (1993) “o espaço é anterior ao território”. Já Corrêa (2005a) analisa o espaço urbano como sendo um local fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas. É um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem (p. 11).
A própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais. Esse mesmo autor (2005, p. 148) analisa, de forma mais contundente, o espaço urbano da seguinte forma: Ao se constatar que o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado, e que esta fragmentação articulada é a expressão espacial de processos sociais, introduz-se o terceiro momento de apreensão do espaço urbano: o de ser um reflexo da sociedade. Assim, o espaço da cidade capitalista é fortemente dividido em áreas residenciais que tendem a segregação, refletindo a complexa estrutura social em classes, própria do capitalismo. A jornada para o trabalho, por outro lado, aparece como conseqüência da fragmentação capitalista que separou lugar de trabalho de lugar de residência.
Corrêa (2005a) questiona sobre quem são os agentes sociais que fazem e refazem a cidade e que estratégias e ações concretas desempenham no processo de fazer e refazer a cidade. Desta forma ele aponta cinco agentes sociais:
Os Proprietários dos Meios de Produção, sobretudo os grandes industriais;
Os Proprietários Fundiários;
Os Promotores Imobiliários;
O Estado;
Os Grupos Sociais excluídos.
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Desses agentes sociais vamos nos ater aos Grupos Sociais excluídos e o Estado, com uma ênfase maior no primeiro e essa escolha ocorre por razões óbvias, já que a área pesquisada representa-se como constituído de população da faixa salarial reconhecida por serem de baixa renda. O Estado atua na organização espacial da cidade e sua atuação tem sido complexa e variável tanto no tempo como no espaço, refletindo a dinâmica da sociedade da qual é parte constituinte, além de ser um agente regulador do uso do solo urbano e alvo principal dos chamados movimentos sociais urbanos (CORRÊA, 2005a). Sua atuação mais corrente e esperado se faz presente através da implantação de serviços públicos - que interessam tantos às empresas envolvidas como à população como um todo. É atribuição do Estado a elaboração de leis e normas vinculadas ao uso do solo como por exemplo, as normas de zoneamento e o código de obras, no que tange ao espaço urbano e, ao mesmo tempo, é alvo de reivindicações de boa parte da população urbana quando sua atuação ocorre de modo desigual enquanto provedor de serviços públicos neste mesmo espaço urbano. Segundo A. Samson citado por Corrêa (2005, p. 25), o Estado dispõe de um conjunto de instrumentos que pode empregar em relação ao espaço urbano. Os principais são:
Direito de desapropriação e precedência na compra de terras;
Regulamentação do uso do solo;
Controle e limitação dos preços de terras;
Limitação da superfície da terra de que cada um pode se apropriar;
Impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da terra e localização;
Taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço urbano;
Mobilização de reservas fundiárias públicas, afetando o preço da terra e orientando espacialmente a ocupação do espaço;
Investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem, desmontes, aterros e implantação da infraestrutura;
Organização de mecanismos de crédito à habitação; e
Pesquisas, operações-testes sobre materiais e procedimentos de construção, bem como o controle de produção e do mercado deste material. De acordo com Corrêa, esta complexa e variada gama de possibilidades de ação do
Estado capitalista não se efetiva ao acaso e nem se processa de modo socialmente neutro,
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como se o Estado fosse uma instituição que governasse de acordo com uma racionalidade fundamentada nos princípios de equilíbrio social, econômico e espacial. Sua ação é marcada pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles e sua tendência é privilegiar os interesses daquele segmento da classe dominante que a cada momento está no poder. Desta forma, o Estado capitalista cria mecanismos que levam à segregação residencial e à sua ratificação. Esta segregação pode resultar também de uma ação direta e explícita do Estado através do planejamento, quando da criação, a partir do zero, de núcleos urbanos (CORRÊA 2005a p, 26 e 27). Estes são alguns dos tipos de atuação do Estado no espaço urbano capitalista. Atualmente verificam-se na sociedade diferenças sociais no que tange ao acesso de bens e serviços e, neste sentido, a problemática habitacional - que vem sendo discutida desde o final do século XIX - emerge como um desses bens no qual o acesso é amplamente seletivo e no qual uma enorme parcela da população não tem acesso, quer dizer, não possui renda suficiente para pagar aluguel de uma habitação e, menos ainda, para comprar um imóvel. Esses grupos sociais excluídos têm, como afirma Corrêa (2005), as seguintes possibilidades de moradias (como observado na figura 4); Os densamente ocupados cortiços localizados próximos ao centro da cidade - velhas residências que no passado foram habitadas pela elite e que se acham degradadas e subdivididas -, a casa produzida pelo sistema de autoconstrução em loteamentos periféricos, os conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado, via de regra também distantes do centro, e a favela (p. 29 e 30 ).
No que se refere ao acesso aos bens e serviços produzidos na sociedade, verificam-se diferenças sociais gritantes no atual mundo capitalista e o segmento habitação é um desses bens cujo acesso é seletivo, sendo este, um dos mais significativos sintomas de exclusão no mundo contemporâneo. As habitações coletivas eram comuns no espaço urbano da Cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Percebe-se, com clareza na figura 04, a deficiência de infra estrutura mínima a que essa população necessitava para o seu bem estar social. A questão social e urbana passou novamente para o primeiro plano, de um lado como assunto técnico, envolvido nas pressões para o desenvolvimento da cidade, de outro como uma questão política e social, com as propostas e tentativas de intervenção na crise habitacional.
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Fig. 4 - Estalagem existente nos fundos dos prédios nºs 12 e 44 na Rua do Senado, em 27/03/1906.
Fonte: Carvalho (1995) - Foto Malta (AGCRJ)
Os cortiços - que abordaremos mais adiante -, as estalagens e as casas de cômodos sempre foram o alvo de uma grande polêmica envolvendo sua existência ou não, principalmente, na área central do atual centro da cidade. E como bem aponta Abreu (2003, p. 213) a questão da salubridade dos cortiços permeia toda a discussão técnica e política sobre higiene pública durante o Segundo Reinado. Já em 1843 quando a cidade passava por epidemia de febre escarlatina, a Academia Imperial de Medicina, dentre outras medidas destinadas a debelar a crise, ordenou a extinção do cortiços para‘evitar a superlotação das habitações’.
Deste modo é na produção da favela - em terrenos públicos ou privados invadidos - que os grupos sociais excluídos tornam-se, de forma efetiva, agentes modeladores que produzem seu próprio espaço e, na maior parte dos casos, de forma independente. Desta forma a produção deste espaço é uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência. De acordo com Corrêa (2005a) a resistência e a sobrevivência se traduzem na apropriação de terrenos usualmente inadequados para os outros agentes da produção do espaço, como as encostas íngremes e as áreas alagadiças, tratando-se esse exemplo como uma apropriação de fato. Neste sentido a favela corresponde a uma solução de um duplo problema: o da habitação e o do acesso mais rápido ao local de trabalho. Por sua localização as margens da Avenida Brasil e as Linhas Amarela e Vermelha, o bairro Maré mantém um aumento populacional constante devido à proximidade com o centro da Cidade do Rio de Janeiro e
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desta forma - como mostrado na figura 5 - o crescimento vertical é uma saída para o aumento do número de membros das famílias, principalmente, daqueles provenientes de outro estados do Brasil que chega a cidade em busca de emprego. Fig. 05 - Autoconstruções - Paisagem comum no espaço territorial da Maré
Fonte: Arquivo pessoal - foto tirada em 23/04/2009
A evolução da favela - a sua progressiva urbanização até tornar-se um bairro popular, como no exemplo da Maré, resulta de um lado da ação dos próprios moradores que aos poucos vão melhorando suas residências e implantando atividades econômicas diversas e de outro, a ação do Estado, que implanta alguma infraestrutura urbana, seja a partir de pressões exercidas pelos moradores organizados em associações (como veremos mais adiante), seja a partir de interesses eleitoreiros e esta urbanização desencadeia uma valorização que acaba por expulsar alguns de seus moradores e atrair outros. Janice E. Perlman em sua obra ‘O Mito da Marginalidade’ associa essa ‘marginalidade’ a cinco grupos essenciais a que são empregados de forma mais comum o termo:
A localização na favela;
A situação inferior na escala econômica-ocupacional;
Os migrantes, recém chegados ou membros de diferentes sub-culturas;
As minorias raciais e étnicas; e
Os transviados.
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Para a autora tanto os favelados quanto as favelas recebem rótulos sociais de nítido cunho político, o que se transmite ao longo do processo socializante. Os interesses econômicos reforçam os preconceitos sociais conforme aumentam os serviços urbanos e o preço dos lotes. As populações migrantes e os favelados crescem cada vez mais e o que era considerado normal ou marginal possa a ser determinado menos pelo comportamento da maioria ou da minoria numérica e mais pelo que é feito especificamente pelas classes média e alta. Se os critérios de normalidade fossem fixados pela prevalência e não pela classe, então o jogo do bicho no Brasil seria considerado normal, enquanto ir à ópera seria marginal, o que obviamente, não ocorre (PERLMAN, 1977 p. 124-128). Pode-se então associarmos o termo marginalidade, usado pela autora, com os grupos sociais excluídos. Neste sentido, o espaço da Maré vai, aos poucos se consolidando enquanto área de reprodução social. Esse espaço tende a sofrer intensas modificações durante a sua própria configuração mediante as intervenções governamentais ao longo das décadas do século passado. Mais adiante faremos um esboço dessas intervenções e suas conseqüências na área da maré como resultado final da ocorrência da chamada segregação residencial que, tornou o Complexo da Maré, em uma área de interesses de pesquisadores. Posto isto, este capítulo tem por preocupação analisar de que forma o bairro Maré sofre a chamada segregação residencial. Para tal, tentaremos de início caracterizar o que entendemos por segregação e segregação residencial e, mais adiante, realizaremos uma análise histórica dessa segregação no âmbito da Cidade do Rio de Janeiro. *** No início do século XX, o prefeito Pereira Passos (1902-1906), aliado ao governo republicano, realizou a primeira grande intervenção urbana no Rio de Janeiro, ao procurar embelezar e modernizar a cidade, o denominado “Haussmann Tropical” iniciou a reestruturação da cidade, redefinindo o centro e as áreas residenciais, oficializando a segregação espacial entre ricos e pobres, e tornando-se, paradoxalmente, um grande responsável pela consolidação inicial das favelas e desta forma iniciava-se um processo de intervenção política na cidade que abordaremos mais adiante. Corrêa (2005), citando Harvey, diz que a segregação significa: Diferencial de renda real. Proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais, etc; e ausência de proximidade aos custos da cidade, como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infraestrutura, etc. se já há diferença de renda monetária, a localização residencial pode implicar diferença ainda maior no que diz respeito à renda real (p. 134).
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De acordo com a definição da Escola de Chicago, segregação residencial seria uma concentração de tipos de população dentro de um território, onde a ‘área natural’, segundo Zorbaugh apud Corrêa (2005a), seria a expressão da segregação Uma área geográfica caracterizada pela individualidade física e cultural resultante do processo de competição impessoal que geraria espaços de dominação dos diferentes grupos sociais, replicando ao nível da cidade processos que ocorrem no mundo vegetal. (p. 59).
Castells apud Corrêa (2005a) define a Segregação Residencial como sendo Um processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte homogeneidade social interna e de forte disparidade entre elas, sendo um produto da existência de classes sociais e tendo sua espacialização no urbano. (p. 60).
Ainda Corrêa (2005, p.65-66), cita que: “a segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução social, e neste sentido o espaço social age como um elemento condicionador sobre a sociedade”. Assim, enquanto o lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-se no local de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e sociais, constituem-se no local de reprodução e deste modo a segregação residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro. A questão de como morar é concomitantemente associado à problemática da produção da habitação – que se trata de uma mercadoria cujo valor de uso é superado pelo valor de troca, fazendo dela uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado – e tem um caráter especial surgido na medida em que depende de outra mercadoria especial, a terra urbana, cuja produção é cara, o que exclui boa parte da população. No problema de moradia o Estado intervêm de forma direta através da construção de habitações e indiretamente na forma de financiamento aos consumidores e às firmas construtoras, ampliando a demanda solvável e viabilizando o processo de acumulação capitalista. Isso define a questão de ‘como e onde morar’ apontada por Corrêa (2005a p. 63), onde “ambos se fundem dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes”, onde esta tendência que se mostra mais marcante nos extremos da sociedade: nos grupos mais elevados e mais baixos da sociedade. A sublocação de residências deterioradas constitui-se em outra alternativa ao como morar por parte daqueles que não conseguem entrar no mercado capitalista de habitação; outras alternativas referem-se à autoconstrução na periferia urbana e outra ainda, à construção
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de barracos em favelas. Em relação ao onde morar é preciso lembrar que existe um diferencial espacial na localização de residências vistas em termos de conforto e qualidade e esta disparidade se reflete em primeiro lugar uma distinção no preço da terra, que é função da renda esperada, que varia em função da acessibilidade e das amenidades. E como cita Corrêa (2005a p, 63) “os terrenos de maior preço serão utilizados para as melhores residências, atendendo à demanda solvável e os terrenos com menores preços, pior localizados, serão utilizados na construção de residências inferiores, a serem habitadas pelos que dispõem de menor renda”. O como e onde morar se fundem, dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda, padrões culturais, valores e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes e essa tendência se afirma de modo mais marcante nos extremos da sociedade, isto é, nos grupos sociais elevados e mais baixos da sociedade. Se por um lado o Estado exerce o papel na ação estatal, a classe dominante (ou algumas de suas frações) exerce, subjacente, este poder na segregação residencial na medida em que controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a localização dos demais grupos sociais no espaço urbano, atuando indiretamente através do Estado. Subjacente à ação do Estado na segregação residencial está a classe dominante que atua através da auto-segregação na medida em que ela pode efetivamente selecionar para si as melhores áreas, excluindo-as do restante da população: irá habitar onde desejar. A expressão desta segregação da classe dominante é a existência de bairros suntuosos e, mais recentemente, dos condomínios exclusivos e com muros e sistema próprio de vigilância, dispondo de áreas de lazer e certos serviços de uso exclusivo, entre eles, em alguns casos, o serviço de escolas públicas eficientes. Desta forma a segregação residencial significa não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro. Esta segregação implica necessariamente em separação espacial das diferentes classes sociais fragmentadas. A separação, por sua vez, origina padrões espaciais, ou seja, as áreas sociais que emergem da segregação estão dispostas espacialmente segundo uma certa lógica, e não de modo aleatório. A segregação tem um dinamismo onde uma determinada área social é habitada durante um período de tempo por um grupo social e, a partir de um dado momento, por outro grupo de status inferior ou, em alguns casos, superior, através do processo de renovação urbana.
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As favelas podem ser identificadas como territórios segregados dentro do espaço urbano e esta segregação é potencializada pelo constante reconhecimento destas áreas como locus de concentração do tráfico de drogas e da marginalidade. A segregação, de que se fala, vem a comprometer o entendimento da cidade como um todo que possui um território definido e contínuo. Num olhar mais cuidadoso podemos identificar muros que delimitam lugares interditados à circulação dos demais cidadãos e das regras e leis estabelecidas socialmente. Num ambiente assim descrito, a democracia, a justiça social e o exercício dos direitos de cidadania certamente não podem ser facilmente reconhecidos uma vez que, em última análise, o isolamento espacial tende a se alastrar ainda para uma segregação política. Diante desse quadro segregacional, a Maré se encaixa perfeitamente como um exemplo dessa ‘política’ que envolve as chamadas ‘áreas menos favorecidas’, no que tange às políticas públicas. Adiante, faremos uma breve conceituação de políticas públicas para, mais a frente, elencar as principais intervenções ocorridas na área de estudo. Após essa tentativa de conceituação da chamada ’segregação residencial’ que co-existe na área de estudo, para um melhor entendimento, faremos um retorno no tempo para que se possa compreender como ocorreu e para qual direção se verificou o espraiamento da população carioca. A compreensão de uma realidade local insere-se na compreensão do processo de formação do espaço à qual pertence. Neste sentido, faz-se necessária uma abordagem, ainda que sumária, da constituição do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e as suas territorialidades resultantes da segregação sócioespacial ou ainda, da fragmentação do tecido sócio-político espacial, conforme apontado por Souza (2003a). Um marco decisivo para o processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro foi sem dúvida a chamada “revolução” ocorrida nos meios de transporte coletivo da cidade carioca no último quartel do século XIX, conforme aponta Benchimol (1990) onde As empresas de ‘carris’ comandaram – em larga medida – o espraiamento da malha urbana para muito além do antigo perímetro da Cidade Velha e da Ulterior Cidade Nova, contribuindo, ao mesmo tempo, para tornar cada vez mais nítida uma nova estruturação social do espaço carioca (p. 96).
Neste momento a tendência da cidade era a de bifurcar-se em dois vieses distintos: de um lado os bairros com predomínio do uso residencial localizados nas áreas norte e sul e de outro uma área central com características ‘febril, multiforme, superpopulosa e insalubre’. Para fazer a conexão entre a zona norte surge o tronco ferroviário da Estação Ferroviária D. Pedro II, na qual os bairros do subúrbio iriam progressivamente se estruturar até o final do
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século XIX, dando início a implementação das principais estações ferroviárias e conseqüentemente, o espraiamento da população carioca. Os conflitos e as contradições espaciais tornaram-se presentes no espaço urbano durante a transição da cidade colonial – tendo em sua base a mão-de-obra escravista – para a cidade capitalista. Neste instante, no século XIX, surgiram os primeiros elementos segregadores do espaço com a introdução do bonde e do trem que torna a expansão física do espaço expressiva. Com a abertura de novas vias de acesso, proporcionado pelos bondes e trens, a cidade toma nova configuração. A aristocracia, que antes residia nas áreas centrais da cidade, deslocou-se para outros bairros como Lapa, Botafogo, Tijuca, São Cristóvão. A população, composta pelos trabalhadores, seguiu os rumos que lhes foram abertos pela estrada de ferro em direção ao subúrbio da cidade, conforme indica o comentário de Abreu (1997, p. 36): A separação só foi possível, entretanto, devido à introdução do bonde a burro e do trem a vapor que a partir de 1870, constituiriam-se nos grandes impulsionadores do crescimento físico da cidade [...] haja vista os usos e as classes “nobres”, toma a direção dos bairros servidos por bondes (em especial aqueles da Zona sul). Por outro lado, para o subúrbio passam a se deslocar os usos “sujos” e as classes menos privilegiadas.
Entre 1850-1870, a crise habitacional – dita como ‘escassez e carestia das habitações para gente pobre’ – emergiu como um dos traços mais característicos e recorrentes da vida urbana do Rio de Janeiro, somando-se a isso, ter-se-ia ainda a incidência de epidemias, onde o epicentro desta crise seria a área central na qual coabitava-se em grande número e de forma desordenada, grande parte da população carioca. Apoiando-se em Engels, Benchimol (1990 p. 124) cita que:
A crise da habitação é produto da forma social burguesa; sua história está, portanto, indissoluvelmente subordinada ao desenvolvimento das relações capitalistas de produção no espaço urbano carioca (e à conseqüente apropriação capitalista desse espaço).
Desta forma o governo na tentativa de enfraquecer o crescente movimento operário, resolveu estimular a construção de habitações operárias, oferecendo uma série de vantagens aos indivíduos ou companhias, que se organizassem para essa finalidade. Lobo (1989, p. 36) cita como seriam essas vantagens O Decreto número 268 de 30/10/1875 concedia isenção do pagamento da décima urbana e os direitos de desapropriação da Lei de 1845, às pessoas e firmas que se propusessem a construir casas para os operários e para as classes pobres. As desapropriações seriam de cortiços, estalagens e casas de cômodos declarados insalubres, à base de indenização de materiais de construção e do custo da mãode-obra. Estas habitações coletivas seriam substituídas por construções aprovadas pelas autoridades federais e municipais.
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Em relação a essa situação de crise habitacional, as chamadas ‘freguesias centrais’ excetuando-se a Freguesia da Candelária que era o verdadeiro centro de negócios da cidade do Rio de Janeiro naquele momento e que contava com o menor contingente populacional (9.239 hab.) - continuavam a se adensar de maneira acelerada, mas sua forma urbana pouco se modificara. Como cita Pereira em sua tese de doutorado de 1998 Era, assim, inevitável o agravamento da crise de moradia, cada vez mais escassa e mais cara, para o imenso contingente de gente pobre, que aí residia, trabalhava e perambulava. A conseqüência imediata foi o aumento das habitações coletivas. Em 1869 havia 642 cortiços, abrigando uma população de 21.929 pessoas. Em 1888 os cortiços passavam a ser 1.331, com uma população de 46.680 pessoas.
Ribeiro (1997, p. 173) cita que no período entre 1870/1890 “assistiu-se a um vertiginoso crescimento populacional da cidade, à construção de inúmeras moradias nas freguesias periféricas ao centro e em algumas outras localidades na zona rural”, como pode ser verificado na tabela 4. O primeiro registro referente a uma favela no Rio ocorreu no recenseamento de 1920, que documentou uma aglomeração de 839 casas no Morro da Providência organizada por veteranos da guerra dos Canudos. A primeira leva importante de migrantes rurais no Brasil, nos primeiros anos da década de 1930, provocou o rápido crescimento da população favelada. Aos novos migrantes à procura de casa vinham somar-se os moradores da cidade que não mais podiam pagar os aluguéis nem mesmo de cortiços, avenidas ou cabeças de porco. As favelas, nas colinas ao redor do centro da cidade, ofereciam a dupla vantagem de não cobrarem aluguel e de serem bem localizadas, e para muitos constituíram a melhor solução. Tabela 4 – Número de cortiços e Estalagens por Freguesia na Cidade do Rio de Janeiro entre 1869/1888
Fonte: Ribeiro (1997, p. 177)
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Em relação a existência da primeira favela na cidade do Rio de Janeiro há contradições entre os diversos autores que se debruçaram sobre o tema. A princípio a primeira manifestação de sua existência tenha sido a ocupação do Morro da Providência - na época conhecida como Morro da Favella. Existem autores que chamam a atenção para a presença de favelizações aparentemente anteriores ou do mesmo período no Morro de Santo Antônio. Outros ainda assinalam que existem várias versões sobre a primeira favela no cenário carioca como surgida em 1870 (onde se vincula à final da Guerra do Paraguai), ou em 1897 (dos que retornaram da Guerra de Canudos e que foram autorizados a ocuparem os Morros da Providência e de Santo Antônio) e, finalmente, há autores que clamam pela data de 1893 (essa diretamente relacionada à destruição do mais famoso cortiço carioca - o ‘Cabeça-de-Porco’). Com isso foi inevitável o acentuado número de favelas concentradas na cidade do Rio de Janeiro, já a partir da década de 60 do século XX, quando sua população teve um crescimento bastante significativo, conforme se observa na Tabela 5. As favelas sempre foram uma realidade no contexto da expansão espacial do tecido urbano carioca, porém o Poder Público sempre as tratou como problemas provisórios, tanto que elas nem podiam aparecer nos mapas, ou seja, se as favelas não são reconhecidas, elas não existem... (http://www.ceasm.org.br). Tabela 5 – Evolução do Crescimento da População de Favelas, da População Total e do Crescimento de Favelas na Cidade do Rio de Janeiro Entre as Décadas de 1950/1991. Ano
População de População total Favelas (A) do Rio (B)
A/B (%)
% do % de crescimento de crescimento da Favela por População do Rio Década por Década
1950
169.305
2.337.451
7.24
_____
_____
1960
337.412
3.307.163
10.20
99.29
41.49
1970
563.970
4.251.918
13.26
67.15
28.57
1980
628.170
5.093.232
12.33
11.38
19.79
1991
1.001.336
5.480.768
18.27
59.41
7.60
Fonte: http://www.ibge.gov.br
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As favelas, definidas e contabilizadas, começaram a ser estudadas, tornando-se cada vez mais visíveis e tema de vários debates. Portanto apenas em meados do século XX é que se problematiza novamente a questão da habitação popular, tendo então como eixo principal a favela. Este padrão de habitação auto-produzido caracterizava-se pela sua ilegalidade em termos jurídicos e sua irregularidade em termos urbanísticos, além da precariedade e da insalubridade. Assim, quando não pôde mais ser negada, sua existência foi considerada uma “chaga” que deveria ser extirpada e seus moradores removidos. Nos gráficos 1 e 2, percebe-se um aumento substancial da população favelada no período de 1950-2000. Pode-se observar no gráfico 1 que há picos elevados desse incremento populacional, principalmente entre as décadas de 1960/1970 quando o aumento desta população foi de 346.564 habitantes e nas décadas de 1990/2000, quando este número foi de 210.475 residentes. Podemos associar esse incremento populacional do período ao crescente êxodo rural constato na época por migrantes do nordeste do Brasil em busca de melhores condições de vida na chamada ‘cidade grande’ - principalmente no eixo Rio-São Paulo. Gráfico 1 – Percentual de Moradores de Favelas - 1950/2000
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
No gráfico 2 fica nítida a presença de forma maciça desta população favelada residindo principalmente nos bairros do subúrbio carioca. A razão principal disto, como foi dito anteriormente, foi a construção da Avenida Brasil no final da década de quarenta do século passado, que possibilitou que aquela população migrante principalmente do nordeste
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brasileiro viesse em busca de trabalho nesta área carioca registrando 14 favelas em 1920 para mais de 500 no ano 2000. Gráfico 2 – Evolução da População de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
Nesse período, muita coisa mudou na realidade dos morros cariocas. Hoje, o número de favelados representa quase 20% da população total do município do Rio de Janeiro - o que pode ser verificado nos gráficos 3 e 4. Algumas comunidades viraram complexos, como o Alemão, Jacarezinho e Maré e já ultrapassaram os 50 mil habitantes, enquanto áreas como a Zona Oeste – antes um vazio no mapa – viraram opção de moradia acessível e hoje lideram o ranking de novas construções. Gráfico 3 - Evolução do Número de Favelas no Município do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
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Embora não haja uma explicação unânime para a segregação social, é evidente que a cidade formal sempre manteve um posicionamento contrário à favela, sugerindo a formação de uma cidade à parte pela presença desses assentamentos. A partir da década de 40, as favelas começam a ser vistas pelos moradores da cidade formal como “aglomerados invasores” e “ocupações ilegais de terra” embora a crítica à chamada “teoria da marginalidade” tenha buscado mostrar o equívoco dos discursos dualistas sobre as favelas a partir da década de 70. Gráfico 4 – Crescimento Populacional de Quatro Favelas da Cidade do Rio de Janeiro
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
De qualquer forma, a visão dualista por parte da cidade formal ganhou novo fôlego com a inclusão do narcotráfico e da violência urbana e foi dotada de legitimidade social pela utilização freqüente pela mídia de metáforas como “cidade partida” e “desordem urbana”. De fato, a partir da primeira metade do século 20, o próprio Estado mudou sua forma de encarar as favelas, baseando-se em políticas de controle e repressão sendo os aglomerados usualmente comparados a “doenças sociais”. Por outro lado, ao mesmo tempo em que políticas de remoção das favelas são postas em prática, emergem demandas por parte de governo e instituições não governamentais de novos discursos que subsidiem a política de “integração da favela ao bairro”. Na realidade, o distanciamento social entre a cidade formal e as favelas continua em curva ascendente. A barreira invisível entre estas e a cidade, materializa-se através da autosegregação da classe média em condomínios exclusivos e somam-se aos muros invisíveis da estigmatização e do preconceito geradas pela associação simplista entre favelas e tráfico de drogas. Segundo Souza (2002, p. 500), o ingrediente principal para esta ‘fragmentação do tecido sócio-político espacial’ encontra-se na multiplicação de enclaves territoriais
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controlados por traficantes de drogas de quem se necessita a anuência para que sejam viabilizados quaisquer tipos de intervenção estatal. Embora não seja prerrogativa das favelas a existência do tráfico de drogas e sua conseqüente violência, a falta de governança nessas áreas empobrecidas encorajou o surgimento de um novo poder paralelo que desafia constantemente o poder público oficial e espalha o terror por todo o território urbano. De fato, o comprometimento do poder público com a cidade formal em detrimento das populações mais carentes, resultou em assentamentos irregulares de tipologia urbano-arquitetônica característica. A alta densidade desses assentamentos juntamente às precárias condições de vida traduziu de forma contundente o descaso de toda a sociedade com a população mais empobrecida. Se por um lado a cidade formal cresceu dentro de parâmetros urbanos definidos, por outro, as favelas se multiplicaram em um estado de completa desordem impossibilitando a integração com o resto da urbe e perpetuando o ciclo de pobreza e exclusão. Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o baixo valor de renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos, deve-se levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades, seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal. É amplamente reconhecido – pelo menos na mídia especializada – que o agravamento dos problemas urbanos associados à pobreza, relacionados espacialmente aqueles associados à favelização e ao ímpeto da incorporação de novas áreas nas periferias, tem-se constituído em importante desafio para o poder público. A política governamental do Estado em relação às favelas mudou radicalmente na última década do século XX – anteriormente o que se pretendia era a erradicação, hoje a ‘urbanização e regularização de favelas’3 são consideradas importantes instrumentos para possibilitar o acesso da população de mais baixa renda à terra urbana.
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Ação mais complexa que a regularização de loteamentos – integração de assentamentos urbanos ilegais ao conjunto da cidade legal, mediante investimentos públicos e medidas administrativas e jurídicas para promover a compatibilização da realidade física (do local), registraria (do direito de propriedade) e a administrativa (da gestão urbanística) –, pois geralmente exige investimentos públicos para urbanização e mesmo para substituição de habitações removidas para dar lugar às obras de urbanização.
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O modelo econômico adotado pelo país, após a Segunda Guerra Mundial, consolidou o poder da burguesia urbano-industrial. Com a decadência da agricultura e a forte industrialização, intensos movimentos migratórios se formaram em direção às cidades. Os migrantes chegavam à Capital e se instalavam nos subúrbios distantes ou nas favelas. A distância entre o local de trabalho e o domicílio aumentou consideravelmente e a necessidade de morar perto do local de trabalho, levando a população migrante a se instalar nos terrenos não ocupados que escaparam da especulação imobiliária pela dificuldade, ou mesmo, impossibilidade de construção: morros, terrenos inundáveis e de propriedade duvidosa. Favelas se propagaram tanto em zonas industriais, como residenciais. O poder público pouco se manifestava face ao aumento do fluxo migratório, uma vez que o aumento da mão-de-obra de baixa remuneração era necessário para a indústria em crescimento e os terrenos ocupados pelas favelas eram públicos ou pouco valorizados. Por outro lado, pelo caráter populista da política governamental, entre 1945 e 1964, as favelas passaram a ser vistas como fontes de numerosos votos. Os anos 40 marcaram um período de mais forte proliferação de favelas no Rio de Janeiro. Foi nesta época que o primeiro Censo oficial foi realizado. Apesar dos números deste Censo terem sido controvertidos, ele se tornou o marco do reconhecimento oficial pelo Estado da existência das favelas, que já faziam parte da paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Abaixo percebe-se o número de favelas no espaço urbano em diferentes períodos de ocupação. Tabela 6 - Percentual de favelas em diferentes períodos de ocupação
Fonte: IPLANRIO 1982. In: Soares, 1989.
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Conforme quadro abaixo observa-se, ao início da década de 50, a existência de 105 favelas no Rio de Janeiro, abrigando um total de 169.305 de moradores. As favelas concentravam-se na chamada zona suburbana (44% das favelas e 43% da população favelada), seguida da zona sul (24% e 21% respectivamente) e da região Centro-Tijuca (com 22% e 30%). Esse recenseamento, realizado pelo IBGE em 1970, também revelou a predominância de uma população de migrantes nas favelas cariocas: 52% eram naturais do Estado do Rio de Janeiro (na ocasião [1960] a capital federal – a Cidade do Rio de Janeiro – constituía o Distrito Federal), Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do nordeste brasileiro. Tabela 7 – Evolução do Número de Favelas em Relação aos Domicílios e Habitantes da Cidade do Rio de Janeiro ANO Nº DE FAVELAS DOMICÍLIOS HABITANTES 1950
105
44.000
169.305
1960
147
69.680
335.696
1967
230
162.741
757.696
1970
300
185.000
1.000.000
Fonte: Anuário Estatístico da Guanabara, do Censo de 1970 – IBGE. Extraído de “Metrópole de 300 Favelas”. Nunes, Guida. Ed. Petrópolis. 1976. Adaptado
Em 1950, 36% da população brasileira viviam na área urbana, enquanto 63,8% faziam do Brasil um país predominantemente rural. Em 1991, verifica-se que este quadro inverteu-se, drasticamente, passando o país a ter 75,2% de sua população vivendo nos grandes centros urbanos. Esse crescimento da população urbana no Brasil foi conseqüência de vários fatores, mas nenhum tão marcante como o êxodo rural. Na cidade do Rio de Janeiro, como em outras áreas urbanas do país, o fluxo migratório agravou o problema da escassez de moradias, já comprometido com a descontinuidade de uma política urbana e habitacional voltada para população de baixa renda, problemática esta agravada a partir da década de 40 quando assumiu proporções cada vez maiores, permanecendo ainda hoje como tema de um debate político sem soluções concretas legitimadas. Mesmo assim, medidas governamentais foram objeto de políticas públicas que visavam a proibição do crescimento das favelas. A vinda de migrantes nordestinos foi marcante para as áreas deste estudo. Eles procuravam áreas pertencentes à União (e também da igreja). Neste sentido, a área ocupada
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hoje pela Maré, oferecia todas as condições para este tipo de ocupação, pois se tratava, em boa parte, de terras devolutas e terrenos da Marinha Brasileira. Na figura 6 pode-se observar a antiga área de mangue, hoje ocupada pela Maré. Neste momento realizaremos um breve histórico acerca das principais favelas que surgiram na área de estudo e que atualmente formam o Complexo da Maré. Fig. 6 – Maré na época dos manguezais/primórdios da ocupação
Fonte: http://www.cesm.org.br
Neste período a área da Leopoldina - região pertencente à área de Planejamento 03 que se localiza próximo a Maré, já havia se transformado em núcleo industrial e como as terras boas do subúrbio tinham se tornado objeto da especulação imobiliária, restou para a camada mais pobre dessa população a ocupação das áreas alagadiças no entorno da Baía da Guanabara. E no final da década de 40 do século passado, já havia palafitas na região e, desta forma, surgem focos de povoação onde hoje se localizam as comunidades da Baixa do Sapateiro, Parque Maré e o Morro do Timbáu. Fato fundamental para o surgimento e crescimento do Complexo da Maré foi a construção, em 1946, da chamada “Variante Rio-Petrópolis” que mais tarde, se tornaria a conhecida Avenida Brasil (Fig. 7).
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Fig. 7 – Obra de construção da Avenida Brasil, trecho Manguinhos, 1940.
Acervo do Arquivo Geral da Cidade. In: http://www.ceasm.org.br
O projeto de construção de uma via tinha a finalidade principal de expandir a antiga área industrial do Rio de Janeiro – e que acabou por se tornar a principal via de comunicação entre o centro, os bairros do subúrbio e a periferia da cidade. A Av. Brasil proporcionou o crescimento de um cinturão industrial às suas margens, que somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e à facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis para o surgimento das comunidades da Maré, pois em sua construção trabalharam muitos dos primeiros moradores destas áreas. Conforme aponta Goulart a respeito desse crescimento de espaços favelados na Cidade do Rio de Janeiro Inicialmente, verificou-se maior incidência nos morros situados entre o centro e a parte norte da cidade, sem duvida, por causa do maior desenvolvimento dos mercados de trabalho nesta última parte. Mas em 1933 nota-se maior proliferação de favelados, não só nos morros, como em terrenos planos – Praia do Pinto, Avenida Brasil, etc. Em arcabouços de construções abandonadas – Favela do Esqueleto – e até mesmo em imóveis velhos e condenados, onde se criam condições de moradia equivalentes às existentes nas favelas propriamente ditas (GOULART, 1957 p. 22).
As comunidades da área hoje conhecida como Complexo da Maré surgiram a partir das décadas de 30/40, sendo a mais antiga a que se originou no Morro do Timbáu, área já ocupada desde o período colonial, por se localizar, ali, o antigo Porto de Inhaúma. Posteriormente, a área foi ocupada por portugueses e italianos que ali estabeleceram suas chácaras e por pescadores que fundaram uma colônia de pesca. O nome da comunidade passa a ser o da região, que era conhecida como thybau, do tupi-guarani, "entre as águas", o que denota terem sido os índios os primeiros habitantes do lugar. Esse local “é uma formação típica de favelas
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em encostas mas com uma grande diferença em comparação com outras favelas de morro; o Timbáu apresenta uma densidade habitacional extremamente baixa” (Jacques, p. 25). A ocupação da comunidade propriamente dita se dá a partir da chegada da primeira moradora da comunidade, D. Orosina, que num passeio de final de semana se apaixona pelo lugar, e recolhendo a madeira que a maré trazia, demarca uma área e constrói o primeiro barraco, com a ajuda de seu marido. Trata-se hoje de uma das mais consolidadas comunidades do complexo, que ainda apresenta um tecido urbano irregular, labiríntico, com vários becos sem saída e grande parte das ruas que seguem as curvas de nível do morro (www.ceasm.og.br). Este primeiro casal vinha do centro do Rio, onde viviam numa casa de cômodos, atrás da Estação da Central do Brasil. A mulher tinha acabado de chegar do interior de Minas Gerais e não conseguia viver sufocada no pequeno cômodo, "com a chuva caindo em goteiras". Ela escolheu um ponto seco, conveniente, numa pequena elevação próxima ao mar e levantou seu pequeno barraco com os materiais que a maré trazia de graça. Mais tarde, ela se dedicou a plantar árvores frutíferas e uma horta e a cercar seu "território". Ela conseguiu fazer tudo sem que qualquer pessoa a perturbasse. Mesmo assim, o casal estava bastante assustado, percebendo que eles estavam ocupando algo, sem autorização, que não lhes pertencia. O 1º Regimento de Carros de Combate (RCC) instalou-se em 1947 defronte ao Morro do Timbáu, e sob a justificativa de impedir a ocupação de terrenos que lhe pertenciam (o que mais tarde se vai verificar não ser verdade) passou a exercer um controle sistemático sobre a comunidade com a derrubada de barracos, o controle da entrada de moradores através da colocação de cercas de arame farpado e a cobrança, por parte, de alguns militares de ‘taxas de ocupação. Apesar da irregularidade e da violência dos procedimentos adotados, os militares paradoxalmente também foram responsáveis por um tipo de controle do uso do solo urbano da comunidade, mesmo que ainda não seja possível falar em planejamento organizado como ressalta Jacques (2002). Além do crescimento urbano, os militares também controlavam a arquitetura das habitações; era proibido, por exemplo, trocar as madeiras das paredes por alvenaria e o zinco do telhado por telhas. Tudo aquilo que pudesse ser considerado como uma construção permanente era demolido. A história da comunidade do Timbáu vai ser, na década de 50, marcada pela resistência ao exército que reclamava a propriedade da área e que vai tentar impedir por todos os meios, inclusive pela violência, a sua ocupação. Por intervenção de D. Orosina, que escreve uma
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carta denunciando tal situação ao Presidente Getúlio Vargas, que a recebe no Palácio e lhe responde dando garantias contra os agentes militares, a comunidade passou a crescer e se organizar tendo, em 1954, fundado a terceira associação de favelas do Rio de Janeiro. Apesar de se encontrar em uma área bem mais plana, o traçado urbano da Baixa do Sapateiro (1947) é ainda mais irregular e sobretudo mais diminuto que o Morro do Timbáu. Dois fatores relativos ao processo de ocupação dessas duas áreas adjacentes contribuíram para que isso ocorresse: no morro, como visto anteriormente, a ocupação foi controlada e na Baixa do Sapateiro, o fato de ter sido uma área alagadiça com grande parte de suas construções sobre palafitas. O nome da comunidade tem uma origem duvidosa e são três as versões correntes. A primeira diz respeito a um morador que trabalhava como sapateiro na ocupação inicial da área; a segunda o nome seria uma alusão à Baixa do Sapateiro, localizada em Salvador, na Bahia, uma vez que vários nordestinos migraram para esta comunidade e a terceira versão diz que o nome faria referência a uma planta conhecida como sapateiro, bastante presente na vegetação de manguezais. De concreto o que se sabe é que essa comunidade surgiu em uma parte seca, na continuidade do Morro do Timbáu. Na ocupação inicial era conhecida como a ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, e na década de 1950 começavam as primeiras construções de palafitas que foram progressivamente invadindo os mangues e as águas da Baía da Guanabara. A vida cotidiana dos moradores da Baixa do Sapateiro era marcada pela precariedade e os barracos eram construídos à noite, com materiais precários, geralmente restos de madeira e lata, sobre as palafitas, também de madeira, de quase dois metros de altura. Em 1957 surge a “União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro”, que somente foi registrada em 1959, sendo uma das primeiras associações de favelas do Rio de Janeiro. O Parque Maré (1953) foi inicialmente ocupado como uma continuação da Baixa do Sapateiro e por esse motivo as duas comunidades têm semelhanças formais, como a irregularidade das ruas e becos decorrente das antigas pontes que ligavam os barracos sobre palafitas como visto na figura abaixo.
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Fig. 8 – Palafitas da Maré na década de 70
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br
No entanto, já se observam algumas ruas mais regulares surgidas como um prolongamento das ruas existentes no tecido formal, constituindo quadras mais tradicionais e retangulares e essa comunidade apresenta uma alta densidade demográfica que pode ser explicada pela sua maior proximidade com a Avenida Brasil. O Parque Maré conheceu uma grande expansão na década de 1960, quando também foi criada sua associação de moradores para lutar pela permanência e consolidação da comunidade. Assim como a Baixa do Sapateiro, o Parque Maré sofreu, após o Projeto Rio (que falaremos mais adiante), um pequeno decréscimo populacional, menor que a baixa, por causa da remoção e realocação dos moradores das palafitas. A história do Parque Rubens Vaz inicia-se em 1951 quando surgem no local os primeiros barracos. A área nesta época era conhecida como ‘Areal’ devido à grande quantidade de areia espalhada no local, por ocasião da drenagem e canalização do Canal da Portuária. Por sua localização ser as margens da Avenida Brasil, aos migrantes que chegavam à área para fixarem residência, eram avisados de que não deveriam construir à margem da via por que esta seria alargada, como de fato foi (nesta época a Avenida Brasil tinha apenas duas pistas). Deste modo ninguém construiu sua habitação a menos de 40 metros da pista. Em 1958 chega à área um advogado chamado Margarino Torres que defende a população e seu direito de permanecer no local e nesta época, quando o número de habitações aumenta consideravelmente, a polícia começa a fazer pressão para evitar o crescimento da
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comunidade. Margarino torna-se então líder da população e importante personagem para a consolidação da ocupação. O local, que até então chamava-se ‘Parque João Araújo’ (depois de ter sido conhecido como ‘Areal’), passa a chamar-se ‘Parque Margarino Torres’, em homenagem ao advogado. Em 1959 houve a invasão da área onde é hoje a favela Parque União e quem lidera a invasão é o próprio advogado que abandona a localidade que leva seu nome e em 1965 - durante o Governo Carlos Lacerda - a população da área sente a necessidade de encontrar um nome oficial para a região e escolhem o nome de ‘Rubens Vaz’ em homenagem ao major assassinado em atentado na Rua Toneleros, em Copacabana. O advogado Margarino Torres – o mesmo que defendeu a população e seu direito de permanecerem na área hoje conhecida como Parque Major Rubens Vaz – ligado ao PCB e que tinha um escritório nesta localidade, deu todas as coordenadas para a estruturação da comunidade Parque União, em 1959, e esta localidade foi uma das áreas com um certo ‘planejamento de ocupação’, pois ele demarcou áreas para a permanência dessa população. A comunidade Nova Holanda (1962) teve um processo de ocupação completamente diferente ao das demais formações que vimos até o momento. Sua origem não foi de uma invasão espontânea, como no Morro do Timbáu, Baixa do Sapateiro e Parque Maré, nem mesmo uma invasão planejada, como no Parque União. Esta comunidade foi planejada e construída pelo poder público na década de 60 do século passado, no Governo de Calos Lacerda, sobre um imenso aterro localizado ao lado do Parque Maré. As dimensões do aterro realizado impressionou tanto que influenciou até na escolha do nome da comunidade, uma homenagem à Holanda, país europeu quase inteiramente construído abaixo do nível do mar, sobre aterros e diques. Outra semelhança são as roldanas que podemos encontrar em algumas casas e que indicam que as mudanças eram feitas por cabos externos, exatamente como ocorre em cidades holandesas, principalmente Amsterdã. Acerca das características dessa comunidade Jacques (2002 p. 39) cita que A Nova Holanda apresenta, até hoje, em sua configuração urbana, a regularidade e a ortogonalidade dos conjuntos habitacionais modernistas, racionais e cartesianos. A arquitetura das casas seguia a mesma lógica: eram casas em série, idênticas. Mas também não era exatamente o que pode ser chamado de conjunto habitacional, pois a Nova Holanda foi projetada para ser um Centro de Habitação Provisória (CHP). Assim, desde a origem, tinha uma característica típica das favelas: a provisoriedade, que é exatamente o que leva à precariedade e à instabilidade. As casas, por serem provisórias, foram construídas em madeira, em dois padrões básicos: unidades individuais simples e o modelo “vagão” ou “dúplex”, com dois pavimentos. Essa mesma condição “provisória” não permitia, num primeiro momento, que fossem realizadas melhorias pelos moradores, o que provocou uma rápida degradação das construções. Mas o que era provisório virou permanente, e a Nova Holanda, apesar de não ter nascido favela, “favelizou-se” progressivamente.
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Vale destacar qual era, na verdade, o significado de fato dos CHPs. Era um tipo centro de habitação que foi produto da política habitacional repressiva e violenta da época da ditadura militar e servia como local de triagem de favelados (removidos em massa pelo governo autoritário que sistematicamente erradicava as favelas das áreas mais ricas e visíveis da cidade, principalmente da Zona Sul) para a sua futura realocação em novos conjuntos habitacionais a serem construídos na periferia distante. No CHP os moradores removidos passariam por um processo de preparação para morarem em locais urbanizados, tendo noções de higiene e educação, além de cuidados com a nova moradia. E o que era para ser transitório acabou sendo definitivo e até hoje vivem na comunidade muitas famílias que foram para Nova Holanda aguardar sua remoção para um novo conjunto da cidade, o que jamais chegou a acontecer. A Fundação Leão XIII controlava tanto o processo de transferência de favelados quanto o gerenciamento dos próprios CHPs. Os primeiros conjuntos habitacionais construídos na Maré surgiram na década de 1980. A Vila do João (1982) era vista como uma esperança de vida para os moradores das palafitas que após cadastro no programa ‘Promorar’ - que será abordado de forma mais ampla mais adiante-, receberam suas casas. A Vila do João, na época de sua inauguração, foi apelidada pela população de “Malvinas” e de “Inferno Colorido”, sendo o primeiro nome uma alusão à Guerra das Malvinas – entre Argentina e Inglaterra –, devido aos intensos tiroteios e, o segundo, por causa do sortido colorido e calor das casas recém construídas, apelidos esses que caíram no desuso (http://www.ceasm.org.br). A Vila do Pinheiro (1983) nasce na região remanescente da Bela “Ilha do Pinheiro”, na época de aterramento das sete ilhas onde atualmente está erguida a Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ), a Ilha do Pinheiro foi excluída do projeto, mas acabou sendo anexada ao continente nos aterros promovidos pelo Projeto Rio. Na época, a ilha comportava um centro de pesquisa com macacos da espécie Rhesus da Fundação Fiocruz e, neste período, foi retomada pela União para fins de aterramento e construção de Unidades Habitacionais. O que restou da ilha virou um pequeno parque ecológico. Nos terrenos da Vila dos Pinheiros foi erguido um conjunto de prédio chamado de Conjunto Pinheiros (1989) e um outro conjunto de casas de nome Salsa e Merengue (2000). Em uma escala evolutiva no que tange a urbanização no espaço da Maré, pode-se observar na figura 9 de que modo os mangues, as palafitas, as construções e aterros particulares e as construções e aterros do poder públicos, configuram a atual paisagem do bairro.
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Após os esclarecimentos à cerca da visão histórica da segregação sócio espacial na Cidade do Rio de Janeiro, desde o final do século XIX até os anos 2000, concomitantemente a história de formação e ocupação do atual bairro Maré, passaremos a seguir, a uma tentativa de definição conceitual do termo ‘Políticas Públicas’ para um melhor entendimento a cerca do propósito deste trabalho. Fig. 9 - Evolução urbana na Maré
Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em Dados: Censo 2000 - CEASM.
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2 – Políticas Públicas na Cidade do Rio de Janeiro e seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré Neste capítulo pretende-se uma tentativa de conceituar o termo ‘política pública’, para posteriormente, realizarmos um recorte dessas políticas implementadas na Maré. Como visto anteriormente a segregação do espaço urbano - entendida aqui como segregação residencial pode ser apresentada em duas linhas de raciocínio: a conformação das áreas com alto grau de homogeneidade social e a tendência de certos grupos sociais em concentrar-se em algumas áreas da cidade desprovidas dos serviços básicos de infra-estrutura, como foi o caso da Maré no início de seu adensamento populacional. De maneira geral, segregação remete a uma idéia de afastamento ou isolamento entre diferentes grupos populacionais. Este ‘afastamento ou isolamento’ pode assumir significados distintos, o que nos permite identificar dois tipos de segregação: uma de cunho sociológico (que representa a ausência de interação entre os distintos grupos populacionais) e outra de cunho geográfico (que representa a separação espacial entre grupos populacionais diferentes). Sobre essa segregação geográfica é que iremos abordar quando discutirmos as Políticas Públicas na Maré.
2.1 – Conceituando Políticas Públicas De acordo com a professora de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Maria das Graças Rua, a política compreende um conjunto de procedimentos destinados à resolução pacífica de conflitos em torno da alocação de bens e recursos públicos (http://pt.wikipedia.org). Já Guareschi, Comunello, Nardini e Hoenisch (2004, p. 96), definem política pública como: O conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público.
Em seu artigo de 2003, Sergio de Azevedo, cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), “política pública é tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”.
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De acordo com Frey (em trabalho realizado pelo IPEA 2000), o conceito de políticas públicas está relacionado à idéia de ‘policy analisys’ - onde a empiria e a prática política, são as bases de sua argumentação - que discute a noção das leis e princípios próprios das ‘políticas específicas’, onde pretende-se analisar a inter-relação entre as instituições políticas, o processo político e os conteúdos da política somados ao arcabouço dos questionamentos tradicionais da ciência política. Neste sentido, esse autor, baseado nos questionamentos da ciência política e alicerçado nas literaturas sobre a ‘policy analysis’, diferencia três dimensões da política e para ilustrá-la, adota o emprego do conceito em inglês de ‘polity’ - para denominar as instituições políticas, ‘politics’ - para os processos políticos e, por fim, ‘policy’ para os conteúdos da política. O autor assim caracteriza essas dimensões:
Polity, como dimensão institucional, refere-se à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo;
Politics, no quadro da dimensão processual, tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição;
Policy, na dimensão material, refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas. Neste sentindo Frey (2000) analisa a prática da policy analysis da seguinte forma: No que diz respeito à prática cotidiana do pesquisador ou analista de políticas públicas, não se deve negligenciar o fato de que as próprias circunstâncias referentes aos interesses do solicitante da pesquisa e às constelações das forças políticas, mas também às limitações no tocante aos recursos disponíveis (tanto humanos e financeiros quanto de tempo), costumam influenciar o processo de formulação do projeto de pesquisa.
Em relação à pergunta do grau de influência das estruturas políticas (‘polity’) e dos processos de negociação política (‘politics’) sobre o resultado material concreto (‘policy’) uma orientação característica da ‘policy analysis' - parte, no entender de Frey (2000), do pressuposto de concatenações de efeitos lineares. Tal conjectura contradiz a experiência empírica da existência de inter-relações entre as três dimensões da política, especialmente entre as dimensões ‘policy’ e ‘politics’. Como visto, não existe consenso sobre o aspecto conceitual do termo políticas públicas. Pois como salienta Sergio de Azevedo (2003): As As políticas políticas públicas públicas podem podem ter ter diversos diversos objetivos objetivos ee diferentes diferentes características características ee formatos institucionais. Desta forma, pode-se dizer que essas políticas formatos institucionais. Desta forma, pode-se dizer que essas políticas têm têm duas duas características gerais: gerais: Primeiro Primeiro aa busca características busca do do consenso consenso em em torno torno do do que que se se pretende pretende fazer fazer ee deixar deixar de de fazer. fazer. Assim, Assim, quanto quanto maior maior for for oo consenso, consenso, melhores melhores as as condições condições de aprovação e implementação das políticas propostas. Segundo, a definição de aprovação e implementação das políticas propostas. Segundo, a definição de de normas definir normas ee o o processamento processamento de de conflitos. conflitos. Ou Ou seja, seja, as as políticas políticas públicas públicas podem podem definir normas tanto para para aação os normas tanto cão como como para para aa resolução resolução dos dos eventuais eventuais conflitos conflitos entre entre os diversos indivíduos e agentes sociais. diversos indivíduos e agentes sociais.
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Existem diferenças entre decisões políticas e políticas públicas. Nem toda decisão política chega a ser uma política pública. Decisão política é uma escolha dentre um leque de alternativas, já política pública, que engloba também a decisão política, pode ser entendida como sendo um nexo entre a teoria e a ação. Esta última está relacionada com questões de liberdade e igualdade, ao direito à satisfação das necessidades básicas, como emprego, educação, saúde, habitação, acesso à terra, meio ambiente, transporte etc. Na opinião de Maria das Graças Rua (2008), existem três tipos de demandas comuns em políticas públicas:
Demandas Novas - que correspondem àquelas que resultam do surgimento de novos atores políticos ou novos problemas;
Demandas Recorrentes - São aquelas que expressam problemas não resolvidos ou mal resolvidos;
Demandas Reprimidas - São aquelas constituídas sob um estado de coisas ou por nãodecisão. Essa mesma pesquisadora elenca as cinco fases ou ciclos das políticas públicas:
→ Formação da agenda → Formulação → Implementação → Monitoramento → Avaliação
De acordo com Sergio de Azevedo (2003) existem três tipos de políticas públicas: Políticas Públicas Redistributivas, Políticas Públicas Distributivas e Políticas Públicas Regulatórias. A seguir iremos alencá-las.
Políticas Públicas Redistributivas = Seu objetivo é redistribuir renda na forma de recursos e/ou de financiamento de equipamento e serviços públicos. Exemplos clássicos pode-se citar a isenção ou a diminuição do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para camadas sociais mais pobres da cidade, e o aumento desse imposto para os setores de maior nível de renda que vivem em mansões ou apartamentos de luxo. Com os recursos da cobrança do IPTU, o município passa a financiar as políticas urbanas e sociais com o imposto pago pelos estratos de média e alta renda, promovendo uma redistribuição de renda por meio da maior tributação dos mais ricos e da redução dos encargos dos mais pobres, sem diminuir a arrecadação geral. Outro exemplo seria o chamado crédito rural.
Políticas Públicas Distributivas = Seus objetivos são pontuais ou setoriais ligados à oferta de equipamentos e serviços públicos. Em relação ao financiamento, é a
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sociedade como um todo, através do orçamento público, quem financia sua implementação, enquanto os beneficiários são pequenos grupos ou indivíduos de diferentes estratos sociais. Elas atendem a demandas pontuais de grupos sociais específicos. Como exemplo pode-se citar tanto a pavimentação e a iluminação de ruas quanto a oferta de equipamentos para deficientes físicos (como cadeiras de rodas). Nesse caso, esse tipo de política não é universal, pois não é garantido por lei. Por outro lado, as políticas distributivas são de fácil implantação, porque raramente há opositores ao atendimento dessas demandas fragmentadas, pontuais e muitas vezes individuais. Essas políticas são majoritárias no Brasil. Outro exemplo seria a ‘reforma agrária’.
Políticas Públicas Regulatórias = Essas políticas visam regular determinado setor, ou seja, criar normas para o funcionamento dos serviços e a implementação de equipamentos urbanos. Deste modo se refere à legislação e é um instrumento que permite regular e/ou normatizar a aplicação de políticas redistributivas e distributivas, como por exemplo a Lei de Uso do Solo e o Plano Diretor. Essas políticas têm efeitos de longo prazo e, em geral, não trazem benefícios imediatos, já que precisam ser implementadas, por isso, até mesmo entre o grupo dos potencialmente beneficiados, há que enfrentar entraves adicionais para uma mobilização em sua defesa. Outro exemplo seria a ‘política de preços’. Este mesmo autor assinala alguns problemas relativos à implementação das políticas
públicas que devem ser considerados no planejamento e no monitoramento das mesmas: → Interface Entre as Políticas Setoriais: Essa interface diz respeito à inter-relação entre as diversas políticas. Entre as dificuldades de tratar as interfaces, destacam-se a crescente especialização do poder público e a tendência de maximização do desenho de cada um dos órgãos do poder público. É importante criar mecanismos (institucionais, políticos e de controle, entre outros), de modo a aumentar a cooperação e a coordenação entre as várias políticas setoriais. Em geral a melhora de um setor (por exemplo, a saúde da população de uma favela) pode depender mais de investimento em outra política setorial com grande interface (por exemplo, distribuição de mais remédios contra vermes). → Efeitos Não Esperados: São tantas as variáveis que podem interferir na implementação de uma determinada política pública, que é impossível prever todos os seus impactos. No entanto, eles sempre existem e podem ser de dois tipos: positivos e/ou perversos. Não há formas de evitar totalmente os efeitos perversos, mas podem-se diminuir os riscos, tentando
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prever o comportamento provável dos atores que serão influenciados pelas políticas propostas e realizando previamente os ajustes necessários. → Não-política: Não realizar determinada ação não representa uma neutralidade, como pode parecer, mas um posicionamento. Assim, a não-atuação também pode provocar impactos negativos sobre a realidade, e isso deve ser levado em consideração no planejamento e no monitoramento e exemplo clássico disso é o município com várias fontes poluentes que não possui nenhuma política, nem órgão público que responda pelo controle do meio ambiente. → Redundância: A redundância clássica e negativa ocorre quando dois ou mais órgãos públicos atuam no mesmo programa, havendo sobreposição de ações, aumento dos gastos com funcionários e equipamentos, sem acarretar maior benefício para o cidadão comum. Entretanto deve ser lembrado que há determinados setores e ações públicas que exigem maior confiabilidade e que, nesses casos, é positivo ocorrer algum grau de redundância. Por exemplo, o fato de haver uma escola de Ensino Fundamental Estadual em um bairro popular altamente povoado não deve eximir o Governo Municipal de atuar nessa área. → Opções Trágicas: Diante da escassez de recursos, qualquer governo se depara com a necessidade de fazer opções, escolher prioridades. Em boa parte das vezes elas se revelam verdadeiras opções trágicas, como por exemplo, a escolha de investir em uma (ou algumas) favela(s), em uma (ou algumas) área(s) pobre(s), quando as carências e necessidades são muitas. No entanto, é possível optar de forma mais participativa ou centralizada, aumentando ou diminuindo a legitimidade dessas decisões. → Tragédia dos Comuns: A maximização dos interesses individuais pode gerar situações de perda para todos (tragédias coletivas). Um exemplo: se a grande parte dos moradores da cidade do São Paulo decidirem comprar um segundo carro como forma de não serem penalizados pelo rodízio de placas, o trânsito tenderá a médio e longo prazo a se tornar pior para todos. Desta forma, a implementação de determinadas políticas deve ser acompanhada tanto de campanhas públicas de persuasão como de penalidades progressivas aos infratores, para garantir a adesão dos cidadãos aos objetivos planejados. Assim sendo, e em face de um determinado problema, não existe apenas uma solução em termos de políticas públicas, há uma gama variada de alternativas relativamente boas, ruins e/ou razoáveis, e desta forma, é preciso avaliar com profundidade os efeitos de cada uma das escolhas. Desta forma é mister lembrar que é de suma importância que a mobilização e a participação da população são um desafio que depende de vários fatores, entre os quais, a cultura cívica. Os Conselhos Municipais são muito importantes na elaboração e na
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deliberação de diretrizes e políticas que controlam e impõem limites aos governos. Eles constituem uma importante forma de controle social. Após esses entendimentos em relação às definições de ‘políticas públicas’, passaremos a abordar, no próximo sub-capítulo, de que forma essas políticas agem tanto na Cidade do Rio de Janeiro como na Maré - pontualmente falando - e de que forma seus reflexos constroem a segregação no espaço do bairro. 2.2 – Políticas Públicas e Seus Reflexos na Segregação do Espaço na Maré Neste momento iremos abordar as principais intervenções em termos de políticas públicas implementadas na cidade do Rio de Janeiro
que, concomitantemente,
desenvolveram-se na área da Maré ao longo do último século. O primeiro ‘Plano Urbanístico’ para a Cidade do Rio de Janeiro data de 1875, um pouco anterior à Proclamação da República, visando remodelar, embelezar e melhorar as condições de saneamento da cidade, incluindo a vacinação obrigatória contra a ‘Febre Amarela’ - e que voltará mais definido na forma da ‘Reforma Passos’. Com o fim do período colonial, a cidade pretendia se modernizar e ingressar na economia internacional, atraindo investimentos externos (http://www2.rio.rj.gov.br/smu). O rascunho desse ‘primeiro’ plano urbanístico foi realizada em pleno II Reinado, pela ‘Comissão de Melhoramentos da Cidade’ e nomeada pelo Imperador em 27/05/1874. Esta Comissão foi encarregada de criar a Carta Cadastral. Neste instante a Cidade do Rio de Janeiro era a mais desenvolvida do país, devido ao sucesso da lavoura do café e um dos seus idealizadores foi o engenheiro Francisco Pereira Passos. No Rio de Janeiro, assim como na Europa, os primeiros interessados em esmiuçar a cena urbana e seus personagens populares voltaram sua atenção para o cortiço4, considerado no século XIX como o locus da pobreza, espaço onde residiam alguns trabalhadores e se concentravam, em grande número, vadios e malandros, a chamada “classe perigosa”. Um dos primeiros autores a utilizar esse termo foi Aluisio Azevedo em sua célebre obra “O Cortiço” de 1890. Em uma passagem ele cita que seu personagem, João Romão, um homem ambicioso e que começa a fazer fortuna quando recebe uma pequena herança de seu antigo patrão e, para conseguir tal fortuna, se vale de todos os meios, até mesmo a roubar 4
Aglomerado de casas que serve de habitação coletiva para a população de baixa renda e conhecida, também, como ‘Cabeça-de-Porco’. Surge a partir de uma estalagem anti-higiêncica que havia na Cidade do Rio de Janeiro e que, a muito custo, foi demolida pelo então prefeito Barata Ribeiro em 1893 (http://pt.wikipedia.org).
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material de construção dos moradores da redondeza para fazer seu cortiço, “com casinhas e tinas para lavadeiras” (2004, p. 247). Caracterizado como verdadeiro “inferno social”, o cortiço era tido como antro não apenas da vagabundagem e do crime, mas também das epidemias, constituindo uma ameaça às ordens moral e social. E na visão de Valladares, em seu artigo de 2000, os cortiços eram assim percebidos; como o espaço, por excelência, do contágio das doenças e do vício, sua denúncia e condenação pelo discurso médico-higienista foram seguidas por medidas administrativas: primeiro, uma legislação proibindo a construção de novos cortiços no Rio; em seguida, uma verdadeira “guerra” que resultou na destruição do maior de todos, o “Cabeça de Porco”; e finalmente, a grande reforma urbana do prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, que se propunha a sanear e civilizar a cidade acabando com as habitações anti-sanitárias.
Os estudiosos do cortiço no Rio de Janeiro mostram que essa forma habitacional correspondeu à “semente da favela”. Seja por já se notar no interior do famoso “Cabeça de Porco” a presença de casebres e barracões (VAZ, 1994), seja por ter havido uma relação direta entre o “bota abaixo” do centro da cidade e a ocupação ilegal dos morros no início do século XX. Somente após ferrenha campanha contra o cortiço as atenções começam a se voltar para esse novo espaço geográfico e social que vai despontando, gradativamente, como o mais recente território da pobreza. Em especial, uma favela5 cataliza as atenções, mais precisamente o morro da Favella, que entrou para a história por sua associação com a guerra de Canudos, por abrigar ex-combatentes que ali se instalaram para pressionar o Ministério da Guerra a lhes pagar os soldos devidos. O morro da Favella, atual morro da Providência, passa a emprestar seu nome aos aglomerados de casebres sem traçado, arruamento ou acesso aos serviços públicos, construídos em terrenos públicos ou de terceiros, que começam a se multiplicar no centro e nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro. Em relação a essa dicotomia entre os termos favela e morro muito empregada pelos estudiosos do tema, Valladares (2005 p. 33) cita que No Rio existe uma associação entre os termos ‘favela’ e ‘morro’ desde o início do século XX, época do surgimento das primeiras favelas. As duas denominações são portanto utilizadas como sinônimos há muito tempo. Na literatura e em textos de samba dos anos 1928/1994, a favela é morro, no sentido geográfico. Já no sentido metafórico, ela aparece como um bastião, da mesma forma que canudos.
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Em Canudos (BA) havia uma encosta chamada de Morro da Favela que também é uma planta típica da caatinga nordestina (Cnidoscolus phyllacanthus) e que apresenta extraordinária resistência à seca, apresenta espinhos e pode ser usada para alimentação animal e humana. O estudo sobre essa planta iniciou-se em 1937 pelo botânico Phylipp Von Lutzelburg (http://www.arara.fr/BBFAVELA.html).
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De acordo com Valladares (2000) a visão do então Ministro da Justiça e Negócios Interiores Drº J.J. Seabra denunciava as formas precárias de habitação e o tipo de habitantes que se alocavam nessas áreas: Para alli vão os mais pobres, os mais necessitados, aqueles que, pagando duramente alguns palmos de terreno, adquirem o direito de escavar as encostas do morro e fincar com quatro moirões os quatro pilares do seu palacete. Os casebres espalhamse por todo o morro; mais unidos na base, espaçam-se em se subindo pela rua (!) da Igreja ou pela rua (!) do Mirante, euphemismos pelos quaes se dão a conhecer uns caminhos estreitos e sinuosos que dão difícil accesso à chapada do morro.[...] Alli não moram apenas os desordeiros e os facinoras como a legenda (que já tem a Favella) espalhou; alli moram também operários laboriosos que a falta ou a carestia dos comodos atira para esses logares altos, onde se gosa de uma barateza relativa e de uma suave viração que sopra continuamente, dulcificando a rudeza da habitação.
Em 1890, para uma população de 522.651 habitantes, cerca de 130 mil moravam em cortiços e estalagens (www.opandeiro.net). Neste momento, 1893, após ordem do prefeito Barata Ribeiro ocorre a demolição do cortiço ‘Cabeça de Porco’ que contabilizava uma população controversa entre 400-4000 habitantes. A demolição do mais famoso cortiço ocorreu de forma truculenta em uma verdadeira operação de guerra conforme aponta Chalhoub (1996 p. 15-16) Era o dia 26 de janeiro de 1893, por volta das seis horas da tarde, quando muita gente começou a se aglomerar diante da estalagem da rua Barão de São Félix, nº 154. Tratava-se da entrada principal do Cabeça de Porco, o mais célebre cortiço carioca do período: um grande portal, em arcada, ornamentado com a figura de uma cabeça de porco, tinha atrás de si um corredor central e duas longas alas com mais de uma centena de casinhas. Seja como for, o que se anunciava na ocasião era um verdadeiro combate. Três dias antes os proprietários do cortiço haviam recebido uma intimação da Intendência Municipal para que providenciassem o despejo dos moradores, seguido da demolição imediata de todas as casinhas. A intimação não fora obedecida, e o prefeito Barata Ribeiro prometia dar cabo do cortiço à força. Às sete horas e trinta minutos da noite, uma tropa do primeiro batalhão de infantaria, comandada pelo tenente Santiago, invadiu a estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquer pessoa... Consumado o cerco policial à estalagem, e posicionados os técnicos e autoridades, surgiram mais de cem trabalhadores da Intendência Municipal, adequadamente armados com picaretas e machados.
Neste sentido podemos afirmar que essa seria a primeira medida no que tange às políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro: o processo de ‘erradicação dos cortiços’ - e, conseqüentemente, das favelas. De acordo com Valéria Grace Costa em artigo de 1996 “ a favela6, embora existente na cidade desde 1897, somente a partir de 1930 passa a se constituir na principal alternativa
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De acordo com a Fundação Leão XIII sua definição seria: “aglomerado de habitações, não possuindo saneamento básico necessário a seus moradores, energia elétrica corretamente instalada e água ligada à rede geral; as construções são desordenadas e os acessos feitos por becos e servidões maltraçados; o terreno não é próprio, podendo pertencer ao estado ou a particulares e ocupados através de processo de invasão” (Costa, 1996).
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habitacional para os migrantes e parcela da população, substituindo as outras formas predominantes, até então, como os cortiços, vilas operárias e casa de cômodos”. No início do século XX o então prefeito Pereira Passos (1902-1906) - sob a ordem do Presidente Rodrigues Alves - realiza uma intensa mobilização contra as favelas: o chamado ‘Bota-abaixo’, demolição de habitações anti-higiênicas no Centro da cidade para a construção da Avenida Central - atual Avenida Rio Branco e construção de Vilas Populares (como no bairro do Estácio, por exemplo) para alojar parte dessa população afetada. Dentro deste ideal de modernidade, a demolição dos morros do Castelo, Senado e Santo Antônio seria o ponto inicial para o reordenamento do centro da cidade, superando a dualidade entre tradição e modernização. O discurso cientificista veio conferir legitimidade à sanitaristas e arquitetos identificados com o ideal de ‘limpeza urbana’. Em relação ao ‘Bota-abaixo’, Lobo (1989) cita com clareza a autoridade que tinha naquele momento Pereira Passos; A lei de 29/12/1902 dá carta branca ao novo prefeito Pereira Passos para remodelar a cidade, e a Lei de Março de 1904 autoriza Oswaldo Cruz, nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, a invadir, vistoriar, fiscalizar e demolir casas e construções, que conta com o apoio do Ministro da Viação, Indústria e Obras Públicas, Lauro Muller (p. 73).
Em 1904, Pereira Passos institui na Prefeitura do Distrito Federal (PDF) os projetos de alinhamento (PAs), que regulamentam obras públicas como alargamento e abertura de vias, melhorias no sistema viário, urbanização de logradouros e saneamento (REIS, 1977). Esses projetos são preparados, aprovados por decreto e executados pela própria Prefeitura, e irão constituir importantes instrumentos para as intervenções projetadas e para o fortalecimento do poder público como indutor da expansão da cidade, em substituição ao planejamento em geral (REZENDE, 2002). A partir dos anos 20, do século passado, com o processo de industrialização do país, o Rio de janeiro, então capital da república, passa a sofrer grandes transformações em seu espaço urbano. A atividade industrial tende a concentrar-se nos centros urbanos e os empregos criados pelas fábricas estimulam o deslocamento das populações rurais para a cidade. Em 1927, a convite do então prefeito Antonio Prado Junior, o engenheiro francês Alfred Agache desembarca na cidade e cria o chamado ‘Plano Agache’- empreendida pelo Drº João Augusto de Mattos Pimenta do Rotary Club do Rio de Janeiro entre 1926-1927 que antes realizou a campanha ‘lepra da esthetica’ contra as favelas - que foi um plano de extensão, remodelação e, principalmente, embelezamento da cidade. Este plano criava diversas regras para as edificações e para a ocupação ordenada dos espaços, separando áreas para moradias, comércios ou indústrias. Neste instante da história
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da cidade, as favelas já são reconhecidas, notadamente, pelo poder municipal. Como afirma Pechman no artigo de Valladares (2000): Ao longo da década de 20 uma nova concepção urbanística começa a ganhar expressão diante da mera ação pontual higienista e/ou de embelezamento. Os problemas urbanos — moradia, saneamento, circulação — vão cedendo lugar a uma concepção mais sistêmica de cidade, que emerge como objeto de uma nova disciplina científica: o urbanismo.
Neste mesmo ano (1920) o Governo Federal realiza o primeiro Censo das Favelas onde são contabilizados os seguintes números de acordo com a tabela 8: Tabela 8 - Censo das Favelas de 1920
Localidade Morro da Favella (atual Morro da Providência) Salgueiro Arrelia Cantagalo Babilônia São José Morro do Castelo Morro de Santo Antônio TOTAL
Fonte: http://www.opandeiro.net Adaptado.
Número de Casas 830 190 06 16 59 63 63 63 1290
Em 1937 é criado o ‘Código de Obras’ através do Decreto 6.000 de 01/07/1937 pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e sua intenção era regular as construções. Previa a construção de ‘casas proletárias’ no artigo 346 e, no artigo 347, a eliminação das favelas, substituídas por ‘núcleos de habitação de tipo mínimo’. O artigo 348 proibia a formação ou construção de cortiços ou estalagens e o artigo 349 trazia as seguintes determinações: Art. 349 — A formação de favelas, isto é, de conglomerados de dois ou mais casebres regularmente dispostos ou em desordem, construídos com materiais improvisados e em desacôrdo com as disposições deste decreto, não será absolutamente permitida. # 1º Nas favelas existentes é absolutamente proibido levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer qualquer construção. # 2 ºA Prefeitura providenciará por intermédio das Delegacias Fiscais, da Diretoria de Engenharia e por todos os meios ao seu alcance para impedir a formação de novas favelas ou para a ampliação e execução de qualquer obra nas existentes, mandando proceder sumàriamente à demolição dos novos casebres, daqueles em que for realizada qualquer obra e de qualquer construção que seja feita nas favelas. [...] # 8º A construção ou armação de casebres destinados a habitação, nos terrenos, pátios ou quintais dos prédios, fica sujeita às disposições deste artigo. # 9º A Prefeitura providenciará como estabelece o Título IV do Capítulo XIV deste decreto a extinção das favelas e a formação, para substituí-las, de núcleos de habitação de tipo mínimo. [...]
Em Novembro de 1940 é elaborado pelo Drº Victor Moura e entregue ao Secretário Geral de Saúde e Assistência do Governo Federal o esboço de um novo plano para o estudo e solução do problema das favelas no Rio de Janeiro - consta ainda neste ano o segundo censo
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realizado pelo Governo Federal que, diferentemente do primeiro, contabilizou os casebres (casas que não são de alvenaria) somando 63.317 no Distrito Federal. No início de 1941 é criada uma comissão encarregada do estudo dos problemas de higienização das favelas. Em julho deste mesmo ano, por ordem do Governo Federal, os Institutos de Aposentadorias e Pensões, que já construíam casas populares, entram em entendimento com a Prefeitura do Distrito Federal para a construção de casas destinadas aos favelados. E finalmente, em 1942 na gestão do Prefeito Henrique Dodsworth, é criado o ‘Programa de Parques Proletários’ - o primeiro foi erguido na Rua Marquês de São Vicente na Gávea. A partir de 1940 a Prefeitura do então Distrito Federal intensifica um Programa de Erradicação de Favelas, criando os ‘Parques Proletários Provisórios’ numa visão autocrática de ‘reeducar, reajustar e recuperar o morador, integrando-o novamente na sociedade como elemento mais útil e produtivo. Nesse momento, na Maré, nasciam as primeiras favelas 7. Enquanto a comunidade do Timbáu apresentou um lento crescimento, permanecendo na década de 40 com poucos habitantes, surgia ao final deste período (1947), a primeira grande concentração humana que foi a Baixa do Sapateiro que na época, teve sua formação a partir de um pequeno grupo de barracos construídos sobre palafitas8 (ver figura 9). Não há consenso sobre a origem do nome como visto anteriormente. Fig. 10 - Vista parcial da favela Baixa do Sapateiro em 1950/1960
Fonte: http://www.favelatemmemoria.com.br 7
“A favela é uma unidade sócio-geográfica facilmente observável, possuindo todas as formas de organização como características de localidades A favela tem uma ecologia, ou seja, uma distribuição social de atividades através do território da favela conforme a topografia, solos e outras condições geográficas” (LEEDS & LEEDS, 1978, p. 43). 8 De acordo com o Dicionário Aurélio significa ‘habitação em terreno alagado, construída sobre estacas’.
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A ocupação por moradias, inicialmente, ocorreu a partir dos limites do “loteamento de Bonsucesso”, onde ainda se podem notar muitas casas do início do século XX. Nessa época se tem notícias dos primeiros barracos: Há dois anos moradores iniciaram a construção de barracões nos terrenos da Marinha à margem da Avenida Brasil em Bonsucesso. Os terrenos formavam um charco que, à medida que iam levantando as casas, iam aterrando. Se localizam ali hoje cerca de 800 barracos. Já havia na parte alta da Rua Jerusalém outro grupo de residências. A Prefeitura mandou destruir tudo (Jornal ‘A Noite’, 24/11/1947). Cerca de 2000 pessoas ficarão desabrigadas (...) Prefeitura ameaça demolir 800 barracões. Há quase dois anos construídos por operários, em terrenos existentes no lugar denominado ‘Favelinha do Mangue de Bonsucesso’, no fim da Rua Nova Jerusalém – Comissão faz veemente apelo ao prefeito Ângelo Mendes de Moraes (Jornal ‘O Globo’, 26/11/1947).
Estes artigos publicados em diferentes jornais da cidade dão notícia, já em 1947, da existência de uma ocupação com grande número de barracos, no final da Rua Jerusalém, hoje principal acesso à comunidade da Baixa do Sapateiro e dessa forma, pode-se dizer que a localidade é uma das mais antigas comunidades da Maré. Em 08/02/1947 a Arquidiocese da cidade do Rio de Janeiro e a Prefeitura do Distrito Federal criam a Fundação Leão XIII com o objetivo de ‘prestar assistência material e moral à população residente em comunidades carentes - escolas, ambulatórios, creches, maternidades, cozinhas e vilas populares - dentro de uma perspectiva ‘cristã’ visando conhecer a favela, tratar as famílias e extinguir as mesmas. Neste momento a prefeitura do Rio de Janeiro com o intuito de extinguir as favelas pede ao IBGE a realização do primeiro Censo Geral de Favelas na gestão do prefeito-general Ângelo Mendes de Moraes. A partir deste momento, o discurso democrata deu incentivo e legitimidade para a formação de Comissões de Moradores nas favelas que apresentavam algum grau de organização interna com apoio do Partido Comunista, de estudantes e de intelectuais, enfraquecendo a postura remocionista de então. Neste instante a questão social e urbana passou novamente para o primeiro plano, de um lado como assunto técnico envolvido nas pressões para o desenvolvimento da cidade, de outro como uma questão política e social com as propostas e tentativas de intervenção na crise habitacional que girava em torno da Lei do Inquilinato e de suas conseqüências, tendo como uma das principais expressões o crescimento explosivo das favelas da cidade. Iniciado nas últimas semanas de 1947 e terminado em fins de março de 1948, o censo foi executado pelo Departamento de Geografia e Estatística da Prefeitura do Distrito Federal e publicado em 1949. A princípio foram identificados 119 núcleos, com uma população de 283.390 moradores (que representava 14% da população do Distrito Federal). Tal estimativa
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já assinalava uma considerável redução das cifras — entre 400 mil e 600 mil favelados — que apareciam na imprensa carioca. No decorrer dos trabalhos o número de favelas reduziu-se de 119 para 105 e a população encontrada diminuiu para 138.837 habitantes, dos quais 68.953 do sexo masculino e 69.884 do sexo feminino. O levantamento predial realizado juntamente com o censo da Prefeitura acusou a existência de 34.567 habitações para os 138.837 favelados, o que corresponde à média de 4,01 pessoas por prédio (VALADARES, 2000). A partir de 1950, a Igreja Católica movida pela ameaça comunista alia-se ao Estado oferecendo-se como agente de cristianização dos pobres e assumindo responsabilidade pela assistência social. Além da criação da Fundação Leão XIII, surge a Cruzada São Sebastião (29/09/1955 tendo como secretário-geral Dom Hélder Câmara) que nasce com uma missão mais voltada para o controle político, ampliando a infra-estrutura e a urbanização das favelas; sua atuação mais marcante foi a construção do conjunto habitacional Cruzada (como mais tarde ficou conhecido), no Leblon, que foi o primeiro exemplo de remoção para a proximidade da área onde se encontrava a favela a ser demolida. Em março de 1952 é criado pela prefeitura o Serviço de Recuperação das Favelas — SERFA. De fato, as mobilizações sociais contrárias às remoções promovidas pelo estado fizeram com que a atuação católica ganhasse maior relevância. Um exemplo que ilustra este momento é quando, em 1956, a Prefeitura cria o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas – SERFHA – e atrela sua atuação aos projetos eclesiásticos. Neste mesmo ano foi promulgada a Lei nº 2874 conhecida como a ‘Lei das Favelas’, onde proibia toda e qualquer expulsão de favelados de seus barracos por dois anos e concedia créditos para a construção de casas populares. Na administração do prefeito Negrão de Lima, em 1957, são criados a Superintendência de Urbanização e Saneamento (Sursan) e o Fundo Especial de Obras Públicas, e é definido um plano de realizações em que são reunidas e executadas obras projetadas de túneis, vias e elevados, como a avenida Perimetral. Mais um vez, unem-se o poder de decisão e os recursos necessários, gerando a necessidade de preparação de um plano de conjunto, a exemplo da Reforma Pereira Passos e das obras da administração Henrique Dodsworth. Ainda em 1957 ocorre o primeiro Congresso dos Favelados do Rio de Janeiro e mais tarde tomou corpo a Coligação dos Trabalhadores Favelados do Distrito Federal com o objetivo de lutar por melhores condições de vida para os moradores das favelas através do desenvolvimento de um trabalho comunitário. Pouco tempo depois, Carlos Lacerda (19601965) redefine a atuação do SERFHA desvinculando-o da Igreja Católica e dá início à Operação Mutirão a fim de proporcionar uma cooperação entre o estado e as favelas. Ainda
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neste momento, a Companhia de Habitação – COHAB –, criada em 1962, contava com significativas verbas públicas para construir conjuntos habitacionais a baixo custo. Nasce o Programa de Remoção das Favelas. Valladares (1978) enxergava assim a atuação da COHAB naquela época: Tendo sido criada como agência habitacional, o que é até hoje, a COHAB tinha outros objetivos quando do acordo assinado entre o Estado da Guanabara e a USAID (‘acordo do trigo’). Este acordo destinava uma verba de três milhões de dólares para “(...) a urbanização parcial de algumas favelas, a urbanização total de uma grande favela e a construção de 2.250 habitações de baixo custo”. Caberia à COHAB, de certa forma, o melhoramento e a urbanização das favelas da cidade, objetivo que nunca logrou realizar (p. 24).
Em 1960 a capital do país é transferida para Brasília e o Rio de Janeiro perde muitas de suas principais funções, ligadas à administração pública. Para que a cidade possa se adaptar à sua nova condição e então receber mais recursos financeiros, é transformada em Estado da Guanabara. Neste período cresce também a indústria automobilística e o carro passa a ser um bem acessível e grande parte da população. Em pouco tempo a cidade vê suas vias saturadas, tanto pelo aumento do número de veículos, como também pela concentração da população que passava cada vez mais a morar em prédios de apartamentos e a trabalhar em edifícios comerciais. Para planejar o crescimento da cidade dentro desta nova realidade foi realizado o ‘Plano Doxiadis’ - A mando do Governador Carlos Lacerda ao escritório grego Doxiadis Associates -, que já não se preocupava tanto com o embelezamento, mas com o funcionamento e com as necessidades futuras em termos de circulação, habitação, trabalho e lazer. A idéia era destinada às formulações das linhas mestras do urbanismo da Cidade do Rio de
Janeiro,
preparando-a
para
o
crescimento
esperado
até
o
século
XXI
(http://www.rio.rj.gov.br). E neste instante na Maré surgia a comunidade Nova Holanda (1962) que foi concebida como um Centro de Habitação Provisória (CHP) que funcionaria como um local de triagem, dentro da política de remoções do governo, que visava muito mais retirar núcleos favelados de áreas nobres da cidade, do que resolver o problema habitacional. A tarefa de controlar o processo de transferência dos moradores de favelas a serem erradicadas ficou a cargo da Fundação Leão XIII, que foi incorporada à Secretaria de Serviço Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Em 1963 com o apoio de 100 associações registradas em cartório é criada a FAFEG – Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara. Mesmo com a criação da FAFEG, a tendência de cooptação estatal das lideranças dos favelados manteve-se como prática do governo. Esta postura tinha como resultante o fato de que tais grupos se tornavam
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representantes do Estado em suas áreas e, assim, não cumpriam sua função fundamental de pressionar a administração pública para atender à demanda das favelas por melhorias. Em 1964 é criada a Cedug, Comissão Executiva de Desenvolvimento Urbano do Estado da Guanabara, constituída por técnicos brasileiros responsáveis pela coleta de material, sua interpretação e conclusões, enquanto uma equipe grega responsável pela elaboração do plano - o Doxiadis que veremos mais adiante - trabalha em Atenas. Em agosto desse mesmo ano, após o ‘Golpe Militar’, foram instituída a ‘Política Nacional de Habitação’ com a criação do Banco Nacional de Habitação e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfau). Neste instante é implantada a base de um embrionário sistema de financiamento, coordenado pelo BNH (como agenciador central) e integrado por órgãos estatais e de economia mista, fundações, cooperativas mútuas e outras formas de associação para construção e aquisição de moradias e nesta fase inicial a política nacional de habitação contava com uma base extremamente limitada e fragmentada. Esta postura começa a dar indícios de alteração em 1966, ano de criação da Companhia de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO. Demonstrando um reconhecimento dos direitos da população favelada e de baixa renda, a direção da CODESCO procura alternativas visando integrá-las à cidade formal. Tendo como diferencial a filosofia de manutenção dos favelados no seu lugar de origem e ressaltando a importância da regulamentação da posse da terra, o programa desenvolvido pela CODESCO partia do desenho dos próprios moradores para, posteriormente, os arquitetos redesenharem as plantas das casas. Já em 1968 é criada pelo Governo Estadual por decreto federal a CHISAM 9 que tinha como finalidade o processo de remoção das favelas visando a reabilitação social, moral, econômica e sanitária da família favelada. Com o aumento do número de habitantes nas favelas do Rio de Janeiro, as associações de moradores se mobilizavam – tanto no nível interno, quanto no nível de suas articulações externas, com grupos de apoio tais como a igreja, através da Pastoral das Favelas e a Federação das Associações de Favelas (antiga FAFEG e atual FAFERJ). Neste momento percebe-se que está se configurando uma mudança de enfoque onde se destacam dois paradigmas de urbanização distintos, então em voga: o francês, que via a cidade como sinônimo de caos e desordem, implicando numa ruptura com o passado; e o inglês que prevê a modernização englobando o passado e o futuro, sem rupturas. Como analisa Correia em artigo de 2008 à respeito da atuação da CODESCO e da CHISAM: 9
A Coordenadoria da Habitação de Interesse Social na Área Metropolitana do Rio de Janeiro existiu até 1973 e removeu cerca de 53 favelas e aproximadamente 100.000 pessoas (http://www.opandeiro.net).
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Especificamente, pode-se estabelecer relações entre CODESCO e CHISAM nos termos seguintes: enquanto a CODESCO defendia a capacidade organizativa e participativa dos moradores das favelas, a CHISAM reconhecia as favelas como um espaço urbano deformado, habitado por uma população à margem da sociedade que não tem acesso aos benefícios oriundos dos bens e serviços públicos porque não paga os impostos. A vitória coube à CHISAM e o “asfalto” passa a ser identificado com o mundo da ordem enquanto a “favela” com o mundo da desordem. Este novo olhar, preconizado pela CHISAM, é ainda mais dramático se percebermos que tem como pano de fundo a percepção de que agora as soluções são advindas somente do poder público, e que a participação popular é identificada como um instrumento desnecessário, no sentido em que retrata a desordem e o caos.
Em 1969 é criada na Maré a CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré) que conseguiu criar um espaço de participação na elaboração definitiva do “Projeto Rio” projeto esse que veio a beneficiar os moradores da maré na década de 80 e que será abordado mais adiante. E esse foi um órgão fundamental na luta dos favelados pela posse definitiva de seu barraco na Maré. Nesta época de trabalho da CHISAM (1968-1973) se assistiu à maior operação antifavela que a cidade jamais tinha conhecido. Os órgãos governamentais então envolvidos eram o BNH (1967) – Banco Nacional de Habitação, como financiador –, a própria CHISAM, como coordenadora do programa de remoção, a COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular, como construtora e comercializadora das unidades habitacionais e a Secretaria de Serviços Sociais, como responsável pela ação social junto às populações atingidas. Com o fim da CHISAM o órgão que ficou encarregado de dirigir as esporádicas remoções que continuavam a ocorrer foi a Fundação Leão XIII, como visto anteriormente. A COHAB-GB e a Secretaria de Serviço Social desapareceram com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e foram substituídas respectivamente pela CEHAB-RJ e pela Coordenadoria do Bem-Estar Social. E como cita Pereira dos Santos (2005); “Enquanto a COHAB-GB, organismo estadual, desenvolvia sua ação no sentido da remoção das favelas, a administração de Negrão de Lima criava, em 1968, a CODESCO que tinha um sentido voltado à urbanização das favelas.” O remocionismo enfrenta forte reação social de moradores, estudantes e intelectuais empenhados na tentativa de iniciar um processo democrático de urbanização. Essas reações aumentam sobremaneira os custos das remoções, tornando-se um dos principais motivos de seu abandono. De fato, houve uma reformulação do planejamento urbano estratégico no final da década de 1970 como uma tentativa de afastar os métodos autoritários e homogeneizantes em voga; nesse sentido, a cidade do Rio de Janeiro foi a primeira metrópole que procurou adotar mecanismos participativos em sua administração.
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A partir da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (1975) a cidade passa a ser capital do novo estado. Em 1977 o poder público se vê diante da necessidade de elaborar um novo plano - o Plano Urbanístico Básico (PUB-RIO) através do Decreto Municipal nº 1269 de 27/10/1977 - que dividia o território municipal em cinco Áreas de Planejamento (a Maré está inserida na AP 03), instituía os Projetos de Estruturação Urbana (PEU) para o planejamento local, respeitando as características dos diferentes bairros e criava políticas setoriais para o desenvolvimento econômico e social (http://www2.rio.rj.gov.br/smu). Esse período marca, também, a primeira grande intervenção do Governo Federal na área da Maré: o “Projeto Rio”, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança, localizados próximo ao “Parque Ecológico da Ilha do Pinheiro”, antigo centro de pesquisas da atual Fiocruz, na Maré. Dos projetos que antecederam ao “Projeto Rio”, o mais ambicioso foi aquele elaborado no final do primeiro mandato do Governador Chagas Freitas (1971-1974) onde a área ocupada pelas favelas na Maré foi declarada “non aedificandi”, como forma de conter o avanço das favelas sobre aterros clandestinos. Em maio de 1979, no momento em que Freitas exercia o seu segundo mandato (197982), o projeto foi novamente apresentado, cedendo lugar ao Projeto Rio anunciado um mês depois, e por este motivo e pelas semelhanças entre ambos os projetos, o Governador, na época, reivindicou a paternidade do Projeto Rio, que foi anunciado pelo Governo Federal, via Ministério do Interior (DNOS e BNH), através do então ministro Mário Andreazza (Fonte: http://www.ceasm.org.com.br).
E, em 08/06/1979, o próprio ministro anuncia o mais audacioso projeto com a finalidade de sanear a orla da Baía de Guanabara e que na verdade, se baseava nos projetos anteriores apresentados pelo Governo Chagas Freitas que não foram implementados. Neste instante a cidade do Rio de Janeiro transforma-se em um laboratório de políticas urbanas. O “Projeto Rio” previa uma intervenção desde a Ponta do Caju, até os rios Sarapuí e Meriti, em Duque de Caxias, num trecho de 27 quilômetros, e apresentava como objetivos centrais a criação de espaços para abrigar populações de baixa renda e criação de condições para ambientação ecológica e paisagística do trecho mais poluído da Baía de Guanabara. A execução do projeto coube ao Banco Nacional de Habitação (BNH), como órgão financiador, e ao Departamento Nacional de Obras e Saneamento, incumbido de fazer os aterros e macrodrenagem. À FUNDREM, órgão estadual, coube o encargo das pesquisas de levantamento cadastral. Segundo o levantamento inicial, um terço dos habitantes da área da Maré morava em palafitas, sendo o conjunto formado, até então, por seis favelas: Timbáu, Baixa do Sapateiro,
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Parque Maré, Nova Holanda, Parque Rubens Vaz e Parque União, e para execução desse programa, o BNH criou o “PROMORAR10” – Programa de Erradicação da Sub-habitação – que seria o responsável pelo processo de construção de 9.531 unidades habitacionais para o assentamento dos moradores das palafitas. O projeto previa, ainda, o saneamento do trecho da Baía da Guanabara que se estendia do Caju até a Praia de Ramos, considerado o mais poluído, mediante a construção de um aterro de 2.300 hectares (Pereira dos Santos, 2005). A meta desse programa era a de erradicar as favelas, solucionar o problema das habitações sub-humanas, as favelas e as palafitas, urbanizando-as quando for possível, e erradicando-as quando for ‘caso perdido’. De acordo com Valla (1996 p. 141-142) o PROMORAR atingiria uma população de 250 mil habitantes e tinha os seguintes objetivos:
Eliminar os focos de poluição da Baía e recuperar as praias, preservando a ecologia local;
Ordenar o espaço urbano, recuperando a paisagem e melhorando as condições de navegação da Baía;
Prover solução para o sistema viário (Avenida Brasil), há muito tempo reclamada;
Solucionar os problemas de saneamento ambiental e básico de áreas próximas às Ilhas do Fundão e do Governador, onde a poluição atinge níveis elevados, inadequados à vida humana; e
Recuperar e urbanizar as favelas existentes na área, sem remoção da população atual, que deverá ser mantida em condições adequadas de habitação, emprego e atendimento escolar e de saúde, nas mesmas áreas onde vive atualmente. Várias vezes surgiam desconfianças por parte dos moradores devido aos atrasos nas
obras e ao não cumprimento dos cronogramas e, neste sentido, as associações de moradores tiveram um papel de suma importância ao criarem a CODEFAM – Comissão de Defesas das Favelas da Maré – onde exerceram forte pressão para que as promessas de campanha fossem cumpridas. Desde 1982, a questão habitacional ganhou novo destaque com a eleição de Leonel Brizola para o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Demonstrando interesse primordial para
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Organizado pelo BNH em 1979, tinha por objetivo recuperar as faixas alagadas habitadas, pretendendo, com a valorização das áreas assim conquistadas, recuperar os investimentos feitos com a venda dos terrenos remanescentes. O estado do Rio de Janeiro foi escolhido para ser palco do primeiro programa a ser executado pelo Promorar: o Projeto Rio, que seria desenvolvido em área próxima ao aeroporto internacional, alcançando seis favelas na área da Maré: Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Timbáu e Maré. (Citado por Silva Apud Burgos, 1988).
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as áreas carentes, pode-se destacar na política de Brizola três metas principais: regularização fundiária, infra-estrutura e incentivo à autoconstrução. Sua principal conquista foi o ‘Programa Cada Família, um Lote’, pelo qual pretendia regularizar 400 mil lotes clandestinos, dotando a área a ser afetada de significativa urbanização. Neste esforço, firmou convênios principalmente com a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a COMLURB (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), conforme cita Pereira dos Santos (2005). Entre 1987/1991 no mandato do governador eleito pelo PMDB Moreira Franco, a Maré é mais uma vez lembrada, no que tange às obras públicas: construção de 253 unidades habitacionais, obras em saneamento básico, construção de canais, urbanização que beneficiou, naquele momento, aproximadamente 140 mil pessoas de seis comunidades - de acordo com o site do próprio governador (http://www.moreirafranco.com.br). Neste instante percebe-se que seria de suma importância um programa de intervenção de forma mais global nas favelas cariocas como o Programa Qüinqüenal de Urbanização das Favelas e Loteamentos Irregulares do Município do Rio de Janeiro, durante a gestão do prefeito Saturnino Braga, onde era enfatizada a necessidade de integração das favelas à cidade com o slogan de ‘transformar as favelas em bairros populares’ (BURGOS, 1988). Em 1992 é sancionado pelo prefeito Marcello Alencar o Plano da Cidade que se consolida a idéia de um programa global de integração das favelas à cidade11. O Plano Diretor define o problema favela como ‘uma questão municipal, fundamental para o futuro da cidade’. A representação da favela inscrita no Plano Diretor e os princípios democráticos nele consagrados é que iriam nortear a política habitacional proposta pelo Grupo Executivo de assentamentos Populares (GEAP), criado pelo prefeito César Maia em 1993. O Geap propôs sete programas habitacionais (de acordo com o sítio da Secretaria Municipal do Habitat), além do Favela-Bairro, há também os seguintes programas de política habitacional:
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Regularização de Loteamentos;
Regularização Fundiária e Titulação;
Novas Alternativas, Vilas e Cortiços;
Morar Sem Risco;
Morar Carioca e;
Bairrinho.
De acordo com Burgos (1988) a elaboração do Plano Diretor é uma exigência da Constituição Federal de 1988 para cidades com mais de 20 mil habitantes. Seu objetivo declarado é, através de um tratamento integrado de diversos setores da política pública, estabelecer um conjunto de diretrizes, normas e procedimentos que deverão pautar o desenvolvimento urbano e social das cidades nos próximos 10 anos.
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Ainda nesta primeira gestão do Prefeito César Maia (1993-1997) é criado o ‘Projeto Rio-Cidade’ que teve continuidade na administração seguinte, a de Luiz Paulo Conde (19972001). Conde foi um dos responsáveis pela elaboração e condução do projeto quando ocupou a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU). O Rio-Cidade consistiu em diversas intervenções urbanas nas vias mais importantes dos principais bairros cariocas (http://www.rio.rj.gov.br/smu). Em dezembro de 1994 o Geap12 é renomeado para a Secretaria Municipal do Habitat do Rio de Janeiro (SMH-RJ) que nasce com o intuito e a missão de propor novos rumos para a política habitacional levado à público através do Plano Diretor Decenal. A SMH atua na urbanização e regularização fundiária de favelas e loteamentos, ao mesmo tempo em que promove a construção de moradias em áreas dotadas de infra-estrutura, buscando atender principalmente a população de baixa renda. E na esteira dessa política nasce o programa Favela Bairro que pode ser entendida como uma tentativa do poder municipal em dar respostas à crescente fragmentação do tecido sócio-político-espacial, como aponta Souza (2003). O programa Favela Bairro passa a ser uma tentativa da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro de formular uma política integrada que pudesse dar conta da população que se encontra às margens dos acessos aos bens e equipamentos básicos urbanos. O programa nasceu do convênio assinado no final de 1995 entre a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) onde assim nascia o Programa de Urbanização e Assentamentos Populares - PROAP - e que contava com um montante de 300 milhões de dólares para aplicação do programa. O PROAP continha três linhas de trabalho: Regularização de loteamentos; Educação sanitária e ambiental e; Urbanização de favelas, onde o programa Favela Bairro se insere com recursos de US$ 192 milhões. Ao final desse mesmo ano (1995) a Prefeitura lança o primeiro Plano Estratégico para a cidade, intitulado ‘Rio Sempre Rio’, fruto da parceria entre o município e a iniciativa privada. Este plano, além de introduzir na cidade a cultura estratégica, passou a ser uma referência nacional, como forma inovadora de planejar, ultrapassando os limites das intervenções 12
Órgãos que integram o Grupo Especial de Assentamentos Populares - o Geap: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Fazenda, Secretaria Municipal de Habitação, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Obras, Secretaria Municipal de Trabalho, Secretaria Municipal de Urbanismo, COMLURB, GEO-RIO, IPP, RIO-LUZ, RIOURBE, RIO-ÁGUAS e Procuradoria Geral do Município (http://www.fau.ufrj.br/prourb/cidades/favela/frames).
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urbanísticas anteriores e indicando novos caminhos, tendências e aspirações - nunca antes pensadas para a cidade - a serem seguidos. Foi, segundo uma avaliação do Banco Mundial em seu relatório de 1999, “um sucesso sem precedentes enquanto exercício de construção de consenso e parceria” (http://www.rio.rj.gov.br/planoestratégico). Na etapa inicial dos trabalhos deste plano buscou-se compreender o Rio de Janeiro, situando-se diante de novos ‘fenômenos expressivos como a globalização e o aparecimento do conceito de cidades globais’(1). Desde logo ‘rejeitou-se a idéia de recorte setorial da cidade, voltando-se o plano para suas destinações práticas, para a elaboração do diagnóstico da cidade e para a busca de ações de consenso nas fases subseqüentes’ (2), face à crescente importância que assumia a competição entre as cidades. Os responsáveis pela gestão das metrópoles eram ‘chamados ao desafio de intermediar a lógica do mercado e a lógica da cidadania, devendo as transformações resultar do diálogo qualidade de vida e competitividade’ (3), conforme informações da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Desta forma se faz necessário citar o pensamento de Paulo (2008, p. 80) onde ele entende que há uma concomitância entre o Programa Favela-Bairro e o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, onde As concepções propostas no Programa Favela-Bairro para as favelas estão assim em sentido amplo, atreladas aos mecanismos estabelecidos no Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, pois o programa funciona como uma forma de controle sobre estes espaços segregados que representam um risco permanente, para a competitividade da metrópole carioca, que vive sob a lógica capitalista.
Neste instante - ano 2000 - o IBGE lança o Censo 2000 onde se percebe um aumento substancial no número crescente de favelas, tanto no Rio de Janeiro quanto em relação a outras cidades brasileira, como mostra o gráfico 5 (fonte: http://pt.wikipedia.org). Gráfico 5 - Número de favelas em algumas cidades brasileiras
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Neste mesmo período, a Prefeitura lança o Plano Estratégico II - ‘As cidades da Cidade’ - que é um conjunto de 12 planos estratégicos regionais e o paradigma que norteou todo o processo deste plano foi a escolha de um modelo próprio para cada região da cidade, buscando os seus motivos de orgulho em sua cultura e história, identificando as vocações regionais em seus valores e tradições. Cada região (ver mapa abaixo) identificou seu papel Fig. 11 – Mapa das 12 Regiões integrantes do Plano Estratégico II
Fonte: (http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico).
específico na cidade e as formas de desempenhá-lo, definindo as suas estratégias e formulando propostas para a consecução de seus Objetivos Centrais. Nesta nova fase o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro inovou ao olhar a Cidade heterogênea expressa em um conjunto de 12 regiões (Campo Grande, Barra da Tijuca, Bangu, Jacarepaguá, Zona Norte, Irajá, Ilha do Governador, Grande Méier, Tijuca, Centro, Zona Sul e Leopoldina - a qual a Maré está inserida) com características histórico-geográficas únicas, habitadas por populações com maneiras de pensar, sentir e agir singulares, bem como com natureza e topografia distintas. A Região da Leopoldina (observe o mapa abaixo) cobre uma área de 4.435 hectares, na qual residem 654.571 habitantes, segundo o Censo 2000, e é formada por 17 bairros. A Região está classificada como de médio-alto desenvolvimento humano segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH=0,804), e ocupa a 11ª posição quando consideradas todas as 12 regiões do Plano Estratégico. Os dados demográficos indicam que a população cresceu
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entre 1991 e 2000, à taxa de 2,56%, ou cerca de 17 mil habitantes. Dos seus 17 bairros, dez decresceram de população, alguns de forma acentuada, como Del Castilho com a elevada taxa de -27%, Bonsucesso (-12%) e Maria da Graça (-11%). Por outro lado, dois bairros tiveram taxa elevadas de crescimento na década, Manguinhos (20%) e Maré (16%), podendo este dado ser um indicador de aumento da ocupação irregular do solo urbano conforme informações da Prefeitura (http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico). Fig. 12 – Mapa dos 17 bairros que compõem a Região da Leopoldina
Fonte: IBGE (Censo 2000) e IPP (Anuário Estatístico de 1998) In: http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico
Em outubro de 2002 o Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM desenvolveu o “Estudo de Avaliação da Experiência Brasileira sobre Urbanização de Favelas e Regularização Fundiária” e que está inserido no plano de ação do ‘Cities Alliance’ - uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) em parceria com o Banco Mundial.
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O propósito do ‘Cities Allience’ ao contratar a realização desse estudo foi o de identificar as lições que podem extrair da prática de urbanização e regularização de favelas, com vistas a colher subsídios para o projeto “Building an Enabling Estrategy for Moving to Scale in Brazil”, que está sendo conduzido pelo Banco Mundial com a cooperação do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada - IPEA, vinculado ao Ministério de Planejamento e Gestão do Governo Brasileiro. Foram selecionadas dez cidades cujos programas em andamento visam à melhoria das condições de vida e moradia da população pobre vivendo em favelas e o enfrentamento dos problemas decorrentes da informalidade urbana. Os programas selecionados deveriam promover mudanças efetivas nos aspectos físicos, ambientais, sociais, econômicos e legais das áreas objeto das intervenções do Poder Público. A Cidade do Rio de Janeiro foi escolhida através do programa Favela-Bairro e, de acordo com o relatório supracitado, o grande diferencial do Favela-Bairro é que em um espaço de tempo relativamente curto - seis anos 1996/2002 - o Programa conseguiu gerar resultados quantitativos e qualitativos importantes e atuar em um números expressivo de favelas, além de mobilizar os indispensáveis recursos financeiros. Dessa forma, o FavelaBairro alcançou notoriedade e reconhecimento público e político, fatores que contribuíram para assegurar a sua continuidade e sustentabilidade. Embora existam informações de que, na presente Administração, o seu ritmo de execução tenha sido consideravelmente reduzido, espera-se que seja uma fase de transição diante das mudanças de titulares e chefias em todos os órgãos da Prefeitura. Esses resultados do Favela-Bairro não foram obra do acaso, mas fruto de estratégias de concepção e implementação dirigidas para causar, no menor prazo possível, impactos urbanos e sociais visíveis na melhoria das condições de vida nas comunidades pobres beneficiadas. Assim, o Favela-Bairro nasce como uma intervenção de política urbana, buscando a integração urbanística das favelas no seu entorno e a sua transformação em bairros populares. Nasce também como uma proposta de ação de natureza programática a ser desenvolvida em escala, através de múltiplos projetos, e não como uma intervenção pontual, capaz, portanto, de gerar impactos substantivos na cidade e nas condições de vida das famílias moradoras de favelas. Apesar da implementação de todos esses planos habitacionais citados anteriormente, a questão do ‘Déficit Habitacional’ no Brasil, e em especial na Cidade do Rio de Janeiro, vem mostrando uma evolução vertiginosa. Atualmente, esse déficit habitacional no Rio de Janeiro é de 505.201 domicílios segundo trabalho realizado pela Secretaria Nacional de Habitação
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(tabela 09) e o Ministério das Cidades de 23/08/2003 - lançado somente em 2005 - do Programa Habitar-Brasil/BID. Em relação ao país, este número alcança a marca de aproximadamente seis milhões de domicílios, conforme mostra a tabela 10. Tabela 09 - Estimativas Revisadas do Déficit Habitacional - Grandes Regiões, Unidades da Federação e Brasil - 2000.
De acordo com este trabalho realizado pela Secretaria Nacional de habitação, entendese como déficit habitacional a noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação, detectados em um certo momento (p. 16). Na tabela 3-D verifica-se o total do déficit habitacional em termos de Brasil.
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O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. O déficit habitacional pode ser entendido, portanto, como “déficit por reposição do estoque” e como “déficit por incremento de estoque”. (ibidem). Tabela 10 – Estimativas do Déficit Habitacional Básico, por situação do domicílio Grandes Regiões, Unidades da Federação e Brasil - 2000
O “déficit por reposição do estoque” refere-se aos domicílios rústicos, acrescidos de uma parcela devida à depreciação dos domicílios existentes. Domicílios rústicos não apresentam paredes de alvenaria ou madeira aparelhada, o que resulta em desconforto para seus moradores e risco de contaminação por doenças e devem, portanto, ser repostos. A depreciação de domicílios está relacionada ao pressuposto de que há um limite para a vida útil de um imóvel. Para o cálculo desse componente do déficit tomou-se inicialmente 50 anos de construção como o limite para a necessidade de reposição do estoque. Em seguida, aplicou-se um percentual sobre o montante de imóveis residenciais construídos até 1950, devido às
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suposições de que parcela desconhecida desse estoque possa ter sido alvo de manutenção e reformas, mantendo assim suas condições de uso, e que outra parcela tenha assumido usos não-residenciais ou sido substituídas por novas edificações. O “déficit por incremento de estoque” contempla os domicílios improvisados e a coabitação familiar. O conceito de domicílios improvisados engloba todos os locais destinados a fins não-residenciais que sirvam de moradia, o que indica claramente a carência de novas unidades domiciliares. Observamos que há um déficit de moradia e de urbanismo no Rio de Janeiro, desde o final do século XIX, e esse déficit não é fruto de uma política imediata, mas representa um desrespeito pelas populações de baixa renda e moradores nas áreas desprivilegiadas da cidade. O que se pode verificar é que o poder público, mesmo depois de mais de cem anos de favela, ainda continua a vê-la como um lugar único, ou seja, negligencia-se as especificidades das lutas dos moradores, as suas culturas, as suas conquistas e perspectivas. A favela ainda é apresentada, pelo senso comum, como reduto da pobreza e da violência, o lugar onde vivem os marginais, que ameaçam o restante da cidade, como uma doença da cidade, algo exterior à cidade - o que se percebe a aumento do índice da segregação residencial, como visto anteriormente - com o intento de ‘manter a ordem’ se exerce o controle sobre essas populações, seja direto e/ou indireto. Esses números apresentados para a área do Rio de Janeiro podem ser transferidos para a área da Maré no que concerne aos motivos que levaram o bairro a alcançar esse elevado número de habitantes (132.176). Basta lembrarmos que a atual área da Maré se localizava em grande parte das terras, de área militar (Marinha do Brasil), e pelo fato do bairro se localizar as margens da principal via urbana da cidade - a Avenida Brasil, locais que os migrantes provenientes do nordeste brasileiro vieram em busca de melhores condições de vida. Isso se traduz em um alto número de residentes nas comunidades da Maré como visto na figura 10. Em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade que prevê garantias do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer e para as presentes e futuras gerações. O estatuto define ainda a função social da terra, que ampara a desapropriação de imóveis para fins de moradia.
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Fig. 13 – Mapa com a Densidade Demográfica na Área da Maré
Fonte: Quem Somos? Quantos Somos? O Que Fazemos? A Maré em dados: Censo 2000. CEASM.
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Em agosto de 2007, o Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de Habitação, iniciou a elaboração do Plano Nacional de Habitação - PlanHab -, etapa essencial de implementação e consolidação da Política Nacional de habitação. O PlanHab, quando finalizado, orientará o planejamento das ações públicas e privadas com o objetivo de melhor direcionar os recursos existentes e aqueles a serem mobilizados para o enfrentamento das necessidades habitacionais do país. Nesse sentido, deverá articular as instâncias de governo e superar a dispersão das ações e programas habitacionais, propondo novos arranjos institucionais de forma a articular as fontes de recursos públicos e sob gestão pública. Além disso, deverão ser criadas as condições para ampliar a atuação do setor privado e mobilizar os movimentos
sociais
para
contribuir
na
superação
do
déficit
habitacional
(http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/planhab). Neste mesmo ano o Governo Federal lança o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento –, um programa de desenvolvimento que vai promover a aceleração do desenvolvimento econômico, o aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da população brasileira entre 2007/10. O PAC consiste em um conjunto de medidas destinadas a:
Incentivar o investimento privado;
Aumentar o investimento público em infraestrutura; e
Remover
obstáculos
(burocráticos,
administrativos,
normativos,
jurídicos
e
legislativos). Esses investimentos giram em torno de 503,9 bilhões de reais. No Rio de Janeiro o PAC teve início em fevereiro/2008 nas comunidades que formam os Complexos do Alemão e de Manguinhos dentre outras favelas da Cidade (http://www.cidades.gov.br/noticias/). Em 17/04/2009 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Habitação, lançou o Programa Municipal de Habitação ‘Minha Casa, Minha Vida no Rio’ em parceria com o Governo Federal para famílias que ganham até 10 salários mínimos. A meta da Prefeitura é construir cem mil moradias nos próximos quatro anos com prioridade, subsídios, menores prazos no licenciamento das obras, isenção de impostos, análise de crédito e seguro para as que ganham até três salários mínimos - faixa que concentra 90,9% do déficit habitacional do país (http://www.rio.rj.gov.br/habitat/). E, neste sentido, concluímos esse capítulo percebendo, como visto anteriormente, que as políticas públicas implementadas na Cidade do Rio de Janeiro no recorte temporal pesquisado, foram vitais para o desenvolvimento natural, no que tange ao urbanismo na cidade carioca e, em se tratando dessas políticas postas em prática no espaço da Maré, é
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possível notar que as medidas adotadas foram essenciais para o desenvolvimento da população local. Para Não Concluir O tema favela que foi e ainda continua sendo discutido no interior das academias vem reforçar a necessidade de amplo debate que cerca esse tema que, ao longo das últimas décadas, vem recebendo inúmeras classificações e, principalmente, interpretações das mais variadas possíveis. No pensamento de Abreu (1994) a favela era vista como um abrigo da marginalidade urbana, mas também residência do trabalhador honesto; considerada “chaga” da cidade, mas igualmente “berço do samba”; era vista como uma solução urbanística desprezada e, ao mesmo tempo, elogiada; e as imagens da favela impuseram-se no decorrer do século XX e já se incorporaram ao imaginário coletivo da cidade e deram ainda ensejo, também, a inúmeras reflexões sobre o papel no conjunto da estrutura urbana carioca. No momento em que as favelas tornaram-se, com o tempo, em uma nova problemática a ser combatida pelo governo, já que ocupavam áreas nobres da cidade, a solução encontrada foi a remoção das mesmas para áreas distantes. Todavia a população favelada não aceitou facilmente essa política, houve muitas resistências à remoção, estratégia que se estendeu por longo tempo e, em vista disso, os favelados conquistaram, através das décadas, um espaço cada vez mais significativo no campo da política, principalmente através das recém criadas ‘Associações de Moradores’ locais. As conquistas dessa população e a sua constituição como ator político resultaram em mudanças ocorridas na forma de tratamento do governo para com as favelas. Neste instante os governantes passam a “enxergar” a favela com outro olhar. Nesta pesquisa procuramos algumas definições que acreditamos serem as mais ‘atraentes’ e que chegaram bem próximo da realidade do termo na ótica de um verdadeiro morador, como eu, que nasceu e cresceu observando as modificações em curso, tanto da definição do termo, quanto na configuração sócio-espacial da mesma. A própria favela, na época dos cortiços e casas de cômodos, se apresentava como um lugar insalubre e sem a mínima condição de vida, hoje surge com um novo perfil no que tange à urbanização: ruas asfaltadas, luz elétrica em todas as residências das comunidades, água canalizada, tratamento de água e esgoto, Associações de Moradores, Projetos Sociais advindos dos governos municipais e estaduais (principalmente), um adensado comércio, uma Região Administrativa e o reconhecimento como um ‘Bairro da Cidade do Rio de Janeiro’,
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linhas de ônibus para a chamada ‘Zona Sul’ da cidade, uma Vila Olímpica da Prefeitura localizada entre as comunidades, entre outros benefícios... Esse é o retrato de uma favela dos anos 2000. Essa é a realidade da Maré atual. A favela é atualmente uma presença incontornável e irreversível na paisagem urbana e habitacional carioca, imagem onipresente em qualquer parte da cidade e cuja tendência é somente o crescimento, embora a urbanização seja hoje irrefutável e consensual, muito se avançou em termos de políticas públicas. E essa ‘transformação’ da favela em bairro formal só foi possível, no exemplo da Maré, devido as intervenções ao longo das décadas do século passado, como observado nas figuras 14 e 15 decorrentes das inúmeras políticas habitacionais que desenvolveram-se na área. Fig. 14 – Maré década 70 do século passado Fig. 15 – Maré foto atual
Fonte: http://www.ceasm.org.br
Fonte: http://www.ceasm.org.br
O processo inicial de modernização da cidade envolveu tentativas de solução da crise de moradia e da crise sanitária. Do enfrentamento da questão da salubridade resultou a grande reforma urbana do início do século XX - via Reforma Passos, além de várias políticas públicas já discutidas anteriormente. Do enfrentamento da questão da habitação - da insalubridade e do adensamento das habitações coletivas populares -, surgiram posturas municipais que as proibiam, assim como novos padrões de habitação que foram se transformando e se adequando às exigências higiênicas e econômicas, incorporando novos materiais e novas técnicas. Desta forma, em substituição aos cortiços e estalagens (pequenos quartos enfileirados) e como solução aos problemas a que eram associados - insalubridade, promiscuidade e altos aluguéis - foram construídas avenidas e vilas de casas higiênicas para os trabalhadores. Embora destinadas à solução da questão da moradia, estas eram praticamente inacessíveis aos seus destinatários originais, os menos afortunados, e ocupadas por aqueles que podiam pagar o alto preço da higiene e do conforto. As antigas moradias coletivas foram desaparecendo por efeito da ação do Estado - da legislação e da reforma urbana - e do mercado. E essa nova
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forma de provisão no âmbito habitacional surgiu especificamente para dar solução ao problema da habitação popular. No entanto, após a reforma urbana de 1903/1906, que inaugurou o processo moderno de destruição e reconstrução do ambiente edificado, as firmas de construção civil voltaram-se para novos tipos de edifícios que surgiam, desinteressando-se da habitação popular. Os antigos moradores dos cortiços dirigiram-se para as casas-de-cômodos que se multiplicavam no entorno da área central, para pequenas casas isoladas que eram construídas nos subúrbios distantes e para as emergentes favelas - assim nasciam os chamados ‘parques proletários’. No início do século XX, passaram a ser produzidas vilas, casas em série e casas geminadas nos novos bairros em formação, atendendo às exigências crescentes de higiene e conforto formuladas na legislação. As casas de vila se tornaram rapidamente o padrão das emergentes classes médias. Nos anos 20 surgiram as casas de apartamentos e nos anos 30 os edifícios de apartamentos, inaugurando inovações de diferentes tipos na construção de moradias como são vistos atualmente. A moradia é uma necessidade básica que está relacionada à dignidade humana, à reprodução social e à força de trabalho. Ela configura-se como uma expressão da questão social, considerada como um problema estrutural decorrente do empobrecimento crescente de determinados segmentos sociais que vem se agravando com o avanço do capitalismo. Desta forma pode se dizer que a habitação é, direta ou indiretamente, fruto de um processo de produção capitalista. Este processo de produção, diferentemente de outros setores econômicos, tem como base de sua lucratividade a apropriação dos benefícios gerados pela extrema diferenciação do espaço urbano em termos de equipamentos, serviços e amenidades, diferenças que são reproduzidas e aprofundadas pelo processo de produção. À questão da moradia está intrinsecamente ligada à questão da segregação pois foi com a revolução dos meios de transportes em meados do século XIX, como visto anteriormente, que a urbe carioca se viu dividida em duas áreas distintas: a chamada ‘zona sul’ que era servida pelos bondes (± 1859) e o subúrbio que tinha como meio de transporte o trem (± 1858). Neste instante já se percebia que haviam vários bairros que poderiam ser classificados como ‘espaços residenciais segregados’ como o exemplo da Maré. Os mundos sociais do ‘asfalto’ e do ‘morro’ se olham, se reconhecem com suas distâncias, diferenças e semelhanças e, por vezes, se opõem, mas convivem entre si, os dois obrigados a partilharem o espaço da cidade e o mesmo espaço cultural.
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Concomitantemente à questão da moradia está a questão do déficit habitacional que, como visto anteriormente, está em 505.201 domicílios segundo pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Habitação, somente na Cidade do Rio de Janeiro. E para atenuar esse déficit somente uma política pública séria e que possa concatenar as idéias e ideais tanto da esfera governamental, quanto dos próprios moradores locais seria oportuna. Esta percepção deu forças à luta em favor de melhores condições, não só de moradia, mas de vida. Nessa caminhada, a intervenção e o apoio de órgãos do governo e da sociedade civil, como a Fundação Leão XIII e na Cruzada São Sebastião, foram importantes para a tomada de consciência do favelado sobre seu papel como ator político. Na Maré esse apoio foi dado, como visto anteriormente, pela CODEFAM (Comissão de Defesa das Favelas da Maré). Um dos resultados desta luta foi o abandono da política de remoções, culminando com o Programa Favela-Bairro, que não pretendia remover favelas, mas sim integrá-las à cidade formal através de intervenções urbanísticas e sociais. O Programa, porém, não foi efetivado em sua integralidade, uma vez que ocorreu uma priorização das reformas na parte de infraestrutura em detrimento do investimento no social. No entanto, as políticas habitacionais implementadas pelo governo nas favelas do Rio de Janeiro tiveram como uma das conseqüências a substituição de moradores de baixa renda por outros com renda elevada. Este fenômeno ocorreu porque as melhorias geradas pela intervenção urbanística não vieram acompanhadas de políticas sociais eficazes, capazes de promover a garantia dos direitos sociais e, assim, a permanência dos moradores em suas favelas de origem. A atual forma de intervenção no governo na questão habitacional das favelas, a regularização fundiária, tem por objetivo a concessão de título de propriedade a cada possuidor de uma unidade habitacional, que é o título definitivo e reconhecido na cidade formal. Este programa ainda está numa fase inicial, porém já é possível prever que se não for acompanhado de políticas sociais, provavelmente terá o mesmo resultado que os demais. Desta forma podemos responder a questão central norteadora desta pesquisa da seguinte forma: a atual configuração espacial das comunidades que formam o Complexo da Maré, estabelecidas principalmente com a intervenção governamental do Projeto Rio (Programa PROMORAR) na década de 80 do século passado, foi um alívio para a população em geral pois foi nesse programa que os moradores passaram a ter, de forma definitiva, a posse legal do território habitado, apesar dos moradores da Maré receberem seus carnês de IPTU de forma ‘isenta do pagamento da taxa anual’.
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E em relação à subquestão temos completa convicção de que essas políticas foram satisfatórias aos moradores da área de estudo pois, como verificado anteriormente, as políticas públicas em âmbito habitacional que foram implementadas na Maré, vieram satisfazer um desejo dos moradores - principalmente os mais antigos - que foi a ‘erradicação’ dos barracos e palafitas por casas de alvenaria em quase toda a sua totalidade, conforme depoimentos prestados. Neste sentido podemos afirmar que ao longo de mais de 60 anos, as Políticas Públicas empreendidas nas áreas consideradas carentes, como o Complexo da Maré, propiciaram transformações que trouxeram uma melhoria no bem estar social, permitindo uma melhora na qualidade de vida dos moradores, trazendo, ao mesmo tempo, cultura e cidadania aos moradores locais. Essas políticas também contribuíram para o desenvolvimento urbano do próprio complexo e, atualmente, a Maré está bem avançada em termos de estrutura habitacional em relação a outros complexos de favelas da Cidade do Rio de Janeiro. E se apropriando de Abreu (1994), as favelas já são evidentes no imaginário carioca, ao completarem mais de cem anos de existência, e tendo seu aparecimento por volta de 1893-1894, estando intimamente ligadas à crise habitacional que afetava a cidade àquela época - e ainda nos dias atuais - tendo sua expansão pelo tecido urbano carioca somente nas décadas seguintes, podendo ser explicada pela não resolução das contradições engendradas pela reforma urbana que transformaram a cidade no início do século XX. Este é o retrato da atual configuração espacial da Cidade do Rio de Janeiro, com forte influência no exemplo do Complexo da Maré.
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A N E X O S
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