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Mas será que todos nós temos essa compreensão? Será que o sentido de vitória ou de ser vencedor está bem definido em nossa alma? Será que esta relação de conquista e dor é apreciado por nós? O texto bíblico em Apocalipse 21:7 diz: "Quem vencer, herdará todas as coisas; e eu serei seu Deus, e ele será meu filho". Surge então, uma pergunta: o que precisamos vencer? Se observarmos a Palavra atentamente entenderemos que a trajetória para a conquista sempre inclui desafios, obstáculos, que precisam ser superados para alcançarmos a tão almejada vitória. O texto de I João 5:4 diz “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé". A palavra “vence” nesse texto, no grego é nikaõ que significa superar, prevalecer. Então, partindo deste princípio podemos compreender que para vencer faz-se necessário prevalecer, superar algo. Daí surge o entendimento de que um vencedor é alguém experimentado na superação e aprovado na persistência, perseverança e na dor. Quando compreendemos que a vitória implica, em primeira instância, em uma batalha, as dores são amenizadas, não porque elas deixam de existir, mas porque já almejamos a vitória. E assim como um atleta supera seus próprios limites físicos e emocionais para chegar ao pódio, assim são os vencedores, que superaram as dores porque não perdem o foco, estão com os olhos voltados ao objetivo de chegarem ao pódio.
O problema está exatamente em permanecermos focados na vitória e não na dor. Em Lamentações de Jeremias 1:12 diz: Não vos comove isto a todos vós que passais pelo caminho? Atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que o SENHOR me afligiu, no dia do furor da sua ira.
Aqui o profeta faz um apelo para que aqueles que estão ao seu redor observem a sua dor e façam uma comparação, com o objetivo de mostrar que sua dor não se pode comparar à dos outros. As palavras do profeta Jeremias são comuns a todos que já vivenciaram uma dor. Tudo o que queremos é mostrar onde dói para ver se existe cura, mas parece que as pessoas não conseguem nos ouvir e então passamos o problema para Deus, mas parece que Ele também não ouve. É em momentos como esse que perguntamos: Onde Deus está? Será que Ele não vê o sofrimento? Não se compadece? Certamente não foi só o profeta Jeremias que pensou assim. Por vezes somos levados a achar que o nosso sofrimento não é compartilhado por mais ninguém, e pensar assim tem sido comum nos dias de hoje, haja vista a educação humanista que recebemos desde a infância. Nesse contexto somos levados a pensar que o mundo deve girar em torno de nós mesmos. Ainda que não aceitemos essa verdade, contudo nossas ações revelam as verdades escondidas dentro de nós: "tudo é meu", "tudo sou eu", "não tem ninguém que sofra como eu". E assim seguem nossos pensamentos, que revelam dia a dia, o domínio do egocentrismo, do hedonismo e do humanismo.
Neste livro, você vai poder ler histórias de pessoas que passaram ou ainda passam por experiências de dor e assim entenderá que embora sua dor não possa ser comparada com a de outro, existem muitas outras pessoas sentindo o mesmo que você. Espero que essa leitura possa te encorajar a prosseguir, não desistir, aguentar firme, seguir adiante mesmo sentindo dor, porque o que nos move não são os nossos pés, mas a nossa cabeça, os nossos pensamentos, a nossa alma. O livro de Provérbios 23.7 diz: “Porque assim como imagina na sua alma, assim ele é”. Desafie a sua alma a imaginar acerca de você, da mesma maneira como Deus imagina, pois Ele diz que tem pensamentos de paz a nosso respeito.
Uma boa leitura.
Foi aos quatro anos de idade, que aconteceu um dos grandes pontos de virada em minha história. A esta altura eu já tinha um irmão com quase a mesma idade. Morávamos em uma casa em obras, a nossa cozinha, que até então, ainda não tinha ficado pronta, foi improvisada na área de serviço. Naquela tarde, meu pai já havia retornado ao trabalho e minha mãe, como não trabalhava no turno vespertino, se ocupava com seu planejamento para as aulas noturnas. E assim como a maioria das outras tardes, meu irmão e eu brincávamos por ali. Ele decidiu buscar um brinquedo que havia esquecido na casa de um vizinho e eu fiquei. Ainda me recordo de brincar na pia, onde algumas roupas estavam de molho, enquanto uma panela de pressão chiava logo ali ao lado. Poucos instantes depois, ouviu-se um estrondo e tudo mudou de repente. Fogo, gritos e uma sensação estranha, que não tinha jeito de dor. Para mim, tudo parecia uma tela borrada, mas o fato é que se tratava de um incêndio, provocado por uma explosão do botijão de gás. Senti uma mão me puxando para fora do fogo. Minha mãe me carregando no colo, correu para rua em busca de ajuda, com minha pele se descolando e grudando em seu corpo. Como em mais uma daquelas “coincidências” perfeitamente programadas no Céu, naquele exato momento, uma amiga dela passava de carro em nossa rua. Fomos às pressas ao Pronto Socorro. O atendimento foi rápido e a avaliação nada animadora: eu tinha queimaduras de terceiro grau em 68% da área corporal.
O caso era grave. O histórico também não deixava esperanças. Nenhum paciente com aquele quadro conseguiu resistir com a infraestrutura disponibilizada na cidade. Como funcionário de um banco estatal, meu pai obteve todo o apoio da instituição para o custeio do meu tratamento. Então, ao invés de ficar na capital do estado, ele optou pelo atendimento em um grande centro. Para chegar lá, precisávamos de um vôo especial, que oferecesse a infraestrutura necessária e a única aeronave que atendia os pré-requisitos era militar. Depois de muita resistência, meu pai conseguiu a autorização para voar, só porque havia feito curso de pilotagem e dominava procedimentos específicos de emergência. E por fim, no dia seguinte, estávamos voando para o mais moderno hospital para o tratamento de queimados do país – mais uma daquelas “coincidências” divinamente programadas. Depois de meu pai receber da equipe médica, um extenso manual de instruções sobre como operar os equipamentos médicos, embarcamos. Eu numa maca e minha mãe, numa cadeira de rodas – ela também tinha queimaduras na sola dos pés. Fomos recebidos em São Paulo e os processos de internamento e avaliação se seguiram. Um dos procedimentos mais dolorosos nesse tipo de tratamento é o debridamento, que é a retirada do tecido desvitalizado ou necrosado. O problema é que a anestesia local não tem efeito nesses casos e o procedimento precisa ser executado sem esse paliativo. Precisei ser submetida a esse processo inúmeras vezes.
Os dias se arrastaram e a melhora não parecia se aproximar. Meus pais já estavam exaustos pelas noites insones e o nível de tensão que sofriam. No décimo terceiro dia de internamento o quadro ainda era bem preocupante: eu já não me alimentava há alguns dias e o desconforto era muito grande. Os tecidos destruídos e expostos já começavam a cheirar mal. Meu pai, muito engenhoso e cheio de fé, resolveu tentar algo inusitado. Trouxe uma revista de pets e me pediu para escolher um daqueles animaizinhos. Escolhi um poodle preto. E não é que ele conseguiu entrar com um filhotinho dentro do hospital? Depois de passar por inúmeros processos de esterilização, pude ver o bichinho de perto. Esse rebuliço todo valeu a pena: naquele dia, consegui comer alguma coisa. A nossa estada em São Paulo foi bem mais demorada do que os meus pais previam. Foram seis meses de internamento e outros seis morando em um flat e comparecendo diariamente ao hospital para os procedimentos. Nesse período me submeti a dois enxertos e outras 13 cirurgias. Mas se esse foi um ano difícil, a graça do Senhor também se manifestou de múltiplas formas. A minha história se espalhou rapidamente pelas igrejas da cidade e do país e todos os dias recebíamos o carinho e as ligações de irmãos que estavam em oração por nós. Enquanto estivemos lá, a mão do Senhor nos cobriu em todo o tempo. Por diversas vezes, Ele enviou seus anjos – tanto os seres espirituais quantos os de carne e osso – para nos fortalecer e mostrar o Seu cuidado.
E por fim, pudemos voltar para casa. A rotina, entretanto, não seria mais a mesma. Apesar do tratamento ter sido muito eficaz, evitando qualquer comprometimento clínico, as cicatrizes eram inevitáveis e as recomendações também eram muitas. Não poderia tomar sol, como antes, ainda usava um ferro modelador dentro do dedo mindinho do pé para fazê-lo voltar ao lugar, precisava usar uma meia de compressão para contenção dos queloides e também precisaria de um bom tempo de fisioterapia. No ano seguinte, recebi autorização para ir à escola. Meus pais escolheram uma perto de casa e com orientação religiosa. A iniciação ao mundo do conhecimento foi uma aventura deliciosa, já o aprofundamento nos relacionamentos para além da família, foi um tantinho mais penoso. Os anos passaram, e eu precisei administrar o olhar de estranhamento das outras crianças ao observarem um pouco mais de perto os sinais dessa história. E nessas primeiras experiências fora de casa, fui aprendendo que ainda teria muitas dores a vencer pela frente. Mesmo antes de se formar o termo usado atualmente, o bullying, já era uma prática comum. Como o público da escola em que estudava era quase que completamente formado por crianças dos bairros próximos, quando as aulas terminavam era comum que tomássemos o mesmo curso na volta para casa. Lá íamos, meu irmão e eu, e lembro que uma outra criança maior, nos seguia gritando desafetos relacionados às minhas cicatrizes. E eu permanecia caminhando resolutamente, fingindo não me importar com o que ouvia, mas a verdade é
que aquelas palavras ecoaram por muito tempo dentro de mim. Finalizado o Ensino Fundamental, precisei mudar para uma escola maior. E cada nova etapa representava para mim, um novo desafio. “Mais pessoas para dar explicações”, eu pensava. Então, elaborei a estratégia de esconder o máximo possível as cicatrizes para me sentir normal, nem que fosse por um pouco de tempo. Ao entrar em um ônibus, por exemplo, já tinha um lado ideal para deixar as marcas mais despercebidas. Usar saias ou shorts, somente em último caso e com uma meia-calça com uns dois tons mais escuros que a pele. Mas apesar de todo esse malabarismo, logo chegava a hora em que era inevitável expor “o problema”. Com o apoio da minha família e o fundamento da fé, cresci crendo na bondade de Deus e no Seu cuidado, mas ainda lutava para sufocar a dor lá no fundo da alma e me questionava: “Se Deus é bom e me ama, porque Ele permitiu isso?”. Cresci na igreja e sempre senti um clamor no meu espírito por conhecer e ter intimidade com Deus. Lembro que um domingo, um pregador esteve em nossa igreja com um testemunho incrível. Ele contou que, por meio do poder de Deus, o seu filho havia ressuscitado. E ao final da pregação naquela manhã, ele orou por todos os que precisavam de um milagre. Eu tinha uns doze anos, nessa época, e acreditei que aquela seria minha chance.
Com o coração cheio de fé, recebi aquela oração, acreditando que as cicatrizes simplesmente desapareceriam. Como usava uma calça, ao final do culto, corri para casa para confirmar o “milagre”. Tal foi o meu desapontamento quando verifiquei que nada havia mudado. As terríveis marcas permaneciam lá, mas apesar de não entender, e às vezes me debater com esta dúvida, eu nunca me voltei contra Deus, pelo contrário, eu me voltei para Ele. A minha jornada espiritual continuou, e pude experimentar momentos de profunda intimidade com Deus. Passei bons períodos a sós com Ele e conheci bem de perto o Seu consolo e a Sua graça. E olhando, com mais calma a minha própria história, percebi que mesmo quando coisas ruins aconteceram, se eu conseguisse silenciar o barulho das circunstâncias, poderia notar que Ele sempre esteve lá, provendo o que eu precisava e me cercando de carinho, cuidado e generosas doses do que chamei até aqui de “coincidências”. Enfrentar a adolescência na companhia dessas “marcas” não foi nada fácil. Se nessa fase - tão crucial para a formação da autoimagem - encarar o espelho já é uma missão e tanto para qualquer menina; para mim, a tarefa ainda exigia um pouco mais. Em um contexto em que a beleza física era – e ainda é – uma prerrogativa básica para a maioria dos relacionamentos, eu precisava cavar bem mais fundo para encontrar algo que considerasse belo em mim. Nesse processo, aprendi que a autopiedade é o avesso da
revolta, e é um dos principais tropeços que cercam àqueles que encaram dores profundas. Nessas circunstâncias, é bem comum, sermos tentados a buscar exageradamente atenção e ouvidos para nossas queixas e lamentações. Mas se ao invés disso, concentrarmos esforços em receber o consolo dAquele que é capaz de entender todas as dores, poderemos superar qualquer coisa. Com as cicatrizes que trago comigo, o medo que me afligia era que elas impedissem as pessoas de se aproximarem ou que eu não pudesse ser amada de verdade, e todo o afeto que recebia, interpretava como mera compaixão. E foi assim, até que em um desses maravilhosos encontros com Deus, eu O ouvi dizer: “És a minha filha amada em que acho meu prazer”. E aquela experiência com o Senhor do Universo, sarou a minha alma e me habilitou a descobrir o Amor e desde então, decidi me abandonar aos Seus cuidados. Por experiência própria, aprendi que ainda que eu passe pelo mais tenebroso vale, eu posso encontrar conforto em Seu amor, e em Seus braços eu estou perfeitamente segura. As dores que vivi e precisei superar também deixaram outras lições importantes: eu me tornei mais sensível às dores e lutas alheias, exatamente como o texto de 2 Coríntios 1.3 e 4, diz que aconteceria: Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
Que poder esse que habita em nós! Que nos capacita a estender a outros a consolação e a graça das quais nós mesmos outrora necessitávamos. A dor com a qual você luta hoje, pode se transformar em vereda de vida, em trilha para a libertação de tantos outros. Permita-se, como João Batista, ser aquele que prepara e aplaina esse caminho. E como Deus sempre nos surpreende, a sua boa obra ainda não tinha terminado em mim. Além de experimentar íntima e intensamente o Verdadeiro e eterno Amor, Deus ainda me reservou um amor seguro para viver ainda aqui na terra. Eu tinha dezenove anos quando recebi uma estranha, mas clara visão. Nessa experiência, Ele me apresentou o companheiro que tinha preparado para mim. Eu conhecia o rapaz e ele era (e ainda é) encantador, mas me assustou um pouco receber com tanta clareza a informação de que era ele o marido que Deus tinha separado para mim. Obedecendo a instrução que havia recebido, escrevi a visão, selei a carta e a entreguei ao rapaz sob a severa recomendação de que não acessasse o conteúdo até que recebesse autorização expressa. Sem muita curiosidade, ele recebeu a mensagem e a esqueceu em alguma gaveta e enquanto isso, eu guardava todas essas coisas no coração. A vida seguiu-se normalmente por cerca de noventa dias, até que a nossa igreja saiu para uma missão em Porto Seguro. Durante o seminário que ministrávamos na cidade, Deus se moveu e revelou-lhe também sobre a aliança que planejou para nós.
Por um instante, enquanto nossos olhares se cruzaram, parecia que não havia mais ninguém no salão. Então, ouvi uma direção clara, para beijar-lhe os pés, ainda ali, no meio da reunião. Bem acanhada, atravessei o salão, obedeci a instrução e retornei em silêncio ao meu lugar, deixando ele ali, soluçando em meio às lágrimas. Cheio de temor pela revelação que tinha recebido, ele havia pedido um sinal a Deus; e aquele era o sinal! Ao final do culto, ele pediu que reservássemos um momento para conversar. Já a caminho de casa, meio desconcertado, ele titubeava buscando as palavras: - Não tem um jeito fácil de dizer o que preciso, então vou ser bem direto. Eu vim solteiro a essa missão e estou retornando ao lado da minha esposa. – ele disse a sentença, como quem solta uma bomba e aguarda o seu efeito. Mas, a serenidade da minha resposta o surpreendeu ainda mais. - Agora você pode abrir a carta que lhe entreguei há alguns dias. Espantado, ele entendeu que a notícia já não era novidade para mim. E assim, o nosso relacionamento floresceu, literalmente, como uma história escrita pelo dedo de Deus. Um ano depois estávamos noivos e depois de outros três nos casamos. Hoje, uma dupla linda de crianças, completa a nossa felicidade e enche a nossa casa de alegria. Apesar das dores que enfrentei – muitas delas, escondidas e sufocadas no fundo da minha alma - pude comprovar na
prática, o que diz o salmista: “a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida”. Estudando a história dos heróis da fé, me deparei certa vez com a vida de um grande avivalista do século XVIII, John Wesley. Aos cinco anos sua casa pegou fogo e todos os seus 17 irmãos conseguiram escapar, mas ele ficou preso no primeiro andar e só foi resgatado no último minuto. Depois desse episódio, sua mãe passou a vê-lo como um “tição tirado do fogo” (Zacarias 3.2). As percepções de sua mãe se confirmaram e Wesley se tornou o impulsionador de um grande despertamento na igreja britânica. Enquanto lia essa história, entendi, com mais clareza ainda, que ao me poupar, como há 300 anos atrás, Deus queria levantar mais um “tição tirado do fogo”. Da dúvida que me afligia, não restou nem sombra. Deus é o Amor que preenche todas as lacunas da minha alma, que faz transbordar os mais profundos vãos. As cicatrizes do corpo continuam aqui, e vez ou outra, ainda preciso lidar com aqueles olhares que conheci desde criança. A diferença é que hoje, de alma sarada, eu entendo bem que a minha identidade não é definida pela imagem refletida no espelho, mas pela sentença que sai da boca de Deus. Abandonei o antigo jugo aos pés da cruz e sigo, cercada de alegres cantos de livramento, descansando nos braços daquele que me amou. E foi assim, que eu, Lorena Vieira, venci a dor.