Compêndio de sintaxe portuguesa

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Xavier Frías Conde

Compêndio de sintaxe portuguesa



CompĂŞndio de sintaxe portuguesa


© Texto: Xavier Frias Conde, 2014 © Correções: Patrícia Cunha França © Ianua Editora, 2015. www.ianuaeditora.org info@ianuaeditora.org All rights reserved worldwide. No part of this book may be reproduced without the prior permission of the Publisher.


1. A base semântica do período

1.1. O predicado como núcleo Não se pode entender a sintaxe sem a semântica. As teorias linguísticas atuais são unánimes ao afirmar que a estrutura sintática de qualquer predicado é dada pela sua estrutura semântica subjacente, que é um universal da linguagem. É preciso partir do princípio que todo período está formada em torno dum predicado (PRED) que projeta toda uma série de elementos, com maior ou menor complexidade, até alcançar o significado procurado. É preciso, portanto, definir que é um predicado. Trata-se simplesmente dum verbo lexical, isto é, um verbo com significado de dicionário. Isso significa que 99,99% dos verbos existentes são lexicais. Além disso, fica um pequeno número de verbos que têm um papel complementar, que adicionam determinados valores ao predicado, conhecidos como verbos auxiliares e modais. Porém, estes segundos costumam ser ao mesmo tempo verbos lexicais. Veja-se, por exemplo, ir em: (1) Vou ao trabalho onde funciona claramente como verbo lexical, mas por outro lado este outro exemplo:


Xavier Frias Conde (2) Vou comprar um carro novo onde funciona claramente como verbo auxiliar em expressão de futuro. 1.2. As projeções do predicado Um predicado usado isoladamente poucas vezes tem força suficiente para criar um período. Pode acontecer em casos como: (3) Chove Porém, o normal é que o predicado projete outros elementos que tornam possível a transmissão de mensagens, nomeadamente porque a sua natureza semântica lho impõe. Que significa que a sua natureza lho impõe? Para o entender, vejamos o seguinte exemplo: (4) *O meu tio comprou Neste caso, o período é incompleto, sabemos que se compra algo. Evidentemente falta esse algo. A natureza semântica do predicado comprar envolve que alguém compre algo. Quando adicionamos esse elemento que falta, podemos obter um período como: (5) O meu tio comprou um computador. Neste caso, o período será correto porque se satisfaz a es6


Compêndio de sintaxe portuguesa trutura semântica do predicado comprar, ou dito com outras palavras, porque estão presentes todas as projeções que tal predicado precisa. Portanto, todo o predicado tem uma estrutura de elementos que precisa para satisfazer a sua natureza semântica. Cada uma dessas projeções é chamada valência ou argumento, expressão tomada da química. A estrutura formada pelo predicado e os seus argumentos é conhecida como quadro predicativo e, seguindo com as comparações com a química, equivale à estrutura duma molécula, com um núcleo e elementos que orbitam ao seu redor. Num nível mais abstrato, o quadro predicativo é uma representação semântica que todos temos no léxico para cada entrada léxica. No caso dos predicados, podemos estabelecê-lo da seguinte forma:

Mais singelamente: Comprar:  <x>, <y> 7


Xavier Frias Conde 1.3. Argumentos internos e externos A partir da estrutura vista anteriormente, sabemos que x e y são valências ou argumentos, mas nem todos os argumentos são iguais. Se tomarmos em consideração os dois argumentos anteriores, veremos que um participa na definição do dicionário enquanto que o outro pode ser omitido: Comprar: adquirir algo com dinheiro É preciso fazer referência ao que se compra, mas não a quem compra. Se tomarmos uma estrutura absolutamente impessoal, veremos que podemos prescindir de <x> mas não de <y>: (6) São horas de ver a TV Não seria possível: (7) *São horas de ver Portanto, <x> é o argumento externo, enquanto que <y> é o argumento interno, portanto, o que faz parte do significado do predicado. 1.4. Classificação dos predicados Nem todos os predicados possuem uma estrutura tão singela como a mostrada anteriormente: PRED  <x>, <y>. Na reali8


Compêndio de sintaxe portuguesa dade, as possibilidades que se podem encontrar em português e, de facto, em todas as línguas românicas, são mais complexas. Em qualquer caso, estamos a falar de uma tipologia que tem quatro categorias a depender do número de valências requeridas. Portanto, os predicados dividem-se nestas quatro categorias segundo o número de valências que requeiram, tendo em conta que <x> é sempre valência externa: Avalentes: trata-se de predicados que não têm absolutamente nenhuma valência porque não precisam dela. São bem poucos os casos, mas entre eles citaremos os verbos atmosféricos: Chover  <Ø>: choveu Monovalentes: trata-se de predicados que precisam duma só valência, normalmente a externa. Ladrar  <x>: o cão ladrava Bivalentes: trata-se de predicados que precisam de duas valências. A grande maioria dos predicados pertence a esta categoria. Imprimir  <x>, <y>: O João imprimiu todo o relatório. Trivalentes: não são muitos, mas nalguns casos, certos predicados precisam três valências, sendo as duas últimas internas. Pôr  <x>, <y>, <z>: A avó deixou a torta no frigorífico

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Xavier Frias Conde Ora bem, estas estruturas não são rígidas. Certos predicados admitem mais do que uma possibilidade. No caso anterior, correr era predicado monovalente, mas em certos contextos pode perfeitamente aparecer como predicado bivalente: (8) O meu irmão correu a maratona Neste caso, correr tem claramente duas valências. O caso contrário seria o de cantar no primeiro dos dois exemplos seguintes: (9) Este pintassilgo não canta (10) O coro cantou uma peça de Mozart Noutros casos, os predicados variam o seu quadro predicativo mudando, aliás, o seu significado. Veja-se o caso do verbo deixar que é polivalente: (11) (12)

O João deixou os estudos (= João abandonou os estudos) O João deixou os livros em casa (= João esqueceu-se dos livros…)

1.5. Os elementos opcionais Uma vez vistos os elementos obrigatórios que acompanham o predicado, é preciso atender aos que não são obrigatórios, mas que amiúde aparecem no período.

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Compêndio de sintaxe portuguesa A ideia de serem obrigatórios ou não depende de serem exigidos ou não pelo predicado. Observe-se o seguinte exemplo: (13)

Comprei umas revistas na estação

Se eliminarmos o elemento umas revistas, o período carecerá de significado (14)

*Comprei na estação

Porém, se eliminarmos na estação, embora o significado não seja exatamente igual, teremos sempre um período correto e com significado: (15)

Comprei umas revistas.

Assim visto, os elementos prescindíveis, aqueles que não fazem parte da estrutura nuclear –semântica– do predicado são conhecidos pelo nome de satélites. Uma vez visto este capítulo introdutório à semântica dos predicados, poderemos abordar o estudo da sintaxe, porque a estrutura sintática de qualquer predicado vem-lhe dada pela sua estrutura semântica como veremos ao longo dos seguintes capítulos.

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2. O período simples: funções internas

2.1. Elementos constituintes A nossa visão da estrutura da oração, sempre centrada no predicado, pode ser representada a partir do seguinte esquema que iremos desenvolvendo ao longo deste capítulo:

Na hora de trabalharmos com os constituintes presentes em qualquer período, é preciso estabelecer uma diferença bem clara entre: Funções internas: trata-se dos elementos que gera o predicado e que fazem parte do esqueleto do período. Encontram-se entre eles o sujeito (SUBJ) e os diversos objetos (OBJ)

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Xavier Frias Conde

Funções externas: trata-se de elementos alheios ao quadro predicativo, isto é, não se trata de argumentos. Algumas funções internas podem tornar-se externas por causa da ênfase, da interrogação, etc. Entre elas estão o foco (FOC), o tópico (TOP), a interrogação (INT), etc. Categorias: são elementos com um valor nomeadamente gramatical, não semântico, mas que são necessários para o período ter lógica. Entre eles acham-se a negação (NEG), os auxiliares (AUX), os modais (MOD), etc.

Todavia, o núcleo do período é sempre o predicado (PRED). Ao longo destas páginas faremos uma abordagem sempre a partir do papel central que este exerce e como o período não é senão a máxima projeção dum predicado que medra em capas, tal como se mostrou no esquema da página anterior. 2.2. Macrofunções internas Em primeiro lugar, temos de referir-nos às funções como valências transformadas em elementos sintáticos. Trata-se, portanto, dos argumentos, elevados à categoria de sujeito e objeto(s). Tanto o sujeito como os objetos são funções obrigatórias, enquanto que os adjuntos são funções opcionais, dado que se podem eliminar. Ambos os tipos de funções podem ser apreciadas no seguinte exemplo SUBJ pro

PRED comprei

OBJ1 um livro

ADJ no aeroporto 14

ADJ para a viagem


Compêndio de sintaxe portuguesa O sujeito omitido (ou qualquer operador omitido) é marcado com pro, que quer dizer que pode ser recuperado em qualquer momento. 2.3. Funções obrigatórias As funções obrigatórias são a representação sintática dos argumentos do predicado vistos no capítulo anterior. Portanto, vêm fixadas pela natureza semântica do predicado. O sujeito costuma ser identificado com o argumento externo – isto não é sempre assim, mas não vamos agora analisar exceções. Em português, a maioria das vezes ele inicia o período e apresenta concordância com o predicado em género e número quando só há um verbo, mas caso houvesse mais de um (auxiliares, modais), a concordância terá de se realizar com o verbo que lhe fica mais próximo. O português é uma língua de sujeito zero. Isto significa que pode omitir o sujeito quando este já é conhecido. Nesses casos, usa-se pro para indicar que o operador está omitido (mas na GFC o pro usa-se para indicar que qualquer operador é omitido, mas que pode ser recuperado em qualquer momento). Ao falarmos de objeto referimo-nos a um macroconcepto, pois não há só um tipo de objetos, mas vários. Os objetos correspondem às projeções internas dos predicados, graças aos quais os significados podem estar completos ao contrário do sujeito, que de facto não complementa o significado do predicado). Vamos distinguir quatro tipos de objetos: 1. Objeto direto (OBJ1) 2. Objeto indireto (OBJ2)

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Xavier Frias Conde 3. Objeto regido (OBJ3) 4. Objeto predicativo (OBJ4)

Mais adiante teremos opção de analisarmos os distintos tipos de objetos e a sua ocorrência no período. Por agora, bastanos ver como dois deles podem concorrer num mesmo período. Eis alguns exemplos: SUBJ A minha filha

SUBJ pro

PRED contava

PRED CLT acusaram-me

SUBJ pro

PRED deixaram

OBJ1 piadas

OBJ2 às suas amigas

OBJ1 pro

OBJ3 de suborno

OBJ1 a casa

OBJ4 destruída

O atributo (ATT) é uma espécie de duplicação do sujeito e vai sempre ligado aos verbos copulativos (ser, estar, parecer, tornar-se, virar) SUBJ A gente

PRED está

ATT cansada

2.4. Funções opcionais São constituintes que não são gerados como projeção do predicado, mas que adicionam uma informação complementar 16


Compêndio de sintaxe portuguesa ao conjunto do período. Trata-se na maioria dos casos de advérbios. O seu valor opcional é perfeitamente visível quando são eliminados: o período continua a ter significado completo, tal como se observa no seguinte exemplo: (16) (17) (18)

Hoje tomaremos [OBJ1um bom café] [ADJ no centro cocomercial] Hoje tomaremos um bom café *Hoje tomaremos no centro comercial

O adjunto pode confundir-se com o OBJ3, nomeadamente quando vem expresso por um sintagma preposicional (SP). Pode, aliás, ter como operador um sintagma determinante (SD) ou um sintagma adverbial (SADV) SUBJ pro

PRED fala

OBJ1 inglês

ADJ muito bem

O ADJ pode ainda ser confundido com o TOP, mas isso será estudado depois. Num período simples pode haver mais do que um adjunto. As duas referências mais comuns dos adjuntos são lugar e tempo, mas também podem fazer referência a causa, finalidade, consequência, etc.

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3. O período simples: funções externas

3.1. Funções extraoracionais Até o do agora vimos que existem uma série de funções sintáticas marcadas pela natureza semântica do verbo. Não obstante isso, podem-se encontrar outras funções que chamamos extra-oracionais e que respondem a um critério ainda mais periférico. As ditas funções estão além do núcleo do período (SUBJ, PRED, OBJ, ADJ), mas em certas circunstâncias, algumas destas funções primárias ou intra-oracionais podem deslocar-se para fora do núcleo. Um exemplo muito claro disto são as orações interrogativas, quando um operador intra-oracional – como neste caso o objeto – converte-se (na realidade “move-se para a posição de”) em foco. A forma inicial, afirmativa, pode ser representada como segue: SUBJ O João

PRED escuta

OBJ1 a rádio

A forma interrogativa é produto duma transformação: FOC Que

INT escuta

SUBJ o João

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PRED escuta

OBJ que?


Xavier Frias Conde Mais adiante ver-se-á com maior pormenor este processo. Por agora, indicaremos que no quadro funcional – categorial em que se desenvolve este livro, os movimentos de operadores seguem uma pauta semelhante a como se descrevem no gerativismo. As funções extra-oracionais que vamos descrever a seguir – na realidade trata-se de funções pragmáticas inseridas no quadro sintático – são: 1. 2. 3. 4.

Foco (FOC) Tópico (TOP) Vocativo (VOC) Interrogação (INT)

3.2. O foco O foco é a ênfase que, normalmente, vem colocado no inicio do período, amiúde com uma entoação especial. A focalização pode afetar qualquer uma das funções intra-oracionais, de tal maneira que o elemento que se move para a posição de foco deixa uma pegada, isto é, o seu sítio não pode ser ocupado por outro elemento. Nos seguintes exemplos deslocam-se dois objetos para a posição de foco, isto é, focalizam-se: FOC O teu irmão

SUBJ pro

PRED CLT vi-o

OBJ o teu irmão

ADJ antes

3.3. O tópico O tópico é um elemento que costuma fazer referência a lugar e tempo (mas também a outras questões). O mais frequen20


Compêndio de sintaxe portuguesa te é que vá no início do período, mas também pode ir no fim da mesma, mas não é intercambiável com o adjunto, com o qual pode ser facilmente confundível (em determinadas ocasiões são inclusivamente indistinguíveis). O tópico, por causa da sua colocação periférica, tem uma mobilidade maior que o resto dos elementos. Por norma, quando se coloca no início do período, costuma ir separado por uma vírgula. Nos dois exemplos a seguir vê-se como o tópico pode ir tanto no fim como no inicio: TOP Amanhã

SUBJ pro

PRED comprarei

OBJ1 farinha

SUBJ pro

PRED Comprarei

OBJ1 farinha

TOP amanhã

Quando um adjunto e um tópico surgem juntos num período, ambos podem aparecer no final do período, mas o tópico tem que vir em último lugar:

SUBJ

PRED

OBJ

ADJ

TOP

Os meninos

jogam

com a bola

no pátio

todos os dias

TOP

SUBJ

PRED

OBJ

ADJ

Todos os dias

os meninos

jogam

com a bola

no pátio

ADJ

SUBJ

PRED

OBJ

TOP

*No pátio

os meninos

jogam

com a bola

todos os dias

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Xavier Frias Conde Podem estabelecer-se uma série de diferenças entre o tópico e o adjunto. As duas principais vêm enumeradas a seguir:

i. ii.

Tópico

Adjunto

Pode ir tanto no início como no final Tem uma importância semântica terciária

Vai no final, exceto no caso de estar focalizado Tem uma importância semântica secundária.

3.4. O vocativo Outra função pragmática que apresenta certa semelhança com o tópico é o vocativo, que em determinadas línguas – não é o caso do português – pode mesmo apresentar uma terminação de caso própria. Em português é muito frequente que o vocativo venha acompanhado duma partícula. As demais normas são ou! ei! (19) (20)

Ó Pedro, foste à feira Ei rapaz, em que coisas andas?

3.5. O interrogador O interrogador, como o seu nome indica, é uma função cuja finalidade é tornar uma oração afirmativa em interrogativa. Atendendo à distinção entre orações interrogativas abertas e fechadas, será necessário entender que a maneira de se construírem tanto umas como outras é diferente.

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Compêndio de sintaxe portuguesa As interrogativas abertas são mais complexas, pois precisam de um interrogativo com um foco cujo operador se deslocou desde uma função intra-oracional. Vejamos, portanto, qual a estrutura duma oração interrogativa fechada onde só a entoação é interrogativa: INT [↗]

SUBJ pro

PRED tens

OBJ1 fome?

Porém, às vezes o operador do INT não é só a entoação. O predicado move-se ao oco do INT, movimento totalmente opcional em português: INT Trouxeram

SUBJ os meninos

PRED trouxeram

OBJ1 a roupa limpa?

Existe uma terceira hipótese que consiste no emprego duma partícula interrogativa no oco do INT. É muito comum o uso de é que: INT É que

SUBJ pro

PRED tens

OBJ1 fome?

As interrogativas abertas precisam, como já referimos acima, um interrogativo que passará a ocupar o espaço ao lado do FOC, pelo que de facto as interrogativas são um tipo de focais muito mais complexas.

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Xavier Frias Conde Em português, neste caso, há duas hipóteses. Uma é o movimento do PRED para INT; a outra é o uso do interrogador é que, já mencionado. A focalização mais comum é a do OBJ1: FOC Quem Quem

INT é que viste

SUBJ pro pro

PRED viste viste

OBJ quem quem

ADJ no parque? no parque?

Ainda que não se trate dum quadro completo, os principais tipos de orações dependentes podem ser observados na seguinte tabela: Tipo Condicional

Função Tópico

Temporal Concessiva

Tópico Tópico

Consecutiva

Tópico

Causal

Adjunto

Final

Adjunto

Completiva

Objeto Sujeito

Exemplo Se tiveres fome, pega em algo do frigorífico. Quando chegares, liga-me. Ainda que estejas cansado, espera um bocadinho. Como estragaste a porta, hás de pagála. Hás de pagar a porta, porque a estragaste. Compra um carro novo para fazer tantas viagens Não quero que sejas assim Já estou farto que me ignorem.

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4. O período simples: as categorias

4.1. As categorias Como já ficou dito, as categorias são basicamente elementos gramaticais necessários para fornecer uma estrutura sintática à oração. A maior ou menor complexidade linguística das línguas naturais pode precisar de uma explicitação dum número maior ou menor de categorias, embora a maioria das categorias possa ser considerada universal. Para o português, vamos introduzir as seguintes categorias, todas elas desvinculadas do núcleo semântico da oração, mas que podem ter significado, na maioria das ocasiões, restringido. Eis as categorias que devemos ter em conta: I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII.

Negação (NEG) Adverbiais (ADV) Auxiliares (AUX) e modais (MOD) Clíticos (CLT) Diatetizador (DIAT) Complementador (COMP) Relator (REL) Afirmação (AFR)

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Xavier Frias Conde 4.2. A negação A negação envolve um operador, normalmente o advérbio não, que antecede o primeiro verbo que apareça no período, seja qual for. Além disso, a negação em português (como em todo o ibero-românico) é uma função que não admite projeção em português, o que significa que não se projeta em NEG’, mas que vai anexa a um verbo. SUBJ pro

NEG não

PRED comprei

OBJ1 pão

O português atual prescinde de tão-pouco ou tampouco como advérbio negativo e prefere também não: (21)

Também não o sei

Esta é a sua estrutura: SUBJ Eu

ADV também

NEG não

CLT o

PRED sei

OBJ1 pro

4.3. Adverbiais Com a etiqueta de adverbiais fazemos referência a uma categoria composta, como o seu nome indica, por advérbios (embora seja possível também encontrar sintagmas).

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Compêndio de sintaxe portuguesa Os advérbios, como classe de palavras, podem ter funções. No seguinte exemplo, muito bem é um advérbio (com quantificador) que funciona como adjunto: (22)

Os meus filhos falam sueco muito bem

Ora bem, outro tipo de advérbios, como os temporais, podem funcionar como adverbiais. Recuperamos um exemplo anterior: (23)

[ADV Também] não o sei

Os advérbios de frequência e tempo são um caso típico de adverbial: (24)

[SUBJ Eu] [ADV às vezes] não o entendo

A diferença fundamental entre um ADJ e um ADV, além da sua importância semântica, radica na liberdade de movimentos enorme que tem o adverbial, que pode ser colocado em muitos lugares dentro do período. Observe-se o que acontece com sempre: (25) (26) (27)

Os meninos sempre dizem a verdade Os meninos dizem sempre a verdade Os meninos dizem a verdade sempre

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Xavier Frias Conde 4.4. Auxiliares e modais Em português, como em geral nas línguas românicas, a diferença entre auxiliar e modal não tem a grande importância das línguas germânicas, nomeadamente o inglês. Por essa razão, não vamos distinguir os dois grupos neste livro e falaremos apenas de auxiliares. A característica principal dos auxiliares é que estão ao serviço do predicado, dado que têm um significado muito restringido ou nulo, mas adicionam outros valores, amiúde extralinguísticos, referidos a probabilidade, intensidade, tempo, aspeto, qualidade, etc. Num mesmo período podem existir mais de dois auxiliares com o predicado. Porém, em português é raro que apareçam mais de três. Eis alguns exemplos de acumulação de auxiliares: SUBJ pro

NEG não

CLT lhe

AUX vão

AUX poder

PRED quitar

X o carro

SUBJ Maria

NEG não

CLT no-lo

AUX deveu

AUX ter

PRED contado

X nunca

É importante notar que o verbo que vai em primeiro lugar será o que imponha a concordância e o que leve anteposta a negação. Como se pode verificar, os auxiliares dão lugar à conjugação perifrástica.

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Compêndio de sintaxe portuguesa 4.5. Clíticos Os clíticos requerem um estudo à parte, só para eles, mas tentaremos referir os elementos mais característicos. Em primeiro lugar, os clíticos portugueses (e romances) não são pronomes pessoais, mas um tipo de palavra duma natureza complicada, entre os pronomes e os morfemas verbais livres. Não são operadores que ocupem ocos funcionais – exceto no caso da diátese –, de maneira que, como já vimos que acontecia com a negação, os clíticos não se projetam CLT’, mas vão anexos a um verbo (há línguas onde os clíticos se projetam, como as eslavas, mas não acontece isto nas línguas românicas). O clítico faz referência a uma função (ao OBJ em português – e ao ADJ noutras línguas, como catalão, francês ou italiano – e até em determinadas línguas românicas possa, aliás, fazer referência mesmo ao sujeito, em cujo caso se chamam funtores). Isso permite que em português, como em muitas outras línguas românicas, o clítico e o seu referente apareçam conjuntamente: SUBJ A Marta

AUX CLT pôde-me

PRED fazer

OBJ1 um favor

Porém, quando se trata de focalizações com um SM, a presença do clítico torna-se obrigatória: (28)

[FOC Os livros] pro esqueci-os [OBJ1 os livros] na escola.

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Xavier Frias Conde 4.6. O diatetizador O diatetizador é uma categoria de capital importância. Através dele pode-se expressar a diátese ou voz verbal. Num capítulo posterior desenvolveremos a questão da diátese portuguesa que merece ser estudada num capítulo exclusivo. Por agora basta introduzir os dois grandes operadores da diátese: o verbo modal ser para as construções passivas e o clítico se para as construções ergativas e impessoais que, como acabamos de referir, serão desenvolvidas no capítulo 8. As construções passivas em português envolvem o uso de ser, tal como se mostra a seguir. Tenha-se em conta que uma passivização é um processo pelo qual uma valência é omitida e a outra passa a ocupar o seu espaço sintático, dito doutra maneira, o sujeito é obviado e o objeto alcança maior força, perdendo a sua função original. SUBJ

DIAT

ADV

PRED

OBJ1

A ponte

foi

finalmente

destruída

a ponte

Porém, quando o diatetizador é um clítico, temos que o tratar da mesma forma que o resto dos clíticos, isto é, como anexo dum verbo: PRED DIAT Fabricam-se

OBJ1 bons carros

ADJ em Alemanha

4.7. O complementador O complementador é uma categoria que é assimilável em quase todos os casos à categoria tradicional de conjunção. Ser30


Compêndio de sintaxe portuguesa ve para introduzir qualquer oração dependente e ligá-la a uma oração principal, como veremos mais adiante quando tratarmos do período complexo. SUBJ

PRED

pro

espero

OBJ COMP que

SUBJ pro

PRED tenhas

OBJ sorte

Pode acontecer, aliás, a situação de que não haja complementador expresso. Em qualquer caso, o seu espaço deve ficar expresso embora o seu operador seja [Ø]. Aliás, em orações como a anterior, o sujeito também deve ser expresso, mas como não se pode empregar nenhum operador expressado, recorre-se a [PRO], que indica um operador conhecido mas não recuperável (á diferença de [pro] que si é recuperável). No período anterior, ambos os casos seriam representados como segue: SUBJ pro

PRED espero

OBJ COMP Ø

SUBJ PRO

PRED ter

OBJ sorte

4.8. O relator O relator é a última categoria a que nos referiremos. Tem em comum com o complementador que introduz orações, mas à diferença dele, o relator si cumpre uma função sintática, de jeito que o seu comportamento é muito semelhante ao do foco (de facto é uma variante do interrogador).

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Xavier Frias Conde Eis um exemplo de como o relator encaixa a oração relativa na oração principal e, ao mesmo tempo, funciona como um tópico: SUBJ SUBJ

COMP O tipo

que

PRO

PRED

OBJ

detiveram

o tipo

PRED

ATT

é

o meu vizinho

4.9. A afirmação Trata-se duma categoria normal nas línguas românicas cuja finalidade é reforçar o verbo afirmando-o. TOP Hoje

SUBJ pro

AFR sim

PRED tenho

OBJ1 tempo

Existe uma fórmula semelhante, enfática, com é que: TOP Hoje

SUBJ pro

AFR é que

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PRED tenho

OBJ1 tempo


Compêndio de sintaxe portuguesa

5. O período complexo

5.1. Conceitos prévios Um período complexo é aquele que conta com duas ou mais orações, onde uma é sempre principal e a(s) outra(s) dependentes. Não se deve confundir com período composto, em cujo caso estamos a falar de processos de coordenação, algo que por agora fica fora do nosso âmbito de estudo. Não falaremos exclusivamente de subordinação, dado que este conceito faz referência a um só tipo de relação entre uma oração principal e uma dependente. Mais adiante veremos que existe, aliás, outro modo de relacionar duas orações, a inordinação. Tudo isto nos obriga a reformular a teoria tradicional sobre os tipos de orações complexas. De início, vamos distinguir entre orações subordinadas, inordinadas e relativas, esquecendo-nos daquela classificação tradicional de subordinadas substantivas e adverbiais. Porém, agora importa olhar para o modo em que a oração dependente se relaciona com a principal. É aqui que falaremos de orações subordinadas de tópico e de adjunto. Em definitiva, o quadro resumo das orações dependentes pode ser visto no seguinte gráfico:

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Xavier Frias Conde

A diferença fundamental entre subordinação e inordinação consiste em que na subordinação a oração dependente fica fora da principal:

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Compêndio de sintaxe portuguesa Porém, na inordinação, a oração dependente fica dentro da principal, a realizar uma função primária:

5.2 A oração inordinada Identificam-se na maioria dos casos com as orações conhecidas na gramática tradicional como completivas. Estas vêm inseridas na oração principal, desenvolvendo uma função primaria (SUBJ ou OBJ). Quando o complementador está presente, o predicado da oração inordinada vai de forma conjugada, porém quando este está vazio, o mais comum é que seja introduzido com o infinitivo.

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Xavier Frias Conde Ambos os casos podem ser apreciados nos exemplos seguintes. Em primeiro lugar com um complementador, representado linearmente como: SUBJ pro

PRED espero

OBJ COMP que

SUBJ pro

PRED tenhas

OBJ sorte

A seguir com um infinitivo, representado linealmente como: SUBJ

PRED

OBJ COMP

pro

SUBJ PRO

espero

PRED ter

OBJ sorte

5.3. A oração subordinada A oração subordinada, como já ficou dito, não vem inserida, senão anexa. Dado que ocupa uma posição periférica, pode funcionar como operador no oco funcional do tópico ou de adjunto. Por norma, introduz-se com um complementador, mas é possível que as formas não finitas do verbo possam aparecer sem qualquer complementador. Um exemplo de oração subordinada de tópico seria o seguinte: TOP COMP Quando

SUBJ pro

PRED tiveres

OBJ1 fome,

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SUBJ

PRED

OBJ1

pro

come

algo de pão


Compêndio de sintaxe portuguesa Mais exemplos semelhantes, mas já não uma oração de tipo temporal: COMP

SUBJ

TOP PRED

Ø

pro

vindo

SUBJ

PRED

OBJ1

pro

escutava

música

OBJ3

para cá

TOP COMP

SUBJ

PRED

OBJ1

Se

pro

quiseres

jogar

SUBJ

PRED

ADJ

pro

joga

lá fora

Mas muito amiúde, dado que o tópico pode vir em segundo lugar, a oração dependente vem em segundo lugar, como nos seguintes exemplos: SUBJ

PRED

OBJ1

pro

come

pan

SUBJ

PRED

OBJ

TOP COMP

SUBJ

PRED

OBJ1

quando

pro

tiveres

fome

COMP

SUBJ

chovia

TOP PRED

vindo

OBJ3

para cá

Um exemplo de oração subordinada de adjunto, que linearmente pode ser representado assim:

SUBJ

pro

PRED

come

OBJ1

pão

TOP COMP

SUBJ

PRED

OBJ1

porque

pro

tem

fome

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Xavier Frias Conde 5.4. A oração de relativo Já fizemos menção às orações relativas anteriormente, introduzindo um exemplo em (4.6.), quando nos referíamos ao relator como elemento fundamental para a sua construção. Na oração seguinte, poder-se-á ver como o relator pode ser um elemento duma complexidade enorme do ponto de vista estrutural, dado que tem que manter a concordância de género e número com o seu referente e, ao mesmo tempo, agir também como um complementador. Aliás, é muito frequente que o relator venha precedido de preposição. O relator pode cumprir todas as funções do período: i.

Sujeito:

A menina

ii.

AUX

PRED

que

a menina

está a

falar

Objeto (qualquer um eles, neste exemplo, é OBJ2)

REL A menina

iii.

REL

SUBJ/OBJ SUBJ

que

SUBJ/OBJ SUBJ pro

AUX

PRED

OBJ1

estás a

ver

a menina

Adjunto SUBJ/OBJ

O negócio

REL onde

SUBJ pro

PRED comprámos

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OBJ1 as meias

ADJ no negócio


Compêndio de sintaxe portuguesa Além do anteriormente exposto, onde todas as orações têm referente, é bem frequente que este tipo de orações não tenha referente. As orações sem referente funcionam como sintagmas nominais, o qual significa que cumprem todas as suas funções: i.

Sujeito:

[SUBJ Quem disse isso] mentia ii.

Objeto direto

Não entendo [OBJ1 que está a acontecer] iii.

Objeto indireto

Explica-lho [OBJ2 a quem te queira ouvir] iv.

Outros objetos

Nunca se preocupam [OBJ3 do que ganham] v.

Adjunto ou tópico

[TOP Onde vivem] não há transporte público.

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Compêndio de sintaxe portuguesa

6. Os níveis inferiores do período

6.1. Elementos lexicais e funcionais: as palavras Nas páginas anteriores vimos como as orações estão estruturadas em torno dum predicado, o qual projeta uma série de funções (SUBJ, OBJ, ADJ) outras séries surgem por necessidades pragmáticas ou comunicativas (TOP, FOC). Porém, o que não fizmos até agora foi analisar a composição dos operadores, isto é, não olhamos para as palavras que há no fundo, as que combinadas são depois empregadas dentro da engrenagem sintática formando um prédio que se rege por regras perfeitamente definidas (isso, em definitiva, é a sintaxe). Na hora de fazer a abordagem à classificação das palavras, atenderemos a um critério geralmente aceite: a carga léxica. Deste modo falaremos de palavras lexicais e palavras funcionais. As palavras lexicais são aquelas que possuem um significado – carga léxica –, isto é, que têm um significado mais ou menos definível graças ao dicionário. As segundas, a palavras funcionais, não têm carga léxica (o seu significado é muito limitado caso o tenham) e, aliás, só podem funcionar como operadores categoriais. Deste jeito, o negador é o operador da negação, o complementador é o operador do complementador, etc. 41


Xavier Frias Conde

6.2. Palavras lexicais Já ficou dito que as palavras léxicas possuem carga léxica. Elas são a base sobre a qual se começa a construir o discurso. Quanto ao português, a lista de palavras lexicais junto com as funções que desenvolvem é oferecida a seguir: Palavra

Abr.

Funções

Nome

N

Realiza todas as funções primárias, para além de adjunto e tópico, muito amiúde introduzidos por uma preposição.

Adjetivo

A

Realiza determinadas funções (ATT, OBJ3), mas muito amiúde complementa o nome.

Verbo

V

Morfologicamente corresponde ao Predicado. Não se deve confundir com o AUX ou o MOD.

Advérbio

ADV

Ocasionalmente realiza funções como ADJ ou TOP, e certamente ADV, mas também às vezes de OBJ3.

6.3. Palavras funcionais Como já ficou dito, o seu papel é apenas gramatical, permitindo um funcionamento da maquinaria sintática.

42


Compêndio de sintaxe portuguesa

Palavras

Abr.

Função

Pronomes

PRN

Realizam as mesmas funções do nome, mas não têm significado léxico.

Quantificadores

Q

Acompanham os nomes (algum, nenhum, muito…), adjetivos (muito, pouco, demasiado) e advérbios (muito, pouco, demasiado, demais). Os quantificadores nominais têm flexão, enquanto que os adjetivais e adverbiais não.

Determinantes

D

É uma macrocategoria que abrange artigos, possessivos e demostrativos. Logicamente cada uma delas pode ser tomada individualmente: artigos (ART), possessivos (POS) e demostrativos (DEM)

Preposições

P

Nos demais casos vêm regidas pelos verbos (OBJ3), ou pelo ADJ ou o TOP.

Clíticos

CLT

Como já foi dito, é uma categoria muito complexa cuja natureza se encontra entre um morfema verbal e um pronome.

Complementadores

COMP

São palavras que unem orações. É muito comum que muitas preposições se unam a que para formarem complementadores: porque, sem que, a fim de que, etc.

Relator / REL Interrogador

Correspondem-se com os relativos e interrogativos tradicionais. Têm função

43


Xavier Frias Conde sintática externa ao funcionarem de uma forma semelhante ao FOC. Apresentamolos juntos porque nos demais casos são iguais e a sua estrutura si é igual. Negador

NEG

Embora seja um mero advérbio, o seu papel como operador

No entanto, esta não é uma lista fechada. Noutras línguas será preciso adicionar outras palavras funcionais que não estão aqui apresentes. 6.4. A combinação de palavras: os sintagmas A projeção duma palavra lexical – e nalguns poucos casos de certas palavras funcionais, como os pronomes –, dá lugar a sintagmas. Na realidade, determinados elementos projetam-se com a finalidade de se unirem a outros elementos que precisam porque sem eles não se constrói o prédio sintático corretamente ou bem porque a informação transmitida é incompleta. Tomemos como exemplo o nome (N). É muito frequente que seja acompanhado de determinantes e que, por vezes, mesmo por preposições quando a sintaxe assim o impõe. SM  [SM [N]]: quero [SM caramelos ] Incrementa-se com o determinante:

44


Compêndio de sintaxe portuguesa SD  [SD [D] SM [N]]: Quero [SD [D uns] [SM [M caramelos]] Uma combinação com preposição em diagrama arbóreo visualiza-se assim: P’ D’

P

D

N’

com

esa

caixa

É preciso ter muito presente que as funções estão compostas de sintagmas. Sem eles, não haveria possibilidade de expressar nada. Isto leva-nos a um dos pontos nucleares da sintaxe, algo que na Gramática Funcional-Categorial tem um espaço próprio: o estudo da sintaxe tem que se fazer a dois níveis complementares que funcionam como as duas caras da mesma moeda: a estrutura e a forma. Nos capítulos 2-5 deste manual apresentámos a estrutura, mas já neste capítulo introduzimos as formas. Convém ter presente isto doravante.

45



Compêndio de sintaxe portuguesa

7. Os sintagmas

7.1. Sintagma nominal O sintagma nominal é um dos elementos mais frequentes no período português. Por razões de simplicidade, vamos apresentá-lo sem o SP no início. É o operador de todas as funções primárias, nalguns casos introduzido como SP. Aparece também como TOP e ADX, com ou sem preposição. O sintagma nominal pode ter projeções para a esquerda, em cujo caso se trata normalmente dos determinantes, mas também da preposição. A extensão mais comum é a da adição do artigo sob a forma de sintagma determinante (SD), mas também poderia ser um demostrativo: D’

N’

D Este O

N rapaz rapaz 47


Xavier Frias Conde Quando se adiciona o possessivo, é obrigatório que em português haja um determinante deitico (artigo ou demostrativo, aos que manteremos a denominação de determinantes): D’

POS

D

POS

Os

meus

N companheiros

Porém, existe um uso do possessivo pós-nominal. É possível quando antes do nome já se encontra um determinante demostrativo ou artigo indefinido. D’ N’

D Esse

N amigo

POS meu

48


Compêndio de sintaxe portuguesa Determinados adjetivos admitem ser projeções à esquerda. Em certos casos com um valor estilístico, noutros porque existe mesmo uma diferença de significado segundo sejam prénominais ou pós-nominais. Esse é o caso de velho, cujo significado pode variar segundo se encontre pré- ou pós-nominal1. Este SA pronominal pode ir precedido dos determinantes nominais: D’ A’

D

A

Uma

boa

N merenda

No entanto, as estruturas vistas anteriormente, estando todas presentes, dificilmente podem acolher um SA. É mais normal neste caso: (29)

Aquele bom amigo meu

Quanto às projeções pós-nominais, são basicamente três: SA, SP (que recolhe outro SN) e SC (sintagma complementador) O sintagma adjetival é a projeção mais comum:

1

Observe-se a diferença entre um velho amigo (=um amigo antigo, desde há muito tempo) e um amigo velho (=um amigo idoso).

49


Xavier Frias Conde D’ N’

D

A

Um

A

fulano simpático

Um segundo SM anexado a um primeiro SM faz-se através dum SP. O SA pode estar apresente, mas ambas as projeções surgem a níveis distintos: D’

N”

N’

D Um

N

P’

A

fulano simpático da minha aldeia

Um SM pode, aliás, ser projetado com uma oração, que geralmente vai introduzida por um SP e depois por um SC caso o verbo tenha forma não-finita: 50


Compêndio de sintaxe portuguesa

(30)

É [um bom livro para ofereceres]

Por outro lado, o SM pode ter no seu núcleo pro. O pro fornece a informação necessária de género e número que o resto dos elementos projetados pelo SM deverá respeitar:

D’

N’

D [+ masc.] [– sg.] Os

N [+ masc.] [– sg.]

A [+ masc.] [– sg.]

pro

novos

7.2. O sintagma adjetival O sintagma adjetival, como o adjetivo, tem dois usos principais: atributivo e predicativo. No primeiro caso funciona como projeção do nome, tal como mostrámos no parágrafo anterior. Porém, quando funciona predicativamente, só pode ser ATT. Quanto à sua estrutura, o SA também pode projetar-se para a esquerda, mas neste caso só é possível introduzir um quanti51


Xavier Frias Conde ficador (Q). Porém, para a direita, o normal é que se projete um SP que geralmente contém uma oração. Ambas as projeções vêm refletidas a seguir:

Q’ A’

Q muito

A

P’

interessante para ler nas viagens

7.3. O sintagma adverbial O SADV tem certas semelhanças com o SA quanto à sua estrutura como veremos a seguir. No concernente ao seu emprego como operador, pode ser OBJ, mas o normal é que funcione como ADV (adverbial), TOP e ADJ. Tornando à sua estrutura, a projeção para a esquerda, como acontece com o SA, só pode ser dada por um quantificador (Q). Pela direita, também é um SP o modo normal de projeção. Ambas as possibilidades podem observadas no seguinte exemplo:

52


Compêndio de sintaxe portuguesa Q’ A’

Q

A

muito

longe

P’ daqui

53



Compêndio de sintaxe portuguesa

8. A diátese: voz média e voz passiva 8.1. Conceito de diátese O português, como todas as línguas românicas, tem uma complexidade diatética que geralmente não é tida em conta. As possibilidades de combinação da diátese com a estrutura semântico–sintática do predicado dão lugar ao seguinte número de combinações: 1. Voz ativa 1.1. Construções transitivas 1.2. Construções ditransitivas 1.3. Construções intransitivas (inergativas) 1.4. Construções inacusativas 2. Voz média 2.1. Voz média impessoal 2.1.1.Construções transitivas 2.1.2.Construções ditransitivas 2.1.3.Construções intransitivas 2.2. Voz média ergativa 3. Voz passiva

Não é possível desenvolver todo este quadro, pelo que vamos fixarnos na voz média e na passiva. Dado que a voz ativa é a voz não marcada, a voz por defeito, não requererá um estudo. As outras vozes sim apresentam peculiaridades. De facto, o ponto de partida para que se ative a diátese é que se prescinde 55


Xavier Frias Conde da primeira valência. Tudo isso causa um movimento sintático complexo que trataremos de analisar a seguir. 8.2. A voz passiva Não tem em geral em português tanto uso como noutras línguas românicas, prevalecendo o seu emprego na língua culta. Já oferecemos anteriormente as pautas da oração passiva. Recuperamos o exemplo que apresentámos em (4.6) SUBJ

DIAT

ADV

PRED

OBJ1

A ponte

foi

finalmente

destruída

a ponte

Ao prescindir-se da primeira valência, o objeto já não vem atribuído pelo predicado (os objetos tomam caso acusativo, mas a diátese evita a atribuição de caso). Daquela, como o objeto já não tem caso, toma o caso por defeito, o nominativo. Dessa maneira pode ascender e ocupar o lugar do sujeito que ficou vazio pelo facto de se ter prescindido da primeira valência. Toda esta complexa explicação pode-se reduzir a: por causa da falta de sujeito, o objeto ocupa o seu espaço mediante a introdução da diátese. Por agora basta isto. Já ficou visto que o diatetizador tem como operador o verbo ser. Trata-se daquela duma diátese analítica. A primeira valência pode ser recuperada. Neste caso, o chamado agente, reaparece como um adjunto: SUBJ

DIAT

PRED

OBJ

ADJ

A casa

foi

destruída

a casa

pelas chuvas

56


Compêndio de sintaxe portuguesa Contudo, às vezes essa primeira valência torna-se uma necessidade, isto é, tem que ser introduzida porque o período, sem ela, torna-se incompleta. SUBJ

DIAT

PRED

OBJ

ADJ

O livro

foi

publicado

o livro

por Ernesto

8.3. A voz média Não é normal encontrar a denominação média quando nos referimos à diátese nas línguas românicas, dado que é um termo habitual na referência às línguas clássicas, mas de facto existe. A voz média românica apresenta dois subtipos. Dum lado, a voz média impessoal e do outro a voz média ergativa. Quanto ao primeiro, vem ilustrado nos seguinte exemplos: (31) (32) (33)

Levam-se pizas ao domicílio. Aluga-se apartamento em Vilanova. Os melões que se vendem hoje são maiores.

A segunda é mais complexa, pois trata-se de construções onde se dá uma transformação semelhante à das passivas, mas com um valor distinto. Eis uns exemplos: (34) (35)

A gente comunica-se cada vez menos O barco afundou no meio da baía

57


Xavier Frias Conde Os dois exemplos anteriores correspondem a construções ergativas, onde uma apresenta se e a outra não, como veremos a seguir. 8.4. A voz média impessoal Em português a impessoalidade pode ser expressa de várias maneiras, sendo o uso da voz média uma delas, mas não a única. O modo mais corrente é o uso da terceira pessoa do plural sem sujeito. Neste caso, o falante fica alheio ao expresso: (36) (37)

Construíram uma estrada nova que, aos poucos, já estava estragada. Não sei por que não reparam essa fachada completamente.

A segunda pessoa do singular pode adquirir também um valor impessoal, nomeadamente em contextos informais: (38)

E quando chegas ao cruzamento, viras à direita.

Finalmente, a voz média impessoal é outro procedimento, para o qual é preciso utilizar o clítico se, que funciona como diatetizador, mas ao contrário do que acontecia nas passivas, é uma forma sintética; aliás, como se trata dum clítico, não tem projeção e deve ser anexado a um verbo, seja qual for (39)

Decidiu-se derrubar toda a parte velha do bairro para ser reconstruída com fundos europeus.

58


Compêndio de sintaxe portuguesa É importante entender qual é o procedimento de formação destas construções. De entrada, o objeto mantém-se no seu posto, não sobe para o oco de sujeito como acontece nas passivas. Com isto destrói-se esse estranho conceito que aparece na gramática espanhola e que foi importado para a portuguesa das construções passivas reflexas. Nos exemplos que mostramos a seguir vê-se onde fica o objeto. Aliás, mostramos que em determinados casos existe concordância de objeto (efetivamente, nestas construções existe este tipo de concordância também em espanhol e português): PRED [+ConcOBJ]

CLT

OBJ1 SN

Procuram-

-se

secretárias

PRED [+ConcOBJ]

CLT

OBJ1 SQ

Procuram-

-se

algumas secretarias três secretárias

PRED [–ConcOBJ]

CLT

OBJ1 SD

Procura-

-se

as secretárias

Segundo a gramática tradicional, o terceiro exemplo é distinto dos dois anteriores, que são “passivas reflexas”. A diferença radica no facto de que quando o OBJ1 é operado por um SD, a concordância de objeto fica anulada. 59


Xavier Frias Conde Em português seria muito difícil substituir o OBJ1 por um clítico no terceiro caso, mas não o é em espanhol: (40)

Se las busca (a las secretarias)2

Mesmo nos primeiros exemplos, a substituição é possível em catalão: (41)

Se’n busquen (de secretàries)

Aliás, destas construções médias transitivas, é possível encontrar construções médias intransitivas: (42) (43) (44)

Vive-se muito bem aqui Trabalha-se pouco neste país Já se vende pouco leite natural

Olhando para as suas características sintáticas, esta construção, como dizíamos, precisa dum DIAT coberto com o clítico se. Evidentemente pode coabitar com clíticos doutra classe, mas quando se trata do encontro de se (DIAT) com o/a (OBJ) em português é obrigatório não fundi-lo, de maneira que o resultado é: se lhe. Assim, o normal é que lhe faça referência ao OBJ2. Eis um exemplo:

2

Em português, porém, não seria possível: *As secretárias, procura-se-lhes com urgência. Recorre-se sem hesitar à passiva: São procuradas secretárias urgentemente.

60


Compêndio de sintaxe portuguesa

NEG Não

DIAT se

CLT lhe

PRED disse

OBJ a verdade

8.5. A voz média ergativa Uma construção ergativa é uma construção falsamente reflexiva, isto é, a presença de se (ou outro clítico com forma reflexiva) não indica refletividade. Esta confusão é muito maior em espanhol por causa da obrigatoriedade do clítico aparentemente reflexivo: (45) (46) (47)

El barco se hundió (*a sí mismo) La lámpara se ha fundido (*a sí misma) La silha se ha roto (* a sí misma)

A ergatividade portuguesa prescinde em muitos casos do se. Os exemplos anteriores resultam: (48) (49) (50)

O barco afundiu A lampadinha fundiu A cadeira rompeu

Observe-se que se trocarmos a ordem dos elementos, temos em português um período com SUBJ [pro] (51) (52) (53) (54)

Afundou o barco Fundiu a lâmpada Estragou a lâmpada Muita gente aderiu à campanha 61


Xavier Frias Conde

Porém, nem sempre as ergativas prescindem de se: (55) (56) (57) (58)

A ferida infectou rapidamente A planta está a desenvolver-se muito bem Divorciaram há um par de anos Os dinossauros extinguiram-se há muitos séculos

Desde o ponto de vista estrutural, a voz média ergativa tem elementos comuns à voz média impessoal e à voz passiva. Com a primeira comparte o facto de ter um diatetizador sintético e com a segunda o movimento do OBJ1 para a posição de SUBJ devido à ausência desta valência externa. SUBJ A ponte

PRED esboroou

DIAT Ø

62

OBJ a ponte


Compêndio de sintaxe portuguesa

Índice

1. A base semântica do período 1.1. O predicado como núcleo 1.2. As projeções do predicado 1.3. Argumentos internos e externos 1.4. Classificação dos predicados 1.5. Os elementos opcionais 2. O período simples: funções internas 2.1. Elementos constituintes 2.2. Macrofunções internas 2.3. Funções obrigatórias 2.4. Funções opcionais 3. O período simples: funções externas 3.1. Funções extraoracionais 3.2. O foco 3.3. O tópico 3.4. O vocativo 3.5. O interrogador 4. O período simples: as categorias 4.1. As categorias 4.2. A negação 4.3. Adverbiais 4.4. Auxiliares e modais 4.5. Clíticos 4.6. O diatetizador 4.7. O complementador 63

5 5 6 8 8 10 13 13 14 15 16 19 19 20 20 22 22 25 25 26 26 28 29 30 30


Xavier Frias Conde 4.8. O relator 4.9. A afirmação 5. O período complexo 5.1. Conceitos prévios 5.2 A oração inordinada 5.3. A oração subordinada 5.4. A oração de relativo 6. Os níveis inferiores do período 6.1. Elementos lexicais e funcionais: as palavras 6.2. Palavras lexicais 6.3. Palavras funcionais 6.4. A combinação de palavras: os sintagmas 7. Os sintagmas 7.1. Sintagma nominal 7.2. O sintagma adjetival 7.3. O sintagma adverbial 8. A diátese: voz media e voz passiva 8.1. Concepto de diátese 8.2. A voz passiva 8.3. A voz média 8.4. A voz media impessoal 8.5. A voz media ergativa

64

31 32 33 33 35 36 38 41 41 42 42 44 47 47 51 52 55 55 56 57 58 61







Este compêndio pretende oferecer os elementos básicos que conformam a sintaxe do idioma português a partir da abordagem conhecida como funcional-categorial. Oferecem-se dúzias de exemplos que permitem compreender os rudimentos da sintaxe portuguesa apresentada segundo conceitos modernos sem por isso deixar de ser um manual didático. Xavier Frías Conde é docente de galego-português na UNED. É especialista em Linguística Iberorromânica, para além de tradutor e escritor.


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