Notas sobre a forma na arquitetura

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Notas sobre a forma na Arquitetura. Edifício Articulador de transposições urbanas. Escola Jazz Sinfônica - Perus.

Ronielle Laurentino


Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho

Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo TFG - Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo Junho de 2015, São Paulo, Brasil


Ao Deus vivo, Ă Maria das Neves e Francisca Geralda pela sorte e vida que me proporcionaram.


1. Como partir?

Tácticas de Infiltración, Fernando Diez.

2. Modernidade Le Corbusier.

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Depois do Cubismo Igreja de Saint-Pierre, Firminy-Vert, 1961.

3. Uma Escola Moderna

Paulo Mendes da Rocha.

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Galeria Leme, São Paulo, 2010 + Metro A.A.

4. Horizonte Corsi Hirano A. A.

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Conversa com Daniel Corsi Complexo Trabalhista, Goiânia, 2007 + R. Nishimura

5. Inquietude

O que seria útil? Referência Anexo - Pranchas

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Bibliografia.

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Análise inicial Condição Latino-americana atual, suas práticas e modos de fazer Arquitetura.

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Com o propósito de discutir os modos de fazer e o significado da Arquitetura e do Arquiteto, dentro do contexto atual, tendo como fio condutor a abordagem de princípios éticos, de linguagem e materialidade - construtiva e artística - ou seja; compreender como é absorvida e materializada as influências estéticas, o raciocínio projetual, e também, princípios éticos e intelectuais do que é arquitetura como Arte, Produto Urbano e consequentemente, social, num contexto mercadológico cada vez mais agressivo, onde a qualidade e o caráter da arquitetura como meio de investigação tecnológica e seu valor linguístico vem perdendo cada vez mais, espaço: a questão se torna; como fazer arquitetura sem ser objeto de luxo? Para isso, proponho inicialmente uma reflexão

sobre o Texto “Tácticas de infiltración”, do Arquiteto Argentino Fernando Diez, que pontua o papel do arquiteto na construção da cidade e sua sobrevivência profissional, nos períodos de crise. No geral Diez faz uma leitura cronológica e evolutiva do Arquiteto como agente propositivo e intelectual da cidade e de como opera seu metier. Usa como recorte a Argentina a partir dos anos 1970 até os dias atuais. Considero o texto como um relato da situação de seu País, mas, trás à discussão conceitos interessantes, universais, que demonstram a habilidade de manobra do arquiteto sobre o Sistema e seu poder adaptativo e conceitual. Ao longo do texto ele apresenta dois conceitos: Estratégias e Táticas no campo da Arquitetura.


1. Tácticas de infiltración, Fenando Diez.

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Fernando Diez discorre sobre a condição contemporânea da arquitetura argentina, para isso, elege inicialmente o panorama da produção do século XX como fator chave para compreensão dos modos emergentes de se fazer arquitetura. Analisa a construção da cidade através dos projetos habitacionais públicos e privados (nos anos 70 e 90 respectivamente) e afirma que a postura estrategista onde se parte de um modelo de habitação autossuficiente, estanque, fechada em si mesma, que negue totalmente as preexistências, memórias e a morfologia do lugar (tábula rasa), foi um fracasso e por isso deve ser evitado. “Planejamento em grande escala, um comando centralizado e a dissolução da distinção operativa entre projeto arquitetônico e projeto urbano eram consideradas ideias fortes e visionárias, conceitos inerentes e necessários para a produção da habitação social nos anos 70. Momento possível em que a noção de reforma da sociedade, e por tanto a forma de vida das pessoas comuns através da arquitetura havia alcançado proporções surpreendentes. Grandes encomendas, centralização de todas as decisões e poder ilimitado para os projetistas permitiram a demolição da cidade existente, talvez bairros inteiros, manchando a história e os laços comunitários. Eliminados os traços arqueológicos, botânicos e as pegadas de acontecimentos sociais para criar em seu lugar uma superfície neutra – a tábula rasa – que seria o ponto de partida da nova cidade, o sonho tecnológico da cidade moderna. Estratégias de grande prazo e escala, cuja, para tamanha ambição todos os fundos não eram suficientes. Logo nos primeiros anos de ocupação dos grandes fragmentos da cidade construídos de novo aquele sonho se convertera

em pesadelo: o gueto do isolamento social. As ilhas de cidades dormitório sem vida urbana nem ruas com verdadeira vida de bairros, em alguns casos, sem se quer ruas. Sem vida social e um sentido de pertencimento, necessitando de um sentido de identidade, em pouco tempo os conjuntos habitacionais se converteram em lugar de onde se escapar.”

Como exemplo do fracasso desse modelo, Diez discorre sobre o Projeto do Escritório Staff (Bielus-Goldemberg-Krasuk) de 1400 unidades habitacionais em Villa Soldati, 1972, Buenos Aires. Segundo Ele:

“(...)foi então considerado um projeto de vanguarda, mas com a prova do uso terminou sendo chamado de Fuerte Apache, uma referência a perigosa vida diária e que por fim a polícia poderia acessar só depois de concentrar forças de 300 homens.”

Diez encontra na negação à cidade, ao sentido de comunidade e ao isolamento e distância da cidade consolidada, explicação para o declínio desse modelo utópico. Embora o projeto em questão tenha um bom desenho de arquitetura, tanto para os edifícios quanto sua implantação, a relação entre os blocos seja confortável tendo uma escala acolhedora e haja pessoas o habitando, a Utopia da Arquitetura autossuficiente no “Fuerte Apache” não foi bastante para tornar o lugar ocupado em cidade. A arquitetura por si não gera vida, ela necessita estar dentro de um sistema mais complexo onde outros agentes contribuam para a vida cotidiana das pessoas que nela vivem, ou seja, outras pessoas e outras funções. Essa experiência foi tida em outros países como a França, Estados Unidos e Brasil. Todas frutos de políticas públicas da metade do


Fuerte Apache, foto da intervenção militar na comunidade. “Fuerte Apache, un escenario de guerra a metros de la Capital” 02/11/2008, http://www.lanacion.com. ar/1065831-fuerte-apache-un-escenario-de-guerra-a-metros-de-la-capital

Villa Soldati, Argentina, 1972, Studio Staff. Implantação do Projeto La arquitectura en la Argentina (1965-2000) – Parte 3 Ramón Gutiérrez http://www.vitruvius.com. br/revistas/read/arquitextos/15.170/5274

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século XX que tinham como princípio a moradia como produto quantitativo correspondente ao déficit de moradia da explosão urbana da cidade industrial. Essas políticas, por vez, se apoiavam em princípios da arquitetura moderna, que previam a troca da casa bucólica pela moradia urbana, verticalizada, de princípios socialistas onde o “chão” era de todos e portanto deveriam haver equipamentos comunitários que atendessem a comunidade, menos o trabalho. Pois pensava-se na cidade setorizada. Marcelo Tramontano e Mayara Dias de Souza, fazem uma definição precisa sobre esse período da Produção Habitacional no Brasil e suas variações sobre os princípios modernos: “A proposta moderna de habitação, como colocada após a Primeira Guerra Mundial na Alemanha e, posteriormente, na França, alimenta-se dos desdobramentos de certas ideologias, atitudes políticas, conjunturas econômicas e avanços técnicos originados - ou acentuados - a partir da industrialização do continente, ocorrida principalmente no eixo Inglaterra-França-Alemanha. Os princípios básicos da habitação moderna foram expressos por Le Corbusier em suas unités d’habitation, onde defendia a ideia de que o edifício deveria abrigar todas as funções que o homem necessitasse para viver. A essa funcionalidade correspondiam elementos pré-fabricados, materiais e técnicas construtivas reprodutíveis em qualquer lugar do mundo, constituindo uma arquitetura universal. Seus cinco pontos refletiam claramente essas idéias – pilotis, terraço jardim, planta livre, fachada livre e janelas na horizontal – e passaram a ser referência internacional, inclusive para jovens arquitetos brasileiros, como sabemos.

O conceito de habitação popular no Brasil recebe contribuições do Movimento Moderno europeu, cuja participação e objetivos em torno das expectativas geradas pela Primeira Guerra Mundial, era de produção de moradias em larga escala. Os conjuntos projetados valorizavam o espaço público, os equipamentos coletivos, a construção de espaços racionalizados, os programas habitacionais e a sociabilização nos modos de morar. No entanto, os primeiros edifícios habitacionais ‘modernos’ brasileiros limitaram-se a um arremedo plástico de alguns dos conceitos enunciados pelo Cubismo, sem, contudo, comportarem em seu processo construtivo os indícios da “habitação moderna para uma nova sociedade” - a industrial - produzida em série e com materiais igualmente padronizados. As idéias europeias podem ser identificadas no período do nacional-desenvolvimentismo, onde o país desejava, além da consolidação da industrialização, a resolução de problemas de caráter social, como as migrações urbanas, contando com a intervenção do Estado”

A racionalização da construção previa, como nos produtos industriais, a redução dos custos, mas ao longo do tempo essa ideia foi sendo deturpada, os equipamentos de suporte a comunidade não eram mais instalados, não se criavam infraestrutura suficiente, os projetos foram se tornando cada vez piores ignorando a necessidade da construção de cidade e criando assim, muitas vezes a miséria urbana. No Brasil, os projetos do BNH (Banco Nacional de Habitação), que foi a forma dominante de financiamento de moradias de baixa renda durante o regime militar, deixavam de lado a concepção abrangente dos idealizadores dos conjuntos habitacionais. “O


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resultado foi a introdução, no repertório da arquitetura da habitação no Brasil, de um racionalismo formal, desprovido de conteúdo, consubstanciado em projetos e obras de péssima qualidade, que desgastou várias das propostas de habitação social defendidas pelo movimento moderno”, re-

lata Nabil Bonduki em sua tese de doutorado Origens da Habitação Social no Brasil. Esse desgaste qualitativo na implantação dos edifícios habitacionais e sua má conformação urbana geraram várias patologias sociais ao longo do século XX, dentre elas algumas ainda não superadas como: o surgimento espontâneo de guetos, espraiamento da cidade, estigma, segregação social, etc. Ao meu ver esse pensamento moderno foi ingênuo em acreditar que essa solução seria aplicada de modo integral em todos os lugares, cada Conjunto seria uma micro cidade autossuficiente, é difícil esperar que o Estado dê suporte a todos esses equipamentos, imaginemos isso em vários pontos da cidade, seria bom, mas evidentemente o Estado fez o mínimo que não é suficiente. A estrutura entrou em colapso. Segundo Nabil Bonduki:

“A partir da ditadura de Vargas, a questão da habitação social também se coloca no âmbito do novo papel que o Estado assume de regular a economia e muito das relações sociais. Nossos arquitetos modernistas adaptaram modelos europeus a peculiaridades do povo, resultando, entre os anos 1940 e 1950, em uma significativa produção de habitação social produzida com o patrocínio dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, os IAPs. Nos projetos dos IAPs, podia-se constatar a preocupação dos arquitetos modernistas brasileiros

com a valorização de espaços coletivos, e sua visão de habitação como serviço público. Além disso, como seus colegas europeus, prezavam a produção em série e a implantação em fileiras, ainda que empregassem métodos construtivos artesanais e mão de obra pouquíssimo qualificada. (...) Seu principal objetivo (BNH) era implementar um setor produtivo importante e combater o desemprego, tendo como subproduto a construção de moradias ao menor custo possível. Entretanto, a produção das habitações ocorreu de modo a beneficiar grandes construtoras ignorando a qualidade das obras. Sob intenso autoritarismo, a desastrosa política do BNH foi marcada por uma incompreensível desarticulação entre a política habitacional e a urbana, produzindo conjuntos “com uma arquitetura medíocre e um desprezo pelos espaços públicos, em conjuntos distantes do centro e desprovidos de equipamentos sociais”

Mas em meio a toda essa turbulência, nas palavras de Bonduki; houveram projetos de alta qualidade, como os conjuntos habitacionais produzidos pelos chamados IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensão), no período do Estado Novo e dos governos populistas anteriores ao regime militar de 1964. Na avaliação dele, esses projetos trouxeram inovações tanto em termos de moradia para pessoas pobres, como para a própria trajetória da arquitetura brasileira. Nesse contexto o Projeto de Vilanova Artiqas e Equipe, para o CECAP Zezinho Magalhães, em Guarulhos, previa não só um conjunto de moradia popular, mas construir cidade. Respeitando a ideologia moderna, as unidades habitacionais foram pensadas a partir de um sistema construtivo modular, pré-fabricado. Infelizmente o projeto não foi construído da maneira que foi idealizado, os


06 Conjunto Habitacional CECAP Zezinho Magalhães Prado, Guarulhos. 1967 - 1972. João Vilanova Artigas, Fábio Penteado, Paulo Mendes da Rocha. Foto: Leonardo Finotti.

módulos habitacionais foram construídos "in loco", muitos equipamentos até hoje estão ainda em desenho, mas o legado de sua implantação como sistema aberto para transformações é presente, os espaços são fluidos e a ideia da arquitetura é tão forte que mesmo incompleta gera vida urbana. Outro conjunto de enorme valor é o Pedregulho no Rio de Janeiro de Affonso Eduardo Reidy, um edifício contextualista, racional, puro, Moderno, mas também incompleto.

Fernando Diez, ainda observa que os mesmos princípios foram levados em conta para o surgimento dos condomínios fechados e edifícios autossuficientes do mercado residencial. Só que ao invés de ser uma “casa” fruto de políticas públicas para pessoas sem condições financeiras de dar continuidade a vida distante à cidade real, esses condomínios, que surgem a partir da década de 90, foram projetados para quem tem acesso ao capital, podendo assim ser autossuficiente e comprar diretamente segurança, saúde, acesso a

“Ainda que muito diferentes em caráter, estas urbanizações também revelavam a preferência por evitar a cidade preexistente, minimizando as possibilidades de vinculação com seu espaço urbano: tipicamente duas torres de grande altura com seus próprios equipamentos sociais, espaços recreativos e acesso de veículos, e que permitiriam a seus moradores evitar todo contato com as ruas...”

A questão de interesse é a produção arquitetônica do período, como se deu e, baseado em que sistemas foi feita sua concepção. Essa Arquitetura foi fundamental para o diagnóstico de que os princípios modernos tinham falhas,

Conjunto Habitacional Pedregulho, Rio de Janeiro, RJ. Affonso Eduardo Reidy. 1947. Foto: Sérgio Bertozzi.

porque se autointitulavam universais, mas não dependia só de si mesma, mas sim, de elementos externos integrantes de visões ideais, complexas e totalizadoras, que manobravam a produção. Diez denomina isso como “Estratégias”. Então, projetos de grande porte, que alteram o território, que são de interesse público, mesmo sendo conduzido pelo capital privado, que demandam e partem de objetivos comuns, muitas vezes oriundos de políticas públicas, assim como edifícios de uso público ou privados promovidos por Concursos ou mesmo uma casa unifamiliar sendo fruto e desejo de um planejamento do cliente, são tidos como Estratégia. Isso não quer dizer que não geram cidade ou boa arquitetura, mas são oportunidades de trabalho sobre encomenda ou concorrências via concurso. Ou seja, a Estratégia não é mais um processo em que o Arquiteto tem controle sobre a demanda, mas sim está ali pronto para resolver o programa “encomendado”, ele está sujeito às escolhas e condicionantes do cliente. No início do século os arquitetos tinham uma força muito maior em pensar a cidade, portanto, influenciar no modo de se fazer e dizer o que seria bom, (como os CIAMS, 1928 - 1956 e a Bauhaus 1919 - 1933), isso, no contexto do pós-guerra e do início da industrialização, a Arquitetura parecia soberana. Ao longo do tempo esse peso de decisões foram diluídos em várias frentes dos estudos sociais e urbanos, tanto governamentais como da sociedade civil. Hoje, a cidade é pensada de uma forma dinâmica e pontual (antes construía-se a ideia de cidade de maneira


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Museu Guggenheim Bilbao, Bilbao, Viscaya, Espanha. Frank Gehry, 1997. Foto: Aymeric Kaczmarski

predominantemente Socialista), ponderando os interesses de todos, inclusive do mercado. O arquiteto não é mais o agente intelectual principal sobre a cidade, isso de certa forma é bom, pois abre a discussão para outras áreas de tamanha importância e diminui os erros que impactam a todos, como a visão que achava necessário a criação de uma tábula rasa. De alguma forma esse poder grandioso foi se dissolvendo e surgindo uma consciência mais ampla e coletiva do pensar, mas os modelos materiais de concepção e construção são vivos e muito presentes na prática atual, inclusive para a evolução do fazer, seja estilístico ou construtivo. O Movimento Moderno foi absolutamente essencial para a continuidade do pensamento intelectual da Arquitetura. Os projetos que seguem são exemplos de Estratégias oriundas de iniciativas públicas e privadas, ricos em desenho, acertados quanto escala e precisos quanto aos objetivos propostos, sem deixar de acrescentar sua percepção ética em relação a cidade.


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Plano Urbanístico Projeto Parque D. Pedro II São Paulo, SP. UNA Arquitetos, 2011

Sede SEBRAE Brasília, DF. Grupo SP + Luciano Margotto, 2008

Cantinho do Céu Guarapiranga, São Paulo, SP. Boldarini A. A. - 2011


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Na

contramão da Estratégia e na postura atual, “passiva”, Diez descreve outro conceito: Tática. Acho interessante procurar definições dos dois termos, que são de origem “militar”, mas que se harmonizam bem no contexto da arquitetura, para depois seguir com a ideia de Diez. estratégia es.tra.té.gia sf (gr strategia) 1 Arte de conceber operações de guerra em planos de conjunto. 2 Ardil, manha, estratagema. 3 Arte de dirigir coisas complexas.

tá.ti.ca sf (gr taktiké) 1 Arte de empregar as tropas no campo de batalha com ordem, rapidez e recíproca proteção, segundo as condições de suas armas e do terreno.

Os dois termos dizem fundamentalmente sobre formas de agir sobre uma determinada condição e contexto, uma numa escala maior mais complexa e com mais elementos e agentes envolvidos e a outra mais sutil, pontual e individualista no sentido de interferência e ações mínimas para completar sua missão. Segundo Diez:

“Uma “tática”, em troca, supõe um modo mais modesto e provisório de atuar, fixando-se só objetivos imediatos e de pequena escala. No lugar de sacrificar os meios aos fins, aceita um futuro aberto, é receptivo a natureza mutante das circunstâncias ou simplesmente toma vantagem delas” “Uma série de ações levadas adiante por jovens arquitetos nos últimos anos tem mostrado este espírito, que descrevi como táticas de “infiltração”

“Para estes jovens arquitetos, as táticas de infiltração foram, ao mesmo tempo, a maneira de encontrar trabalho, criando eles mesmos as condições em que realizarão seu trabalho em sintonia com seus interesses e sensibilidade arquitetônica. Como consequência, estas diversas e múltiplas ações de pequena escala começaram a gerar uma nova vista sobre a geografia urbana, fazendo visíveis as vantajosas condições ambientais das ruas de bairro cuja escala do pedestre resultava especialmente atrativa.”

Com isto dito, acho importante estabelecer comparações entre os dois conceitos para fixar o significado específico de cada termo. Tática X Estratégia A tática tem um caráter mais sensível em relação ao lugar, seus potenciais e suas necessidades são assimiladas e a arquitetura surge como ação imediata de potencialização do sítio, enquanto as estratégias são dotadas de elementos mais complexos, e depende de um planejamento de grande escala e longo prazo. "As táticas aparecem como opostas as estratégias. Enquanto estas últimas perseguem fins distantes, respondendo a visões ideais, complexas e totalizadoras, as táticas trabalham por objetivos parciais e múltiplas ações, que não estão dispostas a condicionar os meios aos fins nem o presente a um futuro distante." Grande X Pequena São práticas que atentam em trabalhar com demandas pontuais, com aspectos peculiares do sitio em que se implanta, em geral se centram em localizar e transformar vazios urbanos potenciais na periferia. Enquanto as


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“Estratégias” procuram áreas consolidadas para impulsionar a qualificação do espaço em volta, os fundamentos das “Táticas” se concentram na qualificação de áreas periféricas da cidade. "(...) Infiltrando a cidade, construindo em pequenos terrenos ou com formas inconvenientes, encontrando localizações marginais com potencialidades urbanas, estimulando que essas ações se multipliquem e deem nova vida a bairros abandonados. As Táticas de Infiltração operam nos resquícios da sociedade e da cidade, não se deve entender como uma forma menor ou marginal de atuar. Sugerem que é possível e inclusive, melhor trabalhar em pequena escala”. Ações múltiplas X Ação central Não se baseia em uma única forma de atuação, mas o arquiteto participa de todo o processo desde a especulação do lugar, o desenho, a execução, etc. O arquiteto aqui é um artesão, que cria e desenvolve sua problemática. Os modelos modernos são estritamente pragmáticos, tem o arquiteto como grande idealizador da cidade, e o que se pensava ideal seria para todos independentemente do lugar, aqui, agora assume-se o entendimento que a arquitetura funciona como um sistema aberto, mutável e preocupado Contexto X Tábula rasa

"(...) centralização de todas as decisões e poder ilimitado para os projetistas permitiram a demolição da cidade existente, talvez bairros inteiros, manchando a história e os laços comunitários, eliminando as pistas arqueológicas, botânicas e os rastros de acontecimentos sociais para criar em seu lugar uma superfície neutra - a tábula

rasa - que seria o ponto de partida da “nova cidade”, o sonho tecnológico da cidade moderna.”

“Uma “tática”, em troca, supõe um modo mais modesto e provisório de atuar, fixando só objetivos imediatos e de pequena escala. No lugar de sacrificar os meios pelo fim, aceita um futuro aberto, é receptiva a natureza mutante das circunstâncias ou simplesmente toma vantajem delas.” As Táticas de infiltração surgem como definição de um conceito da ação propositiva do arquiteto perante a cidade ou mesmo um cliente comum. Sem requerer grandes esforços, de uma forma mais direta, diagnosticando o problema e sacando uma proposta imediata, viável, o arquiteto materializa sua ideologia e desenha a arquitetura sem tantas interferências externas. Percebe-se na Tática, a potência “genética” do Arquiteto como idealizador e transformador da cidade e do espaço habitado, se no Modernismo havia uma organização de ideias, uma matriz conceitual pautada nos CIAMS, hoje, há uma interpretação individual ou coletiva, frente o contexto complexo que nos encontramos e uso do conhecimento histórico como ponto de partida. Agora a Arquitetura não é entendida só pela arquitetura, como método construtivo, ou uma linguagem plástica, mas como suporte às necessidades e questionamentos humanos, a produção sofre influências de coisas externas à tecnologia e não há mais uma busca de linguagem universal. Ou seja, não existe uma polaridade ideológica, mas sim posicionamentos regionais, situacionistas e uma busca estética pessoal com


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referências locais tão intensas quanto globais. Sobre a preocupação estilística Moderna, Cohen fala: “Depois da Primeira Guerra Mundial, a propagação mundo afora da nova arquitetura, que segundo Buckinster Fuller iria ocorrer por meio de tecnologias inovadoras, na verdade foi impelida por uma variedade bem mais ampla de forças. Os programas das elites, de governos e instituições comprometidas com a modernização conduziram ao desenvolvimento, em paralelo, de projetos de tipos muito distintos. (...) tudo isso aparece lado a lado em revistas cuja rápida circulação transferia formas e experiências arquitetônicas de um continente a outro. Porém os contextos locais e nacionais eram tão diversos que não havia nenhuma homogeneidade interna real, ainda que se possa estabelecer algumas correlações. Em sua Encyclopédie de L’Architecture nouvelle, de 1948, Alberto Sartoris classifica a produção arquitetônica em diferentes ‘ordens e climas’: mediterrâneo, nórdica e americana.”

A Tática, ao contrário, não se preocupa com uma predefinição de partido, linguagem, materiais e técnicas construtivas. A ação se apodera dos meios disponíveis para solucionar o problema enfrentado seja ele qual for e onde esteja, a situação ideal é a oportunidade de se fazer o desenho. “Trabalhando em terrenos antes evitados por suas formas inconvenientes ou escassas superfícies, descobrindo novas localizações em bairros postergados ou pouco conhecidos, propondo novos tipos de habitação que rompem com a participação convencional do espaço doméstico e os espaços comunitários. Usando materiais baratos ou pouco usados, ou recuperando outros elementos que tem caído em desuso mas apresentam interessantes texturas e acabamentos. Permitindo a participação


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das pessoas na resolução do projeto, definindo eles mesmos aspectos dos acabamentos ou a distribuição. Reciclando edifícios ou estruturas existentes, tirando proveito de sua energia, as cicatrizes e pegadas do uso com que a história enriquece a textura superficial dos materiais. Aceitando também o valor do lugar, o sítio e a memória das histórias que ali aconteceram.”

Não há, também, uma escala ou especialização , o arquiteto se faz presente em qualquer oportunidade de intervenção. Segundo Diez:

“As táticas de infiltração são levadas adiante em distintos níveis. Operando dentro de edifícios existentes, na escala da própria arquitetura. Tirando vantagem de seus espaços vazios, aumentando as superfícies existentes, o que chamo de infiltrando a arquitetura. Em uma escala maior, em uma sorte de infiltração do tecido urbano, jovens arquitetos trabalhando tanto com o desenho como promotores de seus próprios projetos, encontram a oportunidade na cidade, alternativas para a habitação convencional, encontrando uma brecha no mercado onde a experimentação pode ser levada adiante e ter êxito. É o que chamo de infiltrar a cidade.”

Infiltrando la arquitectura

Para exemplificar a tática de infiltração na arquitetura, Diez apresenta o Escritório Argentino A77. Segundo o autor:

“Infiltram os resquícios e as oportunidades desaproveitadas onde uma habitação existente pode expandir-se, ganhando área de uso ou espaço aéreo aproveitável. Para fazer, imaginam espaços pouco convencionais, se expandem pelos tetos ou dividem o espaço vertical em seções diagonais, transformando o acima e o abaixo em novas dimensões operativas. A77 mantém o aspecto original dos materiais, as vezes reciclando materiais usados, tirando proveito de suas texturas, cujas antigas marcas são neutras em relação ao seu novo contexto: uma sorte de readymade de modesta mas idiossincrática aparência. Pequenos espaços podem acomodar necessidades precisas que são postas em cena pela presença humana, uma riqueza em potência que emerge e fala através do corpo humano, seu movimento e uma relação redefinida a respeito da escala do espaço ”

Selecionei o projeto de um anexo residencial na Argentina, projetado pelo mesmo Escritório de Gustavo Diéguez e Lucas Gilardi, que tem como programa, um espaço para o casal de filhos dos clientes, que já estavam crescendo e seus dormitórios já não suportavam as atividades da dupla. O partido do projeto parece ser o contraste com o existente, percebe-se uma desprendimento extremo à questões estéticas superficiais, por outro lado se mostra evidente a busca por um processo construtivo inventivo racionalista, nele não existe arquétipo, é simples e bela ao mesmo tempo como uma obra de arte abstrata. Parece ser uma arquitetu-


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Segundo o memorial dos autores:

Essa mistura de habitação, mirante, cabine de trem, barco, casamata é a extensão de uma habitação alugada para ser usado como um dormitório para Vera e Lucio, filhos de Sabina e Lucas, que cresceram e precisavam de mais espaço. Também apelidado de plug ou’unit#1 faz parte do catálogo do plug and live system. No interior, há uma área escalonada para colocar os colchões das crianças, por meio de arquibancadas sobre o quarto de jogos. Por fora o escalonado é uma galeria que permite uma boa entrada de luz no andar térreo, onde há uma sala de estudos de piano. No topo, há uma claraboia para ver as estrelas a partir das camas. A janela da frente do mirante é padrão de casas móveis. O teto do mirante pode ser aberto por dois elásticos telescópicos de ar comprimido de um porta-malas de carro, para ventilar e acessar a cobertura. Construído com fenólico simples 8 e 15 mm. Caixas de peças de carros reutilizadas da GM Brasil, tirantes antigos de demolição e alguns novos pinos 2 × 5 “. A técnica de construção conhecida é a antiga, americana, ballon frame, com isolamento térmico no interior dos painéis. Suas bordas são unidas com fibra de vidro, (uma técnica náutica) como ligação à alvenaria. O teto também foi acabado com fibra de vidro para garantir impermeabilização completa. Usamos ferramentas simples: Serra circular, gabarito moedor, broca e sem fio, nozes, serra de gabarito, parafusos, pincéis, rolos e nossas mãos. Esta cabine é desmontável e pode ser reinstalado em outro destino, a fim de restaurar o estado original da casa quando seu contrato terminar.


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Infiltrando la ciudad “Este tipo de infiltração sobre o território urbano e as regras estabelecidas das inversões imobiliárias é levado adiante por jovens arquitetos interessados em construir arquitetura experimental, pensando além da demanda padronizada pelas convenções do mercado. (...) As inovações em termos de localização, tipologia e desenho se distanciam dos velhos símbolos de status social deixando ver a simples expressão dos materiais, com suas cores naturais. Formas simples alternam entre um elementarismo predominantemente abstrato e uma expressão mais complexa de formas narrativas. A combinação de todos estes aspectos tem dado oportunidade ao desenvolvimento de uma nova sensibilidade entre as novas gerações de potenciais habitantes urbanos, mais abertos, interessados em troca e encantados pelo pluralismo e variedade da nova situação que lhes propõem”

No Brasil, destaco o Projeto de 8 unidades habitacionais, em Avaré (no interior de São Paulo), do Escritório Paulista Corsi e Hirano Arquitetos, como exemplo de que os valores arquitetônicos são fortes suficientes para responder e sobressair em qualquer situação. A infiltração na Arquitetura aqui, se configura em responder as solicitações programáticas comuns de mercado de modo interpretativo e pontual, utilizando as técnicas, materiais e mão de obra comuns, desenhase com grande harmonia, beleza e precisão o conjunto. Pela necessidade de responder a solicitação dentro de um campo econômico muito limitado, os arquitetos se debruçam sobre o problema de modo que haja domínio em tudo, ou seja, que a arquitetura responda a todas as questões, minimizando assim a necessidade

de ações exteriores, o que contribui para a equalização do orçamento, simplicidade e clareza na construção da obra. Além do caráter material Corsi e Hirano expõem seus valores éticos sobre o modelo de implantação da casa contemporânea na cidade, as casas não se isolam em momento algum, é posta a possibilidade de interação entre os habitantes ao abrir um pátio entre os volumes, e também, a interação do objeto com a malha urbana e seu entorno. A arquitetura se coloca como uma provocação às questões latentes do mercado imobiliário e uma gota de cor dentro de uma vasilha de água, a arquitetura quer se infiltrar e influenciar. Segundo o memorial dos autores:

“A ideia das Casas AV é baseado na avaliação do espaço público através de um compromisso da arquitetura com sentido coletivo, que pode ser expressa na propriedade privada. O vazio criado pelos elementos construídos origina a criação de um novo lugar, oposto a forma preconcebida de ocupar lotes paralelos independente, sem estabelecer relação alguma entre eles ou com o espaço público. Neste caso, a estratégia foi agrupar oito unidades de habitação em dois blocos de tal forma que as áreas remanescentes conformam um espaço intermediário que torna-se a principal premissa do projeto. Contemplando a necessidade de ocupar a maior área possível, em proporção com o lote, e preservar as áreas internas que exige cada unidade, a articulação do espaço construído e não construído configura um pátio central coletivo de grandes proporções, considerando as dimensões do edifício.


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Um complexo arquitetônico modesto representativo da essência de um espaço que se transforma em oportunidade social: a arquitetura como gerador de cidade e cenário para seus habitantes.”


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foto: @Nelson Kon


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Os conceitos apresentados demonstram formas distintas de ação sobre a Arquitetura. No contexto contemporâneo, com a diminuição da demanda e cada vez mais a estandardização da construção, sendo levada aos limites mais medíocres, principalmente na condição latinoamericana que se mostra, em geral, acomodada, e a tecnologia industrial sendo demandada cada vez menos pelos escritório de arquitetura, vejo as Táticas como um conceito estruturador para a continuidade e acesso à arquitetura propositiva. Diez conclui o texto, dessa maneira: “As táticas de infiltração sugerem que não estamos condenados a seguir as profecias dos expertos do mercado, que a realidade unidimensional das encostas imobiliárias ou os ditados da burocracia do estado tem alternativas. Que as gretas que encontramos na estrutura da realidade podem abrir passo a novas e melhores situações. Que é possível, e inclusive é melhor, operar em pequenas doses, em pequena escala. E que as ações inteligentes tendem a reproduzir-se mimética e criativamente para criar tendências reconhecíveis e influenciar decisivamente no futuro de um bairro e de uma cidade. As táticas de infiltração são uma forma marginal e secundária de atuar, uma forma subsidiária ou limitada. São muito mais, são o caminho para uma visão mais ampla, para uma compreensão compartilhada do desenvolvimento da habitação e a cidade. Aceitando a possibilidade de reciclar velhos edifícios, não só porque formam parte de entornos urbanos característicos, também porque podem reaproveitar seus materiais e texturas. O pequeno é lindo, porque se pode conseguir mais com menos. Menos energia, menos resíduos, menos

desperdícios, mas mais inteligência. Agregando inteligentemente a cidade existente, encontrando disposições mais adaptadas aos modos de vida contemporâneos, estes edifícios experimentais mas, ao mesmo tempo, receptivos a uma transformação cultural que se socializa rapidamente, se codifica e se multiplica. Que vá revivendo a atmosfera de bairros antes em decadência, revitalizando um espaço público variado e diverso. Produzindo uma cidade de partes pequenas mas coordenadas. Momento em que surge a riqueza de uma variedade que como tudo cultural tem sua própria atmosfera e caráter. Fazendo real novamente a noção de que a cidade é uma construção coletiva, um projeto aberto e plural. Cujo tom cada vez mais afinado se faz compreensível para mais e mais gente, até que se transforma em uma grande construção embora não foi necessariamente planificada. É a magia do urbano o que revive depois de quase dez anos destas novas táticas de infiltração.”

Diferentemente dos textos do modernismo, as Táticas de Infiltração não sugerem verdades absolutas ou soluções e modos de se fazer restritos ou modelos, não, as táticas sugerem liberdade e conquista de linguagem.


2. Modernidade - Le Corbusier

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foto: @Sunny Ripert - Flickr.


Depois do Cubismo. Ozenfant e Jeanneret. Capítulo 02. A situação atual da vida moderna.

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Para dar continuidade ao entendimento geral dos fundamentos da Arquitetura que nos cerca e para onde podemos ir, dedico este capítulo a compreender minimamente o pensamento do maior Arquiteto do Século XX, Le Corbusier. Arquiteto esse, que influenciou diretamente o modo de como enxergamos e desenhamos a Arquitetura no Brasil e no mundo. A partir de um texto escrito ainda quando não usava o pseudônimo, em 1918, junto de seu então amigo e compactuante ideológico o Pintor Francês Amédée Ozenfant, extraio os conceitos fundamentais do Jovem Jeanneret, que demonstram a essência e preocupação com o desenho e suas relações com a sociedade em que vivia. “Depois do Cubismo” se torna um texto fundamental para a compreensão da obra de Le Corbusier. A ele é dado atribuição no 2º capítulo, A situação atual da vida moderna, “onde se introduzem as referências à arquitetura e na ênfase das referências ao número e as proporções” Carlos A. Ferreira Martins, Depois do Cubismo, Introdução. Ferreira encerra a introdução da edição brasileira da seguinte forma: “Depois do Cubismo é assim um manifesto rigorosamente moderno. Mas é acima de tudo um programa de trabalho que continuará a ser perseguido na prática pictórica de Ozenfant e na arquitetura de Le Corbusier, pautado pela busca incessante da articulação entre os imperativos do Zeitgeist e os valores perenes do espírito, entre o impacto do novo mundo da máquina e das ciências experimentais e psicológicas e a contínua procura dos “invariantes” e do “número”.

“Na verdade, a palavra influência é normalmente muito mal utilizada, porque é usada como se o influenciador fosse um corpo celeste que emite uma série de radiações que afetam diretamente os ditos influenciados. A questão deveria ser antes o que é que os últimos, conhecendo e sendo atraídos pelo primeiro num determinado contexto e circunstâncias históricas, culturais e sociais, vão fazer com a sua obra. Porque existem milhares de possibilidades, desde copiar até simplesmente captar um traço, parafraseando, rejeitando, uma lógica de influência. E é essa lógica que apresenta Le Corbusier como uma espécie de astro-rei que emana. Inversamente, defendendo que a relação de Le Corbusier com os arquitetos brasileiros não pode ser simplesmente entendida segundo essa ideia de influência, mas antes a partir do conceito de inflexão.” Carlos Eduardo Comas, Revista arq./a, Portugal, Julho | Agosto de 2008.

“Ninguém é menos corbusiano do que Le Corbusier” Jean-Louis Cohen, Le Corbusier 1887-1965: Lirismo da Arquitectura da Era da Máquina, Köln, Taschen, 2006, 2006, p. 15.


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Detalhe - Edifício principal da Assembléia de Chandigarh - Foto:@Guilherme F. Hondal - Flickr

“O poema canta uma sensibilidade pessoal, mas a lei é uma força que nos vivifica, nos desenvolve, nos eleva e nos dá uma amplitude nova. As fontes da natureza são muito mais abundantes, fecundas e ilimitadas que os universos quiméricos caros aos românticos e aos fracos, construídos à sua medida humana. A pesquisa das leis dá a chave das harmonias” pg. 41.

“Hoje é preciso reconhecer, o trabalho em série imposto pela máquina esconde mais ou menos ao operário a conclusão de seus esforços. No entanto, graças ao programa rigoroso da indústria moderna, os produtos fabricados são de uma perfeição tal que proporcionam às equipes operárias um orgulho coletivo. O operário que executou apenas uma peça isolada aprende então o interesse de seu labor; as máquinas que cobrem o chão das fábricas fazem-no perceber a potência, a clareza e o tornam solidário de uma obra de perfeição à qual seu simples espírito não teria ousado aspirar. Esse orgulho coletivo substitui o antigo espírito do artesão elevando-o a ideias mais gerais.” pg. 42.

“O instinto, as tentativas e o empirismo são substituídos pelos princípios científicos da análise, pela organização e pela classificação” pg. 43.

Análise - Le Corbusier. Le Corbusier demonstrou que Arquitetura é um exercício de fôlego, de convicções firmes exercitadas pelo conhecimento amplo das coisas e da ciência. E que há necessidade de constante inquietação e de transformação da tecnologia em Arte. Que Arquitetura tem que corresponder a mais do que um espaço construído, um abrigo, mas deve haver significado e intenções claras e fundamentadas. Há uma ideia forte do coletivo, mas sem tirar o direito a privacidade individual. Le Corbusier, acredita, como podemos ver em toda sua vida e principalmente no texto em análise, que Arquitetura deve corresponder fundamentalmente a sua função e a busca do belo através de interpretações da história e avançando gradativamente com o seu contexto histórico, tecnológico e social, correspondendo e embasado em princípios éticos e estéticos. Arquitetura deve ser extraordinária e bela fundamentalmente. Mesmo pregando de uma forma direta a racionalidade, o que pode levar a uma interpretação estrita no sentido de que o projeto deve corresponder friamente às demandas, em grande parte de suas obras, como na Igreja de Saint-Pierre, a beleza impera através do domínio da ciência. Seria um paradoxo, mas não, é uma complementariedade. O movimento moderno foi um passo fundamental para a continuidade de nossa história, um momento em que o homem avança em passos largos, na Arquitetura houveram grandes erros, principalmente no Urbanismo, cometidos


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Detalhe - Unité d’habitation Berlin Le Corbusier, 1957 Foto:@Alexander H. Schulz - Flickr

“Por todo lado erguem-se construções de um espírito novo, embriões de uma arquitetura futura; nelas já reina uma harmonia cujos elementos procedem de um certo rigor, do respeito e da aplicação das leis. Uma clareza deixa reconhecer sua intenção nitidamente formulada.” pg. 43 “A arquitetura estaria morta (pois a Escola a matou) se por um desvio feliz não tivesse reencontrado seu caminho: a arquitetura não está morta, porque os engenheiros, os construtores retomaram com uma grandeza tranquilizadora seu destino grave.” pg. 44.

“O concreto armado, última técnica construtiva, permite pela primeira vez a realização rigorosa do cálculo; o número, que é a base de toda beleza, pode encontrar aqui em diante sua expressão.” pg. 44.

“Os edifícios das fábricas com sua grande disposição expressiva apresentam suas massas serenas; a ordem reina orque nada e deixado à fantasia” pg. 45.

“Se temos hoje nassas Ponts du Gard, teremos também nosso Partenon, e nossa época está mais instrumentada do que a de Péricles para realizar o ideal de perfeição.” pg. 45.

pelo próprio Corbusier, mas serviram de balizadores no entendimento de que a ciência é transcendental, mas o espaço deve ser feito para o homem e suas dinâmicas, as proporções da cidade devem ser as mesmas que as das casas, a máquina deve servir ao homem, não o homem à máquina, se não instala-se o caos. Sobre tudo, Le Corbusier é grande! Voltarie diz: “A decadência é produzida pela facilidade de fazer e pela preguiça de fazer bem, pela saciedade do belo e pelo gosto do bizarro.” Le Corbusier nos deixou provas suficientes que tem aversão à isso. Segundo Baptista-Bastos: “A educação calvinista indicou-lhe o culto ao rigor e a moral de trabalho. Le Corbusier é o exemplo típico de uma formação que despreza o facilitismo, que combate a frivolidade, e que encontra nas manifestações criativas a resposta para as suas interrogações.” Segue dizendo: “Le Corbusier representa, também, esse discurso ininterrupto que a arquitetura (como as outras demonstrações do espírito humano) vai estabelecer com os clássicos. Goethe disse: “Tudo o que é moderno advém de tudo o que é clássico.” Nada mais certo. A curiosidade de Le Corbusier é insaciável. Viaja por boa parte do mundo; toma apontamentos escritos; faz esquiços; fixa paralelismos comparativos não só entre aquilo que vê e aquilo que aprendeu mas, sobretudo, com o projeto mental que o anima.”


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La Tourette, 1960 Foto:@Samuel Ludwig Flickr

“Constatamos que os artistas pouco contribuem para as realizações modernas, claras harmoniosas, belas desde logo, e, por outro lado, depois de termos visto o que é a arte de hoje ficamos aterrorizados pelo lugar medíocre que ela ocupa. A razão disso não estaria em sua indiferença à vida moderna, em seu isolamento?” pg. 46. “Vivem entre “iniciados”; não abandonam por um instante seu círculo senão para ir Às closeries”, “às rotondes”, aos salões, aos teatros e às exposições, Às reuniões artísticas; só se aproximam da vida moderna no que ela tem de artificial.” pgs. 46-47. “Assim como a indústria é condicionada pela ciência, a arte deve escorar-se em leis: se Poussin não tivesse comprovado sua sensibilidade, sua obra não seria nem tão clara, nem tão homogênea, nem tão durável. Hoje mais do que nunca é preciso um critério.” pg. 50.

Continua: “Arquitetura é o sítio do homem, diz e escreve. Quer significar que a sociedade, para o ser enquanto tal, tem de redescobrir o conceito de comunidade, de partilha, e que a ação do homem tende a conceber relações de proximidade, sem se ferir a privacidade individual.” “A precisão da definição dos volumes, a tonalidade das claridades, o conforto associado à eficácia confere à sua obra a dimensão de um humanismo singular.” E por fim descreve-o por ele mesmo:

“Pois toda arte que deixa de ser de sua época morre.” pg. 50.

“Continua a admitir que o arquiteto (como todos os outros artistas ou artesãos) não deve ficar surdo e cego às violências da História e à arbitrariedade dos políticos. “Nada me repugna mais do que a mentira”, escreve. “Nada admiro mais do que integridade do homem.”

“A ciência progride somente À força de rigor. O espírito atual é tendência ao rigor, à precisão, à melhor utilização das forças e das matérias, À mínima perda, enfim uma tendência à pureza.”

“Le Corbusier foi um homem à altura dos sonhos dos homens. E marcou a História para enfrentar as perversidades da História.” Baptista-Bastos, Le Corbusier Um homem à altura da História.


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“A dedução é diferente: o estado de espírito que vem do conhecimento das máquinas dá vistas profundas sobre a matéria, consequentemente sobre a natureza. Em paralelo a uma ciência, a uma sociedade industrial, teremos uma arte no mesmo plano. Os meios da ciência e da arte são diferentes; o que faz a ligação é uma comunidade de espírito.” pg. 51.

“A palavra “Ciência” é para nós, aqui, apenas a fórmula breve que permite designar uma das mais puras intenções do espírito moderno; até agora no mundo dos artistas essa ciência e esse espírito foram aviltados, desprezados, ignorados; e, porque nos privamos dessa seiva, decaímos.” pg. 51.

“As leis não poderiam ser uma restrição; elas são a armadura fatal, mas inabalável, de todas as coisas. Uma armadura não é um entrave. Basta de jogos. Aspiramos a um rigor grave.” pg. 52.

Foto:@Giovanni 2 - Flickr


Igreja de Saint-Pierre, Firminy-Vert. 1960 - 2006 Esse texto não trata de analisar o edifício em termos da função, mas, discutir a arquitetura como objeto de composição formal, precisa e bela em todos os detalhes. Um Corbusier que de certo modo nega sua afirmação inicial de uma alta e completa utilização da industrialização e da inversão dos valores, por ele exaltados, de uma sociedade de produções coletivas ao prazer individual do artesão. O que é constante em sua obra é a aplicação do domínio pleno da construção e do projeto, através do sistema construtivo e das diretrizes geométricas e matemáticas do projeto o que tornou a conclusão desta obra possível. A Igreja de Saint-Pierre retrata um Corbusier extremamente sensível, preocupado com as escalas 29 de trabalho. Mesmo tendo participado só da primeira fase de construção dessa obra, Le Corbusier deixou um legado suficiente para que depois de mais de 40 anos sua obra fosse concluída. Aqui se justifica a frase de Cohen: “Ninguém é menos corbusiano do que Le Corbusier”

Foto:@Giovanni 2 - Flickr

Conception: 1960–1965 Client: Eugene Claudius-Petit, Mayor of Firminy Architect: Le Corbusier; José Oubrerie, assistant First stages of realization: 1968–1979 Client: Association Le Corbusier pour la construction de l’Eglise de Firminy-Vert (a nonprofit private organization) First construction project: 1968–70 Architect: José Oubrerie and Louis Miquel Second construction project; first and second phases of construction: 1970–79 Architect: José Oubrerie Final project and construction: 2002–06 Client: Agglomeration de Saint-Etienne Métropole, Michel Thiolliere, president, and Ville de Firminy, Dino Cinieri, mayor Architecture team for the renovation of the Historical Landmark: Jean-Francois Grange-Chavanis, Architecte-en-Chef-des-Monuments-Historiques-de-la-Loire Fonte: Site - Architectural Record - http://archrecord.construction.com/projects/portfolio/archives/0706eglise-2.asd


Foto:@durr-architect - Flickr

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Foto:@durr-architect - Flickr


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Foto:@rpscherner - Flickr


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3. Uma Escola Moderna. Paulo Mendes da Rocha.

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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA


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Paulo Mendes da Rocha é um dos grandes nomes da arquitetura que encontrou sua singularidade no problema de projeto. Operando de forma eloquente suas soluções, nos faz reconhecer o que é seu independentemente do programa, a partir de um raciocínio fixo conceptivo cria sua identidade linguística quanto arquiteto, evidenciando suas intenções plásticas, volumétricas e estruturais que se orientam a partir de um programa pré-definido e o território onde o objeto irá si inserir. Conserva ao seu modo, afinidades com a arquitetura nacional das décadas de 1950 e 1960, e também mantém um nexo de coerência com um passado de conquistas, em especial no contexto brasileiro de mestres influentes, como Affonso Eduardo Reidy e Vilanova Artigas. Daí sua posição às vezes incômoda no atual panorama arquitetônico, onde se mantém fixo numa postura pessoal adotada a priori sendo classificado, segundo Hugo Segawa; “como racionalista ortodoxo e funcionalista pragmático” SEGAWA, Hugo, Arquitectura Latino-americana Contemporânea. Gustavo Gili, 2005. Pág. 54. Por não demonstrar interesse em se alinhar as correntes mais nítidas da arquitetura internacional. É claro seu apego e compartilhamento de ideais modernos aprendidos com seu amigo, colega e mestre, Artigas. Coluna onde se fundamenta a dita “Escola Paulista”, sendo a FAU-USP (1961-1968) o objeto onde Artigas materializa a expressão dessa linguagem regional de cunho social. Uma definição para a vanguarda que Artigas e Mendes da Rocha seguiram pode ser entendida de maneira ampla, como “uma reforma profunda de

Foto: @Filippo Bamberghi - Vogue Brasil

fundamentos da disciplina frente à modernização do mundo” ZEIN, Ruth, Brasil: arquiteturas após 1950, Perspectiva, 2010. Pág. 380. E não como retrocesso a um panorama de opções limitadas ou proposições limitantes à arquitetura, como se é entendido em geral... Mas sim, a abertura de um sistema que os libertam à possibilidades novas a partir de tecnologias da construção oriundas da industrialização onde vislumbram a oportunidade de se expressar abertamente como arquitetos, vivendo em uma sociedade em transformação num momento em que “o arquiteto toma a dominar as decisões espaciais urbanas ” DIEZ, Fernando, Arquitectura de proposición y arquitectura de producción, Projeto como investigação: Antologia, 2009. Como pode ser notado em diversas entrevistas publicadas, em especial numa compilação


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organizada por Guilherme Wisnik, “Encontros”, a visão de arquitetura de Mendes da Rocha está impregnada de uma necessidade de modernidade ligada a um ideal de Brasil, mas modernidade sem a perda de uma identidade universal, ou sem perder o que tem em comum com todas as culturas ocidentais. O ideal do arquiteto é a especulação por outra realidade, baseada em uma ideia de revolução rupturista com o passado imediato. Um ideal de junção cultural que requer uma contemporaneidade própria. Onde o domínio tecnológico funciona como processo emancipador à elaboração de estéticas que contenham níveis de racionalidade e deem expressão de beleza as necessidades, ao olhar e pensamento cotidiano, e a vida em suas dimensões essenciais. Esses pontos são fundamentais em todas suas falas, o existencialismo da arquitetura (aqui entendida como algo de valores reconhecidos que agregam a sociedade, que provoque e proponha uma melhor vida ao cidadão) e ela como ferramenta intelectual de ação direta na sociedade são peças fundamentais para entender sua obra. Mas como esses ideais que levanta se sustentam em suas ações de projeto? A Galeria Leme é um exemplo da força de sua genialidade, afirmação de sua linguagem plástica e concepção formal. Tendo em vista a qualidade espacial obtida através de uma simples distribuição de ambientes dentro de um prisma retangular criou uma galeria bela e funcional. Localizada no Bairro do Butantã em São Paulo, a Galeria inicialmente ocupava um lote de 13x31m com um programa de porte médio,

mas com parâmetros urbanos que restringiam muito a construção, obtendo como resultado um monólito de 10x21x9, abrigando administração, estoque, um espaço de hospedagem de artistas convidados e sala de exposições. Como de costume segue-se o programa. Obtêm-se então, uma caixa com iluminação zenital difusa em concreto armado aparente onde as aberturas e as relações compositivas do objeto são de caráter puramente euclidiano. Um objeto racional de força plástica e de alto poder sensitivo, atendendo o querer do cliente, criando um objeto singular. É de muito valor a obra de Mendes da Rocha para a arquitetura brasileira, seu pensamento ideológico e sua habilidade como inventor, propositor, arquiteto. No entanto é vista uma insistência e autoritarismo sobre uma linha de materialidade em sua arquitetura, que não explica coerentemente suas escolhas a não ser uma afirmação de seu modo de fazer, há uma necessidade de exaltar um discurso, desconsiderando o mundo que lhe envolve, dando ideia de que há para si uma razão concreta, fixa, que não se relaciona com os fatos reais externos construindo seu mundo ideal onde o concreto é protagonista. Milton Braga (MMBB Arquitetos), um dos arquitetos que colabora com Mendes da Rocha, em entrevista à revista 2G, especial sobre a Obra Recente do Arquiteto, obras essas que desenvolve em parcerias com escritórios de sua confiança – a maioria dos titulares desses, foram alunos dele e trabalharam em seu escritório, como Martin Corullon do Metro A. A. que desenvolveu o Projeto em Análise – Braga diz: “Paulo trabalha sempre com muita ambição, sabendo que ao fim,


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tudo se ajusta à necessidade. Acredito que essa atitude é de um pragmatismo extremo. Outro exemplo: Na hora de começar um projeto, Paulo ignora deliberadamente certos detalhes como a legislação, a topografia, orçamento, etc. Deste modo desenvolve o projeto com total liberdade – ou inclusive com uma irresponsabilidade calculada -, contando que a equipe saberá revisar e calibrar ditas questões em algum momento. Faz a propósito, exatamente para poder refletir a partir do que importa, e não da generalidade dos condicionantes. Quer dizer, é uma estratégia que evita apegar-se a detalhes para formular melhor o problema que verdadeiramente importa”. 2G. Paulo Mendes da Rocha: Obra recente. (Edição nº 45). Barcelona, Espanha: Editora Gustavo Gili, SL, 2008. Pg. 140. Essa desconsideração sobre aspectos reais, físicos, materiais sobre o problema de projeto demonstra que o que prevalece no processo de projeto do Arquiteto é sua ideia, seu discurso, as demais coisas são suscetíveis a seu partido, coisas essas, normalmente na vida de um escritório comum, levadas em consideração junto ao processo projetual, fazem parte da problemática e do fazer. (Entendo como comum um escritório que não alcançou tanto sucesso ao ponto de poder desconsiderar a priori aspectos primordiais à construção, como orçamento e legislação e que muitas vezes usa-se delas como estratégias e partido. Um exemplo clássico do emprego das adversidades reais é a FIESP feita pelo Escritório Rino Levi A. A. na Avenida Paulista na década de 1960, onde se usa da legislação vigente sobre gabarito de altura que propiciou o volume piramidal e a implantação do térreo, no projeto

original, que se apropriava da situação da quadra e sua topografia para criar uma grande praça que conectava a Avenida Paulista a Alameda Santos). Um luxo que poucos podem se dar. Isso não quer dizer que suas obras não se insiram com elegância ao terreno ou que agridem a paisagem, mas que a forma como se entende a arquitetura é algo imaterial no sentido de que as questões que se tem de responder quanto a encomenda, surgem à partir de uma reflexão conceitual que se desvincula de “amarras” visando como resultado um objeto que seja puro em relação a ideia que o move. Essa linha de raciocínio contínua na obra de Paulo Mendes da Rocha e a importância de prevalecer seu discurso sobre uma determinada circunstância entendida como ideal é clara. Tomo como base a nova Leme construída em 2011 em outro lote à duas quadras dali, após a compra do quarteirão, por uma construtora, em que o edifício original estava inserido. Nela continuase com o mesmo programa exceto a área de hospedagem acrescentando a ela outra sala de exposições de menor porte formando assim dois blocos independentes que se conectam por uma passarela ligando o 1º pavimento de cada bloco (de acesso restrito). O novo edifício é idêntico ao primeiro em todos aspectos arquitetônicos, o novo bloco serviu para uma melhor distribuição do programa. Mesmo com a nova situação da Galeria em sua inserção Urbana (está em um terreno de esquina com uma face voltada para uma avenida movimentada) e com um lote maior, a imagem da primeira versão ainda é viva. Isso mostra uma grande habilidade do arquiteto, pois mesmo assim o edifício não incomoda no


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entorno, mas, se insere de forma sutil, tendo agora duas fachadas. Como também uma ideia fixa de uma mesma solução em um novo território. Solução essa que não leva em consideração aspectos primários para a resolução de um espaço destinado para obras de arte: não há isolantes térmicos na composição do edifício. (Concluo isso a partir da visita que realizei em 08 de Setembro de 2012 onde pude ver as paredes inteiras com 8 cm de espessura e em conversa com o colaborador que me recebeu, perguntei se havia algum sistema de tratamento térmico e me disse que não. O próprio falou várias vezes sobre o problema térmico de quando o clima está frio ou quente, dentro da Galeria, essa sensação é muito maior, o uso do ar condicionado é a única solução para amenizar esse problema. O mesmo funcionário trabalhou no MUBE e disse que por lá acontecia o mesmo. ) Assim como no MUBE (Museu Brasileiro de Escultura), a maior parte do edifício depende de um sistema de aquecimento e resfriamento artificial para a conservação das obras e do próprio bem-estar de quem habita o edifício. Não se achou necessário optar por materiais mais eficientes, preferiu-se uma Arquitetura uniforme do que uma arquitetura composta, materialmente. A questão aqui levantada não é o porquê do concreto armado, mas sim por que usá-lo de uma forma insuficiente, ignorando procedimentos necessários para um funcionamento pleno e por que não construir de outra forma mais eficaz, trazendo memórias das intervenções feitas – Centro Cultural FIESP e Pinacoteca do Estado – com sucesso e brilhantismo, um pensamento

construtivo para a concepção da nova arquitetura que venha propor, como outros grandes mestres como João Filgueiras Lima (Lelé), Renzo Piano, Richard Rogers, etc. Uma arquitetura que tenha como base uma ideologia que supera o apego da forma e de uma tradição já insuficiente. Até onde vai essa afirmação de uma linguagem pessoal desconsiderando os problemas reais e os possíveis de resolução dos problemas do edifício na contemporaneidade? A arquitetura para quem? Para si mesma, para eu mesmo?


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Desenhos - Site - Metro AA


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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA


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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA

Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA


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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA


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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA

Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA


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Foto: @Leonardo Finotti - Site - Metro AA



4. Horizonte - Corsi Hirano A. A.

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Foto: Cortesia de Corsi Hirano AA.


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O que é a contemporaneidade na Arquitetura?! Essa preocupação e necessidade de identificar e qualificar algo é um dos fatores que nos impulsiona à não estagnar no campo das artes e seguir avante, conscientes e atentos ao nosso Zeitgeist, seguimos produzindo, transformando e induzindo - através do conhecimento adquirido e aquilo que elegemos como verdades - a história à novos caminhos. Clement Greenberg em 1939, no seu ensaio inaugural, Vanguarda e Kitsch, em um primeiro momento discorre sobre a ideia da estaticidade da forma durante a história, Greenberg diz que: “No passado, um tal estado de coisas geralmente se resolveu num alexandrinismo imóvel, num academicismo em que os assuntos realmente importantes não são tocados porque envolvem controvérsia, e em que a atividade criativa se reduz a um virtuosismo nos pequenos detalhes da forma, enquanto todas as questões maiores são decididas pelo precedente dos antigos mestres. Os mesmos temas são variados mecanicamente em centenas de obras diferentes, e contudo nada de novo se produz: Statius, o verso mandarim, a escultura romana, a pintura acadêmica, a arquitetura neorrepublicana”. Mais à frente ele define a importância do movimento que se consolidava naquele momento, o Modernismo, o chama de vanguarda e o exalta: “Buscamos ir além do alexandrinismo, uma parte da sociedade burguesa ocidental produziu algo até agora inimaginado: a cultura de vanguarda. O que tornou isso possível foi a consciência superior da história - mais precisamente, o aparecimento de um novo tipo

de crítica da sociedade, uma crítica histórica.” De um modo claro ele nos dá a verdadeira noção de que há a necessidade de que a arte seja liberta de predefinições formais e que, ao contrário, seja livre e baseada no contexto amplo da cultura e da história, que tenha reflexões sobre os modos que a sociedade vive e que estimule o constante movimento da cultura. Segundo ele: “(...) desenvolveu-se a ideia de que a verdadeira e mais importante função da vanguarda não era experimentar, mas encontrar um caminho no qual fosse possível manter a cultura em movimento em meio à violência e à confusão ideológicas.” Essa reflexão sobre as transformações constantes do mundo é o maior insumo para a produção daquilo que consideramos significativo para o conhecimento e formação humana. Baseados numa inquietude constante, uma reflexão sobre os dias em que vivem e como podem contribuir para a sociedade com seu metier e, consequentemente, contribuir à cultura da Arquitetura, que os Arquitetos Daniel Corsi e Dani Hirano buscam responder as demandas de seu Escritório com bases numa cultura universal através de princípios extraídos do cotidiano que lhes envolvem; seja na literatura, na filosofia ou na atenção à história e nas transformações sociais que nos cercam e que assim, movimentam a relação do ser humano com o espaço. Esse modo de compreensão da relação do poder de ação do Arquiteto, necessitar fundamentalmente de um entendimento “de fora pra dentro” , ou seja, que o entendimento da Arquitetura como uma reflexão baseada

Croqui: Museu Exploratório de Ciências - Cortesia de Corsi Hirano AA.


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na intensa relação do espaço que abriga os fenômenos sociais e sua apropriação pelo indivíduo e principalmente o coletivo, que ela assim expresse os significados de seu tempo, com técnicas e estéticas de afirmações pessoais daquilo que é global, sobre o desejo incessante de que a arquitetura influencie de certa forma, os caminhos da sociedade, fundamenta o desenho da produção de Corsi e Hirano. Essa autorreflexão e o olhar para o mundo que os envolvem não os faz abandonar as preocupações essenciais da Arquitetura, como a estabilidade, clareza nas soluções, precisão no partido em relação à demanda e a busca pelo belo. Pelo contrário, o desejo pela perfeição do desenho e da harmonia do conjunto é o que faz a inquietação pelo trabalho ser algo inesgotável. Num texto escrito por Ruth Verde Zein para a Revista Argentina 1:100, Un a cién, sobre uma Casa de Isay Weinfeild, ela cita: “Weinfeld gosta de dizer que seu único objetivo é atender ao cliente, e sem dúvida o faz plenamente. Mas, em seu terceiro coração secreto - que não está em sua boca nem em seu peito, mas escondido em lugar mais profundo, como a menor das matrioshkas - sabe que o arquiteto busca satisfazer a si mesmo.” O mesmo digo dos jovens arquitetos. Mesmo não sendo seu discurso, mas há uma evidente busca pela beleza e inteligência em sua Arquitetura. Esse desejo também está em seu terceiro coração, que não se expressa verbalmente, mas se manifesta em suas ações. Há um desejo intrínseco de que aquilo que seja produzido tenha significado, seja o que for, mas

que de certa forma contribua, tenha importância. Como Ruth Zein fala, o arquiteto procura uma satisfação pessoal, mas no caso, a satisfação deles é em função da transcendentalidade. Se torna uma obstinação na busca de fazer algo que seja lembrado como Arquitetura, pois ela é uma arte permanente no tempo e o Arquiteto, como poucos, tem a chance de marcar a sua existência como ser humano. O Arquiteto Hector Vigliecca fala que: “Ordem e desejo de eternidade são as matérias-primas de nossos pensamentos, seria impossível pensar fora deste universo”. Sem dúvidas, essa é a maior satisfação que pode ter um homem: ser lembrado! Pelo menos pelo aquilo que acreditava e influenciava e para nós, Arquitetos, ser lembrado pelo aquilo que construiu é algo singular. Nesse texto Vigliecca explana sobre a relação do que idealiza e propõe com aquilo que realmente se efetiva, que infelizmente quase sempre é deturpado. Hector não acredita que a Arquitetura pode transformar, mas admite que pode sim influenciar a vida das pessoas. Esse texto, escrito em seu livro “O Terceiro Território - Habitação coletiva e cidade” termina assim: “Enfim, como nos adverte o Rabino Tarphon: “não sois obrigados a concluir a obra, mas tampouco estais livres para desistir dela”. É uma questão de essência, ética e compromisso com a vida, um “ridículo desejo de ser útil”. A beleza aqui é fundamental! Mas uma beleza muito bem justificada, se torna necessária e por isso, se torna possível. Não há aleatoriedade, mas sim frieza nas decisões, sempre precisas. Pautadas numa linguagem global com referências


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em arquitetos como Dominique Perrault, Herzog e De Meuron, Jean Nouvel, como também na escola em que são formados e fazem parte de um novo ciclo. Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, são bases fundamentais para entender as abstrações plásticas dos detalhes de sua obra, como os rasgos no beiral da marquise das Casas AV ou a abertura no térreo do TRT em Goiânia, são sutilezas formais dentro de um complexo sistema onde as questões básicas são fundamentais, mas são conduzidas simultaneamente com todas as outras intenções, principalmente a de conduzir a Arquitetura sempre em harmonia formal. Para fundamentar esse texto, tive a oportunidade, com meus colegas Marcelo E. M. Macedo e Paulo E. Scheuer, de conversar com o Arquiteto Daniel Corsi no ano de 2013 num período de 5 horas, dividido em 2 seções. A conversa foi gravada e transcrita para este trabalho com intenção de registrar o pensamento de um Escritório ainda jovem, mas com uma produção de altíssima qualidade que, vem se consolidando e criando importância para o cenário da Arquitetura brasileira, participando de exposições e ganhando prêmios internacionais. E eu, ainda como estudante, os tive, como tenho outros mais maduros ou mesmo jovens arquitetos brasileiros, como balizadores de minha trajetória como aluno inquieto no meu auto descobrimento em termos de ética, linguagem e entendimento do que é Arquitetura no contexto universal mas, principalmente no brasileiro.


Tribunal Regional do Trabalho, Goi창nia. Corsi Hirano + R. Nishimura.

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Foto: Cortesia de Corsi Hirano AA.


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Fotos: Cortesia de Corsi Hirano


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Desenhos: Cortesia de Corsi Hirano AA.


O HAVER Vinícius de Moraes, 1962.

(...) Resta essa vontade de chorar diante da beleza Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

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Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado De pequenos absurdos, essa capacidade De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Fotos: Google Imagens.

Como o arquiteto com a sociedade? trata desta questão

pode em

contribuir Como você sua obra?

A primeira reflexão que esta pergunta desperta é, sem dúvida, sobre como podemos contribuir para o contexto em que vivemos por meio de um desejo e uma predisposição para colaborar, participar e concretizar aquilo que, de fato, define nosso ofício como algo a ser sempre destinado a um bem coletivo. Então, em relação aquilo a que nos dedicamos, acredito que deva haver num primeiro posicionamento um senso intrínseco do que pode ser para todos. Atrelado a isso me vem à cabeça um lindo poema de Vinícius de Moraes chamado “O Haver” e que fala sobre um certo desejo pessoal incontrolável e desmedido de ser útil, de contribuir, colaborar e fazer com que, acima de uma nossa existência individual boa e digna, sobressaia um dever para que todas possam sê-lo. Essa é uma postura em relação ao mundo que inicialmente transforma de maneira muito válida e singular nossa capacidade de pensar e de construir coisas, construir possibilidades de vidas, contribuições com tudo o que está ao nosso redor, seja através da consciência ou de realizações da matéria física edificada. Acredito que, acima de tudo, deve prevalecer uma consciência em relação a esta condição. Deixar-se pautar por esse desejo e essa vontade autêntica de fazer com que nossas realizações sejam embasadas sobre aquilo que é o outro - algo que no mundo contemporâneo é muito excepcional. O contexto histórico em que vivemos no Século XXI e que tem uma memória recente em relação a tudo que aconteceu no

século anterior é extremamente singular e radical. Ter o Século XX como um passado no qual quase tudo aconteceu constituindo uma “Era dos Extremos” e que, por vezes, transcendeu os limites do humano, como aponta Eric Hobsbawm, deveria fazer com quem sua totalidade fosse lida, entendida e interpretada constantemente. Os debates que temos não deveriam ocorrer de modo condicionado pelo que representou um dia esse predomínio do progresso, da razão e da técnica. Isso tudo já vem sendo repensado e nos evidenciando um fato incontestável: vivemos num momento histórico extremamente crítico conduzido por ideias e valores frágeis que, se regidos por uma perspectiva mais generosa, poderiam que contribuir muito para, minimamente convivermos de modo mais humano. Acredito na importância de nosso posicionamento colaborativo estar profundamente embasado sobre uma compreensão do que é a contemporaneidade. Em que mundo vivemos hoje? Queremos contribuir para a sociedade, queremos fazer com que nosso trabalho seja de um interesse comum, de uma presença ampla e pública, mas como podemos transformar o nosso trabalho e ter o mínimo de segurança de que nossas decisões e nossas proposições estejam em sintonia com o mundo contemporâneo? Com isso entendo que precisamos, prioritariamente, compreender o que é essa contemporaneidade e, logo de início, que ela também não é estática. Ela é mutante, cada vez mais transitória, o que torna tudo ainda mais difícil para pensarmos nossas propostas a partir de uma condição social, cultural, econômica, onde tudo é muito frágil, tudo é muito volátil e tudo é muito rápido.


Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje. Resta essa faculdade incoercível de sonhar De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade De aceitá-la tal como é, e essa visão Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante E desnecessária presciência, e essa memória anterior De mundos inexistentes, e esse heroísmo Estático, e essa pequenina luz indecifrável A que às vezes os poetas dão o nome de esperança. Resta esse desejo de sentir-se igual a todos De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória

Dentro deste contexto, de certa maneira, a Arquitetura representa em muito um desejo de permanência, um desejo de ordem, de que ela em si seja um referencial além dessa fugacidade que vemos imperar em tudo no mundo. A Arquitetura é um balizador ou um elemento referencial que pode representar uma noção de valores dentro dessa enorme esfera de energias e fluxos de comunicação e informação na qual vivemos hoje, podendo colaborar um pouco para o próprio entendimento do mundo. Para contribuirmos para a sociedade temos, inicialmente, que conhecê-la, entender que condição é essa que nos cerca e sobra a qual agimos. Os últimos trinta anos viram nascer uma série de pensadores que vem buscando compreender esse quadro. Pensadores que muitas vezes não fazem parte de nosso universo da Arquitetura mas que, por não haver dúvida que esta se faz intensamente presente em tantas coisas, consequentemente também falam sobre ela. Sobretudo, são pessoas que pensam num âmbito mais filosófico relacionado ao que é o entendimento do mundo. Cada vez mais isso deve fazer parte do que é o nosso estudo, do que é a nossa postura enquanto arquitetos, pois dessa lucidez dependemos para podermos contribuir. Devemos estar preparados! Isso traz à luz uma questão de suma importância: a consciência da responsabilidade. Como falei do sentimento de Vinícius de Moraes, acabamos por atribuir espontaneamente a nós mesmos uma responsabilidade. Que responsabilidade é essa? Que consciência temos sobre esse dever? Precisamos conhecer a fundo essa complexa condição de modo a nos sentirmos plenamente

A visão do arquiteto como um revolucionário que pode mudar o mundo através de si mesmo não se justifica da mesma forma como antes. Isso já foi revisitado e reinterpretado, o que é muito positivo, pois não significa que passamos a nos abster dessa responsabilidade, pelo contrário, talvez ela apenas tenha se transformado, assim como se transformou o mundo.

aptos a agir. Assim como podemos gerar grandes contribuições, podemos também provocar resultados contrários. Portanto, precisamos sempre considerar todas as consequências de nossos atos pois a influência e a importância que tem nossas ações nesse contexto é imensurável. A visão do arquiteto como um revolucionário que pode mudar o mundo através de si mesmo não se justifica da mesma forma como antes. Isso já foi revisitado e reinterpretado, o que é muito positivo, pois não significa que passamos a nos abster dessa responsabilidade, pelo contrário, talvez ela apenas tenha se transformado, assim como se transformou o mundo. Mas a consciência sobre essa possibilidade de ação é muito importante. Enfim, qual é nossa responsabilidade? Ainda me referindo a coisas que estão além da Arquitetura, pergunto-me como esse aparato enorme que precisamos ter, ou seja, uma compreensão filosófica, social e antropológica das coisas, pode fazer com que sejamos um pouco mais humanos, que nos tornemos um pouco mais humanistas em nossas ações. A Arquitetura é uma parte disso tudo, ela é um fragmento, ela é muito importante e única, mas não é autônoma. Que tal pensarmos sobre isso também? Ela faz parte de um enorme sistema de culturas, de manifestações, de expressões, de concretizações de ideias, de posicionamentos sobre o mundo, etc. Esse conhecimento é muito importante e ele vai além da Arquitetura. Acredito eu que essa busca mais ampla pode nos ajudar a entender, sobretudo, a própria Arquitetura em sua completude. O que acontece hoje em nosso campo de ação? Quando sintetizamos num ato arquitetônico

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SIGNIFICADO LIBERDADE PAPEL EM BRANCO REPERTÓRIO

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Quando sintetizamos num ato arquitetônico questões relacionadas à cultura, linguagem e expressão, seja através de um repertório, de uma intelectualidade, de uma memória ou de uma compreensão histórica, deixamos ali impresso um desejo de contribuição coletiva, tendo presente em nossa ação um desejo além do pessoal. O ato do arquiteto se dá por meio de um indivíduo que invariavelmente faz uso da expressão de sua própria linguagem para se concretizar.

questões relacionadas à cultura, linguagem e expressão, seja através de um repertório, de uma intelectualidade, de uma memória ou de uma compreensão histórica, deixamos ali impresso um desejo de contribuição coletiva, tendo presente em nossa ação um desejo além do pessoal. O ato do arquiteto se dá por meio de um indivíduo que invariavelmente faz uso da expressão de sua própria linguagem para se concretizar. Uma manifestação única podendo ser entendida até como uma atitude predominantemente artística na essência da palavra. No entanto, isso é apenas uma parte da totalidade de sua ação, ou seja, a decisão sobre esses critérios é pautada por outros valores que implicam na compreensão do contexto em que intervirmos hoje e do significado de se agir sobre uma paisagem urbana. É necessário nos concentrarmos sobre o que é o contexto da vida atual e do último século, sobre a concentração das grandes cidades e do acontecimento dessa convergência incontrolável de indivíduos que vivem juntos numa certa saturação do que hoje é esse mesmo convívio. Vivemos em São Paulo, uma cidade absolutamente crítica neste aspecto, com todas as contradições, os extremos e as diferenças. Para entendermos o que essas ações irão configurar ou que papel poderão assumir é necessário pensarmos sobre que tipo de cidade é essa, a que tipo de vida e condição existencial estamos expostos? Aliado a isso o valor cultural de nossas propostas passa a ser muito importante no momento em que a arquitetura assume um caráter de representar, de gerar identidade, de permitir que os indivíduos se reconheçam no contexto

ondem vivem, caso contrário, a perda do vínculo entre alguém e aquilo que o cerca, tenderá a torná-lo ainda mais solitário do que já é por si só. Nós somos definidos por uma condição fundamentalmente solitária, eu nunca sei o que se passará na cabeça de outra pessoa. De fato isso é impossível. Da mesma maneira que eu não posso ter a menor exatidão da alegria ou da tristeza que uma pessoa está sentindo, não posso sentir precisamente aquilo que ela sente, o outro é muito distante da gente. Portanto, aquilo que compartilhamos, seja o pensamento, o sentimento ou o que de fato é construído e material como é a Arquitetura, deve considerar esse significado, o que isso constrói como significado pro outro, para o coletivo. Isso é o que importa. Talvez seja isso que venha ser uma das principais possibilidades que possamos ter de participarmos minimamente da construção do que é essa vida do outro. Se pensarmos na condição contemporânea da sociedade, onde se encontram esses signos, esses elementos de identidade, esses elementos balizadores que dão um pouco de sentido, segurança, conforto, à nossa existência? Pergunta esta que a filosofia já se faz há séculos. A Filosofia do século XIX constatava esse drama do que é a existência que depois “Sartre” iria sintetizar de uma maneira extremamente forte e objetiva: ‘estamos condenados a ser livres’. Onde mora essa liberdade? Se posso decidir sobre aquilo que penso, sou e quero, a partir de que critérios podemos explorar a liberdade que temos nosso pensamento como arquitetos? O arquiteto tem sim muita liberdade se quiser, e talvez seja este o primeiro ponto crítico sobre as nossas ações.


Jean-Paul Charles Aymard Sartre foi um filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como representante do existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. 1905 - 1980. Paris, França.

Fonte: Wikipédia

Falamos muito sobre o “papel em branco”, sobre como é espantoso o momento em que nos defrontamos com um universo total de possibilidades. É nesse ponto que começa a existir um processo que não é tão “em branco” assim e que pode conter muitas informações... Repertório? Exatamente, o repertório e a leitura sobre o mundo, ou seja, como enxergo esse tal “papel em branco” e como, antes de qualquer proposição ou ação, vou desenhar primeiramente nesse papel não a arquitetura mas as condições sobre as quais vou agir a partir da maneira que leio o mundo. Essas condições voltam a ser aquelas que disse antes: o contexto, o lugar, a cultura, a tecnologia, a sociedade, o indivíduo e que trazem consigo o “conteúdo humanista” sobre o qual temos de nos embasar da maneira mais sensível em relação a essas questões. Voltando àquilo que falava anteriormente na tentativa de entender um pouco o contexto crítico no qual trabalhamos hoje, se analisarmos a cultura podemos entender que, talvez, ali esteja um dos elementos mais radicais da contemporaneidade e que nos apresenta, num primeiro momento, um universo infinito de coisas capazes de ajudar a nos formarmos como seres e indivíduos. Só que esse universo passou a ser absolutamente fluido, passou a ser líquido como fala “Zygmunt Bauman”. Portanto, como me encontro nesse enorme plasma de possibilidades do que posso ser? Hoje não temos referenciais. Não temos apresentados para nós, sobre a questão educacional e cultural dos valores sociais, critérios

Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês. Iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, de onde foi afastado em 1968, após ter vários livros e artigos censurados.

1925 Poznán, Polônia. Fonte: Wikipédia

que, minimamente, nos situem numa relação do que é viver a partir de um sentido, seja qual for o sentido dessa existência. A cultura demonstra bem isso: quando estudamos a relação do valor da imagem, onde tudo passa a ser superficial, aquela imagem não mais transmite de fato um conteúdo concreto e real. Ao contrário, é apropriada pelas pessoas que veem nessa imagem unicamente aquilo que aparenta ser e as aparências assumem papéis extremamente perigosos nesse aspecto: aquilo que você ver, aquilo que você enxerga, não necessariamente é aquilo que aparenta. Portanto, a nossa condição coletiva e social é essa, daquilo que é frágil, superficial, controlado e programado para que a pessoa leia de um certo jeito. Estamos sendo sempre bombardeados por um enorme sistema de manipulação. Se pensarmos no grande volume massificado de pessoas, todas elas se encontram sujeitas a isso. Como enxergar isso? Aqui sim se faz necessário um certo preparo, uma espécie de filtro e espectro que nos permita enxergar isso com um mínimo de clareza e entender como as coisas de fato são e o que se tem por traz dessas primeiras impressões de impacto, espanto, desejo, atração por tudo aquilo que vemos. A transição da modernidade para a pós-modernidade é crucial para esta compreensão. Essa condição pós-moderna em que vivemos e que é pautada pela experiência fugaz, a experiência do prazer momentâneo que nos satisfaz no instante em que acontece. É nesse sentido que reside o mais perigoso: além desse tipo de experiência nos contentar de certa maneira naquele momento e sanar o nosso desejo ali existente, ela também faz com

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CONSCIÊNCIA

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(...) se estamos discutindo, se nos predispomos a entender essas coisas e estamos à procura de respostas é porque, de certa maneira, buscamos isso, somos inquietos e privilegiados na nossa preparação e nessa certa consciência sobre o mundo, sobre a responsabilidade de nossos atos.

que não nos preocupemos com o que ela de fato é. Ela existe para isso, também para não nos questionarmos sobre o que são as coisas. Aliás, deseja-se que isso seja assim porque torna tudo muito mais fácil. Esse fenômeno é reflexo de um poder que sempre esteve presente em nossa existência: o controle daquele que sabe sobre aquele que não sabe, pois aquele que sabe sem dúvida nenhuma irá questionar o seu posicionamento e a sua dependência em certos critérios que são impostos a ele. Voltando à questão que estamos pensando agora sobre a contribuição do arquiteto para a sociedade, se estamos discutindo, se nos predispomos a entender essas coisas e estamos à procura de respostas é porque, de certa maneira, buscamos isso, somos inquietos e privilegiados na nossa preparação e nessa certa consciência sobre o mundo, sobre a responsabilidade de nossos atos. A resposta para como isso pode se tornar arquitetura, como isso pode ser trazido ao nosso âmbito de ação, encontra-se primeiramente na questão dessa consciência. Qualquer ato que façamos tem um impacto e ele pode ser capaz de extrair o sentido real do que pode ser sua existência na sociedade. Nosso posicionamento passa a ser o de confrontar essa realidade. Eu não quero que essas pessoas continuem sendo e existindo a partir de uma condição leviana. Quero contribuir para que sua existência seja mais consciente, mais digna e, consequentemente, livre. Se falarmos sobre cultura, temos que falar sobre como essa suposta liberdade que o grande coletivo tem é muito pequena e também que reflete uma condição frágil da pós-modernidade. O que ela nos estabelece? Você pode escolher

ser o que quiser. Não existe mais a força de um ideal único que balize tudo, inclusive nossos valores, ou seja, nós todos não somos mais modernos unicamente, podemos escolher dentre uma infinidade de ideologias, religiões, culturas. Tudo é plural e diverso. Se pensarmos, essa liberdade não é tão livre assim, pois também somos condicionados a escolher certas coisas: é como nos déssemos opções, mas estando todas condicionadas por um sistema maior. A partir disso, nos posicionamos para que a arquitetura não faça parte desse sistema e que possa apresentar possibilidades mais sinceras e distantes desses interesses e manipulações que tem como objetivo outras coisas que não a ideia de uma “boa vida”, de um bem-estar e de um convívio dos quais as pessoas possam desfrutar numa boa maneira de se viver. Através da leitura daquilo que nos envolve, acabamos por assumir uma postura avessa ao que é predominante. Por outro lado, não devemos apenas entender esse contexto crítico segundo uma interpretação tão agressiva quanto ele mesmo é conosco. Ou seja, esse enorme sistema do qual estamos falando apresenta, de certo modo, suas qualidades, benefícios e aspectos que também devem ser lidos e apropriados por nós. Não é que tudo tenha de ser negado, pelo contrário, tudo deve ser interpretado, mas a partir de outros critérios pautados, acima de tudo, sobre um bem-estar coletivo. Estarmos sempre em busca de uma compreensão maior do mundo de modo a nos sentirmos mais preparados para exercermos nossa responsabilidade é parte basal do nosso ofício. Uma condição de inquietude capaz de nos manter em busca de


“Mais ética menos estética” Bienal de Veneza, 2000. Massimiliano Fuksas

CONTRARIAR

Estarmos sempre em busca de uma compreensão maior do mundo de modo a nos sentirmos mais preparados para exercermos nossa responsabilidade

(...) pensar em suas atividades em função de contrariar aquilo que é colocado em relação ao público, à cidade.

leituras, interpretações, reflexões, hipóteses, respostas e entendimentos sobre tudo isso que nos envolve. É nesse ponto que chegamos a uma outra questão fundamental: a ética. Onde se encontra nossa consciência sobre a postura que assumimos em nossas ações no mundo? Qual a ética que nos conduz em nossas decisões? Na Bienal de Veneza ocorrida no ano de 2000, o italiano Massimiliano Fuksas, responsável pela curadoria, intitulou aquela edição de uma maneira muito precisa, sintetizando no mote “Mais ética menos estética” uma série de questões próximas dessa visão a que estou me referindo. Quais os valores para além da imagem, do apelo da percepção, das coisas que propiciam experiências a partir do espanto e do encanto? O que há por traz de tudo isso? Onde se encontra a ética que devemos instituir em nossas ações? Ao menos da forma que eu entendo e das análises que estamos aqui construindo, acredito serem estas questões imprescindíveis para discutirmos sobre a profundidade de nosso posicionamento perante o mundo. Em relação a questão de pensar em suas atividades em função de contrariar aquilo que é colocado em relação ao público, à cidade.

significa a cidade? Por exemplo, o que vemos no cenário público, político e social do nosso país é que as pessoas estão indo à rua de forma ordenada e desordenada, elas sabem que precisam de alterações e mudanças, mas simplesmente falam: “educação”, “saúde”, “cultura”, preciso, eu quero isso! Mas o significado consciente do sistema complexo que envolve e ligam todas essas coisas existe?

O sistema vem trazendo às pessoas a possibilidade de utilizar e querer usufruir o espaço. O ponto dos condomínios e da relação que as pessoas acabam tendo com a “urbis” culmina na perda do significado do que é a cidade, aceitar e viver com o diferente, em fim. Em função do quadro em que vivemos, é possível afirmar que a sociedade sabe o que precisa, ou ainda tenha consciência do que

A Arquitetura está sempre muito sujeita a outras coisas, o que configura um de nossos grandes dramas. Como lidamos com uma escala muito ampla e que envolve uma série de condicionantes políticas, econômicas, culturais, entre outras, ela está igualmente sujeita a cada uma delas. Desse modo, podemos extrair uma questão crítica relacionada ao que podemos realizar e como podemos contribuir. Quando você pergunta se as pessoas sabem de fato o que querem, talvez elas não tenham e nem tenham que ter a consciência precisa do que significa e de como se pensa ou se desenha uma cidade. No entanto, estou certo de que mesmo elas não possuindo a consciência exata sobre esses processos técnicos, são plenamente capazes de dizer o quanto se sentem bem ou não, se algo é aprazível ou não. Basta perguntar hoje a qualquer pessoa em São Paulo sobre a relação que tem com a cidade. É uma relação muito crítica, uma relação de amor e ódio. Se isso é o que prevalece, algo não está bom. Por que tenho essa relação tão agressiva com o meu próprio dia-a-dia? Por que o meu desejo as vezes é comum? Acho que nosso desejos são diferentes, mas enfim...Numa rotina diária

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A Caverna A caverna é um romance português de José Saramago, publicado em 2000. Nele disseca-se, através da história de pessoas comuns, o impacto destruidor da nova economia sobre as economias tradicionais e locais.

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José Saramago Portugal, 2000. Foto: Google Imagens.

Fonte: Wikipédia

as pessoas se transladam de um ponto ao outro tentando fazer com que isso aconteça da maneira mais rápida possível, não querendo ver o que acontece nesse trajeto e se distanciando cada vez mais do que é a realidade da paisagem, essa realidade urbana simbólica em sua essência. Detectar isso é um sinal de que algo não está bem. Você pode ouvir uma pessoa e ela talvez não descrever de maneira absolutamente científica esse quadro, mas facilmente dirá: “eu odeio levar três horas para ir ao trabalho. Passo pela periferia e vejo uma paisagem assim, um indivíduo morando na rua sem nenhuma possibilidade de progredir. Do mesmo modo eu também não tenho nenhuma possibilidade de contribuir pois sou extremamente limitado nos meus recursos, trabalho para sobreviver. Não é necessário se tornar um especialista para se dizer isso, para se perceber esse tipo de coisa. Isso está em todos, assim como as coisas boas também estão. O que é triste e desesperador é notar essas questões se ausentarem e não serem mais percebidas pelas pessoas. Eis onde reside essa condição crítica. Onde, por exemplo, morando em uma cidade murada eu ache isso normal e não tenha mais a percepção de que, talvez, eu mesmo esteja passando a viver numa condição ‘murada’ e extremamente solitária. Quando minha vida é essa do trânsito entre condomínios e shoppings, alguma coisa está errada. É preocupante notar quando as pessoas não percebem minimamente essa condição em que vivem. Isso que é perigoso. É nesse momento que deve aparecer a capacidade de reflexão que devemos ter e que podemos encontrar numa infinidade de outros pensadores. O José Saramago tem um livro chamado “A Caverna”,

que fala substancialmente disso. Quando o li pensei: “esse é um livro para arquitetos”, pois fala fundamentalmente dessa relação entre individuo, sociedade e como o espaço que é construído ao redor dessas pessoas afeta invariavelmente o valor que elas denotam à própria vida e às suas próprias relações. Como já disse antes, as pessoas são levadas a não pensar sobre isso. Inclusive, não se deseja que elas reflitam mais, e quando vemos predominar este tipo de coisa, revelam-se perigos extremos. No fundo, esse sintoma que, talvez, seja hoje dos mais preocupantes e emergenciais a serem cuidados, não é o de mostrarmos às pessoas o que é uma cidade ideal ou como se deve viver. Não. Acredito que o mais importante seja fazer com que, minimamente, elas se lembrem dessa questão, pois não é algo novo. Basta, as vezes, serem lembradas de experiências que elas mesmas tiveram e tem com cidade e que, inconscientemente, serão capazes de revelar a importância desse bem-estar. Fala da arquitetura como ponto de inflexão... Sem dúvida nenhuma. E de influência. Ou seja, quando vamos a alguns espaços da cidade de São Paulo onde enxergarmos a existência do coletivo, da possibilidade de se encontrar fora, na rua, conviver no acaso, esbarrar com uma pessoa ali, ver uma manifestação cultural ou política. Você poder viver as árvores que ali estão sombreando, esses são acasos de importância. Não temos isso dentro de um shopping, isto não faz parte de um contexto que ali existe. Falo em shoppings porque me lembra exatamente da questão que o Saramago coloca nesse Livro.


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É preocupante notar quando as pessoas não percebem minimamente essa condição em que vivem. Isso que é perigoso.

ARQUITETURA COMO PONTO DE INFLEXÃO E INFLUÊNCIA

Ele o chama de um “grande centro” onde se tem tudo, mas tudo é artificial, tudo é condicionado, tudo é programado. No fundo, revela-se uma necessidade de fazer com que as pessoas se lembrem desses valores naturais. Isso é muito intuitivo e tem muita relação com a percepção que as pessoas tem do mundo. Além disso, é muito difícil você presenciar pessoas que não se sintam bem em lugares e espaços como esses. A cidade realmente carece disso. Cada vez mais vemos o predomínio de outros valores e isso começa a fazer nascer uma espécie de margem. A Avenida Paulista é o nosso centro simbólico de manifestações e de momentos onde queremos falar sobre o coletivo. Por que isto acontece na Paulista? Por que não acontece no Centro ou no Vale do Anhangabaú, um espaço que simbolicamente, dentro da estrutura da cidade, é ou deveria ser mais significativo e importante. Esse tipo de reunião nos fala um pouco sobre todas essas coisas, temos que pensar sobre elas. Vindo para cá hoje, passei por um prédio que está construindo a sua quinta laje e que terá vinte andares. Um edifício próximo à Avenida Nove de Julho e por onde passo quase todos os dias. Já havia visto imagens deste projeto e percebido a sua escala. Mas, agora que essa coisa está subindo, percebi que daqui a pouco não vou mais conseguir ver o céu daquele lugar. É uma fresta onde é possível se ver, minimamente, de que lugar vem a luz. Onde se pode ver o céu. Onde se pode ter o mínimo de respiro em relação ao que é o nosso olhar. Vindo para cá me dei conta de que em breve essa sensação irá desaparecer. Nossos trajetos pela cidade se revelam extremamente críticos neste aspecto, onde cada vez as coisas mais

se saturam e nos enclausuramos ao perdermos esse tipo de relação. Já não temos horizonte em São Paulo. Quando subimos em um edifício e enxergamos a uma distância de três quilômetros, é algo espantoso pra nós. O olho muda. Nossa vista descansa. E já não encontramos isso por aqui, é muito raro. É preocupante continuarmos vendo essa sensação cada vez mais comprimida e suprimindo, pouco a pouco, o que são nossos convívios, nossas percepções. Daí surge a questão da paisagem, uma paisagem construída, que faz parte de nossa compreensão e que também nos possibilita a vida. Um lugar onde tenho minhas atividades e minha mobilidade entre as coisas que faço. Mas o que acontece nesses meandros? O que acontece entre uma coisa e outra? Assim como em várias outras cidades do mundo as estruturas de transporte de massa são necessárias em função da escala e do número de pessoas que encontramos vivendo juntas. Mas o que é um percurso de metrô? O que realmente significa? Aquilo é quase uma cápsula de teletransporte! Você entra em um ponto e sai em outro sem ter a menor noção sobre o que aconteceu no meio do caminho. Ela é fundamental pra nossa condição contemporânea, mas o que acontece quando você está fora dessa cápsula? O que você encontra? Acredito não ser possível vivermos em um contexto onde tudo é assim, fechado, onde você não tem uma relação de consciência sobre o que está fora, sobre o lugar onde você passa a maior parte do seu dia. É realmente necessário que exista a ideia do acaso. Deve existir o mínimo de fração de tempo para que possamos nos sentar em um banco de uma praça e olharmos, seja para a arquitetura ou para


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Marquise do Parque do Ibirapuera, Oscar Niemeyer, 1954, SP.

as pessoas. Acredito ser aí onde encontramos a Arquitetura. Ela, sem dúvida, faz parte disso como um tipo de paisagem. Uma paisagem não só para ser contemplada, mas, principalmente, para ser vivida. Onde as coisas acontecem? Adianto-me à uma de suas perguntas: A arquitetura existe antes de ser construída e de que modo?! Creio que arquitetura existe no olhar das pessoas, não só por meio da construção física e real do que a configura como edifício, mas como a construção simbólica de um lugar para que as coisas aconteçam. A arquitetura é um lugar, é ela que funda essa condição, e o faz de modo coletivo. Por isso ser tão importante a relação que temos com a cidade, pois não são um ou dois edifícios que a compõe, mas todos que existem. Portanto, tudo isso constrói “lugar”. É essa a dimensão da nossa responsabilidade. É essa a intensidade com o qual influenciamos a vida do outro. Se deve existir um aspecto primário em tudo que se pense ele é a ideia da memória. Se inicialmente estávamos falando de referenciais, se temos ou não cada vez menos pontos de referência, sejam eles de inflexão ou influência e que nos situem um pouco no tempo e no espaço, devemos lembrar um pouco das nossas próprias experiências. Quais são elas? As coisas sempre carregam uma noção de tempo, um “quando” e, também, um “onde”, um lugar onde as coisas sucedem. Assim, o lugar é Arquitetura. Ela é concebida através de algo mais do que um pensamento arquitetônico, mas também através de uma existência arquitetônica. Acabo de falar sobre a Avenida Paulista. O que ela é? Antes,

ela não acontecia ali. Inicialmente, aquele sítio era apenas o topo de uma colina natural, uma situação geológica. Mas, ao longo de cem anos, essa situação foi transformada num lugar a ser apropriado pela sociedade, pelo ser humano, seja por uma pessoa que ali caminhe sozinha e observe seus edifícios, seja pelo o acúmulo de grandes massas que vão ali falar algo, potencializado, por exemplo, pelo vão do MASP que, além disso, preserva a ideia de olhar pra várzea o horizonte da cidade. Portanto, por que isso acontece na Avenida Paulista? Porque ela foi e continua sendo construída há mais de 100 anos. Isso implica numa ideia de memória, numa ideia de referenciais dentro de nossa própria existência. Referenciais de como eu me formei, o que é ou não importante pra mim, o que gosto ou não gosto, o que me faz sentir bem. A ideia de memória é de extrema relevância quando nos damos conta de um contexto contemporâneo onde a última coisa que se quer é a persistência de algo, pois se tenho um carro hoje, sou estimulado constantemente para que no ano seguinte tenha outro mais novo, assim como uma simples camiseta ou um tênis. Perante isso, o que é o mais preocupante é como isso afeta as pessoas perante elas mesmas, fazendo com que troquem tudo, inclusive até a si mesmas. Isso é perigosíssimo. Anula-se a ideia de memória e de permanência tornando tudo muito frágil. Como eu falei no começo, a Arquitetura é sim um ponto de referência e um ponto de permanência em toda essa história que construímos durante nossas vidas: passar por um lugar quanto se tinha dez anos e voltar a fazê-lo com vinte ou trinta anos e se lembrar disso. Talvez esse lugar não seja o mesmo,


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Foto: Google Imagens.

mas você esteve ali, assistindo, vivenciando e participando de sua transformação. É quando isso acontece que temos Arquitetura. Ela faz parte desse espectro, dessa configuração da memória da vida de todos. Por isso a ideia de como a Arquitetura se comunica com as pessoas é muito importante. Como ela se torna edificada e como as pessoas se apropriam de sua presença. Em São Paulo temos exemplos belíssimos disso. Os edifícios históricos, por exemplo, se olharmos para o Teatro Municipal, o Viaduto do Chá, a Praça da República, cada um deles é um referencial para muita gente, pessoas que os vivenciaram. Eis mais uma questão a ser colocada: o que queremos que as pessoas vivenciem enquanto estejam num lugar? Isso não implica em determinar o que elas vivenciarão ali, mas permitir que elas mesmas decidam o que querem viver ali e que possam viver algo bom. Você está como arquiteto oferecendo as possibilidades... Acredito que sim, a leitura é um pouco essa. Podemos oferecer oportunidades desse tipo de experiência. Quando visitamos a Marquise do Ibirapuera e notamos sua simplicidade, o que isso significa? É uma mera cobertura. Mas, diante do absoluto predomínio dos fenômenos naturais aos quais estamos submetidos, ela é a mais perfeita definição da ação mínima e elementar de um ato de projetar. Se chove ou se faz sol, ela está lá. É a essência do que é a Arquitetura: a ideia de acolhimento. A Marquise é um abrigo, só que dentro disso ela apresenta uma infinidade de oportunidades. Isso que é mágico. Será que o Oscar Niemeyer

teria pensado que, a partir de um determinado tempo, ali poderia haver uma série de pessoas andando de patins ou skate? Seguramente não pensou nisso, não especificamente, mas talvez tenha buscado imaginar um lugar que pudesse acolher, precisamente, o imprevisível. Um espaço que fosse mais aprazível tanto para uma pessoa como para todos! Portanto, a sua Arquitetura se torna um suporte, um meio para que a vida aconteça, para que o encontro aconteça. Não há nada mais maravilhoso do que a assistir isso que estamos falando em lugares como esses. Às vezes são pessoas ao redor de espelhos d’águas, sentadas em cadeiras e bancos olhando umas para as outras, uma lendo um livro, outra uma criança brincando, outra um velhinho que ali vai tomar um pouco de sol pra se sentir bem. Ou seja, que espaços são esses? Por isso que nessa leitura a noção social das coisas é igualmente importante. Alguém pode ser capaz de ir a um lugar desses e perturbar essa condição, indo contra ao que ali é proporcionado. Alguém que queira contrariar essa dinâmica será recebida de outra maneira pelos demais. Não é dessa maneira que se poderá alcançar a oportunidade de se construir esse lugares, esse convívios. Imediatamente isso se transfere para o interior dos edifícios. O que acontece quando essa memória a que estamos nos referindo como urbana, coletiva, pública, ampla, se traduz para uma escala menor? É a mesma coisa! Onde você viveu quando tinha cinco anos? Como era a sua casa? Como eram os dias? Que lembrança tem daquilo? Que memória preserva? Isso é determinante para a construção do significado de seu espaço de vivência, sua casa, o lugar onde reside e que, digamos assim, é seu lugar


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(...) talvez tenha buscado imaginar um lugar que pudesse acolher, precisamente, o imprevisível.

no mundo. Até o momento em que passa a ter experiências singulares, quando começa a se formar dentro de uma escola ou a partir de eventos específicos, seja quando vai a um teatro, um museu, um circo, etc, tudo isso já configura uma outra escala referencial, mas que ainda nos faz continuar falando sobre lugares. Um quarto é um lugar, um lugar seu e que também tem atrelada uma ideia de memória, de construção dos sentidos que temos. Isto é Arquitetura. Voltemos a nossa realidade paulista onde imperam os empreendimentos imobiliários nos folhetos de jornais. Que lugar é oferecido para as pessoas criarem seu próprio universo? Como essa ideia de construir um lugar, independentemente de seu tamanho, de como seja, de onde esteja, ajuda a nos tornar mais humanos, de modo a compreendermos e criarmos um certo sentindo para a nossa vida? Que espaço é esse? O que será dessa criança que não pisa na rua? Porque ela sai do condomínio, vai pra escola, volta e vai para o shopping. Ela não conhece a rua. Então, que universo esse indivíduo possuirá quando ele tiver quinze, trinta, quarenta anos? Isso é muito preocupante porque para o sistema do consumo, para o predomínio dos valores econômicos e capitais isso não interessa, não é a prioridade. É isso que, nas últimas décadas, estamos desesperadamente tentando mudar, tentando fazer com que não desapareça. Claro que isso faz parte de nosso contexto de crescimento, sem dúvida também questionável, mas existem pessoas e essas pessoas tem que morar, tem que viver. No entanto, como fazer com que isso aconteça de maneira mais digna? Por mais que essas pessoas não tenham essa consciência, todas continuam sendo afetadas pelos lugares

em que vivem. Eis a oportunidade exata do quanto e onde que podemos contribuir. Isso nos leva a entrar numa questão muito relevante de como a Arquitetura é sujeitada a uma série de implicações e que, para além de nossa predisposição, vontade a responsabilidade sobre isso, às vezes nossa capacidade de ação é muito pequena diante desses outros elementos. Mas, ainda que ela possa ser intimidada por isso, acima de tudo, é a persistência que fará com que nós, grandes colaboradores dessa reflexão toda, jamais nos acomodemos. O sistema é lento, suas condições são complexas, temos que nos manter fortes em relação a essa posição, sempre com critérios muito firmes de otimismo e esperança capazes de nos moverem adiante. Devemos pensar que a cada dia vamos construindo alguma coisa, colaborando de alguma maneira, não só através do que é uma construção, mas por meio das conversas com as pessoas e do contágio que o nosso pensamento de arquitetos propiciar nesse aspecto. Retomando algumas questões que discutimos, podemos nos perguntar: a Arquitetura existe antes de ser construída? Arquitetura é só aquilo que é construído? Acredito existir também o pensamento arquitetônico, uma postura que pode fazer parte desse contágio. Também podemos fazer com que as pessoas mudem ou entendam as coisas de outra maneira ao mostrarmos exemplos do que temos na cidade. A coisa não é tão abstrata assim. Temos lugares maravilhosos em nossa cidade. A questão é entender e saber como olhar. Compreender como, de fato, aquilo pode fazer parte de nosso cotidiano. Isso faz parte do que é o exercício da Arquitetura,


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Que a Arquitetura se torna plena quando passa a existir concretamente não há dúvida, mas tudo que vem antes disso também faz parte dessa construção: o pensamento e a intenção arquitetônica. nosso posicionamento como pensadores, como pessoas que querem compartilhar um certo entendimento que, por sua densidade, pode ser muito lúcido. Temos um privilégio muito grande de falarmos sobre essas coisas, de estarmos preocupados com elas e de querer fazer com que esse contexto mude e melhore. Muitas vezes nossas proposições não se concretizam fazendo com que a Arquitetura não alcance o âmbito da realidade como prova construída e materializada. Que a Arquitetura se torna plena quando passa a existir concretamente não há dúvida, mas tudo que vem antes disso também faz parte dessa construção: o pensamento e a intenção arquitetônica. Mesmo sendo somente projeto é capaz de construir reflexões muito profundas. Talvez sirvam para outros influenciando como uma referência ou investigação. Uma pesquisa para outras pessoas que vão se apropriar daquele projeto e dizer: que excelente pesquisa fez, agora podemos dar mais um passo! E, quem sabe, esse próximo passo seja a sua realização, sua materialização e construção. O importante é ter claro que esses projetos também constroem memórias. São pensamentos, reflexões. Acredito que a Arquitetura existe sim em inúmeros âmbitos, não só o da construção edificada ou materializada, mas também na postura do arquiteto, na influência que tem sobre tudo aquilo que o envolve, seja no âmbito da cidade, da vizinhança, das ruas, das pessoas com que convive, do exercício diário do ensino da Arquitetura e também da postura mais propositiva de se concentrar em propostas projetuais que talvez não saiba se serão realizadas ou não, mas integram o pensamento. A História da Arquitetura mostra a importância

que tem essa nossa inquietação, de não só esperarmos aquele convite para contribuir mas, pelo contrário, estarmos a frente disso. Nosso caráter de proposição tem que ser muito mais atrevido nesse aspecto, deve ser mais amplo e predisposto. Acredito que no momento em que estamos fazendo um projeto, tendo discussões, surge uma questão importantíssima que é a da coletividade. A Arquitetura deve se abastecer muito de outros conhecimentos. Isso nunca foi tão possível quanto hoje através da acessibilidade às formações, informações e comunicações que temos disponíveis. Mas a primeira convicção é a de que nós não podemos pensar as coisas somente a partir do nosso próprio conhecimento. Ao contrário, temos que ter uma série de companheiros dentro dessa nossa discussão, todos contribuem, todos são imprescindíveis e fundamentais. Precisamos dessa postura colaborativa, de um coletivo dentro e fora da Arquitetura, ou seja, um coletivo onde seria muita pretensão, você como arquiteto, imaginar ser capaz de pensar tudo sozinho. Mesmo porque isso talvez nem seja interessante. A Arquitetura suscita diálogo. A Arquitetura é diálogo. Ela é uma troca, uma reflexão sobre visões. Então que se faça isso dentro da arquitetura, entre arquitetos e também com uma equipe muito maior. Não existe projeto que se desenvolva sozinho, que se conceba de uma maneira solitária. Isso pode ser empobrecedor para um processo que clama por muito mais cabeças, por muito mais visões, discussões e,acima de tudo, reflexões. Há uma necessidade de que o mundo seja ouvido, interpretado, acolhido por nossas intenções. Todo o aparato que está fora da Arquitetura devemos fazer com que faça parte


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A Arquitetura suscita diálogo. A Arquitetura é diálogo. Ela é uma troca, uma reflexão sobre visões. dela. Por outro lado poderíamos dizer: Não, isso não é necessário, isso não faz parte de nosso pensamento, mas pelo contrário, adoraria contar com visões de filósofos, sociólogos, antropólogos, para tudo o que fazemos. Seria extremamente enriquecedor. Esta consciência já temos. Nessa construção da resistência da dignidade humana que você coloca, acha que a faculdade, a universidade... Essa construção do conhecimento acadêmico, hoje corresponde a essa construção, ela reconhece essa leitura multidisciplinar complexa que você coloca? Outro ponto, você disse algo sobre além da paisagem construída, acha que o arquiteto deveria ser mais político como atuação, não como parlamentar, o ser político como uma frente de atuação e de influência? Ainda, que lugar da linha do processo político social você acha que o arquiteto deve se colocar hoje para se ter uma arquitetura propositiva contribuindo com a cidade, deve permanecer no fim da linha dando forma a algo já discutido que se deseja em quanto arquitetura e urbanismo? Na verdade é um conjunto de coisas. Estamos falando sobre dois âmbitos: o primeiro é o da educação e o segundo o de quando ela passa a ser exterior, colocada à prova em um campo de realizações. Quanto ao primeiro, acredito que a formação do arquiteto está sempre em um território parcial, e isso não apenas no Brasil ou em São Paulo. A que se dedica essa formação de pessoas? Estamos falando objetivamente do arquiteto, mas poderia se aplicar a uma série de outras práticas. Como falamos ao longo da conversa, algo importante nesse aspecto é

Quem está sendo preparado, que não seja para ser mais um, uma ferramenta, um elemento, um operário dessa enorme máquina. Pelo contrário, deve ser preparado para intervir nisso, para que se, essa máquina tiver de parar, que pare. que existe um contexto predominante, existe um contexto que determina uma série de condições a serem estabelecidas: quem está sendo formado e se iniciando nesse universo, está sendo preparado para depois atuar. Logo, que não seja formado sob a óptica dos sistemas vigentes de modo a atender a demanda de suas condicionantes. Quem está sendo preparado, que não seja para ser mais um, uma ferramenta, um elemento, um operário dessa enorme máquina. Pelo contrário, deve ser preparado para intervir nisso, para que se, essa máquina tiver de parar, que pare. Ou seja, essa formação universitária deve ser pautada pela reflexão. Não pode ser uma formação cega, como uma resposta ao mercado que é extremamente predominante pelo que sabemos. Seja quem for, estamos todos sendo preparados para um mercado de trabalho que nos recebe de braços abertos, para fazer o que lhe convir. Lógico, é o que querem aqueles que estão por trás dessas dinâmicas. Mas não é isso que temos que fazer. Temos que questionar o que é esse mercado, isso chamamos de mercado de trabalho, que no fundo é esse grande sistema do qual falamos. O que essa condição dada e estabelecida realmente significa? Qual é o seu significado político, social, cultural? Ou seja, ela tem que ser constantemente modificada, questionada. Foi assim que aconteceu há cem anos e o que acontecerá continuamente. Sempre vivemos em um universo em mutação, presenciando transformações que devem ser positivas, que sejam respostas ao interesse comum. Agora, se saímos como mais uma ferramenta cega para esse universo não estaremos formando humanistas, não estaremos formando pessoas


Ele deve ser formado como um indivíduo social, um indivíduo que, através do saber da Arquitetura, vai contribuir com o que é o coletivo, com o que é a sociedade, ele deve estar muito preparado, estar com os olhos abertos para enxergar o que existe fora. que irão pensar sobre o mundo ou querer contribuir segundo uma ótica mais consciente. Não, estaremos formando mais peças e não é isso que tem que acontecer. A ideia de academia e universidade não se fundamenta sobre isso, mas sobre uma consciência filosófica sobre o mundo. A pessoa que entra numa universidade não o faz para ser doutrinada, mas sim para contribuir com essa construção maior que qualquer instituição. A faculdade é, acima de tudo, um contexto de conversa e diálogo onde todos são ouvidos e do qual se extrai reflexões e não conclusões. É daí que se originam novas propostas, ideias, interpretações sobre as questões que nos circundam. Acredito que essa tenha que ser nossa estrutura balizadora. Não se deve formar o arquiteto apenas como técnico, um técnico em arquitetura, não é isso. Ele deve ser formado como um indivíduo social, um indivíduo que, através do saber da Arquitetura, vai contribuir com o que é o coletivo, com o que é a sociedade, ele deve estar muito preparado, estar com os olhos abertos para enxergar o que existe fora. Tem que reconhecer aquilo que apresenta riscos a esse processo, aquilo que as coisas verdadeiramente são e aquilo que se encontra por detrás das imagens que vemos. Nosso olhar deve ser muito aguçado, muito atento, não pode ser intimidado, não deve ser neutralizado logo de cara. Talvez isso aconteça com muitos por uma série de motivos – não inteiramente condenáveis – que acabaram por ceder ao sistema. Mas, para além disso, existem razões para que possamos optar e, minimamente, ter o direito e a propriedade de, conscientemente, expressar o que queremos, escolher qual caminho seguir. Talvez seja aquilo que traga

prazer a uma pessoa, contribuindo para certo tipo de exercício, ótimo! Agora, ela está consciente disso, sabe qual é a consequência desse fato. Se optar conscientemente, não podemos julgar, pois teve a liberdade e a consciência de fazêlo. Agora passamos a ter que questionar outras coisas, as razões que a levaram a escolher isso. Mas, minimamente, ela deve poder decidir sobre essa questão, enxergar a respeito do que temos nesse universo da Arquitetura. Existem inúmeras maneiras de pensar Arquitetura, sabemos disso. Junto a isso, existe a questão da política que é igualmente importante. Acredito que o arquiteto deve se envolver no âmbito político, onde ele também não é único. Não adianta, se o mundo fosse inteiro de arquitetos, o mundo não seria melhor. Isso é outra pretensão demasiada. Não é que os arquitetos tem que dominar o mundo e que somos grandes pessoas que compreendem tudo e podemos dar resposta a tudo. Mas podemos sim contribuir, sem dúvida nenhuma. Temos que participar dessa construção política das coisas. Essa construção política também detém mais de um âmbito e não só o âmbito do poder. Vivemos atualmente uma amplificação dessa esfera de participação do arquiteto. No Brasil temos casos de arquitetos que se envolveram fortemente com a proximidade política e governamental, como temos agora na Secretaria de São Paulo. Isso traz uma esperança enorme de reflexões sobre essas questões que estamos abordando e, ao mesmo tempo, de intervenções políticas resultantes de ações projetuais, de ações de pensar o projeto, de construir. Enfim, isso também é política. Mas é uma dimensão da arquitetura que não se faz apenas através de um posicionamento efetivo nos órgãos de

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Mas os concursos são, no fundo, oportunidades que são buscadas pelos arquitetos e são extremamente amplas na sua atuação.

Você pode atuar nisso e nisso ser capaz de exercer ou evidenciar a postura política que o arquiteto talvez tenha que ter.

gestão. Não precisamos exclusivamente nos encontrar nesses lugares para se ter uma posição política. Quando você fala sobre ficar sentado esperando uma encomenda e que ela é fruto de um interesse prévio e condicionado, isso é verdade. A questão é como enfrentamos essa encomenda. Aí vem nosso posicionamento político. Acredito que essa seja uma questão de não apenas esperar que as coisas aconteçam. Nesse aspecto encontramos entra uma série de âmbitos dos quais podemos participar, sejam eles projetos voluntários ou concursos, oportunidades de optarmos entre contribuir para aquilo ou não. Lógico que se deve analisar qual é o concurso, em que condição foi concebido. Mas os concursos são, no fundo, oportunidades que são buscadas pelos arquitetos e são extremamente amplas na sua atuação. Há concursos de inúmeros tipos: desde um pequeno edifício até um plano urbano de grande escala. Você pode atuar nisso e nisso ser capaz de exercer ou evidenciar a postura política que o arquiteto talvez tenha que ter. Há outra possibilidade: o cliente privado, aquele que traz uma oportunidade de projetar. Obviamente ele tem as suas próprias premissas mas, assim como o estudante não é passivo aquilo que está entendendo como sistema, nós também não podemos ser totalmente passivos a um interesse privado que vai se impor sobre o interesse público. É isso que não deve acontecer. Muitas vezes acabamos por assumir uma série de embates, pois é onde exige a demonstração de nossa força de princípios, valores e prioridades. Em um texto que fala de uma forma muito interessante sobre as condições que temos para calcar nossas oportunidades, Rafael Moneo diz que, as vezes, podem acontecer de modo

muito interessante, onde se contemple não só o interesse privado, mas, principalmente o interesse público. Sim, isso é possível. Existe um processo árduo de diálogo, de mudança de opiniões e compreensões de como a ação que ali provém de uma iniciativa privada pode ser ainda mais rica se ela se abrir ao interesse público. Acredito que aí vem a atuação política, fazendo parte, agindo politica, social e economicamente. Como disse, não é um posicionamento fácil, mas sim um posicionamento que demanda essa coragem em relação a lhe dar com isso, de saber que haverá confrontos, recusas e que, muitas vezes, não se fundamentará. Mas acredito que nossos princípios devem se posicionar de uma maneira forte e buscar sempre o diálogo, o caminho de compreender as partes. É isso que o Moneo diz. No momento que tenho a oportunidade de construir na cidade uma ideia que pode ser benéfica e pública, não posso anulá-la por ser, inicialmente, de interesse privado. Não posso, pois como arquiteto, estaria virando as costas a essa oportunidade. Devo me predispor a entender as condições e a dialogar com essas pessoas que também fazem parte da construção da cidade. Observe do que é construída São Paulo, a maior parte é da iniciativa privada. É preciso estabelecer esse diálogo. Não é que vamos seguir exclusivamente aquilo que é colocado pelo interesse capital. Não é isso. Mas é importante que encontremos uma maneira de dialogar com essas pessoas e que disso surjam oportunidades, momentos em que a arquitetura apareça. Seja com o cliente, com a equipe ou consigo mesmo, quando o arquiteto cede à concepção própria do projeto em mente?


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Primeiramente é importante entender que a Arquitetura é um conhecimento construído coletivamente e não uma concepção absolutamente individual. A sua própria pergunta já anuncia uma mudança desse entendimento. Um século atrás essa pergunta talvez não fosse comum. Ela tem uma coerência com o século atual e com o modo que entendemos a Arquitetura hoje. Eu encaro de outra forma. Acredito que nosso trabalho é o de contribuir com um processo muito maior. O projeto excede a nós mesmos e à nossa concepção individual. Com isso, começamos a entender que, na condição contemporânea, se desejamos que essas ações sejam as mais precisas possíveis, é primordial que incorporemos a colaboração de outros em seus processos. A Arquitetura passa a ser pensada como algo multidisciplinar e plural, entendida como uma síntese de conhecimentos. Todo projeto de arquitetura invariavelmente possui uma estrutura plural definida por questões que vão além do aspecto de como se insere num determinado contexto. Temos uma série de outras dimensões relacionadas à cultura, à sociologia, à antropologia, etc. Estes são conhecimentos que devem ser agregados às intensões da proposta arquitetônica assim como outras questões mais pragmáticas e objetivas como as econômicas, políticas e estruturais de território onde está sendo intervido. A pretensão de que o arquiteto domina e sabe de tudo já foi superada. De fato, dependendo da escala do trabalho que se está realizando, a predisposição a um conhecimento amplo deve ser anunciada pelo arquiteto. No entanto, é importante que essa postura também exista mesmo em projetos

que não estejam trabalhando diretamente com, por exemplo, um sociólogo. Independente da escala, eu, como arquiteto, devo estar ciente da relevância destes conhecimentos e tentar, com discernimento, incorporar abordagens dessa natureza. Considerando os diferentes níveis de complexidade que existem, tanto nas escalas grandes como nas pequenas, o arquiteto é responsável por buscar uma síntese fundamental, muitas vezes realizada por seu amplo conhecimento ou por uma equipe multidisciplinar presente. O que você diz sobre a concepção e o desenvolvimento do projeto como ação coletiva? Quando a uma ideia começa a ser construída mentalmente ou num processo de concepção, existe sempre um fio condutor. Mas isso não tira a necessidade de uma equipe multidisciplinar e colaborativa. Desde sempre trabalhei em equipes nos processos de concepção arquitetônica. Isso foi algo que se tornou um hábito de trabalho e o continuo vendo como imprescindível. A Arquitetura é uma disciplina de reflexão, de pensamento. Pensar em fazer isso de modo solitário é possível e respeitável, mas para outros talvez seja mais interessante o diálogo. Pessoalmente sempre tive um envolvimento muito profundo com os lugares onde trabalhei e com quem trabalhei. Isso acabou se tornando a forma como penso o processo. Na estrutura de meu escritório isso já é natural: considerando que somos dois sócios, ao menos duas pessoas estão envolvidas na concepção das ideias, o que descentraliza o papel individual de um arquiteto e o transforma


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Desde sempre trabalhei em equipes nos processos de concepção arquitetônica. Isso foi algo que se tornou um hábito de trabalho e o continuo vendo como imprescindível. em algo ainda mais enriquecedor. É importante ressaltar que esse fato não exclui a existência de uma pessoalidade na realização do trabalho. Isso se manterá presente na produção. A ideia de um autor não se reconhecer num trabalho coletivo é muito questionável. Dependendo dos trabalhos as coisas vão crescendo ou não. Se trabalharmos em uma escala mais complexa, maior então será a quantidade de pessoas participando das decisões importantes. Isso é muito comum, inclusive em mudar a estrutura do escritório ao chamarmos parceiros externos quando fazemos concursos. Para mim esse convívio é muito importante e vital para que os processos de trabalho e de desenvolvimento resultem em algo bom. Esse período tão rico e intenso da produção de um projeto deve ser muito prazeroso, no sentido que deve ter por si só um gosto muito grande. O processo criativo tem que ser intenso e acabamos por fazê-lo através do convívio e da somatória de pessoas que, concebendo ideias conjuntamente e tornando o processo muito mais instigante. Existem momentos em que você tem que ceder, seja pelo gosto do cliente, orçamento, prazos, etc. O quanto isso é maleável e como você encara esses momentos de impasse? Isso é delicado. Temos que entender qual é o conteúdo que está sendo colocado em questão. Se logo no início do processo, quando começamos a lidar com a parcela que o está originando e solicitando e quando são determinadas algumas preferências e necessidades por parte do cliente, existirem aspectos que vão contra a postura ética daquilo

que entendemos por Arquitetura, estaremos diante de uma condição bastante crítica e pela qual jamais poderemos nos deixar dobrar. Isso é um grande balizador das decisões. Por exemplo, se em algum momento me for solicitado pelo cliente algum critério de projeto que não tenha qualquer sintonia com o que penso, é preciso interromper, pois não posso ir contra aquilo que entendo que é a Arquitetura. Nesse momento existem dois caminhos ou diálogos possíveis: o primeiro é o arquiteto entender aquilo que está sendo dito pelo cliente e não exercer uma postura deliberada, o segundo é o cliente compreender o diálogo que está sendo buscado pelo arquiteto se predispondo a outro ponto de vista. Às vezes o acordo não se faz possível, pois os objetivos são muito discrepantes. Mas quando se faz, coisas muito interessantes podem surgir. O processo de aprendizado é mútuo. Então, não há mais como imperarmos numa visão absoluta do arquiteto idealista e não ouvir o outro. Esse processo de compreensão dos interesses e objetivos do outro passa pelo nosso processo de entendimento. É o ponto onde o projeto se transforma numa bifurcação. Se houver convergência tudo bem. Se não houver, o caminho se tornará frágil. Disso, nascem duas preocupações: será que não fui compreensível o suficiente e para onde essa oportunidade rumará. Pois irá seguir. Irá acontecer. Terá esse cliente entendido um pouco do valor das coisas que estão sendo colocadas? Será que naquilo que ele fizer depois disso, minimamente, será considerado todo diálogo que existiu? Acredito que o arquiteto jamais deva descartar a oportunidade de contribuir. Essa é uma situação muito extrema. Nunca passamos pela experiência de tomar uma bifurcação pelo


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Fundamentar-se a partir de como o projeto será enxergado num suposto sentido é muito arriscado e pretensioso. lado da fratura. Pelo contrário, sempre houve um diálogo muito grande e sempre foi muito rico. Tendo em vista a arquitetura propositiva, acadêmica, você acredita que o arquiteto projeta pensando na crítica ou não? Não sei, não consigo falar por todos. Posso falar por mim e digo que jamais! Essa é uma referência muito volátil e que não acredito que tenha que ser considerada num processo de concepção em absoluto. Fundamentar-se a partir de como o projeto será enxergado num suposto sentido é muito arriscado e pretensioso. Você condiciona acaba por condicionar o seu processo de criação através de valores superficiais, pois ele pode significar algo hoje e amanhã significar outra coisa, ou até mesmo nada. Nossa preocupação absoluta num processo de concepção deve ser a busca por uma construção embasada sobre valores que vão além da imagem do que alguém virá supor. Pelo contrário, deve ser a significação que aquilo construirá, o que o projeto significará para os outros e não para uma crítica intelectual ou teórica, embora isso também tenha a sua importância. Mas isso configura outro momento. No âmbito da concepção o importante é pensar o que aquela ação irá significar para uma Arquitetura entendida não apenas como uma instituição teórica ou como uma decorrência das questões contemporâneas. Sobretudo, o significado que a Arquitetura pode assumir para o indivíduo, para aquele por quem existe, essa é minha grande preocupação. A Arquitetura carrega uma questão fundamental, “a permanência das coisas”, algo muito delicado. Excetuando-se algumas abordagens contemporâneas a partir

das quais algo é feito para ser efêmero por definição, todas as demais sempre lidam com realidades que almejam permanecer. Qualquer construção tem por si mesma. Ter uma real consciência da consequência de nossas ações é muito importante. A preocupação que deve imperar é a do que ela irá significar hoje, de que maneira será lida diante das condições que enfrenta em nosso universo atual e como ela irá passar por um processo de transformação constante à medida que o tempo transcorre. A questão é: como dura a Arquitetura? Não é que ela tenha de ser a mesma durante toda a sua existência, mas como a dimensão do tempo atua na maneira como você pensa a Arquitetura e concebe um projeto. Além do mais, a leitura que se estabelece sobre uma obra é quase sempre inconstante. Podemos encontrar isso em vários âmbitos: naquilo que é imaterial e encontramos no pensamento – filosófico ou não - e no que é material, por exemplo, as manifestações artísticas. É fácil lembrar como essas questões estão sendo sempre revisadas, reinterpretadas e relidas. Pensamentos e ideias que vem desde a filosofia clássica grega são constantemente revisitados. É assim se analisamos qualquer obra filosófica. Em todos os tempos ela será sempre lida de inúmeras formas e a partir daquele contexto. Num certo momento pode significar algo e em outro pode constituir outra coisa absolutamente antagônica. E essa capacidade de interpretação pode ocorrer a partir de um mesmo indivíduo ou de diferentes pessoas. Essa forma de enxergar as artes e o pensamento deve ser levada para a Arquitetura da mesma forma e com a mesma intensidade. A Arquitetura, quando se faz materializada,


1902 - 1988. Guadalajara, México

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é uma manifestação compartilhada por uma coletividade. Ela é fundamentalmente vivida por todos a partir do momento em que existe. Diante das imprevisibilidades do tempo, não podemos garantir que uma obra seguirá sendo pertinente e relevante daqui a cem anos. No entanto, o que temos que buscar ao máximo é que seja pertinente no tempo de hoje, no tempo em que vivemos. Se assim acontecer, seguramente a sua permanência numa dimensão temporal mais dilatada será muito mais possível. Discutimos sempre a questão para quem é a arquitetura, você defende que ela é feita para o usuário e não diretamente para o mundo da arquitetura acadêmica, mas sim, essa discussão é resultado de um processo que tem como fim a qualidade em seu tempo e para o usuário que se destina. Na sua opinião o usuário interpreta a arquitetura ou ele só usa o espaço indiscriminadamente? Aqui entramos numa das questões mais belas sobre que é a Arquitetura. Houve um momento para mim muito significativo que me permitiu entender isso melhor. Foi quando me defrontei com um discurso do Luís Barragán do começo da década de 80 no qual ele falava sobre como enxergava a Arquitetura naquele momento. Ele apontava que haviam desaparecido dos textos de Arquitetura palavras como mistério, silêncio, solidão, emoção, expectativa, beleza, passando a se questionar sobre o que é Arquitetura se não enxergamos mais essas coisas. Onde está arquitetura se essas palavras todas não estão presentes? Isso teve pra mim um valor tão impactante que continuamente ainda penso

Cuadra San Cristó

nisso. Quando nos perguntamos se alguém compreende o que propomos, em que consiste exatamente essa compreensão da Arquitetura? A Arquitetura tem uma linguagem própria que muitas vezes só nós compreendemos. Acredito se originar um grande encanto quando a Arquitetura se depreende disso, não abrindo mão, mas indo além dessa indagação. Quem precisa ser arquiteto pra entender o que é um momento de emoção? Ninguém. Todos, inconscientemente ou não, somos contagiados por qualquer coisa que se relacione com a nossa percepção. A nossa maneira de enxergar e viver as coisas vai além de questões técnicas sobre como isso ou aquilo se torna possível através da Arquitetura ou sobre a pertinência de suas características com relação aos valores e princípios que regem aquela obra. Por que hoje não construo uma pirâmide e sim um edifício que almeja ser mais condizente com a nossas condições atuais? O “Zeitgeist” que tanto ouvimos falar na filosofia tem uma relevância muito grande como postura e princípio ao nos mostrar o quanto precisamos ser conscientes de nosso tempo. Não significa que precisemos nos restringir a ele, mas precisamos compreendê-lo. Além disso, a Arquitetura é capaz de falar por si mesma. Ela se manifesta e, naturalmente, se relaciona com as pessoas pela sua própria existência e realidade. No fundo, uma definição do que pode ser a Arquitetura é aquilo que queremos que as pessoas leiam e sintam no momento em que vivenciam o espaço que concebemos. Será que gostaríamos que, invariavelmente, alguém entenda que aquele é um edifício que carrega influências da arquitetura moderna alemã bem como da contemporaneidade proveniente dos


óbal, México, 1969

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Cuadra San Cristóbal, México, 1969

Campbell Divertimento Fountain, Barragán + Raúl Ferrera, Los Angels, 1987.

princípios de um arquiteto como Jean Nouvel? Ela não precisa saber disso. O que importa é que aquele espaço provoque nessa pessoa um momento de experiência e de vivência capaz de instaurar nela uma memória e de contribuir para que possa construir a sua própria história. Um momento de referência, a criação de uma memória através da qual o indivíduo, ele próprio, constrói a sua existência e a sua experiência. Lembre-se de qualquer momento de sua vida. A Arquitetura estará lá. O que a Arquitetura influenciou naquele momento? Nós, como arquitetos, talvez consigamos estabelecer um pensamento sobre isso e, se por um momento, percebermos que aquilo que projetamos pôde ser capaz de fazer com que algum indivíduo constituísse ali um momento de sua vida, isso sim é de um valor muito grandioso e que traz um verdadeiro sentido ao que fazemos. O Oscar Niemeyer define isso de maneira elementar quando afirma que, diante de seus edifícios, ao menos por um momento aquela pessoa teve uma experiência sobre o que é único e o que é belo. Existe alguma ‘função’ mais importante do que essa? Imagine o significado disso para essa pessoa. Ou seja, não é você como arquiteto que determina algo. Ao contrário, você torna possível que as pessoas criem os referenciais de sua própria existência. Essa presença da Arquitetura estabelece uma relação de significado muito grande por meio do que constrói como memória e pela singularidade de sua experiência. Coloquese no Eixo Monumental de Brasília. Aquilo se torna um ponto de referência nas suas experiências. Torna-se um momento balizador. Um aspecto importante é que os espaços que concebemos permitam o acaso, proporcionando memórias

individuais e coletivas para quem os vivencie. Que eles proporcionem à vida e às relações humanas como um todo, o valor do imprevisível, da experiência do coletivo e, consequentemente, da ideia de memória. Isso encerra uma ideia muito vinculada ao pensamento que nos conduz hoje. De modo muito impactante e lúcido o José Saramago diz de que cada vez mais vamos nos sentir perdidos entre nós e, também, de nós mesmos. O mundo ruma para esse caminho, para a falta de sentido. O que traz sentido à nossa própria existência? Como construir esse sentido? O que ele significa? Essas questões são muito importantes. O que nos tornam estáveis? Nossa cultura é sempre pautada pelo novo, pelo prazer efêmero, pelo súbito e pelo que acontece naquele instante. Se vivemos numa constante sobreposição, superação, anulação daquilo que foi anteriormente, o que resta quando olhamos pra trás? O que temos e podemos tomar como uma base minimamente sólida e densa que seja capaz de nos fazer entender o caminho que trilhamos e o que vamos construindo como significado para um suposto momento futuro. Hoje nos encontramos num plano absolutamente frágil e crítico, numa situação de profunda falta de consciência do que é a nossa existência. Essa é uma das razões mais fundamentais que nos deve fazer pensar em como a nosso ofício de arquiteto pode contribuir para que isso seja minimizado, para ajudarmos aos indivíduos a criarem certas referências nesse turbilhão desmedido de coisas que fazem com que, ao final, não enxerguemos nada. Você citou Barragán nos anos 80, que falava da falta das palavras como solidão,


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O que é uma parede que lhe faz olhar pra cima, que lhe faz parar, que lhe faz perguntar sobre o que está fazendo ali? O que é isso? O que significa? O que posso dizer é que há pausa e é emocionante. mistério, incerteza, na arquitetura, elas têm um peso negativo e no entanto, talvez gerem resultados positivos. Hoje, 30 anos depois, falamos muito de otimismo, principalmente na Escandinávia, isso é uma linha muito contrária ao que víamos antes, o que você acha disso? O otimismo na Escandinávia talvez exista, mas quão lúcido pode ser esse otimismo? Para qualquer um que tenha a mínima noção do que é o mundo hoje é difícil falar em otimismo absoluto. É imprescindível termos a consciência do que é a nossa realidade hoje, definida como uma “aldeia global” no sentido de uma humanidade independente de fronteiras culturais ou econômicas. Uma condição muito extrema em todos os seus âmbitos, desde a fome até os valores instaurados. Essa realidade é trágica. Porém, isso não deve aniquilar o nosso otimismo. Particularmente, continuo acreditando muito no que é a humanidade, em sua capacidade de pensar, fazer e rever coisas. Quando Barragán cita essas palavras, não interpreto sua atitude como algo pessimista em relação às experiências humanas. Talvez esteja apenas tentando se aproximar mais do indivíduo singular e solitário, do ser humano como alguém absolutamente só, sendo esta uma condição extremamente difícil de ser admitida. Isso é algo sobre o qual a filosofia fala muito. Eu jamais poderei sentir aquilo que o outro sente, seja um sentimento bom ou ruim. Você pode me descrever uma felicidade enorme que esteja sentindo, mas jamais sentirei essa mesma felicidade. Isso é impossível porque o que o impede é exatamente esse distanciamento fundamental que existe entre dois seres existentes. Acontece que

Las Arboledas. Cidade do México. Barragán, 1962

somos fundamentalmente solitários em nossas vivências e em nossas existências. Em minha opinião, uma das coisas que o Barragán comunica através de sua arquitetura é sobre o quão importante é conhecermos e admitirmos essa condição. Não tomá-la como algo ruim, mas sim como algo com o qual precisamos apenas saber como lidar. Não enxergamos, mas, essa condição pode fazer com que nos tornemos mais distantes um do outro e, consequentemente, menos humanos – algo que necessitamos ser cada vez mais. Talvez fazer Arquitetura seja fazer com que o outro olhe para si mesmo, seja isso realizado consciente ou inconscientemente. Isso foi algo que Barragán buscou em suas obras. Particularmente tenho uma experiência muito significativa que direcionou meu pensamento nessa direção. Quando morei no México tive a oportunidade de visitar uma obra dele chamada “Las Arboledas”: um grande plano de ocupação nos arredores da Cidade do México que, ao final de um eixo de um quilômetro com grandes e belos pinheiros, ele levanta um muro branco de aproximadamente quinze metros de altura e que faz com que, ao final de uma longa caminhada nessa bela paisagem, você se depare com esse monólito absoluto. O que é uma parede que lhe faz olhar pra cima, que lhe faz parar, que lhe faz perguntar sobre o que está fazendo ali? O que é isso? O que significa? O que posso dizer é que há pausa e é emocionante. Acredito que o que a Arquitetura deve transmitir pode ser conseguido de inúmeras maneiras. Barragán talvez tinha a ideia de falar que as pessoas não sentiam mais nada dentro de qualquer coisa onde estivessem, talvez fosse


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o que ele imaginava que a Arquitetura tinha que transmitir, ou seja, o sentido de estar ali, nesse caso havia uma maior preocupação em gerar artifícios para que as pessoas ao usarem o espaço sentissem experiências com o lugar onde se encontravam, como vemos na obra de Siza e Gregotti em seus textos sobre o Território, uma arquitetura orgânica por definição. Hoje há uma enorme preocupação de que a arquitetura seja por si só, através de sua imagem, algo impactante, que transmita uma ideia forte. Neste panorama em que âmbito sua arquitetura se encontra? Você tocou num assunto muito importante que é o valor da imagem. A Arquitetura pode transmitir inúmeras coisas por si só. Se houve uma mensagem conclusiva a partir das reflexões instauradas pela Pós-Modernidade que aconteceram na segunda metade do século XX é que a Arquitetura deve se preocupar sobre como se comunica com o indivíduo, pois, invariavelmente, significará algo para ele. O modo como isso acontece na cultura contemporânea é muito perigoso, pois o que presenciamos é uma exploração desmedida da iconicidade das coisas, um excesso de “arquitetura espetacular”. Pense no significado que essas coisas constroem. Estamos saturados desse espetáculo. Ao longo das duas últimas décadas a Arquitetura tem sofrido absurdamente por sua vulnerabilidade àquilo que pode representar: grandes símbolos, grandes marcos, grande expressões. Mas qual a sua profundidade. Símbolos que dizem o quê?! Essa é uma reflexão que precisamos fazer. O contexto contemporâneo potencializa em muito o predomínio de coisas pensadas para serem

feitas o mais rápido possível e sem grandes critérios para além dos efeitos e impressões que aquilo terá naquele momento. Impera o furor que sua expressão causará. Sem dúvida, a crise do ocidente e a sua proximidade atual com uma economia oriental potencializada onde isso se dá como fenômeno de prosperidade, torna tudo mais grave. Mas e amanhã o que aquilo tudo irá significar? Mais crítico ainda é pensar sobre isso nos dias de hoje. Qual a pertinência disso tudo? De que maneira essas realizações vem sendo instauradas como instrumentos de controle, de exploração absurda do consumo e de preservação da força do capital como condição econômica e valor que deve imperar sobre tudo e todos. Qual a moral por trás disso? Não que tenhamos todos que fazer uma Arquitetura pautada pelo silêncio e pela aversão a qualquer qualidade espetacular. Não defendo que deva existir uma única linguagem arquitetônica, pelo contrário, essa diversidade deve fazer parte do nosso processo de concepção. No entanto, o que não deve desaparecer é um embasamento filosófico extremamente sólido e profundo, responsável por orientar o que pensamos em prol da pertinência cada ideia possui em relação às condicionantes na qual fará presente. Em muitos casos se faz necessário que a Arquitetura seja autenticamente presente e protagonista, sendo às vezes até óbvio. Porém, em outras situações é necessário que ela desapareça e que sequer seja percebida. O que não podemos é submeter uma postura cautelosa de se pensar cada situação em sua singularidade a um predomínio onde tudo seja sempre extraordinário no sentido de resultar num espetáculo, numa aparição e num excesso de artifícios para que tudo se


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A primeira parte do complexo já foi construída, mas ainda tem por vir a sua etapa mais importante: o vazio, o espaço público por definição. Foto: Cortesia de Corsi Hirano AA.

transforme em símbolo. Em grande parte, os símbolos que criamos hoje são fugazes e superficiais. Eles simplesmente não duram. Pensemos nos motivos e nas razões que se encontram por trás desses projetos de excesso e desses grandes empreendimentos urbanos. Em grande parte as suas razões e seus objetivos não correspondem aos nossos como arquitetos. Nossas motivações e prioridades vêm sendo sobrepujadas pelos objetivos de outros. Então, se presenciamos alguma concessão nesses casos, é frequentemente uma concessão dos arquitetos a um interesse econômico e de consumo dessa mesma Arquitetura. Isso nos coloca diante de um fenômeno muito perigoso. Os projetos de seu escritório já começaram a mudar a forma de como olham vocês hoje? Acredito que não. Somos muito novos e ainda temos muito pouca coisa. O Tribunal de Goiânia, que é a nossa realização mais importante, é uma obra que envolve todas essas questões que estamos dizendo. A primeira parte do complexo já foi construída, mas ainda tem por vir a sua etapa mais importante: o vazio, o espaço público por definição. É algo que ainda está em processo que resulta difícil assimilar todos os seus aspectos. Essa é uma consequência da exposição que a Arquitetura carrega quando entendemos que nos expomos através de cada projeto. Ele é uma representação do que somos nós. Essa é uma reflexão que sempre me acompanha, ou seja, aquilo que faço é uma representação do que eu sou. Isso que me leva a pensar profundamente no valor de nosso ofício. Se a Arquitetura é uma representação

do que sou através de mim mesmo, então o que sou não deve ser unicamente para a minha existência própria. Pelo contrário, o que sou deve, imperativamente, superar a minha noção particular e restrita de indivíduo. Aquilo que somos como arquitetos deve existir para um âmbito exclusivamente público, assumir um significado maior do que nós mesmos. Isso é algo que está sempre em meu pensamento, em qualquer ação de projeto, em todo momento que penso sobre Arquitetura. Não é a representação de uma pessoalidade minha como expressão artística. Não é isso. O que existe de nós ali é uma expressão do que pensamos sobre o mundo. O que penso sobre o mundo é decisivo, o que eu sei sobre ele, o que conheço dele, o que entendo ou não, o que tenho por desvendar, como descobri-lo, como interpretá-lo, etc. Cada vez mais isso faz com que me preocupe em enxergar as coisas com um pouco mais de clareza e lucidez. Caso contrário, estarei sobre um território muito perigoso e, tendo a consciência sobre a responsabilidade por trás de nossas ações, não posso me permitir se assumir tal risco. Por essa questão de sermos muito novos e não termos muita coisa ainda realizada, sinceramente, não sei como essas preocupações são vistas. É interessantíssimo visitar a obra e ouvir as impressões de pessoas, pois isso reflete aquela primeira questão que estava dizendo sobre o significado que a Arquitetura possui para elas. Às vezes você ouve comentários que jamais imaginaria, impressões que você jamais pensou sobre aquilo que projetou. Por exemplo, quando vou a Goiânia e peço a um taxista me leve ao Fórum do TRT e ele responde “aquele prédio tal e tal...”, Descrevendo-o como


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Foto: Cortesia de Corsi Hirano AA.

o sabe e a partir do que seu olhar fez com que significasse, é uma ocasião que resulta numa leitura muito amistosa com a qual devemos ser atentos e aprender cotidianamente. Em função do Tribunal e sua imagem que o edifício venha transmitir. É perceptível que o projeto foi pensado em 2 partes: a primeira uma caixa preta e a segunda uma caixa branca, isso tem algum significado simbólico, como se deu essa ideia? E mais, fazer um Tribunal criando um espaço público num trecho intermediário entre esses dois blocos, como essa ideia se deu, teve mesmo a intenção simbólica? Mais do que um símbolo, é um significado. Nós nos preocupamos muito em pensar sobre qual seria o significado dessa ação arquitetônica, sobre qual sentido estaria sendo construído através da presença da Arquitetura nesse lugar. Unimos algumas questões do conhecimento arquitetônico que o Louis Kahn define muito bem: a Arquitetura é uma instituição em si mesma assim como outras também são, por exemplo: uma escola é uma instituição, uma prefeitura, um parque, uma rua são instituições. Do mesmo modo um Fórum ou um Tribunal também tem suas singularidades como instituições a partir das quais reconhecemos coisas que eles devem dizer, mensagens que devem conter para serem Arquitetura. Um dos aspectos que logo de início despertou atenção foi a noção do significado que aquilo configuraria. Outro aspecto foi uma reflexão muito próxima daquilo que estamos discutindo sobre a necessidade de certas pausas, ou seja, sobre o que algo dessa natureza pode estabelecer num contexto

urbano por meio da existência de um grande complexo como o nosso. A cidade de Goiânia tem algumas especificidades por ser uma cidade planejada sendo uma delas a existência de um Centro Cívico em sua estrutura. Acontece que o terreno do Tribunal se encontra deslocado disso, numa estrutura urbana incompatível a escala e o uso que tem o complexo, além de ser uma área predominantemente residencial. Esse fato apresentou uma contradição: o projeto deveria se colocar num contexto nada condizente com um equipamento de sua natureza e escala. Como deveríamos lidar com isso? Diante dessa preocupação tenho uma postura muito contundente que é pensar a coerência e o equilíbrio que a proposta deve ter com respeito à situação com a qual está se relacionando. O cuidado em pensar as hipóteses com muita precisão a ponto de se aproximar ao máximo daquilo que o projeto só poderia ser. Lógico que existem inúmeros caminhos para lidarmos com uma questão arquitetônica e talvez essa seja uma das maiores angústias de nosso ofício. Mas, independente dessa infinidade de caminhos, devemos fazer com que o caminho adotado se aproxime ao máximo daquilo que, imprescindivelmente, teria que acontecer ali naquela situação. Nesse projeto o equilíbrio e a consistência com essas relações urbanas, seu contexto e a escala do edifício era muito importante. Assim, duas coisas passaram a ser primordiais. A primeira delas foi a existência do vazio como principal espaço do projeto: uma praça central de escala monumental(100mx60m) que fosse o grande elemento do complexo, representando o caráter público que define um Tribunal como instituição. Junto a isso, uma das


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Unimos algumas questões do conhecimento arquitetônico que o Louis Kahn define muito bem: a Arquitetura é uma instituição em si mesma assim como outras também são. coisas que deveria inaugurar essa instituição era um lugar absolutamente público e que fosse possível ser utilizado por qualquer um a qualquer momento. Não é aceitável que uma instituição pública não tenha isso como prioridade. Elas representam os cidadãos e não podem diminuir a sua possibilidade de desfrutar daqueles espaços que lhes pertencem, independentemente se os usarão por sua função programática ou não. Outra questão importante estava na economia de meios para fazer com que esse elemento transmitisse seu significado. Qual o mínimo que podemos fazer para que nossas ações assumam algum significado? Acredito que essa preocupação tenha um vínculo muito grande com o exercício da arte e com as manifestações das décadas de 50 e 60, quando começa a ser explorada. O que conhecemos hoje de maneira muito superficial como Minimalismo, tem por detrás uma filosofia muito mais densa. Vincular essa postura à instituição do Fórum foi muito importante. Então, primeiro existe uma busca por um equilíbrio e por uma neutralidade de elementos e que não deixem de falar sobre a Instituição em questão, como Fórum, como Tribunal, como imparcialidade diante de uma questão humana, como neutralidade de forças ali colocadas uma diante da outra. Em prol da ideia de justiça, esse ato de ‘julgamento’ deveria ser o mais neutro possível. Nesse aspecto, diante das vulnerabilidades que, talvez, o Direito também tenha, a Arquitetura tem o privilégio de poder falar de modo indubitável. Isso se deu por meio da geometria dos edifícios - que configuram algo muito simples: prismas compactos, puros, monolíticos -, e da neutralidade das cores - onde em meio ao predomínio do branco surge um

único elemento distinto dessa atmosfera, desse aspecto exterior do conjunto, que é o preto que envolve o Fórum. Diferente do branco onde tudo que acontece é exterior, o Fórum tem esse âmbito histórico e secular de constituir um espaço coletivo e, dentro da complexa estrutura do Tribunal ser o elemento mais público de todo o conjunto. Por isso ele é distinto. Por isso ele é diferenciado em relação aos demais componentes e definido por outra cor, nesse caso a cor negra. Isso estabelece um enfrentamento às hierarquias tradicionais pois o edifício branco abriga a segunda instância onde estão os Desembargadores e a Presidência, os quais hierarquicamente, ocupam um patamar superior. Só que não é isso que tem que ser diferenciado e enaltecido, mas sim o outro, aquilo que é público. Por isso o Fórum é distinto, maior e singular diante dos demais. Depois, há uma relação entre simplicidade e complexidade que é muito interessante. Ou seja, é o muro branco do Barragán. Qual a complexidade que aquilo apresenta? Nenhuma. Por outro lado, aquilo significa muito. No Tribunal isso foi muito importante pois ela é sim uma Instituição de extremo valor simbólico. Aí entra a questão do símbolo que supera o que é arquitetônico. Ele é institucional. Ele é para a sociedade e para a cidade. O Complexo do Tribunal se insere no contexto de uma forma muito impactante pela sua própria simplicidade: um monólito negro e um monólito branco, elementos dialogando e se contrapondo um ao outro. A medida que nos aproximamos, essa geometria simples que vemos passa a nos dizer outras coisas. Primeiro, sobre uma linguagem arquitetônica, ou seja, o que é isso que conhecemos tradicionalmente


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Croqui: Cortesia de Corsi Hirano AA.

como Fórum através de um repertório clássico da Arquitetura e que se repete até os dias de hoje em muitos lugares, onde uma instituição como essa tem sempre que ser monumental e reverenciada através de certos símbolos arquitetônicos. Por exemplo, o Fórum Romano é um grande edifício com pórticos, elementos verticais e grandes colunatas. Quando você se coloca ao lado de uma coluna de um Fórum, você se sente totalmente insignificante. Não só a escala do conjunto, mas uma mera coluna faz com que você se sinta pequeno e perceba o quanto aquilo é grandioso. Uma monumentalidade de linhas verticais, pórticos, frontões e escadarias que se encontram sempre diante de templos e o condicionam a que esteja em uma orientação axial ao edifício, que tenha que ascender e curvar-se incondicionalmente diante daquilo, que tenha que olhar os degraus e ao mesmo tempo se colocar de frente a algo muito maior do que você. Essa noção de monumentalidade que a Arquitetura Clássica coloca não fazia sentido nenhum para nós nessa situação. Ela deveria existir, mas de outra maneira. Então, eis o que fizemos. Primeiro, a escada existe como um momento de definição de dois tempos diferentes da cidade: você está na rua e precisa passar por uma ascensão para chegar num outro momento, mas esse momento não é o prédio e sim a praça, o vazio, o lugar de todos. Você não sobe essa escadaria em direção a um edifício. Não, você sobe essa escadaria em direção à praça, ao vazio. Depois, os elementos construídos são colocados um diante do outro de modo a gerar esse espaço, que é o principal lugar. Já conhecemos os elementos primordiais que estabelecem os tempos das linguagens da

Arquitetura, buscamos interpretar de outra maneira, um modo menos monumental e opressor. Uma outra relação importante que tem o vazio era no edifício do Fórum: um caixa de quase quarenta metros de altura que você adentra pelo plano da praça. Nele, não encontramos elementos arquitetônicos muito claros. O que temos é um volume, um monólito e não uma coluna, um pórtico, um embasamento ou um coroamento. Nenhum desses elementos está presente. Ele é simplesmente um monólito. Mas onde se encontra a relação de monumentalidade com o usuário? É onde entra a percepção, ou seja, qual é a noção de presença que esse elemento pode estabelecer? Ele é um elemento muito grande e que transmite um certo peso, uma certa densidade, e que, por outro lado, desperta certos mistérios, certas dúvidas. Ele é pesado, mas não toca o solo, então como é possível levitar. Como se sustenta? Ele é grande e monumental por si só. As pessoas acessam o prédio por uma fresta consideravelmente pequena. Então, você passa por uma fresta de oitenta metros de comprimento por dois metros e meio de altura. É natural que aquilo provoque uma relação entre grande e pequeno, mas não necessariamente lhe colocando diante de uma imponente coluna de 2m de diâmetro. Ela te evoca por outro caminho. O mais interessante ainda é que, quando você entra no espaço, percebe que aquela fresta de dois metros e meio se transforma em um vazio de doze metros de altura. É nesse momento que você percebe que aquele volume sólido, preto e bruto, na verdade, assim como em seu exterior, também tem em seu interior um vazio para lhe acolher. Esse processo de percurso, descoberta


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O mais interessante ainda é que, quando você entra no espaço, percebe que aquela fresta de dois metros e meio se transforma em um vazio de doze metros de altura. e relações que o usuário tem com a Arquitetura foi importantíssimo para os critérios de pensamento desse edifício. Por fim, nessa aproximação existe a relação com a construção. Ou seja, esse edifício que à distância é um monólito preto feito não sei muito bem de quê, à medida que vou me aproximando, vejo que encontro uma complexidade condizente com o valor da instituição que ele representa. Percebo que o que define essa simplicidade são elementos de altíssima complexidade: as fachadas. São os elementos de proteção, de vedação e de construção de significado. Ele é inteiramente preto, construído e possibilitado através de uma altíssima tecnologia construtiva de vidro, aço e outros materiais. É nessas superfícies que, além do preto e do branco, existe a única cor do complexo: em algumas faixas extremamente sutis e leves encontramos o vermelho pontuando simbolicamente a cor do Direito, Instituição ali abrigada. Isso é interessante. Às vezes estando lá ver o outro lado do que estamos conversando: a curiosidade e a descoberta. Muitos não percebem. Outros dizem: “É diferente, tem umas faixas.” Ou “Tem umas faixas vermelhas.” Outros perguntam: “Por quê aquilo é vermelho?” E outros afirmam: “Isso é vermelho porque tem a ver com o Direito!” Essa relação que se cria com o usuário através de alguns elementos da Arquitetura é interessantíssima! Por trás disso há uma somatória. Vemos que através disso a Arquitetura vai sintetizando uma série de informações do repertório e da linguagem arquitetônica que conhecemos: questões clássicas da história, a questão do significado, do indivíduo, da cidade, da tecnologia e da construção. Isso vai se

(...) as fachadas. São os elementos de proteção, de vedação e de construção de significado. fundindo em elementos que assumem mais de uma razão de serem. Ou seja, um vidro não serve apenas para vedar um edifício. Serve também para falar sobre diversas coisas. Temos que nos preocupar com complexidade dos elementos com os quais lidamos. Eles não podem ser reduzidos a um mero desempenho técnico, assim como o inverso. Não poderia haver qualquer outra cor nesses vidros que não o vermelho, porque é uma questão absolutamente de significado. Aí começamos a somar as coisas. Elas falam muito mais do que aparentemente parecem dizer. Qual a virtude da arquitetura como ciência e arte? Essa pergunta é extremamente inquietante Pelo que sintetiza. Ela fala sobre, Arquitetura, Ciência e Arte, talvez os exemplos mais grandiosos do que podemos entender como manifestações humanas. Sempre me recordo de uma definição muito bonita do Louis Kahn sobre isso. Ele diz: “A Ciência lida com aquilo que existe, a Arquitetura lida com o que não existe”. Ou seja, a Ciência lida com a suposta compreensão do que é a realidade. Noção esta que a filosofia afirmará sermos incapazes de entender completamente. A compreensão do que é a realidade é inacessível, pois a visão que temos dela é sempre uma interpretação daquilo que enxergamos sobre o mundo. Então, ela nunca é absoluta. Mas, evidente, a Ciência nos informa muito sobre a realidade, e ela existe para isso, para entender, conseguir explicar de certa maneira um pouco aquilo que nos define e nos envolve. Isso, lógico, é âmbito de todas


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““A Ciência lida com aquilo que existe, a Arquitetura lida com o que não existe”. Louis Kahn. as Ciências. Por outro lado, segundo o Kahn, assim como a Arte, a Arquitetura lida com o que ainda não existe. Então, o que é o nosso ofício? É lidar com o inexistente, com o que estar por vir. Isso implica numa angústia muito grande, o que é bonito e que talvez seja uma das grandes emoções de fazer Arquitetura: dar origem às coisas. Trazer algo à existência é uma definição de criação. Num outro discurso sobre o que define o que é Arte, Arquitetura ou qualquer outra manifestação responsável por uma criação, ele diz o seguinte: “é aquilo que mostra que a natureza não é capaz de fazer e o homem é capaz de fazer”. O que ele define é uma equivalência de reconhecimento da diferença que tem o ser humano em relação ao que demais existe. Não que um seja maior que o outro, ou que um seja mais potente que o outro, mas há uma singularidade humana nesse aspecto. Não podemos fazer o que a natureza faz. Não posso desenhar uma flor tão bem quanto a natureza faz por si só. Por mais que tentemos isso, é impossível. Por outro lado, Kahn revela uma beleza que é contrária a essa impossibilidade: a natureza também não é capaz de fazer o que nós fazemos. Isso é muito emocionante. Pense. Fazemos coisas únicas, somos capazes de um certo modo de criação muito potente e que só nós podemos fazer. Lógico, isso jamais pode ser interpretado à partir da prepotência de superação da natureza. Esse risco não podemos assumir. Não devemos, por isso, nos sentirmos superiores a uma condição natural, como fizemos durante séculos. A razão foi responsável por essa ideia do ser humano como um ser superior a tudo que envolve. Foi responsável, em grande parte, pelas condições do universo que vivemos

hoje e que não são nada boas. Não podemos adotar uma interpretação desse tipo, mas se a entendemos por outro lado, é muito bonito como nos leva a pensar na singularidade de nossas obras, sejam elas o que forem: uma ideia, uma interpretação do que vemos, uma poesia ou até uma grande e suntuosa construção arquitetônica. Esse paralelo entre Ciência, Arquitetura e Arte é belíssimo: como estas manifestações, no fundo, dialogam dentro desse âmbito do que é o conhecimento humano e como uma serve à outra. Fazemos muito uso da Ciência e devemos continuar fazendo. Ela nos permite a construção de um entendimento de valor inestimável. Isso é muito importante pra nós arquitetos, para entendermos o significado, a pertinência e a compreensão do que pensamos. Se remontamos à ideia de que nossas obras refletem o que pensamos sobre o mundo, é importante que entendamos e que sejamos inquietos em relação a esse conhecimento científico. Ele que nos dará subsídio para uma série de coisas. Sejam dos conhecimentos mais abstratos aos mais concretos, como a tectônica, a física que torna possível a existência da Arquitetura em sua materialidade. É nessa Ciência que entende tanto o cosmos como o micro mais próximo de nós, seres humanos, que temos que navegar. Por outro lado, encontramos a enorme liberdade que a Arquitetura nos oferece: se lidamos com aquilo que ainda não existe, como deve ser assimilada a responsabilidade de dar origem a alguma coisa? Ou seja, como, através e por meio de quê me sinto confortável e apto a originar alguma coisa? A cada dia, isso me faz sentir o mais inquieto possível por aprender cada vez mais, por saber e conhecer ao máximo as coisas,


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Que, posteriormente, o que venha consolidar tudo isso seja uma ação, que seja muito bem embasada pela consciência e pela construção de um conhecimento sobre as situações em que se dará. de modo que essa capacidade criativa seja a mais lúcida possível, seja profunda e coerente, segura e estável, que assuma uma realidade e se torne real através de um juízo e uma postura crítica profunda. É nossa visão sobre o mundo que constrói um aparato para agirmos sobre ele mesmo. Isso é muito importante. Nossa capacidade de ação é muito potente e muito singular. Ela tem que se encontrar calcada sobre sólidas bases de conhecimento, ou seja, realmente devemos entender aquilo com que estamos lidando. Por isso me interessa muito seguir caminhando por essa ideologia: uma arquitetura que seja cautelosa e que nunca parta de uma imposição prévia de pensamentos, mas de um entendimento amplo daquilo que será feito. Ora, se em algum momento serei responsável por uma ação, preciso compreender plenamente onde essa ação se dará, em qual contexto, sob quais condições. Na verdade, a suposta folha em branco que nos apavora é irreal. Não existe nenhuma folha em branco. Em alguns casos talvez até exista, mas antes de qualquer uma de nossas ações, essa folha deve começar a ser preenchida por nossa leitura sobre aquela condição. Então, ela não é tão branca assim. Ao invés de começarmos a intervir nessa folha em branco através da nossa ação, acho muito importante que venha antes a leitura sobre as condições que estamos trabalhando. Desse modo, trabalhamos por um caminho de muito mais cautela com as consequências que nossas ações terão. Essas ações passam por uma base de critérios que não são unicamente ligadas às minhas ou suas intenções. Elas também existirão nesse projeto, logicamente, mas não serão predominantes. Esse drama da criação

e da invenção que aparentemente é livre, na verdade, não é e nem deve ser. É necessário construir uma complexidade de leitura para que esse projeto vá tomando forma de uma maneira mais profunda e singular em relação à situação que ele estabelecerá. Compartilho muito da ideia de que cada projeto é único, pois as condições são sempre diferentes. São únicos em vários âmbitos. É evidente que se encontre certas similaridades, pois isso se faz através de seu pensamento, do olhar do arquiteto. Mas o importante é que prevaleçam os valores e os cuidados com relação ao que se trabalha. Isso é muito mais importante. Que, posteriormente, o que venha consolidar tudo isso seja uma ação, que seja muito bem embasada pela consciência e pela construção de um conhecimento sobre as situações em que se dará. Como vê o abandono da investigação dentro das FAU’s de nosso país em termos da tectônica, ou seja, conhecimento físico e material dos elementos e do processo construtivo? A industrialização das peças não trouxe comodismo dentro dos ateliês fazendo com que o sentido do projeto se vulgarizasse, em termos de não inventar, mas simplesmente consumir em função da relação custo x benefício, fazendo ser o que hoje é (de modo geral) a arquitetura em nosso país, ou seja: deixando o sentido intelectual de lado, em termos de proposições, investigações sobre raciocínios construtivos e conforto ambiental na arquitetura e atrofiando o sentido maior do ofício, pensar o construir de modo sensível e inteligente em todas as etapas do projeto? Ainda nesse “mote”; qual


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Foto: Google Imagens.

sua leitura em relação à descontinuidade, na arquitetura brasileira, do emprego adequado de sistemas de fachada e a abrangência deste tema, que outrora, por exemplo, se via com frequência no Escritório de Rino Levi?!

de catálogos. Ou seja, a tecnologia existe mas qual o significado que o uso dessa tecnologia implica? Essa é a questão. Qual o significado que assume? Assim como aquilo que falamos interiormente, uma fachada não é só uma fachada.

Essa questão coloca uma discussão sobre a ideia de invenção, algo extremamente importante. É interessante pensarmos um pouco sobre os confrontos que acabam existindo hoje. De um lado temos uma possibilidade tecnológica absurdamente grande de investigarmos, de criarmos materiais e de propormos novas soluções. Eu acredito que, de distintas maneiras, isso acontece em grande parte do mundo. Por outro lado temos a predominância de uma certa condição onde a Arquitetura é construída quase inteiramente a partir de um catálogo ou de um mostruário de elementos construtivos de onde se deve escolher os componentes da construção. Ao final, aquela arquitetura se transforma praticamente num showroom de materiais. Então, revela-se essa dicotomia. O David Chipperfield fala de como somos forçados a pensar dessa maneira e como temos que saber lidar com isso, pois não deixa de trazer seus benefícios. A industrialização torna uma série de coisas economicamente viáveis, mais rápidas e mais precisas. Ela é hábil na diversidade de materiais e nas possibilidades que nos apresenta através de uma série de benefícios na sua utilização. Temos que assimilar essa qualidade da industrialização dentro dos projetos, só que, de maneira alguma, isso deve anular o carácter inventivo que as obras devem ter. O desafio é como unificar as duas coisas e jamais fazer que o projeto se torne basicamente a aplicação

Um livro recente foi intitulado “A função do ornamento”. O que é essa função no seu entendimento? Essa é uma discussão de extrema relevância. Nesse aspecto, vivemos um momento muito rico após um Século XX, onde num primeiro momento, vimos a exploração desse caráter industrial das coisas a partir da sua praticabilidade técnica, sendo a indústria entendida como um bem por si só. Por muito tempo foi basicamente a manifestação dessa valor o grande mote da construção arquitetônica. Depois, na segunda metade do século XX, passamos por um período que falou de outras coisas como, por exemplo, o fato de os edifícios não poderem ser mudos. Os edifícios devem falar algo, eles têm que se comunicar. Logo, nós somos privilegiados por vivermos em um momento posterior a essas duas fases e, de certa forma, podermos entender cada uma delas e buscar fazer uso de ambos valores. É fato que a Arquitetura precisa comunicar. Isso se tornou muito evidente depois de Venturi e Scott Brown. Mas é fato que a Arquitetura também é algo construído. Ela não é um mero “outdoor”, não, ela tem uma complexidade técnica construtiva e isso também faz parte da questão inventiva da Arquitetura. Vivemos hoje o desafio de tentar construir um significado entre essas duas coisas. No entanto, a economia e o predomínio da ideia


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A invenção é possível e pode acontecer diferentes graus. A tecnologia e a invenção não dizem respeito apenas ao alto desempenho de seus elementos, pelo contrário, você pode visitar obras em qualquer lugar do mundo e encontrar projetos brilhantes, construídos de maneira nova e inventiva, mas com técnicas absolutamente rudimentares e simples. Precisamos rever um pouco o que entendemos por tecnologia. do consumo, sempre vai nos forçar a usar o que é standart e o que é padronizado, pois essas são coisas muito mais promissoras em seu valor de consumo. Toda invenção demanda um processo de experimentação, isso é fato. Não é sempre que encontramos essas oportunidades. O que o Chipperfield diz é que “tudo bem, temos esses leques de opções, mas a questão é ter a habilidade de tratar isso em favor da arquitetura e não da indústria”. Ou seja, como fazer com que esses elementos que estão disponíveis tenham um significado arquitetônico? Às vezes eles terão de ser interpretados de uma maneira diferente. A invenção é possível e pode acontecer diferentes graus. A tecnologia e a invenção não dizem respeito apenas ao alto desempenho de seus elementos, pelo contrário, você pode visitar obras em qualquer lugar do mundo e encontrar projetos brilhantes, construídos de maneira nova e inventiva, mas com técnicas absolutamente rudimentares e simples. Precisamos rever um pouco o que entendemos por tecnologia. Ela não é só definida unicamente por aquilo que é de ponta, de laboratório. Não, o que é mais inventivo é reinterpretar algo que já existe. Isso sim é maravilhoso. Um projeto antológico e singular nesse aspecto é a Vinícola Dominus nos EUA do Herzog & De Meuron. Podemos considerar que é uma obra de um programa muito refinado, mas o que é muito impressionante ali é a reinterpretação de alguns materiais e de algumas soluções técnicas. Analisando só pela questão inventiva, aquilo é impressionante. Então, o que é a invenção? Não é só a criação de um plasma que se mexe. Não, às vezes é muito mais reinventar do que criar algo absolutamente novo. O Chipperfield chama

a atenção sobre como vemos a tecnologia e sobre o encanto que temos pelos seus avanços. Depois desse encantamento devemos tomar muito cuidado com o que chamamos de avanço tecnológico e pensarmos sobre o real significado dessas ações. Um exemplo que ele usa é o cinema: no início, quando se tornou possível captar o movimento, registrando um período e não mais uma imagem estática, o que se via nos primeiros filmes eram pessoas na frente da câmera se movimentando como fantoches. Aquilo não significava absolutamente nada e não possuía nenhum conteúdo a não ser o da demonstração de que então era possível captar o movimento. Chipperfield diz que “aquilo só veio a se transformar verdadeiramente em cinema quando foi utilizado para criar significado, criar algo que fosse da própria tecnologia.” Isso é algo de muito valor quando nos preocupamos em falar sobre tecnologia e todas questões referentes à Arquitetura.


5. Inquietude.

85


785.27

771.28 757.30

750.35 741.56

736.24

86 CDHU

área de intervenção

CONTEXTO A ideia de intervenção surgiu a partir da experiência vivida no lugar de estudo. Enfrentar o dia-a-dia da comunidade me fez ver a carência da população em relação a elementos de mobilidade urbana por conta da geografia do lugar e a setorização desconexa dos equipamentos que estruturam o cotidiano das pessoas. Vi então como algo necessário, a criação de um elemento que organize melhor esses fluxos horizontais e verticais. A área de intervenção fica no bairro de Perus, zona norte de São Paulo, um bairro à periferia do centro expandido. O Território se divide em 2 partes definidas pela topografia do lugar, a parte alta, onde se concentram os conjuntos habitacionais (com maior densidade) e a parte baixa onde está a estação da CPTM (Linha 7 Rubi - Luz - Francisco Morato - Jundiaí). No eixo em análise há um desnível total de 55m, o que causa uma dificuldade diária para o pedestre voltar para casa, gerando uma alta dependência do transporte público ineficaz, táxi, ou o carro familiar. Esse fator é chave para entender o desuso da rua fazendo-a insegura, com vida só à luz do sol. Minha proposta é criar um edifício na cota intermediária desse percurso, num terreno, hoje, ocupado por casas. Nesse perímetro há um "escadão" que atravessa e divide a quadra, logo acima o eixo continua com uma viela que dá acesso a rua dos conjuntos habitacionais, finalizando o trajeto "estação - casa". O desnível total do terreno de implantação do edifício é de 14m , o desnível total da área a ser projetada (que incluirá passarela e escada acomodada à viela) é de 28m. Tendo o entendimento da questão e sua dinâmica envolvente, vejo necessária uma intervenção que concilie as preexistências, sua situação topográfica

percurso

estação CPTM

e a colocação de elementos que transformem totalmente a condição de dependência do transporte púbico e privação da rua pelos moradores do lugar. O programa que proponho se insere dentro da rede de equipamentos de educação, cultura e lazer existentes, o projeto proposto está dividido em duas frentes complementares. A primeira, e menor, é um centro comunitário que dá apoio ao funcionamento 24hs da estrutura de mobilidade projetado, o programa principal é uma escola de música; orquestra jazz sinfônica, canto, rap e hip hop. Nesse conjunto, também há intenção de criar duas grandes praças abertas, uma em cada térreo, para que seja apropriada pela comunidade das mais diversas formas possíveis, que abriguem também, apresentações dos próprios alunos e de artistas convidados. Gerando assim Educação, cultura, lazer, mobilidade e consequentemente, qualidade de vida as pessoas que moram na área. PARTIDO | PROGRAMA Não há outra forma de resolver a situação da mobilidade do lugar com a colocação de um equipamento urbano sem a remoção das casas existentes, pois o programa exige uma grande área e o local ideal é ali, por estar numa posição intermediária entre as duas partes do sítio. É o peso do bem coletivo em contraponto com o interesse individual. Após a remoção das casas, deverão ser tratadas as empenas fronteiras com as demais casas da quadra, com essa ideia, desenho na empena da rua superior um monólito longitudinal em todo comprimento do terreno, paralelo a ele. Alinhado a rua inferior, desenho outro monólito de proporções parecidas, elevado 3,5m da cota mais baixa, o que cria uma relação dialética e de reconhecimento de escala do conjunto ao entrar por baixo desse monólito suspenso. Essa


1. monolito colado na empena, criação de “castelos de infraestrutura”, escadas e nucleo hidráulico. 2. Um monolito paralelo alinhado com a rua. 3. Criação de um vazio, uma praça interna. 4. Continuidade do eixo de circulação de pedestres

1. O Vazio se torna uma praça onde podem acontecer apresentações dos próprios alunos da Escola ou de convidados para a comunidade 2. Seguindo o desnível natural do terreno, cria-se uma escada/arquibancada que liga a cota 0 à cota 3

87

situação proporciona consequentemente a tipologia de pátio interno, de praça, espaço público. O pátio se torna articulador dos programas. Por haver dois níveis distintos e o conjunto atravessar duas ruas houve o desejo inicial de criar uma praça elevada, na cota superior, uma continuação da rua que serve de espaço de ócio e mirante para o Pico do Jaraguá e a cidade. Para criar esse circuito entre os dois blocos paralelos, crio passarelas que articulam o espaço e criam unidade ao desenho. No térreo inferior, aproveitando o aclive da rua, no lado esquerdo crio uma escada / arquibancada que ocupa 1/4 do terreno, esse desenho transversal faz com que o usuário se ponha com a visão no sentido longitudinal, sugerindo assim a criação de um palco elevado mais à frente e de um vazio entre as duas partes. Abaixo dessa “laje palco”, no térreo inferior, disponho o programa comunitário e comercial do conjunto que se estende até o monólito posterior. Os programas principais ficaram inseridos nos pavilhões, por uma questão de hierarquia e simbolismo; no pavilhão da frente ficaram dispostas, as salas de aulas e ensaios, optei por isso por estar mais próximo à rua e desejar que a população tenha uma relação próxima com a Escola e de suas atividades. Enquanto um morador passa na calçada pode ver alguém tocando, ensaiando, as pessoas assistindo aula e interagindo, essa face é sul então consigo dar mais transparência a ela, abrindo a escola para a cidade. No outro bloco se encontra a sala de espetáculos, seu foyer, bilheteria livraria, camarins e administração geral. Nesse bloco a transparência será mais graduada por conta do auditório e seu necessário tratamento acústico, mesmo assim, conterá aberturas graduais, desenhadas a partir de parâmetros geométricos de composição que se tornem harmônicas ao conjunto, abrindo assim os espetáculos à cidade. Acima desse volume terei outro pavilhão, agora

elevado do térreo superior, em uma cota mais alta que a praça elevada, uma Midiateca de escala local e de acesso público. O outro ponto do programa do conjunto são os elementos de circulação vertical urbana, de ligação entre as partes do território hoje dividido, e o principal fator propulsor do projeto. A ideia é criar uma torre com 2 elevadores grandes, que carreguem até 20 pessoas por viagem, cada, que parta da cota do térreo inferior e chegue a cota mais alta que é a Rua dos Conjuntos Habitacionais, ou seja, que ligue diretamente a parte baixa à parte alta , a Rua dos Conjuntos está fora do perímetro de implantação, assim, para fazer a ligação horizontal aérea, proponho uma passarela, larga, proporcional ao fluxo cotidiano. Ainda nesse âmbito vejo necessária escadas fixas que cumpram também esse papel, na fachada do bloco da sala de espetáculos, proponho duas escadas engastadas nela que chegam a cota 14,00, para dar continuidade ao percurso, mais à frente, aproveito a viela e de uma forma simples, acompanhando a inclinação existente, desenho uma escada que vai se abrindo, tendo assim que relocar o muro vizinho da EMEF. Essa escada é mais que um percurso, ela se torna um vazio, uma praça que pode abrigar o ócio da comunidade. Assim completa-se o programa: mobilidade, cultura, educação, direito a cidade. ARQUITETURA | CONSTRUÇÃO O projeto se divide formalmente em 2 partes: 1. Conjunto Arquitetônico; monólitos e pátio interno. 2. Elementos de Transposição Urbana; Escadas, Elevador e Passarela.


88 1. Na cota mais alta cria-se uma praça elevada, com início sob o bloco da midiateca, unida por passarelas de ambos os lados criando assim um circuito. 2. A praça elevada não tem uso determinado a área coberta pode abrigar exposições, feirinhas locais, etc.

1. Os monólitos foram desenhados em estrutura metálica, por conta do desejo de liberar os dois térreos, inferior e superior, e criar duas grandes praças ambas no nível da rua, sendo que a superior é a cobertura dos edifícios ligados por passarelas e a outra é o chão do terreno. Optei pelo uso do aço em todo conjunto por proporcionar mais precisão e menos esforço construtivo à resolução estrutural dos elementos que compõem a arquitetura. No partido imperou a ideia de trabalhar com um vão menor no sentido transversal (10m) dos pavilhões, para aumentar a área do vazio interno / pátio interno, dando por consequência a possibilidade de não ter pilares no interior dos pavilhões. No sentido longitudinal, os monólitos acompanham o desenho do terreno, sendo que o primeiro tem um comprimento total de 60m e o segundo, encostado na empena, tem também 60m no seu interior. Em suas extremidades criei dois “castelos de serviços” em concreto armado, que colaboram com a estrutura servindo de apoios para o pavilhão suspenso da Midiateca. Consigo com isso viabilizar o desejo inicial; o térreo superior se torna totalmente livre, gerando um espaço público, aberto, uma praça/mirante na cobertura dos pavilhões. A racionalização construtiva foi uma premissa do partido, por conta dela obtenho um controle maior em todas as partes do conjunto desde a estrutura até o sistema de fachada. A ideia é desenhar um conjunto neutro no sentido de um “não arquétipo”, confortável e proporcional ao seu entorno, flexível, que acompanhe e se adapte as mudanças e necessidades do tempo e da comunidade. Hoje o equipamento é uma Escola de Música, mas, futuramente pode ser adaptado, transformado em outro uso. Todo desenho e acomodação do programa foi pensado em função das condições gerais do lugar, sua topografia e entorno. O desnível total do terreno que acomodará o Conjunto é de 14m, o número é múltiplo de 3,5 por tanto, foi esse o módulo adotado

para definir a altura dos pavimentos, além do mais, essa medida se harmoniza com as proporções do projeto, terei então monólitos de 10,5x60m com seus térreos livres, com outros 3,5m de piso à piso. O Primeiro pavilhão, como já dito, abriga a Escola de Música em si, as salas de aula, de ensaios coletivos e individuais. No seu térreo, de um lado se instalou a secretaria geral e do outro a sala dos professores. Esses usos estão atrás de uma loja e um café, respectivamente, com isso, pretendo dar a todo o térreo uso público local, assim dou a possibilidade de que o conjunto sempre esteja sendo usado, seja vivo e importante para a comunidade. Esse pavilhão é completamente suspenso, pois tive como intuito liberar o térreo e elevar o 1º pavimento de salas de aula para criar uma espécie de “portal”, com o desejo de atrair e deixar evidente a intenção de que as pessoas ocupem o interior do conjunto. Para isso, desenhei a estrutura com 2 treliças metálicas uma em cada face, com altura de 3 andares (10,5m), o apoio delas se dá por dois pilares inseridos em duas empenas em concreto armado dispostos de forma simétrica, onde eles sobressaem 1,0m em relação a elas. Os pilares estão distantes 40m com balanços de 10m em cada lado, o que colabora com a estabilidade do sistema. O vão transversal é de 10m, com vigas metálicas e lajes steel deck. Uma solução estrutural muito usada, simples, mas que acho adequada a situação proposta. O fechamento do pavilhão se dá por uma pele de malha metálica perfurada, de tom cerâmico, fazendo uma alusão as casas do entorno. Há com isso a intenção de criar permeabilidade visual, que a comunidade enxergue as atividades do cotidiano da escola e que ela contamine o bairro. Analisando melhor; no segundo Pavilhão está abrigado, (da cota 0 à cota 14), uma galeria comercial, administração geral, livraria e loja de


1. O Eixo de Fluxo se mantém, agora reconfigurado com o apoio do elevador urbano e da passarela. 2. As passarelas junto aos blocos dão a possibilidade de acesso tanto aos programas 89 aberto ao público quanto aos alunos. A articulação é feita através de uma caixa de elevadores no centro das passarelas

discos, bilheteria, foyer e sala de espetáculos, acima do térreo superior uma midiateca de uso público. De imediato tive como partido colar integralmente o monólito na empena do fundo, liberando as extremidades para criar os “castelos de serviços”, um em cada lado. Eles são em concreto armado; na face externa se encontram as escadas que percorrem todo edifício, a do lado esquerdo, mais a oeste, é de acesso público onde a triagem se faz nas portas de cada andar, onde também se faz possível a conexão de uma cota urbana a outra. Do outro lado há uma triagem em cada térreo (níveis 0,00 e 14,00), sendo que no nível inferior se tem acesso aos programas da bilheteria e sala de espetáculos e no superior a midiateca, essas escadas são em concreto armado também. No interior do edifício, os “castelos” abrigam todas as áreas molhadas, inclusive os vestiários dos camarins. Tenho assim uma estrutura rígida em concreto que colabora com os muros de arrimo para a estabilidade do conjunto. Sobre as peles: A fachada do edifício se dá em duas partes, a primeira, uma pele metálica perfurada na parte mais externa que antecede a escada urbana, a segunda se dispõe sobre a estrutura metálica, em grande parte, por ser a faixa da sala de espetáculos, é um composto de placas cimentícias, lã de rocha e dry wall, e através de uma composição geométrica disponho caixilhos fixos de 60x60cm fechados por vidros laminados e temperados, o que dá a possibilidade de assistir, mesmo que seja de passagem, as apresentações pelo lado de fora da sala tanto por quem passa pela escada urbana (que está entre as duas peles), quanto para quem está no pátio interno ou mesmo na rua inferior. Os outros usos são fechados por caixilhos em alumínios com vidros temperados e incolor, dando assim total transparência ao ambiente, a proteção é dada pela pele externa, perfurada.

Entre os monólitos paralelos criou-se um pátio de 20x40m, no sentido longitudinal há uma escada / arquibancada que sobe 3,5m, acessa a outra cota natural do terreno, em relação a rua. Esse desenho foi pensado com intuito de que nesse pátio possa haver shows, tanto dos alunos da escola quanto de artistas convidados, abertos ao público, onde o palco se encontra paralelo, elevado a cota 3,5m, sobre lojas que nesses eventos poderão estar fechadas. Essa é mais uma ação em prol de qualificar o conjunto e beneficiar a comunidade, trazendo cultura e lazer a quem mora por ali. Sobre as conexões: As conexões urbanas estão inseridas no conjunto, se articulam volumetricamente, materialmente, mas são independentes dos edifícios desenhados, no sentido de que um não afete o uso do outro, mas que haja um complemento entre as partes. O elevador está locado no eixo das ruas que cortam o lote na transversal, ao lado do volume das salas de aula, onde a laje (o volume está suspenso do térreo) desse, serve como cobertura de apoio ao usuário do sistema de conexão urbana. Ele está desenhado aí para não interferir nos dias em que no Pátio esteja acontecendo apresentações musicais. O elevador se conecta à uma passarela que está a 28m de altura em relação ao térreo inferior ligando a rua de baixo à outra onde há maior densidade por conta dos conjuntos habitacionais existentes. Nesse trecho há uma parada no térreo superior que é a cobertura dos pavilhões no mesmo nível da rua mais alta do lote. Ou seja, a ligação urbana é necessária e atendida numa área exterior ao perímetro do conjunto de edifícios. Como os pavilhões, o elevador é em estrutura de aço com pintura de tom cerâmico, o elevador e todo seu sistema é aparente , a estrutura de aço treliçada é coberta por uma pele de vidro, tornado-o assim uma torre de luz, um mirante para a Região


90

Norte da Capital. A passarela segue o mesmo desenho é aberta e percorre uma distância total de 90m. Sua estrutura é resolvida por dois vãos de 45 metros cada, divididos por um sistema resistente à compressão e tração, composto por uma coluna de concreto armado com diâmetro de 1m e 4 vigas metálicas piramidais no centro do vão, na escada em concreto da Viela. Ainda sobre a passarela; há duas treliças, uma em cada lado com altura de 2,25m cada, o piso fica a 1,20m da face superior das treliças, tornando assim a passarela descoberta. Sua largura total é de 5m, a mesma da caixa de elevadores. As escadas, como já mencionadas, estão dispostas na fachada do segundo pavilhão, sua estrutura se dá através de uma viga metálica em toda extensão do pavilhão, seus degraus estão em balanços juntos à pele externa do edifício. Sua conexão é direta ligando as ruas, sua largura é de 1,8m, deixando assim 20cm para parte do sistema de estrutura da pele perfurada. Esse é o complexo multifuncional, idealizado para ser útil e benéfico às pessoas, à cidade que ajude a comunidade no seu dia-a-dia e na formação de cidadãos e, como Arquitetura, há uma busca de coerência e precisão incessante em seu desenho, uma vontade imensurável de ser eficiente e bela, uma arquitetura que diga o seu tempo, que tenha significado.


Referência. Rede de Teleféricos, Caracas, Venezuela Urban-Think Tank. 2007-2010

91

Foto: @Iwan Baan.


O que me despertou nesse projeto foi a forma de abordagem da problemática, similar a minha: mobilidade na 92 periferia. O Sistema de Teleféricos de Caras, projetado pelo Escritório Urban-Think-Tank, foi desenvolvido de modo participativo, a comunidade e outros agentes externos participaram da proposta, chegando assim a escolha do lugar até o programa mais adequado para cada edifício anexado a estação. O importante aqui, para mim, foi o modo sistêmico e aberto que conduziu e fez ser arquitetura. Como o projeto que desenvolvi, há o elemento de mobilidade como impulsor do Projeto e junto um edifício de apoio à comunidade. Minha ideia foi desenvolver uma tática que possa ser disseminada e desenhada de diferentes formas, a essência é a articulação entre o equipamento de mobilidade urbana e o edifício de apoio. Segundo Memorial dos Autores: La primera parte de este proyecto envuelve un nuevo y revolucionario acercamiento a la planificación urbana. Nuestra extensa experiencia trabajando en barrios con los líderes comunitarios nos ha enseñado que lejos de ser ingenuos ellos están bien informados, tal vez sin tutela en los principios de planificación y desarrollo pero los residentes poseen un firme entendimiento de las necesidades principales de su comunidad. Por lo tanto, tomamos un enfoque que incluyó: Un simposio público y exposición en la UCV (Universidad Central de Venezuela) en Caracas, atendido por arquitectos, planificadores, expertos, activistas universitarios y líderes de los barrios para cuestionar al plan gubernamental y proponer alternativas progresistas. Creando grupos de trabajo para investigar alternativas: U-TT junto con residentes del barrio de San Agustín y voluntarios. Selección por el grupo de trabajo de una sistema de Metro Cable. Se decidió que esta alternativa tenía un gran potencial: idealmente adecuado al terreno, mínimamente invasivo del tejido existente, altamente sustentable y flexible. Una actividad de diseño intensa de un día, conducida por el grupo de trabajo para clarificar el concepto. Análisis, planeamiento, campaña mediática y presentación también son necesarias para apoyar y fundar el proyecto. El sistema Metro Cable, el cual está integrado con el Sistema Metro de caracas, tiene una longitud de 2.1 km y emplea góndolas llevando 8 pasajeros cada una. La capacidad del Metro Cable permite el movimiento de 1.200 personas por hora en cada dirección. Dos estaciones estarán en el valle y se conectan directamente al sistema de transporte

público de Caracas. Tres estaciones adicionales están localizadas a lo largo de la montaña. en lugares que responden a la demanda de acceso por la comunidad, estableciendo patrones de circulación de peatones y también la disponibilidad de espacio para la construcción, garantizando un mínimo de demolición de viviendas existentes. El diseño de las cinco estaciones comparten componentes básicos en común; niveles de plataforma, rampas de acceso, patrones de circulación, materiales y elementos estructurales. Sin embargo, cada estación difiere en configuración y funciones adicionales. Las estaciones separadas incluyen funciones culturales, sociales y administrativas; reemplazo de viviendas con más viviendas, así como espacios públicos; un gimnasio, supermercado, y centro de cuidado diario; y un vínculo entre el sistema Metro Cable y el circuito de bus municipal.


93

Foto: @Iwan Baan.

Foto: @Iwan Baan.


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Imagens: Urban-Think Tank


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Foto: @Iwan Baan.


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Desenhos: Urban-Think Tank


ANEXO. PRANCHAS.

97


1. Edifício articulador integrando a rede de equipamentos educacionais da região

CDHU

2. Área escolhida para implantação do Edifício e dos equipamentos de mobilidade urbana

EMEF

3. Tratamento do terreno

ÁREA DE INTERVENÇÃO ETEC

4. Diagrama da geografia do território Parte alta x Parte baixa

EMEF

5. Diagramas do Partido

COHAB

98

CPTM CEU 1

1

2


785.27

771.28 757.30

750.35 741.56

&'+8

1. monolito colado na empena, criação de “castelos de infraestrutura”, escadas e nucleo hidráulico. 2. Um monolito paralelo alinhado com a rua. 3. Criação de um vazio, uma praça interna. 4. Continuidade do eixo de circulação de pedestres

iUHD GH LQWHUYHQomR

SHUFXUVR

1. O Vazio se torna uma praça onde podem acontecer apresentações dos próprios alunos da Escola ou de convidados para a comunidade 2. Seguindo o desnível natural do terreno, cria-se uma escada/arquibancada que liga a cota 0 à cota 3

HVWDomR &370

1. Na cota mais alta cria-se uma praça elevada, com início sob o bloco da midiateca, unida por passarelas de ambos os lados criando assim um circuito. 2. A praça elevada não tem uso determinado a área coberta pode abrigar exposições, feirinhas locais, etc.

1 2 3 4 1. O Eixo de Fluxo se mantém, agora reconfigurado com o apoio do elevador urbano e da passarela. 2. As passarelas junto aos blocos dão a possibilidade de acesso tanto aos programas aberto ao público quanto aos alunos. A articulação é feita através de de uma caixa de elevadores no centro das passarelas

3

5

1 Escadas urbanas engastadas na fachada 2. Vazio - Espaço de apresentações ao ar livre

TFG2 - BANCA DE QUALIFICAÇÃO ATV02 - RONIELLE LAURENTINO - ORIENTADOR: ARQUITETO DR. MS. FRANCISCO PETRACCO EDIFÍCIO ARTICULADOR ESCOLA DE MÚSICA JAZZ SINFÔNICA - PERUS, SÃO PAULO - SÃO PAULO, 20 DE MAIO DE 2015

4

736.24

01

99


100

PLANTA TÉRREO INFERIOR ESCALA 1:250

PLANTA 1º PAVIMENTO ESCALA 1:250

PLANTA 3º PAVIMENTO ESCALA 1:250

PLANTA TÉRREO SUPERIOR ESCALA 1:250

CORTE AA ESCALA 1:250

CORTE BB ESCALA 1:250


PLANTA 2º PAVIMENTO ESCALA 1:250

PLANTA 4º PAVIMENTO ESCALA 1:250

CORTE CC ESCALA 1:250

TFG2 - BANCA DE QUALIFICAÇÃO ATV02 - RONIELLE LAURENTINO - ORIENTADOR: ARQUITETO DR. FRANCISCO PETRACCO EDIFÍCIO ARTICULADOR ESCOLA DE MÚSICA JAZZ SINFÔNICA - PERUS, SÃO PAULO - SÃO PAULO, 20 DE MAIO DE 2015

101

02


&257(

102

IMPLANTAÇÃO GERAL ESCALA 1:250


ELEVAÇÃO 01 ESCALA 1:250

ELEVAÇÃO 02 ESCALA 1:250

CORTE GG ESCALA 1:250

CORTE EE ESCALA 1:250

TFG2 - BANCA DE QUALIFICAÇÃO ATV02 - RONIELLE LAURENTINO - ORIENTADOR: ARQUITETO DR. FRANCISCO PETRACCO EDIFÍCIO ARTICULADOR ESCOLA DE MÚSICA JAZZ SINFÔNICA - PERUS, SÃO PAULO - SÃO PAULO, 20 DE MAIO DE 2015

CORTE DD ESCALA 1:250

03

103


104

DET. FACHADA ESCOLA ESCALA 1:20

CORTE FF ESCALA 1:250

DET. FACHADA SALA DE ESPATテ,U ESCALA 1:20


LOS CORTE PERSPECTIVADO APRESENTAÇÕES ESCALA - 1:100

TFG2 - BANCA DE QUALIFICAÇÃO ATV02 - RONIELLE LAURENTINO - ORIENTADOR: ARQUITETO DR. FRANCISCO PETRACCO EDIFÍCIO ARTICULADOR ESCOLA DE MÚSICA JAZZ SINFÔNICA - PERUS, SÃO PAULO - SÃO PAULO, 20 DE MAIO DE 2015

105

04


1. PREPARAÇÃO DO TERRENO

2. ESCADA URABANA, MUROS E “CASTELOS DE INFRAESTRUTURA DO 2º BLOCO.

3. ESCADAS EM CONCRETO ARMADO DOS “CASTELOS”, ESCADA / ARQUIBANCADA E BASE EM CONCRETO DAS TRELIÇAS

4. ESTRUTURA MET PRINCIPAL DO CON INFERIOR.

6. LAJES STEEL DECK DO CONJUNTO INFERIOR.

7. ESCADAS URBANAS METÁLICAS EM BALANÇO NA ESTRUTURA DE AÇO. TRELIÇAS METÁLICAS DA MIDIATECA, APOIADAS NOS “CASTELOS EM CONCRETO.

8. VIGAS METALICA TRANSVERSAIS DA TRELIÇA DA MIDIAT

10. FACHADAS EM MALHA METÁLICA PERFURADA EM TODO CONJUNTO.

11. PASSARELAS DE CONEXÃO ENTRE OS DOIS BLOCOS QUE FORMAM O “TÉRREO SUPERIOR” ELEVADOR URBANO EM AÇO E ELEVADOR DO CONJUNTO EM CONCRETO ARMADO.

12. PASSARELA EM TRELIÇAS METÁLIC

106

5. VIGAS METÁLICAS DE TRAVAMENTO DA ESTRUTURA

9. FECHAMENTOS DO 2 BLOCO. EXTERIOR EM PLACAS CIMENTÍCIAS E CAIXILHARIA EM ALUMÍNIO

ESQUEMAS CONSTRUÇÃO DO CONJUNTO SEM ESCALA


AS AS TECA.

M CAS.

ISOMÉTRICA PASSARELA ESCALA - 1:100

TFG2 - BANCA DE QUALIFICAÇÃO ATV02 - RONIELLE LAURENTINO - ORIENTADOR: ARQUITETO DR. FRANCISCO PETRACCO EDIFÍCIO ARTICULADOR ESCOLA DE MÚSICA JAZZ SINFÔNICA - PERUS, SÃO PAULO - SÃO PAULO, 20 DE MAIO DE 2015

TÁLICA NJUNTO

05

107


Bibliografia. COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1989 - Uma história mundial, Cosac Naify, 2013. GREENBERG, Clement. Arte e cultura: Ensaios críticos, Cosac Naify, 2013. OZENFANT, Amedée e JENNERET, Charles Édouard. Depois do Cubismo. Cosac Naify, 2005 SEGAWA, Hugo, Arquitectura Latinoamericana Contemporánea. Gustavo Gili, 2005. VIGLIECCA, Hector. O Terceiro Território - Habitação coletiva e cidade, Vigliecca & Associados,

2015.

ZEIN, Ruth. Brasil: arquiteturas após 1950 Perspectiva, 2010. WISNIK, Guilherme. Paulo Mendes da Rocha - Encontros, Beco do Azougue, 2012. DIEZ, Fernando, Arquitectura de proposición y arquitectura de producción, Projeto como investigação: Antologia, 2009

arq./a Arquitetctura e Arte: Herança Le Corbusier - (Edição Dupla, 59|60). Lisboa, Portugal: Futurmagazine, SL. 2008. arqa Arquitectura e Arte: Contrastes Sul-americanos - (Edição Dupla, 94|95). Lisboa, Portugal: Futurmagazine, SL. 2011. 2G. Paulo Mendes da Rocha: Obra reciente. (Edição nº 45). Barcelona, Espanha: Editora Gustavo Gili, SL, 2008. Revista 1en100 - (Número 47). Buenos Aires, Argentina: 1:100 Ediciones.

108


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