in EXPRESSO de 21 de Março de 2015
Enquanto há língua há esperança Há coisas que de tão simples nos passam ao lado. Qual a forma mais eficaz de um Estado impor um disparate ou uma arbitrariedade? Não tem nada que saber. Anuncia que o disparate e/ou a arbitrariedade são obrigatórios. Claro como água. Transparente como papel celofane. Evidentemente, decretá-los é sempre mais fácil em Estados totalitários. É assim que na China os monges budistas estão proibidos de reencarnar sem autorização do governo. Por cá, o emprego da ortografia pré-AO nem com o consentimento das autoridades. O MEC decidiu proibi-la. Os alunos do 9º e do 12º anos, em breve sujeitos a exames nacionais, ver-se-ão penalizados (até 25%) se usarem a ortografia anterior ao Acordo (aquela que lhes ensinaram). “Recepção” em vez de “receção”? Pim! Distinguir “pára” de “para”? Pim! Dois cês em “acção”? Pim-Pam-Pum! E assim sucessivamente... Perante a decisão, contestada por muitos professores, alunos e encarregados de educação, a presidente da Associação de Professores de Português, Edviges Ferreira, não se pronunciou sobre a bondade do Acordo, mas foi firme ao sublinhar a bondade do exercício do poder: “Se [os professores] são funcionários do MEC e o MEC determina que o AO é para cumprir só têm de obedecer”. E se Edviges Ferreira fosse chinesa não seria mais diáfana. Obscuro é o Acordo. Nas motivações, no teor e nas consequências. As últimas são desastrosas! Nunca se viu tanta asneira junta. É “fato” para facto, “contato” para contacto, “impato” para impacto, “infecioso” para infeccioso, “batéria” para bactéria, “perfecionista” para perfeccionista... Seria fastidioso prosseguir. Dirão: isso são erros! Não constam do Acordo. Ah, pois é! Mas curioso mesmo é que ninguém os
escrevesse antes do dito. Quanto ao teor, já os especialistas explicaram como a mítica unificação resultou num labirinto de variantes ao gosto do freguês e quão perverso é o critério da pronúncia culta (Coimbra? Porto? Funchal?). A parte fácil são as motivações: novos dicionários, prontuários, livros escolares e adaptações de clássicos dão dinheiro a muita gente (além dos instrumentos online). O que é que o MEC tem que ver com isto? Simples. Face à aberração (que ninguém no estrangeiro está a levar realmente a sério), sai da cartola a política do facto consumado. Quando os putos deixarem de saber escrever português, quem sobrará para defender a língua?
Nota: A Biblioteca do Desacordo Ortográfica agradece à autora o envio do original.
Publicado na Biblioteca do Desacordo Ortográfico em 23 de Março de 2015 http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico http://ilcao.cedilha.net/docs/ilcassinaturaindividual.pdf Veja também como vai A Choldra Ortográfica em Portugal http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm