NÃO CUSTA NADA

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in PÚBLICO, 28 de Junho de 2015

NÃO CUSTA NADA: É SÓ PÔR UM TIL Por Nuno Pacheco, Jornalista

Ela disse: “Não esperava essa riâção.” Disse‐o na televisão, toda a gente ouviu, ainda por cima era uma técnica a falar das suspeitas de corrupção no Hospital de Santa Maria. Ela não esperava, mas nós já esperávamos. Tarde ou cedo teríamos, na fala corrente, a “riâção” (por reação, onde antes se escrevia reacção), o “if’tivo’ (por efetivo, onde antes se escrevia efectivo), a “conc’ção” (por conceção, onde antes se escrevia concepção) e até mesmo o “corruto”, onde se escreve ainda corrupto. E isto é apenas o princípio, há‐de vir pior. À custa de se lerem palavras deformadas por um acordo ortográfico que ignora que a nossa fala não rima com ele, far‐se‐ão ouvir autênticos horrores. Isto além do resto, claro. Num texto Na verdade não custa. Basta recente, um dos defensores do acrescentar ao NAO um simples til. novo acordo ortográfico (NAO), o E acabar com esta farsa, que já foi professor Carlos Reis, referia‐se (e longe demais. Utilidade? Nenhuma, bem) a “rigor conceptual”. No como se vê. Problemas? Bastantes, entanto, basta visitar o Museu como também se vê. Uma floresta Berardo para tropeçar numa de enganos e disparates, onde nem tabuleta que anuncia, em letras grandes, “arte concetual”. Sim, o quem inventou as novas regras NAO dá tal escolha por facultativa, concorda inteiramente com elas e aqui, no Brasil ou na Patagónia. E se muito menos as sabe aplicar com num exame um aluno escrever um mínimo de nexo comum. Uma concetual e outro conceptual, o que vergonha. fará o examinador? Moeda ao ar? Curioso dilema, para uma grafia “finalmente unificada”. Mas há mais. Num texto que publicou no Brasil, um dos mentores do NAO, Evanildo Bechara, escreveu que nos nomes não se toca (O Dia, 13/11/2011). Por palavras dele: “Essas exceções constituem nomes próprios, cuja fidelidade ao registro oficial sempre foi garantida pelos projectos ortográficos.” Sempre? Ora vão à Capela de São João Baptista, ali ao Chiado, e vejam como já mudou para “São João Batista”. E confiram quantos Baptistas estão a suprimir o “p”, em mensagens, em “obediência” ao NAO. Com “fatores” destes (e é curioso verificar como, sendo da mesma família da palavra facto, que mantém o “c”, factor ou factores o possam ter perdido, deformando‐se


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