A POLÍTICA DO ESPÍRITO DO NOVO ESTADO António de Macedo
Estamos novamente em arranque de aulas e a entrar no terceiro ano consecutivo em que o governo de José Sócrates, à beira da queda, estatuiu que o Acordo Ortográfico (AO90) entraria em inexorável aplicação no aparelho do Estado e afins em 1 de Janeiro de 2012, e o novo governo de Passos Coelho acatou submissa e rasteiramente criando na vida portuguesa e no ensino o caos ortográfico e cultural que está à vista de todos quantos não sejam deliberadamente cegos. O AO90 inaugurou um Novo Estado de tendências tantalizantes — e só não digo totalizantes, ou totalitárias, porque o voto do cidadão comum lá está a caucionar a Nova Ordem das actuais ditaduras democráticas. Mas a verdade é que o distanciamento entre a governação e o chamado «povo» tem sido uma constante com tendência a acentuar-se. Nos tempos salazarescos, o pensador e filósofo António Sérgio, inimigo declarado do regime do Estado Novo, já denunciava esse distanciamento que, se por um lado se devia ao cariz ditatorial do regime, por outro assentava em grande parte num fenómeno sociológico que hoje também se observa, e de uma maneira gritante: a governação, para se afirmar e consolidar, atende mais às «pedras mortas» das obras de fachada, ou do país virtual, do que às «pedras vivas do país real» (palavras de António Sérgio). Como consequência, nós, as «pedras vivas», somos normalmente pisados porque apenas servimos como «pedras de calçada» para os bem-instalados pisarem nas suas viagens de negociatas e nas suas passeatas de pompa e circunstância. Se é certo que vivemos em Democracia Constitucional, também é certo que a tendência da governação, na prática, é tornar-se cada vez mais autocrática e despótica — e apenas refiro, entre muitos outros exemplos infelizmente observáveis quase diariamente, o método brutal, para não dizer selvagem, com que o AO90 está a ser imposto a uma Pátria inteira, por uma minoria surda a toda a lógica e a todo o bom senso porque, detendo o poder, só atende à gula dos dividendos imediatistas, económicos ou políticos. Devo esclarecer que não sou especialmente contra este AO90: sou contra QUALQUER acordo, ou tentativa de acordo, que vise «unificar» (?) a ortografia ou qualquer outro aspecto gráfico-fonético-semântico da língua portuguesa nas diferentes formas e vertentes em que é falada e escrita no mundo. Tal pretensão é uma aberração tão irreflectida quão despropositada: a língua portuguesa difundiu-se ao longo dos séculos pelos mais variados pontos do globo onde foi adquirindo, NATURALMENTE, diferenças e matizes consoante as culturas, etnias, tradições e falares locais, o que é um bem e uma riqueza. Esse bem não deve ser desfigurado ARTIFICIALMENTE por um colete-de-forças imposto por violência político-económicopartidária para servir interesses que só não são obscuros por já terem sido muitas vezes expostos e denunciados.
Os anglófonos bem o entenderam e bem o praticaram: nunca lhes passaria pela cabeça — precisamente por serem sensatos e de sólida tradição cultural — «unificar ortograficamente» o inglês britânico e o inglês americano…! Claro que ainda sou mais contra a ridícula presunção de que é possível «rever» e «melhorar» o AO90. Não tenhamos ilusões: este pseudo-Acordo é tão mau que não tem conserto nem melhoria possível. A única solução só não é matá-lo de vez porque o AO90 já nasceu morto, portanto apenas basta enterrá-lo bem fundo com legislação revogatória apropriada. Deve haver a sensatez, a humildade e o respeito pela Natureza para deixar a Natureza actuar, deixar que a língua que Portugal espalhou pelo mundo siga o seu curso natural nos vários espaços e tempos onde floresceu e continua a florescer, pois essa é a melhor homenagem que podemos prestar aos grandes que a engrandeceram, os trovadores dos cancioneiros medievais, Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, Vieira, Camilo, Eça, Pessoa… e tantos mais. Um dos argumentos que tenho ouvido para que a imposição do AO90 se mantenha é: «Agora já é muito difícil e muito custoso voltar atrás» — ou seja, invoca-se a persistência no erro para justificar a persistência no erro! Estamos em pleno reino do «porque sim», ou, pior, da nefanda prática do facto consumado, apanágio das ditaduras. E consentiremos nós que num tal chafurdeiro continue a atascar-se a política cultural deste Novo Estado português? Um erro é sempre um erro, e nunca é tarde de mais para corrigi-lo e anulá-lo, como diz a sabedoria popular: mais vale tarde que nunca. Em Julho de 2008, o político Rui Tavares escreveu a seguinte «profecia» no seu blogue, sob o título “Nem se vai dar por isso”, menosprezando os que são contra a adopção do AO90: «Se estamos numa de palpites, deixo o meu: daqui a cinco anos ninguém se vai lembrar das razões de tanta resistência.» Ver em http://ruitavares.net/textos/nem-se-vai-dar-por-isso/ Para um político que se preze, revelou-se um péssimo profeta. Afinal, volvidos os tais cinco anos, a resistência não pára, as queixas no ensino e por todo o lado são uma autêntica enxurrada, os artigos a desmistificar a gigantesca fraude do AO90 multiplicam-se com argumentos fundamentados e demolidores, o Brasil adiou a obrigatoriedade da sua aplicação, Angola e Moçambique não ratificaram, os comentários, textos, blogues e grupos com milhares de aderentes na Internet e nas redes sociais contra o calamitoso AO90 superam de longe os estrebuchantes vagidos dos que teimam em defender o indefensável, uma Petição pela desvinculação de Portugal ao AO90 está agendada para ser discutida em Plenário na Assembleia da República… Sobre a quantidade e difusão de órgãos de informação que recusam o AO90 vale a pena dar uma espreitadela ao que se resume neste sítio da Internet: http://vaismalportugal.blogspot.pt/2013/01/cibertretas-da-lingua-acordesa_23.html Todo este movimento, imparável, devia fazer com que o Governo se sentasse a reflectir, e soubesse tirar as devidas — e democráticas — ilações. Neste ponto sinto ser meu dever dirigir-me especialmente ao Chefe do Governo, chamando-lhe a atenção para a antiga e conhecida máxima Templária: «Uma espada não se deve desembainhar sem razão nem embainhar sem honra».
Senhor Primeiro-Ministro: As acometidas sem razão têm sido muitas. Quando chegar o momento de embainhar a espada, corrido pelo voto dos Portugueses, que o seja com honra, mesmo que apenas com um único saldo positivo: o de ter devolvido à Língua Portuguesa falada e escrita em Portugal a Dignidade que lhe tem vindo a ser sonegada por baixos interesses políticoeconómico-partidários, com a cumplicidade da surdez, do mutismo e da indiferença indesculpáveis do seu Governo. Artigo enviado pelo autor para publicação na imprensa.
Fonte: Facebook do autor publicado a 14 de Outubro de 2013 em https://www.facebook.com/antonio.demacedo.73/posts/316977005108993 Publicado na Biblioteca do Desacordo Ortográfico a 14 de Outubro de 2013 http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico http://ilcao.cedilha.net/docs/ilcassinaturaindividual.pdf Veja também como vai A Choldra Ortográfica em Portugal http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm