in JORNAL DA MADEIRA de 28 de Setembro de 2013
Carta aberta ao Sr. Presidente da República Duarte Afonso, Romancista
A nossa língua está a ser atacada, mutilada e destruída por um monstro a que chamam acordo ortográfico, introduzido no nosso país pelo anterior governo e carinhosamente tratado pelo actual, com o beneplácito de V. Ex.ª que o promulgou, e até hoje nada foi feito para evitar essa tragédia. Nem os conselhos e alertas que têm surgido de todo o lado a chamar a atenção para a inutilidade do acordo, vindos de linguistas, escritores, juízes, historiadores, deputados, autarcas, professores, tradutores, jornalistas, etc., produziram qualquer efeito. Infelizmente, já se ouve ao longe o som das trombetas anunciar o fim da estrada da nossa língua, e já começa a sentir-se o martelar no caixão da desgraça, que há-de servir para o funeral do nosso idioma, se não forem tomadas as medidas urgentes que se impõem para acabar com esse monstro. Sr. Presidente, como garante da Constituição tem o dever de intervir imediatamente e fazer parar o ataque miserável e inadmissível que está a mutilar e a destruir a nossa língua por essa coisa infame, absurda, ilegal e inconstitucional a que chamam acordo ortográfico.
O Estado não tinha nem tem o direito de legislar sobre matérias que dele não dependem, nem a ele competem, como é o caso da evolução da nossa língua em qualquer das suas vertentes, sendo a ortografia uma dessas vertentes.
A evolução da nossa língua foi-se adquirindo ao longo do tempo, com a introdução de alguns ajustamentos, mas foram feitos com rigor, com inteligência, por especialistas competentes, com conhecimento profundo do nosso idioma, e não com acordos inúteis e prejudiciais para o nosso país, nem com leis autoritárias e decretos abusivos. Sr. Presidente. Os próprios responsáveis pelo acordo não estavam preparados para cumprir a sua missão, e demonstraram claramente quer no próprio acordo, quer na nota explicativa a sua impreparação, onde escreveram pérolas literárias dignas de registo. Vejamos uma pequenina passagem de uma dessas pérolas: “Considerando que tais casos se encontram perfeitamente delimitados, como se referiu atrás, sendo assim possível enunciar a regra de aplicação, optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.” (5.2.4) Esta explicação absurda, ignorante e inadmissível, só por si, reflecte de forma clara e objectiva a impreparação dos autores do acordo, porque demonstra claramente o contrário daquilo que defendem. A dupla grafia não une, afasta, duplica, que é bem diferente. A consagração da grafia dupla reflecte a impossibilidade efectiva e incontornável de unificação.
No preâmbulo do acordo falam em projecto de texto de ortografia unificada da língua portuguesa, aprovado em Lisboa em 12 de Outubro de 1990. Se a finalidade do acordo era unificar a língua portuguesa, e está demonstrado pelos próprios autores do acordo e não só, que o mesmo em vez de unificar desunifica, por que é que não querem ver a realidade? Por que é que continuam a insistir na aplicação do mesmo sabendo-se que só serve para mutilar e destruir a nossa língua?! Errar é humano, mas insistir no erro e não querer repará-lo, já passa a raia da tolerância para atingir o campo do quero, mando e posso. Uma notícia que saiu no jornal de notícias em 12-07-2008, assinada por Sérgio Almeida, intitulada “Peritos arrasam Acordo ortográfico,” reflecte bem a importância que o mesmo merece. Com a devida vénia passo a citar uma pequenina passagem: “Esmagadora maioria dos linguistas, académicos e editores consultados estão contra o tratado. Se a implementação do Acordo Ortográfico dependesse apenas dos resultados do processo de consultas, há muito que o projecto teria sido abandonado. Das 27 entidades contactadas, apenas duas se mostraram favoráveis”. Qual foi o resultado que estas opiniões merecerem por parte do Estado e do governo? Nenhum! No dia 8 de Abril de 2009, uma petição com mais de 115 mil assinaturas, contra o acordo ortográfico, foi analisada e votada pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República. Essa Comissão por unanimidade deu razão ao conteúdo e ao significado da petição, e alertava “que as preocupações e os alertas dos peticionários devem ser tidos em conta, do ponto de vista técnico e político a curto e médio prazo.” Qual foi o resultado dessas recomendações? Nenhum! O próprio acordo impõe um vocabulário comum, mas esse vocabulário ainda não foi elaborado. E é o único válido. Os que nos foram impostos não têm qualquer valor, porque foram subvertidas as regras do próprio acordo. (art.º 2) O Art.º 43 nº 2 da Constituição diz que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, mas o acordo foi-nos imposto por decreto e cozinhado nas costas do povo. Apesar de todos estes factos e de outros, os nossos governantes com a cumplicidade de V. Ex.ª continuam a dar protecção a um acordo ilegal cheio de erros grosseiros e disparates escandalosos. Vejamos alguns exemplos: “Cor-de-rosa” tem hífen, “cor-de-vinho” não tem. “Fim-de-semana” tinha hífen, com o monstro deixou de ter. Mas, “arco-da-velha” e “cor-de-rosa” mantêm o hífen com a argumentação de que estas palavras são consagradas pelo uso. A palavra “fim-desemana” não é consagrada pelo uso? Quantas vezes será preciso escrever mal até que os erros passem a ser “formas consagradas pelo uso?” (Base XV) Espectador também se pode escrever espetador, o que altera completamente o significado da palavra. Espectador é quem assiste a um espectáculo. Espetador é quem espeta algo em qualquer coisa ou em alguém.
“Rua de Santo António” podemos escrever de oito formas correctas na “ortografia unificada.” “Pára” (verbo) deixou obrigatoriamente de ter acento e não se distingue da preposição “para” (Base IX, 9.º) mas “pôr” (verbo) mantém obrigatoriamente acento para se distinguir da preposição “por”. (Base VIII, 3.º). Um aluno, num texto,tanto pode escrever dicção como dição, facto como fato, recepção como receção, ceptro como cetro, sumptuoso como suntuoso, concepção como conceção, amnistia como anistia, aritmética como arimética, súbdito como súdito, subtil como sútil, etc. (4.1-4.4) Como é que os autores do acordo podem falar em ortografia unificada se o mesmo assenta no facultativo na acentuação gráfica e na consagração pelo uso? Como é que os nossos governantes não vêem estes disparates? Como é que V. Ex.ª se pode manter em silêncio quando a nossa língua está a ser atacada, mutilada e a morrer lentamente?! Infelizmente, a eficácia destruidora do monstro, uma espécie de formiga-branca que ataca por todo lado, já está à vista. Agora temos o português brasileiro, o português correcto que é o que se escreve em Angola, e temos o acordês que é a trapalhada que se escreve em Portugal. Vejamos uma pequenina passagem de um editorial do jornal oficioso de Angola que demonstra bem a posição daquele país em relação ao monstro. Com a devida vénia passo a citar: “O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios.” Sr. Presidente. Estes factos, dos quais V. Ex.ª e os nossos governantes deviam tirar ilações demonstram claramente como Angola e os seus governantes defendem a Língua Portuguesa, porque também lhes pertence, porque a herdaram, porque a estimam, porque a respeitam, e por isso a defendem com nobre e elevado sentimento de responsabilidade e patriotismo. Perante todas as inconsistências do acordo, a crescente babilónia que se está a formar no seio da nossa língua, a iliteracia que está a gerar, os estragos que está a causar ao nosso património cultural, e a desordem que está a provocar por todo lado, não tenhamos dúvidas que o silêncio oficial é cúmplice de um crime contra o nosso património linguístico que tem de parar imediatamente. O art.º 78 da Constituição diz que “todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural”. É isso que milhares e milhares de portugueses e portuguesas estão a fazer, defender a nossa língua, já que os nossos governantes não conseguem ver a realidade à luz da verdade e dos acontecimentos. A única coisa que sabem fazer é instituir o disparate, prejudicar o país, infernizar a vida aos portugueses, e destruir, destruir sem fim. Sr. Presidente, como garante da Constituição tem o dever de intervir imediatamente e fazer parar o ataque miserável e inadmissível que está a mutilar e a destruir a nossa
língua por essa coisa infame, absurda, ilegal e inconstitucional a que chamam acordo ortográfico. Se nada fizer, o Vosso silêncio transformar-se-á em arma letal contra o nosso idioma, e em vez de espectador desta tragédia, passará a ser mais um espetador a espetar setas no coração da nossa língua, através do sobredito silêncio. Ao contrário do que se diz, o silêncio nem sempre é de ouro. Muitas vezes, quando é mal utilizado também se transforma em tragédia e desgraça. Por fim apetece-me perguntar: Que mal fizeste Amada língua? Para seres assim desventrada, Por gente que não te conhece E de ti não sabe nada! Fonte: http://networkedblogs.com/Px2JK Publicado na Biblioteca do Desacordo Ortográfico em 29e Setembro de 2013 http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico http://ilcao.cedilha.net/docs/ilcassinaturaindividual.pdf Veja também como vai A Choldra Ortográfica em Portugal http://www.jrdias.com/acordo-ortografico-biblioteca.htm