Revista Rostos Online N05

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NÚMERO 05 ABRIL-MAIO 2012

Barreiro

Cidade património com memória de futuro



PRODUÇÃO DE SENTIDOS

Barreiro Tempo de superar «angústias ideológicas» e «crises de identidade» /// TEXTO: ANTÓNIO SOUSA PEREIRA

O Barreiro é um concelho marcado pela memória, só que não pode continuar a viver como se essa memória fosse uma realidade actual, hoje, tem que ser capaz de potenciar as «energias» que emergem dessa memória como projecto de construção de futuro. A vida mudou. O Barreiro mudou. Desde os anos 80 que o tecido social do Barreiro começou a ser marcado pela emergência do seu sector de serviços. O Barreiro é nos tempos de hoje uma cidade que procura rumos, dividido entre as potencialidades que pode desenvolver e estão emergentes nos territórios do antigo complexo industrial, e as potencialidades naturais e históricas que estão inscritas no seu território. O território do concelho do Barreiro está carregado de memórias, com uma riqueza patrimonial de dimensão nacional e internacional, que é urgente potenciar. Não refletir sobre esta realidade de forma a projectar-se as suas potencialidades e dar-lhe uma dimensão estratégica é, sem dúvida, adiar o futuro. Concordo com as palavras de Carlos Humberto, presidente da Câmara Municipal do Barreiro, quando sublinha que “temos que construir uma visão estratégica”, porque ela ainda não existe. O Barreiro tem que ser capaz de lançar as bases de um projecto de actividade cultural-turística que será construído ao longo de acções que serão dinamizadas pela actual geração e consolidadas nas próximas gerações. É preciso captar investidores para o concelho, mas, para tal, é preciso que exista uma estratégia que aponte os caminhos a construir. Para a construção dessa estratégia é necessário superar «angústias ideológicas» e «crises de identidade», porque estes, de facto, são problemas centrais que marcam as reflexões sobre a nossa memória. O Barreiro tem imensas riquezas que se perdem no tempo – desde a época dos descobrimentos, que pode ser associada a um projecto de requa-

lificação ambiental; passando pela sua riqueza moageira, ferroviária e corticeira indissociáveis da sua ligação ao rio; ou as memórias de um património industrial único, com marcas de referência como Alfredo da Silva, ou a Real Fábrica do Vidro de Coina. O Barreiro pode ser e muito bem o concelho dinamizador a nível nacional de uma ROTA DO TRABALHO e DA INDÚSTRIA ao mesmo tempo que se pode inserir em Rotas mundiais de referência: a rota do Vidro, ou a Rota da Fotografia, potenciando o valor do seu grande vulto Augusto Cabrita. O Barreiro tem, igualmente, condições de ser o promotor de uma ROTA DA LIBERDADE, terra de cultura interclassista, que sentiu na pele a repressão e foi uma referência para Portugal e para o mundo. Para fazer este caminho é preciso caminhar, e sermos capazes de pensar que o passado já não existe, porque viver com os olhos no passado é viver no imobilismo. É preciso pegar no passado e erguê-lo com ambição de fazer futuro! O Barreiro é uma marca, é uma marca histórica – uma marca de luta pela Liberdade, uma marca de gente de trabalho, do operário ao pequeno patrão, do empregado de balcão ao engenheiro, do professor ao advogado,etc. Uma terra que sempre soube viver de forma solidária, fazendo quotidianamente uma intensa vida associativa. O Barreiro tem que ser capaz de afirmar como referência na AML e na Península de Setúbal, reencontrando caminhos, potenciando as suas forças endógenas que estão em construção, por exemplo, no plano comercial com o Forum Barreiro, com o Retail Planet, com o Continente, e simultaneamente promover uma estratégica turístico-cultural motivando o Poder Central para que olhe para este território e veja as suas enormes potencialidades como sendo estratégicas e essenciais para a construção da grande Lisboa – capital de duas margens.

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EM DESTAQUE

REGISTOS E HISTÓRIAS – PÁGINA 5 A 11 Mausoléu de Alfredo da Silva «Alfredo da Silva repousa junto da obra que criou e vela pela sua continuidade». Por Vanessa Almeida Em respeito à vontade expressa em vida por Alfredo da Silva a Companhia União Fabril mandou erigir um mausoléu no cemitério do Barreiro em homenagem ao seu fundador

FIXANDO NO TEMPO – PÁGINAS 10 A 14 Barreiro: um Património Diferente Por Manuela Fonseca Levemos a sério a unidade hoteleira agora aventada e, claro, o Turismo – há aqui muito para investigar, estudar e mostrar. Através deste sector económico, no aproveitamento, positivo, de tempos livres, mostremos as obras dos nossos pensadores, artistas, artesãos, desportistas, o povo, a honestidade de convicções, as fábricas, empresas e escolas onde queremos, sempre, fazer mais e melhor.

EM FOCO – PÁGINAS 17 E 18 Uma página das «Memórias» que fazem a história do Barracuda OPERAÇÃO “ENDURANCE” A 11 de Junho de 1997 o NRP “Barracuda” largou da Base Naval de Lisboa, com uma guarnição completa de 53 elementos, para realizar a operação endurance, tendo regressado à mesma base 31 dias depois, ou seja a 11 de Julho do mesmo ano. A operação foi um sucesso. Testaram-se adaptações à estrutura logística e aos ritmos de bordo, tendo-se recolhido importantes lições para o futuro.

Director: António Sousa Pereira sousa_pereira@rostos.pt; Redacção: Claudio Delicado, Maria do Carmo Torres, Vanessa Sardinha; Colaboradores Permanentes: Marta Sales Pereira, Luís Alcantara, Rui Nobre (Setúbal), Ana Videira (Seixal); Colunistas: Manuela Fonseca, Ricardo Cardoso, Nuno Banza, António Gama (Kira); Carlos Alberto Correia, Pedro Estadão, Nuno Cavaco e Paulo Calhau; Departamento Relações Públicas: Rita Sales Sousa Pereira; Departamento Comercial: Lurdes Sales lurdes@rostos.pt; Paginação: Alexandra Antunes xana@rostos.pt; Departamento Informático: Miguel Pereira miguel@rostos.pt Contabilidade: Olga Silva; Editor e Propriedade: António de Jesus Sousa Pereira; Redacção e Publicidade: Rua Miguel Bombarda, 74 - Loja 24 - C. Comercial Bombarda - 2830 - 355 Barreiro - Tel.: 21 206 67 58/21 206 67 79 - Fax: 21 206 67 78 E - Mail: jornal@rostos.pt; Website: www.rostos.pt; Nº de Registo: 123940; Nº de Dep. Legal: 174144-01;

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Mausoléu de Alfredo da Silva «Alfredo da Silva repousa junto da obra que criou e vela pela sua continuidade» /// TEXTO: VANESSA ALMEIDA

Em respeito à vontade expressa em vida por Alfredo da Silva1, a Companhia União Fabril mandou erigir um mausoléu no cemitério do Barreiro2 em homenagem ao seu fundador. INTRODUÇÃO «Comunicou também, o Snr. Presidente que no domingo dia vinte do corrente se procederá à trasladação dos restos mortais do saudoso Administrador Gerente, Snr. Alfredo da Silva, para o mausoléu que a Companhia mandou erigir no cemitério do Barreiro, junto à nossa fábrica de tecidos, conforme a vontade por Sua Excelência tantas vezes manifestada».3 No dia 22 de Agosto de 1942 morre, em Sintra, pelas 20h30m, Alfredo da Silva, deixando atrás de si o primeiro e maior grupo financeiro português.4 Sepultado no cemitério oriental de Lisboa, viria a ser trasladado para o Mausoléu erigido para o efeito no então cemitério do Barreiro, no dia 20 de Agosto de 1944. O projecto para este Mausoléu data de 1943, e é fruto da parceria entre o arquitecto Luís Cristino da Silva e o escultor Leopoldo de Almeida. Não sabemos hoje quais as motivações que estiveram subjacentes à selecção destes dois artistas para a elaboração deste projecto por parte da Administração da CUF. Não são conhecidos quaisquer trabalhos anteriores, pelo contrário, o Mausoléu erigido no Barreiro ABRIL/MAIO

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viria a funcionar como ponto de partida para trabalhos futuros.5 Talvez a razão de tal selecção assente no currículo de ambos os artistas envolvidos, no posicionamento de ambos no panorama artístico nacional. E é exactamente isso que nos propomos agora fazer. Uma breve resenha do percurso de Cristino e Leopoldo até ao momento do seu encontro para a realização do Mausoléu, a qual permitirá compreender a importância dos artistas envolvidos no tributo a Alfredo da Silva. Não será por isso um estudo exaustivo da obra de ambos. Antes o destacar de momentos cruciais, não apenas no percurso de cada um mas, e também, na história da arquitectura e escultura portuguesa de então. LUÍS CRISTINO DA SILVA (1896-1976) Cristino da Silva nasceu em Lisboa em 1896, filho de João Ribeiro Cristino da Silva e de Maria Antónia Augusta Carvalhosa e Silva. Neto e filho de artistas, Cristino nasce no meio certo para o desenvolvimento das suas aptidões artísticas. Em 1910, inscreve-se em simultâneo na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (curso preparatório de Arquitectura Civil) e na Academia de Belas-Artes de Lisboa. Apesar dos seus antecedentes, Cristino da Silva irá revelar-se um aluno mediano (contrariamente a Leopoldo de Almeida, como teremos ocasião de observar). Em 1919 conclui o curso de Arquitectura Civil, entrando como estagiário no Ministério da Instrução Pública. Nesse mesmo ano concorre a uma bolsa de estudo no estrangeiro no âmbito do legado Valmor e, já em 1920, encontramo-lo na École des Beaux-Arts de Paris como aluno livre, inscrito no atelier de Victor Laloux e Charles Lemaresquier. A estadia de Cristino da Silva no estrangeiro irá prolongar-se até 1924, permanecendo não apenas em Paris como também em Roma, onde fará um pequeno estágio de seis meses. Os trabalhos que vai enviando para Portugal granjeiam-lhe tal posição 6 /// REVISTA ROSTOS ONLINE

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que, em 1923 será indicado para membro do júri do Prémio Valmor. Como interpreta João Rodolfo, «Numa época em que já não era usual, nem necessário, o estágio em Paris, Cristino não hesita em aprofundar os seus conhecimentos na capital francesa, então considerada a “Meca da Arte” (...). A sua meta não era, contudo, a de alcançar o mais prestigiado diploma de arquitectura do mundo – pretendia apenas conseguir uma vantagem competitiva em relação aos seus colegas portugueses.»6

No seu regresso a Portugal, as influências dos vários movimentos artísticos com que havia contactado, sobretudo do movimento moderno, estão ainda bem presentes no espírito de Cristino da Silva. Assim, logo no ano de 1925, será responsável pelo projecto do Cinema Capitólio, considerado por muitos autores como o primeiro exemplo, ou o exemplo mais mediático7 da arquitectura modernista em Portugal. De facto, «Todos os signos ligados ao moderno esta-


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rio Azevedo. Todos eles serão arquitectos do que Nuno Portas designou por efémero modernismo. Todos irão abdicar a ele em nome de uma arquitectura de carácter mais nacionalista, mais próxima aos interesses do Estado Novo, cada vez mais fortalecido, situação que viria a culminar na Exposição do Mundo Português9, na qual o Pavilhão da Honra e de Lisboa , da autoria de Cristino da Silva (projecto de 1938), viria a ter particular destaque.10 Como salienta José-Augusto França, «Com esta realização [Exposição do Mundo Português] terminou de modo sistematizado o primeiro “modernismo” da arte nacional, surgido por volta de 1915, arrastado por anos 20 provincianos, perdido e achado na protecção oficiosa das Exposições de Arte Moderna do SPN – de modo a que o “necessário equilíbrio estético” desejado passasse a exprimir-se numa nova fase de maturidade orientada por valores nacionalistas e folclóricos, com a recuperação ideológica, estilizada ou modernizada, de formas do passado nacional.»11 Mas será com o seu projecto para a Praça do Areeiro que Cristino se irá afirmar como arquitecto do regime, já que esta será o símbolo perfeito da arquitectura do Estado Novo, projecto desenvolvido no período compreendido entre 1941 e 1956, e no qual Cristino da Silva irá recorrer a «uma estrutura de betão formalmente disfarçada e distorcida por formas neo-setecentistas, e reflectindo a influência italiana e alemã, classicizante e “dura” (em arcadas, cornijas, telhados)».12

Cristino da Silva será, inquestionavelmente, um dos principais autores da primeira geração de arquitectos modernistas, a par de nomes como Carlos Ramos, Porfírio Pardal Monteiro, Cassiano Branco, Paulino Montez, Cottinelli Telmo, Jorge Segurado, Rogé-

Estudante aplicado, matricula-se na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL) em 1913 e, em 1916, inscreve-se no Curso Especial de Escultura, o qual viria a concluir com a classificação de 20 valores no exame final e com a média de curso de 18,2. 15 Posteriormente, já em 1934, Leopoldo irá sair vencedor do concurso para professor de desenho da ESBAL, em detrimento de Francisco Franco.16 Leopoldo de Almeida irá concluir a sua formação em Paris e Roma, regressando a Portugal em 1929, expondo então no salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes o Fauno ou Ancestralidade Meridional, onde se denotam algumas influências modernistas, as quais viriam a ser totalmente repudiadas na Figura Alegórica de Portugal (1938) por si criada para o Café Portugal, projecto arquitectónico de Cristino da Silva, primeira vez que temos notícia de um trabalho em parceria entre os dois artistas em foco. Ainda em 1930 encontramo-lo a trabalhar no projecto para os baixos-relevos da fachada do Cinema Éden os quais, «decerto agradariam a gregos e a troianos por marcarem um justo meio entre duas escolas diferentes».17

Dois anos mais novo que Cristino da Silva, Leopoldo de Almeida viria a revelar-se «o mais fecundo escultor deste período»13, e cuja produção escultórica viria a prolongar-se até ao início da década setenta do século transacto.

Entretanto, no ano de 1933, concorre e vence o concurso para o monumento a António José de Almeida. Este é um ano marcante no panorama artístico nacional. É o ano em que António Ferro assume a direcção do Secretariado de Propaganda Nacional (posteriormente designado por SNI), o que, e em parceria com a acção desenvolvida por Duarte Pacheco no Ministério das Obras Públicas, irá desembocar num movimento de encomendas estatais sem precedentes, nas quais a escultura irá assumir um papel de relevo enquanto veículo de propaganda do regime18.

Contrariamente a Cristino, Leopoldo de Almeida não nasceu no seio de uma família de artistas, antes teve como progenitor um «modesto operário com oficina de torneiro

António Ferro irá propor a Salazar a mobilização da arte, da literatura e da ciência em prol do regime que agora se cimentava, já que estas eram «a grande fachada duma

Leopoldo Neves de Almeida (1898-1975) vam ali presentes: a cobertura em terraço, a superfície lisa e totalmente isenta de decoração, a aresta viva, o grande vão envidraçado, as rampas rolantes, os volumes puros e a luz eléctrica.»8

de madeiras».14

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nacionalidade, o que se vê lá de fora...»19. E continua, «Há aí duas dúzias de rapazes, cheios de talento e mocidade, que esperam, ansiosamente, para serem úteis ao seu País, que o Estado se resolva a olhar por eles.»20

a responder a uma série de encomendas oficiais. Assim, em 1939, participa na Exposição Internacional de Nova Iorque, onde expõe o modelo da estátua do Marechal Carmona. Do mesmo ano, a estátua de Oliveira Salazar, em Sta. Comba Dão.

Pelas características da sua obra21, Leopoldo de Almeida será um dos escultores do regime, um entre as duas dúzias de rapazes citados por Ferro, até porque o seu período áureo irá coincidir, em larga medida, com a época deste à frente dos destinos do SPN. A sua actividade será paralela à de escultores como o já citado Francisco Franco, Maximiliano Alves, Rui Gameiro, Álvaro de Brée, António Feio e António Duarte. Serão estes os nomes da Idade de Ouro da escultura portuguesa.22

No ano seguinte, ano da Exposição do Mundo Português, é premiado com a Medalha de Honra da SNBA, recebendo também o prémio Soares dos Reis, do SPN/SNI. Para a Exposição de Belém, ficou responsável pelos principais projectos escultóricos – a Soberania e o Padrão dos Descobrimentos, este último em parceria com Cottinelli Telmo.

Nos anos seguintes, Leopoldo irá manter uma actividade constante, sendo chamado

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Em 1941, Leopoldo de Almeida veria tornado público o reconhecimento do regime face à sua obra, ao ser agraciado pelo Presidente da República com o grau de Comendador da Ordem de Santiago da Espada.

MAUSOLÉU DE ALFREDO DA SILVA Em respeito à vontade expressa em vida por Alfredo da Silva23, a Companhia União Fabril mandou erigir um mausoléu no cemitério do Barreiro24 em homenagem ao seu fundador. A documentação disponível informa-nos que a 7 de Maio de 1943 foi enviado pela CUF um ofício à CMB a pedir autorização para «construir no Cemitério desta vila um mausoléu destinado a sepultar os restos mortais do seu falecido Administrador-Gerente...»25 Em Sessão Extraordinária ocorrida a 18 de Maio do mesmo ano ficou expresso que «A Câmara, desejando prestar homenagem de muito apreço pela sua notável obra a favor da economia nacional e do desenvolvimento desta vila, resolveu autorizar a construção do mausoléu(...)»26. A cedência do ter-


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reno necessário (140 metros quadrados) seria tornada pública em Diário do Governo, II Série, nº 146, de 25 de Junho de 1943.27 A construção teria início a 9 de Outubro de 1943, ficando concluída no dia 15 de Agosto de 1944. Não temos hoje qualquer tipo de informação referente ao modo como decorreu o processo criativo, sobretudo no âmbito das relações estabelecidas entre os artistas por um lado e a CUF, por outro. Seria interessante saber qual a influência exercida pela Empresa no que concerne à definição dos programas (arquitectónico e escultórico). Consideramos todavia que, para os artistas envolvidos no projecto a solução encontrada para o mausoléu de Alfredo da Silva foi positiva, na medida em a mesma voltaria a ser aplicada (pelo menos parcialmente), num futuro próximo.28 No pequeno espaço de tempo que decorre entre a primeira planta (30 de Abril) e a planta seguinte (16 de Maio), verificaram-se algumas alterações no que concerne ao programa escultórico, não no âmbito do conteúdo, mas sim no tratamento dado às figuras propriamente ditas. Não sabemos quais as razões que estiveram subjacentes a estas mudanças, ainda assim consideramos que a disposição apresentada na planta de Maio (a qual viria a ser passada a pedra) é mais coerente e definida. No plano arquitectónico, o monumento a Alfredo da Silva foi erigido sobre uma base de alvenaria, em forma de círculo, a qual será limitada no espaço mediante dois semi-círculos, um voltado a Norte, outro voltado a Sul. No centro da base de alvenaria, à qual se tem acesso por uma escadaria, inscreve-se a pirâmide (pilone), a qual cumpre a função de capela mortuária. À semelhança dos semi-círculos, a pirâmide foi construída em granito. O acesso ao interior é feito através de uma porta de dois batentes construída em bronze, à qual corresponde, no lado oposto (lado Sul), uma fresta em forma de cruz. O envasamento no qual se inscreve o monumento é rematado por dois plintos, decorados com os baixos-relevos de Leo-

poldo de Almeida, recebendo no cimo duas taças, também em bronze, para incenso.

«Homenagem dos empregados da CUF e empresas associadas».

Sobre a pirâmide, e assente em quatro leões, uma urna simbólica, tudo construído em granito. A porta que dá acesso ao interior, é encimada por uma cruz e por uma coroa de louros em bronze. Posteriormente, viria a ser colocada ao lado da porta o símbolo da CUF construído no mesmo material. Sem data, apresenta a seguinte inscrição:

O simbolismo do projecto de arquitectura reside essencialmente no recurso à urna simbólica e aos suportes respectivos, assim como à coroa de louros a encimar a entrada. Os quatro leões, símbolos por excelência do Poder, da Sabedoria e da Justiça29, são uma ABRIL/MAIO

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clara alusão à figura de Alfredo da Silva. O plano elevado em que se inscreve o mausoléu face ao meio circundante, como que remete para a presença sempre constante do Patrão a zelar pelos interesses das fábricas e dos seus trabalhadores, tal como havia feito em vida. A coroa de louros funcionará então como o retribuir desta atitude, ou seja, como uma perpétua homenagem dos operários ao Patrão30, aquele que em vida havia garantido a subsistência de todos eles, criador que havia sido de inúmeros postos de trabalho, durante mais de trinta anos. Esta ideia de perpétua homenagem será reforçada através dos baixos-relevos de Leopoldo de Almeida. Até porque estes podem, devem ser interpretados de modo mais abrangente, já que não apenas alusivos aos trabalhadores da CUF, mas antes representativos de até onde o espírito empreendedor de Alfredo da Silva havia 1 Cf. Nota 1, p.12 A 5 de Dezembro de 1962 viria a ser lavrada uma escritura de compromisso entre a CMB e a CUF, através da qual a primeira se comprometia a «Ceder à Companhia União Fabril todo o terreno do Cemitério Municipal (cerca de dez mil metros quadrados), incluindo a habitação do coveiro adjacente ao mesmo terreno, logo que o mesmo se encontre totalmente desocupado, podendo ali continuar o mausoléu do Industrial Alfredo da Silva, que, (...), deverá ser protegido por uma orla de seis metros de largura (...)». Livro de Notas nº 23 do Notário Privativo da Câmara Municipal do Barreiro, fls. 18-23. Esta escritura seria confirmada a 26 de Maio de 1972, através de escritura referente à troca de terrenos entre as duas entidades envolvidas. Cf. Livro de Notas nº 30 do Notário Privativo da CMB, fls. 62-67. Entretanto, em 1963, a CMB procede à construção de um novo cemitério e ao levantamento do antigo, permanecendo no local apenas o Mausoléu de Alfredo da Silva.3 In Acta nº 1163 da Reunião do Conselho de Administração da Companhia União Fabril, S.A.R.L., de 14 de Agosto de 1944, pp.13-14 do Livro de Actas nº 16.4 O qual abarcava: Companhia União Fabril; Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes; A Tabaqueira; José Henriques Totta, Lda.; Empresa Geral de Fomento; Companhia de Seguros Império; União Fabril Farmacêutica; União Fabril do Azoto; Empresa do Cobre de Angola; Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas; Minas da Serra da Lousã, Lda; António Silva Gouveia, Lda. Cf. LELLO, José, «Alfredo da Silva», sep. do Boletim do Sindicato Nacional dos Comercialistas – Homenagem a Alfredo da Silva, Ano II, nº 4, p. 24.5 Luís Cristino da Silva viria a desenvolver, por iniciativa própria, projectos para moradias e prédios para o Bairro da CUF no Barreiro entre 1945-1951, os quais seriam preteridos pela Companhia em benefício dos de Fernando da Silva. Leopoldo de Almeida, por seu turno, seria o autor dos baixos-relevos alusivos à Medicina e à Cirurgia no átrio do Hospital da CUF (1945), assim como de um busto de Alfredo da Silva (1956-57). Cf. RODOLFO, João de Sousa, Luís Cristino da Silva e a Arquitectura Moderna em Portugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 143-147. FLORENTINO, Maria Rachel, «Cronologia», O Atelier de Leopoldo de Almeida (coord. Ana Cristina Leite), Lisboa, Divisão de Museus/Departamento de Património Cultural da CML, 1998, p. 19 e 22.6 Cf. RODOLFO, João, Op. Cit, p. 233.7 Cf. TOSTÕES, Ana Cristina, «Arquitectura Portuguesa do século XX», História da Arte Portuguesa, (dir. Paulo Pereira), vol. III, s.l., Círculo de Leitores, 1995, p. 519.8 Cf. RODOLFO, João, Op. Cit, p. 73.9 Este suavizar das formas arquitectónicas pelos seus intérpretes deve em parte relacionar-se com a actividade de Duarte Pacheco enquanto Ministro das Obras Públicas entre 1932-1936 e 1938-1943, tendo neste último período acumulado com o cargo de Presidente da CML, e com as importantes encomendas

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por este feitas a muitos, se não a todos os arquitectos que, na década de 20, haviam sido os precursores do estilo modernista em Portugal. Mas, e como salienta Nuno Teotónio Pereira, «Na quase totalidade dos casos, essa participação não foi imposta à força nem terá constituído um acto de traição consciente aos ideais estéticos que antes tinham professado; ela ficou a dever-se fundamentalmente ao facto de esses arquitectos serem convictos adeptos do novo regime e dos valores que o mesmo propagandeava – o que os terá levado a uma espontânea atitude de colaboração, que frequentemente assumiu até um carácter entusiástico, como em Cristino da Silva, e por vezes autocrítico relativamente a obras anteriores, como em Rogério de Azevedo.» Cit. In RODOLFO, João, Op. Cit, p. 100.10 Como iria escrever Fernando de Pamplona no Ocidente (1941), «Constitui a obra prima arquitectónica do (...) certame. (...). Nele reflorescem algumas das nossas mais sugestivas tradições artísticas sem que por isso a obra deixe de ser viva e actual.» Cit in FRANÇA, José-Augusto, «Luís Cristino da Silva – Pavilhão de Honra e de Lisboa», Os Anos 40 na Arte Portuguesa, Lisboa, Fundação Caloute Gulbenkian, 1982, p. 58.11 FRANÇA, José-Augusto, «Os Anos 40 na Arte Portuguesa», Idem, p. 23.12 Cf. FERNANDES, José Manuel, A Arquitectura, Lisboa, Comissariado para a Europália 91/Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1991, pp. 49-50.13 FRANÇA, José-Augusto, «Cottinelli Telmo e Leopoldo de Almeida – Padrão dos Descobrimentos», Op. Cit, p. 60.14 Cf. JÚNIOR, Portela, Leopoldo de Almeida – Um artista Singular, Caldas da Rainha, 1955, p. 18.15 Cf. FLORENTINO, Maria Rachel, Op. Cit., p. 16.16 Francisco Franco fará parte da «primeira geração» de escultores. Será aliás através deste escultor madeirense e do seu Gonçalves Zarco, que o período posteriormente designado por António Ferro de Idade de Ouro da escultura portuguesa teve verdadeiramente início, estátua que foi exibida na Avenida da Liberdade no ano de 1928. Como salienta José-Augusto França, «Franco forneceu, porém, o cânone – “Nuno Gonçalves do cinzel” ou “alma gémea de Nuno Gonçalves”, de qualquer modo ligado à inspiração iconográfica do mestre quatrocentista, e com isso encabeçando uma das duas correntes que eram distinguidas logo em 1928, na escultura nacional: a do “espírito clássico, iniciando assim uma nova renascença”, contra “a que procura formas inéditas (...em) obras quase incompreensíveis”. Era o “classicismo austero, discreto e estático” que se opunha ao “movimento naturalista, lírico e de expressões mais febris”, como diria Diogo de Macedo(...).»FRANÇA, José-Augusto, A Arte em Portugal no Século XX, Lisboa, Livraria Bertrand, 1974, p. 256. A estátua de Gonçalves Zarco «passaria a reviver como referência absolutizada, na medida em que essa idealização consubstan-


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chegado e, em última instância, permitido. Símbolos da Indústria, Agricultura e Pesca31, os baixos-relevos como que ilustram o contributo da acção desenvolvida por Alfredo da Silva para o desenvolvimento nacional nas suas mais variadas vertentes económicas. Ambos os baixos-relevos apresentam a mesma tipologia, ou seja, dois planos, um superior e outro inferior. As personagens do plano inferior encontram-se todas elas ajoelhadas, enquanto que as do plano superior permanecem de pé. O baixo-relevo do lado esquerdo apresenta uma variante, já que nele aparece representada uma sétima personagem (no lado direito apenas seis), ainda para mais uma criança, numa provável alusão à Maternidade, um dos valores mais caros à ideologia de então. Ponto em comum em ambos é o facto de todos os olhares estarem dirigidos para a mesma direcção, isto é, para o interior da pirâmide, onde repousam os restos mortais

do Industrial. O baixo-relevo esquerdo, além da alusão à Maternidade já anteriormente mencionada, representa uma cena agrícola, onde os trabalhadores aparecem em pleno momento da ceifa, ilustrando a importância da CUF para o desenvolvimento agrícola do País, através do abastecimento de adubos químicos. O baixo-relevo situado do lado direito apresenta uma cena de carácter industrial, com os trabalhadores representados a empunhar os mais variados instrumentos de trabalho. Não podemos esquecer que Alfredo da Silva era, aquando da sua morte, o detentor do maior complexo industrial do País, sendo que só nas fábricas do Barreiro tinha sob a sua direcção milhares de operários. Compreender a mensagem subjacente implica, sobretudo, atentar no modo como foram trabalhadas as treze figuras representadas. Mais do que a monumentalidade dos volumes (característica da

ciava, realmente, os valores e posturas de um olhar heróico sobre o passado.» ACCIAIUOLI, Margarida, OS Anos 40 em Portugal. O País, o Regime e as Artes. “Restauração” e “Celebração”, vol. I, Dissertação de Doutoramento em História da Arte Contemporânea apresentada à FCSH, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1991, p. 653.17 Cf. FRANÇA, José-Augusto, Op. Cit, p. 261.18 Como refere Diogo de Macedo, «Francisco Franco, mestre em saberes e dotes, com provas dadas e admiradas por todos, há cerca de uma dezena de anos que quase não trabalha senão para o Estado. (...). Mas outros escultores as Obras Públicas têm premiado, distribuindo-lhes estátuas para quantos recantos urbanos o moderno sentido estético as reclama, não vá julgar-se e dizer-se, portanto, que só um escultor o Estado reconheceu, pois, bem ao contrário, nunca as novas gerações foram tão apressadamente protegidas por ele.(...). Será escusado desenvolver mais a citação de tantas obras, para se reconhecer quanto, desde 1932 até ao presente, a iniciativa das Obras Públicas tem auxiliado as belas-artes em Portugal. A essa iniciativa, muito principalmente, se devem progressos e estímulos de que resultou aumentarem-se o património artístico da Nação e os motivos de vivaz sugestão para a cultura nacional, senão para a educação popular, já que os povos, pela imagem e pela beleza das obras de arte, se convencem e comovem por directa transmissão de verdade, educando-se por propícias simpatias. A propaganda dos problemas estéticos não pode ter melhor exemplo informativo; e são os ambientes de beleza que auxiliam a felicidade das sociedades. A arte tem poderes de sugestão para dulcificar o espírito dos povos.» MACEDO, Diogo de, «A Pintura e a Escultura nas Obras Públicas», Quinze Anos de Obras Públicas 1932-1947, vol.I, Livro de Ouro, Comissão Executiva da Exposição de Obras Públicas, s.d. [1947], pp. 33-34.19 FERRO, António, Salazar – o homem e a sua obra, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1933, p. 86.20 Idem, p. 89.21 «As figuras e temas são tratados ou de forma clássica, no rigor do desenho ou na modelação dos corpos, rostos e panejamentos, afigurando-se idealmente atractivas, ora de forma estilizada, numa escala monumental de volumes gordos e estilização decorativa de simbólica ideológica, formulários convincentes transmitindo pela forma a força do seu significado.» LOPES, Helena Margarida, «A “Idade de Ouro” da Escultura Portuguesa», O Atelier de Leopoldo de Almeida, p. 37.22 «Ninguém pode ter dúvidas sobre o esplendor da escultura portuguesa que vive a sua Idade de Oiro. Poucos países se poderão gabar, efectivamente, de possuir no mesmo período dez ou doze escultores de alto nível, de primeiro plano (...). É clássica, perfeitamente equilibrada, essa escultura? Sem dúvida. Mas (...) o próprio

estatuária da época), interessa sublinhar riqueza psicológica das mesmas já que, e contrariamente a muitas das esculturas de Leopoldo de Almeida e, de um modo geral, das esculturas de então, estas transmitem pensamento, numa palavra, elas sentem. E este sentimento Leopoldo conseguiu expressá-lo não apenas através da expressão facial mas também, e sobretudo, através da expressão corporal. Todas elas são representadas em atitude de homenagem perante Alfredo da Silva, não apenas as figuras do plano inferior, representadas ajoelhadas, como também as do plano superior que, mesmo permanecendo de pé, mantém uma atitude de recolhimento, de humildade, como se o Patrão ainda estivesse presente, vivo, no local para onde todos os olhares se voltam. E está. Pois como se pode ler, «Alfredo da Silva repousa junto da obra que criou e vela pela sua continuidade».

mestre Francisco Franco (...) ao qual já se devem algumas obras-primas da nossa estatuária, em cuja arte há uma vida interior, um movimento espiritual de linhas que transcende o puro académico, não deixou de ser um vanguardísta na sua mocidade (...). O mesmo se pode dizer do espírito e da evolução de quase todos os outros valores da nossa moderna escultura (...).» FERRO, António, Arte Moderna, Lisboa, SNI, 1949, pp. 36-37.23 Cf. Nota 1, p.124 A 5 de Dezembro de 1962 viria a ser lavrada uma escritura de compromisso entre a CMB e a CUF, através da qual a primeira se comprometia a «Ceder à Companhia União Fabril todo o terreno do Cemitério Municipal (cerca de dez mil metros quadrados), incluindo a habitação do coveiro adjacente ao mesmo terreno, logo que o mesmo se encontre totalmente desocupado, podendo ali continuar o mausoléu do Industrial Alfredo da Silva, que, (...), deverá ser protegido por uma orla de seis metros de largura (...)». Livro de Notas nº 23 do Notário Privativo da Câmara Municipal do Barreiro, fls. 18-23. Esta escritura seria confirmada a 26 de Maio de 1972, através de escritura referente à troca de terrenos entre as duas entidades envolvidas. Cf. Livro de Notas nº 30 do Notário Privativo da CMB, fls. 62-67. Entretanto, em 1963, a CMB procede à construção de um novo cemitério e ao levantamento do antigo, permanecendo no local apenas o Mausoléu de Alfredo da Silva.25 Cf. Proc. Nº 1358, ano de 1943. Arquivo CMB.26 Cf. «Acta de sessão extraordinária», Livro de Actas do Conselho Municipal, nº 2, 18 de Maio de 1943.27 Cf. Proc. Nº 1358. Arquivo CMB.28 Cf. RODOLFO, João, Op. Cit, pp.228-230. Referimo-nos ao primeiro projecto (1950-1952) apresentado para o Monumento Heróis da Ocupação do Ultramar Português, destinado para a Praça do Areeiro.29 Cf. CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain, Dicionário de Símbolos, Lisboa, Editorial Teorema, s.d., p. 401.30 Esta ideia virá a ser posteriormente expressa no projecto do Monumento aos Heróis da Ocupação do Ultramar Português, em cuja memória descritiva Cristino irá escrever que a coroa de louros simbolizava a «perpétua homenagem da Pátria aos seus Heróis». Cf. RODOLFO, João, Op. Cit, p. 228. Embora seja uma clara adaptação levada a cabo por nós, consideramos que esta foi a ideia que esteve também subjacente no Mausoléu de Alfredo da Silva.31 Cf. Memória Descritiva do Mausoléu do Exmo. Snr. Alfredo da Silva, que a Companhia União Fabril pretende edificar no Cemitério Municipal do Barreiro. Proc. nº 1358. Arquivo CMB. Nesta, apenas vêm mencionadas as duas primeiras actividades mas, e segundo pudemos observar, no baixo-relevo do lado direito, a pesca aparece também representada, embora com menor peso dentro do programa escultórico, já que se trata de uma única figura (masculina e inscrita no plano superior) naquele que funciona como clara alusão à indústria.

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FIXANDO NO TEMPO

BARREIRO

Terra-Patrim贸nio /// TEXTO: Manuela Fonseca COLABORADORA DO BARREIROWEB.COM

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FIXANDO NO TEMPO

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minha geração cultivou-se num Barreiro, Grande Património a espaço aberto, o dos ofícios, afectos e valores que, cedo e em boa hora, lhe foram inculcados, como refere uma conterrânea ilustre e minha coetânea, a Dr.ª Carla Marina Mendes: “Provavelmente alguns de nós desconhecemos, ainda, a importância da nossa herança, que não é constituída por palácios, museus, igrejas (…). As nossas casas, as nossas ruas, as nossas fábricas fazem parte de um todo. Os nossos tesouros são incontáveis – ferramentas de caldeireiros, carpinteiros, pintores, chumbeiros, corticeiros...” (1) Éramos duas famílias alargadas, a Horta (Rodrigues) e a Fonseca, unidas por ideais comuns: os laços biológicos e de sentimentos, a Liberdade, o Associativismo, o Desporto, o Estudo, o Trabalho e, para alguns, o Cristianismo. Passava bastante tempo com cada uma delas porque o meu pai, maquinista, achava que a mãe e eu não devíamos estar sozinhas nas ausências dele. (Na área desportiva, ainda hoje olho, embevecida, para o emblema que sobrou do equipamento da primeira classe de ginástica infantil, a que frequentei no novel Ginásio-Sede do Barreirense, em 1957. Paro, estupefacta, à frente do buraco do

que foi o “Manuel de Melo”, certamente potenciador de insalubridade, exibido a qualquer transeunte que passe perto dele ou a quem o veja dos prédios próximos; um nojo em vez do propalado condomínio que tornaria o Barreiro mais bonito e feliz. Um nojo a conspurcar a memória das partidas de futebol ali disputadas.) As refeições funcionavam como instrumento para se dar e trocar informações acerca do que era necessário na ajuda aos presos políticos. Na casa Fonseca, o patriarca, o avô, apresentava-me o exemplo do lendário irmão Adelino, que, só depois do 25 de Abril, pôde ser homenageado, ele e a maioria a título póstumo, no desaparecido Mercado do Povo, em Lisboa, bem como todos os outros que passaram pela humilhação, sofrimento, dor e condições absolutamente desumanas do Campo de Concentração do Tarrafal, em ofensa aos povos de Portugal e Cabo Verde. (A propósito: onde estão os pequenos paralelepípedos nele expostos, com a identificação de cada tarrafalista?) Em outros horários, o antigo subchefe de Depósito ligava a telefonia, em som baixo, para ouvirmos a BBC (“Vamos tomar atenção ao comunicado!” – a última palavra ficara-lhe da Segunda Grande Guerra e da voz de Fernando Pessa, ao informar de Londres). Às escondidas, a Rádio Moscovo.

«Provavelmente alguns de nós desconhecemos, ainda, a importância da nossa herança, que não é constituída por palácios, museus, igrejas (…). As nossas casas, as nossas ruas, as nossas fábricas fazem parte de um todo. Os nossos tesouros são incontáveis – ferramentas de caldeireiros, carpinteiros, pintores, chumbeiros, corticeiros...»

Entre os tios, dois dos irmãos da minha mãe, Bárbara e Manuel, sintonizavam “Os Companheiros da Alegria”, programa no qual Igrejas Caeiro, uma espécie de parente de todos os antifascistas, ultrapassava, com inteligência e finura, a vergonhosa censura e trazia-nos palavras de esperança em dias, futuros, que seriam livres – tudo me era explicado ao calor, aconchegante, da braseira. (Que descanse em Paz, este valoroso e corajoso Português) Percebi, com os parentes próximos, católicos, aquele Cristo que me davam a conhecer. Sofrera para sermos felizes e não coarctados nas nossas vidas, como Lhe tinham feito de forma ignóbil. Foi e é esta minha primeira Cultura, foi e é este o meu primeiro Património. De que tenho passado o possível aos meus filhos, a herança que lhes deixo. As narrativas de actos, individuais e colectivos, contra o maldito regime formavam-me e formavam-nos: a bandeira comunista hasteada na chaminé do Palácio de Coimbra, em época carnavalesca – “o melhor” é acabar-se com o Carnaval, não se lembre o País, tantas décadas depois, de copiar o acto, tão arrojado, então, da colocação uma grande bandeira vermelha, decorada com foice e martelo, no alto da chaminé do Bairro Ferroviário. “Não seja tal acto imitado”, nas fábricas e outras empresas, em Terça-Feira de Entrudo, com ênfase para as que não pagam os salários aos trabalhadores e cujos mandões ou lambe-botas, mentirosos, dizem aos órgãos de comunicação social, mormente se a canais televisivos, estar tudo em dia ou quase, quanto aos salários dos trabalhadores. Sim, “acabem com o Carnaval”, não fique o País encarnado e as crianças vão, admiradas, observar o que ainda está na minha

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FIXANDO NO TEMPO

retina sem nunca a ter visto, por ser bem anterior ao meu nascimento, a Bandeira Vermelha que dá hoje nome ao velho Palácio de Coimbra. (Cor vermelha: os desmandos e crimes do estalinismo que a atraiçoou continuam a funcionar como pretexto para denegrir o PCP, imagine-se! Assisti, abismada, através da televisão, num debate em S. Bento, ao arrazoado de um qualquer, por acaso ministro – com minúscula inicial: mais não merece – que, falho de ideias, argumentos, obra e sensibilidade, assacou as maiores barbaridades ao Partido em questão, em parvoíce, descontextualizada, contra instituição mais considerada pelos que suportam as vias laborais mais esforçadas que o “cavalheiro” nem com

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binóculo deve conhecer.) Não temos, Carla Marina, castelos ou palácios para admirar em saudades, póstumas, da Monarquia. Pois não; nem sentia a falta deles, tal a luta pelo quotidiano a meu lado, embora o pai, paciente e atencioso, tivesse podido ensinar-me a ler e escrever, precocemente, a madrinha Maria Lucília a realizar trabalho idêntico em relação ao Francês – ela que tanto se esforçou para se formar nesta Língua e em Inglês – que, aos quatro anos, eu já aprendia. (E, coisas da vida, a quem fico a dever uma ida a Paris, amores comum, em projecto não realizado.) Bem perto, a Sede do Barreirense, com

tantos livros que li, acompanhada pelo tio já citado. No extremo sul da rua, a Dr. António José de Almeida, admirava o movimento dos trabalhadores dos Caminhos-de-Ferro, apressados, nas entradas das oito e treze horas e na saída do meio-dia, para rápido almoço, a buzina a ditar-lhes os passos. Houve uma pessoa da minha geração que me marcou: Josélia Simões, dois anos mais velha do que eu, a três portas de distância, autora textual, encenadora, directora de cena, encarregada do guarda-roupa, gestora dos dois tostões pedidos – dados com prazer – a cada vizinho para as representações, no “patinho” do rés-do-chão que partilhava com a Maria João (minha madrinha de casamento, a Dr.ª Maria João Gomes). Lá em cima, nas águas-furtadas, a Sr.ª Ana


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(que, com a avó Fonseca, me segurou até à chegada da Obstetra, a Dr.ª Maria Margarida Bolala porque saí, inesperadamente, do ventre materno) e o marido, Vinagre, divertiam-se imenso com aquela rapariguinha-furacão. A “Zelinha” tem uma veia cómica, plurifacetada, que não pôde ser ganha-pão (ignoro, até, se o teria querido) mas continua a manter-se nos diálogos, sempre fluentes, entre amigos, pessoalmente ou através da Internet. Josélia: o meu primeiro património teatral e cinéfilo, ela que tomou a responsabilidade de ir com várias de nós a pé, claro, até ao Cinema-Ginásio para, na iniciação à 7.ª Arte, haver uma choradeira com “Branca de Neve”: a aflição com a desventura da menina, a raiva à bruxa, o fascínio pelos

sete amigos, o encanto com o príncipe, o entusiasmo pelo fim, desejado, da história. Em síntese: o encontro com Walt Disney e o Cinema. (Josélia, gostávamos de ti, em sentimento transversal a gerações, antítese do que expressávamos pelo legionário que, falecido bem novo, só teve os seus no funeral, lembras-te? Obrigada: ainda por cima, tinhas o teu pai a conduzir as viaturas dos Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste, o Tio Jorge, um dos nossos heróis! A “Nené”, tua única irmã, mais velha alguns anos, ria-se, embevecida, com quase tudo o que dizias e fazias.)

Em relação a um Museu do Cinema, havia e há, para nosso orgulho, o Cine Clube do Barreiro, o do desenvolvimento de conhecimentos na semântica e morfossintaxe do Cinema, bem como dos seus intervenientes. Atentemos em Jorge Silva Mello: “A razão da minha ida é uma sessão no Cineclube do Barreiro e eu, todo contente: (…) gosto do Barreiro, estou curioso. (Ainda há cineclubes? quem são? Quem, neste Barreiro, vai a estas sessões – só jovens? Ou só velhos militantes? não foi aqui que, em sessão semiclandestina, vi o Potemkine?) (2) (3) Jorge Silva Melo, homem de Cinema, Tea-

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tro, Literatura, um dos Sábios do “Século Passado” e deste, que tanto tem dado ao país, captou, como pessoa invulgar, a nossa riqueza – onde os inteligentes tanto vêem, outros nada e, se calhar, gostariam de um património edificado mais apelativo. Paciência: o Mundo muda devagar. A propósito da Sétima Arte: como teria sido interessante a Cidade do Cinema no Barreiro! Promoveria, tenho a certeza disso, a criação de postos de trabalho, pelas vias directa e indirecta, a dádiva do Barreiro, ele próprio protagonista de trabalhos já realizados, a potencialização de recursos do Instituto Politécnico de Setúbal e da Escola Superior de Tecnologia do Barreiro para a criação de cursos, ligados às novas actividades. (Sonho? Não: organize-se ideias e projectos, negoceie-se com investidores, sérios 16 /// REVISTA ROSTOS ONLINE

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e interessados na transformação do nosso quotidiano e a referida Cidade será parte do Barreiro destes tempos e de vindouros.) Se já não vejo as fragatas e os fragateiros, continuo a comer o peixe frito como eles, quando não estou em lugar público. (Estão à minha frente aqueles homens de mãos calejadas que encontrava, em cada manhã, ao apanhar o comboio para Setúbal.) Se da CP quase nada sobra, se o Depósito de Máquinas do Barreiro é algo que me parece tão longínquo como a boneca “Fi-Fi” que para lá levava quando acompanhava o meu pai, se o desactivado quartel dos Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste e a EMEF têm, apesar das vicissitudes, trazido expressões artísticas à Cidade, com excelente assistência, deveremos, em conjunto, tentar impedir o seu desaparecimento. Dá dó ver a vandalização, visível do exte-

«Se já não vejo as fragatas e os fragateiros, continuo a comer o peixe frito como eles, quando não estou em lugar público. »

rior, da anterior casa de uma parte dos nossos Soldados da Paz. Alfredo da Silva tem a dignidade que, segundo muitos Barreirenses, merecerá. O mausoléu do homem que quis a última morada na antiga vila onde, bem ou mal, investiu, maioritariamente, já não se envergonhará da estátua do empresário, entre os modificados Parque Catarina Eufémia e Mercado Municipal 1.º de Maio,


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talvez agora melhor colocada do que no pedestal, sempre degradado, que a sustentava. O industrial está mais perto de nós sem aqueles degraus e, finalmente, reconhecido, em termos oficiais, depois de uma curiosa iniciativa da JSD, com uma lápide junto à escultura, na menção a quem era dedicada. Há dezenas de conterrâneos, que, na noite comemorativa do 25 de Abril, bebem, com naturalidade, a sua ginjinha ao pé do “Tio Alfredo”, sem que isso lhes / me pareça desrespeitoso. Como se fosse um deles. (Um pormenor: ponham os copos usados nos recipientes próprios; preservam o ambiente do Barreiro e, já agora, a organização de Alfredo da Silva.) Pergunto-me e respondo a mim própria, de acordo com convicções pessoais: – Era capitalista e explorador dos trabalhadores, sobretudo dos menos qualificados? – Sim; o meu sogro, proveniente da Beira Alta, viveu, pobre e precariamente, nas instalações da CUF até ao casamento. Acrescento que a minha sogra foi alvo de cuidados, pouco vulgares na época, quando esperava os filhos porque beneficiou de serviços médicos. E o meu marido, para além desses, auferiu dos sociais e escolares, postos à disposição dos herdeiros do pessoal – a Escola Secundária Alfredo da Silva bem o reconheceu, em 1997, na passagem dos cinquenta anos da sua fundação. (Claro que continuamos por saber as doenças que a poluição provocou a gerações de Barreirenses.) Filha de ferroviário, viajava bastante de comboio e reparava na aflição das pessoas que não eram da nossa região

quando aqui chegavam e ficavam desesperadas com os fumos que as altas bocarras lançavam, sem precauções. E chegava a não ver as três equipas, em jogos no “Manuel de Melo”, tapadas por agressiva e malcheirosa nuvem gigante, como uma vez, por certo a pior, num Barreirense-Beira-Mar – dentro das quatro linhas gritava-se que nada se via. E se a roupa voltava, amiúde, a ser lavada, isso não acontecia com os nossos pulmões. Das fábricas de cortiça estão na minha recordação / memória os medonhos incêndios, as mangueiras, o risco, as sirenes dos competentes, generosos e atarefados bombeiros (lá ia o Tio Jorge a conduzir) que os minoravam, nós como assistência. (Bem, se o passado não se muda, o futuro é moldado por nós.) Neste Barreiro hodierno, a Quimiparque é eficaz ao acolher variados elementos do sector de serviços, preserva o que pôde, pode e deve da antiga CUF – e apresenta-nos o excelente Museu Industrial, Aula Aberta de um período, recente, da História da Economia do País e do Barreiro. Mudam o tempo e as organizações: o Moinho do Jim é, agora, um feliz local de descoberta de gerações, pólo de interesses e actividades que nos engrandecem e, fundamentalmente, motivam os mais jovens. Este é o actual Barreiro, nova cidade ainda à procura de caminhos que terá de buscar, na preservação do património, material e simbólico, em aliança com a criação de bens físicos, imprescindíveis para a fixação dos mais novos, no desígnio da construção da ponte (sim, há melhor do que a TTT) entre ontem e amanhã.

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UM OLHAR NA CIDADE

Há meses, em Setembro de 2011, vi, em Albufeira, no Museu Municipal de Arqueologia, uma Exposição, notável, de trabalhos do Arquitecto Cabeça Padrão que, com a sua mestria, várias vezes serviu a linda terra algarvia. Os jovens conhecem o seu nome? Ou o de Manuel Cabanas, Republicano e Socialista destemido, agora homenageado pela Cooperativa Operária Barreirense, “Os Corticeiros”? E tantas dezenas de outras figuras: o que fizeram? A que se dedicaram? Como combateram contra a ditadura? De que forma podem, ainda, guiar-nos? Dois locais, a Escola Conde Ferreira, agora na candidatura REPARA (4) e a Escola Superior de Tecnologia do Barreiro, prestigiada, dentro e fora de portas, nesta Aldeia Global,

poderiam aglutinar planos e propostas que nos trouxessem inovação.

Liguemos o Barreiro de ontem e hoje ao de amanhã.

Solicitemos ao conterrâneo João Alberto Gouveia a colocação da Sede da Unilogos na Cidade, sem que essa passagem retire os trabalhadores das suas residências mas crie, cá, labor.

E, com o que poderá ser gizado e concretizado, continuemos, orgulhosos, nesta Terra-Património.

Ele e o filho varão, João Mendes de Gouveia, mão direita do pai e executivo na UNICOMBI, são dois especialistas em Gestão e Administradores que dignificam o Barreiro, em tradição familiar cujos pontos mais elevados são a manutenção de postos de trabalho e o bem-estar dos colaboradores, em temática que faz parte de artigos na Comunicação Social. Apostemos numa unidade hoteleira e, seriamente, no Turismo – há aqui muito para investigar, estudar e mostrar.

Referências (1) Carla Marina Mendes, [Prefácio a] Ana Nunes de Almeida, A Fábrica e a Família: Famílias Operárias no Barreiro”. Câmara Municipal do Barreiro, col. Estudos e Documentos Sobre a História Local, p. 5, 1993, 311 pp.. (2) Jorge Silva Melo, Século Passado, “IX, A história destas derrotas”, “Património são os vivos”. Lisboa, Livros Cotovia, p. 465, 2007, 534 [+27] pp.. (3) Palavra Potemkine a negrito devido ao itálico, nela utilizado, na obra atrás referida. (4) Cf. Jornal do Barreiro (Ano 61, n.º 3150) de 10 de Fevereiro de 2012, p. 3.

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EM FOCO

Uma página das «Memórias» que fazem a história do Barracuda

OPERAÇÃO “ENDURANCE” /// TEXTO: Álvaro Gaspar

Na Esquadrilha de Submarinos, durante anos, pairava no ar um desafio que importava vencer. Realizar a operação contínua mais prolongada da classe de submarinos Daphné (classe de submarinos de origem francesa a que pertencia a classe Albacora e portanto o Barracuda), que de acordo com as fontes disponíveis estaria em 30 dias, realizada pela Marinha Francesa.

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uitas gerações de oficiais tencionaram realizá-la, mas por diversos motivos, a barreira psicológica dos 18 dias em imersão (a missão mais prolongada em contínuo no mar até então realizada pelos submarinos classe Albacora) nunca antes fora quebrada. Os principais motivos que inibiam a realização dessa missão centravam-se em questões que posteriormente se revelaram facilmente superáveis. Havia quem quisesse realizar a missão com menos pessoal para melhorar a habitabilidade e a sustentação

logística em água e frescos, outros queriam fazê-lo ganhando um suplemento especial de modo a motivar a guarnição, etc. Comandava nessa altura o Barracuda o CTEN Gouveia e Melo que propôs ao 1º Comandante da Esquadrilha de Submarinos realizar um operação contínua de 31 dias de mar, não atracando na Base Naval de Lisboa, e desse modo testar a capacidade logística e de resposta da guarnição a patrulhas muito prolongadas. O então 1º Comandante, CMG Álvaro Rodri-

gues Gaspar, aceitou de bom grado o desafio e desse modo deu início ao processo de planeamento e autorizações necessárias para prosseguir com a missão. A 11 de Junho de 1997 o NRP “Barracuda” largou da Base Naval de Lisboa, com uma guarnição completa de 53 elementos, para realizar a operação endurance, tendo regressado à mesma base 31 dias depois, ou seja a 11 de Julho do mesmo ano. A operação foi um sucesso. Testaram-se adaptações à estrutura logística e aos rit-

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EM FOCO

BARRACUDA Submarino com melhores resultados operacionais . 38 voltas à terra na linha do Equador!!

Em 2013 já deverá ser possível visitar o “Barracuda”, na frente ribeirinha de Cacilhas, no concelho de Almada. O antigo submarino da Marinha Portuguesa, lançado à água em 1967 e entretanto desactivado, será instalado na doca n.º1 da Ex-Parry&Son, junto à Fragata D. Fernando II e Glória e perto do emblemático Farol de Cacilhas. A instalação do “Barracuda”, em Cacilhas, inscreve-se na requalificação e valorização aquela zona ribeirinha de Almada. A mesma vai igualmente ao encontro da estratégia municipal de promoção turística do concelho, já que Cacilhas é uma das principais “portas de entrada” de turistas e visitantes. Aquando da sua abertura ao público, o “Barracuda” estará totalmente equipado como se ainda estivesse pronto para missões de navegação, desvendando, desta forma, a atmosfera experimentada num submarino. Na realidade, em mais de 90 anos de história destes navios da Marinha Portuguesa, Cacilhas vai receber primeiro submarino português visitável. FOI UMA EXCELENTE IDEIA A propósito deste facto conversámos com Álvaro Gaspar, um homem cuja vida esteve profundamente ligada à esquadrilha de submarinos. Álvaro Gaspar, Almirante, membro do Rotary Clube do Barreiro, em diálogo como o Rostos sublinha que a decisão de colocar o Barracuda na doca de Cacilhas – “foi uma excelente ideia”. Recorda Álvaro Gaspar que o número de milhas navegadas pelo Barracuda, nos seus 42 anos de actividade, num total 214.749 Milhas, significa que em viagens “dava 38 voltas à terra na linha do Equador!!” UM SUBMARINO BASTANTE EMBLEMÁTICO “Falar de submarinos é sempre reconfortante. Não comandei o Barracuda, mas este foi de facto um submarino bastante emblemático. Olhando um pouco para a História desta última esquadrilha poder-se-á dizer que o Barracuda foi aquele que apresentou melhores resultados operacionais” – sublinha Álvaro Gaspar. “Muito haveria a contar deste Submarino, pelo que foi uma excelente ideia colocá-lo como Museu em Cacilhas. Não vai ser tarefa fácil, vai ser cara, mas no fim será deveras compensador.” – refere o Almirante Álvaro Gaspar. E, para que conste, o Almirante Álvaro Gaspar facultou-nos alguns dados da história operacional do Barracuda: - Tempo de vida útil - 42 anos (Albacora 33 e Delfim 36); - Dias de Mar - 3.090 dias (A - 2.582 e D - 2.793); - Horas de Navegação - 52.322 Horas (A - 42.114 e D - 49.898); - Horas de Imersão - 35.795 Horas (A - 26.609 e D - 32.840); - Taxa de Imersão - 68,1 % (A - 63,1% e D - 65,8 %); - Nº Milhas Navegadas - 214.749 Milhas = 38 voltas à terra na linha do Equador!!

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O jornalista do Barreiro, Armando Seixas Ferreira, me reportagem no Barracuda

mos de bordo, tendo-se recolhido importantes lições para o futuro. Um dos episódios interessantes foi a necessidade de criar uma solução que possibilitasse que os elementos da guarnição usufruíssem de um banho por semana (nas imersões normais nunca tomam banho para poupar a água doce) por questões higiénicas e motivação. Assim, racionando-se a água doce ao limite, puderam ser distribuídas duas garrafas de água (3 litros), por elemento da guarnição e por semana para a sua higiene pessoal. Simultaneamente procedeu-se à aquisição de um sabão líquido que fazia espuma com água salgada. Deste modo, a guarnição usava cerca de uma garrafa de água para a sua higiene oral durante a semana e a segunda garrafa era usada para retirar o salitre após o banho semanal, realizado com água salgada e com o sabão especial já referido. Este arranjo e outros similares permitiram aliviar de alguma forma as condições austeras e difíceis da vida a bordo e contribuiriam para o sucesso da missão. O navio acabou a missão com cerca de 4 toneladas de água doce (de 16) quase sem combustível e com a guarnição a comer rações de combate. Ficou provada a capacidade para efectuar patrulhas prolongadas, tendo-se constatado que as limitações nesse tipo de patrulha estavam mais associadas à capacidade de transporte de combustível que às condições de habitabilidade e restante sustentação logística. Após 30 dias em missão e na véspera da chegada à BNL, o 1º Comandante da Esquadrilha de Submarinos embarcou em Sesimbra e passou a última noite com a guarnição, tendo esta sido recebida pelos camaradas submarinistas em grande festa na Esquadrilha de Submarinos no dia seguinte. Assim, de forma simples e sem complicações bateu-se um recorde e quebrou-se um mito prolongado.


UM OLHAR NA CIDADE

Olhar a cidade pela objectiva…da Marta Percorrer as ruas. Registar instantes. Fixar o tempo. Gravar a memória. Fotografar é um pouco de tudo isto: é um olhar a cidade pela objectiva. Sentir com o olhar. A Marta Tem um gosto especial pela fotografia. Gosta de recriar os pensamentos com o seu olhar sobre os dias. Aqui ficam estes registos… da sua forma de sentir e olhar a cidade! S.P.

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