O brincar e a realidade - 1971 de D. W. Winnicott.

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SONHAR, FANTASIAR E VIVER

Uma História Clínica que Descreve Uma Dissociação Primária Neste capítulo, faço uma tentativa nova de demonstrar as sutis diferenças qualitativas existentes entre as variedades do fantasiar. Examino especificamente o que foi chamado de fantasiar e mais uma vez utilizo o material de uma sessão de tratamento na qual o contraste entre o fantasiar e o sonhar foi não apenas pertinente, mas, diria eu, central.6 Utilizo o caso de uma mulher de meia-idade que, em sua análise, vai gradativamente descobrindo até que ponto o fantasiar ou algo da natureza do devanear perturbou sua vida inteira. Tornava-se agora evidente que, para ela, existia uma diferença essencial entre o fantasiar e as alternativas do sonhar, por um lado, e o viver real e o relacionar-se a objetos reais, por outro. Com inesperada clareza, percebeu-se que, enquanto sonhar e viver pertenciam à mesma ordem, o devaneio era de outra ordem. O sonho ajusta-se ao relacionamento com objetos no mundo real, e viver no mundo real ajusta-se ao mundo onírico por formas que são bastante familiares, especialmente a psicanalistas. Em contraste, porém, o fantasiar continua sendo fenômeno isolado, a absorver energia, mas sem contribuir quer para o sonhar quer para o viver. Até certo ponto, o fantasiar permaneceu estático durante toda a vida dessa paciente, o que equivale a dizer que datava de anos muito primitivos, com o padrão estabelecendo-se por volta da época em que ela contava dois ou três anos

6

Para um exame desse tema, sob outro ângulo. ver 'The Manic Defence' (1935), em Winnicott (1958a).


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