Roudinesco_Elisabeth_Plon_Michel_Dicionario_de_psicanalise_1998_Parte2

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Klein, Melanie

nha*, contribuiu para o desenvolvimento considerável da escola inglesa de psicanálise*. Transformou totalmente a doutrina freudiana clássica e criou não só a psicanálise de crianças*, mas também uma nova técnica de tratamento e de análise didática*, o que fizera dela uma chefe de escola. Sua obra, composta essencialmente de cerca de cinqüenta artigos e de um livro, A psicanálise de crianças, foi traduzida em quinze línguas e reunida em quatro volumes. Acrescenta-se uma Autobiografia inédita e uma importante correspondência. A tradução francesa, realizada em parte por Marguerite Derrida, é de excepcional qualidade. Muitas obras foram dedicadas a Melanie Klein, entre as quais as de Hannah Segal, sua principal comentadora, e a de Phyllis Grosskurth, sua biógrafa. Um dicionário dos conceitos kleinianos foi realizado por R.D. Hinshelwood em 1991. Nascida em Viena* em 30 de março de 1882, de pai judeu polonês, originário de Lemberg, na Galícia, que se tornou clínico geral graças a uma ruptura com pais tradicionalistas, e de mãe judia eslovaca, cuja família, erudita e culta, era dominada por uma linhagem de mulheres, Melanie Klein, pouco desejada, foi a quarta entre os filhos desse casal que não se entendia. Quando, por sua vez, se tornou mãe, também sofreria em sua vida particular as intrusões de sua mãe, Libussa, personalidade tirânica, possessiva e destruidora. A juventude de Melanie foi marcada por uma série de lutos, muito provavelmente responsáveis pela culpa, cujos vestígios se encontram em sua obra teórica. Tinha quatro anos quando sua irmã Sidonie morreu de tuberculose com a idade de 8 anos; tinha 18 quando o pai, debilitado há longos anos, desapareceu, deixando-a com a mãe; tinha 20 quando seu irmão Emmanuel, que a influenciara muito e a quem estava ligada por uma relação de tons incestuosos, morreu esgotado pela doença, pelas drogas e pelo desespero. Phyllis Grosskurth observou que Melanie se casou pouco depois desse falecimento, pelo qual se sentia culpada, o que, acrescentou, “provavelmente tinha sido o objetivo perseguido por Emmanuel”.

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As dificuldades econômicas que se seguiram à morte do pai parecem ter sido a causa de sua renúncia aos estudos de medicina, que ela decidira empreender com o objetivo de ser psiquiatra. Essas mesmas dificuldades explicariam igualmente seu casamento precipitado, em 1903, com Arthur Klein, engenheiro de caráter sombrio, que ela conhecera dois anos antes e do qual se divorciaria em 1922. Em 1910, por insistência de Melanie, cronicamente deprimida, o casal, cujo desentendimento era alimentado pelas incessantes intervenções de Libussa, se fixou em Budapeste. Em 1914, sua mãe morreu e nasceu seu terceiro filho, Erich Klein (futuro Eric Clyne), que ela analisaria, como Hans e Melitta, o irmão e a irmã mais novos. Mas esse ano de 1914 foi também o de sua primeira leitura de um texto de Sigmund Freud*, Sobre os sonhos*, e do início de sua análise com Sandor Ferenczi*. Melanie Klein logo começou a participar das atividades da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, da qual se tornou membro em 1919. Antes, em 28 e 29 de setembro de 1918, sob a presidência de Karl Abraham*, o V Congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) se realizou nessa cidade, que Freud considerava como o centro do movimento psicanalítico. Era a primeira vez que Melanie Klein via Freud. Escutou-o ler, na tribuna, sua comunicação “Os novos caminhos da terapêutica psicanalítica” e, fortemente impressionada, tomou consciência de seu desejo de se consagrar à psicanálise. Em julho de 1919, levada por Ferenczi, apresentou, diante da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, seu primeiro estudo de caso, dedicado à análise de uma criança de cinco anos, que na realidade era o seu próprio filho Erich. Uma versão reformulada dessa intervenção, na qual ela dissimulou a identidade do jovem paciente chamando-o de Fritz, constituiu seu primeiro escrito, publicado no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse*. Um ano depois, uma terceira versão desse trabalho apareceu em Imago*: “A criança de que se trata, Fritz, escreveu ela, é um menino cujos pais, que são de minha família, habitam na minha vizinhança imediata. Isso permitiu encontrar-me muitas vezes, e sem nenhuma restrição, com a criança. Além do mais, como a mãe segue todas

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as minhas recomendações, posso exercer uma grande influência sobre a educação de seu filho.” O terror branco e a onda de anti-semitismo que assolavam Budapeste depois do fracasso da ditadura comunista de Bela Kun (1886-1937) obrigaram os Klein a deixar a capital e a exilarse. Em 1920, Melanie Klein participou em Haia do Congresso Internacional da IPA. Ali, encontrou Hermine von Hug-Hellmuth* e principalmente, graças à recomendação de Ferenczi, Karl Abraham. Este acabava de fundar, com a ajuda de Max Eitingon*, a famosa policlínica do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI), onde eram acolhidos muitos pacientes traumatizados pela guerra. Atraída pela personalidade de Abraham e pela vitalidade do grupo de analistas que o cercava, Melanie Klein se instalou, em 1921, na capital alemã. Um ano depois, tornou-se membro da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG) e, em setembro de 1922, assistiu ao VII Congresso da IPA, durante o qual participou das primeiras discussões sobre a questão da sexualidade feminina*, depois da contestação das teses freudianas por Karen Horney*. No começo de 1924, Melanie Klein começou uma segunda análise, com Karl Abraham, de quem adotaria algumas idéias para desenvolver suas próprias perspectivas sobre a organização do desenvolvimento sexual. Em abril, no VIII Congresso da IPA em Salzburgo, apresentou uma comunicação altamente controvertida sobre a psicanálise de crianças pequenas, na qual começava a questionar certos aspectos do complexo de Édipo*. Foi apoiada por Abraham e também por Ernest Jones, que, seduzido por esse discurso contestatário, até interviria junto a Freud para que este aceitasse levar em consideração essas declarações heréticas. Em 17 de dezembro do mesmo ano, Melanie foi a Viena* para fazer uma comunicação sobre a psicanálise de crianças* na Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), e nessa ocasião confrontou-se diretamente com Anna Freud. O debate estava então aberto, e trataria do que devia ser a psicanálise de crianças: uma forma nova e aperfeiçoada de pedagogia (posição defendida por Anna Freud) ou a oportunidade de uma exploração

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psicanalítica do funcionamento psíquico desde o nascimento (como queria Melanie Klein)? Em Berlim, Melanie fez amizade com Alix Strachey*, também analisanda de Abraham. Com a ajuda do marido, James Strachey*, que estava em Londres, Alix introduziu Melanie na British Psychoanalytical Society (BPS). Graças também ao apoio de Ernest Jones, fez uma série de conferências em Londres, em julho de 1925. Essa permanência na Inglaterra a encantou, a ponto de despertar nela o desejo de se estabelecer além-Mancha, o que se realizaria mais cedo do que ela imaginava em virtude da morte de Karl Abraham em dezembro de 1925. A pedido de Jones, que a convidou a passar um ano na Inglaterra, Melanie Klein deixou Berlim em setembro de 1926. Sua instalação em Londres marcou efetivamente a abertura das hostilidades entre a escola vienense e a escola inglesa: quaisquer que fossem os esforços de Jones para convencê-lo de que as teses kleinianas se inscreviam na lógica das suas, Freud, desejando apoiar Anna, manifestaria um descontentamento crescente. Em Londres, Melanie Klein experimentou suas teorias, tratando dos filhos perturbados de alguns de seus colegas: o filho e a filha de Jones, por exemplo. Sua personalidade invasiva provocou à sua volta paixões e repulsas. Em março de 1927, Anna Freud fez uma comunicação ao grupo berlinense da DPG. Na verdade, tratavase de um verdadeiro ataque contra as teses kleinianas em matéria de análise de crianças. Houve críticas e Freud irritou-se. A discordância entre ambas não parava de crescer, referindo-se especialmente à oportunidade da análise de crianças: parte integrante da educação geral de toda criança, afirmava Melanie Klein; necessária apenas quando a neurose* se manifesta, replicava Anna, que circunscrevia a análise de crianças apenas à expressão do mal-estar parental, enquanto Melanie autonomizava a criança, tanto em sua demanda quanto no tratamento. Em setembro de 1927, durante o X Congresso Internacional em Innsbruck, o conflito se ampliou: Klein apresentou uma comunicação, “Os estádios precoces do conflito edipiano”, na qual expunha explicitamente suas discordâncias com Freud sobre a datação do complexo de Édipo, sobre seus elementos constitutivos e so-


Klein, Melanie

bre o desenvolvimento psicossexual diferenciado dos meninos e das meninas. Em outubro de 1927, apoiada pela renovada confiança de Jones, Melanie foi eleita para a BPS. Em janeiro de 1929, começou a tratar de uma criança autista de quatro anos, filha de um dos seus colegas da BPS, à qual deu o nome de Dick. Logo percebeu que ele apresentava sintomas que ela nunca havia encontrado. Não expressava nenhuma emoção, nenhum apego, e não se interessava pelos brinquedos. Para entrar em contato com ele, colocou dois trenzinhos lado a lado e designou o maior como “trem papai” e o menor como “trem Dick”. Dick fez o trem com o seu nome andar e disse a Melanie: “Corta!”. Ela desengatou o vagão de carvão e o menino guardou então o brinquedo quebrado em uma gaveta, exclamando: “Acabou!”. A história desse caso se tornaria célebre, por mostrar como alguns psicanalistas não conseguem dar aos filhos o amor que esperam deles. Dick continuou a análise com Melanie Klein até 1946, com uma interrupção durante a Segunda Guerra Mundial. Quando Phyllis Grosskurth se encontrou com ele, então com cerca de 50 anos, não tinha mais nada a ver com o menino fechado de outrora. Era até francamente tagarela. Em 1932, Melanie Klein publicou sua primeira obra de síntese, A psicanálise de crianças, na qual expunha a estrutura de seus futuros desenvolvimentos teóricos, sobretudo o conceito de posição (posição esquizo-paranóide/posição depressiva*), assim como sua concepção ampliada da pulsão* de morte. Mas, nesse mesmo ano, que inaugurou um aparente período de calma institucional para ela, sua vida particular foi perturbada por conflitos que teriam, alguns anos depois, pesadas repercussões em sua vida profissional. Sua filha Melitta Schmideberg*, casada com Walter Schmideberg*, amigo da família Freud e de Ferenczi, tornou-se analista. Sem perceber, Melanie repetiu com sua filha o comportamento que Libussa tivera com ela. Foi por ocasião de uma retomada de análise com Edward Glover* que Melitta se afastou de Melanie. Logo seria publicamente apoiada em sua atitude por seu analista, que não hesitou em manipular as tensões familiares para reforçar

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suas próprias posições teóricas diante de Melanie. A partir de 1933, Melanie Klein, que sofria os ataques incessantes de Glover e de Melitta, via com terror a chegada a Londres dos analistas vienenses e berlinenses que fugiam do nazismo*. Confidenciou a Donald Woods Winnicott* que pressentia, na instalação desses refugiados que lhe eram na maioria hostis, a iminência de um “desastre”. Alguns meses depois da chegada dos Freud a Londres, as hostilidades irromperam efetivamente. Em julho de 1942, a tensão no seio da BPS atingiu um ponto crítico. Enquanto Londres era bombardeada, tomavase a decisão de fazer reuniões para discutir os pontos de discordância científicos e clínicos. Assim começou o período das Grandes Controvérsias*, inaugurado por um ataque violento de Edward Glover contra a teoria e a prática dos kleinianos. Ernest Jones, em quem Melanie Klein acreditava ter um fiel aliado, saía freqüentemente dessa cena, cujos atores eram essencialmente mulheres, umas reunidas em torno de Melanie, outras em torno de Anna Freud. Os confrontos assumiram tal intensidade que Donald Woods Winnicott, partidário de Melanie, interrompeu uma noite os debates para observar que um ataque aéreo estava ocorrendo e era urgente procurar abrigo. Em novembro de 1946, depois de intermináveis negociações, marcadas principalmente pela demissão de Edward Glover, um lady’s agreement se produziu — mas que nem sempre foi respeitado —, resultando na institucionalização de uma divisão da BPS entre kleinianos, annafreudianos e Independentes*. Em 1955, Melanie Klein, que nada perdera de seu dinamismo e de sua agressividade, interveio de maneira esmagadora no Congresso da IPA em Genebra, apresentando uma comunicação intitulada “Um estudo sobre a inveja e a gratidão”, na qual desenvolvia o conceito de inveja*, que articulava com uma extensão da pulsão de morte, à qual dava um fundamento constitucional. Ao fazer isso, reatava com aquele que sempre considerara o seu mestre, Karl Abraham. Melanie Klein acabava assim de dar partida a uma nova controvérsia, que, se não teve a amplitude das precedentes, a levou à ruptura com Winnicott e com Paula Heimann*,

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que fora a mais inteligente e a mais ardorosa dos adversários de Glover em 1943. Nunca tendo se reconciliado com sua filha Melitta, deixando inacabada uma autobiografia parcelar e seletiva, Melanie Klein morreu de câncer do cólon em Londres, a 22 de setembro de 1960. • The Writings of Melanie Klein, R.E. Money Kyrle, B. Joseph, E. O’Shaughnessy e Hanna Segal (orgs.), 4 vols., Londres, Hogarth Press, 1975 • Melanie Klein, A psicanálise de crianças (Londres, 1932), Rio de Janeiro, Imago, 1997; Amor, ódio e separação (Londres, 1937), Rio de Janeiro, Imago, 1975; Ensaios psicanalíticos (Londres, 1948), Paris, Payot, 1967; Inveja e gratidão e outros trabalhos (Londres, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1994; Psicanálise da criança (Londres, 1961), S. Paulo, Mestre Jou, 1975; Le Transfert et autres écrits (Londres, 1975), Paris, PUF, 1995; (org.), Os progressos da psicanálise (Londres, 1952), Rio de Janeiro, Zahar, 1978 • Melanie Klein e Joan Riviere, L’Amour et la haine (Londres, 1937), Paris, Payot, 1968 • Hanna Segal, Introdução à obra de Melanie Klein (Londres, 1968), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (N. York, 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • R.D. Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992 • Pearl King e Riccardo Steiner (orgs.), Les Controverses Anna Freud/Melanie Klein (Londres, 1991), Paris, PUF, 1996.

➢ IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; INVEJA; OBJETO (BOM E MAU); OBJETO, RELAÇÃO DE; POSIÇÃO DEPRESSIVA/ESQUIZO-PARANÓIDE.

kleinismo al. Kleinianismus; esp. kleinismo; fr. kleinisme; ing. Kleinism

Na história do movimento psicanalítico, deu-se o nome de kleinismo, em oposição ao annafreudismo*, a uma corrente representada pelos diversos partidários de Melanie Klein*, dentre os quais se incluem os pós-kleinianos que se pautam em Wilfred Ruprecht Bion*. Foi depois do período das Grandes Controvérsias*, que desembocara, em 1954, numa clivagem da British Psychoanalytical Society (BPS) em três tendências, que o termo se impôs. Diversamente do annafreudismo, o kleinismo não é uma simples corrente, mas uma escola comparável ao lacanismo*. Com efeito, constituiu-se como um sistema de pensamento a partir de um mestre (no caso, uma mulher) que

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modificou inteiramente a doutrina e a clínica freudianas, cunhando novos conceitos e instaurando uma prática original da análise, da qual decorreu um tipo de formação didática diferente da do freudismo* clássico. A partir do ensino de Karl Abraham*, Melanie Klein e seus sucessores fizeram escola, integrando na psicanálise* o tratamento das psicoses* (esquizofrenia*, borderlines*, distúrbios da personalidade ou do self), inventando o próprio princípio da psicanálise de crianças* (por uma rejeição radical de qualquer pedagogia parental) e, por fim, transformando a interrogação freudiana sobre o lugar do pai, sobre o complexo de Édipo* e sobre a gênese da neurose* e da sexualidade* numa elucidação da relação arcaica com a mãe, numa evidenciação do ódio primitivo (inveja*) próprio da relação de objeto* e, por último, numa busca da estrutura psicótica (posição depressiva/posição esquizo-paranóide*) que é característica de todo sujeito*. Assim, os kleinianos, tal como os lacanianos, inscreveram a loucura* bem no âmago da subjetividade humana. Por outro lado, definiram um novo âmbito para a análise, muito diferente do dos freudianos, baseado em regras precisas e, em especial, num manejo da transferência* que tende a excluir da situação analítica qualquer forma de realidade material em prol de uma realidade psíquica* pura, conforme à imagem que o psicótico tem do mundo e de si mesmo. Daí a criação do termo acting in, decorrente de acting out*. O kleinismo define-se, portanto, ao lado do lacanismo e diversamente do annafreudismo, como uma verdadeira doutrina, que tem sua coerência própria, um corpo conceitual específico, um saber clínico autônomo e um modo de formação didática particular. Como reformulação da doutrina freudiana original, ele faz parte do freudismo, do qual reconhece os fundamentos teóricos, os conceitos e a anterioridade histórica. É uma das modalidades interpretativas do freudismo, articulada com o antigo suporte biológico e darwinista deste último. Nessas condições, não revisou os fundamentos epistemológicos dele nem propôs qualquer teoria do sujeito*, como fez o lacanismo.


Kohut, Heinz

No plano político, o kleinismo é um dos grandes componentes do moderno legitimismo freudiano, uma vez que se desenvolveu como escola no interior da International Psychoanalytical Association* (IPA), sem contestar a idéia, própria do freudismo e da psicanálise, da necessidade de uma organização universalista (e não comunitarista) do movimento psicanalítico. Enquanto o annafreudismo encarna, através da figura da filha do pai, o vínculo de identidade que interligou os membros da antiga diáspora vienense exilada nos Estados Unidos* e na Grã-Bretanha*, o kleinismo é uma doutrina em expansão, sobretudo nos países latino-americanos (Brasil* e Argentina*), onde ajuda a psicanálise a enfrentar as outras escolas de psicoterapia que começaram a ameaçá-la, a partir da década de 1970, em virtude de sua falta de criatividade. Por ser uma escola de pensamento que alia um saber clínico a uma teoria, o kleinismo erigiu-se sobre uma crítica da forma dogmática do freudismo, para em seguida produzir, no próprio interior do freudismo de que nasceu, uma nova idolatria do mestre fundador, uma historiografia* de tipo hagiográfico e um novo dogmatismo. E ainda não suscitou, como o freudismo, as condições internas para uma crítica a esse dogmatismo. • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (N. York, 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • R.D. Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992 • Elizabeth Whrigt (org.), Feminism and Psychoanalysis. A Critical Dictionary, Oxford, Basil Blackwell, 1992.

➢ ABERASTURY, ARMINDA; ANÁLISE DIRETA; BLEGER, JOSÉ; CISÃO; EGO PSYCHOLOGY; GERAÇÃO; HEIMANN, PAULA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; INDEPENDENTES, GRUPO DOS; NEOFREUDISMO; OBJETO (BOM E MAU); SEXUALIDADE FEMININA.

Koch, Adelheid Lucy, née Schwalle (1896-1980) psiquiatra e psicanalista brasileira

Judia berlinense de origem e formada segundo as regras da International Psychoanalytical Association* (IPA) por Otto Fenichel*, supervisionada por Salomea Kempner*, Adelheid

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Koch foi a primeira psicanalista européia a se instalar no continente latino-americano, quando, no Brasil*, nenhum dos pais fundadores do freudismo (Durval Marcondes*, Francisco da Rocha* etc.) ainda tinha sido analisado. Depois de um difícil périplo, chegou ao Brasil em outubro de 1936 e tornou-se uma das figuras importantes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), que ela contribuiu para que fosse reconhecida pela IPA. Foi ela quem iniciou na psicanálise o próprio Marcondes e a geração seguinte, particularmente Virgínia Leone Bicudo e Flávio Rodrigues Dias. • Durval Marcondes, “Homenagem póstuma à Dra. Adelheid Koch”, Revista Brasileira de Psicanálise (16), 119, S. Paulo, 1982.

Kohut, Heinz (1913-1981) psiquiatra e psicanalista americano

Como Wilfred Ruprecht Bion*, Jacques Lacan*, Donald Woods Winnicott* e Marie Langer*, Heinz Kohut pertencia à terceira geração* psicanalítica mundial. Assim como eles, confrontou-se com a esclerose das instituições da International Psychoanalytical Association* (IPA) e com a necessidade de renovar o freudismo* clássico. Foi nessa perspectiva que se tornou, nos Estados Unidos*, um verdadeiro chefe de escola e o principal iniciador da corrente da Self Psychology*, fundada sobre uma nova clínica dos distúrbios narcísicos. Nascido em Viena* de uma família judia culta e amante da música, Kohut teve uma infância triste e solitária. Seus pais não se ocupavam dele e o menino sofria com isso. Tornando-se médico em 1938, depois de uma análise com August Aichhorn*, quis conhecer Sigmund Freud*. Para isso, no dia da partida do mestre para o exílio em Londres, Heinz foi para a estação e o saudou, olhando o trem afastar-se. Dizem que Freud lhe fez um sinal amistoso, cuja lembrança ele guardaria por toda a vida. Obrigado a fugir do nazismo*, instalou-se em Chicago, onde fez a sua segunda análise com Ruth Eissler-Selke (1906-1989), uma vienense originária de Odessa, ela mesma analisada por Theodor Reik* antes de sua emigração para os Estados Unidos* com o seu esposo Kurt Eissler.

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Kohut tornou-se neurologista em 1944 e psiquiatra três anos depois. Integrou-se então ao prestigioso Instituto de Chicago, fundado por Franz Alexander* a partir do modelo do Berliner Psychoanalytisches Institut*. Seria presidente da American Psychoanalytic Association* (APsaA) em 1964, e vice-presidente da IPA entre 1965 e 1973. Renunciou depois às tarefas administrativas, preferindo dedicar-se à clínica. Como todos os freudianos de sua geração, Kohut enfrentou nos anos 1960 uma crise generalizada na clínica psicanalítica. De fato, nessa época o annafreudismo*, a Ego Psychology* e até o kleinismo* em sua versão dogmática, não permitiam uma solução clínica para os distúrbios da personalidade que não eram nem de natureza neurótica nem assimiláveis a uma psicose. Assim, era chamados de borderlines*. Aliás, as regras fixas do tratamento clássico, com seus rituais, seus silêncios e sua exploração cirúrgica do inconsciente* e da libido*, davam uma imagem desastrosa da psicanálise*. Era pois urgente instaurar uma verdadeira revolução cultural no interior do establishment freudiano a fim de que o tratamento reencontrasse a sua inspiração humanista: “A preocupação com a humanização e a desumanização não é estranha, escreveu Agnès Oppenheimer (19481997), ao que Kohut viveu no momento do nazismo.” Formado no seio de uma diáspora desejosa de se adaptar ao pragmatismo da psiquiatria americana, Kohut se revoltava portanto contra um sistema clínico e teórico que, pensava ele, levava a psicanálise a um impasse normativo e adaptativo. Procurava resgatar a paixão que animou os primeiros freudianos da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Daí o apelido que lhe deram: Mister Psicanálise. A primeira geração freudiana fizera da sexualidade* a chave da elucidação das neuroses*. Depois dela, os kleinianos situaram o ódio e a destruição no centro de toda relação de objeto*: para eles, tratava-se de inventar um tratamento psicanalítico apropriado à psicose*. Herdeiro dessas duas tendências, e marcado pelos problemas da sociedade americana (puritanismo, individualismo, liberalismo), Kohut propôs uma terceira via, que consistia em recen-

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trar a psicanálise em distúrbios mistos, ligados às representações e à identidade de si. De Freud a Kohut, passava-se assim da idéia (freudiana) da clivagem do eu* à idéia (kleiniana) de um objeto clivado, modelando o eu por incorporação* ou introjeção*, e depois à idéia (kohutiana) de um si (self) que se tornou objeto de todos os investimentos narcísicos. Para ele, o mito de Narciso suplantava o de Édipo*, no seio de um mundo dominado pela fragmentação definitiva da família patriarcal e pela valorização de uma figura da subjetividade mergulhada na contemplação infantil e desesperada de si: “A psicanálise clássica, escreveu Kohut em 1978, descobriu o desespero da criança na profundeza do adulto — realidade do passado; a psicologia do self descobriu o desespero do adulto na profundeza da criança -realidade do futuro.” Diferentemente de Lacan, que preconizava uma volta aos textos de Freud e desejava garantir uma nova ortodoxia, Kohut propunha “superar” ou ir além da doutrina original. E do mesmo modo que Lacan forjou uma nova teoria do sujeito* a partir da lingüística e da filosofia, Kohut construiu uma nova teoria do eu*, acrescentando ao Ich freudiano (traduzido em inglês por ego), uma noção de self que não era estranha à de falso self, introduzida por Winnicott em 1960. Tendo sofrido na infância a falta de afeição materna, constatou em meados dos anos 1950 que muitos distúrbios psíquicos tinham como causa uma deficiência arcaica do self. Esta ocorria em sujeitos que não tiveram uma mãe suficientemente amorosa e que assim eram incapazes, em sua vida social, de chegar a uma relação verdadeira com seus próximos. Estavam “vazios” e, para mascarar o núcleo central de sua mutilação original, construíam para si uma armadura: um si falso, de caráter puramente defensivo. Esses sujeitos se caracterizavam por seu mal-estar relacional, sua vulnerabilidade constante, sua incapacidade de instaurar relações duradouras com os outros. Ora cediam a um excesso de arrogância, ora a um sentimento de inferioridade. Com esses pacientes, a análise clássica não funcionava. Assim, Kohut preconizou, como Otto Rank* e Sandor Ferenczi*, a introdução no tratamento da “empatia” do analista, a fim


Kohut, Heinz

de permitir ao analisando, através de uma transferência* “criativa”, avançar na direção de uma restauração do seu self. Depois de definir a empatia, em 1959, como um elemento central da técnica psicanalítica*, Kohut introduziu em 1964 o termo self (ou si) grandioso. Definiu assim a imago* parental idealizada, isto é, uma instância pulsional, anterior ao ideal do eu*, onde se condensa um imaginário* exibicionista tendo que superar os ferimentos e humilhações antigamente infligidos ao si arcaico. Ao terror e à angústia, sucedem, graças ao si grandioso, atividades criativas compensadoras. Daí a necessidade de instaurar no tratamento uma “transferência narcísica” destinada a fazer o paciente retornar a um narcisismo* normal. O analista devia então absterse de toda ingerência interpretativa, e deixar o paciente regredir para o estádio do “si arcaico fragmentado”. Kohut distinguia três espécies de relações transferenciais: em primeiro lugar, a transferência idealizante, proveniente da mobilização da imago parental idealizada; depois a transferência em espelho, proveniente do si grandioso; enfim a contratransferência* do analista, que respondia à transferência idealizante. O narcisismo segundo Kohut era portanto um equivalente da pulsão* de morte freudiana. Era uma doença da personalidade, uma patologia, e levava a uma “raiva” de destruição do outro*, que era apenas a contrapartida do medo que o self tinha de ser vítima de seu próprio aniquilamento. A partir de 1970, Kohut estendeu sua análise do narcisismo a fenômenos coletivos (ou self grupal), interessando-se principalmente pela maneira pela qual se construíam as relações paranóides nos grupos compostos de um chefe e seus adeptos. Observe-se que ele próprio não evitaria ser atingido por aquilo que denunciava. Muito narcísico, não suportava as críticas que lhe dirigiam e constituiu em torno de si um séquito de fiéis, apegados à sua imagem e à sua pessoa. Obcecado pela sua teoria, aplicava-a à literatura, à história, à política, a ponto aliás de atribuir todas as neuroses a uma patologia narcísica. A cada vez, o esquema era o mesmo: no lugar da deficiência arcaica do eu, o sujeito, segundo Kohut, reconstruía um si grandioso

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estruturado por uma imago parental idealizada. Nessa perspectiva, Kohut transformava o personagem de Hamlet em um herói não edipiano, mas narcísico, cujo self enfraquecido não resistiu às tragédias de uma sociedade que perdera seus valores. Do mesmo modo, fazia de Hitler um doente narcísico invadido pela obsessão do “micróbio judeu”. Quanto a Édipo, este se tornava, na versão kohutiana, um homem ferido e humilhado, aniquilado pelo desejo* de morte de seus pais. Em 1972, quando era portador, havia um ano, de leucemia, e quando sua mãe morreu depois de sofrer de distúrbios psicóticos, teve que enfrentar os ataques da ortodoxia freudiana e principalmente os de Anna Freud*. Depois de aceitar suas inovações, a filha do mestre declarou que estas eram “antipsicanalíticas”. Devese dizer que, na IPA, Kohut aparecia como um “guru”: não só não respeitava as regras clássicas do tratamento, como também fez escola, levando consigo muitos alunos em formação. Além disso, analisava em termos narcísicos a evolução do movimento psicanalítico. Em 1970, qualificou assim a esclerose institucional de “defesa narcísica” contra a criatividade, e em 1971, mostrou que os filhos dos psicanalistas sofriam de distúrbios de identidade pelo menos tão graves quanto os dos pacientes de quem eles tratavam. Em 1979, célebre nos Estados Unidos, provocou um verdadeiro escândalo clínico, publicando um extraordinário relato de caso, “As duas análises do Sr.Z.”, do qual alguns elementos apresentavam fortes semelhanças com os de sua própria história. Tratava-se de um homem de 25 anos, órfão de pai, morando com a mãe. Foi analisado pela primeira vez para tratar de angústias, de fantasias masturbatórias e de acessos de raiva e de depressão. Durante o primeiro tratamento, Kohut interpretou em termos edipianos a fixação regressiva do seu paciente a uma mãe onipotente. Quatro anos depois do fim do tratamento, o mesmo paciente voltou, enquanto sua mãe sofria de um delírio alucinatório. Mas Kohut tinha mudado de teoria. Conseqüentemente, ao invés de “edipianizar” o Sr.Z, ele deixou agir a transferência idealizante e a mobilização do si grandioso.

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Koller, Carl

Essa publicação, primeira do gênero, valorizava sem reservas a problemática transferencial, em detrimento da potência doutrinária. Além disso, mostrava claramente a natureza das querelas psicanalíticas características da própria interpretação*. Foi por isso que o caso suscitou muitos comentários e levantou numerosas polêmicas. A maioria dos colegas e amigos de Kohut, assim como sua mulher e seu filho, pensou que o “caso” tratado não era outro senão o do próprio autor. Ruth Eissler teria sido a analista do primeiro tratamento, enquanto a pretensa segunda etapa seria uma auto-análise*, feita por Kohut quando da doença de sua mãe e do aparecimento de sua leucemia. Kohut morreu em Chicago, aos 68 anos. Seu filho se tornou historiador e publicou um livro sobre Guilherme II, inspirado nas teorias do pai. • Heinz Kohut, “Formes et transformations du narcissisme” (1966), in Harold P. Blum (org.), Dix ans de psychanalyse en Amérique, Paris, PUF, 1981, 117-45; Le Soi (N. York, 1971), Paris, PUF, 1991; A restauração do self (N. York, 1977), Rio de Janeiro, Imago, 1988; The Search for the Self I e II, N. York, International Universities Press, 1978; Les Deux analyses de M. Z. (1979), Paris, Navarin, 1985; Analyse et guérison (Chicago, 1984), Paris, PUF, 1991; The Search of the Self III, Madison, International Universities Press, 1990 • Charles B. Strozier, “Glimpses of a life. Heinz Kohut”, in Progress in Self Psychology, vol.2, Arnold Goldberg (org.), N. York, Guilford Press, 1985 • Geoffrey Cocks (org.), The Curve of Life. The Correspondance of Heinz Kohut, 1923-1983, Chicago, The University of Chicago Press, 1994 • Philip Cushman, Constructing the Self, Constructing America. A Cultural History of Psychotherapy, N. York, Addison-Wesley, 1995 • Agnès Oppenheimer, Kohut et la psychologie du self, Paris, PUF, 1996.

➢ ANÁLISE DIRETA; ANÁLISE EXISTENCIAL; ESTÁDIO DO ESPELHO; IDENTIFICAÇÃO; IMAGEM DO CORPO; OBJETO, RELAÇÃO DE; PROJEÇÃO; SULLIVAN, HARRY STACK.

Koller, Carl (1857-1944) médico americano

De origem vienense e tendo emigrado para os Estados Unidos*, Carl Koller era um oftalmologista amigo de Sigmund Freud*. Foi o primeiro a utilizar as propriedades analgésicas da cocaína para operar um olho sob anestesia local. Freud também se apaixonara por essa droga, a ponto de consumir uma quantidade considerá-

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vel dela para lutar contra seus acessos de neurastenia e dá-la à sua noiva Martha Bernays (Freud*) e ao seu amigo Ernst von FleischlMarxow*. Em 1883, procurando fazer uma grande descoberta para tornar-se célebre, Freud fez experiências com o alcalóide da coca. Em 1884, publicou um artigo no qual recomendava o uso da cocaína para vômitos e distúrbios da digestão. Redigiu depois cinco outros textos sobre o tema. Foi ele quem sugeriu a seus colegas oftalmologistas Leopold Königstein (18501924) e Carl Koller o uso da cocaína. Em 15 de setembro de 1884, Koller fez no Congresso de Oftalmologia de Heidelberg uma conferência que lhe traria notoriedade, fazendo dele o “pai” da anestesia local. O episódio da cocaína, que reaparece no famoso sonho da “Injeção de Irma*”, foi comentado pelo próprio Freud em sua autobiografia e suscitou múltiplas interpretações por parte dos historiadores do freudismo* e dos psicanalistas, principalmente de Siegfried Bernfeld*. • Sigmund Freud, Cocaine Papers, Robert Byck (org.), anotado por Anna Freud, N. York, Stonehill Publishing Co., 1974 • Siegfried Bernfeld, “Freud’s studies on cocaine, 1884-1887", Journal of the American Psychoanalytic Association, 1, 1953, 581-613.

Kosawa, Heisaku (1897-1968) psiquiatra e psicanalista japonês

No Japão*, onde as idéias freudianas tiveram uma difusão ao mesmo tempo limitada e tardia (depois de 1950), Heisaku Kosawa ocupou certamente o lugar de um mestre. Esse pioneiro foi o único de sua geração a receber em Viena* uma formação psicanalítica clássica, e também soube refletir sobre as condições específicas de introdução da teoria freudiana em seu país. Assim, fez escola no Japão como psiquiatra, como psicanalista didata e como fundador de uma doutrina original, através da qual o Oriente dialogava com o Ocidente, e a tradição budista com o judeu-cristianismo. Sem abandonar os princípios do universalismo freudiano, lançou as bases de uma pesquisa comparativa sobre as diferenças entre a família japonesa e a família ocidental, e propôs interpretar


Kosawa, Heisaku

os mitos da Grécia antiga, tão comentados por Sigmund Freud*, à luz das lendas budistas. Inicialmente estudante na Universidade de Tohuku, em Sendai, descobriu o freudismo* graças ao ensino do grande psiquiatra Kiyoyasu Marui (1886-1953), que se formara nos Estados Unidos* junto a Adolf Meyer*. Em 1925, estabeleceu contato com Freud e Paul Federn* para ir a Viena, onde finalmente permaneceu de 1932 a 1933. Analisado primeiro por Freud*, a quem ofereceu uma soberba estampa de Kiyoschi Yoshida representando o Monte Fuji-Yama, fez uma segunda etapa, didática, com Richard Sterba*, e uma supervisão com Federn. Antes de voltar a seu país, Kosawa confiou a Freud um trabalho sobre o complexo* de Ajase (ou Azaje), que ele acabava de redigir e que iria tornar-se um clássico da literatura psicanalítica japonesa. Mas o mestre vienense não se interessou por essa pesquisa consagrada a um príncipe mítico, cuja história remontava à lenda budista do Kanmuryojukyo. Entretanto, essa lenda se aparentava a todas que Otto Rank* reunira em sua grande obra de 1909, O mito do nascimento do herói. Aliás, ela reforçava a tese freudiana do romance familiar*, pois o personagem de Ajase se assemelhava muito aos heróis que fascinavam os pioneiros da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*: Édipo*, Hamlet, Moisés, Lohengrin etc. Eis o mito: no antigo reino da Índia*, a rainha Idaike, esposa do rei Binbashara, temia perder a beleza e conseqüentemente o amor do marido. Consultou uma vidente, que lhe disse que um sábio que vivia na floresta morreria dentro de três anos e se tornaria seu filho por reencarnação. Impaciente e egoísta, Idaike não esperou ficar grávida e matou o sábio. Antes de morrer, este fez a seguinte predição: “Teu filho reencarnado matará um dia o próprio pai.” Idaike ficou grávida no mesmo momento do assassinato. Temendo a cólera do sábio reencarnado em seu ventre, decidiu matar o filho, dando-o à luz no alto de uma grande torre. Mas este sobreviveu à queda, quebrando um dedo, o que lhe valeu o apelido de Ajase: príncipe do dedo quebrado. (A palavra Ajatasaru significa, em sânscrito, ao mesmo tempo dedo quebrado e rancor pré-natal.) Depois de uma infância feliz, durante a qual idealizou a mãe, Ajase

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soube da verdade por Daibadatta, o inimigo de Buda. Ficou tão acabrunhado que tentou matar Idaike. Então, teve um grande sentimento de culpa e foi atingido por uma terrível doença de pele (eczema). O mau cheiro que se formou sobre seu corpo tornou impossível qualquer relação com os outros. Apesar dessa punição e dos cuidados atentos de Idaike, Ajase não recuperou seu equilíbrio. Tentou mais uma vez matar a mãe que, procurando tranqüilidade, pediu conselho a Buda. As palavras de Buda a mergulharam em um longo conflito interior, ao fim do qual, depois de anos de sofrimento, Ajase ficou em paz consigo mesmo. Recobrou a saúde e tornou-se um soberano respeitado. Segundo outras versões do mito, o príncipe Ajase, tornando-se rei, aprisionou o pai e, depois da morte deste, ouviu sua voz no céu. Foi até Buda para lhe pedir ajuda, pois tinha medo de ir para o inferno. Buda o recebeu com compaixão. Analisando o mito como Freud fizera com Édipo, Kosawa deu o nome de complexo de Ajase a um complexo de dependência do filho em relação à mãe. Encontrava ali o fundamento da organização da família japonesa, na qual as relações de dependência, disciplina, submissão, sacrifício de si e simbiose da criança com a mãe predominavam sobre a idéia de individualidade ou de liberdade. Esse complexo resultava portanto, segundo ele, de um sentimento de culpa que não tinha como origem o assassinato do pai pelos filhos, mas a dependência culpada e hostil dos filhos em relação à mãe. Pacientes japoneses marcados pela amae (dependência), isto é, por uma tradição social ainda feudal, manifestaram esses traços no tratamento. A criação do complexo de Ajase apenas demonstrava como cada cultura se apropria do mito edipiano das origens imprimindo-lhe uma modulação peculiar. Era por isso que, através dele, se desenhavam as condições de uma implantação possível da psicanálise* fora da esfera judaico-cristã: uma espécie de freudismo oriental. A ascensão do fascismo e a explosão da Segunda Guerra Mundial impediram a continuação dos trabalhos de Kosawa, que retomou suas atividades profissionais em 1945, no Japão transtornado pela derrota e pela capitulação do

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Kouretas, Dimitri

regime militar. A partir de então, contribuiu para o desenvolvimento da psiquiatria e da psicanálise que marcou a sociedade nipônica durante a segunda metade do século e fez do Japão uma terra de acolhimento para todas as doutrinas vindas dos Estados Unidos*: Ego Psychology*, Self Psychology*, farmacologia etc. Em 1953, com a morte de Marui, Kosawa assumiu a direção do grupo de estudos de Sendai, filiado à International Psychoanalytical Association* (IPA) desde 1933 e criou a Nippon Seishin-Bunseki Kyoukai (Sociedade Psicanalítica Japonesa), cujo desenvolvimento foi muito limitado, pois reunia apenas cerca de trinta membros em 1997. Ali, fez escola, esclarecendo suas teorias sobre a amae, formou didatas e discípulos rigidamente freudianos, realizando ao mesmo tempo atividades de didata, professor e clínico na Associação Psicanalítica Japonesa, não filiada à IPA, muito mais poderosa em número de aderentes e aberta a todas as outras correntes da psiquiatria dinâmica*. • Sigmund Freud, Chronique la plus brève. Carnets intimes, 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992 • Heisaku Kosawa, “Two types of guilt consciousness — Oedipus and Azase”, Tokyo Journal os Psychoanalysis (Seishin Bunseki), março-abril de 1935 • James Clark Moloney, “Understanding the paradox of Japanese psychoanalysis”, IJP, vol. XXXIV, 4, 1953, 292303 • Keigo Okonogi, “Dr. Heisaku Kosawa as a great pioneer of Japanese psychoanalysis”, Japanese Journal of Psychoanalysis, 15, 4, 1969, 1-15; “Japan”, in Peter Kutter (org.)., Psychoanalysis International. A Guide to Psychoanalysis throughout the World, vol.2, Stuttgart, 1995, 123-42.

➢ ANTROPOLOGIA; CULTURALISMO; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; MOISÉS E O MONOTEÍSMO; OTSUKI, KENJI; TOTEM E TABU.

Kouretas, Dimitri (1901-1985) médico e psicanalista grego

Analisado por Andreas Embiricos*, Dimitri Kouretas aderiu primeiramente às teses de Alfred Adler*, antes de se tornar freudiano e participar da criação do primeiro grupo psicanalítico grego. Depois da exclusão de Embiricos desse grupo, permaneceu em seu país para estimular a prática da psicanálise* em torno de um

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grupo de estudos reconhecido pela International Psychoanalytical Association* (IPA). ➢ FEDERAÇÃO EUROPÉIA DE PSICANÁLISE; FRANÇA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; TRIANDAFILIDIS, MANOLIS.

Kraepelin, Emil (1856-1926) psiquiatra alemão

Fundador da nosografia psiquiátrica do século XX e criador dos termos demência precoce e psicose maníaco-depressiva*, Emil Kraepelin foi aluno, em Leipzig, de Wilhelm Wundt (1832-1920), cujos métodos de psicologia experimental adotou. Em 1878, defendeu uma tese sob a orientação de Bernhard von Gudden (1824-1886), com o tema “O lugar da psicologia na psiquiatria”. A partir de 1903, ocupou a cátedra de psiquiatria de Munique, dirigindo também a Königlische Psychiatrische Klinik, que conquistaria graças a ele um renome internacional. Desde essa data, apaixonado pelo comparativismo, foi a Java a fim de estudar a presença entre os indígenas das patologias mentais observadas na Europa. Nessa ocasião, forjou a expressão “psiquiatria comparada” para designar o que se tornaria a etnopsiquiatria e a etnopsicanálise*: “Kraepelin é descrito como um personagem reservado, escreveu Pierre Morel, meticuloso, respeitador da ordem e da autoridade, grande admirador de Bismarck.” Esse conservador pôs ordem e clareza na compreensão da loucura*, construindo uma classificação racional das doenças ditas mentais. Distinguia três grupos fundamentais de psicoses*: a paranóia*, a loucura maníacodepressiva, que se tornaria depois psicose maníaco-depressiva, a demência precoce, que compreendia a psicose alucinatória crônica, caracterizada por um delírio mal sistematizado, a hebefrenia, ou psicose da adolescência, com excitação intelectual e motora (tagarelice, neologismos, maneirismos), a catatonia, que se reconhecia pelo negativismo do sujeito*: mutismo, recusa da alimentação, reações estereotipadas. Segundo Kraepelin, a paranóia diferia da demência precoce pelo fato de que, nesta última, a personalidade corporal do sujeito era lesada: forças estranhas pareciam agir


Kraus, Karl

sobre o organismo, sobre as sensações e sobre o pensamento, à maneira da telepatia*. Mesmo inovador, Kraepelin continuava apegado à tradição da psiquiatria medicalizada que considerava o louco não como um sujeito, mas como um objeto a observar e um indivíduo perigoso. Assim, o sistema kraepeliniano foi contestado pelos artífices da psiquiatria dinâmica* e pelos adversários do niilismo terapêutico: principalmente por Eugen Bleuler*, inventor do termo esquizofrenia*, e mais tarde pelos representantes da antipsiquiatria*. Houve realmente uma era kraepeliniana na história da psiquiatria, como houve uma era pineliana, que marcou o apogeu do alienismo. Nesse aspecto, comparou-se o sistema de pensamento freudiano com a classificação de Kraepelin. Entretanto, se Sigmund Freud* adotou parte dos conceitos do mestre de Munique, inscreveu sua clínica em uma trajetória radicalmente inversa à sua. Fundando sua prática na escuta do sujeito, situava-se na posição oposta a Kraepelin, que era herdeiro de uma clínica do olhar fundada na prevalência do corpo, na ausência do doente. Kraepelin pensava, efetivamente, que a ignorância da língua e da fala do paciente garantia, na medicina mental, a melhor observação. • Emil Kraepelin, Compendium der Psychiatrie, Leipzig, Abel, 1883; Introduction à la psychiatrie clinique (Leipzig, 1901), Paris, Vigot, 1907; Leçons cliniques sur la démence précoce et la psychose maniacodépressive (Leipzig, 1907), Toulouse, Privat, 1970; La Folie maniaque-dépressive (Leipzig, 1909), Grenoble, Jérôme Millon, 1993 • Paul Bercherie, Os fundamentos da clínica (Paris, 1980), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Jacques Postel (org.), La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994 • Pierre Morel (org.), Dicionário biográfico psi (Paris, 1996) Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

Krafft-Ebing, Richard von (1840-1902) psiquiatra austríaco

Nascido em Mannheim, Richard von KrafftEbing foi não só um dos fundadores da sexologia*, como também um ilustre professor de psiquiatria em Viena*, para onde foi nomeado em 1889. Três anos depois, tornou-se titular da cátedra de Theodor Meynert*. Antes da invenção, por Eugen Bleuler*, da palavra “esquizo-

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frenia”, foi o teórico da noção de loucura histérica, que seria retomada posteriormente sob a expressão “psicose histérica”, depois que Sigmund Freud* e seus alunos, Karl Abraham* principalmente, diferenciaram a esquizofrenia como psicose* e a histeria* como neurose*. Mas foi sobretudo com sua obra Psychopathia sexualis, publicada em 1886 e traduzida no mundo inteiro, que Krafft-Ebing se tornou célebre. Fazia uma descrição extraordinária, a partir de casos precisos, de todas as formas possíveis de perversões* sexuais: uma espécie de catálogo sofisticado, do qual Freud adotou várias noções e que o Marquês de Sade não teria desaprovado. • Richard von Krafft-Ebing, Manuel de psychiatrie (1879), Paris, Baillière, 1897; Psychopathia sexualis (Stuttgart, 1886, Paris, 1907), Paris, Payot, 1969 • Jacques Postel (org.), La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994.

➢ FETICHISMO; HISTERIA; HOMOSSEXUALIDADE; SADOMASOQUISMO; SEXUALIDADE; TRANSEXUALISMO.

Kraus, Karl (1874-1936) escritor austríaco

Jornalista, escritor, polemista e fundador do jornal Die Fackel (A Tocha), que se opunha à Neue Freie Presse, Karl Kraus foi uma das grandes figuras da modernidade vienense do fim do século XIX. Judeu e adepto do ódio de si judeu, foi contrário a Dreyfus e se converteu ao catolicismo, que depois renegou. Denunciou a corrupção da imprensa e a feminilização da arte e da sociedade, que poderiam reduzir a sociedade a nada, e adotou as teses da bissexualidade*. Mas, ao contrário de Otto Weininger*, de quem era próximo, pensava que os princípios feminino e masculino deviam complementar-se. Analisado por Fritz Wittels*, que fez uma interpretação* selvagem em seu caso por ocasião de uma reunião da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, declarando-o portador de uma frustração* edipiana, Kraus sempre criticou os aspectos ridículos da psicanálise* e as manias de seus adeptos neófitos. Inventou alguns maravilhosos aforismos, que se tornariam célebres: “A psicanálise é aquela doença do

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Kretschmer, Ernst

espírito da qual ela própria se considera o remédio”, ou ainda: “É a ele [Freud] que cabe o mérito de ter dado uma organização à anarquia do sonho, mas ali tudo acontece como na Áustria.” • “Karl Kraus”, número especial da revista L’Herne, 1975 • Carl Schorske, Viena, fin-de-siècle (N. York, 1981), S. Paulo, Companhia das Letras, 1990 • Allan Janik e Stephen Toulmin, Wittgenstein, Vienne et la modernité (N. York, 1973), Paris, PUF, 1978 • Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises de l’identité (1990), Paris, PUF, 1994.

➢ JUDEIDADE; VIENA.

Kretschmer, Ernst (1888-1964) psiquiatra alemão

Nascido em Wurstenrot e filho de pastor, Ernst Kretschmer teve de enfrentar, como muitos psiquiatras da sua geração*, a questão das neuroses de guerra*. Em 1915, quando era médico militar em Tübingen, foi obrigado a mandar de volta à frente de batalha soldados com traumas psíquicos que, normalmente, teriam que ser tratados. Todavia, ao contrário de Joseph Babinski* e de Julius Wagner-Jauregg*, não aderiu ao ideal patriótico do exército que servia. Em 1929, publicou uma obra sobre os homens de gênio que exaltava a importância da “mistura de raças” para a evolução da humanidade. Quatro anos depois, em virtude de sua hostilidade ao nazismo*, foi obrigado a se demitir da Allgemeine Ärztliche Gesellschaft für Psychotherapie (AÄGP, Sociedade Alemã de Psicoterapia), que presidia havia sete anos. Carl Gustav Jung* o substituiu em suas funções e Matthias Heinrich Göring* liquidou a sociedade em 1936. Depois da Segunda Guerra Mundial, apoiado pelas autoridades francesas e americanas por suas posições claras a respeito do nacional-socialismo, Kretschmer desempenhou um papel maior na reconstrução da psiquiatria alemã, nas Universidades de Marburgo e de Tübingen. Teórico de uma morfotipologia que questionava o constitucionalismo de Emil Kraepelin* e que se inspirava em certas hipóteses freudianas, relacionou diferentes modos de organização da personalidade: assim, classificou

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os “grandes magros” (tipo leptossômico) na categoria da esquizofrenia*, e os “pequenos gordos” (tipo pícnico) na categoria da psicose maníaco-depressiva*. Foi como clínico da causalidade psíquica que ele marcou a psiquiatria moderna, e principalmente a obra de Jacques Lacan*, que lhe prestou homenagem em sua tese de medicina de 1932. • Ernst Kretschmer, Paranoïa et sensibilité. Contribution au problème de la paranoïa et à la theórie psychiatrique du caractère (Berlim, 1918), Paris, PUF, 1963; La Structure du corps et du caractère (Berlim, 1921), Paris, Payot, 1830 • Jacques Lacan, Da psicose paranóica e suas relações com a personalidade (1932), Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987 • Paul Bercherie, Os fundamentos da clínica (Paris, 1980), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Jacques Postel (org.), La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994.

Kris, Ernst (1900-1957) psicanalista americano

Embora seja conhecido como um dos fundadores da Ego Psychology*, com Heinz Hartmann* e Rudolph Loewenstein*, foi principalmente no campo da arte que Ernst Kris produziu trabalhos interessantes. Nascido em Viena*, em uma família da burguesia judaica, estudou filosofia e foi, como seu amigo Otto Kurz (1908-1975) e como Ernst Gombrich, aluno de Julius von Schlosser (1866-1938), o célebre representante da escola vienense de história da arte. Nomeado responsável pelo departamento de escultura e artes aplicadas do museu de Viena, tornou-se o melhor especialista em jóias gravadas e entalhes do Renascimento, tema sobre o qual publicou um estudo exemplar em 1929. Paralelamente, aderiu à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), depois de seu casamento com Marianne Rie, que se tornaria psicanalista com o nome de Marianne Kris*. Assim, fez parte do círculo íntimo que cercava a família de Sigmund Freud*. Analisado por Helene Deutsch* entre 1924 e 1927, praticou a psicanálise* sem abandonar suas atividades no museu. Antes das nove da manhã e depois das seis da tarde, recebia seus pacientes, e durante o dia trabalhava em seu escritório no museu de Viena.


Kris, Marianne

Em 1932, redigiu um estudo sobre o escultor barroco austríaco Franz Xaver Messerschmidt, cuja obra evocava a tradição fisiognomônica: o artista esculpira uma série de bustos retratando diversos tipos de personalidade. Através de uma análise minuciosa dos rostos, Kris evidenciou a loucura* do escultor. Dois anos depois, com a colaboração de Kurz, publicou uma obra dedicada ao nascimento da noção de artista na história da arte. Os dois autores mostravam que essa noção fora construída através dos mitos e lendas veiculados por biógrafos ou hagiógrafos, que descreviam o artista como um herói que desafiava, desde a infância até a maturidade, as normas de seu tempo. Prosseguindo nesse caminho ao mesmo tempo interpretativo e evolucionista, Kris fez com Ernst Gombrich um estudo sobre a caricatura. Para explicar seu aparecimento tardio, supunha, como o próprio Gombrich observou em uma entrevista com Didier Eribon, que ela nascera com o fim da magia: “Enquanto a intenção agressiva, dizia ele, esteve ligada a uma ameaça de ordem mágica, era inconcebível brincar com a fisionomia de um dignitário como faria Bernini em sua caricatura do papa, por exemplo. Enquanto a humanidade se submeteu ao medo da magia, transformar a imagem de alguém não era, no sentido próprio, uma brincadeira. A caricatura só pôde nascer quando a magia desapareceu [...]. Kris, como o próprio Freud [...] estava sob o domínio de uma interpretação evolucionista da história humana, concebida como um longo percurso desde a irracionalidade primitiva até o triunfo da razão.” Finalmente, Gombrich e Kris escreveriam juntos apenas um artigo sobre esse tema. E em 1940, Gombrich publicou uma obra importante sobre a caricatura, redigida somente por ele, mas assinada também por Kris. Fugindo do nazismo*, Kris e sua família chegaram a Londres ao mesmo tempo que os Freud. Foi logo trabalhar na rádio britânica, para analisar o conteúdo dos programas nacional-socialistas. Em 1940, emigrou para os Estados Unidos*, onde prosseguiu suas atividades de denúncia do totalitarismo. Depois, com sua mulher, integrou-se à New York Psychoanalytic Society (NYPS), onde se tornou um dos representantes mais ardorosos da ortodoxia freudia-

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na. Em 1945, participou da criação da revista The Psychoanalytic Study of the Child, e cinco anos depois, com Marie Bonaparte* e Anna Freud*, assinou o prefácio de O nascimento da psicanálise, versão expurgada das cartas de Freud a Wilhelm Fliess*. • Ernst Kris, Psychanalyse de l’art (N. York, 1952), Paris, PUF, 1978 • Ernst Kris e Otto Kurz, L’Image de l’artiste, légende, mythe et magie. Un essai historique (Viena, 1934, New Haven, 1979), Paris, Rivages, 1987; Caricature, Harmondsworth, Middlesex, King Penguin Books, 1940 • Ernst Kris e Ernst Gombrich, “The principles of caricature” (1938), in Psychanalyse de l’art, op. cit. • Ernst Gombrich, “Souvenirs de collaboration avec Ernst Kris”, in Vienne, 1880-1938. La Joyeuse apocalypse, catálogo da exposição editado por Jean Clair, Paris, Centre Pompidou, 1986 • Ernst Gombrich e Didier Eribon, Ce que l’image nous dit. Entretiens sur l’art et la science, Paris, Adam Biro, 1991.

Kris, Marianne, née Rie (1900-1980) médica e psicanalista americana

Por sua história e sua genealogia familiar, Marianne Kris era filha da psicanálise*, e até mesmo uma heroína daquilo que se poderia chamar de romance familiar* da psicanálise. Seu pai, Oskar Rie*, era o parceiro de Sigmund Freud* no jogo de cartas e médico da família. Sua mãe, Melanie Rie, née Bondy, era irmã de Ida Bondy (1869-1941), ex-paciente de Josef Breuer*, que se casara com Wilhelm Fliess* em 1892. Ligada assim à história do nascimento da psicanálise, Marianne Rie, judia vienense de origem, estudou medicina antes de se orientar para o freudismo*. Com Franz Alexander*, fez sua formação didática em Berlim, em 1927. Ao voltar, integrou-se à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) e conheceu Ernst Kris*, com quem se casou. Supervisionada por Anna Freud*, de quem se tornou amiga, logo foi adotada por Sigmund Freud, que a chamava de “minha filha”. Em 1938, emigrou para a Grã-Bretanha* com toda a família e, dois anos depois, deixou definitivamente a Europa, para se instalar em Nova York, onde se tornou membro da New York Psychoanalytic Society (NYPS), continuando uma brilhante carreira de psicanalista de adultos e crianças, no âmbito da Ego Psychology* e do annafreudismo*. Segundo o costume ins-

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Kulovesi, Yrjö

taurado por Freud, deu à sua filha um nome de que ela gostava particularmente: Anna. Guardiã da historiografia oficial, impediu Marilyn Monroe (1926-1962), sua analisanda, de aceitar o papel de Anna O., ao lado de Montgomery Clift (1920-1966), no filme Freud, além da alma, de John Huston, realizado em 1962 a partir do roteiro de Jean-Paul Sartre (1905-1980), sobre as origens da psicanálise (Fliess, Breuer, teoria da sedução* etc.). O cineasta fora repelido por Anna Freud, que não tolerava o menor desvio na hagiografia com a qual ela homenageava o pai, e Marianne Kris, por sua vez, adotou a mesma atitude, sem nem mesmo ler o roteiro do filósofo nem a sinopse do cineasta. Antes de se suicidar, a atriz deixou à sua analista uma importante soma de dinheiro, pedindo-lhe que a confiasse a uma obra de sua escolha. Marianne Kris doou a quantia à Hampstead Clinic, e Anna lhe respondeu com estas palavras: “Estou realmente pesarosa por Marilyn Monroe. Sei exatamente o que você sente, pois me aconteceu a mesma coisa com um de meus pacientes, que tomou cianureto antes que eu voltasse dos Estados Unidos há alguns anos. Repassa-se tudo na cabeça, sem parar, a fim de descobrir o que se poderia ter feito de melhor e isso traz um terrível sentimento de derrota. Mas, você sabe, penso que nesses casos somos verdadeiramente vencidos por algo mais forte do que nós e contra o qual a análise, apesar de seu poder, é uma arma fraca demais.” • Jean-Paul Sartre, Freud, além da alma (Paris, 1984), Rio de Janeiro, N. Fronteira, 1987, 2ª ed. • Elisabeth

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Young-Bruehl, Anna Freud: uma biografia (Londres, 1988), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Élisabeth Roudinesco, “Sartre, lecteur de Freud”, Les Temps Modernes, 531-3, outubro-dezembro de 1990, 589-613.

➢ FILIAÇÃO; IRMA, INJEÇÃO DE; PAPPENHEIM, BERTHA.

Kulovesi, Yrjö (1887-1943) médico e psicanalista finlandês

Pioneiro do freudismo na Finlândia, Kulovesi era filho de um alfaiate. Durante toda a vida, preocupou-se em estender às classes populares os benefícios dos métodos de inspiração psicanalítica. Em 1924, foi a Viena* pela primeira vez. Analisado por Paul Federn*, aderiu à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) em 1931. Colaborou na Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse* e participou de um grupo de estudos da Escandinávia* com Alfhild Tamm* e Harald Schjelderup*, que resultaria, em 1934 — no Congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) de Lucerna —, no reconhecimento da FinskSvenska Psykoanalytika Förening (Sociedade Fino-Sueca de Psicanálise). Tornou-se membro desta em 1935. Em 1933, redigiu a primeira obra de iniciação à psicanálise* em língua finlandesa. Contribuiu também para implantar as idéias freudianas nos meios literários finlandeses. • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.


L Lacan, Jacques, né Jacques-Marie (1901-1981)

complexes familiaux), outro, “L’Étourdit”, foi publicado na revista Scilicet, fundada por Lacan. Enfim, duas entrevistas foram realizadas, uma por Robert Georgin para a Rádio Televisão Belga (“Radiophonie”), outra por JacquesAlain Miller, para um filme do serviço de pesquisas da ORTF, realizado por Benoît Jacquot (Télévision). Jacques Lacan escreveu apenas um livro, sua tese de medicina de 1932 publicada sob o título Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, na qual relatou o caso de Marguerite Anzieu*. Seus outros artigos, assim como suas numerosas intervenções em colóquios ou na École Freudienne de Paris* (EFP) estão dispersos em várias revistas. Sua correspondência é quase inexistente: 247 cartas recenseadas por Élisabeth Roudinesco em 1993. A obra de Lacan está traduzida em 16 línguas, e Joël Dor realizou a melhor bibliografia do conjunto de títulos, publicados e inéditos. Jacques Lacan reinterpretou quase todos os conceitos freudianos, assim como os grandes casos (Herbert Graf*, Ida Bauer*, Serguei Constantinovitch Pankejeff*, Ernst Lanzer* e Daniel Paul Schreber*) e acrescentou ao corpus psicanalítico sua própria conceitualidade. Existem dois dicionários dos conceitos lacanianos: um em inglês, realizado por Dylan Evans, outro em espanhol, por Ignacio Garate e José Miguel Marinas. Alguns dos mais belos comentários da obra de Lacan foram escritos por filósofos: Louis Althusser (1918-1990), Jacques Derrida, Christian Jambet, JeanClaude Milner e Bernard Sichère. Nascido em Paris, em 14 de abril de 1901, em uma família de fabricantes de vinagres de Orléans (os Dessaux), Jacques-Marie Émile Lacan pertencia à média burguesia católica e

psiquiatra e psicanalista francês

Dentre os grandes intérpretes da história do freudismo*, Jacques Lacan foi o único a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tirála de seu ancoramento biológico, sem com isso cair no espiritualismo. O paradoxo dessa interpretação inovadora única é que ela reintroduziu na psicanálise* o pensamento filosófico alemão, do qual Sigmund Freud* se tinha voluntariamente afastado. Essa poderosa contribuição fez de Lacan o único verdadeiro mestre da psicanálise na França*, o que lhe valeu muita hostilidade. Mas se alguns de seus ferozes adversários foram injustos, ele se prestou à crítica ao cercar-se de discípulos pedantes, que contribuíram para obscurecer um ensino certamente complexo e muitas vezes enunciado em uma língua barroca e sofisticada, mas perfeitamente compreensível (pelo menos até 1970). Lacan sofria de inibições na escrita e precisou de ajuda para publicar seus textos e transcrever o famoso seminário público, que se realizou de 1953 a 1979. Nove seminários entre vinte e cinco foram “estabelecidos” e publicados por seu genro, Jacques-Alain Miller, entre 1973 e 1995. O vigésimo sexto seminário, do ano 1978-1979, é “silencioso”, pois Lacan não mais podia falar. Jacques Lacan redigiu cerca de 50 artigos, em geral oriundos de conferências: 34 deles, os mais importantes, foram reunidos pelo editor François Wahl em 1966, em uma imponente obra de 900 páginas, intitulada Écrits, à qual se devem acrescentar as “variantes” realizadas em 1994 por Angel de Frutos Salvador. Um grande artigo de Lacan, publicado em 1938, foi editado em livro por Jacques-Alain Miller em 1984 (Les 445

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Lacan, Jacques

conservadora. Como se fizera com seus outros irmãos, acrescentou-se ao seu nome o da Virgem Maria. Progressivamente, renunciaria a esse nome, nos diversos textos escritos no período entre-guerras. Seu pai, Alfred Lacan (18731960) era um homem fraco, esmagado pelo poder de seu próprio pai, Émile Lacan (18391915). Quanto à sua mãe, Émilie Baudry (18761948), mais intelectual, era inteiramente voltada para a religião. Esse clima familiar, até mesmo banal, horrorizava o jovem Lacan. Depois dele, viriam uma irmã, Madeleine, nascida em 1903, um irmão, Raymond, morto na infância e enfim Marc-François (19081994), que teria por ele grande afeição. Em 1929, Marc-François se tornou monge beneditino e entrou para a abadia de Hautecombe, situada às margens do lago do Bourget. Depois de estudos no Colégio Stanislas, Lacan rompeu com o catolicismo. Com a idade de 16 anos, admirava a Ética de Baruch Spinoza (1632-1677). Um ano depois, voltou-se para o nietzscheísmo, e durante algum tempo ficou fascinado com Charles Maurras (1868-1952), cujo estetismo e gosto pela língua adotou. Enfim, interessou-se pela vanguarda literária. Alfred Lacan, que desejava que seu filho mais velho assumisse a sucessão de seus negócios e desse um impulso decisivo ao comércio de mostarda, não compreendia nem aprovava sua evolução. Quanto a Émilie Lacan, ignorava tudo sobre a vida que o filho levava, fora dos caminhos da religião e do conformismo burguês. Na Paris dos anos 1920, este aspirava à glória, comparava-se a Rastignac, freqüentava a livraria de Adrienne Monnier e os surrealistas, assistia com entusiasmo à leitura pública do Ulisses de James Joyce (1882-1941), ligandose a escritores e poetas. Tornando-se residente no Hospital Sainte-Anne, onde foi aluno de Henri Claude* ao mesmo tempo que seu amigo Henri Ey*, orientou-se para a psiquiatria, seguindo os ensinamentos de Georges Heuyer (1884-1977), Georges Dumas (1866-1946) e Gaëtan Gatian de Clérambault*, cujo estilo deixaria nele uma forte marca. Em junho de 1932, começou sua análise didática* com Rudolph Loewenstein* e, no fim do ano, publicou sua tese sobre a história de uma mulher crimi-

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nosa (Marguerite Anzieu), da qual fez um caso de paranóia* de auto-punição (o caso Aimée). Magnífica síntese de todas as aspirações freudianas e anti-organicistas da nova geração psiquiátrica francesa dos anos 1920, esse trabalho foi imediatamente considerado uma obraprima por René Crevel (1900-1935), Salvador Dalí (1904-1989) e Paul Nizan (1905-1940), principalmente, que apreciaram a utilização feita por Lacan dos textos romanescos da paciente e da força doutrinária de sua posição quanto à loucura* feminina. No ano seguinte, na revista Le Minotaure, Lacan dedicou um artigo ao crime cometido em Mans por duas domésticas (as irmãs Papin) contra suas patroas. Viu nesse ato, de uma intensa selvageria, uma mistura de delírio a dois, de homossexualidade* latente, mas antes de tudo o surgimento de uma realidade inconsciente que escapava às próprias protagonistas. Desse drama Jean Genet (19101986) tirou uma peça, Les Bonnes, e Claude Chabrol um filme, sessenta anos depois, La Cérémonie. Se era estimado como um brilhante intelectual fora dos meios psicanalíticos franceses, Lacan sofreu por não ser reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), na qual seus trabalhos não eram levados em conta e seu anticonformismo causava irritação. Sua análise com Loewenstein durou seis anos e meio, e acabou com um fracasso e um desentendimento duradouro entre ambos. Finalmente, graças à intervenção de Édouard Pichon*, Lacan foi titularizado em 1938. Pichon reconhecia seu gênio e queria fazer dele, apesar de seu hegelianismo, o herdeiro de uma tradição “francesa” do freudismo. Lacan nunca obedeceria a essa injunção. Em 1934, casou-se com Marie-Louise Blondin (1906-1983), irmã de seu amigo Sylvain Blondin (1901-1975), apelidada Malou. A viagem de núpcias foi na Itália*. Pela primeira vez, Lacan descobriu com encantamento a cidade de Roma, pela qual se apaixonou, como Freud. Mas a cidade antiga lhe interessava menos do que a Roma católica e barroca. Durante horas, contemplou os êxtases de Bernini e a arquitetura das igrejas e dos monumentos. Desde o início, o casamento foi insatisfatório. Malou acreditara ter-se casado com um


Lacan, Jacques

homem perfeito, cuja fidelidade conjugal estaria à altura de seus sonhos de felicidade. Ora, Lacan não era esse homem, nem nunca seria. Três filhos nasceram: Caroline (1937-1973), Thibaut, Sibylle. A partir de 1936, Lacan iniciou-se na filosofia hegeliana, no seminário que Alexandre Kojève (1902-1968) dedicou à Fenomenologia do espírito. Ficou conhecendo Alexandre Koyré (1892-1964), Georges Bataille (1897-1962) e Raymond Queneau (1903-1976). Freqüentou a revista Recherches Philosophiques e participou das reuniões do Collège de Sociologie. Desses anos de grande riqueza cultural e teórica, tirou a certeza de que a obra freudiana devia ser relida “ao pé da letra” e à luz da tradição filosófica alemã. Em 1936, cruzou pela primeira vez a história do freudismo internacional indo a Marienbad para o Congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA). Nesse congresso, apresentou uma exposição sobre o estádio do espelho*. Mas Ernest Jones cortou-lhe a palavra apenas com dez minutos de sua exposição. Foi em seguida para Berlim assistir aos Jogos Olímpicos. O triunfo do nazismo* provocou nele um sentimento de repugnância. Em 1938, a pedido de Henri Wallon (18791962) e de Lucien Febvre (1878-1956), fez um balanço sombrio das violências psíquicas próprias da família burguesa em um verbete da Encyclopédie française. Constatando que a psicanálise nascera do declínio do patriarcado*, Lacan apelava para a revalorização de sua função simbólica no mundo ameaçado pelo fascismo. Desde 1937, apaixonou-se por Sylvia Maklès-Bataille (1908-1993). Separada nessa época de Georges Bataille mas continuando a ser sua esposa, atuou em um filme de Jean Renoir (1894-1979), Une partie de campagne. Era mãe de uma menina, Laurence Bataille (19301986), que se tornaria uma notável psicanalista. Proveniente de uma família judia romena, Sylvia Bataille integrou-se à alegre equipe do grupo Octobre, com Jacques-Bernard Brunius, Raymond Bussières e Joseph Kosma. Sob a direção de Jacques (1900-1977) e Pierre Prévert, os outubristas procuravam renovar o teatro popular, inspirando-se em Bertolt Brecht

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(1898-1956) e Erwin Piscator (1893-1966). A irmã mais velha de Sylvia, Bianca, se casou com o poeta surrealista Theodor Frankel, a mais nova, Rose, com André Masson (1896-1987) e a terceira, Simone, com Jean Piel, diretor da revista Critique. Quando a guerra começou, Sylvia se refugiou na zona livre. A cada quinze dias, Lacan a visitava. Em Paris, ele interrompeu toda sua atividade pública, recebendo apenas sua clientela particular. Sem pertencer à Resistência, manifestou claramente hostilidade a todas as formas de anti-semitismo. Tinha horror do regime de Vichy e de tudo o que se referisse, de perto ou de longe, à Colaboração. Entretanto, era principalmente com sua vida privada que ele se preocupava durante os dois primeiros anos de guerra. Em setembro de 1940, Lacan encontrou-se em uma situação insustentável. Anunciou à sua mulher legítima, que estava grávida de oito meses, que Sylvia, sua companheira, também esperava um filho. Malou pediu o divórcio imediatamente e foi em plena crise de depressão que deu à luz, a 26 de novembro, uma menina à qual deu o nome de Sibylle. “Quando eu nasci, escreveria esta em 1994, meu pai não estava mais conosco. Até poderia dizer que, quando fui concebida, ele já estava em outro lugar [...]. Sou o fruto do desespero. Alguns dirão que sou fruto do desejo, mas não creio nisso.” Oito meses depois, em 3 de julho de 1941, Sylvia deu à luz a quarta dos filhos de Lacan, Judith, registrada com o sobrenome de Bataille. Só poderia usar o nome do pai em 1964. Essa impossibilidade de transmitir o sobrenome seria uma das determinações inconscientes da elaboração do conceito lacaniano de Nome-do-Pai*. No início do ano de 1941, Lacan instalou-se na rue de Lille nº 5. Ficaria ali até a morte. Em dezembro, seu casamento com Marie-Louise Blondin foi desfeito por divórcio e em 1943 Sylvia se instalou no nº 3 da mesma rua com suas duas filhas, Laurence e Judith. Em julho de 1953, divorciada de Georges Bataille desde agosto de 1946, casou-se com Lacan, na prefeitura de Tholonet, perto de Aix-en-Provence. Durante muitos anos, a pedido de Malou, Lacan não revelaria aos filhos de seu primeiro casamento a existência do segundo lar, onde criava

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Lacan, Jacques

duas filhas, a sua e a de Bataille. Essa confusão teria conseqüências dramáticas para as duas famílias. “Lacan não tinha absolutamente, como objetivo, reinventar a psicanálise, escreveu Jacques-Alain Miller. Pelo contrário, situou o começo de seu ensino sob o signo de um ‘retorno a Freud’; apenas perguntou, a respeito da psicanálise: sob que condição ela é possível?” Em 1950, Lacan começou esse retorno aos textos de Freud, baseando-se, ao mesmo tempo, na filosofia heideggeriana, nos trabalhos da lingüística saussuriana e nos de Lévi-Strauss. Da primeira, adotou um questionamento infinito sobre o estatuto da verdade, do ser e de seu desvelamento; da lingüística, extraiu sua concepção do significante* e de um inconsciente* organizado como uma linguagem; do pensamento de Lévi-Strauss deduziu a noção de simbólico*, que utilizou em uma tópica* (simbólico, imaginário*, real*: S.I.R.), assim como uma releitura universalista da interdição do incesto* e do complexo de Édipo*. Revalorizando o inconsciente e o isso*, em detrimento do eu*, Lacan atacou uma das grande correntes do freudismo, a Ego Psychology*, da qual seu ex-analista se tornara um dos representantes, e que ele assimilava a uma versão edulcorada e adaptativa da mensagem freudiana. Chamava-a de “psicanálise americana” e lhe opunha a peste*, isto é, uma visão subversiva da teoria freudiana, centrada na prioridade do inconsciente. Como fizera no período entreguerras, Lacan continuou então a estabelecer fortes relações fora do meio psicanalítico: com Roman Jakobson (1896-1982), Claude LéviStrauss, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Graças a Jean Beaufret (1907-1982), de quem era analista, encontrou-se com Martin Heidegger (1889-1976). Na SPP, Lacan atraiu muitos alunos, fascinados pelo seu ensino e desejosos de romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa. Começou então a ser reconhecido ao mesmo tempo como didata e como clínico. Seu senso agudo da lógica da loucura*, sua abordagem original do campo das psicoses* e seu talento lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto*, um lugar especial aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.

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Em 1951, Lacan comprou uma casa de campo, a Prévôté, situada em Guitrancourt, a cerca de cem quilômetros de Paris. Retirava-se para lá aos domingos, para trabalhar e também para receber seus pacientes ou dar recepções. Adorava fazer teatro para os amigos, fantasiar-se, dançar, divertir-se e às vezes usar roupas extravagantes. Nessa casa, colecionou um número considerável de livros que, ao longo dos anos, formaram uma imensa biblioteca, cuja simples consulta demonstra o tamanho de sua paixão pelo trabalho intelectual. Em um cômodo que dava para o jardim, organizou um escritório repleto de objetos de arte. No jirau que dominava a peça única, pendurou o famoso quadro de Gustave Courbet (1819-1877) A origem do mundo, que comprou a conselho de Bataille e de Masson. Como todos os outros países, depois da Segunda Guerra Mundial, a França freudiana entrou na era dos conflitos, das crises e das controvérsias. A primeira cisão* francesa se produziu em 1953, e se desenrolou em torno da criação de um novo instituto de psicanálise e da questão da análise leiga*. Tendo como líder Sacha Nacht*, os adeptos da ordem médica se opunham aos universitários liberais, que cercavam Daniel Lagache* e defendiam os alunos do instituto, revoltados com o autoritarismo de Nacht. Contestado, ao longo dessa crise, pela sua prática das sessões de duração variável (ou sessões curtas), que questionavam o ritual da duração obrigatória (45-50 minutos), imposto pelos padrões da IPA, Lacan ficou do lado dos universitários. Certamente, mostrava-se favorável à análise leiga, mas não compartilhava nenhuma das teses de Lagache sobre a psicologia clínica*. Recusando qualquer idéia de assimilação da psicanálise a uma psicologia qualquer, considerava os estudos de filosofia, de letras ou de psiquiatria como as três melhores vias de acesso à formação dos analistas. Reatou assim com o programa projetado por Freud, quando do congresso da IPA em Budapeste, em 1918. Violentamente hostil a Lacan e impressionada com a agitação de seus alunos, Marie Bonaparte*, mesmo favorável à análise leiga, deu apoio ao grupo de Nacht, provocando assim


Lacan, Jacques

a partida dos liberais e da grande maioria dos alunos. Lagache fundou então a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963), formada por Lacan, Dolto, Juliette Favez-Boutonier*, e pelos principais representantes da terceira geração psicanalítica francesa: Didier Anzieu, Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis, Serge Leclaire*, François Perrier*, Daniel Wildlöcher, Jenny Aubry*, Octave Mannoni*, Maud Mannoni e Moustapha Safouan. À exceção de Wladimir Granoff, todos estavam (ou tinham estado) em análise ou em supervisão* com Lacan. Quando do primeiro congresso da SFP, que se realizou em Roma em setembro de 1953, Lacan fez uma notável intervenção, “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise” (ou “Discurso de Roma”), na qual expôs os principais elementos de seu sistema de pensamento, provenientes da lingüística estrutural e de influências diversas, oriundas da filosofia e das ciências. Elaborou vários conceitos (sujeito, imaginário, simbólico, real, significante), que desenvolveria ao longo dos anos enriquecendo-os com novas formulações clínicas e depois lógico-matemáticas: foraclusão*, Nome-do-Pai, matema*, nó borromeano*, sexuação*. Graças a seu amigo Jean Delay*, obteve um anfiteatro no Hospital Sainte-Anne. Durante dez anos, duas vezes por mês, realizou ali seu seminário, comentando sistematicamente todos os grandes textos do corpus freudiano e dando assim origem a uma nova corrente de pensamento: o lacanismo*. O “Discurso de Roma” foi publicado no primeiro número de La Psychanalyse, revista da SFP. A cada ano, Lacan daria a essa revista o texto de suas melhores conferências, que eram uma espécie de resumo dos temas do seminário. Também publicaria nela artigos de Martin Heidegger, Émile Benveniste, Jean Hyppolite (1907-1968) e muitos outros. Durante dez anos, o ensino de Lacan deu à comunidade freudiana francesa um desenvolvimento considerável: “nossos mais belos anos”, diriam os ex-combatentes desse grupo em crise e desse movimento em busca de reconhecimento. Ao deixar a SPP, os fundadores da SFP tinham perdido, sem se dar conta, sua filiação à

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IPA. A partir de 1953, iniciaram-se negociações com a executiva central, para que esse segundo grupo francês fosse filiado. Nessa época, ninguém pensava em se emancipar da legitimidade freudiana, muito menos Lacan. Apoiados por ele, Granoff, Leclaire e Perrier formaram uma “tróica”, cuja tarefa era negociar a reintegração da SFP. Depois de anos de discussão e intercâmbio, o comitê executivo da IPA recusou a Lacan e a Dolto o direito de formar didatas. As razões dessa recusa eram complexas. Lacan era acusado de transgressão das regras técnicas, principalmente das que determinavam a duração das sessões. Quanto a Dolto, o problema era, em parte, sua maneira de praticar a psicanálise de crianças*, mas também sua formação didática: nessa época, os alunos de René Laforgue* foram convidados a fazer uma nova análise. A segunda cisão (“excomunhão”, como diria Lacan) do movimento psicanalítico ocorreu durante o inverno de 1963. Foi vivida como um desastre por todos os membros da SFP, tanto pelos alunos quanto pelos negociadores: Leclaire, Lacan, Granoff, Perrier, e Pierre Turquet pela Grã-Bretanha*. Em 1964, a SFP foi dissolvida e Lacan fundou a École Freudienne de Paris (EFP), enquanto a maioria de seus melhores alunos se posicionou ao lado de Lagache, na Associação Psicanalítica da França (APF), reconhecida pela IPA. Obrigado a deslocar seu seminário, Lacan foi acolhido, graças à intervenção de Louis Althusser, em uma sala da École Normale Supérieure (ENS), na rue d’Ulm, onde pôde prosseguir seu ensino. Em um artigo de 1964, Althusser fez um belo retrato de Lacan, bastante preciso. Apreendeu muito bem suas grandezas e fraquezas, seu rigor teórico, sua dor nos combates: “Daí a paixão contida, escreveu ele, a contenção apaixonada da linguagem de Lacan, que só pode viver e sobreviver em estado de alerta e prevenção. Linguagem de um homem assediado e condenado, pela força esmagadora das estruturas e das corporações, a prever seus golpes, a pelo menos fingir que responde a eles antes de recebê-los, desencorajando assim o adversário de abatê-lo sob os seus [...]. Tendo que ensinar a teoria do inconsciente a médicos, analistas ou analisados, Lacan lhes dá, na retó-

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Lacan, Jacques

rica de sua fala, o equivalente mimético da linguagem do inconsciente, que é, como todos sabemos, em sua essência última, Witz, trocadilho, metáfora, bem ou malsucedida: o equivalente da experiência vivida em sua prática, seja ela de analista ou de analisado.” Na ENS, Lacan conquistou um novo auditório, uma parte da juventude filosófica francesa, à qual Althusser confiou o cuidado de trabalhar seus textos. Entre eles, encontrava-se JacquesAlain Miller, que se casou com Judith Lacan em 1966. Tornou-se redator dos seminários do sogro, seu executor testamentário e o iniciador, a partir de 1975, de uma corrente neolacaniana no próprio interior da EFP. Em 1965, com o estímulo de François Wahl, Lacan fundou a coleção “Champ Freudien” nas Éditions du Seuil e, no ano seguinte, em 15 de dezembro de 1966, publicou os Escritos. A obra mostrava os vestígios de sua difícil elaboração: reescrita do próprio Lacan, correções múltiplas de Wahl, comentários de Miller. Lacan recebeu enfim a consagração esperada e merecida: 5.000 exemplares foram vendidos em 15 dias, antes mesmo que aparecessem resenhas na imprensa. Mais de 50.000 exemplares foram vendidos na edição comum e a venda da edição de bolso bateria todos os recordes para um conjunto de textos tão difíceis: mais de 120.000 exemplares o primeiro volume, mais de 55.000 o segundo. Doravante, Lacan seria reconhecido, celebrado, odiado ou admirado como um pensador de envergadura, e não mais apenas como um mestre da psicanálise. Sua obra seria lida e comentada por inúmeros filósofos, entre os quais Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995). Antes mesmo do aparecimento do seu opus magnum, Lacan foi aos Estados Unidos*, convidado para o simpósio sobre o estruturalismo organizado em outubro de 1966 por René Girard e Eugenio Donato, na Universidade Johns Hopkins, de Baltimore: “Em Baltimore, escreveu Derrida, ele me falou sobre como pensava que o leriam, especialmente eu, depois de sua morte [...]. A outra inquietação que ele me confidenciou se referia aos Écrits, que ainda não tinham sido publicados, mas que logo o seriam. Lacan estava preocupado, um pouco descontente, pareceu-me, com aqueles

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que na editora lhe aconselharam reunir tudo em um único grosso volume [...]. Você verá, disse ele, fazendo um gesto com a mão, vai soltar.” Lacan voltou aos Estados Unidos em 1976, para fazer uma série de conferências nas universidades da costa leste. A leitura de sua obra ficaria limitada aos intelectuais, às feministas e aos professores de literatura francesa. Confrontado com o gigantismo da EFP, Lacan tentou resolver os problemas de formação com a introdução do passe*, novo procedimento de acesso à análise didática. Aplicado a partir de 1969, provocou a partida de um grupo de analistas oponentes (Perrier, Piera Aulagnier*, Jean-Paul Valabrega), que formaram uma nova escola: a Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF) ou Quarto Grupo. Essa cisão, a terceira da história do movimento francês, marcou a entrada da EFP em uma crise institucional que resultou em sua dissolução a 5 de janeiro de 1980, e depois na dispersão do movimento lacaniano em cerca de vinte associações. Em 1974, Lacan dirigiu, na Universidade de Paris-VIII, no departamento de psicanálise, fundado por Serge Leclaire em 1969, um ensino do “Campo freudiano”, cuja responsabilidade confiou a Jacques-Alain Miller. Encorajou então a transformação progressiva de sua doutrina em um corpo de doutrina fechado, enquanto trabalhava para fazer da psicanálise uma ciência exata, baseada na lógica do matema* e na topologia dos nós borromeanos*. Atingido por distúrbios cerebrais e por uma afasia parcial, Lacan morreu em 9 de setembro de 1981, na Clínica Hartmann de Neuilly, depois da ablação de um tumor maligno do cólon. Certo dia, quando conversava com sua amiga Maria Antonietta Macciocchi, Lacan lhe fez uma confidência: “Ah, minha cara, os italianos são tão inteligentes! Se eu pudesse escolher um lugar para morrer, seria em Roma que eu gostaria de acabar os meus dias. Conheço todos os ângulos de Roma, todas as fontes, todas as igrejas... Se não fosse Roma, eu me contentaria com Veneza ou Florença: eu sou sob o signo da Itália.” • Jacques Lacan, Da psicose paranóica e suas relações com a personalidade (1932), Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987; Os complexos familiares


lacanismo (1938), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987; Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998; “Radiophonie”, Scilicet, 203, 1970, 55-99; “L’Étourdit”, Scilicet, 4, 1973, 5-52; Televisão (Paris, 1974), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993; O Seminário, 25 livros (1953-1979), 9 publicados: 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985; 3, As psicoses (1955-1956), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; 4, A relação de objeto (1956-1957), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995; 7, A ética da psicanálise (1959-1960), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995, 2ª ed; 8, A transferência (1960-1961), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995, 2ª ed.; 17, O avesso da psicanálise (1969-1970), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; Mais, ainda (19721973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 2ª ed. • Louis Althusser, “Freud et Lacan”, in Écrits sur la psychanalyse, Paris, Stock, 1993, 15-53 • Anika Lemaire, Jacques Lacan (1969), Bruxelas, Pierre Mardaga, 1977 • Guy Lardreau e Christian Jambet, L’Ange, Paris, Grasset, 1976 • Jacques-Alain Miller, “Jacques Lacan” (1979), Ornicar?, 24, outono de 1981, 35-44 • Bernard Sichère, Le Moment lacanien, Paris, Grasset, 1983 • Jean-Claude Milner, Les Noms indistincts, Paris, Seuil, 1983; A obra clara (Paris, 1995), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996 • Alain Juranville, Lacan e a filosofia (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987 • Philippe Julien, Pour lire Jacques Lacan (Toulouse, 1985), Paris, Seuil, col. “Points”, 1995 • Joël Dor, Introdução à leitura de Lacan, 2 tomos (Paris, 1985, 1992), P. Alegre, Artes Médicas, 1992, 1996; Nouvelle bibliographie des travaux de Jacques Lacan, Paris, EPEL, 1994 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Marcelle Marini, Lacan: a trajetória do seu ensino (Paris, 1986), P. Alegre, Artes Médicas • François Roustang, Lacan, de l’équivoque à l’impasse, Paris, Minuit, 1986 • Bertrand Ogilvie, Lacan. A formação do conceito de sujeito (Paris, 1987), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • John P. Muller e William Richardson (orgs.) The Purloined Poe, Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1988 • Pierre Rey, Uma temporada com Lacan: relato (Paris, 1989), Rio de Janeiro, Rocco, 1990 • Mikkel Borch-Jacobsen, Lacan, le maître absolu, Paris, Flammarion, 1990 • Angel de Frutos Salvador, Los Escritos de Jacques Lacan. Variantes textuales, Madri, Siglo XXI, 1990 • Jacques Derrida, “Pour l’amour de Lacan” (1990), in Résistances de la psychanalyse, Paris, Galilée, 1996 • Judith Miller, Album Jacques Lacan. Visages de mon père, Paris, Seuil, 1991 • Malcolm Bowie, Lacan, Londres, Fontana, 1991 • Sibylle Lacan, Un père, Paris, Gallimard, 1994 • Patrick Guyomard, “Jacques Lacan”, in Le Nouveau dictionnaire des auteurs, II, Paris, Bompiani-Laffont, 1994, 1759-61 • Dylan Evans, An Introductory Dictionary of Lacanian Psychoanalysis, Londres, Routledge, 1996 • Ignacio Ga-

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rate e José Miguel Marinas, Lacan en castellano, Madri, Quipu Ediciones, 1996 • Wladimir Granoff, “Entretien sur Jacques Lacan: le fil russe”, L’Infini, 57, primavera de 1997.

➢ ASSOCIATION MONDIALE DE PSYCHANALYSE; BEIRNAERT, LOUIS; BION, WILFRED RUPRECHT; BOUVET, MAURICE; CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE, OS; CRIMINOLOGIA; DESEJO; DIFERENÇA SEXUAL; FANTASIA; GOZO; GUATTARI, FÉLIX; HARTMANN, HEINZ; IGREJA; JAPÃO; KLEINISMO; KOHUT, HEINZ; MASOTTA, OSCAR; PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA, A; SELF PSYCHOLOGY; SEXUALIDADE FEMININA; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

lacanismo al. Lacanianismus; esp. lacanismo; fr. lacanisme; ing. Lacanianism

Na história do movimento psicanalítico, chama-se lacanismo a uma corrente representada pelos diversos partidários de Jacques Lacan*, sejam quais forem suas tendências. Foi entre 1953 e 1963 que ganhou corpo, na França*, a reformulação lacaniana, que depois desembocou, com a criação da École Freudienne de Paris* (EFP), em 1964, num vasto movimento institucional e, em seguida, numa nova forma de internacionalização, num rompimento definitivo com a International Psychoanalytical Association* (IPA). Depois da morte de Lacan, em 1981, o lacanismo fragmentou-se numa multiplicidade de tendências, grupos, correntes e escolas que formam uma poderosa nebulosa, implantada de maneiras diversas em muitos países. Tal como o annafreudismo*, o kleinismo* e várias outras correntes externas ou internas à IPA, o lacanismo pertence à constelação freudiana, na medida em que se reconhece na doutrina fundada por Sigmund Freud* e se distingue claramente das outras escolas de psicoterapia* por sua adesão à psicanálise*, ou seja, ao tratamento pela fala como lugar exclusivo do tratamento psíquico, e aos grandes conceitos freudianos fundamentais: o inconsciente*, a sexualidade*, a transferência*, o recalque* e a pulsão*. Entretanto, diversamente do annafreudismo*, da Ego Psychology* e da Self Psychology*, o lacanismo não é uma simples corrente, mas uma verdadeira escola. Com efeito, cons-

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lacanismo

tituiu-se como um sistema de pensamento, a partir de um mestre que modificou inteiramente a doutrina e a clínica freudianas, não só forjando novos conceitos, mas também inventando uma técnica original de análise da qual decorreu um tipo de formação didática diferente da do freudismo* clássico. Nesse sentido, é comparável ao kleinismo, nascido dez anos antes; na verdade, aparenta-se sobretudo com o próprio freudismo, o qual reivindica em linha direta, à parte os outros comentários, leituras ou interpretações da doutrina vienense. O lacanismo acha-se, portanto, numa situação excepcional. Lacan foi, com efeito, o único dos grandes intérpretes da doutrina freudiana a efetuar sua leitura não para “ultrapassá-la” ou conservá-la, mas com o objetivo confesso de “retornar literalmente aos textos de Freud”. Por ter surgido desse retorno, o lacanismo é uma espécie de revolução às avessas, não um progresso em relação a um texto original, mas uma “substituição ortodoxa” desse texto. Assim, o lacanismo situa-se na direção inversa à das outras tendências do freudismo, em especial de todas as suas variações norte-americanas, pejorativamente qualificadas de “psicanálise norte-americana”. Por esse vocábulo, Jacques Lacan e, depois dele, seus discípulos e herdeiros designam o neofreudismo*, o annafreudismo e a Ego Psychology. Todas essas correntes remetem, segundo eles, a uma concepção “desviada” da psicanálise, isto é, a uma doutrina centrada no eu* e esquecida do isso*, a uma visão adaptativa ou culturalista do indivíduo e da sociedade. O lacanismo tem em comum com o kleinismo o fato de haver estendido a clínica das neuroses* a uma clínica das psicoses*, e de ter levado mais longe do que o freudismo clássico a interrogação sobre a relação arcaica com a mãe. Nesse sentido, inscreveu a loucura* bem no cerne da subjetividade humana. Mas, ao contrário do kleinismo, perseguiu, sem aboli-la, a interrogação sobre o lugar do pai, a ponto de ver na deficiência simbólica deste a própria origem da psicose. Daí seu interesse pela paranóia*, mais do que pela esquizofrenia*. Por outro lado, o lacanismo procedeu a uma completa reformulação da metapsicologia* freudiana, inventando uma teoria do sujeito* (distinto

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do eu, do ego, do self etc.), isto é, introduzindo uma filosofia do sujeito e do ser bem no coração do freudismo. Além disso, para pensar o inconsciente, apoiou-se não mais num modelo biológico (darwinista), mas num modelo lingüístico. Pretendendo-se mais freudiano do que as diferentes correntes do freudismo dos anos cinqüenta, e pretendendo até mesmo expulsá-las em nome de um retorno à pureza originária, o lacanismo ocupa, portanto, um lugar único na história da psicanálise da segunda metade do século XX. Não apenas não é separável, como teoria, da obra original da qual pretende ser o comentário, como está condenado a se transformar na própria essência do freudismo cuja bandeira reergue, assimilando-o a uma revolução permanente ou a uma peste* subversiva. Donde o seguinte paradoxo: o lacanismo só existe por se constituir historicamente como um freudismo e, mais ainda, como a essência do “verdadeiro” freudismo. Por isso, só pode fundar-se acrescentando o próprio nome de Freud a sua trajetória e suas instituições. É por isso que, depois de ser expulsa da IPA, lugar supremo da legitimidade freudiana, a corrente lacaniana viu-se obrigada, a partir de 1964, a criar um novo modelo de associação, mais legítimo do que a antiga legitimidade: assim, chamou de escola o que era denominado de sociedade ou associação, para expressar o caráter platônico de sua reformulação, e se apoderou do adjetivo “freudiano”, para deixar bem claro que se pautava no verdadeiro mestre, e não em seus herdeiros. No plano político, o lacanismo implantou-se maciçamente, exportando o modelo institucional francês, em dois países do continente latino-americano — a Argentina* e o Brasil* —, onde, no entanto, fragmentou-se numa centena de grupos e tendências, e onde coabita com um kleinismo muito poderoso no interior da Federação Psicanalítica da América Latina* (FEPAL), ramo latino-americano da IPA. Obteve uma penetração importante na parte francófona do Canadá*. Na Europa, o lacanismo conheceu um progresso variável, conforme os diferentes países. Foi na França que se implantou melhor. Na década de 1990, recensearam-se cerca de cinqüenta grupos e escolas, distribuídos pela totalidade do território.


Lafora, Gonzalo Rodriguez

O legitimismo lacaniano é encarnado, na França, por Jacques-Alain Miller, executor testamentário e genro de Jacques Lacan. É ele quem dirige, além disso, a internacional lacaniana, a Association Mondiale de Psychanalyse* (AMP). Fora da França, da Espanha e dos países da América Latina, e especialmente nos países anglófonos (Estados Unidos*, Grã-Bretanha*, Austrália*), o lacanismo pouco se expandiu. Mas, em alguns casos, desenvolveu-se na universidade, nos departamentos de filosofia e literatura, onde a obra de Lacan é ensinada e comentada, independentemente de qualquer formação psicanalítica. É o que acontece em muitas universidades norte-americanas. Quando começou a se implantar como método clínico, por volta de 1970, o lacanismo enveredou no mundo inteiro pelo caminho da psicologia clínica*, assim se tornando, frente a um freudismo amplamente medicalizado, o instrumento de uma expansão da análise leiga* no campo das diversas escolas de psicoterapia e, em alguns casos, até no interior da IPA. É interessante notar que emergiram correntes separatistas a partir de 1990, tendendo a fazer do lacanismo um movimento externo ao freudismo, embora sem renegar este último. Testemunho disso é, por exemplo, o primeiro dicionário publicado em língua inglesa sobre o assunto, em 1996. Seu título e seu conteúdo dão a entender que existiria uma “psicanálise lacaniana” (coisa que Lacan jamais desejou). Assim como o kleinismo, o lacanismo gerou um fenômeno de idolatria do mestre fundador, uma hagiografia, um dogmatismo específico e algumas “súmulas” que fazem o inventário de seus conceitos e sua história. • Bice Benvenuto e Roger Kennedy, The Work of Jacques Lacan, Londres, Free Association Books, 1986 • Joël Dor, Introdução à leitura de Lacan, 2 tomos (Paris, 1985, 1992), P. Alegre, Artes Médicas, 1992, 1996; Nouvelle bibliographie des travaux de Jacques Lacan, Paris, EPEL, 1994 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Slavoj Zizek, Looking Awry. An Introduction to Lacan through Popular Culture, Boston, Massachusetts University Press, 1991 • Judith Miller, Album Jacques Lacan. Visages de mon père, Paris, Seuil, 1991 •

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Elizabeth Whrigt (org.), Feminism and Psychoanalysis. A Critical Dictionary, Oxford, Basil Blackwell, 1992 • Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996 • Jean-Louis Henrion, La Cause du désir. L’Agalma de Platon à Lacan, Paris, Point Hors Ligne, 1993 • Jean-Claude Milner, A obra clara. Lacan, a ciência, a filosofia (Paris, 1995), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997 • Bruce Fink, O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo (N. Jersey, 1965), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Dylan Evans, An Introductory Dictionary of Lacanian Psychoanalysis, Londres, Routledge, 1996 • Ignacio Garate e José Miguel Marinas, Lacan en Castellano, Madri, Quipu Ediciones, 1996.

➢ AUBRY, JENNY; CISÃO; DOLTO, FRANÇOISE; FORACLUSÃO; GOZO; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; IMAGINÁRIO; JAPÃO; LECLAIRE, SERGE; MATEMA; NÓ BORROMEANO; NOME-DO-PAI; OBJETO (PEQUENO) a; PERRIER, FRANÇOIS; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; REAL; SEXUALIDADE FEMININA; SIGNIFICANTE; SIMBÓLICO; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

Lafora, Gonzalo Rodriguez (1886-1971) psiquiatra espanhol

Nascido em Madri, Gonzalo Rodriguez Lafora foi um dos introdutores das teses freudianas na Espanha*. Formado em psiquiatria em Berlim, Paris e Munique, publicou em 1914 artigos favoráveis à psicanálise* e fundou em 1925 o Instituto Médico-Pedagógico e o Sanatório de Carabanchel. Como muitos psiquiatras pelo mundo, contribuiu para divulgar a psicanálise, abordando-a de maneira crítica. Acusava Sigmund Freud* pelo que se convencionou chamar de pansexualismo*, pelo caráter dogmático de sua teoria, que devia, segundo ele, ser reexaminado à luz da experiência e considerava a psicanálise uma psicoterapia* entre outras, comparando-a até à confissão. Em 1923, fez em Buenos Aires conferências de divulgação, que contribuíram fortemente para a difusão da obra freudiana na Argentina*. Em 1938, fugindo do regime franquista, exilou-se no México e só voltou à Espanha no fim de sua vida. • Gonzalo Rodriguez Lafora, “Teoria psicoanalitica de Freud”, Revista de Medicina y Ci. Praticas, 116, 3, 1917 • Francisco Carles Egea, La introducción del psicoanálisis en España (1893-1922), tese para a obtenção do

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Laforgue, René

grau de doutor em medicina, Universidade de Murcia, 1983 • Hugo Vezzetti, “Psychanalyse et psychiatrie à Buenos Aires”, L’Information Psychiatrique, 4, abril de 1989, 398-411.

➢ ORTEGA Y GASSET, JOSÉ.

Laforgue, René (1894-1962) psiquiatra e psicanalista francês

Fundador do movimento psicanalítico francês, René Laforgue teve um destino tão tumultuado quanto a maioria dos pioneiros europeus de sua geração. Como muitos deles, sua infância foi difícil e ele encontrou na psicanálise* um meio de enfrentar problemas pessoais. Foi um notável clínico das psicoses e um excelente praticante do inconsciente*, à maneira de Sandor Ferenczi*. Deixou também sua marca na história, formando um bom número de psicanalistas franceses, entre os quais Françoise Dolto*, sua principal herdeira. Laforgue nasceu em Thann, na Alsácia, quando essa província ainda pertencia à Alemanha*. Daí o paradoxo: o primeiro freudiano da França* foi alemão antes de ser francês e introduziu a psicanálise no país mais germanófobo da Europa, onde a doutrina vienense era considerada uma “ciência boche”. Laforgue era de uma família modesta, marcada por problemas de filiação. Seu pai, operário gravador, não era legalmente filho de seu próprio pai, e sua mãe, com tendência à depressão e ao suicídio, era filha ilegítima, cujos pais não puderam se casar por causa dos conflitos entre católicos e protestantes. Assim, ela navegava entre três religiões. Mandava o filho ora à igreja católica, ora ao culto protestante. À noite, na falta de sinagoga, fazia com que ele recitasse suas orações em hebraico. Durante toda a vida, Laforgue foi um revoltado. Depois de receber uma educação rígida que não lhe convinha, foi enviado a um severo internato, de onde fugiu. Foi em Berlim, na casa de Franz Oppenheimer, um fisiologista reputado, que encontrou refúgio e orientou-se para a medicina e a psiquiatria. Em 1913, descobriu a doutrina vienense lendo A interpretação dos sonhos* e, um ano depois, foi mobilizado pelo exército alemão para a frente leste. Quando a Alsácia voltou a ser francesa, Laforgue foi resi-

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dente em um hospital psiquiátrico de Estrasburgo. Ali, revelou-se um notável clínico da esquizofrenia*. Defendeu uma tese sobre esse tema, iniciando-se nos trabalhos da escola de Zurique: Eugen Bleuler*, Carl Gustav Jung*. Em 1922, casou-se com Paulette Erikson, filha de um farmacêutico de Colmar. Com ela, foi instalar-se em Paris, onde encontrou Eugénie Sokolnicka*, que o analisou, assim como René Allendy* e Édouard Pichon*. Logo reuniu à sua volta todos aqueles que se tornariam, em 1926, os fundadores da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Nesse ínterim, em 1923, Henri Claude* lhe confiou um posto de assistente no Hospital Sainte-Anne. Ali, sucedeu a Eugénie Sokolnicka, que acabava de ser dispensada porque não era médica. Começou então uma longa correspondência com Sigmund Freud*, que se prolongaria até 1937. Em novembro de 1925, um drama o atingiu duramente: sua mulher teve que se submeter a uma histerectomia, que a impediu de ser mãe. Laforgue tentou esconder-lhe a verdade durante muito tempo e enviou-a para análise a Sokolnicka. Posteriormente, Paulette Erikson se tornaria psicanalista, depois de uma supervisão com Heinz Hartmann*. As cartas trocadas entre Freud e Laforgue continham muitas informações sobre o início do movimento psicanalítico francês: criação da Revue Française de Psychanalyse e do grupo Evolução Psiquiátrica, discussão sobre a noção da escotomização, apreciação da análise de Marie Bonaparte*, enviada por Laforgue a Freud. A entrada em cena da princesa na história do movimento francês foi de uma importância considerável. A partir de 1925, ajudada por Rudolf Loewenstein* e adulada por Freud, ela suplantou Laforgue no papel de líder desse frágil grupo parisiense, dividido em duas tendências: os internacionalistas de um lado, desejosos de impor as regras técnicas da International Psychoanalytical Association* (IPA) à formação didática, os chauvinistas do outro, decididos a fundar uma “psicanálise francesa”, livre de qualquer “germanidade”. Laforgue não conseguiu dominar os conflitos e perdeu progressivamente sua autoridade. Seu amigo Édouard Pichon o acusava de não


Laforgue, René

saber exercer o comando, e seus adversários de ser uma espécie de guru, obcecado por uma imensa necessidade de reconhecimento, incapaz de escapar à sua neurose* de fracasso e excessivamente preocupado consigo mesmo para fazer-se respeitar. Depois de separar-se de Paulette Erikson em 1938, casou-se com Delia Clauzel, sua ex-paciente. Filha de diplomata, pertencia à grande burguesia de direita e era apaixonada por orientalismo e esoterismo. Através dela, afastou-se progressivamente do freudismo* clássico, para voltar-se para questões espiritualistas. Para cúmulo de infelicidade, Delia deu à luz, em 1942, uma filha deficiente, que morreria quatro anos depois. Foi então que começou o período mais negro da vida de Laforgue. Mobilizado para SaintBrieuc em 1939 e como sempre incapaz de escolher o seu lado, acreditou que a vitória alemã era certa e que era preciso “entender-se” com o inimigo para não submeter a psicanálise ao bel-prazer dos nazistas. Enquanto o conjunto do movimento francês cessou toda atividade pública, tendo alguns emigrado, outros passado para a clandestinidade, outros ainda à espera de dias melhores, Laforgue fez contato com Matthias Heinrich Göring* e começou uma importante correspondência com ele. Propôs-lhe publicar novamente a Revue Française de Psychanalyse sob tutela alemã e criar em Paris um instituto “arianizado”, a partir do modelo do Instituto de Berlim. A tentativa fracassou. Os nazistas desconfiavam desse freudiano da primeira hora, membro da Liga Contra o Anti-Semitismo e hostil às teses do nacional-socialismo. No verão de 1942, pressentindo a vitória dos Aliados, Laforgue mudou outra vez de orientação. Refugiado em sua casa de Chabert, no sul da França, protegeu judeus e fugitivos do Serviço de Trabalho Obrigatório (STO), facilitou a partida para o estrangeiro de Oliver Freud* e sua esposa, e dirigiu o tratamento de Eva Freud*, filha do casal, que se recusou a deixar o território francês. Com a Libertação, conduzido diante de um tribunal de depuração por John Leuba (18841952), novo presidente da SPP e germanófobo convicto, Laforgue foi imediatamente solto,

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graças aos vários depoimentos dos que ele protegera e principalmente porque, nessa época, não existia prova alguma dessa estranha colaboração fracassada. Apesar da absolvição do tribunal em 1946, os boatos persistiam. Para seus inimigos, Laforgue se tornara um colaboracionista infame, ou mesmo um anti-semita. Para os amigos, prontos à hagiografia, continuava um pioneiro heróico, ou mesmo um Resistente. O exame minucioso dos arquivos, e principalmente da correspondência com Göring, exumados pela primeira vez em 1986 por Élisabeth Roudinesco, mostraram que, se Laforgue foi maldito pelo movimento psicanalítico, isso se deveu menos à sua pretensa colaboração com o inimigo, da qual ninguém tinha provas na época, do que à sua prática didática, considerada transgressora e inadaptada às normas da IPA. Em 1950, no primeiro congresso mundial de psiquiatria, organizado por Henri Ey*, Laforgue começou a denunciar o fanatismo das sociedades psicanalíticas. Três anos depois, no momento da cisão de 1953, pediu demissão da SPP, para integrar-se às fileiras da nova Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), fundada por Daniel Lagache* e Juliette Favez-Boutonier*. Algum tempo depois, fugindo das querelas parisienses, instalou-se em Casablanca, onde criou um pequeno círculo de discípulos no centro do qual ocupou o lugar de um mestre deposto mas admirado, dividido entre o amor ao exílio e a saudade da pátria perdida. Estudou a mentalidade das populações autóctones e interessou-se pelo problema da redenção. Mas, principalmente, adotou as teses diferencialistas da psiquiatria colonial francesa, segundo as quais a “mentalidade nativa” seria “inferior” à ocidental, dita “civilizada”, extraindo disso análises psicopatológicas, ao afirmar, por exemplo, que os métodos educativos em vigor entre os árabes favoreciam o aparecimento de um “eu paranóico”. Compartilhava esse tipo de análise com a fração chauvinista da primeira geração francesa. Essa temática levara, efetivamente, Angelo Hesnard*, Édouard Pichon etc., a recusar a “germanidade” das teorias freudianas, em nome da “francidade” das suas. Entretanto, não se pode considerar Laforgue um ver-

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Lagache, Daniel

dadeiro racista ou um anti-semita, como era seu discípulo e amigo Georges Mauco*, que colaborou com o nazismo*. Laforgue morreu das seqüelas de uma cirurgia. As obras de psicanálise aplicada* que ele dedicou a Talleyrand e a Baudelaire, assim como seus textos clínicos, foram esquecidos. • René Laforgue, Relativité de la réalité, Paris, Denoël e Steele, 1932; Psychopathologie de l’échec, Genebra, Mont-Blanc, 1963; Au-delà du scientisme, Genebra, Mont-Blanc, 1963; Réflexions psychanalytiques, Genebra, Mont-Blanc, 1965 • “La Correspondance entre Freud et Laforgue, 1923-1937", apresentada por André Bourguignon, Nouvelle Revue de Psychanalyse, 15, primavera de 1977, 236-314 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, 2 vols. (Paris, 1982, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 1988; “René Laforgue ou la Collaboration manquée, Paris-Berlin, 1939-1942. Documents concernant l’histoire de la psychanalyse en France durant l’Occupation”, Cahiers Confrontation, 16, outono de 1986, 243-78; “Réponse à Alain de Mijolla à propos de l’affaire Laforgue”, Frénésie, 6, 1988, 219-29; “Kollaboration? René Laforgue et Matthias Heinrich Göring”, Psyche, 42, dezembro de 1988, 1041-80 • Alain de Mijolla, “A psicanálise e os psicanalistas na França entre 1949 e 1945”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 1 (1988), Rio de Janeiro, Imago, 1990, 147-98 • Jean-Pierre Bourgeron, Marie Bonaparte et la psychanalyse, à travers ses lettres à René Laforgue et les images de son temps, Genebra, Champion-Slatkine, 1993 • Jalil Bennani, La Psychanalyse au pays des saints, Casablanca, Le Fennec, 1996.

➢ ANTROPOLOGIA; BJERRE, POUL; CISÃO; ETNOPSICANÁLISE; FANON, FRANTZ; FRANÇA; IGREJA; JUNG, CARL GUSTAV; ÍNDIA; MANNONI, OCTAVE; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

Lagache, Daniel (1903-1972) psiquiatra e psicanalista francês

Como Sacha Nacht*, Françoise Dolto*, Maurice Bouvet* e muitos outros, Daniel Lagache pertencia à segunda geração* psicanalítica francesa. Na história da psicanálise* na França*, desempenhou um papel importante, ao mesmo tempo como herdeiro de Pierre Janet*, no campo da psicologia clínica*, e como introdutor da psicanálise na universidade. Contra Nacht, que preconizava o vínculo da psicanálise com a medicina, e contra Lacan*, que queria desvincular a psicanálise da psicologia, através de um retorno rigoroso aos textos freudianos, foi o artífice da separação entre a

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filosofia e a psicologia, e da síntese entre esta e a psicanálise. Tornou-se assim, pela universidade, o líder de uma corrente favorável à análise leiga* (ou Laïenanalyse), mas que permitia, principalmente, o acesso maciço dos psicólogos à profissão de psicanalistas. Essa política levou Lagache, depois de uma primeira cisão*, a fundar, em 1953, a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), no seio da qual conviveria durante dez anos com o seu maior rival: Jacques Lacan. Teriam, em 1958, um debate teórico sobre a noção de personalidade. Depois de uma segunda cisão, seria co-fundador, em 1964, da Associação Psicanalítica da França (APF), ao lado dos psicanalistas mais prestigiosos da terceira geração, entre os quais Didier Anzieu, Wladimir Granoff, Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis. Nascido em Paris, Daniel Lagache era de uma família burguesa, originária da Picardia. Seu pai, advogado, morreu quando ele tinha 13 anos e, muito jovem, sofreu com a preferência da mãe pelo irmão mais novo. Concebeu um terrível ciúme, patologia à qual iria dedicar, durante toda a vida, um interesse clínico. Em 1924, ingressou na École Normale Supérieure, na mesma classe que Jean-Paul Sartre (1905-1980), Paul Nizan (1905-1940), Raymond Aron (1905-1983) e Georges Canguilhem (1904-1995). Como muitos normaliens de sua geração, assistiu às apresentações de doentes de Georges Dumas (1866-1946), amigo de Pierre Janet violentamente hostil às teses freudianas. Professor de filosofia, residente dos hospitais psiquiátricos e chefe de clínica de doenças mentais e do encéfalo, foi aluno de Gaëtan Gatian de Clérambault* na enfermaria especial. Enfim, em 1934, defendeu sua tese de medicina sobre as alucinações verbais. Como todos os clínicos franceses de sua geração — Jacques Lacan, Henri Ey*, Paul Schiff* etc. — participou da reformulação da psiquiatria dinâmica* e centrou seus primeiros trabalhos no estudo das psicoses passionais e da paranóia*. Ao mesmo tempo que Lacan, mais velho que ele dois anos, iniciou-se nos textos alemães, interessou-se pela loucura feminina e pela criminologia*, descobriu a obra de Karl Jaspers (1883-1969), a fenomenologia e seguiu os cursos de Henri Claude*.


Lagache, Daniel

Ao contrário de Lacan e de Nacht, relatou seu tratamento com Rudolph Loewenstein* em um artigo publicado em inglês em 1966, no qual fornecia muitas informações sobre sua infância e sua vida privada. Essa análise se desenrolou entre 1933 e 1936, sob condições difíceis, o que levaria Lagache a fazer uma segunda etapa, com Maurive Bouvet. Depois de uma primeira comunicação à Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) sobre o trabalho do luto, Lagache foi nomeado, em 1937, maître de conférences de psicologia na Faculdade de Estrasburgo, onde sucedeu a Charles Blondel, outro professor violentamente hostil à psicanálise, amigo do historiador Marc Bloch (1886-1944). Em Paris, em junho de 1938, conheceu Sigmund Freud* na recepção dada em honra deste por Marie Bonaparte*, antes do exílio em Londres. Em 1947, sucedeu a Paul Guillaume na cátedra de psicologia geral. Foi então que iniciou sua tese O ciúme amoroso, passando ao mesmo tempo a desempenhar papel de primeiro plano no seio do movimento psicanalítico francês. Dois anos depois, em sua aula inaugural, A unidade da psicologia, reatualizou o termo “psicologia clínica”, que caíra em desuso depois que Janet quis dotar a psicologia de uma “medicina” que não devesse nada ao ensino médico. Mas, enquanto Janet era um antifreudiano convicto, Lagache se tornara, nessa data, um freudiano de estrita obediência. Daí uma posição insustentável, pois ela consistia em querer integrar o freudismo ao janetismo, em virtude do princípio da unidade da psicologia como ciência. Segudo Lagache, era preciso unificar o ramo dito naturalista da psicologia, compreeendendo o behaviorismo e as teorias da aprendizagem (com a estatística e a experimentação), e o seu ramo dito humano, reunindo a psicologia clínica e a psicanálise, esta definida como ultraclínica. Ele fazia ambas derivarem da fenomenologia de Karl Jaspers. Em 1956, em uma célebre conferência pronunciada no Collège Philosophique, Georges Canguilhem, embora amigo de longa data de Lagache, destruiu esse programa, tratando a psicologia de “filosofia sem rigor”, de “ética sem exigência” e de “medicina sem controle”. Dez anos depois, após a ruptura entre Lagache

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e Lacan, esse artigo seria utilizado pelos alunos de Louis Althusser (1918-1990) na École Normale Supérieure, no âmbito de uma reformulação filosófica dos conceitos freudianos hostis a toda forma de psicologia. Paralelamente a seus trabalhos pessoais e às suas atividades universitárias, Lagache desenvolveu um vasto programa editorial, criando, na Presses Universitaires de France (PUF), a “Biblioteca de Psicanálise e de Psicologia Clínica”, que se tornaria a “Biblioteca de Psicanálise”. Nela, publicou 42 volumes, entre os quais obras de Freud, a biografia deste por Ernest Jones* e, enfim, as obras dos grandes autores americanos ainda ignorados pelo público francês: Melanie Klein*, Heinz Hartmann*, Otto Fenichel*, Edward Glover*, Helene Deutsch*, René Spitz* etc. O carro-chefe de sua coleção seria o famoso Vocabulário da psicanálise, realizado sob sua direção por Laplanche e Pontalis e traduzido hoje em mais de vinte línguas. Embora não tivesse tido, como didata, papel equivalente ao de Lacan ou de Nacht, Lagache também foi um técnico do tratamento e um supervisor. Trabalhou muito a questão da transferência* e, depois de Edward Bibring*, teorizou a noção de mecanismos de separação, no âmbito de sua doutrina da personalidade: “Sua qualidade psicanalítica principal, escreveu Didier Anzieu, foi a firmeza. Certamente, sabia temperá-la com momentos de benevolência. Mas o que todos os seus alunos aprenderam, a começar por mim, foi a importância da regularidade dos horários, de uma duração fixa e suficientemente longa das sessões, da manutenção da austeridade das regras e da situação diante das demandas manipulatórias do paciente, de uma interpretação por etapas, precisa, sóbria, concreta.” • Daniel Lagache, Oeuvres complètes (1932-1968), 5 vols., edição estabelecida e apresentada por Eva Rosenblum, Paris, PUF, 1977-1982 • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Georges Canguilhem, Études d’histoire et de philosophie des sciences, Paris, Vrin, 1968 • Didier Anzieu, “Daniel Lagache (1903-1972)”, Bulletin de Psychologie, 305, XXVI, 10-11, 532-42 • Documents et Débats, “Hommage à Daniel Lagache”, 11, maio de 1975 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; “Situation d’un texte: qu’est-ce que la psycholo-

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Laing, Ronald David

gie?”, in Georges Canguilhem, philosophe, historien des sciences, Paris, Albin Michel, 1993, 135-45.

➢ FREUDISMO; LACANISMO.

Laing, Ronald David (1927-1989) psiquiatra e psicanalista inglês

Poeta, escritor, militante de todas as causas a favor dos marginais, dos excluídos, dos oprimidos e dos povos colonizados, Ronald Laing é uma das mais belas figuras desse movimento de revolta que abalou durante vinte anos, de 1950 a 1970, o conjunto dos ideais da burguesia ocidental. Marcado simultaneamente pelo heideggerianismo, pelo existencialismo e pela experiência com a mescalina e o LSD, procurou durante toda a vida, através de uma longa viagem no interior do eu, o meio de compreender o grande enigma da loucura* humana. Nascido em Glasgow, foi psiquiatra no exército britânico e membro do Grupo dos Independentes*, no seio da British Psychoanalytical Society (BPS), antes de fundar com David Cooper* o movimento antipsiquiátrico inglês. Ambos criaram assim a Philadelphia Association and Mental Health Charity, assim como o Hospital de Kingsley Hall, onde eram acolhidos esquizofrênicos. Próximo de Donald Woods Winnicott*, de quem foi aluno, e analisado por Charles Rycroft, afastou-se do freudismo* clássico e da psiquiatria no fim dos anos 1950, construindo uma doutrina do self inspirada ao mesmo tempo nas noções winnicottianas, no existencialismo sartriano e nas teses de um outro dissidente célebre: Harry Stack Sullivan*. Como todos os artífices do movimento antipsiquiátrico, Laing via na loucura a história de uma passagem, de uma situação e não de uma doença: “uma estratégia inventada pelo sujeito para viver uma situação impossível de ser vivida”. Em sua obra de 1960, O eu dividido, mostrava que quando o indivíduo se sente estranho a si mesmo, fabrica um “falso self*” para lutar contra o desespero. Na mesma perspectiva, a loucura não era nada mais, em sua opinião, do que uma reação racional do homem diante de um mundo que perdera a razão. Quanto ao homem dito normal, este seria apenas um doente que se ignora. Em

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1967, Laing comparou três figuras, o louco, o criminoso e o revolucionário. Apresentou-os como aventureiros da mística, que contestam uma ordem social fundada no ódio e na depreciação do homem pela tecnologia. Em 1972, depois de uma permanência na Índia*, Ronald Laing evoluiu para o orientalismo, encontrando no budismo e nas teorias da reencarnação uma filosofia do sofrimento e da subjetividade capaz, segundo ele, de subverter o racionalismo ocidental. Em sua autobiografia de 1985, reconheceu o fracasso de seus métodos de tratamento da esquizofrenia* e renegou a maioria das suas teses anteriores. • Ronald Laing, O eu dividido (1960), Petrópolis, Vozes, 1975; A política da família (1964), S. Paulo, Martins Fontes; La Politique de l’expérience (1967), Paris, Stock, 1979; Laços (1970), Petrópolis, Vozes, 1976; Sagesse, déraison et folie. La Fabrication d’un psychiatre (1985), Paris, Seuil, 1986.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; PSICOSE; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.

Lair Lamotte, Pauline (1853-1918), caso Madeleine Lebouc Tal como Augustine* ou Blanche Wittmann, Pauline Lair Lamotte foi, sob o nome de Madeleine Lebouc, uma das histéricas mais célebres do Hospital da Salpêtrière*. Seu caso foi estudado por Pierre Janet*. Nascida em Mayenne, ela provinha da média burguesia republicana. Aos 20 anos de idade, dois anos depois da Comuna de Paris, partiu para Londres ao descobrir a miséria do operariado. Recusando-se a se curvar às exigências da religião oficial, deu livre curso a uma fala carregada de misticismo, identificando-se com o destino errante do subproletariado urbano. Seus escritos “inspirados”, como mais tarde ocorreria com os de Marguerite Anzieu*, evocam irresistivelmente alguns textos de Arthur Rimbaud (1854-1891): “Sim, senti o cheiro dos cadáveres putrefatos”, escreveu ela, “e vi correr o sangue nos regatos da noite.” Internada na Salpêtrière em 1896, em decorrência de estigmas, contraturas e êxtases, foi tratada por Janet, que reduziu sua história a uma patologia de origem histérica, chegando a iden-


Lampl-de Groot, Jeanne

tificá-la com a de outra “louca”, Teresa de Ávila, qualificada por ele de “padroeira das histéricas”. Essa postura restritiva, que negava qualquer coerência teórica no discurso místico, correndo o risco de dissolver a loucura* na patologia, valeu a Janet críticas terríveis: primeiramente, da parte dos surrealistas, que, sem citarem Madeleine, celebraram em 1928 a “beleza convulsiva” das histéricas da Salpêtrière, e depois, da parte do padre Bruno de Jésus-Marie, que, em 1931, distinguiu o verdadeiro misticismo de Teresa de Ávila, baseado numa espiritualidade livre de qualquer ilusão, da loucura mística de Pauline, ancorada no gozo da abjeção e, portanto, na incapacidade de ter acesso ao conhecimento místico. A verdadeira história de Pauline foi trazida à luz pela primeira vez em 1993, por Jacques Maître. • Pierre Janet, De l’angoisse à l’extase, vol.1, Paris, Alcan, 1926 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Michel de Certeau, La Fable mystique, Paris, Gallimard, 1982 • Jacques Maître, Une inconnue célèbre. La Madeleine Lebouc de Janet, Paris, Anthropos, 1993.

➢ CHARCOT, JEAN MARTIN; ESPIRITISMO; HISTERIA; IGREJA; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; SURREALISMO.

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Em 1921, Lampl partiu para se formar em Berlim, onde fez uma análise com Hanns Sachs*, enquanto Jeanne De Groot, psiquiatra neerlandesa, começava no ano seguinte, em Viena*, um tratamento com Freud que duraria três anos. Em 1925, Hans Lampl casou-se com ela. À medida que ela se aproximava de Freud e se tornava uma de suas discípulas preferidas, ele dava livre curso a seu ciúme e atacava o que considerava como idolatria. Freud, temendo para Jeanne esses acessos de perseguição, sugeriu-lhe então uma análise. Ele recusou. Em 1938, fugindo do nazismo*, Jeanne Lampl-De Groot* e seu marido se instalaram em Haia. Ali, atravessaram as diferentes crises que afetavam o movimento psicanalítico dos Países Baixos*. Tornaram-se muito amigos de Anna. Hans morreu em 1958 em um grave acidente de carro, ao qual sua mulher sobreviveu. • Maria Montessori, “Dr. Hans Lampl”, Obituary, IJP, vol.XLI, 1960 • Élisabeth Young-Bruehl, Anna Freud: uma biografia (1988), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Sigmund Freud, Chronique la plus brève. Carnets intimes, 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel 1992 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

Lampl, Hans (1889-1958)

Lampl-de Groot, Jeanne, née De Groot (1895-1987)

médico e psicanalista neerlandês

médica e psicanalista neerlandesa

Judeu vienense e colega de classe de Martin Freud*, Hans Lampl concluiu seu curso de medicina em 1912, orientando-se para a anatomo-patologia, a serologia e a bacteriologia. Desde 1916, interessou-se pela psicanálise*. Dois anos depois, apaixonou-se por Anna Freud* e decidiu casar-se com ela. Esta começou então a ser analisada pelo pai, que se opunha formalmente a esse casamento. Freud tinha afeto por Lampl, mas temia seu caráter, chegando a pensar que sofria de paranóia*. Anna obedeceu. Mais tarde, ela se felicitaria por ter obedecido ao pai e manteve com Lampl uma excelente amizade. Este era um homem cheio de encanto e humor, amante da arte, da boa cozinha e das viagens.

Nascida em Schieden, na Holanda, Jeanne De Groot foi, antes mesmo de casar-se com Hans Lampl*, uma das mulheres preferidas de Sigmund Freud*, com Marie Bonaparte*, Ruth Mack-Brunswick* e Joan Riviere*. Depois de ter sido aluna de Gerbrandus Jelgersma (18591942), decidiu escrever a Freud a fim de conhecê-lo. Em 1922, foi a Viena* para analisarse com ele. O tratamento durou três anos, com seis sessões de 55 minutos por semana. Em 1927, participou do grande debate sobre a sexualidade feminina*, defendendo o ponto de vista monista da escola vienense. Em Berlim, encontrou Hans Lampl, que se tornaria seu esposo. Ambos ficaram em Viena até 1938, quando, para fugir do nazismo*, ins-

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Landauer, Karl

talaram-se em Haia, nos Países Baixos*, onde ainda vivia a mãe de Jeanne. Esta aderiu então à Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP), que acabava de reintegrar em suas fileiras a sociedade rival, formada em 1933 por Johan H.W. Van Ophuijsen*. Ali, teve um papel importante. Instalada em Amsterdã em 1943, formou um grupo ao qual transmitiu sua força de convicção, sua ortodoxia e a lembrança muito viva de sua longa cumplicidade com Freud. Aliás, era muito próxima de Anna Freud* e de toda a corrente vienense no exílio. Em 1947, quando era uma das personalidades mais poderosas da legitimidade freudiana, enfrentou uma cisão* que dava prosseguimento aos conflitos de antes da guerra, que René De Monchy* conseguira acalmar. J.H. Van der Hoop e Westerman Holstijn fundaram uma nova associação, de inspiração mais liberal, a Nederlandse Genootschap voor Psychoanalyse (NGP), que nunca seria integrada à International Psychoanalytical Association* (IPA). Jeanne Lampl-De Groot continuou a formar muitos psicanalistas na tradição do freudismo* clássico. Ao lado de Anna Freud, Marianne Kris* e Dorothy Burlingham*, foi considerada pelas jovens gerações da psicanálise* como uma das “quatro grandes damas” da família freudiana. Os 47 artigos que compõem sua obra, e dos quais muitos se referem à sexualidade e à feminilidade, foram reunidos em 1965 e depois atualizados vinte anos mais tarde, quando da celebração de seu nonagésimo aniversário. • Jeanne Lampl-De Groot, Collected Papers of Jeanne Lampl-De Groot, N. York, International Universities Press, 1965; Souffrance et jouissance, Paris, Aubier, 1983 • Ilse Bulhof, Freud en Nederland, Ambo, Baarn, 1983 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et la Hollande”, in Harry Stroeken, En analyse avec Freud (1985), Paris, Payot, 1987, 200-35.

Landauer, Karl (1887-1945) médico e psicanalista alemão

Nascido em Munique em uma família judia, Karl Landauer estudou medicina antes de ir a Viena* para fazer uma análise com Sigmund Freud*. Aderiu à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), e depois instalou-se em Frankfurt, onde se ligou a vários filósofos, es-

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pecialmente Max Horkheimer (1895-1973), de quem foi analista. Depois da chegada ao poder dos nazistas, emigrou para os Países Baixos*, onde entrou em conflito com seus colegas neerlandeses, que não quiseram integrá-lo à Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP) porque os seus diplomas médicos não eram reconhecidos na Holanda. Preso em 1943, foi deportado para o campo de extermínio de Bergen-Belsen, onde morreu em janeiro de 1945. • Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos traduzidos e apresentados por Jean-Luc Evard, Paris, Confrontation, 1984 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987.

➢ ALEMANHA; NAZISMO; OPHUIJSEN, JOHAN VAN.

Langer, Marie, née Glas (1910-1987) psiquiatra e psicanalista argentina

Figura eminente do movimento psicanalítico latino-americano, Marie Langer, apelidada Mimi por seus próximos, adotou as três grandes doutrinas do engajamento intelectual do século XX: freudismo*, marxismo, feminismo. Orgulhosa, inteligente e corajosa, tão sensível ao sofrimento psíquico quanto à miséria econômica, lutou durante toda a vida contra o fascismo e a esclerose do freudismo ort odoxo, conservando ao mesmo tempo suas qualidades de clínica. Nascida em Viena*, em uma família da grande burguesia judaica assimilada, Marie Glas pertencia à geração* de jovens austríacos cuja infância foi marcada pela guerra e pela lenta agonia do velho mundo austro-húngaro. Sua mãe, mulher culta, sofria com sua judeidade* a ponto de dar à filha um nome católico, por não poder batizá-la. Segundo Marie, ela se parecia com a Dora de Sigmund Freud* (Ida Bauer*). Como tinha como amante Eugen Steinach, um amigo de seu marido, gostava de manter a dúvida sobre o nascimento da sua filha. Tratada de bastarda, Marie pensou durante muito tempo que seu pai legal talvez não fosse seu verdadeiro progenitor. De qualquer forma, aos 13 anos revoltou-se contra a família e, depois de uma crise religiosa, tornou-se resolutamente atéia.


Langer, Marie

Apoiada por seu pai, estudou em uma escola particular dirigida por uma mulher excepcional, Frau Schwarzwald, militante feminista e socialdemocrata formada em Zurique, no início do século, entre os revolucionários russos no exílio. E foi em contato com essa mulher que Marie começou a ler as obras de Freud e de Marx. Depois de duas ligações amorosas, aceitou um casamento apressado com um jovem da burguesia católica e conservadora, enquanto sua família se encontrava arruinada pela grande crise de 1930. Começou então a estudar medicina e provocou escândalo no seu meio, com suas idéias e o seu comportamento de mulher livre. Voltando a Viena em 1932, depois de uma viagem à Alemanha*, divorciou-se e aderiu ao Partido Comunista Austríaco, no mesmo momento em que este se tornava clandestino. Desde as revoltas socialistas de 1927 e sob a pressão da extrema direita e dos meios fascistas, o governo populista da jovem República austríaca decretara fora-da-lei todos os partidos de esquerda. Marie passou assim à luta clandestina. Inicialmente anestesista, encaminhou-se depois para a psiquiatria, no serviço de Heinz Hartmann*, a quem pediu que a analisasse. Alegando o preço muito elevado de suas sessões, este a enviou para o divã de Richard Sterba*. Durante essa primeira formação didática, Marie participou dos trabalhos da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), da qual nunca foi membro, em virtude de suas atividades políticas. Para não se chocar com o regime ditatorial do chanceler Dollfuss (18921934), que perseguia os militantes clandestinos, Paul Federn* proibira qualquer engajamento aos alunos da WPV, sob pena de exclusão, aceitando até que um policial assistisse às reuniões. Marie se recusou a se submeter a essa imposição. Denunciada por uma analisanda, não tardou a ser excluída das fileiras dos alunos, apesar da intervenção em seu favor de Kurt Eissler. Foi então a Berlim, para acompanhar o seminário de Helene Deutsch* e fazer uma supervisão* com Jeanne Lampl-de Groot*. Mas o nazismo* a obrigou a se exilar, e como a guerra civil começava na Espanha*, decidiu continuar ali sua luta, como médica anestesista nas Brigadas Internacionais. Na

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frente de batalha, conheceu seu segundo marido, Max Langer, cirurgião militar encarregado de vários hospitais de campanha. Com a derrota dos republicanos, partiram juntos para o Uruguai, depois de uma passagem pelo sul da França*. Seu percurso de freudiana e marxista no continente latino-americano a levou primeiro a Montevidéu, onde fez conferências no Comitê de Solidariedade com os republicanos espanhóis, e depois a Buenos Aires, onde se instalou em 1942. Logo que chegou, fez contato com Angel Garma*, que viera da Espanha depois de passar dois anos na França. Integrada ao grupo argentino, participou, com Garma, Celes Cárcamo* e Enrique Pichon-Rivière*, da fundação da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA), da qual seria membro durante 29 anos. Para não entrar em conflito com a APA, como acontecera com a WPV, decidiu separar radicalmente suas atividades políticas de sua prática clínica. Só Pichon-Rivière, em razão de sua simpatia antiga pela República espanhola, foi informado dos laços clandestinos de Marie com o Partido Comunista Argentino. Depois de uma segunda análise de supervisão com Cárcamo, lançou-se em trabalhos clínicos. Mãe de um primeiro filho chamado Tomas — teria depois três outros, Martin, Ana, Veronica — Marie Langer se interessou pela condição das mulheres de sua geração, preocupadas em conciliar o duplo desejo de emancipação e de maternidade. Em 1951, publicou Maternidad y sexo, que se tornaria um clássico da literatura psicanalítica argentina. Nesse livro, relatava o caso de uma paciente estéril que engravidara depois de nove meses de tratamento. Dedicava-se sobretudo a uma longa reflexão histórica e teórica sobre a sexualidade feminina*. Levando em consideração as posições de Karen Horney* e do culturalismo*, afastou-se do relativismo partindo para uma concepção unitária do corpo biológico e do corpo psíquico fundada na medicina psicossomática* e no kleinismo*. Concluía, ao contrário de todas as teses feministas da segunda metade do século, que do ponto de vista do inconsciente existia na mulher uma relação constante entre a aceitação do orgasmo e do prazer e o desejo de maternidade.

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Langer, Marie

Segundo ela, só a psicanálise podia servir de mediação entre a cultura e o determinismo biológico. Foi a partir desse trabalho que Marie Langer adotou a causa do feminismo, estudando os mitos que cercavam a vida de Eva Duarte Perón (1919-1952), a legendária Evita. Personalidade rebelde, Marie sempre criticou a esclerose da instituição, exigindo que a psicanálise não se limitasse a exercícios formais visando reproduzir gerações de terapeutas conformistas. Como Wilhelm Reich* outrora, desejava que o freudismo estivesse no centro de todas as transformações sociais do século. De 1959 a 1970, enquanto o caudilhismo ia de golpes de Estado a derrubadas de coronéis, teve um papel considerável na APA, despertando as consciências e formando alunos para a contestação da ordem dominante. Em 1966, Ana, sua filha mais velha, pediulhe que participasse de um encontro universitário de ex-combatentes das Brigadas Internacionais. Para a jovem, que se tornara militante como a mãe, o objetivo era organizar comitês de solidariedade em prol do Vietnã em luta contra o “imperialismo americano”. Marie aceitou. Três anos depois, fez parte do Grupo Plataforma que, com o início das grandes revoltas estudantis, visava transformar de cima a baixo a política da psicanálise e as modalidades de formação dos terapeutas. Em 1971, no congresso da IPA em Viena, sua cidade natal, pronunciou uma conferência intitulada “Psicanálise e/ou Revolução”, na qual apelava para uma mutação radical da sociedade: “Desta vez, disse ela, não renunciaremos nem a Freud nem a Marx.” Foi duramente criticada por Hanna Segal, guardiã da ortodoxia kleiniana, e a publicação de sua conferência foi recusada pela direção da IPA. Demitiu-se então da APA, com 30 didatas e 20 alunos em formação do Grupo Documento. A cisão* foi um desastre para o freudismo argentino: ela ocorria no momento em que se operava no país uma radicalização das lutas contra a dominação militar. A partir da volta ao poder de Juan Perón (1895-1974) em 1973, grupos paramilitares começaram a perseguir os adversários políticos, praticando o seqüestro e a tortura. Marie Langer procurou então intervir através da psicanálise. Supervisionou assim o trabalho de um es-

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tudante de psiquiatria que desejava apoiar os prisioneiros torturados. Este relatava a situação em cartas cifradas enviadas à sua mãe e Marie as decodificava, dando depois suas instruções pelos mesmos meios. Ameaçada por um esquadrão da morte depois da volta de Perón ao poder, emigrou para o México para continuar sua luta. A partir de 1976, a Argentina naufragou no terror, sob o mando do general Videla. Em 1981, Marie formou a Brigada México-Nicarágua de internacionalistas para a saúde mental e lançou um plano de desenvolvimento de métodos curativos inspirados na psicanálise. Como observou Nancy Caro Hollander, esse trabalho de solidariedade se estendeu a todas as formas de repressão que assolavam a América Latina: “Marie Langer e seu grupo notaram os efeitos psicológicos da repressão política e do exílio forçado. Observaram, entre os refugiados, a multiplicação dos casos daquilo que eles chamam de ‘dor gelada’. As pessoas atingidas eram incapazes de chorar a perda dos que amavam.” Na verdade, elas apresentavam sintomas múltiplos: despersonalização, distúrbios psicossomáticos etc. Enfim, em 1986, Marie Langer foi a Cuba encontrar-se com Fidel Castro a fim de organizar na ilha um colóquio sobre psicanálise e suicídio*. “Você é a prima de Freud, disse ele, a famosa austríaca!” E pediu-lhe que preparasse um strudel. Ela começou a fazer a massa mas logo desistiu: “Eu sou feminista, disse ela, e você me manda para a cozinha. Além disso, você disse que leu as obras de Freud e é mentira.” Atingida por um câncer de pulmão, morreu em Buenos Aires, onde seu amigo Fernando Ulloa, companheiro de todas as lutas, foi o seu último confidente. • Marie Langer, Maternidade e sexo (1951), P. Alegre, Artes Médicas; Fantasias eternas a la luz del psicoanálisis, B. Aires, Nova, 1957; “Vicisitudes del movimiento psicoanalítico argentino”, in Franco Basaglia (org.), Razón, locura y sociedad, México, Siglo Veintiuno, 1978; (org.), Cuestionamos I, II, B. Aires, Granica, 1971, 1972 • Marie Langer, Jaime del Palacio e Enrique Guinsberg, Memoria, historia y diálogo psicoanalitico, México, Folios, 1983 • Hugo Vezzetti, “Isabel I, Lady Macbeth, Eva Perón”, Punto de Vista, 52, agosto de 1995, 44-8; “Marie Langer. Psicoanálisis y maternidad”, inédito • Élisabeth Roudinesco, entrevista com Fernando Ulloa, 12 de outubro de 1995.


Lanzer, Ernst ➢ ABERASTURY, ARMINDA; BLEGER, JOSÉ; COMUNISMO; DIFERENÇA SEXUAL; FREUDO-MARXISMO; GÊNERO; RACKER, HEINRICH.

Lanzer, Ernst (1878-1914), caso Homem dos Ratos Segundo grande tratamento psicanalítico conduzido por Sigmund Freud*, depois de Dora (Ida Bauer*) e antes do Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff*), a história do Homem dos Ratos é, sem sombra de dúvida, a mais elaborada, a mais estruturada e a mais rigorosamente lógica. A análise durou cerca de nove meses, de outubro de 1907 a julho de 1908, e Freud falou dela em cinco oportunidades nas reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, antes de apresentar o caso no primeiro congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) em Salzburgo, em 26 de abril de 1908, num relatório verbal de cinco horas. Em suas memórias, publicadas em 1959, Ernest Jones* narra o acontecimento: “Sentado na ponta da longa mesa à qual todos estávamos acomodados, ele falou em sua voz baixa, mas nítida, como numa conversa. Começou às oito horas da manhã e nós o escutamos com profunda atenção. Às onze, fez uma pausa, sugerindo que já tínhamos ouvido o bastante. Mas estávamos todos tão interessados, que insistimos em que continuasse, o que fez até a uma da tarde.” Durante esse mesmo ano, Freud ajudou seu amigo Max Graf* a analisar o filho (Herbert Graf*), o que lhe permitiu comprovar a exatidão de suas teses de 1905 sobre a sexualidade* infantil. E, com o destino dramático desse homem obcecado, que parecia um personagem do romance de Joseph Roth (1894-1939) intitulado A marcha de Radetzky, finalmente deparou com um caso de neurose obsessiva* conforme a suas hipóteses e digno de ser narrado. Em ambas as análises, lidou com aquilo que o apaixonava: a relação entre um filho e um pai. A identidade do Homem dos Ratos foi revelada pela primeira vez em 1986, pelo psicanalista canadense Patrick Mahony, num notável trabalho de pesquisa: “Ao compararmos as contratransferências de Freud com seus principais pacientes”, escreveu Mahony, “temos a

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sensação de que nutria mais simpatia e empatia pelo Homem dos Ratos do que em relação a Dora ou ao Homem dos Lobos. Se Freud foi um procurador com Dora, foi um educador amistoso com Lanzer.” Nascido em Viena*, numa família judia da média burguesia, Ernst Lanzer era o quarto rebento de uma fratria que contava sete. Seu pai, Heinrich Lanzer, amara inicialmente uma mulher pobre, mas acabara se casando com a rica Rosa Saborsky, futura mãe de Ernst. Em 1897, este iniciou seus estudos de direito. Logo se apaixonou por uma prima pouco abastada, Gisela Adler, a quem começou a cortejar contra a vontade do pai, que preferia uma mulher rica para seu filho. Para cúmulo da infelicidade, a moça teve que se submeter a uma ovariectomia, o que a impediu de ser mãe. Depois da morte de Heinrich, ocorrida em 1898, Ernst, tal como o pai, abraçou a carreira militar, ingressando no terceiro regimento de atiradores tiroleses do exército imperial. Foi em 1901 que começou a ser dominado por estranhas obsessões sexuais e mórbidas. Com efeito, manifestava um gosto especial por funerais e ritos de morte, adquirira o hábito de olhar seu pênis num espelho para se certificar de seu grau de ereção, e tinha inúmeras tentações suicidas, baseadas em censuras e acusações dirigidas contra si mesmo, prontamente acompanhadas por resoluções beatas e orações. Ora queria cortar sua garganta, ora planejava afogar-se. Em 1905, portanto, aos 27 anos de idade, sofria de uma grave neurose obsessiva. Embora houvesse rejeitado o projeto dos pais, que queriam fazê-lo casar-se com uma mulher rica, ainda não conseguira decidir-se a casar com Gisela. Consultou então o célebre psiquiatra Julius Wagner-Jauregg*, por causa de uma compulsão a se apresentar numa prova sempre cedo demais e despreparado. O médico respondeu-lhe que a obsessão era muito salutar e não fez nada pelo rapaz. Foi durante o verão de 1907 que se produziram os dois grandes acontecimentos que ocupariam o cerne de sua análise com Freud. Em julho, durante um exercício militar na Galícia, ouviu o cruel capitão Nemeczek, adepto dos castigos corporais, contar a história de um suplício oriental que consistia em obrigar o pri-

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Lanzer, Ernst

sioneiro a se despir e a se ajoelhar no chão com o dorso curvado para a frente. Nas nádegas do homem fixava-se então, por meio de uma correia, uma grande vasilha furada onde um rato se agitava. Privado de alimento e atiçado por um pedaço de ferro em brasa introduzido num orifício da vasilha, o animal procurava fugir da queimadura e penetrava no reto do supliciado, infligindo-lhe feridas sangrentas. Ao cabo de mais ou menos meia hora, morria sufocado, ao mesmo tempo que o prisioneiro. Nesse dia, Lanzer perdeu seu pincenê durante um exercício. Telegrafou a seu oculista, em Viena, para lhe encomendar outro, que deveria ser enviado pela volta do correio. Dois dias depois, recebeu o objeto por intermédio do mesmo capitão, que lhe informou que as despesas postais deveriam ser reembolsadas ao tenente David, funcionário do correio. Obrigado a fazer o reembolso, Lanzer teve então um comportamento delirante em torno do tema obsedante do pagamento da dívida. A história do suplício misturou-se com a da dívida e fez surgir na memória do Homem dos Ratos um outro episódio envolvendo dinheiro. Um dia, seu pai contraíra uma dívida de jogo: fora salvo da desonra por um amigo que lhe emprestara a soma necessária para o pagamento. Heinrich havia tentado, findo o seu serviço militar, reencontrar esse homem, mas não conseguira fazê-lo. Por isso, a dívida com certeza nunca fora paga. Foi esse homem, obcecado por ratos e por uma dívida, que entrou no consultório do Dr. Freud no dia 1o de outubro de 1907. Entrou de imediato no jogo da associação livre* e começou espontaneamente a evocar lembranças sexuais que remontavam a seus seis anos de idade. Todas as noites, Freud redigia o diário dessa análise, para reproduzir seus diálogos com exatidão. Em muito pouco tempo, Lanzer entrou na história dos ratos. Entretanto, não suportando descrever os detalhes do suplício, levantou-se de repente do divã e suplicou a Freud que o poupasse dessa tarefa. Com firmeza, este o obrigou a prosseguir em seu relato, ao mesmo tempo que lhe expunha sua concepção da resistência*. O paciente manifestou imediatamente uma incapacidade de pronunciar certas palavras. “Estaria querendo falar de empala-

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ção?”, escreveu Freud. “Não, não era isso. Amarrava-se o condenado (ele se exprimia de maneira tão obscura, que não pude depreender de pronto em que posição o supliciado era amarrado), e se virava sobre suas nádegas uma vasilha em que eram introduzidos ratos, os quais — ele se levantara e manifestava todos os sinais do horror e da resistência — se enfiavam. ‘No ânus’, tive que completar.” E Freud acrescenta: “A cada momento do relato, observava-se em seu rosto uma expressão complexa e bizarra, expressão que eu não saberia traduzir de outra maneira senão como o horror a um gozo* que ele mesmo ignorava.” Ao contrário do que se passaria na análise de Serguei Pankejeff ou de Marie Bonaparte*, Freud não inventou, no caso de Lanzer, uma cena sexual original. Neste, ele agiu verdadeiramente como um terapeuta desejoso de fazer seu paciente confessar seus tormentos, ainda que tivesse que tranqüilizá-lo, afirmando-lhe que não tinha nenhum pendor para a crueldade. Foi através dessa técnica da confissão, na qual ocupou para Lanzer o lugar de um pai, que Freud conseguiu relacionar o complexo paterno com a obsessão dos ratos. Enunciou a hipótese de que, por volta dos seis anos de idade, o pequeno Ernst teria praticado uma má ação de ordem sexual, relacionada com a masturbação, e teria sido castigado pelo pai. Lanzer aceitou essa interpretação, que correspondia a suas lembranças, e evocou uma outra cena, contada por sua mãe, da época em que ele tinha quatro anos. Nessa ocasião, depois de haver mordido alguém, levara uma surra do pai. Furioso, havia-o xingado, cumulando-o de nomes de objetos: “‘Seu’ lâmpada! ‘Seu’ guardanapo!” Heinrich exclamara então: “Ou esse menino vai se tornar um grande homem, ou será um grande criminoso.” Ao relatar essa cena, da qual não tinha nenhuma lembrança, Lanzer duvidou dos sentimentos de ódio que teria nutrido pelo pai. Cedo, porém, em seus sonhos e associações, começou a insultar grosseiramente seu terapeuta, de quem, ao mesmo tempo, reivindicava um castigo. Esse episódio permitiu rapidamente a Freud mostrar a seu paciente como a “dolorosa via da transferência” levava, de fato, a uma confissão do ódio inconsciente pelo pai.


lapso

E Freud tratou de resolver o enigma: fora o relato do castigo pelos ratos, disse ele, em essência, que havia redespertado o erotismo anal de Lanzer e lhe recordara a antiga cena da mordida, narrada por sua mãe. Fazendo-se defensor de uma punição corporal através dos ratos, o capitão assumira para o doente o lugar do pai e atraíra para si uma animosidade comparável à que outrora tinha reagido à crueldade de Heinrich. Segundo Freud, o rato revestiu-se ali da significação do dinheiro e, portanto, da dívida, que se manifestou na análise por uma associação verbal, “florim/rato” ou “quota/rato”, já que, desde o início do tratamento, o paciente adquirira o hábito de contar o montante dos honorários dizendo: “Tantos florins, tantos ratos.” Em 1910, Ernst Lanzer casou-se com sua querida Gisela e, em 1913, tornou-se advogado. Convocado pelo exército imperial em agosto de 1914, foi feito prisioneiro pelos russos em novembro e morreu sem ter tido tempo de aproveitar os benefícios proporcionados por sua análise. Numa nota de 1923, Freud acrescentou estas palavras: “O paciente a quem a análise que acaba de ser relatada restituiu a saúde psíquica foi morto durante a Grande Guerra, como tantos jovens valorosos em quem era possível depositar muitas esperanças.” O caso do Homem dos Ratos foi considerado a única terapia perfeitamente bem-sucedida de Freud. Decerto isso não foi por acaso, já que Freud foi o inventor do termo neurose obsessiva, já que descreveu a si mesmo, numa carta a Carl Gustav Jung*, como o protótipo do neurótico obsessivo, e já que considerava essa neurose o objeto mais “interessante e mais fecundo da pesquisa psicanalítica”. Sob esse aspecto, como sublinhou Patrick Mahony, o encontro entre Freud e o Homem dos Ratos “é uma versão vienense do drama de Sófocles que opõe Édipo* à Esfinge”. Ele pôs em cena a essência do amor edipiano pela mãe e do ódio pelo pai. Dentre os inúmeros comentários feitos sobre esse caso figura o de Jacques Lacan*, de 1953, “O mito individual do neurótico”. Aplicando uma grade de leitura retirada das Estruturas elementares do parentesco, de Claude LéviStrauss, Lacan conferiu um estatuto de mito à neurose obsessiva do Homem dos Ratos, mos-

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trando que ela era o próprio modelo da estrutura complexa e da dilaceração originária pelas quais todo sujeito se liga a uma constelação simbólica cujos elementos se permutam e se repetem de geração em geração, como o memorial de uma história genealógica. • Sigmund Freud, “Notas sobre um caso de neurose obsessiva” (1909), ESB, X, 159-258; GW, VII, 381-463; SE, X, 151-249; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 199-261; L’Homme aux rats. Journal d’une analyse (notas de Freud transcritas por Elza Ribeiro Hawelka), Paris, PUF, 1974 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (1962-1975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Ernest Jones, Théorie et pratique de la psychanalyse (Londres, 1913, Paris, 1925), Paris, Payot, 1969; Free Associations. Memoirs of a Psychoanalyst, N. York, Basic Books, 1959 • Claude Lévi-Strauss, As estruturas elementares do parentesco (Paris, 1949), Petrópolis, Vozes, 1976 • M. Kanzer, “The transference neurosis of the Rat Man”, Psychoanalytic Quarterly, 21, 1952, 181-9 • Elizabeth R. Zetzel, “1965: Additional notes upon a case of obsessional neurosis, Freud, 1909”, IJP, XLVII, 1966, 123-9 • René Major, “Interprétation 1907. Contribution à l’étude de la technique analytique”, Revue Française de Psychanalyse, 35, 1971, 527-42 • Samuel D. Lipton, “The advantages of Freud’s technique as shown in his analysis of the Rat Man”, IJP, LVIII, 1977, 255-79 • Patrick J. Mahony, Freud et l’Homme aux rats (New Haven e Londres, 1986), Paris, PUF, 1990 • Peter Gay, Freud, uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Jacques Lacan, “Le mythe individuel du névrosé ou Poésie et vérité dans la névrose” (1953), Ornicar?, 17-18, 1979, 289-307 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994.

➢ TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

lapso al. Versprechen; esp. lapsus; fr. lapsus; ing. slip of the tongue Termo latino utilizado na retórica para designar um erro cometido por inadvertência, quer na fala (lapsus linguae), quer na escrita (lapsus calami), e que consiste em colocar outra palavra no lugar da que se pretendia dizer.

Com respeito a esse tipo de erros, repertoriados por todos os dicionários dos processos literários, Sigmund Freud* foi o primeiro a mostrar que eles têm uma significação oculta e devem ser relacionados com as motivações in-

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Lechat, Fernand

conscientes de quem os comete. É o caso da mulher que conta que seu marido, enfermo, não está sujeito a nenhum regime: “Ele pode comer e beber tudo o que eu quiser.” Em alemão, Freud emprega Versprechen (falha, insuficiência) para designar o que chamamos lapso. ➢ ATO FALHO; CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE, OS; PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA, A; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

Lechat, Fernand (1895-1959) psicanalista belga

Nascido em Mont-sur-Marchienne, na Bélgica*, Fernand Lechat exerceu várias profissões, entre as quais a de securitário, antes de se interessar pelas idéias freudianas. Tornando-se psicotécnico, ficou conhecendo Maurice Dugautiez* e tomou-o como modelo: supervisões na França com John Leuba (1884-1952) e Marie Bonaparte*, análise com Ernst Paul Hoffmann*. Como Dugautiez, seria afastado da Sociedade Belga de Psicanálise, que fundara em 1947.

Leclaire, Serge, né Liebschutz (1924-1994) psiquiatra e psicanalista francês

Originário de uma família judia, Serge Leclaire nasceu em Estrasburgo, com o nome de Serge Liebschutz. Durante seus estudos secundários, ficou conhecendo Wladimir Granoff, que se tornaria psicanalista como ele. A partir dos acordos de Munique, seu pai, fundador de uma malharia, deixou a Alsácia com toda a sua família para fazer uma longa viagem, que o levou a Marselha. Ali, conseguiu documentos falsos em nome de Leclaire e, com a Libertação, adotou legalmente esse sobrenome, que seria aceito por seu filho. Depois de estudar psiquiatria, Leclaire ouviu falar pela primeira vez em psicanálise* por um monge hindu, que lhe aconselhou a procurar Françoise Dolto*. Conheceu então seu colega Granoff no Hospital da Salpêtrière e se engajou, com ele, na via do freudismo. Durante três anos, fez sua formação didática com Jacques Lacan*, relacionando-se, na Sociedade Psicanalítica de

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Paris (SPP), com homens e mulheres da terceira geração* francesa, principalmente Jean Laplanche e Anne-Lise Stern. Progressivamente, Serge Leclaire se tornou discípulo de um mestre excepcional, Jacques Lacan, que admirou sem servilismo nem submissão. Seria o primeiro lacaniano da história. Em 1953, quando da primeira cisão* do movimento psicanalítico francês, seguiu a fração dita liberal e universitária, representada por Daniel Lagache*, Françoise Dolto e Jacques Lacan, e participou assim da criação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFF, 1953-1963). Seria o seu secretário e depois o presidente. Entre 1961 e 1965, gozou do estatuto de membro a título pessoal da International Psychoanalytical Association* (IPA). Com Wladimir Granoff e François Perrier*, dedicou então os melhores anos de sua vida à luta pela integração da SFP à IPA. A ele coube a tarefa de conduzir as negociações secretas com a direção da internacional freudiana, que rejeitava não o lacanismo como doutrina, mas a técnica psicanalítica* transgressora inaugurada por Lacan e fundada na noção de sessão de duração variável, também chamada sessão curta. Finalmente, em 1963, a política praticada por Leclaire resultou na ruptura definitiva entre o lacanismo* e a legitimidade freudiana. Desesperado com esse fracasso, mas profundamente fiel e animado por uma forte paixão pelo sonho profético e o espiritualismo, seguiu Lacan na fundação da École Freudienne de Paris* (EFP), cujos estatutos redigiu em parte. Tornando-se o clínico mais apreciado da França* freudiana, tentaria durante 30 anos unificar a comunidade psicanalítica francesa, sempre em processo de dispersão e conflitos. Em 1969, depois de criar o primeiro departamento de ensino da psicanálise na universidade francesa (Paris-VIII), seria também, em 1983, o único psicanalista de envergadura a ousar enfrentar os riscos do “tratamento ao vivo” pela televisão, no programa Psy-show. Quando essa experiência revelou seus limites (vulgaridade e exibicionismo perverso), renunciou a ela. Em 1989, pela última vez, trabalhou pelo seu sonho unificador, criando a Association pour une Instance des Psychanalystes


Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância

(APUI), destinada a proteger a psicanálise de seus velhos demônios: as terapias corporais, a hipnose* e o ocultismo*. A obra escrita de Serge Leclaire reflete seus ideais. Na linhagem direta do ensino lacaniano, ele soube permanecer como um clínico de obediência freudiana, dotado de um belo humanismo e de um espírito de tolerância herdado da filosofia iluminista. A partir de Freud, sabemos que os relatos de casos, para evitar a mediocridade da literatura piegas, devem ser construídos à maneira da ficção. Nesse aspecto, Leclaire foi um dos raros psicanalistas franceses, com Michel de M’Uzan, a saber descrever seus casos na tradição inglesa, como mostra seu livro inaugural Psicanalisar, no qual é exposta pela primeira vez a história do Homem do Licorne: uma neurose obsessiva* descrita a partir da concepção lacaniana do significante. Leclaire a apresentou pela primeira vez no Colóquio de Bonneval, durante o outono de 1960, organizado por Henri Ey*, no Hospital de Bonneval. • Serge Leclaire, Psychanalyser, Paris, Seuil, 1968; Démasquer le réel, Paris, Seuil, 1971; On tue un enfant, Paris, Seuil, 1975; Rompre les charmes, Paris, InterÉditions, 1981; O país do outro, (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1991; Écrits pour la psychanalyse, 1, 1954-1993, Estrasburgo, Arcanes, 1996 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

lembrança encobridora al. Deckerinnerung; esp. recuerdo encubridor; fr. souvenir-écran; ing. screen memory

Expressão composta e empregada por Sigmund Freud* num artigo autobiográfico de 1899 e, posteriormente, em A psicopatologia da vida cotidiana*, para designar uma lembrança infantil insignificante que, por deslocamento*, passa a mascarar uma outra lembrança recalcada ou não guardada. • Sigmund Freud, “Lembranças encobridoras” (1899), ESB, III, 333-58; GW, I, 529-54; SE, III, 299-322; OC, III, 255-76.

➢ FLUSS, GISELA; FREUD, PAULINE; RECALQUE; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

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Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância Livro de Sigmund Freud*, publicado em alemão em 1910, sob o título Ein Kindheitserinnerung des Leonardo da Vinci. Traduzido para o francês pela primeira vez por Marie Bonaparte*, em 1927, sob o título Un souvenir d’enfance de Léonard de Vinci, e depois, em 1987, por Janine Altounian, Odile Bourguignon, André Bourguignon (1920-1996), Pierre Cotet e Alain Rauzy, sem modificação do título. Traduzido para o inglês pela primeira vez por Abraham Arden Brill*, em 1916, sob o título Leonardo da Vinci, e depois, por Alan Tyson, em 1957, sob o título Leonardo da Vinci and a Memory of his Childhood.

Assim como Aníbal ou Moisés, Leonardo da Vinci (1452-1509) pertence ao panteão de grandes homens e heróis aos quais Freud consagrava uma admiração particular. Numa carta a Wilhelm Fliess* de 9 de outubro de 1898, ele manifestou seu interesse por alguns pormenores da vida desse gênio do Renascimento. Observou que Leonardo era canhoto e que não se conhecia nenhuma história de amor a seu respeito. Dez anos depois, em 17 de outubro de 1909, mal retornara dos Estados Unidos*, escreveu a Carl Gustav Jung* para lhe comunicar uma descoberta: o enigma do caráter de Leonardo tornara-se transparente para ele, de uma hora para outra. A seu ver, Leonardo se tornara sexualmente inativo ou homossexual depois de haver convertido sua sexualidade inacabada (infantil) numa pulsão* de saber. Freud acrescentou que acabara de encontrar a mesma problemática num neurótico desprovido de talento. Pouco depois, lançou-se ao trabalho e redigiu o livro entre janeiro e março de 1910, para publicá-lo em maio. Entrementes, em abril, sempre igualmente ambivalente a respeito de sua produção, escreveu a Ernest Jones*: “Não deposite muitas esperanças nesse Leonardo que sairá no mês que vem. Não espere encontrar nele o segredo da Virgem dos rochedos nem a solução para o problema da Gioconda; para que o livro lhe agrade, não tenha expectativas elevadas demais.” Essa é uma bela denegação, pois Freud na verdade se interessou pelo sorriso de Mona Lisa, a mulher do florentino Francesco del Giocondo: quis até captar sua quintessência,

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Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância

estudando o desenvolvimento psicológico e intelectual do pintor, cujo destino, segundo disse, não poderia escapar às “leis que regem com igual rigor as condutas normais e patológicas”. Consciente de que sua obra corria o risco de provocar um escândalo, ao abordar a sexualidade* de um dos mais célebres criadores do mundo, Freud advertiu o leitor de que todo ensaio biográfico deve evitar os falsos pudores e não silenciar sobre a vida sexual do herói escolhido. Pois bem, acrescentou, pouco se sabe sobre a de Leonardo, que manifestava uma frieza evidente e rara num artista habituado a pintar a beleza feminina. O “pouco” de que dispunha Freud eram algumas leituras: uma importante biografia de Edmondo Solmi, publicada em 1908, a de Giorgio Vasari (1511-1574) e, acima de tudo, um romance histórico de Dmitri Sergueievitch Merejkovski (1865-1941). Nesse livro, o escritor russo traçou um retrato de Leonardo, imaginando que um aluno mantinha um diário sobre o mestre. Em todos esses textos, faltava um elemento central, concernente à sexualidade do pintor. Freud acabou por encontrá-lo nos Cadernos de Leonardo da Vinci. Ali, com efeito, descobriu esta frase, a propósito do interesse do pintor pelo vôo dos pássaros: “Parece que eu já estava predestinado a me interessar fundamentalmente pelo abutre, pois me ocorre como primeiríssima lembrança que, quando eu ainda estava no berço, um abutre desceu até mim, abriu-me a boca com a cauda e bateu várias vezes em meus lábios com essa mesma cauda.” Freud resolve então submeter essa “fantasia do abutre em Leonardo” a uma escuta psicanalítica. Discerne nessa lembrança o vestígio de uma felação, que não passa da repetição de uma situação mais antiga: “Na idade da amamentação, segurávamos na boca o mamilo da mãe ou da ama-de-leite para sugá-lo. A impressão orgânica produzida em nós por esse primeiro gozo* vital ficou, sem dúvida, indelevelmente marcada (...). Agora podemos compreender por que Leonardo remeteu aos anos em que foi amamentado a lembrança da experiência pretensamente vivida com o abutre.” O júbilo de Freud é compreensível: ele acabara de descobrir nisso uma reminiscência em

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perfeito acordo com as perspectivas teóricas desenvolvidas em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, e em 1908, em seu artigo “Sobre as teorias sexuais das crianças”, e ilustradas durante a análise do Pequeno Hans (Herbert Graf*). Entretanto, persistiam algumas interrogações: por que um abutre, e como articular isso com a homossexualidade* de Leonardo? Para responder a essas perguntas, Freud presume que Leonardo da Vinci tenha-se inspirado em mitos da civilização egípcia. Com efeito, a palavra “mãe” era escrita nela por meio de um pictograma que remetia à imagem do abutre, animal cuja cabeça representava uma divindade materna e cujo nome se pronunciava como Mut (próximo, nesse aspecto, do alemão Mutter, mãe). Por outro lado, prossegue Freud, nas lendas de inspiração cristã, o abutre é uma espécie que só existe no gênero feminino. Num certo período, esses abutres fêmeas param em pleno vôo, abrem a vagina e são fecundados pelo vento. Encarnam, assim, a virgem imaculada. A reminiscência do abutre e a conotação sexual passiva ligada a ela são então relacionadas à infância do grande pintor. Filho ilegítimo, criado pela mãe, Leonardo foi objeto exclusivo do amor desta. Não houve um pai com quem se identificar no momento da emergência de sua sexualidade. Freud estabelece uma relação de causalidade entre a relação infantil do pintor com a mãe e sua homossexualidade posterior: “Não nos arriscaríamos a inferir uma relação dessa ordem a partir da reminiscência deformada de Leonardo se não soubéssemos, pelos exames psicanalíticos de nossos pacientes homossexuais, que tal relação existe, e que é até mesmo uma relação essencial e necessária.” Freud manifesta nesse ponto sua simpatia pelos homossexuais e, em seguida, no intuito de desenvolvê-las, retoma as etapas da organização da sexualidade infantil e as modalidades dessa organização que são passíveis de levar um sujeito masculino à homossexualidade. Depois, interpreta esta última como um fechamento na fase de auto-erotismo* durante a qual o indivíduo só consegue amar substitutos de sua própria pessoa. Nesse ponto, fala pela primeira vez do narcisismo*, que mais tarde se transformaria num conceito.


Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância

Resta, pois, o enigma do sorriso da Mona Lisa. Para Freud, esse famoso sorriso é o de Catarina, a mãe de Leonardo. Assim, as belas cabeças de crianças são reproduções de sua própria pessoa infantil, e as mulheres sorridentes, réplicas de sua mãe, que outrora estampara esse sorriso pelo qual se havia apaixonado. Freud procede a uma outra aproximação. Observa, com efeito, que o quadro de Leonardo da Vinci que fica cronologicamente mais próximo da Gioconda é Santana, a Virgem e o menino, onde aparecem Santana, Maria e o menino Jesus. Depois de observar que esse tema raramente surge na pintura italiana, Freud discerne no quadro, que representa duas mulheres junto a um menino, o vestígio de uma outra lembrança infantil de Leonardo. Mais ou menos aos três anos de idade, este se haveria encontrado com o pai, que tornara a se casar; assim, teria tido duas mães, como o menino Jesus do quadro, cercado por duas jovens de sorriso delicado. Como explicar de outra maneira aquela transfiguração de Santana? — indaga Freud. Porventura a mãe de Maria, e portanto, avó de Cristo, não aparece no quadro tão moça quanto a filha? Peter Gay observa que Freud nunca teve a pretensão de haver explicado a genialidade de Leonardo da Vinci: quando muito, procurou esclarecer o processo de sublimação* que levou ao desenvolvimento das pulsões de investigação e ao adormecimento das pulsões sexuais. Sublinhou também um traço de caráter particular de Leonardo: a tendência a jamais concluir as obras iniciadas, na qual Freud viu o efeito de uma identificação com o pai que abandonara o filho em sua mais tenra infância. Em 3 de julho de 1910, Freud escreveu a Karl Abraham*: “Recebi a primeira crítica do Leonardo, a de Havelock Ellis* no Journal of Mental Science: é amável, como sempre. O texto agrada a todos os amigos, e tenho a expectativa de que provoque aversão em todos os que não estão conosco.” Em 1923, um leitor especializado no Renascimento italiano escreveu à direção do Burlington Magazine for Connoisseurs, onde se publicara um artigo elogioso sobre o livro de Freud. O correspondente apontou um erro que lhe parecia pôr seriamente em dúvida a validade da

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interpretação freudiana. Freud, escreveu o autor da carta, parecia haver-se fiado, em sua leitura dos Cadernos de Leonardo da Vinci, numa versão alemã, na qual o termo italiano nibbio fora traduzido pela palavra alemã Geier, que significa abutre. Ora, o italiano nibbio significa “milhafre”, e não “abutre”. Essa observação crítica foi solenemente ignorada pelos meios psicanalíticos da época, e Ernest Jones apenas a registrou, trinta anos depois, em meia dúzia de linhas anódinas. Como escreveu Jean-Bertrand Pontalis, em seu prefácio a uma das edições francesas do livro: “Foi preciso, acima de tudo, que Meyer Schapiro, o grande historiador da arte, publicasse seu estudo intitulado ‘Leonardo e Freud’ para que a comunidade psicanalítica se mexesse.” Se, em seu trabalho publicado em 1956, Schapiro deu mostras de um imenso respeito por Freud e se absteve de qualquer polêmica, ainda assim ressaltou que o erro de Freud fora real e se devera a uma leitura superficial da lembrança registrada nos Cadernos. Schapiro sublinhou que a evocação desse tipo de lembrança era um procedimento retórico corriqueiro, na época de Leonardo, para descrever presságios, de modo que não se tratava de uma verdadeira lembrança. A crítica era impossível de rechaçar, mas Kurt Eissler, diretor dos Arquivos Freud* e figura eminente da ortodoxia psicanalítica, decidiu batalhar mais uma vez contra os adversários do mestre. Longe de reconhecer os erros de Freud e de encontrar neles material para uma reflexão sobre os riscos inerentes à psicanálise aplicada*, Eissler fez questão de justificar o conjunto do procedimento de Freud, colocando-se, portanto, a serviço de uma historiografia* oficial. Pontalis assim resumiu a essência da argumentação eissleriana: “O erro é mínimo: substituir ‘milhafre’ por ‘abutre’ não altera a essência em si da fantasia nem sua significação sexual de avidez oral e passividade. O erro é pontual: não contesta o conjunto das contribuições do livro, quer elas digam respeito ao narcisismo, ali introduzido pela primeira vez, [quer] à gênese da homossexualidade masculina (...) trata-se menos de um erro que de um lapso* [como se, acrescenta Pontalis com humor, um lapso não fosse também um erro...]

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(...). Que importa um erro factual, refira-se ele ao abutre ou aos acontecimentos infantis, se a lógica interna — da construção ou da fantasia, seu homólogo — e a lógica do texto que a registra funcionam? Felizes dos psicanalistas, que sempre caem de pé!” A crítica de Schapiro não parou por aí. O historiador sublinhou um outro erro de Freud, este mais grave, a propósito do quadro que representa Santana, a Virgem e o menino. Esse tema, explicou ele, longe de ser raramente abordado na época de Leonardo da Vinci, como Freud pareceu supor, era, ao contrário, um dos temas prediletos do Renascimento italiano. Assim, o culto a Santana foi particularmente desenvolvido, por iniciativa do papa Sexto IV (14141484), entre 1481 e 1510. E Schapiro dá uma aula de rigor: “A primeira coisa a fazer, quando se quer explicar uma nova imagem artística, é estabelecer sua prioridade (...). Quanto a esse aspecto, o psicanalista deve dirigir-se à disciplina da história da arte e aos campos culturais vizinhos, a história da religião e da vida social.” É difícil não nos interrogarmos sobre o fundamento do apego de Freud a esse ensaio, sobre o qual ele diria, em cartas simultaneamente endereçadas a Lou Andreas-Salomé* e Sandor Ferenczi*, em fevereiro de 1919, que “É a única coisa bonita que escrevi”. Segundo Peter Gay, além do fascínio de Freud pelo grande homem do Renascimento, existem razões mais subterrâneas. Gay cita uma carta a Jung, escrita em 2 de dezembro de 1909, logo depois da apresentação, na qual Freud afirma ter-se livrado de uma “obsessão” ao fazer uma exposição sobre Leonardo na Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Os vestígios dolorosos do relacionamento com Fliess e seu reavivamento por ocasião do rompimento com Alfred Adler* atestam a persistência, em Freud, do que ele próprio identificou como sendo “as mesmas coisas paranóicas”. O interesse fundamental desse livro é de ordem teórica. A Lembrança, com efeito, foi prenunciadora do estudo, então em andamento, sobre as Memórias de um doente dos nervos, de Daniel Paul Schreber*, onde Freud enunciou sua tese essencial de que a tendência recalcada para a homossexualidade é um componente fundamental da paranóia*.

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• Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986; Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; “Delírios e sonhos na Gradiva, de Jensen”, ESB, IX, 17-96; SE, IX, 1-95; Paris, Gallimard, 1986, 9-23; “Sobre as teorias sexuais das crianças” (1908), ESB, IX, 213-32; GW, VII, 171-188; SE, IX, 205-26; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 14-27; “Escritores criativos e devaneio” (1908), ESB, IX, 14962; GW, VII, 213-33; SE, IX, 141-53; in L’Inquiétante Étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985, 29-46; “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” (1909), ESB, X, 15-152; GW, VII, 243-377; SE, X, 1-147; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 93-198; Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910), ESB, XI, 59-126; GW, VIII, 128-211; SE, XI, 57-137; OC, X, 79-164; “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoïdes)” (1911), ESB, XII, 23-104; GW, VIII, 240-316; SE, XII, 1-79; OC, X, 225-304 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondance, 19141919, Paris, Calmann-Lévy, 1966 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1983 • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa, pref. de Ernst Pfeiffer (Frankfurt, 1966, N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne (1962), Paris, Gallimard, 1976 • Kurt R. Eissler, Léonard de Vinci. Étude psychanalytique (N. York, 1961), Paris, PUF, 1980 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud (N. York, 1953), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work 1893-1939, Madison, International Universities Press, 1988 • Jean Laplanche, A sublimação (Paris, 1980), S. Paulo, Martins Fontes, 1989 • Philippe Levillain (org.), Dictionnaire historique de la papauté, Paris, Fayard, 1994 • Dmitri S. Merejkovski, Le Roman de Léonard de Vinci (S. Petersburgo, 1902), Paris, Gallimard, 1934 • Meyer Schapiro, “Léonard et Freud” (1956), in Style, artiste et société, Paris, Gallimard, 1982 • Giorgio Vasari, La Vie des meilleurs peintres, sculpteurs et architectes italiens (1550, Florença, 1919), vol.V, traduzido sob a direção de André Chastel, Paris, Berger-Levrault, 1983.

➢ BIBLIOTECA DO CONGRESSO; ÉDIPO, COMPLEXO DE; HOMOSSEXUALIDADE; ITÁLIA; PSICOSE; SEXUALIDADE.

Levi-Bianchini, Marco (1875-1961) psiquiatra italiano

Psiquiatra judeu originário da região de Pádua, Marco Levi-Bianchini começou em 1909


libido

a divulgar a psicanálise nos meios da psiquiatria italiana através de artigos e de traduções aproximativas. Espírito efervescente e confuso, que acabaria manifestando simpatia pelo regime fascista, esse incansável militante da causa psicanalítica era a encarnação do que Michel David chamou de “um não-psicanalista involuntário”: incapaz, como a maioria de seus antecessores, de apreender a essência da conceitualidade freudiana, na verdade jamais se arriscou a realizar uma análise. Entretanto, a atividade institucional de Levi-Bianchini foi considerável e tão apreciada em Viena* que Sigmund Freud* respondeu a Edoardo Weiss* que desejava convencê-lo dos perigos da ambivalência e da inabilidade desse psiquiatra italiano, que “muitas vezes o continente precede o conteúdo”. Em 1915, quando dirigia o Hospital Psiquiátrico de Nocera Inferiore, na região napolitana, Levi-Bianchini fundou a “Biblioteca Internacional de Psicanálise”, na qual publicou algumas de suas traduções da obra freudiana, principalmente a das Cinco lições de psicanálise, para a qual Freud redigiu um breve prefácio, como mencionou em uma carta de 9 de novembro de 1914 a Sandor Ferenczi*. Em 1920, criou o Archivio Generale di Neurologia e Psichiatria, que transformou no ano seguinte em Archivio Generale di Neurologia, Psichiatria e Psicoanalisi, revista na qual Weiss colaborou. Enfim, em 1925, quando acabava de ser nomeado diretor do Hospital Psiquiátrico de Teramo, pequena cidade dos Abruzos na qual o filho de Freud, Martin, passara uma parte da sua convalescença em 1919, Levi-Bianchini fundou a Società Psicoanalitica Italiana (SPI), da qual Weiss era então o único membro autenticamente psicanalista. • Michel David, La psicoanalisi nella cultura italiana (1966), Turim, Bollatti Boringhieri, 1990 • Sigmund Freud e Edoardo Weiss, Lettres sur la pratique psychanalytique (1970), Toulouse, Privat, 1975 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondance, 19141919 (1992), Paris, Calmann-Lévy, 1996.

➢ BENUSSI, VITTORIO; FREUD, MARTIN; ITÁLIA; MUSATTI, CESARE; PERROTTI, NICOLA; PSIQUIATRIA DINÂMICA; SERVADIO, EMILIO.

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libido Termo latino (libido = desejo*), inicialmente utilizado por Moriz Benedikt* e, mais tarde, pelos fundadores da sexologia* (Albert Moll* e Richard von Krafft-Ebing*), para designar uma energia própria do instinto sexual, ou libido sexualis. Sigmund Freud* retomou o termo numa acepção inteiramente distinta, para designar a manifestação da pulsão* sexual na vida psíquica e, por extensão, a sexualidade* humana em geral e a infantil em particular, entendida como causalidade psíquica (neurose*), disposição polimorfa (perversão*), amor-próprio (narcisismo*) e sublimação*.

Foi com a introdução da palavra libido que Sigmund Freud construiu o que desde então passou a ser chamado de sua teoria da sexualidade, enunciada de maneira programática em 1905 nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*. Esse livro princeps seria reformulado a cada reedição, em função da evolução das teses do autor sobre o assunto, em especial à luz de sua reflexão de 1914 sobre o narcisismo, à luz, em 1920, de Mais-além do princípio de prazer*, no contexto da instauração da segunda tópica, centrada no eu* e no isso*, e, por último, à luz da Psicologia das massas e análise do eu*, em 1921. Num artigo de 1923 sobre psicanálise e libido, destinado a uma enciclopédia sobre a sexologia, o próprio Freud redigiria um histórico muito claro da gênese desse conceito em sua teoria. Assim, nessa teoria, a sexualidade como tal só se torna um conceito através das diferentes etapas pelas quais Freud expõe o termo libido. No fim do século XIX, todos os cientistas e os médicos da alma, alemães, franceses e ingleses, estavam obcecados pela sexualidade, e todos buscavam uma nova definição da identidade do homem que levasse em conta suas práticas sexuais efetivas, fossem elas consideradas “normais” ou “patológicas”. Sob esse aspecto, o nascimento da sexologia (ou ciência da atividade sexual) está ligado ao da criminologia* (ciência do comportamento criminal) como construção de uma nova antropologia*, fundamentada na hereditariedade-degenerescência*: em ambos os casos, trata-se de definir o homem a partir de seu “instinto biológico” (sua “raça”, sua hereditariedade, seu sexo) e de integrar nele um componente degenerativo ou

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destrutivo (o crime, as perversões sexuais). Daí a idéia de dar um novo nome (homossexualidade*) à forma mais conhecida e mais antiga de “inversão”, a fim de contrastá-la com uma nova norma: a heterossexualidade. A adoção da palavra libido pelos cientistas do fim do século XIX remete à construção dessa nova maneira de dizer e pensar a sexualidade, ornando-a com um jargão. De fato, os termos latinos sempre tiveram uma função ambivalente na história da psicopatologia, da medicina e da psiquiatria. Sob um véu de ciência e erudição, eles descrevem uma realidade bruta (o corpo, a morte, o amor, a doença etc.) carregada de proibições e segredos, e cujo conteúdo se pretende mascarar do principal interessado: o próprio homem, transformado em doente sexual, criminoso, invertido etc. Foi nessa perspectiva de apropriação erudita das coisas da sexualidade que os sexólogos utilizaram a palavra libido para descrever todas as variações possíveis da atividade sexual humana, no sentido de atividade genital. O emprego generalizado desse termo indica, aliás, o rompimento que se efetuou nessa época entre esse novo discurso sobre a sexualidade (como libido sexualis) e a antiga terminologia filosófica, baseada no Eros (amor) platônico, da qual foram conservados apenas um adjetivo — erógeno —, para designar uma zona do corpo ou uma atividade ligada à excitação sexual, e um substantivo — auto-erotismo* —, para definir uma emoção sexual sem objeto. A sexologia e seus grandes representantes — de Havelock Ellis* a Magnus Hirschfeld* — instauraram uma concepção geral da libido sexualis cujo objetivo era compreender e descrever a sexualidade sob todas as suas formas, quer para sancioná-la, quer para reivindicá-la como uma “diferença” positiva. Daí os catálogos, à maneira de Cuvier (1769-1832) ou Sade (1740-1814), que descrevem as múltiplas práticas de uma sexualidade desde então exibida aos olhos dos juristas, dos médicos e dos higienistas. Se essa eflorescência alimentou fartamente o pensamento freudiano, isso não quer dizer que Freud não tenha inventado nada nesse campo. A iniciativa de Freud consistiu, em primeiro lugar, em retirar a libido desse jardim das delícias, a um tempo perverso, genital, normativo e

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literário, no qual o haviam encerrado os sexólogos, para dela fazer um componente essencial da sexualidade como fonte do conflito psíquico, para integrá-la na definição da pulsão e na relação de objeto* (libido objetal) e, por fim, para lhe encontrar uma identidade narcísica (a libido do eu), a partir de 1914. Ao término desse percurso, portanto, Freud teria tomado emprestada a terminologia da sexologia para abrir caminho para uma nova concepção do Eros platônico, na qual a libido, identificada com a pulsão sexual, tornou-se uma pulsão de vida (Eros), em oposição à pulsão de morte (Thanatos). O escândalo da teoria freudiana da libido, que seria chamada de pansexualismo*, veio, portanto, do fato de Freud haver normalizado um campo do qual a ciência e a medicina se haviam apropriado em detrimento do principal interessado, o próprio sujeito. Ao abandonar a hipnose*, Freud devolveu ao sujeito a liberdade da fala e reavivou a esperança de cura, em oposição ao niilismo terapêutico. Do mesmo modo, ao retirar a libido sexualis do jardim dos sexólogos, Freud fez dela o principal determinante da psique humana. Daí a obsessão com a sexualidade que observamos na maneira como ele conduziu suas três grandes análises, de Ida Bauer*, Ernst Lanzer* e Serguei Constantinovitch Pankejeff*, e como “dirigiu” a do Pequeno Hans. Entre seus primeiros discípulos, Fritz Wittels* e Isidor Sadger*, assim como em Hermine von Hug-Hellmuth*, essa obsessão descambaria para o delírio interpretativo, o qual, por sua vez, viria a alimentar o horror dos antifreudianos à libido freudiana. Essa modificação da libido sexualis não se efetuou linearmente, mas através de conflitos, reformulações, sofrimentos, cisões* e ódios que com freqüência levaram Freud a se mostrar feroz e intolerante para com seus próximos e seus adversários. Alfred Adler* e Carl Gustav Jung* pagaram o preço dessa intransigência. Num primeiro momento, em junho de 1894, num manuscrito enviado a Wilhelm Fliess*, Freud empregou o termo no sentido de uma libido psíquica. Nessa época, ele ainda atribuía à histeria* uma causalidade sexual, decorrente de uma sedução* vivida na infância, e, tal como Jean Martin Charcot*, definiu uma zona histerogênica, ou seja, uma região do corpo que era


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libidinalmente investida e cuja excitação era acompanhada por um prazer sexual capaz de levar ao ataque histérico. Daí Freud passou para a noção de zona erógena, que tomou emprestada dos sexólogos. Após o abandono da teoria da sedução, em 1897, a causalidade sexual serviu para explicar o conflito psíquico produtor da neurose: o histérico sofria de reminiscências e, depois, de fantasias* e sonhos*, cujo conteúdo convinha explorar através da psicanálise*. Para isso, era preciso voltar à infância e, portanto, às primeiras experiências sexuais do sujeito. Foi assim que Freud se orientou, por volta de 1900, para a elucidação da sexualidade infantil, que, a partir da publicação dos Três ensaios, em 1905, tornou-se o eixo da sexualidade humana. Num primeiro tempo, ele fez da libido uma “energia”, isto é, a manifestação dinâmica, na vida psíquica, do impulso (ou pulsão) sexual. Isso o levou a esta grande redefinição: a libido já não era sexualis, não mais constituía uma atividade somática, mas era um desejo sexual que procurava satisfazer-se, fixando-se em objetos. Se era um desejo, tinha uma essência única: daí a adoção freudiana, a partir de 1905, da tese do monismo sexual, segundo a qual a libido seria de natureza masculina, quer se manifestasse no homem ou na mulher. Em janeiro de 1909, numa reunião da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) dedicada ao diabo e a suas manifestações na história, Freud justificou essa teoria de um modo muito estranho: “Conviria ainda chamar atenção para o fato de que o demônio é uma personalidade masculina por excelência, o que sustenta uma tese da teoria da sexualidade segundo a qual a libido, onde quer que apareça, é sempre masculina (a única criatura diabólica feminina é a avó do demônio).” A tese do monismo, que seria contestada pela escola inglesa, no contexto do grande debate dos anos vinte sobre a sexualidade feminina*, ficou ligada para Freud a essa idéia de que o diabo personifica, na tradição ocidental, um componente essencial e recalcado da sexualidade humana. Todavia, a libido, que é uma dimensão fundamental da pulsão, fixa-se em objetos: essa libido objetal pode deslocar-se em seus investimentos*, mudando de objeto e de objetivo. É então sublimada, ou seja, derivada para um

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objetivo não sexual, onde investe objetos socialmente valorizados: a arte, a literatura, o intelectualismo, a atividade passional. A essa teoria da sublimação, que ele desenvolveria em 1910, em Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância*, Freud acrescentou uma descrição das zonas erógenas, características da atividade libidinal. Se a libido pode se deslocar quanto ao objeto e quanto ao objetivo, ela também pode diversificar-se quanto à sua fonte de excitação: há, portanto, uma diversificação das zonas erógenas, que se distribuem por quatro regiões do corpo: oral, anal, uretro-genital e mamária. A cada zona correspondem uma ou mais atividades eróticas, dentre as quais Freud situou os atos mais simples da vida cotidiana das crianças: sucção do polegar ou do seio da mãe, defecação e masturbação. Chegou até a estender a noção de erotogenia ao corpo inteiro, inclusive os órgãos internos. Dessa descrição da libido como diversificação em zonas erógenas decorreu uma organização “evolucionista” da sexualidade (a teoria dos estádios*), tão central na reformulação freudiana quanto a relação objetal. De fato, se é preciso retornar à infância para compreender a gênese da sexualidade adulta, é porque a libido se organiza de maneira diferenciada com respeito a cada zona, conforme as etapas da vida. A cada idade, a cada estádio corresponde uma modalidade da relação de objeto. Depois de múltiplas reformulações, Freud distinguiu quatro deles: o estádio oral, o estádio anal, o estádio fálico e o estádio genital. Posteriormente, a teoria dos estádios seria reformulada muitas vezes pelas diversas escolas. Se há uma diversificação das zonas erógenas, isso significa que a pulsão sexual (cuja manifestação é a libido) divide-se em pulsões parciais: duas delas estão ligadas a regiões do corpo (pulsão oral e pulsão anal), enquanto as outras se definem por seu alvo (a pulsão de dominação, por exemplo). No contexto da libido objetal de 1905, toda pulsão parcial busca satisfação no próprio corpo. Daí a introdução da noção de auto-erotismo, tomada de Havelock Ellis, mas rejeitada por Eugen Bleuler* (que substituiria esse termo por autismo*). Que Freud tenha preferido o termo auto-erotismo permite compreender o pivô da discussão

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com Jung, que sobreveio a partir de 1906, ou seja, um ano após a publicação dos Três ensaios, e que levaria ao rompimento entre os dois homens e... a duas novas definições da libido. Jung rejeitou a idéia freudiana, considerando que a libido era um “impulso” voluntário. Foi em 1911, com a publicação de uma primeira versão do que iria transformar-se em As metamorfoses da alma e seus símbolos, que a divergência tornou-se manifesta. Jung revisou a totalidade da teoria freudiana, rejeitou o complexo de Édipo* e a idéia do desejo incestuoso*, recusou qualquer origem sexual na neurose e, por último, identificou a libido com uma energia psíquica sem pulsão sexual: uma libido originária, que poderia ser sexualizada ou dessexualizada. Além disso, em 1910, renunciando ao auto-erotismo, inventou a noção de introversão*, para designar o retraimento da libido para o mundo interno do sujeito. No mesmo ano, numa conferência intitulada “A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão”, Freud falou em pulsão do eu para designar, por oposição à pulsão sexual, aquilo que, em 1905, incluía na categoria das funções de autoconservação do eu. Da libido do eu para a pulsão do eu há apenas um passo, e Freud o deu em seus trabalhos de metapsicologia* de 1914-1915, onde se enunciou um novo dualismo pulsional (pulsão do eu/pulsão sexual), logo questionado pelo artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”. Nessa resposta a Jung sobre a dupla problemática da introversão e da libido, a oposição libido do eu/libido do objeto veio substituir o antigo dualismo pulsional, e a pulsão do eu foi prontamente assimilada ao amor-próprio e, portanto, a uma libido do eu, logo reconvertida em libido narcísica, termo que abriu caminho para todas as teorias da Self Psychology*, para uma concepção da neurose narcísica, intermediária entre a neurose e a psicose, e para a abordagem teórica dos borderlines*. Vê-se, portanto, o caminho percorrido por Freud. Contrariando os sexólogos, que a reduziam ao sexual no sentido genital, ele estendeu a libido a uma pulsão sexual generalizada, e, opondo-se a Jung, que, ao contrário, pretendia dissolvê-la numa instância assexual, inscreveua como componente central de um Eros enfim

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reencontrado, o do amor platônico, simultaneamente desejo, sublimação e sexualidade em todas as suas formas humanas (homossexualidade*, bissexualidade*). Compreendese, portanto, por que ele também se oporia a Wilhelm Reich*, herdeiro da sexologia, que quis ressexualizar a libido no contexto de uma teoria biológica da satisfação orgástica. Em Mais-além do princípio de prazer, onde se organizou um novo dualismo pulsional (pulsão de vida/pulsão de morte), a libido foi assimilada a Eros: “A libido de nossas pulsões sexuais coincide com o Eros dos poetas e filósofos, que mantém a coesão de tudo aquilo que vive.” E, no Esboço de psicanálise*, os dois termos se fundiram: “toda a energia de Eros, que doravante denominaremos de libido.” No entanto, a imagem de Eros não aboliu a de libido, à qual Freud se apegava acima de tudo, na medida em que, sendo uma palavra latina, ela traduzia a universalidade do conceito de sexualidade e, desse modo, não exigia uma transcrição em outras línguas. Sob esse aspecto, ao conservar esse termo em latim, Freud subverteu o velho jargão dos especialistas. Fez da libido o móbil de um escândalo, que apareceria, a partir de 1910, nas múltiplas resistências opostas à psicanálise em todos os países, sendo ela sempre e por toda parte qualificada de doutrina pansexualista: “germânica” demais aos olhos dos franceses, “latina” demais para os escandinavos, “judaica” demais para o nazismo* e “burguesa” demais, enfim, para o comunismo, ou seja, tal como para Jung, sempre “sexual” em demasia. • Sigmund Freud, “A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão” (1910), ESB, XI, 197-206; GW, VIII, 94-102; SE, XI, 209-18; OC, X, 177-87; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “A história do movimento psicanalítico” (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991; “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) A teoria da libido” (1923), ESB, XVIII, 287-307; GW, XIII, 21133; SE, XVIII, 235-59; OC, XVI, 181-208; “A organização genital infantil da libido (uma interpolação na teoria da sexualidade)” (1923), ESB, XIX, 179-88; GW, XIII, 293-8; SE, XIX, 141-5; OC, XVI, 303-9; “Tipos libidinais” (1931), ESB, XXI, 251-8; GW, XIX, 509-13; SE, XXI, 215-20; OC, XIX, 1-6; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro,


Liébeault, Ambroise Auguste Imago, 1983 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, II, 1908-1910 (N. York, 1967), Paris, Gallimard, 1978, 121-7 • Richard von Krafft-Ebing, Psychopathia sexualis (Stuttgart, 1886, Paris, 1907), Paris, Payot, 1969 • Albert Moll, Untersuchungen über die Libido sexualis, Berlim, Fischers Medizinische Buchhandlung, H. Kornfeld, 1897 • Havelock Ellis, Études de psychologie sexuelle, vol.1 (Londres, 1897), Paris, Mercure de France, 1904 • Carl Gustav Jung, Les Métamorphoses de l’âme et ses symboles (Leipzig-Viena, 1912, Paris, 1931), Paris, Buchet-Chastel, 1953; Ma vie (Zurique, 1962) Paris, Gallimard, 1966 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979.

➢ FETICHISMO; SADOMASOQUISMO; TRANSEXUALISMO.

Library of Congress ➢ BIBLIOTECA DO CONGRESSO.

Liébeault, Ambroise Auguste (1823-1904) médico francês

Pai espiritual da Escola de Nancy, Auguste Liébeault era o décimo segundo filho de uma família de camponeses lorenos. Quando estudava medicina, descobriu o magnetismo, em um relatório de 1848, redigido por Henri-Marie Husson (1772-1853), e se entusiasmou por esse método, em uma época em que era condenado pelo conjunto dos médicos na Europa. Tornando-se clínico rural em Pont-Saint-Vincent, perto de Nancy, tratou gratuitamente dos pobres pelo método do sono artificial. Acusado de charlatanismo por seus colegas, adquiriu entretanto uma grande reputação como hipnotizador, tratando tanto as doenças orgânicas (úlceras, tuberculose pulmonar) quanto as afecções psíquicas. Dois anos depois, criou em Nancy a famosa clínica do doutor Liébeault, na qual recebeu muitos doentes. Sua técnica era sempre a mesma: adormecia os pacientes, pedindo-lhes que o olhassem fixamente nos olhos, e lhes ordenava que tivessem cada vez mais vontade de dormir. Esse método

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de sugestão* por fixação do olhar e injunção de dormir fora inventado em 1813 pelo padre português José Custódio de Faria (1756-1819). Como o marquês Armand de Puységur (17511825), Faria abandonara completamente a idéia de fluido magnético e adotara noções de concentração e de sono lúcido, julgando que o sono artificial provinha da vontade do paciente e não da do hipnotizador. Assim, abrira o caminho para tratamentos por sugestão hipnótica, que não precisavam mais de um suporte tangível (o fluido), para demonstrar a eficácia terapêutica de uma relação dual, que James Braid (1795-1860) classificou na categoria do hipnotismo e que Sigmund Freud* teorizou mais tarde sob o termo “transferência”*. Na história da primeira psiquiatria dinâmica*, Liébeault foi assim, depois de Puységur, Faria e Braid, o quarto grande pioneiro do abandono do magnetismo mesmeriano e um dos inventores do hipnotismo moderno, que daria origem às diversas psicoterapias* da segunda psiquiatria dinâmica, entre as quais a mais brilhante e a mais inovadora: a psicanálise*. Em 1882, Hippolyte Bernheim* foi visitálo. Converteu-se às suas idéias, declarou-se seu aluno e seu amigo, e introduziu a sugestão na medicina oficial hospitalar-universitária, opondo-se logo a Jean Martin Charcot*, grande mestre da escola da Salpêtrière, empenhado em uma nova abordagem da histeria*. Em sua autobiografia de 1925, Sigmund Freud evocou a lembrança desse médico impressionante: “Com a intenção de aperfeiçoar minha técnica hipnótica, no verão de 1889 fui a Nancy, onde passei várias semanas. Vi o velho Liébeault, que era comovente no trabalho que fazia com as mulheres e as crianças pobres da população operária.” • Auguste Liébeault, Du sommeil et des états analogues, considérés surtout au point de vue de l’action du moral sur le physique, Paris, Masson, 1866 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Léon Chertok e Raymond de Saussure, Naissance du psychanalyste (1973), Paris, Synthélabo, col. “Les empêcheurs de penser en rond”, 1997 • Pierre Morel (org.), Dicionário biográfico psi (Paris, 1996), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

➢ ESPIRITISMO; ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO, UM; HIPNOSE; MESMER, FRANZ ANTON.

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Lieben, Anna von

Lieben, Anna von, née von Todesco (1847-1900), caso Cäcilie M. Anna von Lieben foi uma das pacientes de Sigmund Freud* e Josef Breuer* cujo caso é relatado nos Estudos sobre a histeria*, sob o nome de Frau Cäcilie M. Sofrendo de violentas nevralgias faciais, a doente fora tratada sem resultado por todos os métodos habituais: escova elétrica, águas alcalinas, laxantes etc. Depois, um dentista a submetera a uma cruel operação cirúrgica, a extração de sete dentes perfeitamente sadios, sem obter o menor resultado. Foi então que Freud utilizou a hipnose* e lançou sobre as dores uma “proibição sumamente enérgica”. Um ano depois, a paciente apresentou múltiplos sintomas histéricos. Freud utilizou novamente a hipnose e, em seguida, recorreu à fala. Frau Cäcilie explicou então uma antiga cena traumática, uma briga conjugal em que seu marido a havia insultado. Ao narrar esse acontecimento, ela pôs a mão no rosto e exclamou: “Foi como uma bofetada no rosto.” Freud notou que as dores cessaram em razão de um processo de simbolização (ou conversão simbolizante). Feita essa descoberta, deu continuidade ao tratamento e conseguiu fazer a paciente contar as afrontas que havia sofrido desde sua infância. Assim, aos 15 anos de idade, ela havia sentido uma violenta dor de cabeça quando a avó a fitara com seu olhar penetrante, que lhe havia “penetrado” no cérebro. Frau Cäcilie permitiu a Freud compreender a relação entre um sintoma histérico e uma simbolização. Era pela linguagem que eram provocados, segundo ele, os acessos de nevralgia. Nesse ataque histérico, havia uma conversão das palavras num fenômeno somático. Durante o verão de 1889, quando passou uma temporada em Nancy, Freud fez-se acompanhar por Frau Cäcilie e pediu a Hippolyte Bernheim* que a hipnotizasse: “Era uma histérica de grande distinção”, disse, “genialmente dotada, que fora entregue a meus cuidados porque ninguém sabia o que fazer com ela. Em minha ignorância da época, eu atribuía o fato de ela ter recaídas sistemáticas de tempos em tempos ao fato de sua hipnose nunca haver atingido o grau de sonambulismo acompanhado de amnésia. Assim, Bernheim fez diversas ten-

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tativas, porém sem melhores resultados do que eu.” Em 1986, o historiador Peter Swales identificou Frau Cäcilie pela primeira vez e formulou a hipótese de que se trataria de Anna von Lieben, uma rica aristocrata vienense que fora inicialmente tratada por Jean Martin Charcot* e Theodor Meynert*. Segundo Swales, entre 1889 e 1893, ela fez uma longa análise com Freud, no decorrer da qual ele elaborou os princípios do método psicanalítico. Na grande saga dos casos princeps, Anna von Lieben pode ser encarada, portanto, como a primeira mulher psicanalisada da história do freudismo*. Desse modo, teria sido a “mestra” de Freud, sua prima-donna, entregando-lhe o inconsciente* “numa bandeja de prata”. • Sigmund Freud, “Um estudo autobiográfico” (1925), ESB, XX, 17-88; GW, XIV, 33-96; SE, XX, 7-70; OC, 51-122 • Peter Swales, “Freud, his teacher, and the birth of psychoanalysis”, in Paul E. Stepansky (org.), Freud, Appraisals and Reappraisals, vol.1, N. Jersey, The Analytic Press, 1986, 3-83 • Lisa Appignanesi e John Forrester, Freud’s Women, N. York, Basic Books, 1992.

➢ AUGUSTINE; CATARSE; ECKSTEIN, EMMA; HISTERIA; HISTORIOGRAFIA; LIÉBEAULT, AUGUSTE; MOSER, FANNY; ÖHM, AURELIA; PAPPENHEIM, BERTHA; SEXUALIDADE; SUGESTÃO.

Loewald, Hans (1906-1993) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido na Alsácia de um pai judeu que morreu muito cedo, Hans Loewald foi educado em Berlim por sua mãe. Em Freiburg, onde estudou filosofia como aluno de Martin Heidegger (1889-1976), ficou profundamente chocado com a aproximação deste com o partido nazista. Deixou então a Alemanha* e foi para Roma, onde estudou medicina e psiquiatria. Fugindo do fascismo italiano, tentou em vão tornar-se cidadão francês, emigrando em 1939 para os Estados Unidos*. Fez sua formação psicanalítica no Instituto da Baltimore-Washington Psychoanalytic Society (que se cindiria em duas sociedades distintas) e publicou os seus primeiros artigos psicanalíticos no início dos anos 1950. Tornou-se então uma das figuras eminentes da escola psi-


Loewenstein, Rudolph

canalítica da Nova Inglaterra, em New Haven, e ensinou psiquiatria na Universidade Yale. Na introdução que redigiu, em 1980, para a publicação de um volume que reunia suas principais contribuições, lembrou que a filosofia foi o seu “primeiro amor”. Declarou sua dívida intelectual para com a filosofia de Heidegger, a permanência de sua adesão a algumas das teses essenciais do autor de Ser e tempo (Sein und Zeit), e mencionou mais uma vez sua ruptura definitiva com o mestre da Floresta Negra. Nem que seja apenas a título da sua cultura filosófica e dessa inspiração heideggeriana, Hans Loewald foi uma figura de exceção no mundo psicanalítico americano, cujas opções positivistas recusou, mostrando-se particularmente crítico em relação à corrente da Ego Psychology*. Sua formação filosófica, a acuidade de sua leitura de Freud, sua recusa a qualquer redução da segunda tópica* freudiana, sua concepção deliberadamente não-biológica da teoria das pulsões e o seu interesse particular pela pulsão* de morte, o privilégio que atribuía à linguagem são características que confirmaram a idéia de um parentesco entre a abordagem de Loewald e o sistema de pensamento desenvolvido por Jacques Lacan*. Mas essa comparação deve ser matizada por diferenças irredutíveis, quer se trate da adesão de Loewald aos padrões da International Psychoanalytical Association* (IPA) em matéria de prática psicanalítica, ou da ausência, em seus trabalhos, de referência explícita ou de aplicação direta de sua cultura filosófica. Loewald desenvolveu uma problemática de inspiração fenomenológica, centrada na dinâmica da organização pré-edipiana, no narcisismo* primário e na proximidade existente durante esse período do desenvolvimento psíquico entre o eu* e a realidade. Em um de seus artigos traduzidos para o francês, expõe a idéia de que a prática psicanalítica é uma arte, e a neurose* de transferência* é comparada ao registro da teatralidade. O lugar de intervenção do analista é constituído, segundo Loewald, pelo espaço transicional entre a fantasia* interior e a realidade, espécie de terceiro lugar, comparável ao terreno dos jogos elaborado por Donald Woods Winnicott*

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• Hans Loewald, Papers on Psychoanalysis, New Haven, Yale University Press, 1980; “La Psychanalyse en tant qu’art et la dimension imaginaire de la situation analytique” (1974), in Harold P. Blum (org.), Dix ans de psychanalyse en Amérique. Anthologie du Journal of the American Psychoanalytic Association, Paris, PUF, 1981, 309-28 • Martin Heidegger, Ser e tempo, 2 vols. (1927), Petrópolis, Vozes, 1988 • Alan Bass, comunicação inédita ao Colóquio de Cerisy sobre o tema “Depuis Lacan”, julho de 1996 • Phyllis Tyson e Robert L. Tyson, Teorias psicanalíticas do desenvolvimento (New Haven, Londres, 1990), P. Alegre, Artes Médicas, 1993.

➢ ANÁLISE EXISTENCIAL; OBJETO, RELAÇÃO DE; OBJETO TRANSICIONAL; SELF PSYCHOLOGY.

Loewenstein, Rudolph (1898-1976) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Lodz, Rudolph Loewenstein era de uma família judia radicada na Galícia polonesa integrada ao império russo. Estudou medicina e, fugindo do anti-semitismo, emigrou para Zurique, onde refez seu curso de medicina e descobriu a nova psiquiatria bleuleriana. Interessado pela psicanálise*, foi então a Berlim, onde, pela terceira vez, recomeçou os seus estudos. Analisado por Hanns Sachs*, não tardou a realizar um velho sonho, instalando-se na França, pátria dos direitos humanos. Graças a Marie Bonaparte*, de quem foi amante durante um curto período, obteve sua naturalização, depois de refazer pela quarta vez seus estudos de medicina. Em Paris, onde chegou em 1925, encontrou os pioneiros do freudismo francês e participou da fundação do grupo da Evolução Psiquiátrica* e da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), ao lado de René Laforgue*, Eugénie Sokolnicka*, Édouard Pichon* etc. Entre 1926 e 1939, apoiado por Marie Bonaparte, Raymond de Saussure* e Charles Odier*, Loewenstein se tornou o representante da corrente ortodoxa da SPP, e depois, diante de Laforgue, foi o principal didata do grupo parisiense. Como tal, formou os três grandes representantes da segunda geração psicanalítica francesa: Sacha Nacht*, Daniel Lagache* e principalmente Jacques Lacan*, com o qual as relações foram difíceis, conflituosas. Loewenstein teria permanecido francês e desempenharia na França um papel importante,

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logoterapia

se a guerra não o tivesse obrigado a uma nova emigração. Depois de ser mobilizado, em 1939, pelo exército francês, refugiou-se na casa de Marie Bonaparte em Saint-Tropez, e dali passou para a Suíça, onde se encontrou com Heinz Hartmann*, também no exílio e acolhido por Saussure. Em 1942, os três se integraram à New York Psychoanalytical Society (NYPS). No ano seg uin te, Loewenstein assumiu a responsabilidade pelo ensino no instituto dependente da sociedade e, de 1959 a 1961, foi o seu presidente. Exerceu também, em 1957-1958, as funções de presidente da poderosa American Psychoanalytic Association* (APsaA). Depois de redigir artigos técnicos durante o tempo que passou na França, participou, no contexto da grande expansão do movimento psicanalítico americano, da elaboração da corrente da Ego Psychology*, da qual Heinz Hartmann foi o fundador. Publicou também uma obra sobre o anti-semitismo. • Rudolph Loewenstein, “La Technique psychanalytique”, Revue Française de Psychanalyse, II, 1, 1928, 113-34; “Remarques sur le tact dans la technique psychanalytique”, Revue Française de Psychanalyse, IV, 2, 1930-1931, 266-75; Psychanalyse de l’antisémitisme, Paris, PUF, 1952 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, 2 vols. (Paris, 1982; 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989; 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994.

➢ ESTADOS UNIDOS; FRANÇA; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

logoterapia ➢ ANÁLISE EXISTENCIAL.

loucura al. Wahnsinn; esp. locura; fr. folie; ing. madness

Quer ela seja chamada de furor, mania, delírio, fúria, frenesi ou alienação, quer o insano seja designado por um termo popular (doido, pancada, degringolado, maluco, biruta, tantã), a loucura sempre foi considerada como o outro da razão. Extravagância, perda do juízo, perturbação do pensamento, divagação do espírito, domínio das paixões, tais são as imagens dessa doença que atinge os homens desde a noite dos

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tempos e cuja origem é buscada ora na magia (possessão demoníaca ou divina), ora no cérebro ou nos humores (medicina hipocrática), ora, ainda, nos movimentos da alma (psicologia). Foi com Descartes e a famosa primeira frase das Meditações que se concretizou, no século XVII, a idéia de que a loucura talvez fosse inerente ao próprio pensamento: “E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo são meus, a não ser que me compare àqueles insensatos cujo cérebro é tão perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile, que eles constantemente asseguram ser reis, quando são muito pobres, estar vestidos de ouro e púrpura, quando estão nus, ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro? Mas, qual! Eles são loucos, e eu não seria menos extravagante se me pautasse por seus exemplos.” Há três maneiras de pensar o fenômeno da loucura desde que ela foi arrancada do universo da magia ou da religião: a primeira consiste em introduzi-la no quadro nosológico construído pelo saber psiquiátrico e considerá-la uma psicose* (paranóia*, esquizofrenia*, psicose maníaco-depressiva*); a segunda visa elaborar uma antropologia* de suas diferentes manifestações de acordo com as culturas (etnopsiquiatria, etnopsicanálise*, sociologia, psiquiatria transcultural); a terceira, finalmente, propõe abordar a questão pelo ângulo de uma escuta transferencial da fala, do desejo* ou da vivência do louco (psiquiatria dinâmica*, análise existencial*, fenomenologia, psicanálise*, antipsiquiatria*). De fato, essas três maneiras de conceber a loucura sempre se cruzaram. É difícil, com efeito, conceber a verdade da loucura independentemente da razão que a pensa, mesmo que essa verdade ultrapasse a razão. E, se a psicanálise nasceu de um grande desejo de tratar e curar as doenças nervosas, ela sempre se implantou, ao mesmo tempo, no campo do tratamento da loucura, numa reação contra o niilismo terapêutico de uma psiquiatria mais preocupada em classificar entidades clínicas do que em escutar o sofrimento dos enfermos. Testemunho disso, se necessário, foi a experiência princeps de Eugen Bleuler* na Clínica do Burghölzli, em Zurique.


Lucy, Miss

Os discípulos e sucessores de Freud (sobretudo Karl Abraham*, Melanie Klein* e seus alunos) foram os primeiros a elaborar uma clínica da loucura. Jacques Lacan*, por seu lado, foi o único dentre os herdeiros de Freud a realizar uma verdadeira reflexão filosófica sobre o estatuto da loucura. Desde 1932, preconizou em sua tese que o saber psiquiátrico fosse repensado segundo o modelo do inconsciente* freudiano e, em 1946, comentou a famosa frase das Meditações, sustentando que a fundação do pensamento moderno por Descartes não excluía o fenômeno da loucura. Por volta de 1960, a generalização da farmacologia no tratamento das doenças mentais pôs fim à nosografia oriunda de Emil Kraepelin* e à abordagem freudo-bleuleriana, substituindo o manicômio pela camisa-de-força química, a clínica pelo diagnóstico comportamental e a escuta do sujeito pela “tecnologização” dos corpos. Daí o esfacelamento do vínculo dialético e crítico que unia as três antigas maneiras de pensar a loucura. É dessa crise e dessa ruptura que dá conta o livro de Michel Foucault (1926-1984) intitulado História da loucura na idade clássica: “Este livro não pretendeu fazer a história dos loucos ao lado das pessoas sensatas, perante elas, nem tampouco a história da razão em sua oposição à loucura. Tratava-se de escrever a história da separação incessante mas sempre modificada entre elas.” Partindo dessa idéia de separação, tomada da “parte maldita” de Georges Bataille (1897-1962), Foucault como que inventou sua cena primária*: separação entre a desrazão e a loucura, entre a loucura ameaçadora dos quadros de Bosch e a loucura domesticada do discurso de Erasmo, entre uma consciência crítica (onde a loucura se transforma em doença) e uma consciência trágica (onde ela se abre para a criação, como em Goya, Van Gogh ou Artaud), e separação interna, enfim, no cogito cartesiano, onde a loucura é excluída do pensamento no momento em que deixa de pôr em perigo os direitos deste último. A propósito do cogito, Foucault tomou, nesse ponto, uma posição inversa à de Lacan, o que lhe valeu uma crítica argumentada por parte de Jacques Derrida. Precipitando o declínio da psiquiatria clássica por um ato “psiquiatricida”, como diria

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Henri Ey*, esse livro abriu caminho para uma nova abordagem historiográfica da loucura, cujo impacto podemos avaliar pela acolhida negativa que ele recebeu e pelas múltiplas resistências que suscitou. Ele foi, sem sombra de dúvida, o ponto de partida para uma inversão de perspectiva entre a razão e a loucura, a qual foi levada em conta na quase totalidade dos trabalhos posteriores sobre o assunto, fossem eles foucaultianos ou não. Entretanto, essa abordagem não surtiu nenhum efeito no tratamento psiquiátrico da loucura, que evolui cada vez mais, neste fim do século XX, para um niilismo terapêutico e um organicismo comparáveis aos que Freud combateu cem anos atrás. • Jacques Lacan, “Formulações sobre a causalidade psíquica” (1946), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 152-95 • Michel Foucault, Doença mental e psicologia (Paris, 1954), Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975; História da loucura na idade clássica (Paris, 1962), S. Paulo, Perspectiva, 1978 • Jacques Derrida, “Cogito e a história da loucura” (1964), in A escritura e a diferença (Paris, 1967), S. Paulo, Perspectiva, 1971; “Fazer justiça a Freud” (Paris, 1992), in Élisabeth Roudinesco, Georges Canguilhem, René Major e Jacques Derrida, Leituras da história da loucura, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994, 53-107 • Alphonse de Waelhens, “Folie (phénoménologie)”, Encyclopaedia universalis, 7, 1968, 92-95 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jeanne Favret-Saada, Les Mots, la mort, les sorts. La Sorcellerie dans le bocage, Paris, Gallimard, 1977 • Gladys Swain, Le Sujet de la folie, Toulouse, Privat, 1977; Dialogue avec l’insensé, Paris, Gallimard, 1994 • Gladys Swain e Marcel Gauchet, La Pratique de l’esprit humain, Paris, Gallimard, 1980 • Jacques Postel, Genèse de la psychiatrie, Paris, Le Sycomore, 1981 • Jackie Pigeaud, La Maladie de l’âme, Paris, Les Belles Lettres, 1989 • Élisabeth Roudinesco, “Leituras da história da loucura. Introdução”, in Élisabeth Roudinesco et al., Leituras da história da loucura, op. cit., 7-32.

➢ BINSWANGER, LUDWIG; BORDERLINES; ELLENBERGER, HENRI F.; FORACLUSÃO; HAITZMANN, CHRISTOPHER; HISTERIA; MELANCOLIA; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL; SCHREBER, DANIEL PAUL; SELF PSYCHOLOGY; ZILBOORG, GREGORY.

Lucy, Miss (caso) ➢ ESTUDOS SOBRE A HISTERIA.

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Luria, Aleksandr Romanovitch

Luria, Aleksandr Romanovitch (1902-1977) médico e neuropsicólogo russo

Nascido em Kazan, Aleksandr (ou Alexandre) Romanovitch Luria estudou medicina antes de se voltar para a psicologia. Apaixonado pelas ciências sociais e pelo socialismo utópico, entrou em correspondência com Sigmund Freud* com a idade de 19 anos e, em março de 1922, decidiu fundar a Sociedade Psicanalítica de Kazan. Composta na maioria de médicos e compreendendo sete mulheres — caso raro na época — essa sociedade se integrou depois à que foi formada em Moscou por Moshe Wulff* e Ivan Dimitrievitch Ermakov*, para tornar-se a Associação Psicanalítica Russa. Em sua primeira apresentação para o círculo de Kazan, Luria falou da psicologia do vestuário e da diferença sexual*: “Os motivos inconscientes do vestuário diferem no homem e na mulher. Os motivos primitivos que determinam a forma da roupa feminina são de natureza sexualmente passiva, enquanto que, no homem, eles são de natureza ativa. Encontram-se os motivos femininos em momentos de enfraquecimento da censura (festa, dança, carnaval) e os motivos masculinos nas fileiras do exército e entre os revolucionários.” No mesmo ano, comparou a doutrina psicanalítica e seus métodos com as teorias reflexológicas de Vladimir Bekhterev (1857-1927), concluindo que essas duas escolas podiam se aproximar no terreno do materialismo. Instalando-se em Moscou no outono de 1923, trabalhou ainda para o desenvolvimento do movimento psicanalítico russo, publicando vários artigos de informação na Internationale Zeitschrift für

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Psychoanalyse*. Em 1925, com seu amigo Lev Semenovitch Vygotski (1896-1934), redigiu um prefácio para a tradução russa de Mais-além do princípio de prazer*. Participou depois das discussões entre os freudo-marxistas e os antifreudianos sobre a questão do materialismo da psicanálise*. Desenvolveu então a idéia de que a psicanálise podia integrar-se a um sistema de psicologia “monista”. Sonhava construir uma ponte entre a nova ciência do psiquismo e a psicologia experimental. Sua última contribuição para a psicanálise data de 1928. Posteriormente, Luria tornou-se um dos grandes especialistas no estudo do cérebro, principalmente das funções corticais superiores. Durante uma reunião em 1974 na Sociedade dos Psicólogos de Moscou, evocou com humor e emoção as lembranças de sua juventude freudiana. • Aleksandr Romanovitch Luria, “Russische psychoanalytische Vereinigung”, IZP, 1, 1924, 113-5; 2, 1924, 126-37; 1, 1926, 125-6; 2, 1926, 227-9; 2, 1927, 226-7; “La Psychanalyse en tant que système de psychologie moniste” (em russo), in M. Kornilov, Psychologie et marxisme, Moscou, Institut de Psychologie Expérimentale, 1925; “Die moderne Psychologie und der dialektische Materialismus”, Unter dem Banner des Marxismus [Sob a bandeira do marxismo], 2, 1928, 506-24 • Jean Marti, “La Psychanalyse en Russie (1909-1930)”, Critique, 346, março de 1976, 199-237 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988.

luto ➢ MELANCOLIA.


M Mack-Brunswick, Ruth, née Mack (1897-1946)

como se faz em uma análise de supervisão*. Mark tinha um caso com uma jovem, mas finalmente, em 1928, depois de quatro anos de tratamento, decidiu casar-se com Ruth. Freud e Oscar Rie* foram escolhidos como testemunhas. Enquanto isso, Ruth se tornara uma verdadeira freudiana, especializada no tratamento das psicoses* e apaixonada pela questão das relações pré-edipianas. Como recusava as teses de Melanie Klein*, Freud a apoiava, enviandolhe muitos pacientes entre seus próximos: Max Schur* e sua mulher em 1924, Muriel Gardiner* e Serguei Constantinovitch Pankejeff* (o Homem dos Lobos) em 1926, assim como Robert Fliess*, filho de Wilhelm Fliess*, e Karl Menninger*. Logo depois do casamento, Ruth e Mark voltaram por um ano aos Estados Unidos*, onde nasceu sua filha, chamada Mathilde em homenagem a Mathilde Hollister*. Ao voltar, ambos retomaram seus tratamentos com Freud. Os sintomas de Mark pioravam e os de Ruth também se agravavam. Sofrendo com seus distúrbios digestivos, ela tomou o hábito de acalmar a dor com repetidas injeções de morfina. À medida que sua análise avançava, a dependência transferencial em relação a Freud aumentava, assim como a toxicomania. Doente há vários anos, o mestre não hesitava em se fazer tratar ora por ela, ora por Max Schur, que se tornaria seu médico assistente. Decepcionado com sua incapacidade de curar sua querida discípula, Freud continuou todavia a mantê-la sob sua dependência, manifestando-lhe ao mesmo tempo sentimentos negativos e continuando a analisar o seu marido. Em 1937, depois de anos de dramas e conflitos decorrentes dessa inverossímil confusão, Ruth

psiquiatra e psicanalista americana

Como Marie Bonaparte* e Jeanne LamplDe Groot*, Ruth Mack-Brunswick pertencia ao “círculo das mulheres” de Sigmund Freud*. Foi sua paciente e depois tornou-se uma de suas discípulas mais fervorosas, a tal ponto que logo entrou na intimidade familiar do mestre e viu-se finalmente sob sua dependência, um pouco à maneira de sua filha Anna Freud*. Entretanto, teve um destino bem mais trágico que os outros alunos de Freud. Sua análise foi um desastre e sua morfinomania, combinada a muitas doenças, impediu-a de desenvolver seus verdadeiros talentos de clínica e teórica. Nascida em Chicago e proveniente da rica burguesia judaica, era filha de um brilhante jurista e filantropo. Diplomada pelo Radcliffe College, estudou posteriormente medicina e psiquiatria, na escola médica do Colégio de Tuft. Casando-se muito jovem com um médico, Hermann Blumgart, cujo irmão, Leonard Blumgart (1881-1951) fora a Viena* para fazer uma análise com Freud, também fez essa viagem em 1922 e começou um tratamento, a fim de curar-se de uma grave hipocondria. Nessa época, Freud analisava muitos americanos, que às vezes permaneciam vários anos em Viena para se tratar ou se tornar psicanalistas. Foi nessas circunstâncias que Ruth Mack encontrou Mark Brunswick. Ele era primo de sua mãe e apaixonou-se em segredo por ela desde que assistira a seu casamento. Sofrendo de distúrbios da personalidade, fazia uma análise com Freud ao mesmo tempo que seu irmão David, que estudava psicologia. Já separada do marido, Ruth ficou encantada com Mark, mais ainda porque Freud lhe explicava o seu caso, 481

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Madeleine Lebouc, caso

e Mark decidiram divorciar-se, mas logo voltaram a se casar. Em 1938, Ruth acompanhou Freud em seu exílio em Londres. Depois da morte de Freud, instalou-se em Nova York, onde teve um pequeno papel na história do movimento psicanalítico americano. Mark tornou-se alcoólatra e separou-se dela. Ruth começou então outra análise com Hermann Nunberg*. No momento em que parecia curada, foi encontrada morta em seu banheiro, depois de uma queda atribuída a uma “crise cardíaca induzida por uma pneumonia”. • Paul Roazen, Freud e seus discípulos (N. York, 1971), S. Paulo, Cultrix, 1978.

Madeleine Lebouc, caso ➢ JANET, PIERRE; LAIR LAMOTTE, PAULINE.

Maeder, Alphonse (1882-1971) psiquiatra e psicanalista suíço

Foi na clínica do Hospital Burghölzli, junto a Carl Gustav Jung* e no contexto do desenvolvimento da nova psiquiatria dinâmica* de inspiração bleuleriana, que Alphonse (ou Alfons) Maeder se apaixonou pelas teses freudianas. Logo se dedicou a fazer uma auto-análise* e praticou a técnica do tratamento interpretando seus sonhos* e seus atos falhos*. A partir de 1907, publicou artigos em francês sobre a doutrina psicanalítica, nos quais recusava o predomínio da sexualidade*. Teve um papel importante na introdução do freudismo* na França*, através de Zurique. Em 1912, quando começava a polêmica entre Carl Gustav Jung e Sigmund Freud*, trocou cartas com este a respeito do sonho e da questão judaica. Freud o acusara de não compreender nada do simbolismo* do sonho e de ser anti-semita. Nessa data, o debate sobre a judeidade* ou a não-judeidade da psicanálise* estava no cerne do conflito interno na International Psychoanalytical Association* (IPA) e Freud, depois de ter afirmado a opinião contrária, dizia que a psicanálise* era “assunto dos semitas”. Maeder, como Jung, acreditava na psicologia diferencial dos povos e reivindicou contra Freud e os judeus vienenses uma possível “identidade cristã” (no caso, protestante) da psicanálise.

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Depois da ruptura de 1913, ficou ao lado de Jung. Posteriormente aderiu ao Rearmamento Moral, movimento que visava a “regeneração do homem”, fundado por Frank Buchman. Como muitos pioneiros do freudismo, e à maneira dos médicos higienistas, missionários, calvinistas ou puritanos, interessou-se por técnicas terapêuticas que nada mais tinham a ver com a psicanálise, assemelhando-se às antigas terapias da alma, de inspiração religiosa ou culturalista. Distinguia três tipos de curandeiros: o “profano”, que recorria à racionalidade, o “mágico” que agia por sugestão*, o “religioso”, sobre o qual o doente podia projetar o “arquétipo do Salvador”, e esse último modelo, bem junguiano, tinha sua adesão. • Alphonse Maeder, “Contribuition à la psychopathologie de la vie quotidienne”, Archives de Psychologie, VI, abril de 1907, 149-52; “Essai d’interprétation de quelques rêves”, ibid., 354-75; “Sur le mouvement psychanalytique, un point de vue nouveau en psychologie”, L’Année Psychologique, 1912, XVIII, 389-418; “Lettres à Sigmund Freud”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 8, 1988, 219-26; La Personne du médecin, un agent psychothérapeutique, Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1953; De la psychanalyse à la psychothérapie appellative, Paris, Payot, 1970 • Jean-Pierre Mordier, Les Débuts de la psychanalyse en France, Paris, Maspero, 1981 • Marcel Scheidhauer, Le Rêve freudien en France, Navarin, Paris, 1985 • Jacquy Chemouni, “Entre Vienne et Zurich”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 8, 1988, 227-52.

➢ ANTROPOLOGIA; BLEULER, EUGEN; CISÃO; ELLENBERGER, HENRI F.; ESTADOS UNIDOS; ETNOPSICANÁLISE; HIPNOSE; PSICOTERAPIA; SUÍÇA; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

magnetismo ➢ BENEDIKT, MORIZ; BERNHEIM, HIPPOLYTE; BREUER, JOSEF; CATARSE; CHARCOT, JEAN MARTIN; ESPIRITISMO; HIPNOSE; HISTERIA: JANET, PIERRE; LIÉBEAULT, AUGUSTE; MESMER, FRANZ ANTON; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; PSICOTERAPIA; PSIQUIATRIA DINÂMICA; SUGESTÃO.

Mahler, Gustav (1860-1911) compositor austríaco

Nascido em Kalischt na Boêmia, e originário de uma modesta família judia, Gustav Mahler teve uma infância marcada pela tragédia. Era


Mahler, Margaret

o mais velho de doze filhos, dos quais nove morreriam antes da idade adulta. Um de seus irmãos se suicidou. Convertido ao catolicismo, foi nomeado regente e depois diretor artístico da Ópera de Viena* em 1897, onde por dez anos renovou o teatro lírico e a tradição musical, o que lhe valeu muitas inimizades: “Ele foi o primeiro a reger de pé”, escreveu William Johnston, e um pioneiro na arte de usar “técnicas de regência expressiva, servindo-se das duas mãos ao mesmo tempo, para modular cada frase”. Em 1902, casou-se com uma pianista, Alma-Maria Schindler (1879-1964), com quem teve uma filha, Maria-Anna, apelidada Putzi, que morreu em 1907. Apesar da intensidade de seu trabalho de músico e compositor, que se desenvolveu nos Estados Unidos*, Mahler mergulhou em um estado melancólico: “O mistério da morte sempre estivera presente em seu espírito, escreveu Bruno Walter, mas agora estava literalmente sob os seus olhos. Sobre o universo de Mahler, sobre sua própria vida, pairava agora a sombra sinistra e muito próxima da morte.” A conselho de Bruno Walter, que consultara Sigmund Freud* por motivo de inibições, Mahler aceitou marcar um encontro com o mestre da psicanálise*, em férias nos Países Baixos*. Depois de vários cancelamentos e atos falhos*, a entrevista se realizou em Leiden, em 26 de agosto de 1910. A “análise” de Mahler durou quatro horas, o tempo de uma longa caminhada pelas ruas da cidade: “Suponho, disse Freud, que sua mãe se chamava Maria. Algumas de suas frases, nessa entrevista, me fazem pensar isso. Como é que o sr. se casou com uma mulher com outro nome, Alma, já que a sua mãe teve, evidentemente, um papel predominante em sua vida?” Mahler respondeu que tinha o hábito de chamar a sua mulher de Maria (e não Alma). Durante a entrevista, Mahler também conseguiu compreender por que a sua música ficava, de certo modo, “prejudicada” pela intrusão repetitiva de uma melodia banal. Na infância, depois de uma cena particularmente violenta entre seus pais, ele fugira para a rua e ouvira um realejo tocar uma melodia popular vienense. Essa música se fixara na sua memória e retornava sob a forma de uma melodia obsessiva.

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• Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol.2 (N. York, 1955), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle et sociale, 1848-1938 (N. York, 1972), Paris, PUF, 1985 • Allan Janik e Stephen Toulmin, Wittgenstein, Vienne et la modernité (N. York, 1973), Paris, PUF, 1978 • Henry-Louis de La Grange, Gustav Mahler. L’Âge d’or de Vienne (1900-1907), vol.2, Paris, Fayard, 1983; Gustav Mahler. Le Génie foudroyé (1907-1911), vol.3, Paris, Fayard, 1984 • Ginette Raimbault, Lorsque l’enfant disparaît, Paris, Odile Jacob, 1996.

Mahler, Margaret, née Schönberger (1897-1985) médica e psicanalista americana

Grande especialista no tratamento das psicoses* infantis, Margaret Schönberger nasceu em Sopron, na Hungria*, em uma família da burguesia judaica intelectual. Começou a estudar pediatria em Budapeste, onde encontrou Sandor Ferenczi*, e depois instalou-se em Viena*, orientando-se para a psicanálise*. Analisada por Helene Deutsch* e depois por August Aichhorn*, com quem criou um centro de orientação infantil, foi supervisionada por dois analistas vienenses, Robert Wälder (19001967) e Grete Bibring (1899-1977). Em 1933, tornou-se companheira de Aichhorn e participou regularmente dos trabalhos da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), iniciandose na psicanálise de crianças* no seminário de Anna Freud*. Em 1936, casou-se com Paul Mahler, engenheiro químico, com quem emigrou primeiro para a Grã-Bretanha*, em 1938, e para os Estados Unidos*, dois anos depois, seguindo assim a trajetória clássica dos freudianos de sua geração*, expulsos da Europa central pelo nazismo*. Em Nova York, fez uma outra análise com Edith Jacobson*, quando soube que sua mãe fora deportada para Auschwitz. A partir de 1949, dedicou-se à etiologia das psicoses e ao autismo*, publicando várias obras coletivas sobre esse tema. Em 1957, criou com Manuel Furer um centro de acolhimento e pesquisas sobre o desenvolvimento dos processos de individuação e de separação, o Masters Children Center, e um centro terapêutico para o tratamento das psicoses da criança, o Masters Therapeutic Nursery. Nessas duas instituições, as crianças eram recebidas com suas mães.

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Mais-além do princípio de prazer

Embora fosse marcada pelos trabalhos de Melanie Klein*, Margaret Mahler se inspirou primeiramente nas posições de René Spitz* e nas de Donald Woods Winnicott*. Continuou fiel à corrente annafreudiana e às teses da Ego Psychology*, isto é, à tradição vienense da psicanálise, acusando os kleinianos por seu dogmatismo e seus excessos de imaginação, que os levavam, dizia ela, a “inventar” uma vida fantasística para o lactente. A partir de suas observações, criou a noção de separação-individuação, para definir um processo intrapsíquico, que se realiza entre o 4º e o 36º meses. A separação é a emergência da criança para fora da fusão simbiótica com a mãe, e a individuação é a aceitação, pela criança, de suas próprias características individuais. Daí a idéia de um “nascimento psicológico do indivíduo”, que leva à emergência de uma autonomia do eu*, tal como a define a Ego Psychology. Como muitos freudianos exilados nos Estados Unidos, Margaret Mahler enfrentou a questão da integração da psicanálise ao american way of life. Não hesitou em teorizar sua própria integração, com a ajuda das noções que ela própria forjara ao longo da sua experiência clínica: “Creio que, nos casos positivos, a emigração é seguida de uma segunda individuação, de um novo nascimento psicológico e talvez de uma nova visão do mundo [...]. Eis o que foi para mim a emigração: ela me arrancou, eu e minhas idéias sonolentas, dessa cápsula psicológica que era então Viena; ela me expôs a um ambiente estranho, cuja novidade agravava as vulnerabilidades da transição. Mas uma vez dominadas a angústia e a insegurança iniciais, ela me levou a tornar-me produtiva e a fazer emergir minha teoria do desenvolvimento.” • Margaret Mahler e Manuel Furer, Psychose infantile. Symbiose humaine et individuation (N. York, 1968), Paris, Payot, 1973; • Margaret Mahler, Fred Pine e Anni Bergman, Symbiose humaine et individuation. La Naissance psychologique de l’être humain (N. York, 1975), Paris, Payot, 1980 • Pamela Tytell e Catherine TouretteTurgis, “Margaret S. Mahler, 1897-1985", Encyclopaedia universalis, 1986, 576-7 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 19021938, Tübingen, Diskord, 1992 • Claudine e Pierre

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Geissmann, Histoire de la psychanalyse de l’enfant, Paris, Bayard, 1992.

➢ ANNAFREUDISMO; AUBRY, JENNY; BETTELHEIM, BRUNO; DOLTO, FRANÇOISE; ESTÁDIO DO ESPELHO; HORNEY, KAREN; HUG-HELLMUTH, HERMINE VON; KLEINISMO; MORGENSTERN, SOPHIE; OBJETO, RELAÇÃO DE; SELF PSYCHOLOGY.

Mais-além do princípio de prazer Livro de Sigmund Freud*, publicado em 1920 sob o título Jenseits des Lustprinzips. Traduzido para o francês pela primeira vez por Samuel Jankélévitch, em 1927, sob o título Au-delà du principe de plaisir, revisto por Angelo Hesnard* em 1966 e retraduzido por Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis em 1981, sem alteração do título. Novamente retraduzido sem mudança de título, em 1996, por André Bourguignon (1920-1996), Pierre Cotet, Alain Rauzy e Janine Altounian. Traduzido para o inglês em 1922 por C.J.M. Hubback, sob o título Beyond the Pleasure Principle, e retraduzido por James Strachey* em 1950, sem mudança do título.

Mais-além do princípio de prazer, redigido entre março e maio de 1919, modificado durante o inverno de 1920 e publicado no outono desse mesmo ano, inaugurou o que se denominou de “grande reformulação” ou “grande virada” dos anos vinte, uma reorganização teórica fundamental à qual outros dois livros, Psicologia das massas e análise do eu*, por um lado, e O eu e o isso*, por outro, confeririam suas dimensões definitivas. As circunstâncias em que o livro foi concebido e o destino inicial que Sigmund Freud parecia atribuir-lhe estiveram na origem de múltiplas ambigüidades. Em março de 1919, enquanto Freud redigia a primeira versão de Mais-além do princípio de prazer, Lou Andreas-Salomé* escreveu-lhe perguntando em que ponto ele estava em sua metapsicologia*, cujas cinco primeiras partes ela havia lido. As outras, como sabemos, nunca vieram à luz, mas é lícito supormos, a julgar pela resposta dada por Freud algum tempo depois, que ele ainda não havia renunciado inteiramente a tal projeto nessa ocasião. De fato, justificando-se mediante a alegação da dificuldade do assunto, da parcialidade de suas experiências e de sua falta de inspiração, Freud prometeu escrever outras contribuições, caso viesse a so-


Mais-além do princípio de prazer

breviver, psíquica e materialmente, à trágica situação da Áustria naqueles tempos subseqüentes à derrota. Depois, como que para confirmar essa resolução, acrescentou que uma das primeiras contribuições “desse tipo estaria contida em Mais-além do princípio de prazer”, a propósito do qual declarou esperar, por parte de sua correspondente, “uma apreciação sintético-crítica”. Todavia, em julho de 1919, numa nova carta a Lou, amplamente dedicada à evocação do suicídio* de Viktor Tausk*, Freud evocou seu trabalho em andamento num tom completamente diverso: “Agora escolhi como alimento o tema da morte, ao qual cheguei ao esbarrar numa curiosa idéia das pulsões, e eis que me vejo obrigado a ler tudo o que diz respeito a essa questão, como, por exemplo, e pela primeira vez, Schopenhauer. Mas não o leio com prazer.” Essa é uma frase importante, que ajuda a discernir a lógica da elaboração em andamento: essa “curiosa idéia das pulsões” parece constituir, de fato, o indício de uma modificação de seu pensamento. Insatisfeito, sem dúvida, com as reformulações introduzidas em sua teoria das pulsões em 1914, ele se viu obrigado a ler, sem prazer, a obra de Schopenhauer (1788-1860), e a se alimentar do tema da morte. Essa declaração, aliás, pode ser entendida como uma resposta antecipada àqueles que, pouco à vontade com a idéia da pulsão de morte ou desejosos de retirar dela seu peso teórico, iriam esforçar-se por não ver nela senão uma noção circunstancial, produto do contexto econômico e político já evocado pelo próprio Freud, ou efeito dos falecimentos ocorridos ao redor dele nessa época — falecimento de Tausk, de Anton von Freund* e, acima de tudo, alguns dias depois, em 25 de janeiro de 1920, de sua filha Sophie Halberstadt*, cuja morte o deixou transtornado, como ele mesmo disse em numerosas cartas a Ludwig Binswanger* ou Oskar Pfister*. Essa idéia de uma relação causal entre a morte de Sophie e a elaboração do conceito de pulsão de morte seria desenvolvida, em especial, em 1923, pelo primeiro dos biógrafos de Freud, Fritz Wittels*, a quem Freud daria conhecimento de sua discordância. Preocupado em se opor a essa espécie de psicanálise aplicada* e como que prevendo

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sua eventualidade, Freud teve o cuidado de afirmar, numa carta a Max Eitingon* datada de 18 de julho de 1920: “O Mais-além foi finalmente concluído. Você poderá confirmar que já tinha sido escrito até a metade na época em que Sophie ainda estava viva e florescente.” Essa anotação não impediria Max Schur* de continuar a considerar a morte de Sophie como a causa essencial da elaboração do conceito de pulsão de morte. Ainda recentemente, Peter Gay sustentou essa interpretação, relativizando-a. Mais-além do princípio de prazer, que Jean Laplanche disse ser “o texto mais fascinante e mais desnorteante da obra freudiana”, tamanha a ousadia e a liberdade nele evidenciadas por seu autor, foi rejeitado por numerosos psicanalistas, inclinados a considerar a ousadia como falta de rigor e a liberdade de tom como uma deriva especulativa. O ensaio se apóia, de conformidade com a promessa feita a Lou Andreas-Salomé, na concepção metapsicológica desenvolvida em 1915: examinam-se nele, antes de mais nada, o funcionamento do princípio do prazer*, segundo o qual o aparelho psíquico procura manter no nível mais baixo possível a quantidade de excitação presente, e a subordinação desse princípio ao princípio de constância enunciado por Gustav Theodor Fechner*. Se essas idéias já ocupavam um lugar essencial no Projeto para uma psicologia científica e em A interpretação dos sonhos*, esses lembretes iniciais dão a Freud o ensejo de repetir que esse princípio constitui, ao lado das dimensões tópica* e dinâmica, a dimensão econômica da metapsicologia. Essa perspectiva, todavia, é rapidamente ultrapassada e abandonada em prol de uma discussão sobre os limites da dominação do princípio de prazer: “A rigor, entretanto, devemos dizer que é inexato falar de uma dominação do princípio de prazer sobre o curso dos processos psíquicos. Se tal dominação existisse, a imensa maioria de nossos processos psíquicos seria acompanhada de prazer ou conduziria ao prazer; ora, a experiência mais genérica contradiz flagrantemente essa conclusão. Por isso, deve-se admitir o seguinte: existe no psiquismo uma forte tendência para o princípio de prazer,

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mas algumas outras forças ou condições se opõem a ela, de modo que o desfecho nem sempre pode corresponder à tendência para o prazer.” A primeira limitação ao predomínio do princípio de prazer é bastante conhecida: tratase do princípio de realidade*, enunciado desde 1911 no artigo “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental”. Ali, o princípio de realidade é concebido como o substituto do princípio de prazer, sob a influência das pulsões de autoconservação do eu*. Também se conhece uma segunda limitação, sob a forma do recalque* das pulsões, que contraria o desenvolvimento unitário do eu. Talvez pareça, esclarece então Freud, que não haveria por que buscar outras limitações para esse princípio de prazer. Mas a observação das reações psíquicas a algumas formas de perigo externo — até esse momento, tratara-se apenas da organização referente a pulsões e conflitos internos — leva a reconsiderar inteiramente esse problema. Como primeira forma de perigo externo, existem as catástrofes naturais, os acidentes graves ou os atos de guerra, circunstâncias capazes de provocar neuroses traumáticas ou neuroses de guerra*. Curiosamente, os sonhos que acompanham esses tipos de neuroses remetem reiteradamente os sujeitos às circunstâncias traumáticas de seus acidentes, embora eles não pensem no assunto durante o dia. Num primeiro momento, essa fixação psíquica no trauma é assemelhada por Freud às reminiscências que, juntamente com Josef Breuer*, havia considerado como a causa fundamental do sofrimento dos histéricos. Uma segunda forma de perigos externos é a ilustrada pela brincadeira de algumas crianças muito pequenas. Freud observou que seu neto (Ernstl), filho de Sophie Halberstadt, costumava divertir-se, quando sua mãe se ausentava, atirando para longe da cama os objetos pequenos que estivessem ao alcance de sua mão. Esse gesto era acompanhado por uma expressão de satisfação que assumia a forma vocal de um “o-o-o-o” prolongado, no qual se podia reconhecer o significado alemão fort, isto é, “fora”. Um dia, conta Freud, o menino se entregou a essa mesma brincadeira de sumir usando um carretel de madeira preso a um barbante: atirava o carretel, acompanhando o movimento com seu famoso “o-o-o-o”, e de-

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pois, puxando o barbante, fazia-o voltar, saudando o carretel com um alegre da, “aqui”! Mediante essa brincadeira, Ernstl parecia transformar uma situação em que era passivo, e sofria o perigo ou o desprazer causado pela partida da mãe, numa situação da qual era senhor, fosse qual fosse o caráter doloroso do que se repetia nela. A essa primeira interpretação Freud acrescentou uma segunda, complementar: o menino, através daquela brincadeira, encontrava um meio de exprimir sentimentos hostis, inconfessáveis na presença da mãe, porém capazes de satisfazer seu desejo de vingança decorrente da partida dela. Em outras palavras, o menino não conseguiria suportar o desagrado acarretado no jogo pela repetição de uma separação, a não ser pelo fato de “um ganho de prazer de outra natureza, porém direto, estar ligado a essa repetição”. Seria lícito concluirmos dessas duas observações, reunidas sob o rótulo de “perigo externo”, pela existência de tendências psíquicas mais originárias, situadas além do princípio de prazer? Em vez de responder de imediato, Freud faz um desvio pela situação analítica, caracterizada pelas resistências* do paciente e por sua transferência* para a pessoa do analista. Conscientizar o que está inconsciente não se revela uma tarefa simples. Como mostrou a observação, a rememoração voluntária é ineficaz, e o paciente é obrigado a repetir na análise o recalque, em especial o de sua vida sexual infantil, marcada pela fase edipiana, para conseguir se instalar numa nova neurose*, a neurose de transferência, substituta daquela que o fez procurar o analista. No tratamento, portanto, assistimos de fato ao aparecimento de um processo idêntico aos que se observam na atividade onírica dos sujeitos afetados por neuroses traumáticas ou na brincadeira do fort/da, processos estes que Freud denomina de compulsão à repetição*, e cuja apreciação adequada implica o questionamento da idéia de resistência inconsciente. Nesse ponto, sem advertir o leitor, e talvez sem que ele mesmo se aperceba, Freud se antecipa à reformulação tópica que iria constituir o objeto de seu livro O eu e o isso*, assim fornecendo a prova de que, já em 1919, a grande reviravolta teórica estava em andamento. Com efeito, para avançar no raciocínio esboçado,


Mais-além do princípio de prazer

trata-se de abandonar a oposição consciente*/inconsciente* e substituí-la pelo confronto entre o eu, cuja maior parte é inconsciente, e o recalque, totalmente inconsciente e sempre ameaçador para o eu. As resistências do analisando são de fato inconscientes, mas devem ser situadas nesse eu que já não é totalmente possível de ser assimilado ao consciente; a compulsão à repetição, que opera notadamente na análise e é fonte de desprazer para o eu, deve ser inscrita, ao contrário, do lado do recalque. Qual é, pois, a relação entre essa compulsão à repetição e o princípio de prazer? O desprazer não contradiz o princípio de prazer, como já mostrou a interpretação da brincadeira do fort/da, onde a dimensão desprazerosa é compensada pelo prazer ligado à expressão da hostilidade. Mas a compulsão à repetição também dá ensejo a um retorno de experiências anteriores que não comporta prazer algum. Para ilustrar sua colocação, Freud toma o exemplo das pessoas condenadas a conhecer o fracasso reiteradamente, como se obedecessem a uma ordem “demoníaca”. Quanto a esse ponto, Freud se apóia em observações que fez algumas semanas antes de iniciar a redação do Maisalém, quando estava terminando seu artigo sobre “O estranho”, onde abordou o tema do duplo e do “eterno retorno do mesmo”. Ele reconhece que “efetivamente existe, na vida psíquica, uma compulsão à repetição que se coloca acima do princípio de prazer”. Mas, qual é sua função, quais são as condições de sua intervenção e como entender sua relação com o princípio de prazer? Os adversários desse texto censuraram-no por seu caráter especulativo. No entanto, Freud adverte seu leitor quanto a isso, e a seqüência de sua exposição é, com efeito, pura especulação motivada pelo desejo de saber, mesmo com o risco de errar. Todos são livres, diz ele, para acompanhá-lo ou não ir adiante. Todavia, antes de se entregar a essa “especulação”, Freud propõe um resumo recapitulativo, primeiro, do tratamento diferencial que o aparelho psíquico dá às excitações externas, filtradas pelo que ele denomina de “pára-excitação” (Reizschutz), uma espécie de aparelho que envolve o organismo para protegê-lo, e

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segundo, da maneira como os efeitos das pulsões internas se distribuem por um leque de sensações, que vão do prazer ao desprazer. Tudo isso se traduz numa prevalência das sensações de prazer-desprazer e num funcionamento psíquico essencialmente dirigido contra essas excitações internas, portadoras de desprazer. Daí a tendência a tratar as excitações internas como se fossem externas, para poder proteger-se delas através da pára-excitação: é esse o fundamento do mecanismo, identificado na observação clínica da neurose, ao qual se deu o nome de projeção*. Todos esses são elementos que permitem situar a especificidade do trauma, constituído por excitações externas suficientemente fortes para furar a pára-excitação e, desse modo, criar uma perturbação no aparelho psíquico. Nessa situação, o princípio de prazer já não tem nenhuma serventia e, para o organismo, trata-se apenas de tentar dominar essa invasão. Isso pressupõe uma mobilização de todas as energias disponíveis, que se faz, inevitavelmente, em detrimento do bom funcionamento dos outros sistemas psíquicos, sobretudo os normalmente mobilizados para enfrentar o desprazer ocasionado pelas excitações internas. Nessa perspectiva, pode-se formular a hipótese de que a neurose traumática, objeto da observação inicial, se deveria a uma invasão maciça da páraexcitação. O efeito traumático não é tanto o choque em si, mas o susto ou a surpresa sentidos, conseqüência de uma falta de angústia, posto que a angústia é o meio através do qual os sistemas que têm que enfrentar as excitações externas são mobilizados. Os sonhos em que os sujeitos às voltas com uma neurose traumática revivem a situação do acidente “têm por objetivo o domínio retroativo da excitação”, recriam uma situação em que a angústia, que foi insuficiente na realidade, acha-se agora bastante presente. Aqui começamos a perceber a possível existência de um modo de funcionamento do aparelho psíquico que é independente do princípio de prazer. Esses sonhos constituem uma exceção à lei do sonho como realização de desejo: obedecem à compulsão à repetição, que, por sua vez, está a serviço do desejo inconsciente de permitir que o recalcado retorne.

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Além da especificidade de cada uma dessas situações, as manifestações da compulsão à repetição, tanto na brincadeira infantil como no tratamento psicanalítico, apresentam o mesmo caráter pulsional independente do princípio de prazer. Mas, qual é a natureza da relação entre o pulsional e a compulsão à repetição? Para responder a essa pergunta, Freud é levado a dar mais um passo: é o ponto decisivo do livro. Aos enunciados em forma de esboço sucede-se uma afirmação explícita: “A pulsão seria um impulso, inerente ao organismo vivo, em direção ao restabelecimento de um estado anterior (...) seria (...) a expressão da inércia na vida orgânica.” Freud tem plena consciência da ousadia que há em reconhecer no ser vivo a existência de uma dimensão conservadora. Daí a continuação do ensaio ser dedicada à busca de argumentos e provas capazes de corroborar essa hipótese. Se a observação de certos comportamentos animais e o estudo de alguns processos embriológicos atestam a existência dessas forças conservadoras, como explicar sua coexistência com as forças vitais responsáveis pelo desenvolvimento do organismo? A contradição é apenas aparente: esses movimentos vitais, essas forças do desenvolvimento, são desvios no “caminho que leva à morte”, e são sempre dominados pelas pulsões conservadoras, senhoras do desenvolvimento global do organismo, submetido a uma finalidade regressiva. Todo ser vivo é convocado a morrer, enuncia Freud, e acrescenta: “A meta de toda vida é a morte e, olhando para trás, o não vivo existia antes do vivo.” Até esse ponto, a concepção freudiana inscreve-se de modo bem amplo na esteira daquelas desenvolvidas por numerosas correntes da filosofia alemã dos séculos XVIII e XIX, desde Gothulf Heinrich von Schubert (1780-1860), que afirmava a coexistência, no homem, de uma “nostalgia do amor” e uma “nostalgia da morte”, até Friedrich Nietzsche (1844-1900), passando por Novalis (1772-1801) e, é claro, por Arthur Schopenhauer, a quem Freud se refere explicitamente. A originalidade da contribuição freudiana reside na construção de um novo dualismo pulsional, que opõe as pulsões de vida, ainda de-

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signadas pelo termo Eros, que reúnem as pulsões sexuais e as pulsões do eu, às pulsões de morte, às vezes denominadas de pulsões de destruição, ou, quando se trata de especificar a orientação delas para o exterior, pulsões de agressão. Nesse contexto, atribui-se às pulsões de morte uma posição funcional, e elas não mais decorrem do registro do inefável. Se as pulsões de vida não escapam por completo ao movimento regressivo geral, na medida em que sua satisfação implica um retorno a um estado anterior, nem por isso são menos resistentes às influências externas e, mais ainda, às outras pulsões, inteiramente voltadas para a morte. O que se tem aí é uma concepção global da vida psíquica cujo funcionamento seria ritmado por um movimento pendular que faz alternar certas pulsões, premidas a atingirem a meta final da vida, com outras que estão mais voltadas para fazer o percurso dessa vida durar. Em seu penúltimo capítulo, Freud examina as críticas que esse trabalho parece fadado a provocar. Começa procurando, no campo da biologia, argumentos passíveis de invalidar a hipótese da existência de pulsões de morte. É uma busca inútil, que o leva a retornar, dessa vez numa perspectiva positiva, às diferentes etapas da construção da teoria analítica, a fim de reafirmar a solidez de fundamento do dualismo pulsional. Nesse processo, ele responde simultaneamente às acusações de pansexualismo* e à concepção junguiana de uma libido geral, não sexual, reafirmando a permanência de sua concepção dualista e sua recusa a ceder ao monismo junguiano. O fato, porém, é que ainda não foi possível fornecer nenhuma prova conclusiva da existência das pulsões de morte. Essa constatação de uma “obscuridade” que se mantém na teoria das pulsões agiria como um incentivo à continuação da busca. Daí o exame de questões ainda não elaboradas, como a do ódio e a do sadismo, que só encontrariam suas respostas definitivas em 1924, no artigo “O problema econômico do masoquismo”. Esse retorno também dá a Freud a oportunidade de citar o trabalho de Sabina Spielrein* sobre o componente sádico da pulsão sexual, que, já em 1911, ela caracterizava por sua dimensão destrutiva.


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As últimas páginas do livro atestam o nível de exigência de Freud, a angústia inerente ao trabalho teórico e a coragem intelectual do cientista. Freud empenha-se em encontrar argumentos que corroborem sua construção teórica tanto no que concerne às pulsões de morte quanto à compulsão à repetição que atua nas pulsões sexuais, a fim de fundamentar a idéia da dominação máxima e geral das pulsões de morte. Retomando o reconhecimento inicial do princípio de constância como fundamento econômico do princípio de prazer, ele assim ratifica a idéia, enunciada pela psicanalista inglesa Barbara Low (1877-1955), de um princípio do nirvana. Este lhe parece exprimir “a tendência predominante da vida psíquica e, talvez, da vida nervosa em geral”, visando “à redução, à constância e à eliminação da tensão de excitação interna”. Freud pensa encontrar nesse funcionamento um de seus “motivos mais poderosos para acreditar na existência das pulsões de morte”. Esse percurso, novamente qualificado de “especulação” por seu autor, termina numa evocação do Banquete de Platão, no qual Freud julga poder discernir o enunciado de uma primazia originária de uma pulsão destrutiva, cujos efeitos poderiam ser atenuados, se não apagados, pela ação das pulsões sexuais. Essa passagem é que viria a ser comentada por Jacques Derrida em La Carte postale. Cansado dessa busca de argumentos, Freud acaba dizendo com toda a clareza o que pensa, o que sente e o que lhe parece essencial. Certo de não haver convencido ninguém, confessa que ele próprio não está seguro, mas o faz para negar prontamente ao afeto qualquer valor na discussão científica. O essencial continua a ser a curiosidade... e os riscos que ela leva a correr. Reconhecendo de bom grado o que pode haver de intuitivo e até de parcial em seu trabalho, Freud nem por isso mostra-se menos decidido a não ceder, esclarecendo com humor que a autocrítica não exige a “tolerância para com as opiniões divergentes”. Na medida em que o desenvolvimento da biologia trazia o risco de destruir essa bela construção especulativa, podemos indagar-nos por que razões Freud se permitiu expô-la ao público. Simplesmente, respondeu ele, porque

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algumas das ligações e relações assim descobertas lhe pareceram “dignas de consideração”. Pela altivez de seu tom, o último capítulo anuncia a firmeza de que Freud daria mostra em seguida, sobretudo em O mal-estar na cultura* e no Esboço de psicanálise*, frente aos ataques do qual esse avanço teórico seria objeto. Empenhado em defender seu ponto de vista, ele esclarece em poucas linhas, como se esse fosse um argumento esquecido, que, diversamente das pulsões de vida, ruidosas em suas buscas e perigosas em razão das tensões internas que provocam, as pulsões de morte são silenciosas e, como tais, mais difíceis de localizar. Este último comentário inspirou-lhe uma profissão de fé epistemológica que condenou sem apelação as crenças científicas. E conferiu a esse livro o toque final de modernidade a que grande parte do pensamento do século XX não deixaria de render homenagens. • Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), ESB, XII, 27790; GW, VIII, 230-8; SE, XII, 213-26; in Résultats, idées, problèmes, vol.I, Paris, PUF, 1984, 135-43, “O estranho” (1919), ESB, XVII, 275-314; GW, XII, 22968; SE, XVII, 217-56; in L’Inquiétante Étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985, 209-63; Maisalém do princípio do prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; OC, XV, 273-339; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; O eu e o isso (1923), ESB XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301; “O problema econômico do masoquismo” (1924), ESB, XIX, 199-216; GW, XIII, 371-83; SE, XIX, 139-45; OC, XVII, 9-23; O mal-estar na cultura (1930), ESB, XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245-333; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 1967; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986 • Sigmund Freud e Ludwig Binswanger, Correspondance, 1908-1938 (Frankfurt, 1992), Paris, Calmann-Lévy, 1995 • Correspondance de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister, 1909-1939 (Frankfurt, 1963), Paris, Gallimard, 1966 • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa (Frankfurt, 1966, N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Jacques Derrida, La Carte postale, Paris, Aubier-Flammarion, 1980 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne,

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1974), Paris, Fayard, 1994 • Sandor Ferenczi, “Prefácio da edição húngara de Mais-além do princípio de prazer” (1923), Psicanálise III, Obras completas, 19191926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 223-4 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, vol.I, 1906-1908 (N. York, 1962), Paris, Gallimard, 1976 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Jean Laplanche, Vida e morte em psicanálise (Paris, 1970), P. Alegre, Artes Médicas, 1985 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Max Schur, Freud: vida e agonia, uma biografia, 3 vols. (N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Sabina Spielrein, Entre Freud et Jung (Roma, 1980), Paris, Aubier, 1981 • Michel de M’Uzan, De l’art à la mort, Paris, Gallimard, 1977.

Mal-estar na cultura, O Livro de Sigmund Freud* publicado em 1930, sob o título Das Unbehagen in der Kultur. Traduzido pela primeira vez para o francês em 1934, por Charles Odier*, sob o título Malaise dans la civilisation, e depois, em 1994, por Pierre Cotet, René Lainé e Johanna Stute-Cadiot, sob o título Le Malaise dans la culture. Traduzido para o inglês por Joan Riviere*, em 1930, sob o título Civilization and its Discontents, retomado sem modificação por James Strachey* em 1961.

Durante muito tempo, O mal-estar na cultura foi considerado proveniente da categoria de escritos freudianos qualificados, não sem uma certa condescendência, de sociológicos ou antropológicos. Longe de ratificar esse ponto de vista, Jacques Lacan*, no seminário do ano de 1959-1960, dedicado à ética da psicanálise, falou dele como um “livro essencial”, no qual Freud realizara “a síntese de sua experiência” e discorrera sobre a tragédia da condição humana. Peter Gay, por seu turno, estima que O mal-estar na cultura é o texto “mais sombrio” de Freud, aquele em que se aborda sem disfarce e no tom mais grave a questão da “miséria humana”, à qual a crise econômica, a quebra da bolsa de Nova York, ocorrida dias antes de Freud entregar o manuscrito a seu editor, e a ascensão do partido hitlerista na Alemanha conferem toda a sua amplitude. Com esse ensaio, Freud pretende estender à cultura em geral o exame que fez da religião em

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O futuro de uma ilusão*. Como que para sublinhar a continuidade entre as duas obras, começa registrando, para criticá-lo, um comentário que a leitura de O futuro de uma ilusão havia sugerido a seu amigo Romain Rolland*. Escrevendo a Freud para lhe agradecer pela remessa do livro, o autor de Acima da confusão lastimara que, no texto, não se abordasse a questão da origem do “sentimento religioso”. Com esse termo Rolland designava uma “sensação religiosa”, isto é, o “fato simples e direto da sensação do ‘eterno’”, e a qualificava de “sentimento oceânico”. Freud rejeita de imediato a idéia de que tal sensação possa constituir a essência da religiosidade: a seu ver, ela é, em vez disso, uma repetição do sentimento de plenitude que o bebê experimenta antes da separação psicológica da mãe, sentimento de plenitude este que é característico do eu* primário, do eu-prazer do qual o eu adulto, um eu apequenado pelo encontro com o princípio de realidade, sente saudade periodicamente. Se acreditamos encontrar nesse “sentimento oceânico” a fonte da necessidade religiosa, é por esquecermos que essa necessidade não é primária, que não passa de uma reformulação da necessidade de proteção pelo pai: o “sentimento oceânico” evocado por Romain Rolland, definitivamente, é apenas uma tendência ao restabelecimento do narcisismo* ilimitado que é específico do eu primário. Feito esse esclarecimento, Freud recapitula brevemente as teses desenvolvidas em O futuro de uma ilusão: lembra que a vida humana se caracteriza pelo fato de que os objetivos do princípio de prazer*, a busca do gozo* máximo e a evitação da dor, não podem ser atingidos, em razão da própria “ordem do universo”. Decorre daí que o homem está muito mais apto a vivenciar a infelicidade: aquela que lhe é infligida pelo sofrimento do corpo, pela hostilidade do mundo externo e pela insatisfação que lhe proporcionam as relações com os outros. Assim como o princípio de prazer submete-se ao princípio de realidade* ao se confrontar com o mundo externo, o homem, frente a esses obstáculos, renuncia à felicidade, para a qual obviamente não foi feito, e procura meios de atenuar ou eliminar o sofrimento. Freud faz o levantamento de três meios essenciais, a neu-


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rose*, a intoxicação e a psicose*, cujas formas são próprias a cada indivíduo. É precisamente essa especificidade que a religião procura suprimir ao propor uma modalidade uniforme de adaptação à realidade cujas características são uma desvalorização da vida terrena, a substituição do mundo real por um mundo delirante e uma inibição intelectual. Dentre as três causas do sofrimento humano, Freud opta por estudar nesse ensaio a que nasce do caráter insatisfatório das relações humanas. É papel da cultura, por meio das instituições que a materializam — o Estado, a família —, remediar essa causa de sofrimento, mas, na medida em que os remédios propostos pela cultura são coercitivos e se afiguram outros tantos limites à busca do prazer, ela logo se evidencia como uma nova fonte de sofrimento. E, nessa condição, é objeto de recusas, freqüentemente acompanhadas de apelos por um retorno ao estado natural e elogios ao estilo de vida dos primitivos, que não dependiam dos progressos da tecnologia moderna. Freud afirma que é possível explicar essa rejeição da cultura, mas se recusa a justificá-la, porque ela se fundamenta no esquecimento do caráter protetor desta última. Esse esquecimento é, antes de mais nada, o da já antiga constatação feita por Hobbes (1588-1679) e confirmada por Freud sem hesitação: “O homem é o lobo do homem.” Ora, essa dimensão, que seria preciso nomear e teorizar, dá uma razão de ser ao aspecto coercitivo da cultura e confere à organização social seu estatuto de compromisso precário: o homem não pode viver plenamente feliz nela, mas não consegue sobreviver sem ela. O homem e a mulher, portanto, estão presos num antagonismo: precisam dos outros, mas sonham viver afastados dessa sociedade que lhes limita as pulsões sexuais. Para tentar aplacar os sofrimentos de que esse antagonismo é fonte, a cultura se esforça por criar vínculos substitutos: laços amorosos, laços libidinais desviados de seus objetivos sexuais. É o caso do mandamento que o cristianismo retomou à sua maneira — “Amarás o próximo como a ti mesmo” —, bem como o da utopia comunista, sobre a qual Freud proferiu uma condenação inapelável nesse contexto. Essas tentativas só podem estar fadadas ao fracasso, na medida em

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que se fundamentam numa negação da constatação formulada por Hobbes, num desconhecimento voluntário da universalidade da hostilidade dos homens uns para com os outros, numa recusa a levar em conta a agressividade e a crueldade inerentes ao gênero humano, dimensões estas cuja permanência é demonstrada tanto pela história quanto pela atualidade. É o exame dessa dimensão da agressividade, da hostilidade e da crueldade que constitui o eixo central da seqüência da reflexão de Freud. Se a agressividade é inerente à natureza humana, é por também ser fonte de prazer e, como tal, ser complementar ao amor. Testemunho disso são as tentativas que se fazem de unir os homens por laços amorosos desviados de seu objetivo sexual. Elas só podem ser bem-sucedidas, com efeito, sob a condição de abandonarem outros homens, que se transformam no alvo da agressividade. Freud depara, nesse ponto, com a problemática desenvolvida em Psicologia das massas e análise do eu* e, em particular, com a dimensão do “narcisismo das pequenas diferenças”, que Lacan reformulou, em “Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956”, falando de “terror conformista”. Para dar um fundamento teórico a essa dimensão da agressividade, Freud previne o leitor da necessidade de levar em conta a parte da teoria psicanalítica cuja elaboração lhe deu maior dificuldade: a teoria das pulsões. Nesse ponto, a meta do ensaio torna-se explícita: trata-se de analisar a natureza do “mal-estar” com a ajuda da dualidade pulsional forjada alguns anos antes, em Mais-além do princípio de prazer*, a dualidade que opõe amor e ódio, Eros e morte. Esses confrontos pulsionais imperam tanto na vida inconsciente do indivíduo quanto em sua vida social. Daí esta definição da cultura e de seu desenvolvimento: “O combate da espécie humana pela vida.” Cabe, portanto, apreender por que meios a cultura pode conseguir controlar essa agressividade, manifestação explícita da pulsão* de morte. Um deles é identificável na história do desenvolvimento psicológico do homem: nesta se constata, com efeito, que a agressividade é voltada contra o eu, introjetada nele, para então ser retomada por uma parte do eu, o supereu*,

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que se coloca em oposição à parte restante do eu. O supereu, essa “consciência moral”, manifesta em relação ao eu, portanto, a agressividade que o eu desejaria exprimir a respeito dos outros, e a tensão que assim se instala entre o eu e o supereu dá margem ao “sentimento consciente de culpa”. É possível, por conseguinte, afirmar que a cultura domina a agressividade dos indivíduos fazendo com que ela seja vigiada por intermédio de um intruso, o supereu, que funciona como um governador dentro de “uma cidade conquistada”. O que acontece com esse sentimento de culpa, que surge com tamanha constância, quer o mal tenha sido praticado, quer tenha permanecido em estado de intenção? Na verdade, ele tem uma origem dupla. Para começar, é produto da angústia sentida pela criança diante da autoridade paterna (origem externa): temendo não mais ser amada, a criança é levada a renunciar a satisfazer as pulsões, guiadas unicamente pela busca do prazer. Mas, quando a autoridade é internalizada no supereu, por intermédio da introjeção* da agressividade que suscitava, a origem do sentimento de culpa passa a ser interna: desse momento em diante, já não é possível mascarar do supereu aquilo que persiste no eu do desejo de satisfazer a pulsão. O sentimento de culpa, gerado pela cultura (representada pelo supereu), permanece então predominantemente inconsciente e, na maioria das vezes, é vivido sob a forma de um mal-estar ao qual se atribuem outras causas. Se o supereu realmente desempenha o papel que acaba de lhe ser reconhecido no processo cultural, não poderíamos ficar tentados a falar de civilizações ou épocas “neuróticas”, que clamariam por soluções terapêuticas? Freud, que em inúmeras outras ocasiões revelou-se um adepto, às vezes audacioso demais, do raciocínio analógico, demonstra aqui extrema prudência, lembrando que os conceitos, assim como os seres humanos, “não podem ser arrancados sem perigo da esfera em que nasceram e se desenvolveram”. De fato, havendo chegado a esse ponto de seu ensaio, Freud sente com clareza que a questão que se coloca diante dele já não está ligada à ciência, mas ao prognóstico. Serão essas sociedades civilizadas capazes de dominar a pulsão destrutiva, passível de levá-las à

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perdição? Freud se recusa a dar a essa pergunta a resposta consoladora que esperam e estão prontos a fornecer os revolucionários e os pietistas, reunidos numa mesma ilusão. Deixa a questão em aberto, atribuindo a agitação e angústia crescentes de seus contemporâneos à sua capacidade tecnológica de exterminarem uns aos outros, até o último deles. “E agora”, conclui, “é de se esperar que a outra das duas ‘potências celestes’, o Eros eterno, empenhe um esforço para se afirmar na luta que trava contra seu adversário não menos imortal.” Um ano depois, em 1931, havendo o partido nazista acabado de obter quase 39% dos votos nas eleições, Freud acrescentou, como que para se livrar de um resto de otimismo: “Mas, quem pode presumir o sucesso e o desfecho?” • Sigmund Freud, O mal-estar na cultura (1930), ESB XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245-333; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; O futuro de uma ilusão (1927), ESB, XXI, 15-81; GW, XIV, 325-80; SE, XXI, 5-56; OC, XVIII, 141-97, Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Jacques Lacan, O Seminário, livro 8, A transferência (1960-1961) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Henri Vermorel e Madeleine Vermorel, Sigmund Freud et Romain Rolland, Correspondance, 1923-1936, Paris, PUF, 1993.

➢ TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

Malinowski, Bronislaw (1884-1942) antropólogo inglês

Fundador da antropologia funcionalista moderna, criador da pesquisa “de campo” e defensor dos princípios do culturalismo*, Bronislaw Malinowski era de uma família católica da grande burguesia polonesa. Nascido em Cracóvia, e súdito do Império Austro-Húngaro, começou a estudar física, matemática e filosofia em sua cidade natal, sob a autoridade de mestres formados segundo a tradição positivista de Ernst Mach (1838-1916) e de Richard Avenarius (1843-1896). Depois de fazer, em Leipzig, o curso de psicologia experimental de Wilhelm Wundt (1833-1920), orientou-se para a etnolo-


Malinowski, Bronislaw

gia. Contra esse mestre alemão, que privilegiava a “psicologia dos povos”, começou a estudar, a partir das fontes escritas disponíveis, o funcionamento da família entre os aborígenes australianos. Foi então que partiu para a Inglaterra, onde se desenrolavam os grandes debates fundadores dessa nova área. Na Universidade de Cambridge, em 1910, tornou-se aluno de Charles Seligman (1873-1940), de Williams Rivers (1864-1922) e de Edward Westermarck (1862-1939). Adepto de uma concepção neopositivista da unidade da ciência, marcado pelos trabalhos de Émile Durkheim (1858-1917), que introduzira o estudo do funcionamento das sociedades renunciando à metafísica de suas origens, Malinowski recusava o modelo do evolucionismo darwiniano sobre o qual Sigmund Freud* se baseara em Totem e tabu*. Escolhendo o empirismo, privilegiava um método fundado na descrição correta e exata dos fatos, conservando ao mesmo tempo a idéia, cara a Durkheim, segundo a qual toda sociedade é um sistema integrado, em que cada elemento tem um papel “funcional”: costume, instituição, norma etc. Todavia, para estudar esse funcionamento, faltava ao jovem Malinowski a experiência de campo. Graças a seu mestre Seligman, reuniu os fundos necessários à organização de uma missão etnográfica à Nova Guiné e deixou a Inglaterra no momento em que irrompia a Primeira Guerra Mundial. Como cidadão austríaco, tornava-se bruscamente “inimigo” dos ingleses. Além disso, no momento em que realizava seu sonho de chegar a esse mundo melanésio tão estranho ao seu, encontrou-se diante da grande querela das nações, que transformaria radicalmente a sociedade ocidental. Para Malinowski, a experiência de campo junto aos povos ditos “primitivos” foi uma verdadeira busca de identidade. Longe dos campos de batalha, sonhava com a Europa dilacerada: ora se sentia polonês e odiava a Inglaterra, identificando-se com as minorias oprimidas ou colonizadas, ora rejeitava sua Polônia natal para afirmar sua anglofilia. Como mostra seu Diário, que seria publicado muito tempo depois de sua morte, ele se dedicou durante quatro anos, primeiro na região dos Mailu, depois nas ilhas Trobriand, a uma espécie de auto-análise*.

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Sozinho “no coração das trevas”, observava-se a si mesmo tanto nos desejos eróticos que sentia pelas mulheres indígenas ou por suas amantes longínquas, quanto na sensação de ter que enfrentar forças instintivas comuns a todos os homens. Nesse contexto, persuadiu-se da futilidade das hipóteses de Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) sobre a mentalidade primitiva e renunciou ao postulado de uma consciência coletiva, para aderir a um novo humanismo, fundado na análise do homem vivo. Complementou essa análise com a elaboração do método da “observação participante”, verdadeiro programa para a etnologia moderna, centrado na experiência de campo. Com Malinowski, o trabalho do antropólogo não se resumia mais a uma pesquisa erudita sobre a origem dos mitos e das religiões, à maneira de James Frazer (1854-1941); tornava-se uma ciência da observação, ligada a uma aventura iniciática pela qual o pesquisador punha em jogo sua própria subjetividade em uma relação transferencial com o objeto observado. Daí a proximidade com a psicanálise*. Enquanto Malinowski se iniciava no campo pelo desejo*, pela fantasia* e pelo sonho*, Seligman descobria a psicanálise tratando das neuroses de guerra*. Em 1917, dirigiu uma documentação a seu aluno pedindo-lhe que testasse junto aos indígenas a validade da tese freudiana segundo a qual o sonho é a expressão de um desejo recalcado. Mas nessa data, Malinowski se preparava para deixar as ilhas Trobriand. Voltando a Londres, inteiramente transformado por sua experiência na Oceania, foi nomeado responsável pelos cursos de antropologia social. Foi então que, ao longo de uma bela carreira universitária que o levaria aos Estados Unidos*, tomou parte ativa nos debates sobre as relações entre a antropologia e a psicanálise, criticando as teses enunciadas por Freud em Totem e tabu. Apaixonado pela vida sexual dos melanésios, Malinowski abordou a obra freudiana sem a menor reticência. E foi ao procurar, ao mesmo tempo, aplicar os conceitos da psicanálise à antropologia e modificá-los à luz dos dados da etnografia, que ele deslizou para uma crítica e

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uma revisão da doutrina do Édipo* e do universalismo freudiano. Observara que, entre os trobriandeses, a existência de uma estrutura social de tipo matrilinear levava ao não-reconhecimento do papel do pai na procriação: a criança era concebida pela mãe e pelo espírito do ancestral, enquanto o lugar do pai ficava vazio. Por conseguinte, a figura da lei era encarnada pelo tio materno, sobre quem se concentrava a rivalidade da criança. A proibição do incesto* se referia à irmã e não à mãe. Malinowski não negava a existência de um complexo nuclear, mas afirmava sua variabilidade em função da constituição familiar segundo as diferentes formas de sociedades. Assim, tornava caducas as duas hipóteses freudianas de um Édipo universal e de um parricídio original. A primeira só se aplicava a sociedades de tipo patrilinear e a segunda não explicava a diversidade das culturas, pois, efetivamente, nenhuma transição da natureza para a cultura explicava tal diversidade. Foi Ernest Jones* quem se encarregou, em 1924, a convite de Seligman, de criticar a posição de Malinowski. Afirmou que a ignorância da paternidade entre os trobriandeses era apenas uma renegação tendenciosa da procriação paterna. Conseqüentemente, o complexo de Édipo descrito por Freud era mesmo universal, pois o sistema matrilinear, com seu complexo avuncular, exprimia pela negativa uma tendência edipiana recalcada. Essa defesa ortodoxa das teses freudianas não resolvia o problema das relações entre a antropologia e a psicanálise, nem a questão do universalismo edipiano, nem a da oposição entre patriarcado e matriarcado. E Jones perdeu a batalha, na medida em que não lhe cabia questionar a autoridade etnográfica que Malinowski adquirira com sua experiência de campo e com seus métodos de observação. Para que o debate pudesse ser relançado em novas bases, seria preciso esperar pelos trabalhos de Geza Roheim*, primeiro psicanalista a se tornar etnólogo, isto é, a adquirir a competência necessária para contestar as teses culturalistas e funcionalistas a partir de uma experiência de campo. Apesar da intensidade dos conflitos, Malinowski sempre teria uma atitude respeitosa em relação a Freud, e, quando este chegou a Lon-

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dres em 1938, seria um dos primeiros intelectuais da comunidade inglesa a lhe manifestar sua admiração e a procurar ajudá-lo. Pouco tempo depois, instalou-se nos Estados Unidos, onde morreu bruscamente de um acidente cardíaco. • Bronislaw Malinowski, Argonautas do Pacífico ocidental (Londres, 1922), S. Paulo, Abril Cultural, 1984; La Sexualité et sa répression dans les sociétés primitives (Londres, 1927), Paris, Payot, 1932; La Vie sexuelle des sauvages au nord-ouest de la Mélanésie (Londres, 1929), Paris, Payot, 1930; Trois essais sur la vie sociale des primitifs (Londres, 1926, Paris, 1933), Paris, Payot, 1968; Les Jardins de corail (Londres, 1935), Paris, Maspero, 1974; Uma teoria científica da cultura (North Carolina, 1944), Rio de Janeiro, Zahar, 1983; Les Dynamiques de l’évolution culturelle (Londres, 1945), Paris, Payot, 1970; Magic, Science and Religion (1948), N. York, Doubleday, 1954; Journal d’ethnographe (Londres, 1967), Paris, Seuil, 1985 • Michel Panoff, Bronislaw Malinowski, Paris, Payot, 1972 • Ernest Jones, Essais de psychanalyse appliquée, vol.II (Londres, 1951), Paris, Payot, 1973 • Jean Poirier, Histoire de l’ethnologie, Paris, PUF, 1974 • George W. Stocking, “L’Anthropologie et la science de l’irrationnel. La Rencontre de Malinowski avec la psychanalyse freudienne” (1983), Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 449-491 • Bertrand Pulman, “Ernest Jones et l‘anthropologie”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 493-521.

➢ ANTROPOLOGIA; AUSTRÁLIA; DIFERENÇA SEXUAL; KARDINER, ABRAM; MEAD, MARGARET; PSICANÁLISE APLICADA.

Mann, Thomas (1875-1955) escritor alemão

Thomas Mann nasceu em Lübeck, no norte da Alemanha*, em 6 de junho de 1875, de mãe mestiça de origem brasileira, cuja beleza exótica e sensual inspiraria ao romancista alguns de seus personagens femininos mais fascinantes, e de um pai originário de uma das mais ilustres famílias protestantes da cidade. Em 1892, depois da morte de seu pai, dificuldades financeiras levaram a família a instalar-se em Munique, onde Thomas Mann publicou sua primeira novela em 1894. Aquele que se tornaria um dos maiores escritores alemães do século XX conheceu o sucesso desde 1901, com seu romance Os Buddenbrook, grandioso painel da decadência de uma família burguesa, amplamente inspirado na história de sua própria família paterna.


Mann, Thomas

Em 1905, casou-se com Katja Pingsheim, com quem teria seis filhos: Erika, que se tornaria escritora e recolheria as confidências da mãe no fim de sua vida; Klaus, também escritor, que se suicidaria em 1949 em Cannes, depois de concluir Le Tournant, sua segunda autobiografia; Golo, jornalista; Monika, nascida em 1910, no ano do suicídio* de Carla, uma das irmãs de Thomas Mann; Elisabeth e Michael. Herdeiro do mundo prometeico da literatura romântica alemã, Thomas Mann foi ligado durante toda a vida à filosofia de Arthur Schopenhauer (1788-1860), à de Friedrich Nietzsche (1844-1890) e ao universo wagneriano. Esse fascínio pelas grandes epopéias líricas, pelos sábios loucos e pelos mágicos, sua hostilidade pelas formas de pensamento racionais, suspeitas, a seus olhos, de reducionismo, estavam na origem dos erros e das ambigüidades que caracterizariam sua relação com a política e a psicanálise*. O ódio que Thomas Mann sentia pelos valores do mundo ocidental, do qual excluía a Alemanha, quer se tratasse do parlamentarismo, do internacionalismo, dos ideais socialistas e mais ainda da psicologia, o levou a tomar partido pelo imperialismo prussiano já em 1914. A guerra lhe parecia então uma cruzada em defesa da cultura germânica. Assim, indispôs-se com seu irmão mais velho, Heinrich (1871-1950), também escritor e jornalista, apaixonado pela França* e pela Itália*, que se engajou em 1914 contra o empreendimento militarista da Alemanha guilhermina. Em 1918, Thomas Mann, amargurado com a derrota alemã, publicou uma obra-prima panfletária, Considerações de um apolítico, de tom populista e nacionalista, na qual atacava novamente, com incrível violência, a psicologia sob todas as suas formas, que acusava de cultivar a evidência e de não respeitar a arte e a criação. Em 1924, depois de se reconciliar com o irmão, publicou uma de suas obras mais célebres, A montanha mágica (Der Zauberberg), que lhe valeu uma reputação internacional: o escritor alemão mais conhecido do mundo recebeu o Prêmio Nobel de literatura em 1929. Durante esses anos, suas opiniões políticas mudaram. Desde o surgimento dos primeiros sintomas anunciadores da ascensão do nazismo*,

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aliou-se às forças de esquerda, empenhando todo o seu prestígio nas campanhas eleitorais, multiplicando as conferências para a juventude, colaborando com os sindicatos para impedir a volta da barbárie. Consternado, tomou consciência de uma reviravolta histórica: o nazismo triunfante tomava para si, de modo caricatural mas eficaz, os valores da Alemanha romântica aos quais ele era tão apegado. O justo combate dos filósofos românticos se tornou anacrônico; não era mais hora para a apologia do instinto e do irracional contra a alienação moderna; era preciso mobilizar todas as forças disponíveis para socorrer a civilização ameaçada. Sem questionar a sinceridade e a força desse engajamento, parece, entretanto, que ele não foi tão espontâneo e enérgico quanto se relata geralmente. Em 1996, sua filha Erika, que foi uma Resistente ao nazismo desde a primeira hora, publicou um livro de memórias no qual transcreveu cartas trocadas com o pai, entre 1933 e 1936. Algumas dessas cartas mostram a demora do escritor, então na Suíça*, em assumir uma posição pública contra os novos senhores de seu país. A seu irmão Klaus, Erika escreveu: “Cabe a nós, apesar de nossa juventude, uma pesada responsabilidade, na pessoa do nosso pai menor.” Em fevereiro de 1936, Thomas Mann publicou em um jornal suíço uma tomada de posição isenta de ambigüidade, que o reconciliaria com a filha, como prova o telegrama que ela lhe dirigiu: “Obrigada, parabéns, bênção.” Considerando-se os temas dominantes da obra de Thomas Mann, a doença, a sexualidade* e a morte, poder-se-ia pensar que seu encontro com a obra freudiana foi rápido e simples. Ora, não foi nada disso. Contraditório em suas declarações, Thomas Mann até se desculparia, em uma carta de 3 de janeiro de 1930 a Sigmund Freud*, pelo caráter tardio de sua compreensão da teoria psicanalítica e de sua adesão aos valores de que ela era portadora, enquanto havia declarado, em 1925, que sua novela Morte em Veneza, publicada em 1912, havia sido escrita sob a influência direta de Freud. Na verdade, ele sempre cultivou a ambigüidade quanto a esse ponto. Na primeira parte de sua vida e de sua obra, seu ódio a toda espécie de psicologia, seu temor de vê-la apoderar-se da arte e da literatura, se

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não permitem formular a tese de uma ignorância absoluta da descoberta freudiana, explicam entretanto sua distância em relação à psicanálise e a ironia com a qual a comentava. Quanto a isso, Jean Finck observou: “Em um primeiro tempo, Thomas Mann desloca para a psicanálise, pelo menos parcialmente, suas suspeitas em relação à ação supostamente desmoralizadora e inimiga da vida que ele atribui à psicologia.” Por outro lado, é verdade, e o próprio Thomas Mann reconheceria, que, por sua cultura e suas leituras, por seu amor à filosofia romântica alemã, ele estava preparado para abordar as idéias freudianas. Aliás, nunca deixaria de enfatizar, às vezes excessivamente, a filiação, evidente para ele, entre Schopenhauer e Freud. Mas só em meados dos anos 1920, quando se esboçava sua virada política, Thomas Mann se confrontou francamente com a obra de Freud, cuja influência é evidente em José e seus irmãos, esse grande afresco iniciado em 1926. A partir de então, seu interesse, sua simpatia e até sua admiração pela psicanálise, e talvez mais ainda pela pessoa de Freud, se expressariam de maneira sonora, quase como um engajamento moral. Dois textos célebres ilustram esse reconhecimento: “Freud e o futuro”, escrito em 1936, por ocasião do 80º aniversário do inventor da psicanálise, e “Freud e o pensamento moderno”, publicado em 1929, ano do Prêmio Nobel, sem dúvida um dos textos mais admiráveis redigidos sobre Freud, como certas linhas de Stefan Zweig*. “Freud e o pensamento moderno” é um texto de combate filosófico e político. À maneira de Nietzsche, sob cuja inspiração ele inscreveu seu percurso, Thomas Mann revia algumas de suas posições anteriores, mas principalmente, como verdadeiro estrategista da luta das idéias, desmontava a utilização pervertida que as forças das trevas faziam dos valores ligados à cultura (e singularmente daqueles provenientes do romantismo alemão). Em sua época, Nietzsche tinha analisado e criticado a trajetória dos pensadores alemães que acreditavam discernir nos valores do Aufklärung os germes do progresso, apelando para que se deixasse de considerar a filosofia român-

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tica como uma obra reacionária e mostrando principalmente que a filosofia de Schopenhauer, na verdade, retornava aos valores tão elogiados por Petrarca, Erasmo e Voltaire. Thomas Mann retomou essa bandeira e fez o elogio de Totem e tabu*, que acabava de reler. Esse livro, escreveu ele, “nos incita mais do que a uma simples meditação sobre a espantosa origem psíquica do fenômeno religioso e sobre a natureza profundamente conservadora de toda reforma.” Freud, explorador das profundezas, se inscrevia evidentemente na linhagem dos pensadores dos séculos precedentes que, em vez de ignorar ou idolatrar a face noturna do ser, lançaram as premissas de seu conhecimento. Não acreditemos, prosseguiu o autor de Mário, o mágico, que Freud, por explorar o obscuro, analisar o glauco e visitar a cloaca, fosse um obscurantista. Defendendo assim o pensamento freudiano, Thomas Mann estava de pleno acordo consigo mesmo. O inconsciente freudiano era, efetivamente, o golpe fatal para essa psicologia clássica que ele detestava, e o anti-racionalismo de Freud “equivale a compreender a superioridade afetiva e dominante do instinto sobre o espírito; ele não equivale a uma prosternação admiradora diante dessa superioridade, a uma ironia do espírito”. O narcisismo e a pulsão de morte eram reconhecidos, nas entrelinhas, por Thomas Mann, na obra de Novalis e “o que se chamou erroneamente de pansexualismo* de Freud, a sua teoria de libido, é, em resumo e sem qualquer mística, um romantismo que se tornou científico.” E Mann encontrou tons beethovenianos, como os do Hino à alegria, para concluir sua análise: a psicanálise “é essa forma de irracionalismo moderno que resiste claramente a todo abuso reacionário que se faz dele. Ela é, declaramo-nos convictos, uma das pedras mais sólidas que contribuíram para edificar o futuro, morada de uma humanidade libertada, que chegou ao conhecimento.” Em 1930, por ocasião de uma reedição de sua autobiografia, Freud acrescentou algumas linhas à guisa de conclusão, pelas quais ele aceitava enfim que o classificassem entre os grandes pensadores da humanidade. Ao fazer isso, era Thomas Mann quem ele saudava: “Foi em 1929, lembrava, que Thomas Mann, um dos


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autores que mais tinham vocação para portavoz do povo alemão, me atribuiu um lugar na história do espírito moderno, em frases tão ricas de conteúdo quanto de amabilidade.” Em 8 de maio de 1936, quando os nazistas não faziam mais mistério de suas intenções, Thomas Mann pronunciou em Viena* um discurso lírico em honra do “psicólogo do inconsciente [...], verdadeiro filho do século de Schopenhauer e de Ibsen, entre os quais nasceu”. Demonstrou sua humildade, lembrando nessa ocasião que foi mais a psicanálise que veio a ele do que ele a ela, e explicou que “mal ousava” falar de Freud, que devia ser honrado “como pioneiro de um humanismo do futuro”. Um mês depois, em 14 de junho de 1936, foi visitar Freud para ler-lhe pessoalmente esse texto. Max Schur* relatou como esse elogio impressionou Freud, que escreveu, em uma carta de 17 de junho de 1936 a Arnold Zweig*, como essa visita o emocionara: “Thomas Mann, que fez uma conferência sobre mim em cinco ou seis lugares diferentes, teve a gentileza de repeti-la para mim, no domingo, dia 14 deste mês, para mim pessoalmente, no meu quarto, aqui em Grinzing. Para mim e os meus, que estavam presentes, foi uma grande alegria.” Mann deixou a Alemanha e foi para os Estados Unidos em 1938. Ensinou em Princeton, antes de fixar residência na Califórnia. Em 1944, adquiriu a nacionalidade americana e dedicou, a partir dessa data, muito de sua energia a descobrir as raízes do cataclisma cuja responsabilidade coletiva, a seus olhos, cabia a seu país natal. Como observou Jean-Michel Palmier, essa posição seria duramente criticada por Bertolt Brecht (1898-1956), que o acusaria de confundir alemão e nazista. Em 1945, em um texto intitulado “Por que não volto à Alemanha”, explicou seu percurso intelectual e político e seu abandono progressivo das raízes alemãs: “É verdade, disse ele, que a Alemanha se tornou estranha para mim durante todos esses anos. Hão de convir comigo que é um país que dá medo.” Acusando os alemães em geral por sua participação, mesmo passiva, nessa “pavorosa guerra”, exclamou: “Que grau de insensibilidade não foi necessário para ouvir o Fidelio na Alemanha de Himmler,

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sem cobrir o rosto com as mãos e sair do teatro correndo!” Em 1952, Thomas Mann deixou definitivamente os Estados Unidos e fixou-se na Suíça, a partir de onde percorreu a Europa fazendo conferências, inclusive na Alemanha. Morreu em Zurique, em 12 de agosto de 1955. • Thomas Mann, “Freud et la pensée moderne”, in Sur le mariage. Lessing, Freud et la pensée moderne. Mon temps (1929), Paris, Aubier-Flammarion, 1970, edição bilíngüe, 1906-149; “Freud et l’avenir” (1936), in Roland Jaccard (org.), Freud. Jugements et témoignages, Paris, PUF, 1976, 13-43; “Pourquoi je ne rentre pas en Allemagne”, in Être écrivain allemand à notre époque, ensaios e textos inéditos reunidos e apresentados por André Gisselbrecht, Paris, Gallimard, 1996 • Erika Mann, Mein Vater, der Zauberer, Frankfurt, Rowohlt, 1996 • Klaus Mann, Le Tournant (1982), Paris, Solin, 1984 • Journal. Les Années brunes, 1931-1936, Paris, Grasset, 1996 • “Thomas Mann et les siens”, dossier dirigido por Lionel Richard, Le Magazine Littéraire, setembro de 1996 • Jean Finck, Thomas Mann et la psychanalyse, Paris, Les Belles Lettres, 1982, precedido de “Thomas Mann et l’irrationnel” por Jean-Michel Palmier, 5-33 • Sigmund Freud, Totem e tabu (1913), ESB, XIII, 17-192; GW, IX; SE, XIII, 1-161; Paris, Gallimard, 1993; Um estudo autobiográfico (1925), ESB, XX, 17-88; SE, XX, 7-70; GW, XIV, 33-96; OC, XVII, 51-122 • Sigmund Freud e Arnold Zweig, Correspondance, 1927-1939 (Frankfurt, 1968), Paris, Gallimard, 1973 • Max Schur, Freud: vida e agonia, uma biografia, 3 vols. (1972), Rio de Janeiro, Imago, 1981.

Mannoni, Octave (1899-1989) psicanalista francês

Nascido em Lamotte-Beuvron, Sologne, Octave Mannoni era de uma família de professores primários originários da Córsega. Seu pai era diretor de uma casa de correção. Depois de estudar filosofia, foi nomeado professor no liceu Gallieni de Tananarive, em Madagascar, onde permaneceu durante vinte anos, de 1925 a 1945. Favorável à independência da ilha, foi chamado a Paris pela administração. Cinco anos depois, em 1950, publicou a sua Psicologia da colonização, que suscitou muitos comentários. Inspirando-se em Prospero e Caliban, personagens de A tempestade, de William Shakespeare, tentou distinguir a personalidade malgaxe da personalidade colonial européia. Segundo ele, a primeira caracterizava-se por um complexo de dependência e um sistema religioso hierárquico, no qual os mortos forma-

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Mannoni, Octave

vam uma instância moral superior, um supereu*, que determinava a conduta dos vivos. A segunda, ao contrário, se singularizava por seu individualismo e sua emancipação em relação a costumes, tradições e religião. Ora, a colonização tecia laços entre os dois sistemas. Segundo Mannoni, os malgaxes efetuavam uma transferência* de dependência que os levava a considerar o homem branco (o colonialista) um equivalente do ancestral morto e a lhe pedir proteção e segurança. Daí decorria, para o europeu, a idéia de que o negro colonizado era um inferior que aceitava sua inferioridade. Mannoni qualificava de interpretação* abusiva essa transformação, pelo colonizador, de um sentimento de dependência em um complexo de inferioridade, concluindo que a dependência dos negros em relação aos brancos era resultado de um medo recíproco de natureza projetiva: os brancos projetavam nos indígenas seus próprios pavores, dizia ele, e os negros projetavam uma transferência de dependência sobre os brancos. Daí a fórmula: “O negro é o medo que o branco tem de si mesmo.” Mannoni apenas retomava, com um espírito universalista, as teses da etnopsicanálise*, acrescentando uma interpretação fenomenológica. A obra era, sem dúvida alguma, anticolonialista, mas em razão de seu psicologismo e de um certo preciosismo, que dava a entender que as diferenças entre os colonizados e os colonizadores, entre o homem branco e o homem negro, entre o carrasco e a vítima, eram apenas efeito de uma teatralidade, ou até de uma ilusão de ótica, foi recebida erroneamente como um manifesto hostil à libertação dos povos oprimidos. Manonni foi acusado, principalmente por Aimé Césaire, de utilizar uma terminologia sofisticada para comparar os “pobres negros” com crianças grandes, incapazes de se ocidentalizar. Foi sobretudo Frantz Fanon* que, em 1952, deu um golpe terrível no autor, em um livro militante, Pele negra, máscaras brancas, que se tornaria um clássico na luta anticolonial. Psiquiatra formado na psicoterapia institucional* por François Tosquelles (1912-1994), Fanon adotava a tese clássica do culturalismo*, revista e corrigida pela fenomenologia sartriana, para mostrar que a psicanálise e seu complexo de Édipo* eram incompatíveis com a negritude.

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Octave Mannoni respondeu muitas vezes a essa crítica, fosse para defender o seu livro, fosse para rever algumas de suas posições. Orientouse depois para a psicanálise*. Depois de um tratamento com Jacques Lacan* e de seu casamento em 1948 com Maud Van der Spoel (Maud Mannoni), jovem terapeuta neerlandesa, formada por Maurice Dugautiez*, integrou-se à Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) e depois à École Freudienne de Paris* (EFP), na qual se tornou um brilhante didata, publicando ao mesmo tempo textos na revista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), Les Temps Modernes. Em 1966, cinco anos depois da morte de Fanon e do fim da guerra da Argélia, tentou, na revista Race, explicar mais uma vez, à luz da sua experiência de analista, os defeitos e as qualidades de sua Psicologia da colonização, enfatizando que assumira o risco de desrespeitar certas “místicas úteis à causa anticolonialista”. Criticou todavia a utilização que ele próprio fizera da noção de dependência e sua negligência da questão econômica, e insistiu na necessidade de escrever um livro sobre a psicologia da descolonização. Anticolonialista, homem de esquerda sensível à marginalidade e ao desvio, permaneceu um freudiano erudito, participando até a morte de todas as atividades de sua esposa Maud Mannoni, que teria um renome internacional no campo da psicanálise de crianças*. A seu lado, foi na França* um dos defensores das teses da antipsiquiatria* inglesa e marcou com sua presença a escola experimental de Bonneuil-surMarne, inaugurada em 1969. Publicou muitas obras, entre as quais um notável ensaio sobre Sigmund Freud*, traduzido no mundo inteiro, vários estudos de crítica literária e um artigo no qual propunha chamar de análise original a auto-análise* de Freud. • Octave Mannoni, Prospero et Caliban. Psychologie de la colonisation (1950), Paris, Éditions Universitaires, 1985; La Machine (1951), Paris, Tchou, 1977; Freud, uma biografia ilustrada (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994; Clefs pour l’imaginaire ou l’Autre Scène, Paris, Seuil, 1969; Ficções freudianas (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Taurus, 1986 • Frantz Fanon, Peau noire, masques blancs, Paris, Seuil, 1952 • Michelle Moreau-Ricaud, “Octave Mannoni (1899-1989)”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3,


Marcuse, Herbert 1990, 478-9 • Guillaume Suréna, “Psychanalyse et anticolonialisme. L’Influence de Frantz Fanon”, ibid., 5, 1992, 431-44.

➢ ANTROPOLOGIA; DIFERENÇA SEXUAL; MALINOWSKI, BRONISLAW; ROHEIM, GEZA.

Marcinowski, Jaroslaw (1868-1935) médico alemão

Nascido em Breslau, na Polônia, Jaroslaw (Johannes) Marcinowski aderiu às idéias freudianas no início do século e dirigiu um sanatório de convalescença para doentes nervosos em Holstein. Em junho de 1909, escreveu a Sigmund Freud* a fim de se reunir ao círculo vienense. Na linguagem militar que lhe era costumeira, Freud o descreveu assim a Carl Gustav Jung*: “Ele se apresenta como um partidário convicto e como um camarada pronto para o combate.” Depois da Primeira Guerra Mundial, Marcinowski comprou uma fazenda em Bad Heilbrunn, na Baviera, que transformou em sanatório. Com sua mulher, enfermeira diplomada, compartilhava a vida de seus pacientes. Lou Andreas-Salomé* lhe fez uma visita em 1920 e admirou a maneira como era organizado esse local de acolhimento. Marcinowski foi membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) entre 1919 e 1925, mas foi principalmente um terapeuta da vida comunitária. Escreveu inúmeros artigos. • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa (1912-1913) (Frankfurt, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

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moveu a vinda de Adelheid Koch* de Berlim a São Paulo, a fim de que ela analisasse e formasse didatas segundo os critérios da International Psychoanalytical Association* (IPA). Foi também ele o melhor organizador do movimento, depois que este foi reconhecido por Ernest Jones*. Assim, deu a São Paulo uma posição de relevo em relação às outras cidades de implanta ção do freudismo: Rio de Janeiro, principalmente, mas também Salvador, Porto Alegre, Recife etc. Em 1926, publicou um livro sobre o simbolismo* que abriu caminho para uma crítica literária de inspiração psicanalítica no Brasil*. No ano seguinte, fundou com Francisco Franco da Rocha* a Sociedade Brasileira de Psicanálise, primeira sociedade freudiana do continente latino-americano, que, depois de dissolvida, renasceria para se tornar em junho de 1944 o Grupo Psicanalítico de São Paulo e posteriormente, em 1951, no congresso da IPA em Amsterdam, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Em 1928, Marcondes criou a Revista Brasileira de Psicanálise, que foi acolhida com entusiasmo por Freud. Redigiu muitas obras de introdução à psicanálise*. Foi também um pioneiro da higiene mental nas instituições escolares e inaugurou a primeira cátedra de psicologia na Universidade de São Paulo. • Marialzira Perestrello, “Histoire de la psychanalyse au Brésil des origines à 1937”, Frénésie, 10, primavera de 1992, 283-301.

➢ BRASIL; BURKE, MARK; KEMPER, WERNER; PORTO-CARRERO, JÚLIO PIRES; RAMOS DE ARAÚJO PEREIRA, ARTHUR; SPANUDIS, THEON.

Marcuse, Herbert (1898-1979) Marcondes, Durval, né Durval Marcondes Bellegarde (1899-1981) psiquiatra e psicanalista brasileiro

Nascido em São Paulo, Durval Marcondes deve ser considerado como o fundador do movimento psicanalítico brasileiro. Esse psiquiatra erudito, de estilo aristocrático, tornouse um notável clínico da psicanálise e ocupou durante toda a vida o lugar mais importante na cena freudiana de seu país. Foi ele quem pro-

filósofo americano

Nascido em Berlim, Herbert Marcuse foi inicialmente aluno de Edmund Husserl (18591938) e de Martin Heidegger (1889-1976), antes de participar dos trabalhos do Institut für Sozialforschung, onde encontrou Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (18951973) e Leo Lowenthal. Núcleo fundador da futura Escola de Frankfurt, esse instituto de pesquisas sociais foi a origem da elaboração da

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masoquismo

teoria crítica, doutrina sociológica e filosófica que se baseava ao mesmo tempo na psicanálise*, na fenomenologia e no marxismo para refletir sobre as condições de produção da cultura no seio de uma sociedade dominada pela racionalidade tecnológica e prestes a naufragar na barbárie. Fugindo do nazismo*, Marcuse deixou a Alemanha* e emigrou para os Estados Unidos* em 1934, onde ensinou em diversas universidades, antes de se tornar professor na de San Diego, na Califórnia. Ao contrário de Horkheimer, só depois do exílio começou a se interessar de perto pelo pensamento freudiano: “Foi preciso esperar pelo choque e pelas questões perturbadoras que tanto a guerra civil espanhola quanto os processos de Moscou suscitaram, escreveu Martin Jay, para que Marcuse começasse a estudar seriamente Freud. Sua consciência cada vez mais clara das insuficiências do marxismo, mesmo em sua versão hegelianomarxista, o levou, como Horkheimer e Adorno antes dele, a refletir sobre os obstáculos propriamente psicológicos que se opõem a uma verdadeira mudança social.” Como seus amigos, Marcuse criticava o totalitarismo e os fracassos do socialismo, mas com isso não admitia os supostos benefícios de uma sociedade liberal, voltada para a tecnologia e o lucro, e alienante para o indivíduo à procura de liberdade. Daí a idéia de desenvolver um pensamento crítico fundado no espírito rebelde e capaz de despertar as consciências. Para compreender a posição de Marcuse, é preciso situá-la no contexto da polêmica lançada por Adorno em 1946 contra o neofreudismo* e o culturalismo*, isto é, contra a influência daqueles que — de Karen Horney* a Erich Fromm* — “revisavam” a doutrina freudiana, no sentido de uma redução do isso* em proveito do eu*, de um abandono da teoria das pulsões* e de uma rejeição da sexualidade*. Através dessa supervalorização do cultural, os revisionistas apenas reintroduziam, segundo Adorno, o princípio de uma adaptação social de acordo com os ideais da sociedade industrial. Em 1955, em Eros e civilização, Marcuse retomou essa argumentação, derrubando ao mesmo tempo a concepção freudiana das pulsões. Em lugar de ver na pulsão* de morte o

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principal motor do destino humano, afirmava que o eros (ou princípio de prazer*) era a única força capaz de lutar contra a ordem estabelecida (princípio de realidade*) e contra thanatos, fonte de todas as resignações e de todos os pessimismos. Para ele, tratava-se, exatamente como fazia Jacques Lacan* na mesma época, mas por outros meios, de dar novamente ao freudismo* aquele estatuto de doutrina subversiva que perdera às custas de edulcorar-se em contato com as psicoterapias* higienistas e pragmáticas das sociedades industriais normalizadas. Marcuse preconizava assim uma teoria da libertação que o conduzia a imaginar uma sociedade fundada na superação dos conflitos e na possível “pacificação da existência”. Essa utopia o afastava da teoria crítica de Adorno e de Horkheimer, que permanecia ligada à tese freudiana da pulsão de morte. Marcuse conquistou um sucesso mundial junto aos jovens, no momento das grandes revoltas estudantis dos anos 1960, depois da publicação de O homem unidimensional. Nesse livro profético e muito mais freudiano, apesar das aparências, do que Eros e civilização, o filósofo, longe de pregar a superação dos conflitos, atacava a unificação das consciências e do pensamento. Enfatizando que o homem “unidimensional” da sociedade industrial tinha perdido todo o seu poder de negação à força de se submeter aos imperativos de uma falsa consciência, conclamava as massas a reatarem com a ética da grande recusa e a se revoltarem contra a ordem social dominante, em nome de uma nova estética da existência. • Herbert Marcuse, Eros e civilização (Boston, 1955), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978; L’Homme unidimensionnel (Boston, 1964), Paris, Minuit, 1968 • Paul Robinson, The Freudian Left. Wilhelm Reich, Geza Roheim, Herbert Marcuse, N. York, Harper and Row, 1969 • Martin Jay, L’Imagination dialectique. Histoire de l’École de Francfort, 1923-1950 (Boston, 1973), Paris, Payot, 1977.

➢ FREUDO-MARXISMO; MAIS-ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER; REICH, WILHELM.

masoquismo al. Masochismus; esp. masoquismo; fr. masochisme; ing. masochism


Masotta, Oscar Abelardo Termo criado por Richard von Krafft-Ebing* em 1886, e cunhado a partir do nome do escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1835-1895), para designar uma perversão* sexual — fustigação, flagelação, humilhação física e moral — em que a satisfação provém do sofrimento vivido e expresso pelo sujeito* em estado de humilhação.

Esse termo pertence essencialmente ao vocabulário da sexologia*, mas foi retomado por Sigmund Freud* e seus herdeiros no contexto mais genérico de uma teoria da perversão estendida a outros atos, além das perversões sexuais. Nesse sentido, foi acoplado ao termo sadismo* para dar origem a um novo vocábulo, sadomasoquismo*, que então se impôs na terminologia psicanalítica.

Masotta, Oscar Abelardo (1930-1979) filósofo argentino

Introdutor do lacanismo* na Argentina* e depois na Espanha*, Oscar Masotta não exerceu a psicanálise*. Entretanto, por seu ensino e suas iniciativas institucionais, desempenhou um papel de didata junto aos discípulos que formou com a leitura dos textos de Jacques Lacan* e uma prática lacaniana do tratamento. Proveniente da pequena burguesia de Buenos Aires, viveu uma juventude tipicamente portenha, no centro de um grupo de filhos de imigrantes, marxistas e existencialistas, apaixonados pela cultura francesa e pelo cinema hollywoodiano. Masotta gostava das mulheres. Seus melhores amigos, Carlos Correas e José Sebreli, eram homossexuais. Rejeitando energicamente o regime peronista, procuravam, através da leitura de Sartre e de Merleau-Ponty, uma filosofia do homem simultaneamente universal e radical. Com a idade de 25 anos, Masotta começou a publicar artigos em Clase Obrera, revista do movimento operário comunista, meio populista, meio marxista. Em 1960, atravessou uma fase de tendência ao suicídio, uma “doença mental” entre a histeria* e a esquizofrenia*, como ele mesmo disse, e começou uma análise com Jorge Carpinacci, membro da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA). Em sua primeira obra, consagrada a Roberto Arlt (1900-1942), publicada em 1965, Masotta se identificava com o escritor

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para reivindicar a bastardia (no sentido sartriano), a clivagem*, o desespero e o niilismo. Filho de imigrante prussiano e de mãe austríaca, Arlt teve uma infância miserável, marcada pela revolta contra a opressão paterna. Tornando-se escritor e jornalista no período entre-guerras, criou um comitê de apoio aos republicanos espanhóis, ao qual Enrique Pichon-Rivière aderiu. Seus livros faziam uma descrição violenta da pequena burguesia argentina, confrontada com personagens de trapaceiros, bandidos e prostitutas: um universo como o dos filmes “noirs”, como a atmosfera de Faulkner, de Dashiell Hammett e de Sartre em A náusea. A descoberta do estruturalismo e a leitura da Antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss determinaram a evolução de Masotta, que abraçou, sem renunciar ao niilismo, o culto da estrutura. Pichon-Rivière foi o seu iniciador. Emprestou-lhe números da revista La Psychanalyse que continham textos de Lacan e convidou-o, em 1964, a fazer uma exposição no seu Instituto de Psicologia Social, “Lacan e o inconsciente no fundamento da filosofia”. Recusando-se a fazer uma carreira universitária clássica, Masotta reuniu em torno de si um grupo de estudos freqüentado por psicólogos, intelectuais e psicanalistas da APA. Depois, no Centro Superior de Artes, onde dava cursos, ficou conhecendo Juan-David Nasio, que também se interessava pela obra de Lacan e pelos textos de Louis Althusser (1918-1990) e de Georges Politzer (1903-1942). Juntos, formaram em 1968 um grupo lacaniano informal. Nessa época, sob a ditadura do general Ongania, muitos círculos culturais particulares floresciam à margem da universidade, servindo muitas vezes de refúgio a professores expulsos de seus postos pelo golpe de Estado. Depois de criar em 1969 os Cuadernos Sigmund Freud, primeira revista hispanófona de difusão do pensamento lacaniano, Masotta, apoiado por Serge Leclaire*, Maud e Octave Mannoni*, organizou com eles uma mesa redonda, da qual participaram vários membros da APA: Marie Langer*, Emilio Rodrigué, Arminda Aberastury*, José Bleger*, Fernando Ulloa. O objetivo era legitimar o movimento

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matema

lacaniano, referindo-se à tradição eclética do freudismo* argentino. Enquanto Masotta começava a publicar obras de introdução ao pensamento lacaniano, seu grupo aproveitava a crise institucional da APA para oferecer uma via clínica aos terapeutas não-médicos e não-diplomados. Um verdadeiro movimento lacaniano emergiu desse contexto, no início dos anos 1970, ao mesmo tempo que era publicada a tradução espanhola dos Écrits, realizada por Tomas Segovia e revista por Nasio. Este emigrara em 1969, depois de uma análise com Emiliano del Campo, analisado por José Bleger, e se integrara à École Freudienne de Paris* (EFP). Em 1986, criou o seu próprio grupo: os Seminários Psicanalíticos de Paris (SéPP). Em 28 de junho de 1974, Masotta fundou, com 19 psicanalistas, entre os quais Isidoro Vegh e Germán Leopoldo Garcia, a Escuela Freudiana de Buenos Aires (EFBA), cujos estatutos, estruturas e modalidades de análise didática eram calcados nos da EFP. Um ano depois, foi a Paris para apresentar sua escola, no momento em que a comunidade lacaniana já estava em meio a uma crise de sucessão. Tornando-se membro da EFP, Masotta deixou a Argentina algum tempo antes do golpe de Estado do general Videla. Depois de uma permanência em Londres, instalou-se, em 1976, em Barcelona, onde desenvolveu uma extraordinária atividade editorial e institucional, lançando as bases de uma implantação do lacanismo na Espanha*, enquanto o fim do regime franquista e o advento da democracia tornavam possível a restauração do freudismo nesse país. Em 18 de fevereiro de 1977, criou a Biblioteca Freudiana de Barcelona, primeira instituição lacaniana hispanófona da Europa, e durante dois anos, organizou colóquios e cursos em várias grandes cidades, dando origem a um verdadeiro movimento. Em 1979, uma cisão irrompeu na EFBA. De Barcelona, Masotta fundou um novo grupo, a Escuela Freudiana de Argentina, da qual derivariam, através de várias cisões, todos os pequenos grupos do lacanismo argentino. Grande fumante, morreu em alguns meses, com a idade de 49 anos, de um câncer de pulmão.

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• Oscar Masotta, Sexo y traición en Roberto Arlt, B. Aires, Jorge Alvarez, 1965; Consciencia y estructura, B. Aires, Jorge Alvarez, 1968; Introducción a la lectura de Jacques Lacan (1970), B. Aires, Corregidor, 1974; Ensayos lacanianos, Madri, Abagrama, 1976; “Sur la fondation de l’École Freudienne de Buenos Aires”, Ornicar?, 20-21, 1980, 227-35 • Carlos Correas, La operación Masotta (cuando la muerte tambien fracasa), B. Aires, Catalogos, 1991 • Hugo Vezzetti, “Oscar Masotta y Carlos Correas”, Punto de Vista, 41, dezembro de 1991, 35-7 • Raúl Giordano, Notice historique du mouvement psychanalytique en Argentine, dissertação para o CES de psiquiatria, sob a direção de Georges Lantéri-Laura, Universidade de Paris-XII, s/d • Analitica del Litoral, 5, Dossier: “La entrada del pensamiento de Jacques Lacan en lengua española (1)”, Santa Fe, 1995.

matema al. Mathem; esp. matema; fr. mathème; ing. matheme Termo criado por Jacques Lacan*, em 1971, para designar uma escrita algébrica capaz de expor cientificamente os conceitos da psicanálise*, e que permite transmiti-los em termos estruturais, como se tratasse da própria linguagem da psicose*.

Foi no âmbito de sua última reformulação lógica, baseada numa leitura da obra de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e orientada para a análise da essência da loucura* humana, que Lacan inventou, simultaneamente, o matema e o nó borromeano*: de um lado, um modelo da linguagem, articulado com uma lógica da ordem simbólica*; do outro, um modelo estrutural, baseado na topologia e efetuando um deslocamento radical do simbólico para o real*. A palavra matema foi proposta por Lacan pela primeira vez em 2 de dezembro de 1971. Cunhada a partir do mitema de Claude LéviStrauss e do termo grego mathema (conhecimento), ela não pertence ao campo da matemática. Evocando a loucura do matemático Georg Cantor (1845-1918), Lacan explicou que, se essa loucura não era motivada por perseguições objetivas, estava relacionada à própria incompreensão matemática, isto é, à resistência* provocada por um saber julgado incompreensível. Comparou então seu ensino ao de Cantor: seria a incompreensão em que esbarrava esse ensino um sintoma? Foi para responder a essa pergunta que Lacan inventou o matema. Em 1972 e 1973, for-


Mauco, Georges

neceu diversas definições dele, passando do singular ao plural e, depois, do plural ao singular. Acima de tudo, porém, ele definiu como decorrentes do matema os quatro discursos (ou quadrípodes) com que havia organizado a lógica em seu seminário do ano de 1969-1970, O avesso da psicanálise: discurso do mestre, discurso universitário, discurso histérico e discurso psicanalítico. Mostrou, então, que o matema é a escrita “do que não é dito, mas pode ser transmitido”. Em outras palavras, Lacan colocou-se ao contrário de Wittgenstein: recusandose a concluir pela separação dos incompatíveis, tentou arrancar o saber do inefável e lhe conferir uma forma integralmente transmissível. Essa forma é justamente o matema, porém o matema não é sede de uma formalização integral, uma vez que pressupõe sempre um resto que lhe escapa. Assim definido, o matema inclui os matemas, isto é, todas as fórmulas algébricas que pontuam a história da doutrina lacaniana e permitem sua transmissão: o significante*, o estádio do espelho*, o desejo* com seus grafos, o sujeito*, a fantasia*, o Outro*, o objeto (pequeno) a* e as fórmulas da sexuação*. A inclusão dos quatro discursos no matema teria uma conseqüência política. Em 1969, Lacan mostrara que o discurso universitário era incompatível com a psicanálise, ao passo que, a partir da introdução do matema, sublinhou, ao contrário, a compatibilidade entre os dois. Assim, em 1974, o matema permitiu-lhe apoiar seus partidários, em especial Jacques-Alain Miller, em sua vontade de introduzir a psicanálise na universidade francesa, depois da grande onda de contestação de 1968. • Jacques Lacan, O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise (1969-1970) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; Le Séminaire, livre XIX, ...Ou pire (le savoir du psychanalyste) (1971-1972), inédito; “L’Étourdit”, Scilicet, 4, 1973, 5-52; O Seminário, livro 20, Mais, ainda (1972-1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 2a. ed. • Número especial das Lettres de l’École Freudienne sobre o tema “A transmissão” (IX Congresso da École Freudienne de Paris, 9 de julho de 1978), 25, 2 vols., 1979 • Jean-Claude Milner, Les Noms indistincts, Paris, Seuil, 1983; A obra clara. Lacan, a ciência, a filosofia (Paris, 1995), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997 • Marc Darmon, “Mathème”, in Grand dictionnaire de la psychologie, Paris, Larousse, 1991, 454-7 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge

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Zahar, 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Nathalie Charraud, Infini et inconscient. Essai sur Georg Cantor, Paris, Anthropos, 1994.

➢ FORACLUSÃO; NOME-DO-PAI; PASSE.

Mathilde H., caso ➢ ESTUDOS SOBRE A HISTERIA.

Matte-Blanco, Ignacio (1908-1995) psiquiatra e psicanalista chileno

Nascido em Santiago do Chile e analisado por Allende Navarro (1890-1981), que formou alguns freudianos no Chile, Ignacio MatteBlanco foi inicialmente um dos representantes da escola inglesa de psicanálise*, próxima do Grupo dos Independentes*. Entre 1943 e 1966, residiu em Santiago, onde formou um grupo de estudos que seria reconhecido pela International Psychoanalytical Association* (IPA). Depois, emigrou para a Itália* e instalou-se em Roma, para continuar o seu ensino e suas atividades de clínico. Como vários freudianos de sua geração*, Matte-Blanco se interessou pelos distúrbios narcísicos, pela questão do self e pelo tratamento da esquizofrenia*. Nesse contexto, tentou pensar a organização inconsciente com o auxílio da teoria dos conjuntos, a fim de definir uma lógica da psicose*. • Ignacio Matte-Blanco, The Unconscious as Infinite Sets. An Essay in Bi-Logic, Londres, Duckworth, 1975 • Eric Rayner, Le Groupe des “Indépendants” et la psychanalyse britannique (Londres, 1990), Paris, PUF, 1994.

➢ KOHUT, HEINZ; LACAN, JACQUES; SULLIVAN, HARRY STACK.

Mauco, Georges (1899-1988) psicanalista francês

Nascido em Paris, em um meio de pequenos comerciantes de origem provinciana, Georges Mauco foi o único psicanalista da história do freudismo* francês que teve, entre 1939 e 1944, atividades colaboracionistas. Não só aderiu ao regime de Vichy e publicou textos violentamente anti-semitas, como também testemu-

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Mead, Margaret

nhou em agosto de 1941 contra o “perigo judeu”, diante do Supremo Tribunal de Justiça em Riom. Depois de estudar história e obter um posto de professor na École Normale des Instituteurs de la Seine, iniciou-se nos trabalhos da pedagogia psicanalítica, lendo a obra de René Spitz* e fazendo uma análise com René Laforgue*. Ficou conhecido como etnógrafo, publicando em 1933 uma obra pioneira: Os estrangeiros na França, seu papel na atividade econômica. Já proclamava teses racistas e nacionalistas sobre a “hierarquia das etnias” e afirmava que alguns estrangeiros não eram integráveis à sociedade francesa: entre estes, os africanos, os asiáticos e os levantinos. Apesar de seu conteúdo, essa obra foi acolhida favoravelmente tanto pela direita (sensível ao preconceito inigualitarista) quanto pelos especialistas em demografia (que encontraram nela, pela primeira vez, um estudo real dos laços entre imigração e identidade nacional). Durante a Ocupação nazista, Mauco passou do racismo ao anti-semitismo e colaborou com Georges Montandon na revista L’Ethnie Française, foco da propaganda anti-semita do regime de Vichy, na qual todos os artigos visavam denunciar “o tipo judeu” segundo os critérios adotados pelo nazismo*. Mauco publicou dois artigos, pretendendo mobilizar a psicanálise* para evidenciar a “neurose judaica”. No momento da Libertação, conseguiu dissimular seu passado colaboracionista e fez-se nomear, pelo general de Gaulle, secretário do comitê de população e família. Tornou-se então um “outro personagem”: filantropo, humanista e preocupado com o bem-estar da infância e da adolescência em dificuldades. Em 1946, criou o primeiro consultório psicopedagógico da França, no liceu Claude-Bernard. Foi assim que começou a aventura francesa dos Centros Claude-Bernard, que se inspiravam em experiências similares realizadas na Suíça* com o objetivo de agir sobre a inadaptação escolar através de intervenções terapêuticas fora do terreno hospitalar, médico ou psiquiátrico. Nesse âmbito, militou pela psicanálise leiga* e mobilizou todos aqueles que se interessavam na França pela expansão da psicologia clínica e pela psicanálise de crianças*: Daniel Lagache*,

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André Berge (1902-1996), Juliette Favez-Boutonier*, Françoise Dolto*, Didier Anzieu. Ao longo dos anos, e apesar de um anti-semitismo manifesto, que não conseguia disfarçar, fez-se passar por Resistente e foi reconhecido nos meios psicanalíticos como pioneiro da psicopedagogia e benfeitor da infância. Coberto de honrarias, publicou vários livros de divulgação e foi membro da International Psychoanalytical Association* (IPA) até a morte através de sua filiação à Associação Psicanalítica da França (APF). Seu passado de colaboracionista e adepto do anti-semitismo foi revelado pela primeira vez pelo historiador Patrick Weil em 1991. • Georges Mauco, Les Étrangers en France, leur rôle dans la vie économique, Paris, Armand Colin, 1932; “L’Immigration étrangère en France et le problème des réfugiés”, L’Ethnie Française, 6 de março de 1942, 6-15; “La Situation démographique de la France”, ibid., 7 de janeiro de 1943, 15-9; L’Inconscient et la psychologie de l’enfant (1936), Paris, PUF, 1970; Psychanalyse et éducation (1968), Paris, Flammarion, col. “Champs”, 1993; L’Évolution de la psychopédagogie, Toulouse, Pragma-Privat, 1975; Vécu, 1899-1982, Paris, Émile-Paul, 1982 • Patrick Weil, La France et ses étrangers, Paris, Calmann-Lévy, 1991; “Racisme et discrimination dans la politique française de l’immigration, 1938-1945/1974-1995”, Vingtième Siècle, 47, julho-setembro de 1995, 77-102 • Élisabeth Roudinesco, “Georges Mauco (1899-1988): un psychanalyste au service de Vichy. De l’antisémitisme à la psychopédagogie”, L’Infini, 51, outono de 1995, 73-84.

➢ ANTROPOLOGIA; FRANÇA; HESNARD, ANGELO; JUDEIDADE; MONTESSORI, MARIA; SCHMIDT, VERA; ZULLIGER, HANS.

Mead, Margaret (1901-1978) antropóloga americana

Aluna de Franz Boas (1858-1942) e de Ruth Benedict (1887-1948), de quem se tornou amiga, casada com Gregory Bateson*, que ficou conhecendo em 1933, quando estudava os Chambouli, na Nova Guiné, principal representante de Cultura e Personalidade, corrente que foi violentamente criticada por Geza Roheim* em 1950, Margaret Mead nasceu em Filadélfia em um meio intelectual que se interessava pelas ciências sociais. Depois de estudar psicologia e antropologia*, dedicou-se ao trabalho de campo, entre 1925 e 1938, para


melancolia

estudar duas tribos de índios americanos e sete sociedades da Oceania: uma situada nas ilhas Samoa, na Polinésia, quatro (Mundugumor, Arapesh, Chambouli, Iatmul) na Nova Guiné (Melanésia Ocidental) e duas outras em Manus e nas ilhas do Almirantado. Constatando a existência de diferenças irredutíveis de caráter, organização social, sentimentos, costumes e hábitos sexuais no interior dessas sociedades, Mead criticou todas as teses da antropologia que opunham uma mentalidade dita “primitiva”, dos povos não-civilizados, à mentalidade ocidental, dita lógica ou racional. Em uma perspectiva culturalista, e adotando um novo ponto de vista sobre a sexualidade* e as relações da criança com a mãe, extraído da psicanálise*, recusou o biologismo freudiano e a assimilação, feita em Totem e tabu*, do selvagem à criança, assim como a idéia de uma possível universalidade do complexo de Édipo* e dos estádios* da evolução psíquica humana. Preferindo as noções de personalidade básica ou de pattern (próprias do culturalismo* americano) aos conceitos da psicanálise, fez da personalidade um reflexo da cultura, condicionando a educação e tentando criar um modelo próprio a um grupo ou a uma comunidade. A partir dessa análise, demonstrou o caráter “cultural” de todo comportamento e de toda identidade. Daí a idéia de um diferencialismo generalizado: sexual (entre homem e mulher), social (entre as comunidades, as sociedades, os grupos), psíquico (entre as personalidades subjetivas). Nos anos 1940, como muitos antropólogos de sua geração, começou a aplicar seus métodos de análise das sociedades da Oceania às culturas ocidentais e tomou como campo de experiência a própria sociedade americana. Foi em Samoa, onde reinava a liberdade sexual, que ela decidiu lutar para transformar os modelos educativos de seu próprio país. Lutou então em duas frentes: contra o racismo e pela integração das diferenças étnicas e culturais. Nesse sentido, foi também adepta de um verdadeiro universalismo, fundado na aceitação das diferenças. • Margaret Mead, Moeurs et sexualité en Océanie (1928-1933), Paris, Plon, 1963; L’Un et l’autre sexe. Les Rôles d’homme et de femme dans la société (N. York, 1949), Paris, Gonthier, 1966 • M.C. Bateson,

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Regard sur mes parents. Une évocation de Margaret Mead et de Gregory Bateson (N. York, 1984), Paris, Seuil, 1989.

➢ DEVEREUX, GEORGES; DIFERENÇA SEXUAL; ETNOPSICANÁLISE; GÊNERO; KARDINER, ABRAM; MALINOWSKI, BRONISLAW; SEXUALIDADE FEMININA.

melancolia al. Melancholie; esp. melancolia; fr. mélancolie; ing. melancholy Termo derivado do grego melas (negro) e kholé (bile), utilizado em filosofia, literatura, medicina, psiquiatria e psicanálise* para designar, desde a Antigüidade, uma forma de loucura* caracterizada pelo humor sombrio, isto é, por uma tristeza profunda, um estado depressivo capaz de conduzir ao suicídio*, e por manifestações de medo e desânimo que adquirem ou não o aspecto de um delírio.

Embora a melancolia ocupe um lugar importante no dispositivo freudiano, os mais belos estudos sobre essa questão não foram produzidos pelo discurso psiquiátrico ou psicanalítico, mas pelos poetas, filósofos, pintores e historiadores, que souberam garantir-lhe um estatuto teórico, social, médico e subjetivo. Desde a descrição de Homero sobre a tristeza de Belerofonte, herói perseguido pelo ódio dos deuses por ter querido escalar o céu, até a teorização do “espírito melancólico” por Aristóteles, passando pelo relato mítico de Hipócrates sobre Demócrito, o filósofo “louco” que ria de tudo e dissecava os animais para neles encontrar a causa da melancolia do mundo, essa forma de deploração perpétua sempre foi, ao mesmo tempo, a expressão mais incandescente de uma rebeldia do pensamento e a manifestação mais extrema de um desejo* de auto-aniquilamento, ligado à perda de um ideal. Daí a idéia, desenvolvida por Erwin Panofsky (18921968), de que a história da melancolia seria a história de uma transferência permanente entre o campo da doença e o do espírito que contaria a intensa e sombria irradiação do sujeito da civilização às voltas com a deficiência de seu desejo. Foi a teoria hipocrática dos quatro humores que, durante séculos, permitiu descrever, de maneira mais ou menos idêntica, os sintomas

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melancolia

clínicos dessa doença: ânimo entristecido, sentimento de um abismo infinito, extinção do desejo e da fala, impressão de hebetude, seguida de exaltação, além de atração irresistível pela morte, pelas ruínas, pela nostalgia e pelo luto. Assim, a melancolia era associada à bile negra, ao lado dos outros três humores: “O sangue imita o ar, aumenta na primavera e impera na infância. A bile amarela imita o fogo, aumenta no verão e impera na adolescência. A melancolia ou bile negra imita a terra, aumenta no outono e impera na maturidade. A fleuma imita a água, aumenta no inverno e reina na velhice.” Doença da maturidade, do outono e da terra, a melancolia também pode diluir-se nos outros humores e caminhar de mãos dadas com a alegria e o riso (o sangue), a inércia (a fleuma) e o furor (a bile amarela): através dessas misturas, portanto, ela afirmaria sua presença em todas as formas de expressão humana. Daí nasceria a idéia de uma alternância cíclica entre um estado e outro (mania e depressão), característica da nosografia psiquiátrica moderna. Entretanto, como humor sombrio, a melancolia estaria ligada à doença de Saturno, deus terreno dos romanos, mórbido e desesperado, identificado com o Cronos da mitologia grega, que havia castrado o pai (Urano) antes de devorar os filhos. Assim, os melancólicos eram chamados de saturninos, mas cada época construiu sua própria representação da doença. Se o médico inglês Thomas Willis (16211675) foi o primeiro, no século XVII, a aproximar a mania da melancolia para definir um ciclo maníaco-depressivo, foi o filósofo Robert Burton (1577-1640) quem forneceu, em 1621, com Anatomy of Melancholy, a versão canônica de uma nova concepção da melancolia, já introduzida nos costumes. A partir do fim da Idade Média, com efeito, o termo tornou-se sinônimo de uma tristeza sem causa, e a antiga doutrina dos humores foi progressivamente substituída por uma causalidade existencial. Falava-se então de temperamento melancólico, pensando em Hamlet, que, na virada do século, tinha-se tornado a imagem por excelência do drama da consciência européia: um sujeito entregue a si mesmo, num mundo perpassado pelo advento da revolução copernicana. Embora conservasse o antigo vocabulário humoral, Burton assimilou

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a melancolia, portanto, a um desespero do sujeito abandonado por Deus. No fim do século XVIII e, em especial, às vésperas da Revolução Francesa, a melancolia surgiu como o grande sintoma do tédio destilado pela velha sociedade. Parecia atingir tanto os jovens burgueses, excluídos dos privilégios conferidos pelo nascimento, quanto os decaídos na escala social, que haviam perdido todos os referenciais. Grassava também entre os aristocratas ociosos, privados do direito de fazer fortuna. Tédio da felicidade, felicidade do tédio, sentimento de derrisão ou aspiração à felicidade de superar o tédio, a melancolia funcionava como um espelho onde se refletiam a falência geral da ordem monárquica e a aspiração à intimidade pessoal: “Todas as histórias universais e as buscas das causas me entediam”, dizia a escritora Marie Deffand; “esgotei todos os romances, contos e peças teatrais; somente as cartas, a vida particular e as memórias escritas pelos que fazem sua própria história ainda me divertem e me inspiram certa curiosidade. A moral e a metafísica provocam-me um tédio mortal. Que posso dizer-lhes? Vivi demais.” Acreditava-se também que alguns climas favoreciam a doença, mais freqüente nos países nórdicos do que nas regiões meridionais. Por fim, na mulher, ela era freqüentemente aproximada da doença dos vapores, ora atribuída ao baço, fonte da bile negra, ora ao útero, lugar imaginário da sexualidade feminina*. Com a instauração do saber psiquiátrico no século XIX, a melancolia foi submetida a numerosas variações terminológicas, inicialmente destinadas a transformar essa estranha “felicidade por estar triste” (como diria Victor Hugo) numa verdadeira doença mental, sem floreios literários ou filosóficos, e depois, a inscrevê-la numa nova nosografia, dominada pela divisão entre psicose* e neurose*. Chamada de lipemania por Jean-Étienne Esquirol (1772-1840), a melancolia assumiu posteriormente o nome de loucura circular, sob a pena de Jean-Pierre Falret (1794-1870), sendo então aproximada da mania. No fim do século, foi integrada por Emil Kraepelin* à loucura maníaco-depressiva, fundindo-se em seguida à psicose maníaco-depressiva*.


Meng, Heinrich

Se os herdeiros da nosografia alemã tenderam a fazer a melancolia submergir no vocabulário técnico do discurso psiquiátrico, os fenomenologistas conservaram o termo, também eles efetuando uma aproximação da mania. Foi o que se deu, em particular, com Ludwig Binswanger*, que designou a melancolia como uma alteração da experiência temporal, e a mania, como uma deficiência da relação intersubjetiva. Pouco interessado nessa psiquiatrização do estado melancólico, Sigmund Freud* renunciou a aproximar a mania da depressão, preferindo revigorar a antiga definição da melancolia: não uma doença, mas um destino subjetivo. Já em 1895 ele se interrogava sobre a melancolia e, num manuscrito enviado a Wilhelm Fliess*, aproximou-a do luto, isto é, do “pesar por alguma coisa perdida”, comparou-a à anorexia e a relacionou com uma falta de excitação sexual somática. Foi somente em 1917, entretanto, que publicou um texto magistral sobre a questão, “Luto e melancolia”, fazendo desse segundo termo a forma patológica do primeiro. Enquanto o sujeito, no trabalho do luto, consegue desligar-se progressivamente do objeto perdido, na melancolia, ao contrário, ele se supõe culpado pela morte ocorrida, nega-a e se julga possuído pelo morto ou pela doença que acarretou sua morte. Em suma, o eu* se identifica com o objeto perdido, a ponto de ele mesmo se perder no desespero infinito de um nada irremediável. Antes da publicação, Freud enviou esse texto a Karl Abraham*, grande especialista freudiano nas psicoses e, em especial, na melancolia, sob a forma da psicose maníaco-depressiva, à qual dedicaria diversos artigos. Enquanto os freudianos associaram os dados da nosografia psiquiátrica à reflexão psicanalítica sobre o luto, a escola kleiniana, marcada desde o início pelo trabalho de Abraham, acentuou a problemática da perda do objeto e da posição depressiva* inscrita no âmago da realidade psíquica*. No fim do século XX, a depressão, forma atenuada da melancolia, vai se tornando, nas sociedades industriais avançadas, uma espécie de equivalente da histeria* da Salpêtrière, outrora exibida por Jean Martin Charcot*: uma

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verdadeira doença de época. Se esta última, no entanto, se afigurara aos olhos dos contemporâneos como uma revolta do corpo feminino contra a opressão patriarcal, a depressão, ao contrário, cem anos depois, parece ser a marca de um fracasso do paradigma da revolta, num mundo desprovido de ideais e dominado por uma poderosa tecnologia farmacológica, muito eficaz no plano terapêutico. Por outro lado, existe um dado invariável na estrutura melancólica, como mostrou Freud. Ele reside na impossibilidade permanente de o sujeito fazer o luto do objeto perdido. E é isso, sem dúvida, que explica a presença do famoso “temperamento melancólico” nos grandes místicos, sempre ameaçados de se afastar de Deus, nos revolucionários, sempre à procura de um ideal que se esquiva, e em alguns criadores, sempre em busca de uma auto-superação. • Sigmund Freud, “Luto e melancolia” (1917), ESB, XIV, 275-92; GW, X, 427-46; SE, XIV, 237-58; OC, XIII, 259-78; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Aristóteles, L’Homme de génie, prefácio e apresentação de Jackie Pigeaud, Paris, Rivages, 1988 • Karl Abraham, “Notas sobre as investigações e o tratamento psico-analítico da psicose maníaco-depressiva e estados afins”, in Karl Abraham, Teoria psicanalítica da libido. Sobre o caráter e o desenvolvimento da libido, Rio de Janeiro, Imago, 1970, 32-50 • Ludwig Binswanger, Mélancolie et Manie (Pfullingen, 1960), Paris, PUF, 1987 • Jean Starobinski, Histoire du traitement de la mélancolie des origines à 1900, Geigy S.A., Suíça, novembro de 1960 • Michel Foucault, História da loucura na idade clássica (Paris, 1961), Petrópolis, Vozes, 1976 • Hubertus Tellenbach, La Mélancolie (Heidelberg, 1961), Paris, PUF, 1979 • Raymond Kibansky, Erwin Panofsky e Fritz Saxl, Saturne et la Mélancolie (N. York, 1964), Paris, Gallimard, 1989 • Julia Kristeva, Soleil noir. Dépression et mélancolie, Paris, Gallimard, 1987 • Élisabeth Roudinesco, Théroigne de Méricourt. Une femme mélancolique sous la Révolution, Paris, Seuil, 1989 • Marie-Claude Lambotte, Le Discours mélancolique, Paris, Anthropos, 1993 • Jacques Hassoun, La Cruauté mélancolique, Paris, Aubier, 1995.

➢ ANÁLISE EXISTENCIAL; ESQUIZOFRENIA; MOSER, FANNY; OBJETO, RELAÇÃO DE; PARANÓIA.

Meng, Heinrich (1887-1975) médico e psicanalista suíço

Pioneiro da aplicação da psicanálise* ao campo da higiene mental, que chamava de “higiene psíquica”, militante socialista e antifas-

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Menninger, Karl

cista convicto, Heinrich Meng era de uma família de professores primários protestantes. Nasceu na Alemanha*, na aldeia de Hohnhurst, perto de Estrasburgo. Com a idade de 2 anos, contraiu uma longa doença, à qual sobreviveu, segundo ele, “graças ao amor indefectível e à fé religiosa de sua mãe”. Vegetariano, apaixonado por nutrição, história das religiões, filosofia e fisiologia, começou a estudar medicina em Freiburg em 1907. Ali, ouviu falar pela primeira vez de Sigmund Freud*, quando de uma conferência dada por August Forel*. Depois de fazer vários estágios e uma pesquisa sobre o alcoolismo, instalou-se em Stuttgart, onde abriu um consultório como clínico geral. Praticou então o hipnotismo, a sugestão* e interessou-se pela homeopatia. Pacifista durante a Primeira Guerra Mundial, serviu como médico nos campos de prisioneiros e nos hospitais da frente de batalha. Em 1918, interessou-se pela psicanálise e começou uma correspondência com Freud. Em Viena*, durante uma permanência de nove meses, analisou-se com Paul Federn*, e assistiu às reuniões da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Em 1923, aceitou um posto de assessor médico no Kremlin para estudar as teorias pavlovianas. Tentou em vão aproximarse de Lenin, e deixou Moscou, voltando para Stuttgart, onde organizou conferências para operários sobre a profilaxia das doenças psíquicas. Dali, foi a Berlim para integrar-se à equipe da prestigiosa policlínica do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI), criada por Max Eitingon* e Ernst Simmel*. Fez então uma segunda análise com Hanns Sachs*, e seguiu os cursos de Karl Abraham*. Adepto de uma concepção unitária da medicina, interessou-se por todas as formas de psicoterapia*, visando popularizar as descobertas da psicanálise. A partir de 1928, residindo em Frankfurt com Karl Landauer*, dirigiu o Instituto de Psicanálise e trabalhou como psicoterapeuta com adolescentes portadores de diversos distúrbios, principalmente anorexia. Em 1933, depois de se indispor publicamente com Carl Gustav Jung*, cuja atitude em relação ao nacional-socialismo reprovava, recusou a política de “salvamento” da psicanálise na Alemanha*, preconizada por Ernest Jones*, e solida-

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rizou-se com seus colegas judeus expulsos pelos nazistas. Como eles, tomou o caminho do exílio e instalou-se em Basiléia, onde foi criada para ele a primeira cátedra de “higiene psíquica”, que ocupou até sua aposentadoria em 1956. Tornando-se um dos grandes especialistas da pedagogia psicanalítica, foi a Israel em 1959 e encontrou-se não só com o filósofo Martin Buber (1878-1965), que se tornou seu amigo, mas também com os organizadores da prevenção da delinqüência, que se inspiraram em seus trabalhos. No fim da vida, aceitou voltar à Alemanha, para fazer conferências em várias universidades. • Heinrich Meng, Strafen und Erziehen, Berne, Huber, 1934; Protection de la santé mentale (Basiléia, 1940), Paris, Payot, 1944; Leben als Begegnung, Stuttgart, Hippokrates Verlag, 1971 • Heinrich Meng e Paul Federn, Das psychoanalytische Volksbuch, Stuttgart, Hippokrates Verlag, 1927 • Adolf Friedemann, “Heinrich Meng, b.1887, Psicanálise e higiene mental”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Jeanne Moll, “Heinrich Meng”, inédito.

➢ AICHHORN, AUGUST; BERNFELD, SIEGFRIED; JUDEIDADE; NAZISMO; PFISTER, OSKAR; SUÍÇA; ZULLIGER, HANS.

Menninger, Karl (1893-1990) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Topeka, no Kansas, e analisado por Franz Alexander* e Ruth Mack-Brunswick*, Karl Menninger era filho de um homeopata de origem berlinense que se casara com uma mulher de religião presbiteriana, fundadora de uma escola bíblica. Com seu irmão William, Karl desempenhou um papel considerável na história da implantação da psicanálise* e da psiquiatria dinâmica* em solo americano, ao mesmo tempo como presidente da American Psychoanalytic Association* (APsaA) e como fundador, a partir de 1926, em pleno coração dos Estados Unidos*, do maior centro de formação psiquiátrica e psicanalítica do mundo, ao qual deu seu nome: a Menninger School of Psychiatry. A ela, foram incorporados o Instituto Psicanalítico de Topeka, pertencente à International Psychoanalytical Association * (IPA) e a


Mesmer, Franz Anton

extraordinária Menninger Clinic, lugar de passagem obrigatória de todos os terapeutas expulsos da Europa pelo nazismo* a partir de 1933. Grande reformador da psiquiatria tradicional, Menninger se inspirou ao mesmo tempo na experiência berlinense de Ernst Simmel* e na tradição suíça de Eugen Bleuler*, para militar por um tratamento humanista da loucura* carcerária. Durante toda a vida, combateu calorosamente pelos direitos das crianças e das mulheres, de todos os oprimidos, qualquer que fosse a cor de sua pele. Enfim, desejou mudar radicalmente o regime das prisões. Assim, a sua célebre clínica se tornou, ao longo dos anos, “a Meca da psiquiatria e da psicanálise”, o laboratório de todas as teorias e de todas as terapias, desde a etnopsiquiatria* até a Self Psychology*, passando pelo freudismo clássico: bela ilustração do seu engajamento internacionalista. Georges Devereux* esteve na clínica, assim como Henri F.Ellenberger*, que fez dela uma descrição idílica: “É difícil encontrar palavras, escreveu em 1952, para expressar a extraordinária perfeição dessa organização [...]. Nela, há uma multidão de médicos vindos de todos os países, alemães, austríacos, húngaros, suíços, holandeses, russos, tchecos, e muitos mais [...]. Não se percebe nenhuma revalidade entre eles e os de origem americana [...]. Na verdade, há várias coisas diferentes, embora ligadas: a fundação propriamente dita (a ‘kaaba’ dessa Meca), que antigamente era uma casa de saúde particular, da qual se originou todo o resto, pouco a pouco. Depois, o Winter Veteran Hospital, gigantesco estabelecimento de 1.400 doentes, com um imenso pessoal. Há quilômetros e quilômetros de galerias, e no início só se pode andar com um guia...” Foi no espírito dessa experiência menningeriana que se inspiraram vários filmes hollywoodianos dos anos 1950, dedicados à expansão da psicanálise nos Estados Unidos: por exemplo, A casa do doutor Edwards, de Alfred Hitchcock (1899-1980) ou ainda A febre no sangue de Elia Kazan. • Karl Menninger, Man against Himself, N. York, Harcourt and Brace, 1938 • Nathan G.Hale, Freud and the Americans, 1917-1985. The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995 • Henri F. Ellenberger,

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Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995.

Mesmer, Franz Anton (1734-1815) médico austríaco

Nascido em Iznang, pequena aldeia da margem alemã do Lago de Constança, Franz Anton Mesmer foi o iniciador da primeira psiquiatria dinâmica*. Amigo de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), que lhe inspirou a idéia de que o poder sugestivo da música podia ser encontrado na experiência magnética, foi muitas vezes confundido com seu duplo, Joseph Balsamo (1743-1795), dito Cagliostro, célebre aventureiro imortalizado por Alexandre Dumas (1802-1870). Esses dois homens não se pareciam, mas ambos pertenciam às lojas maçônicas e freqüentavam os círculos iluministas: “Essas filiações, escreveu Robert Amadou, lhes abriram as portas dos meios mais cultos do século das Luzes. Mas Cagliostro [...] só tocou no magnetismo por acidente e se apresentava como um alquimista fazedor de ouro e um necromante invocador de fantasmas. Sob essa máscara, era um prestidigitador hábil e um escroque de rica imaginação. Mesmer era autenticamente médico da Faculdade de Viena* e conhecedor da física, da filosofia e da teologia do seu tempo. Acrescentara aos seus conhecimentos ciências proibidas, como a astrologia e a química. Como Fausto, sabia coisas demais, e não tinha gênio suficiente para tirar delas um sistema coerente e aceitável pelos sábios que conheciam as descobertas de Newton.” Em 1773, Mesmer popularizou a doutrina do magnetismo animal, que daria origem ao hipnotismo (hipnose*) inventado por James Braid (1795-1860), à sugestão* e à teoria freudiana da transferência*. Afirmava que as doenças nervosas provinham de um desequilíbrio na distribuição de um “fluido universal”, que circulava no organismo humano e animal. Com Oesterline, uma jovem de 29 anos, que sofria de distúrbios histéricos, vômitos, sufocações e cegueira, experimentou pela primeira vez um tratamento dito magnético. Mesmer deu assim um conteúdo racional à teoria fluídica. Afirmava que o fluido se aparentava ao “ímã”, do qual já se serviam os médicos

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metáfora

para extirpar do corpo (por imantação) o mal psíquico (histeria*, melancolia*), de que sofriam os pacientes, em geral mulheres, mas enfatizando que o ímã não era o verdadeiro agente da cura. A virtude curativa provinha, segundo ele, do próprio médico, portador de um fluido magnético, emanando, por exemplo, do brilho dos seus olhos. Para restabelecer o equilíbrio da circulação fluídica, devia-se pôr o doente em estado de sonambulismo e provocar nele estados convulsivos, por uma série de manipulações, chamadas passes magnéticos. Atacado por todas as academias da Europa, Mesmer conquistou todavia um sucesso estrondoso com os seus tratamentos magnéticos. Na Baviera, na Eslováquia, na Suábia, na Hungria*, na Suíça* e em Viena, curou doenças psíquicas, acreditando na ação do seu fluido. A 23 de novembro de 1775, a pedido do príncipeeleitor da Baviera, preocupado em combater o poder da Igreja* em nome das Luzes e em pôr fim às práticas de feitiçaria, Mesmer foi convidado a confrontar-se com o padre Johann Joseph Gassner (?-1779). Humilde sacerdote rural e célebre exorcista de Würtemberg, Gassner praticava a expulsão do mal “demoníaco” do corpo das histéricas, depois de ter experimentado o método no seu próprio corpo, por ocasião de um confronto com o diabo. Ora, na presença da corte e das autoridades, Mesmer provocou e curou convulsões em um doente, sem recorrer ao exorcismo. Declarou que Gassner era um homem honesto, mas curava os seus doentes sem saber, graças ao magnetismo: “Foi assim, escreveu Henri F. Ellenberger*, que Franz Anton Mesmer operou em 1775 a guinada decisiva do exorcismo para a psicoterapia* dinâmica.” Em Viena, Mesmer tratou, pelo magnetismo, de Maria-Theresia Paradis, uma jovem musicista de 18 anos. Em um primeiro tempo, ela recobrou a visão, mas a sua cura foi contestada e ela voltou à cegueira. Abalado com esse fracasso, Mesmer mergulhou na depressão e depois deixou a Áustria, para instalar-se em Paris. Ali, a partir de 1778, e até as vésperas da Revolução, o magnetismo fez um enorme sucesso. Tornando-se uma espécie de mago, Mesmer formou discípulos, que fundaram a Sociedade da Harmonia Universal, destinada a

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restabelecer os vínculos entre os homens, pela força de um fluido. Graças à sua famosa “tina”, ele tratava coletivamente dos numerosos doentes que acorriam à sua suntuosa mansão. Em uma tina cheia d’água eram depositados pedaços de vidro, pedras e hastes metálicas, cujas pontas tocavam os pacientes, ligados entre si por uma corda, que permitia a circulação do fluido. Em 1784, uma comissão composta de peritos da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina, entre os quais Benjamin Franklin (1706-1790) e Antoine de Lavoisier (1743-1794), condenou o mesmerismo e suas práticas, assim como a teoria do fluido, e declarou que os efeitos terapêuticos obtidos por Mesmer se deviam ao poder da imaginação humana. Nessa data, o marquês Armand de Puységur (1751-1825) demonstrou na sua aldeia de Buzancy a natureza psicológica, e não fluídica, da relação terapêutica, substituindo o tratamento magnético por um estado de “sono desperto” ou “sonambulismo”. Em 1931, quando Sigmund Freud* leu a obra que Stefan Zweig* acabava de dedicar a Mesmer e à história da “cura pelo espírito”, atribuiu o devido lugar a esse médico das Luzes na história da invenção da sugestão: “Penso, como você, que a verdadeira natureza da sua descoberta, isto é, a sugestão, ainda não está identificada.” Isso se faria pelos trabalhos da historiografia* erudita. • Franz Anton Mesmer, Le magnétisme animal, obras publicadas por Robert Amadou, Paris, Payot, 1971 • Robert Darnton, La fin des Lumières. Le mesmérisme et la Révolution (Cambridge, 1968), Paris, Perrin, 1984 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Étienne Trillat, Histoire de l’hystérie, Toulouse, Privat, 1986 • Sigmund Freud e Stefan Zweig, Correspondance (Frankfurt, 1987), Paris, Rivages, 1995.

➢ BERNHEIM, HIPPOLYTE; ESPIRITISMO; HAITZMANN, CHRISTOPHER; LIÉBEAULT, AUGUSTE; PSICANÁLISE.

metáfora ➢ CONDENSAÇÃO; SIGNIFICANTE.


metapsicologia

metapsicologia al. Metapsychologie; esp. metapsicología; fr. métapsychologie; ing. metapsychology Termo criado por Sigmund Freud*, em 1896, para qualificar o conjunto de sua concepção teórica e distingui-la da psicologia clássica. A abordagem metapsicológica consiste na elaboração de modelos teóricos que não estão diretamente ligados a uma experiência prática ou a uma observação clínica; ela se define pela consideração simultânea dos pontos de vista dinâmico, tópico* e econômico.

Foi numa carta a Wilhelm Fliess*, datada de 13 de fevereiro de 1896, que Freud utilizou pela primeira vez, e sem maiores explicações, o termo metapsicologia: “A psicologia — ou melhor, a metapsicologia — preocupa-me ininterruptamente.” Menos de dois meses depois, em 2 de abril de 1896, sempre se dirigindo a Fliess, forneceu um primeiro esclarecimento sobre “algumas questões metapsicológicas” que lhe pareciam ligadas em um “nível superior” à simples “psicologia das neuroses”: reconheceu que, para ele, na passagem da medicina para a psicologia, tratava-se de realizar seu desejo inicial de se dedicar aos conhecimentos filosóficos, não sendo a atividade terapêutica mais do que uma conseqüência anexa e imprevista dessa mudança de orientação. A psicologia clássica e a psicologia da consciência não podiam ser objeto de uma iniciativa intelectual cuja realização requeria um quadro teórico e uma forma de cientificidade que, pautando-se no encaminhamento filosófico, levassem a pensar a articulação dos processos psíquicos com os fundamentos biológicos. Numa outra carta a Fliess, datada de 10 de março de 1898, Freud evocou o trabalho em andamento sobre a interpretação* dos sonhos e escreveu: “Parece-me que a explicação através da realização de um desejo fornece uma solução psicológica, mas não uma solução biológica, e sim metapsicológica.” E acrescentou entre parênteses: “Aliás, é preciso que me digas seriamente se posso dar à minha psicologia, que desemboca no pano de fundo do consciente, o nome de metapsicologia.” Essas anotações encontraram uma forma de expressão mais elaborada em A psicopatologia da vida cotidiana*: se a metafísica constitui

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uma espécie de modelo formal para a futura metapsicologia, o objetivo não é nos encerrarmos nela, mas avaliá-la e estabelecer que as construções filosóficas (mitológicas, religiosas), assim como todas as formas de crenças e delírios que delas podem derivar, não constituem outra coisa senão uma “psicologia projetada no mundo externo”. E Freud esclarece imediatamente: “O conhecimento obscuro dos fatores e fatos psíquicos do inconsciente (em outras palavras, a percepção endopsíquica desses fatores e fatos) reflete-se (...) na construção de uma realidade supra-sensível que a ciência retransforma numa psicologia do inconsciente. Poderíamos atribuir-nos a tarefa de decompor, colocando-nos nesse ponto de vista, os mitos relativos ao paraíso e ao pecado original, ao mal e ao bem, à imortalidade etc., e de traduzir a metafísica em metapsicologia.” Passados uns quinze anos, no artigo dedicado ao inconsciente*, Freud dá uma definição precisa do termo metapsicologia: “Proponho falar de apresentação metapsicológica quando lograrmos descrever um processo psíquico em suas relações dinâmica, tópica e econômica. É de se prever que, no atual estado de nossos conhecimentos, só consigamos fazê-lo com respeito a pontos isolados.” É essa mesma definição, enunciada com maior vigor, que vamos encontrar nas primeiras linhas de Mais-além do princípio de prazer*: “Cremos que um modo de exposição em que tentemos apreciar o fator econômico, além dos fatores tópico e dinâmico, é o mais completo que podemos conceber na atualidade, e que ele merece ser destacado pelo termo metapsicologia.” A nos atermos a essas definições, seria preciso agruparmos sob o rótulo de metapsicologia uma grande parte da obra freudiana. É um pouco mais restritivo o uso que guarda como escritos metapsicológicos o “Projeto para uma psicologia científica”, o sétimo capítulo de A interpretação dos sonhos*, as “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental”, o ensaio “Sobre o narcisismo: uma introdução”, e ainda Mais-além do princípio de prazer*, O eu e o isso* e o Esboço de psicanálise*. Um outro uso, introduzido por Freud, pretende que agrupemos sob essa denominação os cinco textos metapsicológicos que ele começou

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metapsicologia

a redigir em 1915. Esses cinco textos — “As pulsões e suas vicissitudes”*, “Recalque”*, “O inconsciente”, “Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos” e “Luto e melancolia” —, publicados entre 1915 e 1917, participaram do projeto de Freud de escrever seus Elementos para uma metapsicologia, doze ensaios que teriam constituído uma espécie de testamento. A primeira redação do conjunto foi concluída no início do mês de agosto de 1915. Algumas cartas a Lou Andreas-Salomé*, datadas do outono de 1915 e da primavera de 1916, assim como uma carta a Karl Abraham* de 11 de novembro de 1917, atestam que, no espírito de Freud, os últimos sete textos teriam que ser seriamente reformulados para que pudessem ser publicados. Podemos formular a hipótese de que, nesse momento, Freud estava começando a conceber uma abordagem diferente: a que daria origem, nos anos do pós-guerra, ao que se denominou de “grande reformulação”, caracterizada pela introdução de uma nova dualidade pulsional e de uma nova tópica, que marcaram uma ruptura com as idéias do projeto metapsicológico. Não se havendo encontrado os manuscritos dos sete ensaios não publicados, impôs-se a hipótese de sua destruição pelo próprio Freud. Em 1983, quando fazia em Londres o levantamento dos documentos deixados por Sandor Ferenczi* aos cuidados de Michael Balint*, Ilse Grubrich-Simitis encontrou um manuscrito de Freud: o esboço do último dos doze ensaios metapsicológicos, dedicado às neuroses de transferência*. Uma carta a Ferenczi anunciava o envio do texto e deixava a critério do destinatário a opção de “jogá-lo fora ou guardá-lo”. O texto compõe-se de uma primeira parte dedicada aos seis fatores — recalque, contrainvestimento*, formação substitutiva, formação de sintoma, relação com a função sexual e predisposição à neurose — que interferem nas três neuroses de transferência: histeria* de angústia (fobia*), histeria de conversão e neurose obsessiva*. Na segunda parte, Freud abandona o terreno clínico e a perspectiva ontogenética para estudar o papel das predisposições hereditárias na etiologia das neuroses. É o começo do que Ilse Grubrich-Simitis denomina de “aventura da reconstituição filogenética”, cuja

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lógica leva Freud a ultrapassar seu tema inicial para nele incluir as “neuroses narcísicas” (psicoses*). No decorrer dessa “aventura”, Freud se permite desenvolver hipóteses que considera um punhado de “fantasias”. Nesse ponto, depara novamente com a questão da hereditariedade dos traços adquiridos e com a famosa lei, chamada lei da recapitulação, atribuída a Ernst Heinrich Haeckel*, referências das quais ele já se servira amplamente nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade* e em Totem e tabu*. No momento em que redige o esboço desse décimo segundo ensaio, sua reflexão filogenética é estimulada por Ferenczi, que, por sua vez, estava entregue a uma especulação “bioanalítica”. Os dois homens desenvolvem profusamente essas questões em sua correspondência dos anos de 1915-1917. Em especial, são as teses de JeanBaptiste Lamarck (1744-1829) que retêm sua atenção, a ponto de nascer a idéia de uma obra comum dedicada ao tema “lamarckismo e psicanálise”: no começo do ano de 1917, Freud remete a Ferenczi um “Esboço para o trabalho sobre Lamarck”. Rapidamente, contudo, e mesmo sem abandonar suas referências à filogênese, a Haeckel e a Lamarck, cujos vestígios encontramos em seus últimos trabalhos (Moisés e o monoteísmo* e Esboço de psicanálise), Freud abandona esses projetos, entregando a direção deles a seu discípulo húngaro, que lhes dedicaria uma elaboração em seu livro Thalassa. Ensaio sobre a teoria da genitalidade, publicado em 1924. A fragilidade de certas referências freudianas, quer se trate do princípio de constância de Gustav Theodor Fechner*, e, em termos mais genéricos, dos dados da psicofísica de sua época — os quais, de resto, ele trata apenas como hipóteses —, quer se trate das especulações lamarckianas — que ele tem menos disposição a colocar em dúvida —, constituiu, para um grande número de psicanalistas, muito antes da publicação desse manuscrito perdido, um argumento para duvidar da validade e da utilidade da metapsicologia. Esses questionamentos deram ensejo a um enfraquecimento da teoria psicanalítica, ilustrado, em particular, pela corrente norte-americana da Ego Psychology*. E foi em reação a esses desvios que Jacques Lacan* empreendeu


Meyer, Adolf

seu “retorno a Freud”, que acabaria desembocando na substituição do apoio biológico freudiano pelo recurso à lingüística moderna e, mais tarde, à lógica formal e à topologia matemática. Freud tinha plena consciência de que seu objetivo assintótico, a teorização da articulação do psiquismo com o substrato biológico, colocava todo o conjunto de seu trabalho à mercê das futuras descobertas da biologia, que um dia poderiam fazer ruir o edifício que ele construíra pacientemente. Entretanto, longe de desanimar diante dessa perspectiva, ele parece haver considerado que a reflexão metapsicológica, com suas inevitáveis especulações, constituía a única defesa epistemológica em condições de erguer uma barreira contra as derivas psicologizantes ou organicistas que, já em sua época, constituíam o principal perigo para essa nova ciência. É assim que podemos entender esta sua declaração tardia, sob a forma de uma profissão de fé: “Sem especular nem teorizar — eu quase diria fantasiar — metapsicologicamente, não se dá um passo adiante.” • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986; A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; A psicopatologia da vida cotidiana (1901), ESB, VI; GW, IV; SE, VI; Paris, Payot, 1973; Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; Totem e tabu (1913), ESB, XIII, 17-192; GW, IX; SE, XIII, 1-161; Paris, Gallimard, 1993; “As pulsões e suas vicissitudes” (1915), ESB XIV, 137-68; GW, X, 209-32; SE, XIV, 109-40; OC, XIII, 161-85; “Recalque” (1915), ESB XIV, 169-90; GW, X, 247-61; SE, XIV, 141-58; OC, XIII, 188-201; “O inconsciente” (1915), ESB, XIV, 191-233; GW, X, 263-303; SE, XIV, 159-204; OC, XIII, 205-43; “Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos” (1915), ESB, XIV, 253-74; GW, X, 411-26; SE, XIV, 217-35; OC, XIII, 243-58; “Luto e melancolia” (19151917), ESB, XIV, 275-92; GW, X, 427-46; SE, XIV, 237-58; OC, XIII, 259-78; Neuroses de transferência: uma síntese (1915) (Frankfurt, 1985), Rio de Janeiro, Imago, 1987; GW, Nachtragsband, 1987, 634-51; Paris, Gallimard, 1986; “Análise terminável e interminável” (1937), ESB, XXIII, 247-90; GW, XVI, 59-99; SE, XXIII, 209-53; in Résultats, idées, problèmes, vol.2, 1921-1938, Paris, PUF, 1985, 231-68; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246, GW, XVII, 67138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 1967; Moisés e o monoteísmo (1939), ESB, XXIII, 1-167; GW, XVI, 103246; SE, XXIII, 1-137; Paris, Gallimard, 1986 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance (1907-1926)

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(Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Paul-Laurent Assoun, Metapsicologia freudiana: uma introdução (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996 • Sandor Ferenczi, “A metapsicologia de Freud” (1922), in Psicanálise IV, Obras completas, 1927-1933 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1994, 223-34; “Thalassa, ensaio sobre teoria da genitalidade” (1924), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 255-326 • Ilse Grubrich-Simitis, “Metapsicologia e metabiologia”, in Sigmund Freud, Neuroses de transferência: uma síntese (1915; Frankfurt, 1985), Rio de Janeiro, Imago, 1987 • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa, pref. de Ernst Pfeiffer (Frankfurt, 1966, N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Daniel Widlöcher, Métapsychologie du sens, Paris, PUF, 1986.

➢ INCONSCIENTE; MATEMA: NÓ BORROMEANO; PULSÃO; RECALQUE; TÓPICA.

método catártico ➢ CATARSE.

metonímia ➢ CONDENSAÇÃO; DESLOCAMENTO; SIGNIFICANTE; SONHO.

Meyer, Adolf (1866-1950) psiquiatra americano

Filho de pastor e fundador da escola americana de psiquiatria dinâmica*, Adolf (ou Adolph) Meyer foi um dos pioneiros da introdução da psicanálise* nos Estados Unidos*. Nascido na Suíça*, em Niederweningen, perto de Zurique, iniciou-se na psiquiatria na clínica do hospital Burghölzli, com August Forel*. Depois de uma permanência em Londres, onde seguiu os cursos de Hughlings Jackson*, e depois em Paris, onde assistiu ao de Jean Martin Charcot*, emigrou para os Estados Unidos em 1893. Até 1896, foi patologista no Illinois Eastern Hospital for the Insane, em Kankakee. Depois dessa experiência, ensinou na Clark University de Worcester, onde Sigmund Freud* iria em 1909, a convite de Stanley Hall*. Foi também chefe de clínica no Worcester Insane Hospital, onde James Jackson Putnam* e Wil-

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Meyers, Donald Campbell

liam James constataram que ele estudava cada caso como um todo. Na verdade, na tradição da escola de Zurique, que deu origem a essa nova psiquiatria dinâmica, da qual Freud e Eugen Bleuler* foram também artífices, ele considerava a origem da doença mental ao mesmo tempo como uma reação a um meio patogênico e como uma estrutura, na qual se misturavam a organogênese e a psicogênese. Entre 1902 e 1910, dirigiu o New York State Psychiatric Institute, onde introduziu, para o tratamento da demência precoce (esquizofrenia*), os testes associativos de Carl Gustav Jung* e a técnica da psicanálise. Assim, esse instituto se tornou um dos centros mais importantes da difusão das idéias freudianas nos Estados Unidos. Muitos foram os psiquiatras, entre os alunos de Meyer, que tomaram depois o caminho da psicanálise. Em 1913, continuou a ensinar em Baltimore, na John Hopkins University, onde também os seus alunos de psiquiatria se orientaram para o freudismo*. Embora fosse ele próprio membro da American Psychoanalytic Association* (APsaA), não adotou a teoria freudiana do inconsciente* e convenceu-se de que só o pensamento consciente poderia favorecer a integração do homem na sociedade. Nisso, representava perfeitamente os ideais dessa psicanálise à americana, de todas as tendências, centrada, apesar da sua adesão à doutrina vienense, na prioridade da consciência e numa concepção da adaptação estranha ao freudismo original. Em 1907, depois da publicação da obra de um ex-doente mental, que explicava como fora curado, Meyer começou a definir um programa de higiene mental, fundado na prevenção das desordens da alma no meio hospitalar. De acordo com a ética protestante, que inspirou tanto a escola suíça de psiquiatria dinâmica, de Forel a Bleuler, passando por Jung e Oskar Pfister*, foi um pedagogo cujos princípios morais agiram perfeitamente bem em um país marcado pela tradição puritana. • L’Introduction de la psychanalyse aux États-Unis. Autour de James Jackson Putnam (Londres, 1968), Nathan G. Hale (org.), Paris, Gallimard, 1978, 17-86 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Beginnings of Psychoanalysis in the United States, 18761917, t.I, (1971), N. York, Oxford University Press, 1995

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• Jacques Postel e Claude Quétel (org.), Nouvelle histoire de la psychiatrie, Toulouse, Privat, 1983.

Meyers, Donald Campbell (1863-1927) médico canadense

Nascido em Trenton, na província de Ontario, Donald Campbell Meyers estudou medicina e neurologia no Trinity College Medical School de Toronto, antes de ir à Europa, principalmente à França*, para acompanhar os cursos de Jean Martin Charcot*. Voltando em 1894, foi o primeiro canadense a aplicar os princípios da psicanálise* ao tratamento das neuroses* e a abrir uma sala para os doentes nervosos no hospital geral de Toronto. Depois, fundou uma clínica particular. Severamente criticado por essa inovação pelo psiquiatra Edward Ryan, foi firmemente convidado pelo governo da província de Ontario a fazer parte de uma comissão de observação e estudos de psiquiatria na Europa, na qual seria o rival de Charles Kirk Clarke*. • Alan Parkin, An History of Psychoanalysis in Canada, Toronto, The Toronto Psychoanalytic Society, 1987.

➢ AUSTRÁLIA; CANADÁ; GLASSCO, GERALD STINSON; JONES, ERNEST.

Meynert, Theodor (1833-1892) psiquiatra alemão

Esse mestre da psiquiatria vienense, amante da música, da arte e da literatura, foi, como Hermann Nothnagel*, aluno de Karl Rokitanski (1804-1878). A partir de 1873 até a morte, ocupou o posto de médico-chefe do hospital psiquiátrico da cidade. Personagem de caráter difícil e ambivalente, era conhecido por suas cóleras passionais, e talvez essa atitude não tenha sido estranha ao interesse que ele dedicou à amentia, ou seja, a confusão mental. Grande anatomista do cérebro, inspirou-se no modelo herbartiano para diferenciar o córtex superior, do qual fez uma instância socializada, do córtex inferior, de natureza primitiva ou arcaica. Essa descrição lhe possibilitou formular, depois de Wilhelm Griesinger (1817-1869), a hipótese de um eu* primário e de um eu secundário, que seria retomada por Freud em 1895, no seu “Projeto para uma psicologia científica”, e depois


Meynert, Theodor

pelos fundadores da Ego Psychology*. Segundo Meynert, o eu primário era a parte geneticamente primeira e inconsciente da vida mental, que se manifestava no momento em que a criança tomava consciência da separação entre o seu corpo e o ambiente. O eu secundário era, ao contrário, o instrumento de um controle da percepção. Querendo reduzir todos os fenômenos psicológicos a um substrato orgânico, Meynert acabou por elaborar uma verdadeira “mitologia cerebral”. Por conseguinte, adotou o ponto de vista do niilismo terapêutico, desprezando os tratamentos da alma e não procurando curar os alienados que estavam sob seus cuidados. Sigmund Freud* foi seu aluno em 1883. Passou cinco meses na sua clínica psiquiátrica, onde, pela única vez na sua vida, teve a ocasião de observar várias dezenas de doentes mentais hospitalizados: “Há uma grande diferença, escreveu Albrecht Hirschmüller, entre a maneira pela qual Freud aborda os casos estritamente neurológicos e os casos psiquiátricos, no sentido moderno do termo. No que se refere aos primeiros, ele se mostra um clínico perspicaz [...], mas não consegue abordar os doentes gravemente psicóticos de um ponto de vista psicológico.” Graças a Meynert e ao apoio dado por Nothnagel e Ernst von Brücke*, Freud obteve, em setembro de 1885, o ambicionado posto de Privatdozent. Todavia, as relações entre ambos foram conflituosas. Freud não acreditava no modelo neuro-anatômico de Meynert; além disso, não gostava desse homem colérico, desprovido, a seus olhos, de autoridade. Em Paris, durante o inverno de 1885-1886, encontrou o mestre que procurava, Jean Martin Charcot*. Depois dessa viagem à França, Freud entrou na controvérsia entre Viena* e Paris, a respeito da hipnose* e da natureza da histeria* masculina: a partir de então, sua oposição a Meynert se tornou cada vez mais violenta. Charcot distinguia uma forma clássica de histeria masculina, determinada pela hereditariedade, e uma forma “pós-traumática”, na qual a hereditariedade não tinha nenhum papel. Assimilava os sintomas desta (principalmente as paralisias) a distúrbios funcionais, desprovidos de substrato hereditário ou de lesão orgânica.

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Para evidenciá-la, Charcot recorria ao hipnotismo: as paralisias traumáticas apresentavam realmente, segundo ele, uma sintomatologia idêntica à das paralisias produzidas sob hipnose*. Ao contrário da escola francesa, a escola vienense recusava essa doutrina, apegando-se à concepção clássica da histeria masculina, organicista e hereditarista. Foi nesse contexto que, a 15 de outubro de 1886, Freud fez a famosa conferência sobre a histeria masculina (não publicada), para a Sociedade dos Médicos de Viena, na presença de Meynert e de Heinrich von Bamberger (18221888), durante a qual expôs aos médicos vienenses as teses de Charcot, às quais acabava de aderir. E no seu entusiasmo, atribuiu ao mestre da Salpêtrière a paternidade da noção de histeria masculina, já conhecida em Viena. Daí uma terrível confusão. À controvérsia sobre a histeria masculina, acrescentava-se uma outra, sobre o hipnotismo. Não só Meynert recusava as teses de Charcot, mas também considerava o hipnotismo como uma “psicose produzida experimentalmente”, e condenava os métodos terapêuticos fundados na sugestão*. Em sua opinião, o sujeito em estado de hipnose se tornava uma criatura degenerada, sem razão nem vontade. Assim, a crítica meynertiana da escola francesa -de Charcot a Hippolyte Bernheim* — anunciava a que o próprio Freud faria depois sobre esses diferentes métodos, quando renunciou à hipnose. Em 1932, Maria Dorer foi a primeira a demonstrar o papel de Meynert na gênese de alguns conceitos freudianos. Foi em parte através dele que Freud tomou conhecimento dos modelos elaborados por Johann Friedrich Herbart*, um dos fundadores da psicologia moderna. Na Interpretação dos sonhos*, Freud relatou que, em 1892, seu velho mestre, às vésperas da morte, lhe confiou, sob segredo, que ele próprio era um caso de histeria masculina. Assim, havia mentido durante toda a vida, atormentado por seus sintomas e seu sofrimento. Daí nasceu a lenda, retomada por Ernest Jones* e pela historiografia* freudiana oficial, segundo a qual Meynert e os médicos vienenses teriam negado a existência da histeria masculina, enquanto que só Freud teria sido capaz de

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Middle Group

demonstrar o seu mecanismo. Em 1968, Henri F.Ellenberger* restabeleceu a verdade, duvidando da “confidência” de Meynert e restituindo a complexidade de um debate através do qual Freud conseguiu construir uma nova definição da histeria. Inspirando-se na biografia de Jones, JeanPaul Sartre (1905-1980) fez de Meynert, no seu Roteiro Freud, um admirável personagem de médico romântico, excêntrico, alcoólatra e neurótico, obcecado pela má-fé e torturado pelos sintomas da doença histérica, cuja natureza funcional ele tanto quisera desconhecer. • Theodor Meynert, “L’Amentia”, in Christine Lévy-Friesacher, Meynert, Freud, l’Amentia, Paris, PUF, 1983 • Jacques Postel (org.), La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994 • Sigmund Freud, “Esquisse d’une psychologie scientifique” (1895), in La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Um estudo autobiográfico (1925), ESB, XX, 17-88; GW, XIV, 3396, SE, XX, 7-70; Paris, Gallimard, 1984 • Maria Dorer, Historische Grundlagen der Psychoanalyse, Leipzig, Felix Meiner, 1932 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol.1 (N. York, 1953), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Henri F. Ellenberger, Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle et sociale, 1848-1938 (1972), Paris, PUF, 1985 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979 • Jean-Paul Sartre, Freud, além da alma (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986 • Lucille B. Ritvo, A influência de Darwin sobre Freud (1990), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Albrecht Hirschmüller, “Freud, Meynert et Mathilde”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 6, 1993, 271-286.

➢ EU; HAECKEL, ERNST; HERBART, JOHANN FRIEDRICH; INCONSCIENTE; PSICOSE; RECALQUE.

Middle Group ➢ INDEPENDENTES, GRUPO DOS.

Minkowski, Eugène (1885-1972) psiquiatra francês

Proveniente de um meio de judeus lituanos ortodoxos, Eugène Minkowski, nascido em São Petersburgo, tinha sete anos quando seus pais se estabeleceram em Varsóvia. Estudou medicina e filosofia em Munique, e depois partiu para Kazan, onde encontrou a sua mulher. A declaração de guerra de 1914 o surpreendeu em

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Munique, para onde voltara. Refugiado na Suíça, formou-se em Zurique, na clínica do hospital Burgölzli, com Eugen Bleuler*. Emigrou para a França em 1915, engajando-se no exército como médico militar. Em 1925, ao lado de sua mulher Françoise Minkowska e de Paul Schiff*, foi um dos fundadores do grupo da Evolução Psiquiátrica. Marcado pela filosofia de Husserl e pela análise existencial* de Ludwig Binswanger*, introduziu a fenomenologia no saber psiquiátrico francês, desempenhando assim um papel de primeiro plano para a geração seguinte, principalmente para Jacques Lacan* e Henri Ey*. Sua mulher introduziu na França o teste de Hermann Rorschach*. • Eugène Minkowski, Traité de psychopathologie, Paris, PUF, 1966 • Henri F. Ellenberger, “La Psychopathologie d’Eugène Minkowski”, Dialogue, vol.IX, Montreal, 1970, nº 1, 93-100 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989.

Mitscherlich, Alexander (1908-1982) médico e psicanalista alemão

Intelectual de esquerda, praticante da medicina psicossomática*, fundador da prestigiosa revista Psyche, iniciador de uma longa reflexão sobre o nazismo* e a psicanálise*, Alexander Mitscherlich foi o grande renovador do freudismo* na Alemanha* vencida dos anos 1950, enquanto começavam a florescer múltiplas escolas de psicoterapia* e a política de Ernest Jones* consistia em uma reintegração à International Psychoanalytical Association * (IPA) dos ex-colaboradores do Göring-Institut. A esse respeito, por seus numerosos trabalhos e pelo seu não-conformismo, ocupou, na terceira geração* psicanalítica mundial, um lugar comparável ao de Heinz Kohut* nos Estados Unidos*, ao de Wilfred Ruprecht Bion na Grã-Bretanha* ou ao de Marie Langer* na Argentina*. Nascido em Munique, Mitscherlich era o filho único de um engenheiro químico herdeiro de uma longa linhagem de químicos célebres, especialmente Eilhard Mitscherlich (17941963), que descobriu a isomorfia dos cristais. As relações entre Alexander e seu pai Harbord foram difíceis e angustiantes: “Meu pai, escreveu ele na sua autobiografia, era um alemão nacionalista e reacionário, que negava tudo o


Mitscherlich, Alexander

que era novo, sem com isso apresentar soluções para a nova realidade política.” Educado segundo princípios autoritários e rígidos, Alexander logo contestou as opiniões paternas, apoiando-se na mãe, mulher alegre e bem disposta. Em 1928, na Universidade de Munique, orientou-se para a história, sob a direção de um professor judeu, Paul Johachimsen. Fazendo uma pesquisa sobre a imagem de Lutero na historiografia alemã, descobriu que esse personagem tinha tantos rostos diferentes quanto biógrafos. Foi nessa época que se interessou pela obra freudiana, lendo Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância*, e se tornou amigo do escritor Ernst Jünger, cujas opiniões de direita compartilhou durante algum tempo. Em 1932, com a morte de Johachimsen, o sucessor deste, Karl Alexander von Müller, que se recusava a aceitar os estudantes que tivessem um professor judeu, impediu Mitscherlich de preparar o seu doutorado. O jovem deixou então a universidade, instalou-se em Berlim com a sua primeira mulher e a sua filha e abriu uma livraria, começando ao mesmo tempo a estudar medicina. No círculo de Jünger, ficou conhecendo Ernst Niekisch, que dirigia um grupo de estudantes “nacional-bolchevique”. O advento do nazismo* o obrigou a fechar a livraria, a deixar a Alemanha e a refugiar-se em Zurique, onde sua mulher deu à luz dois outros filhos, uma menina e um menino. Em 1937, voltou a Munique para ajudar Niekisch, foi detido pela Gestapo e preso durante oito meses. Libertado, teve a ocasião de passar o resto da guerra como assistente de Viktor von Weiszäcker na clínica de Heidelberg, onde conheceu Karl Jaspers (1883-1969), que vivia uma situação de “exílio interior” desde a sua demissão em 1937: “Mitscherlich, escreveu Jacques Le Rider, sofreu a amarga experiência da resistência ignorante à psicanálise, como faziam os grandes mandarins da universidade alemã. Apesar de longas discussões, ele não conseguiu convencê-lo a corrigir o julgamento sumário que a sua Psicopatologia geral fazia sobre a teoria freudiana.” Em 1945, depois de um segundo casamento e do nascimento de outro filho, Mitscherlich foi nomeado pelo exército americano de ocupação

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ministro da saúde e da alimentação no Land Reno-Sarre. Logo deixou esse posto, depois de um conflito com as autoridades francesas, que tomaram o lugar dos americanos e cujos métodos ele desaprovava. Um ano depois, assistiu em Nuremberg ao processo dos médicos acusados de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade. Diante de todas essas atrocidades, decidiu consagrar-se à criação de um nova medicina humanista, livre de qualquer tecnologia que coagisse corpos e espíritos. Daí o seu interesse pela psicossomática, método segundo o qual o sujeito é levado, com o médico, a estabelecer uma ligação entre o seu ser e o soma. Pelas mesmas razões, dedicou-se a uma longa reflexão sobre o passado nazista da Alemanha. Essas duas orientações fariam dele um marginal nos meios médicos e universitários, e um pensador célebre no seu país e no estrangeiro, pela sua coragem e pela originalidade dos seus trabalhos. Na Suíça*, conheceu a mulher que seria a sua terceira esposa e principal colaboradora: Margarete Nielsen. Médica de origem dinamarquesa, foi formada em análise em Londres, por Michael Balint*. Através dela, interessou-se mais ainda pelo freudismo, e principalmente pelos trabalhos da escola inglesa. Juntos, fundaram em 1947 a revista Psyché, que seria durante 40 anos o único lugar de expressão da psicanálise em um país esvaziado do seu potencial criador, pela emigração maciça dos judeus freudianos em 1935. No início, era uma revista de psicologia das profundezas e de antropologia, mas progressivamente, sob a influência de Mitscherlich, que fora analisado em Londres por Paula Heimann*, ela se transformou em revista de psicanálise e de psicanálise aplicada*. Fundador da clínica psicossomática de Heidelberg em 1950, professor oito anos depois na universidade, fundador, em 1960, do Sigmund Freud Institut de Frankfurt, onde elaborou todas as suas reflexões sobre a Alemanha do pósguerra, iniciador de uma nova edição alemã das obras de Sigmund Freud* (os Studiengabe), Mitscherlich salvou a honra da psicanálise no seu país, aderindo à Deutsche Psychoanalytische Vereinigung (DPV), filiada à International Psychoanalytical Association * (IPA), ins-

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taurando laços estreitos com os filósofos da Escola de Frankfurt e reunindo na sua revista os mais prestigiosos nomes da diáspora freudiana, exilada nos quatro cantos do mundo. Em 1970, fez um julgamento muito pessimista sobre a situação do freudismo na Alemanha Ocidental, chegando a acusar os seus compatriotas de ter inteiramente ignorado essa nova doutrina: “Sejamos claros e falemos francamente: a ciência da psicanálise fundada por Freud ficou inacessível e estranha aos alemães — não digo apenas a um grande número, mas à maioria dos alemães; ou melhor, aos alemães. Eles desenvolveram contra ela uma antipatia coletiva, da qual se glorificaram por muito tempo.” No seu livro sobre a sociedade sem pais, publicado em 1963, interessou-se pelo rebaixamento da função paterna nas sociedades ocidentais, aderindo assim, à sua maneira, às preocupações de Jacques Lacan* e da escola kleiniana, isto é, da terceira geração psicanalítica. Em 1967, em O luto impossível, dedicou-se a uma espécie de psico-história, analisando através da apresentação dos distúrbios psicossomáticos de alguns pacientes, o recalque* coletivo das lembranças do III Reich na República Federal Alemã. O livro causou escândalo, e mais ainda porque, no ano seguinte, Mitscherlich defendeu o movimento estudantil em revolta contra a sociedade de consumo. Até denunciou, em 1970, a brutal repressão policial e estatal, que atingia os estudantes que se tornaram terroristas. Via nisso apenas ódio e intolerância. Atingido pela doença de Parkinson, lutou até o fim, apesar do pessimismo e da depressão, e morreu no auge da sua glória, cercado de respeito. • Alexander Mitscherlich, Vers la société sans pères (Munique, 1963), Paris, Gallimard, 1969; Krankheit als Konflikt. Studien zur psychosomatische Medizin, I e II, Frankfurt, Suhrkamp, 1966 e 1967; L’Idée de paix et l’agressivité humaine (Frankfurt, 1969), Paris, Gallimard, 1970; Versucht, die Welt besser zu verstehen, Frankfurt, Suhrkamp, 1970; Ein Leben für die Psychoanalyse. An Merkungen zu meiner Zeit, Frankfurt, Suhrkamp, 1980; Gesammelte Schriften, I-X, Frankfurt, Suhrkamp, 1983 • Alexander Mitscherlich e Margarete Mitscherlich, Le Deuil impossible (Munique, 1967), Paris, Payot, 1972 • Jacques Le Rider, “La Psychanalyse en Allemagne”, in Roland Jaccard (org.), Histoire de la psychanalyse, Paris, Hachette, 1982, 106-43 • “In Me-

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moriam Alexandre Mitscherlich”, Psyche, 4, 37, abril de 1983, e 10, 37, outubro de 1983 • Hans Martin Lohman, Psychoanalyse und National-Sozialismus, Frankfurt, Fischer, 1984; Alexander Mitscherlich, Hamburgo, Rowohlt, 1987 • Ilse Grubrich-Simitis, “Histoire de l’édition des oeuvres de Freud en langue allemande” (1989), Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 13-71.

➢ ALEXANDER, FRANZ; BOEHM, FELIX; FENICHEL, OTTO; FREUDO-MARXISMO; GÖRING, MATTHIAS HEINRICH; MARCUSE, HERBERT; MÜLLER-BRAUNSCHWEIG, CARL; RITTMEISTER, JOHN; SCHULTZHENCKE, HARALD.

Moisés e o monoteísmo Livro de Sigmund Freud, publicado em Amsterdam em 1939, em alemão, sob o título Der Mann Moses und die monotheistische Religion. Drei Abhandlungen. Traduzido para o francês pela primeira vez por Anne Berman (1889-1979), em 1948, sob o título Moïse et le monothéisme, e mais tarde, em 1986, por Cornélius Heim, sob o título L’Homme Moïse et la religion monothéiste. Trois essais. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1939, por Katherine Jones, sob o título Moses and Monotheism, e depois por James Strachey*, em 1964, sob o título Moses and Monotheism. Three Essays.

Livro do exílio, simultaneamente publicado em Amsterdam e Londres no mesmo ano da morte do autor, Moisés e o monoteísmo é uma das obras mais audaciosas de Sigmund Freud*, uma das mais comentadas e também a que suscitou, ao lado de Totem e tabu*, da qual é a conseqüência lógica, as maiores polêmicas entre os especialistas. O livro é uma obra-prima, e o historiador Salo Wittmayer Baron não se enganou ao classificá-lo, desde sua publicação, de “esplêndido castelo suspenso no ar”, e ao declarar: “Quando um pensador da estatura de Freud se posiciona quanto a uma questão que lhe é de interesse vital, o mundo deve escutálo.” Fazia muito tempo que Freud era obcecado pela figura do profeta que havia arrancado seu povo da letargia, impondo-lhe leis, apontandolhe a terra prometida e decretando os princípios de uma nova espiritualidade. Diante da escalada do anti-semitismo, Freud se indagou mais uma vez como o judeu se tornara judeu e por que havia atraído sobre si um ódio eterno. Logo encontrou um estilo e concebeu um projeto:


Moisés e o monoteísmo

escrever um “romance histórico”. Ao querer demonstrar que Moisés era egípcio, ele não pretendia chocar o catolicismo austríaco, que protegia os judeus do nazismo*, nem despojar simbolicamente o povo judeu de seu evento fundador (a saída do Egito e o recebimento da Torah no Sinai), no momento em que o regime hitlerista começava a persegui-lo. Inicialmente publicados sob a forma de artigos, os três ensaios foram reunidos em livro depois que Freud se instalou em Londres. Numa carta a Lou Andreas-Salomé*, datada de 6 de janeiro de 1935, Freud resumiu o conteúdo de seu livro e concluiu com as seguintes palavras: “As religiões devem seu poder coercitivo ao retorno do recalcado, são reminiscências de processos arcaicos desaparecidos e altamente eficazes da história da humanidade. Já afirmei isso em Totem e tabu. E agora o condenso numa fórmula: o que fortalece a religião não é sua verdade real, mas sua verdade histórica.” Foi através de Roma e do catolicismo que Freud abordou pela primeira vez a história de Moisés, ao visitar, em 1909, a igreja de S. Pietro in Vincoli, onde se encontra a estátua esculpida por Michelangelo (1475-1564) para o túmulo do papa Julio II: “Nenhuma obra produziu em mim efeito mais intenso.” Em 1914, ele publicou um artigo anônimo em que invertia a interpretação clássica. A tradição via nessa obra a imagem de um Moisés descido do Sinai, segurando as tábuas da Lei e prestes a atirá-las no chão, por ter descoberto seu povo adorando o bezerro de ouro. Pois bem, Freud mostrou que, ao contrário, Michelangelo havia representado um Moisés engolindo sua cólera e apertando as tábuas contra o peito, pois elas corriam o risco de se quebrar. E, com efeito, o escultor havia forjado um Moisés absolutamente insólito. No comentário, entretanto, Freud falou de algo além da estátua: apontou para sua própria situação na história do movimento psicanalítico, e isso não escapou a ninguém. Depois de procurar fazer de Carl Gustav Jung* o garante de uma psicanálise desjudaizada (a fim de demonstrar a seus adversários que ela não era uma “ciência judaica”), Freud havia mudado de idéia, reivindicando, com seu movimento, uma

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ética da fidelidade, calcada num sentimento de pertencer à judeidade*. O artigo sobre Moisés traduziu essa reviravolta e a ambivalência do autor ante sua própria judeidade: frente à traição dos seus, o profeta controlou sua cólera e salvou a unidade do povo em nome de uma nova doutrina, à qual passou desde então a se dedicar. Mas, que doutrina? Qual é a especificidade desse monoteísmo judaico que, através das eras, induz a tamanho sentimento de participação num grupo, mesmo quando desaparece qualquer vestígio de prática religiosa? Que significa ser judeu, quando já não se recorre ao judaísmo? Em 1922, Ernst Sellin havia publicado um livro que causara grande rebuliço: Moisés e sua significação para a história israelita e judaica. Historiador berlinense, especializado na Bíblia, ele pertencia à escola exegética alemã. Segundo a tradição do protestantismo liberal, do qual era um dos representantes, julgava que a pregação moral resumida nos Dez Mandamentos era a própria essência da revelação bíblica. Por isso, considerava Moisés o fundador da religião de Israel. Partindo de uma leitura interpretativa dos livros dos profetas, Sellin propusera a hipótese de que Moisés teria sido vítima de um assassinato coletivo cometido por seu povo, que teria rejeitado sua mensagem e preferido o culto dos ídolos. Transformada numa tradição esotérica, a doutrina mosaica teria então sido transmitida por um círculo de iniciados, cujos sucessores seriam os profetas do século VIII a.C.: Oséias, Isaías, Amós e Miquéias. Nesse terreno nasceriam a fé exibida por Jesus, também ele um profeta assassinado, e, mais tarde, o cristianismo. Nem era preciso tanto para fascinar Freud, que havia adotado, em Totem e tabu, uma tese mais ou menos similar. A isso ele acrescentou o tema da naturalidade egípcia de Moisés, afirmado pela tradição do Aufklärung e por escritores, historiadores e egiptólogos preocupados em fornecer uma interpretação histórica, e não mais religiosa, da história do profeta. Aliás, Freud viu nisso a ilustração de suas hipóteses e das de Otto Rank* sobre o romance familiar*. No caso de Moisés, elas confirmavam a naturalidade egípcia, invertendo a lenda do menino

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encontrado: a “verdadeira” família era a do faraó, e a família de adoção, a dos hebreus. Eis a essência do livro: o monoteísmo não é uma invenção judaica, mas egípcia, e o texto bíblico só fez deslocar sua origem, posteriormente, para um tempo mítico, atribuindo sua fundação a Abraão e seus descendentes. Na realidade, ele proveio do faraó Amenófis IV, que fez dele uma religião, baseada no culto ao deus solar Aton. Para banir o antigo culto, ele se fez denominar de Aquenaton. Seguindo-se a ele, Moisés, alto dignitário egípcio e partidário do monoteísmo, assumiu a chefia de uma tribo semita e deu ao monoteísmo uma forma espiritualizada. Para distingui-la das outras, introduziu o rito egípcio da circuncisão, com isso pretendendo mostrar que Deus teria “eleito”, através dessa “aliança”, o povo escolhido por Moisés. Mas o povo não suportou a nova religião, matou o homem que se pretendia profeta e recalcou a lembrança do assassinato, que retornou com o cristianismo: “O antigo Deus”, escreveu Freud, “o Deus-Pai, passou para o segundo plano. Cristo, seu filho, assumiu seu lugar, como teria querido fazer, numa época passada, cada um dos filhos rebelados. Paulo, continuador do judaísmo, foi também seu destruidor. Se logrou êxito, isso certamente se deu porque, primeiro, graças à idéia de redenção, ele conseguiu conjurar o espectro da culpa humana, e segundo, abandonou a idéia de que o povo judeu era o povo eleito e renunciou ao sinal visível dessa eleição: a circuncisão. Assim, a nova religião pôde tornar-se universal e se dirigir a todos os homens.” Mais uma vez, Freud contou nesse livro a história de “sua” descoberta do inconsciente*, universalizada mediante a renúncia a qualquer apoio numa religião eletiva. Mais do que isso, entretanto, expôs a história de sua relação ambivalente com sua própria judeidade. Ao desjudaizar Moisés, ele mostrou como o criador ou o fundador — numa palavra, o “grande homem” — é sempre um exilado: quer um estranho na cidade, quer em ruptura com sua época, quer dividido em seu próprio íntimo. É sob essa condição que ele consegue inverter a tradição, suplantar a religião do pai, ter acesso a uma outra cultura e criar novas formas.

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Mas Freud iria ainda mais longe, arriscandose a reexaminar a seu modo uma grande tese do anti-semitismo. Com efeito, ele afirmou que o ódio aos judeus era alimentado pela crença destes na superioridade do povo eleito e pela angústia de castração suscitada pela circuncisão como sinal da eleição. Esse rito, segundo Freud, visava enobrecer os judeus e fazê-los desprezarem os outros, os incircuncisos. Nessa mesma perspectiva, Freud tomou ao pé da letra a principal queixa do antijudaísmo, ou seja, a recusa dos judeus a admitirem o assassinato de Deus: “O povo judeu”, disse ele, “obstina-se em negar o assassinato do pai, e os cristãos não param de acusá-lo de deicida. Aqui, porém, conviria acrescentar: ‘Nós (os cristãos) fizemos a mesma coisa, mas o confessamos e desde então fomos redimidos.’” Freud concluiu que essa recusa expunha os judeus ao ressentimento dos outros povos: “Atrevo-me a afirmar que, ainda hoje, o ciúme em relação ao povo que se pretende o filho primogênito, favorecido por Deus Pai, não foi superado pelos outros.” Depois de afirmar que os judeus eram responsáveis pelo antijudaísmo dos cristãos, Freud explicou que o anti-semitismo das nações modernas era um deslocamento, para os judeus, de um ódio referente ao cristianismo: “Os povos que hoje se entregam ao anti-semitismo só se cristianizaram tardiamente e, em muitos casos, foram obrigados a fazê-lo por uma coerção sangrenta. Dir-se-ia que todos foram ‘mal batizados’; sob uma tênue capa de cristianismo, continuaram, como seus ancestrais, apaixonados por um politeísmo bárbaro. Não superaram sua aversão pela nova religião, mas a deslocaram para a fonte de onde lhes veio o cristianismo (...). Seu anti-semitismo, no fundo, é um anticristianismo, e não surpreende que, na revolução nacional-socialista alemã, essa relação íntima entre as duas religiões monoteístas encontre expressão tão clara no tratamento hostil de que ambas são objeto.” A novidade do procedimento freudiano, portanto, consistiu em expor as raízes inconscientes do anti-semitismo a partir do próprio judaísmo, e não mais como um fenômeno externo a ele. Essa foi sua maneira de retomar a proble-


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mática de Totem e tabu, à qual Moisés e o monoteísmo deu prosseguimento. Se a sociedade fora realmente gerada por um crime cometido contra o pai, pondo fim ao reino despótico da horda selvagem, e pela instauração de uma lei em que a figura simbólica do pai fora revalorizada, isso queria dizer que o judaísmo obedecia ao mesmo roteiro. Após o assassinato de Moisés, ele havia gerado o cristianismo, baseado no reconhecimento da culpa: o monoteísmo, portanto, era a história interminável da instauração dessa lei do pai, sobre a qual Freud erigiu toda a sua doutrina da proibição do incesto* e do Édipo — a ponto, aliás, de se esquecer de mencionar, em sua obra de 1939, o artigo que Karl Abraham*, seu mais fiel discípulo, dedicara a Amenófis IV. Esse texto de 1912 expusera a religião do faraó como uma reforma da herança paterna essencialmente suscitada por uma influência materna, a da mãe de Amenófis. Porventura o esquecimento desse detalhe não remeteu ao grande debate que opôs o kleinismo* ao freudismo* clássico, a partir dos anos vinte? Freud obedeceu a uma ordem de retornar à Bíblia e à religião de seus pais. Mas, longe de adotar a solução da conversão como resposta ao anti-semitismo, redefiniu-se como “um judeu sem Deus”. Sem ceder ao ódio judeu de si mesmo, desvinculou o judaísmo do sentimento de judeidade característico dos judeus descrentes, que rejeitavam a Aliança e a eleição. No exato momento em que desjudaizou Moisés, ele conferiu à judeidade, entendida como essência e como marca de inclusão, uma situação de perenidade. Esse sentimento, pelo qual um judeu se mantém judeu em sua subjetividade, mesmo sendo descrente, era experimentado pelo próprio Freud, que não hesitou em assimilá-lo a uma herança filogenética. Tal como em Totem e tabu, e sempre preocupado com um modelo biológico, Freud apoiou-se na chamada tese “neolamarckista” da hereditariedade dos caracteres adquiridos, para afirmar que a judeidade era transmitida de geração para geração, “pelos nervos e pelo sangue”, ou seja, por intermédio de um inconsciente hereditário. Tomada por Darwin do evolucionismo lamarckista, a tese da hereditariedade dos ca-

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racteres adquiridos fora invalidada por August Weismann (1834-1914) já no fim do século XIX, e definitivamente abandonada em 1930. Para fundamentar o princípio de sua judeidade perpétua e transmissível, portanto, Freud foi de encontro não somente a toda a ciência de sua época, mas também à sua própria concepção do inconsciente. Situado sob o signo da paixão, esse testamento do grande homem deu margem a múltiplas interpretações, contraditórias e, muitas vezes, extravagantes. Três orientações principais se configuraram. A primeira, que se deveu a David Bakkan, inscreveu a doutrina freudiana na tradição de laicização da mística judaica; a segunda, de Marthe Robert (1916-1996) a Peter Gay, evidencia, ao contrário, um Freud ateu, descentrado de sua judeidade e às voltas com a problemática dupla da dissidência spinozista e da integração na cultura alemã. Finalmente, a terceira, mais interpretativa (Ilse Grubrich-Simitis), situa o Moisés como um devaneio que ajudou Freud a superar a angústia causada pelas perseguições nazistas. Em 1991, o historiador Yosef Hayim Yerushalmi pôs-se “à escuta de Freud” para publicar o comentário mais erudito e mais completo que já se escreveu sobre esse livro. Ele sublinha que Freud fez da psicanálise o prolongamento de um judaísmo sem Deus: uma judeidade “interminável”. • Sigmund Freud, “O Moisés de Michelangelo” (1914), ESB, XIII, 253-78; GW, X; SE, XIII, 209-38; in L’Inquiétante étrangeté et autres textes, Paris, Gallimard, 1985, 83-125; Moisés e o monoteísmo (1939), ESB, XXIII, 1-167; GW, XVI, 103-246; SE, XXIII, 1-137; Paris, Gallimard, 1986 • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa, pref. de Ernst Pfeiffer (Frankfurt, 1966, N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Karl Abraham, “Amenhotep IV (Echnaton). Contribution psychanalytique à l’étude de sa personnalité et du culte monothéiste d’Aton” (1912), in Oeuvres complètes, I, 1907-1914, Paris, Payot, 1965, 232-57 • Ernst Sellin, Mose und seine Bedeutung für die israelitische Religionsgeschichte, Le ipz ig , A. De ic he rt s ch e Verlagsbuchhandlung, 1922 • Salo Wittmayer Baron, “Moses and monotheism”, sinopse, American Journal of Sociology, 45, 1939, 471-7 • David Bakkan, Freud et la tradition mystique juive (N. Jersey, 1958), Paris, Payot, 1977 • Marthe Robert, D’Oedipe à Moïse, Paris, Calmann-Lévy, 1974 • René Major, De l’Élection. Freud face aux idéologies allemande, américaine et soviétique, Paris, Aubier, 1986 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work 1893-1939, Madison,

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Moll, Albert

International Universities Press, 1988 • Peter Gay, Um judeu sem Deus (1987), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises d’identité (1990), Paris, PUF, 1994 • Yosef Hayim Yerushalmi, Le Moïse de Freud. Judaïsme terminable et interminable (New Haven, 1991), Paris, Gallimard, 1993 • Ilse Grubrich-Simitis, Freuds Moses Studie als Tagtraum. Ein biographischer Essay (1990), Frankfurt, Fischer, 1994.

➢ PATRIARCADO.

Moll, Albert (1862-1939) médico alemão

Com Richard von Krafft-Ebing* e Havelock Ellis*, Albert Moll foi um dos fundadores da sexologia*. Filho de um comerciante judeu, estudou medicina e neurologia em Berlim, Viena e Paris, onde freqüentou, como Sigmund Freud*, o salão de Jean Martin Charcot*, antes de iniciar-se na prática da sugestão*, com Hippolyte Bernheim* em Nancy. Em 1889, publicou um livro sobre a hipnose* que o tornou célebre no mundo inteiro, e depois consagrouse ao tratamento das perversões* sexuais. Em 1897, publicou Untersuchungen über die Libido sexualis, obra monumental em que, ao contrário dos seus antecessores, incluía o campo das perversões sexuais no da sexualidade* dita normal, marcando assim uma etapa importante na história da sexologia. Sublinhava também que era preciso desconfiar das acusações de abuso sexual feitas pelas crianças contra os adultos. Freud inspirou-se nessa obra para a elaboração da sua teoria da sexualidade infantil, mas modificou completamente a sua perspectiva, estendendo a noção de sexualidade a um outro domínio, diferente da genitalidade, e inventando a idéia de uma “disposição perversa polimorfa”. Descontente, Moll publicou em 1908 um livro dedicado à sexualidade da criança, na qual não mencionava a importância dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*. Freud ofendeuse e, por ocasião de uma sessão da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, atacou violentamente o sexólogo, atribuindo a si mesmo a descoberta da sexualidade infantil: “Ele [Moll] é um indivíduo mesquinho, rancoroso e limitado. Nunca exprime uma opinião firme [...]. Soube servir-se de uma vantagem: a incapaci-

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dade do grande público de imaginar que algumas idéias possam também ser expressas em um número restrito de páginas.” • Albert Moll, Untersuchungen über die Libido sexualis, Berlim, Fischers Medizinische Buchhandlung, H.Kornfeld, 1897; Das Sexualleben des Kindes, Berlim, H.Walter, 1908 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société psychanalytique de Vienne, II, 1908-1910 (N. York, 1967), Paris, Gallimard, 1978 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979.

➢ HOMOSSEXUALIDADE; LIBIDO; SEDUÇÃO, TEORIA DA.

Monchy, René de (1893-1969) médico e psicanalista neerlandês

Filho de uma família de comerciantes, René De Monchy encontrou-se com Sigmund Freud* pela primeira vez no congresso da International Psychoanalytical Association * (IPA) em Haia, em 1920. Em 1934, depois da partida de Johan Van Ophuijsen* para os Estados Unidos*, tentou resolver os terríveis conflitos ocorridos nos Países Baixos* entre a Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP), fundada em 1917, e a nova Vereniging voor Psychoanalyse in Nederland (VPN), criada no ano anterior. Primeiro nitidamente hostil aos imigrantes judeus, fez declarações anti-semitas. Depois, mudou completamente de opinião, após um ano passado em Viena*, fazendo uma análise com Ruth Mack-Brunswick*. Foi nessa época também que casou-se em primeiras núpcias com Vera Palmstierna, judia sueca, membro fundador da Associação Psicanalítica Fino-Sueca. Com o apoio de Freud, que visitou em 1938, conseguiu fundir os dois grupos, recriando uma NVP unificada. Em 1939, escreveu a Anna Freud*, então em Londres, para lhe propor que fosse morar em Amsterdam, onde a situação seria menos penosa para ela. Ele sabia de suas dificuldades com Melanie Klein*. Em 1943, como sua mulher não podia mais praticar a psicanálise* na Holanda, instalaram-se em Estocolmo, onde ele se tornou, por sua vez, um estrangeiro como aqueles que ele outrora quisera banir. Na Suécia, teve então um papel determinante, em razão da sua posição na IPA e do seu


Moreno, Jacob Levy

status de grande profissional da clínica freudiana. Em 1952, voltou à Holanda, continuando a manter contato com analisandos suecos. • Nigel Moore, “Psychoanalyse in Scandinavia, Part one, Sweden and Findland”, The Scandinavian Psychoanalytical Review, 1, vol.1, Copenhague, 1978 • C. Brjnkgreve, Psychoanalyse in Nederland, Amsterdam, De Arbeiderspers, 1984 • H. Groen-Prakken, “The psychoanalytical society and the analyst”, The Dutch Annual of Psychoanalysis, 1993 • Per Magnus Johansson, entrevista com Maj De Monchy, 1994.

➢ ESCANDINÁVIA.

Monografias de Psicanálise Aplicada ➢ SCHRIFTEN ZUR ANGEWANDTEN SEELENKUNDE.

Montessori, Maria (1870-1952) médica e pedagoga italiana

Herdeira da tradição das Luzes, Maria Montessori começou a aplicar os seus métodos educativos para jardins de infância em 1906, nos bairros populares de Roma, onde as mulheres trabalhavam. Ali, fundou a Casa dei Bambini (Casa das Crianças). Seu método, que consistia em deixar a criança livre para aprender por si mesma e sem constrangimentos, foi a origem de muitas experiências similares, de inspiração psicanalítica ou não. Foi na escola Montessori de Viena*, a Haus des Kinder, que Anna Freud* se iniciou na pedagogia. Em 1937, graças à contribuição financeira de Edith Jackson (1895-1977), uma ex-analisanda americana de Freud, Anna criou a sua nursery, destinada às crianças pequenas, e obedecendo ao modelo Montessori. ➢ BETTELHEIM, BRUNO; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; SCHMIDT, VERA.

Moreira, Juliano (1873-1933) psiquiatra brasileiro

Nascido em Salvador, Bahia, mas de cultura germânica, Juliano Moreira era um médico negro. Amigo pessoal de Emil Kraepelin*, introduziu a sua nosografia das doenças mentais no Brasil*, depois de uma viagem à Europa e de se formar em psiquiatria dinâmica*. Foi o primei-

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ro, no seu país, a dar às idéias freudianas um lugar importante, primeiro na Bahia e depois no Rio de Janeiro, onde dirigiu o hospital nacional de alienados. Foi também um reformador dos asilos. Humanizou os métodos de tratamento dos doentes mentais, principalmente suprimindo os instrumentos clássicos do confinamento. Não praticou pessoalmente a psicanálise*, mas criou em 1928, no Rio de Janeiro, a primeira filial da Sociedade Brasileira de Psicanálise, fundada no ano anterior por Durval Marcondes*, em São Paulo. • A. Passos, Juliano Moreira, vida e obra, Rio de Janeiro, São José, 1975 • Marialzira Perestrello, “Histoire de la psychanalyse au Brésil des origines à 1937”, Frénésie, 10, primavera de 1992, 283-301.

Moreno, Jacob Levy, né Jacob Levy (1889-1974) psiquiatra americano

Nascido em Bucareste, Jacob Levy era de uma família judia sefardita. Seu pai, Moreno Nissim Levy (1858-1925), de origem búlgara mas de nacionalidade turca até a independência da Bulgária em 1878, se especializara no comércio de objetos funerários. Passava o tempo viajando nos Bálcans e navegando no Mar Negro. Por volta de 1896, instalou-se em Viena* com sua família e, em 1904, estabeleceu-se em Berlim. Seus negócios na empresa funerária foram desastrosos. Infeliz na Alemanha*, seu filho decidiu voltar a Viena, onde estudou psiquiatria sob a direção de Otto Pötzl (1877-1962), aluno e assistente de Julius Wagner-Jauregg*, apaixonando-se ao mesmo tempo pela filosofia e principalmente pelo teatro. Em 1921, criou o teatro de improvisação (Stegreiftheater), no qual durante três anos experimentou com atores a idéia da interpretação espontânea ou improviso catártico, que serviria de base para a sua futura reflexão sobre o psicodrama*. Depois de uma passagem difícil pela cidade termal de Bad Vöslau, onde começou a tomar-se por um “fazedor de milagres” e a desenvolver o que ele chamava de sua “megalomania existencial”, realizou o sonho da sua vida — e o do seu pai — emigrando para os Estados Unidos* em dezembro de 1925. Apresentou

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Morgenstern, Sophie

suas idéias em Filadélfia, onde recebeu a aprovação de William Alanson White*. Instalou-se depois em Beacon, às margens do Hudson, onde abriu uma clínica psiquiátrica e, em 1936, graças ao dinheiro da mulher do ator Franchot Tone (1903-1968), fundou o primeiro teatro de terapia psicodramática. Posteriormente, fez uma carreira internacional, popularizando o psicodrama e a sociometria (estudo das reações de rejeição em organizações grupais). Mudando de continente e de nacionalidade, Jacob Levy transformou a sua identidade, tomando como sobrenome o nome do seu pai. A partir de então, fez-se chamar J.L.Moreno. Aliás, inspirou uma incrível lenda sobre suas origens, falsificando a sua data de nascimento e contando que sua mãe o dera à luz em um navio, durante uma tempestade, ao fazer a travessia do Mar Negro. Passou então por ser um “messias do Danúbio”, miraculosamente salvo das águas. Do mesmo modo, inventou um encontro em Viena com Sigmund Freud* e atribuiu a si próprio a glória de ter fundado uma nova doutrina, superior à psicanálise*: “Doutor Freud, teria ele declarado naquele dia, eu começo onde o sr. parou. O sr. se encontrou com pessoas no ambiente artificial do seu escritório. Quanto a mim, eu as encontro na rua, em suas casas, no seu ambiente natural. O sr. analisa os seus sonhos, o sr. os decompõe em mil pedaços. Eu lhes dou a coragem de sonhar mais, de explorar concretamente os seus conflitos e de ser criadores.” No fim da vida, sofrendo de distúrbios cardíacos, Moreno encenou a sua própria morte, segundo os princípios do psicodrama. Parou de comer, só falava alemão e romeno, e recebeu durante três semanas, à sua cabeceira, todos os seus fiéis, vindos do mundo inteiro. Foi o historiador romeno Gheorghe Bratescu que, pela primeira vez em 1975, invalidou as lendas forjadas por Moreno. • Jacob Levy Moreno, Fondements de la sociométrie (Washington, 1934, Paris, 1954), Paris, PUF, 1970; Psychothérapies de groupe et psychodrame (Beacon), Paris, Retz, 1975; “The autobiography of J.L.Moreno MD (Abridget)”, Journal of Group Psychotherapy, Psychodrama and Sociometry, 42, 1, 1989 • Gheorghe Bratescu, “The date and birth place of J.L. Moreno”, Group Psychotherapy and Psychodrama, 28, 1975, 2-3 • René Marineau, J.L. Moreno et la troisième révolution psychanalytique, Paris, Métaillié, 1989.

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Morgenstern, Sophie, née Kabatschnik (1875-1940) psiquiatra e psicanalista francesa

Nascida em Grodno, na Polônia, Sophie Morgenstern foi a primeira psicanalista de crianças na França, ao lado de Eugénie Sokolnicka*. Teve, como esta, um destino trágico. Inicialmente médica voluntária na clínica do hospital Burghölzli*, junto a Eugen Bleuler*, conheceu Eugène Minkowski*, que reencontrou em Paris em 1924. Assistente de Georges Heuyer (1884-1977), durante quinze anos, membro da Sociedade Psicanalítica de Paris e do grupo da Evolução Psiquiátrica, desenvolveu teses sobre o desenho, o brinquedo e a relação das crianças com os pais, que a situam na linhagem do ensino de Anna Freud*. Foi amiga de Françoise Dolto*, que sempre a reconheceu como inspiradora. Em 1937, publicou Psicanálise infantil. Essa obra, acompanhada de um prefácio elogioso de Heuyer, era dedicada à memória de sua única filha, Laure, morta depois de uma cirurgia. Sophie Morgenstern nunca se recuperou dessa perda. No dia da chegada dos nazistas a Paris, 16 de junho de 1940, ela decidiu suicidar-se, como outros judeus imigrantes. Esse suicídio* não foi mencionado na nota oficial que lhe consagrou Georges Parcheminey (1888-1953) em L’Évolution psychiatrique, assim como foi banida desse artigo qualquer referência à sua judeidade*. O autor mencionava simplesmente que essa mulher, de origem “polonesa” se extinguira “tranqüilamente” em Paris, depois de ter “perdido acidentalmente sua filha”. • Sophie Morgenstern, Psychanalyse infantile. Symbolisme et valeur clinique des créations imaginatives chez l’enfant, Paris, Denoël, 1937 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Mireille Fleury, Sophie Morgenstern. Éléments de sa vie et de son oeuvre, dissertação para o CES de psiquiatria, Universidade de Bordeaux-II, 1988.

Moser, Fanny, née von Sulzer-Wart (1848-1925), caso Emmy von N. Juntamente com Anna O., Lucy R., Katharina, Frau Cäcilie M. e Elisabeth von R., Emmy von N. é uma das pacientes cuja história foi apresentada por Josef Breuer* e Sigmund


mulheres

Freud* nos Estudos sobre a histeria*. Freud relata haver utilizado o método catártico (catarse*) pela primeira vez no tratamento dessa livoniana de 40 anos, sobre cuja verdadeira identidade silenciou. Viúva e mãe de duas filhas, também elas afetadas por distúrbios nervosos, essa mulher manifestava uma grave fobia* ante a visão de certos animais. A análise durou seis semanas, durante as quais Freud lhe fez massagens no corpo, prescreveu-lhe banhos e procurou, através do sono artificial, da hipnose* e de um diálogo catártico, libertá-la de seus afetos dolorosos. Afirmou tê-la curado. Em 1o de maio de 1889, numa crise de pânico, ela lhe ordenou que se afastasse e não a tocasse mais: “Fique tranqüilo”, disse, “não fale comigo... Não toque em mim!” Na história oficial e mítica das origens da psicanálise*, atribuiu-se a Emmy von N., portanto, a invenção da cena psicanalítica, assim como se atribuiu a Anna O. a invenção do tratamento psicanalítico (por “limpeza de chaminé”). Emmy fabricou, segundo se disse, as proibições necessárias a uma nova técnica de tratamento, fundamentada na retirada do olhar. Depois dela, o médico tornou-se psicanalista e se instalou fora da visão do doente, renunciando a tocá-lo e se obrigando a escutá-lo. Foi em Amsterdam, em 1965, no congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA), que o historiador sueco Ola Andersson* expôs o verdadeiro destino de Fanny Moser. Levando em conta o que havia acontecido com Ernest Jones* depois da divulgação da identidade de Bertha Pappenheim* (Anna O.), ele aguardou quatorze anos para publicar sua comunicação, na qual, aliás, não revelou o nome de Emmy von N. Em 1977, apoiando-se no trabalho de Andersson, o historiador Henri F. Ellenberger* publicou a primeira revisão do caso, fornecendo a identidade da moça e acrescentando um estudo sobre o destino de suas duas filhas, Fanny (filha) e Mentona. Graças a esses trabalhos, sabemos que Fanny Moser não inventou a famosa cena da psicanálise moderna — mesmo que a frase seja autêntica — e que nunca foi curada de sua neurose*, nem por Freud nem por seus sucessivos médicos. Fanny Moser, aliás, era mais sujeita à melancolia* do que à histeria*, e sua

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vida foi uma mescla de romance policial com narrativa balzaquiana. Aos 23 anos, ela desposou um negociante riquíssimo, quarenta anos mais velho e já pai de dois filhos, o qual, ao morrer, legou-lhe toda a sua fortuna. Por isso, foi acusada de tê-lo envenenado. A suspeita de assassinato lhe pesou a tal ponto que ela nunca conseguiu realizar seu mais caro anseio: ser recebida nos salões da aristocracia européia. Levou uma vida errante, teve amantes entre seus médicos e acabou se apaixonando por um rapaz que lhe roubou parte de sua fortuna. Suas duas filhas foram marcadas, cada qual à sua maneira, pelos significantes da neurose materna: uma se especializou em zoologia e a outra se rebelou contra os valores da classe dominante da qual era um produto puro. Tornou-se militante comunista e, mais tarde, também se interessou pelos animais, havendo publicado, em 1941, uma coletânea de histórias destinadas às crianças. Recentes trabalhos questionam os diferentes diagnósticos de histeria ou melancolia feitos por Freud e seus sucessores e propõem que, na verdade, Fanny Moser sofria da doença dos tiques convulsivos descritos por Georges Gilles de La Tourette (1857-1904). Nesse debate, ressurge com vigor a antiga querela que sempre opôs os adeptos da psicogênese aos da organogênese. • Ola Andersson, Freud avant Freud. La Préhistoire de la psychanalyse (Estocolmo, 1961), Paris, Synthélabo, col. “Les empêcheurs de penser en rond”, 1997 • Henri F. Ellenberger, Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995.

mulheres ➢ ANDREAS-SALOMÉ, LOU; BAUER, IDA; BERNAYS, MINNA; BONAPARTE, MARIE; DEUTSCH, HELENE; DOLTO, FRANÇOISE; FREUD, AMALIA; FREUD, ANNA; FREUD, MARTHA; HALBERSTADT, SOPHIE; HOLLITSCHER, MATHILDE; HORNEY, KAREN; HUG-HELLMUTH, HERMINE VON; KLEIN, MELANIE; LANGER, MARIE; PAPPENHEIM, BERTHA; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; SEXUALIDADE FEMININA; VIENA; WEININGER, OTTO.

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Müller-Braunschweig, Carl

Müller-Braunschweig, Carl (1881-1958) psicanalista alemão

Com Felix Boehm*, Werner Kemper* e Harald Schultz-Hencke*, Carl Müller-Braunschweig foi um dos psicanalistas colaboradores do Deutsche Institut für Psychologische Forschung (ou Göring-Institut, ou Instituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia), fundado por Matthias Heinrich Göring* em 1936, no âmbito da nazificação da psicanálise* na Alemanha* e da política de “salvamento” desta, defendida por Ernest Jones*. Analisado por Karl Abraham* e por Hanns Sachs*, tornou-se secretário do comitê de ensino da Deutsche Psychoanalytisches Gesellschaft* (DPG) de 1923 a 1933 e membro em 1930 do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI). Freudiano do círculo mais íntimo, especialista em metapsicologia* e nas relações entre psicanálise e filosofia, foi o principal artífice da política de manutenção da DPG sob o regime hitlerista, desde o advento do nazismo*. Em 1935, obrigou os judeus da DPG a pedirem demissão, para que esta pudesse “arianizar-se”, e participou dos trabalhos do Göring-Institut. Depois de manobras visando garantir a autonomia da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) e das Edições Psicanalíticas de Viena*, foi proibido de ensinar e se indipôs com Göring. A partir de 1938, teve crises de depressão. Em 1946, com Felix Boehm e o apoio de Jones e Anna Freud*, reconstruiu a psicanálise na Alemanha, sem preocupar-se com depurações. Entretanto, quando John Rickman* foi a Berlim para interrogar os poucos psicanalistas que tinham permanecido na Alemanha sob o nazismo, a fim de avaliar a sua capacidade de formar candidatos didatas, julgou MüllerBraunschweig, assim como Boehm, inapto para exercer essa função, não por sua colaboração com Göring, mas por razões de deterioração psíquica. O representante da International Psychoanalytical Association * (IPA), notável reformador da psiquiatria inglesa durante a guerra, participou efetivamente de uma política de reconstrução da DPG, consistindo não em julgar os psicanalistas em função do seu engajamento no nazismo, mas em avaliar a sua suposta normalidade psíquica.

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Em 1950, acreditando escapar à desonra que pesava sobre a DPG, por causa do seu passado nazista, Müller-Braunschweig se separou de Boehm e criou uma nova sociedade, a Deutsche Psychoanalytische Vereinigung (DPV), que foi integrada à IPA no ano seguinte, no congresso de Amsterdam, enquanto a DPG ficava definitivamente afastada. Entretanto, as duas sociedades rivais propagaram durante quarenta anos a mesma visão apologética do passado, visando justificar a antiga política de colaboração. • Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos traduzidos e apresentados por Jean-Luc Evard, Paris, Confrontation, 1984 • Chaim S.Katz (org.), Psicanálise e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Geoffrey Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford, 1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987 • Regine Lockot, Erinnern und Durcharbeiten, Frankfurt, Fischer, 1985 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987 • Ludger M.Hermanns, “Condições e limites da produtividade científica dos psicanalistas na Alemanha de 1933 a 1935”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 1 (1988), Rio de Janeiro, Imago, 1990, 67-86 • Karen Brecht, “A psicanálise na Alemanha nazista: adaptação à instituição, relações entre psicanalistas judeus e não judeus, ibid., 87-98 • “Compte rendu du séjour du docteur John Rickman à Berlin pour interroger les psychanalystes, 14 et 15 octobre 1946”, Revue Internationale de l’Histoire de la Psychanalyse, 1, 1988, 157-63.

➢ BJERRE, POUL; JUNG, CARL GUSTAV; LAFORGUE, RENÉ; MAUCO, GEORGES; MITSCHERLICH, ALEXANDER.

Musatti, Cesare (1897-1989) psicanalista italiano

Nascido em Dolo, na província de Veneza, de mãe católica e pai judeu, advogado, militante socialista e antifascista que fora eleito senador, Cesare Musatti estudou matemática e filosofia na universidade de Pádua, onde encontrou Vittorio Benussi*, professor de psicologia experimental, que também fazia conferências sobre psicanálise*. Tornou-se seu assistente e seu sucessor em 1928. Sua relação com a psicanálise parece, entretanto, mais antiga. Como indica o título de um dos seus livros, ele se apresentava, com humor, como o “irmão gêmeo da psicanálise”, fazendo referência assim à sua data de nascimento: 20 de setembro de 1897.


Musatti, Cesare

Naquele dia, Sigmund Freud* passara de trem diante da sua casa natal, vindo de Pádua. No dia seguinte, em Viena*, redigiu a sua célebre declaração a Wilhelm Fliess*: “Não acredito mais na minha neurotica.” Professor e diretor do Instituto de Psicologia Experimental, Musatti participou, com Emilio Servadio*, Nicola Perrotti* e alguns outros, do pequeno grupo que se constituiu em torno de Edoardo Weiss* em Roma, para formar a nova Società Psicoanalitica Italiana (SPI). De 1932 a 1934, deu um ciclo de cursos sobre a psicanálise, que constituiria o fundamento do seu futuro tratado. O conteúdo desse livro, e também as origens judaicas do autor, formariam, em 1938, a matéria da acusação principal que resultou na sua exclusão da universidade. Ensinando psicologia durante alguns meses na universidade livre de Urbino, autorizado a permanecer na Itália, trabalhou mais ou menos clandestinamente durante a guerra na empresa Olivetti, onde fundou o primeiro laboratório de psicologia industrial. Em 1945, Musatti reintegrou-se ao ensino superior, como professor de psicologia na universidade de Milão. Fez pesquisas sobre questões de epistemologia e sobre o estudo experimental da percepção do espaço, do movimento e da visão das cores. Fato notável, esse interesse contínuo pela psicologia experimental nunca lhe pareceria contraditório com seu trabalho de psicanalista. Sempre procuraria fundar a unidade da psicologia sobre a noção de racionalidade. Entretanto, bem rapidamente seu interesse pela psicanálise predominou sobre as suas outras atividades: retomou seus cursos na universidade de Pádua e publicou em 1949 o célebre Trattato di Psicoanalisi, apresentação rigorosa e ortodoxa da teoria freudiana, acompanhada por alguns exemplos dos seus próprios trabalhos. Em 1955, voltou a publicar a Rivista italiana di psicoanalisi. Esta substituiu as duas efêmeras revistas nascidas depois da Liberação, Psicoanalisi, fundada por Joachim Flescher, e Psyche, fundada por Perrotti. Ela se tornou assim novamente o órgão oficial da SPI, da qual Musatti seria presidente entre 1951 e 1955 e de 1959 a 1963. Em 1963, começou a dirigir, para o editor Boringhieri, em Turim, a edição das obras completas de Freud, que ficou terminada

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em 1980 e permanece como modelo no plano filológico. Essa atividade institucional e editorial, ao lado de uma produção prolífica, fez de Musatti o verdadeiro “pai” da psicanálise na Itália, embora ele recusasse esse título, que gostaria de atribuir a Edoardo Weiss. Nos anos 1960, Musatti foi confrontado com aquilo que considerava um duplo perigo para a psicanálise na Itália*: ou que esta se tornasse um discurso de consolação, na perspectiva do humanismo cristão originário do concílio Vaticano II, ou que se transformasse em arma a serviço de uma revolução social e política, conduzida à luz de um marxismo liberalizado. Ao mesmo tempo, Musatti, que em 1949-1950 militara por uma psicanálise livre de qualquer ideologia, especialmente por ocasião de uma violenta polêmica nas colunas do diário comunista L’Unità com o filósofo marxista Antonio Banfi (que acusava a psicanálise de ser apenas uma ideologia burguesa pansexualista), tornou-se o defensor intransigente de uma psicanálise perfeitamente de acordo com as normas da International Psychoanalytical Association * (IPA), e como tal cada vez menos subversiva. Por isso foi, a partir dos anos 1970, um dos mais combativos adversários da difusão das idéias de Jacques Lacan* na Itália. Assim, era considerado o representante das idéias mais conservadoras, ao passo que continuara sendo um homem de esquerda, com sua liberdade de expressão, no que era fiel à tradição familiar. No fim da vida, usando o seu talento pedagógico e o seu carisma, Musatti multiplicou as intervenções na mídia, popularizando as idéias psicanalíticas por meio de artigos de difusão e de crônicas televisadas, que lhe valeram uma imensa fama e um enorme capital de simpatia. • Sergio Benvenuto, A glance at psychoanalysis in Italy, inédito • Paolo Boringhieri, “L’Édition des Opere di Sigmund Freud”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 323-30 • Contardo Calligaris, “Petite histoire de la psychanalyse en Italie”, Critique, 333, fevereiro de 1975, 175-95 • Michel David, La Psicoanàlisi nella cultura italiana (1966), Turim, Bollati Boringhieri, 1990 • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986 • Cesare Musatti, Trattato di Psicoanalisi (1949), Turim, Boringhieri, 1977; Mia sorella gemella la psicoanalisi, Roma, Editori Riuniti, 1982; (org.), Opere di Sigmund Freud, 12 vols., Turim, Boringhieri, 1967-

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Museu Freud

1980 • Arnaldo Novelletto, “Italy”, in Peter Kuetter (org.), Psychoanalysis International. Guide to psychoanalysis throughout the world, Stuttgart, Frommann-Holzboog, 1992, 195-213 • Michele Ranchetti, “Les Oeuvres complètes et l’édition des Opere di Sigmund Freud”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 330-56 • Antonio Alberto Semi (org.), Trattato di psicoanalisi, vol.2, XXXVI-XLI, Milão, Raffaello Cortina, 1988 • Silvia Vegetti Finzi, Storia della psicoanalisi, Milão, Mondadori, 1986; “Cesare Musatti, 1897-1989", Encyclopaedia Universalis, 1990.

➢ COMUNISMO; FREUDISMO; FREUDO-MARXISMO; IGREJA; LACANISMO; PANSEXUALISMO.

Museu Freud ➢ FREUD MUSEUM.

inglês da corrente da psiquiatria dinâmica*, herdada do magnetismo mesmeriano, que levaria ao hipnotismo, através da experiência do espiritismo*, isto é, da busca de um mais-além da consciência* (ou eu subliminar). Preocupado em provar experimentalmente a existência do mundo espiritual, admitia a hipótese da vida depois da morte e a possibilidade de comunicação com os espíritos dos mortos. Assim, foi um dos teóricos do automatismo mental* e por isso um dos pioneiros da história da descoberta do inconsciente*. Também foi o primeiro autor inglês a falar dos trabalhos de Sigmund Freud* na Grã-Bretanha*. Théodore Flournoy* e André Breton (1896-1966) se inspiraram nas suas teses.

psicólogo e escritor inglês

• Frederick Myers, La Personnalité humaine, ses survivances, ses manifestations supra-normales (Londres, 1903), Paris, Alcan, 1919 • Jean Starobinski, “Freud, Breton, Myers”, L’Arc, 34, 1968, 87-96.

Fundador, em 1882, da Society for Psychical Research e inventor da palavra “telepatia”*, Frederick Myers foi o principal representante

➢ HIPNOSE; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; PREISWERK, HÉLÈNE; SUGESTÃO.

Myers, Frederick William Henry (1843-1901)

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N Nacht, Sacha (1901-1977)

Clínico notável, sempre preocupado com o que chamava de “eficácia terapêutica”, foi também um excelente didata. Sacha Nacht deixou a sua marca na França*, formando muitos psicanalistas da terceira geração francesa. Na SPP, cujo instituto reorganizou, ocupou-se durante toda a sua vida do ensino da psicanálise e de sua transmissão aos alunos. Seus trabalhos abordaram a técnica psicanalítica*, o eu* e o masoquismo*.

psiquiatra e psicanalista francês

Como Maurice Bouvet*, Daniel Lagache*, Françoise Dolto* e Jacques Lacan*, de quem foi amigo, Sacha Nacht pertencia à segunda geração* dos psicanalistas franceses. Nascido em Racaciuni, na Romênia*, era de uma família de judeus convertidos. Em 1919, emigrou para Paris, a fim de continuar seus estudos de medicina, já começados no seu país, e em 1922, descobriu a obra freudiana, quando da representação da peça de Henri Lenormand (18821951), O comedor de sonhos. Aluno de Henri Claude* e médico dos hospitais psiquiátricos, fez uma análise aos 27 anos com Rudolph Loewenstein*, tornando-se assim, no seio da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), o mais jovem titular de sua geração. Foi o único a ter um contato pessoal com Sigmund Freud*. Logo após o congresso da International Psychoanalytical Association * (IPA) em Marienbad, em 1936, Nacht foi a Viena* para pedir a Freud que o analisasse. Este aceitou, mas como Nacht não falava alemão e o mestre não entendia mais o francês para conduzir o tratamento, foi encaminhado para Heinz Hartmann*. Recusando-se a emigrar e também a usar a estrela amarela, Nacht ficou na França durante a Ocupação nazista. Em 1942, engajou-se em uma rede da Resistência. Depois da guerra, tornou-se, na SPP, adversário declarado da análise leiga* e líder da corrente médica, desejando, como muitos psicanalistas americanos da IPA, reservar apenas para os médicos a prática do tratamento. Daí o papel “conservador” que desempenhou quando da cisão* de 1953, diante de Daniel Lagache, que representava a corrente liberal e universitária, aberta à análise leiga (Laienanalyse).

• Sacha Nacht, Le Masochisme (1938), Paris, Payot, 1975; De la pratique à la théorie psychanalytique, Paris, PUF, 1950; La Psychanalyse d’aujourd’hui, 2 vols., Paris, PUF, 1956; La Présence du psychanalyste, Paris, PUF, 1963 • Denise Saada, S. Nacht, Paris, Payot, 1972 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

Naesgaard, Sigurd (1885-1956) psicanalista dinamarquês

De formação filosófica, Sigurd Naesgaard se interessou pelas idéias freudianas depois da Primeira Guerra Mundial. Foi um pioneiro em seu país, onde a psicanálise* teve apenas poucos representantes. Em 1922, defendeu uma tese de doutorado sobre “a estrutura da consciência”, e depois começou a praticar a psicanálise, sem ter recebido nenhuma formação. Generoso e apaixonado pelo freudismo*, era de certa forma adepto da psicanálise selvagem e não hesitava em assumir riscos consideráveis, principalmente com pacientes psicóticos. Em agosto de 1931, participou, com Alfhild Tamm*, Harald Schjelderup* e Yrjö Kulovesi* da famosa reunião dos psicanalistas escandinavos, que levaria à criação de duas sociedades, uma reunindo a Suécia e a Finlândia, outra a Dinamarca e a Noruega. 529

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narcisismo

Em 1933, publicou uma obra em dois volumes sobre a psicanálise, que enviou a Sigmund Freud*. No mesmo ano, aproximouse de Wilhelm Reich*, quando este permaneceu em Copenhague de maio a novembro. Reich lhe propôs que fizesse uma análise, mas ele recusou porque não sentia necessidade disso. Envioulhe um paciente, que se suicidou depois de algumas semanas de tratamento. Esse suicídio* provocou escândalo, precipitando a partida de Reich, já tratado de “pornógrafo” pela imprensa dinamarquesa. No dia 10 de novembro, o psicanalista Erik Carsten se dirigiu a Freud para tomar a defesa de Reich, dizer que Naesgaard era louco e que sua atividade prejudicava consideravelmente a psicanálise. Além disso, pedia ao mestre de Viena* que assumisse uma posição clara sobre a obrigação, para os clínicos, de recorrer à análise didática*. Freud não respondeu, limitando-se a confirmar que Reich era realmente psicanalista, apesar de sua “ideologia política”. Como muitos outros pioneiros de sua geração*, Naesgaard se desviou do freudismo clássico e organizou formações de terapeutas “selvagens”, estimulando, por exemplo, alguns de seus pacientes a praticarem a psicanálise. Para isso, criou uma associação, Psychoanalytisk Samfund, na qual ensinou, e para a qual convidou alguns oradores estrangeiros. Redigiu também cerca de trinta livros sobre educação, psicologia e filosofia. • Reich parle de Freud (N. York, 1967), Paris, Payot, 1970 • Reimer Jensen e Henning Paikin, “On psychoanalysis in Denmark”, Scandinavian Psychoanalytic Review, vol.3, 1980, 103-16.

➢ ESCANDINÁVIA

narcisismo al. Narzissmus; esp. narcisismo; fr. narcissisme; ing. narcissism Termo empregado pela primeira vez em 1887, pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911), para descrever uma forma de fetichismo* que consiste em se tomar a própria pessoa como objeto sexual. O termo foi depois utilizado por Havelock Ellis*, em 1898, para designar um comportamento perverso relacionado com o mito de Narciso. Em 1899, em seu comentário sobre o artigo de Ellis, o crimino-

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logista Paul Näcke (1851-1913) introduziu o termo em alemão.

Na tradição grega, o termo narcisismo designa o amor de um indivíduo por si mesmo. A lenda e o personagem de Narciso foram celebrizados por Ovídio na terceira parte de suas Metamorfoses. Filho do deus Céfiso, protetor do rio do mesmo nome, e da ninfa Liríope, Narciso era de uma beleza ímpar. Atraiu o desejo de mais de uma ninfa, dentre elas Eco, a quem repeliu. Desesperada, esta adoeceu e implorou à deusa Nêmesis que a vingasse. Durante uma caçada, o rapaz fez uma pausa junto a uma fonte de águas claras: fascinado por seu reflexo, supôs estar vendo um outro ser e, paralisado, não mais conseguiu desviar os olhos daquele rosto que era o seu. Apaixonado por si mesmo, Narciso mergulhou os braços na água para abraçar aquela imagem que não parava de se esquivar. Torturado por esse desejo impossível, chorou e acabou por perceber que ele mesmo era o objeto de seu amor. Quis então separar-se de sua própria pessoa e se feriu até sangrar, antes de se despedir do espelho fatal e expirar. Em sinal de luto, suas irmãs, as Náiades e as Díades, cortaram os cabelos. Quando quiseram instalar o corpo de Narciso numa pira, constataram que havia se transformado numa flor. Até o fim do século XIX, o termo narcisismo foi utilizado pelos sexólogos para designar seletivamente uma perversão sexual caracterizada pelo amor dedicado pelo sujeito* a si mesmo. Em 1908, Isidor Sadger* falou do narcisismo, a propósito do amor próprio, como uma modalidade de escolha de objeto* nos homossexuais; distinguiu-se de Havelock Ellis ao considerar o narcisismo não como uma perversão*, mas como um estádio normal da evolução psicossexual do ser humano. O termo narcisismo surgiu pela primeira vez na pena de Freud numa nota acrescentada em 1910 aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*. Falando dos “invertidos” e, portanto, ainda não utilizando a palavra “homossexual”, Freud escreveu que eles “tomam a si mesmos como objetos sexuais” e, “partindo do narcisismo, procuram rapazes semelhantes à sua própria pessoa, a quem querem amar tal como sua mãe os amou”.


narcisismo

Em 1910, em seu ensaio “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância” (1910), e em 1911, no estudo que fez sobre o caso Schreber*, Freud, a exemplo de Sadger, considerou o narcisismo um estádio* normal da evolução sexual. Foi em 1914, em “Sobre o narcisismo: uma introdução”, que o termo adquiriu o valor de um conceito. Fenômeno libidinal, o narcisismo passou então a ocupar um lugar essencial na teoria do desenvolvimento sexual do ser humano. A elaboração desse texto apoiou-se no estudo das psicoses* e, principalmente, na contribuição da Karl Abraham*. Sem utilizar essa palavra, o berlinense, num texto de 1908 que versava sobre a demência precoce, havia descrito o processo de desinvestimento do objeto e convergência da libido* para o sujeito: “O doente mental dedica a si mesmo, como objeto sexual único, toda a libido que o homem normal volta para o meio vivo ou animado. A superestimação sexual diz respeito tão-somente a ele.” Freud adotaria essa definição da psicose na vigésima sexta lição das Conferências introdutórias sobre psicanálise*. No texto de 1914, a observação do delírio de grandeza no psicótico levou Freud a definir o narcisismo como a atitude resultante da transposição, para o eu* do sujeito*, dos investimentos libidinais antes feitos nos objetos do mundo externo. Freud observou então que esse movimento de retirada só pode produzir-se num segundo tempo, este precedido de um investimento dos objetos externos por uma libido proveniente do eu. Assim, podemos falar de um narcisismo primário, infantil, que a observação das crianças, bem como a dos “povos primitivos”, ambos caracterizados por sua crença na magia das palavras e na onipotência do pensamento, viria confirmar. O narcisismo primário diria respeito à criança e à escolha que ela faz de sua pessoa como objeto de amor, numa etapa precedente à plena capacidade de se voltar para objetos externos. Assim, Freud é levado, no que constitui um dos pontos fortes desse texto, a considerar a existência permanente e simultânea de uma oposição entre a libido do eu e a libido do objeto, e a formular a hipótese de um movimento de gangorra entre as duas, de tal sorte que, se

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uma enriquece, a outra empobrece, e vice-versa. Nessa perspectiva, a libido de objeto, em seu desenvolvimento máximo, caracteriza o estado amoroso, ao passo que, inversamente, em sua expansão máxima, a libido do eu fundamenta a fantasia* do fim do mundo no paranóico. O desenvolvimento teórico constituído por esse texto implicou uma primeira reformulação da teoria das pulsões*, desaparecendo a separação entre pulsões do eu e pulsões sexuais e sendo o eu definido como “um grande reservatório de libido”. Antes desse avanço teórico, porém, Freud deparou com um obstáculo a propósito do narcisismo primário no momento de definir a relação deste com o auto-erotismo* que fora identificado nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Assim, postulou um desenvolvimento do eu em dois tempos, com “uma nova ação psíquica” seguindo-se ao auto-erotismo, para que fosse possível atingir o estádio do narcisismo primário. Quando queremos estabelecer uma correspondência entre esse desenvolvimento e a evolução pulsional, a passagem das pulsões sexuais parciais para sua unificação, somos levados a considerar que o narcisismo infantil ou primário é contemporâneo da constituição do eu. Como se pode constatar, e o próprio Freud o reconheceu, a questão da localização do narcisismo primário levanta inúmeras dificuldades. Ele é, segundo Freud, mais difícil de observar que de deduzir. Todavia, a título de observação indireta, Freud destacou a admiração parental por “his majesty the baby” como sendo a manifestação, nos pais, de seu próprio narcisismo primário abandonado, em cujo lugar constituiu-se progressivamente seu ideal do eu. “O amor dos pais”, escreveu Freud, “tão tocante e, no fundo, tão infantil, não é outra coisa senão seu narcisismo renascido, que, a despeito de sua metamorfose em amor de objeto, manifesta inequivocamente sua antiga natureza.” No contexto da elaboração da segunda tópica*, Freud retornou a essa questão da localização do narcisismo primário, que foi então situado como o primeiro estado da vida — anterior, portanto, à constituição do eu —, característico de um período em que o eu e o isso* são indiferenciados, e cuja representação concreta

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narcisismo

poderíamos conceber, por conseguinte, sob a forma da vida intra-uterina. Como assinalam Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, essa nova formulação teve por conseqüência apagar qualquer distinção entre o auto-erotismo o narcisismo, e “é difícil discernir, do ponto de vista tópico, o que é investido no narcisismo primário entendido dessa maneira”. A definição do narcisismo secundário é menos problemática e a formulação da segunda tópica não modifica sua concepção, muito embora, a partir da redação de Mais-além do princípio de prazer*, Freud viesse a abandonar cada vez mais esse conceito, cuja ausência convém assinalarmos no Esboço de psicanálise*. O narcisismo secundário ou narcisismo do eu, portanto, no início da década de 1920, mantém-se como o resultado, manifesto na clínica da psicose, da retirada da libido de todos os objetos externos. Mas o narcisismo secundário não se limita a esses casos extremos, uma vez que o investimento libidinal do eu coexiste, em todo ser humano, com os investimentos objetais, havendo Freud postulado a existência de um processo de equilíbrio energético entre as duas formas de investimento que participam de Eros, a pulsão de vida, e de seu combate contra as pulsões de morte. Por outro lado, e isso atesta o caráter incontornável que teve esse conceito na evolução da teoria freudiana do desenvolvimento psíquico, o narcisismo constitui, desde o texto de 1914, o primeiro esboço do que viria a se transformar no ideal do eu*. A despeito de suas insuficiências e de seu estatuto ambíguo, o conceito de narcisismo serviu de ponto de partida para inúmeras elaborações pós-freudianas. Efetuando uma análise espectral do conceito de narcisismo, André Green, em 1976, fez o recenseamento do “destino do narcisismo” depois de Freud, sublinhando que os psicanalistas “dividiram-se em dois campos conforme sua posição a respeito da autonomia do narcisismo”. Em nome da defesa dessa autonomia, convém assinalar a contribuição do psicanalista francês Bela Grunberger, que concebeu o narcisismo como uma instância psíquica da mesma ordem que as instâncias freudianas da segunda tópica, e a do psicanalista norte-americano Heinz Kohut*, que, a partir da clínica dos dis-

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túrbios narcísicos, contribuiu para o desenvolvimento da corrente da Self Psychology*. Em contraste com essas concepções, Melanie Klein*, postulando a existência primária de relações de objeto, foi levada a rejeitar tanto a idéia de narcisismo primário quanto a de estádio narcísico, falando tão-somente em estados narcísicos ligados a retornos da libido para objetos internalizados. Foi sobre o ponto até hoje confuso da localização do narcisismo primário e de sua relação com a constituição do eu que se fundamentou a concepção lacaniana do estádio do espelho*, desenvolvida em 1949. Para Jacques Lacan*, o narcisismo originário constitui-se no momento em que a criança capta sua imagem no espelho, imagem esta que, por sua vez, é baseada na do outro, mais particularmente da mãe, constitutiva do eu. O período de auto-erotismo, portanto, corresponde à fase da primeira infância, período das pulsões parciais e do “corpo despedaçado”, marcado por aquele “desamparo originário” do bebê humano cujo retorno sempre possível constitui uma ameaça, a qual se encontra na base da agressividade. Articulada com a teoria lacaniana, que reconhece a existência do narcisismo primário antes mesmo do estádio do espelho, a reflexão de Françoise Dolto* situou as raízes do narcisismo no momento da experiência privilegiada que é constituída pelas palavras maternas, mais centradas na satisfação de desejos do que no atendimento de necessidades. • Sigmund Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910), ESB, XI, 59-126; GW, VIII, 128-211; SE, XI, 63-129; OC, X, 79-164; “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoides)” (1911), ESB, XII, 23-104; GW, VIII, 240-316; SE, XII, 1-79; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 263-321; Totem e tabu (1913), ESB, XIII, 17-192; GW, IX; SE, XIII, 1-161; Paris, Gallimard, 1993; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; Conferências introdutórias sobre psicanálise (1916-1917), ESB, XV-XVI; GW, XI; SE, XV-XVI; Paris, Payot, 1973; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE,


nazismo XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83, O eu e o isso (1923), ESB XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 1-59; in Essais de psychanalyse, 219-52, Paris, Payot, 1981; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 167 • Karl Abraham, “Les Différences psychosexuelles entre l’hystérie et la démence précoce” (1908), in Oeuvres complètes, vol.I, 1907-1914, Paris, Payot, 1965 • Lou Andreas-Salomé, L’Amour du narcissisme, Paris, Gallimard, 1980 • Dictionnaire des personnages, Paris, Laffont, col. “Bouquins”, 1986 • Françoise Dolto, No jogo do desejo. Ensaios clínicos (Paris, 1981), S. Paulo, Ática, 1996; A imagem inconsciente do corpo (Paris, 1984), S. Paulo, Perspectiva, 1992 • Pierre Dessuant, Le Narcissisme, Paris, PUF, col. “Que sais-je?”, 1994 • André Green, “Le Narcissisme primaire, structure ou état?”, L’Inconscient, 1966, 1, 127-56, 1967, 2, 89-116; “Un, Autre, Neutre: valeurs narcissiques du même”, Nouvelle Revue de Psychanalyse, 1976, 13, 37-79 • Bela Grunberger, Le Narcissisme. Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1971; “Étude sur le narcissisme”, Revue Française de Psychanalyse, 1965, 29, 5-6; Narcisse et Anubis, Paris, Des Femmes, 1989 • Heinz Kohut, Le Soi (N. York, 1971), Paris, PUF, 1991 • Jacques Lacan, “O estádio do espelho como formador da função do eu, tal como nos é revelada na experiência psicanalítica” (1949), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 96-103; O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979 • Marie-Claude Lambotte, “Narcisismo”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 347-56 • Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.• Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises d’identité, Paris, PUF, 1990 • Michèle Montrelay, “Narcissisme”, Encyclopaedia universalis, vol.11, 552-4 • Guy Rosolato, “Le Narcissisme”, Nouvelle Revue de Psychanalyse, 1976, 13, 5-36 • Joël Schmidt, Dictionnaire de la mythologie grecque et romaine, Paris, Larousse, 1985 • Donald Woods Winnicott, O brincar e a realidade (Londres, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1979.

➢ HOMOSSEXUALIDADE; IDENTIFICAÇÃO; IMAGEM DO CORPO.

narco-análise ➢ PSICOTERAPIA.

nazismo Desde sua chegada ao poder, Adolf Hitler (1889-1945) aplicou a doutrina nacional-socialista (ou nazismo), da qual um dos objetivos principais era a eliminação de todos os judeus da Europa como “raça inferior”. Do mesmo

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modo, ele procurava livrar-se, além das demais “raças inferiores”, de todos os homens considerados “tarados” ou incômodos para o corpo social. Assim, a homossexualidade* e a loucura* foram tratadas pelo nacional-socialismo como equivalentes da judeidade*, tudo isso com base na teoria da hereditariedade-degenerescência*. Em 1939, criaram-se institutos de eutanásia para executar, por meio de venenos diversos, três categorias de pessoas: os doentes que sofriam de distúrbios mentais ou neurológicos (esquizofrênicos, dementes senis, epiléticos etc.); os pacientes hospitalizados por mais de cinco anos; os alienados criminais e, com eles, todos os sujeitos visados pela legislação racista. Foi na antiga prisão de Brandemburgo-Havel, transformada em instituto de eutanásia, que se deu, em janeiro de 1940, a primeira tentativa de execução mediante o uso de gás, o que demonstrou a “superioridade” desse processo em relação às drogas e às outras técnicas habitualmente empregadas. Dentre todas as escolas de psiquiatria dinâmica*, a psicanálise* foi a única a receber como tal a qualificação de “ciência judaica”, tão temida por Sigmund Freud*. É nesse contexto que se pode compreender por que o nazismo acrescentou a seu projeto a destruição radical da psicanálise, de seu vocabulário, seus conceitos, suas obras, seu movimento, suas instituições e seus praticantes. Esse projeto foi progressivamente realizado, sob a direção de Matthias Heinrich Göring*, com a colaboração de psicoterapeutas de todas as tendências (junguianos, freudianos, adlerianos etc.), que concordaram em servir aos princípios de uma nova “psicologia ariana” e em trabalhar, a partir de maio de 1936, no Deutsche Institut für psychologische Forschung (Instituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia), mais conhecido pelo nome de Instituto Göring. Desse instituto, instalado em Berlim, baniu-se tudo o que pudesse evocar qualquer forma de judeidade: a palavra psicanálise não mais devia ser pronunciada. A prática da psicoterapia* foi proibida aos judeus e nenhum tratamento podia ser conduzido com pacientes judeus.

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necessidade

O nazismo transformou radicalmente o movimento psicanalítico, expulsando da Europa (Alemanha*, Hungria*, Itália* e Áustria) a quase totalidade dos psicanalistas — judeus, em sua maioria —, que emigraram para os Estados Unidos*, a Grã-Bretanha* ou os países latinoamericanos. E os que não conseguiram fugir pereceram em campos de concentração. • Hannah Arendt, Origens do totalitarismo (1951), S. Paulo, Companhia das Letras, 1989; Le Système totalitaire, Paris, Seuil, col. “Points”, 1972 • Eugen Kogon, Hermann Langbein e Adalbert Rukerl, Les Chambres à gaz, secret d’État (Frankfurt, 1983), Paris, Minuit, 1984 • Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos traduzidos e apresentados por JeanLuc Evard, Paris, Confrontation, 1984 • On forme des psychanalystes. Rapport original sur les dix ans de l’Institut Psychanalytique de Berlin, apresentação de Fanny Colonomos, Paris, Denoël, 1985 • Chaim S. Katz (org.), Psicanálise e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Geoffrey Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford, 1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987 • Regine Lockot, Erinnern und Durcharbeiten, Frankfurt, Fischer, 1985 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987 • Ian Kershaw, Hitler. Um perfil do poder (N. York, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993; “Nazisme et stalinisme”, Le Débat, 89, março-abril de 1996, 177-91.

➢ BJERRE, POUL; BOEHM, FELIX; COMUNISMO; JONES, ERNEST; JUNG, CARL GUSTAV; KEMPER, WERNER; LAFORGUE, RENÉ; MAUCO, GEORGES; MÜLLER-BRAUNSCHWEIG, CARL; SCHULTZ, JOHANNES; SCHULTZ-HENCKE, HARALD.

midade freudiana encarnada pela International Psychoanalytical Association* (IPA), o que significa que renunciou a alguns dos grandes conceitos freudianos (sexualidade*, pulsão*, recalque*, transferência* etc.), ou então os modificou a ponto de se instalar nas margens do freudismo. Para os neofreudianos, o freudismo figura como uma doutrina original que, embora historicamente reivindicada, deve ser “ultrapassada”. Os neofreudianos, com efeito, contestam o dogmatismo freudiano e seu universalismo. Daí o caráter avulso e atomizado desse movimento, que, em virtude de suas convicções culturalistas, sempre rejeitou o próprio princípio de uma organização centralizada, de espírito internacionalista. Entre os principais representantes do neofreudismo figuram Karen Horney*, Erich Fromm* e Harry Stack Sullivan*. Os filósofos da Escola de Frankfurt, em especial Theodor Adorno (1903-1969) e Herbert Marcuse*, criticaram duramente o neofreudismo a partir de 1946, assimilando-o a um “revisionismo”. ➢ ALEMANHA; EGO PSYCHOLOGY; HISTORIOGRAFIA; LACANISMO; SELF PSYCHOLOGY.

neopsicanálise, ➢ PSICOTERAPIA; SCHULTZ-HENCKE, HARALD.

neurastenia al. Neurasthenie; esp. neurastenia; fr. neurasthénie; ing. neurasthenia

necessidade ➢ DESEJO.

neofreudismo al. Neofreudianismus; esp. neofreudismo; fr. néofreudisme; ing. neofreudianism

Na história do movimento psicanalítico, deu-se o nome de neofreudismo a escolas de psicoterapia* simultaneamente diferentes entre si e em dissidência com o freudismo*. Essas escolas inspiraram-se no culturalismo* e na psicologia individual de Alfred Adler*. Contrariamente ao annafreudismo* e ao kleinismo*, a corrente neofreudiana desenvolveu-se, após cisões* ou rupturas individuais, fora da legiti-

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Termo introduzido em 1879 pelo neurologista norte-americano George Beard (1839-1883), para designar um estado de fadiga psicológica e física acompanhada de diversos distúrbios funcionais e própria da sociedade industrial do Novo Mundo.

➢ JANET, PIERRE; NEUROSE; PSICASTENIA.

neurose al. Neurose; esp. neurosis; fr. névrose; ing. neurosis Termo proposto em 1769 pelo médico escocês William Cullen (1710-1790) para definir as doenças nervosas que acarretavam distúrbios da persona-


neurose lidade. Foi popularizado na França* por Philippe Pinel (1745-1826) em 1785. Retomado como conceito por Sigmund Freud* a partir de 1893, o termo é empregado para designar uma doença nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico recalcado, de origem infantil. Com o desenvolvimento da psicanálise*, o conceito evoluiu, até finalmente encontrar lugar no interior de uma estrutura tripartite, ao lado da psicose* e da perversão*. Em conseqüência disso, do ponto de vista freudiano, classificam-se no registro da neurose a histeria* e a neurose obsessiva*, às quais é preciso acrescentar a neurose atual, que abrange a neurose de angústia e a neurastenia*, e a psiconeurose, que abarca a neurose de transferência* e a neurose narcísica. A expressão neurose de caráter provém da terminologia de Edward Glover* e da doutrina de Wilhelm Reich*, enquanto a noção de neurose de fracasso foi cunhada por René Laforgue*, e a de neurose de abandono, pela psicanalista suíça Germaine Guex (1904-1984).

O termo neurose foi inventado por William Cullen, durante a segunda metade do século XVIII, e atesta a renovação do olhar clínico que pusera em voga a abertura de cadáveres e, portanto, a observação “direta” e post mortem dos órgãos que tinham sofrido de diversas patologias. Daí a idéia de criar uma palavra genérica para designar o conjunto dos problemas da sensibilidade e da motricidade que não apresentavam febre nem relação com qualquer órgão. Assim nasceu a definição moderna da neurose, que permitiu construir uma nosografia pela negativa, incluindo em seu campo o domínio das doenças para as quais a nova medicina anatomopatológica não encontrava nenhuma explicação orgânica. Philippe Pinel logo retomou o termo e, um século depois, Jean Martin Charcot* o popularizou, fazendo da histeria uma doença funcional (e, portanto, uma neurose), enquanto seu aluno Pierre Janet* orientou-se para a idéia de uma pura causalidade psíquica. Na terminologia janetiana, que marcaria todos os clínicos franceses do entre-guerras, a neurose tornou-se uma doença da personalidade, caracterizada por conflitos psíquicos que perturbavam as condutas sociais. Janet distinguiu dois tipos de neuroses: a histeria, na qual aparecia uma redução do campo da consciência, e

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a psicastenia*, onde se manifestava um rebaixamento da função de adaptação à realidade. Após seu encontro com Charcot, Freud também começou a definir a histeria como uma neurose, porém numa perspectiva inteiramente diversa da de Janet. Ele desvinculou definitivamente a histeria da presunção uterina, associando-lhe uma etiologia sexual e um enraizamento no inconsciente*. A partir daí e após a publicação dos Estudos sobre a histeria*, em 1895, a histeria no sentido freudiano tornou-se o protótipo, para o discurso psicanalítico, da neurose como tal. Esta passou desde então a ser definida como uma doença nervosa na qual, antes de mais nada, um trauma intervinha. Daí a idéia, defendida por Freud, de que os pacientes afetados pela neurose histérica, em geral mulheres, teriam sofrido sevícias sexuais reais em sua infância. Mais tarde, depois do abandono dessa chamada teoria da sedução*, em 1897, a neurose tornou-se uma afecção ligada a um conflito psíquico inconsciente, de origem infantil e dotado de uma causa sexual. Ela resulta de um mecanismo de defesa* contra a angústia e de uma formação de compromisso entre essa defesa e a possível realização de um desejo*. Paralelamente, a partir de 1894, Freud adotou o termo psiconeurose, que depois abandonaria, para ampliar a definição da neurose. De um lado, classificou fenômenos de defesa (ou psiconeuroses de defesa) decorrentes de uma situação edipiana (fobia*, obsessões, histeria), e de outro, problemáticas narcísicas (ou psiconeuroses narcísicas), decorrentes de uma situação pré-edipiana. As primeiras seriam catalogadas como neuroses e as últimas se classificariam na categoria das psicoses, com as novas definições, no início do século XX, da paranóia* e da esquizofrenia*. Ao lado da histeria e no quadro das psiconeuroses de defesa, Freud instaurou, já em 1894, uma definição da neurose obsessiva: “Foi-me preciso começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Ao lado da histeria, encontrei razões para situar a neurose das obsessões (Zwangsneurose) como uma afecção autônoma e independente, embora a maioria dos autores classifique as obsessões entre as síndromes que constituem a degenerescência mental ou as confunda com a neurastenia.” Quatro

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neurose atual

anos depois, em 1898, Freud empregou o termo neurose atual para designar a neurose de angústia (ou excitabilidade nervosa) e a neurastenia, que não eram, segundo ele, da alçada do tratamento psicanalítico. Tratava-se, nesses casos, de neuroses em que o conflito provinha da atualidade do sujeito, e não de sua história infantil, e nas quais o sintoma não se manifestava de maneira simbolizada. Entre 1914 e 1924, Freud conservou a definição clássica que dera à neurose nos primórdios de suas descobertas e de suas experiências clínicas. Todavia, após os grandes debates com Carl Gustav Jung* e Eugen Bleuler* sobre a dissociação, o auto-erotismo* e o narcisismo*, e depois, com a entrada em cena da segunda tópica*, organizada em torno da trilogia composta pelo eu*, isso* e supereu*, Freud deu uma organização estrutural ao par formado pela neurose e pela psicose, às quais acrescentou a perversão. Partindo da distinção entre o narcisismo* primário, no qual o sujeito investe a libido* por ela mesma, e o narcisismo secundário, onde há uma retirada da libido para as fantasias*, Freud passou a definir a oposição entre neurose e psicose como o resultado de duas atitudes provenientes de uma clivagem* do eu. Na neurose, há um conflito entre o eu e o isso e a coabitação de uma atitude que contraria a exigência pulsional com outra que leva em conta a realidade, ao passo que, na psicose, há uma perturbação entre o eu e o mundo externo, que se traduz na produção de uma realidade delirante e alucinatória (a loucura*). Freud completou esse edifício estrutural introduzindo nele um terceiro elemento: a perversão. Após ter feito da neurose, em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, o “negativo da perversão”, ele caracterizou esta última como uma manifestação bruta e não recalcada da sexualidade infantil (perversa polimorfa). Nessa perspectiva, os três termos acabariam sendo reunidos: a neurose como resultado de um conflito com recalque*, a psicose como reconstrução de uma realidade alucinatória, e a perversão como renegação* da castração*, com uma fixação na sexualidade infantil. A partir da década de 1950, esse modelo do freudismo clássico foi questionado, em especial

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nos Estados Unidos* e na Grã-Bretanha*, com o aparecimento, por um lado, da noção de borderlines*, e por outro, das novas concepções da neurose provenientes dos trabalhos de Donald Woods Winnicott* e Heinz Kohut*, centralizados na questão do self. • Sigmund Freud, “As neuropsicoses de defesa” (1894), ESB, III, 57-74, GW, 1, 57-74; SE, III, 41-61; OC, III, 1-18; “Obsessões e fobias (seu mecanismo psíquico e sua etiologia)” (1895), escrito em francês, ESB, III, 89-98; GW, I, 343-53; SE, III, 69-82; OC, III, 19-29; “A hereditariedade e a etiologia das neuroses” (1896), escrito em francês, ESB, III, 165-86; SE, III, 141-56; OC, III, 105-21; “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ESB, III, 187-216; GW, I, 377-403; SE, III, 157-85; OC, III, 121-46; “A sexualidade na etiologia das neuroses” (1898), ESB, III, 289-317; SE, III, 259-85; OC, III, 215-41; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “Neurose e psicose” (1924), ESB, XIX, 189-98; GW, XIII, 387-91; SE, XIX, 149-53; OC, XVII, 1-9; “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924), ESB, XIX, 229-38; GW, III, 363-8; SE, XIX, 183-7; OC, XVII, 35-43; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Pierre Janet, Les Névroses, Paris, Flammarion, 1909 • Edward Glover, “The neurotic character”, IJP, VII, 1926, 11-30 • Germaine Guex, La Névrose d’abandon, Paris, PUF, 1950 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Jacques Postel, “Névrose”, in Grand dictionnaire de la psychologie, Paris, Larousse, 1991, 512-4 • Georges Lantéri-Laura, “Névrose et psychose: questions de sens, questions d’histoire”, Autrement, 117, outubro de 1990, 23-31.

➢ REPETIÇÃO, COMPULSÃO À; SELF PSYCHOLOGY.

neurose atual ➢ NEUROSE.

neurose criadora ➢ ELLENBERGER, HENRI F.

neurose de abandono ➢ NEUROSE.

neurose de angústia ➢ FOBIA; INIBIÇÕES, SINTOMAS E ANGÚSTIA; NEUROSE.


neurose de guerra

neurose de caráter ➢ GLOVER, EDWARD; NEUROSE; REICH, WILHELM.

neurose de defesa ➢ DEFESA; HISTERIA; NEUROSE; NEUROSE OBSESSIVA.

neurose de destino ➢ REPETIÇÃO, COMPULSÃO À.

neurose de fracasso ➢ LAFORGUE, RENÉ; REPETIÇÃO, COMPULSÃO À.

neurose de guerra al. Kriegsneurose; esp. neurosis de guerra; fr. névrose de guerre; ing. war neurosis

A neurose de guerra não é em si uma entidade clínica. Provém da categoria da neurose traumática, definida em 1889 por Hermann Oppenheim (1858-1919), que a descreveu como uma afecção orgânica consecutiva a um trauma real, provocando uma alteração física dos centros nervosos, por sua vez acompanhada por sintomas psíquicos: depressão, hipocondria, angústia, delírio etc. Sabemos do uso que Sigmund Freud* fez dessa neurose em sua discussão da etiologia da histeria*, a partir da doutrina funcionalista de Jean Martin Charcot*: a idéia de trauma foi então transposta do domínio físico e orgânico para o plano psíquico, a fim de se abrir para uma nova concepção da neurose, inicialmente fundamentada na teoria da sedução* e, mais tarde, na do conflito defensivo. Assim, a neurose tornou-se uma afecção puramente psíquica, fazendo caducar a idéia de simulação, tanto para os adeptos do organicismo quanto para os partidários do funcionalismo ou da causalidade psíquica. Com a Primeira Guerra Mundial, o interminável debate sobre a origem traumática da neurose foi reiniciado. Os psiquiatras de toda parte, com efeito, tiveram seus serviços solicitados pelas hierarquias militares, que procuravam desmascarar os simuladores, alvo da suspeita, como outrora acontecera com os histéricos, de

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serem falsos doentes e, portanto, mentirosos, desertores e maus patriotas. Foi nesse contexto que se deu em Viena*, em 1920, por ocasião de uma estrondosa polêmica, o primeiro grande debate sobre o estatuto da neurose de guerra. O poder dos Habsburgo havia desmoronado e, no mapa da Europa, como sublinhou Stefan Zweig*, a Áustria já não passava de um “clarão crepuscular, uma sombra acinzentada, incerta e sem vida, da antiga monarquia imperial”. O processo, que seria inteiramente exumado por Kurt Eissler, começou com uma queixa apresentada pelo tenente Walter Kauders contra o psiquiatra Julius WagnerJauregg*, acusado de haver utilizado um tratamento à base de eletricidade para cuidar de soldados afetados por neurose de guerra e, na verdade, considerados simuladores. Freud foi então convocado, na condição de perito, a comparecer perante uma comissão de inquérito a fim de dar seu parecer sobre a eventual prevaricação de Wagner-Jauregg. Em seu parecer, Freud mostrou-se muito moderado com respeito ao psiquiatra, mas, em contrapartida, criticou com grande violência não apenas o método elétrico, mas também a ética médica dos que o utilizavam. Lembrou que o dever do médico, sempre e em toda parte, é se colocar a serviço do doente, e não de qualquer poder estatal ou bélico, e estigmatizou a idéia de simulação, inadequada a qualquer definição da neurose, fosse esta de origem traumática ou psíquica: “Todos os neuróticos são simuladores”, disse: “simulam sem saber, e essa é sua doença.” A progressiva implantação da psicanálise* nos diferentes países ocidentais transformou a visão psiquiátrica sobre a questão da neurose de guerra, e foi na Grã-Bretanha*, durante a Segunda Guerra Mundial, que se desenvolveu uma nova reflexão em torno das teses de John Rickman* e Wilfred Ruprecht Bion*, enquanto, na Alemanha*, diversos psicanalistas participaram, sob a direção de Matthias Heinrich Göring*, da elaboração de uma psicoterapia* de guerra a serviço do nacional-socialismo. Historicamente, a questão da neurose de guerra é tão antiga quanto a guerra em si. A idéia de que as sangrentas tragédias da história possam induzir em sujeitos “normais” modifi-

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neurose de transferência

cações da alma ou do comportamento remonta à noite dos tempos. Todos os trabalhos do século XX sobre os traumas ligados à guerra, à tortura, à prisão ou às situações extremas confirmam a formulação freudiana: esses traumas são, a um só tempo, específicos de uma dada situação e reveladores, em cada indivíduo, de uma história que lhe é peculiar. Em outras palavras, os chamados períodos de “distúrbios” menos favorecem a eclosão da loucura* ou da neurose do que o esgotamento dos sintomas destas, retransformados num trauma. Assim, o suicídio* explícito e a melancolia* são menos freqüentes quando a guerra autoriza o heroísmo da morte, e as neuroses são tão mais numerosas e manifestas quanto mais a sociedade na qual se exprimem tem todas as aparências de estabilidade. Charcot teatralizou a histeria quinze anos depois da Comuna de Paris, no momento em que a serenidade republicana parecia haver triunfado sobre as “convulsões” revolucionárias, e Freud identificou as causas sexuais da neurose, renunciando ao trauma real, no seio de uma sociedade aparentemente imersa na quietude imóvel de seu sonho burguês. • Sigmund Freud, “Introdução a A psicanálise e as neuroses de guerra” (1919), ESB, XVII, 259-64; GW, XII, 321-4; SE, XVII. 205-10; in Résultats, idées, problèmes, I, 1890-1920, Paris, PUF, 1984; Mais-além do princípio do prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115 • Sandor Ferenczi, “Psicanálise das neuroses de guerra” (1918), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 13-30 • Kurt Eissler, Freud sur le front des névroses de guerre (Viena, 1979), Paris, PUF, 1992.

➢ BABINSKI, JOSEPH; BETTELHEIM, BRUNO; PULSÃO.

neurose de transferência ➢ NEUROSE; TRANSFERÊNCIA.

neurose demoníaca (ou diabólica) ➢ HAITZMANN, CHRISTOPHER; HISTERIA; IGREJA; OCULTISMO.

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neurose fóbica ➢ FOBIA; HISTERIA; NEUROSE.

neurose narcísica ➢ AUTISMO; NARCISISMO; NEUROSE; PARANÓIA; PSICOSE; SELF PSYCHOLOGY.

neurose obsessiva al. Zwangsneurose; esp. neurosis obsessiva; fr. névrose obsessionnelle; ing. obsessional neurosis Forma fundamental de neurose* identificada por Sigmund Freud* em 1894, a neurose obsessiva (ou neurose de coerção) é, ao lado da histeria*, a segunda grande doença nervosa da classe das neuroses, segundo a doutrina psicanalítica. Tem como origem um conflito psíquico infantil e uma etiologia sexual caracterizada por uma fixação da libido* no estádio* anal. No plano clínico, manifesta-se através de ritos conjuratórios de tipo religioso, sintomas obsedantes e uma ruminação mental permanente, na qual intervêm dúvidas e escrúpulos que inibem o pensamento e a ação.

O alienista francês Jules Falret (1824-1902) introduziu o termo obsessão para sublinhar o fenômeno de ascendência através do qual o sujeito* é assediado por idéias patológicas e por uma culpa que o persegue e o obceca a ponto de fazer dele um morto vivo. Em seguida, o termo foi traduzido para o alemão por Richard von Krafft-Ebing*, que optou por usar a palavra Zwang, que remete a uma idéia de coerção e compulsão: o sujeito se obriga a agir e a pensar contra sua vontade. Foi a Freud, entretanto, que coube o mérito de, pela primeira vez, conferir um conteúdo teórico à antiga clínica das obsessões, não apenas situando a doença no registro da neurose, mas também fazendo dela, frente à histeria, o segundo grande componente da estrutura neurótica humana. Enquanto a histeria era conhecida desde a Antigüidade, a obsessão apareceu tardiamente na clínica das doenças nervosas. No entanto, as duas entidades estão ligadas à história da religião no Ocidente. Ambas, com efeito, aparentam-se com os antigos fenômenos de possessão e com a divisão entre a alma e o corpo. No caso da histeria, a possessão é mais sonambúlica, passiva, inconsciente e “feminina”: é o demônio que se apodera de um corpo de mulher para


neurose obsessiva

torturá-lo. Na obsessão, ao contrário, ela é ativa e “masculina”: é o próprio sujeito que é internamente torturado por uma força diabólica, embora permaneça lúcido quanto a seu estado. De um lado, a mulher, assimilada a uma feiticeira, é culpada através de um corpo diabólico, oferecido à luxúria, e de outro, o homem é invadido por uma sujeira moral que o obriga a se tornar seu próprio inquisidor. A histeria é uma arte “feminina” da sedução e da conversão, e a obsessão, um rito “masculino” comparável a uma religião. Essa diferença entre o feminino e o masculino, entre o ativo e o passivo, entre o corpo convulsivo e a consciência culpada, encontrase na maneira como Freud contrasta, numa carta a Wilhelm Fliess* de outubro de 1895, a neurose obsessiva com a histeria: “Imagine só: pressinto, entre outras coisas, o seguinte condicionamento estrito: no que concerne à histeria, que ocorreu uma experiência sexual primária (antes da puberdade) em meio ao asco e ao susto, e, no que concerne à neurose obsessiva, que essa experiência se deu com prazer (...). A histeria é a conseqüência de um pavor sexual pré-sexual. A neurose obsessiva é a conseqüência de um prazer sexual pré-sexual, que depois se transforma em recriminação.” Assim, até 1897, no contexto da teoria freudiana da sedução* (trauma sexual infantil), a sexualidade* das meninas desenrola-se sob o signo da passividade e do pavor, e a dos meninos, sob o signo de um prazer ativo, vivido como um pecado. Depois do abandono da teoria da sedução, Freud só voltou à questão da neurose obsessiva em 1907: apresentou então à Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, pela primeira vez, o começo da história de um doente afetado por essa neurose: Ernst Lanzer*, celebrizado sob o nome de Homem dos Ratos. Essa exposição magistral serviria de modelo para todos os comentários posteriores consagrados à noção de obsessividade. Apesar de manter uma certa correlação entre passividade e histeria, por um lado, e atividade e obsessão, por outro, Freud rejeitou essencialmente essa bipolarização e a substituiu por uma explicação etiológica baseada em sua nova teoria da sexualidade. A neurose obsessiva

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passou então a ser uma neurose que afeta tanto os homens quanto as mulheres e que tem como origem um conflito psíquico. A principal mudança apareceu, na verdade, com a publicação em 1905 dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, onde Freud evidenciou a sexualidade infantil, a perversão* polimorfa e o erotismo anal, que suscitariam uma impressionante hostilidade por parte dos adversários da psicanálise*, donde a acusação de pansexualismo* levantada contra Freud. Entre 1907 e 1926, Freud transformou sua concepção da neurose obsessiva. Na história do Homem dos Ratos, é o erotismo anal que domina a organização sexual do obsessivo, e essa analidade acha-se igualmente presente, assinala Freud, nas “práticas religiosas”. Constatando a analogia entre a religião (cujos rituais são portadores de um sentido) e o cerimonial da obsessão (onde esses mesmos rituais correspondem apenas a uma significação neurótica), ele passou a caracterizar a neurose como uma religião individual e a religião como uma obsessão universal. Em 1913, Freud retomou essa temática com a publicação de um livro, Totem e tabu*, e de um artigo, “A predisposição para a neurose obsessiva”. Comparada à histeria, definida como uma linguagem pictórica, e à paranóia*, vista como uma filosofia fracassada, a neurose de compulsão foi novamente colocada sob o signo da religião: “As neuroses, por um lado, apresentam concordâncias impressionantes e profundas com as grandes produções sociais da arte, da religião e da filosofia; por outro, aparecem como distorções destas. Poderíamos arriscar-nos a dizer que uma histeria é a imagem distorcida de uma criação artística, uma neurose de compulsão, a de uma religião, e um delírio paranóico, a de um sistema filosófico.” Todavia, a obsessão deveria ser igualmente relacionada a uma regressão da vida sexual a um estádio* anal, tendo por corolário um sentimento de ódio que é característico da própria constituição do sujeito humano. Isso porque, segundo Freud, é o ódio, antes do amor, que estrutura o conjunto das relações entre os homens, obrigando-os a se defenderem dele através da elaboração de uma moral.

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neurose traumática

Em 1926, em Inibições, sintomas e angústia*, essa teoria foi reformulada à luz da segunda tópica* e da noção de pulsão* de morte. O desencadeador da neurose obsessiva foi então caracterizado como sendo o medo que o eu* tem de ser punido pelo supereu*. Enquanto o supereu age sobre o eu à maneira de um juiz severo e rígido, o eu é obrigado a resistir às pulsões destrutivas do isso*, desenvolvendo formações reativas que assumem a forma de sentimentos de escrúpulo, ou a de piedade, limpeza e culpa. Por isso, o sujeito é mergulhado num verdadeiro inferno do qual nunca consegue escapar. Pois bem, esse inferno não é outra coisa senão a versão patológica de um sistema institucional patriarcal e judaico-cristão do qual, aliás, Freud tanto enaltece as fraquezas quanto os méritos. De fato, em sua análise do Homem dos Ratos e, mais tarde, em Totem e tabu, ele liga os progressos da ciência e da razão ao advento do patriarcado*, com isso mostrando que o freudismo*, como expressão dessa ciência e dessa razão, pode servir de proteção contra as diversas tentativas de abolição da família e contra o inelutável declínio do pai na sociedade ocidental do século XX. Em 1938, na última etapa da reflexão que ele conduziu em paralelo sobre a religião e a lógica da estrutura obsessiva, Freud expôs abertamente, com Moisés e o monoteísmo*, a ambivalência amor-ódio que era, a seu ver, sintomática da “relação com o pai”. E essa ambivalência remete, é claro, à função da proibição do incesto*, sustentada pelo pai no mundo judaico-cristão. Assim, a neurose obsessiva inventada por Freud sempre seria, para ele, um verdadeiro objeto de fascinação, na medida em que põe em cena a essência da relação edipiana. Numa carta de 1907 a Carl Gustav Jung*, Freud pintou um retrato de si mesmo sob as feições de um obsessivo e encarou seu herdeiro como histérico: “Se você, que é um homem sadio, realça o tipo histérico, devo reivindicar para mim o tipo obsessivo.” Noutro texto, a propósito de um rapaz que estava em tratamento, ele caracterizou a história de Édipo como um caso de neurose obsessiva: “Trata-se de um indivíduo sumamente dotado, de tipo edipiano, amor pela mãe, ódio pelo pai (o próprio Édipo antigo, com

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efeito, é um caso de neurose obsessiva — a questão da Esfinge), doente desde os onze anos, diante da revelação dos fatos sexuais.” Tal como a histeria, portanto, a neurose obsessiva é correlata da história da psicanálise*, em sua tentativa clínica e antropológica de dar uma resposta ao enigma da diferença sexual* e da organização da família e das sociedades. • Sigmund Freud, “As neuropsicoses de defesa” (1894), ESB, III, 57-74; GW, 1, 57-74; SE, III, 41-61; OC, III, 1-18; “Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia” (1895), escrito em francês, ESB, III, 89-98; GW, I, 343-53; SE, III, 69-82; OC, III, 19-29; “A hereditariedade e a etiologia das neuroses” (1896), escrito em francês, ESB, III, 165-86; SE, III, 141-56; OC, III, 105-21; “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ESB, III, 187-216; GW, I, 377-403; SE, III, 157-85; OC, III, 121-46; “A sexualidade na etiologia das neuroses” (1898), ESB, III, 289-316; SE, III, 259-85; OC, III, 215-41; “Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907), ESB, IX, 12136; SE, IX, 115-27; in L’Avenir d’une illusion (1927), Paris, PUF, 1971; “A predisposição para a neurose obsessiva” (1913), ESB, XII, 399-414; GW, VIII; SE, XII, 313-26; in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973, 189-97; “Notas sobre um caso de neurose obsessiva” (1909), ESB, X, 159-62; GW, VII, 381-463; SE, X, 151-249; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 199-261; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “Neurose e psicose” (1924), ESB, XIX, 189-98; GW, XIII, 387-91; SE, XIX, 149-53; OC, XVII, 1-9; “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924), ESB, XIX, 229-38; GW, III, 363-8; SE, XIX, 183-7; OC, XVII, 35-43; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Pierre Janet, Les Obsessions et la psychasthénie, 2 vols., Paris, Alcan, 1903 • Confrontations Psychiatriques, número especial sobre as obsessões, 20, 1981 • Patrick J. Mahony, Freud et l’Homme aux rats (New Haven e Londres 1986), Paris, PUF, 1990 • Evelyne Pewzner, L’Homme coupable. La Folie et la faute en Occident, Toulouse, Privat, 1992 • Charles Baladier, “Neurose obsessiva”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 358-66.

➢ ANTROPOLOGIA; ESQUIZOFRENIA; FUTURO DE UMA ILUSÃO, O; IGREJA; PSICASTENIA.

neurose traumática ➢ HISTERIA; NEUROSE DE GUERRA; PSICOSSOMÁTICA, MEDICINA; SEDUÇÃO, TEORIA DA.


Nome-do-Pai

nó borromeano al. Borromäische Knoten; esp. nudo borromeano; fr. noeud borroméen; ing. Borromean knot Expressão introduzida por Jacques Lacan*, em 1972, para designar as figuras topológicas (ou nós trançados) destinadas a traduzir a trilogia do simbólico*, do imaginário* e do real*, repensada em termos de real/simbólico/imaginário (R.S.I.) e, portanto, em função da primazia do real (isto é, da psicose*) em relação aos outros dois elementos.

Foi no âmbito de sua última retomada lógica, apoiada numa leitura da obra de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e voltada para a análise da essência da loucura* humana, que Lacan inventou simultaneamente o matema* e o nó borromeano: de um lado, um modelo de linguagem articulado com uma lógica da ordem simbólica; de outro, um modelo estrutural, fundamentado na topologia e efetuando um deslocamento radical do simbólico para o real. Desde 1950, juntamente com seu amigo Georges T. Guilbault, Lacan vinha-se entregando a exercícios topológicos que se assemelhavam aos jogos com números e às periodicidades que Sigmund Freud* e Wilhelm Fliess* faziam no chamado período da autoanálise*. Essa atividade lúdica consistia em atar pedaços de barbante indefinidamente, em encher bóias de criança, trançar e recortar, em suma, em transcrever uma doutrina em figuras topológicas. Assim, a banda de Moebius, sem avesso nem direito, forneceu a imagem do sujeito* do inconsciente*, assim como o toro ou a câmara de ar designavam um furo ou uma hiância, isto é, um “lugar constitutivo que, no entanto, não existe”. Durante 25 anos, essas figuras tiveram tãosomente uma função ilustrativa na doutrina lacaniana, e foi em 9 de fevereiro de 1972 que surgiu pela primeira vez no discurso lacaniano a expressão nó borromeano, que remetia à história da ilustre família Borromeu. As armas dessa dinastia milanesa, com efeito, compunham-se de três anéis em forma de trevo, simbolizando uma tríplice aliança. Se um dos anéis se retirasse, os outros dois ficariam soltos, e cada um remetia ao poder de um dos três ramos da família. A partir dessa data, os exercícios topológicos baseados no trançado de nós, cada qual

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simbolizando um elemento da trilogia (real/ simbólico/imaginário), começaram a assumir um lugar considerável no ensino lacaniano. Em 1975, Lacan acrescentou ao tríptico uma quarta volta, para a qual cunhou uma palavra-valise, “santhomem” [sinthome, combinando symptôme e homme, além de aludir a saint], em homenagem ao Finnegans Wake, de James Joyce (1882-1941). Tratava-se de designar o escritor por seu “sintoma”, isto é, por sua teoria da criação, a “epifania” ou êxtase místico, retirada de S. Tomás (“santo homem”). Em 1979, afetado por distúrbios cerebrais, Lacan tornou-se afásico a ponto de não mais conseguir exprimir-se a não ser pela exibição de seus jogos topológicos, dos quais participava um grupo de jovens matemáticos franceses de alto nível, empolgados com os derradeiros lampejos de inspiração de um mestre atormentado. • Jacques Lacan, Le Séminaire, livre XVIII, D’un discours qui ne serait pas du semblant (1970-1971), inédito; Le Séminaire, livre XIX, ...Ou pire (le savoir du psychanalyste) (1971-1972), inédito; O Seminário, livro 20, Mais, ainda (1972-1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 2ª ed; Le Séminaire, livre XXI, Les nondupes errent (1973-1974), inédito; Le Séminaire, livre XXII, R.S.I. (1974-1975), inédito; Le Séminaire, livre XXIII, Le Sinthome (1975-1976), inédito; Le Séminaire, livre XXIV, L’Insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre (1976-1977), inédito; Le Séminaire, livre XXV, Le Moment de conclure (1977-1978), inédito • JeanClaude Milner, Les Noms indistincts, Paris, Seuil, 1983; A obra clara. Lacan, a ciência, a filosofia (Paris, 1995), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997 • Pierre Soury, Chaînes et noeuds, 3 vols., 1988, org. de Michel Thomé e Christian Léger • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994.

➢ FORACLUSÃO; PSICANALÍTICA.

NOME-DO-PAI; PASSE; TÉCNICA

Nome-do-Pai al. Name-des-Vaters; esp. nombre del padre; fr. nom-du-père; ing. name-of-the-father Termo criado por Jacques Lacan* em 1953 e conceituado em 1956, para designar o significante* da função paterna.

Esse conceito não tem, na doutrina lacaniana, o mesmo estatuto que os demais. Com efeito, não foi retirado de um corpus existente. Tem

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Nome-do-Pai

sua fonte primordial e inconsciente na vida de Lacan e em sua experiência pessoal e dolorosa da paternidade. Primeiro, como filho, ele teve de suportar as falhas de seu pai, Alfred Lacan (1873-1960), esmagado pela tirania de seu próprio pai, Émile Lacan (1839-1915). Em seguida, havendo-se tornado pai pela quarta vez em julho de 1941, nos tempos mais sombrios da Ocupação, Lacan não pôde dar seu nome a sua filha, que foi registrada em cartório com o sobrenome Bataille, uma vez que sua mãe, Sylvia Bataille (1908-1993), ainda era a esposa legítima de Georges Bataille (1897-1962). Esse imbróglio infernal do nome do pai, decorrente da legislação francesa sobre a filiação, duraria até 1964 e o mergulharia, como manifestou Lacan em diversas ocasiões, numa culpa terrível. Testemunhos disso, se necessário fosse, são seu seminário de 1961-1962 sobre a identificação*, ao longo do qual atacou violentamente seu avô paterno, “... aquele personagem horrível graças ao qual tive acesso, em idade precoce, à função fundamental de maldizer a Deus”, e, mais tarde, suas conferências de 1975 sobre James Joyce (1882-1941), nas quais, evocando a relação do escritor com sua filha esquizofrênica, ele falou, dissimuladamente, de seu próprio drama de pai. Tal como Sigmund Freud*, Lacan foi acossado pela questão da paternidade. Em 1938, em seu artigo magistral sobre a família, mostrou que a psicanálise* nascera, em Viena*, de um sentimento de declínio da imago* paterna e da vontade freudiana de revalorizá-la. Lacan adotou o mesmo modelo de reformulação simbólica da paternidade, embora integrando as teses kleinianas referentes às relações arcaicas com a mãe. Foi em 1953, num comentário do caso do Homem dos Ratos (Ernst Lanzer*), que surgiu pela primeira vez em sua pena o sintagma do nome do pai (sem hífens). Apoiando-se num livro de Claude Lévi-Strauss, As estruturas elementares do parentesco, publicado em 1949, Lacan mostrou que o Édipo* freudiano podia ser pensado como uma passagem da natureza para a cultura. Segundo essa perspectiva, o pai exerce uma função essencialmente simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e, através desse ato,

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encarna a lei. Por conseguinte, se a sociedade humana, como sublinha Lacan, é dominada pelo primado da linguagem, isso quer dizer que a função paterna não é outra coisa senão o exercício de uma nomeação que permite à criança adquirir sua identidade. Lacan passou então a definir essa função como “função do pai”, depois, “função do pai simbólico” e, ainda mais tarde, “metáfora paterna”, o que o levou a interpretar o complexo de Édipo não mais em referência a um modelo de patriarcado* ou matriarcado, mas em função de um sistema de parentesco*. Em 1956, quando de seu seminário sobre as psicoses* e seu comentário sobre a paranóia* de Daniel Paul Schreber*, ele conceituou a função em si, grafando-a como Nome-do-Pai. O conceito foi então associado ao de foraclusão*. Evocando a natureza da relação de Daniel Paul Schreber com o pai, Lacan fez da psicose do filho uma “foraclusão do nome-do-pai”. Mais tarde, estendeu esse protótipo à própria estrutura da psicose. Mediante essa interpretação inteiramente inédita do caso, Lacan foi o primeiro dos comentadores de Freud a teorizar o vínculo existente entre o sistema educacional de um pai e o delírio de um filho. É possível que essa idéia lhe tenha ocorrido a partir da lembrança da relação entre seu pai (Alfred) e seu avô (Émile), dramaticamente vivida por ele. Nessa perspectiva e no âmbito da teoria lacaniana do significante, a transição edipiana da natureza para a cultura efetua-se da seguinte maneira: sendo a encarnação do significante, por chamar o filho por seu nome, o pai intervém junto a este como privador da mãe, dando origem ao ideal do eu* na criança. No caso da psicose, essa estruturação não se dá. Sendo então foracluído o significante do Nome-doPai, ele retorna no real* sob a forma de um delírio contra Deus, encarnação de todas as imagens malditas da paternidade. • Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987; “Le Mythe individuel du névrosé ou Poésie et vérité dans la névrose” (1953), Ornicar?, 17-18, 1979, 289-307; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; Le Séminaire, livre IX, L’identification (1962-1963), inédito; Le Séminaire, livre XXI, Les non-


Novas conferências introdutórias sobre psicanálise dupes errent (1973-1974), inédito; “Joyce, le symptôme, I” (1975), in Jacques Aubert (org.), Joyce avec Lacan, Paris, Navarin, 1987, 21-9; “Joyce, le symptôme, II” (1975), ibid., 31-6; Le Séminaire, livre XXIII, Le Sinthome (1975-1976), inédito, publicação parcial in Ornicar?, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 1976-1977 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994; “Bataille entre Freud et Lacan: une expérience cachée”, in Denis Hollier (org.), Georges Bataille après tout, Paris, Belin, 1995, 191-212.

➢ ANTROPOLOGIA; FALOCENTRISMO; FREUD, ERNST; FREUD, JACOB; FREUD, MARTIN; IMAGINÁRIO; MOISÉS E O MONOTEÍSMO; SEXUALIDADE FEMININA; SIMBÓLICO; TOTEM E TABU.

Noruega ➢ ESCANDINÁVIA.

Nothnagel, Hermann (1841-1905) médico alemão

Aluno do grande anatomista Karl Rokitansky (1804-1878), Hermann Nothnagel, que viera da Prússia, exerceu as funções de professor de medicina interna na Universidade de Viena*, de 1892 a 1905. Hostil ao niilismo terapêutico preconizado por seu mestre e por uma parte do corpo médico vienense, foi um clínico humanista, estimado por seus alunos e preocupado com o sofrimento dos doentes. Isso não o impediu de basear o seu ensino no diagnóstico anátomo-patológico, interessando-se pela patologia do sistema nervoso, do coração e dos órgãos digestivos. Sigmund Freud* trabalhou como “aspirante” em sua clínica durante seis meses e meio, de outubro de 1882 a abril de 1883. • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol.1 (N. York, 1953), Rio de Janeiro, Imago, 1989.

Novas conferências introdutórias sobre psicanálise Livro de Sigmund Freud* publicado em alemão, em 1933, sob o título Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Traduzido para o francês pela primeira vez em 1936, por Anne Berman (1889-1979), sob o título Nouvelles conférences sur la psychanalyse, mais tarde, em 1984,

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por Rose-Marie Zeitlin, sob o título Nouvelles conférences d’introduction à la psychanalyse, e novamente em 1995, por Janine Altounian, André Bourguignon (1920-1996), Pierre Cotet, Alain Rauzy e Rose-Marie Zeitlin, sob o título Nouvelle suite des leçons d’introduction à la psychanalyse. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1933, por W.J.H. Sprott, e depois em 1964, por James Strachey*, sob o título New Introductory Lectures on Psycho-Analysis.

No início do ano de 1932, a situação econômica da Internationaler Psychoanalytischer Verlag, a editora fundada por Freud em 1918 graças a uma doação de seu amigo húngaro Anton von Freund*, estava no fundo do poço, em conseqüência da grande crise de 1929. Para tentar sanear as finanças da empresa, Freud teve a idéia de escrever uma nova série de conferências, com base no modelo das Conferências introdutórias sobre psicanálise*, sabendo, entretanto, que dessa vez não poderia proferi-las em público, em virtude de sua doença. A continuidade entre as duas séries de conferências é evidente. Não apenas ela se materializa na numeração das novas lições, a primeira das quais leva o número 29, como também se manifesta pela permanência dos objetivos: não mascarar nada da complexidade das questões abordadas, não dissimular coisa alguma das lacunas e incertezas persistentes. Ao longo dessas sete conferências, como testemunham a clareza do estilo e a firmeza da argumentação, Freud está convencido, como atesta uma carta de 27 de novembro de 1932 a Arnold Zweig*, de que acaba de escrever seu último livro. Ele expressa essa mesma idéia, com uma ponta de ironia, numa carta a Max Eitingon* datada de 20 de março de 1932, afirmando que “sempre se deve estar fazendo alguma coisa, mesmo com o risco de ser interrompido — mais vale isso”, esclarece, “do que desaparecer em estado de preguiça”. Embora intitule a primeira dessas conferências de “Revisão da teoria do sonho”, Freud reconhece explicitamente que, nesse campo, “não houve nenhuma descoberta nova” nos últimos quinze anos. Obviamente, ele ignora ou pretende ignorar a repercussão que teve sua Interpretação dos sonhos* no movimento surrealista, bem como a importância que lhe atribuiu André Breton (1896-1966). Concentrado

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em sua descoberta, ele se felicita pelo fato de suas concepções sobre o sonho* haverem resistido à prova do tempo. Havendo o estudo do sonho permitido que Freud desse o passo “que leva de um procedimento psicoterápico a uma psicologia das profundezas”, é normal que ele seja o objeto da primeira aula dessa coletânea. Valendo-se, como faz com freqüência, de uma metáfora de ressonâncias militares, Freud sublinha que, com a teoria do sonho, a psicanálise* tomou “um novo pedaço de terra, conquistado da crendice popular e do misticismo”. A originalidade da contribuição da psicanálise nesse domínio conferiu ao sonho, diz ainda Freud, o papel de um schibboleth, uma espécie de senha ou sinal de reconhecimento mediante o qual se efetua a separação entre os adeptos da psicanálise e aqueles para quem ela será eternamente incompreensível. Mas, se nada veio enriquecer esse tema, por que repetir sua apresentação? Simplesmente porque, examinando bem o que fazem e dizem a esse respeito “as pessoas pretensamente cultas”, dentre elas “os inúmeros psiquiatras e psicoterapeutas que cozinham sua sopa em nossa fogueira”, parece que, na maioria das vezes, A interpretação dos sonhos foi mal lida, ou não foi lida de todo. Após uma recapitulação dos grandes avanços expostos naquela obra pioneira — a distinção entre o conteúdo manifesto e os pensamentos latentes do sonho, a função do recalque* e das resistências* na formação do sonho, e os processos essenciais do trabalho do sonho, a condensação* e o deslocamento* —, Freud retorna à questão da simbolização sem renunciar às correspondências que, a seu ver, constituem um elo entre a atividade psíquica inconsciente individual e o registro do patrimônio cultural da humanidade, em especial sob a forma dos mitos e lendas. Em seguida, responde às objeções que lhe foram feitas a propósito de sua tese sobre o sonho como realização de um desejo* inconsciente, contestada por seus adversários com a existência dos sonhos de punição e dos sonhos de angústia. Tal como fizera num artigo de 1923, escrito por ocasião de uma reedição de A interpretação dos sonhos, Freud diferencia essas duas catego-

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rias de sonhos, os sonhos de punição e os sonhos de angústia. Por não constituírem a realização de uma moção pulsional, os sonhos de punição lhe parecem uma resposta positiva a um requisito daquela instância que, quando das versões precedentes da teoria do sonho, ainda não era conhecida: o supereu*. Quanto aos sonhos de angústia, ligados aos acontecimentos traumáticos, que sabemos haverem constituído, em Mais-além do princípio de prazer*, o ponto de partida da idéia da compulsão à repetição*, premissa da conceituação da pulsão* de morte, Freud se mantém prudente. Em 1923, ele considerava esses sonhos como a única verdadeira exceção a sua tese. Dez anos depois, acha bastante difícil “adivinhar” qual moção de desejo seria passível de se satisfazer com o retorno de acontecimentos penosos, e admite que sua tese, por mais correta que seja, ainda assim venha a passar por modificações ligadas à existência de outras forças psíquicas contraditórias: “Se os senhores levarem em conta estas últimas objeções”, aconselha — ou admite — Freud, “ao menos digam que o sonho tenta ser uma realização de desejo.” A segunda conferência trata da questão do ocultismo*, objeto de vivas controvérsias no movimento psicanalítico durante a década de 1920-1930. Sempre ambivalente, ora Freud se recusa a abordar a questão, conformando-se com os desejos de Ernest Jones* e Max Eitingon*, preocupados em preservar a respeitabilidade científica da psicanálise, ora concorda em promover as manifestações do irracional, convencido de que a psicanálise tem interesse em abordar essas zonas de sombra que o mundo anglo-americano pretende deixar entregue aos adeptos do espiritismo*. À parte suas trocas epistolares, suas discussões e suas sessões de espiritismo com Sandor Ferenczi*, Freud abordou a questão do ocultismo, em pelo menos duas ocasiões, sob a rubrica mais geral da telepatia, na década de 1920. A conferência intitulada “Sonho e ocultismo” não se afasta das linhas gerais dessas duas intervenções, muito pelo contrário. Com efeito, em 1932, Freud já não está fazendo uma primeira e inexperiente tentativa. A questão do poder foi resolvida, na International Psychoanalytical Association* (IPA), em favor da corrente anglo-


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americana, e o ancião já não teme as reprimendas do Comitê Secreto*. Numa declaração de princípios não isenta de ironia, ele anuncia querer desvincular-se de todos os preconceitos, em especial da “pusilanimidade escolar” que refreia o exercício da reflexão. Trata-se, pois, de proceder com os fenômenos ocultos como em relação a qualquer objeto da ciência, antes de mais nada estabelecendo a existência deles, para então tentar explicá-los. Três tipos de dificuldade, intelectual, psicológica e histórica, criam obstáculos a esse procedimento. Manejando alternadamente o bom senso e o humor, Freud chama a atenção, em primeiro lugar, para a deformação intelectual que consiste, para não discutir uma proposição bizarra, em julgar quem o faz. A esse respeito, ele lembra os ataques que sofreu nos primórdios da psicanálise. Quanto à credulidade humana, freqüentemente invocada para rejeitar o ocultismo*, ela de modo algum constitui uma informação sobre a natureza do objeto. Por fim, a proximidade entre o ocultismo e as religiões não deve levar a que se rejeite o primeiro a pretexto de uma desconfiança em relação a estas últimas. Afastados esses obstáculos, Freud se volta para os pretensos sonhos telepáticos (uma pessoa sonha com um acontecimento que se produz na realidade). Admitindo a hipótese de uma mensagem telepática cuja recepção fosse favorecida pelo estado de sono, ainda assim ele submete esse fenômeno ao trabalho de interpretação psicanalítica e demonstra que a dimensão telepática funciona, na realidade, como um resíduo diurno, modificado pelo trabalho do sonho. Após o exame de um certo número de exemplos, impõe-se a conclusão: como tal, o sonho telepático continua hermético e somente o trabalho psicanalítico do sonho permite apreender seu sentido. Não sendo o sonho, portanto, um instrumento útil para confirmar a existência dos fenômenos ocultos, convém abordar esses fenômenos fora dos sonhos, a fim de verificar se a explicação psicanalítica é capaz de dar conta deles. Dentre a série de exemplos submetidos ao exame figura a história de uma paciente que havia experimentado um apego fortíssimo pelo

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pai. Feliz no casamento, essa mulher não conseguira ter filhos, ou seja, não soubera fazer com que seu marido fosse pai. Ao descobrir a esterilidade do marido, havia mergulhado numa intensa depressão. Durante uma viagem de passeio a Paris, escondida do marido, ela fora consultar um vidente, que lhe predissera que ela teria dois filhos aos 32 anos. A profecia não se havia realizado, mas a paciente lembrava-se dela com prazer. Freud desloca-se então pelo terreno psicanalítico para interpretar a profecia: a mãe da paciente havia-se casado muito tarde e se vira com dois filhos aos 32 anos. O dito do vidente podia ser entendido da seguinte maneira: “Console-se, a senhora ainda é muito moça. Terá o mesmo destino que sua mãe, que também teve de esperar muito tempo para ter filhos, e terá dois filhos aos 32 anos.” Ter o mesmo destino que a mãe significava, para essa paciente, tomar o lugar da mãe junto ao pai que ela tanto prezava. Tal profecia só poderia cumulá-la de satisfação. Mas, como explicar a introdução do número 32 pelo adivinho, que não tinha nenhum conhecimento dessa história? São duas as respostas possíveis, diz Freud, não sem uma certa malícia: ou a história é falsa, ou houve, efetivamente, uma transmissão de pensamento! Na realidade, a hipótese que ele conserva é diferente: ao contar essa história a seu analista, 16 anos depois de ela se haver produzido (Freud não destaca o fato de que 32 é múltiplo de 16), é lícito supor que a paciente tenha retirado o número 32 de seu inconsciente, para inscrevê-lo em sua lembrança. O estudo de outros exemplos desemboca na mesma conclusão: a interpretação psicanalítica permite, na maioria das vezes, explicar fenômenos que com demasiada facilidade são atribuídos ao ocultismo. Isso não impede que algumas histórias inviabilizem uma análise excessivamente apressada, como é o célebre caso do Dr. David Forsyth*. Havendo mais uma vez conseguido dar conta, com a ajuda da psicanálise, do sentido da sucessão de coincidências que adornam esse caso, Freud reconhece, no entanto, a existência de um resíduo inexplicável. Chega a admitir que, segundo seu “sentimento, a balança pende, também nesse caso, para a transmissão de pensamento”. Para corroborar esse juízo, ele se apressa a citar um certo

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número de observações idênticas feitas por Helene Deutsch*. Prevendo as objeções que não deixarão de lhe ser dirigidas, Freud permite que desponte sua paixão pela aventura e pelo maravilhoso, sua curiosidade e sua audácia intelectuais que, cerca de trinta anos antes, haviam-no levado a se lançar na epopéia psicanalítica, em companhia de Wilhelm Fliess*. Não apenas se confessa incapaz de se alinhar sisudamente sob a bandeira do racionalismo, como exorta seus leitores “a pensar com mais benevolência na possibilidade objetiva da transmissão de pensamento e, por isso mesmo, da telepatia”. Num discurso proferido por ocasião do octogésimo aniversário de Freud, Thomas Mann* referiu-se à terceira dessas novas conferências: a inspiração que nela se manifesta, sua forma e seu conteúdo, e a descrição que nela se faz do “mundo mental do inconsciente e do isso”, tudo atesta, para o grande escritor, que Freud é filho do “século dos Schopenhauers e dos Ibsens em cujo meio nasceu”. Em poucas linhas, Freud resume o longo caminho percorrido pela psicanálise: a atenção inicialmente voltada para os sintomas, que abriu caminho para o inconsciente*, a vida pulsional e a sexualidade*, o conflito entre as moções inconscientes e as resistências e, por fim, a grande virada, caracterizada pelo papel essencial atribuído ao eu*, que até então permanecera inscrito na perspectiva da psicologia popular. É da nova concepção do eu que se trata, acima de tudo. Essa conferência, portanto, constitui uma exposição definitiva e magistral das teses que foram desenvolvidas nas grandes obras da década de 1920, em especial Maisalém do princípio de prazer e O eu e o isso*. Apoiando-se em observações clínicas e aprimorando as elaborações especulativas que tanto lhe foram censuradas, Freud retorna a sua descoberta da clivagem do eu, que permitira o surgimento de uma nova instância — uma instância observadora, que prepara para o julgamento e a sanção, sem se reduzir à simples consciência moral —, que assumiria o nome de supereu*. O estudo das etapas de formação desse supereu leva Freud a sublinhar o papel essencial da identificação* precoce com a estrutura pa-

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rental e lhe permite situar o supereu como herdeiro do Édipo*. Nessa oportunidade, Freud esclarece a relação entre o supereu e o ideal do eu*. Eu e supereu são, em grande parte, instâncias inconscientes, o que implica uma revisão fundamental da concepção psicanalítica das relações entre consciente* e inconsciente. Freud explica como, a partir de um questionamento da primeira tópica*, ele foi levado a introduzir, em 1923, o conceito do isso*, para designar o inconsciente em sua perspectiva dinâmica. É a essa instância, bem como às relações entre o isso e o eu, que é dedicado o final dessa conferência. Coloca-se a questão da relação conflitiva que se estabelece entre essas duas instâncias. Para esclarecê-la, Freud escreve uma frase que se tornaria célebre no mundo inteiro, e cujas diversas traduções cristalizariam as fraturas do movimento psicanalítico: “Wo Es war, soll Ich werden”. Trata-se de designar a nova tarefa que compete à cultura através da psicanálise, e cuja importância lhe parece tão grande para a humanidade quanto a secagem do Zuiderzee. Na França*, Anne Berman optou, em 1936, por uma tradução* de tipo adaptativo, baseada na prevalência do eu: “O eu deve desalojar o isso.” Vinte anos depois, numa conferência sobre a “coisa freudiana”, feita em Viena em 1955, Jacques Lacan* contestou essa tradução e propôs uma nova transcrição: “Ali, onde isso era eu devo advir.” Desse modo, ele expressou a primazia do isso em relação ao eu: ali onde isso era o eu deve ser. Posteriormente, duas novas traduções foram preservadas, uma em 1984 (“Ali onde era isso deve advir eu”) e outra em 1995 (“Ali onde era isso, eu deve advir”). James Strachey, por sua vez, recorreu na tradução inglesa à tese inversa à de Lacan, optando pela idéia de que o eu deve vir no lugar do isso: “Where id was, there ego shall be.” A quarta conferência é dedicada à angústia e à vida pulsional. A questão da angústia fora objeto de uma das aulas da primeira coletânea. Freud retoma suas linhas gerais para expor novamente, com maior clareza do que em Inibições, sintomas e angústia*, as modificações por que passou a abordagem dessa questão desde a introdução da segunda tópica. Doravante, somente o eu pode produzir e sentir


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angústia. Isso leva a distinguir três formas de angústia: a angústia real (correspondente à dependência do eu em relação ao mundo externo), a angústia neurótica (resultante da dependência do eu em relação ao isso) e a angústia moral (produzida pela relação do eu com o supereu). Em seguida, ele reformula sua concepção das relações entre a angústia, a castração* e o recalque. Nesse ponto, Freud presta uma insistente homenagem a Otto Rank*, a quem “a psicanálise deve muitas belas contribuições”, e que teve o mérito, em especial, de mostrar a importância do ato do nascimento como primeira separação da mãe. Essa evocação vem corroborar o que muitos outros indícios permitem presumir, ou seja, que, diferentemente das rupturas havidas com Alfred Adler* ou Carl Gustav Jung*, sem dúvida Freud mais sofreu do que desejou aquela que o afastou de Rank. Se o tema da angústia foi objeto, portanto, de uma profunda reformulação teórica, Freud lembra que o campo das pulsões não teve destino melhor, tendo sido e continuando a ser ainda maiores as dificuldades quanto a esse aspecto. As etapas da transformação da teoria das pulsões são passadas em revista, o que dá a Freud o ensejo de insistir naquela pulsão de morte que “não pode estar ausente de nenhum processo de vida”. Quanto a isso, Freud faz questão de reafirmar sua postura, deixando claro que não fica nem um pouco aborrecido por ver censurado o perfil filosófico de sua colocação, uma vez que a filosofia de que se trata é a do grande Schopenhauer. Com a quinta conferência, Freud retorna a um terreno onde nunca se sentiu muito à vontade: o da sexualidade feminina*, uma faceta do que ele denomina, em termos mais gerais, “o enigma da feminilidade”. Como no texto de 1931 consagrado a esse tema, ele dá mostras de prudência e diz querer referir-se, essencialmente, às pesquisas conduzidas por suas “colegas” que se debruçaram sobre o assunto. Sem registrar claramente suas intenções, Freud parece querer corrigir sua concepção, conferindo um papel essencial à mãe na instauração e na resolução do complexo de Édipo*, bem como na evolução do complexo de castração na menina — mas com a condição de que esse texto em

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nada perturbe sua tese da libido* única e sua concepção falicista. Por isso é que ele seria criticado, em particular ao ser novamente discutida a questão da sexualidade feminina, a partir do congresso de Amsterdam organizado sobre o assunto, em 1958, por iniciativa de Jacques Lacan, assim como, mais tarde, em todos os trabalhos feministas. A conferência seguinte trata de três questões de ordem prática. Primeiro, Freud evoca o lugar da psicanálise e sua acolhida na sociedade, bem como as reações dos psicanalistas frente a essa realidade. Renova suas advertências contra a utilização abusiva do saber psicanalítico, contra todas as formas de interpretação* selvagem e, em termos mais gerais, contra o proselitismo. Em seguida, detém-se no reconhecimento e justificação das modalidades de inscrição da conduta analítica nos campos das “ciências do espírito”. Esse é um pleito em favor dos diversos aspectos de que pode revestir-se a psicanálise aplicada*, sendo a ênfase colocada nas questões pedagógicas e educativas, para as quais ele foi sensibilizado tanto por Anna Freud* quanto por August Aichhorn*. Os problemas relativos à psicanálise como terapia compõem a terceira parte dessa conferência. Embora tome o cuidado de relembrar seu pequeno entusiasmo pela terapia, Freud aproveita a oportunidade para prestar alguns esclarecimentos sobre questões técnicas, tais como as indicações de utilização da psicanálise ou a duração do tratamento, que ele toma o cuidado de frisar que, na maioria das vezes, é impossível de abreviar. Se o valor terapêutico da psicanálise não existisse, conclui Freud, “ela não teria sido descoberta no contato com os doentes e não se teria desenvolvido durante mais de trinta anos”. A última lição constitui um dos textos mais célebres de Freud. A reflexão que ele desenvolve ali é apenas parcialmente nova, mas pretende ser uma resposta definitiva a uma pergunta freqüentemente formulada: constitui a psicanálise uma visão de mundo (Weltanschauung), ou conduz ela a isso? Destacando que o termo Weltanschauung é especificamente alemão e que só com muita dificuldade se presta a uma tradução* rigorosa, Freud procura definir, antes de mais nada, o que designa por esse

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Novas conferências introdutórias sobre psicanálise

termo: “... uma Weltanschauung é uma construção intelectual que, de maneira homogênea, resolve todos os problemas de nossa vida a partir de uma hipótese que tudo domina, na qual, por conseguinte, nenhum problema se mantém em aberto, e onde tudo aquilo por que nos interessamos encontra um lugar determinado.” Depois, ele responde à pergunta formulada e sua posição é clara: como procedimento científico, como “psicologia do inconsciente”, a psicanálise não é nem pode ser uma concepção do mundo, não pode fazer sua a Weltanschauung da ciência, cuja definição é muito menos ambiciosa. Muitos são os que censuram a Weltanschauung científica por não ser portadora de nenhuma esperança, porquanto ela desconhece as exigências do espírito humano. Para Freud, essas objeções são inaceitáveis, uma vez que ignoram o papel da psicanálise, o qual consiste, justamente, em ela se encarregar, dentro do continente científico, da parte do psiquismo. Nem a arte, bastante inofensiva, nem a filosofia, cheia de boas intenções, mas muitas vezes incoerente e por demais hermética, constituem inimigos da ciência: somente a religião desempenha esse papel, pois tem um poder gigantesco e “dispõe das mais fortes emoções dos seres humanos”. A religião tranqüiliza os homens, dando-lhes a ilusão de poder responder a suas perguntas mais angustiantes. Em algumas páginas, Freud entrega-se a uma crítica sistemática da religião, tal como fizera em alguns de seus livros anteriores, novamente aproximando a infância do indivíduo e a da humanidade. Embora lamentando sua incompetência, ele envereda em seguida pela crítica de uma outra concepção de mundo, cujo questionamento já esboçou em O futuro de uma ilusão* e O mal-estar na cultura*. Assim avaliando a força e a fraqueza do marxismo, escreve o seguinte: “Por sua realização no bolchevismo russo, o marxismo teórico adquiriu agora o vigor, a coerência e o caráter excludente de uma Weltanschauung, bem como, ao mesmo tempo, uma inquietante semelhança com aquilo que ele combate. Inicialmente concebido, ele próprio, como parte da ciência (...), [o marxismo] decretou, no entanto, uma proibição de

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pensar tão inexorável quanto o foi, em sua época, a da religião.” Freud conclui essa última conferência moderando seu entusiasmo pela Weltanschauung científica, cônscio da insatisfação que não pode deixar de ser provocada por um procedimento dogmático, demasiadamente submetido às exigências da verdade e professando uma recusa de qualquer ilusão. • Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; Conferências introdutórias sobre psicanálise (1916-1917), ESB, XV-XVI; GW, XI; SE, XV-XVI; Paris, Payot, 1973; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115, “Psicanálise e telepatia” (1941), ESB, XVIII, 217-38; GW, XVII, 27-44; SE, XVIII, 177-93; OC, XVI, 99-118; “Sonhos e telepatia” (1922), ESB, XVIII, 239-70; GW, XIII, 165-91; SE, XVIII, 197-220; OC, XVI, 119-44; “Observações sobre a teoria e a prática da interpretação de sonhos” (1923), ESB, XIX, 139-58; GW, XIII, 301-14; SE, XIX, 109-21; OC, XVI, 165-79; O eu e o isso (1923), ESB, XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301; O futuro de uma ilusão (1927), ESB, XXI, 15-80; GW, XIV, 325-80; SE, XXI, 5-56; OC, XVIII, 141-97; Inibições, sintomas e angústia (1925), ESB, XX, 107-98; GW, XIV, 113-205; SE, XX, 87-172; OC, XVII, 203-86; O mal-estar na cultura (1930), ESB, XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245-333; “Sexualidade feminina” (1931), ESB, XXI, 259-82; GW, XIV, 517-37; SE, XXI, 225-243; OC, XIX, 7-29; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268 • Sigmund Freud e Arnold Zweig, Correspondance (1927-1939) (Frankfurt, 1968), Paris, Gallimard, 1973 • Piera Aulagnier-Spairani, “Remarques sur la féminité et ses avatars”, in id., Jean Clavreul, François Perrier, Guy Rosolato e Jean-Paul Valabrega, Le Désir et la perversion, Paris, Seuil, 1967, 53-89 • Françoise Dolto, A sexualidade feminina (1982), S. Paulo, Martins Fontes, 1996, 3ª ed. • Wladimir Granoff e François Perrier, Le Désir et le féminin (1964), Paris, Aubier, 1991 • Wladimir Granoff, François Perrier e Jean-Michel Rey, L’Occulte, objet de la pensée freudienne, Paris, PUF, 1983 • Marie-Christine Hamon, Pourquoi les femmes aiment-elles les hommes et non pas plutôt leur mère?, Paris, Seuil, 1992; Féminité mascarade, Paris, Seuil, 1994 • Luce Irigaray, Speculum de l’autre femme, Paris, Minuit, 1974 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work 18931939, Madison, International Universities Press, 1988 • Sara Kofman, L’Énigme de la femme, Paris, Galilée, 1980 • Julia Kristeva, La Révolution du langage poétique, Paris, Seuil, 1974 • Jacques Lacan, “A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicaná-


Nunberg, Hermann lise” (1955), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 402-37; O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; Le Séminaire, livre 14, La Logique du fantasme (19661967), inédito, sessão de 11 de janeiro de 1967 • Thomas Mann, “Freud et l’avenir” (1936), in Roland Jaccard (org.), Freud, jugements et témoignages, Paris, PUF, 1976, 13-43 • Michèle Montrelay, L’Ombre et le nom, Paris, Minuit, 1977.

➢ DIFERENÇA SEXUAL; FOBIA; FREUD, AMALIA.

Nunberg, Hermann (1883-1970) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Brendzin, na Galícia, província da Polônia ligada ao império russo, Hermann Nunberg era de uma família judia culta, na qual se falava alemão. Fez os estudos secundários em Cracóvia, depois foi a Zurique, para a clínica do Hospital Burghölzli*, a fim de estudar psiquiatria com Eugen Bleuler* e Carl Gustav Jung*. Iniciou-se na hipnose* e continuou a sua formação em outras clínicas suíças, em Schaffhausen e em Waldau. Voltando a Cracóvia, trabalhou no sanatório de Ludwig Jekels*, onde descobriu a obra freudiana. Em 1915, tornou-se membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), depois de uma análise com Paul Federn*. Antes, assistira às reuniões como convidado, e enriqueceu o círculo freudiano com seu conhecimento da escola psiquiátrica de Zurique. Em 1932, publicou uma obra intitulada Princípios de psicanálise. Sua aplicação às neuroses, para a qual Sigmund Freud* redigiu um prefácio. Ele já fazia parte do círculo íntimo de Freud, porque se casara em 1929 com a filha de Oskar Rie*,

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Margarethe, que se tornaria psicanalista, depois de um tratamento no divã de Freud. Praticante ortodoxo do freudismo*, Nunberg foi o primeiro, no congresso da International Psychoanalytical Association * (IPA) em Budapeste, em 1918, a propor que uma das condições exigidas para a profissão de psicanalista fosse uma análise prévia. Essa moção, que definia o estatuto de uma possível análise didática*, foi rejeitada por Otto Rank* e por Sandor Ferenczi*. As contribuições de Nunberg para a edificação da doutrina freudiana tratam essencialmente da função do eu*, do processo de cura e da experiência do tratamento. Ao contrário dos outros representantes do neofreudismo*, Nunberg aceitava a noção de pulsão* de morte. Em 1913, emigrou para os Estados Unidos*, primeiro para Filadélfia e depois para Nova York, onde se integrou à New York Psychoanalytic Society com muita dificuldade. Abraham Arden Brill* lhe pediu que condenasse a análise leiga* e formasse apenas médicos. Ele negou, o que não o impediu de se tornar presidente da sociedade em 1950. Foi a ele que Paul Federn confiou a publicação das Minutas da Sociedade Psicanalítica de Viena. • Hermann Nunberg, Principes de psychanalyse. Leur application aux névroses (Berlim, 1932), Paris, PUF, 1957; Memoirs, recollections, ideas, reflections, N. York, The Psychoanalytic Research and Development Fund, 1969 • Bertram D.Lewin, “Obituary Hermann Nunberg, 1884-1970”, IJP, 51, 1970, 421-3.

➢ IRMA, INJEÇÃO DE; SOCIEDADE PSICOLÓGICA QUARTAS-FEIRAS.

DAS

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O Oberholzer, Emil (1883-1958)

qual ele se via em uma carruagem puxada por dois cavalos, um negro e um branco. Freud interpretou o sonho explicando a Oberndorf que ele nunca se casaria, pois não conseguia decidir-se entre uma mulher branca e outra negra. “Essa interpretação* pôs Oberndorf fora de si”, escreveu Kardiner, “e eles discutiram sobre esse sonho durante meses, até que Freud encerrou a análise.” Oberndorf sempre se mostrou hostil à análise leiga*. Por isso foi, como Brill, um dos representantes mais ortodoxos do freudismo* americano, baseado em uma assimilação pura e simples da psicanálise* ao saber psiquiátrico. Em 1953, redigiu a primeira obra oficial sobre a história da psicanálise nos Estados Unidos.

psiquiatra e psicanalista americano

Analisado por Sigmund Freud*, Emil Oberholzer foi co-fundador, com Oskar Pfister*, Hermann Rorschach* e Hans Walser, da Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), em 1919. Hostil à análise leiga*, fundou em 1927, com o psiquiatra Rudolf Brun (1885-1969), a Associação Médica de Psicanálise, à qual aderiram vários membros da SSP. Freud tomou o partido de Oskar Pfister e da SSP, e a nova associação não foi reconhecida pela International Psychoanalytical Association* (IPA). Ela deslocou-se quando Oberholzer emigrou para os Estados Unidos com sua mulher, Mira OberholzerGingburg (1887-1949). Ambos se tornaram membros da New York Psychoanalytic Society (NYPS).

• Clarence P. Oberndorf, A History of Psychoanalysis in America, N. York, Grune and Stratton, 1953 • Abram Kardiner, Mon analyse avec Freud (N. York, 1978), Paris, Belfond, 1978.

➢ SUÍÇA.

➢ HISTORIOGRAFIA; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A.

Oberndorf, Clarence Paul (1882-1954) psiquiatra e psicanalista americano

objeto

Originário de uma família do Alabama, no sul dos Estados Unidos*, e criado por uma babá negra, Oberndorf foi para a Europa, a fim de estudar psiquiatria. Foi aluno de Emil Kraepelin* e um dos fundadores, com Abraham Arden Brill*, da New York Psychoanalytic Society (NYPS). Posteriormente, foi eleito por duas vezes presidente da American Psychoanalytic Association* (APsaA). Analisado por Sigmund Freud* em Viena, em 1921, fazia parte dos americanos que o mestre tratava com desprezo. Abram Kardiner* relatou um episódio a esse respeito. Oberndorf se indispôs com Freud desde o primeiro dia de sua análise, quando lhe contou um sonho* no

➢ OBJETO (BOM E MAU); OBJETO (PEQUENO) a; OBJETO, RELAÇÃO DE; OBJETO TRANSICIONAL; PULSÃO; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

objeto (bom e mau) al. Gutes, böses Objekt; esp. objeto (bueno y malo); fr. bon, mauvais objet; ing. good, bad object Termo introduzido por Melanie Klein*, em 1934, para designar uma modalidade da relação de objeto* tal como aparece na vida fantasística da criança, e que remete a uma clivagem* do objeto em bom e mau (por exemplo, mãe boa, mãe má), conforme

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objeto (pequeno) a esse objeto seja sentido como frustrante ou gratificante.

Essa idéia teria grande futuro, abrindo caminho, após 1945, para uma reformulação geral da idéia do objeto em psicanálise*, da qual tanto decorreriam o objeto transicional* de Donald Woods Winnicott* quanto o objeto (pequeno) a* de Jacques Lacan*. Foi a partir da reflexão de Karl Abraham* sobre os estádios* da libido* que Melanie Klein introduziu simultaneamente, numa mesma conferência, os conceitos de posição depressiva* e de objeto (bom e mau). Sigmund Freud* só se interessara pelo objeto no contexto de sua teoria das pulsões* e dos estádios (no sentido evolucionista), reservando ao eu* a característica da clivagem. Preocupado em ampliar a clínica psicanalítica, estendendo-a ao campo dos distúrbios mentais, Abraham revisou os conceitos freudianos para tentar descrever as relações arcaicas da criança com seu meio, única maneira de compreender a origem precoce dos estados psicóticos. Assim, desmembrou a noção clássica de objeto e de estádio e substituiu o objeto total pelo objeto parcial. Em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Freud havia mostrado a importância disso ao sublinhar a existência não de objetos parciais, mas de pulsões* parciais. Estas, segundo ele, tomam por objeto algumas partes do corpo ou matérias desligadas do corpo: o seio, as fezes (matéria fecal) ou o fetiche. Em 1934, partindo da revisão de Abraham, Melanie Klein introduziu a clivagem no objeto a fim de cindi-lo em objeto bom e mau. O objeto parcial, tal como o seio, por exemplo, foi então clivado num seio ideal, objeto do desejo da criança (objeto bom), e num seio persecutório, objeto de ódio e de medo, percebido como fragmentado. Essa terminologia permitiu repensar radicalmente o campo da realidade psíquica* e mostrar a que ponto o universo fantasístico infantil, povoado por angústia, terror, ódio e idealização, encontra-se não somente na psicose*, na qual o sujeito não consegue ver sua mãe como um objeto total e continua a apreendê-la à maneira de uma clivagem entre o bom e o mau objetos, mas também na evolução normal, uma vez que todo sujeito, no sentido klei-

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niano, passa pela posição depressiva para sair do estado persecutório (paranóico) que é próprio da perda da mãe como objeto parcial. • Melanie Klein, “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos” (1934), in Contribuições à psicanálise (Londres, 1948), S. Paulo, Mestre Jou, 1970 • Karl Abraham, “Breve estudo do desenvolvimento da libido, visto à luz das perturbações mentais” (1924), in Teoria psicanalítica da libido. Sobre o caráter e o desenvolvimento da libido, Rio de Janeiro, Imago, 1970 • Hanna Segal, Introdução à obra de Melanie Klein (Londres, 1973), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • R.D. Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992.

➢ IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; INTROJEÇÃO; INVEJA.

objeto parcial ➢ OBJETO (BOM E MAU); OBJETO (PEQUENO) a; OBJETO, RELAÇÃO DE; OBJETO TRANSICIONAL; PULSÃO; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

objeto (pequeno) a al. Objekt (klein) a; esp. objeto (pequeño) a; fr. objet (petit) a; ing. object (little) a. Termo introduzido por Jacques Lacan*, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito* e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um “resto” não simbolizável. Nessas condições, ele aparece apenas como uma “falhaa-ser”, ou então de forma fragmentada, através de quatro objetos parciais desligados do corpo: o seio, objeto da sucção, as fezes (matéria fecal), objeto da excreção, e a voz e o olhar, objetos do próprio desejo*.

A concepção lacaniana do objeto (pequeno) a, como “causa do desejo que se furta ao sujeito”, proveio diretamente da reflexão de 1936 sobre o estádio do espelho* e de uma concepção da relação de objeto* elaborada em 1956-1957, e baseada na consideração da trilogia privação/frustração*/castração*. Elemento preponderante de uma terminologia específica, relativa à alteridade, o objeto (pequeno) a é, portanto, uma das variações do outro* no interior do par formado pelo grande Outro e pelo pequeno outro: “Há dois outros por distinguir, pelo menos dois — um outro com maiúscula e um outro

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objeto, relação de

com minúscula, que é o eu. O Outro, é dele que se trata na função da fala.” Por outro lado, o conceito de objeto (pequeno) a é inseparável das idéias de objeto bom e mau* e de objeto transicional*, tais como as encontramos em Melanie Klein* e Donald Woods Winnicott*. A criação lacaniana de uma nova categoria de objeto, portanto, entra no âmbito das discussões sobre a relação de objeto conduzidas pela escola inglesa de psicanálise* durante a segunda metade do século XX. Partindo da idéia de pulsão parcial, que levou Freud, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, a distinguir as fezes e o seio como objetos especificamente investidos, Lacan, em sua conferência de 1960 sobre a dialética do desejo, referiu-se ao objeto parcial de Karl Abraham* e ao objeto bom e mau de Melanie Klein para introduzir outros dois objetos do desejo, o olhar e a voz: “Observemos que esse traço do corte não é menos evidentemente prevalente no objeto descrito pela teoria analítica: mamilo, cíbalo, falo* (objeto imaginário), fluxo urinário. (Lista impensável se não lhe forem acrescentados o fonema, o olhar, a voz — o nada.)” Passados alguns meses, na sessão de 1o de fevereiro de 1961 de seu seminário sobre a transferência*, parcialmente dedicado a um comentário sobre o Banquete de Platão, Lacan introduziu pela primeira vez seu objeto (pequeno) a. Sabemos que esse grande diálogo sobre o amor gira em torno da questão do Agalma, definido por Platão como o paradigma de um objeto que representa a idéia do Bem. Assim, Lacan define esse Agalma como o bom objeto kleiniano, que ele reconverte prontamente no objeto (pequeno) a: objeto do desejo que se esquiva e que, ao mesmo tempo, remete à própria causa do desejo. Em outras palavras, a verdade do desejo permanece oculta para a consciência, porque seu objeto é uma “falta-a-ser”. Em março de 1965, Lacan resumiria essa proposição num aforismo deslumbrante: “O amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer.” Sem dúvida alguma, ele estava pensando nesse momento no artigo de 1912 intitulado “Sobre a mais universal das degradações da vida amorosa”, no qual Freud mostra como funciona o objeto do desejo em algumas pessoas

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cuja vida amorosa divide-se entre um “amor celestial” e um “amor terreno”: “Onde elas amam, não desejam, e onde desejam, não conseguem amar. Elas buscam objetos aos quais não tenham necessidade de amar, a fim de manter sua sensualidade longe de seus objetos amorosos.” A partir de 1967, com a introdução do “passe” e conforme a importância que foi sendo adquirida pelo conceito de real* na trilogia do simbólico*, do real e do imaginário*, Lacan transformou esse pequeno a (esse nada que sempre falta ali onde é esperado) num resto (um resto heterogêneo) impossível de simbolizar. O objeto do desejo identificou-se, assim, com o gozo* puro, com aquilo que se desvincula do simbólico e do significante* para “cair”, mesmo com o risco de ressurgir no real sob forma alucinatória (foraclusão*). Daí a idéia de que o término de uma análise coloca o psicanalista didata na posição do objeto (pequeno) a: ele desaparece, cai, para deixar que o sujeito advenha em sua verdade. • Sigmund Freud, “Sobre a mais geral das degradações da vida amorosa” (1912), ESB, XI, 163-78; GW, VIII, 78-91; SE, XI, 177-90; in La vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 55-66 • Jacques Lacan, O Seminário, livro 4, A relação de objeto (1956-1957) (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995; “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 807-42; O Seminário, livro 8, A transferência (1960-1961) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; Le Séminaire, livre X, L’Angoisse (1962-1963), inédito; O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; Le Séminaire, livre 12, Problèmes cruciaux de la psychanalyse (1964-1965), inédito; O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise (1969-1970) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992 • Jean-Louis Henrion, La Cause du désir. L’Agalma de Platon à Lacan, Paris, Point Hors Ligne, 1993 • Dylan Evans, An Introductory Dictionary of Lacanian Psychoanalysis, Londres, Routledge, 1996.

objeto, relação de al. Objektbeziehung; esp. relación de objeto; fr. relation d’objet; ing. object-relation Expressão empregada pelos sucessores de Sigmund Freud* para designar as modalidades fantasísticas da relação do sujeito* com o mundo externo, tal como se apresentam nas escolhas de objeto que esse sujeito efetua.


objeto, relação de

Para compreender a extensão adquirida na psicanálise* por essa problemática durante a segunda metade do século XX, é preciso partir da concepção freudiana da pulsão* e seu objeto, aquilo através do que ela procura atingir seu alvo, “a saber, um certo tipo de satisfação”, sublinham Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis. “Pode tratar-se de uma pessoa ou de um objeto parcial, de um objeto real ou de um objeto fantasístico.” Para Freud, não existe como tal nenhuma conceituação da relação, e a questão da relação do sujeito com o objeto é pensada sob a categoria dos estádios*, no sentido evolucionista e biológico do termo. Em 1924, Karl Abraham* reviu essa teoria, dividindo os diferentes estádios até lhes atribuir uma posição (estrutural), em vez de um encaminhamento biológico, e introduzindo a idéia de que as atividades do sujeito são moldadas pelos próprios objetos, ou, mais precisamente, pela maneira como o sujeito se constrói numa relação com objetos parciais. Abriu-se assim caminho para uma inversão radical da perspectiva freudiana. Em vez de pensar a evolução do sujeito de acordo com os sucessivos rearranjos da relação pulsional e sexual com o objeto, passou-se a procurar mostrar como se organiza estruturalmente a atividade fantasística precoce, conforme os tipos de relações objetais. Em 1934, seguindo-se a Abraham, Melanie Klein abandonou a noção de estádio em favor da de posição e, ao mesmo tempo, inventou o conceito de objeto (bom e mau)*. A ênfase foi então colocada na clivagem* do objeto, e não mais do eu*. Passados dois anos, em 1936, Jacques Lacan* seguiu o mesmo caminho, teorizando a idéia walloniana do estádio do espelho*. Tanto num caso como no outro, tratou-se, para o movimento psicanalítico, de explorar as bases da personalidade humana: o si mesmo (self) como imagem ou relação com outrem (o outro*), com o objeto como incorporado, introjetado, projetado, persecutório ou, ao contrário, gratificante. No plano terapêutico, o objetivo foi introduzir a técnica psicanalítica no campo da educação infantil e lutar contra o niilismo terapêutico da psiquiatria no terreno do tratamento da loucura* e do autismo*.

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O kleinismo* e o lacanismo*, portanto, têm em comum uma intensa vontade de apreender a vida fantasística e inconsciente do homem fora do evolucionismo biológico. Daí a substituição da noção de estádio pela de relação de objeto e a ênfase depositada no papel primordial da mãe, enquanto Freud sempre havia privilegiado o pai. Depois da Segunda Guerra Mundial e das Grandes Controvérsias* que dividiram em três correntes a British Psychoanalytical Society (BPS), a clínica das relações de objeto assumiu tamanha amplitude que, ao mesmo tempo, ultrapassou o kleinismo e o annafreudismo*: falou-se então de uma Object-Relations School (escola das relações de objeto), ilustrada pelos trabalhos de Michael Balint*, Wilfred Ruprecht Bion*, Ronald Fairbairn*, Donald Woods Winnicott* e, em termos mais gerais, pelo grupo dos Independentes*. A contribuição kleiniana continuou presente, mas a análise das relações objetais deixou de visar unicamente a realidade psíquica ou fantasística; estendeu-se ao estudo de todas as formas de ambiente (familiar, social etc.). Daí por diante, tratar-se-ia de compreender as modalidades da inserção do eu na cultura (Ego Psychology*, neofreudismo*), a fenomenologia das transições entre o não-eu e o eu (objeto transicional*), e os distúrbios narcísicos ligados à radicalização do individualismo, num mundo ocidental dominado pela razão econômica (Self Psychology*). A relação de objeto, portanto, tornou-se a grande palavra de ordem da idade áurea da psicanálise anglófona. Na verdade, a ampliação do âmbito dessa expressão acompanhou a expansão da própria psicanálise. Ao se tornar uma prática de massa, o freudismo* da segunda metade do século foi não apenas confrontado com cisões*, mas também forçado a repensar sua doutrina através de uma reflexão sobre a maneira pela qual o homem constrói sua personalidade em suas relações com o meio. Na França*, foi esse espaço crescente conferido ao fenômeno “relacional” que Lacan atacou em seu seminário de 1956-1957, o mesmo ano em que se celebrou o centenário do nascimento de Freud. Preocupado em resgatar o objeto em si (no sentido freudiano), mas também em poupar os autores ingleses a quem

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objeto transicional

admirava e em quem se inspirava, Lacan criticou violentamente os clínicos da escola francesa, em especial Maurice Bouvet*, membro da Société Psychanalytique de Paris (SPP) e autor de um artigo sobre a relação de objeto, inspirado nos trabalhos anglo-saxões. Lacan forneceu então sua concepção pessoal da relação de objeto, a meio caminho entre o freudismo clássico, o kleinismo e as teses de Winnicott. Formulando a questão do objeto em termos de falta e de perda, ele instaurou uma espécie de geometria variável da objetalidade, na qual intervinham três modalidades relacionais: a privação, a frustração* e a castração*, hierarquizadas conforme três ordens, o real*, o imaginário* e o simbólico*. A privação foi definida como a falta real de um objeto simbólico, a frustração, como a falta imaginária de um objeto real (uma reivindicação infindável), e a castração, como a falta simbólica de um objeto imaginário (resolução do enigma da diferença sexual*: o pênis falta na mulher, mas sem por isso inferiorizá-la). Três anos depois, tal como seus predecessores, Lacan introduziria sua própria concepção do objeto: o objeto (pequeno) a*. • Karl Abraham, “Breve estudo do desenvolvimento da libido, visto à luz das perturbações mentais” (1924), in Teoria psicanalítica da libido. Sobre o caráter e o desenvolvimento da libido, Rio de Janeiro, Imago, 1970 • Melanie Klein, “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos” (1934), in Contribuições à psicanálise (Londres, 1948), S. Paulo, Mestre Jou, 1970 • Jacques Lacan, O Seminário, livro 4, A relação de objeto (1956-1957) (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • R.D. Eric Rayner, Le Groupe des “Indepéndants” et la psychanalyse britannique (Londres, 1990), Paris, PUF, 1994 • R.D. Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992.

objeto transicional al. Übergangsobjekt; esp. objeto transicional; fr. objet transitionnel; ing. transitional object Expressão criada em 1951 por Donald Woods Winnicott* para designar um objeto material (brinquedo, animal de pelúcia ou pedaço de pano) que tem para o bebê e a criança um valor eletivo, que lhe permite efetuar a transição necessária entre a primeira relação oral com a mãe e uma verdadeira relação de objeto.

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Essa notável conceituação — de uma realidade observável por qualquer pai ou mãe na criança pequena que guarda junto de si por vários anos um objeto de eleição, muitas vezes se recusando a largá-lo — inscreve-se no contexto da elaboração da questão da relação de objeto* pelo kleinismo*. Foi proposta pela primeira vez durante uma conferência da British Psychoanalytical Society (BPS), em 30 de maio de 1951. Notável clínico da infância, Winnicott situou o objeto transicional na área da ilusão e da brincadeira. Embora seja “possuído” pelo bebê como substituto do seio, esse objeto não é reconhecido como fazendo parte da realidade externa: é a “primeira propriedade ‘não-eu’”. Por isso, está destinado a proteger a criança da angústia da separação no processo de diferenciação entre o eu* e o não-eu. Um objeto é transicional por marcar a passagem, na criança, de um estado em que ela se encontra unida ao corpo da mãe para um estado em que é capaz de reconhecer a mãe como diferente de si e separar-se dela: há aí uma transição da relação fusional (não-eu) para uma simbolização da realidade objetal (eu). Foi de uma leitura fenomenológica da cultura cristã que surgiu essa concepção do objeto transicional, como mostra Winnicott em seu prefácio de 1971 a O brincar e a realidade, onde evoca a célebre controvérsia sobre a transubstanciação. Winnicott faz da transformação do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo um fenômeno de tipo transicional. • Donald Woods Winnicott, “Objetos transicionais e fenômenos transicionais” (1953), in Da pediatria à psicanálise (Londres, 1958), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1970; O brincar e a realidade (Londres, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1979.

➢ ESTÁDIO; ESTÁDIO DO ESPELHO; IMAGINÁRIO; OBJETO (BOM E MAU); OBJETO (PEQUENO) a; SELF (FALSO E VERDADEIRO); SELF PSYCHOLOGY; SIMBÓLICO.

Oceania ➢ ANTROPOLOGIA; AUSTRÁLIA; ETNOPSICANÁLISE; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; MALINOWSKI, BRONISLAW; ROHEIM, GEZA.


Öhm, Aurelia

ocultismo al. Okkultismus; esp. ocultismo; fr. occultisme; ing. occultism

Movimento neo-espiritualista que reúne taumaturgos, filósofos, magos e místicos, o ocultismo surgiu no fim do século XIX, numa reação contra o positivismo dos saberes lecionados nas universidades dos países ocidentais. Tratava-se de uma tentativa que almejava reunir num sincretismo popular, difundido por diferentes seitas, temas comuns às religiões ocidentais e orientais. O objetivo desse movimento era a ressurreição dos chamados saberes ocultos ou recalcados, tanto através da ciência oficial quanto das religiões instituídas como igrejas. Na história da psicanálise* e de suas origens, empregam-se o adjetivo oculto ou o substantivo ocultismo para designar um campo do irracional que é, ao mesmo tempo, interno e externo à doutrina freudiana, e no qual são situados o espiritismo* e a telepatia*. ➢ NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE.

Odier, Charles (1886-1954) psiquiatra e psicanalista suíço

Formado em psiquiatria em Viena*, por Julius Wagner-Jauregg*, e analisado em Berlim, entre 1923 e 1928 por Karl Abraham* e Franz Alexander*, Charles Odier teve uma trajetória clássica na história do freudismo. De família protestante originária da Normandia e refugiada na Suíça* depois da revogação do Edito de Nantes, participou do nascimento da psicanálise em Genebra e depois, em 1926, com Raymond de Saussure*, da fundação da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), onde formou didatas. Durante a Segunda Guerra Mundial, voltou à Suíça e instalou-se em Lausanne, onde publicou muitos artigos clínicos, nos quais desenvolveu uma teoria psicogenética do eu, inspirada nas teses de Jean Piaget (1896-1980). Morreu prematuramente, de câncer de fígado. • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989.

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Öhm, Aurelia, née Kronich (1875-1929), caso Katharina Aurelia Kronich é uma das pacientes de Sigmund Freud*, cujo caso é apresentado sob o nome de Katharina nos Estudos sobre a histeria*. Sob a forma de um diálogo, Freud relata um encantador encontro que tiveram em 1893 nos Alpes austríacos (o Raxalpe), quando se encontrava de férias. Em uma taberna, uma jovem garçonete, com a idade de 18 anos, pede conselhos ao doutor Freud a propósito de seus sintomas “nervosos”; falta de ar, vertigens, sensação de sufocamento. Questionada por ele, evoca a cena de sedução* traumatizante à qual assistira dois anos antes entre seu tio, o dono do albergue, e sua prima Franziska. Estavam os dois deitados um sobre o outro em uma cama e, ao ver esse espetáculo, Katharina teve acessos de vômitos e de vertigens. Foi em seguida contar a cena à sua tia, que decidiu então abandonar o marido, enquanto Franziska encontrava-se grávida dele. Explorando suas lembranças, Katharina descobre cenas anteriores. Lembra que, quando tinha 14 anos, seu tio tentara igualmente seduzi-la. Freud conclui, de acordo com sua teoria da sedução de antes de 1896: “Desse ponto de vista, o caso de Katharina é típico. Em todas as análises de histeria* fundadas em traumas sexuais, descobrimos que certas impressões sentidas em uma época pré-sexual, e que não haviam tido efeito algum sobre a criança, conservam mais tarde seu poder traumatizante enquanto lembrança, uma vez que a moça ou a mulher tenha adquirido a noção da sexualidade.” Em 1924, acrescentará uma nota para esclarecer que Katharina não era a sobrinha, mas a filha do dono do albergue. Albrecht Hirschmüller e Gerhard Fichtner foram os primeiros a revelar em 1985 a verdadeira identidade de Katharina. Tratava-se de Aurelia Kronich, a segunda filha de um casal de ricos hoteleiros vienenses. O pai, Julius Kronich, seduziu efetivamente Barbara Göschl, sua sobrinha por aliança, quando esta tinha 25 anos. Em seguida, desposou-a e teve com ela dois filhos. Quanto a Aurelia, casou-se com um húngaro, teve seis filhos e depois voltou a viver em 1903 em seus Alpes austríacos, onde morreu

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Ophuijsen, Johan H.W. van

vinte e seis anos mais tarde. Peter Swales considerou esse “caso princeps” como a primeira psicanálise selvagem. • Gerhard Fichtner e Albrecht Hirschmüller, “Freuds ‘Katharina’. Hintergrund Entstehungsgeschichte und Bedeutung einer frühen psychoanalytischen Krankengeschichte”, Psyche 39, 1985, 220-40 • Peter Swales, “Freud, Katharina and the first ‘wild analysis’”, in Paul E. Stepansky (org.), Freud, Appraisals and Reappraisals, N. Jersey, The Analytic Press, vol.3, 1988, 81-167 • Lisa Appignanesi e John Forrester, Freud’s Women, N. York, Basic Books, 1992.

Ophuijsen, Johan H.W. van (1882-1950) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Sumatra, Johan van Ophuijsen foi um dos pioneiros da psicanálise* nos Países Baixos e um clínico notável. Toda a sua vida foi marcada pelos conflitos institucionais particularmente vivos da Sociedade Psicanalítica Neerlandesa, que ele enfrentou com coragem e inteligência. Depois de estudar medicina em Leiden e de passar pela clínica do Hospital Burghölzli em Zurique, fundou em 1917 a Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP), com August Stärke*, Jan van Emden*, o psiquiatra Gerbrandus Jelgersma (1859-1942), o hipnotizador Albert Willem van Renthergem (1845-1939) e o neurologista A. van der Chijs (1875-1926). Em 1918, fez oposição a Jelgersma a respeito da admissão dos não-médicos à NVP. Este recusava os psicanalistas leigos e logo se associou a alguns junguianos para fundar um novo grupo, que se tornaria em 1934 a Associação Neerlandesa de Psicopatologia e Psicanálise Psiquiátrica. Dois anos depois, Ophjuisen organizou o congresso da International Psychoanalytical Association * (IPA) em Haia e, em 1922, foi à Alemanha* para fazer sua formação didática no Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI) com Karl Abraham*. Interessou-se especialmente pela melancolia*, pela perseguição, pelo sadismo* e pelos distúrbios da sexualidade* masculina. Depois de ser vice-presidente e tesoureiro da IPA, criou em Haia, em 1930, um instituto de psicanálise, segundo o modelo do de Berlim,

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que não conseguiu funcionar adequadamente, em razão de vários conflitos. Foi fechado dois anos mais tarde. Em 1933, pediu demissão da NVP, que se recusava a admitir em suas fileiras os imigrantes que fugiam do nazismo*, notadamente August Watermann*, Karl Landauer*, Theodor Reik*. Fundou então uma nova sociedade, a Vereniging voor Psychoanalyse in Nederland (VPN), logo reconhecida pela IPA, e que se fundiu em 1938 com a antiga NPV, graças à intervenção de René De Monchy*. Em 1934, Ophuijsen emigrou para a África do Sul, e um ano depois foi para os Estados Unidos*. Instalou-se em Detroit, e depois em Nova York. • Johan H.W. Van Ophuijsen, “Contribution au complexe de masculinité chez la femme” (1917), in Féminité mascarade. Études psychanalytiques, textos reunidos por Marie-Christine Hamon, Paris, Seuil, 1994, 13-27 • Ilse Bulhof, Freud en Nederland, Ambo, Baarn, 1983 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et la Hollande”, in Harry Stroeken, En analyse avec Freud (1985), Paris, Payot, 1987, 200-35.

➢ CISÃO; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A.

oral, estádio ➢ ESTÁDIO .

organodinamicismo ➢ EY, HENRI.

orgonoterapia (ou vegetoterapia) ➢ PSICOTERAPIA; REICH, WILHELM.

Ortega y Gasset, José (1883-1955) filósofo espanhol

Inventor de um sistema de pensamento (o raciovitalismo), parcialmente inspirado na filosofia heideggeriana, José Ortega y Gasset foi um dos intelectuais espanhóis mais célebres de sua geração e, em companhia de alguns psiquiatras, um dos primeiros introdutores do freudismo* na Espanha*. Nascido em Madri, em uma família da média burguesia, foi aluno dos jesuítas, antes de se iniciar na filosofia alemã, permanecendo em Leipzig, Berlim e Marburgo entre 1905 e 1907.


Ossipov, Nikolaï Ievgrafovitch

Três anos depois, começou a ensinar na Universidade de Madri, o que faria até 1936. Fundador, em 1923, da Revista de Occidente, consagrou uma parte de sua energia a difundir no seu país as diversas correntes da filosofia alemã do século XX. Foi assim que começou a se interessar pelas teorias freudianas. Em 1911, publicou um artigo, “A psicanálise, uma ciência problemática”, no qual propunha uma interpretação fenomenológica do pensamento freudiano. Dez anos depois, decidiu publicar, pela editora de José Ruiz Castillo, as obras completas de Sigmund Freud* em língua espanhola. Confiou esse trabalho a Luis Lopez Ballesteros e logo recebeu a aprovação de Freud, que tinha um bom conhecimento da literatura espanhola, a partir de sua correspondência com seu amigo Eduard Silberstein* a respeito do Dom Quixote. Dezessete volumes foram publicados até 1934. No prefácio do primeiro volume, Ortega y Gasset enfatizava a importância do saber freudiano para o campo da psiquiatria, acrescentando que a doutrina vienense tinha um belo futuro. Entretanto, esse empreendimento de tradução, único no gênero por sua qualidade e precocidade, não permitiu ao freudismo difundirse na Espanha. A guerra civil e principalmente a vitória do franquismo marcaram uma pausa na implantação da psicanálise no país. O próprio Ortega y Gasset desinteressou-se. Depois de residir no estrangeiro até 1945, voltou a Madri, onde continuou a ensinar. Durante esse tempo, o interesse pela psicanálise se deslocou para o continente latino-americano, sobretudo para a Argentina*, onde outro editor deveria assumir, para novas obras completas de Freud, o trabalho realizado na Espanha antes da guerra. • José Ortega y Gasset, “Prólogo a la primera edición” (1922), in Sigmund Freud, Obras completas, t.1, Madri, Biblioteca Nueva, 1948 • Francisco Carles Egea, La introducción del psicoanálisis en España (1893-1922), tese de doutorado em medicina, Universidade de Murcia, 1983 • Hugo Vezzetti, “Freud en langue espagnole”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 189-207.

➢ HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; LAFORA, GONZALO RODRIGUEZ; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

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Ossipov, Nikolaï Ievgrafovitch (1877-1934) psiquiatra e psicanalista russo

Aluno do grande psiquiatra Wladimir Petrovitch Serbski (1858-1917), Nikolaï Ossipov foi um dos pioneiros da psicanálise na Rússia*. Depois de sua exclusão da Universidade de Moscou em 1899, por ter participado de uma greve de estudantes, continuou seus estudos de psiquiatria na Suíça*, em Berna, Zurique e Basiléia. Consternado com o niilismo terapêutico, interessou-se logo pela hipnose*, pelo tratamento moderno das neuroses* e depois, a partir de 1907, pelas teses de Sigmund Freud*. Voltando a Moscou, apoiado por Serbski, criou com dois colegas uma “ambulância terapêutica”, que ele mesmo dirigia duas vezes por semana. Começou assim a popularizar o tratamento psicanalítico das neuroses e a difundir as idéias freudianas. Em 1909, com Moshe Wulff* e Nicolas Vyrubov (1869-?), fundou a revista Psychotherapia. Durante o verão de 1910, foi a Viena* para encontrar-se com Freud e também passou por Zurique, onde esteve com Eugen Bleuler* e Carl Gustav Jung*. Quando Serbski foi demitido pelo regime tzarista por causa de suas opiniões liberais, Ossipov o seguiu com a maioria de seus colegas. Fundaram juntos uma pequena associação de psiquiatras independentes, cujos membros se reuniam às sextas-feiras, para “freudianizar”. “As sessões das ‘pequenas sextas-feiras’ logo se tornaram muito apreciadas”, escreveu Jean Marti, “e freqüentadas por muitas pessoas.” Ao contrário de Wulff*, de Vera Schmidt* e de Ivan Dimitrievitch Ermakov*, ele não aceitou o novo poder soviético e emigrou para Praga em 1921, sem participar da criação da Sociedade Psicanalítica da Rússia. Assim, foi o primeiro freudiano da nova Tchecoslováquia, saída do desmantelamento do Império AustroHúngaro, e formou em Praga alguns alunos, antes da chegada de Otto Fenichel*, que analisaria Theodor Dosuzkov*. Como Ermakov, de quem foi o maior rival, interessou-se pela literatura e estudou as obras de Gogol, Dostoievski e Puchkin. Conservador mas liberal, simultaneamente antitzarista e antibolchevista, fez interpretações psicanalíticas sobre o fenômeno

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Otsuki, Kenji

revolucionário, comparando “uma nação em estado de direito a um indivíduo em estado de vigília e uma nação em estado de revolução a um indivíduo em estado de sonho*”. Enfatizava que o sonho e a revolução eram uma manifestação de narcisismo* em graus diversos. • Nikolaï Ievgrafovitch Ossipov, La Vie et la mort. Essai biographique, editado por Bem, Dosuzkov, Losski, Praga, 1935 • Jean Marti, “La Psychanalyse en Russie (1909-1930)”, Critique, 346, março de 1976, 199-237 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988 • Alexandre Etkind, Histoire de la psychanalyse en Russie (1993), Paris, PUF, 1995.

➢ COMUNISMO; FREUDO-MARXISMO; LURIA, ALEKSANDR ROMANOVITCH; ROSENTHAL, TATIANA; SPIELREIN, SABINA; ZALKIND, ARON BORISSOVITCH.

Otsuki, Kenji (1891-1952) psicanalista japonês

De formação literária, Kenji Otsuki (ou Ohtski) foi um dos primeiros japoneses a divulgar a literatura psicanalítica entre os seus compatriotas. Criou com Yaekichi Yabe o Instituto Psicanalítico de Tóquio, filiado à International Psychoanalytical Association * (IPA) no Congresso de Wiesbaden em 1932, e depois fundou a primeira revista freudiana no Japão*, a Seishin-Bunseki. Principalmente, foi o mais notável tradutor das obras de Sigmund Freud* em língua nipônica, com a publicação, em 1931, de Psicopatologia da vida cotidiana*, e em 1932 de uma coletânea de três textos, sob o título Contribuição à psicologia da vida amorosa. Em 1933, publicou A técnica psicanalítica. Escreveu regularmente a Freud para informá-lo de suas atividades, e este o estimulou a vencer as resistências: “O que você diz a respeito das resistências que encontra não me surpreende”, escreveu ele em 20 de maio de 1933. “É exatamente isso que devemos esperar, mas estou convencido de que você deu uma base sólida à psicanálise no Japão e que ela não corre o risco de desaparecer.” • Kenji Otsuki, “Womanliness of the japanese spirit”, Tokyo Journal of Psychoanalysis (Seishin-Bunseki), julho-agosto de 1940; “Character defects of the japanese and their cause”, ibid., março-abril de 1941 • Sigmund Freud, Chronique la plus brève. Carnets intimes, 1929-1939, anotado e apresentado por Michael

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Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992 • Jacquy Chemouni, História do movimento psicanalítico (Paris, 1990), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1991 • Keigo Okonogi, “Japan”, in Psychoanalysis International. A Guide to Pschoanalysis throughout the World, vol.2, Peter Kutter (org.), Stuttgart, 1995, 123-42.

➢ KOSAWA, HEISAKU.

outro al. Andere (der); esp. otro; fr. Autre; ing. other Termo utilizado por Jacques Lacan* para designar um lugar simbólico — o significante*, a lei, a linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus — que determina o sujeito*, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo*. Pode ser simplesmente escrito com maiúscula, opondo-se então a um outro com letra minúscula, definido como outro imaginário ou lugar da alteridade especular. Mas pode também receber a grafia grande Outro ou grande A, opondo-se então quer ao pequeno outro, quer ao pequeno a, definido como objeto (pequeno) a*.

Como todos os freudianos, Lacan situou a questão da alteridade, isto é, da relação do homem com seu meio, com seu desejo* e com o objeto, na perspectiva de uma determinação inconsciente. Mais do que os outros, entretanto, procurou mostrar o que distingue radicalmente o inconsciente freudiano — como outra cena*, ou como lugar terceiro que escapa à consciência* — de todas as concepções do inconsciente oriundas da psicologia. Por isso é que cunhou uma terminologia específica (Outro/outro) para distinguir o que é da alçada do lugar terceiro, isto é, da determinação pelo inconsciente freudiano (Outro), do que é do campo da pura dualidade (outro) no sentido da psicologia. Foi em 25 de maio de 1955, no contexto da elaboração progressiva de sua tópica do simbólico*, do imaginário* e do real*, durante o seminário anual dedicado a O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, que Lacan introduziu pela primeira vez o termo grande Outro, distinguindo-o do pequeno outro: “Há dois outros por distinguir, pelo menos dois — um outro com maiúscula e um outro com minúscula, que é o eu. O Outro, é dele que se trata na função da fala.” Antes disso, em 1953, em “Função e campo da fala e da linguagem em


outro

psicanálise”, e depois, em fevereiro de 1954, em sua resposta ao filósofo Jean Hyppolite (19071968), Lacan ainda confundia os dois termos, inicialmente sublinhando que “o inconsciente do sujeito é o discurso do outro” e, mais tarde, que “o inconsciente é o discurso do Outro”. Em sua concepção do estádio do espelho* de 1936, retomada em 1938 em Os complexos familiares, Lacan foi buscar essa idéia no psicólogo Henri Wallon (1879-1962), transformando-a à luz da filosofia hegeliana. Tratavase, na ocasião, a partir de uma teoria da alteridade centrada no especular e no imaginário, de designar o outro como um outro si-mesmo, ou como uma representação do eu* marcada pela prevalência da relação dual com a imagem do semelhante. A isso se juntou, através da leitura da Fenomenologia do espírito, de Hegel, feita pelo filósofo Alexandre Kojève (1902-1968), a idéia de uma dialética da negatividade, segundo a qual todo reconhecimento do outro passa por uma luta de morte. Nesse caso, o outro não tem nenhuma existência, já que o desejo do homem se define, antes de mais nada, como o desejo que todo indivíduo tem de fazer com que seu desejo seja reconhecido de maneira absoluta, mesmo que anulando o outro (outrem) num processo de mortificação. Após 1949, data em que, impulsionado por sua leitura das Estruturas elementares do parentesco, de Claude Lévi-Strauss, Lacan teorizou sua noção de simbólico, surgiu uma nova concepção da alteridade, que desembocou na invenção do termo “grande Outro” e se separou de todas as concepções pós-freudianas da relação de objeto* que estavam em vigor na época. Além das representações do eu, especulares ou imaginárias, o sujeito é determinado, segundo Lacan, por uma ordem simbólica designada como “lugar do Outro” e perfeitamente distinta do que é do âmbito de uma relação com o outro. Daí a idéia, afirmada nesse mesmo seminário do ano de 1954-1955, de que “não existe metalinguagem”. Em outras palavras, não existe determinação anterior à linguagem que possa garantir a existência de uma linguagem. No contexto de sua concepção estruturalista dos anos da maturidade (1950-1965), na qual a teoria do inconsciente freudiano foi revista e corrigida à luz da lingüística saussuriana, Lacan

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estabeleceu um vínculo entre o desejo, o sujeito, o significante* e a questão do Outro. Em 1955, em “A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise”, ele definiu o Outro como o lugar onde se constitui o sujeito. Tratavase, pois, de mostrar que este último é representado pelo significante numa cadeia que o determina. Em maio de 1956, em seu seminário sobre as psicoses, Lacan falou do “Outro absoluto” como sendo aquele de quem “nunca podemos saber se não está nos enganando”. A questão era mostrar de que forma Deus é interpelado no discurso delirante de Daniel Paul Schreber*, ou seja, na loucura* e, em termos mais genéricos, nessa forma “lógica” de loucura que é a paranóia*. Schreber, o louco místico, transforma-se em mulher para se submeter ao coito com Deus. Através de sua história, vemos que, na loucura, a relação extasiada com o Outro só é possível, segundo Lacan, mediante um auto-aniquilamento do sujeito e um surgimento da heterogeneidade radical de um Outro absoluto, na figura de um Deus apavorante. Decorridos mais dois anos, em “A psicanálise e seu ensino”, Lacan acrescentou a essa definição a idéia de uma relação de comunicação inversa: “O inconsciente é o discurso do Outro no qual o sujeito recebe, sob a forma invertida que equivale à promessa, sua própria mensagem esquecida.” Assim como não há garantia da existência da linguagem fora da própria linguagem, não há transparência da comunicação. A linguagem não é um instrumento, mas a condição de produção de qualquer forma de comunicação. Em 1957, em “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, Lacan ampliou sua definição na relação transferencial. O Outro tornou-se então a outra cena (o inconsciente) descrita por Freud, mas compreendida, segundo a terminologia lacaniana, como o “lugar de desdobramento da fala” onde o “desejo do homem é o desejo do Outro”. O sujeito se pergunta “que quer o Outro?” e, nessa interrogação, interroga sua própria identidade, sobretudo a sexual. Mas há uma verdadeira tragédia do desejo, que Lacan sempre comenta de maneira muito hegeliana, indo buscar seus exemplos na literatura. Durante o ano de 1958-1959, em seu seminário O desejo e sua interpretação, ele toma

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outro

por objeto de estudo, acompanhando Ernest Jones*, o personagem de Hamlet, e em 19641965, interessa-se pela aposta de Pascal em seu seminário Problemas cruciais para a psicanálise. Em ambos os casos, Lacan elabora variações sobre o tema da metalinguagem impossível e da falta de uma referência original passível de garantir o exercício da verdade: “Não existe Outro do Outro.” Com efeito, a peça de Shakespeare põe em cena a impossibilidade de agir. Hamlet não se decide a matar Claudio, o assassino de seu pai e amante de sua mãe, e não consegue amar Ofélia. Quanto ao pai morto, ele é condenado a vagar à procura de um resgate impossível. Em seu célebre diálogo do artigo III dos Pensamentos, Pascal conclui pela necessidade que o homem tem de apostar na existência de Deus: “Pesemos o ganho e a perda, fazendo a opção de que Deus existe. Estimemos estes dois casos: se ganhares, ganharás tudo; se perderes, não perderás nada.” Tal como a propósito de Hamlet, Lacan sublinha aqui a tragédia do desejo na história do cristianismo: a aposta pascaliana é uma tentativa desesperada do jansenismo de resolver a questão da ausência. Esta se dá à semelhança da ausência do pai, cuja função reduziu-se no Ocidente. Há, pois, uma ausência no lugar do Outro. O Outro (Deus ou o pai) não responde, não dá nenhuma garantia. A aposta de Pascal é menos a afirmação da certeza da salvação através da graça do que uma interrogação patética do sujeito diante da ausência de Deus e de sua encarnação impossível no lugar do Outro. Essa tese é retomada em 1968-1969, no seminário De um Outro ao outro, bem como em 1975, em Mais, ainda. Neste último seminário, Lacan estabelece a ligação entre sua teoria da sexualidade feminina* como “suplemento” impossível de simbolizar e a questão da relação extática com o Outro. A partir de um comentário sobre a escultura de Bernini denominada O êxtase de Santa Teresa, ele mostra que a diferença sexual*, segundo a concepção freudiana de uma libido* única, é uma questão de significação. O homem e a mulher ocupam, cada um deles, uma função significante, e só se distinguem sexualmente em referência a um significante da diferença: entre função fálica e gozo* feminino

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(suplemento). O Outro torna-se então “o Outro sexo”, isto é, o lugar a partir do qual se enuncia uma diferença para cada sujeito. No misticismo cristão, que confina com a loucura, Deus é o suporte de um gozo que podemos qualificar de feminino. O místico, com efeito, experimenta um gozo, mas nada sabe dizer dele. Relaciona-o com Deus como lugar do Outro. Sob esse aspecto, o discurso místico é “feminino”: produzse no homem — em São João da Cruz, por exemplo — apesar do falo*, quando surge a idéia de que há um “mais-além” da função fálica. Assim como Schreber, paranóico, transforma-se em mulher para copular com Deus, o místico faz a experiência da passagem por um suplemento para chegar a Deus. Aqui vemos de que maneira, para cunhar seus conceitos, Lacan utilizou sua cultura cristã — católica, romana e barroca —, mais ou menos do modo como Freud mobilizara sem parar os ensinamentos provenientes da tradição judaica. No contexto da reformulação lógica de seus próprios conceitos, Lacan tenderia a dar um conteúdo cada vez mais algébrico a sua teoria do Outro, utilizando grafos. Assim, a partir de 1960, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo”, começou a traduzir as fórmulas “O desejo do homem é o desejo do Outro” e “Não existe Outro do Outro”, fazendo girar em torno de um eixo as funções S (sujeito, que pode ser ou não “barrado”), s (significante), a e A. Essa álgebra é que passaríamos progressivamente a encontrar, muitas vezes utilizada de maneira dogmática, nas obras dos diferentes grupos lacanianos. • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998; Os complexos familiares na formação do indivíduo (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987; O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; O Seminário, livro 20, Mais, ainda (1972-1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 2ª ed.; Le Séminaire, livre VI, Le Désir et son interprétation (1958-1959), inédito: os trechos referentes a Hamlet aparecem em Ornicar?, 24, 1981, 25, 1982, e 26-27, 1983; Le Séminaire, livre XII, Problèmes cruciaux de la psychanalyse (1964-1965), inédito; Le Séminaire, livre XVI, D’un Autre à l’autre (1968-1969), inédito.

➢ ÉDIPO, COMPLEXO DE; EU; OBJETO (BOM E MAU); OBJETO TRANSICIONAL.


P Países Baixos

Depois do trabalho pioneiro de August Stärcke*, que começou a traduzir as obras de Freud para o neerlandês*, um grupo se formou em torno de Jan Van Emden*, com Gerbrandus Jelgersma (1849-1952), A. Van der Chijs (18751926) e Albert Willem Van Renterghem (18451939). Professor na Universidade de Leiden, Jelgersma teve um papel importante em 1914, ao intitular o seu discurso reitoral “Vida psíquica não-sabida”. Declarava-se favorável à psicanálise, o que motivou o seguinte comentário de Freud, um ano depois: “O primeiro reconhecimento oficial da interpretação do sonho* e da psicanálise foi obra do psiquiatra Jelgersma, reitor da Universidade de Leiden, em seu discurso inaugural de 9 de fevereiro de 1914.” Só no fim da Primeira Guerra Mundial, a 24 de março de 1917, Johan Van Ophuijsen* fundou em Amsterdam a Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP), com os membros do grupo de Van Emden: treze pessoas no total, e nem um único não-médico. Seis tinham efetuado uma formação psicanalítica, dos quais cinco com Carl Gustav Jung*, porque o preço de suas sessões era a metade das de Freud. Em 1920, o congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) se realizou em Haia. Jelgersma e Stärcke participaram dele. Já em 1921, o grupo holandês sofreu graves conflitos, a respeito da análise leiga*. Como nos Estados Unidos*, só os médicos, amplamente majoritários, eram considerados como membros plenos. Os outros, não tendo nem direito de voto, nem o de assistir às reuniões administrativas, não possuíam nenhum status. Ophuijsen defendeu então a obrigação, para todos os membros, de se submeterem a uma análise didática*. Mas como não existia ne-

Em 1907, Hugo Heller* solicitou a Sigmund Freud* que lhe enviasse uma lista de seus dez livros preferidos. Freud incluiu na seleção de seus autores favoritos o nome de um escritor neerlandês, Edward Douwes Dekker (18201887), mais conhecido pelo pseudônimo de Multatuli. Racionalista, ateu, revoltado e atingido por uma certa mania de perseguição, à maneira de August Strindberg, Multatuli lutou contra o colonialismo quando era funcionário em Java. “Freud apreciava em especial”, escreveu Paul-Laurent Assoun, “o modo ao mesmo tempo realista e racionalista com o qual Multatuli abordava a questão da relação das crianças com a sexualidade*.” Entretanto, não foi sob o signo da revolta e da defesa da liberdade sexual que a psicanálise* se implantou nos Países Baixos no início do século, quando os valores dominantes eram o conformismo burguês, o utilitarismo, o egoísmo individual e a aceitação dos princípios mais rigorosos do protestantismo. Assim, a situação neerlandesa da psicanálise era bastante peculiar na Europa, pois a história do movimento foi essencialmente marcada pelas relações conflituosas e as cisões* entre clínicos preocupados com o sucesso profissional e financeiro, que se tornaram ao longo dos anos os melhores especialistas no training (formação didática). Como em todos os países da Europa, as teses freudianas foram introduzidas principalmente por via médica e se chocaram com a mesma resistência* que em outros lugares: eram acusadas do que os seus adversários chamavam de pansexualismo*. A expansão da psicanálise ficou limitada a três cidades da província da Holanda: Amsterdam, Haia, Leiden. 561

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Países Baixos

nhum didata na Holanda e a permanência no estrangeiro custava excessivamente caro, o projeto foi rejeitado. Os conflitos e as dificuldades de integração dos candidatos levaram Jelgersma a fundar outra sociedade: a Sociedade de Leiden para a Psicanálise e a Psicopatologia, que se tornaria a Associação Neerlandesa, em 1934. Esse novo grupo tomou parte ativa na difusão do freudismo*, no mesmo momento em que muitos psiquiatras neerlandeses manifestavam sua hostilidade em relação à nova doutrina. Incansável, Ophuijsen, que já trabalhara pela análise leiga, criou em Haia, em 1930, um Instituto de Psicanálise, a partir do modelo do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI), e para inaugurá-lo, convidou Theodor Reik*. Ao fim de dois anos, o instituto fechou as portas, porque só atraía os não-médicos. Nessa data, Jelgersma aposentou-se da universidade, pondo fim à produtiva colaboração entre as atividades psicanalíticas e o ensino do freudismo. Seu sucessor não era favorável às teses vienenses. Em 1932, a situação da psicanálise nos Países Baixos se tornara desastrosa, tanto pelos conflitos entre os próprios clínicos quanto por razões externas. A NVP tinha então apenas 21 membros. A partir de 1933, com a chegada dos exilados expulsos pelo nazismo*, principalmente Theodor Reik, Karl Landauer*, August Watermann* e m ai s t ard e Ann y Rosenb erg-Kat an, psicanalista de crianças, os conflitos se agravaram. Dois grupos se defrontaram com violência, cada um deles apoiado por um fundador prestigioso da primeira geração: de um lado, os partidários da integração à IPA, dirigidos por Ophuijsen e favoráveis à análise leiga; do outro, os adeptos da psicanálise médica, defendidos por Jelgersma e hostis à admissão dos imigrantes na NVP. No outono, Ophuijsen decidiu corajosamente combater pelos estrangeiros, mas sua proposta foi rejeitada por Jelgersma. Ficando em minoria, demitiu-se da NVP e criou em Haia uma segunda sociedade, a Vereniging voor Psychoanalyse in Nederland (VPN), logo reconhecida pela IPA graças ao apoio de Ernest Jones*. Preocupado em promover sua política de “salvamento” da psicanálise na Alemanha*, este também procurava proteger os judeus exi-

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lados. Assim, criticou duramente a estreiteza de espírito dos neerlandeses e sua falta de generosidade. Decepcionado, Ophuijsen deixou a Holanda e foi para os Estados Unidos, enquanto Reik também se exilava. Em 1934, René De Monchy* sucedeu a Ophuijsen na direção da VPN, na qual se mostrou inicialmente muito hostil aos imigrantes judeus, como mostra uma carta nitidamente anti-semita dirigida a Westerman Holstijn, e citada por H. Groen-Prakken. Dava a entender que os judeus tinham oprimido “silenciosamente” os “arianos” e que a vez destes tinha chegado: “Compreendo a atitude do nacional-socialismo na Alemanha, embora não concorde com tudo. A opressão judia silenciosa de uma nação ariana é naturalmente inaceitável. Estarei ao lado de vocês quando quiserem impedir a instalação dos judeus aqui.” Depois de sua permanência em Viena* e de seu casamento, mudou completamente de opinião e tentou unificar as duas sociedades neerlandesas, uma em Amsterdam, outra em Haia. Em 1938, realizou-se um acordo, que resultou na integração da NVP à NPV. Todavia, os problemas da prática leiga não ficaram resolvidos com isso. Os não-médicos não obtiveram exatamente o mesmo status legal que os médicos e foram obrigados a receber apenas casos julgados “não-patológicos”, o que, nos planos clínico e teórico, era evidentemente absurdo. Criticado tanto por sua prática quanto por seus trabalhos teóricos, Westerman Holstijn demitiu-se da NVP. Quanto a Watermann e a Landauer, morreram na deportação: um em Auschwitz, o outro em Bergen-Belsen. Anny Rosenberg-Katan e seu marido, Maurits Katan, emigraram para os Estados Unidos. Em 1945, a NVP foi reconstituída, mas Holstijn recusou-se a fazer parte dela e em 1947, depois de uma cisão, criou o seu próprio grupo com J.H. Van der Hoop, um ex-analisando de Jung, a Nederlandse Genootschap voor Psychoanalyse (NGP). Essa sociedade, que se assemelhava muito à que Jelgersma tinha antes da guerra, nunca foi admitida na IPA. Entretanto, reunia muitos praticantes, em torno de uma perspectiva menos ortodoxa e mais aberta do que a NVP.


Palo Alto, Escola de

Chegando à Holanda em 1938, Jeanne Lampl-De Groot* começou a exercer um papel maior na NVP durante a guerra. Graças a doações americanas recolhidas por Hans Lampl*, ela criou em 1946 um novo instituto de psicanálise, inaugurado oficialmente por Anna Freud* no ano seguinte, quando do congresso da IPA em Amsterdam. A NVP tornou-se uma das sociedades mais ortodoxas da IPA, do ponto de vista da obediência às regras técnicas, o que não a impediu de abrir-se para todas as correntes: annafreudismo*, kleinismo*, Self Psychology*. Foi durante esse período que a psicanálise ultrapassou os estreitos limites da Holanda, principalmente em Groningen, onde se formou um terceiro pólo freudiano. Entre 1952 e 1955, foram feitas modificações nos estatutos da NVP, que resolveram em parte o problema da psicanálise leiga: para se tornarem membros titulares, os não-médicos ficavam a partir de então obrigados a receber uma formação universitária equivalente à dos médicos. A partir de 1958, os psicanalistas da NVP, já com a experiência dos conflitos institucionais, se tornaram, no seio da IPA, grandes técnicos em training. Foi o caso principalmente de Pieter Jan Van der Leeuw, que teve um papel considerável em todos os comitês para a unificação das regras da análise didática na Europa. Seria eleito presidente da IPA no Congresso de Amsterdam de 1965, e ocuparia essa função durante dois mandatos. Na NVP, os conflitos prosseguiram, ao mesmo tempo que as questões psicanalíticas eram resolvidas por decisões administrativas. Assim, para evitar a gerontocracia e o mandarinato, a sociedade atribuiu automaticamente o título de didata a todo clínico com a idade de 50 anos, com a única condição de que pudesse provar que dedicava mais da metade de seu tempo à psicanálise. Do mesmo modo, o título de associado foi progressivamente concedido a todo clínico que fizesse uma exposição teórica e clínica e que tivesse realizado pelo menos três tratamentos julgados positivos. Essa democratização foi estimulada pela criação, em 1958, de uma fundação que permitia aos candidatos à análise didática fazer um empréstimo para pagar sua formação, e depois

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pela aprovação, em 1967, de uma lei de auxílio social, que autorizava o reembolso dos tratamentos psicanalíticos. Esse sistema contribuiu amplamente para a implantação do ensino do freudismo na universidade. Em Leiden, em Amsterdam, em Rotterdam e em Groningen, psicanalistas ocuparam cátedras de psiquiatria e de psicologia clínica*. Quanto à psicanálise de crianças*, esta tomou um impulso importante nos Países Baixos, em parte graças ao apoio pessoal de Anna Freud. No fim dos anos 1990, A NVP tinha 213 membros, e a NGP 150, para uma população de quinze milhões e meio de habitantes, ou seja, uma densidade de 24 psicanalistas para um milhão de habitantes. Como em quase todos os países do norte, o lacanismo* só se implantou na Holanda graças ao trabalho minoritário de alguns intelectuais, leitores da obra de Jacques Lacan*. Foi o caso, notadamente, de A.W.N. Mooij, psiquiatra e psicanalista em Utrecht, que trabalhou em ligação com a Escola Belga de Psicanálise (EBP). Ao contrário dos lacanianos de todos os outros países, os raros clínicos holandeses que se filiaram a essa corrente mantiveram o princípio da sessão de 45 minutos. • Sigmund Freud, “Contribuição a um questionário sobre leitura” (1907) ESB, IX, 251-2; SE, IX, 245-7; A história do movimento psicanalítico (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991 • J. Spanjaard e R.U. Mekking, “Psychoanalyse in die Niederlanden”, in Die Psychologie des 20. Jahrhunderts, vol.20, Zurique, Kinder Verlag, 1975 • L. Bujhof, Freud en Nederland, Baarn, Ambo, 1983 • C. Brjnkgreve, Psychoanalyse in Nederland, Amsterdam, De Arbeiderspers, 1984 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et la Hollande”, in Harry Stroeken, En analyse avec Freud (1985), Paris, Payot, 1987, 200-35 • Harry Stroeken, “The reception of psychoanalysis in the Netherlands”, The Dutch Annual of Psychoanalysis, vol.1, 1993 • H. Groen-Prakken, “The Psychoanalytical Society and the analyst”, The Dutch Annual of Psychoanalysis, 1993.

➢ BÉLGICA; EU E O ISSO, O; FEDERAÇÃO EUROPÉIA DE PSICANÁLISE; MAHLER, GUSTAV; NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; ROMÊNIA; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

Palo Alto, Escola de ➢ BATESON, GREGORY.

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Pankejeff, Serguei Constantinovitch

Pankejeff, Serguei Constantinovitch (1887-1979), caso Homem dos Lobos Terceiro e último grande tratamento psicanalítico conduzido por Sigmund Freud*, depois de Dora (Ida Bauer*) e do Homem dos Ratos (Ernst Lanzer*), a história do Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff) é única nos anais do freudismo. Comentada inúmeras vezes por todas as escolas psicanalíticas e pelos mais diversos autores, também o foi pelo próprio paciente, que, depois de sobreviver às duas guerras mundiais, redigiu uma autobiografia que analisava seu próprio caso, revelando sua verdadeira identidade. Essa análise foi também a mais longa das três: começou em janeiro de 1910 e terminou exatamente em 28 de junho de 1914, data do assassinato, em Sarajevo, do arquiduque Francisco Ferdinando. O paciente não ficou “curado”: retomou uma “etapa” de análise com Freud no pós-guerra e, mais tarde, com uma aluna dele, Ruth Mack Brunswick*. Instalado em Viena depois da derrota do nazismo,* foi sustentado pelo movimento psicanalítico. Analisado a cada verão por Kurt Eissler, tratado por Wilhelm Solms-Rödelheim e, finalmente, ajudado por Muriel Gardiner* na redação de suas memórias, tornou-se um personagem mítico: mais o Homem dos Analistas do que o Homem dos Lobos, símbolo, afinal, do caráter “interminável” da análise freudiana. Serguei Constantinovitch Pankejeff nasceu no sul da Rússia, numa rica família da aristocracia rural, e foi criado em Odessa, ao lado de sua irmã Anna, por três governantas (Gruscha, Nania e Miss Owen) e alguns preceptores. Sua mãe, afetada por diversos distúrbios psicossomáticos, preocupava-se exclusivamente com sua saúde, enquanto o pai, depressivo, levava a vida ativa de um político conhecido por suas opiniões liberais. Os membros da família, de ambos os lados da genealogia, assemelhavam-se a personagens de um dos romances de Dostoiévski, Os irmãos Karamazov. O tio Pedro, primeiro irmão do pai, sofria de paranóia* e foi tratado pelo psiquiatra Serguei Korsakov (1854-1900). Fugindo do contato humano, viveu como um selvagem em meio aos animais e terminou a vida num hospício. O tio Nicolau, segundo irmão do pai, quis raptar a noiva de um de seus filhos e desposá-la

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à força: em vão. Um primo, filho da irmã da mãe, foi internado num manicômio de Praga, também ele afetado por uma forma de delírio de perseguição. Em 1896, aos 10 anos de idade, o pequeno Serguei apresentou os primeiros sinais de uma neurose grave*. Em 1905, sua irmã Anna suicidou-se e, dois anos depois, foi a vez de seu pai tirar a própria vida. Nessa época, Serguei freqüentava o ginásio. Conheceu uma mulher do povo, Matrona, com quem contraiu gonorréia (ou blenorragia). Mergulhou então em acessos freqüentes de depressão, que em pouco tempo, de sanatórios para hospícios e de clínicas de repouso para termas medicinais, levaram-no a se transformar num doente ideal para o saber psiquiátrico do fim do século. Tratado por Vladimir Bekhterev, que utilizou a hipnose*, por Theodor Ziehen (1862-1950), em Berlim, e finalmente, por Emil Kraepelin*, em Munique, que emitiu um diagnóstico de psicose maníacodepressiva*, Serguei descobriu-se no sanatório de Neuwittelsbach, onde seguiu tratamentos tão diversificados quanto inúteis — massagens, banhos etc. Ali se apaixonou por uma enfermeira, Teresa Keller, um pouco mais velha do que ele e mãe de uma garotinha (Else). Iniciou-se então um relacionamento passional ao qual se opunham sua família (porque a moça era plebéia) e seu psiquiatra (convencido de que a sexualidade* era o pior dos remédios nos casos de loucura*). Depois de romper e retomar essa ligação, Pankejeff voltou a Odessa, onde se fez tratar por um jovem médico, Leonid Droznes (1880-19?), que logo decidiu conduzi-lo a Viena para uma consulta com Freud. Numa frase contundente, Freud estigmatizou o niilismo terapêutico de seus colegas psiquiatras: “Até o momento”, disse ele a Pankejeff, “o senhor esteve procurando a causa de sua doença num urinol.” Essa interpretação* tinha uma significação dupla. Freud aludia tanto à inutilidade dos tratamentos anteriores quanto à patologia de Serguei, que sofria de distúrbios intestinais permanentes, em particular uma constipação crônica. A análise começou. Em vez de proibir o Homem dos Lobos de rever Teresa, Freud simplesmente lhe pediu que esperasse o fim do tratamento. Não se opôs ao casamento: “Teresa”, disse, “é o impulso para a


Pankejeff, Serguei Constantinovitch

mulher.” Numa carta a Sandor Ferenczi*, datada de fevereiro de 1910, Freud assinalou a violência das manifestações transferenciais de seu paciente: “O jovem russo rico que recebi, por causa de uma paixão amorosa compulsiva, confessou-me, após a primeira sessão, as seguintes transferências: judeu escroque, ele gostaria de me agarrar por trás e me cagar na cabeça. Aos 6 anos de idade, o primeiro sintoma manifesto consistiu em injúrias blasfematórias contra Deus: porco, cachorro etc. Quando via três punhados de cocô na rua, sentia-se mal, por causa da Santíssima Trindade, e procurava ansiosamente um quarto punhado para destruir a evocação.” Pela primeira vez, Pankejeff teve a impressão de ser escutado, e não mais tratado como doente. Acima de tudo, manteve com Freud relações quase amistosas e acabou por venerálo: no fim do tratamento, Freud tinha muita simpatia por ele. Serguei reencontrou-se com Teresa e concordou com o casamento, que foi celebrado em Odessa, em 1914. Ele se sentiu curado e frisou que a análise lhe permitira desposar a mulher amada. Duas semanas após a suspensão do tratamento, a Áustria entrou em guerra com a Rússia*. Freud teve então a fantasia* de que seu filho mais velho, Martin Freud*, que acabara de ser convocado, poderia tombar na frente de batalha sob as balas de seu ex-paciente. Foi nesse estado de espírito e em meio à tormenta da guerra que, em dois meses, de outubro a novembro de 1914, redigiu a história do caso, sem jamais utilizar a denominação Homem dos Lobos. O relato foi publicado em 1918, sob o título “História de uma neurose infantil”. Contrariamente ao caso do Homem dos Ratos, em que a lógica da análise fora exposta de maneira implacável, Freud se entregou, para escrever a história do Homem dos Lobos, a um verdadeiro trabalho de criação romanesca, a ponto de “inventar”, por meio de interpretações, acontecimentos que talvez nunca houvessem realmente tido lugar, centrando-se todo o relato na infância do paciente e girando toda a reconstrução de sua vida em torno de sua sexualidade. O quadro familiar era composto pela mãe, pai, irmã e três empregadas: a babá (Nania), a

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governanta inglesa (Miss Owen) e a criada (Gruscha). Segundo Freud, que se apoiava nas lembranças de Serguei, este fora objeto de uma tentativa de sedução aos três anos de idade, por parte de sua irmã, Anna, que lhe mostrara seu “popô”, ao passo que depois ele se havia exibido diante de Nania, que o repreendera. Mais ou menos aos 10 anos, por sua vez, ele quisera seduzir a irmã, que o havia repelido. Posteriormente, preferira escolher mulheres de situação inferior à sua. Afastando-se de todos os diagnósticos de melancolia* e psicose* formulados pelos outros médicos antes dele, Freud viu nesse caso uma histeria* de angústia com fobia* aos animais, que depois se transformara numa neurose obsessiva* ou numa neurose infantil, donde o título dado ao texto. Foi interpretando um sonho* que Serguei tivera aos 4 anos de idade, e que fora contado e desenhado por ele durante a análise, que Freud reconstruiu a origem da neurose infantil: “‘Sonhei’, disse ele, ‘que era noite e eu estava deitado em minha cama (...). Eu sabia que era inverno. De repente, a janela se abriu sozinha e, com enorme susto, vi que havia uns lobos sentados na grande nogueira em frente à janela. Eram uns seis ou sete. Os lobos era inteiramente brancos e mais pareciam raposas ou cães pastores, pois suas caudas eram compridas como as das raposas e eles tinham as orelhas em pé, como os cães quando prestam atenção a alguma coisa. Com grande medo, obviamente, de ser devorado pelos lobos, gritei e acordei.’” A partir desse sonho e de diversas lembranças do paciente a respeito de sua sexualidade infantil, Freud inventou, com detalhes de uma precisão inaudita, uma estarrecedora cena primária* que se tornaria célebre nos anais da psicanálise, e que seria muitas vezes comentada. Patrick Mahony resumiu-a muito bem: “Numa tarde quente de verão, o pequeno Serguei, então com 18 meses de idade e sofrendo de malária, dormia no quarto de seus pais, para onde também estes se retiraram, parcialmente despidos, a fim de tirar uma sesta; às cinco horas da tarde, provavelmente no auge da febre, Serguei acordou e, com a atenção fixa, observou seus pais, parcialmente trajados com roupas de baixo brancas, ajoelhados sobre lençóis também brancos, entregarem-se por três vezes ao

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Pankejeff, Serguei Constantinovitch

coito a tergo: reparando nos órgãos genitais dos pais e no prazer estampado no rosto da mãe, o bebê, habitualmente passivo, teve um movimento intestinal repentino e começou a chorar, assim interrompendo o jovem casal.” Dois outros episódios da vida de Serguei foram objeto de uma série de interpretações. Um deles dizia respeito a Gruscha, cujas nádegas, comparadas a asas de borboleta e, depois, ao número V romano, remetiam aos cinco lobos do sonho e à hora em que teria ocorrido o famoso coito, e o outro episódio estava ligado a uma alucinação visual. Em sua infância, Serguei vira seu dedo mínimo ser decepado por um canivete, e depois se apercebera da inexistência do ferimento. Freud deduziu disso que seu paciente manifestara nesse episódio uma atitude de rejeição (Verwerfung) que consistia em só ver a sexualidade pelo prisma de uma teoria infantil: a relação sexual pelo ânus. Depois desse grande mergulho na infância do paciente, Freud teve certeza de havê-lo curado. Serguei entrou então na tormenta da guerra e sua vida modificou-se por completo. Até a primavera de 1918, morou em Odessa, dividido entre sua mãe e Teresa, que não se davam bem. Retomou os estudos e recebeu seu diploma de advogado. Pouco depois, Teresa foi obrigada a sair da Rússia para ir ao encontro da filha, que morreu em Viena, onde Serguei foi juntar-se à mulher. A Revolução de Outubro o havia arruinado e o ex-aristocrata transformou-se num outro homem, um emigrante pobre e sem recursos, obrigado a aceitar um emprego numa companhia de seguros, no qual permaneceria até se aposentar. As mudanças ocorridas em sua vida mergulharam-no numa nova depressão, que o obrigou a retornar a Freud. Este o acolheu de bom grado, presenteou-o sem demora com o texto de seu caso, que acabara de publicar, e em seguida tomou-o novamente em análise, de novembro de 1919 a fevereiro de 1920. Segundo ele, essa “pós-análise” serviu para liquidar um resto de transferência* não analisado e finalmente curar o paciente. Na realidade, este continuava a apresentar os mesmos sintomas, até mesmo agravados em decorrência da situação financeira precária. Quanto a esse aspecto, Freud o ajudou, coletan-

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do dinheiro para ele no círculo de seus discípulos vienenses. Foi então que Serguei Pankejeff começou a se identificar com a história de seu caso e a se tomar realmente pelo Homem dos Lobos. Em 1926, afetado pelos mesmos sintomas, foi novamente consultar Freud, que se recusou a tratá-lo uma terceira vez e o encaminhou a Ruth Mack Brunswick. Serguei tornouse então presa de um incrível imbróglio transferencial. Não apenas Freud estava analisando, ao mesmo tempo, Ruth, o marido dela e o irmão deste, como também, ainda por cima, nesse ano ele encaminhou para o divã de Ruth uma norteamericana, Muriel Gardiner, que iria tornar-se amiga e confidente de Pankejeff à medida que se desenrolavam suas respectivas análises. Mais enferma que seu paciente, Ruth Mack Brunswick havia adquirido o hábito de tratar suas dores vesiculares com morfina. Como toda a geração* psicanalítica da década de 1920, interessava-se pelas psicoses e pelos mecanismos pré-edipianos identificados por Melanie Klein*. Foi por isso que, depois de haver analisado Pankejeff de outubro de 1926 a fevereiro de 1927, identificou nele não uma neurose, mas uma paranóia. Em 1928, ela publicou uma segunda versão do caso, sob o título de “Suplemento à história de uma neurose infantil”. Pela primeira vez, atribuiu ao paciente o nome que passaria desde então a designá-lo: o Homem dos Lobos. Mack Brunswick o descreveu como um homem perseguido, antipático, avarento, sórdido, hipocondríaco e obcecado com sua imagem, em especial com uma pústula que lhe corroía o nariz. Através desse novo diagnóstico, o movimento psicanalítico dividiu-se em dois campos: os partidários da psicose, de um lado, e os da neurose, de outro. A eclosão da Segunda Guerra Mundial transformou mais uma vez a triste vida de Pankejeff. Em 1938, dias depois da entrada dos nazistas em Viena, ele encontrou sua mulher morta no apartamento do casal: tinha-se suicidado. A partir de 1945 e por todo o resto de sua vida, o Homem dos Lobos, ainda e sempre melancólico, foi auxiliado pelo movimento freudiano de uma maneira a um tempo inédita e espetacular. Estimulado por Muriel Gardiner e subvencionado por uma “pensão” fornecida por Kurt Eissler em nome dos Arquivos


pansexualismo

Sigmund Freud, ele tratou de redigir suas memórias e comentar a história de seu caso na própria linguagem do discurso psicanalítico. Elas foram publicadas em 1971, traduzidas no mundo inteiro e mil vezes comentadas. Passados alguns anos, contrariando a opinião dos guardiães do templo freudiano, Pankejeff concordou em responder a uma longa entrevista de uma jornalista vienense, Karin Obholzer, que o fez contar sua vida num outro estilo, mais direto e menos compassado. Ele então declarou que a famosa cena do coito a tergo certamente nunca haveria acontecido, porque, na Rússia, as crianças jamais dormiam no quarto dos pais. Sempre venerando o talento terapêutico de Freud, ele tomou o partido do diagnóstico enunciado por este e se pôs contra o de Ruth Mack Brunswick. Bem diante do nariz e das barbas dos psicanalistas da International Psychoanalytical Association* (IPA), que o haviam transformado numa espécie de arquivo, o Homem dos Lobos metamorfoseouse mais uma vez: tornou-se, a seu próprio respeito, mais competente do que a maioria dos comentadores de seu caso, que não tinham, como ele, o privilégio de ser um trecho inalterável da obra freudiana. Pankejeff morreu em Viena, assistido por seu médico, o conde Wilhelm Solms-Rödelheim, que, em 1945, ao lado de August Aichhorn* e do barão Alfred von Winterstein*, tinha sido um dos novos fundadores da antiga Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), tragada pela guerra. (VR) • Sigmund Freud, “História de uma neurose infantil” (1918), ESB, XVII, 19-152; GW, XII, 27-157; SE, XVII, 1-122; OC, XIII, 1-119 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondência, 1908-1914, vol.I, 2 tomos (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Imago, 1994, 1995 • Jacques Lacan, O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Serge Leclaire, “À propos de l’épisode psychotique que présenta l’Homme aux Loups”, La Psychanalyse, 4, 1958, 83-111; “Les Éléments en jeu dans une psychanalyse (à propos de l’Homme aux loups)”, Cahiers pour l’Analyse, 5, novembro-dezembro de 1966, 1-36 • Muriel Gardiner, L’Homme aux loups par ses psychanalystes et luimême (N. York, 1971), Paris, Gallimard, 1981 • Nicolas Abraham e Maria Torok, Cryptonymie. Le verbier de l’Homme aux loups, precedido por Fors, de Jacques Derrida, Paris, Aubier-Flammarion, 1976 • Karin Obhol-

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zer, Conversas com o Homem dos Lobos (Hamburgo, 1980), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993 • Patrick Mahony, Les Hurlements de l’Homme aux loups (N. York, 1984), Paris, PUF, 1995.

➢ ABRAHAM, NICOLAS; FORACLUSÃO; PAPPENHEIM, BERTHA; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

pansexualismo al. Pansexualismus; esp. pansexualismo; fr. pansexualisme; ing. pansexualism

Em filosofia, o prefixo pan é ligado a um grande número de termos, em dois sentidos principais. Em primeiro lugar, assinala que não existe nada fora do que é designado pelo termo ligado a esse prefixo, e equivale, em segundo, ao adjetivo “universal”, unido ao termo de que se trata. Em todos os países onde a psicanálise* foi implantada, o termo pansexualismo é utilizado para designar pejorativamente a doutrina freudiana da sexualidade*, concebida sob a categoria de uma causalidade única, tanto porque ela recusaria qualquer explicação do psiquismo fora da etiologia sexual quanto pelo fato de que se pretenderia universal, isto é, aplicável a todas as culturas e a todos os indivíduos. Nesse aspecto, os defensores da crítica do pansexualismo da doutrina freudiana afirmam que esta não passa da expressão de uma cultura nacional que almeja dominar as outras. A famosa tese do genius loci foi popularizada pelo psiquiatra alemão Adolf Albrecht Friedländer (1870-1949), por ocasião de um congresso internacional de medicina realizado em Budapeste, em 1909. Atacando violentamente a psicanálise, Friedländer explicou que ela devia seu sucesso à mentalidade vienense, que atribuía uma importância considerável à sexualidade. Em poucos anos, essa tese, retomada em 1913 por Pierre Janet*, tornou-se o cavalo de batalha dos antifreudianos, permitindo-lhes acusar Sigmund Freud* de todos os pecados de um pretenso pansexualismo. O termo pansexualismo surgiu após a publicação, em 1905, dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*. Na França*, país particularmente germanófobo, esse pretenso pansexualismo freudiano serviu à tese do genius loci: a

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Pappenheim, Bertha

teoria sexual foi assimilada a uma visão bárbara da chamada sexualidade “germânica”, “nórdica”, “teutônica” ou “boche”. A essa Kultur alemã opôs-se a luminosidade cartesiana e latina da “civilização” francesa, a única capaz de universalidade, ao passo que, nos países escandinavos*, ao contrário, acusou-se o freudismo* de privilegiar uma concepção “latina” da sexualidade, inaceitável para a “mentalidade” nórdica. No prefácio de 1920 a seu livro, Freud rechaçou esse termo: “Em sua sede de fórmulas bombásticas”, disse, “as pessoas chegaram até a falar do ‘pansexualismo’ da psicanálise e a lhe fazer a censura absurda de que ela explica tudo pela sexualidade.” • Adolf Albrecht Friedländer, “Hysterie und moderne Psychoanalyse”, in Psychiatrie, atas do XVI Congresso Internacional de Medicina, Budapeste, 1909, seção XII, 146-72 • André Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia (Paris, 1926), S. Paulo, Martins Fontes, 1993 • Jacques Mousseau e Pierre-François Moreau (orgs.), L’Inconscient, Paris, CEPL, 1976.

➢ AUTISMO; CULTURALISMO; JAPÃO ; JUNG, CARL GUSTAV; LIBIDO.

Pappenheim, Bertha (1860-1936), caso Anna O. A história de Anna O. é um dos mitos fundadores da psicanálise*. O relato do caso dessa moça vienense, que contava 21 anos na época de sua doença, foi exposto por Josef Breuer* em 1895, nos Estudos sobre a histeria*. Desde essa publicação, mediante a qual os autores propuseram, ao mesmo tempo, uma nova definição da histeria* como doença das reminiscências psíquicas, e a invenção de um método de tratamento inédito (baseado na catarse* e na ab-reação*), o caso Anna O. não parou de ser comentado, tanto por historiadores quanto por clínicos. Uma imensa literatura, em diversas línguas, foi consagrada a essa mulher a quem se atribuiu a invenção da psicanálise*. Com efeito, tratada por Breuer entre julho de 1880 e junho de 1882, Anna O. deu o nome de talking cure a um tratamento que era feito pela fala, e empregou o termo chimney sweeping para designar uma forma de rememoração por “limpeza de chaminé”. Quanto a Breuer, chamou esses dois

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processos de catarse e apresentou o caso Anna O. como o protótipo do tratamento catártico. Nos Estudos sobre a histeria, Anna O. é descrita como uma jovem inteligente, enérgica e obstinada. Dotada de talento poético, falava diversas línguas e demonstrava grande sensibilidade em relação aos pobres e aos doentes. Breuer dividiu em quatro períodos as fases durante as quais se manifestaram os diversos sintomas histéricos de Anna, ligados à doença e morte de seu pai. Durante a chamada fase de incubação latente, a paciente ficou sujeita a alucinações, contraturas e acessos de tosse. Durante a chamada fase da doença manifesta, de 11 de dezembro de 1880 a 1º de abril de 1881, ela teve distúrbios da visão, da linguagem e da motricidade. Misturava diversas línguas, não sabia mais se expressar em alemão e acabou escolhendo o inglês. Sua personalidade dividiuse e Breuer a acalmou através dos processos do tratamento pela fala e da “limpeza de chaminé”. Durante a terceira fase, os sintomas se agravaram: Breuer, então, fez com que Anna O. fosse internada num sanatório e a tratou pelo método da auto-hipnose. Por fim, o último período caracterizou-se pelo desaparecimento progressivo dos sintomas e pela cura. Graças à rememoração de suas lembranças traumáticas, Anna O. reencontrou seu verdadeiro eu, tornou a falar alemão e se curou de sua paralisia. “Deixou Viena* para fazer uma viagem”, escreveu Breuer, “mas foi preciso muito tempo para que recuperasse seu equilíbrio psíquico. Desde então, goza de perfeita saúde.” Foi em 1953, no primeiro volume de A vida e a obra de Sigmund Freud, que Ernest Jones* revelou pela primeira vez a verdadeira identidade dessa paciente, o que desagradou seus herdeiros. Anna O. tornou-se então Bertha Pappenheim. Oriunda da burguesia judaica ortodoxa, foi criada por uma mãe rígida e conformista. Sua família era estreitamente ligada à de Martha Bernays, a noiva de Freud, que era sua amiga. Após o tratamento, ela se voltou para atividades humanitárias. Inicialmente diretora de um orfanato judaico em Frankfurt, mais tarde viajou aos Bálcãs, ao Oriente Próximo e à Rússia* para realizar pesquisas sobre o tráfico de mulheres brancas. Em 1904, fundou o Judischer Frauenbund (a Liga das Mulheres Judias)


Pappenheim, Bertha

e, três anos depois, um estabelecimento de ensino filiado a essa organização. Muito apegada ao judaísmo, desenvolveu estudos sobre a situação das mulheres judias e dos criminosos judeus. Quando Hitler assumiu o poder, ela se pronunciou contra a emigração para a Palestina. Após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se uma figura lendária na história das mulheres e do feminismo através de sua ação social, a ponto de o governo alemão haver honrado sua memória com um selo que trazia sua efígie. Já no fim da vida, havendo-se tornado devota e autoritária como fora sua mãe, reeditou antigas obras de religião e redigiu a história de uma de suas ancestrais. Embora revelando a verdadeira identidade de Anna O., Jones narrou uma versão fantasiosa do término de seu tratamento com Josef Breuer. Este, explicou Jones em síntese, ficou assustado com o caráter sexual da transferência* amorosa da paciente para ele e, em particular, com uma gravidez nervosa (pseudociese) ocorrida nessa ocasião. Assim, interrompeu o tratamento e partiu em lua-de-mel para Veneza, onde foi concebida sua filha Dora. Dez anos depois, ele chamou Freud para consultá-lo num caso idêntico. Quando este lhe indicou que os sintomas da doente revelavam uma fantasia* de gravidez, Breuer não pôde suportar tal repetição de um acontecimento passado: “Sem dizer uma só palavra, apanhou sua bengala e seu chapéu e saiu às pressas da casa.” Jones construiu essa versão da história a partir de diversas lembranças de Freud e de um resumo que Marie Bonaparte* lhe dera de seu diário inédito. Ora, se consultarmos esse diário, bem como a correspondência entre Martha Bernays e Freud em 1883, exumada por John Forrester e Peter Swales, constataremos que essa história de gravidez histérica foi uma reconstrução de Freud, à qual Jones deu legitimidade arquivística e médica ao lhe conferir o nome de pseudociese. Numa carta de 31 de outubro de 1883, Freud informou Martha sobre a saúde de sua amiga Bertha, afirmando que ela estava melhor e vinha se livrando de seu envenenamento pela morfina. Depois, acrescentou que Breuer havia interrompido o tratamento, “porque este vinha ameaçando a felicidade de seu casamento (...)

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Podes guardar isso para ti, Martchen? Não há nada de vergonhoso, mas é uma coisa muito íntima (...). Naturalmente, ouvi isso dele em pessoa.” Segundo Freud, Mathilde Breuer não teria suportado o interesse que seu marido tinha pela paciente e teria adoecido. Se em 1909, em suas cinco conferências sobre a psicanálise, proferidas na Universidade Clark, em Worcester, Freud falou do caso Anna O. seguindo a versão dos Estudos sobre a histeria, cinco anos depois, ao contrário, em sua contribuição para a história da psicanálise, ele retomou a tese do amor transferencial (implícita em sua carta de 31 de outubro de 1883): “Ocorre que tenho fortes razões para supor que Breuer, depois de haver afastado todos os sintomas, deve necessariamente ter descoberto, com base em novos indícios, a motivação sexual dessa transferência, mas a natureza geral desse fenômeno inesperado lhe escapou, de modo que, impressionado com um untoward event, ele suspendeu por completo sua investigação. Ele não me deu essas informações diretamente, mas, em diferentes épocas, forneceu-me pontos de referência suficientes para justificar essa suposição.” Freud sublinha em seguida que Breuer lhe exprimira sua reprovação a propósito da etiologia sexual das neuroses. Em sua autobiografia de 1925, Freud retomou essa versão, sublinhando que Breuer havia interrompido o tratamento em virtude de um amor transferencial da paciente por ele. A mesma idéia foi retomada no necrológio que ele dedicou a Breuer, no qual esclareceu que a história do caso fora “abreviada e censurada em consideração à discrição médica” e que sua publicação se tornara necessária por razões científicas: era preciso provar que o tratamento de Anna O. fora anterior aos conduzidos por Pierre Janet* com pacientes idênticas. Entretanto, sete anos depois, numa carta de 2 de junho de 1932 a Stefan Zweig*, Freud acrescentou a história da fantasia da gravidez de Bertha e afirmou que Dora Breuer, a filha de Josef Breuer, havia confirmado a existência desse fato, depois de interrogar o pai: “Na noite do dia em que todos os sintomas tinham sido superados, ele voltou a ser chamado; encontrou-a delirando, contorcendo-se em cãibras no baixo ventre. Ao lhe perguntar o que estava

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acontecendo, ela respondeu: ‘É o filho que estou esperando do Dr. B. que está chegando.’” Em 1927, ele fizera essa mesma confidência a Marie Bonaparte, que relatou que a “doença” de Mathilde Breuer levara a uma tentativa de suicídio: “Em 16 de dezembro, em Viena”, escreveu a princesa, “Freud me contou a história de Breuer. Sua mulher tentara suicidar-se no final do tratamento de Anna = Bertha. A seqüência é conhecida: a recaída de Anna, sua fantasia de gravidez e a fuga de Breuer.” Essas diferentes versões propostas por Freud ao longo dos anos deixam transparecer, evidentemente, a fragilidade do testemunho humano. Freud teve lembranças “falsas”, reconstruiu os acontecimentos e os interpretou à sua maneira. A fábula da gravidez nervosa de Anna O., todavia, foi aceita como uma certeza pelo conjunto da comunidade freudiana, não importa de qual tendência. Nascida de uma fala de Freud, foi posteriormente utilizada por seu biógrafo para fins de história oficial. Para Jones, em 1953, a questão era pintar Freud com os traços de um cientista heróico, o único, contrariando a ciência de sua época, capaz de compreender a etiologia sexual da histeria e inventar uma nova teoria da sexualidade*. Assim, foi lançado um descrédito sobre o personagem de Breuer, apresentado como indolente e ignorante. Quanto a Anna O., tornou-se, ao lado de Emmy von N. (Fanny Moser*), uma figura mítica das origens do freudismo, curada de sua histeria graças ao método catártico do qual nasceu a psicanálise, triunfalmente. Em 1963, Dora Edinger, que havia trabalhado com Bertha Pappenheim, reuniu as cartas e textos desta última, além de alguns testemunhos. Forneceu sobre Bertha Pappenheim e seu destino posterior uma imagem diferente da fornecida por Jones, sublinhando, em especial, que a moça sempre se abstivera de evocar a época de sua vida em que estivera em tratamento com Breuer. E até, explicou Edinger, “se opunha com veemência a qualquer sugestão de tratamento psicanalítico para as pessoas das quais se encarregava, para grande surpresa dos que trabalhavam com ela”. Foi em 1970 que o historiador Henri F. Ellenberger* empreendeu as pesquisas que permitiriam revisar a historiografia* oficial e compre-

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ender quem foi Bertha Pappenheim e por que seu caso foi relatado dessa maneira. Dora Edinger havia aconselhado Ellenberger a visitar as clínicas da Áustria, da Alemanha* ou da Suíça*. Intrigado com uma fotografia de Bertha em trajes de montaria, na qual estava gravada uma palavra ilegível, ele mandou que a foto fosse examinada pelo laboratório da polícia de Montreal. Viu surgir então o nome da cidade de Konstanz, onde ficava o famoso Sanatório Bellevue, em Kreuzlingen, dirigido de pai para filho pela dinastia dos Binswanger*. Foi lá que descobriu um documento que invalidava a tese de Jones: um relatório inédito de Breuer sobre o caso, muito diferente do relato proposto nos Estudos sobre a histeria. Em 1972, Ellenberger publicou sua revisão da história, que estabeleceu, por um lado, que Dora Breuer nasceu em 11 de março de 1882, e portanto, não poderia ter sido concebida em junho, e por outro, que a famosa gravidez nervosa nunca aconteceu. O relatório de Breuer foi publicado pela primeira vez em 1978, por Albrecht Hirschmüller, seu rigoroso biógrafo, que acrescentou outros elementos à pesquisa de Ellenberger. Esse documento apresenta Anna O. com seu sobrenome verdadeiro e relata como que o avesso da história idílica dos Estudos sobre a histeria. Não apenas a verdadeira paciente não foi curada de seus sintomas histéricos durante o tratamento, como também, além disso, não foi tratada pelo método catártico. Breuer recorreu, em vez dele, à hipnose*, e depois, para tratar as dolorosas nevralgias da paciente, a doses importantes de cloral e morfina, que a transformaram numa morfinômana. Só muito depois, fora de qualquer intervenção médica, foi que ela encontrou um certo equilíbrio. Em outras palavras, se o tratamento pela fala servia — às vezes, unicamente — para fazer desaparecerem alguns sintomas, de modo algum era um método claramente identificado. O mesmo se aplicava à “limpeza de chaminé”, que consistia, para Bertha, em desafogar seu espírito de histórias imaginadas nos dias anteriores. Breuer sublinhou também que o diagnóstico de histeria não era evidente, pensando em diversas doenças cerebrais. Ellenberger concluiu seu levantamento frisando que o famoso “protótipo de uma cura


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catártica não foi nem cura nem catarse”, e talvez nem sequer tivesse sido uma histeria. O historiador confirmou que Freud e Breuer decidiram publicar a história desse caso sob a forma de caso princeps a fim de melhor reivindicar, em oposição a Janet, a prioridade na descoberta do tratamento catártico. Quanto a Bertha Pappenheim, Ellenberger a apresentou como uma trágica mulher do fim do século XIX, que conseguiu sublimar sua personalidade ao se engajar numa grande causa a favor do trabalho social e dos direitos da mulher. Essa notável revisão só fez corroborar a idéia, progressivamente admitida pelo próprio Freud, de que a cura em psicanálise é uma maneira de o sujeito converter seus sintomas patológicos numa sublimação*. Acima de tudo, ela mostrou que Breuer e Freud conseguiram, em alguns anos, como quase todos os mestres da psicopatologia*, transformar histórias de doentes em ficções, isto é, em relatos de caso destinados a comprovar a validade de suas teses. Em 1978, Albrecht Hirschmüller confirmou a hipótese de Ellenberger de que a opção de publicar o caso Anna O. nos Estudos sobre a histeria tivera por objetivo enfatizar a anterioridade do método de Breuer em relação ao de Janet (que havia lançado O automatismo psicológico em 1889). Em 1895, fazia muito tempo que Breuer havia abandonado o campo do tratamento catártico, e estava em discordância de Freud quanto a diversos pontos. Não obstante, ele fora realmente o inventor desse método, e somente a publicação da história do tratamento de Bertha Pappenheim poderia fornecer a prova disso. Ciente das dificuldades que tivera com a moça, não apenas quanto à questão da relação transferencial, mas também quanto à de sua cura, ele hesitou em publicar o relato. Freud insistiu e, como Bertha houvesse deixado a cidade de Viena, onde era conhecida, Breuer resolveu contar sua história nos Estudos sobre a histeria sob a forma de um tratamento catártico seguido de cura, considerando que, mesmo que a evolução da saúde de Bertha não fosse satisfatória, de fato ocorrera, na época do tratamento, uma cura de certos sintomas histéricos por meio de uma psicoterapia de tipo catártico.

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Apesar do trabalho pioneiro de Ellenberger e da contribuição de Hirschmüller, que mostrou que Bertha Pappenheim superou sua doença através de um engajamento militante do qual foi banida qualquer relação carnal com os homens, os psicanalistas mais sérios continuaram a considerar os cânones da historiografia oficial como uma verdade intocável. Foi esse o caso, em especial, do psicanalista francês Moustapha Safouan, em 1988. Apoiando-se num romance de Lucy Freeman dedicado a Anna O., ele formulou a hipótese de que a “gravidez nervosa” de Anna O. teria sido induzida por um desejo* inconsciente de Breuer de associar três figuras femininas que tinham o prenome Bertha: sua filha, sua mãe e sua paciente. Esse raciocínio remeteu, em parte, ao do psicanalista norte-americano George Pollock, que havia assinalado, em 1968, a analogia entre esses três prenomes, concluindo pela repetição, em Breuer, de uma situação edipiana não resolvida. O uso da teoria lacaniana do significante*, assim, veio corroborar a lenda inventada por Jones em 1953 e as interpretações mais clássicas da escola norte-americana. Nos Estados Unidos*, a partir de 1985 e sob o impulso da historiografia revisionista, diversos pesquisadores fizeram questão de demonstrar que Freud era um mistificador. Apropriando-se do corpo das mulheres para atender às necessidades de sua propaganda, ele teria, a princípio com Breuer e depois contra ele, falsificado a verdade, no intuito de promover a psicanálise como o único método de cura das doenças psíquicas. Depois dele, Jones teria corroborado, sempre em oposição a Breuer, a imagem oficial do herói solitário. Nessa perspectiva, que negava a própria idéia de uma possível inovação freudiana, Bertha Pappenheim tornou-se uma simuladora. Segundo Peter Swales e Mikkel Borch-Jacobsen, adeptos dessa tese, a paciente teria fingido ser histérica para zombar de seu médico. Vingança de uma mulher e da identidade feminina contra a ciência dos homens! Por desconhecer a história da consciência subjetiva dos cientistas, por reduzir os mitos fundadores a mistificações e por passar do culto positivista do arquivo para a denúncia antifreudiana, a historiografia revisionista norte-americana, portanto, acabou adotando a propósito de

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Anna O., em 1995, o método interpretativo denunciado por Jones, e acolhendo, em nome da defesa da diferença sexual*, as mais retrógradas teses dos médicos do fim do século XIX, que encaravam a histeria como uma simulação. • Sigmund Freud e Josef Breuer, Estudos sobre a histeria (1895), ESB, II; SE, II; Paris, PUF, 1956 • Sigmund Freud, “A história do movimento psicanalítico” (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991, “Josef Breuer” (1925), ESB, XIX, 349-54; GW, XIV, 562-3; SE, XIX, 279-80; OC, XVII, 155-7 • Marie Bonaparte, Cahiers noirs (diário), 1925-1939, inédito (arquivos Élisabeth Roudinesco) • Dora Edinger, Bertha Pappenheim. Leben und Schriften, Frankfurt, 1963 • George H. Pollock, “The possible significance of childhood object loss in the Josef Breuer-Bertha Pappenheim-Sigmund Freud relationship”, Journal of the American Psychoanalytical Association, 16, 1968, 711-39 • Lucy Freeman, L’Histoire d’Anna O. (N. York, 1972), Paris, PUF, 1977 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994; Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995 • Albrecht Hirschmüller, Josef Breuer (Berna, 1978), Paris, PUF, 1991 • Frank J. Sulloway, Freud Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979 • John Forrester, “The true story of Anna O.”, Social Research, vol.53, 2, verão de 1986 • Peter Swales, “Anna O. in Ischl”, Werkblatt, 5, 1988, 57-64 • Moustapha Safouan, A transferência e o desejo do analista (Paris, 1988) Papirus, 1991 • Mikkel Borch-Jacobsen, Souvenirs d’Anna O. Une mystification centenaire, Paris, Aubier, 1995.

➢ ANZIEU, MARGUERITE; BAUER, IDA; CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE; ECKSTEIN, EMMA; LIEBEN, ANNA VON; LOUCURA; ÖHM, AURELIA; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; SEDUÇÃO, TEORIA DA; SEXUALIDADE FEMININA; ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO, UM; TRANSFERÊNCIA.

parafrenia ➢ ESQUIZOFRENIA; PARANÓIA.

paranóia al. Paranoia; esp. paranoia; fr. paranoïa; ing. paranoia Termo derivado do grego (para = contra, noos = espírito), que designa a loucura* no sentido da exaltação e do delírio. Na nosografia psiquiátrica alemã, o termo foi introduzido em 1842 por Johann

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Christian Heinroth (1773-1843), a partir de um vocábulo cunhado em 1772, e na nosografia francesa, em 1887, por Jules Séglas (1856-1939). Com os trabalhos de Wilhelm Griesinger (1817-1868), Emil Kraepelin*, Eugen Bleuler* e, mais tarde, Gaëtan Gatian de Clérambault*, a paranóia tornou-se, ao lado da esquizofrenia* e da psicose maníacodepressiva*, um dos três componentes modernos da psicose* em geral. Caracteriza-se por um delírio sistematizado, pela predominância da interpretação* e pela inexistência de deterioração intelectual. Nela se incluem o delírio de perseguição, a erotomania, o delírio de grandeza e o delírio de ciúme. Foi nesse sentido que Sigmund Freud* retomou o termo, em 1911, designando a paranóia como uma defesa* contra a homossexualidade*. Depois dele, Melanie Klein* e Jacques Lacan* desenvolveram para a psicanálise* uma concepção estrutural da paranóia, uma aproximando-a da esquizofrenia (posição esquizo-paranóide*), no contexto de uma definição da relação de objeto*, o outro fazendo dela a própria essência do processo psicótico.

Essa forma de loucura, que Freud preferia comparar a um sistema filosófico em razão de seu modo de expressão lógico e de sua intelectualidade próxima do raciocínio “normal”, já fora descrita na Antigüidade não apenas por Hipócrates, mas também pelos grandes autores trágicos, Ésquilo e Eurípides. No entanto, foi preciso esperar pelo século XIX e pelos trabalhos fundadores da escola alemã de psiquiatria para que o termo viesse a figurar numa classificação geral das doenças mentais. Depois de Heinroth, que introduziu o termo, Griesinger, em 1845, no contexto de uma nosografia organicista, deu a esse tipo de delírio o nome de Verrücktheit (perturbação do espírito). Seguindo-se a ele, Kraepelin impôs a palavra paranóia para descrever um fenômeno idêntico. A novidade do sistema de classificação de Kraepelin decorreu de ele introduzir ordem e clareza na anarquia das nosografias anteriores. Ele distinguiu três grupos de psicoses: a paranóia, a demência precoce e a loucura maníacodepressiva, ou psicose maníaco-depressiva (herdada da antiga melancolia*). A eles acrescentou-se um termo intermediário, a parafrenia, que designava um delírio crônico, situado entre a demência precoce e a paranóia. Nesse quadro, Kraepelin definiu a paranóia como o “desenvolvimento insidioso, na depen-


paranóia

dência de causas internas e segundo uma evolução contínua, de um sistema delirante, duradouro e inabalável, que se instaura com uma completa preservação da clareza e da ordem no pensamento, no querer e na ação”. Segundo ele, tratava-se de uma doença “constitucional” que repousava em dois mecanismos fundamentais: o delírio de referência e as ilusões de memória, ambos produtores de diferentes temas de perseguição, ciúme e grandeza. Por isso, o paranóico é um doente crônico que se toma por profeta, imperador, grande homem, inventor, reformador etc. Inspirando-se nessa classificação, que jamais contestaria, Freud propôs uma outra abordagem do mecanismo da paranóia a partir do fim do século, notadamente num manuscrito remetido a Wilhelm Fliess* em 24 de janeiro de 1895. Contornando o problema das classificações e procurando tratar dos pacientes e sair do niilismo terapêutico que caracterizava a psiquiatria da época, ele alinhou as idéias delirantes ao lado das idéias obsessivas e deu uma definição da paranóia inspirada em sua concepção da defesa histérica: “A paranóia crônica, em sua forma clássica, é um modo patológico de defesa, como a histeria*, a neurose obsessiva* e os estados de confusão alucinatória. As pessoas tornam-se paranóicas por não conseguirem tolerar algumas coisas — desde que, naturalmente, seu psiquismo esteja predisposto a tanto.” A isso Freud acrescentou um mecanismo de projeção* segundo o qual o paranóico se defende de uma “representação inconciliável com o eu*, projetando seu conteúdo no mundo externo”, e uma definição das modalidades do delírio: os paranóicos “amam seu delírio como amam a si mesmos, esse é o segredo”. Numa carta de dezembro de 1899, Freud distinguiu a histeria da paranóia, mostrando que a primeira é alo-erótica e se manifesta por uma identificação* com uma pessoa amada, enquanto a segunda é auto-erótica e cinde o eu em diversas pessoas estranhas. Foi somente em 1911, no âmbito de sua grande discussão com Carl Gustav Jung* e Eugen Bleuler*, que Freud, preocupado em estender o saber psicanalítico ao campo do tratamento das doenças mentais, foi levado a fornecer da paranóia a definição canônica que

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serviria de referência para seus comentadores posteriores. O debate nosográfico que teve lugar entre os três homens pôs em jogo uma violenta relação transferencial e teve como saldo uma ruptura: entre Freud e Jung, entre Jung e Bleuler e entre Freud e Bleuler. Opondo-se ao novo termo, esquizofrenia, inventado por Bleuler para substituir a antiga demência precoce kraepeliniana, Freud optou pelo termo paranóia (no sentido de Kraepelin), enquanto Jung preferiu manter a antiga expressão, demência precoce. Nessa perspectiva, para Freud, tratava-se não de construir uma nova nosografia psiquiátrica, como pretendia Bleuler, mas de dar à psicose uma definição que permitisse integrá-la no quadro estrutural da doutrina psicanalítica e, portanto, defini-la em oposição à neurose, de um lado, e à perversão*, de outro. Num primeiro momento, portanto, Freud retomou o termo parafrenia, contrariando Jung, para designar a demência precoce, e depois, num segundo tempo, incluiu a esquizofrenia de Bleuler na categoria da paranóia. Por fim, num terceiro momento, aceitou a nosografia bleuleriana e renunciou simultaneamente a designar a demência precoce como parafrenia e a classificar a esquizofrenia na categoria da paranóia. Assim, deixou o campo livre para o possível desenvolvimento de uma concepção psicanalítica da esquizofrenia — o que seria feito por seus herdeiros, em especial a escola norte-americana da Self Psychology* —, ao mesmo tempo elaborando uma doutrina da psicose baseada na noção de paranóia, o que ele concretizaria em seu célebre estudo de 1911 dedicado à análise das Memórias de Daniel Paul Schreber*. Assim, na terminologia freudiana clássica, a paranóia tornou-se o modelo paradigmático da organização das psicoses em geral. Ao delírio de grandeza, de perseguição, de interpretação e ao auto-erotismo* Freud acrescentou dois grandes elementos: a paranóia passou desde então a ser definida como uma defesa contra a homossexualidade*, e o paranóico não mais foi encarado como um doente mental no sentido da nosografia psiquiátrica. A propósito de Schreber, com efeito, Freud desenvolveu a idéia originalíssima de que o conhecimento delirante que o louco tem de si mesmo talvez seja tão

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verdadeiro quanto o outro, racional, construído pelo clínico para explicar a loucura. Entretanto, somente este último reveste-se de um estatuto teórico. Foi ao redigir seu estudo sobre Leonardo da Vinci que Freud elaborou uma abordagem da homossexualidade que iria servir para a análise do caso Schreber, e foi por ocasião do rompimento com Alfred Adler* e de longas conversas com Sandor Ferenczi* que lhe ocorreu a idéia de ligar o conhecimento paranóico a um investimento homossexual, e o conhecimento teórico, a uma rejeição desse investimento. Esse rompimento, de fato, reavivara nele o sofrimento experimentado quando da separação de Fliess. Daí estas duas frases, uma endereçada a Ferenczi, numa carta de outubro de 1910 — “Desde o caso Fliess (...), uma parte do investimento homossexual desapareceu e eu me servi dele para ampliar meu próprio eu. Logrei êxito onde o paranóico fracassa” —, e a outra dirigida a Jung em 1908: “Fliess desenvolveu uma bela paranóia, depois de se livrar de sua inclinação por mim. É a ele que devo essa idéia [do componente homossexual da paranóia].” Psiquiatra por formação, Jacques Lacan abordou a paranóia e o campo das psicoses em geral de um modo totalmente diferente do de Freud. Enquanto o mestre vienense sempre procurara levar a loucura quer para o quadro das neuroses, quer para o de uma concepção da psicose que escapava ao discurso psiquiátrico, Lacan fez exatamente o contrário. Havendo abordado o freudismo pelo caminho da clínica psiquiátrica de inspiração francesa e alemã, e sendo ele mesmo um grande clínico da psicose, Lacan sempre se interessou muito mais pelo campo da loucura que pelo das patologias comuns. E, dentre as psicoses, a paranóia é que foi para ele o modelo paradigmático da loucura em geral: Lacan era fascinado pela lógica do discurso paranóico a ponto de achar que o tratamento psicanalítico devia assemelhar-se a uma paranóia dirigida. Nesse aspecto, desde a publicação de sua tese de medicina de 1932, dedicada à personalidade paranóica, ele se uniu às posições de Freud por um caminho que não foi realmente o de Kraepelin, mas, antes, o de Gaëtan Gatian de Clérambault: como Freud, ele vinculou a homossexualidade e o conhecimento

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paranóico. Contudo, tendo que descrever, com a história de Marguerite Anzieu*, seu caso princeps, uma loucura criminosa feminina, ele fez da erotomania um componente central da paranóia. E faria o mesmo, um ano depois, em seu artigo dedicado ao crime das irmãs Papin. A partir de 1946, a escola kleiniana orientouse para uma concepção da paranóia que relacionava esta última a um processo arcaico em que já não aparecia o componente homossexual descrito por Freud e Ferenczi. Nessa perspectiva, todo sujeito, em sua infância, passa forçosamente por uma fase psicótica (ou posição esquizo-paranóide*), na medida em que a psicose é definida como um estado de fixação num estádio primitivo, ou de regressão a ele. O caso Schreber foi então comentado e revisto à luz das teses kleinianas, principalmente por Ida Macalpine e Richard Hunter. Dez anos depois, Lacan tomou um rumo diferente e, por sua vez, comentou a história de Schreber, em especial em seu seminário do ano de 1955-1956 consagrado às psicoses. Contrariamente à escola kleiniana, conservou o essencial da doutrina freudiana, acrescentandolhe dois conceitos que ele havia cunhado — a foraclusão* e o Nome-do-Pai* — e que deram origem ao que se convencionou chamar de clínica lacaniana da paranóia e da psicose em geral. • Wilhelm Griesinger, Die Pathologie und Therapie der psychischen Krankheiten, Stuttgart, A. Krable, 1845 • Emil Kraepelin, Compendium der Psychiatrie, Leipzig, 1883-1915 • Jules Séglas, “La Paranoïa”, Archives de Neurologie, 1887, 221-93 • Sigmund Freud, “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoides)” (1911), ESB, XII, 23-104; GW, VIII, 240-316; SE, XII, 1-79; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 263-321, “Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica da doença” (1915), ESB, XIV, 297-310; GW, X, 234-46; SE, XIV, 261-72; OC, XIII, 305-17; “Psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher” (1920), ESB, XVIII, 217-38; GW, XII, 309-12; SE, XVIII, 263-5; in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973, 245-71; “Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e na homossexualidade” (1922), ESB, XVIII, 271-87; GW, V, 387-99; SE, XVIII, 223-32; OC, XVI, 85-99; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Freud/Jung: correspondência completa, Rio de Janeiro, Imago, 1983 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondência 1908-1914, vol.I, 2 tomos (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Imago, 1994, 1995 • Sandor Ferenczi, “O papel da


passe homossexualidade na patogênese da paranóia”, in Psicanálise I, Obras completas, 1908-1912 (Paris, 1968) S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 153-72 • Eugen Bleuler, Dementia praecox ou groupe des schizophrénies (Leipzig, 1911), Paris, EPEL-GREC, 1993 • Gaëtan Gatian de Clérambault, Oeuvre psychiatrique, 2 vols., Paris, PUF, 1942; L’Érotomanie, Paris, Synthélabo, col. “Les empêcheurs de penser en rond”, 1993 • Richard Hunter e Ida Macalpine, Three Hundred Years of Psychiatry, Oxford, Oxford University Press, 1963 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Chawki Azouri, “J’ai réussi là où le paranoïaque échoue”, Paris, Denoël, 1990 • Jacques Postel e Nicolle Kress-Rosen, “Paranoïa”, in Grand dictionnaire de la psychologie, Paris, Larousse, 1991, 543-6 • Jacques Postel, La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994 • Pierre Kaufmann, “Paranóia”, in id. (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 390-8 • Jacques Lacan, Da psicose paranóica e suas relações com a personalidade, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed. • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Luiz Eduardo Prado de Oliveira, Schreber et la paranoïa. Le meurtre de l’âme, Paris, L’Harmattan, 1996.

➢ AUTISMO; CRIMINOLOGIA; LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFÂNCIA ; NARCISISMO.

parentesco al. Verwandtschaft; esp. parentesco; fr. parenté; ing. kinship

O estudo do parentesco foi iniciado em 1861 pelo jurista inglês Henry Maine (1822-1888), e a expressão “sistema de parentesco” foi introduzida em 1871, pelo antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan (1818-1881), para designar um conjunto estruturado de atitudes fixadas pelas normas sociais e observadas pelos indivíduos aparentados por sangue ou por casamento. Os trabalhos antropológicos sobre os sistemas de parentesco baseiam-se no quádruplo estudo da aliança (o casamento), dos laços de filiação*, da genealogia e das gerações*. Conforme a orientação adotada (evolucionismo, funcionalismo, estruturalismo etc.), cada escola privilegia um elemento em relação a outro. Foi Jacques Lacan*, marcado pelos trabalhos de Claude Lévi-Strauss, quem introduziu

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na psicanálise* uma reflexão sobre os sistemas de parentesco, substituindo as interrogações do freudismo* e do kleinismo* sobre os respectivos lugares do pai e da mãe no complexo de Édipo* por uma teorização da função paterna no inconsciente* do sujeito*. ➢ ANTROPOLOGIA; INCESTO; MALINOWSKI, BRONISLAW; MOISÉS E O MONOTEÍSMO; NOME-DO-PAI; PATRIARCADO; SEXUALIDADE FEMININA; SIGNIFICANTE; TOTEM E TABU.

passagem ao ato ➢ ACTING OUT.

passe al. Passe/Übergang; esp. pase; fr. passe; ing. pass Termo empregado em 1967 por Jacques Lacan* para designar um processo de travessia que consiste em o analisando (passante) expor a analistas (passadores), que prestarão contas disso a um júri dito de credenciamento, aqueles dentre os elementos de sua história que sua análise o levou a considerar como suscetíveis de dar conta de seu desejo de se tornar analista.

Na linguagem corrente, o termo passe comporta diversas acepções. Em especial, pode designar o ato de passar ou avançar, ou então, o lugar ou o momento precisos de uma passagem. Desde o início dos anos cinqüenta, Lacan contestou os padrões de acesso à análise didática* enunciados por Max Eitingon* em 1925, no congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) de Bad-Homburg. Em 1964, ao fundar a École Freudienne de Paris* (EFP), Lacan aboliu a clássica distinção entre análise pessoal (ou terapêutica) e análise didática, instituindo um regulamento que não obrigava os candidatos a escolherem seus didatas numa lista de titulares estabelecida de antemão, como é a norma na quase totalidade das sociedades psicanalíticas da IPA. Essa abolição visou restituir uma significação real ao desejo* de cada sujeito* de se tornar analista. Em vez de se conformar com um curso preestabelecido, portanto, este ficou livre para escolher um analista a seu critério, fosse entre os membros da EFP, fosse noutros grupos. Poderia então ser aceito nas fileiras da EFP, de

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passe

acordo com o processo de admissão definido pelos estatutos, mas sem ser obrigado a refazer uma “etapa” de análise com um didata recomendado pela instituição. Com essa transformação, Lacan sublinhou que a análise pessoal podia ou não revelar-se didática a posteriori*. Ninguém pode decidir “de antemão” sobre a validade didática de uma psicanálise. Trata-se, pois, de restituir pertinência a duas perguntas formuladas por Sigmund Freud* desde a origem do movimento: por que alguém se torna psicanalista? Como acontece isso? Foi em 9 de outubro de 1967, após uma crise na EFP, que Lacan decidiu conferir um caráter institucional a essa noção de passagem. Por isso, proferiu um discurso memorável, no qual propôs “fundamentar, numa condição suficientemente duradouro para ser submetido à experiência, as garantias com que nossa Escola poderá autorizar por sua formação um psicanalista — e, portanto, responder por ele”. O passe foi então definido como um rito de passagem, que permitia a um simples membro (ME) que houvesse feito uma análise ter acesso ao título de analista da escola (AE), até então reservado aos que tinham sido oficialmente “titulados” quando da fundação da EFP. O processo era assim: o candidato ao passe (chamado passante) tinha de fazer um depoimento sobre o que fora sua análise perante dois analistas (chamados passadores), estes encarregados de transmitir o conteúdo desse testemunho ao júri de credenciamento. Esse júri era composto por membros eleitos pela assembléia geral da EFP e que já houvessem recebido o título de AE. A “proposição de outubro” distinguiu a noção de gradus da noção de hierarquia e inscreveu o término da análise numa dialética do “des-ser” e da “destituição subjetiva”. Lacan denominou de “queda do sujeito suposto saber” a situação de fim de análise pela qual o analista fica na posição de “resto” ou de objeto (pequeno) a*, depois de ter sido investido, ao longo de toda a análise, de uma onipotência imaginária ou “suposto saber”. Lacan propôs então uma fórmula que só apareceria na segunda versão de sua proposta — a única a ser publicada (em 1968): “O psicanalista só se autoriza por si mesmo.” Com essa

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proposição, que faria correr muita tinta, frisava que a passagem para o ser-analista decorre de uma prova subjetiva ligada à transferência, a qual, do lado do analisando, leva a uma “destituição subjetiva”, e, do lado do analista, leva a um “des-ser”. Essa prova assemelha-se, de certo modo, ao que Georges Bataille (18971962) chamava de experiência dos limites. Longe de ficar reduzida a uma sanção institucional, a idéia de término da análise, que era tão cara a Freud, retransformou-se, portanto, num objeto teórico que precisava ser trabalhado. Em vez da sacrossanta liquidação da transferência*, a qual, segundo as regras clássicas, supõe-se que marque a conclusão de uma análise bem-sucedida, Lacan descreveu um processo mais sutil: o de uma dupla prova subjetiva (analisando/analista), na qual aparece um estado de perda, de castração ou até mesmo de depressão melancólica. E, se ele preservou a denominação “psicanálise didática”, foi para lhe dar uma nova significação, baseada numa inversão: a ordem institucional, que ele (Lacan) chamava de “psicanálise em extensão”, devia, com efeito, ser submetida ao primado da teoria, isto é, à “psicanálise em intensão”, única maneira de evitar a esclerose burocrática que costuma ser induzida pela hierarquia tradicional entre professores e alunos. O processo almeja, aliás, eliminar qualquer idéia de hierarquia entre o título de AME e o de AE, podendo o AME ser um excelente clínico, sem que se haja interrogado sobre a famosa passagem, ao passo que se presume que um ME sem a mínima experiência terapêutica pode revelar-se capaz, no passe, de fazer uma contribuição teórica sobre a questão da análise didática. A proposição de Lacan foi amplamente discutida na EFP. Sedutora para alguns, incompreensível para outros, suscitou a hostilidade de vários membros da escola, eleitos ou nomeados segundo o antigo processo. Esses deram rapidamente a conhecer sua opinião sobre os riscos da permissividade e os perigos de um processo que permitisse a qualquer analisando ser postulante ao título de AE. Em 6 de dezembro de 1967, Lacan respondeu às críticas, mas anunciou sua decisão de


patriarcado

deixar que a discussão prosseguisse. Não queria impor esse procedimento à força. Mas, com os acontecimentos de maio de 1968, resolveu submetê-lo à votação numa assembléia geral, convencido que estava de colher a maioria dos votos: com efeito, a moção foi acolhida com entusiasmo pela quarta e quinta gerações* psicanalíticas francesas, que acabavam de participar da revolta estudantil e, como nas outras sociedades da IPA, desejavam transformar de ponta a ponta as formações habituais. A instauração do passe na EFP provocou a partida de três grandes discípulos de Lacan: François Perrier*, Piera Aulagnier* e Jean-Paul Valabrega. Juntos, eles fundaram a Organisation Psychanalytique de Langue Française (OPLF) ou Quarto Grupo. Também em desacordo com o passe, Guy Rosolato havia-se aliado às fileiras da Association Psychanalytique de France (APF) algum tempo antes. Em pouco tempo, as falhas dessa proposição, suas aproximações e suas ambigüidades tornaram sua aplicação aleatória e irregular. Atacada de gigantismo, a EFP não conseguiu impedir o desenvolvimento da esclerose que o passe supostamente combateria. Em 1973, durante as assembléias da EFP, procedeu-se a uma primeira avaliação. Sem mascarar seu desencanto, Lacan sublinhou que pelo menos se havia “passado alguma coisa”. No que tinha razão. Foi dentro desse espírito que ele endereçou sua “nota italiana” a três de seus discípulos, Muriel Drazien, Giacomo Contri e Armando Verdiglione. Sugeriu que se pudesse constituir um grupo unicamente composto por analistas que tivessem feito o passe e sido nomeados AE depois desse processo. Sem dúvida alguma, estava sonhando com uma sociedade ideal, parecida, talvez, com a famosa Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*: uma academia de eleitos. Como quer que fosse, como sublinharia Marie-Magdeleine Chatel, Lacan desejava que esse novo modelo de grupo não ficasse imerso nos ritos institucionais clássicos. Em 1978, quando das novas assembléias da EFP, o fracasso do passe foi constatado pelo próprio Lacan, que o comparou a um “impasse” e deplorou que a massificação do lacanismo tivesse criado obstáculos à realização dessa bela

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utopia: “Que pode haver na cachola de alguém para que ele se autorize a ser analista? Eu quis ter depoimentos, e naturalmente não tive nenhum (...) é claro que esse passe é um completo fracasso.” Quanto às causas do malogro, elas nunca seriam objeto de uma reflexão teórica. Os diversos grupos provenientes da dissolução da EFP contentaram-se ou em retomar o procedimento do passe, ou em renunciar a ele, sem que essas atitudes dessem margem a qualquer texto de peso. • Jacques Lacan, “Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956” (1956), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 461-97; “Acte de fondation” (1964), Annuaire de l’École Freudienne de Paris, 1965; “Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de l’École”, Scilicet, 1968, 1, 14-30. Versão inicial publicada em Analytica, 8, suplemento a Ornicar?, 15, 1978; “Discours à l’EFP”, Scilicet, 2-3, 1970, 9-29; “L’Expérience de la passe”, Lettres de l’École Freudienne, 23, 1978; “Sur l’expérience de la passe” (1978), Ornicar?, 25, 1982; “Note italienne” (1973), Ornicar?, 25, 1982, 7-10 • Marie-Magdeleine Chatel, “Passe”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 398-413 • Jacques-Alain Miller, “Introduction aux paradoxes de la passe”, Ornicar?, 12-13, 1977 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Moustapha Safouan, Jacques Lacan et la question de la formation des analystes, Paris, Seuil, 1983.

➢ FRANÇA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE.

patriarcado al. Patriarchat; esp. patriarcado; fr. patriarcat; ing. patriarchy

O patriarcado é um sistema político-jurídico em que a autoridade e os direitos sobre os bens e as pessoas obedecem a uma regra de filiação* chamada patrilinear, isto é, concentram-se nas mãos do homem que ocupa a posição de pai fundador, sobretudo nas sociedades ocidentais. Entretanto, o sistema patriarcal raramente se apresenta com toda essa pureza, na medida em que coexiste, em numerosas sociedades, com uma filiação matrilinear, que decide sobre a pertença do indivíduo referindo-se a laços genealógicos que passam pelas mulheres.

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pavlovismo

O debate sobre a oposição entre o patriarcado e o matriarcado foi contemporâneo das hipóteses evolucionistas do século XIX, desde Henry Lewis Morgan (1818-1881) até Friedrich Engels (1820-1895), passando por Johann Jakob Bachofen (1815-1887). Teóricos e juristas julgavam que o patriarcado era uma forma tardia de organização social que sucedera a um estádio mais primitivo, ou matriarcado. Engels via no advento do patriarcado a grande derrota do sexo feminino, enquanto Bachofen, cujo pensamento influenciou intensamente os escritores vienenses do fim do século, acossados pela decadência do pai, profetizava o declínio irreversível do patriarcado, símbolo da consciência ocidental, e estigmatizava os perigos de um matriarcado que encarnasse a onipotência irracional das forças da natureza. Nenhuma sociedade teve realmente a experiência do matriarcado assim definido. No entanto, essa tese permaneceu como um dos mitos fundadores dos sistemas de pensamento modernos: ora o reino do matriarcado é apresentado como fonte de caos, anarquia e desordem, e se opõe ao do patriarcado, sinônimo de razão e cultura, ora se dá o inverso, e o reino do matriarcado é descrito como um paraíso natural que o patriarcado teria destruído através de seu despotismo autoritário. Como as do culturalismo* e da diferença sexual*, essa questão atravessa toda a história da psicanálise*. Em Sigmund Freud*, entretanto, coloca-se menos em termos de oposição histórica ou mítica do patriarcado ao matriarcado do que como uma reflexão estrutural em torno do complexo de Édipo*. Nas diferentes escolas, as atitudes variam com respeito à estrutura edipiana conforme se privilegiem as respectivas posições do pai e da mãe dentro da configuração parental. Se o freudismo* clássico tende a privilegiar o papel do pai, o kleinismo*, ao contrário, faz toda a teoria edipiana pender para o lado do pólo materno, através de uma nova concepção da relação de objeto*. Quanto a Jacques Lacan*, ele integra as duas tendências: relações arcaicas com a mãe, por um lado, e revalorização simbólica da função paterna, por outro. Desde 1938, em Os complexos familiares, ele observa que a psicanálise nasceu do declínio da função paterna na

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sociedade ocidental. Essa tese, aliás, era compartilhada pelos filósofos da Escola de Frankfurt, como atesta uma brilhante carta de Max Horkheimer (1895-1973) endereçada, em 1942, a Leo Lowenthal: “Foi justamente a decadência da vida familiar burguesa que permitiu à sua teoria chegar ao novo estádio que aparece em Mais-além do princípio de prazer* e nos textos que vieram depois.” A partir de 1949, marcado pelos trabalhos de Claude Lévi-Strauss, Lacan introduziu na psicanálise uma teoria do significante* que deslocou o estudo da configuração edipiana para o campo da reflexão sobre o lugar dos sistemas de parentesco* no inconsciente do sujeito*. • Johann Jakob Bachofen, Le Droit maternel. Recherche sur la gynécocratie de l’Antiquité dans sa nature religieuse et juridique (1861), Lausanne, L’Âge d’Homme, 1996 • Friedrich Engels, L’Origine de la famille, de la propriété privée et de l’État (1884), Paris, Éditions Sociales, 1983 • Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987 • Martin Jay, L’Imagination dialectique. Histoire d l’École de Francfort, 1923-1950 (Boston, 1973), Paris, Payot, 1977.

➢ ANTROPOLOGIA; COMPLEXO; FREUD, JACOB; IMAGO; INCESTO; ÍNDIA; JAPÃO ; JUDEIDADE; MALINOWSKI, BRONISLAW; MOISÉS E O MONOTEÍSMO; NOME-DO-PAI; SEXUALIDADE FEMININA; TOTEM E TABU; WEININGER, OTTO.

pavlovismo ➢ COMUNISMO; FREUDO-MARXISMO; RÚSSIA.

pedofilia ➢ HOMOSSEXUALIDADE; PERVERSÃO; SEXOLOGIA; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

pedologia Esse termo foi cunhado na Rússia*, depois da Revolução de outubro, para designar uma “ciência da infância” que almejava criar um “novo homem” soviético. Seus principais representantes foram pedagogos e psicólogos como Pavel Petrovitch Blonski (1884-1941) e Stanislas Theophilovitch Chatski (1878-1948), ou ainda Aron Borissovitch Zalkind*. Depois de ter sido o emblema de uma utopia revolucio-


Pellegrino, Hélio

nária e servido de filtro para a implantação de freudismo* e sua avaliação, no decorrer das discussões dos anos de 1924-1930 entre antifreudianos e freudo-marxistas, a pedologia foi condenada como um desvio por decisão do comitê central do Partido Comunista da União Soviética em 4 de julho de 1936. ➢ COMUNISMO; PFISTER, OSKAR; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; SCHMIDT, VERA.

Pellegrino, Hélio (1924-1988) psiquiatra e psicanalista brasileiro

Nascido em Belo Horizonte e filho de médico, Hélio Pellegrino pertencia à quarta geração* do freudismo* mundial e foi uma das grandes figuras da psicanálise* no Brasil*. Profundamente cristão, interessou-se pelo destino dos pobres e dos oprimidos, militou contra a ditadura e empenhou-se em um combate de esquerda para promover os valores de uma psicanálise social, humanista e libertária. Foi simultaneamente clínico, poeta e homem de cultura, próximo de muitos escritores, principalmente de Mário de Andrade (1893-1945), com quem se correspondia. Casado pela primeira vez na Igreja*, teve sete filhos, dos quais dois se tornariam psicanalistas. Em 1952, depois de estudar medicina e psiquiatria, instalou-se no Rio de Janeiro e fez a sua primeira análise com Iracy Doyle*, no Instituto de Medicina Psicológica. Depois da morte de Doyle, prosseguiu sua formação com Ana Katrin Kemper*. Em 1956, tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Permaneceu nela até sua morte, sem ser reconhecido oficialmente como didata e tornou-se também membro titular, em 1978, da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio de Janeiro. Esse grupo reunia vários dissidentes da SPRJ. Em 1968, quatro anos depois da instauração do poder militar, começou a insurgir-se contra o regime, situando a psicanálise do lado da luta pela liberdade. Um ano depois, denunciou abertamente a ditadura em artigos publicados no Correio da Manhã. Essa atitude corajosa lhe valeu uma prisão de dois meses e um processo por violação da lei dita de “segurança nacional”. O testemunho do grande dramaturgo Nel-

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son Rodrigues (1912-1980) e sua filiação à fé católica permitiram a Pellegrino escapar por pouco da condenação. Isso não o impediu de prosseguir suas atividades militantes e foi assim que, em 1971, criou, com Ana Katrin Kemper, a famosa Clínica Social de Psicanálise, destinada a oferecer tratamento analítico aos mais carentes. Na mesma perspectiva política, fundou em 1979, com outros militantes, o Partido dos Trabalhadores, que se tornaria um dos componentes maiores da esquerda brasileira. Sempre preocupado em reagir contra a esclerose das instituições, decidiu, com dois de seus colegas, Eduardo Mascarenhas (19421997) e Wilson de Lyra Chebabi, criticar firmemente os princípios da análise didática* próprios da IPA, o preço exorbitante dos tratamentos, a discriminação política de que eram vítimas os membros e a ignorância generalizada quanto à leitura das obras de Sigmund Freud*. Todas essas críticas foram resumidas em um artigo de grande repercussão, escrito por Roberto Mello e publicado a 23 de setembro de 1980 no Jornal do Brasil, sob o título “Os barões da psicanálise”. Sem citar o nome da SPRJ, os três protagonistas denunciavam, em entrevistas que acompanhavam o artigo, o estado desastroso de sua instituição. A resposta não se fez esperar. Um mês depois, Pellegrino e Mascarenhas foram excluídos da SPRJ, por terem formulado suas críticas no exterior da associação. Na verdade, eram acusados de falarem de “coisas proibidas” (a ditadura) e de pôr em perigo um ensino acadêmico, fundado na rotina e no clientelismo. De fato, Pellegrino tomara partido em um caso que devastava a SPRJ desde 1971: a aceitação, por Leão Cabernite, nas fileiras dos alunos da sociedade, de Amílcar Lobo Moreira da Silva (1939-1997), oficial de polícia e torturador a serviço da ditadura. “É claro”, escreveu Pellegrino em uma carta de março de 1981, “que o nome da SPRJ foi denegrido e maculado [...].” O caso foi levado aos tribunais, e depois de um processo os excluídos foram reintegrados à SPRJ. Quanto a Cabernite, este replicou em um artigo de outubro de 1986 que Pellegrino queria desacreditá-lo por “razões pessoais” e que o

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pênis

“caso” Lobo servia de pretexto para um ataque generalizado à psicanálise pelos seus inimigos. O engajamento de Pellegrino marcou profundamente a jovem geração brasileira, principalmente Joel Birman e Jurandir Freire Costa. Embora tivesse redigido mais de 500 artigos, Pellegrino publicou durante a vida apenas uma coletânea de suas melhores crônicas publicadas na imprensa. Duas outras obras foram editadas a título póstumo. No plano teórico, Pellegrino afastou-se do freudismo clássico, misturando uma perspectiva kleiniana sobre a prioridade das relações pré-edipianas a uma análise política fundada na necessidade de um pacto social libertador. Assim, via no período anterior ao Édipo* uma espécie de estado selvagem, dominado pelo reino das pulsões* anárquicas, psicóticas ou perversas, comparável ao da ditadura e da barbárie. Segundo ele, esse estado devia ser substituído por um pacto social edipiano, necessário ao desenvolvimento da cultura e da democracia. De acordo com essa posição, Pellegrino propunha uma inovação próxima da de Sandor Ferenczi*. Chamava de “técnica da intimidade” (intimização) uma técnica psicanalítica* que permitia ao terapeuta e ao paciente abordarem o recalque* através de uma relação afetiva situada aquém da comunicação verbal. Daí uma concepção da linguagem na qual a língua seria a garantia simbólica de uma ordem social, enquanto a fala seria o domínio próprio da invenção subjetiva. Hélio Pellegrino morreu de ataque cardíaco. • Hélio Pellegrino, Crise na psicanálise, Rio de Janeiro, Graal, 1982; A burrice do demônio, Rio de Janeiro, Rocco, 1988; Minérios domados, Rio de Janeiro, Rocco, 1993 • Roberto Mello, “Os barões da psicanálise”, Jornal do Brasil, 23 de setembro de 1980 • Helena Besserman Vianna, Não conte a ninguém..., Rio de Janeiro, Imago, 1994.

➢ BRASIL, KEMPER, WERNER; KLEINISMO.

pênis ➢ FALO; FALOCENTRISMO; SEXUALIDADE FEMININA.

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pênis, inveja do (Penisneid) ➢ FALO; FALOCENTRISMO; INVEJA; SEXUALIDADE FEMININA.

Pequeno Hans ➢ GRAF, HERBERT.

Peraldi, François (1938-1993) psicanalista francês

Não foi na França*, mas no Canadá*, e principalmente em Montreal, que François Peraldi marcou a história do lacanismo*. De origem corsa, começou a estudar medicina em Paris, mas logo se orientou para a psicanálise*, fazendo um tratamento com objetivo didático com Simone Decobert, na Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Intelectual brilhante, Peraldi pertencia à quarta geração* psicanalítica francesa, para a qual o engajamento no freudismo* era fundado na paixão intelectual, na crítica radical da ordem estabelecida e na contestação violenta das instituições psiquiátricas e psicanalíticas. Esse engajamento só podia resultar na ruptura ou no exílio. Aluno de Roland Barthes (1915-1980), leitor de Louis Althusser (19181990), de Michel Foucault (1926-1984) e de Gilles Deleuze (1925-1995), não conseguiu encontrar seu lugar no universo estreito da SPP. Homossexual, não tinha nenhuma possibilidade de tornar-se psicanalista. Depois de ser categoricamente recusado, voltou-se para a École Freudienne de Paris* (EFP), mais liberal em relação à homossexualidade*. Ali, continuou sua formação didática por uma supervisão* com Serge Leclaire* e fez uma sólida amizade com Michèle Montrelay, Françoise Dolto* e Luce Irigaray. Em 1969, começou a praticar a psicanálise, depois de uma experiência de psicoterapia institucional* com crianças psicóticas, na região do Jura. Sensível a todas as formas de exílio e de cosmopolitismo, apaixonado por cinema, jazz e cultura americana, logo se sentiu mal na atmosfera do lacanismo parisiense dos anos 1970, quando o ensino do mestre se inclinava para o dogmatismo e para o culto da personalidade. Principalmente, os seus costumes e seu modo


Peraldi, François

de vida chocavam o conformismo burguês. Sabia-se que era apaixonado por sadomasoquismo* e causava espanto a presença de um píton em seu apartamento em Paris. Da mesma forma que os pioneiros do freudismo, como Ernest Jones* no início do século, Peraldi sonhava conquistar a América, para implantar ali a grande renovação do freudismo promovida por Jacques Lacan*. Depois de pensar em ensinar literatura na Universidade Harvard e de fazer contatos com intelectuais americanos, principalmente William Richardson e John Muller, futuros fundadores em Boston do Lacanian Forum, deixou a França em 1974 para tentar inventar “outra cena” para a psicanálise. No ano seguinte, em Montreal, abriu um seminário de iniciação ao pensamento lacaniano, no departamento de lingüística e tradução da universidade. Seu talento de orador lhe permitiu exercer um verdadeiro magistério com os jovens estudantes de língua francesa e inglesa. Não só Peraldi foi um notável professor, mas também se revelou um surpreendente clínico, capaz de formar discípulos sem nunca ceder à idolatria tão característica dos pequenos grupos pós-lacanianos. Ao longo dos anos, desempenhou um papel maior tanto na universidade, onde orientava teses, quanto no hospital ou em sua clínica particular, e encontrou assim seu lugar na “margem” psicanalítica de Quebec, entre todos aqueles (psicólogos anônimos ou estudantes sem orientação), que não conseguiam integrarse à Sociedade Canadense de Psicanálise (SCP). Mestre dotado de virtudes socráticas, Peraldi não quis fundar, todavia, nem uma instituição nem um sistema de pensamento. À tirania do chefe, opunha um gosto nietzschiano pela fraternidade intelectual, como se pode ver na maioria de seus artigos. Em seus escritos, e às vezes em duas línguas, falava da morte, das proibições, do sofrimento coletivo do povo do Quebec, do crime, do sexo e das minorias, à maneira dos heróis dos romances de John Steinbeck (1902-1968). Longe de fazer escola, contentou-se em animar um grupo, fundando em 1986 a Rede dos Cartéis, amplamente aberta a psicanalistas de diversos horizontes, e em participar da criação

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de três novas revistas: Frayages, Trans, Filigrane. Quanto à sua homossexualidade, esta não o prejudicou de modo algum em sua prática da psicanálise. Peraldi não foi nem um militante do movimento gay, exibindo comportamentos extravagantes, nem um homossexual envergonhado, preocupado em normalizar-se. Assim, evitou criar qualquer coisa que se assemelhasse a um círculo de jovens iniciados e tratava de todos, não apenas de homossexuais. Nesse ponto, foi um clínico de um gênero novo. Capaz, ao mesmo tempo, de não se envergonhar de sua diferença e de experimentar o extremo em matéria sexual, nunca transgrediu as regras da ética analítica, o que lhe garantiu uma ótima reputação nessa cidade, obcecada por abusos sexuais de todos os tipos: “Quando os boatos afirmam que sou homossexual, e você sabe que eles não se privam disso”, explicou ele a Jean Forest em 1988, “eles não dizem nada quanto à minha sexualidade*, pois justamente aqueles de quem vêm esses boatos e aqueles e aquelas que os transmitem ignoram tudo sobre a minha vida particular, que sempre separei radicalmente da minha vida pública e profissional; em contrapartida, eles são uma tentativa de controlar aquilo que o meu discurso ‘a-doxal’ ou paradoxal pode ter de ameaçador, precisamente quando ataco a doxa, a fala especular e alienante dos aparelhos de poder.” François Peraldi morreu de AIDS aos 55 anos. Quando descobriu a doença, tornou-se colérico, violento, não aceitando a morte. Continuou a trabalhar até o último suspiro, redigindo a crônica de sua genealogia familiar. Desejava transmitir a seus sobrinhos e amigos fragmentos da sua história imersa no século. “François sabia receber como um príncipe, escreveu Régine Robin. Nós nos encontrávamos pelos quatro cantos do planeta [...]. Ele gostava de falar sobre suas leituras, nunca sobre seus pacientes. Ele os respeitava. Era uma zona proibida. Ninguém se aventurava nela.” • François Peraldi, “La Castration sadique-anale de votre père”, Interprétation, 21, 1978, 87-100; “Polysexuality”, in id. (org.), Semiotext (e), vol.4, 10, 1981; “La Psychanalyse se meurt. La Psychanalyse est morte. Vive la GRC psychiatrique”, Santé Mentale au Québec, vol.VI, 2, novembro de 1981, 106-17; “Voyage dans l’entre-deux-morts”, Frayages, La Psychanalyse est-elle mortelle?, Montréal, 1984, 17-39; “L’Exil ac-

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perlaboração

compli”, Frayages, Exil, Montreal, 1985, 173-85; “La Marge psychanalytique”, Frayages, La Naissance de la psychanalyse à Montréal, Montreal, 1987, 127-41; “1760 ou Dolto en terre d’exil”, in Quelques pas sur le chemin de Françoise Dolto, Paris, Seuil, 1988, 142-62; “Le Désir de la Chose. Lettres à Jean Forest”, Moebius, 38, Montreal, 1988, 7-27; “Mais comment peut-on être lacanien?”, in Gilles Dupuis, Mona Gauthier Cano, Robert Richard (orgs.), L’Instant freudien. Psychanalyse et culture, Montreal, VLB, 1989, 37-54; “Franco et sa mort”, Trois, vol.6, 3-4, 1991, 212-6; • “Transmission, filiation et institution psychanalytique. Rencontre avec François Peraldi”, por Marie Hazan, Filigrane, 3, 1994, 135-61 • Chantal Saint-Jarre, “Rompre l’interminable silence”, Discours social, 6, 3-4, 1994, 155-68 • Entrevistas com Hervé Bouchereau, Régine Robin, Jacques Mauger, Claude Bossé, Patrick Mahony, Daniel Puskas, Jean-Paul Allaire, 21-22 de maio de 1996.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; BIGRAS, JULIEN; CHENTRIER, THÉODORE; CLARKE, CHARLES KIRK; ESTADOS UNIDOS; GLASSCO, GERALD STINSON; MASOTTA, OSCAR; MEYERS, DONALD CAMPBELL; PRADOS, MIGUEL; SLIGHT, DAVID.

perlaboração ➢ ELABORAÇÃO.

Perrier, François (1922-1990) psiquiatra e psicanalista francês

Analisado primeiramente por Maurice Bouvet* e depois por Jacques Lacan*, François Perrier se tornou, com Serge Leclaire*, Wladimir Granoff, Jean-Bertrand Pontalis e alguns outros, um dos mais brilhantes representantes da terceira geração psicanalítica francesa. Em Amsterdam, em 1960, por ocasião de um congresso organizado pela Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), apresentou, com Granoff, um relatório sobre a sexualidade feminina*, inspirado em teses de Lacan. Depois da segunda cisão* da história do movimento francês, acompanhou Lacan na fundação da École Freudienne de Paris* (EFP), mas deixou-a em 1969, em razão de um desacordo sobre o passe*, para criar, com Piera Aulagnier* e Jean-Paul Valabrega, a Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF), também chamada Quarto Grupo. • François Perrier, La Chaussée d’Antin (1978), Paris, Albin Michel, 1994 • François Perrier com Wladimir Granoff, Le Désir et le féminin (1979), Paris, Aubier, 1991 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise

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na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

➢ FRANÇA; GOZO.

Perrotti, Nicola (1897-1970) médico e psicanalista italiano

Nicola Perrotti foi o único aluno de Edoardo Weiss* que não era judeu e o único que estudou medicina. Inicialmente médico, voltou-se depois para a psicanálise*, que exerceu inspirando-se nos curandeiros que se encontravam em sua região natal, os Abruzos, a nordeste de Roma. Atraído pela filosofia da história e pelas questões sociais, interveio muito cedo na luta contra o fascismo, publicando já em 1925, na revista marxista Critica Sociale, artigos sobre a psicologia das massas, na linhagem dos trabalhos de Sigmund Freud*. Percebendo imediatamente os limites da trajetória de Marco Levi-Bianchini*, e também os do pensamento de Pierre Janet*, Perrotti colaborou na revista romana Il Saggiatore, na qual encontrou jovens intelectuais em luta contra a filosofia idealista. Com eles, reuniu-se a Weiss, para lançar as bases da nova Società Psicoanalitica Italiana (SPI). Sob a influência de Weiss, Perrotti deu um lugar mais importante à psicanálise em sua reflexão social e política, tendo como objetivo ajudar a consciência humana em crise a escapar ao domínio do discurso idealista, que considerava como um obstáculo à consideração da sexualidade*. Combatente antifascista durante a guerra, Perrotti participou em 1943 da reorganização do Partido Socialista Italiano, do qual seria um dos dirigentes no momento da Libertação. Eleito deputado em 1948, foi nomeado alto comissário para a higiene, em 1950. Paralelamente, contribuiu para o renascimento da psicanálise na Itália* libertada e tornou-se presidente da SPI de 1946 a 1951, data em que seu amigo e colega de partido Cesare Musatti* lhe sucedeu nesse posto. Em 1948, quando a revista de Joachim Flescher, Psicanalisi, deixou de ser publicada, fundou a revista Psiche, que, durante algum tempo, teria relações com sua homônima francesa, dirigida por Maryse Choisy (1903-


perversão

1979), mas que logo manifestaria a sua sensibilidade de esquerda, desenvolvendo temas caros a Perrotti, como uma psicanálise aplicada* voltada para a vida social e artística, principalmente para a música e o cinema. • Contardo Calligaris, “Petite histoire de la psychanalyse en Italie”, Critique, 333, fevereiro de 1975, 175-95 • Michel David, La psicoanalisi nella cultura italiana (1966), Turim, Bollati Boringhieri, 1990; “La Psychanalyse en Italie”, in Roland Jaccard (org.), Histoire de la psychanalyse, vol.2, Paris, Hachette, 1982 • Arnaldo Novelletto, “Italy”, in Peter Kutter (org.), Psychoanalysis International. Guide to Psychoanalysis throughout the World, Stuttgart, Frommann-Holzboog, 1992 • Silvia Vegetti Finzi, Storia della psicoanalisi, Milão, Mondadori, 1986.

➢ IGREJA.

personalidade múltipla al. umgtauschte Persönlichkeit; esp. personalidad multiple; fr. personnalité multiple; ing. multiple personality (disorder) Distúrbio da identidade que se traduz pela coexistência, num sujeito, de duas ou várias personalidades separadas entre si, cada uma das quais pode assumir, alternadamente, o controle do conjunto dos modos de ser do indivíduo em questão, a ponto de fazê-lo levar vidas duplas.

A noção de personalidade múltipla teve sua origem no magnetismo e provém de uma concepção do inconsciente* anterior à doutrina freudiana. Está ligada aos fenômenos de sonambulismo, espiritismo* e automatismo mental*, do modo como estes apareciam, em meados e no fim do século XIX, na história da primeira psiquiatria dinâmica*. O primeiro caso foi descrito em 1815 pelo médico norte-americano John Kearsley Mitchell, que narrou a história de Mary Reynolds, uma jovem de 19 anos, afetada por uma completa dissociação* da personalidade. Ela levou duas vidas diferentes até os 35 anos de idade e, em seguida, viveu em seu estado secundário até a morte, sem nunca mais sair dele. Em seu primeiro estado, ela era calma e predominantemente depressiva, ao passo que, no segundo, mostravase maníaca, criativa e transbordante de atividade e imaginação. Na França*, o termo foi empregado em 1840 pelo Dr. Despine, um clínico geral de Aix-en-

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Provence, que descreveu de maneira quase idêntica o caso de Estella, uma moça afetada por diferentes sintomas histéricos. Depois dele, os representantes da escola francesa de psicologia, Pierre Janet*, Théodule Ribot (1839-1916) e Alfred Binet (1857-1911), deram um destaque especial a essa noção, fosse descrevendo casos de mulheres videntes, místicas ou espíritas, fosse classificando os diferentes tipos de alteração da personalidade. Com a segunda psiquiatria dinâmica e a maciça entrada em cena do hipnotismo, que levaram à reformulação freudiana e a uma nova descrição da histeria*, a noção de personalidade múltipla caiu em desuso (por volta de 1910) e foi substituída por conceitos provenientes da nosografia bleuleriana ou da psicanálise: dissociação, clivagem*, despersonalização. Foi Théodore Flournoy*, em 1900, com a história da espírita Catherine-Élise Müller (1861-1929), quem forneceu uma das melhores descrições da vida dupla. • Théodule Ribot, Les Maladies de la personnalité, Paris, Alcan, 1888 • Pierre Janet, L’Automatisme psychologique (1889), Paris, Alcan, 1973 (reed.) • Alfred Binet, Les Altérations de la personnalité, Paris, Alcan, 1892 • Théodore Flournoy, Des Indes à la planète Mars (1990), Paris, Seuil, 1983 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jacqueline Carroy, Les Personnalités doubles et multiples, Paris, PUF, 1993 • Nicole Edelman, Voyantes, guérisseuses et visionnaires en France, 1785-1914, Paris, Albin Michel, 1995.

➢ BERNHEIM, HIPPOLYTE; BLEULER, EUGEN; CHARCOT, JEAN MARTIN; ESQUIZOFRENIA; HIPNOSE; IMAGEM DO CORPO; MESMER, FRANZ ANTON; SUGESTÃO .

perversão al. Perversion; esp. perversión; fr. perversion; ing. perversion Termo derivado do latim pervertere (perverter), empregado em psiquiatria e pelos fundadores da sexologia* para designar, ora de maneira pejorativa, ora valorizando-as, as práticas sexuais consideradas como desvios em relação a uma norma social e sexual. A partir de meados do século XIX, o saber psiquiátrico incluiu entre as perversões práticas sexuais tão diversificadas quanto o incesto*, a homossexualidade*, a zoofilia, a pedofilia, a pederastia, o fetichismo*, o sadomasoquismo*, o

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travestismo, o narcisismo*, o auto-erotismo*, a coprofilia, a necrofilia, o exibicionismo, o voyeurismo e as mutilações sexuais. Em 1987, a palavra perversão foi substituída, na terminologia psiquiátrica mundial, por parafilia, que abrange práticas sexuais nas quais o parceiro ora é um sujeito* reduzido a um fetiche (pedofilia, sadomasoquismo), ora o próprio corpo de quem se entrega à parafilia (travestismo, exibicionismo), ora um animal ou um objeto (zoofilia, fetichismo). Retomado por Sigmund Freud* a partir de 1896, o termo perversão foi definitivamente adotado como conceito pela psicanálise, que assim conservou a idéia de desvio sexual em relação a uma norma. Não obstante, nessa nova acepção, o conceito é desprovido de qualquer conotação pejorativa ou valorizadora e se inscreve, juntamente com a psicose* e a neurose*, numa estrutura tripartite.

Se o conceito de neurose pertence propriamente ao domínio de eleição da psicanálise, e se o de psicose participa da origem da história da nosologia psiquiátrica, o termo perversão abrange um campo muito mais amplo, na medida em que os comportamentos, as práticas e até as fantasias* que ele engloba só podem ser apreendidos em relação a uma norma social que, por sua vez, induz a uma norma jurídica. Além disso, a perversão sempre esteve ligada a todas as formas possíveis de arte erótica no Oriente e no Ocidente; por isso, as variações sobre o tema das perversões são múltiplas, conforme as épocas, os países, as culturas ou os costumes. Ora elas são violentamente rejeitadas, por serem marginalizadas e vistas como uma abjeção, ora, ao contrário, são valorizadas pelos escritores, poetas e filósofos, que as consideram superiores às chamadas práticas sexuais normais. Assim, em certas regiões da África, admitese um ritual tribal de mutilação sexual (excisão ou infibulação) que, em contrapartida, seria crime na Europa. O mesmo se aplica à emasculação dos homens no antigo Egito ou na Índia*, que também pôde ser considerada uma perversão, ao serem os mores tradicionais contestados quer por um movimento de emancipação que almejava libertar o corpo das mulheres, quer por uma política colonial que procurava psiquiatrizar práticas outrora encaradas como costumes. Foi esse, aliás, o destino da homossexualidade. Considerada na Grécia antiga como a forma

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suprema do amor, depois encarada como um vício satânico pelo cristianismo, e por fim classificada como uma degenerescência pelo saber psiquiátrico do século XIX, ela acabou sendo reconhecida, em 1974, como uma forma de sexualidade entre outras, na maioria dos países democráticos modernos, a ponto de não mais figurar no catálogo das novas “parafilias” do terceiro Manual diagnóstico e estatístico dos distúrbios mentais (DSM III), editado em 1987 pela American Psychiatric Association (APA). É a Geza Roheim*, e sobretudo a Georges Devereux*, que cabe o mérito pela demonstração, através da etnopsicanálise*, de como se pode compreender o mecanismo geral desse relativismo cultural em sua relação com o universalismo. Sob esse aspecto, a teoria de Freud em matéria de perversão (e principalmente de homossexualidade) é tão ambivalente quanto sua doutrina da sexualidade feminina*. Por um lado, ele estende a “disposição perverso-polimorfa” ao homem em geral e, com isso, rejeita todas as definições diferencialistas e não igualitárias da classificação psiquiátrica do fim do século, segundo a qual o perverso seria um “tarado” ou um “degenerado”, porém, por outro, ele conserva a idéia de norma e de um desvio em matéria de sexualidade*. Daí sua impossibilidade de fazer da perversão uma estrutura universal do psiquismo que ultrapasse o âmbito das diversas práticas sexuais ditas perversas. A classificação das perversões (no plural) pertence, tradicionalmente, ao campo da psiquiatria e da sexologia, enquanto a psicanálise faz questão de dar uma definição estrutural ao conceito de perversão (no singular). Em Freud, todavia, as coisas não são tão simples. Como atesta sua obra inaugural de 1905, os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, ele prefere empregar o termo no plural (as perversões sexuais) e fala com mais freqüência de inversões do que de perversões. Sua terminologia sofreria, posteriormente, numerosas inflexões, no sentido de uma interpretação mais estrutural dessa idéia. Foi sempre em referência a um processo de negatividade e numa relação dialética com a neurose que Freud definiu a perversão. Com efeito, de início, numa carta a Wilhelm Fliess*


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de 24 de janeiro de 1897 e, em seguida, nos Três ensaios, ele fez da neurose “o negativo da perversão”. Com isso sublinhou o caráter selvagem, bárbaro, polimorfo e pulsional da sexualidade perversa: uma sexualidade infantil em estado bruto, cuja libido* se restringe à pulsão* parcial. Ao contrário da sexualidade dos neuróticos, essa sexualidade perversa não conhece nem a proibição do incesto*, nem o recalque*, nem a sublimação*. Se a sexualidade perversa não tem limites, é porque se organiza como um desvio em relação a uma pulsão, a uma fonte (órgão), um objeto e um alvo. A partir desses quatro termos, Freud distinguiu dois tipos de perversões: as perversões do objeto e as perversões do alvo. Nas perversões do objeto, caracterizadas por uma fixação num único objeto em detrimento dos demais, ele incluiu, por um lado, as relações sexuais com um parceiro humano (incesto, homossexualidade, pedofilia, auto-erotismo) e, por outro, as relações sexuais com um objeto não humano (fetichismo, zoofilia, travestismo). Nas perversões do alvo, distinguiu três espécies de práticas: o prazer visual (exibicionismo, voyeurismo), o prazer de sofrer ou fazer sofrer (sadismo, masoquismo), e o prazer pela superestimação exclusiva de uma zona erógena (ou de um estádio*), isto é, ou da boca (felação, cunilíngua) ou do aparelho genital. A partir de 1915, Freud fez numerosas modificações em sua primeira concepção da perversão, em decorrência, a princípio, de sua metapsicologia* e de sua nova teoria do narcisismo*, e depois, de sua segunda tópica* e sua elaboração da diferença sexual*. Assim, passou de uma descrição das perversões sexuais para a idéia de uma possível organização da perversão em geral como modelo de uma organização do eu* baseada na clivagem*. Num artigo de 1923, “A organização genital infantil”, e depois, em outro, de 1924, “A perda da realidade na neurose e na psicose”, Freud introduziu o conceito de renegação* (Verleugnung), para mostrar que as crianças negam a realidade da falta do pênis na menina, e para afirmar que esse mecanismo de defesa caracteriza a psicose, em oposição ao mecanismo de recalque que encontramos na neurose: enquanto o neurótico recalca as exi-

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gências do isso*, o psicótico renega a realidade*. Em 1927, no contexto de uma discussão com René Laforgue* sobre a questão da escotomização, Freud abordou a renegação a partir do fetichismo, afirmando que, nessa forma de perversão, o sujeito faz coexistirem duas realidades: a recusa e o reconhecimento da ausência do pênis na mulher. Daí uma clivagem do eu que caracteriza não somente a psicose, mas igualmente a perversão. A partir desse ponto, a perversão se inscreveu numa estrutura tripartite. Ao lado da psicose, definida como a reconstrução de uma realidade alucinatória, e da neurose, resultante de um conflito interno seguido de recalque, a perversão aparece como uma renegação ou um desmentido da castração, com uma fixação na sexualidade infantil. De 1905 a 1927, portanto, Freud passou de uma descrição das perversões sexuais para uma teorização do mecanismo geral da perversão que já não era apenas o resultado de uma predisposição polimorfa da sexualidade infantil, mas a conseqüência de uma atitude do sujeito humano confrontado com a diferença sexual. Nesse sentido, a perversão existe tanto no homem quanto na mulher, mas não se distribui da mesma maneira entre os dois sexos no que concerne ao fetichismo e à homossexualidade. A partir dessa definição da perversão, baseada na clivagem do eu, os herdeiros de Freud não se cansaram de estudar as diferentes formas de práticas sexuais perversas masculinas e femininas, assim retirando da sexologia o privilégio de suas classificações sofisticadas. Mas, em vez de levar o movimento psicanalítico a uma nova abordagem das perversões, esses trabalhos tiveram, num primeiro momento, de 1930 a 1960, o efeito inverso. Tidos como incuráveis, ou submetidos na análise a uma pretensa normalização de sua sexualidade, os perversos não foram autorizados a praticar a psicanálise em nenhuma das sociedades integrantes da International Psychoanalytical Association* (IPA). Essa proibição, que visava essencialmente os homossexuais, foi sentida como uma grande discriminação, especialmente depois de 1972, quando a homossexualidade deixou de ser assimilada pela psiquiatria a uma doença mental e, quinze anos mais tarde, a uma perversão.

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Colocou-se então, tanto para a psiquiatria quanto para a psicanálise, a questão de uma possível redefinição do estatuto da perversão em geral e das perversões sexuais em particular. A implantação da psicanálise nos grandes países ocidentais teve como conseqüência, efetivamente, desalienar os perversos e afastar a homossexualidade como tal do campo das perversões sexuais. O aparecimento do termo parafilia no DSM III restringiu o campo das anomalias e desvios a práticas sexuais coercitivas e fetichistas, baseadas na ausência de qualquer parceiro humano livre e anuente. Assim, fez-se sentir a necessidade de a própria psicanálise abandonar qualquer forma de terapia “normalizadora”, em prol de uma clínica do desejo* capaz de compreender as escolhas sexuais de sujeitos cujas práticas libidinais já não eram todas punidas por lei, nem vividas como um pecado, nem tampouco concebidas como um desvio em relação a uma norma. Quanto a esse aspecto, a revisão da doutrina freudiana original já havia começado por volta de 1960, antes das transformações da terminologia psiquiátrica dos anos de 1970-1980. Na teoria kleiniana, a perversão é sempre descrita em função de uma norma e de uma patologia, mas qualquer idéia de desvio é afastada. Por isso, ela é encarada como um distúrbio da identidade de natureza esquizóide, ligado a uma pulsão feroz de autodestruição e destruição do objeto. Longe de ser a expressão de uma “aberração” sexual, ela se torna a manifestação da pulsão de morte em estado bruto, a ponto de dar origem, no âmbito da análise, a uma reação terapêutica negativa (ou perversão da transferência*). Quanto à homossexualidade, ela é remetida a uma fixação na posição esquizo-paranóide*, que pode desembocar numa paranóia*. As perversões sexuais são assimiladas a uma organização patológica do narcisismo. Assim, o kleinismo* tende a puxar a perversão para a psicose, afastando-se do diagnóstico de incurabilidade. Foi a Jacques Lacan* e a seus discípulos franceses (Jean Clavreul, François Perrier*, Piera Aulagnier*, Wladimir Granoff e Guy Rosolato) que coube o mérito, único na história de freudismo, de finalmente retirar a perversão do campo do desvio, para fazer dela uma verdadei-

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ra estrutura. Amigo de Georges Bataille (18971962), grande leitor de Sade, de Henry Havelock Ellis*, da poesia erótica e da filosofia platônica, Lacan foi muito mais sensível do que Freud, os freudianos e os kleinianos à questão do Eros, da libertinagem e, acima de tudo, da natureza homossexual, bissexual, fetichista, narcísica e polimorfa do amor. Ele mesmo um libertino, preferia pensar que somente os perversos sabem falar da perversão. Daí o privilégio que conferiu desde o início a duas noções — o desejo e o gozo* —, para fazer da perversão um grande componente do funcionamento psíquico do homem em geral, uma espécie de provocação ou desafio permanente à lei. A fórmula disso foi fornecida em 1962 num artigo célebre, “Kant com Sade”, destinado a servir de apresentação a dois livros de Sade, Justine ou os infortúnios da virtude e A filosofia na alcova. Lacan fez do mal, no sentido sadiano, um equivalente do bem no sentido kantiano, para mostrar que a estrutura perversa se caracteriza pela vontade do sujeito de se transformar num objeto de gozo oferecido a Deus, tanto ridicularizando a lei quanto por um desejo inconsciente de se anular no mal absoluto e na auto-aniquilação. Ao assim retirar a perversão do campo das perversões sexuais, a corrente lacaniana abriu caminho para novas perspectivas terapêuticas: não somente a perversão deixou de ser atingida pelo diagnóstico de incurabilidade, como também o perverso, já não sendo forçosamente catalogado como um pervertido sexual, pôde ter acesso à prática da psicanálise sem constituir um “perigo” para a comunidade. Essa concepção da perversão como estrutura levaria Lacan e sua escola a tratar a homossexualidade no quadro da perversão. Na época em que os alunos de Lacan assim comentavam a teoria clássica de Freud, o grande psicanalista Robert Stoller* questionou-a de ponta a ponta, em especial ao introduzir a noção de diferenciação sexual e de gênero* (gender). Seu principal livro, Sex and Gender, publicado em 1968 e traduzido para o francês, dez anos depois, sob o título de Recherches sur l’identité sexuelle, assim como inúmeros outros trabalhos, renovariam a abordagem clínica do conjunto das perversões (em especial do fetichismo feminino e do transexualismo*).


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Na perspectiva da psicologia do self*, foi Joyce McDougall, psicanalista francesa, quem contribuiu, a partir de 1972, com uma das melhores revisões da doutrina freudiana da perversão. Em seu Plaidoyer pour une certaine anormalité, ela constatou que a estrutura tripartite (neurose, psicose, perversão) é rígida demais para explicar os distúrbios sexuais ligados às diferentes perturbações narcísicas do eu [soi]. Por isso, deu o nome de neo-sexualidade e de sexualidade aditiva a formas de sexualidade perversas, próximas da droga e da toxicomania, mas que permitem a alguns sujeitos à beira da loucura* encontrarem o caminho da cura, da criatividade e da auto-realização. • Sigmund Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; “Bate-se numa criança” (1919), ESB, XVII, 225-58; GW, XII, 197-226; SE, XVII, 175-204; in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973, 219-243; “A organização genital infantil da libido: uma interpolação na teoria da sexualidade” (1923), ESB, XIX, 179-88; GW, XII, 2938; SE, XIX, 139-45; OC, XVI, 303-9; “O problema econômico do masoquismo” (1924), ESB, XIX, 199216; GW, XIII, 371-83; SE, XIX, 139-45; OC, XVII, 9-23, “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924), ESB, XIX, 229-38; GW, III, 363-8; SE, XIX, 183-7; OC, XVII, 35-43; “Fetichismo” (1927), ESB, XXI, 189-88; GW, XIV, 311-7; SE, XXI, 147-57; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969; “A clivagem do eu no processo de defesa” (1938), ESB, XXIII, 309-15; GW, XVII, 59-62; SE, XXIII, 271-8; in Résultats, idées, problèmes, II, Paris, PUF, 1985, 283-7; La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • William H. Gillespie, “Notes on the analysis of sexual perversions”, IJP, XXXIII, 397, 1952 • Jacques Lacan, “Kant com Sade” (1963), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 776-806 • The Pathology and Treatment of Sexual Deviation (col.), Oxford, Oxford University Press, 1964 • Wladimir Granoff e François Perrier, Le Désir et le féminin (1964), Paris, Aubier, 1991 • Piera Aulagnier-Spairani, Jean Clavreul, François Perrier, Guy Rosolato e Jean-Paul Valabrega, Le Désir et la perversion, Paris, Seuil, 1967 • Piera Aulagnier-Spairani, “La Perversion comme structure”, L’Inconscient, 2, 1967 • Guy Rosolato, “Généalogie des perversions”, ibid. • Jean Clavreul, Le Désir et la loi, Paris, Denoël, 1987 • Horacio Etchegoyen, “Perversión de transferencia. Aspectos teóricos y técnicos” (1977), in Leon Grinberg (org.), Práticas psicoanaliticas comparadas en las psicosis, B. Aires, Paidós, 1977, 58-83 • Joyce McDougall, Em defesa de uma certa anormalidade (Paris, 1978), P. Alegre, Artes Médicas, 1991; Thêatre du Je, Paris, Gallimard, 1982 • Georges Lantéri-Laura, Leitura das perversões: história de sua apropriação médica (Paris, 1979), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994 •

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Robert Stoller, Recherches sur l’identité sexuelle (N. York, Londres, 1968), Paris, Gallimard, 1979; L’Excitation sexuelle (N. York, 1979), Paris, Payot, 1984 • Gérard Bonnet, Les Perversions sexuelles, Paris, PUF, col. “Que sais-je?”, 1983; “Le Sexuel freudien. Une énigme originaire et toujours actuelle”, in Les Troubles de la sexualité, monografias da Revue Française de Psychanalyse, Paris, PUF, 1993, 10-46 • R.D. Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992 • Michel Erlich, Les Mutilations sexuelles, Paris, PUF, col. “Que saisje?”, 1991 • Joël Dor, “Perversão”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 415-23.

➢ BISSEXUALIDADE; DENEGAÇÃO; FORACLUSÃO; GOZO; LIBIDO; OBJETO (PEQUENO) a.

peste Numa conferência proferida em Viena*, em 1955, Jacques Lacan* afirmou ter ouvido da boca de Carl Gustav Jung*, a quem acabara de fazer uma visita, a seguinte história: em 1909, ao aportar no continente norte-americano para ir à Universidade Clark, em Worcester, para ali proferir suas cinco lições de psicanálise, Sigmund Freud* teria segredado no ouvido de seu discípulo: “Eles não sabem que lhes estamos trazendo a peste.” Lacan comentou esse dito, sublinhando que Freud se enganara: ele havia acreditado que a psicanálise seria uma revolução para a América, e, na realidade, a América é que tinha devorado sua doutrina, retirando-lhe seu espírito subversivo. Na França,* acreditou-se que esse dito tinha sido realmente proferido. No entanto, o estudo dos textos, da correspondência e dos trabalhos da totalidade dos comentadores da história do freudismo mostra que Jung reservou essa confidência unicamente para Lacan. Em todas as partes do mundo, afirma-se que Freud teria simplesmente dito: “Eles ficarão surpresos quando souberem o que temos a dizer.” Propagado por Lacan, esse dito tornou-se, na França, um mito fundador do freudismo* e do lacanismo*. Com efeito, a França é o único país do mundo onde, através dos surrealistas e do ensino de Lacan, a doutrina de Freud foi encarada como “subversiva” e assimilada a uma “epidemia”, parecida com o que fora a

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Pfister, Oskar

revolução de 1789 e, pelo menos, irredutível a qualquer forma de psicologia adaptativa. • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994; Genealogias (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1996.

➢ CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE; ESTADOS UNIDOS; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; INCONSCIENTE; SURREALISMO.

Pfister, Oskar (1873-1956) pastor e psicanalista suíço

“Oskar Pfister, pastor em Zurique”: era assim que se apresentava esse homem original, quando assinava suas contribuições à psicanálise*. Recusando todos os dogmas e praticando o tratamento de maneira não-conformista, teve que enfrentar, em seu país, os adversários da análise leiga*. Tinha um verdadeiro afeto por Sigmund Freud*, que o retribuía e que sempre confiou nele, apesar de sua desconfiança em relação à religião. Pfister soube manter com o mestre vienense uma relação desprovida de obsequiosidade ou idolatria, nunca hesitando em polemizar, quando surgia entre eles uma discordância, principalmente a respeito da fé: “Freud tinha por ele [Pfister] uma verdadeira paixão, escreveu Ernest Jones*, admirava seus hábitos fortemente morais, seu altruísmo generoso, assim como o seu otimismo em relação à natureza humana. A idéia de ser amigo de um pastor protestante, a quem ele podia endereçar cartas que começavam por ‘Caro homem de Deus’ certamente devia diverti-lo, ainda mais porque o ‘herético impertinente’, como definia a si mesmo, sempre podia contar com a tolerância do pastor.” Pioneiro da psicanálise na Suíça* alemã, Pfister aliou a técnica freudiana à antiga “cura de almas” (Seelsorge) protestante, com entusiasmo. Queria também transformar a pedagogia em uma “pedanálise”. Nascido em Wiedikon, subúrbio de Zurique, Oskar Pfister, filho de pastor, tinha apenas três anos quando seu pai morreu. Depois de estudar teologia e filosofia, teve seu primeiro cargo em Wald, onde se instalou com sua primeira mu-

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lher, Erika Wunderli, e seu filho, que se tornaria psiquiatra. Em 1902, foi designado para a paróquia dos Pregadores de Zurique, onde ficou até 1939. Posteriormente, casou-se pela segunda vez com uma viúva, Martha Zuppinger-Urner, que tinha dois filhos, que ele criou como seus. Impressionado com o espetáculo da degradação moral ligada à industrialização, e principalmente com a incapacidade da velha teologia abstrata e escolástica de responder às angústias do homem moderno, Pfister voltou-se para a psicologia. Foi assim que teve a ocasião de pedir conselho a Carl Gustav Jung* a respeito de uma mãe de família, atormentada por cartas anônimas e inscrições insultuosas que encontrava em seu caminho. Jung fez um diagnóstico de estado crepuscular e de mania de perseguição: “A ajuda amável de Jung”, escreveu Pfister, “me permitiu progredir na análise, que prometia explicar esses comportamentos anormais.” Uma sólida amizade se estabeleceu entre os dois, ambos filhos de pastores. Através de Ludwig Binswanger*, Oskar Pfister encontrou-se com Freud em Viena*, em 25 de abril de 1909. Presenteou-o com uma réplica em prata do Monte Cervin, que Freud logo instalou em sua escrivaninha. “Esse pequeno pedaço da Suíça, homenagem do único país onde me sinto ricamente provido dos bens que são a simpatia do coração e do espírito de homens fortes e bons.” Seguiu-se uma bela correspondência, da qual apenas uma centena de cartas foi publicada em 1963 por Anna Freud* e Ernst Freud*. A censura visava ocultar a encantadora história de amor de Pfister com uma jovem mulher, da qual este falava muito livremente com Freud, que aliás a evocava também livremente em sua correspondência com Jung e com Sandor Ferenczi*. Logo Pfister juntou-se à Associação Psicanalítica de Zurique (ex-Sociedade Freud), fundada por Jung. Participou depois da implantação das teses freudianas na Suíça, que eram denunciadas ali como “perversões vienenses”. Por várias vezes, teve que submeter-se a severos inquéritos eclesiásticos, dos quais sempre saiu vitorioso. Sua prática, que consistia numa mistura de cura de almas e tratamento psicanalítico, desagradava tanto as autoridades religiosas quanto a hierarquia médica, o que provocaria


Pfister, Oskar

este comentário de Freud, em um post-scriptum à Questão da análise leiga*: “O analista nãomédico, mas que tem uma preparação profissional, não terá nenhuma dificuldade em conquistar a estima e a consideração que lhe são devidas como pastor de almas secular.” Na verdade, Pfister considerava que o papel do analista-pastor era levar o paciente infeliz a reconhecer, pelo tratamento, o valor da fé cristã e converter-se a ela, depois de se livrar da neurose*. A cura de almas devia pois ser enriquecida com a psicanálise. No momento da ruptura de 1913, Pfister tomou claramente o partido de Freud: “Abandonei completamente a maneira junguiana, disse ele em uma carta de julho de 1922. Essa ‘interpretice’ que apresenta todas as imundícies como uma geléia espiritual de um gênero elevado, todas as perversidades como oráculos e mistérios sagrados, e introduz fraudulentamente um pequeno Apolo e um pequeno Cristo nas almas extravagantes não vale nada. É o hegelianismo traduzido em psicologia.” Em março de 1919, criou a Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), com Emil Oberholzer*, Hermann Rorschach* e Hans Walser. Assim, conseguiu reconstruir um movimento freudiano na Suíça. O novo grupo não tardaria a conhecer dificuldades de funcionamento. Em 1927, a prática não-conformista de Pfister foi contestada, não só porque não obedecia às regras da International Psychoanalytical Association* (IPA), mas também e principalmente porque Oberholzer e Rudolph Brun (1885-1949) eram hostis à análise leiga. Assim, fundaram uma associação médica de psicanálise, que só reconhecia médicos. Raymond de Saussure* também tomou partido contra a técnica de Pfister, mas sem por isso deixar a SSP: “O sr. pratica psicanálises muito curtas, escreveu-lhe em 1922, e que não correspondem exatamente ao que Freud entende atualmente por psicanálise. Daí resulta que os médicos de sua cidade, que fazem questão de observar a técnica do nosso mestre de Viena, tenham grandes dificuldades.” Essa tentativa de normalizar a prática de Pfister em nome do respeito ao mestre de Viena foi inteiramente repelida por Freud, que sempre protegeu o seu caro pastor, sem com isso deixar de criticá-lo. Freud dizia que se opunha tanto à

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subestimação quanto à superestimação da prática de Pfister, mas desaprovava as “análises abreviadas” (tratamentos curtos). Em 1927, quando Freud publicou O futuro de uma ilusão*, Pfister lhe respondeu com um longo artigo crítico, “A ilusão de um futuro”, no qual afirmava que a verdadeira fé era uma proteção contra a neurose e que a posição freudiana era, ela própria, uma ilusão, pois passava ao largo da atitude autêntica do cristão. Freud respondeu: “Em si, a psicanálise não é nem religiosa nem irreligiosa. É um instrumento sem partido, do qual podem servir-se religiosos e leigos, desde que o façam unicamente a serviço do alívio dos seres que sofrem.” • Oskar Pfister, Die psychoanalytische Methode. Eine erfahrungswissesnschaftliche systematische Darstellung, Leipzig, Klinkhardt, 1913; Au viel Évangile par un chemin nouveau. La Psychanalyse au service de la cure d’âme (1918), Berna, Bircher, 1920; La Psychanalyse au service des éducateurs, Berna, Bircher, 1920; Selbstdarstellung, Leipzig, Felix Meiner, 1927; “L’Illusion d’un avenir”, (1928), Revue Française de Psychanalyse, vol.40, 3, 1977, 503-46; Psychoanalyse und Weltanschauung, Leipzig, Viena, Internationale Psychoanalytisches Verlag, 1928 • Sigmund Freud, “Introdução a The psycho-analytic method, de Pfister” (1913), ESB, XII, 415-22; GW, X, 448-50; SE, XII 327-31; Correspondance de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister, 1909-1939 (Frankfurt, 1963), Paris, Gallimard, 1966 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol.2 (N. York, 1955), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Mireille Cifali, Freud pédagogue, Paris, InterÉditions, 1982; “De quelques remous helvétiques autour de l’analyse profane”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 145-59; “La Cure des enfants en Suisse. De l’hypnotisme à la psychanalyse”, Études Freudiennes, 36, novembro de 1995, 170-88 • André Haynal, “Les Suisses. En Psychanalyse”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 4, 1984, 163-70 • Pier Cesare Bori, “Oskar Pfister, ‘pasteur à Zurich’, et analyse laïque”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 129-45 • Patrick Avrane, “Index de la correspondance de Freud avec le pasteur Pfister”, Esquisses Psychanalytiques, 14, outubro de 1990, 205-13 • Peter Widmer, “Situation de la psychanalyse en Suisse alémanique”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 10, 1991, 69-81 • Laurent Lethiais, Oskar Pfister et la cure d’âme psychanalytique, dissertação de DES de psicologia clínica e patológica, Universidade de Paris X, junho de 1995.

➢ ELLENBERGER, HENRI F.; HAITZMANN, CHRISTOPHER; IGREJA; MENG, HEINRICH; SCHJELDERUP, HARALD; TÉCNICA PSICANALÍTICA; ZULLIGER, HANS.

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phantasia

phantasia al. Phantasie; esp. fantasía; fr. phantasme; ing. phantasy. Grafia adotada por Susan Isaacs*, em 1948, para distinguir a chamada fantasia* (fantasy) consciente, escrita com f, da phantasia (phantasy) dita inconsciente, grafada com ph.

A palavra fantasme foi adotada em francês pelos primeiros tradutores de Freud (Marie Bonaparte*, Édouard Pichon*), a partir do grego phantasma (aparição, transformada, em latim, em fantasma ou espectro) para traduzir o que, na palavra alemã Phantasie, refere-se a uma formação imaginária, isto é, a um conceito, e não a uma fantasia no sentido da atividade imaginativa. Assim, onde Freud emprega uma só palavra alemã (Phantasie) para designar duas coisas diferentes (um conceito, por um lado, e uma atividade, por outro), a língua francesa utiliza dois termos: fantasme (ou phantasme) e fantaisie. Sob esse aspecto, portanto, não há em francês nenhuma diferença entre as duas grafias, que são utilizadas de maneira equivalente, inclusive pelos tradutores da obra de Melanie Klein*. Alguns autores, como Piera Aulagnier*, sistematizaram a grafia ph, enquanto outros preferiram não estabelecer nenhuma distinção. Na terminologia inglesa, na qual a palavra fantasy significa, como no alemão, tanto phantasia quanto fantasia, o emprego da palavra phantasy só se generalizou entre os pós-kleinianos, a ponto, aliás, de substituir a palavra fantasy. Há nisso uma certa lógica, uma vez que o kleinismo* tende a situar toda a clínica psicanalítica do lado da realidade psíquica* e dos fenômenos mais inconscientes e mais arcaicos. Em 1967, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis ressaltaram que a distinção entre as duas grafias, a rigor, era inútil, já que, em Freud, o conceito de phantasia pertencia aos dois registros, consciente* e inconsciente*. Podemos, no entanto, dizer que existe uma diferença conceitual entre fantasy e phantasy, ou seja, entre os kleinianos anglófonos e os outros freudianos anglófonos, ao passo que, na França, a adoção desta ou daquela grafia não é pertinente, a não ser quando um autor se refere explicitamente à terminologia kleiniana. Em alemão, a distinção

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kleiniana tampouco acarreta uma mudança gráfica. Em 1989, os responsáveis pela nova tradução* francesa dos livros de Freud, no intuito de criar uma língua “freudológica”, baniram da conceituação psicanalítica a palavra fantasme, em favor de fantaisie. Com isso, reduziram um conceito a uma palavra. Em francês, com efeito, a palavra fantaisie não pode abranger a dimensão conceitual de fantasme nem tampouco instaurar uma distinção de tipo kleiniano entre consciente e inconsciente. • Susan Isaacs, “A natureza e a função da phantasia”, in Melanie Klein et al., Os progressos da psicanálise (Londres, 1952), Rio de Janeiro, Zahar, 1978 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Fantasia originária, fantasia das origens, origens da fantasia (Paris, 1985), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • André Bourguignon, Pierre Cotet, Jean Laplanche e François Robert, Traduzir Freud (Paris, 1989), S. Paulo, Martins Fontes, 1992.

➢ SEDUÇÃO, TEORIA DA.

Pichon, Édouard (1890-1940) médico e psicanalista francês

Pediatra, médico hospitalar, gramático, monarquista, ideólogo de um absoluto afrancesamento da doutrina freudiana, membro da liga Action Française, Édouard Pichon foi o personagem mais original, mais contraditório e mais inteligente da primeira geração* psicanalítica francesa. Genro de Pierre Janet*, sem ser janetiano, tinha paixão pela psicanálise* sem ser realmente freudiano. Depois de sua análise com Eugénie Sokolnicka*, não formou didatas, preferindo a medicina hospitalar à prática do consultório. Se aderiu sem reservas às teses anti-semitas de Charles Maurras (1868-1952), foi partidário de Dreyfus. Não publicou nenhum texto suspeito e nunca teve, na vida cotidiana, a menor atitude anti-semita em relação a seus colegas da SPP e do grupo da Évolution Psichiatrique. Ao contrário de Angelo Hesnard* e de muitos psiquiatras franceses da sua geração, não foi germanófobo. Sua crença na superioridade da “civilização’ francesa sobre todas as outras culturas se devia menos ao chauvinismo do que à política. Defendendo a “civilização” contra a Kultur, Pichon


Pichon, Édouard

reivindicava um catolicismo racionalista, único capaz, em sua opinião, ao contrário do judaísmo e do protestantismo, de representar os valores de uma espiritualidade ocidental capaz de servir de contrapeso ao bolchevismo, ao feminismo, ao liberalismo, ao nazismo*, aos ideais da revolução de 1789. Daí suas posições ultraconservadoras em favor da família tradicional, do casamento único, da virgindade das jovens e da educação das crianças. Pelo seu rigor teórico, e apesar do fracasso radical de seu programa de afrancesamento da doutrina vienense, Pichon teve um papel considerável na gênese de um freudismo* francês, enfatizando desde então a relação entre a linguagem e o inconsciente*, liderando, no seio da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), uma comissão para a tradução e a unificação do vocabulário freudiano e introduzindo noções que Jacques Lacan* utilizaria posteriormente: a foraclusão*, por exemplo. Foi o professor de pediatria de Françoise Dolto*, que dele herdou um estilo brilhante e uma maneira de falar em que se misturavam a tradição da direita maurrassiana e um realismo poético saído diretamente dos filmes de Jean Renoir (1894-1979). Nascido em Sarcelles, em uma família originária da Bourgogne, Édouard Pichon foi educado em um espírito leigo e republicano. Quando criança, foi atingido por um reumatismo articular hereditário — do qual morreria — que lhe sugeriu o tema para a sua tese de medicina. Com seu tio, Jacques Damourette, grande literado, apaixonado por língua e literatura, começou ainda muito jovem a tarefa mais importante de sua vida: a edificação de uma gramática descritiva da língua francesa entre 1911 e 1940. A obra se intitulava Das palavras ao pensamento e compreeendia sete enormes volumes, acompanhados de um Glossário dos termos especiais, onde eram listados todos os neologismos inventados pelos dois eruditos. Em 1927, casou-se com Hélène Janet, com quem teve um filho, Étienne Pichon. Nesse mesmo ano, dirigiu a Charles Maurras sua carta de adesão à Action Française: “Senhor e admirável mestre, não sou um racionalista puro. Seja qual for a beleza, a utilidade que a razão tenha, parece-me que o coração, se ouso expressar-me assim, é mais divino ainda [...]. O papa está se

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tornando protestante; essa é a razão do meu humilde pedido de adesão [...]. Uma última observação: sou psicanalista. Os resultados obtidos pelo método freudiano obrigaram a minha boa-fé a aceitar essa disciplina. Escrevi recentemente um artigo para mostrar que a adoção da psicanálise como método terapêutico não implicava de modo algum a renúncia a qualquer estilo metafísico, moral ou religioso.” Durante o período entre as duas guerras, publicou muitos artigos, entre os quais três se tornaram essenciais à compreensão da conceitualidade própria ao movimento psicanalítico francês: “A gramática como modo de exploração do inconsciente”, “Sobre a significação psicológica da negação em francês” e “A pessoa e a personalidade à luz do pensamento idiomático francês”. Esses textos mostram que Pichon foi o primeiro, antes de Lacan, a perceber que a descoberta freudiana do inconsciente apresentava, para a lingüística saussuriana, uma questão fundamental. Eles também sublinham até que ponto a sua posição de gramático estava em contradição com sua leitura psicanalítica dos textos freudianos. Efetivamente, a idéia de uma prioridade da língua sobre o pensamento levava Pichon a afirmar, na gramática, o princípio de uma prioridade do inconsciente sobre a consciência*, ao passo que, em sua abordagem da obra freudiana, negava a existência de um inconsciente “psicológico”. Assim, foi através da gramática que ele teve acesso à natureza do inconsciente freudiano. E foi o primeiro a detectar, a partir da língua, uma junção entre a linguagem e o inconsciente, que seria retomada por Lacan. Em 1938, Pichon polemizou com Lacan a respeito de um texto intitulado “Os complexos familiares”, encomendado a Lacan por Lucien Febvre (1878-1956) e Henri Wallon (18791962), para a Enciclopédie Française. Se Pichon compartilhava com Lacan a idéia de que a família era um agente da tradição e não da hereditariedade, rejeitava o procedimento da antropologia* cultural, e foi com essa ótica que recusou o antropologismo lacaniano, que julgava “marxista” e “hegeliano”. Do mesmo modo que o universalismo de Lacan era baseado, desde essa época, na idéia de uma universalidade da razão e da cultura diante da natureza,

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Pichon-Rivière, Enrique

assim também o universalismo pichoniano (maurrassiano) repousava sobre a pretensa superioridade universalizante da civilização francesa. Pichon admirava Lacan com lucidez e pensava que ele era o único que podia assumir, depois dele, a função de ideólogo de um freudismo a ser afrancesado. • Édouard Pichon, “La Grammaire en tant que mode d’exploration de l’inconscient”, L’Évolution Psychiatrique, 1, 1925, 238-57; “Sur la signification psychologique de la négation en français” (1928), Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 5, 1985, 111-33; “La Personne et la personnalité vues à la lumière de la pensée idiomatique française”, Revue Française de Psychanalyse, 10, 3, 1938, 447-59; “A l’aise dans la civilisation”, ibid., 10, 1, 1938, 3-49; “La Famille devant M. Lacan” (1938), Cahiers Confrontation, 3, 1980, 179-209 • Édouard Pichon e Jacques Damourette, Des mots à la pensée. Essai de grammaire de la langue française, D’Artrey, 7 vols., Paris, 1911-1940 • Jacques Lacan, Os complexos familiares (Paris, 1938), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994.

➢ DENEGAÇÃO; FRANÇA; ISSO; JUDEIDADE; SIGNIFICANTE; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

Pichon-Rivière, Enrique (1907-1977) psiquiatra e psicanalista argentino

Verdadeiro pai fundador do freudismo* argentino, Enrique Pichon-Rivière exerceu com o seu magistério oral (conferências, cursos, seminários), muito mais do que por seus escritos (póstumos, na maioria), um extraordinário poder de fascínio sobre seus amigos, discípulos e contemporâneos. Foi o maior analista argentino e até mesmo — ao lado de Marie Langer*, de quem era muito diferente —, a figura mais eminente da escola psicanalítica latino-americana. Nasceu em Genebra, de uma família de origem francesa que se estabeleceu em 1911 no Chaco e depois em Goya, no norte do país, região povoada por índios guaranis. Ali passou uma infância melancólica, dizendo depois que seu desejo de ser analista lhe adveio de uma vontade de ver com clareza entre duas culturas. Seu pai, proprietário de uma plantação de algo-

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dão, já tinha cinco filhos de um primeiro casamento com a irmã de sua segunda mulher, que por sua vez tinha um único filho, Enrique. Ela criou em Goya a escola profissional e o colégio nacional. Com a idade de 19 anos, começou a estudar medicina na Faculdade de Buenos Aires. Sempre melancólico e bebendo para “tratar” de suas depressões, interessou-se tanto pela medicina quanto pela política e pela poesia. Em 1934, começou a escrever críticas de arte para a revista Nervio. Tendo descoberto a obra freudiana ao ler artigos de Carl Gustav Jung* e de Alfred Adler*, criou na revista uma seção de psicanálise*. No hospital de Torres, onde praticava a psiquiatria e estudava os problemas sexuais dos doentes mentais, organizou uma equipe de futebol. Trabalhou depois no Instituto Charcot e como cronista literário em um jornal. Durante todos os seus estudos, teve ao seu lado o amigo mais caro, Frederico Aberastury, psiquiatra como ele, cuja irmã, Arminda, desposou em 1936. No mesmo ano, engajou-se com entusiasmo no comitê de apoio aos republicanos espanhóis, com o escritor Roberto Arlt (1900-1942). Em 1938, ficou conhecendo Arnaldo Rascovsky*. Entusiasmados com a psicanálise, ambos sonhavam salvá-la do perigo fascista, oferecendo-lhe uma nova terra prometida. Com essa finalidade, reuniram um círculo de eleitos, que formou o núcleo fundador do freudismo argentino: Luiz Rascovsky, irmão de Arnaldo, Matilde Wencelblat, sua mulher, Simon Wencelblat, irmão desta, Arminda Aberastury*, Guillermo Ferrari Hardoy e Luisa Gambier Alvarez de Toledo. Com os imigrantes, Celes Cárcamo*, Angel Garma*, Marie Langer, e seus amigos, Pichon-Rivière fundou em 1942 a Asociación Psicoanalítica Argentina (APA), da qual se afastaria em 1959. Analisado inicialmente por Garma e supervisionado por Cárcamo, foi depois para a Grã-Bretanha*, onde fez uma segunda supervisão* com Melanie Klein*. Como todos os representantes da terceira geração* psicanalítica mundial, Pichon-Rivière teve acesso à obra freudiana pela leitura e não por um contato direto com o mestre vienense. Por conseguinte, e também por amor à independência, recusando fechar-se num dogma, elabo-


Popescu-Sibiu, Ioan

rou um ensino muito pouco ortodoxo, permeado por múltiplas influências: uma espécie de paradigma do freudismo argentino. Simultaneamente socialista e adepto da psiquiatria dinâmica*, desenvolveu todas as formas de psicoterapias* das psicoses*, que questionavam a nosografia clássica, o niilismo terapêutico e o confinamento. Assim, orientou-se para diversas formas de práticas de grupo, desde a criação em 1947 do que ele chamava “grupo operativo”, que tinha como tarefa responder às duas angústias fundamentais da vida social e institucional (o medo e a perda), até a fundação, em 1959, da Escola de Psicologia Social, onde pôde transmitir não só sua concepção da “doença única” (enfermedad única), mas também um ensino original e aberto às aspirações da juventude estudantil. Com a expressão “doença única”, criada em 1947, ele atribuía, como observou Hugo Vezzetti, um quadro psicossomático* à psicose em geral, aproximando três entidades: a melancolia*, a epilepsia, a esquizofrenia*. Da primeira, fazia o núcelo central de toda psicose, descrevendo a perda do objeto como um equivalente a uma morte induzida por um supereu* sadomasoquista; da segunda, derivava, segundo ele, o protótipo de uma crise capaz de restaurar provisoriamente o equilíbrio pulsional; da terceira, Pichon-Rivière tirava o modelo de todas as formas de regressão para o eu*. Nessa perspectiva, a neurose* e a psicose se diferenciavam menos por sua estrutura do que pela profundidade das posições regressivas que elas geravam. Sob a denominação de doença única estavam pois reunidas várias tradições clínicas, que se reencontram no kleinismo*, na antipsiquiatria* e na Self Psychology*. Marcado pelo surrealismo, Pichon-Rivière encontrou-se com André Breton (1896-1966) e interessou-se pelos dois grandes escritores da modernidade literária que exprimiram, através de uma nova escrita poética, a idéia de mudar o homem a partir do “Eu é um outro”: Arthur Rimbaud (1854-1891) e Lautréamont (18461870). Nesse ponto, seus trabalhos contribuíram para estabelecer uma ligação entre as duas vias de implantação da psicanálise na Argenti-

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na: a via literária e cultural e a via terapêutica (psicologia, psiquiatria). Em 1955, entrou em contato com Jacques Lacan*, que o recebeu em sua casa em companhia de Tristan Tzara (1896-1963). Interessado em sua personalidade e nessa nova maneira de pensar o freudismo, ele teria um papel fundamental, dez anos depois, na introdução do lacanismo* em seu país, estimulando o jovem filósofo Oscar Masotta* a ler os textos do mestre francês. Por volta de 1965, desinteressou-se da análise didática*, mas o seu seminário, para o qual acorria a juventude, continuou a lhe garantir um lugar incontestável de líder intelectual, apesar do álcool e dos medicamentos: “Sua vida foi uma verdadeira deriva, escreveu Masotta, e de qualquer forma ela nos atingiu a todos, de um modo ou de outro. Ele tinha algo da imagem do Santo, a quem tudo é perdoado”. • Enrique Pichon-Rivière, Del psicoanálisis a la psicologia social, I e II, B. Aires, Galerna, 1970; Psicoanálisis del conde de Lautréamont, B. Aires, Argonauta, 1992 • Zito Lema, Conversaciónes con Pichon-Rivière, B. Aires, Timerman, 1976 • Oscar Masotta, “Sur la fondation de l’École Freudienne de Buenos Aires”, Ornicar?, 20-21, 1980, 227-35 • Antonio Cucurullo, Haydée Faimberg e Leonardo Wender, “La Psychanalyse en Argentine”, in Roland Jaccard (org.), Histoire de la psychanalyse, vol.2, Paris, Hachette, 1982, 395-444 • Jorge Balán, Cuéntame tu vida. Una biografíca colectiva del psicoanálisis argentino, B. Aires, Planeta, 1991 • Raúl Giordano, Notice historique du mouvement psychanalytique en Argentine, dissertação para o CES de psiquiatria, sob a orientação de Georges Lantéri-Laura, Universidade de Paris XII, s/d. • Hugo Vezzetti, Aventuras de Freud en el país de los Argentinos, B. Aires, Paidos, 1996 • Élisabeth Roudinesco, entrevista com Isidoro Vegh, 16 de fevereiro de 1990.

➢ FRANÇA.

Piggle, Pequena (caso) ➢ WINNICOTT, DONALD WOODS.

Plataforma ➢ ARGENTINA; CISÃO; LANGER, MARIE.

Popescu-Sibiu, Ioan (1901-1974) psiquiatra e psicanalista romeno

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Popper, Gisela

Ioan Popescu-Sibiu, médico militar, foi, com Constantin Vlad*, um dos dois pioneiros da psicanálise na Romênia*. Em 1927, defendeu sua tese de medicina sobre a doutrina freudiana na Universidade de Iasi. Reeditado até 1946, esse trabalho serviu de fonte principal de informação para aqueles que se iniciavam no freudismo*. Depois da Segunda Guerra Mundial, Popescu-Sibiu criticou o pansexualismo* freudiano e orientou-se para o que se convencionou chamar de neopsicanálise*, mas participou, com Vlad, da criação da Sociedade Romena de Psicopatologia e de Psicoterapia. • Gheorghe Bratescu, Freud si psihanaliza in Romania, Bucareste, Humanitas, 1994.

Popper, Gisela ➢ FLUSS, GISELA.

Porto-Carrero, Júlio Pires (1887-1936) psiquiatra e psicanalista brasileiro

Nascido em Olinda, Porto-Carrero foi um dos fundadores da psicanálise no Brasil*. Com Juliano Moreira*, estabeleceu em 1927, no Rio de Janeiro, uma filial da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP), criada por Durval Marcondes* em São Paulo. Psiquiatra da marinha e criminologista, dedicou a sua primeira obra, Ensaios de psicanálise, publicada em 1929, a um estudo das teses de Sigmund Freud* e de seus principais discípulos: Karl Abraham*, Wilhelm Stekel*, Carl Gustav Jung*, Alfred Adler* etc. Quando Freud recebeu o livro, declarou: “Os seus belos Ensaios, que me foram dedicados, chegaram exatamente no dia 5 de maio e foram para mim o mais feliz presente de aniversário. O doutor [Max] Eitingon*, de Berlim, estava me visitando, e mostrei-lhe sua carta. Nós nos alegramos com as boas notícias sobre os jovens do grupo brasileiro e ficamos impressionados com a grande quantidade de temas que o seu livro examina.” Como todos os fundadores do freudismo* brasileiro, Porto-Carrero não foi analisado, considerando-se aliás, publicamente, como um psicanalista selvagem. Trabalhou pela reforma da justiça penal, indo até a propor que os juízes

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se submetessem a um tratamento, a fim de abstrair-se, no exercício de suas funções, de qualquer sentimento de vingança. • Júlio Pires Porto-Carrero, Ensaios de psicanálise, Rio de Janeiro, Flores e Mano, 1934 • Marialzira Perestrello, “Histoire de la psychanalyse au Brésil des origines à 1937”, Frénésie, 10, primavera de 1992, 283301.

posição depressiva/posição esquizo-paranóide a l. Depressive Einstellung/paranoide-schizoide Einstellung; esp. posición depresiva/posición esquizo-paranoid; fr. position dépressive/position paranoïde-schizoïde; ing. depressive position/paranoid-schizoid position. A idéia de posição depressiva foi introduzida por Melanie Klein*, em 1934, para designar uma modalidade da relação de objeto* consecutiva a uma posição persecutória (ou paranóide). Esta intervém durante o quarto mês de vida e vai sendo superada ao longo da infância, sendo depois reativada, durante a vida adulta, no luto ou, de maneira mais grave, nos estados depressivos. Em 1942, Melanie Klein introduziu, em lugar da idéia de posição persecutória, a de posição esquizo-paranóide, o que permitiu, do ponto de vista evolutivo, definir a passagem da posição esquizoparanóide para a posição depressiva como a marca fundamental, em todo sujeito*, da passagem de um estado arcaico de psicose* para um funcionamento normal.

Tal como Sigmund Freud* e Donald Woods Winnicott*, muitas vezes Melanie Klein erigiu seus conceitos sobre uma oposição binária. Foi o que aconteceu, em especial, com as idéias de objeto bom e mau, de inveja e gratidão e, finalmente, das posições (depressiva, de um lado, e esquizo-paranóide, de outro, uma introduzida em 1934, a outra oito anos depois). Desde seus primeiros trabalhos, Melanie Klein rejeitou a palavra inglesa phase (estádio* [fase]), em favor de posição. Com efeito, a palavra phase pressupõe um começo, um fim e uma suspensão definitiva do estado descrito, ou seja, uma duração exata. Ao contrário, a palavra posição mostra com clareza que o estado (depressivo, paranóide, esquizóide) intervém num dado momento da existência do sujeito*, num estádio preciso do desenvolvimento, mas


posição depressiva/posição esquizo-paranóide

pode repetir-se depois, estruturalmente, em certas etapas da vida. Além disso, o termo exprime a idéia de que a criança muda de atitude ou desloca sua posição quanto à relação de objeto. Foi depois de haver começado a estudar as relações arcaicas da criança com a mãe e de ter deslocado a clínica freudiana para uma interrogação sobre a origem das psicoses que Melanie Klein introduziu o conceito de posição depressiva, ao mesmo tempo que o de objeto* (bom e mau), durante uma conferência de 1934, intitulada “Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos”. Ela mesma acabava de atravessar um grave período de depressão, consecutivo à morte acidental de seu filho Hans. Inspirando-se nos trabalhos de Freud (sobre o luto e a melancolia*) e de Karl Abraham* (sobre os estados maníacos e depressivos, sobre a depressão primária), ela introduziu progressivamente no campo da psicanálise o domínio que a psiquiatria designara na categoria das doenças mentais. Não é de surpreender, portanto, que encontremos no par kleiniano posição depressiva/posição esquizo-paranóide os três adjetivos que remetem aos três grandes componentes modernos da psicose* no século XX: a esquizofrenia (Eugen Bleuler*), a paranóia (Emil Kraepelin*/Freud) e a psicose maníacodepressiva*, herdeira da antiga melancolia*. A idéia de posição depressiva ilustra o fato de que o desenvolvimento normal da criança apresenta uma analogia com o quadro clínico da depressão. Ela serve para introjetar no eu* um objeto interno suficientemente bom para superar o estado persecutório (paranóico) próprio da perda da mãe como objeto parcial. Quando não consegue ver a mãe como um objeto total, e tampouco como uma clivagem entre o bom e o mau objetos, a criança corre o risco de evoluir para a psicose (paranóia ou depressão). No caso inverso, ela supera esse estado de destruição do eu pela posição depressiva, que assinala, portanto, para qualquer sujeito preso numa situação pré-edipiana, um momento capital entre o processo de fixação da neurose* e o da psicose. Em 1946, numa comunicação apresentada à British Psychoanalytical Society (BPS) sob o título de “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”, Melanie Klein inventou o conceito

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de identificação projetiva*, para designar um modo específico de projeção* e identificação* que consiste em introduzir a própria pessoa no objeto para prejudicá-lo. Ao mesmo tempo, ela transformou a noção de posição persecutória no conceito de posição esquizo-paranóide. Esse termo fora empregado em 1941 por Ronald Fairbairn*, grande especialista inglês no tratamento da esquizofrenia*, para descrever a clivagem* original do eu. Tratava-se, na ocasião, de ampliar a clínica psicanalítica, passando de uma teoria do eu para uma psicologia do self. Em 1942, Melanie Klein tomou emprestado o termo de Fairbairn para destacar a coexistência, na posição esquizo-paranóide, de uma clivagem esquizofrênica e uma angústia persecutória, mas sobretudo para mostrar a coerência interna da construção, para o sujeito, de suas relações objetais. Klein esclareceria seu pensamento num artigo de 1952, intitulado “Algumas conclusões teóricas a propósito da vida emocional dos bebês”. Com a conceituação dessas duas noções concluiu-se o edifício da teoria kleiniana das posições, que permite pensar a organização subjetiva não mais em termos de estádios mais ou menos biológicos, porém de acordo com um sistema em que o mundo fantasístico do eu, do self, do objeto, da projeção, da identificação e da introjeção* organiza-se numa estrutura coerente e distinta do mundo da realidade objetiva. Sob esse aspecto, o pensamento kleiniano assemelha-se ao pensamento lacaniano, na medida em que ambos, diversamente do sistema freudiano, atribuem um espaço preponderante à construção do imaginário* e ao lugar da loucura* no cerne da realidade subjetiva. • Melanie Klein, Contribuições à psicanálise (Londres, 1948), S. Paulo, Mestre Jou, 1970 • Melanie Klein et al., Os progressos da psicanálise (Londres, 1952), Rio de Janeiro, Zahar, 1978 • Karl Abraham, “Breve estudo do desenvolvimento da libido, visto à luz das perturbações mentais” (1924), in Teoria psicanalítica da libido. Sobre o caráter e o desenvolvimento da libido, Rio de Janeiro, Imago, 1970 • Jean-Bertrand Pontalis, “Nos débuts dans la vie selon Melanie Klein”, in Après Freud, Paris, Gallimard, 1968, 191-214 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Hanna Segal, Développement d’une pensée (Londres, 1979), Paris, PUF, 1982 • Gérard Bleándonu, L’École de Melanie Klein, Paris, Le Centurion, 1985 • R.D.

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posterioridade

Hinshelwood, Dicionário do pensamento kleiniano (Londres, 1991), P. Alegre, Artes Médicas, 1992.

➢ BION, WILFRED RUPRECHT; BORDERLINES; ESTÁDIO DO ESPELHO; KOHUT, HEINZ; NARCISISMO; OBJETO TRANSICIONAL; SELF (FALSO E VERDADEIRO); SULLIVAN, HARRY STACK.

posterioridade ➢ A POSTERIORI.

Prados, Miguel (1894-1969) psiquiatra e psicanalista canadense

Nascido em Málaga, na Espanha*, Miguel Prados foi aluno de Emil Kraepelin* antes de se engajar, em 1937, no serviço de transfusão de sangue do exército republicano. Depois da vitória do franquismo, tomou o caminho do exílio e instalou-se em Londres, onde ficou até 1944, com sua mulher e suas duas filhas. Dali, partiu para Montreal e tornou-se professor na Universidade McGill. Em 1946, fundou o Círculo Psicanalítico de Montreal, primeira instituição freudiana do Canadá*, que se enriqueceria, ao longo dos anos, de vários profissionais formados no estrangeiro. Seis anos depois, após ser eleito membro da British Psychoanalytical Society (BPS), Prados criou a Sociedade dos Psicanalistas Canadenses, que deu continuidade ao Círculo de Montreal. Em 1953, esta tomou o nome francês de Société Canadienne de Psychanalyse e inglês de Canadian Psychoanalytic Society (SCP/CPS). Foi reconhecida como sociedade componente da International Psychoanalytical Association* (IPA) no Congresso de Paris, em julho de 1957. Depois de desempenhar um papel pioneiro na fundação do movimento psicanalítico canadense, Miguel Prados voltou à Espanha em 1960. Mas retornou a Montreal para tratar de um câncer, do qual morreu com a idade de 74 anos. • Arquivos Jean Baptiste Boulanger.

➢ CHENTRIER, THÉODORE; CLARKE, CHARLES KIRK; GLASSCO, GERALD STINSON; MEYERS, DONALD CAMPBELL; SLIGHT, DAVID.

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preclusão ➢ FORACLUSÃO.

pré-consciente al. Vorbewusst; esp. preconciente; fr. préconscient; ing. preconscious Sigmund Freud* utilizou o termo pré-consciente como substantivo para designar uma das três instâncias, com as do consciente* e do inconsciente*, de sua primeira tópica*. Empregado como adjetivo, o termo qualifica os conteúdos dessa instância ou sistema que, apesar de não estarem presentes na consciência*, continuam acessíveis a ela, diversamente dos conteúdos do sistema inconsciente. No contexto da segunda tópica freudiana, o pré-consciente, distinto do eu* e sobretudo da parte inconsciente deste, inscreve-se, todavia, no domínio dessa instância.

Assim como os termos consciente, inconsciente ou eu, pré-consciente é uma expressão que preexistiu a Freud. Podemos encontrá-la nas principais obras dos filósofos e psicólogos alemães do século XIX, principalmente no livro de referência de Eduard von Hartmann (18421906), Filosofia do inconsciente, publicado em 1868. O termo surgiu pela primeira vez na pena de Freud na famosa carta a Wilhelm Fliess* de 6 de dezembro de 1896, ao mesmo tempo que a expressão aparelho psíquico. Desse momento em diante, a palavra foi alçada à categoria de conceito e recebeu uma definição pormenorizada: o pré-consciente está ligado às representações verbais e corresponde “a nosso eu oficial. Os investimentos desse Precs. [mais tarde, Freud escreveria Pcs] tornam-se conscientes de acordo com certas leis”. No último capítulo de A interpretação dos sonhos*, o pré-consciente é objeto de definições mais precisas. É concebido, a princípio, na reformulação do aparelho psíquico, “como o último dos sistemas na extremidade motora, para indicar que, desse ponto, os fenômenos de excitação podem chegar à consciência sem maior demora, desde que sejam atendidas outras condições, como, por exemplo, um certo grau de intensidade, uma certa distribuição da função a que chamamos atenção. Ao mesmo tempo, trata-se do sistema que contém as chaves da motricidade voluntá-


Preiswerk, Hélène

ria”. Por oposição, o inconsciente é situado muito “mais atrás: não pode ter acesso à consciência a não ser passando pelo préconsciente, e, durante essa travessia, o processo de excitação tem que se curvar a certas modificações”. No final desse mesmo capítulo, quando Freud estabelece a distinção entre sua noção de inconsciente e a de seus predecessores, o pré-consciente é considerado inconsciente no sentido descritivo, mas distingue-se do inconsciente no sentido dinâmico, freudiano, pelo fato de que seus conteúdos podem chegar à consciência, “talvez somente depois do controle de uma nova censura, mas sem consideração pelo sistema inconsciente”. Essa distinção foi retomada quase 25 anos depois, em O eu e o isso*, onde o pré-consciente é qualificado de inconsciente latente, passível de se tornar consciente e distinto do inconsciente recalcado, “que em si, e numa palavra, é incapaz de se tornar consciente”. Situado entre o inconsciente e o consciente, o pré-consciente separa-se do inconsciente por uma censura* severa. Esta impede o acesso dos conteúdos inconscientes ao pré-consciente, na medida em que, na extremidade oposta, a censura entre o pré-consciente e o consciente é permeável. A propósito disso, Freud fala ainda do sistema “pré-consciente/consciente” (PcsCs). Em outras palavras, do ponto de vista da economia da organização psíquica, caracterizada pela busca da menor tensão e pela adaptação ao princípio de realidade*, o pré-consciente não é muito confiável, porquanto é suscetível de deixar que as moções de desejo inconscientes passem para o consciente com demasiada facilidade. Assim, o pré-consciente age como um protetor do consciente: faz triagens e seleciona, com a finalidade de afastar as moções desagradáveis que possam importunar o consciente. Nesse sentido, está ligado ao processo secundário, mas essa distinção, que implica uma correlação entre o inconsciente e o processo primário, é freqüentemente questionada por Freud, precisamente quando essa atividade organizadora se exerce a propósito dos restos diurnos: nossa atenção, que resulta da atividade pré-consciente, pode muito bem abandonar certos pensamentos, mas nem por isso estes deixa-

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rão de seguir seu curso, reaparecendo de maneira deturpada em nossos sonhos: “Chamamos esse processo de pré-consciente”, escreve Freud, “e o consideramos inteiramente normal.” Até o fim de sua obra, e em especial no Esboço de psicanálise*, Freud manteria essa concepção do pré-consciente, sempre sublinhando que uma das características deste relaciona-se com sua proximidade das “representações de palavra” e, portanto, da linguagem. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986; A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “O inconsciente” (1915), ESB, XIV, 191-233; GW, X, 263-303; SE, XIV, 159-204; OC, XIII, 205-243; O eu e o isso (1923), ESB, XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 1967 • Pierre Kaufmann, “Pré-consciente”, in id. (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 424-26 • Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.

Preiswerk, Hélène (1880-1911) Em sua tese de medicina publicada em 1902, Carl Gustav Jung* relatou a experiência que levara a cabo com uma jovem espírita apelidada de S.W., cujo avô materno, um pastor protestante, tinha alucinações visuais, cujo irmão exibia um retardo mental e cuja irmã sofria de um certo número de anomalias mentais. Em sua exposição, Jung não poupou o lado paterno, sublinhando que a avó da paciente era histérica e sujeita a crises de sonambulismo, durante as quais “fazia profecias”. Os pais eram vítimas de distúrbios mentais, dois irmãos eram excêntricos e duas irmãs apresentavam sintomas histéricos. Durante as sessões de espiritismo*, S.W. revivia vidas anteriores. Tendo lido por acaso um livro de Justinius Kerner (1786-1862), A vidente de Prevorst, que relata um caso de transe magnético, ela começou a se hipnotizar e, mais tarde, a falar diversas línguas. Decorrido algum tempo, apaixonou-se por Jung, que pa-

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rou de participar das sessões quando a apanhou em flagrante delito de fraude. Em sua tese, Jung referiu-se à espírita de maneira desdenhosa e a reduziu a um puro objeto de observação. Essa tese, calorosamente acolhida por Théodore Flournoy*, que acabara de ter uma experiência idêntica, provocou, no entanto, uma enxurrada de protestos indignados, em razão da maneira como foi apresentada a história de S.W. Em 1975, Stéfanie Zumstein-Preiswerk revelou a identidade de sua tia, S.W.: tratava-se de Hélène Preiswerk (1880-1911), prima de Jung. A tese de Jung fora, na realidade, uma autobiografia disfarçada, que continha uma genealogia familiar. Samuel Preiswerk (17991871), o avô materno de Jung, pastor, teólogo, hebraísta e adepto do espiritismo, passara a vida inteira perto de uma cadeira especial, instalada em seu gabinete e reservada ao espírito de sua primeira mulher, que o “visitava” toda semana. Quando ele redigia seus sermões, sua filha Émilie Preiswerk (1848-1923), a futura mãe de Carl Gustav, tinha que se postar de pé atrás de sua cadeira, para impedir que os espíritos lessem por cima de seus ombros. Ela era feia e, depois do casamento, tornou-se uma mulher autoritária e depressiva, que passava o tempo em exercícios de espiritismo. Seu irmão, Rudolf Preiswerk, teve duas filhas, Hélène e Louise, e foi com elas e com a mãe que o jovem Jung adquiriu o hábito, na adolescência, de se entregar ao espiritismo, sem o conhecimento de seu pai, o reverendo Paul Jung (1842-1896), que desconhecia as atividades das mulheres da família. O pai de Paul chamava-se Carl Gustav Jung (1799-1864), dito o Velho. Ilustre personagem da vida de Basiléia, fora preso na juventude por suas idéias políticas e, mais tarde, depois de um período de exílio, dedicara-se ao tratamento das doenças da alma. Stéphanie Zumstein-Preiswerk revelou também qual tinha sido o trágico destino de Hélène. Depois de mergulhar num estado de completa desintegração psíquica, ela morrera de tuberculose em Paris. Nunca havia perdoado o primo por tê-la assim usado como cobaia em suas experiências. Em 1993, Henri F. Ellenberger* redigiu um artigo sobre esse episódio, seu último texto antes de morrer, onde mostrou, mais uma vez, como o destino dos pacientes é dife-

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rente das narrativas dos casos feitas pelos cientistas. • Carl Gustav Jung, “Para uma psicologia e patologia dos chamados fenômenos ocultos. Um estudo psicanalítico” (Leipzig, 1902), in A energia psíquica (Paris, 1956), Petrópolis, Vozes, 1983 • Henri F. Ellenberger, “Carl Gustav Jung et Hélène Preiswerk. Étude critique avec documents nouveaux” (1993), in Médecine de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995.

➢ ANZIEU, MARGUERITE; HISTERIA; PANKEJEFF, SERGUEI CONSTANTINOVITCH; PAPPENHEIM, BERTHA; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; RORSCHACH, HERMANN; SPIELREIN, SABINA.

Presidente Thomas Woodrow Wilson, O Livro de William Christian Bullitt (1891-1967), escrito em colaboração com Sigmund Freud* e prefaciado por Sigmund Freud em 1930. Publicado em inglês, em Londres e Boston, em 1967, sob o título Thomas Woodrow Wilson. A Psychological Study. Traduzido para o francês por M. Tadié, em 1967, sob o título Portrait psychologique de Thomas Woodrow Wilson. Republicado com a mesma tradução, em 1990, sob o título Le Président T.W. Wilson.

Em 1919, William Bullitt, oriundo de uma família abastada de Filadélfia e transformado em assessor do presidente Wilson (1856-1924), foi enviado à Rússia numa missão. Entusiasmou-se com a revolução de outubro e negociou com Lenin (1870-1924) com vistas ao restabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Wilson rejeitou suas propostas e ele se demitiu. Depois de se casar com Louise Bryant, viúva de John Reed (autor de Os dez dias que abalaram o mundo), Bullitt atravessou um período de dez anos de afastamento do poder. Fez jornalismo, escreveu um romance de sucesso e freqüentou o meio cinematográfico. Foi através de sua mulher, então em análise com Sigmund Freud, que se encontrou com este pela primeira vez, em Berlim, em maio de 1930. Freud estava passando uma temporada na clínica de Tegel (na casa de Ernst Simmel*), e Bullitt o achou deprimido, atormentado por seus sofrimentos e não mais pensando em outra coisa senão a morte. Para distraí-lo, falou-lhe do livro que estava preparando sobre os quatro protago-


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nistas do Tratado de Versalhes: Thomas Woodrow Wilson, Georges Clemenceau (18411929), David Lloyd George (1863-1945) e Vittorio Emanuele Orlando (1860-1952). Foi então que o rosto do velho mestre se iluminou. Desde seu livro Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância, em relação ao qual tinha enfrentado uma cruel escassez de arquivos, ele sonhava dedicar um ensaio ao destino de um personagem sobre o qual dispusesse de toda a documentação necessária. Assim, propôs a Bullitt escrever com ele um livro sobre Wilson e o tomou em análise. Por que se interessou Freud pelo vigésimo oitavo presidente dos Estados Unidos*, um presbiteriano tacanho, de extrema feiúra e de temperamento doentio? A resposta é simples: Freud não gostava desse homem, a quem julgava responsável pelos infortúnios da Mitteleuropa. Censurava-o por haver ratificado um tratado iníquo, mediante o qual os vencedores haviam ditado sua lei aos vencidos. Com efeito, por sua submissão aos signatários francês e inglês, Wilson foi o artífice de um tratado que, humilhando a Alemanha* e desarticulando os impérios centrais, favoreceria a ascensão do nazismo* e conduziria à Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, Freud lera um livro, publicado em 1920, onde se estudava o estilo dos discursos de Wilson. Em outubro de 1930, Bullitt levou-lhe cerca de 1.500 páginas datilografadas de notas sobre a vida e a atividade política de Wilson. Freud tomou conhecimento delas e se tornou, ao mesmo tempo, amigo e analista do diplomata. Juntos, os dois discutiram ponto a ponto cada momento importante da vida do presidente. Freud redigiu então um primeiro rascunho de algumas partes do futuro manuscrito, enquanto Bullitt se encarregava de outras. Uma vez concluído esse trabalho, cada um leu a parte do outro, até que os dois pedaços compusessem uma obra comum. Para dar destaque ao livro, Freud concordou em que ele fosse lançado nos Estados Unidos, sob a responsabilidade de Bullitt. No intuito de não sobrecarregar o texto, os dois autores resolveram conservar apenas as notas redigidas pelo diplomata a respeito da infância e adolescência de Wilson. Como quer que fosse, em 7 de dezembro de 1930, numa carta a Arnold

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Zweig*, Freud declarou estar trabalhando numa “introdução a um livro de outra pessoa”. Em janeiro de 1932, Bullitt enviou a Freud a soma de 2.500 dólares, a título de adiantamento pela edição norte-americana, mas eclodiu uma briga entre os dois. Freud manifestou uma intensa insatisfação e, de repente, modificou o texto comum, acrescentando trechos que Bullitt não aprovava. Nem um nem outro jamais revelariam o motivo dessa briga, nem tampouco o conteúdo das partes acrescentadas. Em 28 de maio, Marie Bonaparte* anotou em seu diário que o livro com Bullitt estava terminado, mas aguardava as eleições norte-americanas. Com efeito, o diplomata retornara aos Estados Unidos para participar da campanha dos democratas a favor de Roosevelt. A disputa não parece haver afetado Freud em demasia, porque, em 16 de fevereiro de 1933, ele escreveu a Jeanne Lampl de Groot*: “Bullitt é o único norte-americano que entende alguma coisa da Europa e quer fazer algo por ela. Por isso é que não consigo esperar que lhe confiem um cargo em que ele possa ser eficaz e agir à sua maneira.” Em agosto de 1933, Bullitt foi nomeado por Roosevelt embaixador dos Estados Unidos na União Soviética. Em dezembro, Freud declarou a Marie Bonaparte: “De Bullitt, nenhuma notícia; nosso livro não verá a luz.” Segundo Bullitt, os dois decidiram, após uma viva discussão, esquecer o texto por três semanas. Quando se reencontraram, no momento da partida do diplomata para Moscou, chegaram a um acordo no sentido de deixar que o livro comum amadurecesse, a fim de voltarem a ele posteriormente. Cada um dos dois homens apôs sua assinatura a cada capítulo do manuscrito. Em 20 de maio de 1935, Bullitt reapareceu em Viena como um meteoro e Freud não falou mais do livro. Em 23 de maio de 1936, Marie Bonaparte passou o dia em Viena com Bullitt e anotou em seu diário: “Ele está vivo! Quer ajudar a Verlag, mas não pára de se queixar de que a análise lhe tira a alegria de viver.” Desencantado com sua estada na URSS, estava à espera de outra nomeação. Em agosto, foi nomeado embaixador em Paris e, desse dia em diante, não parou de denunciar o perigo nazista. Quando da anexação da Áustria, assegurou-se do respaldo pes-

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soal de Roosevelt para ir à embaixada da Alemanha em Paris e ameaçar os nazistas de escândalo, caso eles tocassem na família Freud. Quando o mestre vienense chegou a Paris, em junho de 1938, Bullitt foi recebê-lo, juntamente com Marie Bonaparte, e o acompanhou até a estação Saint-Lazare, ponto de partida para seu exílio na Grã-Bretanha. Foi em Londres que os dois homens enfim resolveram sua querela. Segundo a versão de Bullitt, Freud concordou em suprimir as passagens acrescentadas e o diplomata integrou as novas modificações freudianas — ninguém sabe dizer quais. Tomou-se então a decisão comum de publicar o livro depois da morte da segunda mulher de Wilson. Em 17 de novembro, Marie Bonaparte indicou em seu diário que “os manuscritos de Freud foram remetidos a Bullitt na América”. A espantosa aventura desse manuscrito inverossímil não pára por aí. Quando da invasão da França*, Bullitt permaneceu em Paris e não acompanhou o governo de Paul Reynaud (1878-1966) no exílio. Achava, com justa razão, que uma intervenção norte-americana não estava na ordem do dia, mas subestimava o poder de resistência da Inglaterra, não acreditava no da França e se enganava quanto às possibilidades de uma aliança com a URSS, atitude esta que lhe seria censurada pelo general de Gaulle. Em 30 de junho de 1940, ele deixou Paris, para onde voltaria em setembro de 1944, com o grau de comandante do primeiro exército francês. Em 1956, Bullitt fez com que o manuscrito fosse lido por Ernest Jones*, que sublinhou considerar um privilégio ser seu primeiro leitor: “Embora se trate de um trabalho em comum”, disse, “não é difícil estabelecer uma distinção entre a contribuição analítica de um dos autores e a contribuição política do outro.” O biógrafo de Freud nada mais disse. Em 1964, Bullitt dirigiu-se a Max Schur*, que estava redigindo Freud: vida e agonia. Este se mostrou interessado e lhe perguntou onde estavam as notas e documentos preparatórios redigidos por Freud. O embaixador respondeu que, em junho de 1940, por descuido, seu criado de quarto os havia queimado juntamente com arquivos da embaixada norte-americana.

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Assim, portanto, todos os vestígios da colaboração entre Freud e Bullitt foram reduzidos a cinzas. Schur sugeriu que Bullitt remetesse uma cópia do manuscrito a Anna Freud*, para que ele fosse publicado no âmbito oficialíssimo da Sigmund Freud Copyrights. Bullitt despachou o texto sem pedir nenhuma ajuda a Anna, que, depois de lê-lo atentamente, declarou que somente o prefácio era de autoria de seu pai. O veredito foi inapelável. Desse dia em diante, Wilson foi banido da comunidade psicanalítica internacional, a ponto de ser considerado apócrifo. Bullitt encarregou-se sozinho, um ano antes de morrer, da publicação norte-americana: ela contém uma introdução de Freud, na qual este sublinha claramente haver colaborado para o livro, uma outra de Bullitt, notas deste sobre a infância de Wilson e uma elaboração comum sobre o destino político do personagem. Erik Erikson*, em 1967, e Ilse Grubrich-Simitis, em 1987 (no prefácio à edição alemã), deram uma opinião próxima da de Anna Freud. Por conseguinte, o livro não figura nas edições completas da obra de Freud (inglesa, francesa e alemã). Portanto, as diferentes versões sobre o episódio se contradizem. Enquanto Marie Bonaparte anotou que os manuscritos de Freud tinham sido enviados a Bullitt na América, este declarou a Schur que seu criado os havia queimado em Paris. Quanto a Freud, ele nunca disse qual parte do livro tinha redigido, mas sempre apoiou o projeto, afirmando haver contribuído para ele. Sem dúvida, Anna Freud, Schur e Erikson foram imprudentes ao decidir como decidiram a questão da atribuição dos textos. O livro em si é notável. Além do vocabulário psicanalítico e conceitual simplista, que se deve à pena de Bullitt, ele propõe uma análise espantosa da loucura de um estadista aparentemente normal no exercício de suas funções. Identificado desde a mais tenra idade com a figura de seu “pai incomparável”, um pastor presbiteriano e grande pregador de sermões, Wilson a princípio tomou-se pelo filho de Deus, antes de se converter a uma religião de sua própria lavra, na qual se atribuía o lugar de Deus. Optou por abraçar a carreira política a fim de realizar seus sonhos messiânicos. Quando se tornou presidente, nunca havia transposto as


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fronteiras da América, que considerava, tal como a Inglaterra de Gladstone, o mais belo país do mundo. Não conhecia a geografia da Europa e ignorava que nela se falavam diversas línguas. Foi assim que, durante as negociações do Tratado de Versalhes, esqueceu-se da existência do passo de Brenner e entregou à Itália* os austríacos do Tirol, sem saber que eles falavam alemão. Do mesmo modo, acreditou na palavra de um parente que lhe afirmou que a comunidade judaica contava cem milhões de indivíduos, distribuídos pelos quatro cantos do mundo. Odiando a Alemanha, Wilson achava que seus habitantes viviam como animais selvagens. Para levar adiante sua política internacional, ele inventou silogismos delirantes. Uma vez que Deus é bom e a doença é ruim, ele deduziu que, se Deus existe, a doença não existe. Esse raciocínio lhe permitiu negar a realidade em prol de uma crença na onipotência de seus discursos. Essa denegação* da realidade o levou, segundo os autores, ao desastre diplomático. Assim é que ele criou a Sociedade das Nações antes de discutir as condições de paz, mediante o que os vencedores, garantidos pela segurança norte-americana, puderam despedaçar a Europa e condenar a Alemanha com toda a impunidade. Wilson imaginou, então, deter em quatorze pontos a chave da fraternidade universal. Mas, em vez de entrar em negociações com seus parceiros, discutindo as questões econômicas e financeiras, fez-lhes um sermão da montanha. Depois disso, deixou a Europa, convencido de os haver persuadido e de haver instaurado na Terra a paz eterna. Qualquer que tenha sido o pivô da briga entre Freud e Bullitt, esse livro, desprezado pelos historiadores e suspeito de ser apócrifo pela comunidade freudiana, traduz muito bem, no entanto, uma concepção freudiana da história. Com efeito, ele descreve o encontro entre um destino individual, no qual intervém a determinação inconsciente, e uma situação histórica precisa sobre a qual atua essa determinação. Mas o livro também faz pensar num devaneio aristotélico sobre o herói decaído. Wilson é comparado por Freud a Dom Quixote, ou seja, ao avesso ridículo do Príncipe de Nicolas Ma-

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quiavel (1469-1527): o contrário de um grande homem. • Sigmund Freud e William Bullitt, Le Président Thomas Woodrow Wilson (Londres, Boston, 1967), Paris, Payot, 1990 • Sigmund Freud, “Introdução” a Sigmund Freud e William C. Bullitt, Thomas Woodrow Wilson, GW, Nachtragsband, 685-92, OC, XVIII, 362-372; Chronique la plus brève. Carnets intimes, 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992 • William Bayard Hale, The Story of a Style, N. York, B.W. Huebsch, 1920 • Marie Bonaparte, Cahiers noirs (diário), 1925-1939, inédito (arquivos Élisabeth Roudinesco) • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Erik Erikson, “Book Review”, International Journal of Psychoanalysis, vol.48, 1967, 462-68 • Max Schur, Freud: vida e agonia, uma biografia, 3 vols. (N. York, 1972) Rio de Janeiro, Imago, 1981.

➢ LOUCURA; PSICANÁLISE APLICADA.

Prince, Morton (1854-1929) psiquiatra e psicoterapeuta americano

Contemporâneo de Sigmund Freud* e de Théodore Flournoy*, Morton Prince ocupa, na história da psicanálise* nos Estados Unidos*, o lugar correspondente ao de Pierre Janet* na França*. Adversário declarado do freudismo*, mas brilhante adepto da hipnose*, foi um dos pioneiros da Escola Bostoniana de Psicoterapia*, onde, em torno de William James (18771910), James Jackson Putnam*, Josiah Royce* e alguns outros, elaborou-se, entre 1895 e 1909, o método de tratamento das doenças nervosas mais racional e mais científico do mundo anglo-saxônico. Foi em Boston, e em parte graças à conversão freudiana de Putnam, que a doutrina psicanalítica pôde desenvolver-se no continente americano. Nascido em Boston, em uma família abastada da Nova Inglaterra, Prince obteve o seu diploma de médico na Universidade Harvard, em 1879. Um ano depois, foi à França com sua mãe, para consultar Jean Martin Charcot*, pois esta sofria de distúrbios psíquicos. Em meados dos anos 1880, interessou-se pela questão das personalidades múltiplas*, iniciou-se na sugestão, encontrou Hippolyte Bernheim*, e descobriu os trabalhos de Janet e os Estudos sobre a histeria*, publicados por Freud e Josef Breuer*, em 1895. A partir de 1902, entrou para

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a Tufts University com o título de professor de doenças do sistema nervoso. Em uma série de artigos, elaborou então uma teoria behaviorista das neuroses*, mostrando que seus sintomas eram provocados por associações acidentais, que se cristalizavam depois em modelos rígidos. Em 1901, participou em Paris do IV Congresso Internacional de Psicologia, no qual se encontravam Janet, Flournoy, Théodule Ribot (1839-1916) e muitos outros. Prince apresentou o caso de Sally Beauchamp, uma jovem de 23 anos, capaz de assumir até cinco personalidades distintas, e que fora tratada pelo hipnotismo. Um ano depois, ele contou a sua história em um livro dedicado ao fenômeno da dissociação, que teve grande sucesso. Transposto para o teatro, o relato do caso foi encenado na Broadway, em salas repletas. Em 1906, tornando-se célebre, Prince fundou o Journal of Abnormal Psychology, primeiro periódico de língua inglesa exclusivamente dedicado à psicoterapia, no qual foram publicadas várias controvérsias a respeito da nova doutrina freudiana. Ao contrário de seu amigo Putnam, Prince rejeitou a psicanálise e propôs um educational treatment: “O tratamento pode, sempre pôde e poderá fazer-se sem a psicanálise; aliás, esta se serve do método educativo e não apenas do ‘princípio da luz do dia’. Desafio qualquer pessoa a utilizar a psicanálise sem utilizar ao mesmo tempo o método educativo, tal como o utilizamos.” Como muitos eruditos da época, Prince recusava a teoria freudiana da sexualidade*, não aceitava o simbolismo* do sonho* e se apegava a uma concepção subconsciente do inconsciente*. Além disso, criticava duramente o fanatismo dos freudianos e sua tendência a construir uma espécie de “ciência cristã” de tipo espiritualista. Atacava particularmente Ernest Jones*, que declarava que só o método psicanalítico podia dar resultados em matéria de tratamento das doenças nervosas. Assim, engajou-se com Putnam em uma interessante controvérsia, apresentando em maio de 1912, na American Psychopathological Association, um estudo comparativo sobre o mesmo paciente. Depois, sob o pseudônimo de Fiona McLeod, publicou uma crítica radical do freudismo.

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Em 1913, publicou uma volumosa obra sobre o inconsciente, que teve imenso sucesso editorial e lhe permitiu ser considerado o maior especialista americano em psiquiatria dinâmica*. Em 1926, foi nomeado professor associado do New Department of Abnormal and Dynamic Psychology na universidade. Apesar de sua hostilidade pela psicanálise, conservou boas relações com Putnam, graças a quem moderou suas críticas, a ponto de admitir, depois da Primeira Guerra Mundial, que a psiquiatria dinâmica devia a Freud duas noções maiores: o conflito e o recalque*. • Morton Prince, “Genèse et développement des ‘personnalités’ des demoiselles Beauchamp” (1901), in Jacques Postel, La Psychiatrie, Paris, Larousse, 1994, 385-97; La Dissociation de la personnalité (N. York, Londres, 1908), Paris, Alcan, 1911 • A. Murray, “Morton Prince. Sketch of his life and work”, Journal of Abnormal Psychology, 52, 1956, 291-5 • Carl Gustav Jung, Tipos psicológicos (N. York, 1925), Petrópolis, Vozes, 1991 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • L’Introduction de la psychanalyse aux États-Unis. Autour de James Jackson Putnam (Londres, 1968), Nathan G. Hale (org.), Paris, Gallimard, 1978, 17-86 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Beginnings of Psychoanalysis in the United States, 1876-1917, t.I, (1971), N. York, Oxford University Press, 1995.

➢ BRILL, ABRAHAM ARDEN; CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE; MEYER, ADOLF; PANSEXUALISMO.

princípio de constância ➢ FECHNER, DE PRAZER.

GUSTAV; MAIS-ALÉM DO PRINCÍPIO

princípio de Nirvana al. Nirwanaprinzip; esp. principio de Nirvana; fr. principe de Nirvana; ing. Nirvana principle Termo derivado do budismo e da filosofia de Arthur Schopenhauer (1788-1860), proposto pela psicanalista inglesa Barbara Low (1877-1955) e posteriormente retomado por Sigmund Freud*, em Maisalém do princípio de prazer*, para designar uma tendência do aparelho psíquico a aniquilar qualquer excitação e qualquer desejo*. • Barbara Low, Psycho-Analysis. A Brief Account of the Freudian Theory, Londres, Allen & Unwin, 1920.


psicanálise

princípio de prazer/princípio de realidade al. Lustprinzip/Realitäts-prinzip; esp. principio de placer/principio de realidad; fr. principe de plaisir/principe de réalité; ing. pleasure principle/principle of reality Par de expressões introduzido por Sigmund Freud* em 1911, a fim de designar os dois princípios que regem o funcionamento psíquico. O primeiro tem por objetivo proporcionar prazer e evitar o desprazer, sem entraves nem limites (como o lactente no seio da mãe, por exemplo), e o segundo modifica o primeiro, impondo-lhe as restrições necessárias à adaptação à realidade externa. • Sigmund Freud, “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), ESB, XII, 27790; GW, VIII, 230-8; SE, XII, 213-26; in Résultats, idées, problèmes, Paris, PUF, 1984, vol.I, 135-43 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.

➢ CASTRAÇÃO; FECHNER, GUSTAV; GOZO; MAISALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER; PULSÃO; REALIDADE PSÍQUICA.

projeção al. Projektion; esp. proyección; fr. projection; ing. projection Termo utilizado por Sigmund Freud* a partir de 1895, essencialmente para definir o mecanismo da paranóia*, porém mais tarde retomado por todas as escolas psicanalíticas para designar um modo de defesa* primário, comum à psicose*, à neurose* e à perversão*, pelo qual o sujeito* projeta num outro sujeito ou num objeto desejos* que provêm dele, mas cuja origem ele desconhece, atribuindoos a uma alteridade que lhe é externa. • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Joseph Sandler (org.), Projeção, identificação, identificação projetiva (Londres, 1988), P. Alegre, Artes Médicas, 1989.

➢ ESTÁDIO DO ESPELHO; IDENTIFICAÇÃO; IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; IMAGEM DO CORPO; IMAGO; INCORPORAÇÃO; INTROJEÇÃO; OBJETO, RELAÇÃO DE; OUTRO; POSIÇÃO DEPRESSIVA/POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE.

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psicanálise al. Psychoanalyse; esp. psicoanálisis; fr. psychanalyse; ing. psychoanalysis Termo criado por Sigmund Freud*, em 1896, para nomear um método particular de psicoterapia* (ou tratamento pela fala) proveniente do processo catártico (catarse*) de Josef Breuer* e pautado na exploração do inconsciente*, com a ajuda da associação livre*, por parte do paciente, e da interpretação*, por parte do psicanalista. Por extensão, dá-se o nome de psicanálise: 1. ao tratamento conduzido de acordo com esse método; 2. à disciplina fundada por Freud (e somente a ela), na medida em que abrange um método terapêutico, uma organização clínica, uma técnica psicanalítica*, um sistema de pensamento e uma modalidade de transmissão do saber (análise didática*, supervisão*) que se apóia na transferência* e permite formar praticantes do inconsciente; 3. ao movimento psicanalítico, isto é, a uma escola de pensamento que engloba todas as correntes do freudismo*.

Como sublinha Henri F. Ellenberger*, a psicanálise é herdeira dos antigos tratamentos magnéticos inaugurados por Franz Anton Mesmer*, que deram origem, no fim do século XIX, através dos debates sobre a hipnose* e a sugestão*, à segunda psiquiatria dinâmica*. Todavia, dentre todas as escolas de psicoterapia derivadas de Hippolyte Bernheim* e da Escola de Nancy, ela foi o único método a reivindicar o inconsciente e a sexualidade* como os dois grandes universais da subjetividade humana. No plano clínico, ela é também a única a situar a transferência como fazendo parte dessa mesma universalidade e a propor que ela seja analisada no próprio interior do tratamento, como protótipo de qualquer relação de poder entre o terapeuta e o paciente e, em caráter mais genérico, entre um mestre e um discípulo. Sob esse aspecto, a psicanálise remete à tradição socrática e platônica da filosofia. Por isso é que empregou o princípio iniciático da análise didática, exigindo que se submeta à análise qualquer um que deseje tornar-se psicanalista. Na historiografia* oficial, formulou-se uma versão lendária do nascimento da psicanálise, atribuindo sua origem a duas mulheres: Bertha Pappenheim* e Fanny Moser*. À primeira, tra-

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tada por Josef Breuer*, atribuiu-se a invenção da terapia pela fala, e da segunda, tratada por Freud, disseram que ela permitiu a invenção de uma clínica da escuta, obrigando o médico a renunciar à observação direta e a se manter recuado, atrás do paciente. Essa lenda, na qual se mesclaram os nomes dos dois autores dos Estudos sobre a histeria*, veicula uma genealogia da psicanálise que não é estranha aos enunciados freudianos. Com efeito, Freud foi o iniciador de uma inversão do olhar médico que consistiu em levar em conta, no discurso da ciência, as teorias elaboradas pelos próprios doentes a respeito de seus sintomas e seu malestar. Mediante essa reviravolta, a psicanálise esteve na origem dos grandes trabalhos históricos do século XX sobre a loucura* e a sexualidade. Foi num artigo de 1896, redigido em francês e intitulado “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, que Freud empregou pela primeira vez a palavra psico-análise: “Devo meus resultados ao emprego de um novo método de psico-análise, ao processo explorador de Josef Breuer, um tanto sutil, mas impossível de substituir, a tal ponto ele se mostrou fértil para esclarecer as obscuras vias da ideação inconsciente.” Passados oito anos, num texto destinado a um volume coletivo, Freud deu uma excelente definição de seu próprio método, aliás falando na terceira pessoa e sempre se referindo a Breuer: “Já havendo o método catártico renunciado à sugestão*, Freud deu um passo a mais, rejeitando igualmente a hipnose. Ele trata com igualdade seus enfermos, do seguinte modo: sem procurar influenciá-los de maneira alguma, faz com que se estendam comodamente num divã, enquanto ele próprio, retirado do olhar dos pacientes, senta-se atrás deles. Não lhes pede para fecharem os olhos e evita tocá-los, bem como empregar qualquer outro procedimento passível de lembrar a hipnose. Esse tipo de sessão se passa à maneira de uma conversa entre duas pessoas em estado de vigília, uma das quais é poupada de qualquer esforço muscular e de qualquer impressão sensorial capaz de desviar sua atenção de sua própria atividade psíquica.” Após muitas hesitações, cuja evolução podemos acompanhar na correspondência

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entre Freud e Carl Gustav Jung*, a palavra psicanálise se imporia em francês em 1919 (em lugar de psico-análise), ao lado de Psychoanalyse, já aceita no alemão em 1909 (em vez de Psychanalyse) e de psychoanalysis, em inglês (muitas vezes grafada como Psycho-analysis ou Psycho-Analysis). Entre 1905 e 1914, Freud realizou três grandes tratamentos psicanalíticos: com Ida Bauer* (Dora), Ernst Lanzer* (o Homem dos Ratos) e Serguei Constantinovitch Pankejeff* (o Homem dos Lobos). Além disso, dirigiu, como se fosse uma supervisão do pai do menino (Max Graf*), a análise de Herbert Graf (o Pequeno Hans), com isso abrindo caminho para a psicanálise de crianças*. Por último, em 1911, Freud publicou um estudo das Memórias de Daniel Paul Schreber*, do qual fez um caso de paranóia*. Essas cinco psicanálises seriam interminavelmente comentadas ao longo de toda a história do freudismo, servindo de corpus clínico para todo o movimento, do mesmo modo que os casos reunidos nos Estudos. Já em 1910, em “As perspectivas futuras da terapia psicanalítica”, Freud delimitou um enquadre “técnico” para a análise, afirmando que esta tinha por objetivo vencer as resistências*. Essa tese seria discutida muitas vezes, e os problemas da técnica seriam objeto de diversos outros artigos, além de debates e cisões* na história do movimento psicanalítico, desde Sandor Ferenczi* até Jacques Lacan*. Foi em 1922, em “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido”, que Freud deu sua definição mais precisa do contexto da análise, sublinhando que seus “pilares” teóricos eram o inconsciente, o complexo de Édipo*, a resistência, o recalque* e a sexualidade: “Quem não os aceita não deve incluir-se entre os psicanalistas.” Se os freudianos de todas as tendências sempre concordaram em se reconhecer nessa definição da psicanálise, nem por isso deixaram de combater uns aos outros e de se dividir quanto à questão da técnica psicanalítica e da análise didática. Inspirando-se no modelo darwinista, Freud quis incluir a psicanálise entre as ciências da natureza, ou, pelo menos, conferir-lhe um estatuto de ciência dita “natural”. Ora, como herdeira das medicinas da alma, ela decorria de


psicanálise aplicada

uma outra tradição da ciência, segundo a qual a arte de curar consiste menos em provar a validade de uma dedução do que do que em elaborar um discurso capaz de dar conta de uma verdade simbólica e subjetiva. E foi justamente por causa dessa dupla pertença da psicanálise (ao campo das ciências da natureza e ao das artes da interpretação) que sua chamada refutação “científica” produziu-se no campo da terapêutica. Dentre essas refutações figura a de Karl Popper (1902-1994), em 1962, na qual se apoiaria toda a historiografia* revisionista, que tentaria mostrar que a doutrina freudiana reduz-se a uma simples hermenêutica e que seu método é uma técnica xamanística de influência, que consiste em agir sobre o doente por simples sugestão. Essa argumentação não era nova e, já em 1917, no capítulo de suas Conferências introdutórias sobre psicanálise* dedicado à terapêutica psicanalítica, Freud havia tentado dar-lhe uma resposta, insistindo mais uma vez na distância radical que separava a psicanálise de todos os outros métodos de psicoterapia baseados na sugestão. Em especial, ele refutou a idéia de que o médico, no tratamento pela fala, pudesse sugestionar o doente; nesse campo, ele reivindicava uma racionalidade baseada na interpretação verdadeira, sublinhando que a solução dos conflitos e a supressão das resistências* (a “cura”) só vinham quando o terapeuta estava em condições de dar ao paciente representações dele mesmo que correspondessem à realidade: “Aquilo que, nas suposições do médico, não corresponde a essa realidade é espontaneamente eliminado no decorrer da análise, devendo ser retirado e substituído por suposições mais exatas.” A história da psicanálise mostra que as resistências erguidas contra ela, bem como seus conflitos internos, sempre foram o sintoma de seu progresso atuante, de sua propensão a fabricar dogmas e de sua capacidade de refutá-los. • Sigmund Freud, “A hereditariedade e a etiologia das neuroses” (1896), escrito em francês, ESB, III, 165-86; SE, III, 141-56; OC, III, 105-21; “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ESB, III, 187-216; GW, I, 377-403; SE, III, 157-85; OC, III, 121-46; “O método psicanalítico de Freud” (1904), ESB, VII, 231-8; GW, V, 3-10; SE, VII, 247-54; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, “Linhas

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de progresso na terapia psicanalítica” (1918), ESB, XVII, 201-16; GW, XII, 183-94; SE, XVII, 157-68; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, 131-41; “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido” (1923), ESB, XVIII, 287-314; GW, XIII, 211-33; SE, XVIII, 235-59; OC, XVI, 181-208 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Karl Popper, Conjectures et réfutation. La Croissance du savoir scientifique (1962), Paris, Payot, 1985 • Jean-Bertrand Pontalis, “Du vocabulaire de la psychanalyse au langage du psychanalyste” (1963), in Après Freud, Paris, Gallimard, 1968, 126-66 • Mireille Cifali, “Entre Genève et Paris: Vienne”, Le Bloc-Notes de la Psychanalyse, 2, 1982, 91-133 • Jean Laplanche, Novos fundamentos para a psicanálise (1987), S. Paulo, Martins Fontes, 1992 • Peter Homans, The Ability to Mourn. Disillusionment and the Social Origins of Psychoanalysis, Chicago, University of Chicago Press, 1989 • Roger Lecuyer, “Psychanalyse”, in Grand dictionnaire de la psychologie, Paris, Larousse, 1991, 607-9 • Michel Plon, “Les Fondements de la psychanalyse”, in Mémoires du XXe Siècle, 1900-1909, Paris, Bordas, 1991, 27-31.

➢ ABSTINÊNCIA, REGRA DE; ANÁLISE DIRETA; ANÁLISE EXISTENCIAL; ANNAFREUDISMO; ÉCOLE FREUDIENNE DE PARIS; EGO PSYCHOLOGY; ESPIRITISMO; INTERNATIONAL PSYCHOANALYTICAL ASSOCIATION; KLEINISMO; LACANISMO; METAPSICOLOGIA; PASSE; PSICANÁLISE APLICADA; PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU; PSICOPATOLOGIA; PSICOSSOMÁTICA, MEDICINA; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; SELF PSYCHOLOGY; TELEPATIA.

psicanálise aplicada al. angewandte Psychoanalyse; esp. psicoanálisis aplicada; fr. psychanalyse appliquée; ing. applied psychoanalysis

Que Sigmund Freud*, desde muito cedo, teve o sentimento de estar desenvolvendo idéias passíveis de concernir a campos externos ao estudo do funcionamento psíquico, como a criação literária ou artística, é o que testemunham pelo menos duas de suas cartas a Wilhelm Fliess*. Na primeira, datada de 15 de outubro de 1897, ele observa que todo leitor ou todo espectador da peça de Sófocles foi, um dia, “em germe, na imaginação, um Édipo”, e acrescenta: “Mas passou-me uma idéia pela cabeça: não encontraríamos na história de Hamlet fatos análogos?” Na segunda, de 5 de dezembro de 1898, onde estão em pauta o contista suíço Conrad Ferdinand Meyer (1828-1898) e o entusiasmo que a leitura de seus livros proporciona a Freud,

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este pede a Fliess “informações sobre a vida desse escritor, sobre a ordem de publicação de seus livros, o que é indispensável”, acrescenta, “para interpretá-lo”. A princípio, foi a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras* que serviu de contexto para as exposições e discussões, amiúde apaixonadas, que versavam sobre a aplicação da psicanálise aos campos literário, artístico, mitológico e histórico. Assim, durante a reunião de 10 de outubro de 1906, depois que Otto Rank* falou dos fundamentos de uma psicologia da criação literária, Adolf Häutler (1872-1938) o criticou, afirmando que só se podia “aplicar a noção de recalque* aos indivíduos, e não à vida psíquica de um povo”. Nessa mesma reunião, Häutler rejeitou a idéia de uma correspondência mecânica entre a vida pessoal do criador e suas obras, advertindo contra o excesso de interpretação*. Freud interveio, por seu turno, para criticar o uso incorreto que se fizera do conceito de recalque. Na reunião de 24 de outubro de 1906, dedicada à segunda parte da exposição de Rank, Häutler reiterou suas críticas, embora declarando que “aplicar as teorias de Freud a outros domínios e descobrir as ramificações da sexualidade na literatura e na mitologia é uma atividade que merece ser incentivada”. Depois, foi Alfred Meisl (1868-1942) quem assinalou sua discordância, afirmando que as teses de Rank eram frágeis demais e que aquele tipo de publicação poderia constituir um perigo: “(1) para a psicologia como ciência e (2) para as teorias de Freud”, podendo as pessoas servirse “das deficiências dos livros de Rank para rejeitar igualmente as teorias de Freud”. Max Graf* recomendou prudência na interpretação de obras literárias, esclarecendo que “é somente quando alguns temas se destacam com muita nitidez e se repetem com freqüência que podemos ligá-los à vida sexual”. Um ano depois, em 4 de dezembro de 1907, uma exposição de Isidor Sadger*, dedicada a Meyer, provocou um severo confronto, prelúdio para a elaboração de uma espécie de carta magna enunciada na semana seguinte, em 11 de dezembro de 1907, por ocasião da exposição de Graf dedicada à “metodologia da psicologia dos escritores”. Graf entregou-se, primeiramente, a uma crítica radical das teses de Cesare Lombroso (1836-1909)

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e das desenvolvidas pela escola francesa de psicologia, adepta da teoria da hereditariedadedegenerescência*. Dentro dessa perspectiva, explicou Graf, é que se haviam começado a escrever “patografias”, “análises de escritores com base em experiências patológicas (...). Bem diferente é o procedimento de Freud”, acrescentou ele, “que conduz ao inconsciente* e mostra que a doença psíquica é apenas uma variação da pretensa sanidade psíquica, que as doenças mentais são uma dissociação dos elementos psíquicos da pessoa sadia”. Antes de expor os princípios do método psicanalítico e as regras de “sua aplicação aos artistas”, Graf concluiu: “Lombroso trata os escritores da mesma maneira que um tipo de criminoso particularmente interessante”; quanto aos “psicólogos franceses, (eles) só vêem no escritor um neurótico”. A discussão deu a Freud o ensejo de mais uma vez dar apoio a Graf, que acabara de lembrar, vigorosamente: “Quem quiser conhecer um escritor deverá procurá-lo em seus livros.” Retomando as teses que desenvolvera dias antes, por ocasião de uma conferência intitulada “O criador literário e a fantasia”, proferida na residência do editor Hugo Heller*, — teses essas que postulavam uma relação de identidade entre o processo de produção literária e os mecanismos do devaneio —, Freud lembrou: “Todo escritor que apresenta tendências anormais pode ser objeto de uma patografia. Mas esta”, insistiu, “nada nos ensina de novo. A psicanálise, em contrapartida, informa sobre o processo da criação (... [e]) merece ser colocada acima da patografia.” A empreitada da psicanálise aplicada, portanto, distinta da patografia, debutou desde muito cedo. Iria dar margem aos mais diversos exercícios de interpretação*, desde a psicobiografia (interpretação das obras em função da vida do autor) até a psicocrítica (interpretação psicanalítica dos textos), passando pela psicohistória (interpretação da história com a ajuda da psicanálise). O objetivo dessa ampliação da teoria psicanalítica e de seu campo de interpretação não tardou a ser exposto. Ludwig Binswanger* o registrou nas anotações em que relatou sua segunda visita a Freud, em 1909: “Freud continua a considerar a psicanálise uma ciência


psicanálise aplicada

total, o grande e novo meio de pesquisa que ele gostaria de ver aplicado à religião, à história e à arte.” Em 1914, em seu artigo “A história do movimento psicanalítico”, Freud escreveu, a propósito de A interpretação dos sonhos* e de um outro livro, Os chistes e sua relação com o inconsciente, que essas duas obras “mostraram desde logo que os ensinamentos da psicanálise não podem restringir-se ao campo médico, mas são suscetíveis de se aplicar a outras diferentes ciências do espírito”. Era realmente este o objetivo essencial: libertar-se da tutela médica, escapar ao simples registro do procedimento terapêutico, para não ficar reduzido a servir à psiquiatria, e com isso, fazer com que a psicanálise — que Freud fazia questão de estabelecer que não era uma daquelas ciências do espírito (Geisteswissenschaften) às quais poderia enriquecer — pudesse encontrar seu lugar na ordem das ciências da natureza (Naturwissenschaften). Em mais de uma ocasião, Freud fez questão de dar a esse objetivo legitimidade teórica, lembrando, sobretudo na trigésima quarta das Novas conferências introdutórias sobre psicanálise*, que, depois de compreender o alcance da psicanálise como “psicologia das profundezas”, ele fora levado a admitir que, na medida em que “nada daquilo em que os homens crêem ou que executam é compreensível sem o concurso da psicologia”, daí deviam “resultar espontaneamente aplicações da psicanálise a numerosos campos do saber, em particular aos das ciências do espírito, aplicações estas que se impunham e exigiam ser elaboradas”. Essencial para o desenvolvimento da psicanálise e para a aquisição de seu estatuto de disciplina científica completa, a aventura da psicanálise aplicada seria vivida por Freud como uma conquista militar e colonial. A correspondência com Carl Gustav Jung*, Oskar Pfister* ou Sandor Ferenczi* é testemunho disso. Instaurou-se, assim, uma logística, sob a forma de proclamações institucionais (a psicanálise aplicada figura em lugar de destaque na declaração dos objetivos da International Psychoanalytical Association* [IPA]), através de uma busca sistemática de alianças com especialistas das ciências do espírito que os psicanalistas só conheciam superficialmente e, por fim, em tor-

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no dos recursos editoriais. Foi assim que se criou, em 1907, com a publicação do ensaio de Freud intitulado “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen”*, a coleção dos Schriften zur angewandten Seelenkunde* (Monografias de psicologia aplicada). Em pouco tempo, essa série revelou-se estreita demais para garantir o desenvolvimento de um setor em plena expansão. Nasceu então a idéia de uma revista inteiramente dedicada aos trabalhos de psicanálise aplicada, “não médica”, como Freud deixou claro numa carta a Jung, datada de 27 de junho de 1911, uma revista que Hanns Sachs* e Otto Rank fundariam em 1912, que levaria o nome de Imago* e à qual Freud dedicaria muita energia e recursos. Em especial, ele publicaria ali as primeiras versões de Totem e tabu*, bem como seu estudo sobre “O Moisés de Michelangelo”, publicado anonimamente. Independentemente do que possa ter dito Freud — que, numa carta a Edoardo Weiss* de 12 de dezembro de 1933, referiuse a esse texto falando de um “filho do amor”, que era também um “filho não analítico” —, esse anonimato foi bem um sinal de suas hesitações quanto à validade da psicanálise aplicada. Escrevendo a Karl Abraham* em 6 de abril de 1914, ele evocou esse estudo, cujo “caráter diletante” criticou, acrescentando que tal diletantismo era algo a que “dificilmente se escapa nos trabalhos feitos para a Imago”. Numa outra carta ao mesmo Abraham, em 4 de março de 1915, falando de suas “Considerações atuais sobre a guerra e a morte”, ele qualificou o ensaio de “conversa da atualidade”, esclarecendo: “Nada disso deixa de ter, é claro, reticências internas.” A ambivalência freudiana a respeito da psicanálise aplicada refletiu-se tanto nas contribuições do próprio Freud quanto nas reações contrastantes que esse campo tem despertado na comunidade psicanalítica. Antes de mais nada, convém assinalar que, apesar do entusiasmo despertado pela psicanálise aplicada no meio freudiano e além dele, Freud se entregou muito pouco à psicobiografia (a qual execrava, aliás, ao ser objeto dela). Exceto por uma breve cooperação num livro de Rank, O mito do nascimento do herói, onde desenvolveu a idéia do romance familiar*, ele

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adotou uma postura singular a respeito dessas questões. Em todos os seus trabalhos considerados da esfera da psicanálise aplicada, com efeito, podemos constatar a existência de um segundo objetivo, este puramente teórico, que na maioria das vezes vem substituir a aplicação pura e simples. Assim, o estudo sobre Leonardo da Vinci (1452-1519) afasta-se das psicobiografias habituais, marcando um passo adiante na teoria da sexualidade, mais particularmente na abordagem da homossexualidade*. Do mesmo modo, Totem e tabu* ultrapassa os limites de suas referências etnológicas, já obsoletas quando de sua publicação. Em Psicologia das massas e análise do eu*, Freud recorre à psicossociologia francesa de Gustave Le Bon (1841-1931), mas abandona muito depressa esse contexto, para elaborar o primeiro ensaio teórico dedicado aos aspectos do que se viria a chamar de fenômeno totalitário e lançar, teórica e historicamente, as bases da segunda tópica*. É o que acontece ainda com o livro co-assinado com William C. Bullitt (1891-1967), dedicado ao Presidente Thomas Woodrow Wilson, que se mantém até hoje como a única tentativa de compreender os processos subjacentes à emergência do fenômeno do “grande homem”, tema que encontramos evocado no último livro de Freud publicado em sua vida, Moisés e o monoteísmo*. Hoje em dia, a psicanálise aplicada é objeto de julgamentos particularmente contrastantes. Correntemente utilizada no mundo anglófono — autores tão diferentes quanto Ernest Jones* e Peter Gay classificam uma parcela importante das obras de Freud, todos dois, com o rótulo de psicanálise aplicada, sem que isso provoque o menor debate —, a expressão “psicanálise aplicada” é alvo, na comunidade psicanalítica francesa, de uma rejeição particularmente violenta. É possível propor duas explicações para a reação francesa. A primeira corresponde à preocupação de alguns psicanalistas, dentre eles Daniel Lagache*, de restituir à psicanálise uma respeitabilidade que a leviandade de um grande número de ensaios de psicanálise aplicada a fizera perder. Mantendo-se distantes desse tipo de procedimento — ilustrado na França, em especial, pela psicobiografia de Edgar Allan Poe (1809-1849) que se deveu a Marie Bona-

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parte* e por diversos livros de René Laforgue* —, e desenvolvendo trabalhos que se articulavam, antes de mais nada, com a teoria e a clínica da análise, esses psicanalistas almejavam obter para sua disciplina o reconhecimento universitário que até então lhe faltara. A outra razão foi dada por Jacques Lacan* na intervenção que fez sobre a questão da psicanálise aplicada, por ocasião de sua resenha crítica do livro de Jean Delay* intitulado La Jeunesse d’André Gide. Nesse artigo, Lacan afirmou, em especial: “A psicanálise só se aplica, em sentido próprio, como tratamento, e portanto, a um sujeito que fala e que ouve”, com isso indicando que qualquer outra forma de aplicação só poderia sê-lo num sentido figurado, isto é, imaginário, baseado na analogia e, como tal, desprovido de eficácia. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, vol.I, 1906-1908, 4 vols. (19621975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Sigmund Freud e Edoardo Weiss, Lettres sur la pratique psychanalytique, precedidas por Souvenirs d’un pionnier de la psychanalyse, Toulouse, Privat, 1975 • Sigmund Freud e Ludwig Binswanger, Correspondance (1908-1938) (Frankfurt, 1992), Paris, Calmann-Lévy, 1995 • Sigmund Freud, “A história do movimento psicanalítico” (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Nicholas Rand e Maria Torok, Questions à Freud, Paris, Les Belles LettresArchimbaud, 1995 • Guy Rosolato, Pour une psychanalyse exploratrice de la culture, Paris, PUF, 1993.

➢ CRIMINOLOGIA; PRESIDENTE THOMAS WOODROW WILSON, O.

psicanálise de crianças (ou infantil) A psicanálise de crianças não é um campo isolado da psicanálise*. Em todos os países do mundo, a formação exigida para que alguém se torne psicanalista de crianças é idêntica à exigida para a prática com adultos. Se a psicanálise de crianças mantém desde sempre uma relação


psicanálise de crianças

particular com a pedagogia, a medicina (pediatria), a psiquiatria (pedopsiquiatria) e a psicologia, não se criou nenhum termo (equivalente à pediatria ou à pedopsiquiatria) para designá-la como especialidade. Oskar Pfister*, que cedo praticou a psicanálise de crianças na Suíça* segundo a tradição dos pastores, inventou o termo pedo-análise para designar a pedagogia psicanalítica, mas a palavra não se impôs. Nem por isso deixa de persistir o fato de que os psicanalistas de crianças, apesar de serem também psicanalistas de adultos, têm com freqüência a impressão de serem diferentes dos outros psicanalistas. Assim como a psicanálise nasceu da medicina e, depois, da psiquiatria (e da psiquiatria dinâmica*), também a prática da psicanálise de crianças é herdeira da filosofia do Iluminismo. Em todos os países, foi introduzida por quatro vias: medicina, psiquiatria, psicologia e pedagogia. Na França*, tomou o caminho da psiquiatria ou da psicologia, ao passo que, noutros países da Europa (em geral protestantes), introduziu-se mais no terreno da pedagogia e, portanto, da análise leiga*. Por toda parte, misturou-se com as disciplinas afins. É ao encarregado de saúde francês JeanMarc-Gaspard Itard (1774-1838), admirador de Philippe Pinel (1745-1826), que devemos a primeira descrição de um tratamento moral conduzido com uma criança: Victor de l’Aveyron (1789-1828). O caso desse “menino selvagem” seria considerado o protótipo de um tratamento de psicose* infantil com autismo*. Suscitaria inúmeros comentários e seria levado à tela por François Truffaut (1932-1984). Capturado na mata em 1800, aos 12 anos de idade, Victor foi levado ao Instituto de Surdos-Mudos de Paris: Itard tentou ensiná-lo a falar, sem jamais obter êxito. Os trabalhos de Philippe Ariès (1914-1984) sobre a criança e a família no Antigo Regime, os de Michelle Perrot sobre a família e a vida privada, e os de Élisabeth Badinter sobre o amor materno mostraram que o lugar conferido à criança na família varia de acordo com as sociedades e, acima de tudo, modificou-se consideravelmente a partir do século XIX, sob o efeito do culto da maternidade. Foi nessa época que acabou de se impor uma visão rous-

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seauniana da infância e que a criança tornou-se objeto de um apego específico, que só faria aumentar com os avanços da medicina e, mais tarde, com a generalização da contracepção nas sociedades industrializadas. Parece evidente que, quanto mais diminui a taxa de mortalidade infantil, mais dolorosa é a perda de uma criança. Do mesmo modo, quanto mais a criança é conscientemente desejada ou “planejada”, mais importante parece tornar-se seu lugar na afeição parental. Foi nesse contexto e, mais tarde, no da crise da família burguesa que a psicanálise de crianças deslanchou no começo do século, quando Sigmund Freud*, tendo evidenciado o papel fundamental da sexualidade* infantil no destino humano, propôs a seu amigo Max Graf* que analisasse seu filho, Herbert Graf* (o Pequeno Hans). Na história da psicanálise, foi inicialmente às mulheres que coube o papel de analisar crianças. Essa função, dita “educativa”, não as obrigava a fazer estudos médicos — em geral reservados aos homens — e lhes permitiu, muito rapidamente, adquirir uma grande liberdade, bem como um lugar importante no movimento freudiano. Sob esse aspecto, a análise de crianças favoreceu a emancipação feminina. Mas foi também sede de múltiplos dramas, pois, muitas vezes, as psicanalistas da primeira e segunda gerações* analisaram seus filhos, ou confiaram essa tarefa a suas colegas mais próximas. Além disso, entre as psicanalistas de crianças recenseou-se um número impressionante de mortes violentas: quatro suicídios* (Arminda Aberastury*, Sophie Morgenstern*, Tatiana Rosenthal* e Eugénie Sokolnicka*) e um assassinato (Hermine von Hug-Hellmuth*). Depois de Sandor Ferenczi*, que foi um dos maiores clínicos da infância no início do século, e de August Aichhorn*, que cuidou de crianças delinqüentes em Viena*, outros homens dedicaram-se a esse ramo da psicanálise: Erik Erikson*, René Spitz*, Donald Woods Winnicott* e John Bowlby*, em especial. No campo da análise de crianças, tal como no da sexualidade feminina*, duas grandes concepções enfrentaram-se no interior da International Psychoanalytical Association* (IPA), depois da publicação (em 1909) do caso do

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Pequeno Hans: a da escola vienense, representada por Anna Freud*, seu pai e os primeiros discípulos deste, e a da escola inglesa, representada, a partir de 1924, por Melanie Klein*. Para a escola vienense, a análise de uma criança não deveria começar antes dos 4 anos de idade nem ser conduzida “diretamente”, mas sim por intermédio da autoridade parental julgada protetora. Sigmund Freud sustentava essa concepção com a ajuda de argumentos perfeitamente coerentes, como mostra sua correspondência com Joan Riviere*: “Postulamos como consideração prévia”, escreveu em 9 de outubro de 1927, “que a criança é um ser pulsional, com um eu* frágil e um supereu* justamente em vias de formação. No adulto, trabalhamos com a ajuda de um eu já firmado. Portanto, não é ser infiel à análise levar em conta, em nossa técnica, a especificidade da criança, na qual, durante a análise, o eu deve ser apoiado contra um isso* pulsional onipotente. Ferenczi fez a observação muito espirituosa de que, se a Sra. Klein estiver certa, na verdade já não haverá crianças. Naturalmente, a experiência é que dirá a palavra final. Até o momento, minha única constatação é que a análise sem uma orientação educativa só faz agravar o estado das crianças, e tem efeitos particularmente perniciosos nas crianças abandonadas, anti-sociais.” Para Melanie Klein, ao contrário, era preciso abolir todas as barreiras que impediam o psicanalista de ter acesso diretamente ao inconsciente* da criança. A proteção de que Freud falava era, a seu ver, um engodo ao qual era preciso opor uma verdadeira doutrina do infante (a criança de 2-3 anos), isto é, da criança que ainda não fala mas já não é um bebê, uma vez que recalcou o bebê dentro de si. Se Freud foi o primeiro a descobrir no adulto a criança recalcada, Melanie Klein, por intermédio do interesse que dedicou à psicose e às relações arcaicas com a mãe, foi a primeira a identificar na criança o que já estava recalcado, isto é, o bebê. Com isso, ela propôs não apenas uma doutrina, mas também um enquadre necessário ao exercício de tratamentos especificamente infantis: “Ela fornece à criança um enquadre analítico apropriado”, escreveu Hanna Segal, “ou seja, os horários das sessões são rigorosamente fixados — 55 minutos, cinco

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vezes por semana. O aposento é especialmente adaptado para receber crianças. Contém apenas móveis simples e robustos, uma mesinha e uma cadeira para a criança, uma cadeira para o analista e um pequeno divã. As paredes são laváveis. Cada criança deve ter sua caixa de brinquedos, reservada unicamente para o tratamento. Os brinquedos são cuidadosamente escolhidos. Há casinhas, pequenos bonecos homens e mulheres, de preferência de tamanhos diferentes, animais de fazenda e animais selvagens, cubos, bolas, bolas de gude e material: tesoura, barbante, lápis, papel e massa de modelar. Além disso, o cômodo deve ser provido de uma pia, posto que a água desempenha um papel importante em certas fases da análise.” Freud disse, em 1927, que a experiência teria a palavra final. Pois bem, no mundo inteiro, a experiência parece ter dado razão às teorias kleinianas que se impuseram com vigor entre todos os clínicos da infância. Não obstante, em toda parte elas foram revistas, corrigidas, transformadas e modificadas no sentido de uma participação maior dos pais no desenrolar da análise. Por outro lado, a herança da escola vienense foi colhida por todos os defensores das experiências sociais e educativas, de Margaret Mahler a Bruno Bettelheim*. Se a França* é um dos raros países em que o kleinismo* não fez escola, ela é marcada, em contrapartida, por duas fortes tradições: a primeira está ligada à psiquiatria hospitalar e à Société Psychanalytique de Paris (SPP), tendo sido conduzida por Serge Lebovici e René Diatkine; a segunda forjou-se a partir da herança das grandes pioneiras, Eugénie Sokolnicka e Sophie Morgenstern. A princípio, foi representada por Françoise Dolto* e, mais tarde, por Jenny Aubry*, Ginette Raimbault e Maud Mannoni, todas quatro ligadas a Jacques Lacan* e à École Freudienne de Paris* (EFP). Fortemente influenciada por Winnicott, Maud Mannoni, cujos trabalhos são conhecidos no mundo inteiro, criou em 1969 a Escola Experimental de Bonneuil-sur-Marne, que acolhe crianças e adolescentes psicóticos. • Sigmund Freud, “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” (1909), ESB, X, 15-152; GW, VII, 243-377; SE, X, 1-147; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 93-198, “Lettres de Sigmund Freud à Joan


psicologia Riviere (1921-1939)”, apresentadas por Athol Hugues, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 6, 1993, 429-81 • Philippe Ariès, L’Enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime (1960), Paris, Seuil, 1973 • Michelle Perrot, Le Mode de vie des familles bourgeoises, Paris, Armand Colin, 1961 • Maud Mannoni, A criança retardada e a mãe (Paris, 1964), S. Paulo, Martins Fontes; A criança, sua doença e os outros (Paris, 1967), Rio de Janeiro, Zahar, 1983; Educação impossível (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988; Un lieu pour vivre. Les Enfants de Bonneuil, leurs parents et l’équipe des soignants, Paris, Seuil, 1976 • Ginette Raimbault, Médecins d’enfants, Paris, Seuil, 1973 • Élisabeth Badinter, L’Amour en plus, Paris, Flammarion, 1980 • Thierry Gineste, Victor de l’Aveyron, dernier enfant sauvage, premier enfant fou, Paris, Le Sycomore, 1981 • Mireille Cifali, Freud pédagogue? Psychanalyse et éducation, Paris, InterÉditions, 1981.

➢ ARGENTINA; BRASIL; ÉDIPO, COMPLEXO DE; MAUCO, GEORGES; MONTESSORI, MARIA; PARENTESCO; PATRIARCADO; RAMBERT, MADELEINE; RÚSSIA; SCHMIDEBERG, MELITTA; SCHMIDT, VERA; SEXUALIDADE; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE; ZULLIGER, HANS.

psicanálise selvagem ➢ INTERPRETAÇÃO.

psicastenia Termo introduzido por Pierre Janet* em 1903 para substituir “neurastenia”* e designar uma neurose equiparável, no plano clínico, ao que Sigmund Freud* denominou de neurose obsessiva*. • Pierre Janet, Les Obsessions et la psychasthénie, vol.1, Paris, Alcan, 1903.

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uma situação conflitiva, isto é, em representá-la num palco de teatro improvisado.

Foi depois de sua emigração para os Estados Unidos*, em 1925, que Jacob Levy Moreno inventou o psicodrama, a fim de revelar teatralmente a verdade do paciente em suas relações com outrem. A sessão psicodramática divide-se em três partes: o encaminhamento, no qual o paciente é solicitado a explicar como vivencia seu papel, a ação, durante a qual ele representa sua vida sob a forma de um drama, e o retorno, no qual tem que explicar como se “encontrou” no drama. A sessão apela para toda sorte de técnicas teatrais: inversão de papéis, jogos de espelhos, desdobramento da personalidade e utilização do coro ou do monólogo. Moreno inventou também o sociodrama, que é representado “de grupo para grupo” e põe em cena conflitos coletivos: drama das minorias negras, dos prisioneiros, dos marginais etc. Na psicanálise*, o psicodrama é utilizado como técnica de eleição no tratamento das psicoses* e dos distúrbios narcísicos infantis. Daí a invenção do termo “psicodrama psicanalítico”, que fez fortuna em inúmeros países, incorporando alguns dos conceitos freudianos, como a transferência*, a projeção* ou a fantasia*. • Jacob Levy Moreno, Fondements de la sociométrie (Washington, 1934, Paris, 1954), Paris, PUF, 1970; Psychothérapies de groupe et psychodrame (Beacon, 1946), Paris, Retz, 1975 • René Marineau, J.L. Moreno et la troisième révolution psychanalytique, Paris, Métailié, 1989 • Jean-François Rabain, “Le Psychodrame psychanalytique”, in Alain de Mijolla e Sophie de Mijolla-Mellor, Psychanalyse, Paris, PUF, 1996, 629-41.

➢ GESTALT-TERAPIA.

psicobiografia ➢ PSICANÁLISE APLICADA.

psicogênese ➢ PSIQUIATRIA DINÂMICA; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.

psicocrítica ➢ PSICANÁLISE APLICADA.

psico-história psicodrama

➢ PSICANÁLISE APLICADA.

al. Psychodrama; esp. psicodrama; fr. psychodrame; ing. psychodrama Método de psicoterapia* inventado por Jacob Levy Moreno*, derivado da catarse* e que consiste em o sujeito* encenar, com um objetivo terapêutico,

psicologia ➢ BRASIL; EGO PSYCHOLOGY; ESTADOS UNIDOS; FRANÇA; JANET, PIERRE; LAGACHE, DANIEL;

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psicologia analítica, escola de

MEYER, ADOLF; PSICOLOGIA CLÍNICA; PSICOPATOLOGIA; PSICOTERAPIA; PSIQUIATRIA DINÂMICA; SELF PSYCHOLOGY.

psicologia analítica, escola de ➢ JUNG, CARL GUSTAV; PSICOTERAPIA.

psicologia clínica al. klinische Psychologie; esp. psicología clínica; fr. psychologie clinique; ing. clinical psychology Prática terapêutica fundamentada na entrevista direta e no exame de casos a partir da observação das condutas individuais.

O termo psicologia clínica foi empregado pela primeira vez em 1896, pelo psicólogo norte-americano Lightner Witmer, que a definia como um método de pesquisa que consistia em examinar, com vistas a uma generalização, as aptidões dos sujeitos e suas deficiências. A expressão seria utilizada por Sigmund Freud* uma única vez, numa carta a Wilhelm Fliess* de 30 de janeiro de 1899: “Agora”, escreveu, “a ligação com a psicologia, tal como se apresenta nos Estudos [sobre a histeria], saiu do caos. Percebo as relações com o conflito, com a vida, com tudo o que eu gostaria de chamar de psicologia clínica.” Se o método psicanalítico repousa sobre uma clínica, esta renuncia, no entanto, à observação direta do doente para interpretar os sintomas em função da escuta do inconsciente*. Considerado o caminho aberto pela Interpretação dos sonhos*, portanto, essa noção não poderia encontrar lugar no vocabulário freudiano. Foi sob o nome de clínica psicológica que Pierre Janet* retomou essa idéia, numa descendência direta da herança da escola francesa de psicologia e dos ensinamentos de Théodule Ribot (1839-1916). Para ele, tratava-se de constituir o campo da psicopatologia* e de dotar a psicologia da chamada competência clínica, retirando da medicina o privilégio desse famoso olhar exercido junto ao leito do doente. Baseada na investigação e na abordagem das condutas, a análise janetiana ocupa-se menos das estruturas que das funções. Exclui de seu campo dois termos que são essenciais à prática psicanalítica: o inconsciente e a transferência*.

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Mais tarde, a noção de psicologia clínica foi caindo em desuso, à medida que a psicologia, como ciência do sentido íntimo, viu-se suplantada por um saber freudiano introduzido no próprio terreno da psicologia, da psiquiatria e da medicina. Todavia, a partir da década de 1960, com o desenvolvimento da psicanálise de massas e a generalização dos estudos de psicologia, a psicologia clínica obteve um novo impulso. Daniel Lagache* restituiu-lhe um vigor particular em 1949, ao impor seu programa de integração da psicanálise* com a psicologia. Seu objetivo era separar, na universidade, o ensino da psicologia e o da filosofia, bem como favorecer o acesso dos não médicos à psicanálise. Mas isso redundou, pura e simplesmente, na liquidação de um ensino verdadeiro do freudismo na universidade, em prol da psicologia ou de um freudismo edulcorado. Nesse contexto, a psicologia clínica que se leciona é definida como um estudo de casos individuais cujo método se assenta em três postulados: a dinâmica, a totalidade e a gênese. O primeiro ponto visa a investigação dos conflitos, o segundo contempla a totalidade inacabada do ser, segundo um modelo sartriano, e o terceiro pretende apreender a história do sujeito em termos de evolução e de balanço. Desses três postulados derivam os objetivos práticos: o psicólogo clínico cura doentes, educa crianças, aconselha adultos e reclassifica os inadaptados. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956 • Maurice Reuchlin, Histoire de la psychologie, Paris, PUF, col. “Que saisje?”, 1957 • Daniel Lagache, L’Unité de la psychologie, Paris, PUF, 1949 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, 2 vols. (Paris, 1982, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 1988.

➢ ANÁLISE LEIGA; BRASIL; ELLENBERGER, HENRI F.; ESTADOS UNIDOS; FRANÇA; LACANISMO; PSICOTERAPIA; PSIQUIATRIA DINÂMICA.

Psicologia das massas e análise do eu Livro de Sigmund Freud* publicado em 1921, sob o título Massenpsychologie und Ich-Analyse. Traduzido pela primeira vez para o francês em 1924, por Samuel Jankélévitch, sob o título Psychologie


Psicologia das massas e análise do eu collective et analyse du moi, revisado por Angelo Hernard* em 1966. Nova tradução em 1981 por Pierre Cotet, André Bourguignon (1920-1996), Odile Bourguignon, Janine Altounian e Alain Rauzy, sob o título Psychologie des foules et analyse du moi, e mais tarde, em 1991, sob o título Psychologie des masses et analyse du moi. Traduzido para o inglês por James Strachey* em 1922, sob o título Group Psychology and the Analysis of the Ego, retomado sem modificação em 1955.

Escrito em 1920, depois de Mais-além do princípio de prazer*, Psicologia das massas e análise do eu constitui o segundo estágio da grande reformulação teórica da década de 1920, da qual O eu e o isso*, publicado em 1923, seria a terceira parte. Numa carta a Romain Rolland* de 4 de março de 1923, Freud definiu qual fora seu objetivo: “Não que eu considere esse texto particularmente bem-sucedido”, esclareceu, “mas ele aponta o caminho que vai da análise do indivíduo para a compreensão da sociedade.” Explicar em termos psicológicos certos aspectos do funcionamento das sociedades humanas, em particular o que provém do psiquismo do indivíduo inserido na massa, correspondia à preocupação que tinham, na época, escritores como Arthur Schnitzler* e Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), no sentido de esclarecer as relações entre a psique e a política. A intenção sociológica e política desse ensaio, no qual Freud se refere explicitamente à concepção aristotélica do homem como animal político, tem sido freqüentemente encoberta por traduções aproximativas. James Strachey, ao traduzir o termo alemão Massen por group [grupo], em vez de mass [massa], o que foi deplorado pela Encyclopedia of Psychoanalysis de Ludwig Eidelberg (1898-1970), optou por uma concepção reducionista do social, característica da psicologia social norte-americana, segundo a qual o grupo constitui o modelo, reduzido ou experimental, da sociedade. As diversas traduções francesas não foram mais precisas. Até 1981, privilegiou-se a dimensão quantitativa, ainda que refutada por Freud, falando-se em psicologia coletiva. Esse foi um travestimento ainda mais digno de nota, na medida em que, para traduzir o termo francês foule, utilizado por Gustave Le Bon (1841-1931), Freud preferiu o termo alemão Massen à palavra Menge, assim

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privilegiando a conotação política. Preocupados em manter a ligação com a obra de Le Bon, os autores da nova tradução francesa optaram, inicialmente, pela palavra foule para traduzir Massen, antes de voltarem para “massa” em sua última versão, de conformidade com a opção freudiana. Desde as primeiras linhas de seu livro, Freud rejeitou a oposição clássica entre psicologia individual e psicologia social, ou psicologia das massas, salientando que há sempre um outro* (modelo, objeto, rival) na vida psíquica do indivíduo, e que, portanto, a psicologia individual é sempre social. Entretanto, há uma diferença, porém no interior da psicologia individual, entre os atos sociais e os atos narcísicos, nos quais a satisfação pulsional escapa aos efeitos da alteridade. Que é uma massa, de onde ela retira sua capacidade de modificar o indivíduo, e em que consiste essa mudança? Freud registra, para começar, as respostas dadas a essas perguntas por Gustave Le Bon, de um lado, em seu célebre livro La Psychologie des foules, cuja primeira edição data de 1895, e de outro, por um dos fundadores da psicologia social norte-americana, William McDougall, em seu livro The Group Mind, lançado em 1920. Destacando as contribuições positivas desses dois autores, Freud mostra-se reservado, no entanto, quanto às explicações que eles fornecem sobre a modificação psicológica do indivíduo na massa. Observa que esse fenômeno se traduz por uma intensificação do afeto e uma inibição do pensamento. Em lugar da “palavra mágica” sugestão*, que já fora encontrada trinta anos antes em Hippolyte Bernheim*, e que Le Bon e McDougall consideravam passível de dar conta dos processos constitutivos de uma massa, Freud propõe usar o conceito de libido*, fonte energética das pulsões* que operam em tudo o que se relaciona ao amor. Enuncia então a hipótese de que as relações amorosas constituem a essência da alma das massas e enfatiza a função do líder na massa, parâmetro este que Le Bon e McDougall haviam negligenciado. Assim, Freud é levado a distinguir entre as massas desprovidas de um líder, às quais chama igualmente massas espontâneas, próximas do estado natural, e as massas dotadas de um líder,

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Psicologia das massas e análise do eu

ou massas artificiais, que são produto da cultura. A Igreja* e o exército constituem dois exemplos dessas massas organizadas com líderes — massas artificiais, porquanto construídas a partir de coerções que criam obstáculos à sua dissolução espontânea. O exame desses dois exemplos evidencia a existência de dois eixos estruturais: um eixo vertical, no qual se organiza a relação dos membros da massa com o líder, e um eixo horizontal, que representa a relação dos membros da massa entre si. Várias observações depõem a favor da natureza amorosa desses laços. Para começar, em cada um dos dois exemplos, presume-se que o líder (Cristo ou o comandante) ame com o mesmo amor cada um dos membros da massa. Depois, em caso de desagregação da massa, há o surgimento de um fenômeno de pânico no qual se misturam sentimentos de solidão e abandono, ligados ao enfraquecimento dos vínculos constitutivos da massa e geradores de angústia. Por fim, sempre apoiado na hipótese da natureza libidinal dos laços constitutivos da massa, Freud assinala a existência de um sentimento de hostilidade ou até de ódio por aqueles que não são membros dela, e que por isso representam um perigo para sua coesão. Essas observações mostram que o eixo vertical, o vínculo com o líder, é determinante em relação ao eixo horizontal, a relação entre os membros da massa. E fazem surgir outras perguntas. Se o líder é indispensável à manutenção de uma massa, ele pode ser substituído, no entanto, por uma idéia ou por um sentimento negativo e unificador em relação a um objeto externo à massa, ficando o exame de todas essas questões subordinado à demonstração, distinta da simples observação, do caráter libidinal dos vínculos que constituem a massa. Ao longo dessa demonstração, Freud é levado a abandonar por algum tempo seu objeto, a psicologia das massas, para se referir a reflexões teóricas anteriores, expostas sobretudo em um artigo de 1914 (“Sobre o narcisismo: uma introdução”) e em outro de 1915 (“Luto e melancolia”). Assim, por um lado, ele propõe uma teorização completa da questão da identificação*, processo que considera o fundamento do eixo horizontal, e por outro, propõe reconsiderar a diferenciação do eu*, a fim de estabelecer uma

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clara distinção entre o eu e o ideal do eu*. Essa conceituação conduziria à instauração, em 1923, em O eu e o isso*, da segunda tópica*, onde o ideal do eu se transforma no supereu*. Ao término de sua reflexão, Freud estabelece que uma massa organizada é produto de um processo duplo: por um lado, da instalação, por diversos indivíduos, de um mesmo objeto externo no lugar de seu ideal do eu, isto é, da constituição do eixo vertical, que Freud assimila ao vínculo entre o hipnotizado e o hipnotizador; por outro, da identificação recíproca entre esses mesmos indivíduos, ou seja, o eixo horizontal, assimilável por Freud a um vínculo amoroso cuja dimensão sexual teria sido sublimada. Desconfiando da explicação através do fenômeno da sugestão, Freud evidencia, para esclarecer a transformação psíquica do indivíduo na massa, três mecanismos. A transformação, diz ele, é produto de uma limitação do narcisismo, aceita por todos os membros da massa. Essa limitação resulta da instalação do líder na posição de ideal do eu de cada um dos membros da massa. O vínculo amoroso que se estabelece entre os membros desta age como uma compensação, em troca do ataque narcísico aceito. Mais do que qualquer outro, esse ensaio de Freud foi objeto de múltiplas interpretações concernentes ao contexto no qual foi elaborado e ao esclarecimento que supostamente traria sobre alguns tipos de regimes políticos. No que tange às origens do texto, Jacques Lacan* ressaltou, em “Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956”, que Freud teorizou, nesse ensaio, fenômenos cujas conseqüências negativas, se lhe tivessem sido evidentes dez anos antes, talvez o houvessem levado a desconfiar da organização que ele criara na época, a International Psychoanalytical Association* (IPA), que supostamente deveria preservar e transmitir a verdade de sua descoberta. Para Lacan, a natureza dos vínculos de massa reconhecidos por Freud dera margem, na psicanálise e em sua transmissão, à instauração de um imperativo que instituía como critério do término da análise didática a identificação com o eu do analista, fonte de um conformismo e uma suficiência que se prestavam a edulcorar o caráter subversivo da descoberta freudiana.


Psicologia das massas e análise do eu

Podemos destacar, a esse respeito, que Freud elaborou seu texto quando uma divergência o opunha a Karl Abraham*. A discordância concernia a um aspecto da organização e funcionamento da comunidade analítica. Em maio de 1920, Abraham propusera a Freud que ele fizesse uma escala em Berlim em setembro, em seu retorno do Congresso de Haia, para participar de um ciclo de conferências cujo sucesso, dessa maneira, ficaria assegurado. Freud evocou um “trabalho difícil” que estava em andamento (tratava-se da Psicologia das massas) e respondeu salientando que a instauração de um comitê deveria ter como efeito que se “[pudesse] prescindir cada vez mais da [sua] presença”. Abraham, no entanto, insistiu na absoluta necessidade de que Freud fosse a Berlim, explicando que Jones* ou Ferenczi* ainda eram desconhecidos e que sua presença constituiria “o alvo das atenções”. Freud respondeulhe em 4 de julho, impacientando-se um pouco: “Para agosto tenho em preparação um tema difícil, que exigirá uma concentração integral (...). Você diz que sua manifestação não tem nenhuma chance de êxito se eu não estiver presente. Mas essa é justamente a atitude contra a qual quero lutar.” Portanto, foi no exato momento em que se preparava para refletir sobre a natureza da psicologia das massas, sobre a função dos chefes, dos líderes e de outros personagens supostamente “carismáticos”, que Freud foi levado a se recusar a ocupar esse lugar. A coincidência merece ser frisada, mesmo que devamos lembrar a esse respeito que, a Fritz Wittels*, que postulava a existência de uma relação entre a morte da filha de Freud (Sophie Halberstadt*) e a redação de Mais-além do princípio de prazer*, Freud respondeu: “Probabilidade nem sempre significa verdade.” Os comentadores da Psicologia das massas, por outro lado, entregaram-se a interpretações ambíguas. No texto já citado, Lacan circunscreveu numa frase definitiva o peso do procedimento de Freud, nele identificando uma “descoberta sensacional”, que antecipou “em pouco as organizações fascistas que a tornaram patente”. Pouco tempo depois, Jean-Bertrand Pontalis retomou a seu modo a apreciação lacaniana e falou de uma “primeira explicação psicológica — antecipada — do nazismo*”.

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Contemporâneos do clima ideológico do pósguerra na França*, onde a sombra dos regimes do Eixo continuava a ameaçar todos os discursos, em especial após o lançamento do livro de Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969) intitulado Dialética do Esclarecimento, esses julgamentos tomaram algumas liberdades com a história. Se o texto freudiano de fato antecipou “em pouco” uma forma de autoritarismo político, tratou-se menos da forma das futuras organizações fascistas que daquela que então se instalou na URSS, no momento mesmo em que Freud redigia esse ensaio. O autoritarismo iria concretizar-se, em particular, através da adoção da famosíssima “resolução sobre a unidade do partido”, aprovada no X Congresso do partido bolchevista, em março de 1921, que proibia a formação de facções no interior do partido e impossibilitava o debate democrático. Ela se transformaria no principal instrumento do exercício da ditadura stalinista que acompanharia a instauração do “culto da personalidade”. Uma passagem do texto, situada no fim do capítulo V, permite supor, aliás, que Freud estava perfeitamente ciente da evolução do comunismo* soviético. Evocando o enfraquecimento do sentimento religioso, causa primordial da diminuição da intolerância e da crueldade outrora demonstradas pela Igreja, ele escreveu: “Quando outra ligação de massa surge em lugar da ligação religiosa, como hoje parece estar sucedendo com a ligação socialista [sozialistischen], daí decorre, para com os que estão fora dela, a mesma intolerância da época das lutas religiosas (...).” Observe-se que os primeiros tradutores franceses, Samuel Jankélévitch e Angelo Hesnard, utilizaram a expressão “partido extremista” para traduzir o sozialistischen de Freud, enquanto Strachey, fiel nesse ponto ao texto original, falou de socialistic tie [vínculo socialista]. Foi preciso esperar por 1981, data da nova tradução, para que o leitor francês pudesse resgatar o sentido dessas linhas, escritas quase quinze anos antes da chegada dos nazistas ao poder. Todavia, qualquer que possa ter sido a forma de regime político em que Freud pensou, sua insistência em privilegiar o eixo vertical da relação com o chefe levou-o a desdenhar outros

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psicologia das profundezas, círculos de trabalho de

modos de funcionamento do social e da política, estudados sobretudo por Maurice MerleauPonty (1908-1961) a partir das noções do improvável e do incerto, e sobre as quais Myriam Revault d’Allonnes, filósofa francesa, debruçou-se recentemente. Em 1938, quando estudava o funcionamento da família, constatando o declínio da imago* paterna na civilização ocidental, Lacan já sublinhava o caráter caricatural da revalorização dessa imago na ideologia das organizações fascistas, as quais, segundo ele, colocavam a pulsão de morte na base do vínculo social. E, sete anos depois, por ocasião de uma viagem de estudos à Inglaterra, ele descobriu os trabalhos de Wilfred Ruprecht Bion* e sua utilização pelo exército inglês para consolidar sua unidade. Lacan se apercebeu, como escreveria Élisabeth Roudinesco, de que “uma teoria do poder do grupo sem chefe, fundamentada na prevalência do eixo horizontal, era superior a uma teoria do poder do chefe sobre o grupo, baseada no privilégio do eixo vertical”. Nessa perspectiva, ele explorou o funcionamento desse eixo horizontal, um tanto negligenciado por Freud, para mostrar que a liberdade inscrita nele decorria de uma temporalidade que deixa a cada sujeito a possibilidade de tornar sua uma decisão lógica. Essa possibilidade, por sua vez, é função de um tempo para compreender, tempo de meditação que antecede o momento de concluir, o da decisão propriamente dita. • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Sigmund Freud, Correspondance, 1873-1939 (Londres, 1960), Paris, Gallimard, 1966; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “Luto e melancolia” (1915-1917), ESB, XIV, 275-92; GW, X, 427-46; SE, XIV, 237-58; OC, XIII, 259-78; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; O eu e o isso (1923), ESB, XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et la politique”, Pouvoirs, 11, 1981, 155-81; L’Entendement freudien. Logos et Anankè, Paris, Gallimard, 1984 • Charles Bettelheim, Les Luttes de classes en URSS, 1re période: 1917-1923, Paris, Seuil-Maspero, 1974 • Ludwig Eidelberg (org.), Encyclopedia of Psychoanalysis, N. York e Londres, The

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Free Press, Collier-MacMillan, 1968 • Max Horkheimer e Theodor Adorno, Dialética do esclarecimento (N. York, 1944, Frankfurt, 1969), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985 • Elias Canetti, Massa e poder (Hamburgo, 1960), S. Paulo, Melhoramentos, 1983 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Jacques Lacan, “A psiquiatria inglesa e a guerra” (1947), in A querela dos diagnósticos (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989; Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises de l’identité, Paris, PUF, 1990 • René Major, De l’élection, Paris, Aubier, 1986 • Maurice Merleau-Ponty, Les Aventures de la dialectique, Paris, Gallimard, 1955 • Michel Plon, “Au-delà et en deçà de la suggestion”, Frénésie, 8, 1989, 89-114 • Jean-Bertrand Pontalis, Après Freud, Paris, Gallimard, 1968 • Myriam Revault d’Allonnes, “De la panique comme principe du lien social”, Les Temps Modernes, 527, 1990, 39-55; “Le Doute de Merleau-Ponty”, Les Temps Modernes, 531-3, vol.2, 1990, 551-68 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Carl E. Schorske, Viena fin-de-siècle (N. York, 1981), S. Paulo, Companhia das Letras, 1990.

➢ EU; HIPNOSE; PSICANÁLISE APLICADA; SUGESTÃO ; TÓPICA.

psicologia das profundezas, círculos de trabalho de ➢ CARUSO, IGOR; INTERNATIONALE FÖDERATION DER ARBEITSKREISE FÜR TIEFENPSYCHOLOGIE; PSICOTERAPIA.

psicologia do eu ➢ EGO PSYCHOLOGY.

psicologia do self ➢ SELF PSYCHOLOGY.

psicologia individual, escola de ➢ ADLER, ALFRED; PSICOTERAPIA.

psicopatologia al. Psychopathologie; esp. psicopatología; fr. psychopathologie; ing. psychopathology

Esse termo foi utilizado, no fim do século XIX, pela medicina, psicologia, psiquiatria e psicanálise*, para designar os sofrimentos da


Psicopatologia da vida cotidiana, A

alma e, em termos mais amplos, os distúrbios do psiquismo humano, a partir de uma distinção ou de um deslizamento dinâmico entre o normal e o patológico, variável conforme as épocas. ➢ ANTIPSIQUIATRIA; LOUCURA; PSICOLOGIA CLÍNICA; PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA, A; PSIQUIATRIA DINÂMICA.

Psicopatologia da vida cotidiana, A Livro de Sigmund Freud*, publicado em 1901 sob o título Zur Psychopathologie des Alltagslebens. Traduzido para o francês pela primeira vez por Samuel Jankélévitch, em 1922, sob o título Psychopathologie de la vie quotidienne, e depois traduzido por Denis Messier sob o título La Psychopathologie de la vie quotidienne. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1914, por Abraham Arden Brill*, sob o título Psychopathology of Everyday Life, e depois por Alan Tyson, em 1960, como The Psychopathology of Everyday Life.

Em sua biografia de Freud, Peter Gay se indaga se o inventor da psicanálise*, para marcar o “ponto de partida” de sua obra, não se haveria sentido tentado a optar pela interpretação* desses fatos corriqueiros da vida cotidiana que são os esquecimentos, os lapsos* e outros atos falhos*, em lugar da dos sonhos*. Na época mesma em que estava redigindo A interpretação dos sonhos*, com efeito, Freud manifestou um interesse crescente por esses fenômenos de aparência anódina. Em 26 de agosto de 1898, numa carta a Wilhelm Fliess*, disse haver enfim apreendido um “pequenino fato” de cuja natureza suspeitava já fazia muito tempo: o esquecimento de um nome e sua substituição “por algum elemento de um outro que se juraria ser o correto e que, sistematicamente, revela-se errado”. Entretanto, Freud deplorou não poder registrar publicamente essa observação. Um mês depois, rejubilou-se junto ao mesmo Fliess por “ainda poder explicar facilmente um segundo exemplo de esquecimento de nome”, mas tornou a se interrogar: “Como e a quem tornar tudo isso plausível?” Passaram-se oito dias e ele anunciou ter escrito um pequeno artigo sobre esse exemplo: tratava-se do texto “O mecanismo psíquico do esquecimento”, publicado, no fim do ano de 1898, na revista Monatschrift für Psychiatrie und Neurologie. No ano seguinte,

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Freud publicou na mesma revista seu artigo sobre as “Lembranças encobridoras” e, depois disso, em 1901, um terceiro artigo, intitulado “Da psicopatologia da vida cotidiana” (“Zur Psychopathologie des Alltagslebens”), título posteriormente dado ao volume que reuniu a essência dessas três contribuições. A psicopatologia da vida cotidiana constitui, ao lado de A interpretação dos sonhos* e Os chistes e sua relação com o inconsciente*, um tríptico que Ernest Jones* agrupou sob a etiqueta de psicanálise aplicada*, com isso marcando uma diferença em relação a outros textos da mesma época, mais precisamente os dedicados à teoria e à clínica, como os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade* e o relato do caso Dora (Ida Bauer*). A opção de Jones é justificável, na medida em que esses três livros comportam, efetivamente, características próprias da psicanálise aplicada. Assim, ao optar por estudar fenômenos corriqueiros, como o sonho, o chiste ou os atos falhos, todos eles manifestações psíquicas que Jacques Lacan* chamaria de “formações do inconsciente”, Freud pretendeu demonstrar, como lembrou repetidas vezes ao longo do livro, que o campo de ação da psicanálise não podia limitar-se unicamente ao terreno da patologia. Tratava-se igualmente de indicar, através do estudo dos lapsos, esquecimentos e atos falhos, o domínio permanente do inconsciente* sobre a totalidade da vida consciente. Com isso, Freud lembrou que sua meta era, “precisamente, chamar a atenção para as coisas que todo o mundo conhece e compreende da mesma maneira, ou seja, reunir fatos do dia-a-dia e submetê-los a um exame científico. Não vejo por que”, prosseguiu, “haveríamos de recusar a esse tipo de saber, que é a cristalização das experiências da vida cotidiana, um lugar entre as conquistas da ciência”. Por fim, Freud sustentou a tese do determinismo psíquico absoluto, que abriu caminho para um uso ilimitado da prática da interpretação*, contra o qual, mais tarde, ele procuraria levantar-se, recorrendo principalmente ao processo da construção. A despeito das avaliações negativas de Freud sobre as primeiras versões de seu trabalho, entre outras numa carta a Fliess de 8 de

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Psicopatologia da vida cotidiana, A

maio de 1901, onde declarou esperar que o livro desagradasse ainda mais aos outros do que a ele mesmo, a Psicopatologia da vida cotidiana recebeu, desde sua publicação, uma acolhida favorável do grande público. Objeto de 16 artigos, em sua maioria elogiosos, nos quatro anos que se seguiram a seu lançamento, o livro foi reeditado a partir de 1907 e, na França*, comentado por Henri Claude* em 1913, em L’Encéphale, por ocasião de sua quarta edição alemã. A cada reedição, Freud, que desde 1908 vinha acumulando um número considerável de exemplos de esquecimentos e lapsos (referindose a isso como sua “coleção”), acrescentava novos casos ao texto inicial, uns fornecidos por colegas (Alfred Adler*, Carl Gustav Jung*, Victor Tausk*, Ernest Jones, Sandor Ferenczi*, Eduard Hitschmann*, Lou Andreas-Salomé*, Otto Rank*, Hans Sachs*, Wilhelm Stekel*, Theodor Reik*) e outros provenientes de leitores anônimos. A psicopatologia da vida cotidiana dividese em doze capítulos, dedicados às diferentes formas de esquecimentos, lapsos, equívocos, descuidos e os mais variados atos falhos. Freud reconhece que essa divisão é essencialmente descritiva, havendo nos fenômenos estudados, na realidade, uma unidade interna que é atestada pelo livro inteiro. Aliás, em suas Conferências introdutórias sobre psicanálise*, ele assinalaria que essa unidade era evidenciada, na língua alemã, pelo prefixo ver, comum a todas as palavras designativas desses “acidentes”: das Versagen (o esquecimento), das Versprechen (os lapsus linguae), das Vergreifen (o equívoco da ação), das Verlieren (o extravio de objetos) etc. O primeiro capítulo, que versa sobre o esquecimento de nomes próprios, abre-se com um exemplo que se tornou célebre e que fora objeto do artigo de 1898 dedicado ao mecanismo psíquico do esquecimento. Viajando com um companheiro fortuito para uma cidade da Herzegovina, Freud não mais consegue lembrar-se do nome de Luca Signorelli (1441-1523), o autor dos afrescos da catedral de Orvieto que representam os quatro “dias derradeiros”. Em vez disso, vêm-lhe à mente dois outros nomes de pintores, os de Sandro Botticelli (1467-1516) e Giovanni Boltraffio (1441-1523), que ele sabe serem incorretos. Quando o nome procurado

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lhe é fornecido por seu companheiro de viagem, Freud não fica surpreso, mas faz questão de investigar as razões de seu esquecimento. Lembra-se então de que, antes de evocar a Itália com seu interlocutor, os dois haviam conversado sobre a mentalidade dos turcos da Bósnia-Herzegovina, em especial sobre sua resignação diante do destino — por exemplo, sua reação quando um médico lhes anuncia que a situação de um de seus parentes é desesperadora: “Herr [Senhor]”, é mais ou menos o que eles dizem nessa situação, “não falemos mais disso; sei que, se fosse possível salvá-lo, o senhor o salvaria.” Freud observa que esses dois nomes, Bósnia e Herzegovina, assim como a palavra Herr, têm lugar numa cadeia associativa entre Signorelli-Botticelli e Boltraffio. O Bo de Bósnia encontra-se nos nomes dos dois pintores que substituem o nome esquecido e procurado; quanto ao Herr, podemos encontrá-lo em Herzegovina, assim como, em sua tradução italiana, em Signorelli. Para explorar as razões inconscientes desse esquecimento, Freud procede como fizera ao analisar seus sonhos: esforça-se por fazer associações a partir do material manifesto. Lembra-se de ter pensado, ao longo da conversa, num outro aspecto dos costumes desses turcos da Bósnia: a importância que eles dão ao prazer sexual e seu desespero quando experimentam dificuldades nessa área, aspecto esse que Freud não quisera abordar com um desconhecido; ele se recorda também de haver pensado, naquele momento, na notícia recebida em Trafoi, no Tirol, de que um de seus pacientes, afetado por problemas sexuais incuráveis, havia-se suicidado. A proximidade entre Trafoi e Boltraffio “obriga-me a admitir”, escreve Freud, “que, apesar de haver intencionalmente desviado minha atenção, eu estava sofrendo a influência dessa reminiscência”. É de se notar, nesse exemplo, a especificidade da lógica inconsciente que leva a substituir o nome de Signorelli pelo de um pintor da mesma nacionalidade e da mesma época, Boltraffio, o qual contém os fonemas Trafoi, que remetem aos temas da morte e da sexualidade*, recalcados por Freud na conversa que antecedeu seu esquecimento. “Já não me é possível ver no esquecimento do nome Signorelli”, escreve Freud, “um acontecimento acidental. Sou obri-


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gado a ver nele o efeito de motivações psíquicas. (...) Eu queria, na verdade, esquecer uma outra coisa, e não o nome do mestre de Orvieto; mas, entre essa ‘outra coisa’ e o nome estabeleceu-se um elo associativo, de tal sorte que meu ato voluntário errou o alvo e, contrariando minha vontade, esqueci o nome, quando queria intencionalmente esquecer a outra coisa”. Assim, segundo comenta Octave Mannoni*, “o nome do pintor italiano, associado a certas idéias de morte e sexualidade recalcadas, foi arrastado junto com elas para o desejo inconsciente. Claro está que, em si mesmas, as idéias de morte e sexualidade não têm esse efeito: Freud não havia esquecido o tema dos afrescos, nem os quatro dias derradeiros, dos quais a morte faz parte. E nem tampouco as histórias sexuais turcas: o recalque não estava nisso (ligava-se à notícia recebida em Trafoi)”. Freud enuncia então as condições necessárias para se falar no esquecimento não acidental de um nome, que são em número de três: a tendência a esquecer esse nome, a existência de um recalque* relativamente recente e a possibilidade de estabelecer uma associação externa entre o nome em questão e o objeto do recalque. Entretanto, Freud não se distancia de uma certa prudência, esclarecendo, para encerrar esse primeiro capítulo, que nem todos os casos de esquecimento de nomes próprios podem ser situados na categoria ilustrada pelo esquecimento do nome de Signorelli. Quaisquer que sejam os exemplos conservados e a rubrica sob a qual Freud os arrola, é idêntico o processo, que consiste em recorrer ao método das associações livres para relacionar o conteúdo do esquecimento ou o objeto do ato falho com um elemento recalcado. No quarto capítulo, discorrendo sobre as lembranças infantis e as lembranças encobridoras*, Freud se refere a seu artigo de 1899, modificando-o flagrantemente. As primeiras lembranças, ou as lembranças mais antigas, concernem, na maioria das vezes, a coisas secundárias, ao passo que os acontecimentos importantes parecem não haver deixado nenhum vestígio na memória. Tudo se passa, observa Freud, como se houvesse, por intermédio de uma lembrança anódina, uma representação substituta de outras impressões importantes, cuja

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reprodução houvesse esbarrado numa resistência*. Daí a expressão lembrança encobridora, que põe em jogo, à maneira do que sucede nos sonhos, um mecanismo de deslocamento*. Uma aproximação da mesma ordem operase na formação dos lapsos. A propósito destes, Freud evoca trabalhos anteriores que faziam do lapso um processo de contaminação resultante da proximidade e da semelhança entre duas palavras, explicação esta muito próxima do mecanismo de condensação* que ele evidenciara em seu estudo dos sonhos. O lapso, por seus efeitos de hilaridade e sideração, por sua estrutura, que é a de uma abreviação, apresenta afinidades com o chiste; como este e como o sonho, é um instrumento precioso na análise, uma ferramenta “cuja utilização”, escreve Freud, “pode desfazer e suprimir os sintomas neuróticos”. Numa das sínteses recapitulativas de que o livro é pontilhado, Freud observa que, “na totalidade dos casos, o esquecimento é motivado por um sentimento desagradável”. E evoca então um conflito doloroso, ao mesmo tempo que deixa escapar uma artimanha de seu próprio inconsciente. Com efeito, relata como, no verão de 1901, esqueceu-se de que não fora ele, e sim Wilhelm Fliess*, quem havia enunciado a hipótese da bissexualidade*. Ainda que, à evocação dessa lembrança, Freud afirme haver-se tornado “mais tolerante”, nem por isso ele deixa de omitir nesse relato o nome de Fliess, falando de um “amigo” com quem diz ter tido “discussões muito animadas sobre questões científicas”. Em 1904, a amizade com Fliess já não passava de uma lembrança distante, ainda que, em sua essência, a gestação desse livro se houvesse realizado no contexto daquela amizade. Talvez seja essa amizade desaparecida (ou os vestígios de culpa que sua destruição possa ter deixado) que se manifesta no reaparecimento do nome de Fliess, algumas páginas adiante, quando da evocação do esquecimento de um projeto anódino. Trata-se do reiterado esquecimento da compra de uma coisa desejada, um papel mataborrão. Buscando as razões desse esquecimento, Freud é obrigado a reconhecer que, se escreve a palavra mata-borrão empregando o termo alemão Löschpapier, ele utiliza, para denominar oralmente esse mesmo papel, a palavra ale-

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mã que é sinônima da primeira, Fliesspapier! “Ora, Fliess”, sublinha Freud, “é o nome de um de meus amigos de Berlim, nome este ao qual se associaram em meus pensamentos, nestes últimos dias, idéias e preocupações dolorosas.” Na medida em que os atos falhos, mais rigorosamente qualificados de atos sintomáticos, “exprimem algo de que o próprio autor do ato não desconfia, e que em geral ele tem a intenção de guardar consigo, em vez de participá-lo a outrem”, podemos afirmar que, na verdade, eles são “atos bem-sucedidos”, que traduzem a realização consumada de um desejo* inconsciente. Às vezes, porém, os equívocos e descuidos podem, por suas conseqüências, ultrapassar o registro do anódino. E então se coloca a questão de saber se é possível descobrirmos, através da análise, alguma intenção inconsciente, quando esses atos geram conseqüências cuja gravidade pode chegar ao ponto de pôr em risco a vida do sujeito. Quanto a esse aspecto, Freud mostra-se prudente e formula tão-somente hipóteses. A psicopatologia da vida cotidiana encerrase com um capítulo dedicado à questão do determinismo, da crença e da superstição, temas que Freud tornaria a evocar numa de suas conferências proferidas nos Estados Unidos* e reunidas num pequeno volume intitulado Cinco lições de psicanálise*. Freud assinala que o determinismo psíquico, que por antífrase ele denomina de “acaso interno”, para contrastá-lo com o “acaso externo”, no qual as determinações psíquicas acham-se quase totalmente ausentes, é quase sempre objeto de um desconhecimento espontâneo por parte do ser humano. O supersticioso, sublinha Freud, funciona às avessas: acredita no acaso interno, no acaso psíquico, com isso demonstrando que nada quer saber das manifestações de seu inconsciente, mas se recusa a crer no acaso externo, convencido que está de poder discernir intenções ou relações que comumente lhe são ocultadas. Nesse sentido, a superstição constitui uma prova a contrario de um conhecimento inconsciente e recalcado da motivação dos atos falhos. A superstição é o produto de uma inversão, comparável, sob mais de um aspecto, ao modo de funcionamento do paranóico, que rejeita qualquer idéia do acidental em se tratando das

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manifestações provenientes de outrem, mas é incapaz de demonstrar uma perspicácia equivalente no que concerne a seu próprio inconsciente. O paranóico, explica ainda Freud, projeta na vida psíquica dos outros o que acontece em sua própria vida em estado inconsciente, e é por isso que dá a impressão freqüente de estar parcialmente certo. Desenvolvendo sua argumentação, Freud formula idéias que mais tarde viria a corroborar em O futuro de uma ilusão* e O mal-estar na cultura*. A seu ver, o raciocínio que entra em jogo na superstição é reencontrado nas concepções mitológicas do mundo e nas religiões modernas, que não são outra coisa, sublinha, senão “uma psicologia projetada no mundo externo”. Freud acrescenta que “poderíamos atribuir-nos a tarefa de decompor, colocando-nos nesse ponto de vista, os mitos relativos ao paraíso e ao pecado original, ao mal e ao bem, à imortalidade etc., e de traduzir a metafísica em metapsicologia*”. O paralelismo estabelecido entre os mecanismos em ação nos atos falhos, de um lado, e nos sonhos, de outro, evidencia a inexistência de uma diferença fundamental entre o homem neurótico e o homem normal. Assim, Freud é levado a declarar que “todos somos mais ou menos neuróticos”, com isso sublinhando a proximidade, apontada pelo próprio título do livro, entre o “patológico” e o “cotidiano”. Essa proximidade, bem como a ancoragem na vida do dia-a-dia, é que teriam motivado o projeto da Psicopatologia da vida cotidiana. Sob esse aspecto, o livro é, sem sombra de dúvida, o que teria tido a recepção mais conforme ao espírito em que foi concebido. Duas anedotas atestam esse fato. A primeira concerne à elaboração do livro. Versa sobre o erro do garçom de um café que esteve a ponto de fazer Freud pagar uma despesa por um preço mais alto do que o exibido. Ao mesmo tempo em que cometia esse ato falho, o garçom cometeu um segundo, um gesto desastrado que provocou a queda de uma moeda de valor equivalente ao do aumento injustificado. Freud apontou isso ao interessado, que desapareceu, confuso, e depois voltou para pedir desculpas. Freud conta então que deu ao empregado a soma excedente, a título, segundo escreveu, “de sua


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contribuição para a psicopatologia da vida cotidiana”. A segunda anedota ilustra o sucesso do livro, que ultrapassou em muito o círculo dos leitores especialistas: ela relata o prazer que Freud sentiu quando, no navio que o conduzia aos Estados Unidos, juntamente com Jung e Ferenczi, descobriu um comissário de bordo imerso na leitura da Psicopatologia da vida cotidiana.

cura: esquizofrenia*, paranóia* e psicose maníacodepressiva*. A palavra surgiu na França* em 1869. Retomado por Sigmund Freud* como um conceito a partir de 1894, o termo foi primeiramente empregado para designar a reconstrução inconsciente, por parte do sujeito*, de uma realidade delirante ou alucinatória. Em seguida, inscreveuse no interior de uma estrutura tripartite, na qual se diferencia da neurose, por um lado, e da perversão*, por outro.

• Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “O mecanismo psíquico do esquecimento” (1898), ESB, III, 317-32; GW, I, 517-27; SE, III, 287-97; OC, III, 241-51; “Lembranças encobridoras” (1899), ESB, III, 333-58; GW, I, 529-54; SE, III, 299-322; OC, III, 253-76; A psicopatologia da vida cotidiana (1901), ESB, VI; GW, IV; SE, VI; Paris, Gallimard, 1997; Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905), ESB, VIII; GW, VI, 1-285; SE, VIII; Paris, Gallimard, 1988; Cinco lições de psicanálise (1910), ESB, XI, 13-58; GW, VIII, 3-60; SE, XI, 7-55; OC, X, 1-55 • Didier Anzieu, A auto-análise de Freud e a descoberta da psicanálise (Paris, 1959), P. Alegre, Artes Médicas, 1989 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Reviews of his Work 1893-1939, Madison, International Universities Press, 1988 • Jacques Lacan, Le Séminaire, livre V, Les Formations de l’inconscient (1957-1958), inédito • Marcelle Marini, Lacan: a trajetória de seu ensino (Paris, 1986), P. Alegre, Artes Médicas • Octave Mannoni, Freud. Uma biografia ilustrada (Paris, 1968), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994 • Erik Porge, Se compter trois. Le Temps logique de Lacan, Toulouse, Eres, 1989.

Se o conceito de neurose é parte integrante do vocabulário da psicanálise*, o da psicose aparece, a princípio, como um anexo proveniente do saber psiquiátrico e adequado a uma medicina manicomial, pautada numa concepção do sujeito* que se organiza em torno da idéia de alienação e perda da razão. Nascida de uma escuta “particular” do sofrimento humano, inventada por um homem que não era psiquiatra e que não gostava nem dos psicóticos, como ele mesmo diria a Istvan Hollos*, nem da loucura carcerária, a psicanálise desenvolveu-se no terreno de uma medicina de consultório, na qual o diálogo secreto entre o terapeuta e o paciente primava sobre a preocupação nosográfica. Sob esse aspecto, a neurose histérica das mulheres da burguesia vienense tratadas por Freud e Josef Breuer* em nada se assemelhava à loucura histérica, muito próxima da psicose, posta em cena por Jean Martin Charcot* na Salpêtrière. Todavia, do ponto de vista doutrinal, as duas formas de doenças nervosas foram catalogadas sob o rótulo de neurose. Freud dedicava toda a sua atenção à neurose, considerada curável, em detrimento da psicose, que ele julgava quase sempre incurável. As três grandes análises que ele efetivamente conduziu foram publicadas como casos de neurose — neurose histérica em Dora (Ida Bauer*), neurose obsessiva* no Homem dos Ratos (Ernst Lanzer*) e neurose infantil no Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff*) —, enquanto seu único estudo redigido sobre um caso de psicose foi o comentário de um livro, Memórias de um doente dos nervos, escrito por um homem tomado de paranóia*, Daniel Paul Schreber*. Freud soube desde cedo que sua doutrina do inconsciente* conquistaria o que ele chamava de “terra prometida da psiquiatria”, trazendo

psicose al. Psychose; esp. psicosis; fr. psychose; ing. psychosis Termo introduzido em 1845 pelo psiquiatra austríaco Ernst von Feuchtersleben (1806-1849) para substituir o vocábulo loucura* e definir os doentes da alma numa perspectiva psiquiátrica. As psicoses opuseram-se, portanto, às neuroses*, consideradas como doenças mentais da alçada da medicina, da neurologia e, mais tarde, da psicoterapia*. Por extensão, o termo psicose designou inicialmente o conjunto das chamadas doenças mentais, fossem elas orgânicas (como a paralisia geral) ou mais especificamente mentais, restringindo-se depois às três grandes formas modernas da lou-

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uma nova visão da loucura e da organização das doenças mentais. E foram seus discípulos psiquiatras, em primeiro lugar Karl Abraham*, em Berlim, e Carl Gustav Jung*, em Zurique, que se ocuparam desse campo, numa época em que a nosografia elaborada por Emil Kraepelin* ainda dominava o discurso psiquiátrico de língua alemã. Em seguida, seus herdeiros norteamericanos, ingleses, franceses e japoneses, de Melanie Klein* a Jacques Lacan*, passando por Paul Federn* e Heisaku Kosawa*, levaram adiante uma escuta psicanalítica da loucura, depois de serem formados quer no âmbito da corrente berlinense, quer sob os auspícios da Clínica do Burghölzli, dirigida pela família Bleuler*, quer ainda segundo os princípios da fenomenologia psiquiátrica proveniente dos trabalhos de Karl Jaspers (1883-1969) ou Ludwig Binswanger*. É na correspondência de Freud com Jung que melhor se apreende a maneira como foi elaborada a doutrina freudiana da psicose, entre 1909 e 1911. Opondo-se a Eugen Bleuler*, Freud escolheu a terminologia de Kraepelin, adotando a idéia de uma dissociação da consciência (à qual denominaria clivagem* do eu*), mas privilegiando o conceito de paranóia, em oposição à noção de esquizofrenia. A partir daí, ele fez da paranóia uma espécie de modelo estrutural da psicose em geral, assim como fizera da histeria o protótipo da neurose no sentido psicanalítico. Em 1911, no momento em que Bleuler publicava sua grande obra, Dementia praecox, Freud lançou suas “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoides)”. Pois bem, nesse estudo, ele enunciou uma teoria quase completa do mecanismo do conhecimento paranóico, que lhe serviu para definir a psicose como um distúrbio entre o eu e o mundo externo. Em seguida, no contexto de sua segunda tópica* e havendo elaborado uma nova teoria do narcisismo*, Freud inscreveu a psicose numa estrutura tripartite, opondo-a à neurose, de um lado, e à perversão*, de outro. Ela foi então definida como a reconstrução de uma realidade alucinatória na qual o sujeito fica unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual auto-erótica: toma literalmente o próprio corpo (ou parte deste) como objeto de amor (sem

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alteridade possível). Ao lado da psicose, a neurose surge como o resultado de um conflito intrapsíquico, enquanto a perversão se apresenta como uma renegação* da castração*. Da herança de Kraepelin, portanto, Freud conservou a noção de paranóia, da qual fez o principal conceito de qualquer psicose, e mais tarde aceitou, depois de havê-la recusado, a definição bleuleriana da esquizofrenia, com uma restrição que o conduziu a situar os sintomas dessa doença no quadro da histeria. Na verdade, ao fornecer uma nova representação da psicose, Freud renunciou a qualquer ambição nosográfica. Daí o seguinte paradoxo: ele diferenciou criteriosamente a psicose das outras duas entidades (perversão e neurose), mas, ao mesmo tempo, apagou o abismo criado pela psiquiatria entre a norma e a patologia. Sandor Ferenczi* caracterizaria de maneira notável a eliminação dessa distinção, num texto de 1926 dedicado à contribuição da psicanálise para o movimento de higiene mental: “Foi a análise da atividade psíquica no sonho*”, disse ele, “que fez desaparecer por completo o abismo entre doença mental e saúde mental, até então considerado intransponível. O mais normal dos homens torna-se psicótico durante a noite: tem alucinações, e sua personalidade, tanto no plano lógico quanto no ético e no estético, sofre uma transformação fundamental, assumindo, de modo geral, um caráter mais primitivo.” Durante cinqüenta anos, os herdeiros de Freud fariam questão de revisar a totalidade de sua doutrina, ora insistindo, como Lacan, no lugar da paternidade na gênese da psicose, ora, ao contrário, como Melanie Klein, situando a origem dela numa relação arcaica com a mãe. A partir da década de 1960, a reflexão sobre a natureza da loucura preponderou sobre a abordagem da doença mental em termos de psicose. Disso dão testemunho, em especial, os trabalhos de Michel Foucault (1926-1984), Henri F. Ellenberger*, Georges Devereux* e diversos representantes do movimento culturalista e antipsiquiátrico. • Sigmund Freud, “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “Neurose e psicose” (1924), ESB, XIX, 189-98; GW, XIII, 387-91; SE, XIX, 149-53; OC, XVII, 1-9; “A perda


psicossomática, medicina da realidade na neurose e na psicose” (1924), ESB, XIX, 229-38; GW, III, 363-8; SE, XIX, 183-7; OC, XVII, 35-43 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Eugen Bleuler, Dementia praecox ou groupe des schizophrénies (Leipzig, 1911), Paris, EPEL-GREC, 1993 • Sandor Ferenczi, “A importância de Freud para o movimento da higiene mental” (1926), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 389-92 • Richard Hunter e Ida Macalpine, Three Hundred Years of Psychiatry, Oxford, Oxford University Press, 1963 • Franz Alexander e S. T. Selesnick, Histoire de la psychiatrie (N. York, 1966), Paris, Armand Colin, 1972 • Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994; Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995 • Jacques Lacan, O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2a. ed. • Paul Bercherie, Os fundamentos da clínica (Paris, 1980), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Jacques Postel e Claude Quétel, Nouvelle histoire de la psychiatrie (1983), Paris, Dunod, 1994 • Jackie Pigeaud, La Maladie de l’âme, Paris, Les Belles Lettres, 1989 • Georges Lantéri-Laura, “Névrose et psychose: questions de sens, questions d’histoire”, Autrement, 117, outubro de 1990, 23-31 • Jean Garrabé, Histoire de la schizophrénie, Paris, Seghers, 1992 • Gladys Swain, Dialogue avec l’insensé, Paris, Gallimard, 1994 • Thierry Vincent, “Pendant que Rome brûle”. La Clinique psychanalytique de la psychose de Sullivan à Lacan, Estrasburgo, Arcanes, 1996 • Daniel Paul Schreber, Memórias de um doente dos nervos, S. Paulo, Paz e Terra, 1995.

➢ ALEMANHA; ANTIPSIQUIATRIA; AUTISMO; BORDERLINE; CULTURALISMO; ESTADOS UNIDOS; ETNOPSICANÁLISE; FLIESS, WILHELM; FORACLUSÃO; FRANÇA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; MELANCOLIA; NOME-DO-PAI; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL; PSIQUIATRIA DINÂMICA; REALIDADE PSÍQUICA; SULLIVAN, HARRY STACK.

psicose maníaco-depressiva al. manio-depressive Psychose; esp. psicosis maniaco-depresiva; fr. psychose maniaco-dépressive; ing. manic-depressive psychosis Termo cunhado pelo saber psiquiátrico do início do século XX, a partir dos termos psicose*, mania e depressão, para designar, ao lado da paranóia* e da esquizofrenia*, o terceiro grande componente

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moderno da psicose em geral. Caracteriza-se por perturbações do humor, que assumem a forma de uma alternância entre estados de agitação maníaca (ou exaltação) e estados melancólicos (tristeza e depressão).

O médico inglês Thomas Willis (16211675) foi o primeiro a ligar duas formas de loucura já descritas desde a Antigüidade — a mania e a melancolia* — para definir um ciclo maníaco-depressivo, o que então permitiu reunir numa mesma doença mental a mania e a melancolia. Em 1852, o alienista francês JeanPierre Falret (1794-1870) deu o nome de loucura circular a essa entidade única e, em 1899, Emil Kraepelin* designou por loucura maníaca depressiva essa loucura circular, que iria transformar-se, no quadro de uma nosografia geral das psicoses, na psicose maníaco-depressiva. A gênese da noção de psicose maníacodepressiva na nosografia psiquiátrica e na clínica psicanalítica, de Sigmund Freud* a Melanie Klein*, passando por Ludwig Binswanger*, prende-se à história geral da melancolia. ➢ POSIÇÃO DEPRESSIVA/POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE; SUICÍDIO.

psicossíntese al. Psychosynthese; esp. psicosíntesis; fr. psychosynthèse; ing. psychosynthesis

Termo criado em 1907 pelo psiquiatra suíço Doumeng Bezzola (1868-1936) e, em 1926, institucionalizado pelo psiquiatra italiano Roberto Assagioli (1888-1966), no âmbito do Instituto de Cultura e Terapia Psíquica de Roma, para designar uma variedade de psicoterapia* pautada numa concepção integral e dinâmica do ser humano, e que não leva em conta os três conceitos freudianos em torno dos quais se organiza a psicanálise*: inconsciente*, sexualidade* e transferência*. O termo foi igualmente reivindicado, em 1924, pelo médico sueco Poul Bjerre*.

psicossomática, medicina al. psychosomatische Medizin; esp. medicina psicosomática; fr. médecine psychosomatique; ing. psychosomatic medicine

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psicoterapia

Nascida com Hipócrates, a medicina psicossomática concerne simultaneamente ao corpo e ao espírito e, mais especificamente, à relação direta entre o soma e a psyché. Descreve a maneira como as doenças orgânicas são provocadas por conflitos psíquicos, em geral inconscientes. Na história da psicanálise*, diversas correntes de medicina psicossomática desenvolveram-se no mundo, inicialmente com Georg Groddeck*, seu principal inspirador, e depois em torno de Franz Alexander* (Escola de Chicago), nos Estados Unidos*, Alexander Mitscherlich*, na Alemanha, e Pierre Marty (19181993) e Michel de M’Uzan, na França* (Escola de Paris). Enquanto a psiquiatria (campo das doenças mentais) serviu de trampolim para a implantação das teorias psicanalíticas concernentes às psicoses*, foi através da chamada medicina psicossomática, com freqüência, que a clínica freudiana se introduziu na medicina (geral ou especializada), em particular nos grandes serviços hospitalares (hematologia, urologia, cancerologia geral, unidades especializadas em AIDS etc.) onde a abordagem psicanalítica é indispensável ao tratamento dos problemas psíquicos (específicos ou não) dos sujeitos (crianças ou adultos) atingidos por doenças orgânicas crônicas ou agudas. ➢ HISTERIA; PULSÃO.

psicoterapia al. Psychotherapie; esp. psicoterapia; fr. psychothérapie; ing. psychotherapy Método de tratamento psicológico das doenças psíquicas que utiliza como meio terapêutico a relação entre o médico e o paciente, sob a forma de uma relação ou de uma transferência*. O hipnotismo, a sugestão*, a catarse*, a psicanálise* e todos os métodos terapêuticos próprios da história da psiquiatria dinâmica* estão incluídos na noção de psicoterapia.

A palavra psicoterapia como tal generalizou-se no vocabulário clínico a partir de 1891, quando Hippolyte Bernheim* publicou Hipnotismo, sugestão e psicoterapia. Historicamente, a psicoterapia nasceu, ao mesmo tempo, do antigo “tratamento moral”,

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aperfeiçoado pelo alienista francês Philippe Pinel (1745-1826), e do tratamento magnético inventado por Franz Anton Mesmer*. No primeiro caso, o médico recorre, no doente, a um “resto de razão” através do qual uma consciência alienada escapa à loucura*, e no segundo, ele atribui à existência de um “fluido” (ou magnetismo animal) a causa do distúrbio psíquico. Em 1784, o marquês Armand de Puységur (1751-1825) foi o primeiro a demonstrar a natureza psicológica e não fluídica da relação terapêutica, ao substituir o tratamento magnético por um estado de “sono acordado” ou sonambulismo, que o médico escocês James Braid (1795-1860) denominaria de hipnose* em 1843. Depois disso, foi Bernheim quem substituiu o hipnotismo (como método de hipnotização) pela sugestão, abrindo assim caminho para a idéia de uma terapia fundamentada numa pura relação psicológica. Abandonando a hipnose, a sugestão e a catarse, e depois dando o nome de transferência* à relação entre o médico e o doente, Sigmund Freud* aperfeiçoou, com a psicanálise*, o único método moderno de psicoterapia baseado numa exploração do inconsciente* e da sexualidade* (libido*), considerados como os dois grandes universais da subjetividade humana. No plano clínico, ele é também o único a reivindicar a transferência como fazendo parte dessa universalidade e a propor que ela seja analisada no próprio interior do tratamento, como protótipo de qualquer relação de poder entre o terapeuta e o paciente e, portanto, entre um professor e um aluno. Sob esse aspecto, a psicanálise é herdeira de uma tradição socrática e platônica da filosofia. Nessa perspectiva, a psicoterapia analítica (ou psicanalítica) é uma psicoterapia que se apóia nos princípios teóricos da análise freudiana, sem adotar todas as condições da técnica psicanalítica* clássica. Desde seu nascimento, a psicanálise viu-se em conflito, em todos os países do mundo, com as outras formas de psicoterapia, fosse por se haver amalgamado com estas a ponto de desaparecer como tal, fosse por lhes haver oposto uma forte resistência, provocando cisões ou dissidências. As outras duas grandes escolas da psicoterapia do século XX são a escola de psicologia analítica fundada por Carl Gustav


psicoterapia

Jung* e a escola de psicologia individual fundada por Alfred Adler*, ambas nascidas de dissidências com a escola fundada por Freud. As outras escolas de psicoterapia do século XX nasceram, de um modo geral, do molde freudiano. Têm como ponto em comum rejeitar os três grandes conceitos freudianos: o inconsciente*, a sexualidade* e a transferência. Ao inconsciente freudiano elas opõem um subconsciente de natureza biológica ou uma consciência de tipo fenomenológico; à sexualidade no sentido freudiano, preferem uma teoria culturalista da diferença sexual*, ou então, uma biologia dos instintos; e por fim, opõem à transferência uma relação terapêutica derivada da relação de sugestão. Daí a tentação permanente do retorno ao hipnotismo. Ligam-se a esse tronco originário do hipnotismo e da sugestão, por um lado, o chamado método do “sonho acordado dirigido”, inventado em 1945 pelo médico francês Robert Desoille (1890-1966), e que deu origem a um movimento, o Groupe International du Rêve Éveillé Dirigé de Desoille [Grupo Internacional do Sonho Acordado Dirigido de Desoille] (GIREDD), e, por outro lado, a narco-análise, ou método de exploração do psiquismo através da injeção de barbitúricos que provocam um estado de sonolência. Praticada a partir de 1932 e reativada depois da Segunda Guerra Mundial, a narco-análise não é exclusivamente da alçada do tratamento psíquico, uma vez que junta a este uma farmacologia e uma investigação quase policial do inconsciente do sujeito. Todas as escolas de psicoterapia do século XX — havia no mundo 500 delas em 1995 — são identicamente organizadas. Sejam elas nascidas de dissidências, cisões ou separações do freudismo, todas são representadas por um líder, que serve simultaneamente de promotor da cura, terapeuta e mestre pensante para seu grupo. Criadas por homens ou mulheres que têm, cada um deles, uma doutrina própria, e que, tal como Freud, colocam-se em vida como fundadores de um sistema de pensamento, essas escolas em geral desaparecem após a morte de seus fundadores, dos quais, então, resta apenas a obra. Se, vez por outra, transmitem uma tradição clínica, elas freqüentemente desaparecem, deixando espaço para outras escolas orga-

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nizadas segundo o mesmo modelo. Com efeito, com a morte do mestre, a maioria dos terapeutas formados em seu serralho se dispersa, quer para criar novas escolas, cada qual dotada de um novo mestre, novas técnicas e novos métodos, quer para se ligar a escolas já existentes. Dentre os principais representantes das múltiplas escolas de psicoterapia, alguns tiveram um impacto importante, ligado à força de sua doutrina, como Wilhelm Reich*, Karen Horney*, Jacob Levy Moreno*, o criador do psicodrama*, ou ainda o norte-americano Carl Rogers (1902-1987), inventor da chamada análise não diretiva, que procura livrar o eu* de todos os seus aspectos psicopatológicos através de entrevistas informais. A estes juntam-se os culturalistas inspirados no neofreudismo* (Abram Kardiner*, Erich Fromm*), a escola de Palo Alto — onde se firmaram, sob a liderança do antropólogo Gregory Bateson*, as primeiras experiências de terapia de família* — e a terapia de grupo propriamente dita, com suas múltiplas variantes; seus principais representantes, na história do freudismo*, foram Trigant Burrow* e Wilfred Ruprecht Bion*. Outros terapeutas, em contrapartida, destacaram-se mais por sua extravagância do que pela qualidade de sua doutrina: é o caso de Poul Bjerre*, por exemplo, ou de Harry Stack Sullivan*, um brilhante psiquiatra dissidente de todas as escolas, simultaneamente culturalista e defensor de uma abordagem original da esquizofrenia*. Convém também notar que dois colaboradores do Instituto Göring, Harald Schultz-Hencke* e Johannes Heinrich Schultz*, deram início a duas correntes de psicoterapia: a neopsicanálise, no caso do primeiro, e o training autógeno ou método de relaxamento, no do segundo. • Hippolyte Bernheim, Hypnotisme, suggestion, psychothérapie (1891), Paris, Fayard, col. “Corpus des oeuvres de philosophie en langue française”, 1995 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Léon Chertok e Raymond de Saussure, Naissance du psychanalyste, Paris, Payot, 1973 • Gladys Swain, Dialogue avec l’insensé, Paris, Gallimard, 1994.

➢ ANÁLISE DIRETA; ANÁLISE EXISTENCIAL; ANÁLISE TRANSACIONAL; ANNAFREUDISMO; CARUSO,

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psicoterapia existencial

IGOR; GESTALT-TERAPIA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; INTERNATIONAL PSYCHOANALYTICAL ASSOCIATION; KLEINISMO; LACANISMO.

psicoterapia existencial ➢ ANÁLISE EXISTENCIAL; BINSWANGER, LUDWIG; CARUSO, IGOR.

psicoterapia institucional Expressão criada em 1952 pelo psiquiatra francês Georges Daumezon (1912-1979) para designar uma terapêutica da loucura* fundamentada na idéia da causalidade psíquica da doença mental (ou psicogênese), e que visa reformar a instituição asilar, privilegiando uma relação dinâmica entre os profissionais que prestam atendimento.

Como seu nome indica, a psicoterapia institucional é uma forma de psicoterapia* que se exerce no âmbito da instituição: hospital geral, hospital psiquiátrico, clínica, escola, hospitaldia, apartamento terapêutico etc. Sob esse aspecto, a psicoterapia institucional diz respeito à história da psiquiatria dinâmica*. A experiência princeps foi a da Clínica do Burghölzli, em Zurique, no início do século XX. Nesse local, que se tornou lendário, Eugen Bleuler* elaborou, em contato com Carl Gustav Jung* e Sigmund Freud*, uma nova abordagem dinâmica da loucura* (ou esquizofrenia*). Após a criação das primeiras clínicas psicanalíticas alemãs por Georg Simmel* e Max Eitingon*, desenvolveram-se múltiplas experiências desse gênero, em especial nos Estados Unidos* e na Grã-Bretanha*, onde a psicanálise* se implantou no campo da psiquiatria e da higiene mental, bem como através de locais de atendimento abertos a todos os doentes mentais, tais como a Menninger Clinic ou a Tavistock Clinic. Após a Segunda Guerra Mundial, a liberalização generalizada da instituição psiquiátrica deu origem a numerosos movimentos de contestação dos manicômios, desde a experiência das comunidades terapêuticas criadas pelo psiquiatra anglo-americano Maxwell Jones (1907-1990), onde foram experimentadas novas relações hierárquicas entre terapeutas e doentes, até a antipsiquiatria*. Na França*, a psicoterapia institucional passou por um desenvolvimento singular, na medi-

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da em que deslanchou em 1940, em plena resistência antinazista e, portanto, no cerne de um engajamento político para o qual o tratamento da loucura estava associado a uma luta contra a barbárie e a tirania. Por isso, ela foi, desde o início, menos reformista do que as outras correntes, alemã, inglesa, suíça ou norte-americana. Nascido em Reus, na Catalunha, François Tosquelles (1912-1994), um militante libertário, foi o primeiro inspirador desse movimento. Depois de fugir do franquismo, ele aceitou um cargo no hospital psiquiátrico de Saint-Alban, em Lozère, então dirigido por Paul Balvet, um psiquiatra católico que logo foi substituído, em 1942, por Lucien Bonnafé, um psiquiatra comunista. Ali se misturavam membros da Resistência, loucos, terapeutas e intelectuais de passagem, dentre eles o filósofo Georges Canguilhem (1904-1995) e o poeta Paul Éluard (1895-1952). Em meio à guerra, a esperança de uma libertação próxima conduziu a equipe do hospital a refletir sobre os princípios de uma psiquiatria comunitária que permitisse transformar as relações entre os terapeutas e os loucos no sentido de uma abertura maior para o mundo da loucura. Assim se inventou a psicoterapia institucional francesa, nome este que lhe seria dado dez anos depois por Georges Daumezon. Por seu esteio na psiquiatria dinâmica e por sua rejeição dos hospícios rígidos, ela participou do grande movimento de higiene mental que nasceu, no início do século, da integração da clínica psiquiátrica com a psicanálise. Inspirou numerosas experiências na França, em especial a da psiquiatria setorial e, mais tarde, a da clínica de La Borde, em Cour-Cheverny, a partir de 1953, onde se elaborou, em torno de Jean Oury e Félix Guattari*, uma abordagem ao mesmo tempo lacaniana e libertária da loucura. • Georges Daumezon, “La Psychothérapie institutionnelle française contemporaine”, Anais Portugueses de Psiquiatria, 4, dezembro de 1952 • Georges Lantéri-Laura, Georges Daumezon e Robert Lefort, “Psychiatrie”, Encyclopaedia universalis, vol.13, Paris, 1968, 750-5 • Robert Castel, Le Psychanalysme, Paris, Minuit, 1973 • François Tosquelles, Éducation et psychothérapie institutionnelle, Paris, Hiatus, 1984 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.


psiquiatria institucional ➢ ANTIPSIQUIATRIA; BETTELHEIM, BRUNO; BINSWANGER, LUDWIG; BION, WILFRED RUPRECHT; MENNINGER, KARL; MEYER, ADOLF; RICKMAN, JOHN; SUÍÇA; SULLIVAN, HARRY STACK.

psiquiatria ➢ BINSWANGER, LUDWIG; BLEULER, EUGEN; DELAY, JEAN; ELLENBERGER, HENRI F.; EY, HENRI; KRAEPELIN, EMIL; LOUCURA; PSICOSE; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL; PSIQUIATRIA DINÂMICA.

psiquiatria colonialialista ➢ ANTROPOLOGIA; ETNOPSICANÁLISE; FANON, FRANTZ; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; ÍNDIA; LAFORGUE, RENÉ; MANNONI, OCTAVE.

psiquiatria dinâmica al. dynamische Psychiatrie; esp. psiquiatría dinámica; fr. psychiatrie dynamique; ing. dynamic psychiatry

Inicialmente utilizado por Gregory Zilboorg*, em 1941, e depois por Henri F. Ellenberger*, o termo psiquiatria dinâmica é empregado pelos historiadores, de um modo geral, para designar o conjunto das escolas e correntes que se interessam pela descrição e pela terapia das doenças da alma (loucura*, psicose*), dos nervos (neurose*) e do humor (melancolia*), segundo uma perspectiva dinâmica, ou seja, fazendo intervir um tratamento psíquico ao longo do qual se instaura uma relação de transferência* entre o médico e o doente. Assim, incluem-se na psiquiatria dinâmica todas as formas de tratamento psíquico que privilegiam a psicogênese e não a organogênese das doenças da alma e dos nervos, desde o magnetismo de Franz Anton Mesmer* até a psicanálise*, passando pelo hipnotismo* e pelas diversas psicoterapias*. Vista por esse prisma, a psiquiatria dinâmica relaciona-se, em primeiro lugar, com a psiquiatria, da qual toma emprestadas as classificações e a clínica; em segundo, com a psicologia, que postula um dualismo da alma e do corpo e propõe técnicas de observação do sujeito*; e finalmente, com a tradição dos antigos curandeiros, da qual pôde emergir a própria idéia de uma cura transferencial.

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Surgido em 1802, o termo psiquiatria generalizou-se no início do século XIX, em substituição à antiga medicina alienista, da qual Philippe Pinel (1745-1826), fundador francês do manicômio moderno, fora um dos grandes representantes na era clássica, ao lado de William Tuke (1732-1822), na Inglaterra, e Benjamin Rush (1746-1813), nos Estados Unidos*. Como ramo da medicina, a psiquiatria tornou-se, no correr dos anos e em todos os países do mundo nos quais foi implantada, em lugar da demonologia, da feitiçaria e das diversas técnicas xamanísticas, uma disciplina específica que tem por objeto o estudo, o diagnóstico e o tratamento do conjunto das doenças mentais. Quanto à psicologia, depois de haver constituído um ramo da filosofia dedicado ao estudo da alma, ela se transformou, no século XIX, numa disciplina fragmentada, ora ligada à biologia, ora à fisiologia, ora à medicina (psiquiatria, neurologia), ora, ainda, às chamadas ciências “sociais”. Como saber ensinado nas universidades do mundo inteiro, tornou-se, na segunda metade do século XX, juntamente com a psiquiatria e a medicina, uma das principais vias de acesso às diferentes práticas terapêuticas transmitidas pelas escolas de psiquiatria dinâmica, dentre elas a psicanálise. • Gregory Zilboorg e George W. Henry, History of Medical Psychology, N. York, Norton, 1941 • Georges Canguilhem, Études d’histoire et de philosophie des sciences, Paris, Vrin, 1968 • Georges Lantéri-Laura, Georges Daumezon e Robert Lefort, “Psychiatrie”, Encyclopaedia universalis, vol.13, Paris, 1968, 750-5 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jacques Postel, Genèse de la psychiatrie, Paris, Le Sycomore, 1981 • Jan Goldstein, Console and Classify, Cambridge, Cambridge University Press, 1987 • Philippe Pignarre, Les Deux médecines, Paris, La Découverte, 1995.

➢ FREUDISMO; PSICOLOGIA CLÍNICA; PSICOPATOLOGIA; PSICOSSOMÁTICA, MEDICINA; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; TRANSFERÊNCIA.

psiquiatria institucional ➢ PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.

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psiquiatria (ou psicanálise) transcultural

psiquiatria (ou psicanálise) transcultural ➢ ANTROPOLOGIA; BATESON, GREGORY; COLLOMB, HENRI; CULTURALISMO; DEVEREUX, GEORGES; ELLENBERGER, HENRI F.; ETNOPSICANÁLISE; FANON, FRANTZ; ÍNDIA; JAPÃO; KARDINER, ABRAM; MANNONI, OCTAVE; MEAD, MARGARET; NEOFREUDISMO; ROHEIM, GEZA; WULF, SACHS.

pulsão al. Trieb, Instinkt; esp. pulsión; fr. pulsion; ing. drive, instinct Termo surgido na França* em 1625, derivado do latim pulsio, para designar o ato de impulsionar. Empregado por Sigmund Freud* a partir de 1905, tornou-se um grande conceito da doutrina psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem.

A escolha da palavra pulsão para traduzir o alemão Trieb correspondeu à preocupação de evitar qualquer confusão com instinto e tendência. Essa opção correspondia à de Sigmund Freud*, que, querendo marcar a especificidade do psiquismo humano, preservou o termo Trieb, reservando Instinkt para qualificar os comportamentos animais. Em alemão como em francês ou português, os termos Trieb e pulsão remetem, por sua etimologia, à idéia de um impulso, independentemente de sua orientação e seu objetivo. Quanto à tradução inglesa, parece que foi a fidelidade à idéia freudiana de uma articulação da psicanálise* com a biologia que norteou a escolha que James Strachey* fez da palavra instinct, em lugar de drive. A noção de pulsão (Trieb) já está presente nas concepções da doença mental e de seu tratamento desenvolvidas pelos médicos da psiquiatria alemã do século XIX, preocupados, como seus colegas ingleses e franceses, com a questão da sexualidade*. Assim, autores como Karl Wilhelm Ideler (1795-1860) ou Heinrich Wilhelm Neumann (1814-1884) insistem no papel central das pulsões sexuais, este último considerando a angústia como produto da insatisfação das pulsões. Por outro lado, sabemos que Friedrich Nietzsche (1844-1900) concebia o espírito hu-

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mano como um sistema de pulsões suscetíveis de entrarem em colisão ou se fundirem umas com as outras, e que também ele atribuía um papel essencial aos instintos sexuais, os quais distinguia dos instintos de agressividade e de autodestruição. Freud nunca fez mistério desses antecedentes. Em sua autobiografia de 1925, referiuse a Nietzsche e confessou só o haver lido muito tardiamente, por medo de lhe sofrer a influência. Quer se trate de seu aparecimento, de sua importância ou das reformulações de que viria a ser objeto, o conceito de pulsão está estreitamente ligado aos de libido* e narcisismo*, bem como às transformações destes, constituindo tais conceitos três grandes eixos da teoria freudiana da sexualidade. Na época pré-psicanalítica da correspondência com Wilhelm Fliess* e do “Projeto para uma psicologia científica” (1895), Freud desenvolveu a idéia de uma libido psíquica, forma de energia que ele situou na origem da atividade humana. Já então estabeleceu uma distinção entre esse “impulso”, cuja origem interna o tornava irrefreável pelo indivíduo, e as excitações externas, das quais o sujeito* podia fugir ou se esquivar. Nessa ocasião, Freud atribuía a histeria* a uma causa sexual traumática, efeito de uma sedução* sofrida na infância. A partir de 1897, data em que abandonou essa teoria, Freud empenhou-se em reformular sua concepção da sexualidade, mas manteve a idéia de que o recalque das moções sexuais era a causa de um conflito psíquico que conduzia à neurose*. Em 1898, a idéia de uma sexualidade infantil tornou-se explícita. Assim, o texto “A sexualidade na etiologia das neuroses” deu ensejo à refutação da tese de uma predisposição neuropática particular, baseada na indicação de uma degenerescência geral, e Freud insistiu no fato de que a etiologia da neurose não podia residir senão “nas experiências vividas na infância e, mais uma vez — em caráter exclusivo —, nas impressões concernentes à vida sexual. Errase”, disse ele, “ao desprezar por completo a vida sexual das crianças; ao que eu saiba, elas são capazes de todas as realizações sexuais psíquicas e de numerosas realizações somáticas.” De-


pulsão

pois de assinalar que essas experiências sexuais infantis só desenvolviam a essência de sua ação em períodos posteriores da maturação, Freud esclareceu: “No intervalo entre a experiência dessas impressões e sua reprodução (ou melhor, o reforço dos impulsos libidinais delas provenientes), não apenas o aparelho sexual somático mas também o aparelho psíquico passam por um desenvolvimento considerável, e é por isso que da influência dessas experiências sexuais precoces resulta, então, uma reação psíquica anormal, e aparecem formações psicopatológicas.” Em seguida, o material clínico acumulado em suas análises levou Freud a constatar que a sexualidade nem sempre aparecia explicitamente nos sonhos* e nas fantasias*, surgindo, muitas vezes, sob disfarces que era preciso saber decifrar. Por isso ele foi levado a estudar as aberrações, as perversões* sexuais e as origens da sexualidade, isto é, a sexualidade infantil. Tal foi o propósito dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, publicados em 1905. Foi na versão inicial desse livro que Freud recorreu pela primeira vez à palavra pulsão. Num trecho acrescentado em 1910, ele forneceu uma definição geral que, em sua essência, não sofreria nenhuma modificação: “Por pulsão, antes de mais nada, não podemos designar outra coisa senão a representação psíquica de uma fonte endossomática de estimulações que fluem continuamente, em contraste com a estimulação produzida por excitações esporádicas e externas. A pulsão, portanto, é um dos conceitos da demarcação entre o psíquico e o somático.” Desde a primeira edição dos Três ensaios, o que está em pauta é essencialmente a pulsão sexual, cuja definição, por si só, dá a medida da revolução que Freud impôs à concepção dominante da sexualidade, fosse ela a do senso comum ou a da sexologia*. Para Freud, a pulsão sexual, diferente do instinto sexual, não se reduz às simples atividades sexuais que costumam ser repertoriadas com seus objetivos e seus objetos, mas é um impulso do qual a libido constitui a energia. Da infância à puberdade, a pulsão sexual não existe como tal, mas assume a forma de um conjunto de pulsões parciais, as quais é impor-

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tante não confundir com as pulsões classificadas por categoria (cuja existência Freud sempre rejeitou, como é atestado, por exemplo, por sua refutação da idéia de uma pulsão gregária em Psicologia das massas e análise do eu*). O caráter sexual das pulsões parciais, cuja soma constitui a base da sexualidade infantil, definese, num primeiro momento, por um processo de apoio* em outras atividades somáticas, ligadas a determinadas zonas do corpo, as quais, dessa maneira, adquirem o estatuto de zonas erógenas. Assim, a satisfação da necessidade de nutrição, obtida através do sugar, é uma fonte de prazer, e os lábios se transformam numa zona erógena, origem de uma pulsão parcial. Num segundo momento, essa pulsão parcial, cujo caráter sexual é assim ligado ao processo de erotização da zona corporal considerada, separa-se de seu objeto de apoio para se tornar autônoma. Funciona então de maneira autoerótica. Esse registro do auto-erotismo* constitui a fase preparatória da instauração do que Freud chamaria, alguns anos depois, de narcisismo primário, resultante da convergência das pulsões parciais para o eu* inteiro, e não mais apenas para uma zona corporal específica. Posteriormente, a pulsão sexual pode encontrar sua unidade através da satisfação genital e da função da procriação. Nos Três ensaios, Freud esboça uma distinção entre as pulsões sexuais e as outras, ligadas à satisfação de necessidades primárias. Cinco anos depois, em “A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão”, enuncia seu primeiro dualismo pulsional, opondo as pulsões sexuais, cuja energia é de ordem libidinal, às pulsões de autoconservação, que têm por objetivo a conservação do indivíduo: “Todas as pulsões orgânicas atuantes em nossa alma podem ser classificadas, seguindo as palavras do poeta, como fome e amor.” Essa classificação não deve obscurecer o que contrasta esses dois tipos de pulsões, uma vez que as pulsões de autoconservação, também denominadas de pulsões do eu, participam da defesa* do eu contra sua invasão pelas pulsões sexuais. Num texto de 1911, “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico”, Freud distribui esses dois grupos pulsionais de acordo com as modalidades de funcionamento

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do aparelho psíquico: as pulsões sexuais encontram-se sob o domínio do princípio de prazer*, enquanto as de autoconservação ficam a serviço do desenvolvimento psíquico determinado pelo princípio de realidade*. Em 1914, o desenvolvimento do conceito de narcisismo subverteu esse dualismo. A partir de suas próprias observações sobre as psicoses* e da leitura dos trabalhos de Eugen Bleuler*, Karl Abraham* e Emil Kraepelin*, Freud constatou que, nessas formas patológicas, estamos na presença de uma retirada da libido dos objetos externos e de uma reversão dessa libido para o eu, que assim se transforma, ele próprio, em objeto de amor. Essa reformulação freudiana, portanto, consistiu numa redistribuição das pulsões sexuais, por um lado colocadas no eu — donde a denominação libido do eu (ou libido narcísica) — e, por outro, nos objetos externos, donde a denominação libido objetal. Aos poucos, essa nova concepção se impôs. Freud indicou explicitamente, em “Sobre o narcisismo: uma introdução”, que “a distinção, na libido, de uma parte que é própria do eu e outra que se liga aos objetos constitui a conseqüência inevitável de uma primeira hipótese que separava entre si as pulsões sexuais e as pulsões do eu”. Em 1914, ao que parece, Freud tentou abandonar a concepção dualista em favor de um retorno a uma perspectiva monista, que o teria aproximado da idéia junguiana de libido originária. Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis observam que Freud só mencionou esse desvio depois de haver estabelecido, em 1920, um novo dualismo, opondo as pulsões de vida às pulsões de morte. Na verdade, foi somente em 1923, em “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido”, que ele evocou esse momento de hesitação entre a hipótese dualista e a concepção monista. Em 1915, no contexto de seu grande projeto de uma metapsicologia*, Freud procedeu, sob o título de “As pulsões e suas vicissitudes”, a uma recapitulação dos conhecimentos adquiridos a propósito do conceito de pulsão, o qual ele esclareceu que, apesar de ser “ainda bastante confuso”, nem por isso deixava de ser indispensável “na psicologia”. Freud relembrou, primeiramente, o caráter limítrofe (entre o psíqui-

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co e o somático) da pulsão, representante psíquico das excitações provenientes do corpo e que chegam ao psiquismo. Em seguida, enumerou e definiu as quatro características da pulsão. A “força” ou “pressão” constitui a própria essência da pulsão e a situa como o motor da atividade psíquica. O “alvo”, isto é, a satisfação, pressupõe a eliminação da excitação que se encontra na origem da pulsão; esse processo pode comportar “alvos intermediários” ou até fracassos, ilustrados pelas pulsões — chamadas de pulsões “inibidas quanto ao alvo” — que se desviam parcialmente de sua trajetória. O “objeto” da pulsão é o meio de ela atingir seu alvo, e nem sempre lhe está originalmente ligado. (Alfred Adler*, citado por Freud, havia assinalado isso ao falar do “entrecruzamento das pulsões”: um mesmo objeto pode servir, simultaneamente, para a satisfação de várias pulsões.) Por último, a “fonte” das pulsões é o processo somático, localizado numa parte do corpo ou num órgão, cuja excitação é representada no psiquismo pela pulsão. Esse texto de 1915, porém, deu também ensejo a uma nova elaboração sobre o “devir das pulsões sexuais”. Freud conservou o dispositivo teórico baseado no dualismo, mas ainda não avaliara a dimensão da mudança que estava efetuando e que conduziria à oposição entre libido do eu e libido do objeto. Por isso, escreveu: “É sempre possível que um estudo aprofundado das outras afecções neuróticas (sobretudo das psiconeuroses narcísicas, as esquizofrenias*) nos obrigue a modificar essa formulação e, ao mesmo tempo, a agrupar de outra maneira as pulsões originárias. Por ora, entretanto, não conhecemos essa nova formulação nem tampouco temos argumentos que possam contradizer nossa oposição entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais.” As pulsões sexuais podem ter quatro destinos: a inversão, a reversão para a própria pessoa, o recalque e a sublimação*. Nesse contexto, Freud abordou os dois primeiros destinos e deixou de lado a sublimação. Quanto ao recalque, dedicou-lhe um texto específico em sua coletânea sobre a metapsicologia*. Discorrendo sobre a inversão da pulsão em seu contrário, ele distinguiu dois casos ilustrativos. No primeiro, exemplificado pela opo-


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sição sadismo*/masoquismo* e voyeurismo/exibicionismo, a inversão se efetua quanto ao alvo. O segundo, ilustrado pela transformação do amor em ódio, concerne à inversão do conteúdo. Este último exemplo dá ensejo à observação de que o ódio não pode ser reduzido unicamente à imagem invertida do amor. Sem dúvida, há que se postular, a esse respeito, a existência de uma configuração mais antiga do que o amor, “arquétipo” do que viria a ser, na pena de Freud, alguns anos depois, a pulsão de morte. A análise da reversão da pulsão para a própria pessoa permite a Freud discernir a relação entre o sadismo e o masoquismo, então visto como a reversão de um sadismo originário. Em 1924, Freud transformaria radicalmente essa concepção, num texto intitulado “O problema econômico do masoquismo”. Em 1920, com a publicação de Mais-além do princípio de prazer*, Freud instaurou um novo dualismo pulsional, opondo as pulsões de vida às pulsões de morte: a repercussão seria imensa, tanto por seus efeitos no pensamento filosófico do século XX quanto pelas polêmicas e pelas rejeições que essa tese provocaria no próprio âmago do movimento psicanalítico. A particularidade dessa nova elaboração conceitual residiu em seu caráter especulativo, freqüentemente denunciado como uma falha redibitória por seus adversários. Todavia, foi a partir da observação da compulsão à repetição* que Freud pensou em teorizar aquilo a que chamou pulsão de morte. De origem inconsciente e, portanto, difícil de controlar, essa compulsão leva o sujeito a se colocar repetitivamente em situações dolorosas, réplicas de experiências antigas. Mesmo que não se possa eliminar qualquer vestígio de satisfação libidinal desse processo, o que contribui para torná-lo difícil de observar em estado puro, o simples princípio de prazer não pode explicá-lo. Assim, Freud reconheceu um caráter “demoníaco” nessa compulsão à repetição, que comparou à tendência à agressão reconhecida por Adler em 1908. Naquela época, entretanto, ele se recusara a levá-la em conta, embora a análise do Pequeno Hans (Herbert Graf*) lhe houvesse demonstrado sua existência. Freud relacionou-a igualmente com a tendência destrutiva e autodestrutiva que havia identificado

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em seus estudos sobre o masoquismo. O estabelecimento de uma relação entre essas observações e a constatação de ordem filosófica de que a vida é inevitavelmente precedida por um estado de não-vida conduziu Freud à hipótese de que existe uma pulsão cuja finalidade, como ele a exprimiu no Esboço de psicanálise*, “é reconduzir o que está vivo ao estado inorgânico”. A pulsão de morte tornou-se, assim, o protótipo da pulsão, na medida em que a especificidade pulsional reside nesse movimento regressivo de retorno a um estado anterior. Mas a pulsão de morte não poderia ser localizada ou sequer isolada, com exceção, talvez, como é esclarecido em O eu e o isso*, da experiência da melancolia*. Por outro lado, Freud sublinhou em 1933, nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise*, que a pulsão de morte não pode “estar ausente de nenhum processo de vida”: ela se confronta permanentemente com Eros, as pulsões de vida, reunião das pulsões sexuais e das pulsões outrora agregadas sob o rótulo de pulsões do eu. “Da ação conjunta e oposta” desses dois grupos de pulsões, pulsões de morte e pulsões de vida, “provêm as manifestações da vida, às quais a morte vem pôr termo.” A despeito das objeções e da oposição, Freud nunca se deixaria impressionar. Perfeitamente cônscio, como declarou em 1926 no verbete de enciclopédia intitulado “Psicanálise”, de que “a doutrina das pulsões é um campo obscuro, até mesmo para a psicanálise”, ele reivindicou essa opacidade como uma característica da pulsão. “A teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia”, afirmou em 1933. “As pulsões são seres míticos, portentosos em sua imprecisão.” É compreensível, portanto, que os críticos, que alegavam em particular a falta de provas empíricas para validar a existência de uma pulsão de morte, hajamlhe parecido incoerentes e o tenham levado a afirmar, em O mal-estar na cultura*: “Já não compreendo que possamos continuar cegos para a ubiqüidade da agressão e da destruição não erotizadas, deixando de lhes conceder o lugar que elas merecem na interpretação dos fenômenos da vida.” Em 1937, Freud tornou a afirmar, em “Análise terminável e interminável”, que a simples evocação do masoquismo, das resis-

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tências* terapêuticas ou da culpa neurótica bastava para afirmar “a existência de um poder na vida anímica ao qual, com base em seus objetivos, chamamos pulsão de agressão ou de destruição, e que derivamos da originária pulsão de morte da matéria animada”. A descendência freudiana não foi unânime em sua rejeição da última elaboração da teoria das pulsões. Assim, Melanie Klein* efetuou uma inversão completa do segundo dualismo pulsional, considerando que as pulsões de morte participam da origem da vida, tanto na vertente da relação de objeto quanto na do organismo. No que concerne ao organismo, as pulsões de morte contribuem, por intermédio da angústia, para instalar o sujeito na posição depressiva*, feita de medo e destruição. Em seu seminário de 1964, Jacques Lacan* considerou a pulsão como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Guiado por uma leitura exigente do texto freudiano de 1915, o qual ele reintitulou de “As pulsões e suas vicissitudes”, Lacan isolou a elaboração freudiana de suas bases biológicas e insistiu no caráter constante do movimento da pulsão, um movimento arrítmico que a distingue de todas as concepções funcionais. A abordagem lacaniana da pulsão inscreve-se numa abordagem do inconsciente em termos de manifestação da falta e do não realizado. Nessas condições, a pulsão é considerada na categoria do real*. Lembrando o que Freud diz sobre a independência do objeto em relação à pulsão, e sobre o fato de que qualquer objeto pode ser levado a exercer para ela a função de um outro, Lacan sublinhou que o objeto da pulsão não pode ser assimilado a nenhum objeto concreto. Para apreender a essência do funcionamento pulsional, é preciso conceber o objeto como sendo da ordem de um oco, de um vazio, designado de maneira abstrata e não representável: o objeto (pequeno) a*. Para Lacan, portanto, a pulsão é uma montagem, caracterizada por uma descontinuidade e uma ausência de lógica racional, mediante a qual a sexualidade participa da vida psíquica, conformando-se à “hiância” do inconsciente. De fato, Lacan desenvolveu a idéia de que a pulsão é sempre parcial. Esse termo deve ser entendido, aqui, num sentido mais geral do que

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o encontrado em Freud. Adotando o termo objeto parcial, proveniente da Karl Abraham* e dos kleinianos, Lacan introduziu dois novos objetos pulsionais, além das fezes e do seio: a voz e o olhar. E deu-lhes um nome: objetos do desejo*. • Sigmund Freud, “Projeto para uma psicologia científica” (1895), ESB, I, 381; SE, I, 281-397; in La Naissance de la psychanalyse (N. York, 1950), Paris, PUF, 1956; “A sexualidade na etiologia das neuroses” (1898), ESB, III, 289-316; SE, III, 259-85; OC, III, 215-41; Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; “A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão” (1910), ESB, XI, 197-206; GW, VIII, 94-102; SE, XI, 209-18; OC, X, 177-86; “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), ESB, XII, 277-90; GW, VIII, 230-8; SE, XII, 213-26; in Résultats, idées, problèmes, Paris, PUF, vol.I, 1984, 135-43, “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “As transformações da pulsão exemplificadas no erotismo anal” (1917), ESB, XVII, 159-70; GW, X, 402-10; SE, XVII, 125-33; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 106-12; “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido” (1923), ESB, XVIII, 308-14; GW, XIII, 211-33; SE, XVIII, 235-59; OC, XVI, 181-208; “As pulsões e suas vicissitudes” (1915), ESB, XIV, 137-68; GW, X, 209-32; SE, XIV, 109-40; OC, XIII, 161-85; “O problema econômico do masoquismo” (1924), ESB, XIX, 199216; GW, XIII, 371-83; SE, XIX, 139-45; OC, XVII, 9-23; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115, Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 167; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; “Psicanálise” (1926), ESB, XX, 301-14; GW, XIV, 299-307; SE, XX, 259-270; in Résultats, idées, problèmes, vol.II, Paris, PUF, 1985, 153-160; O malestar na cultura (1930), ESB XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245-333; “Análise terminável e interminável” (1937), ESB, XXIII, 247-90, GW, XVI, 59-99; SE, XXIII, 209-53; in Résultats, idées, problèmes, vol.2, Paris, PUF, 1985, 231-68 • Melanie Klein, Psicanálise da criança (Londres, 1932), S. Paulo, Mestre Jou, 1975, 2ª ed. • Jacques Lacan, O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1963-1964) (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Jean-Bertrand Pontalis, “L’Utopie freudienne”, in Après Freud, Paris, Gallimard, 1968, 103-20 • Jean Laplanche, Vida e


Putnam, James Jackson morte em psicanálise (Paris, 1970), P. Alegre, Artes Médicas, 1985 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994.

➢ DESEJO; OBJETO (BOM E MAU); OBJETO, RELAÇÃO DE; OBJETO TRANSICIONAL; POSIÇÃO DEPRESSIVA/POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE.

Putnam, James Jackson (1846-1918) médico e psicanalista americano

Pioneiro da psicanálise* nos Estados Unidos*, militante da causa das mulheres (principalmente pelo seu direito a receber uma formação médica), James Jackson Putnam nasceu em Boston e, como o escritor Nathaniel Hawthorne (1804-1864), descendia de uma ilustre família puritana da Nova Inglaterra, outrora radicada em Salem, capital dos terrores sexuais e da caça às bruxas. Educado na confissão unitarista, rejeitava o pecado original, mas, como observou o historiador Nathan G. Hale, aceitava “a realidade do mal, a necessidade de uma luta moral e o julgamento de Deus. Pensava que era com o esforço para tornar-se melhor e contribuir para o progresso — definido como ‘o bem do maior número de pessoas’ e ‘a descoberta da verdade’ — que o homem se realizava plenamente. Essa concepção do progresso engloba também o conhecimento científico e as verdades não-reconhecidas”. Estudou na Harvard Medical School, e depois viajou para a Europa, onde foi aluno de Theodor Meynert* e de Hughlings Jackson*. Dedicou sua carreira à neurologia. Graças ao seu amigo William James (1877-1910), primeiro americano a dar atenção aos Estudos sobre a histeria*, Putnam voltou-se para o freudismo* e tornou-se um dos líderes da Escola Bostoniana de Psicoterapia*, ao lado de Josiah Royce*, William James e muitos outros. A partir de 1880, estudando as neuroses* traumáticas em doentes de origem popular, constatou que os distúrbios não se ligavam à fisiologia, mas a causas psicológicas. Daí seu interesse pelas teses dinâmicas do fim do século: hipnotismo, sugestão* e psicanálise*. Mostrou-se sempre reservado quanto à teoria da sexualidade*. Mas nunca a rejeitou e combateu

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corajosamente contra a moral sexual da sociedade americana, particularmente repressora em relação aos que transgrediam as leis ditas sagradas do casamento monogâmico ou se recusavam a limitar o ato sexual à procriação. Espiritualista e moralista, Putnam não gostava do materialismo freudiano, recusando o biologismo em prol de uma teoria da vontade criadora. Foi por isso que, em 1906, qualificou de conversão sua adesão à doutrina vienense, para qual transferiu todo o peso de seu ideal religioso e puritano. Sigmund Freud* não compartilhava suas opiniões filosóficas e, em uma carta de 8 de julho de 1915, a respeito de seu livro Human Motives, comunicou-lhe o que pensava da moral em geral e da moral sexual americana em particular: “A moralidade sexual tal como a sociedade a define — e no mais alto grau, a sociedade americana — me parece extremamente desprezível [...]. Quando me pergunto por que sempre me esforcei em ter honestamente consideração com o outro e, se possível, benevolência para com ele, e por que nunca renunciei a isso quando notei que me prejudicava com esse comportamento [...], não encontro nenhuma resposta [...]. Você poderia pois citar o meu caso como prova de sua hipótese segundo a qual esses impulsos são uma parte essencial de nossa própria natureza.” Em 1908, Putnam encontrou-se com Ernest Jones*, então assistente de psiquiatria em Toronto, no Canadá*, e dez meses depois, assistiu às cinco conferências feitas por Freud na Clark University de Worcester, na presença de William James, Adolf Meyer*, Stanley Grandville Hall* e do grande antropólogo Franz Boas (1858-1942). Então, convidou Freud para se hospedar em sua casa de campo em Keene Valley, nos Adirondacks, em companhia de Sandor Ferenczi* e de Carl Gustav Jung*. Sobre essa viagem um tanto rústica, ao âmago de paisagens tão bem descritas por Jack London (1876-1916), Freud enviou à sua família uma carta humorística: “Tomamos banho em bacias, bebemos numa espécie de caneca etc. Mas, naturalmente, não falta nada e descobrimos que existem manuais especializados em camping, que ensinam a utilizar todo esse equipamento primitivo”.

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Putnam, James Jackson

A partir de 1909, Putnam correspondeu-se regularmente com Freud e publicou 43 artigos, dos quais 22 exclusivamente sobre a psicanálise, que tiveram um papel importante na introdução do freudismo em solo americano, especialmente no meio médico. Aliás, Putnam continuou a ocupar-se de neurologia, praticando ao mesmo tempo a psicanálise com cerca de vinte pacientes portadores de neurose* de angústia, de histeria* e de distúrbios obsessivos. Em 1911, aos 65 anos, atravessou o Atlântico para ir ao congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA), em Weimar. No caminho, deteve-se em Zurique, onde Freud, hóspede de Jung, o recebeu para um tratamento psicanalítico de seis horas de duração. A amizade que unia ambos no respeito de suas divergências durou ainda alguns anos. De certa forma, ela era uma manifestação dessa idade áurea da psicanálise, quando as relações conflituosas nem sempre se transformavam em luta institucional. O idealismo putnamiano ficava excessivamente próximo de uma mentalidade de velho censor higienista, para impor-se como um componente maior do movimento psicanalítico americano, então em plena expansão. Em 1911, Putnam tornou-se membro da American Psy-

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choanalytic Association* (APsaA), criada um ano depois da fundação da IPA. Em 1914, presidiu os destinos da Boston Psychoanalytic Society (BoPs). Mas, nessa data, a época heróica terminara, e foi um novo ator, Abraham Arden Brill*, que impulsionou o movimento americano para o seu segundo componente: o pragmatismo adaptativo. • James Jackson Putnam, Human Motives, Boston, Little Brown and Co., 1915; Adresses on Psycho-Analysis, Londres, International Psychoanalytical Press, 1951 • Sigmund Freud, “James J. Putnam” (1919), ESB, XVII, 337-8; GW, XII, 315; SE, XVII, 71-2; “Prefácio a Adresses on psycho-analysis, de J.J. Putman (1921), ESB, XVIII, 324-6; SE, XVIII, 269-70; OC, XVI, 21-3 • L’Introduction de la psychanalyse aux ÉtatsUnis. Autour de James Jackson Putnam (Londres, 1968), Nathan G. Hale (org.), Paris, Gallimard, 1978, 17-86 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Beginnings of Psychoanalysis in the United States, 1876-1917, t.I (1971), N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995 • Ellie Ragland-Sullivan, “James Jackson Putnam, 1846-1918”, Ornicar?, 47, outubro-dezembro, 1988, 88-104.

➢ CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE; EGO PSYCHOLOGY; EMERSON, LOUVILLE EUGÈNE; JELLIFFE, ELY SMITH; NAZISMO; PESTE; WHITE, WILLIAM ALANSON.


Q Questão da análise leiga, A

antiga lei austríaca que coibia o “charlatanismo”. Os aborrecimentos de Reik haviam começado dois anos antes, quando o fisiologista Arnold Durig (1872-1961), membro do Conselho Superior de Saúde da cidade de Viena*, solicitara a Freud um parecer especializado sobre a questão da análise praticada por não médicos. Freud registrou esses primeiros incidentes numa carta a Karl Abraham* datada de 11 de novembro de 1924, inédita em francês, na qual enunciou sua esperança de que o caso não tivesse maiores conseqüências. Ao que parece, não havendo a opinião de Freud convencido seus interlocutores, Reik, então membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), foi proibido de exercer a psicanálise em 24 de fevereiro de 1925. Essa proibição inscreveu-se num clima repressivo, ilustrado pela restrição do acesso à Policlínica Psicanalítica de Viena unicamente aos detentores de um diploma de medicina, em conseqüência de um parecer do professor Wagner-Jauregg* e dos ataques incessantes da Associação de Analistas Médicos Independentes, dirigida por Wilhelm Stekel*, contra a WPV. Após a sanção que atingiu Reik, Freud tornou a intervir, desta feita junto a Julius Tandler*, professor de anatomia e relator de saúde pública perante o município de Viena. No que se presume ter sido o texto dessa intervenção epistolar, Freud inverteu desde logo a formulação habitual da questão: o “leigo” ou “profano” não era o analista não médico, mas “qualquer um que não tenha adquirido uma formação, tanto teórica quanto técnica, suficiente em psicanálise*, e quer possua ou não um diploma de medicina”. Para Freud, “a psicanálise, apesar de nascida num terreno médico, há muito tempo já não constitui um assunto puramente médico”,

Livro de Sigmund Freud* publicado em alemão, em 1926, sob o título Die Frage der Laienanalyse. Traduzido pela primeira vez para o francês por Marie Bonaparte*, em 1928, sob o título Psychanalyse et médecine, foi retraduzido em 1985 por Janine Altounian, André Bourguignon (1920-1996), Odile Bourguignon, Pierre Cotet e Alain Rauzy, sob o título La Question de l’analyse profane. Essa tradução foi ligeiramente revista em 1994 pela mesma equipe de tradutores. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1927, por A.P. Maerker-Branden, sob o título The Problem of Lay-Analysis, foi retraduzido por Nancy Procter-Gregg em 1947 como The Question of Lay-Analysis e, em 1959, traduzido por James Strachey* sob o título The Question of Lay-Analysis. O posfácio, “Nachtwort zur Frage der Laienanalyse”, foi publicado em alemão em 1927 e, em 1928, acrescentado ao livro. Foi traduzido para o francês pela primeira vez em 1985 e acrescentado à segunda edição do livro. A tradução francesa de 1994 o restaurou em sua íntegra, incluindo o trecho suprimido por Freud a conselho de Max Eitingon* e Ernest Jones*, que o julgavam demasiado ofensivo para os norte-americanos. Esta última edição contém, além disso, notas de 1935, bem como um pós-escrito do mesmo ano, destinados a uma edição norte-americana que nunca chegou a ser publicada. Esses documentos, encontrados por Ilse Grubrich-Simitis, não figuram em nenhuma edição inglesa ou norte-americana. O posfácio foi traduzido pela primeira vez para o inglês em 1927, sob o título “Concluding remarks on the question of lay analysis”, e posteriormente por James Strachey, em 1950, sob o título “Postscript to a discussion on lay analysis”.

Foi na primavera de 1926, em conseqüência da queixa de um ex-paciente, que Theodor Reik* viu-se sob a ameaça de um processo por exercício ilegal da medicina, em virtude de uma 635

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Questão da análise leiga, A

e se, por um lado, não se podia nem se devia impedir ninguém de se interessar por ela, era somente “fazendo-se analisar e exercendo a análise com terceiros”, por outro lado, que se podia adquirir “a experiência e a convicção em psicanálise”. A julgar pelo reinício do processo contra Reik, essa segunda providência de Freud não teve maior sucesso do que a anterior. Foi sem dúvida por isso que, sem maiores delongas, num contexto emocional marcado pelo processo do caso Hug-Hellmuth*, que se desenrolara em março de 1925 e fora amplamente noticiado pela imprensa vienense, Freud redigiu seu texto A questão da análise leiga, que tinha por subtítulo Conversas com um interlocutor imparcial, que parece ter sido o fisiologista Arnold Durig, o qual, inicialmente, pedira a Freud sua opinião sobre o assunto. O livro foi publicado no outono de 1926. Seu objetivo superou amplamente a simples defesa de Reik e, em termos mais gerais, dos analistas não médicos. A colocação de Freud inscreve-se num outro debate, o qual, apesar de se referir à questão da análise leiga, trata, na verdade, da formação dos psicanalistas, e concerne, antes de mais nada, ao próprio movimento psicanalítico internacional. Com efeito, fora em 1925 que o presidente da New York Psychoanalytic Society (NYPS), Abraham Arden Brill*, havia anunciado sua intenção de romper com Freud em razão dessa questão, e foi no outono de 1926, no momento da publicação do texto de Freud, que o estado de Nova York declarou ilegal a prática da análise por não médicos. Os pivôs do conflito que acabava de eclodir, e que não estava nem perto de se encerrar, concerniam, pois, além da simples relação com a medicina, aos contornos institucionais da psicanálise, a seus fundamentos epistemológicos e a seu caráter universalista, garantia de uma questão que a atualidade geopolítica logo tornaria premente: a da emigração. Numa palavra — a de Jean-Bertrand Pontalis em seu prefácio à edição francesa de 1985 —, podemos dizer que, “para Freud, certamente, a questão da análise leiga era a questão da própria análise”. Após uma breve introdução — que deu a Freud o ensejo de assinalar, não sem um certo humor, que durante muito tempo ninguém se

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havia preocupado em saber quem praticava a psicanálise, uma vez que se era unânime em desejar que “ninguém a praticasse” — os cinco primeiros capítulos do livro expõem a teoria psicanalítica de maneira didática, por intermédio de perguntas variadas e precisas, observações críticas e objeções que Freud atribui a seu “interlocutor imparcial”. É no fim do quinto capítulo que se aborda o campo institucional, quando o interlocutor, a quem Freud acaba de expor os princípios e as regras que regem o desenrolar da análise, indaga: “E onde se aprende o que é preciso para praticar a análise?” Freud menciona então a existência do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI), dirigido por Max Eitingon*, fala da formação dispensada em Viena, evocando de passagem as múltiplas dificuldades que as autoridades criam “para essa jovem iniciativa”, e anuncia a abertura, “dentro em breve”, de um terceiro instituto de ensino, em Londres, sob a direção de Ernest Jones*. A questão da relação com a medicina começa a ser discutida depois que o interlocutor destaca que a psicanálise poderia muito bem ser considerada uma especialidade médica entre outras. Freud responde que qualquer médico que observe o conjunto das concepções teóricas e das regras evocadas até esse ponto será bemvindo, mas que é forçoso registrar uma realidade totalmente diversa, caracterizada pela luta que o conjunto dos médicos trava contra a análise. Essa atitude, além de ser suficiente para retirar do corpo médico qualquer direito histórico a se pretender proprietário da psicanálise, leva Freud a se dirigir, para além de seu interlocutor, ao legislador austríaco: “charlatão” é “quem empreende um tratamento sem possuir os conhecimentos e qualificações necessários”. Com isso ele esclarece que nessas condições, em matéria de análise, são os médicos que compõem o grosso do contingente de “charlatães”, já que, na maioria dos casos, “praticam o tratamento analítico sem havê-lo aprendido e sem compreendê-lo”. Dessa maneira, Freud é decididamente ofensivo, frisando que a formação médica é particularmente mal adaptada à preparação para o exercício da psicanálise. Desejoso de não abandonar por completo o terreno do caso Reik, Freud evoca a questão geral da


Questão da análise leiga, A

intervenção dos poderes públicos no que concerne à regulamentação da prática da análise e adverte contra a propensão para regulamentar e proibir, que é característica do que acontece na Áustria. Ele lembra que, em matéria de psicologia, e até de parapsicologia, o importante é respeitar a liberdade intelectual, nunca havendo as proibições sufocado o interesse dos homens pelas coisas misteriosas ou tidas como tais. Alertado para o fato de que, com respeito a essas questões, estava-se longe de haver conquistado a unanimidade no seio do movimento psicanalítico, Freud toma a dianteira: traça uma distinção teórica, cujo peso viria depois a minimizar, entre o estabelecimento de um diagnóstico, ato médico precedente à prescrição de uma terapia psicanalítica, e o tratamento em si, que deve sempre ser obra do psicanalista, seja ele médico ou não. Não seria possível, propõe então o interlocutor, autorizar aqueles dentre os analistas não médicos que já comprovaram seus méritos e decidir que, no futuro, a formação médica será a norma? Diante dessa última tentativa de compromisso, Freud aborda de frente a questão da formação dos analistas e afirma que seu objetivo, a criação de uma escola superior de psicanálise, pressupõe a instauração de um ensino que, longe de se limitar unicamente aos conhecimentos médicos, englobe a história das civilizações, a mitologia e a literatura, e repouse no postulado da autonomia do registro psíquico em relação ao substrato fisiológico. Mas o conhecimento livresco não pode bastar aos especialistas das ciências do espírito, em especial os pedagogos, para que eles tenham sucesso em sua iniciativa de aplicação; será preciso que eles mesmos se submetam a uma análise, e, para tanto, haverá necessidade de analistas didatas, dotados de uma formação particularmente bem acabada, muito distante dos conhecimentos médicos. Se Freud insiste tanto na questão da formação, é que, longe de procurar instalar a psicanálise numa torre de marfim, ele quer confrontála, ao contrário, com todas as formas de conhecimento. Assim, ao rejeitar o modelo da formação médica, não se trata de apregoar a improvisação ou a selvageria, mas de construir e desenvolver a especificidade da formação analítica.

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Essa vem a ser uma das questões mais cruciais da história do movimento psicanalítico: no cerne dos conflitos e das cisões*, ela atesta, a posteriori, a justeza da postura freudiana. Com efeito, Freud não se enganou: a alternativa médico/não-médico não lhe parecia outra coisa, como ele disse a Sandor Ferenczi* numa carta datada de 11 de maio de 1920, senão a “máscara da resistência à psicanálise, e a mais perigosa de todas”. Reik enfim se beneficiou de um veredito de improcedência da acusação. Mas está claro que o deveu mais à desqualificação do queixoso do que ao efeito produzido pelo livro de Freud. Longe de reduzir as contradições que começavam a se manifestar nos meios psicanalíticos a propósito dessas questões, o livro de Freud, ao contrário, na verdade só fez reforçá-las. Resolveu-se então organizar, como um prelúdio ao congresso de psicanálise que deveria realizar-se em 1927, em Innsbruck, uma discussão geral sobre o assunto. Introduzido por Jones, o debate opôs, em especial, Freud e Eitingon. O conjunto das intervenções foi publicado no mesmo ano, no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse* e no International Journal of Psycho-analysis*. O dossiê testemunha a acrimônia dos confrontos e da hostilidade suscitados pela postura de Freud. Ali vemos desenhar-se uma primeira dissensão entre os norte-americanos, unanimemente opostos à prática da análise por não médicos, e os europeus, estes divididos entre si, tendo Ferenczi, Edward Glover* e John Rickman*, entre outros, a defender a postura freudiana de uma psicanálise totalmente autônoma em relação à medicina, e tendo Jones e Eitingon, entre outros, embora rejeitando a idéia de que a psicanálise se submetesse a qualquer autoridade, a desejar que ela continuasse a ser uma profissão médica. Após o congresso de Innsbruck, Freud, cada vez mais isolado, redigiu o que viria a se converter no posfácio a esse ensaio. Nessa última intervenção, não fez concessão alguma e, mais particularmente, atacou seus “colegas norte-americanos”, os quais censurou por uma argumentação incoerente, que comparou a “uma tentativa de recalque”. Essa preocupação de defender a especificidade de sua descoberta, de mantê-la irredutível

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Questão da análise leiga, A

a qualquer abordagem científica (a medicina) ou espiritual (a religião), seria reafirmada por Freud em 1938, sem a menor ambigüidade, quando correu nos Estados Unidos* o boato de que ele teria mudado de opinião. “Não consigo imaginar”, respondeu ele, “de onde possa ter vindo esse boato estúpido com respeito a minha mudança de opinião sobre a questão da análise praticada por não médicos. A verdade é que nunca repudiei minhas colocações e que as defendo com vigor ainda maior do que antes diante da evidente tendência dos norte-americanos a transformarem a psicanálise numa criada da psiquiatria.” É dentro da perspectiva freudiana que convém considerar a posição de Jacques Lacan* sobre esse assunto e, além dela, os contornos da “exceção francesa”. No plano jurídico, a prática da análise leiga* foi debatida na França por ocasião do caso Clark-Williams, que, por suas implicações, constituiu um dos pivôs do que viria a ser a primeira cisão do movimento psicanalítico francês, em 1953. Num primeiro momento, Margaret Clark-Williams, uma psicanalista não médica que praticava análises de crianças no Centro Claude-Bernard, fundado por Georges Mauco*, foi liberada. Todavia, após um apelo feito contra essa decisão pela Ordem dos Médicos, a nona vara do tribunal de Paris condenou a ré a uma pena primária, embora reconhecendo sua moral e sua competência. Esse processo criaria jurisprudência, até a suspensão da sentença pelo tribunal correcional de Nanterre, em 9 de fevereiro de 1978, ao término do qual a independência da psicanálise em relação à medicina foi juridicamente reconhecida. Lacan, que não depôs nesse processo, nem por isso deixou, durante as discussões travadas sobre o assunto nos círculos psicanalíticos e psiquiátricos, de defender os não médicos, censurando Sacha Nacht*, então presidente da Société Psychanalytique de Paris (SPP), por querer abandoná-los por completo. Na verdade, essa posi-

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ção de Lacan foi conjuntural, ditada pelo que ele considerava serem os interesses imediatos da psicanálise. Não muito tempo depois, ele aconselharia seus alunos a estudarem medicina ou filosofia, considerando que a proteção da formação dos psicanalistas e da psicanálise em si deveria exercer-se, prioritariamente, contra a psicologia e o psicologismo, os quais ele denunciou como uma ameaça muito mais perigosa do que a medicina. Posteriormente, dentro da perspectiva aberta por Freud, Lacan, em especial através dos textos dedicados ao ensino e à formação dos analistas, procurou delimitar a especificidade do ato psicanalítico e mostrar que, se o psicanalista só pode ser “leigo”, isso se deve, antes de mais nada, ao fato de seu ato se inscrever na experiência psicanalítica que ele atravessa. • Sigmund Freud, A questão da análise leiga (1926), ESB, XX, 211-84; GW, XIV, 209-86; SE, XX, 183-258; OC, XVIII, 1-92; “Lettre à un correspondant anonyme”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 13-9 • Françoise Carasso, Freud médecin, Arles, Actes Sud-INSERM, 1992 • Susann Heenen-Wolff, “La Discussion sur l’‘analyse profane’”, Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse do ano de 1927, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 71-88 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Harald Leupold-Löwenthal, “Le Procès de Theodor Reik”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 57-69 • Jean-Bertrand Pontalis, “Avant-propos”, in Sigmund Freud, La Question de l’analyse profane, Paris, Gallimard, 1985, 9-21 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Michel Schneider, “La ‘question’ en débat”, in Sigmund Freud, La Question de l’analyse profane, Paris, Gallimard, 1985, 157-97 • Georges Schopp, “L’Affaire ClarkWilliams, ou la question de l’analyse laïque en France”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 199-238 • Alain Vanier, “Lacan et la Laienanalyse”, ibid., 275-88.

➢ BONAPARTE, MARIE; FREUDISMO; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; PSICOTERAPIA.


R Racker, Heinrich (ou Enrique) (1910-1961)

de modo caricatural, a tese do falocentrismo*, para afirmar que as meninas renunciavam à masturbação porque reconheciam a superioridade do pênis, ou ainda porque transformavam a decepção pela falta do órgão masculino em uma propensão ao masoquismo*. Essa tese foi atacada por Karen Horney*. Em 1915, depois de estudar medicina e direito, descobriu a obra de Sigmund Freud*, de quem se tornou um discípulo fanático. Foi então a Viena* para escutar as lições do mestre, e logo participou da vida do movimento psicanalítico da Europa Central. Analisado por Erzsebet Revesz (1887-1923), que fora analisada por Freud, apaixonou-se por ela durante o tratamento e os dois se casaram, depois que Rado se divorciou de sua primeira mulher. Em 1922, foi a Berlim, onde começou uma segunda análise com Karl Abraham*. Desempenhou então papel importante no comitê de formação do Instituto Psicanalítico, tornando-se um dos mais brilhantes didatas da International Psychoanalytical Association* (IPA). Formou vários psicanalistas, entre os quais Wilhelm Reich*, Otto Fenichel* e Heinz Hartmann*. Em Berlim, ficou conhecendo Helene Deutsch*, com quem teve uma ligação tumultuada, no momento em que acabava de saber da morte brutal de sua mulher. Sofrendo de anemia perniciosa, Erzsebet era tratada por Felix Deutsch*, que, nessa ocasião, deu livre curso ao ciúme que sentia pelo rival. Depois de ter sido casado com sua primeira analista, Rado casou-se com uma de suas analisandas, Emmy, o que contituiu um caso bastante raro de transgressão repetida na história das filiações* psicanalíticas. Apoiado por Freud, tornou-se em 1924 redator-chefe da Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse*, e três anos depois, da revista

médico e psicanalista argentino

De origem polonesa, Heinrich Racker estudou em Viena*, onde também exerceu a arte da música. Analisado inicialmente por Jeanne Lampl-De Groot*, emigrou para a Argentina* em 1939 e instalou-se em Buenos Aires, onde retomou a sua formação didática com Angel Garma* e depois com Marie Langer*. Membro da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA) em 1947, interessou-se pela antropologia*, pela filosofia, pela estética e pela história das religiões, antes de se tornar um teórico da contratransferência*, apontando, em uma perspectiva bastante próxima da de Paula Heimann* e de Margaret Little, a necessidade de analisá-la corretamente durante o tratamento didático. Depois de sua morte, seu nome foi dado a um Centro de Pesquisas e de Formação para a Análise Didática*, onde também foram ensinadas as grandes obras da história do movimento psicanalítico. • Heinrich Racker, Estudos sobre a técnica psicanalítica (B. Aires, 1968) P. Alegre, Artes Médicas • Horacio Etchegoyen, Fundamentos da técnica psicanalítica (B. Aires, 1993), P. Alegre, Artes Médicas.

Rado, Sandor (1890-1972) psiquiatra e psicanalista americano

Amigo de Sandor Ferenczi* e co-fundador, em 1913, da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, Sandor Rado pertencia à geração* dos pioneiros do freudismo*. Amante da boa cozinha e grande sedutor de mulheres, gostava de conquistar as que se encontravam no seu círculo imediato. Aliás, defendia uma concepção inigualitária da diferença sexual*, retomando até, 639

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Raknes, Ola

Imago*. Em 1931, a convite de Abraham Arden Brill*, instalou-se nos Estados Unidos* para organizar o novo Instituto da New York Psychoanalytic Society (NYPS), a partir do modelo do Instituto de Berlim, e, quando o nazismo* se impôs na Alemanha, ajudou muitos psicanalistas da Europa a emigrar para o continente americano. Foi nessa época que começou a se afastar do freudismo. Adepto de um biologismo radical e partidário de uma integração pura e simples da psicanálise* à medicina, tornou-se um dos grandes especialistas americanos em toxicomania, em alcoolismo, e nas diferentes dependências químicas e distúrbios depressivos. Renunciou aos princípios clássicos do tratamento, para desenvolver uma técnica ativa, de tipo comportamentalista, fundada na reeducação emocional e na renúncia à análise dos mecanismos do recalque* e da rememoração do passado. Em setembro de 1935, começou a criticar a cidade de Viena, os vienenses no exílio e principalmente Anna Freud*, a tal ponto que Helene Deutsch se inquietou com sua saúde mental e pensou que estava se tornando psicótico. Depois de conflitos intermináveis, principalmente com Karen Horney, a direção da NYPS lhe recusou o título de didata. Com Abram Kardiner*, que não tinha a mesma orientação que ele, mas cujos cursos eram tão freqüentados quanto os seus, criou então, em 1942, uma Associação de Medicina Psicanalítica. Cinco anos depois, ambos estabeleceram um segundo Instituto Psicanalítico de Formação, integrado à Faculdade de Medicina de Columbia. Este foi depois reconhecido pela American Psychoanalytical Association* (APsaA). Rado se afastou então nitidamente da ortodoxia freudiana americana para organizar, na New York School of Psychiatry, um programa de ensino clínico de inspiração biológica. Em suas memórias inéditas, depositadas na Universidade de Columbia, afirmou que Max Eitingon* era meio-irmão de Leonid Eitingon, coronel da KGB, o que não era verdade. • Sandor Rado, “Psychoanalysis of behavior”, Collected Papers of Psychoanalysis, vol.1, N. York, Grune and Stratton, 1956 • Franz Alexander, “Sandor Rado, 1890, A teoria adaptacional”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn, A história da psica-

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nálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Aaron Karush, “Sandor Rado, 1890-1972. Obituary”, Psychoanalytic Quarterly, 41, 1972, 613-5 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans, The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, 1917-1985, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995 • Paul Roazen, Helene Deutsch, une vie de psychanalyste (N. York, 1985). Paris, PUF, 1990 • Janet Sayers, Mães da psicanálise (Londres, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992 • Ernst Falzeder, “Filiations psychanalytiques: la psychanalyse prend effet” (1994) in André Haynal (org.), La Psychanalyse: cent ans déjà (Londres, 1994), Genebra, Georg, 1996, 255-89.

➢ CISÃO; HUNGRIA.

Raknes, Ola (1887-1975) psicanalista norueguês

Filólogo e professor universitário, tradutor de uma parte da obra de Henri Bergson (18591941), Ola Raknes esteve em vários países da Europa e, ao contrário de seu compatriota Harald Schjelderup*, foi um freudiano sempre em dissidência. Depois de vários anos de estudo em Paris e Londres, voltou para a Noruega. Em 1927, defendeu sua tese de doutorado em Oslo, sobre o tema do encontro com o sagrado, manifestando já um interesse muito vivo pelo freudismo*. Em Berlim, no ano seguinte, orientou-se para a psicanálise*, depois de um tratamento com Karen Horney*, cujas teses, na época, começavam a se afastar do freudismo clássico. No iníco dos anos 1930, ao lado de Schjelderup, cujo interesse pela psicologia das religiões compartilhava, participou do debate organizado em Oslo pelos meios psiquiátricos, sobre a utilidade da psicanálise no tratamento das neuroses* e das psicoses*. Em 1933, quando Otto Fenichel* se refugiou na Noruega durante dois anos, Raknes fez com ele uma segunda análise. Depois de participar, em 1934, da fundação da Sociedade Psicanalítica Dano-Norueguesa, aproximou-se de Wilhelm Reich*, então imigrante em Oslo. Tornou-se seu amigo e colaborador. Como outros terapeutas noruegueses, afastou-se progressivamente da psicanálise e do freudismo. Em 1947, demitiu-se da Norsk Psykoanalytisk Forening (NPF), para praticar a orgonoterapia.


Rank, Otto • Randolf Alnaes, “The development of psychoanalysis in Norway. An historical overview", The Scandinavian Psychoanalytic Review, 2, vol.III, 1980, 55-101.

➢ ESCANDINÁVIA.

Rambert, Madeleine (1900-1979) psicanalista suíça

Filha de pastor, Madeleine Rambert começou a praticar a psicanálise de crianças* no período entre as duas guerras. Apoiada por Philipp Sarasin*, aderiu à Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP) em 1942. Três anos depois, publicou um livro prefaciado por Jean Piaget (1896-1980), A vida afetiva e moral da criança. Através de relatos de casos, mostrava como a terapia com fantoches podia enriquecer a técnica psicanalítica*. • Madeleine Rambert, La Vie affective et morale de l’enfant. Douze ans de pratique psychanalytique, Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1945 • Pascal Le Maléfan, “Sur Madeleine Rambert”, Marionnette et Thérapie, julho-setembro de 1996, 4-6.

➢ SUÍÇA.

Ramos de Araújo Pereira, Arthur (1903-1949) psiquiatra brasileiro

Nascido em Alagoas, Arthur Ramos estudou na faculdade de medicina de Salvador, Bahia, e orientou-se para a psiquiatria e a criminologia*, antes de se interessar pela antropologia*, pelas medicinas tradicionais afro-brasileiras e enfim pela doutrina freudiana. Em 1926, publicou uma tese sobre a loucura*, na qual citava os principais representantes da psiquiatria dinâmica* moderna e criticava o pansexualismo* de Sigmund Freud*. Isso não o impediu de trocar com este algumas cartas, entre 1927 e 1932, e de ser um dos pioneiros da introdução da psicanálise em seu país, sobretudo na Bahia, como fizera antes dele Juliano Moreira*. • Arthur Ramos de Araújo Pereira, Primitivo e loucura, Tese da faculdade de medicina, Bahia, 1926; Loucura e crime, P. Alegre, Livraria do Globo, 1937 • Gilberto S. Rocha, Introdução ao nascimento da psicanálise no Brasil, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989 • Marialzira Perestrello, “Importância da Bahia na difusão da psicanálise no Brasil. Juliano Moreira, Arthur

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Ramos e outros”, in Denise de Oliveira Lima (org.), 60 anos de psicanálise, Bahia, Agalma, 1993.

➢ BRASIL.

Rank, Otto, né Rosenfeld (1884-1939) psicanalista austríaco

Teórico da renovação da técnica psicanalítica*, questionando radicalmente o tratamento clássico em favor de uma terapia dita “ativa”, brilhante especialista em filosofia, literatura e psicanálise aplicada*, clínico notável, Otto Rank foi o único autodidata dos discípulos freudianos da primeira geração*. Espírito independente, hostil a todos os dogmatismos, foi, como Sandor Ferenczi*, o artífice da primeira grande dissidência interna na International Psychoanalytical Association* (IPA). Ao contrário de Alfred Adler*, Carl Gustav Jung* ou Wilhelm Stekel*, permaneceu freudiano. Sua posição crítica se afirmou a partir de 1923, em uma época em que o movimento psicanalítico, preocupado com conformismo, normalização e pragmatismo, começava a adotar ideais adaptativos contrários ao freudismo* original. Nascido em Leopoldstadt, nos arredores de Viena*, Rank era o terceiro e último filho de Simon Rosenfeld, um joalheiro judeu originário de Burgenland, e de Karoline Fleischner, cuja família era da Morávia. Apesar de um bom currículo escolar, foi obrigado, aos 14 anos, a entrar em uma escola técnica, a fim de preparar-se para trabalhar como mecânico. “Foi assim, escreveu ele em seu Diário de adolescente inédito, que eu cresci, entregue a mim mesmo, sem educação, sem amigos, sem livros.” Atingido muito cedo por um reumatismo articular agudo, o jovem Otto sofria tanto com essa doença dolorosa quanto com sua feiúra física e com suas relações violentas com o pai, alcoólatra inveterado e sujeito a graves crises de cólera. Além disso, tendo sido vítima, na infância, de tentativa de abuso sexual por parte de um adulto de seu meio, apresentou sinais de neurose* por volta dos vinte anos: “Ele sofria de uma fobia*, escreveu James Lieberman, seu biógrafo, que o impedia de tocar qualquer coisa sem luvas. Esse medo patológico dos micróbios e das relações sexuais se deve provavelmente à sua primeira e traumática experiência do sexo.”

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Rank, Otto

Tornando-se aprendiz de torneiro, Otto Rosenfeld continuou sozinho sua formação intelectual, apaixonando-se por literatura e filosofia. Entre seus autores prediletos estavam Friedrich Nietzsche (1844-1900), Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Henrik Ibsen (1828-1906). Em 1903, adotou o pseudônimo de Rank, um personagem de Casa de bonecas. Tomando essa nova identidade, queria afirmar sua independência em relação ao pai, que detestava. Posteriormente, converteu-se ao catolicismo a fim de legalizar o seu novo sobrenome. Entretanto, completamente ateu e desprovido de qualquer sentimento de ódio de si judeu, logo renunciou à renegação de suas origens, e nas vésperas de seu primeiro casamento decidiu reconverter-se ao judaísmo a fim de assumir sua judeidade*. Foi ao ler a obra de Otto Weininger*, Sexo e caráter, que ele começou a se interessar pelas questões abordadas pela psicanálise*. Em 1905, depois da descoberta da Interpretação dos sonhos*, ficou conhecendo Alfred Adler, que lhe possibilitou encontrar-se com Sigmund Freud* e integrar-se à Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Tornou-se seu secretário em 1906, depois de apresentar uma exposição inaugural sobre o tema do incesto*, na qual já aparecia a problemática do romance familiar*, presente em seu grande livro publicado em 1909: O mito do nascimento do herói. O interesse apaixonado que dedicou à psicanálise* e o encontro com Freud, que logo o considerou como seu “filho adotivo”, decidiram o destino do jovem Rank. Começou a escrever, tornou-se um intelectual, entrou para a universidade e obteve em 1912 um doutorado de filosofia. Com a idade de 28 anos, já tinha publicado quatro livros sobre literatura, mitos e incesto. Além disso, foi, de certa forma, o primeiro arquivista da história do freudismo: foi ele quem se encarregou de transcrever, ao longo das semanas, as atas das reuniões da Sociedade das Quartas-Feiras. Esse trabalho considerável foi publicado em quatro volumes por Hermann Nunberg* entre 1962 e 1975. Mobilizado contra a vontade em 1915, serviu como redator em um jornal de Cracóvia, cidade situada na parte leste do Império AustroHúngaro. Ali, ficou conhecendo Beata Mincer, jovem polonesa, estudante de psicologia, apelidada Tola. Em outubro de 1918, casou-se com

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ela, que se tornaria psicanalista com o nome de Tola Rank (1896-1967) e lhe daria uma filha. Ao fim da Primeira Guerra Mundial, Rank se tornara outro homem. O ex-operário autodidata morava então no centro de Viena e praticava a psicanálise graças a Freud, a quem venerava como um pai e que lhe enviava pacientes. Aliás, fazia parte do pequeno círculo de eleitos no seio do Comitê Secreto* e dirigia a Verlag, a editora do movimento psicanalítico, criada com a ajuda do dinheiro de Anton von Freund*. A derrota dos impérios centrais e a vitória da Europa ocidental sobre a Europa central tiveram como efeito reduzir a zero a posição preponderante, ocupada até então por Viena e Budapeste na direção da IPA. Apoiado pelos berlinenses (Karl Abraham*, Max Eitingon*), Ernest Jones* dedicou-se a impor os princípios de uma ortodoxia psicanalítica. Foi nesse contexto que surgiram graves conflitos entre Rank, de um lado, e Jones e Abraham do outro. Melancólico há muitos anos, Rank atravessava freqüentemente crises de depressão seguidas de estados de exaltação. Assim, foi considerado pelos notáveis do movimento um “doente mental”, sofrendo de psicose maníaco-depressiva*. Muito ciumento da afeição que Freud lhe dedicava, e preocupado em normatizar as modalidades da análise didática*, Jones se tornou o principal adversário de Rank no Comitê Secreto. Ora, nessa época, este começou a se afastar da doutrina freudiana clássica, publicando, no início do ano de 1924, um livro iconoclástico, que o tornaria célebre: O trauma do nascimento. Defendia a idéia de que, no nascimento, todo ser humano sofria um trauma maior, que procurava superar depois, aspirando inconscientemente a voltar ao útero materno. Em outras palavras, fazia da primeira separação biológica da mãe o protótipo da angústia psíquica. Essa tese, próxima da que Melanie Klein* começava a elaborar, seria adotada, com algumas variações, por todos os representantes da escola inglesa: não só pelos kleinianos, que lhe dariam um conteúdo diferente, situando a angústia de separação na relação ambivalente da criança com o seio da mãe, mas também pelos Independentes*, de Donald Woods Winnicott* a John Bowlby*, que não cessariam de estudar o aspecto biológico e exis-


Rank, Otto

tencial do fenômeno de separação. Longe de se ater a uma concepção clássica do complexo de Édipo*, Rank já se interessava portanto pela relação precoce (e pré-edipiana) da criança com a mãe e pela especificidade da sexualidade feminina*. Do interesse dedicado ao pai, ao patriarcado e ao Édipo clássico, ele passava para uma definição do materno e do feminino, e logo para uma crítica radical do sistema de pensamento do primeiro freudismo, demasiadamente fundado, em sua opinião, no lugar do pai e no falocentrismo*. No mesmo ano, em Perspectivas da psicanálise, Otto Rank atacou, com Ferenczi, a rigidez das regras psicanalíticas, e dois anos depois, em 1926, propôs uma teoria dita da “terapia ativa”, preconizando tratamentos curtos e limitados previamente no tempo, assim como um recentramento no presente: ao invés de sempre reconduzir o paciente à sua história passada e ao seu inconsciente, interpretando os sonhos e o complexo de Édipo, Rank julgava preferível solicitar a vontade consciente deste e aplicá-la à situação presente, a fim de estimular o seu desejo de se curar— única maneira de fazê-lo sair da passividade masoquista na qual ele se refugiava. Freud se opôs às teses de Rank em Inibições, sintomas e angústia, e depois revisou sua posição em 1933, nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, enfatizando que Rank tivera o mérito de ressaltar a importância da separação primeira da mãe. Bastou isso para provocar a cólera de Jones que entretanto, na mesma época, não hesitava em apoiar as teses kleinianas. Como Rank não era nem médico nem analisado, Jones e Abraham se apressaram a explicar que suas teorias eram conseqüência de um conflito não resolvido com o pai. Freud interveio, obrigando o seu discípulo a submeter-se a algumas sessões. Depois de fingir obedecer e após um início de carreira fulgurante nos Estados Unidos*, onde formou psicanalistas e discípulos que se diziam freudianos, Rank foi levado a romper com seu venerado mestre. Em abril de 1926, fez-lhe uma última visita, levando-lhe as obras completas de Nietzsche: 23 volumes encadernados em couro branco. Abatido pela dor, mas sempre feroz em sua maneira de romper com os melhores amigos, Freud escreveu estas pala-

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vras em uma carta a Ferenczi: “Nós lhe demos muita coisa, e ele também fez muito por nós. Assim, estamos quites. Quando de sua última visita, não tive a ocasião de lhe expressar a afeição particular que sinto por ele. Fui honesto e duro. Assim, podemos tirá-lo da nossa vida. Abraham tinha razão.” Vítima de uma intensa campanha de calúnias orquestrada por Jones, Harry Stack Sullivan* e principalmente por Abraham Arden Brill*, que o tratou publicamente de desequilibrado, Rank foi excluído da American Psychoanalytic Association* (APsaA), e conseqüentemente da IPA, em 10 de maio de 1930, em condições dramáticas. O ataque ocorreu em Washington, no meio de uma brilhante assembléia de psicanalistas mudos e indiferentes, dentre os quais Helene Deutsch*, Sandor Rado* e René Spitz*. Nesse dia, só Franz Alexander* se recusou a participar da execução do grande discípulo vienense. Depois, todos os alunos americanos formados por Rank foram intimados a fazer uma nova análise. Independente, Rank continuou seu trabalho de analista, sem nunca tornar-se antifreudiano. Instalando-se em Paris com sua mulher e sua filha, ficou conhecendo Anaïs Nin (19031976), de quem foi o segundo analista. Graças ao trabalho de Deirdre Bair, biógrafa de Anaïs Nin, a história dessa relação foi conhecida em 1995. Quando Anaïs Nin procurou Rank, estava saindo de um tratamento desastroso com René Allendy*, que terminara com um ato de incesto: ela se tornou amante de seu pai, Joaquin Nin. Em um primeiro tempo, Rank lhe possibilitou, por meio de suas interpretações, conhecer a culpa inconsciente que ela sentia por causa desse incesto, e afastar-se de seu Diário, que lhe servia de ópio. Mas logo ficou perdidamente apaixonado por ela e tornou-se seu amante. Ele a cobria de presentes e lhe ofereceu, como sinal de fidelidade, o famoso anel que Freud lhe dera quando da criação do Comitê. Depois da partida de Rank para Nova York, onde atravessou uma terrível crise de depressão, ele lhe pediu que viesse encontrá-lo. Ela concordou e procurou fazer carreira como analista, com o desejo perverso de destruir Rank e a psicanálise. Instalada no mesmo apartamento que ele, recebeu pa-

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Rascovsky, Arnaldo

cientes e deitou-se com alguns deles em seu divã, enquanto Rank tratava de seus próprios analisandos no cômodo ao lado. A aventura terminou em rompimento, quando Rank, separado de Tola, percebeu que Anaïs não deixaria o marido. Ela voltou para Paris e renunciou à psicanálise. Algumas semanas depois da morte de Freud, Rank morreu de septicemia consecutiva a uma agranulocitose causada pelos efeitos secundários das sulfamidas, com as quais se tratava. Casado pela segunda vez, feliz e definitivamente instalado nos Estados Unidos, desejava viver na Califórnia, mas morreu antes de obter a cidadania americana. No terceiro volume de sua biografia de Freud, Jones continuou a persegui-lo com seus insultos, tratando-o de psicótico, maníaco e ciclotímico, abrindo caminho para a propagação de uma lenda segundo a qual ele teria morrido em estado de loucura* em um asilo americano. Apesar das refutações de sua discípula Jessie Taft, publicadas em 1958, foi só com os trabalhos da historiografia* moderna, e principalmente os de Henri F. Ellenberger* e seus sucessores, que se atribuiu a Rank o lugar eminente que lhe cabe na história da psicanálise. • Otto Rank, Der Künstler, Viena, Hugo Heller, 1907; Le Mythe de la naissance du héros (Leipzig, Viena, 1909), Paris, Payot, 1983; Le Traumatisme de la naissance (Viena, 1924), Paris, Payot, 1928; Don Juan et le double. Études psychanalytiques (Viena, 1924, Paris, 1932), Paris, Payot, 1973 • Otto Rank e Hanns Sachs, Psychanalyse et sciences humaines (Viena, 1913), Paris, PUF, 1980 • Otto Rank e Sandor Ferenczi, Perspectives de la psychanalyse (Viena, 1924, Paris, Payot, 1994; La Technique de la psychanalyse (Viena, 1926), parcialmente traduzido para o francês sob o título La Volonté du bonheur, Paris, Stock, 1934; Grundzüge einer genetischen Psychologie. Auf Grund der Psychoanalyse der Ichstruktur, 2 vols., Viena, Deuticke, 1927-1928 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 19061918, 4 vols. (1962-1975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol. 3 (N. York, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Jessie Taft, Otto Rank, N. York, The Julian Press, 1958 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jean Laplanche, Problématiques II, Paris, PUF, 1980 • E. James Lieberman, La Volonté en acte. La Vie et l’oeuvre d’Otto Rank (N. York, 1985), Paris, PUF, 1991 • Ernst Falzeder, “1924. Le Traumatisme de la naissance. De nouvelles perspectives en psychanalyse”, Psychothérapies, vol.XII, 4, 1992, 241-

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51 • Deirdre Bair, Anaïs Nin. Biographie (N. York, 1995), Paris, Stock, 1996.

➢ ANÁLISE EXISTENCIAL; HOMOSSEXUALIDADE; MELANCOLIA; SEDUÇÃO, TEORIA DA.

Rascovsky, Arnaldo (1907-1995) médico e psicanalista argentino

Nascido em Córdoba, em uma família de judeus russos que imigraram para a Argentina*, Arnaldo Rascovsky viveu em Buenos Aires a partir de 1914. Orientou-se para a medicina e depois para a pediatria e a endocrinologia. Em 1936, começou a se interessar pela psicanálise* ao ler as obras de Sigmund Freud* em alemão e, dois anos depois, ficou conhecendo Enrique Pichon-Rivière*, com quem trabalhou no Hospício de Las Mercedes. Entusiasmados com a psicanálise e com a idéia de salvá-la do perigo fascista oferecendo-lhe uma nova terra prometida, reuniram uma família de eleitos e pioneiros que formou o núcleo fundador da psicanálise na Argentina. Entre eles, estavam Luiz Rascovsky, o irmão de Arnaldo, Matilde Wencelblat, sua mulher, Simon Wencelblat, seu irmão, Arminda Aberastury*, esposa de Pichon-Rivière, Guillermo Ferrari Hardoy e Luisa Gambier Alvarez de Toledo. Analisado em 1939 por Angel Garma*, Rascovsky foi um dos fundadores da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA), na qual apresentou um trabalho sobre a sexualidade* infantil. Posteriormente, exerceu numerosas funções na COPAL (futura FEPAL, Federación Psiconalítica de America Latina*), forjou a noção de psiquismo fetal e interessou-se particularmente pelo infanticídio, inspirando-se em seus trabalhos nas teses de Hermann Nunberg*. • Arnaldo Rascovsky, “Esquema autobiografico”, Revista de Psicoanalisis, XXXI, 1-2, 1974, 277-321 • Raúl Giordano, Notice historique du mouvement psychanalytique en Argentine. Dissertação para o CES de psiquiatria, sob a direção de Georges Lantéri-Laura, Universidade de Paris XII, s/d. • Jorge Balán, Cuéntame tu vida. Una biografía colectiva del psicoanálisis argentino, B. Aires, Planeta, 1991.

real al. Reale (das); esp. real; fr. réel; ing. real Termo empregado como substantivo por Jacques Lacan*, introduzido em 1953 e extraído, simulta-


real neamente, do vocabulário da filosofia e do conceito freudiano de realidade psíquica*, para designar uma realidade fenomênica que é imanente à representação e impossível de simbolizar. Utilizado no contexto de uma tópica*, o conceito de real é inseparável dos outros dois componentes desta, o imaginário* e o simbólico*, e forma com eles uma estrutura. Designa a realidade própria da psicose* (delírio, alucinação), na medida em que é composto dos significantes* foracluídos (rejeitados) do simbólico.

A partir da década de 1920, após a revolução introduzida na ciência pela teoria da relatividade de Albert Einstein (1879-1955), a clássica oposição entre o real dado e o real construído transformou-se, e a palavra real passou a ser correntemente empregada pelos filósofos como sinônima de um absoluto ontológico, um serem-si que escaparia à percepção. E foi nas teses de Émile Meyerson (1859-1933) sobre a ciência do real que Jacques Lacan buscou sua primeira reflexão sobre o assunto. Em A dedução relativista, livro publicado em 1925 e ao qual Lacan se refere desde 1936 em “Para-além do princípio de realidade”, Meyerson sustentara, com efeito, a existência de uma semelhança entre os objetos criados pela ciência e aqueles cuja existência era postulada pela percepção. Entretanto, foi muito mais diretamente de seu amigo Georges Bataille (1897-1962), e sem jamais confessá-lo, que Lacan tomou emprestada a noção de real, a partir da qual, incluindo a idéia (freudiana) de realidade psíquica, forjou um conceito do qual viria a fazer um dos três componentes de sua tópica e de sua concepção estrutural de um inconsciente* determinado pela linguagem. Bataille descobriu a obra de Freud, interessando-se sobretudo por Mais-além do princípio de prazer*, Psicologia das massas e análise do eu* e Totem e tabu*, isto é, pela pulsão de morte* e pela questão do sagrado, da identificação* das massas com o líder e da origem das sociedades e das religiões. Daí a publicação, em 1933, de um texto intitulado “A estrutura psicológica do fascismo”, ao mesmo tempo consagrado à ascensão do nazismo* e à análise das sociedades humanas e suas instituições. Bataille distinguiu dois pólos estruturais: de um lado, o homogêneo, ou campo da sociedade útil

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e produtiva, e de outro, o heterogêneo, lugar de irrupção do impossível de simbolizar. Com a ajuda deste último termo, ele especificou a noção de parte maldita, central em sua elaboração. Depois, entre 1935 e 1936, época em que, junto com Lacan, acompanhou o seminário de Alexandre Kojève (1902-1968) sobre A fenomenologia do espírito, de Hegel, Bataille inventou o termo heterologia, extraído do adjetivo heterólogo, que serve para designar, em anatomopatologia, os tecidos mórbidos. A heterologia era, para ele, a ciência do irrecuperável, que tem por objeto o “improdutivo” por excelência: os restos, os excrementos, a sujeira. Numa palavra, a existência “outra”, expulsa de todas as normas: loucura*, delírio etc. Foi combinando a ciência do real, a heterologia e a noção freudiana de realidade psíquica que Lacan construiu sua categoria do real. Esta fez sua primeira aparição em 1953, ainda sem ser conceituada, numa conferência intitulada “O Simbólico, o Imaginário e o Real”. Depois disso, Lacan adquiriu o hábito de escrever as três palavras com maiúsculas. Entre 1953 e 1960, no contexto de sua retomada estrutural da obra freudiana, Lacan conferiu a esse real um estatuto muito próximo do que lhe atribuíra Bataille. Na categoria do simbólico alinhou toda a reformulação buscada no sistema saussuriano e levi-straussiano; na categoria do imaginário situou todos os fenômenos ligados à construção do eu: antecipação, captação e ilusão; e no real, por fim, colocou a realidade psíquica, isto é, o desejo inconsciente e as fantasias* que lhe estão ligadas, bem como um “resto”: uma realidade desejante, inacessível a qualquer pensamento subjetivo. A idéia de uma ciência do real apareceu claramente na leitura que Lacan fez do sonho da “injeção de Irma*”, por ocasião de seu seminário sobre o eu, no ano de 1954-1955. Comentando esse sonho, ele assemelhou a boca de Irma a uma assustadora cabeça de Medusa e, em seguida, sublinhou que o real está na origem e na fonte de uma dúvida fundadora necessária à ciência. Na origem de uma descoberta, disse ele em síntese, não existe um sujeito, e sim uma dúvida, já que toda descoberta é a expressão de um encaminhamento em que o erro se mistura com a verdade. Essa dúvida fundadora é, para

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realidade psíquica

Lacan, um equivalente do sexo feminino como coisa real, impossível de simbolizar. Em seguida encontramos seu vestígio na concepção lacaniana da sexualidade feminina*: Lacan faz desta um “suplemento” e lhe atribui um gozo* que escapa à racionalidade. Em 1955-1956, no âmbito de sua leitura da história de Daniel Paul Schreber* e de sua concepção de uma clínica da psicose centrada na paranóia*, Lacan elaborou dois conceitos: a foraclusão* e o nome-do-pai*. A primeira foi definida como o mecanismo específico da psicose, diferente do recalque*, e que consiste numa rejeição primordial de um significante fundamental para fora do universo simbólico do sujeito. Quanto ao segundo, ele é o conceito da função paterna, o significante fundamental, justamente aquele que fica foracluído na psicose. A partir dessa nova organização da estrutura do sujeito, tal como aparece na clínica da psicose, o conceito de real adquiriu uma outra dimensão. Tornou-se então o lugar da loucura. Com efeito, se os significantes foracluídos do simbólico retornam no real, sem serem integrados no inconsciente do sujeito*, isso quer dizer que o real se confunde com um “alhures” do sujeito. Fala e se exprime em seu lugar através de gestos, alucinações ou delírios, os quais ele não controla. A importância atribuída à psicose como paradigma do psiquismo humano estaria sempre ligada, em Lacan, à questão da ciência. Aí encontramos duas filiações (a ciência do real e a heterologia) a que ele sempre recorreu (sem dizê-lo claramente) e às quais acrescentou a referência à realidade psíquica. A partir de 1970, o interesse cada vez maior pela ciência levou Lacan a tentar formalizar sua própria visão conceitual: de um lado, uma mathesis dos discursos (ou matema*), e de outro, uma topologia (o nó borromeano*) destinada a substituir a antiga tópica. Essa vontade de construir uma ciência do real traduziu-se, então, numa reorganização dos elementos da antiga tópica na qual o lugar determinante foi ocupado não mais pelo simbólico, mas pelo real. Como conseqüência disso, a psicose (forma teorizada da loucura e lugar da simbolização impossível) viu ser-lhe imposta a tarefa de questionar todas as certezas da ciência. Lacan deu o nome de

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R.S.I. (Real, Simbólico, Imaginário) ao tríptico em que o real é assimilado a um “resto” impossível de transmitir, e que escapa à matematização. • Jacques Lacan, “Para-além do ‘Princípio de realidade’” (1936), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 77-95; “Le Symbolique, l’Imaginaire et le Réel” (1953), Bulletin de l’Association Freudienne, 1, 1982, 4-13; O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955) (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; O Seminário, livro 4, A relação de objeto e as estruturas freudianas (19561957) (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995; Le Séminaire, livre XXII, R.S.I. (1974-1975), inédito • Émile Meyerson, La Déduction relativiste, Paris, Payot, 1925 • Georges Bataille, “La Structure psychologique du fascisme” (1933-1934), in La Critique sociale, reimpressão, Paris, La Différence, 1985, 159-65 e 20511; “La Valeur d’usage de D.A.F. de Sade (1) et (2)”, in Oeuvres complètes II. Écrits posthumes, 1922-1940, Paris, Gallimard, 1970, 57-73; “Dossier ‘Hétérologie’”, ibid., 167-78 • Jean-Claude Milner, Les Noms indistincts, Paris, Seuil, 1983; A obra clara. Lacan, a ciência, a filosofia (Paris, 1995), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997 • François Roustang, Lacan, de l’équivoque à l’impasse, Paris, Minuit, 1986 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994; “Bataille entre Freud et Lacan: une expérience cachée”, in Denis Hollier (org.), Georges Bataille après tout, Paris, Belin, 1995, 191212 • Claude Lévesque, Le Proche et le lointain, Montreal, Vlb Éditeur, 1994.

➢ ESTÁDIO DO ESPELHO; OBJETO (PEQUENO) a; OUTRO; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

realidade psíquica al. psychische Realität; esp. realidad psíquica; fr. réalité psychique; ing. psychical reality

Termo empregado em psicanálise* para designar uma forma de existência do sujeito* que se distingue da realidade material, na medida em que é dominada pelo império da fantasia* e do desejo*. Historicamente, a idéia nasceu do abandono da teoria da sedução* por Sigmund Freud* e da elaboração de uma concepção do aparelho psíquico baseada no primado do inconsciente*. Na história da clínica psicanalítica, a noção de realidade psíquica foi objeto de diversas reinterpretações (em especial por Melanie Klein* e Jacques Lacan*), as quais, na aborda-


recalque

gem das psicoses* e da relação de objeto*, conduziram a acentuar a importância dela, em detrimento da realidade material. • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Fantasia originária, fantasia das origens, origens da fantasia (Paris, 1985), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

➢ BION, WILFRED RUPRECHT; CENA PRIMÁRIA; GOZO; IMAGINÁRIO; KLEINISMO; LACANISMO; NARCISISMO; PHANTASIA; PRINCÍPIO DE PRAZER/PRINCÍPIO DE REALIDADE; REAL; SELF PSYCHOLOGY; TRANSFERÊNCIA.

recalque al. Verdrängung; esp. represión; fr. refoulement; ing. repression Na linguagem comum, a palavra recalque designa o ato de fazer recuar ou de rechaçar alguém ou alguma coisa. Assim, é empregada com respeito a pessoas a quem se quer recusar acesso a um país ou a um recinto específico. Para Sigmund Freud*, o recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente* todas as idéias e representações ligadas às pulsões* e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer. Freud, que modificou diversas vezes sua definição e seu campo de ação, considera que o recalque é constitutivo do núcleo original do inconsciente. No Brasil também se usa “recalcamento”.

Freud não foi o inventor da idéia de recalque. Ele mesmo reconheceu isso, com muita clareza, em suas considerações sobre “A história do movimento psicanalítico”, publicadas em 1914: “Na teoria do recalque, com certeza fui independente; não sabia de nenhuma influência que pudesse ter-me aproximado dela e, durante muito tempo, tomei essa idéia por uma idéia original, até o dia em que Otto Rank* nos mostrou o trecho de Schopenhauer, em O mundo como vontade e como representação, no qual o filósofo se esforça por encontrar uma explicação para a loucura*. O que é dito nessa passagem sobre nossa repulsa a admitir algum aspecto penoso da realidade coincide tão perfeitamente com o conteúdo de meu conceito de recalque, que é possível que, mais uma vez, eu tenha devido a possibilidade de uma descoberta à insuficiência de minhas leituras.” Em seguida

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a esse esclarecimento, Freud evoca suas dificuldades para ler os livros de Friedrich Nietzsche (1844-1900), de quem tomou emprestado, reconhece, o termo inibição, para discorrer sobre um mecanismo que coincide com sua concepção do recalque. Presente na filosofia alemã do século XIX, a idéia de recalque também o está nos trabalhos de psicologia de Johann Friedrich Herbart* e, mais tarde, nos de Theodor Meynert*, que foi um dos mestres de Freud. Havendo reconhecido sua dívida, Freud acrescenta: “A teoria do recalque é, no momento, o pilar sobre o qual repousa o edifício da psicanálise, ou, em outras palavras, seu elemento mais essencial, o qual, por sua vez, é tão somente a expressão teórica de uma experiência que se pode repetir quantas vezes se queira, quando se empreende a análise de um neurótico sem o auxílio da hipnose (...) eu me ergueria muito violentamente contra quem pretendesse situar a teoria do recalque e da resistência* entre os pressupostos da psicanálise e não entre seus resultados (...) a teoria do recalque é uma aquisição do trabalho psicanalítico.” A idéia de recalque aparece desde muito cedo na elaboração da teoria freudiana do aparelho psíquico, antes mesmo da carta a Wilhelm Fliess* de 6 de dezembro de 1896, na qual ele formula a definição inaugural de sua primeira tópica*: nessa carta, o recalque é a denominação clínica da “falta de tradução” de alguns materiais que não têm acesso à consciência*. A razão dessa carência “é sempre a produção de desprazer que resultaria de uma tradução; é como se esse desprazer perturbasse o pensamento, entravando o processo de tradução”. Durante esse período, a noção de recalque superpôs-se com freqüência à de defesa*, embora não lhe fosse assimilada. Nos artigos de 1894 e 1896 que Freud dedicou às neuropsicoses de defesa, o recalque foi como que obscurecido pela noção de defesa, que permitiu ao autor enunciar uma distinção etiológica entre a histeria*, a neurose obsessiva* e a paranóia*. Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis esforçaram-se por esclarecer essas relações complexas e reiteradamente modificadas entre defesa e recalque: “(...) a defesa”, escrevem eles, “é, antes de mais nada, um

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recalque

conceito genérico, que designa uma tendência geral”, e, “se o recalque, por sua vez, também está universalmente presente nas diversas afecções e não especifica, como mecanismo de defesa particular, a histeria, é porque todas as diferentes neuropsicoses implicam um inconsciente separado, o qual, justamente, instaura o recalque”. Em 1926, Freud tornaria a sentir necessidade de voltar a esse ponto, em seu livro Inibições, sintomas e angústia*, sem contudo esclarecê-lo de maneira convincente. Constitutivo do inconsciente, o recalque se exerce sobre excitações internas, de origem pulsional, cuja persistência provocaria um excessivo desprazer. A propósito disso, Freud esboça um desenvolvimento teórico já muito elaborado numa carta a Fliess de 14 de novembro de 1897. Nessa época, seu fascínio pela teoria “fliessiana” dos períodos é subjacente à sua transferência*, e ele acredita estar a ponto de começar aquilo a que denomina sua “auto-análise*”. Surpreende-se ao prever acontecimentos muito antes que eles ocorram: “(...) foi assim que pude anunciar-te, neste verão”, escreve a seu amigo, “que estava a ponto de descobrir a fonte do recalque sexual normal (moral, pudor etc.), e depois precisei de muito tempo para encontrála”. Freud expõe então a Fliess suas idéias sobre as zonas erógenas infantis, que não mais são, na idade adulta, fontes de descarga sexual: a região anal e, num empréstimo das idéias de Fliess, a região bucofaríngea, regiões estas que, em condições normais, já não devem ser fontes de excitação ou de contribuição libidinal, a não ser nos casos de perversão*. Mas essas zonas são passíveis de produzir uma descarga sexual, “por um efeito a posteriori da lembrança”. De fato, prossegue Freud, trata-se de uma descarga de desprazer, “uma sensação interna análoga à repulsa sentida no caso de um objeto. Para nos exprimirmos com mais crueza, a lembrança desprende hoje o mesmo mau cheiro que um objeto atual. Assim como desviamos com nojo nosso órgão sensorial (cabeça e nariz) dos objetos fétidos, também o pré-consciente* e nossa compreensão consciente desviam-se da lembrança. É a isso que chamamos recalque”. O recalque não lida com as pulsões em si, mas com seus representantes, imagens ou idéias, os quais, apesar de recalcados, conti-

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nuam ativos no inconsciente, sob a forma de derivados ainda mais prontos a retornar para o consciente*, na medida em que se localizam na periferia do inconsciente. O recalque de um representante da pulsão nunca é definitivo, portanto. Continua sempre ativo, daí um grande dispêndio energético. Na quinta seção do capítulo VII de A interpretação dos sonhos*, Freud descreve o recalque como um processo dinâmico, ligado ao processo secundário que caracteriza o préconsciente: “Sustentamos firmemente — essa é a chave da teoria do recalque — que o segundo sistema [o processo secundário] só pode investir uma representação [isto é, apoderar-se dela para encaminhá-la para o consciente] quando é capaz de inibir o desenvolvimento do desprazer que pode advir daí.” Em 1915, no contexto da metapsicologia*, o recalque foi objeto de um artigo em que o inconsciente já não é totalmente assimilado a ele: “Tudo o que é recalcado tem, necessariamente, que permanecer inconsciente, mas queremos deixar claro, logo de saída, que o recalcado não abrange tudo o que é inconsciente. É o inconsciente que tem a maior extensão entre os dois; o recalcado é uma parte do inconsciente.” Esse esclarecimento pede uma redefinição do recalque: e ela se encontra no cerne do artigo dedicado a esse processo. Ali, Freud começa repetindo que o recalque constitui, para a pulsão* e seus representantes, “um meio termo entre a fuga [resposta apropriada às excitações externas] e a condenação [que seria o apanágio do supereu*]”. Depois, distingue três tempos constitutivos do recalque: (1) o recalque propriamente dito, ou recalque a posteriori*; (2) o recalque originário; e (3) o retorno do recalcado nas formações do inconsciente. Se quisermos apreender a essência dessa construção freudiana, será preciso abordá-la através da questão do recalque originário. O recalque em geral incide sobre os representantes das pulsões, os quais, por sua vez, são objeto de uma retirada do investimento*, isto é, de uma cessação do encarregar-se deles por parte do pré-consciente; nesse caso, o inconsciente efetua imediatamente um investimento substituto, o qual, em contrapartida, requer um “contra-investimento” por parte do pré-cons-


regra fundamental

ciente, que esbarra então na atração constituída por elementos do inconsciente outrora recalcados. Este último aspecto levou Freud a postular a existência de um recalque precedente, ou recalque originário. Esse seria um recalque que Freud assimilou a uma fixação, resultante de uma recusa inicial do inconsciente a se encarregar do representante de uma pulsão. O representante assim recalcado subsistiria de maneira inalterável e permaneceria ligado à pulsão. Observe-se que Freud não é nada explícito quanto à verdadeira origem desse processo: de onde provêm os elementos de atração do inconsciente que são responsáveis por essa primeira fixação? Na falta de uma resposta clara, ele enuncia a hipótese, em 1926, de uma invasão primordial, decorrente de uma força de excitação particularmente intensa. O retorno do recalcado, terceiro tempo do recalque, manifesta-se sob a forma de sintomas — sonhos*, esquecimentos e outros atos falhos* —, considerados por Freud como formações de compromisso. Na segunda tópica, o recalque é ligado à parte inconsciente do eu*. E, nesse sentido, Freud pode dizer que o recalcado, tal como essa parte do eu, funde-se com o isso*. “O recalcado”, escreve ele em O eu e o isso*, “só se separa nitidamente do eu pelas resistências* do recalque, ao passo que, através do isso, pode comunicar-se com ele.” • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986; “As neuropsicoses de defesa” (1894), ESB, III, 57-74; GW, 1, 57-74; SE, III, 41-61; OC, III, 1-18; “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ESB, III, 187-216; GW, I, 377-403; SE, III, 157-85; OC, III, 121-46; A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “A história do movimento psicanalítico” (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991; “Recalque” (1915), ESB, XIV, 169-90; GW, X, 247-61; SE, XIV, 141-58; OC, XIII, 188-201; “O inconsciente” (1915), ESB, XIV, 191-233; GW, X, 263303, SE, XIV, 159-204; OC, XIII, 205-43; O eu e o isso (1923), ESB, XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301; Inibições, sintomas e angústia (1925), ESB, XX, 107-98; GW, XIV, 113-205; SE, XX, 87-172; OC, XVII, 203-86 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.

➢ REPRESSÃO.

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recusa (da realidade) ➢ RENEGAÇÃO.

regra fundamental al. Grundregel; esp. regla fundamental; fr. règle fondamentale; ing. fundamental rule Regra constitutiva da situação psicanalítica, segundo a qual o paciente deve esforçar-se por dizer tudo o que lhe vier à cabeça, principalmente aquilo que se sentir tentado a omitir, seja por que razão for.

Em 1904, para atender a um pedido do psiquiatra Leopold Löwenfeld (1847-1924), que estava preparando um livro dedicado aos Fenômenos obsessivos psíquicos, Sigmund Freud* escreveu um pequeno artigo, intitulado “O método psicanalítico de Freud”. Nele evocou as transformações de seu método, desde seus primeiros trabalhos com Josef Breuer*, e esclareceu os inconvenientes do recurso à hipnose*, que não destruía as resistências* nem fornecia senão informações parciais, e que só levava a sucessos provisórios. O método das associações livres, ou da livre associação*, permitia atingir com muito maior facilidade, segundo ele, os elementos que estavam em condições de liberar os afetos, as lembranças e as representações. Para tanto, era preciso convidar os pacientes a “se deixarem levar” e “exigir” deles “que não [deixassem] de revelar um só pensamento ou idéia, a pretexto de o acharem vergonhoso ou doloroso”. Em setembro de 1894, Freud começou timidamente a recorrer a esse método e, dessa maneira, foi levado a escutar os sonhos* que seus pacientes se puseram a lhe contar. Depois disso, renunciaria definitivamente à hipnose, em fevereiro de 1896. Na segunda das cinco conferências proferidas quando de sua viagem aos Estados Unidos* em 1909 em companhia de Carl Gustav Jung* e Sandor Ferenczi*, Freud rendeu homenagens à Escola de Zurique e a Jung, em particular, por haverem desenvolvido desde cedo o “teste da associação verbal*”. Em seguida, evocou a “principal regra psicanalítica” — ainda não “fundamental”, nessa ocasião —, que incitava o paciente a fazer associações, e a considerou tão importante quanto a interpretação dos so-

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nhos e a exploração dos atos falhos, meios técnicos de investigar o inconsciente*. Em 1923, em seus verbetes de enciclopédia “Psicanálise” e “Teoria da libido”, sublinhou que a regra fundamental era indispensável à realização do trabalho psicanalítico. Por fim, em sua autobiografia (“Um estudo autobiográfico”), Freud retornou à evolução de seu método e insistiu na necessidade do respeito à “regra fundamental da psicanálise” para se chegar à associação livre, único meio de fazer surgirem as resistências* e de permitir a consideração delas como material a ser interpretado. Em 1919, quando expôs sua técnica psicanalítica*, Ferenczi lembrou o caráter incontornável da regra fundamental, porém evidenciou seus limites: “Todo o método psicanalítico se apóia na regra fundamental formulada por Freud (...). Sob nenhum pretexto devemos tolerar qualquer exceção a essa regra, e é preciso tirar a limpo, sem indulgência, tudo aquilo que o paciente, seja por que razão for, procurar subtrair da comunicação. Entretanto, depois de o paciente ter sido educado, não sem alguma dificuldade, para seguir essa regra ao pé da letra, pode suceder que sua resistência se apodere precisamente dessa regra e que ele tente vencer o médico com suas próprias armas.” Ferenczi, que voltaria a essa questão num outro texto, dedicado à psicanálise dos hábitos sexuais, evocou o caso dos “neuróticos obsessivos” que agem como se houvessem entendido mal a regra, e que produzem “unicamente” um material absurdo à guisa de associações. Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sublinharam que a regra fundamental inscreveu o tratamento psicanalítico na ordem da linguagem e fez “aparecer como um acting out*” tudo o que não se relacionasse a ela. Por outro lado, na trilha de Ferenczi, esses autores indicaram que alguns pacientes podem utilizar a regra fundamental para demonstrar a impossibilidade de sua aplicação rigorosa: “Está claro que a regra psicanalítica não convida a fazer enunciados sistematicamente incoerentes, mas a não fazer da coerência um critério de seleção.” Em 1958, num artigo dedicado à direção do tratamento, Jacques Lacan* destacou que a regra fundamental leva o paciente a se confrontar com uma fala livre, cujo controle ele não detém:

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uma fala “plena”, que é dolorosa porque suscetível de ser verdadeira. Através de seu silêncio, o analista deixa transparecer que, mais-além da demanda de cura, o paciente é portador de uma outra demanda, uma “demanda intransitiva”, que “não comporta nenhum objeto”, e na qual vêm repetir-se os elementos de uma identificação* primária com a onipotência materna. Um século depois de sua instauração, a questão da regra fundamental continua presente. Aliás, o problema pode ser abordado sob um ângulo mais teórico, como fez o psicanalista francês Jean-Luc Donnet, que estudou as ressonâncias supereuóicas do enunciado da regra, em termos de prescrição e obrigatoriedade, e se indagou sobre as condições que permitem superar a contradição entre essas implicações e o que ele denomina de “privilégio não supereuóico da interpretação”, atributo da neutralidade do analista. • Sigmund Freud, “O método psicanalítico de Freud” (1904), ESB, VII, 257-66; GW, V, 3-10; SE, VII, 255-68; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953; Cinco lições de psicanálise (1910), ESB, XI, 13-58; GW, VIII, 3-60; SE, XI, 7-55; OC, X, 1-55; “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido” (1923), ESB, XVIII, 287-314; GW, XIII, 211-33; SE, XVIII, 235-59; OC, XVI, 181-208; “Um estudo autobiográfico” (1925), ESB, XX, 17-88; GW, XIV, 3396; SE, XX, 7-70; Paris, Gallimard, 1984 • Jean-Luc Donnet, “Surmoi. Le Concept freudien et la règle fondamentale”, monografias da Revue Française de Psychanalyse, Paris, PUF, 1995 • Sandor Ferenczi, “A técnica psicanalítica” (1919), in Psicanáise II, Obras completas, 1913-1919 (Paris, 1970), S. Paulo, Martins Fontes, 1992, 357-68; “Psicanálise dos hábitos sexuais” (1925), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 327-60 • Jacques Lacan, “A direção do tratamento e os princípios de seu poder” (1958), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 591652 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.

➢ ABSTINÊNCIA, REGRA DE; ATENÇÃO FLUTUANTE; CONTRATRANSFERÊNCIA; TÉCNICA PSICANALÍTICA; TRANSFERÊNCIA.

Reich, Wilhelm (1897-1957) psiquiatra e psicanalista americano

O itinerário atormentado do maior dissidente da segunda geração* freudiana, próxi-


Reich, Wilhelm

mo de Wilhelm Fliess* por suas teorias biológicas e de Otto Gross* pelo seu destino de eterno perseguido, foi narrado de forma caricatural pela historiografia oficial*, sobretudo pelo seu principal representante, Ernest Jones*, responsável, com Max Eitingon*, Anna Freud* e Sigmund Freud*, por sua exclusão da International Psychoanalytical Association* (IPA). Foi o criador do freudo-marxismo*, o teórico de uma análise do fascismo que marcou todo o século e o artífice de uma reformulação da técnica psicanalítica* que se apoiava em uma concepção da sexualidade* mais próxima da sexologia* que da psicanálise*. Nascido em Dobrzcynica, na Galícia, Reich era de uma família judia assimilada e foi educado longe de qualquer tradição religiosa. Com a idade de 14 anos, teve um papel importante no suicídio* de sua mãe, ao revelar ao pai a ligação desta com um de seus preceptores. Três anos depois, Léon Reich morreu de pneumonia, e seu filho lhe sucedeu à frente da fazenda da família e da criação de bovinos. Na Faculdade de Medicina de Viena*, continuou seus estudos e orientou-se para a psicanálise. Em 1919, encontrou-se com Freud e, um ano depois, participou das reuniões da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Ficou conhecendo então Annie Pink (que se tornaria sua primeira mulher, sob o nome de Annie Reich-Rubinstein*) e Otto Fenichel* (cujas posições políticas compartilharia durante alguns anos). Nessa época, apresentou à WPV sua primeira comunicação, dedicada a Peer Gynt, célebre drama de Henrik Ibsen (1828-1906). Esse herói norueguês à procura de identidade, que acaba por se fazer proclamar Imperador do Egito num asilo de loucos, simbolizava, de certa forma, o mal-estar do pós-romantismo alemão, com o qual Reich se identificava. Em 1921, começou a praticar a psicanálise sem ser analisado e dirigiu um seminário de sexologia, que teve muito sucesso. Nessa época, evoluiu para um energetismo que não se harmonizava com a reformulação freudiana realizada na segunda tópica*. Daí a idéia reichiana segundo a qual a hipótese da pulsão* de morte teria sido consecutiva a uma depressão de Freud, causada pela evolução ortodoxa do

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movimento psicanalítico depois da Primeira Guerra Mundial. A partir de 1924, Reich se interessou pelas obras de Marx e Engels para tentar mostrar a origem social das doenças mentais e nervosas. Nessa perspectiva, procurava conciliar os conceitos marxistas e os da psicanálise. Em 1927, publicou uma obra de sexologia, A função do orgasmo, que dedicou a “meu mestre o professor Sigmund Freud”, e um ensaio, “Da análise do caráter” (que se tornaria depois A análise do carácter), no qual se introduzia o essencial de sua divergência teórica e técnica com o freudismo*. Acusava os psicanalistas de abandonar a libido* e querer domesticar o sexo, aceitando o princípio de uma adaptação do indivíduo aos ideais do capitalismo burguês. Em um primeiro tempo, embora não compartilhasse as opiniões do jovem, Freud o achou simpático: “Temos aqui um doutor Reich, escreveu ele a Lou Andreas-Salomé*, um bravo mas impetuoso criador de cavalos-de-batalha, que agora venera no orgasmo genital o contraveneno de toda neurose*.” Essa empatia duraria pouco, e Freud não tardaria a detestar Reich, a ponto de querer eliminá-lo do movimento psicanalítico. Nesse debate sobre a sexualidade*, que durava desde o fim do século XIX, a posição de Reich era simétrica à de Carl Gustav Jung*. Se este dessexualizava o sexo em benefício de uma espécie de impulso vital, Reich operava a dessexualização da libido em benefício de uma genitalidade biológica, fundada no desenvolvimento de uma felicidade orgástica, da qual a pulsão de morte estaria excluída. Depois de ter sido membro do Partido Social-Democrata austríaco, Reich aderiu em 1928 ao Partido Comunista e começou a militar com ardor, construindo uma mitologia operária, segundo a qual a genitalidade do proletariado seria isenta do “micróbio” burguês. Não hesitou em afirmar que as neuroses eram mais raras na classe operária do que nas camadas superiores da sociedade. Isso o levou a acentuar ainda mais a sua recusa da noção de pulsão de morte, já expressa em A função do orgasmo. Logo, criou uma Sociedade Socialista de Informação e de Pesquisas Sexuais, assim como clínicas de higiene sexual, destinadas à informação dos as-

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salariados. Paralelamente, continuou suas pesquisas e, em 1929, publicou na revista moscovita Sob a bandeira do marxismo o manifesto fundador do freudo-marxismo: “Materialismo dialético e psicanálise”. Nesse texto, fazia comparações entre a doutrina freudiana e o marxismo, para mostrar, contra os psicólogos bolcheviques que recusavam o caráter “idealista” da psicanálise, que esta era uma “ciência natural”, tendo como objeto a vida psíquica do homem. Por isso, não podia ser assimilada a um fenômeno de “decomposição originário da burguesia decadente”, como afirmavam seus detratores comunistas. Fascinado pela Revolução, Reich foi à Rússia* em setembro de 1929, e informou-se sobre os conflitos que opunham os freudo-marxistas aos antifreudianos. Em Moscou, encontrou-se com Vera Schmidt* e teve com ela longas entrevistas. Nessa época, era o único intelectual da Europa a conhecer a realidade dos debates russos sobre a psicanálise. Ao voltar da viagem, deixou Viena e foi para Berlim. Em 1930, fez uma análise didática com Sandor Rado* e integrou-se à Sociedade Psicanalítica. Criou então a Associação para uma Política Sexual Proletária, a SEXPOL, através da qual desenvolveu uma política de higiene mental dirigida à juventude. Assimilava a luta sexual à luta de classes e desafiava os costumes do conformismo burguês e do comunismo. Isso fez com que irritasse tanto os meios psicanalíticos (muito conservadores na política) e os comunistas stalinistas (adversários de suas teses libertárias). Excluído do Partido alemão, no exato momento da tomada do poder por Hitler, exilou-se na Dinamarca, onde teve que enfrentar uma campanha de difamação que o perseguiria até a Noruega. No mesmo ano de seu exílio, decidiu criticar frontalmente a psicanálise clássica, publicando um livro, A análise do caráter, no qual adotava posições idênticas às de Sandor Ferenczi* a respeito da técnica ativa. Essa obra devia ser publicada pelo Internationaler Psychoanalytischer Verlag, mas Freud se opôs, em razão do engajamento político de seu autor. Com seus discípulos, Freud optara por uma estratégia que consistia, por receio de eventuais represálias do governo, em excluir de suas fileiras os mili-

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tantes de extrema esquerda: Marie Langer* também pagaria o preço dessa política. Já no ano precedente, por ocasião da publicação de um artigo de Reich (sobre o caráter masoquista) no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse*, o mestre de Viena julgara necessário fazer algumas ressalvas, precisando em um parágrafo introdutório: “No âmbito da psicanálise, esta revista concede, a todo autor que lhe dirige um texto para publicação, plena liberdade para sua opinião; em contrapartida, a revista deixa aos autores a responsabilidade das opiniões que expõem. No caso do doutor Reich, o leitor deve ser informado de que o autor é membro do partido bolchevista. Ora, sabemos que o bolchevismo impõe, assim como as organizações eclesiásticas, limites para a pesquisa [...]. O editor teria feito o mesmo comentário, se lhe apresentassem um texto redigido por um membro da SJ (Societas Jesu).” Assim, foi realmente em razão de sua adesão ao comunismo, e não por uma discordância técnica e doutrinária, que Reich foi perseguido pelo movimento freudiano, pelo próprio Freud e também por Jones, que inicialmente lhe demonstrara simpatia. Por seu anticomunismo e seu conservadorismo, Jones não foi suficientemente sensível ao perigo que o nazismo* representava para o freudismo. Assim, aceitou, em 1933-1935, com o apoio tácito de Freud, manter uma política de “salvamento” da psicanálise na Alemanha, que teria graves conseqüências para a IPA. Ora, Reich pensava que, ao contrário, era preciso lutar até o fim contra o nazismo e preconizava, contra essa política de pretenso salvamento, a dissolução pura e simples da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG) já em 1933. No Congresso de Lucerna, em 1934, Reich foi excluído das fileiras da IPA, exatamente quando não era possível acusá-lo de bolchevista, pois ele já não era mais membro do Partido Comunista. Harald Schjelderup* e o grupo norueguês se opuseram a essa exclusão, que teria sérias repercussões na situação da psicanálise na Escandinávia*. Essa exclusão também teria um papel maior na evolução posterior de Reich. Inicialmente, ele juntou-se à esquerda freudiana nãocomunista, e começou um diálogo fecundo com


Reich, Wilhelm

Otto Fenichel*, a despeito de muitos desacordos. Entre 1930 e 1933, redigiu a sua mais bela obra, que se tornaria um clássico: A psicologia de massas do fascismo. Longe de considerar o fascismo como produto de uma política ou de uma situação econômica de uma nação ou de um grupo, via nele a expressão de uma estrutura inconsciente e estendia a definição à coletividade, para enfatizar que, definitivamente, o fascismo se explicava por uma insatisfação sexual das massas. Reich retomava assim um tema que fora tratado de outra maneira por Gustave Le Bon (1841-1931) e depois por Freud, em Psicologia das massas e análise do eu*, mas dando-lhe um conteúdo radicalmente novo no mesmo momento em que o nazismo se abatia sobre a Alemanha. Essa obra teria repercussão mundial, e a doutrina reichiana seria retomada por todos os teóricos do freudo-marxismo e posteriormente, por volta dos anos 1970, pelos movimentos libertários. A partir de 1933, e principalmente depois de sua dupla exclusão da IPA e do movimento comunista, Reich se sentiu terrivelmente perseguido. Separou-se de Annie Reich, mãe de suas duas filhas (Eva e Lore), que continuaria sendo membro da IPA e amiga de Fenichel. Reich viveu durante alguns anos com Elsa Lindenberg, uma bailarina que ele conheceu em Berlim e que foi a seu encontro em Copenhague, onde se tornou adepta de uma psicoterapia* fundamentada nos movimentos corporais. Em 1936, tratado de esquizofrênico pela comunidade freudiana, Reich afastou-se definitivamente da psicanálise, criando em Oslo um Instituto de Pesquisas Biológicas de Economia Sexual, no qual se reuniam médicos, psicólogos, educadores, sociólogos e assistentes de jardins de infância. Paralelamente, inventou um novo método, a vegetoterapia, futura orgonoterapia. Ligava o tratamento pela palavra à intervenção no corpo e apresentava a neurose como uma rigidez ou uma retração do organismo que era preciso tratar por exercícios de descontração muscular, a fim de fazer surgir o “reflexo orgástico”. Depois, atraído pela teoria dos bíons (partículas de energia vital), deu livre curso a seu fascínio pelas teorias físico-biológicas, tentando conciliar os temas cosmogônicos caros ao

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romantismo com a tecnologia quantitativa própria da sexologia. Em 1939, cada vez mais perseguido e sempre decepcionado pelos que o cercavam, Reich deixou a Europa definitivamente com sua nova companheira, Ilse Ollendorf, que se tornaria sua segunda mulher e lhe daria um filho. Elsa Lindenberg ficou em Oslo. Instalado em um chalé no Maine, perto da fronteira canadense, realizou o seu sonho: construir e pôr em prática uma teoria orgástica do universo, com os meios tecnológicos da época. Foi assim que pensou ter descoberto o “orgônio atmosférico” e, para captá-lo, a fim de curar os seus pacientes da sua impotência orgástica, construiu um centro de pesquisas, ao qual deu o nome de Orgonon. Ali, como o Frankenstein de Mary Shelley (1797-1851) revisto e corrigido pela estética do cinema hollywoodiano, experimentou os seus “acumuladores de orgônio”, verdadeiras máquinas destinadas a armazenar a famosa energia. Em dezembro de 1940, Reich pediu uma entrevista a Albert Einstein (1878-1955), com quem conversou durante cinco horas e que se encantou com suas “descobertas”, a ponto de verificar pessoalmente o funcionamento de um acumulador. Mas um mês depois, Einstein emitiu um veredito negativo sobre a experiência. Reich protestou, porém Einstein não respondeu às suas cartas. Nova decepção. A partir de janeiro de 1942, atacado por todos os lados, tratado de charlatão pelos psiquiatras e de esquizofrênico pelos meios psicanalíticos americanos, Reich mergulhou na loucura*, acreditando-se vítima do grande MODJU, ou seja, dos “fascistas vermelhos”. Esse nome, forjado por ele, era derivado de MO (cenigo), personagem anônimo que entregara Giordano Bruno (1548-1600) à Inquisição, e de DJOU (gachvili), aliás Stalin (1879-1953). Acusado de estelionato por ter comercializado seus acumuladores de orgônio, Reich foi preso depois de um lamentável processo, e morreu de ataque cardíaco na penitenciária de Lewisburg, na Pensilvânia, a 3 de novembro de 1957. Em maio, quando trabalhava na biblioteca da prisão, escreveu estas palavras para seu filho Peter: “Orgulho-me de estar em tão boa companhia, com Sócrates, Cristo, Bruno, Galileu, Moisés, Savonarola, Dostoievski, Gandhi,

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Reich-Rubinstein , Annie

Nehru, Mindszenty, Lutero e todos os que combateram contra o demônio da ignorância, os decretos ilegítimos e as chagas sociais... Você aprendeu a esperar em Deus assim como nós compreendemos a existência e o reino universais da Vida e do Amor.” Em 1952, Kurt Eissler realizou para os Sigmund Freud Archives* uma notável entrevista com Reich, publicada em 1967 sob o título Reich fala de Freud. Mas, sem explicações, Ernst Freud*, levado por Eissler, recusou a Mary Higgins, responsável pela publicação, o direito de citar as cartas que Freud escrevera a seu ex-discípulo. Estas tiveram até mesmo a sua consulta proibida na Biblioteca do Congresso*, em Washington. Reich tinha uma admiração sem limites por Freud, enquanto Freud se mostrou, para com ele, de uma ferocidade desmedida. É quase certo que a publicação dessa correspondência daria ao grande fundador uma imagem pouco semelhante à que lhe atribui a hagiografia oficial. Efetivamente, conhecem-se resumos do conteúdo provável dessas cartas, que mostram que Freud teve medo de Reich: de sua loucura, de sua celebridade, de seu engajamento político. Quanto a seus discípulos, estes tudo fizeram para se livrar de um homem que incomodava seu conformismo, questionava suas convicções e reatava com as origens “fliessianas” — cuja importância eles queriam apagar — da doutrina freudiana. Os adeptos de Reich não foram menos sectários na adoração de seu grande homem, cuja loucura negaram, para apresentá-lo como um herói sem medo e sem mácula, vítima de perseguições obstinadas. As teses reichianas tiveram uma grande influência na posteridade, tanto do lado do biologismo, quando retornaram com a gestalt-terapia*, quanto nos anos 1965-1975, quando reapareceram com a contestação libertária na maioria dos grandes países onde a psicanálise se implantara. • Wilhelm Reich, A função do orgasmo (Leipzig, Viena, 1927), S. Paulo, Brasiliense, 1995; Psicopatogia e sociologia da vida sexual (Paris, 1975), S. Paulo, Global; “Matérialisme dialectique et psychanalyse” (na revista Unter dem Banner des Marxismus, 1929, e depois em livro, em Copenhague, 1934), Paris, La Pensée Molle, 1970; A revolução sexual (Viena, 1930, Copenhague, 1936, N. York, 1962, Paris, 1968), Rio de

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Janeiro, Zahar, 1982; L’Irruption de la morale sexuelle (Berlim, 1932), Paris, Payot, 1972; Análise do caráter (Viena, 1933, N. York, 1945, 1949), S. Paulo, Martins Fontes, 1995; Psicologia de massas do fascismo (Copenhague, 1933, N. York, 1946), S. Paulo, Martins Fontes, 1988; The Discovery of the Orgone, 2, The Cancer Biopathy (N. York, 1948), traduzido para o francês sob o título Biopathie du cancer, Paris, Payot, 1975; Escuta, Zé ninguém (N. York, 1948), S. Paulo, Martins Fontes; L’Éther, dieu et le diable (N. York, 1951), Paris, Payot, 1973; O assassinato de Cristo (Maine, 1953), S. Paulo, Martins Fontes, 1995; Reich parle de Freud (N. York, 1967), Paris, Payot, 1970; Premiers écrits, 2 vols. (N. York, 1979), Paris, Payot, 1982 • Ilse Ollendorf-Reich, Wilhelm Reich (N. York, 1970), Paris, Belfond, 1970 • David Boadella, The Evolution of his Work, Londres, Vision Press, 1973 • L’Arc, número especial sobre Wilhelm Reich, 83, 1982 • Russel Jacoby, Otto Fenichel: destins de la gauche freudienne (N. York, 1983), Paris, PUF, 1986 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris,1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; GUATTARI, FÉLIX; PSICOSSOMÁTICA, MEDICINA; PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.

Reich-Rubinstein , Annie, née Pink (1902-1971) psiquiatra e psicanalista americana

Nascida em Viena*, de família judia, Annie Pink era filha de uma militante feminista. Depois de estudar medicina, orientou-se para a psicanálise* e participou das reuniões da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). No Movimento da Juventude Austríaca, encontrou Otto Fenichel*, que a apresentou a Wilhelm Reich*, de quem se tornou mulher depois de um início de análise com ele. Fez sua formação didática com Hermann Nunberg* e Anna Freud*. Instalou-se em Berlim. Integrada à “esquerda freudiana” e amiga de Edith Jacobson*, não aderiu, entretanto, às teses reichianas e continuou membro da International Psychoanalytical Association* (IPA). Depois de sua separação de Reich, deixou Berlim e reuniu-se a Fenichel, que estava em Praga. Ficou ali até 1939 e emigrou para os Estados Unidos*, depois de se casar com Arnold Rubinstein, um historiador judeu de origem russa. Fez uma longa carreira na New York Psychoanalytical Society (NYPS) e prosseguiu suas atividades clínicas no Hospital do Monte Sinai.


Reik, Theodor • Annie Reich, Psychoanalytic Contributions, N. York, International Universities Press, 1973 • Russel Jacoby, Otto Fenichel. Destins de la gauche freudienne (N. York, 1983), Paris, PUF, 1986.

➢ FREUDO-MARXISMO.

Reik, Theodor (1888-1969) psicanalista americano

Esse melômano vienense, apaixonado pelas melodias de Gustav Mahler*, grande leitor de Goethe e do poeta Richard Beer-Hofmann (1866-1965), erudito em literatura e antropologia*, também era um eminente praticante da psicanálise aplicada*, e tinha tal veneração por seu mestre Sigmund Freud* que não conseguia impedir-se de imitá-lo em todos os aspectos. Vestia-se como Freud, usava uma barba como a de Freud e fumava os mesmos charutos que Freud. Por isso, no primeiro círculo vienense, recebeu o apelido de “símile Freud”. Proveniente de uma modesta família judia de origem húngara, Theodor Reik sofreu na infância com a depressão de sua mãe e com os conflitos entre seu avô materno, judeu ortodoxo e sábio talmudista, e seu pai, livre-pensador. Este morreu quando ele tinha 18 anos. Assim, viu-se obrigado a trabalhar para ajudar a família, enquanto sofria de crises de angústia doentias, que se traduziam por auto-acusações aberrantes e mortificações ascéticas. Entretanto, estudou letras e filosofia na Universidade de Viena* e dedicou sua tese ao estudo de um relato de Gustave Flaubert (18211880), A tentação de Santo Antão. Depois, editou cerca de cem publicações, entre livros e artigos, em alemão e em inglês. Freud gostava desse homem neurótico, sempre à procura de um pai, que ele adotou como um filho espiritual. Em 1911, estimulou-o a aderir à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), mas recusou-se a analisá-lo e enviou-o para Karl Abraham*, em Berlim. Não sendo médico e não tendo fortuna pessoal, Reik teve dificuldade em ganhar a vida como clínico. Assim, foi sustentado por Freud, que lhe dava uma soma mensal e pagou a sua análise com Abraham. Ao voltar da Primeira Guerra Mundial, durante a qual serviu no exército austríaco, Reik foi acometido de distúrbios cardíacos, sentindo muitas vezes o terror de morrer. Freud

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aceitou então analisá-lo, em um tratamento interminável que se desenrolou em dois tempos. Em 1925, estourou o caso do processo por exercício ilegal da medicina, que iria tornar Reik célebre e provocar uma verdadeira tempestade no seio do movimento psicanalítico internacional, principalmente entre europeus e americanos. Acusado de praticar a psicanálise* sem ser médico, Reik foi defendido por Freud, que publicou nessa ocasião uma obra, A questão da análise leiga*, na qual defendia os não-médicos, enfatizando o caráter leigo da prática psicanalítica. O caso tomou uma dimensão considerável no seio da International Psychoanalytical Association* (IPA), a ponto de dividir a comunidade freudiana: de um lado, os partidários da psicanálise dita médica (em geral, americanos); do outro, seus adversários (em geral, europeus), apoiados por Marie Bonaparte*. Atingido por esse tumulto, Reik se instalou em Berlim em 1928 com a esperança de fazer carreira. Mas quando os nazistas chegaram ao poder, foi obrigado a emigrar, primeiro para Leiden, na Holanda, e depois para Nova York, onde chegou em junho de 1938, depois de ter feito uma última visita a Freud, também exilado em Londres. No continente americano, as dificuldades continuaram. Apesar de sua notoriedade, Reik, sem o título de médico, nunca pôde integrar-se à New York Psychoanalytic Society (NYPS). Como outros psicanalistas emigrados (Wilhelm Stekel* e Franz Alexander*, notadamente), contestou os princípios ortodoxos do tratamento e pregou a humanização da técnica, desenvolvendo a tese do “terceiro ouvido”, segundo a qual o analista devia usar sua intuição na relação contratransferencial com o paciente. Theodor Reik morreu de uma crise cardíaca. • Theodor Reik, Écouter avec la troisième oreille. L’Expérience intérieure d’un psychanalyste (N. York, 1948), Paris, Epi, 1976; Fragment d’une grande confession (N. York, 1949), Paris, Denoël, 1973; Variations sur un thème de Gustav Mahler (N. York, 1953), Paris, Denoël, 1972; Trente ans avec Freud (N. York, 1956), Paris, Denoël, 1976 • Jean-Marc Alby, Theodor Reik. Le Trajet d’un psychanalyste de Vienne “fin-desiècle” aux États-Unis, Paris, Clancier-Guénaud, 1985.

➢ ANÁLISE DIDÁTICA; ANÁLISE LEIGA; CONTRATRANSFERÊNCIA; ESTADOS UNIDOS; PAÍSES BAIXOS; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

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rejeição

rejeição ➢ FORACLUSÃO.

religião ➢ BEIRNAERT, LOUIS; FUTURO DE UMA ILUSÃO, O; HAITZMANN, CHRISTOPHER; IGREJA; LAIR LAMOTTE, PAULINE; PARANÓIA; PFISTER, OSKAR; SCHREBER, DANIEL PAUL.

renegação al. Verleugnung; esp. desmentida; fr. déni; ing. disavowal Termo criado por Sigmund Freud*, em 1923, para caracterizar um mecanismo de defesa* pelo qual o sujeito* se recusa a reconhecer a realidade de uma percepção negativa e, mais particularmente, a ausência do pênis na mulher. No Brasil também se usam: “desmentido” e “recusa da realidade”.

Foi num artigo de 1923 sobre a organização genital infantil que Freud propôs pela primeira vez a idéia de renegação. Em seguida, fez dela um mecanismo próprio do reconhecimento de uma realidade faltosa no contexto da diferença sexual* e, por fim, aproximou-a com o processo da psicose*, em contraste com o recalque*, que é característico da neurose*. Se o neurótico recalca as exigências do isso*, o psicótico nega a realidade externa para reconstruir uma realidade alucinatória. Em 1927, em seu artigo sobre o fetichismo* e em seguida a uma discussão epistolar com René Laforgue* sobre a escotomização, Freud definiu a renegação como um mecanismo perverso através do qual o sujeito faz com que coexistam duas realidades contraditórias: a recusa e o reconhecimento da ausência do pênis na mulher. Daí o fato de a clivagem* do eu não mais caracterizar unicamente a psicose, mas também a perversão*. Em 1967, o psicanalista francês Guy Rosolato propôs traduzir a Verleugnung por désaveu [desmentido, retratação] (em vez de déni), para deixar bem caracterizada a dupla operação do reconhecimento e de sua recusa, e para distinguir a realidade que essa palavra abarca do mecanismo da denegação*. • Sigmund Freud, “A organização genital infantil da libido: uma interpolação na teoria da sexualidade” (1923), ESB,

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XIX, 179-88; GW, XIII, 293-8; SE, XIX, 141-5; OC, XVI, 303-9; “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924), ESB, XIX, 229-38; GW, III, 363-8; SE, XIX, 183-7; OC, XVII, 35-43; “Algumas conseqüências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos” (1925), ESB, XIX, 285-94; GW, XIV, 19-30; SE, XIX, 248-58; OC, XVII, 189-202; “Fetichismo” (1927), ESB, XXI, 179-88; GW, XIV, 311-7; SE, XXI, 147-57; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969; “A clivagem do eu no processo de defesa” (1938), ESB, XXIII, 309-14; GW, XVII, 59-62; SE, XXIII, 271-8; in Résultats, idées, problèmes, II, Paris, PUF, 1985, 283-7 • Guy Rosolato, “Étude des perversions sexuelles à partir du fétichisme”, in Le Désir et la perversion, Paris, Seuil, 1967, 9-52 • Octave Mannoni, “Je sais bien mais quand même”, in Clefs pour l’imaginaire, Paris, Seuil, 1969.

➢ CASTRAÇÃO; FORACLUSÃO; FRUSTRAÇÃO; PANKEJEFF, SERGUEI CONSTANTINOVITCH; PICHON, ÉDOUARD.

repetição, compulsão à al. Wiederholungszwang; esp. compulsión de repetición; fr. compulsion de répétition; ing. compulsion to repeat; repetition compulsion Ainda que só tenha desenvolvido todas as suas implicações teóricas em 1920, em Mais-além do princípio de prazer*, Sigmund Freud* relacionou desde muito cedo as idéias de compulsão (Zwang) e repetição (Wiederholung) para dar conta de um processo inconsciente* e, como tal, impossível de dominar, que obriga o sujeito* a reproduzir seqüências (atos, idéias, pensamentos ou sonhos*) que, em sua origem, foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso. A compulsão à repetição provém do campo pulsional, do qual possui o caráter de uma insistência conservadora.

A idéia de repetição, aproximada desde cedo da de compulsão, é uma das dimensões constitutivas da noção de inconsciente na doutrina freudiana. Desde 1893, em sua “Comunicação preliminar”, Freud e Josef Breuer* frisaram a importância da repetição em sua abordagem da histeria*, ao falarem da rememoração de um sofrimento moral ligado a um antigo trauma, e concluíram com o célebre aforismo: “É sobretudo de reminiscências que sofre a histérica.” O termo compulsão foi empregado por Freud numa carta a Wilhelm Fliess* datada de 7 de fevereiro de 1894. Nesta, ele falou de sua dificuldade de ligar a neurose obsessiva* à


repetição, compulsão à

sexualidade* e evocou, para ilustrar sua colocação, um caso clínico a propósito do qual falou em “micção compulsiva”. Em seu “Projeto para uma psicologia científica”, Freud desenvolveu a idéia de facilitação, na qual podemos discernir a prefiguração da compulsão à repetição: algumas quantidades de energia conseguem transpor as barreiras de contato, com isso ocasionando uma dor, mas também abrindo uma passagem que tenderá a se tornar permanente e, como tal, fonte de prazer, apesar da dor sistematicamente reavivada. Quando, em sua carta a Wilhelm Fliess de 6 de dezembro de 1896, Freud definiu pela primeira vez sua concepção do aparelho psíquico e descreveu as superestruturas das “neuropsicoses sexuais”, ele constatou a necessidade de ir mais longe e “explicar por que incidentes sexuais, geradores de prazer no momento de sua produção, provocam desprazer em certos sujeitos quando de seu posterior reaparecimento sob a forma de lembranças, ao passo que, em outros, dão origem a compulsões”. A idéia de uma repetição inexorável, passível de ser assimilada à do destino (mais tarde, Freud identificaria neuroses* de destino, próximas das neuroses de fracasso definidas por René Laforgue*), foi contemporânea da descoberta do Édipo, que ele participou a Fliess na carta de 15 de outubro de 1897: “Encontrei em mim, como em toda parte, sentimentos amorosos em relação à minha mãe e de ciúme a respeito de meu pai, sentimentos estes que, penso eu, são comuns a todas as crianças pequenas (...). Se realmente é assim, é compreensível, a despeito de todas as objeções racionais que se opõem à hipótese de uma fatalidade inexorável, o efeito cativante de Édipo rei (...). A lenda grega apoderou-se de uma compulsão que todos reconhecem, porque todos a sentiram.” Freud começou a fazer da compulsão à repetição um objeto autônomo de sua reflexão em 1914, num artigo intitulado “Recordar, repetir, elaborar”. De uma análise para outra, identificou a permanência dessa compulsão à repetição: ela estaria ligada à transferência*, mesmo não constituindo a totalidade da transferência. Ela é uma maneira de o paciente se lembrar, maneira ainda mais insistente na medida em que ele resiste a uma rememoração cuja cono-

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tação sexual lhe desperta vergonha. “É no manejo da transferência”, escreveu Freud, “que encontramos o principal meio de barrar a compulsão à repetição e transformá-la numa razão para lembrar. Tornamos essa compulsão anódina, ou mesmo útil, limitando seus direitos, não permitindo que ela subsista senão num domínio circunscrito. Facultamos seu acesso à transferência, essa espécie de arena onde lhe será permitido manifestar-se com liberdade quase completa, e onde lhe pediremos que nos revele tudo o que se dissimula de patogênico no psiquismo do sujeito*.” Em Mais-além do princípio de prazer*, observando fatos do cotidiano, como seu neto a brincar incansavelmente de atirar um carretel por cima da grade do berço e em seguida apanhá-lo de volta, puxando-o pelo barbante e pontuando seus gestos com duas exclamações, Fort (saiu) e Da (voltou), e também observando as neuroses de guerra*, nas quais os sujeitos não cessam de reviver episódios dolorosos, Freud aprofundou sua reflexão. Se essas formas de compulsão à repetição eram realmente o aspecto assumido pelo retorno do recalque, era impossível sustentar que obedecessem unicamente à busca do prazer: com efeito, restava uma espécie de resíduo que escapava a essa determinação, um “mais-além do princípio de prazer”. Assim, Freud foi conduzido a desenvolver o que ele mesmo reconheceu ser uma especulação, porém uma especulação a que jamais renunciaria. Essa compulsão, essa força pulsional que produz a repetição da dor, traduz a impossibilidade de escapar de um movimento de regressão, quer seu conteúdo seja desprazeroso ou não. Esse movimento regressivo levou, por recorrência, a postular a existência de uma tendência para um retorno à origem, ao estado de repouso absoluto, ao estado de não vida, àquele estado anterior à vida que pressupõe a passagem pela morte. Conforme a postura que adotaram diante do conceito de pulsão de morte, os analistas freudianos atribuíram maior ou menor importância à idéia de compulsão à repetição, que constitui as premissas daquele. Por esse ponto de vista, Jacques Lacan* ocupou uma posição exemplar, ao fazer da repetição um dos “quatro conceitos fundamentais

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repressão

da psicanálise”, título dado a seu seminário do ano de 1964. Sensível ao vínculo postulado por Freud entre a repetição e o inconsciente, Lacan observou que a repetição inconsciente nunca é uma repetição no sentido habitual de reprodução do idêntico: a repetição é o movimento, ou melhor, a pulsação que subjaz à busca de um objeto, de uma coisa (das Ding) sempre situada além desta ou daquela coisa particular e, por isso mesmo, impossível de atingir. Por exemplo, é impossível reviver uma impressão vivida por ocasião de uma primeira experiência. “Uma representação teatral”, explica Freud em Maisalém do princípio de prazer, jamais consegue produzir, na segunda vez, a impressão que deixou na primeira; com efeito, é difícil fazer um adulto que gostou muito de um livro decidir-se a relê-lo prontamente, na íntegra. A novidade é sempre a condição do gozo*.” Sabemos que, para Lacan, o gozo encontra sua origem na busca, tão repetitiva quanto inútil, do momento da satisfação de uma necessidade, que só se constitui como demanda no só-depois da resposta que lhe foi dada. Lacan distingue duas ordens de repetição, as quais analisa numa perspectiva aristotélica: por um lado, a tiquê, encontro dominado pelo acaso — de certo modo, ela é o contrário do kairos, o encontro que ocorre no “momento oportuno” — e que podemos assimilar ao trauma, ao choque imprevisível e incontrolável. Esse encontro só pode ser simbolizado, esvaziado ou domesticado através da fala, e sua repetição traduz a busca dessa simbolização. Isso porque, se esta permite escapar à lembrança do trauma, ela só pode consumar-se ao revivê-lo ininterruptamente, como um pesadelo, na fantasia* ou no sonho*. Por outro lado, existe o automaton, repetição simbólica não do mesmo, mas da origem, próxima da compulsão à repetição freudiana, que se articula com a pulsão de morte. Esse segundo tipo de repetição é inscrito por Lacan, no âmbito de sua teoria do significante*, como depositário da origem da repetição pela qual todo sujeito é não apenas constituído, mas guiado para os diversos “lugares” que ocupará ao longo de sua vida. Desse processo repetitivo, segundo o qual o significante atribui ao sujeito seus lugares, Lacan deu uma das mais belas ilustrações que existem, em seu célebre “Semi-

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nário sobre ‘A carta roubada’”, a leitura psicanalítica do conto de Edgar Allan Poe (18091849) que inaugura o volume dos Escritos. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986; “As neuropsicoses de defesa” (1894), ESB, III, 57-74; GW, 1, 57-74; SE, III, 41-61; OC, III, 1-18; “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ESB, III, 187-216; GW, I, 377-403; SE, III, 157-85; OC, III, 121-46; “Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907), ESB, IX, 121-36; SE, IX, 115-27; in L’Avenir d’une illusion (1927), Paris, PUF, 1971; “Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II)” (1914), ESB, XII, 193-207; GW, X, 126-36; SE, XII, 145-56; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, 104-15; “O estranho” (1919), ESB, XVII, 275-314; GW, XII, 229-68; SE, XVII, 217-56; in L’Inquiétante Étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985, 209-63; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; “Análise terminável e interminável” (1937), ESB, XXIII, 247-90; GW, XVI, 59-99; SE, XXIII, 209-53; in Résultats, idées, problèmes, vol.2, Paris, PUF, 1985, 231-68 • Sigmund Freud e Josef Breuer, Estudos sobre a histeria (1895), ESB, II; SE, II; Paris, PUF, 1956 • Edson Luiz André de Sousa, “Repetição, compulsão à”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 448-53 • Kurt Eissler, Freud sur le front des névroses de guerre (Viena, 1979), Paris, PUF, 1992 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994; “La Notion de kairos en psychothérapie (temps pour comprendre et interprétation vraie)”, in Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995, 239-53 • Jacques Lacan, “O seminário sobre ‘A carta roubada’” (1955), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 13-68; O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Edgar Allan Poe, “La Lettre volée”, in Histoires, Paris, Gallimard, col. “Pléiade”, 1940, 45-64.

➢ RESISTÊNCIA.

repressão al. Unterdrückung; esp.; sofocación; fr. répression; ing. suppression


resistência Termo empregado em psicologia para designar a inibição voluntária de uma conduta consciente. Em psicanálise*, a repressão é uma operação psíquica que tende a suprimir conscientemente uma idéia ou um afeto cujo conteúdo é desagradável. No Brasil também se usa “supressão”.

Essa operação e a palavra que a designa não devem ser confundidas com o recalque*, que decorre de um mecanismo inconsciente. Na língua inglesa, a palavra repression foi utilizada por James Strachey*, a conselho de Sigmund Freud*, para traduzir o conceito de recalque (Verdrängung). Daí a confusão entre esses dois mecanismos. • Riccardo Steiner, “Une marque internationale universelle d’authenticité. Quelques observations sur l’histoire de la traduction anglaise de l’oeuvre de Sigmund Freud, en particulier sur les termes techniques”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 71-188.

repúdio ➢ FORACLUSÃO.

resistência al. Widerstand; esp. resistencia; fr. résistance; ing. resistance Termo empregado em psicanálise* para designar o conjunto das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise.

No vocabulário freudiano, a palavra resistência aparece de acordo com três modalidades: uma inspira-se na reflexão sobre a técnica e a prática analíticas, cuja evolução determinaria a do estatuto atribuído às possíveis formas de resistência do paciente; a segunda é de ordem teórica e foi vivamente afetada pela instauração da segunda tópica*; a terceira, por fim, imutável durante toda a vida de Sigmund Freud*, é de ordem interpretativa. Relaciona-se com as manifestações de hostilidade e as formas de rejeição de que a psicanálise possa ter sido objeto. Quanto a esse ponto, a historiografia freudiana é rica em toda sorte de contribuições. Por este último ponto de vista, a utilização que Freud faz da palavra é totalmente alheia ao contexto terapêutico. Assim, Freud interpreta como respostas defensivas (resistências) as

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oposições à psicanálise, sejam quais forem suas origens e suas razões explícitas. Convém notar que essa postura é coerente com a constatação que ele fez desde 1917, qual seja, a de que a psicanálise desferiria contra o narcisismo* humano um ataque comparável às feridas geradas pelas descobertas de Nicolau Copérnico (14731543) e Charles Darwin (1809-1882). A aproximação entre estes, aliás, tinha sido feita, uns cinqüenta anos antes, por Ernst Haeckel*, como estabeleceu Paul-Laurent Assoun. O processo da resistência participou, tanto quanto a transferência*, do nascimento da psicanálise. Só que esteve ainda mais diretamente associado a ele. Com efeito, Freud empregou essa palavra assim que esbarrou nas primeiras dificuldades na prática da hipnose* e da sugestão*, chegando até a reconhecer como “legítimas” as resistências dos pacientes confrontados com a “tirania da sugestão”. A passagem para o método psicanalítico certamente não pôs fim às resistências, mas elas mudaram de estatuto. Tornaram-se passíveis de interpretação* e, portanto, passíveis de ser superadas. Desde os primórdios de sua prática psicanalítica, a atitude de Freud frente à questão do tratamento das resistências assumiu duas formas. Se a resistência foi invariavelmente reconhecida como um entrave ao trabalho analítico, em especial sob a forma do desrespeito à regra fundamental*, a princípio Freud julgou ser possível transpor esse obstáculo, explicando seu conteúdo ao paciente com insistência e convicção. Num segundo tempo, ele passou a considerar a resistência como um dado clínico, sintoma do que estaria recalcado. Assim, ela passou a participar do processo de recalque* e a depender tanto da interpretação quanto a transferência*, sob cuja forma freqüentemente se manifesta. No contexto de sua segunda tópica, Freud identificou cinco formas de resistência: três delas têm sua sede no eu*, uma no isso*, e a última, no supereu*. As resistências ligadas ao eu podem manifestar-se sob a forma do recalque como tal, sob a da resistência da transferência, ou ainda como um lucro secundário ligado à persistência da neurose, sendo a cura vivida como um perigo para o eu. A resistência, cuja

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sede encontra-se no isso, leva à compulsão à repetição*. Pode ser superada quando o sujeito integra uma interpretação (elaboração*). A resistência do supereu exprime-se em termos de culpa inconsciente e necessidade de punição. Essa classificação atesta a recusa freudiana de reduzir a resistência unicamente às defesas do eu. Nessa perspectiva, Freud insiste na existência de elementos residuais da resistência, elementos irredutíveis que ele interpreta de maneiras variadas, mas que podemos situar, a título de hipótese, do lado da pulsão* de morte. Diversamente dos conceitos de transferência e contratransferência*, o de resistência suscitou muito poucas discussões na descendência freudiana, com exceção de Melanie Klein*, que assimilou a resistência quase que exclusivamente a uma transferência negativa. Essa tese foi um dos temas de debate durante as Grandes Controvérsias* que a opuseram a Anna Freud*. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986 • Sigmund Freud e Josef Breuer, Estudos sobre a histeria (1895), ESB, II; SE, II; Paris, PUF, 1956; A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “Sobre a psicoterapia” (1905), ESB, VII, 267-82; GW, V, 13-26; SE, VII, 25568; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, 9-23; Conferências introdutórias sobre psicanálise (1916-1917), ESB, XV-XVI; GW, XI; SE, XV-XVI; Paris, Payot, 1973; “Uma dificuldade da psicanálise” (1917), ESB, XVIII, 171-84; SE, XVIII; in L’Inquiétante étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; Inibições, sintomas e angústia (1925), ESB, XX, 107-98; GW, XIV, 113-205; SE, XX, 87-172; OC, XVII, 203-86 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Paul-Laurent Assoun, Metapsicologia freudiana: uma introdução (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996.

➢ CONTRATRANSFERÊNCIA; HIPNOSE; NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE; SUGESTÃO ; TRANSFERÊNCIA.

Rêve Éveillé Dirigé, Groupe International du ➢ PSICOTERAPIA.

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Rickman, John (1891-1951) psiquiatra e psicanalista inglês

Membro da seita protestante dos quakers, que esteve na origem da psicoterapia* baseada na dinâmica de grupos nos Estados Unidos*, John Rickman é conhecido por seu papel pioneiro na organização da psicanálise na GrãBretanha*, ao lado de Ernest Jones* e de Edward Glover*, por seu pacifismo militante, por sua ação de reformador da psiquiatria em tempo de guerra e, de modo mais geral, por suas idéias sobre a psicologia dos pequenos grupos. Depois de concluir o curso de medicina em 1916, apresentou-se como voluntário para ajudar as vítimas da guerra na Rússia*. Ao voltar, orientouse para a psiquiatria e depois para a psicanálise*. Em Viena*, em 1920, fez um tratamento de formação com Sigmund Freud*, antes de se integrar, quatro anos mais tarde, à British Psychoanalytic Society (BPS). Posteriormente, fez mais duas análises, uma com Sandor Ferenczi*, outra com Melanie Klein*. Em 1928, redigiu um Index Psychoanalyticus, obra erudita, na qual recenseava e resumia a quase totalidade dos livros e artigos publicados sobre psicanálise entre 1893 e 1926, um verdadeiro balanço do saber freudiano da época. Analisado por três das mais brilhantes personalidades do movimento psicanalítico, Rickman não aderiu a nenhum dogma e, embora estivesse convencido da correção das teorias kleinianas, manteve a independência em relação a um grupo marcado pelo sectarismo e pela idolatria do seu líder intelectual. Aliás, entrou em conflito com os kleinianos, declarando que a figura paterna tinha tanta importância quanto a da mãe nas fantasias infantis. Depois das Grandes Controvérsias*, afastou-se de Melanie Klein e integrou-se ao Grupo dos Independentes*. Durante a Segunda Guerra Mundial, começou a experimentar o princípio do “grupo sem líder”, no âmbito do War Office Selection Board (WOSB). Tratava-se de organizar oficiais em pequenas células, a fim de selecioná-los e obter deles um melhor rendimento. Cada grupo definia o objeto de seu trabalho, sob a direção de um terapeuta, que apoiava todos os homens do grupo sem ocupar o lugar de chefe nem o de um pai autoritário. Baseado nessa experiência, Ri-


Rittmeister, John

ckman instalou, segundo os mesmos princípios, a primeira comunidade terapêutica do exército no hospital militar de Northfield, perto de Birmingham, para onde eram enviados homens julgados inúteis ou inadaptados. Se essa experiência foi um sucesso, a ponto de despertar a admiração de Jacques Lacan*, ela se revelou desastrosa quando foi tomada como modelo por Rickman, por ocasião da pesquisa realizada em 1946 em Berlim com os psicanalistas que haviam prosseguido suas atividades sob o nazismo*, em especial Carl Müller-Braunschweig*, Felix Boehm*, Harald Schultz-Hencke* e Werner Kemper*. Sem a menor preocupação com o engajamento político desses homens, que haviam todos colaborado com o nazismo, sob a direção de Matthias Heinrich Göring*, Rickman quis saber primeiro se eles podiam ser reintegrados à International Psychoanalytical Association* (IPA), a fim de se tornarem bons psicanalistas didatas. A teoria dos pequenos grupos serviu pois, finalmente, para fazer com que ex-nazistas entrassem nas fileiras da IPA, ao invés de favorecer a depuração. E foi Werner Kemper quem mais se beneficiou desse procedimento, em virtude do julgamento feito por Rickman sobre a solidez da sua personalidade psíquica. • John Rickman, Index Psychoanalyticus 1893-1926, Londres, Hogarth Press, 1928; Selected Contributions to Psycho-Analysis, Londres, Hogarth, 1957; “Compterendu du docteur John Rickman à Berlin pour interroger les psychanalystes. 14 et 15 octobre 1946”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 1, 1988 • Sylvia M. Payne, ”Obituary, Dr. John Rickman”, IJP, vol.XXXIII, 1954, 54-60 • Pearl King, “Sur les activités et l’influence des psychanalystes durant la Deuxième Guerre mondiale”, ibid., 133-51 • R.H. Ahrenfeld, Psychiatry in the British Army in the Second World War, Londres, Routledge, 1955 • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (N. York 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Les Controverses Anna Freud/Melanie Klein (Londres, 1991), Pearl King e Riccardo Steiner (orgs.), Paris, PUF, 1996 • Eric Rayner, Le Groupe des “Indépendants” et la psychanalyse britannique (Londres, 1990), Paris, PUF, 1994.

➢ BION, WILFRED RUPRECHT; NEUROSE DE GUERRA.

Rie, Oskar (1863-1931) médico austríaco

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Pediatra, parceiro de Sigmund Freud* no jogo de cartas e cunhado de Wilhelm Fliess*, Oskar Rie foi também o médico da família Freud em Viena*. Co-autor do artigo de 1891 “Estudo clínico da hemiplegia cerebral da infância”, apareceu sob o nome de Otto no célebre sonho da “Injeção de Irma”*, relatado em A Interpretação dos sonhos*. A partir de 1908, participou das reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Sua primeira filha, Margarethe, casou-se com Hermann Nunberg*. Marianne, a mais nova, foi analisada por Freud, que a chamou de sua “filha adotiva”. Ela se casou com Ernst Kris*, tornou-se psicanalista sob o nome de Marianne Kris* e deu à filha o nome de Anna. • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

Riklin, Franz (1878-1938) psiquiatra suíço

Depois de ter sido secretário da International Psychoanalytical Association* (IPA) e redator do Korrespondanzblatt, acompanhou Carl Gustav Jung* na sua ruptura com Sigmund Freud* em 1913.

Rittmeister, John (1898-1943) psiquiatra e psicanalista alemão

A história de John Rittmeister e de suas relações com Werner Kemper* durante o III Reich é uma das páginas mais sombrias dos anais do freudismo*. Ela é parte da aventura dos militantes da Orquestra Vermelha, tão bem contada pelo escritor Gilles Perrault. Imersos na organização stalinista dos partidos comunistas ocidentais, dominados por um Komintern que não hesitava, às vezes, em entregá-los ao inimigo, eles foram entretanto heróis da luta antinazista, evoluindo no mundo estranho dos agentes duplos, dos espiões, das traições e das reviravoltas intempestivas. Nascido em Hamburgo, em uma velha família de comerciantes abastados, Rittmeister continuou seus estudos de medicina em Paris, Londres e Zurique, onde passou pela clínica do

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Rittmeister, John

Hospital Burghölzli. Instalando-se na Suíça*, interessou-se pelas teses de Carl Gustav Jung* e filiou-se a círculos marxistas. Em 1933, acusou o junguismo de ser “porta-voz da alma alemã”. Foi então que se orientou para as idéias freudianas, continuando a ser militante na esquerda comunista. Mesmo afirmando-se herdeiro da tradição do romantismo alemão e do pessimismo de Schopenhauer, Rittmeister adotou os princípios do pensamento freudiano em nome de um humanismo universalista, ao qual opunha o egoísmo “burguês”, místico e introvertido de Jung e seus partidários. Ameaçado de expulsão por suas atividades militantes, foi para a Alemanha*, a fim de continuar na clandestinidade a sua luta contra o nazismo*. O instituto “arianizado” fundado por Matthias Heinrich Göring* serviu de “cobertura” para as suas atividades. Nele, exerceu funções de diretor da policlínica, ao mesmo tempo em que prosseguia uma formação psicanalítica com Werner Kemper e entrava para uma organização de resistência. Em 1939, casou-se com Eva Knieper, uma atriz que pertencia à mesma rede. Em 1942, ambos se tornaram membros da famosa organização comunista Orquestra Vermelha, dirigida, da França*, por Leopold Trepper e, em Berlim, por Harro Schulze-Boysen, oficial da aeronáutica que conseguira infiltrarse nos serviços de informação alemães da Luftwaffe, e conseqüentemente do marechal Hermann Göring, em benefício da União Soviética. É difícil saber em que condições Rittmeister foi detido pela Gestapo, com sua mulher, em 26 de setembro de 1942. Teria sido denunciado por Werner Kemper ou foi simplesmente apanhado na diligência policial contra a Orquestra Vermelha, depois da prisão de Schulze-Boysen um mês antes? O papel de Werner Kemper neste caso não ficou, de modo algum, esclarecido. Kemper analisava tanto Rittmeister quanto Erna, mulher de Matthias Heinrich Göring. Em sua autobiografia, ele afirmou ter “protegido” Rittmeister, usando com Matthias a influência transferencial que adquirira sobre Erna. Mas, se tivesse sido assim, por que Rittmeister não foi prevenido sobre a iminência de sua detenção? Em 13 de maio de 1943, John Rittmeister foi guilhotinado sem maiores formalidades, tendo

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escrito um diário de prisão no qual estão estas palavras: “Santo Agostinho e a psicanálise: levar a sério a vida interior. Definir os pecados, remeter a textos. As paixões, etc., sim, mas incluindo o social e a província [...]. Agora, estou sentado aqui [sob a vigilância dos guardas], diante do meu último e pequeno quarto de hora. Estou muito calmo, muito comigo. Fumo cigarros, ainda recebi um pacotinho de manteiga e de cacau [...].” Esse caso contribuiu para desestabilizar a família Göring. Aos olhos de Hitler e da alta hierarquia nazista, Hermann tinha sido incapaz, na realidade, de impedir a Orquestra Vermelha de desenvolver suas atividades de espionagem no próprio centro da direção da Luftwaffe. Quanto a Matthias, este tremia de medo com a idéia de ver suas atividades psicoterapêuticas comprometidas pela Gestapo, por causa da infiltração em seu instituto. Foi então que inverteu a situação a seu favor, explicando a todos os seus colaboradores que Rittmeister era, antes de tudo, um traidor de seu país, pois tinha transmitido informações a uma potência estrangeira em tempo de guerra. Essa versão da história, que transformava um comunista antinazista em traidor da pátria, foi aceita pelo conjunto dos psicoterapeutas e psicanalistas do Instituto Göring e, evidentemente, por Felix Boehm*, Kemper, Harald Schultz-Hencke* e depois por Ernest Jones* e pelo conjunto da direção da International Psychoanalytical Association* (IPA). Mas aconteceu algo pior: depois da capitulação da Alemanha, Kemper e Schultz-Hencke fizeram parte de uma reunião de psiquiatras na parte leste de Berlim ocupada por tropas soviéticas. Contribuíram assim para a reconstrução, na República Democrática Alemã (DDR), de uma escola de psicoterapia* de tipo pavloviano, visando liquidar o freudismo*. Depois de colaborar com o nazismo para a destruição da psicanálise, por causa de sua judeidade*, esses dois homens participaram pois, com igual paixão, de uma política stalinista de rejeição ao freudismo que se estenderia a todos os países dominados pelo socialismo real depois da partilha de Ialta. E o destino heróico de Rittmeister foi transformado em ficção mentirosa. Para os alemães ocidentais, esse brilhante intelectual freudiano foi considerado durante 40 anos como um es-


Riviere, Joan

pião soviético traidor da pátria, enquanto que, para os alemães orientais, tornou-se uma figura legendária e gloriosa, não do comunismo*, mas da epopéia stalinista. • Werner Kemper, Psychotherapie in Selbstdarstellungen, Berna, Stuttgart, Viena, Hans Huber Verlag, 1973 • Gilles Perrault, L’Orchestre rouge, Paris, Fayard, 1976 • Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos traduzidos e apresentados por JeanLuc Evard, Paris, Confrontation, 1984 • Chaim S. Katz (org.), Psicanálise e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Geoffrey Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford, 1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987 • René Major, De l’élection, Paris, Aubier, 1986 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987 • Ludger M. Hermanns, “Condições e limites da produtividade científica dos psicanalistas na Alemanha de 1933 a 1945”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 1 (1988), Rio de Janeiro, Imago, 1990, 67-86 • Karen Brecht, “A psicanálise na Alemanha nazista: adaptação à instituição, relações entre psicanalistas judeus e não judeus”, ibid., 87-98 • “Compte-rendu du docteur John Rickman à Berein pour interroger les psychanalystes. 14 et 15 octobre 1946”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 1, 1988.

➢ BRASIL; CHERTOK, LÉON; FREUDO-MARXISMO; JACOBSON, EDITH; LAFORGUE, RENÉ; MAUCO, GEORGES; MÜLLER-BRAUNSCHWEIG, CARL; RÚSSIA.

Riviere, Joan, née Verrall (1883-1962) psicanalista inglesa

Originária da grande burguesia intelectual inglesa e ligada ao grupo de Bloomsbury, Joan Riviere era de uma beleza melancólica e vitoriana. Elegante e refinada, exibindo o seu orgulho de ser aristocrata, sofria porém de insônia, dores de cabeça, angústias e não cessava de se desvalorizar: “Ela não suporta elogios, diria Sigmund Freud*, assim como não aceita falhas, protestos ou rejeição.” Depois de várias internações em casas de saúde, fez uma análise com Ernest Jones* e teve uma ligação com ele. O tratamento se desenrolou em uma atmosfera difícil. Em 1919, a jovem participou da fundação da British Psychoanalytical Society (BPS). Depois, a conselho de Jones, com quem estava em conflito, foi a Viena*

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para fazer outro tratamento com Freud. Jones se sentia diminuído diante dela e a considerava como uma mulher altiva. Mas apresentou-a a Freud de modo positivo: “É uma tradutora muito correta [...] e penso que ela compreende a psicanálise melhor do que qualquer um dos nossos membros, exceto talvez Flugel.” Seu perfeito conhecimento das línguas alemã e inglesa e seu gosto pela literatura fizeram dela uma tradutora muito adequada para a obra de Freud. E quando esse trabalho foi entregue a James Strachey*, ela o ajudou e fez parte do comitê encarregado de realizar o glossário terminológico. A análise com Freud teve efeito benéfico sobre ela, embora se realizasse, em parte, ao mesmo tempo que a de Anna Freud*. Entre Anna, que a invejava, e Jones, que ao mesmo tempo a desmerecia e elogiava os seus méritos, Joan encontrou uma saída interessando-se pelos trabalhos de Melanie Klein*. Tentou então, com tato e inteligência, convencer Freud do valor das posições kleinianas para a psicanálise de crianças*. Este recusou-se categoricamente a escutá-la e defendeu sua filha Anna. Todavia, preocupado em não dividir o movimento psicanalítico, não tomou partido publicamente no debate. É por isso que as cartas que trocou com Joan Riviere são de grande interesse, particularmente a do dia 9 de outubro de 1927, na qual afirmava que uma análise sem objetivo educativo podia destruir a criança, entregue assim ao seu ser pulsional, sem nenhum apoio do lado do eu*. Em 1929, no quadro das grandes discussões sobre a sexualidade feminina*, Joan Riviere redigiu um belo artigo, em parte autobiográfico, sobre a natureza da feminilidade moderna: “A feminilidade como mascarada”. Esse texto se tornaria célebre. A partir de um caso, ela mostrava que as mulheres intelectuais que tiveram pleno sucesso em sua integração social e em sua vida conjugal e familiar estavam, de certo modo, obrigadas a exibir a sua feminilidade como uma máscara, a fim de melhor dissimular o seu verdadeiro poder, e conseqüentemente a sua angústia. Partidária de Melanie Klein, ela saberia manter sua reserva e nunca ceder à idolatria.

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Rocha, Francisco Franco da

• Joan Riviere, “La Féminité en tant que mascarade” (1929), in Féminité mascarade, Estudos psicanalíticos reunidos por Marie-Christine Hamon, Paris, Seuil, 1994, 197-215; The Inner World and Joan Riviere. Collected Papers 1920-1958, Londres, Karnac Books, 1991 • Joan Riviere e Melanie Klein, L’Amour et la haine (Londres, 1937), Paris, Payot, 1968 • “Lettres de Sigmund Freud à Joan Riviere (1921-1939)”, apresentadas por Athol Hugues, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 6, 1993, 429-81 • Lisa Appignanesi e John Forrester, Freud’s Women, N. York, Basic Books, 1992 • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (N. York, 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992.

Rocha, Francisco Franco da (1864-1933) psiquiatra brasileiro

Fundador, em São Paulo, do Hospital do Juqueri, Rocha nunca exerceu a psicanálise*, embora fosse co-fundador, com Durval Marcondes*, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), primeira sociedade psicanalítica do Brasil*. Em 1920, publicou O pansexualismo* na doutrina de Freud, que teve um grande sucesso. Em uma carta a Marcondes, escreveu: “Chegará o dia em que a psicanálise será algo estabelecido, conhecido, aceito por todos. Até seus adversários dirão: Nunca fui contrário a ela, sempre a aceitei. Tenho dúvidas sobre um ou dois temas apenas, mas sempre admirei Freud [...]” • Francisco da Rocha, O pan-sexualismo na doutrina de Freud, S. Paulo, Typografia Brasil de Rotschild, 1920 • Marialzira Perestrello, “Histoire de la psychanalyse au Brésil des origines à 1937”, Frénésie, 10, primavera de 1992, 283-301.

➢ PANSEXUALISMO.

Roheim, Geza (1891-1953) antropólogo e psicanalista americano

Primeiro etnólogo a tornar-se psicanalista, Geza Roheim também foi o único membro da comunidade psicanalítica do período entre as duas guerras a adquirir a competência necessária para contestar as teses de Bronislaw Malinowski*a partir de uma experiência de campo e não mais através de debates teóricos. Por isso, conferiu verdadeira legitimidade à antropologia* psicanalítica e fundou a etnopsicanálise*, da qual foi, com Georges Devereux*, o princi-

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pal representante. Sua obra, escrita em três línguas (húngaro, alemão e inglês), é notável: cerca de doze livros e mais de cento e cinqüenta publicações redigidas entre 1911 e 1953. Nascido em Budapeste, em uma família de comerciantes judeus abastados, filho único mimado pelo pai, pela mãe e pelo avô, Roheim teve uma infância feliz — fenômeno raro entre os pioneiros do movimento psicanalítico, à exceção do próprio Sigmund Freud*. Nunca teve filhos e foi ele mesmo uma eterna criança, apegado durante toda a vida à sua mulher Llonka, que se associou à sua obra e nunca deixava de brigar com ele em público. Grande bebedor e gastrônomo, amava também os livros e as atividades físicas. Desde a juventude, guiado pelo avô, devorava obras de mitologia, folclore e etnografia, praticando esgrima e natação. Mais tarde, no trabalho de campo, ensinou futebol às crianças da Melanésia. Alimentado pelos contos e lendas húngaros, fascinado com as histórias de bebês abandonados, como as que Otto Rank narrou em sua obra sobre o romance familiar*, Roheim logo se questionou sobre os fenômenos psíquicos ligados ao nascimento das crianças, à perda, à separação. E foi se mantendo nessa problemática que empreendeu o estudo de uma nova disciplina, a antropologia. Depois de fazer estudos clássicos em Leipzig e Berlim, apaixonou-se pelos trabalhos psicanalíticos. Desde o seu primeiro artigo, em 1911, recorreu ao conceito freudiano de complexo de Édipo*. Analisado entre 1915 e 1916, primeiro por Sandor Ferenczi* e depois por Wilma Kovacs (1882-1940), começou logo a praticar a psicanálise*, ao mesmo tempo em que preparava a publicação de seu primeiro livro sobre o totemismo australiano, publicado em 1925. Nesse estudo puramente livresco, Roheim não aderia às posições enunciadas por Freud em Totem e tabu*. Substituía a perspectiva filogenética por uma hipótese ontogenética, inspirando-se diretamente nos primeiros trabalhos de Melanie Klein* sobre as relações arcaicas da criança com a mãe. Assim, foi sob os auspícios do kleinismo*, e na linhagem de uma filiação* húngara representada por Ferenczi e Imre Hermann*, que se desenvolveu a primeira grande


Roheim, Geza

aplicação da psicanálise à antropologia. Hostil a todas as ortodoxias, Roheim não se tornaria, com isso, um adepto rígido dos dogmas kleinianos. Durante toda a vida, conservaria sua independência em relação às diferentes escolas e uma sólida admiração por Freud, com quem se encontrou em 1918, no congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) de Budapeste. Em Australian Totemism, transformou a fábula darwiniana da horda selvagem, centrada na função preponderante do pai, em uma espécie de digressão sobre os estádios*, as relações de objeto* e as angústias infantis. Segundo ele, as fantasias* de devoração apenas repetiam uma situação mais antiga de identificação* com o corpo da mãe: comer o pai durante o festim totêmico era pois comer a mãe. Quanto ao totem, Roheim fazia dele tanto uma figura paterna quanto uma representação da onipotência materna. Graças a uma subvenção de Marie Bonaparte*, começou em 1928 o seu primeiro grande périplo no campo melanésio, com a intenção de invalidar a tese da ausência do complexo de Édipo nas sociedades matrilineares, defendida por Malinowski. Antes de sua partida, teve com Freud uma discussão sobre outra hipótese de Malinowski segundo a qual os trobriandeses ignoravam o erotismo anal. Ouviu então esta objeção: “Será que essa gente não tem ânus?” Durante nove meses, depois de uma passagem por Aden e Djibuti, Roheim permaneceu em uma tribo da ilha de Normanby, à qual se integrou perfeitamente. No campo, longe de experimentar o mesmo sofrimento melancólico de Malinowski e de tantos outros etnólogos, teve logo uma “transferência positiva” em relação a seus anfitriões e se comportou com eles ao mesmo tempo como um irmão mais velho e como um analista kleiniano, procurando sempre refinar o seu método e interpretar os costumes, mitos, comportamentos, sonhos, jogos de palavras e histórias cotidianas à luz da psicanálise. Ao voltar, atravessando os Estados Unidos*, parou durante algum tempo na Califórnia, para estudar os índios yumas e, em 1932, publicou suas observações em um artigo intitulado “Psicanálise dos tipos culturais primitivos”, cuja essência seria retomada em 1950, em

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sua grande síntese sobre a questão, Psicanálise e antropologia. Contra Malinowski e de acordo com Freud e Ernest Jones*, concluiu pela universalidade do complexo de Édipo através do lugar do tio materno, admitindo entretanto que as sociedades matrilineares eram organizadas a partir de um modelo pré-edipiano. Mais tarde, classificou as culturas a partir desse modelo edipiano, mostrando que em cada uma delas o princípio universal se manifestava, mas de maneira diferente. Obrigado a emigrar por causa do nazismo, instalou-se em Nova York, trabalhou no Worcester State Hospital em um caso de esquizofrenia* e continuou seus trabalhos de antropologia psicanalítica. Não sendo médico, manteve-se afastado da comunidade psicanalítica americana. Em 1950, redigiu um texto programático, incluído em Psicanálise e antropologia, no qual defendia o universalismo freudiano, em nome da unidade do gênero humano. Atacava com firmeza todos os representantes do neofreudismo* culturalista, Abram Kardiner* e Margaret Mead* particularmente, acusando-os de importarem modelos diferencialistas inadequados para analisar as grandes sociedades ocidentais. Concluía que o relativismo cultural, com sua auto-satisfação e seus ideais humanistas, era apenas uma forma mascarada de nacionalismo e de rejeição do outro: “A idéia de que as nações são completamente diferentes umas das outras, e de que o papel da antropologia é simplesmente descobrir essas diferenças, é uma manifestação de nacionalismo mal dissimulada. Ela constitui a contrapartida democrática da doutrina racial dos nazistas ou da teoria comunista das classes.” Em 1953, não conseguindo suportar a morte de sua mulher, deixou-se morrer em um hospital, depois de sofrer uma intervenção cirúrgica, sem ter tido a força de abrir o exemplar de sua última obra, As portas do sonho, que um visitante acabara de lhe trazer. Deixou instruções para que seu caixão fosse recoberto com a bandeira húngara e encarregou Raphael Patai, historiador do judaísmo, de pronunciar a oração fúnebre. • Geza Roheim, Australian totemism, Londres, Allen e Unwin, 1925; L’Animisme, la magie et le roi divin (Lon-

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Rolland, Romain

dres, 1930), Paris, Payot, 1988; L’Énigme du sphinx (Londres, 1934), Paris, Payot, 1976; Origine et fonction de la culture (N.York, 1943), Paris, Gallimard, 1972; Héros phalliques et symboles maternels dans la mythologie australienne (N. York, 1945), Paris, Gallimard, 1970; Psychanalyse et anthropologie (N. York, 1950), Paris, Gallimard, 1953 • Roger Dadoun, Geza Roheim et l’essor de l’anthropologie psychanalytique, Paris, Payot, 1972.

➢ CULTURALISMO.

Rolland, Romain (1866-1944) escritor francês

Nascido em Clamecy, na região de Nièvre, de pai e mãe provenientes de famílias de notários católicos, Romain Rolland foi uma criança de saúde frágil, exposto aos desentendimentos conjugais dos pais sob a forma de uma dominação materna rigorista; o pai era uma figura apagada, embora fosse patriota e até mesmo muito chauvinista. Por insistência da mãe, que queria vê-lo fazer estudos brilhantes, a família se instalou em 1880 em Paris, onde o jovem adolescente freqüentou os liceus Saint-Louis e Louis-leGrand, antes de ser admitido, em 1886, na prestigiosa École Normale Supérieure (ENS) da rue d’Ulm, onde fez amizade com André Suarès (1868-1948), cuja paixão pela música já compartilhava. Professor de história em 1889, Romain Rolland se afastou do ensino secundário. Nomeado para a Escola Francesa de Roma, descobriu a Itália*, seus músicos, seus pintores, seus escultores, o Moisés de Michelangelo tão caro a Sigmund Freud*, e apaixonou-se por eles tão ardentemente quanto amaria a Alemanha* e o mundo intelectual e artístico germânico depois de sua volta a Paris em 1891. Em Roma, ficara conhecendo Malvida von Meysenbug (18161903), intelectual alemã já idosa, que se exilara de seu país quando da revolução de 1848, pela qual tinha tomado partido. No seu salão, que recebeu músicos ilustres como Richard Wagner (1813-1883) e Franz Liszt (1811-1886), filósofos como Friedrich Nietzsche (1844-1900) ou ainda Lou Andreas-Salomé*, Romain Rolland descobriu a cultura alemã e a idéia européia, e tornou-se um fervoroso admirador da obra wagneriana.

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O entusiasmo e a sede de cultura de Romain Rolland eram consideráveis: grande leitor de Shakespeare, admirador de Victor Hugo (18021885), adepto incondicional da filosofia de Spinoza, foi o introdutor na ENS da grande literatura russa e receberia de Léon Tolstoi (18281910), a quem escreveu duas vezes, uma longa carta que o comoveria. Seria também o primeiro a fazer penetrar no austero recinto da rue d’Ulm um piano, instrumento que tocava muito bem, segundo Stefan Zweig*. O grande escritor austríaco, que se tornaria um de seus amigos mais caros, descobrira a existência de Romain Rolland em Roma, no salão de Malvida von Meysenbug. Faria depois um retrato de Romain Rolland pleno de lirismo: “Tocava piano admiravelmente, escreveu ele, com uma suavidade que para mim é inesquecível, acariciando o teclado como se quisesse tirar dele os sons não pela força, mas apenas pela sedução. Nenhum virtuose — e ouvi nos círculos mais fechados Max Reger, Busoni, Bruno Walter — me proporcionou, a esse ponto, o sentimento de uma comunhão imediata com os mestres amados. Seu saber nos humilhava por sua extensão e diversidade; de certa forma, como vivia apenas através de seus olhos de leitor, detinha a literatura, a filosofia, a história, os problemas de todos os países e de todos os tempos. Conhecia cada compasso da música; as obras mais esquecidas de Galuppi, de Telemann, e até compositores de sexta ou sétima ordem lhe eram familiares. Ao lado disso, participava apaixonadamente de todos os acontecimentos do presente.” Escritor prolixo, dramaturgo, biógrafo, musicólogo — sua biografia de Beethoven foi durante muito tempo a melhor — ensaísta, moralista, Romain Rolland, como escreveram Henri e Madeleine Vermorel, entrou, todavia, “em um purgatório que se prolonga: seus romances não são mais lidos, exceto Jean-Christophe, sua obra-prima”. Na verdade, salvo por esse roman-fleuve, cuja forma prenunciava as obras de Roger Martin du Gard (1881-1958) e de Jules Romains (1885-1972), que ele começou em 1904 e que obteve em 1913 o grande prêmio da Academia Francesa, foi o ensaísta, o moralista, o intelectual de engajamentos diversos e o amigo de Freud que passou para a posteridade, ficando o


Rolland, Romain

escritor em segundo plano. Nesse aspecto, seu destino pode ser comparado ao de Anatole France (1844-1924), que foi, entre os escritores franceses, um dos mais apreciados por Freud. Em 1892, Romain Rolland se casou com Clotilde Bréa, de quem se divorciou dolorosamente em 1910. Com esse casamento, ele entrara em uma família judia abastada dos meios intelectuais parisienses. Se essa união lhe trouxe segurança material, não tranquilizou o jovem atormentado, apaixonado por ideais nacionalistas, influenciado pelos escritos de Maurice Barrès (1862-1923), e que teria muita dificuldade para engajar-se claramente ao lado de seu amigo Charles Péguy (1873-1914) e de Émile Zola (1840-1902) no momento do caso Dreyfus. Foi essa prudência em relação ao engajamento militante que lhe valeu, em 1914, depois da morte em combate de Péguy e da publicação do seu célebre artigo “Acima da confusão”, a hostilidade dos nacionalistas de ambos os lados do Reno e a admiração dos intelectuais europeus mais prestigiosos. Essa celebridade se estendeu sobre a sua obra inteira e ele obteve em 1916 o Prêmio Nobel de literatura. Em 1922, Rolland fundou a revista Europe. Começou então a se interessar pelas religiões, particularmente pelo hinduísmo, ao qual dedicou vários textos. Percebeu logo a importância do fermento anti-semita na Alemanha através do desenvolvimento do partido nacional-socialista, do qual seria um adversário intransigente, aproximando-se progressivamente dos ideais da revolução bolchevista de 1917, e tornandose uma figura eminente no movimento antifascista dos anos 1930. Em fevereiro de 1923, quando apareceram os primeiro sinais de seu câncer, Freud, em uma carta dirigida ao decorador Édouard MonodHerzen, que freqüentava os meios psicanalíticos parisienses, expressou com uma humildade bastante surpreendente o seu desejo de entrar em contato com Rolland: “Já que você é amigo de Romain Rolland, escreveu Freud, posso lhe pedir que transmita a ele a admiração respeitosa de um desconhecido?” Esse cumprimento anunciava uma relação cujo calor e afeição foram incomuns. Rolland era daqueles que, como os surrealistas, Pierre Jean Jouve (18871976), André Gide (1869-1951) ou Jacques Ri-

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vière (1886-1925), foram os artífices da via literária pela qual o freudismo* entrou na França*. Assim, respondeu com entusiasmo a Freud, e o vienense não escondeu sua emoção: “[...] até o fim da minha vida, eu me lembrarei da alegria de poder entrar em contato com o sr., pois o seu nome está ligado para mim à mais preciosa de todas as belas ilusões: a reunião, no mesmo amor, de todos os filhos dos homens. Pertenço certamente a uma raça que a Idade Média tornou responsável por todas as epidemias nacionais e que o mundo moderno acusa de ter conduzido o império austríaco à decadência e a Alemanha à derrota. Essas experiências nos decepcionam e nos tornam pouco inclinados a acreditar nas ilusões. Além disso, ao longo de minha vida (sou dez anos mais velho do que o sr.), uma parte importante do meu trabalho consistiu em destruir as minhas próprias ilusões e as da humanidade.” A paixão do universalismo, a adesão aos valores do Iluminismo, o amor por Shakespeare e Spinoza foram outras referências que selaram essa forte amizade. Os dois se encontraram apenas uma vez, em Viena*, em 14 de maio de 1924, através do amigo comum Stefan Zweig, encantado em fazer esse contato entre dois de seus ídolos. Nessa ocasião, fez papel de intérprete, pois Freud tinha dificuldades de elocução. A entrevista tratou principalmente de Flaubert e de Dostoievski (que Freud supunha histéricos, e não epiléticos). Certamente também se falou da paixão de Rolland pela Índia*, pois no fim do encontro, Freud, que oferecera ao visitante um exemplar da Introdução à psicanálise*, pediu que lhe enviasse o seu último livro, dedicado ao Mahatma Gandhi (1869-1948). Visita “inesquecível” para Freud, cujo entusiasmo despertou algum ciúme em seu círculo, principalmente em Theodor Reik*. Essa relação calorosa não impediria a expressão das divergências, principalmente a respeito do sentimento religioso e seu estatuto. Em 1927, Freud enviou ao amigo um exemplar de O futuro de uma ilusão*, cujo título parece ter sido inspirado por uma peça de Rolland, Liluli. O romancista respondeu enfatizando a correção da análise freudiana das religiões, mas lamentando a ausência de consideração do sentimento

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religioso, da “sensação religiosa”, esse “sentimento oceânico”, cuja existência ele constatou nos grandes místicos asiáticos e também nos dogmáticos da Igreja* cristã. Freud pediu-lhe então permissão de se referir a esse “sentimento oceânico”, cuja crítica pretendia fazer no seu próximo livro, O mal-estar na cultura*. Embora o francês tivesse concordado, Freud não o citaria nominalmente nesse “opúsculo”, onde teorizava sua alergia a qualquer forma de mística (“a mística é tão fechada para mim quanto a música”, escreveu a Rolland) e reduzia o “sentimento oceânico” ao sentimento de plenitude característico do eu* primário, do lactente antes da separação psicológica da mãe. Em 1936, para comemorar o aniversário de Romain Rolland, Freud redigiu o seu célebre texto “Um distúrbio de memória na Acrópole”, no qual analisou a relação com a figura paterna e a rivalidade entre irmãos. Na introdução desse ensaio escrito em forma de carta, Freud expressou novamente sua admiração pelo escritor, evocando sua humanidade, sua coragem e seu amor pela verdade, qualidades diante das quais seu texto lhe parecia pobre: “Tenho dez anos a mais que você; minha produção está terminada. O que posso lhe oferecer finalmente é apenas um presente de um homem enfraquecido, que outrora conheceu ‘melhores dias’.” Romain Rolland retirou-se para Vézelay, onde escreveu uma biografia de Charles Péguy. Morreu em 30 de dezembro de 1944. Assim como Freud, também não veria a volta dos “dias melhores”. • Romain Rolland, “Au-dessus de la mêlée” (1914), in L’Esprit libre, Paris, Albin Michel, 1953; Jean-Christophe (1904-1912), Paris, Albin Michel, 1950 • Antoinette Blum, “Romain Rolland (1866-1944)”, in Michel Drouin (org.), L’Affaire Dreyfus de A à Z, Paris, Flammarion, 1994, 271-6 • Colette Cornubert, Freud et Romain Rolland. Essai sur la découverte de la pensée psychanalytique par quelques écrivains français, Tese de doutorado em medicina n.453, Paris, Faculdade de Medicina, 1966 • Roger Dadoun, “Rolland, Freud et la sensation océanique”, Revue d’Histoire Littéraire de la France, 1976 • Sigmund Freud, O futuro de uma ilusão (1927), ESB, XXI, 15-80; GW, XIV, 325-80; SE, XXI, 5-56; OC, XVIII, 141-97; O mal-estar na cultura (1930), ESB, XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245-333; “Um distúrbio de memória na Acrópole” (1936), ESB, XXII, 293-306; GW, XVI, 250-7; SE, XXII, 239-48; Correspondance (1873-1939), Paris, Gallimard, 1966 • Michel Plon, “Freud et les

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psychanalystes français”, in Michel Drouin (org.), L’Affaire Dreyfus de A à Z, Paris, Flammarion, 1994, 458-62 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998 • Henri Vermorel e Madeleine Vermorel, Sigmund Freud et Romain Rolland. Correspondance 1923-1936, Paris, PUF, 1993 • Stefan Zweig, Romain Rolland, sa vie, son oeuvre (Frankfurt, 1929), Paris, Éditions Pittoresques, 1929; Le Monde d’hier, souvenirs d’un Européen (Estocolmo 1944), Paris, Belfond, 1993.

romance familiar al. Familienroman; esp. novela familiar; fr. roman familial; ing. family romance Expressão criada por Sigmund Freud* e Otto Rank* para designar a maneira como um sujeito* modifica seus laços genealógicos, inventando para si, através de um relato ou uma fantasia*, uma outra família que não a sua.

Desde 1898, Sigmund Freud havia observado que os neuróticos tendiam, em sua infância, a idealizar os pais e a querer se parecer com eles. A essa primeira identificação seguiam-se o discernimento crítico e a rivalidade sexual. Nessa etapa, a imaginação infantil era mobilizada por uma nova tarefa, que consistia em desvalorizar os pais reais e em substituí-los por outros, fantasísticos, de maior prestígio. Em 1909, num artigo escrito especialmente para o livro de Otto Rank, O mito do nascimento do herói, Freud utilizou a expressão “romance familiar” para designar uma construção inconsciente, na qual a família inventada ou adotada pelo sujeito é adornada de todos os elementos de prestígio fornecidos pela lembrança dos pais idealizados da infância. Apoiando-se nessa noção, Rank estudou as lendas típicas das grandes mitologias ocidentais sobre o nascimento dos reis e dos fundadores de religiões. Assim, observou que Rômulo, Moisés, Édipo*, Páris, Lohengrin e até Jesus Cristo são crianças achadas, abandonadas ou “expostas” a um curso d’água por pais reais em razão de alguma previsão sombria. Destinados a morrer, em geral são recolhidos por uma família nutriz de classe social inferior. Na idade adulta, recuperam sua identidade originária, vingam-se do pai e reconquistam seus reinos. Essa lenda típica, frisou Rank, deu origem a toda sorte de variações. No caso de Rômulo, a


Romênia

ama-de-leite é uma loba, no de Moisés, a família de origem é modesta e a de adoção é da realeza. Na história de Édipo, as duas famílias são nobres. Quanto a Jesus, seu destino é singular, uma vez que o filho proveio do acasalamento de um deus com uma virgem, a qual é esposa do pai adotivo. No caso de Páris, a figura mítica do animal protetor está associada à idéia da realização de uma previsão desastrosa. Príamo abandona seu segundo filho no nascimento, porque sua mulher, Hécuba, sonhou que trazia ao mundo uma tocha ardente. O menino, alimentado por uma ursa, é recolhido por um pastor de ovelhas, que lhe dá o nome de Páris (filho da ursa). Estando na origem da guerra de Tróia, Páris provocaria a ruína de sua família. Na história de Lohengrin, o tema do segredo patogênico, tão caro a Moriz Benedikt*, caminha de mãos dadas com o do animal protetor e da mulher curiosa. Um cavalheiro errante, singrando as águas, salva a heroína, casa-se com ela e lhe dá filhos. Promete-lhe felicidade eterna, desde que ela renuncie a saber quem ele é e de onde vem. Em pouco tempo, entretanto, a rainha não resiste ao prazer de interrogar o marido. Lohengrin proclama então publicamente que é filho de Parsifal e abandona o reino para sempre para se colocar outra vez a serviço do Graal em sua embarcação puxada por um cisne. Aproximando a lenda típica do mecanismo descrito por Freud, Rank mostrou que os relatos míticos podem ser lidos como fantasias em que as situações reais se invertem. No romance familiar comum à maioria dos indivíduos, neuróticos ou não, é a criança, de fato, quem se livra da família de origem para adotar outra mais conforme a seu desejo*, ao passo que, no mito, é o pai que abandona o herói, que é então acolhido por uma família adotiva, em geral (salvo algumas exceções) menos prestigiosa. A idéia de romance familiar foi utilizada por Freud em suas principais obras de psicanálise aplicada*, em especial em Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância*, Totem e tabu* e Moisés e o monoteísmo*. Ela abriu caminho para um amplo debate entre a psicanálise* e a antropologia*, a psicanálise e a literatura, e ainda entre a psicanálise e a religião, na medida em que evidenciou uma analogia entre os mitos

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fundadores, os relatos romanceados modernos, os sistemas delirantes ou religiosos e um mecanismo fantasístico de natureza subjetiva. • Sigmund Freud, “O romance familiar do neurótico” (1908-1909), ESB, IX, 243-50; GW, VII, 227-31; SE, IX, 235-41; tradução francesa in Otto Rank, Le Mythe de la naissance du héros (Leipzig, Viena, 1909), Paris, Payot, 1983.

Romênia De todos os países libertados do jugo do Império Otomano entre 1829 e 1908 (Grécia, Bulgária, Albânia, Montenegro), só a Romênia abrigou em seu território um embrião de movimento psicanalítico, além da ação de pioneiros solitários. Independente a partir de 1885 e aberta ao mundo germânico e húngaro por sua proximidade com o Império Austro-Húngaro, ao qual estavam ligadas a Bucovina e a Transilvânia, a Romênia, no início do século, cultivava também a sua latinidade, interessando-se particularmente pelas idéias vindas da França*. Assim, as obras de Sigmund Freud* eram lidas em francês, como mostra a transformação do termo romeno psihoanaliza em psihanaliza, logo que “psychanalyse” substituiu “psycho-analyse” na França. Foi Gheorghe Preda (1878-1965), médico militar de Bucareste, que publicou em 1912 o primeiro artigo em língua romena sobre a psicanálise. Apresentava o simbolismo do sonho* e o método de psicoterapia* freudiano. No ano seguinte, Matyas Ilian (1885-1941), depois de entrar em contato com Otto Rank*, defendeu uma tese de doutorado em medicina sobre “O estado atual da psico-análise de Freud”. Em 1919, depois da Primeira Guerra Mundial, o tratado de Saint-Germain atribuiu ao antigo reino da Romênia (Valáquia, Moldávia), dois territórios novos: a Transilvânia e a Bessarábia, constituindo assim a Grande Romênia, que sempre seria perturbada por querelas de minorias nacionais e por um anti-semitismo particularmente violento. Durante dez anos, a transformação do reino em democracia parlamentar, em que se organizavam eleições livres, contribuiu para o progresso do interesse pelas idéias freudianas. Alu-

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no de Jean Martin Charcot* e chefe incontestável da escola neurológica romena, Gheorghe Marinescu (1863-1938) usou sua influência em favor da psicanálise, publicando em 1923 dois artigos em francês, na Revue Génerale des Sciences pures et Appliquées. Mas foram principalmente Ioan Popescu-Sibiu* e Constantin Vlad* que introduziram a psicanálise na Romênia. Como muitos pioneiros, eles praticavam o tratamento sem ter sido analisados. Só com a chegada de Heinrich Winnik (1902-1982), vindo da Alemanha* depois do advento do nazismo*, a análise didática* surgiu na Romênia. Analisado em Viena* e em Berlim por Paul Federn*, Jenö Harnik e Helene Deutsch*, Winnik tinha todas as qualidades exigidas para formar alunos. Mas, em razão da situação política, não conseguiu fazê-lo. Emigrou para a Palestina em 1941, sem formar um único terapeuta, e integrou-se à Hachevra Hapsychoanalytit Be-Israel (HHBI), fundada por Mosche Wulff* e Max Eitingon*. Em 1935, depois de um primeiro fracasso, Vlad se cercou de médicos e de psicólogos para publicar um periódico, a Revista Romana de Psihanaliza, na qual se encontravam artigos clínicos, análises literárias e uma polêmica contra os partidários romenos de Alfred Adler*. Essa publicação teria apenas um número. Por volta de 1937, a psicoterapia e a psicanálise eram representadas na Romênia por quatro partidários de Freud, três de Stekel*, quatro de Adler, três de Carl Gustav Jung* e um de Otto Rank. Em 1930, o advento da ditadura fascista e anti-semita de Corneliu Codreanu, cercado de sua “Guarda de Ferro”, impediu os psicanalistas freudianos de se organizar em um verdadeiro movimento. Quando o rei Carol abdicou em favor de seu filho Miguel, um regime de terror instaurou-se sob o comando do marechal Ion Antonescu (1882-1946), que faria uma aliança com a Alemanha nazista e seria fuzilado depois da Libertação. Em 1946, logo antes da proclamação da República Popular, Vlad e Popescu-Sibiu fundaram, com Justin Neuman (1898-?), Paul Schwarz (1904-1965) e Ludwig Berghoff (1897-1986), a Sociedade Romena de Psicopatologia e Psicoterapia. Esses cinco homens praticavam a psicanálise, mas, por prudência, evi-

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tavam qualquer referência a Freud, à sua doutrina e à sua técnica no nome de seu grupo. Precaução inútil: imediatamente, os funcionários do partido os desmascararam, assistindo às suas reuniões, e a Sociedade teve que encerrar suas atividades em 1947. Desenvolveu-se então, vinda da Rússia*, a campanha jdanoviana contra a psicanálise. Assimilada a uma “ciência burguesa” em nome do pavlovismo triunfante, foi definitivamente condenada e desapareceu da Romênia durante 25 anos. Sem renegar sua adesão ao freudismo, Vlad e Popescu-Sibiu se orientaram para outras atividades. Seguindo o exemplo de Winnik, Schwarz emigrou para Israel. Preocupado em assinalar sua independência em relação ao regime soviético, Constantin Ceaucescu (1918-1989) não proibiu a publicação, a partir de 1970, de certos livros favoráveis à psicanálise e ao freudismo. Essa relativa abertura permitiu a Popescu-Sibiu e a Victor Sahleanu publicarem em 1972 uma obra que se pretendia “crítica”, mas que, na realidade, apresentava o freudismo como um dos grandes feitos da cultura no século XX. Posteriormente, o psiquiatra Ion Vianu e o psicólogo Vasile Zamfirescu manifestaram, um em suas lições clínicas e outro em seus ensaios e traduções, um interesse evidente pela psicanálise, nos limites tolerados pelo regime. Desde a queda de Ceaucescu, o movimento psicanalítico romeno se reconstituiu, graças ao intercâmbio com a França, os Países Baixos* e a Suécia. Em fevereiro de 1990, criou-se a Societatii Romane de Psihanaliza (SRP), graças ao trabalho, principalmente, de Eugen Papadima, que passou alguns anos em Nova York, de Vera Sandor, de Alfred Dumitrescu e de Vasile Zamfirescu, o único do grupo a se interessar pela obra de Jacques Lacan*. Tradutor, fundador de uma editora (Editurii Trei) e de uma revista, Psihanaliza, aberta a todas as correntes do freudismo, Zamfirescu utilizou toda a sua energia em favor da psicanálise, ensinando também filosofia na Universidade de Bucareste. Favorável a uma adesão rápida à International Psychoanalytical Association* (IPA) e patrocinada por terapeutas neerlandeses, grandes especialistas do training na IPA, a SRP se tornou, no fim do século XX, um grupo dinâmico


Rorschach, Hermann

e harmonioso, tendo aspirações clínicas anglófonas e voltado para a tradição de Melanie Klein*, de Donald Woods Winnicott* e da Self Psychology*. Conta, em suas fileiras, com quarenta membros. As poucas tentativas de implantação do lacanismo* resultaram em fracasso total. • Gheorghe Marinescu, “Introduction à la psychanalyse, I, Exposé des théories de Freud”, Revue Générale des Sciences Pures et Appliquées, XXXIV, 1923, 4567; “II, Critique des théories de Freud”, ibid., 510-20 • Gheorghe Bratescu, “Un test de mentalité: l’attitude des Roumains à l’égard de la psychanalyse”, Revue Roumaine d’Histoire, XXXI, 3-4, 1992, 309-21; Freud si psihanaliza in Romania, Bucareste, Humanitas, 1994 • Uri Lowental e Yechezkiel Cohen, “Israël”, in Peter Kutter (org.), Psychoanalysis International. A Guide to Psychoanalysis throughout the World, vol.1, Stuttgart, Frommann-Holzboog, 1992, 188-94 • La Psychanalyse et l’Europe de 1993, Monografias da Revue Française de Psychanalyse, Paris, PUF, 1993.

➢ BETLHEIM, STJEPAN; COMUNISMO; EMBIRICOS, ANDREAS; FEDERAÇÃO EUROPÉIA DE PSICANÁLISE; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; KOURETAS, DIMITRI; SUGAR, NIKOLA; TRIANDAFILIDIS, MANOLIS.

Rorschach, Hermann (1884-1922) psiquiatra e psicanalista suíço

Foi o historiador Henri F. Ellenberger* quem redigiu a biografia desse fascinante médico da primeira geração* freudiana, que se tornou célebre no mundo inteiro com a invenção do famoso teste das manchas de tinta. Nascido em Zurique em uma velha família protestante do cantão de Turgóvia, Hermann Rorschach manifestou muito cedo um gosto acentuado pelo desenho. Foi apelidado “Klex” por seus colegas de escola, pois era muito hábil no jogo da kleksografia (jogo das manchas de tinta), difundido entre os alunos e conhecido desde que Justinius Kerner* (1786-1862) publicara em 1857 Kleksographien, uma série de desenhos obtidos a partir de manchas, e poemas inspirados por estas. O jogo consistia em fazer manchas em uma folha de papel, que era dobrada de modo que as manchas tomavam formas diversas: objetos, animais, plantas etc. Depois de alguma hesitação, Rorschach se orientou para a medicina e estudou psiquiatria com Eugen Bleuler* e Carl Gustav Jung*, na clínica do Hospital Burghölzli. Foi ali que se entusiasmou pelas idéias freudianas, iniciando-

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se também na técnica da associação verbal*. Posteriormente, tornou-se assistente e depois diretor de vários asilos: o de Munsterlingen, perto do lago de Constança, o de Munsingen, perto de Berna e em Herisau, no cantão de Appenzell. Poliglota, curioso em relação a todas as culturas, amante das artes e das viagens, sempre à procura de um universo diferente do mundo visível, apaixonou-se pela “alma russa” e esteve em Moscou em 1906 e em Kazan em 1909, onde foi encontrar-se com sua noiva, Olga, que se tornaria sua esposa e colaboradora. Como Sigmund Freud*, foi marcado pela leitura da obra de Dmitri Merejkovski (18611941), O romance de Leonardo da Vinci, publicado em São Petersburgo em 1902, e particularmente pelo trecho no qual Giovanni Boltraffio (1467-1516) conta como o mestre fez surgir, à maneira de uma kleksografia, uma “quimera de goela aberta”, seguindo com o dedo as manchas de umidade que impregnavam um velho muro: “Muitas vezes, disse ele, nas paredes, na mistura das pedras, nas fissuras, nos desenhos mofados feitos pela umidade [...], encontrei semelhanças com lugares maravilhosos, com montanhas, picos escarpados etc.” No momento da ruptura entre Jung e Freud, Hermann Rorschach optou pelo freudismo, o que não o impediu de continuar a usar um vocabulário amplamente junguiano. Em 1919, fundou com Oskar Pfister* e Emil Oberholzer* a Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), no seio da qual teve um papel importante. Como muitos clínicos dessa geração pioneira, praticou a psicanálise sem ter passado por um divã. Foi em Herisau, durante os três últimos anos de sua curta vida, que redigiu a grande obra que o tornaria célebre: foi publicada em 1921, sob o título Psychodiagnostik. Rorschach definia o princípio do teste projetivo, destinado a explorar o mecanismo das representações imaginárias da criança e do adulto, fazendo-os falar por associações verbais a partir das manchas. Seu tratado se inspirava ao mesmo tempo no método junguiano, no estudo experimental de Kerner e na concepção freudiana do inconsciente*. O livro expressava plenamente o verdadeiro fascínio de Rorschach pelo domínio do sonho, das alucinações, do delírio e da loucura*. Her-

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Rosalie H., caso

deiro da tradição romântica alemã, procurava definir duas funções maiores da atividade psicológica: a introversão*, por um lado, isto é, o mundo das imagens interiores, da criação, e conseqüentemente da Kultur, e por outro lado a extroversão, isto é, o domínio da relação social, das cores, das emoções, e conseqüentemente da “civilização”. Nessa perspectiva, pensava que seu psicodiagnóstico era uma chave universal capaz de decifrar as culturas humanas do passado e do presente. Mas, como todos os pioneiros suíços dessa psiquiatria dinâmica* de inspiração protestante, aspirava também a ser um reformador, um educador racionalista. Rorschach foi portanto um cientista moderno, à maneira de Freud, e um alienista à antiga, ainda impregnado de espiritismo*, de ocultismo*, de histórias de adivinhações e de bolas de cristal. Quando utilizava seu teste para tratar dos doentes, não hesitava em lhe mostrar outras imagens a fim de estimular as suas reações: gatos verdes, sapos vermelhos, lenhadores abatendo árvores com a mão esquerda etc. Se tivesse vivido mais tempo, certamente teria redigido a outra grande obra que tanto lhe interessava e na qual trabalhava: uma história das seitas suíças. Falava disso com entusiasmo aos seus próximos, e conseguira reunir uma bela documentação sobre o assunto. Estudando a seita de Waldbruderschaft (Fraternidade da Floresta), cujo guru ensinava a seus adeptos o incesto* e a adoração de seu pênis e sua urina, esboçou uma concepção geral do fenômeno, mostrando que as seitas apareciam em regiões onde o interesse pela política estava ausente. Classificou os discípulos e os profetas, distinguindo os esquizofrênicos dos simples neuróticos: quanto maior fosse a loucura do chefe, mais a ação transferencial era profunda, e mais a mitologia ensinada expressava pulsões* inconscientes. Hermann Rorschach morreu aos 37 anos das seqüelas de uma crise de apendicite, antes de poder ser operado. Em uma carta a Freud de 3 de abril de 1922, Pfister observou que Rorschach era o melhor analista do grupo suíço e que ele aderia às idéias freudianas “até nos menores detalhes”. Confiando em seu amigo pastor, Freud, que não conhecia a obra de Rorschach, lhe respondeu com estas palavras: “Vou

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enviar hoje mesmo algumas palavras à viúva. Tenho a impressão de que talvez você o superestime como analista; pela sua carta, vi com satisfação a alta estima que você tem por ele, no plano humano. Evidentemente, ninguém melhor que você poderia escrever o seu elogio fúnebre para a nossa revista. Peço-lhe que o faça, e o mais rápido possível.” • Hermann Rorschach, Psychodiagnostic. Méthode et résultats d’une expérience diagnostique de perception, interprétation libre de formes fortuites (Berna, 1921), Paris, PUF, 1993 • Psychodiagnostic. Atlas des planches en couleur (Berna, 1921), Paris, PUF, 1976 • Correspondance de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister, 1909-1939 (Frankfurt, 1963), Paris, Gallimard, 1966 • Henri F. Ellenberger, Médecines de l’âme. Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995.

➢ ESQUIZOFRENIA; LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFÂNCIA ; SUÍÇA.

Rosalie H., caso ➢ ESTUDOS SOBRE A HISTERIA.

Rosenfeld, Herbert (1909-1986) psiquiatra e psicanalista inglês

Como Hanna Segal e Wilfred Ruprecht Bion*, Herbert Rosenfeld foi um dos grandes discípulos de Melanie Klein*. Nascido na Alemanha* em uma família judia, emigrou para a Grã-Bretanha* em 1935 e se tornou, no seio da British Psychoanalytical Society (BPS), um dos principais artífices da clínica psicanalítica da esquizofrenia*. Seus trabalhos se referem às modalidades específicas da transferência* no tratamento dos psicóticos, e sobretudo à natureza da identificação projetiva*. • Herbert Rosenfeld, Les États psychotiques (Londres, 1965), Paris, PUF, 1976; Impasse et interprétation (Londres, 1987), Paris, PUF, 1990.

➢ FAIRBAIRN, RONALD; KLEINISMO; POSIÇÃO DEPRESSIVA/POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE; PROJEÇÃO; PSICOSE.

Rosenthal, Tatiana (1885-1921) psiquiatra e psicanalista russa


Rússia (e União Soviética)

Como muitas mulheres russas de sua geração, Sabina Spielrein* ou Alexandra Kollontai (1872-1952), Tatiana Rosenthal foi marcada ao mesmo tempo pela emancipação feminina, pelo freudismo* e finalmente pelo comunismo e o marxismo. Nascida em São Petersburgo em uma família judia, engajou-se em 1905 no combate pelo movimento operário. Um ano depois, foi a Zurique, onde descobriu as teorias freudianas e obteve o título de doutora em psiquiatria. Ao voltar, dedicou toda sua energia à implantação da psicanálise* na Rússia*, participando, a partir de 1911, das reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Foi principalmente no campo da educação e da psicanálise de crianças* que ela sobressaiu, inicialmente em 1919 no Instituto de Pesquisas sobre Patologia Cerebral, dirigido pelo célebre psiquiatra Vladimir Bekhterev (1857-1927), e depois em uma clínica para crianças especiais. Teve a idéia do Lar Experimental, que seria fundado por Vera Schmidt* e foi a primeira, em 1920, sete anos antes de Sigmund Freud*, que não a citaria no seu trabalho, a estudar a obra de Fiodor Dostoievski (1821-1881) do ponto de vista psicanalítico. Frágil e inquieta desde a juventude, suicidou-se aos 36 anos. • Sigmund Freud, “Dostoievski e o parricídio” (1927), ESB, XXI, 205-24; GW, XIV, 399-418, SE, XXI, 177-94, OC, XVIII, 207-25 • Sara Neidisch, “Die Psychoanalyse in Russland während der letzten Jahren”, Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse, vol.VII, 1921, 384-5 • Jean Marti, “La Psychanalyse en Russie (19091930)”, Critique, 346, março de 1976, 199-237 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (19621975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Anna Maria Accerboni, “Tatiana Rosenthal (1885-1921): une brève saison analytique”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 5, 1992, 95-109.

➢ COMUNISMO; ERMAKOV, IVAN DIMITRIEVITCH; FREUDO-MARXISMO; OSSIPOV, NICOLAI IEVGRAFOVITCH; SUICÍDIO; WULFF, MOSHE.

Royce, Josiah (1855-1916) filósofo americano

Nascido na Califórnia, Josiah Royce foi um dos principais representantes da escola bostoniana de psicoterapia*. Entrou para a Univer-

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sidade Harvard em 1882, graças a William James (1877-1910), primeiro americano a se interessar pelos Estudos sobre a histeria*, e ensinou filosofia até 1916. Seu seminário se tornou assim um centro de difusão e confrontação das novas idéias no campo da psiquiatria, da medicina e da psicanálise*. Com James Jackson Putnam*, Adolf Meyer* e Morton Prince*, fez pesquisas sobre o hipnotismo* e participou, através do círculo dos médicos e dos psicólogos de Boston, do desenvolvimento das teses freudianas nos Estados Unidos*. • L’Introduction de la psychanalyse aux États-Unis. Autour de James Jackson Putnam (Londres, 1968), Nathan G. Hale (org.), Paris, Gallimard, 1978, 17-86 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Beginnings of Psychoanalysis in the United States, 18761917, t.I (1971), N. York, Oxford University Press, 1995.

Rússia (e União Soviética) Foram as reformas do tzar Alexandre II (1818-1881) que permitiram que o saber psiquiátrico começasse a se implantar na Rússia em fins do século XIX. Este descendia tanto da tradição do alienismo francês quanto da ciência alemã (nosografia e fisiologia). Aluno de Hermann von Helmholtz* e de Emil Heinrich Du Bois-Reymond (1818-1896), Ivan Mikhailovitch Setchenov (1829-1905) publicou em 1863, em São Petersburgo, o seu estudo sobre os reflexos do cérebro, o que lhe valeria ser perseguido pela polícia, pois, nesse livro, rejeitava os princípios da religião. Com efeito, afirmava uma concepção materialista do cérebro, explicando que toda ação voluntária ou involuntária era o produto de uma série de atos reflexos, que se transformavam em pensamentos no homem e em respostas motoras no animal. Foi nesse contexto que Ivan Petrovitch Pavlov (1846-1936) e seu rival Vladimir Bekhterev (1857-1927) realizaram seus trabalhos de reflexologia. Psiquiatra formado na Alemanha* e na França* com Wilhelm Wundt (1832-1920) e Jean Martin Charcot*, Bekhterev obteve em 1893 a cátedra de doenças mentais da Universidade de São Petersburgo, que ocuparia durante vinte anos. Interessado em hipnose* e sugestão*, difundiu na Rússia as idéias de Hippolyte Bernheim*. Pavlov recebeu em 1904 o

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Prêmio Nobel de medicina por seus trabalhos sobre a atividade digestiva e o reflexo condicionado, que dariam origem a um modelo de psicologia materialista, retomado pelos marxistas, e depois pelo regime comunista, para combater as doutrinas ditas “espiritualistas”, entre as quais a psicanálise*. Se Serguei Korsakov (1854-1900) introduziu, no fim do século, reformas institucionais inspiradas nas de Philippe Pinel (1745-1826), foi sem dúvida Vladimir Petrovitch Serbski (1858-1917) que teve o papel mais importante na implantação, na Rússia, das teses freudianas. Formado em Viena* e aluno de Theodor Meynert*, militou em Moscou por uma reforma radical da nosografia psiquiátrica, opondo-se violentamente ao conservadorismo. Dois de seus alunos seriam os primeiros freudianos russos: Ivan Dimitrievitch Ermakov* e Nikolai Ievgrafovitch Ossipov*. Durante os dez primeiros anos do século XX, a Rússia desenvolveu uma intensa atividade criadora, acompanhada de uma abertura mais ampla para o Ocidente: o movimento freudiano, também em plena expansão, estendeu-se para leste. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a psicanálise, já bem conhecida pela intelligentsia russa, suscitava debates apaixonados. A partir de 1911, e até 1918, Leonid Drosnés (1880-?), psiquiatra de Serguei Constantinovitch Pankejeff* (o Homem dos Lobos), participou dos trabalhos da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Em 1914, Mosche Wulff*, formado em Berlim, participou, com Nicolas Vyrubov (1869-?), da criação da revista Psychotherapia, que difundia as idéias freudianas. Por sua vez, Ossipov, apoiado por Serbski, criou uma ambulância terapêutica que ele próprio dirigia, em alternância com dois colegas, para popularizar o tratamento psicanalítico. Várias obras de Sigmund Freud* foram então traduzidas (até 1927), notadamente A interpretação dos sonhos*, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade* e Mais-além do princípio de prazer*, assim como livros de Alfred Adler*, Otto Rank* e Wilhelm Stekel*. Em 1921, Ossipov, que se opunha à Revolução, deixou a Rússia e instalou-se em Praga, enquanto Ermakov e Wulff, mais simpáticos ao

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novo poder, fundaram em Moscou a Associação Psicanalítica de Pesquisas sobre a Criação Artística, da qual participavam também o matemático Otto Schmidt (1891-1956). Paralelamente, a partir de uma idéia de Tatiana Rosenthal*, Vera Schmidt* criou uma associação, Solidariedade Internacional, e um centro educativo, o Lar Experimental para Crianças, onde eram aplicados métodos pedagógicos inspirados no marxismo e na psicanálise. Um grande sopro de liberdade dominava todas essas iniciativas, estimuladas pela utopia revolucionária. Foi nesse clima de renovação que o jovem Aleksandr Romanovitch Luria*, entusiasmado com as descobertas freudianas sobre a sexualidade*, fundou em Kazan, em março de 1922, uma Sociedade Psicanalítica que reunia essencialmente médicos. Dois meses depois, Mosche Wulff e Ermakov criaram em Moscou a Sociedade Psicanalítica da Rússia, com 15 membros, entre os quais o psicólogo Pavel Petrovitch Blonski (1884-1941) e o psiquiatra Yuri Kannabikh. Posteriormente, Stanislas Theophilovitch Chatski (1878-1948), psicólogo, se juntaria a eles. Iniciaram-se então negociações para o reconhecimento dos dois grupos, Moscou e Kazan, pela International Psychoanalytical Association* (IPA). Os membros do Comitê Secreto estavam divididos sobre a decisão a tomar. Ernest Jones* não gostava dos marxistas de Moscou (principalmente Vera Schmidt) e apoiava o grupo de Kazan, enquanto Freud tinha opinião contrária. Quanto a Sandor Ferenczi*, hostil ao comunismo* desde a experiência da Comuna de Budapeste, não tomava posição. No Congresso de Berlim, em setembro de 1922, a questão da filiação foi discutida. Uma objeção administrativa foi levantada por um participante inglês, que observou que o grupo de Moscou não podia ser admitido, pois a direção da IPA ainda não tivera conhecimento dos estatutos da Sociedade. Freud aceitou esse argumento, mas recomendou que a filiação dos moscovitas fosse aceita logo que as condições fossem satisfeitas. Finalmente, em setembro de 1923, foi criada em Moscou uma Associação Psicanalítica Russa, que reunia os moscovitas e o grupo de Kazan. Instalado em Moscou, Luria tornou-se o seu secretário, Ermakov o presidente, Otto


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Schmidt o vice-presidente. Já formavam um total de 20 membros. Recentemente chegada de Viena, a conselho de Freud, Sabina Spielrein* logo aderiu à nova Associação, à qual se juntaram os grupos de Kiev (com Aron Borissovitch Zalkind*), de Odessa (com Wulff e Drosnés) e de Rostov (com Spielrein, a partir de 1925): ou seja, cerca de 30 membros, o que, para a época, era um número muito elevado. O movimento psicanalítico russo estava então no apogeu. Muitos intelectuais de vanguarda se apaixonaram pelo freudismo. Foi o caso do cineasta Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948), que se dedicou a uma espécie de auto-análise*, para melhor compreender suas relações complexas com seu mestre, Vsevolod Meyerhold (1874-1940). Em 1927, quando de sua viagem à Rússia, Stefan Zweig* encontrou-se com ele e lhe falou com emoção da nova “Escola de Atenas”, fundada por Freud em Viena. Projetou um encontro entre os dois, mas este nunca ocorreu. Em 1923, Léon Trotski (1879-1940), que frequentou em Viena o círculo de Alfred Adler*, escreveu a Pavlov para lhe explicar que a psicanálise desistira de acreditar no primado de um “abismo da alma”. Assim, a teoria freudiana devia ser incluída em uma psicologia materialista, como um caso particular da doutrina dos reflexos condicionados. Quatro anos depois, em uma conferência sobre o tema “Socialismo e cultura”, inscreveu o freudismo no campo do materialismo, despojando-o da teoria da sexualidade*. Trotski considerava a experimentação pavloviana superior à “conjectura” freudiana, que entretanto não excluía, e declarou finalmente que a psicanálise era compatível com o marxismo. Essa declaração traía o modo pelo qual se orientava o debate sobre a psicanálise, a partir da morte de Lenin (1870-1924) e do endurecimento do regime — que levaria, aliás, ao exílio de Trotski. Em 1925, o Lar de Crianças de Vera Schmidt fechou as portas, e sua associação foi dissolvida. Criticada pelo regime, a experiência não recebia o apoio da IPA, e se encontrava pois duplamente condenada. A partir de 1927, com a supressão da liberdade de associação e a stalinização do sistema soviético, o movimento psicanalítico russo se extinguiu progressivamente.

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Enquanto Mosche Wulff emigrava para a Palestina em 1927, os outros freudianos enfrentavam o grande debate sobre a edificação do socialismo, que opunha, no campo da literatura e da filosofia, os partidários e os adversários do realismo socialista. O conjunto da intelligentsia soviética foi convidado pelo partido a se mobilizar na nova frente da luta de classes, a fim de expurgar os resíduos do antigo espírito “idealista” e construir o “homem novo” soviético. No campo da psicologia, a discussão sobre o estatuto da psicanálise se desenvolveu no contexto de um pavlovismo triunfante, erigido em árbitro do materialismo proletário. Duas tendências apareceram: de um lado, os freudomarxistas tentavam “salvar” a psicanálise, demonstrando que a doutrina freudiana era compatível com os princípios da psicologia materialista ou pavloviana, com a condição de suprimir a teoria da sexualidade, excessivamente “bestial”, e a pulsão* de morte, excessivamente “pessimista”. Luria, Zalkind e Yuri Kannabikh publicaram artigos nesse sentido, criticando a antiga orientação, dita “literária”, de Wulff, Ermakov e Ossipov. A outra tendência se compunha de antifreudianos autênticos, que se opunham aos freudo-marxistas, afirmando a incompatibilidade absoluta entre o marxismo e a psicanálise. Foi o caso de Valentin Volochinov, aluno do grande teórico da literatura Mikhail Bakhtine (1895-1975), que, em nome de seu mestre, publicou em 1927 um panfleto, O freudismo, no qual executava ao mesmo tempo o “espiritualismo freudiano” e o “freudismo reflexológico” dos partidários de Freud. (Essa obra seria atribuída a Bakhtine na edição francesa e a Volochinov na edição italiana.) Em 1930, pode-se dizer que a psicanálise fora erradicada da URSS, embora um punhado de clandestinos a praticassem ainda durante algum tempo. Os antigos freudianos se orientaram para outras atividades, enquanto os livros de Sigmund Freud eram relegados a bibliotecas especializadas. O modelo pavloviano dominava então toda a psicologia. No fim dos anos 1940, foi lançada a cruzada contra a ciência e a arte ditas “burguesas”. O momento era de apologia das teses antimendelianas de Trofim Lyssenko (1908-1976) na biologia, e das de Andrei Jdanov (1896-1948)

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na literatura (Jdanovchtchina). A psicanálise estava então oficialmente condenada, mas em virtude de novos argumentos. Em 1949, o freudismo não era mais um perigo para o ideal comunista. Entretanto, no contexto da guerra fria, era denunciado como uma ameaça proveniente do exterior. A psicanálise, então em plena expansão nos Estados Unidos*, depois do exílio em massa de seus praticantes europeus que fugiam do nazismo*, era percebida pelo campo soviético como um componente da ideologia reacionária a serviço do imperialismo americano. Os partidos comunistas europeus adotaram essa palavra de ordem. O processo de desestalinização não mudou nada para o estatuto do freudismo na URSS. Entre 1953 e 1970, a política de deportação dos oponentes foi substituída por uma forma mais sutil de repressão: a oposição foi assimilada a uma doença mental e seus representantes a “esquizofrênicos mórbidos”. Era no interior dos muros de um Instituto de Medicina Legal de Moscou, que levava o nome do grande Serbski, que eram “periciados” os infelizes dissidentes atingidos por essa estranha psicose*. Durante vinte anos, o uso dessa terminologia contaminou o conjunto do saber psiquiátrico soviético, tornando-o impermeável a qualquer influência nova, e principalmente ao freudismo. Além disso, a tradição freudiana, que não mais existia na memória coletiva do povo russo e que, no Ocidente, tinha muitas vezes a conotação de dogma e fechamento, não foi retomada pelos dissidentes. Foi no campo da psicologia que surgiu um tímido reaquecimento do interesse pelo freudismo, graças a uma crítica severa do pavlovismo. Por volta de 1975, o psicólogo georgiano Serge Tzouladzé, que estudou psiquiatria em Paris e recebeu formação psicanalítica em um divã francês, tomou a iniciativa de organizar na União Soviética um colóquio sobre o tema do inconsciente*. Reuniu liberais opostos à psiquiatria repressora que desejavam instaurar laços com o Ocidente, especialmente com a França, onde o lacanismo* dava uma representação não-biológica do inconsciente freudiano. Tzouladzé morreu antes da realização de seu projeto, que foi então assumido por outros, entre os quais Léon Chertok* e Philippe Bassine,

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autor de um livro sobre o problema do inconsciente publicado em 1969 e muito representativo da era pós-pavloviana na URSS. Nessa obra, Bassine propunha reabilitar politicamente o inconsciente freudiano, para melhor refutá-lo à luz dos diferentes conhecimentos da psicologia. Assim, levou em conta os trabalhos de Jacques Lacan*, desviando-os de sua significação, a fim de demonstrar que a utilização da lingüística permitia afastar-se do inconsciente demasiado “instintual” de Freud, e conseqüentemente renovar a psicanálise através da psicologia. Finalmente, o simpósio ocorreu em Tbilissi, na Geórgia, em outubro de 1979. Foi um verdadeiro acontecimento. Contou com a presença de Roman Jakobson (1896-1982), que naquela ocasião retornava pela primeira vez a seu país natal. Também pela primeira vez, pesquisadores de muitos países foram à URSS para falar do inconsciente, em um lugar afastado de Moscou. Todavia, esse encontro não teria nenhum efeito sobre a situação geral da psicanálise na URSS. As obras de Freud não seriam reeditadas. A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchev e, depois, a instauração da política da perestroika, favoreceram, em contrapartida, a reconstrução de um movimento psicanalítico russo. Em 1989, por iniciativa de um psiquiatra, Aron Belkin, foi iniciado um trabalho de retradução das obras de Freud e principalmente de classificação dos arquivos coletados outrora pelo NKVD sobre a atividade dos primeiros freudianos da Rússia. Esses arquivos trariam uma nova compreensão para a história da psicanálise na Rússia, ainda mal conhecida. Em fevereiro de 1990, depois de muitos contatos com a IPA, Belkin fundou uma Associação Psicanalítica da URSS, que se tornaria a Associação Psicanalítica Russa, depois da fragmentação do antigo império soviético. No fim do século XX, a Rússia está novamente entre os maiores países de implantação do freudismo, organizado em duas grandes tendências: de um lado, os médicos, próximos da IPA e dos trabalhos americanos; do outro, os psicólogos clínicos, muito numerosos e abertos a todas as escolas de psicoterapia* do mundo ocidental. Observe-se que se criou na Lituânia, em 1987, depois da independência do país, o Grupo


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de Psicologia Dinâmica Lituano, composto de cerca de 20 membros, formados em psicanálise por didatas da Escandinávia*. • Léon Trotski, Literatura e revolução (Moscou, 1924), Rio de Janeiro, Zahar • Mikhail Bakhtine, Le Freudisme (1927), Lausanne, L’Âge d’homme, 1980 • André Jdanov, Sur la littérature, l’art et la musique (1948), Paris, Nouvelle Critique, 1950 • Joseph Wortis, La Psychiatrie soviétique (N. York, 1950), Paris, PUF, 1953 • Philippe Bassine, Le Problème de l’inconscient (Moscou, 1969), Moscou, Mir (em francês), 1973 • Roy Medvedev, Le Stalinisme (N. York, 1971) Paris, Seuil, 1972 • Vladimir Bukovsky, Une nouvelle maladie mentale en URSS: l’opposition, Paris, Seuil, 1971 • Jean Marti, “La Psychanalyse en Russie (1909-1930)”, Critique, 346, março de 1976, 199-237 • F. Champarnaud, Révolution et contre-révolution culturelle en URSS, de Lénine à Jdanov, Paris, Anthropos, 1976 • Dominique Lecourt, Lyssenko, histoire réelle d’une science prolétarienne, Paris, Maspéro, 1976 • Mikhail Stern, La Vie sexuelle en URSS, Paris, Albin Michel, 1979 • P. Bassine, A.E. Sherozia e A.S. Prangishvili (orgs), The Unconscious, Tbilissi, Metsniereba Publishing House, 3 vols., 1981 • Jean-Michel Palmier, “La Psychanalyse en Union So-

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viétique”, in Roland Jaccard, Histoire de la Psychanalyse, vol.II, Paris, Hachette, 1982, 187-237 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Angiola Massucco Costa, Psychologie soviétique, Paris, Payot, 1977 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988 • Alexandre Mikhalevitch, “L’Âge d’argent de la psychanalyse russe. Les Premières traductions de Freud en Russie pré-révolutionnaire (1904-1914)”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 399-406 • Phyllis Grosskurth, O círculo secreto (Londres, 1991), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • La Psychanalyse et l’Europe de 1993, Monografias da Revue Française de Psychanalyse, Paris, PUF, 1993 • Alexandre Etkind, Histoire de la psychanalyse en Russie (1993), Paris, PUF, 1995 • Pierre Morel (orgs), Dicionário biográfico psi (Paris, 1996), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

➢ COMUNISMO; DOSUZKOV, THEODOR; FENICHEL, OTTO; FREUDO-MARXISMO; HAAS, LADISLAV; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; LOUCURA; PEDOLOGIA; PSIQUIATRIA DINÂMICA; REICH, WILHELM; SACHS, WULF; SOCIEDADE PSICOLÓGICA DAS QUARTASFEIRAS; WORTIS, JOSEPH.

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S Sachs, Hanns (1881-1947)

ção por Freud que pôs o seu busto diante do divã onde se deitavam seus pacientes. Em 1925, com Karl Abraham* e contra a opinião de Freud, que não entendia grande coisa da nova arte cinematográfica, Sachs participou da redação de um roteiro para o filme mudo realizado em 1926 por Wilhelm Pabst (18851967), Os mistérios da alma. Nessa obra-prima do cinema expressionista, o ator Werner Krauss, que fizera em 1919 o papel de Caligari no filme de Robert Wiene, interpretou o do professor Matthias, homem obcecado por desejos de assassinato com sabre e faca, curado pela psicanálise. Foi o primeiro filme inspirado nas teses freudianas e, quando de sua primeira exibição em Berlim, foi bem recebido: “De imagem em imagem, escreveu um jornalista do Film-Kurier, descobre-se o pensamento de Freud. Cada episódio da ação poderia ser uma das proposições da agora célebre análise dos sonhos [...]. Os discípulos de Freud podem se alegrar. Nada no mundo podia fazer tal publicidade com tanto tato.” Em 1932, convidado pela Boston Psychoanalytic Society (BoPS), que tinha carência de didatas, Sachs deixou Berlim e foi para os Estados Unidos*. Não sendo médico e temendo os ataques dos americanos contra a análise leiga*, exigiu que lhe garantissem “oito sessões por dia”. Em Boston, instalou-se na casa de um capitão da marinha e adotou, com certa exuberância, as maneiras da costa leste, fazendo-se servir por um mordomo inglês. Se teve dificuldade em integrar-se à BoPS, adaptou-se muito bem ao modo de vida americano. Em 1933, por ocasião de uma permanência na Europa, foi visitar Freud, que se mostrou de uma incrível hostilidade, como mostra uma carta dirigida a Jeanne Lampl-De Groot*: “Impressão desfavo-

psicanalista americano

“Hanns Sachs, escreveu William Johnston, foi o mais ardoroso dos vienenses freudianos que se dedicou à estética. Judeu opulento, nativo de Viena*, que desejara tornar-se escritor, temia a tal ponto a publicidade que guardou segredo sobre sua vida privada, inclusive com Sigmund Freud* e Otto Rank* [...]. Fosse em Viena, Berlim, ou Boston, Sachs sempre celebrou a cidade onde vivia como o lugar mais agradável do mundo.” Filho de um jurista de renome em Viena, Sachs estudou direito, antes de se apaixonar pela psicanálise* ao ler A interpretação dos sonhos*. Depois de assistir a conferências de Freud, foi visitá-lo, levando-lhe uma tradução das Baladas da caserna de Rudyard Kipling (1865-1936). Em 1909, aderiu à Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras* e se tornou um dos discípulos ortodoxos do mestre. Membro do Comitê Secreto* e fundador, com Otto Rank, da revista Imago*, consagrou-se essencialmente a trabalhos de psicanálise aplicada* e à formação dos psicanalistas. Assim, foi um dos didatas mais apreciados da primeira geração* freudiana, mesmo não sendo médico. Epicurista, gastrônomo e grande sedutor de mulheres, decidiu manter-se celibatário, depois de um primeiro casamento. Instalando-se em Berlim em 1920, formou um número impressionante de psicanalistas no Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI). Muitas vezes, viajava em férias com seus analisandos, estes também acompanhados por seus analisandos, o que dá uma idéia dos hábitos da época, antes da regulamentação (1925) da análise didática*. Sachs tinha tamanha admira678

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Sachs, Wulf

rável, escreveu Freud. O lado vulgar que sempre esteve presente nele tornou-se ainda mais nítido. Um verdadeiro novo-rico, obeso, muito satisfeito consigo mesmo, pretensioso, esnobe, encantado com a América e fascinado pelo grande sucesso que obteve.” Esse testemunho contrasta singularmente com o de Sachs, que fez de seu “mestre e amigo” um retrato hagiográfico em 1944. • Hanns Sachs, “Metapsychological points of view in technique and theory”, IJP, VI, 1925, 5-12; “Zur Psychologie des Films”, Psychoanalytische Bewegung, 1, 1929, 122-6; Caligula, Londres, Elin Matthews and Marott, 1931; The Creative Unconscious, Studies in the Psychoanalysis of Art, Cambridge (Mass.), Science-Art Publications, 1942; Freud, mon maître et mon ami (Boston, 1944), Paris, Denoël, 1977; “Observations of a training analyst”, Psychoanalytic Quaterly, 16, 1947, 157-68 • Ernest Jones, “Obituary of Hanns Sachs”, IJP, 27, 1946, 168-9 • Rudolph Loewenstein, “In memoriam Hanns Sachs”, Psychoanalytic Quarterly, 16, 1947, 151-6 • Fritz Moellenhoff, “Hanns Sachs 1881-1947. O inconsciente criativo”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle et sociale 1848-1938 (N. York, 1972), Paris, PUF, 1985 • Ronald W. Clarke, Freud, the Man and the Cause, Londres, Cape Weidenfeld and Nicholson, 1979 • Patrick Lacoste, L’Étrange cas du professeur M. Psychanalyse à l’écran, Paris, Gallimard, 1990 • Phyllis Grosskurth, O círculo secreto (Londres, 1991), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Sigmund Freud, Chronique la plus brève. Carnets intimes 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

Sachs, Wulf (1893-1949) médico e psicanalista sul-africano

Judeu lituano educado em São Petersburgo, médico e jornalista de esquerda, Wulf (ou Wolf) Sachs foi, durante a primeira metade do século, o único praticante da psicanálise* no continente africano. Nesse aspecto, sua posição, seu itinerário e seus objetos de estudo são comparáveis aos de Girîndrashekhar Bose* na Índia*, com a diferença de que Sachs era um imigrante, formado no seio do primeiro freudismo*, e não um nativo do país onde exerceu suas atividades.

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Aluno de Ivan Pavlov (1849-1936), deixou a Rússia* depois da revolução de outubro, para estudar medicina, inicialmente na Alemanha*, em Colônia, depois em Londres, onde obteve seu diploma em 1922. No mesmo ano, emigrou com a família para a África do Sul e instalou-se em Johannesburgo. Começou então uma confortável carreira de clínico geral, junto à rica burguesia branca. Evidentemente, Wulf Sachs não estava contente com a sua vida. Em 1928, começou a se orientar para a psiquiatria, tratando de doentes negros psicóticos em um hospital de Pretória para pessoas negras. Foi nesse momento que descobriu as obras de Sigmund Freud*, decidiu fazer contato com ele e ir à Europa. Em 1929, passou seis meses em Berlim, analisou-se com Theodor Reik* e tornou-se membro, em 1934, da British Psychoanalytical Society (BPS). Foi nomeado didata titular em 1946. Voltando a Johannesburgo, reuniu um pequeno grupo de estudos do pensamento freudiano, que foi reconhecido pela International Psychoanalytical Association* (IPA) em 1935, pela sua filiação à BPS. Sachs não mediu esforços para promover a psicanálise em seu país de adoção. No departamento de filosofia da Universsidade de Witswatersrand, ensinou seus princípios. Seus cursos foram reunidos, em 1934, em um livro dedicado às aplicações e à prática da psicanálise, para o qual Freud fez um curto prefácio. Em 1937, publicou sua obra principal, Black Hamlet. Seu objetivo era destruir as teses da psiquiatria colonial, que diferenciava e inferiorizava o homem negro, afirmando que sua psique não tinha a mesma natureza que a do homem branco europeu e que a psique negra e “primitiva” nunca teria acesso à perfeição. Na mesma perspectiva diferencialista e inigualitária, o psiquiatra B.J.F. Laubscher também dizia, baseando-se na psicanálise, que existia uma similaridade entre um africano dito “normal” e um europeu psicótico; ou seja, a clivagem entre a norma e a patologia não atravessava de modo idêntico os sujeitos pertencentes a comunidades, e principalmente a “raças”, diferentes. Foi para derrubar esses preconceitos, aliás desmentidos por Freud em Totem e tabu*, e depois por Geza Roheim*, que Sachs estudou

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Sachs, Wulf

em Black Hamlet o caso de um feiticeiro, defendendo a existência da unicidade do fenômeno psicótico e neurótico, quaisquer que fossem a raça do sujeito e a natureza de sua comunidade de origem. Último representante de uma grande linhagem de curandeiros-feiticeiros, John Chavafambira, imigrante do Zimbábue, vivia na miséria em Johannesburgo, onde Sachs o encontrara graças a uma amiga antropóloga. Com a morte de seu pai, sua mãe se casara com o irmão deste, segundo o costume do levirato. John encontrara-se então em rivalidade com esse tio, também feiticeiro. Partira com a intenção de retornar à aldeia e vingar-se, demonstrando ao tio a superioridade de seus poderes de cura sobre os dele. Sachs comparou o caso de Chavafambira ao de Hamlet, observando que este sofria de uma neurose* caracterizada pela indecisão e cuja sintomatologia era universal. Black Hamlet se apresentava sob a forma de um diálogo entre esses dois homens, uma troca de saber entre um psicanalista e um feiticeiro, em uma época em que se preparavam as leis segregacionistas que levariam à instauração do apartheid em 1949. Ora, Sachs ficara abalado em suas certezas psicanalíticas pelas observações de seu interlocutor, que sofria tanto com sua neurose quanto com as perseguições reais de que era vítima. Durante um de seus encontros, Chavafambira, maltratado pela polícia, disse a Sachs: “Veio à minha mente que você e o policial são muito semelhantes. Vocês dois parecem ser apenas um homem. É uma idéia terrível.” Com efeito, essa idéia mostrava como era difícil, senão impossível, praticar a psicanálise em um país que não era um Estado de direito, e além disso fundado na desigualdade. Sachs sensibilizou-se com isso, ajudou Chavafambira a resistir à opressão e estimulou-o a completar a sua educação ocidental. Essa experiência o transformou. Sempre praticando o freudismo, Sachs engajou-se à esquerda, tornou-se jornalista e aderiu a uma organização sionista. A obra de Sachs não agradava aos representantes conservadores da IPA, que afirmavam que seu engajamento prejudicava sua prática clínica e seu espírito científico. Isso se percebe claramente em seu necrológio, publicado no

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International Journal of Psycho-Analysis*, depois de sua morte. Todavia, no momento em que a Europa era dizimada pelo nazismo*, Ernest Jones* pensou em promover a emigração dos clínicos para a África do Sul, a fim de auxiliar Sachs — especialmente Richard Sterba*. Mas as autoridades de Pretoria se recusaram a lhe conceder visto. Quando de sua instalação na Cidade do Cabo, Marie Bonaparte* não melhorou as coisas. Longe de apoiar Sachs, organizou uma conferência para os psiquiatras, na qual atacou suas posições, segundo ela muito pouco ortodoxas. Além disso, em Johannesburgo, Sachs sofreu a concorrência de Frederick Perls (1893-1970), inventor da gestalt-terapia* e em dissidência radical com o freudismo. Transformado por sua experiência com Chavafambira, Sachs procedeu, em 1946, a uma revisão de sua obra. Suprimiu algumas palavras, que julgava de inspiração excessivamente colonial, e principalmente renunciou a interpretar a recusa de agir do feiticeiro como uma patologia “hamletiana”. Mudou o título e denominou a obra de Black Anger. Morreu subitamente aos 56 anos, logo antes da entrada em vigor do apartheid. O grupo psicanalítico que fundara desapareceu com ele: “Ele era nosso diretor, nosso organizador, nosso supervisor, escreveu uma testemunha, e para a maioria de nós, o nosso analista.” Depois da morte de Sachs, tornou-se difícil prosseguir atividades psicanalíticas na África do Sul. A maior parte de seus alunos e colegas se exilaram, enquanto alguns clínicos continuaram a trabalhar sem nenhum suporte institucional. Em 1979, um Grupo de Estudos Psicanalíticos foi criado em Johannesburgo, sob o patrocínio da BPS, cuja política consistiu em implantar o kleinismo* através de seminários e análises conduzidos por didatas ingleses. • Wulf Sachs, “The insane native: an introduction to a psychological study”, The South African Journal of Science, 30, 1933, 706-13; Psychoanalysis: its Meaning and Practical Application, Londres, Cassel, 1934; Black Hamlet (1937), Baltimore, Londres, Johns Hopkins University Press, 1996 • “Notice nécrologique: Wulf Sachs”, IJP, 31, 1950, 288-9 • Célia Bertin, La Dernière Bonaparte, Paris, Perrin, 1982 • Megan Vaughan, Curing their Ills: Colonial Power and African Illness, Cam-


sadomasoquismo bridge, Polity Press, 1991 • Sadie Gillespie, “Historical notes on the first South African psychoanalytical society”, Psychoanalytic Psychotherapy in South Africa, 1, 1992, 1-6 • Tony Hamburger, “The Johannesburg psycho-analytic study group: a short history”, Psychoanalytic Psychotherapy in South Africa, 1, 1992, 62-71 • Saul Dubow, Scientific Racism in Modern South Africa, Cambridge, Cambridge University Press, 1995; “Introduction, part I”, in Black Hamlet, Baltimore, Londres, Johns Hopkins University Press, 1996, 1-37 • Jacqueline Rose, “Introduction, part II”, ibid., 38-67.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; ANTROPOLOGIA; COLLOMB, HENRI; DEVEREUX, GEORGES; ÉDIPO, COMPLEXO DE; ELLENBERGER, HENRI F.; ETNOPSICANÁLISE; FANON, FRANTZ.

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Em setembro de 1942, não tendo conseguido sair de Viena, Isidor Sadger foi deportado para o campo de concentração de Theresienstadt, onde foi assassinado pelos nazistas em dezembro. • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Les Premiers psychanalystes. Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (N. York, 19621975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

➢ KRAUS, KARL; NAZISMO.

Sadger, Isidor Isaak (1867-1942)

sadismo

médico e psicanalista austríaco

al. Sadismus; esp. sadismo; fr. sadisme; ing. sadism

Nascido em Neusandec, na Galícia, província polonesa ligada ao império russo, Sadger era de uma família judia. Estudou medicina em Viena* e aderiu em 1906 à Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, da qual seu sobrinho, Fritz Wittels*, foi também um dos participantes ativos. Verdadeiro grafômano, especialista em patografias dos escritores, obcecado pela homossexualidade*, pela perversão*, pelo fetichismo* e pela hereditariedade, adotou as teses freudianas com tal fanatismo que exasperou o próprio Sigmund Freud*. Em uma carta a Carl Gustav Jung*, de 5 de março de 1908, Freud o tratou de “fanático hereditariamente tarado por ortodoxia, que acredita por acaso na psicanálise, ao invés de acreditar na lei dada por Deus no Monte Sinai-Horeb”. Todavia, prestou-lhe homenagem, a respeito de casos que ele apresentou à Sociedade sobre a homossexualidade. Sadger aplicava ao pé da letra a teoria da primazia absoluta da sexualidade*, a ponto de se apegar aos detalhes mais escabrosos e fazer perguntas absurdas durante os jantares vienenses, nos quais chamava de neurótico quem quer que ousasse não pensar como Freud. Como seu sobrinho, foi de uma incrível misoginia e teve realmente um papel negativo na trágica aventura de Hermine von Hug-Hellmuth*, de quem era analista, médico e mentor. Tutor do jovem Rolf Hug, sobrinho de Hermine, não hesitou em depor contra ele por ocasião de seu processo.

Termo criado por Richard von Krafft-Ebing* em 1886 e forjado a partir do nome do escritor francês Donatien Alphonse François, marquês de Sade (1740-1814), para designar uma perversão* sexual — pancadas, flagelações, humilhações físicas e morais — baseada num modo de satisfação ligado ao sofrimento infligido ao outro.

Esse termo proveio essencialmente do vocabulário da sexologia*, mas foi retomado por Sigmund Freud* e seus herdeiros no quadro mais geral de uma teoria da perversão e da pulsão* estendida a outros atos além das perversões sexuais. Nesse sentido, foi acoplado ao termo masoquismo* para formar um novo vocábulo, o sadomasoquismo*, que posteriormente se impôs em toda a terminologia psicanalítica.

sadomasoquismo al. Sadomasochismus; esp. sadomasoquismo; fr. sado-masochisme; ing. sado-masochism Termo forjado por Sigmund Freud*, a partir de sadismo* e masoquismo*, para designar uma perversão* sexual baseada num modo de satisfação ligado ao sofrimento infligido ao outro e ao que provém do sujeito* humilhado. Por extensão, esse par de termos complementares caracteriza um aspecto fundamental da vida pulsional, baseado na simetria e na reciprocidade entre um sofrimento passivamente vivido e um sofrimento ativamente infligido.

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sadomasoquismo

Em 1905, em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Freud já observava que “o sádico é sempre e ao mesmo tempo um masoquista, o que não impede que o lado ativo ou o lado passivo da perversão possa predominar e caracterizar a atividade sexual que prevalece”. Para corroborar essa afirmação, ele citou, numa nota de rodapé, Havelock Ellis*, que escrevera em 1903 no terceiro volume de seus Estudos de psicologia sexual: “Todos os casos de sadismo e masoquismo que conhecemos, inclusive os citados por Richard von KrafftEbing*, sempre nos fazem encontrar (...) vestígios das duas categorias de fenômenos no mesmo indivíduo.” Freud jamais poria em dúvida essa articulação, que ele iria desenvolver e transformar paralelamente à sua teoria das pulsões*. Podemos, portanto, falar de uma concepção do sadomasoquismo ligada à primeira tópica*, cuja expressão mais rematada é fornecida no artigo metapsicológico de 1915, “As pulsões e suas vicissitudes”. O sadismo é ali concebido como primário, anterior ao masoquismo; exprime uma agressividade contra um outro tomado como objeto. Produto de uma mudança no nível do objeto (na qual a própria pessoa vem substituir, como alvo da agressividade, o objeto externo), o masoquismo é deduzido, nessa etapa, do sadismo. Freud sublinha a coexistência de dois processos no interior dessa transformação: a reversão da agressividade contra o próprio sujeito e a inversão do funcionamento ativo em funcionamento passivo. Do ponto de vista clínico, se a neurose obsessiva* se caracteriza pelo fato de que o sujeito impõe a si mesmo o sofrimento de que é vítima, o masoquismo se caracteriza pelo fato de que o sofrimento em questão é infligido por outrem. Além disso, nessa primeira concepção, o sadismo não é explicitamente inscrito na categoria das pulsões* sexuais, mas sob a epígrafe da pulsão de dominação. É no âmbito da transformação do sadismo em masoquismo que se opera a articulação com a sexualidade, só vindo o caráter sexual do sadismo a aparecer por ocasião de uma segunda inversão, na qual o masoquismo se retransforma em sadismo. Essa operação, aliás, só pode realizar-se por intermédio de uma identificação* com o outro, no registro da fantasia*. No maso-

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quismo, esclarece Freud em 1915, a satisfação “passa (...) pela via do sadismo originário, na medida em que o eu passivo retoma, à maneira fantasística, seu lugar anterior, que agora é cedido ao sujeito estranho”; no sadismo, o sujeito inflige dores ao outro e goza, “ele mesmo, masoquisticamente, na identificação com o objeto sofredor”. Entretanto, quando Freud afirma que “um masoquismo originário que não tenha saído do sadismo, da maneira como o descrevi, parece não ser encontrável”, podemos considerar, com Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, que sua colocação está um pouco atrasada em relação a seu pensamento. É que, considerando “o par masoquismo-sadismo em seu sentido próprio, sexual”, escrevem esses autores, “é realmente o tempo masoquista que já é considerado primário, fundamental”. De qualquer modo, foi essa tese, oposta à da primeira tópica, que prevaleceu a partir da grande virada dos anos vinte. Em 1919, no artigo “Uma criança é espancada”, além de enunciar discretamente as premissas das modificações teóricas que estavam por vir, Freud estabeleceu mais claramente o papel da fantasia no funcionamento do par sadismo-masoquismo, embora ainda não modificasse sua tese da primazia do sadismo sobre o masoquismo. Entretanto, através da complexa análise da fantasia de fustigação, freqüentemente evocada por seus pacientes, ele introduziu a idéia de que é sempre a culpa, no interior do ato de recalque*, que constitui o agente da transformação do sadismo em masoquismo. Em 1924, por força da reformulação efetuada através de três livros essenciais, Mais-além do princípio de prazer*, Psicologia das massas e análise do eu* e O eu e o isso*, Freud voltou à questão do masoquismo, a fim de propor para ele uma teoria definitiva. Postulou então a existência de um masoquismo primário, originário e erógeno em referência à pulsão de morte, constituído pela parte da pulsão de morte que a libido não pôde colocar a serviço da pulsão de destruição nem da pulsão sexual, resultando no sadismo propriamente dito. Esse componente não utilizado da pulsão de morte torna-se, assim, um componente da libido, que já não tem outro objeto senão o ser íntimo do indivíduo. Esse masoquismo primá-


sadomasoquismo

rio, explica ainda Freud, constitui a testemunha, o vestígio do tempo primitivo em que a pulsão de morte e a pulsão de vida estavam totalmente misturadas. Como parte da libido, esse masoquismo erógeno encontra-se em ação em todos os estádios* do desenvolvimento psicossexual; no estádio oral primitivo, assume a forma do medo de ser devorado pelo pai; depois, na fase sádico-anal, ressurge sob a forma do desejo inconsciente de ser espancado pelo pai. Por último, manifesta-se pela angústia e pela renegação* da castração*, no momento da fase fálica. A título dessa constituição do masoquismo primário, convém destacar a possível manifestação de um masoquismo secundário que vem superpor-se ao primeiro como resultado da reversão da pulsão de destruição ou da pulsão sádica contra o sujeito. Ao lado desse masoquismo primário, Freud distinguiu outras duas formas de masoquismo: o chamado masoquismo “feminino”, que não concerne especificamente à mulher, mas visa a posição “feminina” compartilhada pelos dois sexos, e o masoquismo moral, ao qual a psicanálise deu o nome de “sentimento (inconsciente) de culpa”. A maioria dos elementos do masoquismo feminino remete à primeira infância, quando eles já repousam num sentimento de culpa, como Freud havia mostrado em 1919 em “Uma criança é espancada”. Assim, o masoquismo feminino é inteiramente baseado no masoquismo primário, erógeno, caracterizado pela ligação estabelecida entre o prazer, de natureza libidinal, e a dor, produto da pulsão de morte. Quer se trate da experiência clínica ou da descrição da vida cotidiana, Freud considera que é a terceira forma de masoquismo, o masoquismo moral, fundamentado no sentimento de culpa, que é a mais importante e a mais destrutiva. Ele se caracteriza, primeiramente, por sua aparente distância da sexualidade e por um relaxamento dos vínculos com o objeto amado, voltando-se a atenção para a intensidade do sofrimento, seja qual for sua procedência. Freud ressalta que o surgimento dessa terceira forma de masoquismo pode constituir um grande obstáculo ao desenrolar da análise e é passível, no caso de aparentes sucessos terapêuticos, de levar a passagens ao ato que provocam

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novos distúrbios: “Uma forma de sofrimento”, escreve Freud, “é aqui substituída por outra, e vemos então que se tratava apenas de poder manter uma certa quantidade de sofrimento.” Essa forma destrutiva de masoquismo resulta dos ataques do supereu* ao eu*, mas é importante distinguir esse sadismo do supereu, geralmente consciente, do masoquismo moral, quase sempre inconsciente e cuja distância da sexualidade é pura aparência. Assim, na fantasia da criança que apanha de alguém, podemos discernir a forma do masoquismo feminino, isto é, o desejo inconsciente de ter relações sexuais passivas. A sexualização da relação com o par parental, superada no fim do Édipo* através do processo que leva ao surgimento de uma consciência moral, substrato parcial daquilo que virá a ser o supereu, retorna, desse modo sob a forma de uma moral ressexualizada. “O sadismo do supereu e o masoquismo do eu completam-se mutuamente”, escreve Freud, “e se unem para provocar as mesmas conseqüências.” Do ponto de vista dos estudos clínicos, a literatura psicanalítica é pobre em casos de masoquismo erógeno que atestem sevícias sexuais graves, sem dúvida porque a psicanálise deslocou progressivamente o sadomasoquismo para o lado da consciência moral, introduzindoo no próprio cerne do indivíduo “normal”. No tocante a essa pobreza, a escola francesa se distingue pela riqueza de seus estudos em matéria de clínica da perversão. O artigo publicado em 1972 pelo psicanalista francês Michel de M’Uzan, sob o título de “Um caso de masoquismo perverso. Esboço de uma teoria”, é particularmente notável. A história desse caso é a de um homem de aparência tranqüila, cujo corpo tatuado, queimado, martirizado e mutilado, bem como as práticas sexuais perversas a que ele se submetia dão margem a um conjunto de reflexões clínicas e teóricas que atestam a solidez de fundamento das teses que Freud expusera em 1924. Em 1967, em sua apresentação do texto de Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895) intitulado A Vênus de peles, Gilles Deleuze (19251995) coloca-se numa perspectiva inteiramente diferente da de Freud. Afirma ele que o masoquismo não é o inverso nem o complemento do sadismo, porém “um mundo à parte” que escapa

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Saint-Alban, Hospital de

a qualquer simbolização, um mundo heterogêneo e repleto de horrores, castigos, crucificações e contratos entre carrascos e vítimas. Essa tese é também a de Georges Bataille (18971962). Jacques Lacan* se inspiraria nela para forjar seu conceito de gozo* e a ampliaria em seu artigo “Kant com Sade”. • Sigmund Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; “As pulsões e suas vicissitudes” (1915), ESB, XIV, 137-68; GW, X, 209-32; SE, XIV, 109-140; OC, XIII, 161-185; “Bate-se numa criança” (1919), ESB, XVII, 225-8; GW, XII, 197-226; SE, XVII, 175-204; in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973, 219-43; “O problema econômico do masoquismo” (1924), ESB, XIX, 199216; GW, XIII, 371-83; SE, XIX, 139-45; OC, XVII, 9-23 • Charles Baladier, “Masoquismo e sadismo”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 322-5 • Gilles Deleuze, Apresentação de Sacher-Masoch, seguido de A Vênus de peles (Paris, 1967), Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Richard von Krafft-Ebing, Psychopathia sexualis (Stuttgart, 1886, Paris, 1907), Paris, Payot, 1969 • Jacques Lacan, “Kant com Sade” (1962), Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 776-803 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Michel de M’Uzan, De l’art à la mort, Paris, Gallimard, 1977 • Wanda Sacher-Masoch, Confession de ma vie (Berlim, 1906, Paris, 1907), Paris, Gallimard, 1989 • Philippe Sollers, Sade contre l’être suprême, Paris, Gallimard, 1996.

Saint-Alban, Hospital de ➢ PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.

Salpêtrière, Hospital da ➢ AUGUSTINE; CHARCOT, JEAN MARTIN.

Sarasin, Philipp (1888-1968) psiquiatra e psicanalista suíço

Analisado por Hanns Sachs* e por Sigmund Freud* entre 1923 e 1925, Philipp Sarasin foi um dos principais membros da Sociedade Suíça de Psicanálise (SPP), que presidiu durante 32 anos. Instalando-se em Basiléia, teve igualmente um papel na formação dos psicanalistas franceses de Estrasburgo. ➢ SUÍÇA.

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Saussure, Raymond de (1884-1971) psiquiatra e psicanalista suíço

Nascido em uma localidade belíssima, no seio de Genthold, Raymond de Saussure era de uma família protestante da Lorena, que se refugiara na Suíça* depois da revogação do Edito de Nantes. Seu ilustre ancestral, o geólogo Horace Bénédict de Saussure (1740-1799), organizou no século XVIII a primeira expedição científica ao cume do Mont Blanc, e seu avô, Henri de Saussure, fez uma brilhante carreira de entomologista. Seu pai, Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi o fundador da lingüística estrutural, na qual Jacques Lacan* se basearia para dar continuidade à obra freudiana, adotando principalmente o conceito lingüístico de significante*. Ferdinand de Saussure é universalmente conhecido por seu Curso de lingüística geral, que entretanto ele nunca escreveu, tendo sido publicado pela primeira vez em 1915, dois anos depois de sua morte, por seus alunos Charles Bally e Albert Sechehaye. Entre 1906 e 1909, no mesmo momento da gestação de seu primeiro curso de lingüística, apaixonou-se pela poesia saturniana. Pensando encontrar nela os vestígios de uma atividade secreta da subjetividade do poeta, deu o nome de anagramas a fragmentos fônicos que traduziam, segundo ele, as intenções conscientes ou inconscientes do autor. Amigo do médico Théodore Flournoy*, interessou-se pelo espiritismo* e pela famosa vidente Catherine-Élise Müller (1861-1929). Raymond de Saussure tinha 19 anos quando seu pai morreu. Esmagado pela figura paterna, acusava esse pai genial mas ausente de alcoolismo e de completo desinteresse pelo lar conjugal. Em 1916, em uma carta a Charles Bally, que acabava de editar o Curso de lingüística geral, enfatizou a necessidade de abrir um campo de investigação comum à psicanálise e à lingüística. Ele não o fez, e foi Lacan quem tomou essa direção; daí uma relação bastante conflituosa entre ambos. Depois de estudar letras em Genebra, Raymond de Saussure se orientou para a psicologia e se apaixonou pelas aulas de Théodore Flournoy sobre as teorias freudianas. Casou-se em primeiras núpcias com a filha deste, Ariane, com quem teve dois filhos, unindo assim o


Saussure, Raymond de

destino das duas grandes famílias da aristocracia de Genebra. Vários descendentes se tornariam psicanalistas. Seus estudos de medicina o levaram a Zurique e depois a Viena*. Foi durante o congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) em Haia, em 1920, que se encontrou com Sigmund Freud*. Logo o considerou como um mestre e, alguns meses depois, começou a se analisar com ele. Embora fascinado por Freud, acusou-o de falhas técnicas: “Primeiramente, ele [Freud] tinha praticado a sugestão* durante tempo demais para não ter conservado alguns reflexos dela. Quando estava convencido de uma verdade, tinha dificuldade em esperar que ela surgisse no espírito de seu paciente; queria persuadi-lo imediatamente, e por causa disso, falava demais. Em segundo lugar, sentia-se logo com que questão teórica ele estava preocupado, pois muitas vezes desenvolvia longamente os novos pontos de vista que estava elaborando em seu pensamento. Isso era um benefício para o espírito, mas nem sempre para o tratamento.” Em 1930, em Berlim, Raymond de Saussure fez uma segunda análise com Franz Alexander*, e uma terceira em Paris, pouco depois, com Rudolf Loewenstein*. Depois de aderir à Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), fundada em março de 1919 por Oskar Pfister*, Hermann Rorschach* e Emil Oberholzer*, Saussure publicou, em 1922, O método psicanalítico. A obra, prefaciada por Freud, foi infelizmente retirada de circulação porque continha um relato de sonho* que compreendia muitos detalhes sexuais que podiam trair a identidade do paciente. De alta qualidade, esse livro apresentava pela primeira vez a um público francófono uma versão da doutrina freudiana desprovida de qualquer “latinização” à maneira de Angelo Hesnard*. Foi na França*, aliás, que Raymond de Saussure desenvolveu depois suas atividades, participando, em 1926, com seu amigo Charles Odier*, da criação da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), da qual mais tarde Henri Flournoy*, seu cunhado, se tornaria membro. Interessou-se então pela pré-história do freudismo, por Franz Anton Mesmer*, pelos antigos magnetizadores, pelos curandeiros, o que o levaria a adquirir uma fabulosa biblioteca de

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livros raros e a redigir, com Léon Chertok*, uma obra sobre o nascimento da prática psicanalítica. Nessa área, foi entretanto Henri F. Ellenberger* quem produziria a obra mais inovadora. No início da Segunda Guerra Mundial, deixou Paris e foi para Genebra, onde ajudou Heinz Hartmann* e Erich Fromm* a emigrarem. Por sua vez, em 1940, foi para os Estados Unidos*, repetiu os estudos de medicina e integrou-se à New York Psychoanalytical Society (NYPS). Ali, encontrou Roman Jakobson (1896-1982), que lhe falou da obra de seu pai, mostrando-lhe pela primeira vez os laços produtivos que poderiam aproximar a psicanálise da lingüística. Posteriormente, Jakobson se tornou amigo de Claude Lévi-Strauss e de Lacan. Quanto a Raymond de Saussure, permaneceu nos Estados Unidos até 1952 e depois voltou a Genebra onde, durante muitos anos, teve um papel importante na expansão da psicanálise na Suíça românica e na Europa em geral. Criou assim, em 1969, a Federação Européia de Psicanálise* (FEP), destinada a contrabalançar, no interior da IPA, a onipotência do freudismo americano. O encanto de Raymond de Saussure não escapou a nenhum de seus contemporâneos. Gostava das mulheres, sabia seduzi-las e sempre se recusou a se submeter ao conformismo calvinista da maioria de seus colegas da SSP. Embora fosse um rigoroso defensor da ortodoxia da IPA, transgrediu as regras, especialmente ao casar-se, em terceiras núpcias, com uma de suas ex-analisandas. Dotado de uma maravilhosa erudição, escreveu muitos artigos sobre a história da psicanálise, sua técnica e sua teoria. Todavia, nos dois primeiros campos que mais o preocupavam, a lingüística e a historiografia* freudiana, não ocupou, em comparação com Lacan e Ellenberger, a posição que desejaria ter. Morreu de câncer de próstata, depois de uma longa agonia. • Ferdinand de Saussure, Curso de lingüística geral (1915), S. Paulo, Cultrix, 1979 • Françoise Gadet, Saussure, une science de la langue, Paris, PUF, 1987 • Raymond de Saussure, La Méthode psychanalytique, Lausanne, Genebra, Payot, 1922 • Raymond de Saussure e Léon Chertok, Naissance du psychanalyste, Paris, Payot, 1973 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de

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Schiff, Paul

Janeiro, Jorge Zahar, 1989; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia as Letras, 1994 • Mireille Cifali, “Documents pour une histoire de la psychanalyse. Présentation de la lettre de Ferdinand de Saussure à Charles Bally”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 5, 1985, 145-9; “Charles Bally et les psychanalystes”, ibid., 6, 1986.

Schiff, Paul (1891-1947) psiquiatra e psicanalista francês

Filho de um jornalista vienense, amigo de Theodor Herzl (1860-1904), Paul Schiff foi membro fundador do grupo da Évollution Psychiatrique e membro da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Aluno de Henri Claude* e analisado por Rudolph Loewenstein*, foi especialista em paranóia* e militou por uma reforma humanista da penalidade no campo da criminologia*, procurando em especial introduzir as teses freudianas nas perícias psiquiátricas. Foi também o único freudiano de sua geração a se engajar desde 1940 na Resistência antinazista, e a tornar-se médico militar em várias frentes, entre 1944 e 1945. • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989.

➢ CÁRCAMO, CELES ERNESTO; FRANÇA.

Schilder, Paul Ferdinand (1886-1940) psiquiatra e psicanalista americano

De origem vienense e nascido em uma família de comerciantes judeus, Paul Schilder é conhecido por ter inventado a noção moderna de imagem do corpo* e descrito a doença que leva o seu nome, uma forma difusa de esclerose em placas. Seus trabalhos, que tratam de psiquiatria e de neurologia, se referem essencialmente à epilepsia, à agrafia, à agnosia, à paralisia geral, à esquizofrenia* e à despersonalização. Aluno de Julius Wagner-Jauregg*, recebeu em 1921 o título de Privatdozent e, no ano seguinte, o de doutor em filosofia. Interessava-se pela fenomenologia husserliana, quando entrou em contato com Sigmund Freud*. Este o convidou a aderir à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), da qual se tornou membro, recusando-se, entretanto, a ser analisado. No

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seio dos fiéis do círculo vienense, Schilder foi recebido como um estrangeiro e teve que enfrentar, como acontecera com Freud, um sombrio caso de “roubo de idéias”. Federn* o acusou de ter “plagiado” a obra do mestre venerado e a de Sandor Ferenczi*, em um livro sobre a hipnose*. Em 1928, a convite de Adolf Meyer*, foi aos Estados Unidos*. A acolhida calorosa que recebeu o estimulou a aceitar o lugar de professor de psiquiatria na faculdade de medicina da Universidade de Nova York. Suas teses sobre a imagem do corpo, que começou a elaborar em 1923, se baseavam na fenomenologia e na gestalt-teoria, ou teoria da forma. Ele as expressou em 1935, em sua obra magna, A imagem do corpo. Estudo das forças construtivas da psique, que teve grande impacto sobre o desenvolvimento do neofreudismo* americano, principalmente sobre todas as doutrinas do self e da relação de objeto*; os fundadores da Ego Psychology* também se basearam nela. Nessa época, muitos freudianos da primeira geração* não eram analisados, o que não os impedia de praticar a psicanálise. Mas quando Schilder, em 1935, quis integrar-se à International Psychoanalytical Association* (IPA), alegando sua filiação à WPV, teve que enfrentar, no seio da New York Psychoanalytical Society (NYPS), a hostilidade de um grupo de jovens analistas, liderados por Lawrence Kubie, que desejava proibi-lo de formar alunos, sob o pretexto de que ele não fora analisado. Nesse caso, foi defendido por Ely Smith Jelliffe* e Abraham Arden Brill*, e recorreu ao julgamento de Freud. O mestre não lhe deu nenhum apoio, dizendo que ele não pertencia ao círculo dos primeiros discípulos e que, conseqüentemente, era por sua livre vontade que recusava o próprio princípio da análise didática*. Esse caso beneficiou a jovem geração americana, desejosa de igualitarismo e de normatização. Brill, derrotado, quis demitir-se da presidência, mas Ernest Jones* o impediu. Schilder fundou então seu próprio grupo, a New York Society of Psychology. Em dezembro de 1940, quando sua mulher Lauretta Bender dava à luz o terceiro filho, foi atropelado por um carro e morreu algumas horas depois.


Schjelderup, Harald Krabbe • Paul Ferdinand Schilder, A imagem do corpo (Londres, 1935, N. York, 1950), S. Paulo, Martins Fontes, 1994, 2ª ed. • Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (org.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Paul Roazen, Freud e seus discípulos (N. York, 1971), S. Paulo, Cultrix, 1978 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans, The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, 1917-1985, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995.

➢ ANÁLISE DIDÁTICA; DOLTO, FRANÇOISE; ESTÁDIO DO ESPELHO; FLIESS, WILHELM; WEININGER, OTTO.

Schjelderup, Harald Krabbe (1895-1974) psicanalista norueguês

Esse professor de filosofia da Universidade de Oslo foi o primeiro psicanalista freudiano da Noruega. Como muitos pioneiros, teve curiosidade por todas as manifestações do inconsciente. Daí seu interesse pela telepatia* e até pela parapsicologia. Desde 1922, teve um papel maior na implantação da psicanálise nos meios acadêmicos noruegueses. Em 1925, depois de se interessar pela hipnose*, foi a Viena*, onde fez um primeiro tratamento de sete meses com Eduard Hitschmann*, durante o qual ambos se enfrentaram. Seu livro, Psykology, publicado em 1927, foi importante para a formação de várias gerações de psicólogos. Schjelderup continuou sua formação em Berlim, com Harald Schultz-Hencke*. Mas foi principalmente em Zurique, com Oskar Pfister*, que fez um trabalho psicanalítico digno do nome, como mostram as confidências feitas pelo pastor a Sigmund Freud, em uma carta de 21 de outubro de 1927: “O espiritual Harald Schjelderup, com 32 anos, professor de filosofia e de psicologia, a quem se deve o primeiro manual de orientação psicanalítica — que logo será publicado em alemão — ficou sete meses com o doutor H. Entretanto, suas penosas dores de cabeça semanais não pararam de aumentar, até que foi obrigado a voltar a Oslo. Ora, neste verão, ele me procurou. Analisamos [sic] seriamente, e, ao fim de apenas 15 dias, a última

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crise, já sensivelmente atenuada, apareceu pela última vez. A partir daí, analisamos ainda por cerca de três semanas.” Schjelderup achou que essa análise com o pastor lhe oferecera muito mais que a precedente, e lhe agradeceu. Ambos, igualmente interessados em religião e em teologia liberal, tinham reais afinidades. O irmão de Harald, Kristian Schjelderup (1894-1980) também fez uma análise com Pfister e favoreceu a introdução do freudismo na Noruega, antes de se tornar bispo no fim da vida. Os dois irmãos redigiram juntos uma obra sobre as relações da psicologia com a religião, e Harald publicou muitos artigos clínicos sobre os resultados da terapia psicanalítica. Com Alfhild Tamm* e Yrjö Kulovesi*, Harald Schjelderup participou, em agosto de 1931, da famosa reunião dos psicanalistas escandinavos, que levaria, em 1934, no Congresso de Lucerna, à criação de duas sociedades filiadas à International Psychoanalytical Association* (IPA), uma reunindo a Suécia e a Finlândia, outra a Dinamarca e a Noruega. Foi ele que convidou Wilhelm Reich* a ir à Noruega em 1934, para ensinar sua doutrina da análise do caráter na Universidade de Oslo. A partir de outubro de 1937, as teses de Reich sobre a revolução sexual, que tiveram grande sucesso com os estudantes, foram violentamente atacadas pelos professores de medicina e de fisiologia da universidade, e o debate foi levado para a imprensa. Embora não fosse partidário de Reich, Schjelderup fez uma análise com ele. Respeitava sua contribuição e sua originalidade, observando que suas experiências se afastavam radicalmente do freudismo. Essa posição lúcida lhe permitiu compreender que os adversários da psicanálise se serviam do caso Reich contra a doutrina freudiana. Por sua vez, entrou na polêmica. Depois da invasão da Noruega pelas tropas alemãs, Matthias Heinrich Göring* foi a Oslo para obter de Schelderup, então presidente da Sociedade Psicanalítica Norueguesa, a criação de um instituto “arianizado”, a partir do modelo do de Berlim. Este recusou qualquer política de colaboração e pediu a dissolução do grupo. Com outros psicanalistas, entrou para a Resistência antinazista. Em 1942, foi deportado, com

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Schloss Tegel, Sanatório do

seu irmão, para o campo de concentração de Grini, perto de Oslo. Ambos sobreviveram. Depois da guerra, Harald Schjelderup retomou suas atividades de terapeuta em sua Sociedade, na qual, até a morte, tratou de questões clínicas e formou analistas. Diante da análise didática* e das regras de formação impostas pela IPA, adotou, como outrora com Reich, uma posição flexível, aceitando, por exemplo, uma freqüência de duas sessões semanais, ao invés das cinco obrigatórias. • Harald Schjedelrup, Psykologi, Oslo, Gyldendal, 1928 • Correspondance de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister, 1909-1939 (Frankfurt, 1963), Paris, Gallimard, 1966 • Randolf Alnaes, “The development of psychoanalysis in Norway. An historical overview”, The Scandinavian Psychoanalytic Review, 2 vols., III, 1980, 55-101.

➢ ALEMANHA; ESCANDINÁVIA; NAZISMO.

Schloss Tegel, Sanatório do ➢ SIMMEL, ERNST.

Schmideberg, Melitta, née Klein (1904-1983) médica e psicanalista americana

É difícil não ver nas relações entre Melitta Schmideberg e sua mãe uma espécie de caricatura das paixões que Melanie Klein* teorizou: ódio, inveja*, agressividade, perseguição, identificação projetiva*, objeto bom ou mau. Nascida dentro da psicanálise* e analisada por sua própria mãe, Melitta, filha mais velha de Melanie Klein, foi realmente a filha trágica da psicanálise, e, mais ainda, a cobaia de uma experiência que daria origem, não só à psicanálise de crianças* no sentido moderno, mas também a uma das correntes mais ricas na história do freudismo*. Em um artigo de 1923 sobre o “Papel da escola no desenvolvimento libidinal da criança”, Melitta aparecia sob o nome de Lisa, jovem de 18 anos, apresentada como um caso. Embaraçada nas letras do alfabeto, ela oscilava entre o “a” que representava para ela o pai castrado e o “i” que remetia ao pênis detestado. “No que se referia a ela própria, escreveu Melanie Klein,

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ela só reconhecia o órgão genital masculino e deixava os órgãos femininos para suas irmãs.” Segundo Phyllis Grosskurth, parece que Melanie temia que sua filha se tornasse sua rival. Assim, comportou-se com Melitta como sua própria mãe fizera com ela própria, mantendo-a permanentemente em estado de servidão, educando-a também na paixão pela “causa” psicanalítica. Desde os 15 anos, Melitta assistia à reuniões da Sociedade Psicanalítica de Budapeste e devorava textos psicanalíticos. Quando começou a estudar medicina, foi para se tornar psicanalista. Enfim, seguiu o mesmo itinerário da mãe: da Hungria* para a Alemanha*. Em Berlim, foi analisada três vezes pelos astros do movimento, então em plena expansão: Max Eitingon*, Karen Horney* e Hanns Sachs*. Foi ali que encontrou Walter Schmideberg*, seu futuro marido. Instalou-se depois em Londres, onde foi eleita membro da British Psychoanalytical Society (BPS). Fez mais uma análise com Ella Sharpe* e começou a praticar a análise. Em um depoimento pleno de verdade, redigido em 1971, contou como fora o objeto do ódio de sua mãe, que ela também odiara, em plena BPS transformada em campo de batalha pelo sectarismo crescente dos kleinianos e depois pela chegada dos vienenses a Londres. “Durante alguns anos, escreveu ela, gozei de certa popularidade. Tinha a reputação de obter bons resultados clínicos, meus artigos eram considerados contribuições válidas, pediam-me que fizesse conferências e, numa idade precoce, fui designada analista didata. Mas logo as coisas mudaram. Fui criticada por dar excessiva atenção ao ambiente concreto e à situação real do paciente, e por considerar que um pouco de estímulo e alguns conselhos podiam, legitimamente, fazer parte da terapêutica analítica.” Apoiada por Edward Glover*, seu quinto psicanalista, sustentou uma terrível batalha contra as teorias kleinianas, que continuou até o momento das Grandes Controvérsias*. Sua determinação ainda se acirrou quando Jones*, preocupado em neutralizar os conflitos, tentou convencê-la de que suas reações eram “paranóides”. Durante toda a duração dessa grande guerra de clãs, sua vida conjugal tomou um aspecto estranho, com a relação triangular que Walter Schmideberg lhe impôs, com sua ligação com


Schmidt, Vera

Winifred Bryher, ex-amante homossexual de Hilda Doolittle*. Em 1945, emigrou para os Estados Unidos*, onde encontrou a outra família psicanalítica de sua juventude berlinense, seus “primos da América”. Mas foi uma nova decepção: “Eles me pareceram muito mais preocupados com prestígio, publicidade e honorários elevados [...]. Na Europa, era preciso ter coragem para ser analista. Nos Estados Unidos, nos anos 1950 e 1960, era preciso ter coragem para não ser.” Voltou-se então para as outras psicoterapias*, mas graças a seu conhecimento íntimo da psicanálise, constatou que a observação escrupulosa de certas regras freudianas protegia o paciente, enquanto as terapias demasiado ativas podiam se revelar nocivas: “Em suma, a recusa da teoria freudiana só produzia confusão.” Foi ocupando-se de adolescentes delinqüentes, feridos por suas famílias e pela sociedade, como ela fora pela psicanálise, que Melitta encontrou enfim os meios de escapar dos furores da saga freudiana. Em 1963, demitiu-se da BPS e deixou de freqüentar os meios psicanalíticos. Nunca aceitou reconciliar-se com sua mãe, nem mesmo falar com ela. No dia do enterro de Melanie, deu uma aula em Londres exibindo ofuscantes botas vermelhas. • Melitta Schmideberg, “Contribution à l’histoire du mouvement psychanalytique en Angleterre” (1971), Cahiers Confrontation, 3, primavera de 1980, 11-22 • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992.

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filha de Melanie Klein*. Casou-se com ela em Viena, em abril de 1924, e participou de todos os conflitos que opuseram as duas no interior da psicanálise* inglesa. Embora fosse alcoólatra e homossexual, tornou-se membro da British Psychoanalytical Society (BPS), depois que emigrou para Londres em 1932. Com a ajuda de Ernest Jones*, fez com que se instaurassem relações assíduas entre os ingleses e os vienenses, no momento em que o movimento psicanalítico alemão começava a ser dizimado pelos nazistas. Em meados dos anos 1930, tornou-se amante de Winifred Bryher, ex-amante da poetisa americana Hilda Doolittle*, que fora analisada por Freud e de quem ele próprio fora analista durante algum tempo. Filho de um rico armador, Bryher ajudava os psicanalistas judeus a escaparem do nazismo e enviava os austríacos a Schmideberg, para serem analisados. Uma estranha relação triangular instalou-se entre Winifred, Walter e Melitta, até a partida desta para os Estados Unidos. Cada vez mais alcoólatra, Schmideberg retirou-se para a Suíça*, onde morreu de úlcera. • Phyllis Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992.

➢ HOMOSSEXUALIDADE; SCHMIDEBERG, MELITTA.

Schmidt, Vera, née Yanitskaia (1889-1937) pedagoga e psicanalista russa

Schmideberg, Walter (1890-1954) psicanalista inglês

Vienense culto, Walter Schmideberg foi educado em uma escola de jesuítas para a aristocracia. Destinado à carreira militar, tornou-se capitão no exército austro-húngaro, antes de se interessar pela hipnose* e pela psicologia. Durante a guerra, encontrou Max Eitingon*. Este o apresentou a Sigmund Freud* e a Sandor Ferenczi*. Em 1919, assistiu às reuniões da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), e dois anos depois partiu para Berlim, onde ajudou Eitingon a instalar a Policlínica. No congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) em 1922, encontrou Melitta,

Casada com Otto Schmidt (1891-1956), matemático e diretor de editoras estatais, Vera Schmidt era de uma família de médicos. Foi não só pioneira da psicanálise* na Rússia*, mas também uma das grandes figuras do freudomarxismo* europeu. Por iniciativa de Tatiana Rosenthal*, e com o apoio de Ivan Dimitrievitch Ermakov*, criou em Moscou, em agosto de 1921, uma casa pedagógica, o Lar Experimental para Crianças. Cerca de 30 crianças de dirigentes e funcionários do Partido Comunista foram acolhidos aí, a fim de serem educados segundo métodos que combinavam os princípios do marxismo e os da psicanálise. A experiência do Lar tinha como quadro um Instituto de Psicanálise, fundado ao mesmo tempo que a

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Schnitzler, Arthur

Associação Psicanalítica de Pesquisas sobre a Criação Psicanalítica, que assumiu o nome de Solidariedade Internacional. O sistema de educação tradicional fundado nos maus-tratos e nas punições corporais foi abolido e o ideal da família patriarcal severamente criticado, em proveito de valores educativos que privilegiavam o coletivo. As demonstrações afetivas, beijos e carícias, eram substituídas por relações ditas “racionais”, as crianças tinham uma educação leiga e eram autorizadas a satisfazer sua curiosidade sexual. Quanto aos educadores, eram convidados a não reprimir a masturbação e a instaurar com as crianças relações igualitárias. O programa previa que todos deviam ser analisados. O ideal pedagógico preconizado por Vera Schmidt era a manifestação viva do espírito novo dos anos 1920, em que se concretizava, depois da Revolução de Outubro, o sonho de uma fusão possível entre a liberdade individual e a liberação social: uma verdadeira utopia pedagógica (ou pedologia*), que combinava a paixão freudiana e o ideal marxista. Em setembro de 1923, Vera e Otto Schmidt foram a Berlim e a Viena*, para pedir que Karl Abraham* e Sigmund Freud* apoiassem o Lar e a Sociedade Psicanalítica da Rússia, fundada em 1922 e que rivalizava com a de Kazan. Ao voltar, relatando a discussão, que se referira principalmente à maneira de tratar o complexo de Édipo* no interior de uma educação de tipo coletivo, pensaram que o apoio do Comitê Secreto* estava garantido. Na verdade, o Comitê estava muito dividido quanto à atitude a adotar. Ernest Jones* apoiava Kazan contra Moscou, e Sandor Ferenczi* não queria mais ouvir falar, depois do fracasso da Comuna de Budapeste, da menor experiência em terreno comunista. Só Freud se dispunha a ajudar os Schmidt. Isolada do debate sobre a psicanálise de crianças*, Vera Schmidt nunca foi realmente apoiada em seu empreendimento pela International Psychoanalytical Association* (IPA), cuja direção era excessivamente conservadora para aceitar uma experiência desse tipo, com os riscos e excessos que comportava. Pelas mesmas razões, o Lar também foi criticado pelos funcionários do ministério soviético da Saúde,

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que nomeou uma comissão de inquérito para investigá-lo. Depois de um longo processo, e a despeito do apoio provisório de Nadejda Kroupskaia, mulher de Lenin, a experiência chegou ao fim em condições complexas. Foi o próprio Otto Schmidt, curador do Lar, que decidiu com sua mulher, em novembro de 1924, encerrar suas atividades. Em agosto de 1925, o instituto Solidariedade Internacional foi oficialmente liquidado. Vera Schmidt praticou a análise em Moscou, com crianças e adultos. Em 1927, representou sua associação no Congresso da IPA, reunido em Innsbruck. Dois anos depois, recebeu a visita de Wilhelm Reich*, que a criticou por seu ideal adaptativo, mas com quem ela fez uma relação de amizade. A partir dessa data, a situação tornou-se difícil para o movimento psicanalítico russo, que cessou suas atividades em 1930. Entretanto, apesar das dificuldades, parece que Vera conseguiu receber pacientes particularmente. Vera Schmidt morreu de pneumonia. Otto Schmidt continuou, como observou Jean Marti, “a servir a ciência soviética, explorando o Ártico e desenvolvendo, a partir de 1944 e até a morte, uma teoria cosmogônica segundo a qual a Terra e outros planetas se [formaram] a partir de poeira cósmica, numa época em que o sol atravessava, no espaço, uma nuvem de poeira”. • Vera Schmidt e Wilhelm Reich, Pulsions sexuelles et éducation du corps, Paris, UGC, col. “10/18”, 1979 • Wilhelm Reich, A revolução sexual (Copenhague, 1936, Frankfurt, 1966), Rio de Janeiro, Zahar, 1982 • Jean Marti, “La Psychanalyse en Russie (1909-1930)”, Critique, 346, março de 1976, 199-237 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988 • Alexandre Etkind, Histoire de la psychanalyse en Russie (1993), Paris, PUF, 1995 • Élisabeth Roudinesco, entrevista com Irina Manson, 1º de janeiro de 1997.

➢ COMUNISMO; LURIA, ALEKSANDR ROMANOVITCH; SPIELREIN, SABINA; ZALKIND, ARON BORISSOVITCH.

Schnitzler, Arthur (1862-1931) médico e escritor austríaco


Schreber, Daniel Paul

Nascido em Viena*, Arthur Schnitzler era filho de um célebre laringologista judeu e estudou medicina. Como Sigmund Freud*, estudou a hipnose* com Hippolyte Bernheim* e foi aluno de Theodor Meynert* antes de se interessar pela psicanálise*. Chefe do movimento Jung Wien (Jovem Viena), foi, com Hugo von Hofmannsthal (1874-1929) e Stefan Zweig*, um dos grandes escritores vienenses do fim do século. Certos casos freudianos (Ida Bauer*, por exemplo), parecem ter saído de seus romances: “Freud e Schnitzler, escreveu William Johnston, compartilhavam muitos traços do esteticismo vienense. Individualistas obstinados [...], rejeitavam a cidade e preferiam o campo, mas não poderiam viver em outro lugar senão Viena. Ambos eram viajantes atentos, assimilando com avidez impressões novas.” A morte, a sexualidade*, a neurose*, o monólogo interior, o desvelamento da alma, o suicídio* formavam em Schnitzler a trama de um impressionismo literário, ao qual Freud foi tão sensível que expressou numa carta de 1922 o receio que lhe inspirava um encontro com o seu duplo: “Vou lhe fazer uma confissão que peço guardar só para você, em consideração a mim, e não compartilhar com nenhum amigo nem estranho. Uma pergunta me atormenta: na verdade por que, durante todos estes anos, nunca procurei freqüentá-lo e conversar com você [...]? Penso que o evitei por uma espécie de medo de me encontrar com meu duplo. Não que eu tenha tendência a me identificar facilmente com um outro ou que eu tenha desejado minimizar a diferença de talentos que nos separa, mas, ao mergulhar em suas esplêndidas criações, sempre pensei encontrar nelas, por trás da aparência poética, as hipóteses, os interesses e os resultados que eu sabia serem meus.” Depois de observar que Schnitzler era, como ele, um investigador das profundezas psíquicas, Freud acrescentou: “Perdoe-me por recair na psicanálise, mas só sei fazer isso. Sei apenas que a psicanálise não é um meio para tornar-se amado.” • Arthur Schnitzler, Mademoiselle Else, Paris, Stock, 1980; Thérèse, Paris, Stock, 1981; Le Lieutenant Gustel, Paris, Calmann-Lévy, 1983; La Ronde, Paris, Stock, 1984; Une jeunesse viennoise, Paris, Hachette, 1987 • Sigmund Freud, Correspondance, 1873-1939 (Londres, 1960), Paris, Gallimard, 1966 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle

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et sociale 1848-1938 (N. York, 1972), Paris, PUF, 1985 • André Haynal, “Freud, la psychanalyse et son creuset”, Psychanalyse et science. Face à face, Lyon, Césura, 1991, 149-61.

Schreber, Daniel Paul (1842-1911) Embora a análise que Sigmund Freud* fez do caso de Daniel Paul Schreber (1842-1911) não tenha se originado, como as de Dora (Ida Bauer*), do Homem dos Ratos (Ernst Lanzer*) ou do Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff*), de um tratamento real, as “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia”, publicadas em 1911, sempre foram consideradas uma exposição ainda mais notável, pelo fato de Freud nunca se haver encontrado com esse paciente. Ela foi comentada, questionada e reinterpretada por toda a literatura psicanalítica de língua inglesa e alemã. Na França*, foi particularmente revisitada em vista da importância atribuída à paranóia* na história do pensamento lacaniano. Nascido em julho de 1842, Daniel Paul Schreber pertencia a uma família ilustre da burguesia protestante alemã, composta de juristas, médicos e pedagogos. Seu pai, o Dr. Daniel Gottlieb (Gottlob) Moritz Schreber (18081861), havia-se celebrizado pela invenção de teorias educativas de extrema rigidez, baseadas no higienismo, na ginástica e na ortopedia. Em seus manuais, amplamente difundidos na Alemanha*, ele propunha corrigir os defeitos da natureza e remediar a decadência das sociedades, criando um novo homem: um espírito puro num corpo sadio. Zeloso de uma renovação da alma alemã, ele foi também promotor de loteamentos operários ajardinados e, nessa condição, viria a ser apoiado pela social-democracia e, mais tarde, resgatado pelo nacional-socialismo. Em 1861, três anos depois de lhe cair uma escada na cabeça, morreu de uma úlcera perfurada. Em 1884, Daniel Paul Schreber, jurista renomado e presidente da corte de apelação da Saxônia, deu sinais de distúrbios mentais, depois de ser derrotado na eleição em que se apresentara como candidato do partido conservador. Foi então tratado pelo neurologista Paul Flechsig (1847-1929), que em duas ocasiões

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Schreber, Daniel Paul

mandou interná-lo. Promovido a presidente do tribunal de apelação de Dresden em 1893, Schreber foi interditado sete anos depois, sendo seus bens colocados sob tutela. Redigiu então suas Memórias de um doente dos nervos, publicadas em 1903. Graças a esse livro, pôde sair do hospício e recuperar seus bens, não por ter provado que não era louco, mas por ter sabido demonstrar ao tribunal que sua loucura* não podia ser tomada como um motivo jurídico de confinamento. Em abril de 1910, ele morreu no manicômio de Leipzig. Alguns meses depois, ao começar a redigir seus comentários sobre a autobiografia de 1903, Freud ignorava se o autor delas ainda estava vivo. As Memórias de Schreber apresentam o sistema delirante de um homem perseguido por Deus. Tendo vivido sem estômago e sem vesícula e havendo também “comido sua laringe”, ele achava que o fim do mundo estava próximo e que ele próprio era o único sobrevivente, em meio a um mundo de enfermeiros e doentes designados como “sombras de homens feitos às pressas”. Deus falava com ele na “língua fundamental” (a língua dos nervos) e lhe confiou a missão salvadora de se transmudar em mulher e gerar uma nova raça. Incessantemente regenerado pelos raios que o tornavam imortal e que emanavam dos “vestíbulos do céu”, Schreber era também perseguido por pássaros “miraculados”, que eram lançados contra ele depois de serem enchidos de “veneno de cadáver”: esses pássaros lhe transmitiam os “restos” das antigas almas humanas. Enquanto esperava ser metamorfoseado em mulher e engravidado por Deus, Schreber urrava contra o sol e resistia aos complôs do Dr. Flechsig, designado como um “assassino de alma” que abusara sexualmente dele, antes de abandoná-lo à putrefação. Deslumbrado com a extraordinária língua schreberiana, Freud analisou o caso para demonstrar, frente a Eugen Bleuler* e Carl Gustav Jung*, a validade de sua teoria da psicose*. Por isso, nos urros de Schreber contra Deus viu a expressão de uma revolta contra o pai, na homossexualidade* recalcada, a fonte do delírio, e, por último, na transformação do amor em ódio, o mecanismo essencial da paranóia. A eclosão do delírio pareceu-lhe menos uma entrada na doença do que uma tentativa de cura,

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mediante a qual Daniel Paul, que não tivera nenhum filho para se consolar da morte do pai, tentou reconciliar-se com a imagem de um pai transformado em Deus. Embora enfatizasse o caráter tirânico de Gottlieb, Freud não fez nenhuma aproximação entre o sistema educativo do pai e a gênese da paranóia do filho, conquanto já houvesse observado analogias entre os delírios paranóicos e os grandes sistemas que visam reformar a natureza humana. Em outras palavras, ele viu na “cura” do filho a conseqüência de um complexo paterno basicamente positivo. Essa falha do dispositivo freudiano foi denunciada desde os primeiros comentários do caso. Em 1955, Ida Macalpine e seu filho, Richard Hunter, ambos alunos de Edward Glover* e dissidentes da British Psychoanalytical Society (BPS), redigiram para a tradução inglesa das Memórias um prefácio que estigmatizou a negligência freudiana das teorias educativas de Gottlieb. À tese freudiana eles opuseram uma interpretação kleiniana do caso. A seu ver, a paranóia de Schreber tivera como origem uma regressão profunda a um estádio primitivo de libido* indiferenciada, que teria reativado fantasias* infantis de procriação. Depois dessa revisão, outros comentadores empreenderam trabalhos que reconstruíram progressivamente toda a genealogia da família Schreber, ora numa perspectiva histórica ou sociológica, ora para reexaminar a teoria freudiana da paranóia. De maneira geral, a escola kleiniana criticou a postura freudiana quanto ao lugar do pai na constelação do Édipo e procurou deslocar a questão da origem das psicoses para a vertente da relação arcaica e “esquizóide” com a mãe. Foi no outono de 1955, no contexto de seu seminário sobre as psicoses, que Jacques Lacan*, por sua vez, revisou o caso, depois de tomar conhecimento do trabalho de Macalpine e Hunter. Sua perspectiva, como sempre contrária à dos kleinianos, levou-o mais longe do que Freud na questão da possível curabilidade das psicoses. Entretanto, embora se ocupasse das relações arcaicas com a mãe, Lacan não situou a origem das psicoses do lado materno, mas, antes, do lado da deficiência paterna. Assim, numa descendência direta do freudismo* clás-


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sico, ele fez questão de revalorizar a função simbólica do pai, para melhor assinalar os efeitos nefastos ligados a seu lugar “faltoso”. Daí a elaboração de dois grandes conceitos: a foraclusão* e o Nome-do-Pai*. Por essa ótica, em vez de considerar a paranóia como uma defesa* contra a homossexualidade*, Lacan a situou sob a dependência estrutural da função paterna. Assim, propôs reler realmente os escritos de Gottlieb M. Schreber, a fim de evidenciar o vínculo genealógico entre as teses pedagógicas do pai e a loucura do filho. Nesse quadro, a paranóia de Daniel Paul Schreber pôde ser definida, em termos lacanianos, como uma “foraclusão do Nome-do-Pai”. Em outras palavras, como o seguinte encadeamento: o nome de D.G.M. Schreber, isto é, a função do significante* primordial encarnado pelo pai nas teorias educativas que visavam reformar a natureza humana, fora rejeitado (ou foracluído) do universo simbólico do filho, e havia retornado no real* delirante do discurso do narrador das Memórias. Com essa interpretação, Lacan foi o primeiro dos comentadores do caso a teorizar o vínculo existente entre o sistema educativo do pai e o delírio do filho: na pena de Daniel Paul aparecia um universo povoado de instrumentos de tortura, estranhamente semelhantes aos aparelhos de normalização descritos nos manuais que traziam na capa o nome de D.G.M. Schreber, aquele “nome do pai” excluído ou censurado das Memórias ou da “memória” do filho. Em 1992, o comentário de Freud foi radicalmente contestado por um psicanalista norteamericano, Zvi Lothane, membro da International Psychoanalytical Association* (IPA). Ele acusou freudianos e kleinianos de haverem fabricado integralmente diagnósticos falsos (paranóia e esquizofrenia) e, dessa maneira, de haverem infligido aos Schreber, pai e filho, uma “vergonha” e um “assassinato moral” em nome de uma pretensa homossexualidade latente. Lothane “reabilitou” Daniel Paul, fazendo dele um melancólico cuja loucura beirava a genialidade, e Gottlieb Moritz, em quem viu o grande pensador de uma medicina humanista, injustamente chamado de tirano pelos psicanalistas e psiquiatras.

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• Daniel Paul Schreber, Memórias de um doente dos nervos (Leipzig, 1903), S. Paulo, Paz e Terra, 1995 • Sigmund Freud, “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (Dementia paranoides)” (1911), ESB, XII, 23-104; GW, VIII, 240316; SE, XII, 1-79; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 263-321 • Le Cas Schreber. Contributions psychanalytiques de langue anglaise, coletânea organizada, traduzida e apresentada por Luiz Eduardo Prado de Oliveira, Paris, PUF, 1979; Schreber et la paranoïa, textos reunidos e apresentados por Luiz Eduardo Prado de Oliveira, Paris, L’Harmattan, 1996 • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998; O Seminário, livro 3, As psicoses (19551956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2a. ed.; “Présentation des Mémoires du président Schreber en traduction française” (1966), Ornicar?, 38, julho-setembro de 1986, 5-9 • Guy Rosolato, Essais sur le symbolique, Paris, Gallimard, 1969 • Octave Mannoni, Clefs pour l’imaginaire ou l’Autre Scène, Paris, Seuil, 1969 • Maud Mannoni, Educação impossível (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, 2ª ed. • D. Devreese, H. Israël, J. Qualckelbeen, Schreber inédit (1984), Paris, Seuil, 1986 • Han Israël, Schreber père et fils, Paris, Seuil, 1986 • Chawki Azouri, J’ai réussi là où le paranoïaque échoue, Paris, Denoël, 1990 • Zvi Lothane, In Defense of Schreber: Soul Murder and Psychiatry, Hillsdale e Londres, Analytic Press, 1992 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Eric Santner, A Alemanha de Schreber (Princeton, 1996), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

➢ CLIVAGEM DO EU; ÉDIPO, COMPLEXO DE; ESQUIZOFRENIA; OBJETO, RELAÇÃO DE; POSIÇÃO DEPRESSIVA/POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE.

Schriften zur angewandten Seelenkunde (Monografias de psicanálise aplicada) As atas da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, preparadas por Otto Rank* e confiadas por Sigmund Freud* em 1938 a Paul Federn*, que seria seu editor em 1962, juntamente com Hermann Nunberg*, começam pelo relato da reunião de quarta-feira, 10 de outubro de 1906. Naquela noite, Freud se desculpou com seus colegas por não poder fazer-lhes a leitura, em virtude de um atraso do editor Hugo Heller*, do texto que havia redigido para apresentar uma nova coleção destinada a acolher ensaios de psicanálise aplicada*. A criação dessa coletânea atendeu a uma crescente demanda do público. De fato, durante os anos de 1906-1907, grande parte das noites

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Schultz-Hencke, Harald

de quarta-feira foi dedicada a trabalhos dessa ordem, apresentações de biografias psicanalíticas e confrontos sobre os riscos de um excesso de interpretação psicanalítica a propósito de tudo. Ao longo dessas discussões, Freud se afigura dividido entre seu desejo de ver a psicanálise desenvolver-se e conquistar novos campos e o de dotar sua descoberta de um estatuto de cientificidade à prova de tudo. A coletânea foi inaugurada pelo ensaio de Freud intitulado “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen”*. Seguiram-se trabalhos de Carl Gustav Jung*, Karl Abraham*, Otto Rank, Isidor Sadger*, Franz Riklin*, Oskar Pfister*, Max Graf*, Ernest Jones*, Adolf Josef Storfer (1888-1944), Hermine von Hug-Hellmuth*, e ainda o ensaio de Freud denominado “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância”*. A partir do terceiro volume, a coleção, que em 1913 já contava com quinze deles, passou a ser editada por Franz Deuticke, cuja editora estava instalada em Viena* e em Leipzig. Curiosamente, esse acontecimento foi desprezado pelos historiadores e biógrafos, que raramente fazem menção ao texto de apresentação de Freud, incluído no primeiro volume da coleção e também na Standard Edition (mas ausente dos Gesammelte Werke e inédito em francês). Nesse texto, Freud esclarece que a coleção será dirigida “ao mais vasto público instruído, que, sem ter formação em filosofia ou em medicina, ainda assim é capaz de aquilatar o esforço da ciência da alma humana no sentido de levar a uma compreensão profunda da vida humana”. Os livros dessa coleção, prossegue ele, constituirão exemplos da aplicação dos conhecimentos psicológicos a questões de arte, literatura e história das civilizações e das religiões. Cada volume terá seu estilo próprio, ora decorrendo da abordagem especulativa, ora da investigação exata, mas todos deverão evitar os levantamentos ou a compilação. Por último, Freud esclarece que cada autor será responsável por seu texto e que a coleção, “aberta à expressão de opiniões divergentes”, dará “a palavra à máxima variedade de pontos de vista e de princípios da ciência contemporânea”. • Sigmund Freud, “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen”, ESB, IX, 17-96; SE, IX, 1-95; Paris, Gallimard,

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1986, precedido por “La Jeune fille”, de Jean-Bertrand Pontalis, 9-23 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Les Premiers psychanalystes. Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, I, 1906-1908 (1962), Paris, Gallimard, 1976.

Schultz-Hencke, Harald (1892-1953) médico e psicanalista alemão

Como Felix Boehm*, Carl Müller-Braunschweig* e Werner Kemper*, Harald SchultzHencke foi um dos psicanalistas que colaboraram com o Deutsche Institut für Psychologische Forschung (ou Göring Institut, ou Instituto Alemão de Pesquisas Psicológicas e Psicoterapia), fundado por Matthias Heinrich Göring* em 1936, no quadro da nazificação da psicanálise* na Alemanha* e da política de “salvamento” desta, promovida por Ernest Jones*. Nascido em Berlim, sua mãe era grafóloga e seu pai físico e químico. Participou dos combates da Primeira Guerra Mundial e passou da medicina para a psicanálise depois de um tratamento com Sandor Rado*. Logo se opôs às teses freudianas sobre a sexualidade*, orientando-se, já em 1927, para a doutrina de Alfred Adler*, exibindo opiniões socialistas. Como Poul Bjerre* anteriormente, pretendeu ser fundador de uma escola de psicoterapia*, à qual deu o nome de neopsicanálise ou neoanálise. Em 1926, fundou a Allgemeine Ärztliche Gesellschaft für Psychotherapie (AÄGP), sociedade que agrupava psiquiatras e psicanalistas. Depois do advento do nazismo*, criou a Sociedade Alemã dos Clínicos Gerais para a Psicoterapia (DAÄGP), cujo objetivo era ensinar uma psicoterapia de acordo com as concepções nacional-socialistas. Personagem medíocre, fraco e vaidoso, aderiu ao nazismo* e colaborou com Göring, menos por engajamento militante do que por oportunismo. Depois da capitulação da Alemanha, Schultz-Hencke tomou parte, com Kemper, em uma reunião de psiquiatras na parte leste de Berlim ocupada pelas tropas soviéticas. Nessa ocasião, defendeu os princípios da neopsicanálise, segundo ele única capaz de superar as querelas do freudismo, e exibiu opiniões de esquerda favoráveis ao marxismo e ao comunismo. Assim, contribuiu, em nome do combate


Schur, Max

contra a ortodoxia freudiana, para a reconstrução, na República Democrática Alemã (DDR), de uma escola de psicoterapia* de tipo pavloviano, visando liquidar o freudismo. Depois de colaborar com o nazismo para a destruição da psicanálise por causa de judeidade*, apoiou com igual zelo a política stalinista de rejeição às teses freudianas, que iria se estender a todos os países dominados pelo socialismo real após a partilha de Ialta. Posteriormente, como Kemper, também não foi molestado por seu passado nazista, mas ferozmente criticado pelos freudianos da International Psychoanalytical Association* (IPA), particularmente Jones e Müller-Braunschweig, pelo caráter “desviacionista” de sua neopsicanálise. • Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, Textos traduzidos e apresentados por Jean-Luc Evard, Paris, Confrontation, 1984 • Chaim S. Katz (org.), Psicanálise e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Geoffrey Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford, 1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987 • Regine Lockot, Erinnern und Durcharbeiten, Frankfurt, Fischer, 1985 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987.

➢ COMUNISMO; JACOBSON, EDITH; JUNG, CARL GUSTAV; KEMPER, ANA KATRIN; KRETSCHMER, ERNST; LAFORGUE, RENÉ; MAUCO, GEORGES; NEOFREUDISMO; RITTMEISTER, JOHN.

Schultz, Johannes Heinrich (1884-1970) médico alemão

Criador, em 1932, do método do treinamento autógeno, do qual se originaram todas as outras psicoterapias* fundadas no relaxamento, Johannes Schultz foi aluno de Otto Binswanger (1852-1929), tio de Ludwig Binswanger*, antes de se orientar para as teses de Carl Gustav Jung*. Desde 1933, aderiu ao nacional-socialismo por convicção e por oportunismo, e integrou-se ao corpo motorizado dos SA. Como Harald Schultz-Hencke*, Werner Kemper* ou Felix Boehm*, contribuiu para a nazificação da psicanálise* e das outras correntes da psicoterapia, sob a direção de Matthias Heinrich Göring, em Berlim. No Göring Institut, exerceu sobretudo as funções de organizador do hos-

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pital-dia, praticou a hipnose* e a sugestão*, desenvolvendo tratamentos curtos em função dos interesses ideológicos e econômicos do regime. • Johannes H. Schultz, Le Traitement autogène. Méthode de relaxation par auto-déconcentration concentrative (Berlim, 1932), Paris, PUF, 1965, adaptado por R. Durant de Bousingen e Y. Becker • Geoffrey Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford, 1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987.

➢ ALEMANHA; LAFORGUE, RENÉ; MAUCO, GEORGES; NAZISMO.

Schur, Max (1897-1969) médico e psicanalista americano

Nascido em Stanislau, na Polônia, e originário da burguesia judaica, Max Schur estudou na Universidade de Viena*. Aos 18 anos, assistiu às conferências de Sigmund Freud* sobre psicanálise* e logo começou seus estudos de medicina. Especializou-se em medicina interna e iniciou uma análise com Ruth Mack-Brunswick* em 1924. Três anos depois, tornou-se médico pessoal de Marie Bonaparte* e, no ano seguinte, esta insistiu para que Freud o tomasse como médico, no lugar de Felix Deutsch*. Uma nova vida começou então para Max Schur, que acompanhou Freud durante toda a sua longa doença, até 1939. Em 23 de setembro, em Londres, a seu pedido e com o consentimento de sua filha Anna Freud*, administrou a Freud por três vezes consecutivas uma dose de três centigramas de morfina, o que pôs fim a seu sofrimento. Depois, emigrou para os Estados Unidos* e integrou-se à New York Psychoanalytic Society (NYPS). Continuando a praticar a medicina, orientou-se para a profissão de psicanalista. Depois de Ernest Jones*, foi o segundo grande biógrafo de Freud. Publicou em 1972 uma obra notável, Freud: vida e agonia, que relatava com muitos detalhes a evolução do câncer do mestre e interpretava seus textos em função de sua relação com a morte. • Max Schur, Freud: vida e agonia, uma biografia, 3 vols. (N. York, 1972), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 •

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Sechehaye, Marguerite

Ernst Federn, Témoin de la psychanalyse (Londres, 1990), Paris, PUF, 1994.

➢ HISTORIOGRAFIA.

próprios a história de seu caso, fora da nosografia e das patografias do saber psiquiátrico. • Marguerite Sechehaye, Journal d’une schizophrène, Paris, PUF, 1950 • Élisabeth Roudinesco, entrevista com Mario Cifali, 15 de fevereiro de 1996.

Sechehaye, Marguerite, née Burdet (1887-1964) psicanalista suíça

Especialista na abordagem psicanalítica da esquizofrenia*, Marguerite Sechehaye era de uma família protestante de imigrantes das Cévennes. Na Universidade de Genebra, fez os cursos de Ferdinand de Saussure (1857-1913), e foi parcialmente a partir de suas anotações que Charles Bally e Albert Sechehaye, alunos de Saussure, redigiram o famoso Curso de lingüística geral. Aos 19 anos de idade, casou-se com Sechehaye e orientou-se para o Instituto Jean-Jacques Rousseau, fundado por Édouard Claparède*. Ligada, por seu casamento, a duas ilustres famílias de Genebra, fez uma formação psicanalítica de um ano com Raymond de Saussure*. No período entre as duas guerras, participou do desenvolvimento do movimento psicanalítico suíço, freqüentando os principais representantes freudianos da psicanálise de crianças: Melanie Klein*, Donald Woods Winnicott*, Anna Freud*, René Spitz*. Nessa época, começou a conceber um método original para o tratamento da esquizofrenia, fundado na “realização simbólica”. Foi estimulada em suas pesquisas por Sigmund Freud*. Em 1950, publicou uma obra inaugural, Diário de uma esquizofrênica, que tinha a originalidade de associar o depoimento da doente (Renée) ao comentário do terapeuta. A primeira parte do livro era redigida como uma “auto-observação” do caso pela própria paciente, enquanto na segunda a autora apresentava uma “interpretação” da introspecção da paciente. Esta se chamava, na realidade, Louisa Duess e, depois dessa aventura, foi adotada por Marguerite, cujo nome ela assumiu. Mais tarde também se tornou psicanalista. Traduzido no mundo inteiro, esse documento anunciava muitas interrogações da década seguinte, principalmente as da antipsiquiatria* sobre o estatuto da loucura* e sobre a possibilidade, para os loucos, de expressarem por si

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sedução, teoria da al. Verführungstheorie; esp. teoría de la seducción; fr. théorie de la séduction; ing. theory of seduction

Na história da psicanálise*, a questão do abandono da teoria da sedução por Sigmund Freud*, em 1897, nunca deixou de ser objeto de conflitos interpretativos. A palavra sedução remete, antes de mais nada, à idéia de uma cena sexual em que um sujeito*, geralmente adulto, vale-se de seu poder real ou imaginário para abusar de outro sujeito, reduzido a uma posição passiva: uma criança ou uma mulher, de modo geral. Em essência, a palavra sedução é carregada de todo o peso de um ato baseado na violência moral e física que se acha no cerne da relação entre a vítima e o carrasco, o senhor e o escravo, o dominador e o dominado. Foi exatamente dessa representação da coerção que Freud partiu ao construir, entre 1895 e 1897, sua teoria da sedução, segundo a qual a neurose* teria como origem um abuso sexual real. Essa teoria apoiava-se simultaneamente numa realidade social e numa evidência clínica. Nas famílias, e às vezes até na rua, as crianças muitas vezes são vítimas de violações por parte dos adultos. Pois bem, a lembrança desses traumas é tão penosa que todos preferem esquecê-los, não vê-los ou recalcá-los. Escutando as histéricas do fim do século que lhe confidenciavam essas histórias, Freud deuse por satisfeito com a prova do discurso delas e construiu sua primeira hipótese do recalque* e da causalidade sexual da histeria* com base na teoria da sedução. Achou que era por terem sido realmente seduzidas que essas histéricas eram afetadas por distúrbios neuróticos. Assim, emitiu dúvidas sobre o pai de um modo geral, sobre Jacob Freud* em particular e... sobre ele mesmo: porventura não havia também experimentado desejos* culpados em relação a suas próprias filhas?


sedução, teoria da

Foi através de sua relação com Wilhelm Fliess*, adepto de uma teoria biológica da bissexualidade* e de uma concepção da sexualidade* fundamentada no “traço” real, que Freud renunciou progressivamente à teoria da sedução. De fato, esbarrou numa realidade irredutível: nem todos os pais eram violadores, e, no entanto, as histéricas não estavam mentindo quando se diziam vítimas de uma sedução. Era forçoso, portanto, formular uma hipótese que pudesse dar conta dessas duas verdades contraditórias. Freud percebeu duas coisas: ora as mulheres inventavam, sem mentir nem simular, cenas de sedução que não haviam acontecido, ora, quando essas cenas haviam tido lugar, elas não explicavam a eclosão de uma neurose. Para dar coerência a tudo isso, Freud substituiu a teoria da sedução pela da fantasia*, o que pressupôs a elaboração de uma doutrina da realidade psíquica* baseada no inconsciente*. Todos os seus contemporâneos haviam pensado em sair da idéia da causalidade real e passar para uma “outra cena”. Mas Freud foi o primeiro a apontar sua localização, resolvendo o enigma das causas sexuais: elas eram fantasísticas, mesmo quando havia um trauma real, uma vez que o real da fantasia não é da mesma natureza que a realidade material. Note-se que, no momento em que deu esse passo, Freud estava prestes a se libertar, ele mesmo, da sedução de Fliess, o qual, no entanto, nunca fora um partidário convicto de sua teoria da sedução. Freud anunciou haver renunciado à teoria da sedução numa carta de 21 de setembro de 1897 endereçada a Fliess: “Não acredito mais em minha neurotica, o que não há de ser compreensível sem uma explicação.” Segue-se então um longo comentário sobre as dúvidas, hesitações e suspeitas que o haviam conduzido ao caminho da verdade. E ele conclui que corre o risco de decepcionar a humanidade e de não ficar rico nem célebre, uma vez que renunciou a uma prova falsa que, não obstante essa falsidade, convinha a todo o mundo: “Eis-me obrigado a ficar quieto, a permanecer na mediocridade, a fazer economias e a ser atormentado por preocupações, e é então que me volta à cabeça uma das historinhas de minha antologia: ‘Rebeca, tire o vestido, você não é mais noiva nenhuma.’”

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Dada a importância capital desse abandono no que tange ao nascimento da psicanálise, a questão da teoria da sedução foi objeto de debates e comentários particularmente animados. Três tendências se desenharam entre os freudianos. A primeira, representada pelos ortodoxos, nega a existência de seduções reais em prol de uma supervalorização da fantasia e, por conseguinte, leva a que o psicanalista nunca se ocupe, na análise, dos abusos sofridos por seus pacientes, tanto na infância quanto em sua vida atual. Note-se que o kleinismo*, sem negar a existência de seduções reais, levou muito longe a preponderância da realidade psíquica, fazendo os traumas derivarem de uma relação de objeto* baseada numa sedução imaginária de tipo sádico, e julgada muito mais violenta do que o trauma real: daí a invenção do objeto* bom e mau e, mais tarde, do conceito de phantasia* (grafada com ph em vez de f). A segunda tendência é representada pelos adeptos do biologismo e das teorias “fliessianas” da sexualidade, desde a sexologia* até Alice Miller e a neurobiologia, passando por Wilhelm Reich*. Ela consiste em negar a existência da fantasia e em remeter qualquer forma de neurose ou psicose* a uma causalidade traumática, isto é, a uma violação (do pensamento ou do corpo) realmente sofrida na infância. Os partidários dessa posição acusam os freudianos de mentirem sobre a realidade social e, acima de tudo, de não levarem a sério as queixas e confissões dos pacientes que são vítimas de violações, pancadas, torturas morais e físicas ou abusos diversos. Eles acabaram substituindo a análise por uma tecnologia da confissão e procurando fazer os pacientes “confessarem”, através da sugestão* ou sob hipnose*, tanto os traumas reais quanto os maus-tratos imaginários. A terceira tendência, a única que se mostra conforme à ética e à teoria freudianas, bem como à realidade social, aceita simultaneamente a existência da fantasia e a do trauma. No plano clínico, tanto com crianças quanto com adultos, o psicanalista deve ser capaz de discernir e levar em conta as duas ordens de realidade, muitas vezes superpostas. Na verdade, é tão grave desprezar o abuso real quanto confundir a fantasia com a realidade. Sob esse aspecto,

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sedução, teoria da

a negação da ordem psíquica é sempre uma mutilação tão grave para o sujeito quanto a negação de um trauma real. Na história do movimento psicanalítico, esse problema é ainda mais complexo, na medida em que os psicanalistas da primeira geração* foram acusados, sobretudo nos países puritanos, de haverem, eles mesmos, abusado sexualmente de seus pacientes. Foi o que aconteceu com Ernest Jones* na Grã-Bretanha* e no Canadá*. Nesses países, é comum assimilarem-se a um abuso de poder tanto as interpretações* selvagens quanto as relações sexuais livremente consentidas, quando um dos parceiros ocupa em relação ao outro um lugar de “dominador” (professor/aluno, médico/paciente), ou ainda as relações transgressoras (incesto*). Do ponto de vista clínico, foi Sandor Ferenczi* quem levou mais longe a discussão psicanalítica dessa questão, ao apresentar ao congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) realizado em Wiesbaden, em 1932, uma intervenção que seria publicada sob o título de “Confusão de língua entre os adultos e a criança”. Nele, Ferenczi fustigou a hipocrisia da corporação analítica e suas atitudes de “neutralidade benevolente”, mostrando que ela repetia a hipocrisia parental. Em conseqüência disso, longe de se curar ou se libertar, o paciente se trancafiava na análise. Sem abolir a dimensão da fantasia, Ferenczi reivindicou que se levasse em conta, na e através da psicanálise, a existência de seduções reais: “Até crianças pertencentes a famílias honradas e de tradição puritana, com mais freqüência do que nos atrevemos a pensar, são vítimas de violências e violações. Ora são os próprios pais que buscam dessa maneira patológica um substituto para suas insatisfações, ora são pessoas de confiança, membros da mesma família (tios, tias, avós), ora, ainda, são os preceptores ou a criadagem doméstica que abusam da ignorância ou da inocência das crianças. A objeção, qual seja, a de que se trata de fantasias infantis, isto é, de mentiras histéricas, lamentavelmente perde força em conseqüência do número considerável de pacientes em análise que confessam, eles mesmos, haver chegado às vias de fato com crianças.”

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Nem era preciso tanto para exasperar a ortodoxia freudiana. Max Eitingon* e Abraham Arden Brill* tiveram a pretensão de impedir Ferenczi de ler sua comunicação no congresso, enquanto o próprio Freud tentou dissuadi-lo de publicá-la. Quanto a Jones, recusou-se a publicar o texto no International Journal of Psychoanalysis* (IJP), temendo que recomeçasse o debate do qual ele próprio fora o pivô. Na verdade, todos quatro eram tão hostis a essa renovação da teoria da sedução quanto à evolução ferencziana em matéria de técnica ativa. Na opinião deles, a denúncia da hipocrisia psicanalítica trazia o risco de prejudicar a “causa”. A história da teoria da sedução transformouse num verdadeiro escândalo no início da década de 1980, quando Kurt Eissler e Anna Freud* decidiram confiar a publicação integral das cartas de Freud a Fliess a um acadêmico norteamericano, devidamente formado no serralho da ortodoxia. Nascido em Chicago em 1941, Jeffrey Moussaïeff Masson pôs-se a ler os arquivos interpretando-os de maneira selvagem, com a idéia de que eles esconderiam uma verdade oculta, e afirmou que Freud renunciara por covardia à teoria da sedução. Não se atrevendo a revelar ao mundo as atrocidades cometidas pelos adultos com as crianças, Freud teria inventado a fantasia para mascarar uma realidade; seria, portanto, pura e simplesmente, um falsário. Em 1984, Masson publicou um livro sobre o assunto, O real escamoteado, que foi um dos maiores best-sellers psicanalíticos norte-americanos da segunda metade do século. O livro, apoiado na tradição do puritanismo, veio corroborar as teses da historiografia* revisionista. Tratou-se, com efeito, de mostrar que a mentira freudiana havia pervertido a América, tornando-se aliada de um poder baseado na opressão: colonização das crianças pelos adultos, dominação das mulheres pelos homens, tirania do conceito sobre o impulso vital etc. Vítima de uma sedução, a América deveria agora libertar-se do jugo da psicanálise, confessando ao mundo que todo homem é sempre vítima de um abuso. Depois desse episódio, a corrente revisionista norte-americana entregou-se a um despedaçamento não apenas da doutrina freudiana, acusada de abuso de poder, mas também do


Self Psychology

próprio Freud, transformado num cientista diabólico e num demônio sexual, culpado de relações abusivas dentro de sua própria família e em seu divã. No contexto dos anos noventa, portanto, o retorno à teoria da sedução foi, inicialmente, uma reação contra a ortodoxia psicanalítica, e, mais tarde, o grande sintoma de uma forma norte-americana de antifreudismo, na qual se misturaram a vitimologia, o culto fanático às minorias oprimidas e a apologia de uma tecnologia da confissão, amplamente apoiada na farmacologia. • Sigmund Freud, La Naissance de la psychanalyse (Londres, 1950), Paris, PUF, 1956; Briefe an Wilhelm Fliess, 1887-1904, Frankfurt, Fischer, 1986 • Freud/Fliess: correspondência completa, 1887-1904, Jeffrey Moussaieff Masson (org.) (Cambridge, 1985), Rio de Janeiro, Imago, 1997 • Sandor Ferenczi, “Confusão de língua entre os adultos e a criança” (1932), in Psicanálise IV, Obras completas, 1927-1933 (Paris, 1982), S. Paulo, Martins Fontes, 1994, 97-107 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Fantasia originária, fantasias das origens, origens da fantasia (Paris, 1985), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Jean-Paul Sartre, Freud, além da alma (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982 • Alice Miller, Le Drame de l’enfant doué (Frankfurt, 1979), Paris, PUF, 1983 • Jeffrey Moussaïeff Masson, Atentado à verdade (Paris, 1984), Rio de Janeiro, José Olympio, 1984 • Ilse Grubrich-Simitis, “Metapsicologia e metabiologia”, in Sigmund Freud, Neuroses de transferência: uma síntese (Frankfurt, 1985), Rio de Janeiro, Imago, 1994; “Trauma or drive — Drive and trauma”, in Albert J. Solnit, Peter B. Neubauer, Samuel Abrams e A. Scott Dowling (orgs.), The Psychoanalytic Study of the Child, New Haven, Yale University Press, vol.XLIII, 1988, 3-32 • Janet Malcolm, Tempête aux Archives Freud, (N. York, 1984), Paris, PUF, 1986 • Marceline Gabel (org.), Les Enfants victimes d’abus sexuels, Paris, PUF, 1992 • Érik Porge, Vol d’idées, Paris, Denoël, 1994.

➢ BIBLIOTECA DO CONGRESSO; CENA PRIMÁRIA; DIFERENÇA SEXUAL; ESTADOS UNIDOS; ESTUDOS SOBRE A HISTERIA; FETICHISMO; FLIESS, ROBERT; GÊNERO; LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFÂNCIA ; PAPPENHEIM, BERTHA; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; RANK, OTTO; SADOMASOQUISMO.

self ➢ SELF PSYCHOLOGY.

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self falso e verdadeiro esp. self falso y verdadero; fr. self faux et vrai; ing. false self/true self A expressão “falso self” foi cunhada por Donald Woods Winnicott* em 1960, para designar uma distorção da personalidade que consiste em enveredar, desde a infância, por uma vida ilusória (o eu inautêntico), a fim de proteger, através de uma organização defensiva, o verdadeiro self (o eu autêntico). O falso self, portanto, é o meio de alguém não ser ele mesmo de acordo com diversas gradações, que chegam até a uma patologia de tipo esquizóide, na qual o falso self é instaurado como sendo a única realidade, com isso vindo expressar a ausência do self verdadeiro. O termo self (falso e verdadeiro) impôs-se na língua francesa sob sua forma inglesa, embora seja ocasionalmente traduzido por soi [eu, si mesmo].

Foi num artigo de 1960, intitulado “Distorção do eu em função do self verdadeiro e falso”, que Donald W. Winnicott introduziu seu célebre “falso self”, que faria fortuna na história do freudismo*. Como sempre acontece em sua obra, o conceito foi construído de maneira luminosa a partir de um caso clínico (a história de uma mulher que tinha a impressão de nunca haver existido), sendo depois estendido a uma compreensão geral da natureza existencial do “autêntico” e do “inautêntico”, na qual a relação com a mãe revela-se decisiva. Winnicott extraiu dessa observação um ensinamento fecundo para a técnica psicanalítica* e mostrou como desarticular, na transferência*, os numerosos artifícios com que o falso self encobre o verdadeiro, a ponto de tornar a própria análise inoperante. • Donald W. Winnicott, O ambiente e os processos de maturação (Londres, 1960), P. Alegre, Artes Médicas, 1983 • Claude Geets, Winnicott, Paris, Édition Universitaire, 1981.

self grandioso ➢ KOHUT, HEINZ.

Self Psychology esp. self psychology; fr. self psychologie ou psychologie du soi; ing. Self Psychology

Inicialmente utilizada por Heinz Hartmann* em 1950, no contexto da Ego Psychology*, para

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Self Psychology

diferenciar o eu* como instância psíquica (traduzido em inglês por ego) do eu como a própria pessoa, a noção de self (si mesmo) foi depois empregada para designar uma instância da personalidade no sentido narcísico: uma representação de si por si mesmo, um auto-investimento libidinal. O termo foi retomado em 1960 pela escola inglesa de psicanálise*, com Donald Woods Winnicott*, e pela escola norte-americana, com Heinz Kohut*, isto é, pela terceira geração* internacional da história do freudismo*. Para os ingleses, tratava-se de acrescentar à segunda tópica* freudiana um complemento fenomenológico da pessoa ou do ser, isto é, uma instância da personalidade constituída posteriormente ao eu, numa relação com a mãe e numa relação com o semelhante. O self serviu então para delimitar a dimensão narcísica do sujeito*, estivesse esta sadia ou destruída e fosse o self verdadeiro ou falso. Por meio disso, a noção permitiu abordar distúrbios da identidade tidos como “inacessíveis” a uma psicanálise centrada no eu. Entre os norte-americanos, a conotação fenomenológica desapareceu e o self transformou-se numa noção puramente empírica, que serviu basicamente para definir uma clínica específica dos distúrbios narcísicos: o “self grandioso” de Kohut, por exemplo, ou o “eu fraco” de John Rosen, teórico da análise direta*. Nessa dupla condição, a partir da década de 1960, o termo erigiu-se como paradigma de uma corrente do freudismo anglófono, a Self Psychology. Depois de se desenvolver em oposição às deficiências de uma Ego Psychology demasiadamente centrada na adaptação e na clínica das neuroses*, ela formou então uma nebulosa de contornos imprecisos, onde se viram misturados todos os clínicos norte-americanos e ingleses especializados em distúrbios da personalidade, na despersonalização, nos borderlines* na neurose narcísica e na esquizofrenia*, fossem eles kleinianos, pós-kleinianos, annafreudianos ou antipsiquiatras, e pertencessem ou não à International Psychoanalytical Association* (IPA). Contemporânea do lacanismo*, a corrente da psicologia do self foi, como ele, uma tentativa de renovar o freudismo clássico, através de um confronto com o tratamento das psicoses e

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mediante a introdução de uma teoria da subjetividade alheia à metapsicologia*. Não teve nenhum impacto na França*, onde o terreno fora ocupado pela teoria lacaniana e pela psicoterapia institucional*, nem tampouco no mundo germânico, onde a análise existencial*, proveniente de Ludwig Binswanger* e retomada por Igor Caruso* e pelos fenomenologistas, respondia mais ou menos às mesmas interrogações. E quase não teve eco na América Latina (Argentina*, Brasil*), onde apenas o lacanismo, o kleinismo* e o pós-kleinismo se desenvolveram nos regimes ditatoriais, a partir de problemáticas idênticas. É interessante constatar que esse vasto movimento de busca de identidade correspondeu, nos Estados Unidos*, à última tentativa crítica de salvar a doutrina psicanalítica da crise de identidade pela qual ela foi atingida, em razão de sua ortodoxia e da disseminação das psicoterapias*. Nascido da contestação dos modelos adaptativos, o movimento da Self Psychology extinguiu-se no início da década de 1990, com a grande reação puritana norte-americana, simultaneamente oriunda do conservadorismo, do cognitivismo, do organicismo e dos diferentes comunitarismos hostis ao universalismo freudiano. • D.C. Levin, “The Self: A contribution to its place in theory and technique”, IJP, 1, 1969, 40-51 • Heinz Kohut, Análise do Self (N. York, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1988 • A restauração do self (N. York, 1977), Rio de Janeiro, Imago, 1988 • Arnold Goldberg (org.), Progress in Self Psychology, 2 vols., N. York, Guilford Press, 1985 • Agnès Oppenheimer, “La Psychologie du self en question”, Psychanalyse à l’Université, 12, 47, 1987, 487-96; “La Psychologie du self, dix ans après”, ibid. 13, 51, 1988, 503-13; Kohut et la psychologie du self, Paris, PUF, 1996 • Philip Cushman, Constructing the Self, Constructing America. A Cultural History of Psychotherapy, N. York, Addison-Wesley Publishing Company, 1995 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, 1917-1985, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; BION, WILFRED RUPRECHT; DIFERENÇA SEXUAL; ESTÁDIO DO ESPELHO; FEDERN, PAUL; GÊNERO; IMAGEM DO CORPO; LAING, RONALD; NARCISISMO; SELF (FALSO E VERDADEIRO); SUJEITO; SULLIVAN, HARRY STACK.


sexologia

Servadio, Emilio (1904-1995) psicanalista italiano

Nascido em Sestri-Ponente, na província de Gênova, de formação jurídica, Emilio Servadio logo se interessou pela psicologia, pela hipnose* e pelas questões sobre as relações entre a filosofia e o estudo dos processos mentais. Muito jovem, leu a produção científica francesa, Jean Martin Charcot*, Hippolyte Bernheim*, Joseph Babinski* e também Pierre Janet*, cuja aversão pelas teses de Sigmund Freud* criticou severamente. Influenciado inicialmente pelas idéias do psiquiatra Enrico Morselli (18521929), que combateria violentamente a psicanálise (e mais especialmente Edoardo Weiss*), Servadio se apaixonou pela parapsicologia. Depois de se tornar psicanalista, continuou a se interessar ativamente por essas questões, a ponto de se tornar um especialista de renome mundial. Nunca se preocupou com as críticas e reservas que lhe faziam, a esse respeito, os seus amigos psicanalistas italianos, Cesare Musatti* e Franco Fornari* principalmente. Desde 1924, em um artigo dedicado à “medicina psicológica”, citou Freud, de quem traduziria algumas obras, reconhecendo na psicanálise o mérito de ter aberto um novo campo para a experiência e a pesquisa metapsicológicas. Mas foi o encontro com aquele que se tornaria seu analista, Weiss, que o levou a se orientar definitivamente para a psicanálise. Tornando-se analista, fez parte do pequeno grupo de pioneiros que se reuniam em torno de Weiss, na sua casa em Roma, na Via dei Gracchi. Uma certa rivalidade com Nicola Perrotti*, que dirigia o Instituto de Psicanálise em Roma, levou Servadio a fundar na mesma cidade o Centro de Psicanálise. Vítima, como muitos outros, das leis anti-semitas, Servadio deixou a Itália em 1938 e exilou-se em Bombaim, mas nunca teria um papel determinante para o freudismo* na Índia*. Ao voltar em 1946, reassumiu suas atividades de psicanalista. Notável clínico, multiplicando as contribuições sobre as questões relativas à primeira infância, à homossexualidade* e aos efeitos das drogas alucinógenas, apaixonado por teoria literária, Servadio se tornaria

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um dos terapeutas italianos mais ativos e mais conhecidos. Em 1953, por ocasião do XXVI Encontro de Psicanalistas de Línguas Românicas, no qual Jacques Lacan* expôs o seu texto “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise”, apresentou um relatório sobre o “Papel dos conflitos pré-edipianos” que seria traduzido para o francês. No começo dos anos 1960, com o professor Leonardo Ancona, atacou as conseqüências da condenação da psicanálise pelo padre Agostino Gemelli (1878-1959). De 1963 a 1969, foi presidente da Società Psicoanalitica Italiana (SPI). Preocupado em proteger a psicanálise da invasão das psicoterapias de grupo na Itália, fundou em 1981 a Sociedade Italiana de Psicoterapia Psicanalítica, destinada a reunir os praticantes que não tivessem formação psicanalítica. • Emilio Servadio, “La psicoanalisi in Italia. Cenno storico”, Rivista di Psicoanalisi, 11, 1965; “Rôle des conflits préoedipiens”, Revue Française de Psychanalyse, 1954 • Contardo Callligaris, “Petite histoire de la psychanalyse en Italie”, Critique, 333, fevereiro de 1975 • Michel David, La psicoanalisi nella cultura italiana (1966), Turim, Bollati Boringhieri, 1990; “La Psychanalyse en Italie”, in Roland Jaccard (org.), Histoire de la psychanalyse, vol.II, Paris, Hachette, 1982 • Arnaldo Novelletto, “Italy”, in Peter Kuetter (org.), Psychoanalysis International. Guide to Psychoanalysis throughout the World, Stuttgart-Bad Cannstatt, Frommann-Holzboog, 1992, 195-213 • Silvia Vegetti Finzi, Storia della psicoanalisi, Milão, Mondadori, 1986.

➢ IGREJA.

sessão curta ➢ TÉCNICA PSICANALÍTICA.

sexologia al. Sexologie; esp. sexología; fr. sexologie; ing. sexology Disciplina ligada à biologia, que toma por objeto de estudo a atividade sexual humana com um objetivo descritivo e terapêutico.

A palavra sexologia apareceu pela primeira vez na língua inglesa em 1867 e, depois, na língua francesa, em 1911, num livro francês dedicado à determinação do sexo das crianças antes do nascimento. A partir de 1920, começou

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sexologia

a integrar os dicionários, os tratados especializados e o vocabulário corrente. A sexologia, ou “ciência do sexual”, constituiu-se no fim do século XIX, com os trabalhos eruditos dos três pais fundadores dessa doutrina: Richard von Krafft-Ebing*, que lançou em 1886 seu célebre livro Psychopathia sexualis, Albert Moll*, que publicou em 1897 sua Libido sexualis, e Havelock Ellis*, autor, a partir de 1897, de um compêndio sobre a questão, intitulado Estudos de psicologia sexual. Em seguida, com Magnus Hirschfeld* e Ivan Bloch (1872-1922), desenvolveu-se uma escola alemã de sexologia cujo objetivo era estudar o comportamento sexual humano e lutar pela igualdade de direitos em matéria de prática sexual. Simultaneamente interessada no higienismo, na nosografia e na descrição das “aberrações”, ela se preocupava menos com a terapêutica do que com a erudição e a pesquisa literária sobre as diferentes formas de práticas e identidades sexuais: homossexualidade*, heterossexualidade, bissexualidade*, perversão*, travestismo, transexualismo*, zoofilia etc. Foi com essa perspectiva que se criou em Berlim, em 1913, a Sociedade Médica de Ciência Sexual e Eugênica, que seria dissolvida pelos nazistas. Tal como a criminologia*, a sexologia construiu-se, no fim do século XIX, no terreno da teoria da hereditariedade-degenerescência*, quando os médicos e juristas de língua alemã começaram a encampar o domínio antes “privado” da sexualidade* humana, no intuito de definir, científica e juridicamente, as condições de uma possível relação entre a norma e a patologia no seio de uma sociedade às voltas com o declínio da função paterna tradicional. Tratava-se, pois, de instaurar uma nova divisão entre a ordem jurídica, encarregada de sancionar os desvios julgados perigosos ou criminosos para a sociedade burguesa industrial, e a ordem psiquiátrica, cujo objetivo era o tratamento e a prevenção (higienista ou eugenista) da loucura* sexual, fosse ela criminosa ou simplesmente desviante. O nascimento da sexologia, portanto, foi contemporâneo ao da psicanálise*. Sigmund Freud* reconheceu sua dívida para com os sexólogos ao publicar, em 1905, seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*; do mesmo mo-

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do, estes fizeram dele um dos fundadores da sexologia. Não obstante, a perspectiva de um e dos outros nunca seria a mesma. Ao elaborar uma teoria universal da sexualidade humana baseada na noção de libido*, com a qual transformou o significado da oposição entre a norma e a patologia, Freud distinguiu teoricamente sua doutrina de qualquer forma de estudo comportamental, assim como se afastou clinicamente, através do método psicanalítico, de todas as psicoterapias* pautadas nas idéias de pesquisa ou de conduta. Logo após a Primeira Guerra Mundial, em especial sob a influência das teses de Wilhelm Reich*, a sexologia começou a deixar o campo das descrições literárias ou médico-legais: transformou-se num movimento político, centralizado na idéia da liberação sexual, e criou um modelo de psicoterapia que tinha por objeto a função do orgasmo, isto é, a mensuração e a descrição dos fenômenos psíquicos, fisiológicos e biológicos ligados às diferentes modalidades do ato sexual, inclusive a masturbação. Depois da Segunda Guerra Mundial, a sexologia teve um avanço considerável nos Estados Unidos*. Saiu do campo do engajamento libertário, trocando-o pelo da adaptação, e substituiu o estudo das inversões e das anomalias por uma descrição psicossociológica dos comportamentos sexuais de massa, enquanto preservava a idéia da terapia orgástica. É nessa perspectiva que convém situar o trabalho taxionômico de Albert Kinsey, autor de uma série de pesquisas publicadas entre 1948 e 1953 sobre o comportamento sexual dos norte-americanos, bem como o livro que William Masters e Virginia Johnson publicaram em 1966, dedicado ao mesmo assunto. Esses trabalhos pragmáticos, realizados por ginecologistas, psicólogos ou biólogos, tentaram dar uma fundamentação clínica à sexologia do orgasmo e da masturbação, mas contribuíram, acima de tudo, para divulgar as teses dos partidários de uma liberalização dos costumes. Com essa expansão, a sexologia normatizou-se e foi dominada pela proliferação de psicoterapias. Abandonou para sempre o paraíso polimorfo no qual habitava a sexualidade perversa que fora descrita em palavras latinas pelos pais fundadores. Ao encantador catálogo de


sexuação, fórmulas da

toda sorte de anomalias, que tanto fascinara os cientistas do fim do século XIX, ainda próximos da literatura de Sade (1740-1814) e de Sacher-Masoch (1836-1895), sucedeu-se uma técnica descritiva e mecanizada do dever orgástico, sem nenhuma relação com a própria natureza da sexualidade. Nesse sentido, a partir do fim da década de 1970, a sexologia não mais contribuiu verdadeiramente para o conhecimento, ao contrário do que havia acontecido na época da descoberta freudiana. Foram os estudos da história da sexualidade, nascidos dos trabalhos do filósofo Michel Foucault (1926-1984) e do historiador Philippe Ariès (1914-1984), que trouxeram para a psicanálise, para a antropologia*, para a psicopatologia* e para todos os campos das ciências humanas uma renovação comparável à insuflada por Freud na virada do século, quando ele criou sua doutrina contrariando as classificações da sexologia, ainda que se alimentasse de suas descrições, seu vocabulário e suas fantasias. • Richard von Krafft-Ebing, Psychopathia sexualis (Stuttgart, 1886, Paris, 1907), Paris, Payot, 1969 • Albert Moll, Der Hypnotismus, Berlim, Fischer’s Medizinische Buchhandlung, H. Kornfeld, 1889; Untersuchungen über die Libido Sexualis, Berlim, Fischer’s Medizinische Buchhandlung, H. Kornfeld, 1897 • Havelock Ellis, Études de psychologie sexuelle, vol.I (Londres, 1897), Paris, Mercure de France, 1904 • Albert Kinsey (org.), Le Comportement sexuel de l’homme (Filadélfia, 1948), Paris, Pavois, 1948; Le Comportement sexuel de la femme (Filadélfia, 1953), Paris, Amiot-Dumant, 1954 • W.H. Masters e V.E. Johnson, Les Réactions sexuelles (Boston, 1966), Paris, Laffont, 1968 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979 • Sexualités occidentales (1982), sob a direção de Philippe Ariès e André Béjin, Paris, Seuil, col. “Points”, 1984.

➢ DIFERENÇA SEXUAL; FETICHISMO; GÊNERO; MASOQUISMO; PANSEXUALISMO; REICH, WILHELM; SADISMO; SEXUALIDADE FEMININA; STOLLER, ROBERT.

sexuação, fórmulas da al. Formeln der Sexuierung; esp. fórmulas de la sexuación; fr. formules de la sexuation; ing. formulae of sexuation Proposições lógicas formuladas por Jacques Lacan* para traduzir a diferença sexual* e a sexualidade feminina*.

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No contexto de sua última reformulação lógica, na qual apareceram as idéias de matema* e nó borromeano*, Jacques Lacan construiu, em 1973, um matema da identidade sexual, mediante o qual tentou superar o falicismo freudiano e estabelecer sua própria concepção da sexualidade feminina e da diferença sexual. Utilizando o quadrado lógico de Apuleio, Lacan enunciou o que denominou de fórmulas da sexuação, ou seja, quatro proposições lógicas. As duas primeiras são proposições universais, uma afirmativa — “Todos os homens têm o falo*” — e uma negativa: “Nenhuma mulher tem o falo”. Essas duas proposições resumem, segundo Lacan, a posição freudiana da libido* masculina única, sendo o falo assimilado ao órgão sexual masculino. Segundo Lacan, entretanto, essa posição é inaceitável, pois avaliza a fantasia* de uma complementaridade entre homens e mulheres e desemboca numa concepção do Um como negação da diferença e exclusão da castração*, como quando se diz, por exemplo, a “humanidade” ou o “gênero humano”. Vêm então as outras duas fórmulas. Uma é particular negativa: “Todos os homens, menos um, estão submetidos à castração.” Nesse caso, o conjunto dado, “todos os homens”, só pode existir logicamente se existir um outro elemento, distinto do conjunto: no caso, o pai originário da horda primitiva (Totem e tabu*), que pode possuir todas as mulheres. A última fórmula é uma particular negativa: “Não existe nenhum X que constitua uma exceção à função fálica.” Na medida em que não existe, para o conjunto feminino, um equivalente do pai originário que escape à castração — o pelo-menos-um do conjunto dos homens —, todas as mulheres têm um acesso ilimitado à função fálica. Existe, portanto, uma dissimetria entre os dois sexos. Foi a partir destas duas últimas fórmulas que Lacan definiu as formas masculina e feminina de seu conceito de gozo*. • Jacques Lacan, O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise (1969-1970) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992; Le Séminaire, livre XIX, ... Ou pire (le savoir du psychanalyste) (1971-1972), inédito; O Seminário, livro 20, Mais, ainda (1972-1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 2ª ed. • Joël Dor, Introdu-

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sexualidade

ção à leitura de Lacan, t.II (Paris, 1992), P. Alegre, Artes Médicas, 1996.

➢ FALOCENTRISMO; GÊNERO; OUTRO; PATRIARCADO.

sexualidade al. Sexualität; esp. sexualidad; fr. sexualité; ing. sexuality

A idéia de sexualidade é de tamanha importância na doutrina psicanalítica que, com justa razão, pôde-se afirmar que todo o edifício freudiano assentava-se sobre ela. Como conseqüência, a idéia aceita de que os psicanalistas dariam uma significação sexual a qualquer ato da vida, a qualquer gesto, qualquer palavra, levou os adversários de Sigmund Freud* a fazerem de sua doutrina a expressão de um pansexualismo*. Na realidade, as coisas não são tão simples assim. Todos os cientistas do fim do século XIX preocupavam-se com a questão da sexualidade, na qual viam uma determinação fundamental da atividade humana. Assim, faziam da sexualidade uma evidência e do fator sexual a causa primária da gênese dos sintomas neuróticos. Daí a criação da sexologia* como ciência biológica e natural do comportamento sexual. Impregnado das mesmas interrogações que seus contemporâneos, Freud, no entanto, foi o único dentre eles a inventar não a prova do fenômeno sexual, mas uma nova conceituação, capaz de traduzir, nomear ou até construir essa prova. Por isso, ele efetuou uma verdadeira ruptura teórica (ou epistemológica) com a sexologia, estendendo a noção de sexualidade a uma disposição psíquica universal e extirpando-a de seu fundamento biológico, anatômico e genital, para fazer dela a própria essência da atividade humana. Portanto, é menos a sexualidade em si mesma que importa na doutrina freudiana do que o conjunto conceitual que permite representá-la: a pulsão*, a libido*, o apoio* e a bissexualidade*. A elaboração dessa nova conceituação foi iniciada a partir de uma experiência clínica pautada na escuta do sujeito*. Em contato com Wilhelm Fliess*, Freud adotou a tese da bissexualidade, à qual conferiu um conteúdo psíquico. Mais tarde, aderiu à idéia da origem traumática da neurose* (teoria da sedução*), à qual renunciou

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em 1897, depois de, através do ensino de Jean Martin Charcot* e Josef Breuer*, haver atribuído à histeria* uma etiologia sexual. A partir de 1905, com a publicação de seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Freud estendeu sua reflexão ao campo da sexualidade infantil, o que lhe permitiu dar um novo estatuto às chamadas perversões*: homossexualidade*, fetichismo* etc. O estudo dos grandes casos (Ida Bauer*, Herbert Graf*, Ernst Lanzer* e Serguei Constantinovitch Pankejeff*), por último, conferiu uma base experimental à doutrina da sexualidade. Após a introdução da idéia de narcisismo*, em 1914, e em seguida à invenção da segunda tópica*, a questão da sexualidade tornou-se um pivô de conflitos nos debates do movimento psicanalítico internacional. Daí as discussões sobre a sexualidade feminina* e a diferença sexual*, entre 1924 e 1960, e, mais tarde, sobre o transexualismo* e o gênero*. A doutrina freudiana clássica da sexualidade foi criticada em todos os países e rejeitada pelos dois mais célebres dissidentes do movimento freudiano, Carl Gustav Jung* e Alfred Adler*. Em seguida, foi revisada de ponta a ponta pelos sucessores de Freud em função da questão do narcisismo: primeiro por Melanie Klein* e, depois, pelos partidários da Self Psychology*, de Heinz Kohut* a Donald Woods Winnicott*. O kleinismo* substituiu a etiologia sexual propriamente dita pelo impacto da relação arcaica com a mãe, privilegiando mais o ódio do que o sexo como causa primária da neurose e, acima de tudo, da psicose*. Quanto à segunda corrente, ela mais formulou sua interrogação sobre a constituição da identidade sexual (o gênero, ou gender) do que sobre a etiologia em si. Freud não inventou uma terminologia particular para distinguir os dois grandes campos da sexualidade: a determinação anatômica, por um lado, e a representação social ou subjetiva, por outro. Não obstante, por sua nova concepção, ele mostrou que a sexualidade tanto era uma representação ou uma construção mental quanto o lugar de uma diferença anatômica. Em conseqüência disso, sua doutrina transformou totalmente a visão que a sociedade ocidental tinha da sexualidade e da história da sexualidade em geral. Foi por isso que a expansão do freudis-


sexualidade feminina

mo* no Ocidente deu origem, a partir de 1970, e muitas vezes em oposição à psicanálise*, aos diferentes trabalhos franceses, ingleses e norteamericanos sobre a história da sexualidade, e sobretudo ao trabalho inaugural de Michel Foucault (1926-1984), A vontade de saber. Na esteira de sua História da loucura, com efeito, o filósofo francês mostrou que a própria idéia de sexualidade fora construída no século XIX pelo discurso médico, a fim de instaurar uma nova divisão entre a norma e o desvio, no momento em que desmoronava o ideal do patriarcado*. Foucault incluiu nesse discurso a doutrina freudiana da sexualidade, embora reconhecendo que esta permitira escapar dele. Daí sua situação paradoxal — ao mesmo tempo, uma teoria normalizadora e um instrumento de contestação permanente dessa norma. • Sigmund Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987 • Michel Foucault, História da sexualidade, vol.I, A vontade de saber, vol.II, O uso dos prazeres, vol.III, O cuidado de si (Paris, 1976-1984), Rio de Janeiro, Graal, 1985 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979 • John Boswell, Christianisme, tolérance sociale et homosexualité. Les Homosexuels en Europe occidentale des débuts de l’ère chrétienne au XIVe siècle (Chicago, 1980), Paris, Gallimard, 1985 • Jean-Louis Flandrin, Le Sexe et l’Occident, Paris, Seuil, 1981 • Sexualités occidentales, sob a direção de Philippe Ariès e André Béjin, Paris, Seuil, col. “Points”, 1984 • Thomas Laqueur, La Fabrique du sexe. Essai sur le genre et le corps en Occident (1990), Paris, Gallimard, 1992 • Lynn Hunt, Le Roman familial de la Révolution française (Berkeley, 1992), Paris, Albin Michel, 1995 • Élisabeth Badinter, XY: sobre a identidade masculina (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, 2ª ed. • Sander L. Gilman, The Case of Sigmund Freud. Medicine and Identity at the Fin de Siècle, Baltimore, Londres, The Johns Hopkins University Press, 1993.

➢ ESTUDOS SOBRE A HISTERIA; PAPPENHEIM, BERTHA.

sexualidade feminina al. weibliche Sexualität; esp. sexualidad feminina; fr. sexualité féminine; ing. female sexuality

Na história do freudismo*, a questão da sexualidade feminina dividiu o movimento psicanalítico a partir de 1920 à medida que as

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mulheres foram assumindo nele um lugar central. No fim do século XIX, como mostram os estudos de casos publicados por Sigmund Freud*, Josef Breuer*, Pierre Janet* ou Théodore Flournoy*, assim como as experiências de Jean Martin Charcot* na Salpêtrière, as mulheres eram apresentadas no discurso da psicopatologia* como doentes. Histéricas, loucas ou hipnotizadas, elas foram, inicialmente, quaisquer que fossem suas origens sociais, objetos destinados a serem observados a fim de fazer progredir o saber médico. Depois, com o grande movimento de emancipação do entre-guerras, que começou a libertar as mulheres da alienação religiosa, social e sexual que lhes pesava nos ombros, elas ocuparam na instituição freudiana um lugar completo, tornando-se médicas ou psicanalistas e, acima de tudo, psicanalistas de crianças. Foi então que participaram da reformulação da teoria freudiana clássica no que concerne à sexualidade*, à diferença sexual* e à libido*. A partir de 1905, com a publicação de seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Sigmund Freud repensou a questão da sexualidade humana. Buscando seus modelos na biologia darwiniana, defendeu a tese de um monismo sexual e de uma essência “masculina” da libido humana. Essa tese, baseada na observação clínica que ele fizera das teorias sexuais infantis, não tinha por objetivo descrever a diferença sexual a partir da anatomia, nem tampouco decidir a questão da condição feminina na sociedade moderna. Na perspectiva da libido única, Freud mostrou que, no estádio infantil, a menina desconhece a existência da vagina e faz o clitóris desempenhar o papel de um homólogo do pênis. Por isso, tem então a impressão de ter sido provida de um órgão castrado. Em função dessa dissimetria, articulada em torno de um pólo único de representações, o complexo de castração*, segundo Freud, não se organiza da mesma maneira nos dois sexos. O destino de cada um deles é diferente não apenas pela anatomia, mas também em razão das representações ligadas à existência dessa anatomia. Na puberdade, a existência da vagina evidencia-se para ambos os sexos: o menino vê na penetração uma meta para sua sexualidade, en-

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sexualidade feminina

quanto a menina recalca sua sexualidade clitoridiana. Antes disso, porém, quando se dá conta de que a menina não se parece com ele, o menino interpreta a ausência do pênis como uma ameaça de castração para ele próprio. No momento do complexo de Édipo*, desliga-se da mãe para escolher um objeto do mesmo sexo. A sexualidade da menina se organiza, segundo Freud, em torno do falicismo: ela quer ser um menino. No momento do Édipo, deseja um filho do pai, e esse novo objeto é investido de um valor fálico. Ao contrário do menino, a menina tem que se desligar de um objeto do mesmo sexo, a mãe, por um objeto de sexo diferente. Em ambos os sexos, o apego à mãe é o elemento primário. Vemos, pois, que, ao defender o monismo sexual, Freud considerava errônea a afirmação da natureza instintiva da sexualidade: a seu ver, não existiria nem um instinto materno, no sentido estrito, nem uma raça feminina. A existência de uma libido única não exclui a existência da bissexualidade. Com efeito, na perspectiva freudiana, nenhum sujeito é detentor de uma pura especificidade masculina ou feminina. Em outras palavras, se existe um monismo sexual, isso significa que, no inconsciente* e nas representações inconscientes do sujeito* (seja ele homem ou mulher), a diferença entre os sexos não existe. A bissexualidade, que é o corolário dessa organização monista da libido, concerne, portanto, a ambos os sexos. Não apenas a atração de um sexo pelo outro não decorre de uma complementaridade, como também a bissexualidade desfaz a própria idéia de tal organização. Daí as duas modalidades de homossexualidade*: a feminina, quando a menina permanece “grudada” na mãe, a ponto de escolher um parceiro do mesmo sexo, e a masculina, quando o menino efetua uma escolha similar, a ponto de renegar a castração materna. Através desse monismo, Freud inspirou-se simultaneamente em Galeno (em seu modelo do sexo único) e na biologia do século XIX, preocupada em estabelecer uma diferença radical entre os sexos a partir da anatomia. Essa tese freudiana da chamada escola vienense foi defendida por mulheres, em especial Marie Bonaparte* e Helene Deutsch*, Jeanne Lampl-De Groot* e Ruth Mack-Brunswick*.

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Todavia, a partir de 1920, foi contestada por outras mulheres, da chamada escola inglesa: Melanie Klein* e Josine Müller (1884-1930). Em 1927, no congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) realizado em Innsbruck, onde se desenrolou o grande debate sobre a questão, Ernest Jones* levou-lhes seu apoio numa exposição intitulada “A fase precoce do desenvolvimento da sexualidade feminina”. Criticou a extravagância da hipótese freudiana da ausência, na menina, do sentimento da vagina. Por isso, opôs um dualismo à noção de libido única. A essa escola inglesa liga-se a posição de Karen Horney*, que sustentava, já em 1926, que a pretensa ignorância da vagina era fruto de um recalque*, e que o apego ao clitóris servia a finalidades defensivas. Assim, a escola inglesa assumiu o risco de corroborar a idéia de uma natureza feminina, isto é, de um diferencialismo anatômico, ao passo que Freud a esvaziara parcialmente, corrigindo o biologismo do século XIX mediante o recurso ao modelo do sexo único. De fato, ele apregoava a indiferenciação inconsciente dos dois sexos sob a categoria de um único princípio masculino e de uma organização edipiana em termos de dissimetria. Em sua organização edipiana da sexualidade feminina, Freud (e foi esse o seu principal erro) desconsiderou todo o campo das relações arcaicas com a mãe. Sob esse aspecto, o debate referente à sexualidade feminina foi da mesma natureza do que se desenvolveu sobre a psicanálise de crianças*. Hostil às teses kleinianas e revoltado com a maneira como sua filha Anna fora tratada pelos partidários de Klein, Freud não queria admitir que a supremacia que ele atribuía ao pai na família o impedia de apreender a natureza profunda das relações entre a filha e a mãe. Em outras palavras, mesmo que seu monismo fosse teoricamente justificado, ele não explicava nem a realidade concreta da sexualidade feminina nem a gênese da feminilidade. Alem disso, sua concepção do clitóris como homólogo de um pênis pequenino mais remetia à sua atração intelectual pelas mulheres a quem sentia como “masculinas” ou “fálicas” do que à realidade da feminilidade. Sandor Ferenczi* foi o primeiro a assinalar, em 1932, em seu Diário clínico, que essa masculinização da


sexualidade feminina

sexualidade feminina por Freud explicava-se pela relação deste com sua mãe, Amalia Freud*. Entretanto, Freud teve a honestidade de corrigir sua doutrina no sentido das posições kleinianas. Testemunho disso, se necessário, são seus dois artigos de 1931 e 1933, um sobre a sexualidade feminina e o outro sobre a feminilidade. No primeiro, ele manteve sua concepção da relação entre o clitóris e a vagina, mas reconheceu implicitamente que as analistas podiam compreender melhor do que ele a questão da sexualidade feminina, na medida em que ocupavam na análise o lugar de um substituto materno; no segundo, admitiu que era impossível compreender a mulher “se não levarmos em consideração [a] fase do apego pré-edipiano à mãe”: de fato, tudo o que há na relação com o pai provém, por transferência*, desse apego primário. É notável constatar que o debate contraditório que perpassou o movimento freudiano no entre-guerras, opondo os partidários do monismo sexual aos adeptos do dualismo, foi contemporâneo da manifestação do movimento feminista, que levou, através do sufragismo, à emancipação política e jurídica das mulheres. A partir de 1945, foi em torno do livro de Simone de Beauvoir (1908-1986), O segundo sexo, e das teses de Jacques Lacan*, Michel Foucault (1926-1984) e Jacques Derrida que o debate sobre a sexualidade feminina, em particular nos Estados Unidos*, evoluiu para uma interrogação mais radical sobre a diferença entre os sexos e, mais tarde, sobre a distinção entre o sexo e o gênero* (gender). Pouco preocupado com o feminismo, Freud mostrou-se misógino em algumas ocasiões e, em muitas, conservador. A nos atermos às aparências, podemos ver nele um cientista estreito, um bom burguês, um marido ciumento e um pai incestuoso: em suma, um representante da autoridade patriarcal tradicional. Entretanto, à maneira cartesiana como o fizera, em 1673, o filósofo François Poulain (Poullain) de La Barre (1647-1725), em seu célebre livro Da igualdade entre os dois sexos, é sem dúvida necessário ultrapassarmos esse tipo de aparência e concluirmos que talvez seja tão inútil chamar Freud de “falocrata”, a pretexto de ele não ter sido feminista, quanto fazer do combate a favor

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da igualdade entre os sexos um domínio reservado às mulheres, a pretexto de esse combate ter por meta a emancipação delas. Na realidade, é como se, para edificar sua doutrina, Freud tivesse tido que se abster de qualquer compromisso militante e rejeitar as aspirações igualitárias do movimento feminista. No entanto, sob alguns aspectos, sua teoria biológica da libido única assemelhava-se à doutrina jurídica de Antoine de Caritat, marquês de Condorcet (1743-1794), o grande teórico da emancipação das mulheres. Com mais de um século de intervalo, tratou-se, tanto para o filósofo francês quanto para o cientista vienense, de mostrar que o campo do feminino devia ser pensado como parte integrante do universal humano e, portanto, sob a categoria de um universalismo, o único capaz de dar um fundamento verdadeiro ao igualitarismo. Para Freud, com efeito, a existência de uma diferença anatômica entre os sexos não desembocava numa concepção naturalista, uma vez que essa famosa diferença, ausente no inconsciente*, atesta, para o sujeito, uma contradição estrutural entre a ordem psíquica e a ordem anatômica. Assim, podemos perceber por que, por sua teoria do monismo e da não concordância entre o psíquico e o anatômico, Freud se aproximou dos ideais do igualitarismo universalista, de Descartes ao Iluminismo. Sob esse aspecto, e apesar das aberrações de sua doutrina original, ele foi um pensador da emancipação e da liberdade, além de autor de uma teoria da sexualidade que, embora desembaraçasse o homem do peso de suas raízes hereditárias, não pretendia libertá-lo dos grilhões de seu desejo*. • François Poulain de La Barre, De l’égalité des deux sexes (1673), Paris, Fayard, col. “Corpus des oeuvres de philosophie en langue française”, 1984 • Sigmund Freud, “Algumas conseqüências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos” (1925), ESB, XIX, 309-24; GW, XIV, 19-30; SE, XIX, 248-58; OC, XVII, 189-202; “Sexualidade feminina” (1931), ESB, XXI, 259-82; GW, XIV, 517-37; SE, XXI, 225-43; OC, XIX, 7-29; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268 • Sandor Ferenczi, Diário clínico, janeiro-outubro de 1932 (Paris, 1985), S. Paulo, Martins Fontes, 1990 • Melanie Klein, Contribuições à psicanálise (Londres, 1948), S. Paulo, Mestre Jou, 1970 • Ernest Jones, Théorie et pratique de la psycha-

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sexualidade infantil

nalyse (Londres, 1948), Paris, Payot, 1969 • Karen Horney, Psicologia feminina (N. York, 1967), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972 • Wladimir Granoff, La Pensée et le féminin, Paris, Minuit, 1975 • Moustapha Safouan, A sexualidade feminina na doutrina freudiana (Paris, 1976), Rio de Janeiro, Zahar, 1977 • Sergio Benvenuto, La strategia freudiana, Nápoles, Liguori Editore, 1984 • A.L. Thomas, Denis Diderot e Madame d’Épinay, Qu’est-ce qu’une femme?, prefácio de Élisabeth Badinter, Paris, POL, 1989 • Helene Deutsch, Psychanalyse des fonctions sexuelles de la femme (N. York, 1991), Paris, PUF, 1994 • Lisa Appignanesi e John Forrester, Freud’s Women, N. York, Basic Books, 1992 • Féminité mascarade, estudos psicanalíticos reunidos por Marie-Christine Hamon, Paris, Seuil, 1994 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Michel de Manassein (org.), De l’égalité des sexes, Paris, Centre National de Documentation Pédagogique, 1995 • Joyce McDougall, As múltiplas faces de Eros (Paris, 1996), S. Paulo, Martins Fontes, 1997.

➢ ANTIPSIQUIATRIA; ANTROPOLOGIA; CULTURALISMO; ESTADOS UNIDOS; ESTUDOS SOBRE A HISTERIA; FALO; FALOCENTRISMO; FETICHISMO; HISTERIA; JUDEIDADE; NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE; PATRIARCADO; PERVERSÃO; RENEGAÇÃO; SEXUAÇÃO, FÓRMULAS DA.

sexualidade infantil ➢ SEXUALIDADE; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

sexualidade masculina ➢ BISSEXUALIDADE; DIFERENÇA SEXUAL; FALO; FETICHISMO; HOMOSSEXUALIDADE; PERVERSÃO; SEXUALIDADE; SEXUALIDADE FEMININA.

Sharpe, Ella Freeman (1875-1947) psicanalista inglesa

Nascida perto de Cambridge, Ella Freeman Sharpe foi iniciada desde a infância na leitura de Shakespeare por seu pai. Depois da morte deste, tornou-se professora de inglês. Em 1917, deprimida com a morte de muitos alunos durante a guerra, encontrou auxílio psicológico com James Glover (1882-1926), na clínica médico-psicológica de Brunswick Square. Apaixonou-se imediatamente pela psicanálise, abandonou o ensino e foi a Berlim, onde fez uma análise didática* com Hanns Sachs*. Voltando

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a Londres, integrou-se à British Psychoanalytical Society (BPS), da qual se tornou membro titular em 1923. Tratou então de questões técnicas e clínicas, expondo casos e insistindo na contratransferência*. Demonstrou também um talento especial para relatar o conteúdo de uma sessão, extraindo-lhe o essencial. Realizou paralelamente trabalhos literários sobre o Hamlet. No congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) de 1928 em Oxford, apresentou um trabalho inspirado nas teses kleinianas, que defendia a hipótese de que a arte era uma sublimação* enraizada nas primeiras identificações* parentais. Teria um papel moderador durante as Grandes Controvérsias*, depois de ter sido analista de Melitta Schmideberg* em condições particularmente difíceis. • Ella Sharpe, Collected Papers on Psycho-Analysis, Londres, Hogarth Press, 1978.

Sigmund Freud Archives (SFA) ou Arquivos Freud ➢ BIBLIOTECA DO CONGRESSO.

significante al. Signifikant; esp.; signifiante; fr. signifiant; ing. signifier Termo introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913), no quadro de sua teoria estrutural da língua, para designar a parte do signo lingüístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito. Retomado por Jacques Lacan* como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se, em psicanálise*, no elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito*, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica.

Em seu Curso de lingüística geral, Ferdinand de Saussure divide o signo lingüístico em duas partes. Denomina de significante a imagem acústica de um conceito e chama de significado o conceito em si. Assim, a palavra árvore não remete, do ponto de vista lingüístico, à árvore real (o referente), mas à idéia de árvore (o significado) e a um som (o significante) que


significante

é pronunciado com a ajuda de seis fonemas: á.r.v.o.r.e. O signo lingüístico, portanto, une um conceito a uma imagem acústica, e não uma coisa a um nome. Por outro lado, o signo faz parte de um sistema de valores. O valor de um signo se mede por sua relação com todos os outros signos e resulta, negativamente, da presença simultânea deles na língua, que é concebida como a totalidade sincrônica (ou seja, estrutural) de todos os signos que nela se encontram. Diferentemente do valor, a significação se deduz da ligação que existe entre um significante e um significado. Desejoso de dar um fundamento estrutural e linguajeiro à concepção freudiana do inconsciente*, Lacan apoiou-se nessa lingüística saussuriana para mostrar que a segunda tópica* (do eu*, supereu* e isso*) não é da alçada da biologia nem da psicologia. O modelo saussuriano da língua (ou estruturalismo lingüístico) está para Lacan, portanto, como estava o modelo darwiniano da biologia (ou evolucionismo) para Sigmund Freud*. Com a Ego Psychology* e, posteriormente, com a Self Psychology*, os herdeiros anglófonos de Freud quiseram superar ou abandonar o modelo biológico do mestre a fim de puxar sua segunda tópica* para a vertente de uma psicologia, isto é, de uma teoria do eu, da pessoa ou da representação fenomenológica do outro. A partir de 1950, Lacan rejeitou esse procedimento, que qualificou de psicologista, e propôs uma outra leitura dos textos freudianos, mais literal, que consistia em criticar o “cientificismo” biológico de Freud, restituir ao inconsciente sua primazia, em oposição à consciência*, e acrescentar ao eu uma teoria da determinação do sujeito pelo significante. A noção lacaniana do sujeito (do desejo*) recorre, ao mesmo tempo, à filosofia hegeliana, à qual Lacan teve acesso através do ensino de Alexandre Kojève (1902-1968), e aos comentários de Alexandre Koyré (1892-1964) sobre o cogito cartesiano. Quanto à teoria do significante, ela foi elaborada em dois tempos. Entre 1949 e 1956, repousou numa leitura dos textos de Saussure dedicados ao signo lingüístico, bem como nos de Claude Lévi-Strauss consagrados à função simbólica (o simbólico*), tudo isso se inscre-

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vendo numa problemática heideggeriana da verdade ontológica; num segundo tempo, de 1956 a 1961, Lacan apoiou-se nas teses propostas por Roman Jakobson (1896-1982) a propósito dos eixos da linguagem, para conferir um estatuto lógico à teoria do significante. Abandonou então a referência à ontologia heideggeriana. Assim é o “estruturalismo” lacaniano, que se assenta na idéia de que a verdadeira liberdade humana provém da consciência que o sujeito pode ter de não ser livre em virtude da determinação inconsciente. Aos olhos de Lacan, a forma freudiana de uma consciência de si dividida (ou de uma clivagem* do eu) era mais subversiva do que a crença — por exemplo, sartriana — numa possível filosofia da liberdade. Foi Michel Foucault (1926-1984), sem dúvida, quem melhor resumiu o que foi para a geração dos anos 1950-1960 a passagem de uma filosofia da liberdade subjetiva para uma concepção estrutural do sujeito: “A novidade foi a seguinte: descobrimos que a filosofia e as ciências humanas viviam numa concepção muito tradicional do sujeito humano, e que não bastava dizer, ora, com uma, que o sujeito era radicalmente livre, ora, com as outras, que era determinado pelas condições sociais. Descobrimos que era preciso procurar libertar tudo o que se escondia por trás do emprego aparentemente simples do pronome ‘eu’. O sujeito: uma coisa complexa, frágil, da qual é difícil falar, e sem a qual não podemos falar.” Saussure situou o significado acima do significante e separou os dois por uma barra, denominada da significação. Lacan inverteu essa posição e colocou o significado abaixo do significante, ao qual atribuiu uma função primordial. Depois, tornando a levar em conta a idéia de valor, ele sublinhou que toda significação remete a uma outra significação. Deduziu disso que o significante está isolado do significado como uma letra, um traço ou uma palavra simbólica, desprovida de significação mas determinante, como função, para o discurso ou o destino do sujeito. A esse sujeito, não mais assimilável a um eu, Lacan chamou “sujeito do inconsciente”. Ele não seria um sujeito “pleno”, mas representado pelo significante, isto é, pela

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significante

letra onde se marca o assentamento do inconsciente na linguagem. Mas esse sujeito é também representado por uma cadeia de significantes na qual o plano do enunciado só corresponde ao plano da enunciação pelos “pontos de basta”. Lacan deu o nome de ponto de basta ao momento pelo qual, na cadeia, um significante se ata ao significado para produzir uma significação. Essa é a única operação que detém o deslizamento da significação, fazendo com que os dois planos se unam pontualmente. Daí a idéia de que a “pontuação” é uma maneira de intervir no desenrolar de uma sessão de análise, cortando-a, interrompendo-a com uma produção significativa: uma interpretação* verdadeira. Assim, a teoria do significante justifica o princípio da sessão de duração variável (chamada de “sessão curta”), introduzida por Lacan como uma inovação na técnica psicanalítica*. Foi em seu seminário de 30 de maio de 1955 que Lacan ilustrou essa teoria do significante através do comentário de um conto de Edgar Allan Poe (1809-1849), “A carta roubada”. A história se passa na França da Restauração. O cavalheiro Auguste Dupin tem que resolver um enigma. A pedido do chefe de polícia, consegue recuperar uma carta comprometedora, furtada da rainha e escondida pelo ministro. Colocada em evidência entre os arcos da lareira do escritório, ela é visível, na verdade, para quem quiser vê-la. Mas os policiais não a descobrem, porque estão aprisionados no engodo da psicologia. Em vez de procurar a prova que lhes surge diante dos olhos, eles atribuem intenções aos ladrões. Já Dupin, por sua vez, prefere agir de maneira totalmente diversa, pedindo polidamente uma audiência ao ministro. Enquanto conversa com ele, observa o aposento com olhar atento, depois de tomar o cuidado de dissimular seus olhos por trás de óculos opacos. Discerne imediatamente o objeto, retira-o sem que o ladrão se aperceba e o substitui por outro, idêntico. Assim, o ministro ignora que seu segredo foi desvendado. Continua a se acreditar dono do jogo e da rainha, pois possuir a carta é deter um poder sobre seu destinatário. Entretanto, ele não sabe que já não a detém, enquanto a rainha, desse momento em diante, sabe que seu mestre cantor não poderá exercer nenhuma pressão sobre ela diante do

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rei: a simples posse, e não a utilização da carta, é que criava a ascendência. Para explicar sua descoberta ao narrador, Dupin conta a história de um garoto e um jogo de par ou ímpar. Um dos jogadores segura na mão um certo número de bolas de gude e pergunta ao outro: par ou ímpar? Quando o sujeito acerta a resposta, ganha uma bola; quando erra, perde uma. E Dupin acrescenta: “O menino de quem estou falando ganhava todas as bolas de gude da escola. Naturalmente, tinha um princípio de adivinhação, que consistia na simples observação e avaliação da esperteza de seus adversários.” O “Seminário sobre ‘A carta roubada’”, que em 1966 serviria de abertura aos Escritos, atesta a maneira como Lacan passou de uma teoria da função simbólica (do inconsciente), calcada em Lévi-Strauss, para uma “lógica” do significante. Segundo ele, uma carta [letre, letra] sempre chega a sua destinação, porque a carta, isto é, o significante, tal como se inscreve no inconsciente, determina a história do sujeito e sua relação ou não-relação com outrem. Nenhum sujeito é o dono da carta (de seu destino) e, quando acredita sê-lo, corre o risco de se deixar apanhar no mesmo engodo que os policiais do conto ou o ministro. A obra saussuriana não fornece todas as chaves da leitura lacaniana do inconsciente freudiano. Em 1957, em sua conferência sobre “A instância da letra no inconsciente”, Lacan acrescentou dois elementos à sua teoria: a metáfora e a metonímia. Deveu-as a uma leitura dos Fundamentals of Language, publicados por Roman Jakobson e Morris Halle em Haia. Um artigo contido nessa coletânea, “Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia”, retomado em 1963 nos Ensaios de lingüística geral, permitiu-lhe organizar estruturalmente sua hipótese do inconsciente-linguagem. Jakobson destacou a estrutura bipolar da linguagem, graças à qual o ser falante realiza, sem que se aperceba, dois tipos de atividade: uma está relacionada com a similaridade e concerne à seleção dos paradigmas ou “unidades de língua”, enquanto a outra remete à contigüidade e concerne à combinação sintagmática dessas mesmas unidades. Na atividade de seleção, escolhemos ou preferimos uma palavra a outra: por exemplo, empregamos o vocábulo boné em oposição a


significante

touca ou gorro. Na atividade de combinação, ao contrário, relacionamos duas palavras que formam uma continuidade: para descrever a roupa de um indivíduo, por exemplo, associamos o termo saia à palavra blusa etc. A partir disso, Jakobson mostra que os distúrbios da linguagem resultantes de uma afasia privam o indivíduo ora da atividade de seleção, ora da de combinação. Depois, ele convoca a antiga retórica a serviço da lingüística para sublinhar que a atividade seletiva da linguagem não é outra coisa senão o exercício de uma função metafórica, e que a atividade combinatória assemelha-se ao processo da metonímia. Os distúrbios da primeira impedem o sujeito de recorrer à metáfora, enquanto os da segunda lhe impedem qualquer atividade metonímica. Jakobson salienta que esses dois processos encontram-se no funcionamento do sonho* descrito por Freud. Situa o simbolismo na atividade metafórica, enquanto inclui a condensação* e o deslocamento* na atividade metonímica. Retomando essa demonstração, Lacan transcreve de uma outra maneira a concepção freudiana do trabalho do sonho. Se este se caracteriza por uma atividade de transposição entre um conteúdo latente e um conteúdo manifesto (A interpretação dos sonhos*), essa operação pode ser traduzida, em termos lingüísticos, como o deslizamento do significado sob o significante. Existem, pois, duas vertentes da incidência do significante sobre o significado; a primeira é uma condensação ou “superposição dos significantes” (palavras-valise, personagens compósitos), enquanto a outra se assemelha a uma “virada” da significação (a parte pelo todo ou a contigüidade) e designa um deslocamento. Assim, ao contrário de Jakobson, Lacan assimila a noção freudiana de condensação a uma metáfora e o deslocamento a uma metonímia. Três fórmulas passam então a descrever, segundo Lacan, a incidência do significante no significado: (1) a fórmula geral descreve a função significante, partindo da barra de resistência à significação; (2) a fórmula da metonímia traduz a função de conexão dos significantes entre si, com a elisão do significado remetendo ao objeto do desejo que falta na cadeia (significante); (3) a fórmula da metáfora fornece a chave para uma função de substituição de um significante

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por outro, através da qual o sujeito é representado. Em 1975, numa conferência intitulada “O fator da verdade”, Jacques Derrida comentou essa teoria do significante, criticando a leitura que Lacan fizera do conto de Edgar Allan Poe e mostrando que uma carta não chega tão simplesmente a sua destinação. Ele sublinhou que, na própria redação do “Seminário sobre ‘A carta roubada’”, Lacan referira a si mesmo a indivisibilidade da carta, isto é, o “todo” ou o “um” de sua doutrina: um dogma da unidade. Ao “dogma” do significante, que corre o risco de se organizar como uma “posta-restante” para recolocar no “rumo certo o que ficou em suspenso, aguardando ser reclamado”, Derrida opôs o esfacelamento e a desconstrução do Um. Esse debate sobre a “primazia do significante” e sua possível desconstrução por uma leitura derridiana veio a ser o ponto de partida, nos Estados Unidos*, de uma vasta polêmica sobre o estruturalismo, o lacanismo* e o pós-estruturalismo. • Jacques Lacan, “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (1953), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 238-324; “O seminário sobre ‘A carta roubada’” (1955), ibid., 13-66; “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” (1957), ibid., 496-533; “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960), ibid., 807-42; O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955) (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª. ed. • Edgar Allan Poe, “La Lettre volée”, in Histoires, Paris, Gallimard, col. “Pléiade”, 1940, 45-64 • Ferdinand de Saussure, Curso de lingüística geral (1915), S. Paulo, Cultrix, 1979 • Roman Jakobson, Essais de linguistique générale, Paris, Minuit, 1963 • Jean-Luc Nancy e Philippe Lacoue-Labarthe, Le Titre de la lettre, Paris, Galilée, 1973 • Michel Plon, La Théorie des jeux. Une politique imaginaire, Paris, Maspero, 1976 • Jacques Derrida, La Carte postale, Paris, Flammarion, 1980 • Joël Dor, Introdução à leitura de Lacan, 2 tomos (Paris, 1985, 1992), P. Alegre, Artes Médicas, 1992, 1996 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988; Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Françoise Gadet, Saussure, une science de la langue, Paris, PUF, 1987 • John P. Muller e William Richardson (orgs.), The Purloined Poe, Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1988 • Didier Éribon, Michel Foucault e seus contem-

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Silberer, Herbert

porâneos (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996.

➢ ANTROPOLOGIA; BONAPARTE, MARIE; CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE, OS; ESTÁDIO DO ESPELHO; FANTASIA: FORACLUSÃO; GOZO; IMAGINÁRIO; LANZER, ERNST; NOME-DO-PAI; NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE; OBJETO (PEQUENO) a; OUTRO; PARANÓIA; PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA A; PSICOSE; REAL; SCHREBER, DANIEL PAUL.

Silberer, Herbert (1882-1923) escritor e psicanalista austríaco

Membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) a partir de 1910, Herbert Silberer pertencia à pequena burguesia católica vienense. Seu pai, Viktor Silberer, era proprietário de um jornal esportivo. Também ele praticante de esportes, estimulou os primeiros vôos de balão no seu país e por isso é considerado o fundador da aeronáutica austro-húngara. Filho único, Herbert Silberer teria que suceder ao pai. Gostava de esportes, ganhou campeonatos de natação e até se apresentou como ciclista acrobata. Mas enquanto estava na carreira de jornalista, voltou-se, como autodidata, para a psicologia, a filosofia e enfim a psicanálise*. Interessou-se inicialmente pelo simbolismo do sonho* e depois pela magia e pela alquimia. Na mesma medida em que o pai era um homem ativo, o filho foi marcado pela solidão e pela depressão com tendências ao suicídio. Como muitos jovens intelectuais da época, era apaixonado pela busca de uma outra vida e de um além da consciência, e procurou na nova doutrina freudiana uma explicação para seus próprios problemas. Assim, fez pesquisas consigo mesmo sobre os estados transitórios entre a vigília e o sono. Seu primeiro artigo, “Relatório sobre um método para provocar e observar certos fenômenos alucinatórios simbólicos”, foi publicado por Freud em 1909 no Jahrbuch*. Segundo ele, o texto de Silberer complementava sua teoria do sonho. Posteriormente, Silberer escreveu cerca de 50 artigos. Entretanto, Freud sempre desconfiou da patologia do jovem. Em uma carta a Carl Gustav Jung*, datada de 19 de julho de 1909, chamou-o de “dégénéré” (em francês): “Silberer é um

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jovem desconhecido, provavelmente um degenerado bastante fino. Seu pai é uma personalidade vienense, conselheiro municipal e homem dinâmico. Mas o seu caso é bom e torna acessível uma parte do trabalho do sonho.” Na WPV, Silberer manteve excelentes relações com Wilhelm Stekel*. Depois da partida deste, continuou a vê-lo, enquanto suas relações com Freud e o grupo vienense se tornavam conflituosas. Apesar de seu caráter difícil, Stekel lhe enviou pacientes. Entre julho de 1920 e junho de 1922, ambos foram co-diretores da revista Psyche and Eros, publicada em Nova York. Eles a deixaram quando ela se tornou abertamente antifreudiana. Na noite de 11 para 12 de janeiro de 1923, Herbert Silberer se suicidou, enforcando-se em um quarto fechado a chave. Sua mulher não conseguiu salvá-lo. Em 1976, Paul Roazen comparou o destino de Silberer ao de Viktor Tausk* e quis responsabilizar Freud por esse suicídio*, enquanto Stekel, no necrológio que dedicou ao amigo, evitou fazê-lo. • Herbert Silberer, “Rapport sur une méthode permettant de provoquer et d’observer certains phénomènes hallucinatoires symboliques” (1909), Ornicar?, 31, Navarin, inverno de 1984, 28-40 • Wilhelm Stekel, “In memoriam H erbert Silberer”, Fortschritte der Sexualwissenschaft und Psychoanalyse, I, 1924, 40820 • Paul Roazen, Freud e seus discípulos (N. York, 1971), S. Paulo, Cultrix, 1986 • Bernd Nitzschke, “Freud e Herbert Silberer. Hipóteses referentes ao destinatário de uma carta de Freud em 1922”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 2 (1989), Rio de Janeiro, Imago, 1992, 249.

Silberstein, Eduard (1856-1925) Por volta dos 13 anos de idade, Sigmund Freud* fez amizade com Eduard Silberstein, que tinha a mesma idade que ele. Filho de um banqueiro judeu romeno estabelecido em Jassy e depois em Braila, às margens do Danúbio, foi educado por um pai parcialmente louco, inteiramente submetido à ortodoxia talmúdica. Não suportando essa educação rígida, o jovem aspirava ao livre pensamento. Foi nesse contexto que se tornou condiscípulo de Freud no Realgymnasium de Viena* e depois no Obergymnasium.


Silberstein, Eduard

Então, formaram-se laços entre as famílias dos dois adolescentes, que se tornaram os melhores amigos do mundo. Durante dez anos, entre 1871 e 1881, trocaram cartas que revelam muitos aspectos da personalidade de Freud na adolescência: ele surge como um materialista anti-religioso, sensual e revoltado, adepto da emancipação das mulheres, apaixonado por Gisela Fluss* e pensando seriamente em se tornar um grande filósofo. Suas cartas também mostram o que foi a cultura vienense de Freud e como ele foi marcado pelo saber de sua época: pelo pensamento alemão, por um lado, através da filosofia de Ludwig Feuerbach (1775-1833) e da psicologia de Johann Friedrich Herbart*, e por outro lado pelo ensino direto de dois mestres, Franz Brentano* e Ernst von Brücke*. Fervorosos admiradores de Cervantes (1547-1616), Freud e Silberstein decidiram aprender a língua espanhola sem gramática nem professor, baseando-se unicamente em textos literários. Criaram então uma instituição que batizaram de Academia Castellana e que, em certos aspectos, anunciava a famosa Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, na qual Freud reuniria, a partir de 1902, os seus primeiros discípulos vienenses. A Academia era um lugar de discussão, onde os dois adolescentes se dedicavam a prazeres intelectuais subterrâneos, mais próximos da iniciação do que do ensino propriamente dito. Trocavam cartas em alemão e às vezes em espanhol, recheando as duas línguas com palavras à maneira de um código secreto. E para marcar sua adoração pela literatura picaresca, adotaram nomes tirados do célebre “Colóquio dos cães” das Novelas exemplares de Miguel de Cervantes. Nesse relato, Cervantes apresenta o cão Berganza, narrador inveterado, e o cão Cipião, filósofo cínico e amargo. Ambos são filhos da feiticeira Montiela, à qual devem sua impressionante faculdade de dissertar sobre as errâncias da alma humana. Depois de muitas aventuras, que os levam do universo da prostituição à corte dos reis, passando pelas diferentes classes da sociedade, Berganza acaba no Hospital de Valladolid, onde conta sua vida a Cipião, no quarto de Campuzano, herói infeliz que contraiu uma doença venérea depois de ser abandonado pela esposa, uma ex-meretriz, ape-

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sar de sua promessa de felicidade eterna. Através desse colóquio, Cervantes faz uma crítica feroz das perversões humanas e das injustiças sociais de sua época. Sigmund Freud escolheu o nome de Cipião e tinha um prazer maldoso em comentar os infortúnios de seu condiscípulo Eduard-Berganza. Não era por acaso que a revolta desses dois adolescentes judeus se expressava por essa aspiração a uma outra identidade, à qual Freud daria mais tarde o nome de romance familiar*. Para eles, tratava-se, na Viena* do fim do século, de superar os pais através do acesso ao estatuto de intelectual (filósofo, erudito, escritor). E a iniciação se efetuava aqui na língua do autor de Dom Quixote, isto é, do escritor que soube descrever com a maior lucidez a loucura extrema de se tomar por um outro. Progressivamente, Eduard Silberstein e Sigmund Freud se perderam de vista, mas sem romper os laços que os uniram na adolescência. Silberstein obteve seu diploma de jurista, tornou-se militante socialista, voltou para a Romênia e exerceu, sem convicção, a profissão de banqueiro. Em 1884, Freud se lembrava dele com ternura: “No ano passado ainda, escreveu, ele tinha um barco no Danúbio, fazia-se chamar de ‘capitão’ e convidava todos os amigos para passeios, durante os quais eles faziam o papel de remadores.” O “capitão” romeno não teve sorte em suas relações amorosas. Casou-se com uma jovem melancólica, Pauline Theiler, que ele mandou para Viena em 1891, para se tratar com seu ex-colega. No dia da consulta, ela pediu à empregada que a acompanhava que a esperasse em baixo. Depois, ao invés de subir até o consultório de Freud, jogou-se do terceiro andar do prédio. Posteriormente, Silberstein apaixonou-se por outra mulher, Anna Sachs, originária da Lituânia, com quem se casou. Tiveram uma filha, Theodora. A filha desta, Rosita Braunstein Vieyra, faria uma visita a Anna Freud* em Londres, em 1982, para saber como a primeira mulher de seu avô se suicidara. Em Braila, Eduard Silberstein, homem do Iluminismo, militou durante toda a vida pela emancipação das mulheres, pelos direitos civis dos judeus e das minorias. Conservou cuidadosa-

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simbólico

mente as cartas de Freud. Estas foram muito bem traduzidas para o francês por Cornélius Heim. • Sigmund Freud, Lettres de jeunesse (1989), Paris, Gallimard, 1990.

➢ HISTORIOGRAFIA; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

simbólico al. Simbolische; esp. simbólico; fr. symbolique; ing. symbolic Termo extraído da antropologia* e empregado como substantivo masculino por Jacques Lacan*, a partir de 1936, para designar um sistema de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito à sua revelia, permitindo-lhe referir-se a ele, consciente e inconscientemente, ao exercer sua faculdade de simbolização. Utilizado em 1953 no quadro de uma tópica*, o conceito de simbólico é inseparável dos de imaginário* e real*, formando os três uma estrutura. Assim, designa tanto a ordem (ou função simbólica) a que o sujeito está ligado quanto a própria psicanálise*, na medida em que ela se fundamenta na eficácia de um tratamento que se apóia na fala.

Embora tenha surgido desde 1936, no comentário de Jacques Lacan sobre a noção de estádio do espelho*, tomada de empréstimo do psicólogo Henri Wallon (1879-1962), o termo “simbólico” só foi conceituado a partir de 1953. Lacan então o inscreveu numa trilogia, ao lado do real e do imaginário. A idéia de conferir uma função simbólica aos elementos de uma cultura (crenças, mitos, ritos) e de lhes atribuir um valor expressivo é característica da própria disciplina antropológica. Mas foi na França*, com os trabalhos de Marcel Mauss (1872-1950), que se impuseram, frente ao funcionalismo e ao culturalismo* das escolas inglesa e norte-americana, as noções de “função simbólica” e “eficácia simbólica”. Depois de Mauss, Claude Lévi-Strauss desenvolveu essa questão, a partir de 1949, trazendo para a antropologia conceitos elaborados pela lingüística moderna, em particular por Ferdinand de Saussure (1857-1913) em seu Curso de lingüística geral, postumamente publicado.

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Nos artigos que consagrou à descoberta freudiana, Lévi-Strauss comparou a técnica da cura xamanística ao tratamento psicanalítico. Na primeira, disse ele em síntese, o feiticeiro fala e provoca a ab-reação*, ao passo que, no segundo, esse papel compete ao médico que escuta no interior de uma relação em que é o doente quem fala. Além dessa comparação, Lévi-Strauss mostrou que, nas sociedades ocidentais, constituiu-se uma “mitologia psicanalítica” que serve de sistema de interpretação*: “Vemos, assim, surgir um perigo considerável: o de que o tratamento, longe de levar à resolução de um distúrbio preciso, sempre respeitando o contexto, reduza-se à reorganização do universo do paciente em função das interpretações psicanalíticas”. Quando a cura sobrevém pela adesão de uma coletividade a um mito fundador, isso significa que tal sistema é dominado por uma eficácia simbólica. Daí a idéia, proposta em sua “Introdução à obra de Marcel Mauss”, de que aquilo a que chamamos inconsciente* não seria senão um lugar vazio onde se consumaria a autonomia da função simbólica: “Os símbolos são mais reais do que aquilo que simbolizam. O significante precede e determina o significado.” Em 1953, Lacan apoiou-se nessa definição para construir sua tópica do simbólico, do real e do imaginário, à qual acrescentou a noção de parentesco*, extraída das Estruturas elementares do parentesco. Com isso, pôde analisar a família e, portanto, o complexo de Édipo* no quadro de um sistema estrutural, e não mais na perspectiva evolucionista da passagem do matriarcado para o patriarcado*, ou da horda selvagem para a sociedade (à maneira de Totem e tabu*). Essa inversão de perspectiva (passagem do matriarcado para o parentesco) foi atestada por Lacan quando ele denominou de “função simbólica” o princípio inconsciente único em torno do qual se organiza a multiplicidade das situações particulares de cada sujeito. Na categoria do simbólico ele introduziu toda a reformulação tomada de empréstimo ao sistema de Lévi-Strauss: assim, o inconsciente freudiano foi repensado como lugar de uma mediação comparável à do significante* no registro da língua. Na categoria do imaginário foram alinhados os


Simmel, Ernst

fenômenos ligados à construção do eu*: captação, ilusão, antecipação. Por fim, na categoria do real foi colocado o “resto”: uma realidade desejante que é inacessível a qualquer simbolização. Em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, Lacan inscreveu uma doutrina da análise em seu sistema estrutural fazendo referência a um texto de 1945, “O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada”, que expunha sua concepção da liberdade através de uma parábola lógica que punha em cena três prisioneiros diante do diretor do presídio. Segundo Lacan, o analista ocupa na análise o lugar desse diretor: é aquele que promete a liberdade (ou a cura) a seu paciente, convidando-o a resolver, tal como a Esfinge com Édipo, o enigma da condição humana. O analista é mesmo um mestre socrático, mas sua mestria é limitada por duas fronteiras: por um lado, ele não sabe prever qual será o “tempo para compreender” de cada sujeito; por outro, ele próprio está inscrito numa ordem simbólica. Se o homem fala porque o símbolo o fez homem, o analista não é mais do que um “suposto mestre”: é um “praticante da função simbólica”. Lacan diria, mais tarde, que ele é um “sujeito suposto saber”. Seja como for, ele decifra uma fala, assim como um comentador interpreta um texto. O conceito de simbólico é inseparável de uma série composta por outros três conceitos: o significante, a foraclusão* e o Nome-do-Pai*. O significante é de fato a própria essência da função simbólica (sua “letra”), a foraclusão é o processo psicótico pelo qual o simbólico desaparece, e o Nome-do-Pai é o conceito mediante o qual a função simbólica integra-se numa lei que significa a proibição do incesto*. No contexto de sua reformulação estrutural, Lacan conferiu ao simbólico, até 1970, um lugar dominante em sua tópica. A ordem das instâncias era então S.I.R. Depois dessa data, ele construiu uma lógica diferente, depositando a ênfase na primazia do real (e portanto, da psicose*), em detrimento dos outros dois elementos. S.I.R. transformou-se então em R.S.I. • Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo (Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987; “O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada” (1945), in Escritos (Paris, 1966), Rio de

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Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 197-213; “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (1953), ibid., 238-324; “Le Symbolique, l’Imaginaire et le Réel” (1953), Bulletin de l’Association Freudienne, 1, 1982, 4-13; O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955) (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985; O Seminário, livro 3, As psicoses (1955-1956) (Paris, 1981), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, 2ª ed.; O Seminário, livro 4, A relação de objeto (1956-1957) (Paris, 1994), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995; “Intervention sur l’exposé de Claude Lévi-Strauss”, Bulletin de la Société Française de Philosophie, 3, 1956, 113-9; Le Séminaire, livre XXII, R.S.I. (1974-1975), inédito • Ferdinand de Saussure, Curso de lingüística geral (1915), S. Paulo, Cultrix, 1979 • Françoise Dolto, “Notes sur le stade du miroir”, 16 de junho de 1936, inédito • Claude Lévi-Strauss, As estruturas elementares do parentesco (Paris, 1949), Petrópolis, Vozes, 1976; “A eficácia simbólica” (1953), in Antropologia estrutural, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, 215-36; “Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss”, in Marcel Mauss, Sociologie et anthropologie (1950), Paris, PUF, col. “Quadrige”, 1993, IX-LII • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Anika Lemaire, Jacques Lacan (1969), Bruxelas, Mardaga, 1977 • Joël Dor, Introdução à leitura de Lacan, 2 tomos, (Paris, 1985 e 1992), P. Alegre, Artes Médicas, 1992 e 1996.

➢ LACANISMO; MALINOWSKI, BRONISLAW; MATEMA: NÓ BORROMEANO; OBJETO (PEQUENO) a; OUTRO; SAUSSURE, RAYMOND DE; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

simbolismo al. Symbolik; esp. simbolismo; fr. symbolisme; ing. symbolism Sistema de representação baseado em símbolos e destinado a exprimir crenças e transmitir tradições e ritos. Em psicanálise*, o termo simbolismo (ou simbólica, no feminino) é empregado criticamente a propósito dos sonhos*.

➢ INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS, A.

Simmel, Ernst (1882-1947) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Breslau (Wroclaw), numa região da Polônia integrada ao império alemão, Ernst Simmel passou toda a infância em Berlim, onde sua mãe dirigia uma agência de empregos. Até 1914, praticou a psiquiatria em um bairro

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Simmel, Ernst

pobre da cidade e foi encarregado da direção de um hospital psiquiátrico militar durante a Primeira Guerra Mundial. Foi então que começou a se familiarizar com a hipnose* e com as teorias freudianas, utilizando, no tratamento dos traumas ligados à guerra, um manequim no qual os pacientes podiam descarregar sua agressividade. Em 1918, publicou um livro sobre esse assunto, que foi elogiado por Sigmund Freud* em uma carta a Karl Abraham* de 17 de fevereiro: “Pela primeira vez, escreveu, um médico alemão se situa inteiramente, sem condescendência protetora, no terreno da psicanálise*, defende a causa de sua utilidade eminente na terapia das neuroses de guerra*, prova-o com exemplos, e também mostra uma perfeita honestidade na questão da etiologia sexual. É verdade que ele não seguiu a psicanálise em todos os pontos, limita-se, no fundo, a um ponto de vista catártico, procede por hipnose [...]. Creio que um ano de formação faria dele um bom analista.” Em outubro, Simmel começou uma análise com Abraham, que diminuiu o entusiasmo de Freud: “Ele não ultrapassou, de forma nenhuma, o ponto de vista Breuer*/Freud. Tem fortes resistências — das quais ele próprio tem apenas uma idéia confusa — diante da sexualidade* [...]. Talvez ele evolua.” Apaixonado pela medicina hospitalar, Simmel integrou-se ao movimento psicanalítico, participando, com Max Eitingon*, da criação do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI) e da fundação da Policlínica. Neles desenvolveu seminários e análises de supervisão*, ocupando-se também da redação de uma obra coletiva sobre as neuroses de guerra*, que continha artigos dos pioneiros como Ernest Jones*, Sandor Ferenczi*, e outros, cujo prefácio Freud redigiu. Com a morte de Abraham, em 1925, Simmel foi eleito presidente da Sociedade Psicanalítica Berlinense, e no ano seguinte criou o seu sanatório, no Schloss Tegel, segundo o modelo das grandes clínicas da época: Bellevue, Burghölzli etc. Ernest Freud foi encarregado da reforma interna da construção. O “castelo” de Tegel se tornou assim um dos centros de introdução dos métodos freudianos no tratamento das toxicomanias, das psicoses* e das neuroses* graves.

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Serviu de modelo para a organização das grandes clínicas americanas. Vinte e cinco pacientes eram tratados todos os dias, entre 1927 e 1930, e Freud internou-se ali quando foi tratar-se de câncer em Berlim. Quando Simmel teve dificuldades financeiras, foi ajudado pela generosa Marie Bonaparte*, por Dorothy Burlingham*, por Raymond de Saussure* e pelo próprio Freud, que lhe ofereceu um dos anéis do Comitê Secreto* e assinou, com Albert Einstein (18791955), um apelo dirigido ao Ministro da Cultura da Alemanha*. A despeito de todos os esforços do movimento freudiano, a clínica teve que fechar as portas em 1931. Simmel pensou então em renovar a experiência na Califórnia. Mas em 1933, foi preso pela Gestapo em razão de sua filiação à Associação dos Médicos Socialistas. Graças a Ruth Mack-Brunswick*, que pagou um resgate aos nazistas, conseguiu fugir para a Bélgica e para a Inglaterra, de onde foi para a costa oeste dos Estados Unidos*, com a ajuda de Franz Alexander* e Hanns Sachs*. As dependências do Tegel foram então ocupadas pelos SA. Em 1942, Simmel foi presidente da San Francisco Psychoanalytical Society (SFPS), recém-fundada por Siegfried Bernfeld* em 1941, e criou cinco anos depois, em Los Angeles, uma nova sociedade, dotada de um Instituto Psicanalítico, organizado conforme o modelo do de Berlim: a Los Angeles Psychoanalytic Society (LAPS). Com Otto Fenichel* e Bernfeld, militou no seio da American Psychoanalytic Association* (APsaA) pela análise leiga*. Como eles, tinha saudades da velha Europa, lamentando o aspecto “mecanicista” da psicanálise à americana. Isso não o impediu de se tornar, como muitos outros pioneiros do freudismo na Alemanha, um dos melhores representantes da psicanálise no continente norte-americano. Teve uma clientela florescente, principalmente nos meios do cinema hollywoodiano, que atraíam todos os intelectuais europeus perseguidos pelo nazismo*. Em 1993, na Alemanha, vários eruditos do freudismo, como Michael Schröter, Ludger Hermanns e Ulrich Schultz-Venrath, redescobriram e fizeram uma nova apresentação de sua obra. • Ernst Simmel, Kriegsneurosen und psychische Trauma: Ihre gegenseitigen Beziehungen, dargestellt auf


Sobre os sonhos Grund psychoanalytischer, hypnotischer Studien, Munique e Leipzig, Otto Nemnich, 1918; Psychoanalysis and the War Neuroses (Berlim, 1919), Londres, International Psycho-Analytical Press, 1921; “Psychoanalytical treatment in a sanitarium”, IJP, 1929, 10, 70-89; “The psychoanalytical sanitarium and the psychoanalytical movement”, Bull. Menninger Clinic, 1, 1937, 133-43; “Self-preservation and the death instinct”, Psychoanalytic Quarterly, 13, 1944, 160-85; Psychoanalyse und ihre Anwendungen. Ausgewählte Schriften, Frankfurt, Fischer, 1993 • Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966) Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Ici la vie continue de manière surprenante, seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans, The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, 1917-1985, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995 • Sigmund Freud, “Introdução a A psicanálise e as neuroses de guerra” (1919), ESB, XVII, 259-64; GW, XII 321-4; SE, XVII, 205-10; Chronique la plus brève, Carnets intimes 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969.

Slight, David (1899-1985) psiquiatra e psicanalista americano

Foi na região francófona do Canadá* que David Slight desempenhou um papel importante na história da psicanálise* nesse país. De origem escocesa, chegou a Montreal em 1926 e, dois anos depois, foi nomeado diretor do consultório externo da Universidade McGill. Durante o verão de 1928, partiu em férias pelo mar Báltico, e começou uma análise didática* com Franz Alexander*. Prosseguiu-a em Berlim e depois em Chicago, após a emigração de Alexander para os Estados Unidos*. Instalando-se como clínico em Montreal durante dez anos, Slight preparou o terreno para a criação do primeiro grupo psicanalítico canadense, que seria reconhecido pela International Psychoanalytical Association* (IPA) depois da Segunda Guerra Mundial. Membro da American Psychoanalytic Association* (APsaA) em 1932, quis ir a Viena* para continuar sua formação com Anna Freud* na área de psicanálise de crianças*. Mas, a conselho de Edward Glover*, ficou em Londres e fez um tratamento pouco ortodoxo com Melanie Klein*. Durante o verão, encontrou-se com ela em Saint-Jean-de-

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Luz, onde ela passava as férias, para continuar as sessões, que duravam duas horas. É a ele que se atribui a fórmula “Freud tornou o sexo respeitável e Melanie Klein tornou a agressividade respeitável.” Em 1936, deixou Montreal e foi para Chicago, onde permaneceu até o fim de sua vida. • Alan Parkin, An History of Psychoanalysis in Canada, Toronto, The Toronto Psychoanalytic Society, 1987 • Phillys Grosskurth, O mundo e a obra de Melanie Klein (1986), Rio de Janeiro, Imago, 1992.

➢ CLARKE, CHARLES KIRK; GLASSCO, GERALD STINSON; MEYERS, DONALD CAMPBELL.

Sobre os sonhos Ensaio de Sigmund Freud* publicado pela primeira vez em alemão, em 1901, sob o título Über den Traum, numa coletânea dirigida por Leopold Löwenfeld (1847-1924) e Hans Kurella (1858-1916), intitulada Grenzfragen des Nerven und Seelenlebens. Reeditado em 1911, sob a forma de uma brochura independente, acrescido de notas, diversos parágrafos e um capítulo sobre o simbolismo dos sonhos. Traduzido para o francês pela primeira vez por Hélène Legros, em 1925, sob o título Le Rêve et son interprétation, e mais tarde, em 1988, por Cornélius Heim, sob o título Sur le rêve. Traduzido para o inglês por James Strachey*, em 1953, sob o título On Dreams.

Embora seu grande livro, A interpretação dos sonhos*, tenha sido relativamente bem acolhido pelos especialistas em psicopatologia, Sigmund Freud* ficou terrivelmente decepcionado com as treze críticas publicadas em diversas revistas médicas entre 1899 e 1901. Enquanto sua expectativa era que essa publicação lhe trouxesse uma extraordinária celebridade e uma boa clientela, esse livro magnífico, elaborado por ele com vinte anos de antecedência em relação a seu século, não foi saudado, naquela ocasião, como o monumento maior de um grande cientista, mas como um bom livro, escrito por um bom autor, e ao qual, no entanto, convinha dirigir algumas críticas. Nesse contexto e por sugestão de Wilhelm Fliess*, Freud concordou em escrever uma versão abreviada de Die Traumdeutung (57 páginas) para uma obra coletiva dirigida pelo psiquiatra Leopold Löwenfeld. Durante toda a pri-

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sobredeterminação

mavera do ano de 1901, terminou com dificuldade a redação desse texto e, no momento da correção, esqueceu-se de enviar suas provas ao editor. Em A psicopatologia da vida cotidiana*, Freud analisa esse seu esquecimento como um medo de lesar o editor de A interpretação dos sonhos e, a propósito desse assunto, evoca as censuras que lhe fizera Jean Martin Charcot* na ocasião em que ele havia acrescentado notas à tradução de seu livro, sem a autorização do autor. Nesse opúsculo, Freud deu continuidade a seu trabalho de análise de seus próprios sonhos, em especial com o chamado sonho da “table d’hôte”: “Uma reunião social, à mesa ou table d’hôte (...) Come-se espinafre. (...) A sra. E.L. está sentada ao meu lado, vira-se inteiramente para mim e coloca a mão com familiaridade em meu joelho. Afasto sua mão, num gesto de defesa. Então, ela diz: ‘O senhor sempre teve olhos tão bonitos (...)’. Vejo então, vagamente, algo como o desenho de dois olhos, ou o contorno de um par de óculos (...).” Freud interpreta esse sonho como a expressão de sua dificuldade de ter dívidas, de reclamar o que lhe é devido e de fazer as coisas por obrigação. Quando era pequeno, ele não gostava de espinafre: ora, o sonho mostra que, apesar disso, é preciso comê-lo. E.L. é identificada como Bertha, a filha de Josef Breuer*, ao qual Freud devia dinheiro. Por último, os óculos remetem ao médico oftalmologista Hans Rosenberg. Freud o presenteara com uma terrina antiga, decorada com um occhiale, isto é, um contorno de pinturas de olhos, que servia de proteção contra o mau-olhado. O médico estava “em dívida” com ele, que lhe encaminhara uma cliente para que ele lhe prescrevesse óculos. Em 1988, o psicanalista francês Didier Anzieu deu uma interpretação diferente a esse sonho, que exprimiria a dificuldade de Freud de redigir o livro. No lugar de E.L. ele viu, simultaneamente, Ida Bauer* (o caso Dora), cujo tratamento Freud estava começando nessa época, e Minna Bernays*, sua cunhada, com quem ele se proibia de ter uma relação incestuosa. Segundo Anzieu, esse sonho seria uma espécie de prolongamento do “sonho da injeção de Irma*”.

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• Sigmund Freud, “Sobre os sonhos” (1901), ESB, V, 671-751; GW, III, 643-700; SE, V, 629-86; Paris, Gallimard, 1988, com prefácio de Didier Anzieu • Didier Anzieu, A auto-análise de Freud e a descoberta da psicanálise (1959), P. Alegre, Artes Médicas, 1989 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work 1893-1939, Madison, International Universities Press, 1988.

sobredeterminação al. Überdeterminierung; esp. sobredeterminación; fr. surdétermination; ing. overdetermination Termo empregado em filosofia e psicologia para designar, conforme as modalidades próprias de cada objeto, uma pluralidade de determinações que geram um dado efeito. Essa palavra foi utilizada por Sigmund Freud*, em particular, na Interpretação dos sonhos*.

Se, para Freud, a noção de sobredeterminação não tem o estatuto dos processos de condensação* e deslocamento* no trabalho do sonho*, acha-se estreitamente ligada a eles. A sobredeterminação é um efeito do trabalho de condensação. Freud expõe isso a propósito da análise que faz de seu sonho da “monografia botânica”: ele mostra que, nesse sonho, os elementos “botânica” e “monografia” são nós, são pontos de condensação nos quais alguns pensamentos latentes do sonho puderam cristalizarse, por se prestarem a múltiplas interpretações: “Podemos explicar de mais uma outra maneira o fato que esclarece tudo isso, e dizer: cada um dos elementos do sonho é sobredeterminado, é como que representado diversas vezes nos pensamentos do sonho.” Ao estudar as modalidades do trabalho de deslocamento, Freud constatou que a freqüência dos elementos do sonho não estava correlacionada à sua importância. Para dar conta dessa aparente contradição, explicou que somos “levados a supor que, no trabalho do sonho, manifesta-se um poder psíquico que, por um lado, despoja elementos de alto valor psíquico de sua intensidade, e, por outro, graças à sobredeterminação, confere um valor maior a elementos de menor importância, de sorte que estes podem penetrar no sonho”. A sobredeterminação, esclarecem Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, não implica que o sonho possa ser objeto de um número infinito de interpretações, nem tampouco impli-


Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras

ca a independência das significações de que um mesmo fenômeno pode revestir-se: “O fenômeno a ser analisado é uma resultante; a sobredeterminação é um caráter positivo, e não a simples ausência de uma significação única e exaustiva.” • Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed.

Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras (Psychologische Mittwoch-Gesellschaft) Criada em 1902 por Sigmund Freud*, Alfred Adler*, Wilhelm Stekel*, Rudolf Reitler (1865-1917) e Max Kahane (1866-1923), a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras foi o primeiro círculo da história do movimento psicanalítico. Existiu durante cinco anos, de 1902 a 1907, sendo então substituída por uma verdadeira instituição de tipo associativo, a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), que serviu de modelo para todas as sociedades reunidas na International Psychoanalytical Association* (IPA) a partir de 1910. Verdadeiro banquete socrático, banhado pelo espírito vienense do início do século, a Sociedade das Quartas-Feiras foi um laboratório de idéias freudianas. Entre 1902 e 1907, homens vindos de diversos horizontes reuniramse em torno de um mestre, na casa dele na rua Berggasse, com o único objetivo de ter suas consciências despertadas à luz da suprema inteligência daquele que inventara uma nova doutrina: a psicanálise*. “No primeiro andar reunia-se uma dúzia deles”, escreveu Michel Schneider, “todas as noites de quarta-feira do ano letivo, exatamente às nove horas. Todos já haviam jantado, mas eram-lhes oferecidos charutos e café (...). Quase todos eram judeus; a maioria compunha-se de médicos, mas alguns eram filósofos, artistas educadores, ou, vez por outra, simplesmente espíritos eruditos e curiosos.” O ritual era sempre o mesmo: formando um cenáculo em torno do “pai”, os homens das quartas-feiras identificavam-se com a famosa

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“horda selvagem” que Freud descreveria em Totem e tabu*, tomando emprestado esse tema de Charles Darwin (1809-1882). Sentados ao redor de uma mesa oval, tinham a obrigação de participar dos debates, sem ter direito de ler papéis preparados com antecedência. A cada reunião preparava-se uma urna contendo os nomes dos oradores. Uma vez realizado o sorteio, seguiam-se a conferência e, depois, as discussões. Ligados por uma insatisfação comum em relação à ciência de sua época, os homens das quartas-feiras forneciam uma imagem bastante fiel da cultura da Mitteleuropa. Tal como o mundo em que viviam, eram dilacerados por conflitos e, todas as vezes que se encontravam, ao falarem de seus casos clínicos, suas utopias ou sua aspiração a um novo mundo, e do inconsciente*, do sonho* ou da sexualidade*, estavam também se referindo a seus próprios problemas, a sua vida privada e a seus amores. O que os impelia a compreender o semelhante era uma curiosidade a respeito deles mesmos, de sua infância, seus pais, sua identidade. Poucas mulheres participariam das experiências desse cenáculo masculino, que às vezes dava mostras de uma incrível misoginia, em especial nas pessoas de Isidor Sadger* e Fritz Wittels*. Em 1902, à exceção de Freud, nenhum participante era ainda psicanalista. Por volta de 1904, Stekel e Paul Federn* começaram a exercer a psicanálise e, quatro anos depois, uns bons 50% dos membros da Sociedade haviam se transformado em psicanalistas, tendo todos sido analisados por Freud ou Federn. As primeiras análises não comportavam um curso nem um princípio didático, e aqueles que as conduziram foram pioneiros de uma prática ainda não codificada. Inventaram dia após dia a técnica da psicanálise, a clínica do tratamento, a exposição dos casos e a conceituação da doutrina. Em 1906, o jovem Otto Rank*, nomeado secretário, encarregou-se de estabelecer uma ata pormenorizada das sessões. Graças a ele, o grupo teve acesso a um outro estatuto. O cenáculo transformou-se num lugar de memória. As famosas Minutas, primeiros arquivos da história do freudismo*, seriam cuidadosamente conservadas por Freud, que as salvaria do na-

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zismo*, entregando-as a Federn, o qual, por sua vez, lhes confiaria a guarda a Hermann Nunberg*. É fascinante a leitura dessa transcrição verbatim, única nos anais da psicanálise, que põe em cena o nascimento de um movimento, a dialética de um pensamento e a essência de um diálogo. Em 1907, a Sociedade contava com 22 membros ativos, e Freud anunciou sua dissolução. No ano seguinte, ela se transformou numa associação, a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), primeira instituição psicanalítica do mundo. A febre dos primórdios dissipouse então em benefício da razão institucional: a Academia sucedeu ao banquete. Daí a abolição da regra que obrigava todos a usarem a palavra. A partir desse momento, apenas alguns participantes figuraram como autoridades, falando na presença de alunos transformados em ouvintes silenciosos. À horda ativa de 1902-1907 sucedeu-se, pois, uma sociedade liberal moderna, regida pela regulamentação democrática do direito à fala e pela hierarquia de mestres e discípulos, embora as quartas-feiras fossem mantidas em respeito à tradição. Quando essa nova sociedade foi dissolvida, em 1910, no momento da criação da IPA, ela contava com 58 membros (dentre os quais apenas uma mulher), sendo que somente 27 deles eram médicos. A maioria era formada por judeus austríacos, nascidos em diversas províncias do Império Austro-Húngaro: na Galícia (polonesa e russa), na Bukovina etc. Os outros eram russos ou húngaros. Devemos ao paciente trabalho de Elke Mühlleitner o conhecimento de seus nomes. Os que não tiveram oportunidade de emigrar da Áustria em 1938 pereceram em campos de extermínio nazistas. Em 1910, uma nova WPV foi prontamente reconstituída e integrada na IPA. As reuniões não mais se realizavam na residência de Freud, porém num salão chamado de colégio dos doutores. Nessa época, nada mais restava da antiga Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras. A Academia havia se transformado numa instituição, às voltas com disputas de escola. Depois viriam as clivagens e as dissidências, com Stekel e Adler. O relato das Minutas encerra-se em 1918, quando a Viena imperial que vira nascer a psi-

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canálise já não passava de uma cidade fantasma, perseguida pelo passado. Reduzida a pele de onagro pelos tratados de Versalhes, Trianon e Saint-Germain, a Áustria deixou de ser o centro nevrálgico da psicanálise e, não obstante as esperanças que Freud depositava na Hungria*, foi o mundo ocidental anglófono que passou desde então a dominar o movimento. Assim, não foi por acaso que Freud confiou o precioso texto das atas a um vienense (Federn), exilado como ele, que em seguida as transmitiria a outro vienense (Nunberg), transformado em norte-americano. Essas Minutas são um testemunho da existência daquele “mundo de outrora” tão caro a Stefan Zweig*, um mundo para sempre perdido: “Queríamos”, escreveu Nunberg, “deixar que o próprio leitor visse como os participantes se influenciavam mutuamente, como aceitavam ou rejeitavam o que lhes era oferecido, e como, vez por outra, eram dominados por influências, emoções e preconceitos alheios ao espírito da psicanálise. Queríamos fazer do leitor uma testemunha das lutas que se desenrolaram na Sociedade vienense e que permitiram a seus membros, ao mesmo tempo, superar suas resistências e se converter em psicanalistas competentes (...). Dedico este estudo, portanto, ao velho círculo de amigos a que ele deve sua existência, como lembrança das horas estimulantes, consagradas em comum à pesquisa intelectual.” • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (N. York, 1962-1975), Paris, Gallimard, 1976-1983 com uma “Introdução” de Hermann Numberg e uma “Apresentação” de Michel Schneider • Vincent Brome, Les Premiers disciples de Freud (Londres, 1967), Paris, PUF, 1978 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischer Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992 • Edward Shorter, “The two medical worlds of Sigmund Freud”, in Toby Gelfand e John Kerr (orgs.), Freud and the History of Psychoanalysis, Londres, The Analytic Press, 1992, 59-79 • Ernst Falzeder e Bernhard Handlbauer, “Freud, Adler et d’autres psychanalystes. Des débuts de la psychanalyse organisée à la fondation de l’Association Psychanalytique Internationale”, Psychothérapies, vol.XII, 4, 1992, 219-32.


Sokolnicka, Eugénie ➢ CISÃO; ÉCOLE FREUDIENNE DE PARIS; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; JUDEIDADE; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

só-depois ➢ A POSTERIORI.

Sokolnicka, Eugénie, née Kutner (1884-1934) psicanalista francesa

Pioneira da psicanálise de crianças*, membro fundador da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), analista de André Gide (1869-1951) e amiga dos escritores de La Nouvelle Revue Française (NRF), essa polonesa, que teve um destino trágico, nasceu em Varsóvia em uma família judia abastada e liberal. Sua mãe foi militante na independência polonesa, como seus tios e seu avô paternos. Educada por uma governanta francesa, foi para Paris com a idade de 20 anos e obteve uma licenciatura em ciências na Sorbonne, assistindo também às aulas de Pierre Janet* no Collège de France. Em 1911, orientou-se para a psiquiatria dinâmica* e foi para a clínica do Hospital Burghölzli, onde seguiu os cursos de Carl Gustav Jung*. Em 1913, no momento da ruptura entre Viena* e Zurique, escolheu a via freudiana e analisou-se com Sigmund Freud* durante um ano. Participou então das reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras* e, em 1914, a conselho do mestre, instalou-se em Munique, onde não existia círculo freudiano. A guerra obrigou-a a voltar para a Polônia e depois regressar a Zurique. Em 1918, estabeleceu-se em Varsóvia com a firme intenção de formar ali uma sociedade psicanalítica, o que não conseguiu. Em Budapeste, com o grande Sandor Ferenczi*, retomou um tratamento cujos vestígios se encontram na correspondência deste com Freud. Eugénie se sentia perseguida e Ferenczi identificou esses distúrbios com traços paranóicos e erotomaníacos. Ela também sofria de depressão e de tendência ao suicídio. Diante dessa mulher difícil, Ferenczi, ao contrário de Freud, mostrou um talento clínico excepcional. Sempre de partida para outro país, em 1921 Sokolnicka expressou a vontade de voltar a

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Paris. Apoiada por Ferenczi, realizou esse desejo com a concordância de Freud, que entretanto não gostava dela e a tratava de “horrível pessoa”. Mas decidiu-se a dar-lhe apoio até seu encontro com Marie Bonaparte*. Sua passagem pelo Hospital Sainte-Anne foi de curta duração. Não sendo médica e tendo um caráter difícil, experimentou grandes dificuldades para se integrar aos meios psiquiátricos franceses, a despeito do apoio de René Laforgue* e de Édouard Pichon*. Foi principalmente nos meios literários que ela propiciou a implantação das teses freudianas na França*. No outono de 1921, o grupo da NRF a acolheu com entusiasmo e ela organizou em sua casa um grupo que foi apelidado de “Clube dos Recalcados”, no qual se reuniam Jacques Rivière (1886-1925), Roger Martin du Gard (18811958), Gaston Gallimard etc. Em seu romance Les Faux-monnayeurs, publicado em 1925, Gide lhe deu o nome de Sophroniska e se inspirou no artigo que ela publicou em 1920 no Internationale ärztliche Zeitschrift für Psychoanalyse* (IZP): “A análise de um caso de neurose obsessiva infantil”. Tratava-se do tratamento de um menino judeu de 10 anos, originário de Minsk. Eugénie o analisara durante seis semanas, aplicando com sucesso a técnica da confissão e do tratamento curto. A história desse caso, um dos primeiros do gênero depois do caso do Pequeno Hans (Herbert Graf*) e de alguns artigos de Hermine von Hug-Hellmuth*, seria comentada por várias vezes, primeiro pela escola inglesa e depois na França, onde seria traduzida pela primeira vez em 1968 por Michel Gourevitch, com uma apresentação de Daniel Widlöcher. Em 1934, marginalizada pela SPP e tendo apenas poucos clientes, Eugénie Sokolnicka se suicidou, abrindo o gás na casa emprestada por Édouard Pichon, onde morava. • Eugénie Sokolnicka “L’Analyse d’un cas de névrose obsessionnelle infantile” (1920), Revue de Neuropsychiatrie Infantile et d’Hygiène Mentale de l’Enfance, 16, maio-junho de 1968, 473-87 • André Gide, Les Fauxmonnayeurs, Paris, Gallimard, 1925 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, 2 vols. (Paris, 1982, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989, 1988 • Pascale Duhamel, Eugénie Sokolnicka (18841934) entre l’oubli et le tragique, monografia para o

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sonambulismo

certificado de estudos especiais de psiquiatria, Universidade de Bordeaux-II, 1988.

➢ FRANÇA; KLEIN, MELANIE; MORGENSTERN, SOPHIE.

sonambulismo ➢ BENEDIKT, MORIZ; BERNHEIM, HIPPOLYTE; BREUER, JOSEF; CATARSE; CHARCOT, JEAN MARTIN; ESPIRITISMO; HIPNOSE; HISTERIA: JANET, PIERRE; LIÉBEAULT, AUGUSTE; MESMER, FRANZ ANTON; PERSONALIDADE MÚLTIPLA; PSICOTERAPIA; PSIQUIATRIA DINÂMICA; SUGESTÃO .

sonho al. Traum; esp. sueño; fr. rêve; ing. dream Fenômeno psíquico que se produz durante o sono, o sonho é predominantemente constituído por imagens e representações cujo aparecimento e ordenação escapam ao controle consciente do sonhador. Por extensão, em especial a partir do século XVIII, o termo designa também uma atividade consciente que consiste em imaginar situações cujo desenrolar desconhece as limitações da realidade material e social. Nesse sentido, a palavra sonho é sinônima de visão, devaneio, idealização ou fantasia*, em suas acepções mais corriqueiras. Sigmund Freud* foi o primeiro a conceber um método de interpretação* dos sonhos baseado não em referências estranhas ao sonhador, mas nas livres associações que este pode fazer, uma vez desperto, a partir do relato de seu sonho.

No campo psicanalítico, tamanho foi o impacto do livro de Freud, A interpretação dos sonhos* (Die Traumdeutung), que a própria idéia de sonho pareceu tornar-se indissociável da de interpretação: “Quando lemos a Traumdeutung”, escreveu Jean-Bertrand Pontalis, “tendemos a confundir o objeto da investigação — o sonho — com o método e a teoria que ele permitiu a seu autor constituir. (...) A Traumdeutung (...) não é, para nós, o livro da análise dos sonhos, e menos ainda o livro do sonho, mas o livro que, por intermédio das leis do logos do sonho, desvenda a lei de qualquer discurso e funda a psicanálise.” “Em tempos que podemos chamar de précientíficos”, escreveu Freud em seu opúsculo Sobre os sonhos*, “os homens não se embara-

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çavam para explicar o sonho. Quando se lembravam dele ao acordar, tomavam-no por uma informação benevolente ou hostil de poderes superiores, deuses e demônios. Com a eclosão do modo de pensar científico, toda essa mitologia, rica em múltiplos sentidos, transpôs-se para a psicologia e, atualmente, entre as pessoas cultas, resta apenas uma ínfima minoria que duvida que o sonho seja uma operação psíquica própria do sonhador.” De fato, desde a mais remota Antigüidade, os textos corroboram o que Jean-François Lyotard chamou de caráter intrínseco e paradoxal do sonho, a oposição entre a universalidade de sua experiência e sua singularidade intransmissível, contradição esta cuja resolução retiraria do sonho seu objeto. Se existe apenas um mundo para os homens despertos, constata Heráclito, cada um deles encontra a singularidade no sono, como atestam os sonhos. Para aquele que Freud denomina, em seu “Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos”, de “o velho Aristóteles”, o sonho é a atividade da alma do sonhador, e Freud, no primeiro capítulo de A interpretação dos sonhos, compraz-se em sublinhar que, para o autor da Ética a Nicômaco, o sonho já era um “objeto de investigação psicológica”. Desde a Idade Média, a atitude dos filósofos a respeito do sonho tem sido contraditória: considerada falsa, absurda e tão insensata quanto as afirmações dos dementes, a atividade onírica foi depreciada por René Descartes (15961650), que a mencionou para invalidar o depoimento dos sentidos em matéria de estabelecimento da realidade. Ao contrário, Baruch Spinoza (1632-1677) atribuiu ao sonho um lugar específico. Na Ética, negando que a suspensão do juízo possa ser considerada um efeito de nossa livre vontade, Spinoza explica que temos repetidamente a experiência desse limite em nossos sonhos. “Não creio que exista nenhum homem”, esclarece ele, “que, durante seu sonho, pense ter o livre poder de suspender seu juízo sobre aquilo com que está sonhando, e de se fazer não sonhar com aquilo com que está sonhando; e, no entanto, mesmo nos sonhos, sucede-nos suspender nosso juízo quando sonhamos que estamos sonhando.”


sonho

Se, para Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o sonho deve ser rejeitado, na condição de atividade que escapa à análise dialética racional, ele se encontra, ao contrário, no cerne das preocupações, sistemas e teorias da maioria dos poetas e filósofos do romantismo alemão e de alguns de seus sucessores, desde Wilhelm von Schelling (1775-1854) até Friedrich Nietzsche (1844-1900), passando por Arthur Schopenhauer (1788-1860). Encontramos o mesmo interesse pelo sonho entre os psiquiatras pioneiros da psiquiatria dinâmica*, ancestrais remotos de Freud, em especial na obra de Gothulf Heinrich von Schubert (1780-1860). Com o declínio do romantismo e o desenvolvimento de um pensamento positivista, que, como mostrou Michel Foucault (1926-1984), inscreveu a desrazão na ordem da doença, o sonho foi relegado à categoria de puro produto da atividade cerebral e, como tal, desprovido de sentido. Freud se empenharia em combater essa concepção, nisso precedido pelos trabalhos de Alfred Maury, Karl Albert Scherner ou do marquês Hervey de Saint Denys (1823-1892), que se dedicaram à exploração do sonho como manifestação da atividade psíquica. A idéia de interpretação do sonho foi contemporânea, na história, do reconhecimento da atividade onírica. Numa nota do segundo capítulo de sua Traumdeutung, Freud mencionou obras de sua época que haviam recenseado essa tradição nas culturas judaica, árabe, japonesa, chinesa e hindu. Nas sociedades tradicionais, o sonho faz eco ao mito, à lenda e ao conto, e sua interpretação é obra do feiticeiro, do xamã ou do chefe, substitutos das potências cosmogônicas, cujo lugar, como mostraram os trabalhos do etnólogo Pierre Clastres (1934-1977), freqüentemente se distingue do lugar coercitivo do poder político. O “passo à frente” que Freud anuncia ter dado, no segundo capítulo de Die Traumdeutung, concerne não à interpretação do sonho, mas à natureza da interpretação. A contribuição freudiana distingue-se, antes de mais nada, da interpretação simbólica e da decifração por deslocamento que esta efetua: o sonhador, através das associações mentais que realiza a partir do relato de seu sonho, passa a ficar na origem da

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interpretação. Ele se descobre o portador inconsciente dessa interpretação e, por conseguinte, esclarece Freud, não mais é objeto “do bel-prazer do intérprete”, como nos tempos da Antigüidade e como ainda acontece, diz ele, com “as estranhas explicações de Wilhelm Stekel*”. A propósito disso, convém assinalar que Freud, apesar de suas recomendações de prudência, também dá um grande espaço à simbolização, com isso abrindo caminho para interpretações abusivas, bem como para a concepção junguiana dos arquétipos, cuja inaptidão para interpretar os sonhos é conhecida. O segundo legado da doutrina freudiana é tão subversivo quanto o método de interpretação baseado nas associações do sonhador: com efeito, Freud considera o sonho como a realização de um desejo* inconsciente. O sonho como exutório, como via real de acesso ao reservatório de paixões libidinais que é o inconsciente, tal foi o âmago dessa revolução que seria reconhecida pelos surrealistas, tendo à sua frente André Breton (1896-1966). No entanto, e esse é um fato confirmado, tal reconhecimento não seria recíproco, e Freud, tão pronto a se queixar do pretenso insucesso de sua Traumdeutung, não chegou a apreciar nem a compreender aqueles escritores e poetas para quem o sonho e sua interpretação constituíam a grande aventura do século. Eufórico, no entanto, André Breton fez uma visita a Freud em outubro de 1921. Só que o encontro se desenrolou num clima de perfeita incompreensão. Breton fez dessa conversa um relato dadaísta, no qual o humor e a ironia mal chegaram a mascarar a decepção. Mesmo assim, os surrealistas continuaram a desenvolver suas concepções psicanalíticas, às quais Freud permaneceria decididamente fechado, mas cujo caráter deliberadamente provocador alimentaria as polêmicas com a instituição psiquiátrica francesa, representada, em particular, por Pierre Janet* e Gaëtan Gatian de Clérambault*. O sonho se manteve como a pedra de toque desse diálogo impossível. Em 1932, Breton enviou a Freud um exemplar de seu livro Os vasos comunicantes, no qual foi o auto-intérprete, tão sistemático quanto possível, de um de seus sonhos. Essa remessa desencadeou uma polêmica entre os dois homens. Mas a discussão

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Spaltung

referiu-se a aspectos superficiais, a questões de referências ignoradas ou mal lidas, e não ao essencial, ao reconhecimento ou não reconhecimento da infinitude da interpretação, à questão designada por Octave Mannoni*, posteriormente, como sendo a do “umbigo do sonho”. Freud não estava interessado nessas discussões. Não reconheceu na posição de Breton sua concepção metapsicológica do inconsciente, a compartimentação entre realidade psíquica e realidade material, situada no extremo oposto de qualquer idéia de “vasos comunicantes”. Em dezembro de 1937, Breton voltou à carga, propondo a Freud que se associasse à publicação de uma coletânea intitulada Trajetória do sonho. Freud, sempre muito distante das concepções surrealistas, respondeu em tom amável, mas sem fazer a menor concessão: “Uma coletânea de sonhos”, escreveu, “sem as associações que lhes são acrescentadas, sem o conhecimento das circunstâncias em que o sonho teve lugar — tal coletânea não significa nada para mim, e mal consigo imaginar o que possa querer dizer para outros.” Por ironia da história, a freqüentação do movimento surrealista levaria o jovem Jacques Lacan* a realizar, em meados da década de 1950, um “retorno a Freud” tão provocador aos olhos da esclerose pela qual o freudismo* começava a ser atacado quanto tinham sido os manifestos surrealistas para a psiquiatria francesa dos anos vinte. Nesse sentido, Lacan ilustraria a afirmação de seu amigo Henri Ey*, que reconhecia ter sido através do surrealismo, e não na literatura médica, que, por sua parte, ele descobrira a importância do freudismo. Apesar disso, seria um erro, como sublinhou Jean Starobinski, num artigo intitulado “Freud, Myers, Breton”, confundir as teses lacanianas sobre as relações entre a linguagem e o inconsciente com a escrita automática dos surrealistas. • Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; “Sobre os sonhos” (1901), ESB, V, 671-751; GW, III, 643-700; SE, V, 629-86; Paris, Gallimard, 1988, com prefácio de Didier Anzieu; “Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos” (1917), ESB, XIV, 253-74; GW, X, 411-26; SE, XIV, 217-35; OC, XIII, 243-58 • Sarane Alexandrian, Le Surréalisme et le rêve, Paris, Gallimard, 1974 • Karl Abraham, “Rêve et mythe.

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Contribution à l’étude de la psychologie collective” (1909), in Ouvres complètes, I, 1907-1914, Paris, Payot, 1965 • Ludwig Binswanger, Rêve et existence (1930), Paris, Desclée de Brouwer, 1954 • Marguerite Bonnet, André Breton, Naissance de l’aventure surréaliste, Paris, José Corti, 1975 • André Breton, Entretiens, Paris, Gallimard, col. “Idées”, 1969; Les Vases communicants (1932), Paris, Gallimard, col. “Idées”, 1977 • Pierre Clastres, A sociedade contra o Estado: pesquisa de antropologia política (Paris, 1980), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982, 2ª ed. • Henri Deluy, Anthologie arbitraire d’une nouvelle poésie, Paris, Flammarion, 1983. Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jean-François Lyotard, “Rêve”, Encyclopaedia universalis, vol.XIV, 191-4; Discours Figure, Paris, Klincksieck, 1971 • Octave Mannoni, Freud. Uma biografia ilustrada (Paris, 1968), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994; “Le Rêve et le transfert” (1964), in Clefs pour l’imaginaire ou l’Autre Scène, Paris, Seuil, 1969, 150-60 • JeanBertrand Pontalis, “La Pénétration du rêve” (1972), in Entre le rêve et la douleur, Paris, Gallimard, 1977 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.2 (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Marcel Scheidhauer, Le Rêve freudien en France, Paris, Navarin, 1985 • Baruch Spinoza, Ética (1677), Rio de Janeiro, Ediouro, 1993 • Jean Starobinski, “Freud, Myers, Breton”, L’Arc, 1968, 34, 87-97.

➢ FRANÇA; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; MYERS, FREDERICK.

Spaltung ➢ CLIVAGEM (DO EU).

Spanudis, Theon (1915-1986) escritor, médico e psicanalista brasileiro

Nascido em Esmirna, Theon Spanudis emigrou para Viena*, onde, a partir de 1933, recebeu uma formação psicanalítica de August Aichhorn*. Depois de um segundo tratamento com Otto Fleischman, integrou-se à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), na qual exerceu uma atividade importante. Como não escondia sua homossexualidade* e a direção da International Psychoanalytical Association* (IPA) não admitia homossexuais em suas sociedades componentes, foi obrigado, no fim dos anos 1950, a deixar o grupo e renunciar à prática da psicanálise*. Posteriormente, publicou poemas e dedicou-se à crítica literária.


Spielrein, Sabina Nicolaievna • Theon Spanudis, Skizzen und Klänge, Munique, ORA-Verlag, 1975; Novos poemas, S. Paulo, Kosmos, 1978.

➢ BRASIL.

Spielrein, Sabina Nicolaievna, esposa Scheftel (1885-1942) psiquiatra e psicanalista russa

Depois da publicação, em 1980, por Aldo Carotenuto e Carlo Trombetta, de um trabalho sobre Sabina Spielrein, acompanhado de sua correspondência com Sigmund Freud* e Carl Gustav Jung*, de seu diário e vários de seus textos, essa psicanalista russa, esquecida pela historiografia* oficial, foi objeto de muitos estudos. Tornando-se um personagem romanesco, adquiriu uma celebridade tão grande quanto a de Bertha Pappenheim* ou de Ida Bauer*. Deve-se dizer que sua história é singular e reveladora de todos os móbeis transferenciais do movimento psicanalítico. Ao mesmo tempo paciente e estudante de psiquiatria, Sabina Spielrein participou, no começo do século, do debate sobre a esquizofrenia* em torno de Eugen Bleuler*. Depois, experimentou o princípio da transferência* e do tratamento pelo amor, e tornou-se a testemunha privilegiada da ruptura entre Jung e Freud. Um foi seu amante e seu analista, outro seria seu mestre. Mais tarde, inventou a noção de pulsão* destrutiva e sádica, da qual nasceria a pulsão de morte. Enfim, atravessou as duas grandes tragédias que marcaram a história do século XX: o genocídio dos judeus na Europa e a transformação do comunismo* em stalinismo na Rússia*. Nascida em Rostov, Sabina Spielrein era de uma família judia abastada e culta. Educada segundo princípios tradicionais, manifestou desde a infância uma imaginação transbordante, até o dia em que foi vítima de uma alucinação: viu dois gatos ameaçadores instalados sobre sua cômoda, o que a levou depois a ter angústias noturnas e uma fobia* por animais e doenças. Por volta dos 4 anos, ocorreu uma desordem mental em seu comportamento: “Ela começou a reter as fezes, escreveu Carotenuto, até o momento em que era obrigada a defecar. Depois, tomou o hábito de se sentar

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sobre os calcanhares, de modo a fechar o ânus e impedir a defecação até durante duas semanas seguidas.” Com a idade de 7 anos, renunciou a essas práticas, mas entregou-se à masturbação. Durante as refeições, pensava na defecação e imaginava que todos à sua volta também pensavam nisso. Ao longo dos anos, a situação piorou. Com a idade de 18 anos, Sabina foi atingida por crises de depressão, alternando lágrimas, risos e gritos convulsivos. Um ano depois, teve um surto psicótico. Seus pais decidiram então tratá-la na Suíça*, na famosa clínica do Hospital Burghölzli de Zurique. Entrou em 17 de agosto de 1904 e permaneceu até 1º de junho de 1905. Tratada por Jung, que experimentou com ela os princípios freudianos do tratamento psicanalítico, considerando-a como um caso de histeria*, ela se curou completamente de seus sintomas. Fez então estudos de medicina e orientou-se para a psiquiatria. Entretanto, o tratamento resultou em uma paixão incontrolável entre o terapeuta e a paciente. Como Sandor Ferenczi* e como muitos freudianos dessa época pioneira, Jung não conseguia distinguir claramente amor e transferência, ainda mais porque tinha diante de si uma jovem de inteligência excepcional, que ele conseguira curar ao seduzi-la. Por sua idade e suas origens, ela poderia tornar-se sua esposa, caso ele já não fosse casado. Simultaneamente polígamo, sedutor e obcecado pelo pecado e a loucura*, Jung sempre teve uma atração particular pelo tipo de feminilidade encarnado por Sabina, como mostra sua relação com sua prima Hélène Preiswerk*. Não sabendo como sair dessa situação, Jung confessou essa ligação a Freud, em uma carta de 7 de março de 1909: “Ela fez um terrível escândalo, só porque recusei o prazer de conceber um filho com ela. Sempre me mantive, com ela, nos limites de um gentleman, mas apesar de tudo não me sinto muito inocente aos olhos de minha consciência, um pouco sensível demais, e é isso que mais me perturba, pois minhas intenções sempre foram muito puras. Mas você bem sabe que o diabo usa as melhores coisas para produzir lama.” Inicialmente, Freud encarou o assunto com bom humor. Zombou do estilo “teológico” de Jung e de seu medo do diabo e do fogo do

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Spielrein, Sabina Nicolaievna

inferno. Depois, quando recebeu em maio de 1909 uma carta de Sabina Spielrein solicitando uma entrevista, foi obrigado a intervir. Além disso, seu delfim explicou que a jovem o perseguia. A intervenção de Freud foi magistral. Ao invés de se compadecer da vítima, aconselhou-a a resolver o problema sozinha, sem apelar para terceiros. No fundo, tentou persuadi-la o mais racionalmente possível a fazer o luto de uma relação passional sem futuro e a investir num outro objeto de amor. Mas então a mulher de Jung enviou uma carta anônima aos pais de Sabina, participando-lhes a ligação. Intimado a se explicar, Jung se eximiu de qualquer responsabilidade: ele não tinha, disse à mãe de Sabina, o apanágio da sexualidade* de sua filha e gostaria muito de se ver livre de suas pretensões. De passagem por Zurique, o pai, como Freud, aconselhou Sabina a encontrar uma solução sozinha. O que ela fez. Diplomada em 1911 com uma tese sobre a esquizofrenia, trabalhou depois com intensidade. A 25 de novembro, apresentou uma exposição na Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Nela, expunha suas teses sobre a pulsão de destruição, na qual Freud se inspiraria em Mais-além do princípio de prazer*, e que seriam publicadas em 1912, sob o título “A destruição como causa do devir”. Nesse ano, Sabina, completamente curada de seu episódio psicótico, casou-se com um médico judeu russo, Pavel Naoumovitch Scheftel. Freud alegrou-se com esse casamento e com a gravidez de Sabina. Ele acabava de romper com Jung e saiu de sua neutralidade para lhe expressar sua feroz hostilidade contra o seu ex-delfim, o que mostra que ele não estava mais preparado do que a jovem para o sofrimento de um luto e de uma amizade passional: “Da minha parte, como você sabe, escreveu ele, estou curado de qualquer seqüela de predileção pelos arianos e quero crer que, se o seu filho for homem, ele se tornará um inabalável sionista. Ele tem que ser moreno, ou então tornar-se moreno. Chega de cabeças louras [...]. Somos e continuamos a ser judeus.” Durante dez anos, Sabina Spielrein continuou seus trabalhos e atividades clínicas na Alemanha*, na Suíça e na Áustria, principalmente no laboratório de Édouard Claparède*

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em Genebra. Integrada ao movimento psicanalítico, ensinou a doutrina freudiana. Seu aluno e analisando mais célebre seria o psicólogo Jean Piaget (1896-1980). Seus últimos artigos conhecidos se referem à linguagem infantil, à afasia e à origem das palavras “papai” e “mamãe”. Em 1923, com o apoio de Freud, decidiu voltar à Rússia. Propôs então sua candidatura à Associação Psicanalítica Russa, que acabava de ser criada e que reunia o grupo de Moscou e o de Kazan. Instalando-se em Moscou no momento em que a situação se degradava para a psicanálise*, participou da experiência educativa do Lar para Crianças, criado por Vera Schmidt*, ocupando ao mesmo tempo um lugar de chefe da seção de pedologia* na universidade estatal. Foi durante esse período, crítico para o regime soviético, que ela afirmou a seus próximos que “seria capaz de curar Lenin de sua doença.” Em 1924, voltou a Rostov, onde se encontrou com o marido, o pai, e suas duas filhas, Renata e Eva. Oficialmente, exercia funções de clínica geral mas, na verdade, sob a capa da pedologia, tratava de crianças delinqüentes e problemáticas pela psicanálise. A partir de 1935, foi apanhada, com toda a sua família, pela engrenagem do sistema totalitário. Seu marido morreu de infarto em 1937 e seus dois irmãos, levados pelos expurgos, desapareceram no Gulag. Em 1942, depois de muitos combates entre o Exército Vermelho e as tropas alemãs, os nazistas conseguiram ocupar a cidade de Rostov, onde fizeram reinar o terror. Comandos da morte executaram dezenas de milhares de habitantes e agruparam os judeus em colunas para exterminá-los. Em 27 de julho de 1942, Sabina Spielrein foi massacrada com suas duas filhas na ravina de Viga da Serpente, em meio a cadáveres cobertos de sangue. Depois da publicação da obra de Carotenuto, a historiografia* “revisionista” faria de Sabina Spielrein a vítima de uma manipulação “masculina” sabiamente orquestrada por Jung e Freud. • Sabina Spielrein, “Über den psychologischen Inhalt eines Falles von Schizophrenie”, Jahrbuch für psychoanalytische und psychologische Forschungen, 3, 1911, 329-400; “La Destruction comme cause du de-


Stärcke, August venir” (1912), in Sabina Spielrein entre Freud et Jung, dossier descoberto por Aldo Carotenuto e Carlo Trombetta (Roma, 1980), Michel Guibal e Jacques Nobécourt (org.), Paris, Aubier-Montaigne, 1981, 213-56; “La Genèse des mots enfantins papa et maman” (1922), ibid., 337-42 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • John Kerr, “Beyond the pleasure principle and back again”, in Paul E. Stepansky (org.), Freud, Appraisals and Reappraisals, N. Jersey, The Analytic Press, vol.3, 1988, 81-167 • Jean Garrabé, Histoire de la schizophrénie, Paris, Seghers, 1992 • Victor Ivanovitch Ovtcharenko, “Le Destin de Sabina Spielrein” (1992), L’Évolution Psychiatrique, t.60, janeiro-março de 1995, 115-22.

➢ FREUDO-MARXISMO; JUDEIDADE; NAZISMO; ROSENTHAL, TATIANA; WULFF, MOSCHE.

Spitz, René Arpad (1887-1974) médico e psicanalista americano

Célebre no mundo inteiro por seus trabalhos sobre o hospitalismo* e sua psicologia, dita “genética”, René Spitz nasceu em Viena* em uma família húngara, tendo passado a infância em Budapeste, onde estudou medicina. Foi Sandor Ferenczi* quem o enviou, em 1911, a Sigmund Freud*, para fazer uma análise didática*. A partir de 1926, participou dos trabalhos da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) e, em 1930, tornou-se membro da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG). Depois de passar por Paris, emigrou para os Estados Unidos* em 1938. Inicialmente instalado em Nova York, fixou-se depois em Denver, no Colorado, onde desenvolveu suas pesquisas, segundo os princípios de uma medicina preventiva inspirada nos trabalhos de Anna Freud* e Maria Montessori*. Opôs-se à tese de Otto Rank* sobre o trauma do nascimento e também à idéia kleiniana de posição depressiva*, para privilegiar o estudo da depressão anaclítica*, do desmame e da formação do eu*. Foi nessa perspectiva de integração da psicanálise* à psicologia genética que se interessou pelas primeiras relações de objeto*, pelos estádios*, pelas carências afetivas e pelos distúrbios da linguagem ligados à permanência das crianças pequenas em instituições hospitalares. Mostrou que cada idade era portadora de uma estruturação específica, que resultava dos estádios precedentes e que sucedia a eles. A partir

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de 1945, tornou-se um dos principais redatores da revista The Psychoanalytic Study of the Child, fundada por Anna Freud, Ernst Kris* e Heinz Hartmann*, sob a influência da Ego Psychology*. Spitz reuniu muitos documentos cinematográficos sobre os comportamentos da primeira infância, fez conferências em muitos países e formou alunos e colaboradores no seio da Denver Psychoanalytic Society (DPS), da qual foi presidente em 1962-1963. • René Spitz, “Hospitalism”, The Psychoanalytic Study of the Child, I, 1945; “Infantile depression and the general adaptation syndrome”, in P.H. Hoch e J. Zubin, Depression, N. York, Grune and Stratton, 1954; O não e o sim (N. York, 1957), S. Paulo, Martins Fontes • René Spitz e Godfrey Cobliner, O primeiro ano de vida (Paris, 1984), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 6ª ed.

➢ ANNAFREUDISMO; AUBRY, JENNY; DOLTO, FRANÇOISE; PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; WINNICOTT, DONALD WOODS.

Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (SE) ➢ FREUD, SIGMUND; STRACHEY, JAMES; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

Stärcke, August (1880-1954) psiquiatra e psicanalista neerlandês

Pioneiro do freudismo* nos Países Baixos*, August Stärcke (ou Staercke) era de um meio de artesãos e professores. Na família, foi seu irmão mais novo, Johan Stärcke (1882-1917), morto prematuramente em 1917, o primeiro a se interessar pela psicanálise, desde a publicação da Interpretação dos sonhos*. Membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) entre 1911 e 1917, August Stärcke começou a traduzir para o neerlandês a obra de Sigmund Freud*, publicando também artigos seus sobre a abordagem psicanalítica das psicoses*. Em 1921, no seu trabalho mais importante, “Psychoanalyse und Psychiatrie”, usou amplamente as teses de Sandor Ferenczi* para desenvolver suas próprias posições sobre o eu* e a repetição*. Aliás, ao longo de sua correspondência com Freud a respeito de Maisalém do princípio de prazer*, expressou sua

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Stekel, Wilhelm

discordância sobre a questão da pulsão* de morte. Como muitos freudianos de sua geração*, Stärcke não foi analisado. Hostil ao dogmatismo, manifestou vivo interesse por todos os campos do saber — entre os quais situava a psicanálise. Foi notadamente um grande especialista em entomologia, e publicou uma centena de trabalhos sobre esse tema. • August Stärcke, “The reversal of the libido-sign in delusions of persecution”, IJP, 1, 1920, 231-4; “The castration complex”, IJP, 2, 1921, 179-201; “Psychoanalyse und Psychiatrie”, Beiheft IZP, 4, 1921 • Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981.

Stekel, Wilhelm (1868-1940) médico e psicanalista austríaco

Com Max Kahane (1866-1923), Rudolf Reitler (1865-1917) e Alfred Adler*, esse médico foi o quarto membro do núcleo fundador da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, que se tornaria, em 1908, a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), modelo de todas as sociedades freudianas da International Psychoanalytical Association* (IPA). Nascido em Bojan, na província romena de Bucovina, Stekel era de uma família de comerciantes judeus ortodoxos de língua alemã. Depois de estudar medicina em Viena*, instalou-se como clínico geral. Em 1895, publicou um artigo sobre as experiências sexuais precoces (coito) de crianças, que atraiu a atenção de Freud e, ao ler A interpretação dos sonhos*, sobre o qual redigiu um relatório entusiástico em 1902, tornou-se seu fervoroso discípulo: “Eu era o apóstolo de Freud, escreveu ele em sua Autobiografia, e ele era o meu Cristo.” Escritor prolixo, tinha um estilo enfático e adotou as teses freudianas sobre a sexualidade* com um sectarismo que certamente remetia a seus próprios problemas neuróticos. Efetivamente, foi para tratar de sua impotência sexual e sua compulsão patológica à masturbação que consultou Freud. Fez uma análise de algumas semanas, que pareceu aliviá-lo sem eliminar os seus sintomas. Obcecado pela questão do sexo sob todas suas formas, tinha, além disso, uma escuta muito intuitiva de todas as manifestações

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do inconsciente* e um verdadeiro talento de inventor e de agitador de idéias novas. A partir de 1902, esteve presente a todos os grandes acontecimentos que marcaram a história original do freudismo*. Em 1908, publicou uma obra prefaciada por Freud, Os estados de angústia nervosa e seu tratamento, logo seguida de duas outras em 1911 e 1912: A linguagem do sonho e Os sonhos dos poetas. A produção de Stekel era inesgotável, sua atividade intensa e suas declarações sempre exaltadas e até mesmo exibicionistas. Esse discípulo incômodo se interessava por todos os temas que seriam teorizados por seu mestre, em especial por Thanatos, do qual foi o primeiro a falar. Interrogava-se também sobre a questão dos “impulsos criminosos voltados contra si” e sobre o “recalque* na religião e na moral”. Freud admirava a imaginação de Stekel e sua capacidade inventiva. Mas logo se sentiu exasperado por sua falta de tato e sua indecência. Em uma carta de 30 de dezembro de 1908, dirigida a Carl Gustav Jung*, chegou a tratá-lo de “porco total”. Com efeito, Stekel teve que enfrentar os ataques de muitos discípulos do primeiro círculo vienense, especialmente de Viktor Tausk*, que o acusou de inventar casos para justificar suas hipóteses. O boato de mitomania foi depois retomado por Ernest Jones*. Em julho de 1910, quando foi criado o Zentralblatt für Psychoanalyse*, Stekel tornou-se seu co-redator, ao lado de Adler. Mas surgiu um conflito a propósito de Tausk, e Freud decidiu então que ele deixaria a revista. A 6 de novembro de 1912, Stekel demitiu-se da WPV e um ano depois, o Zentralblatt deixou de ser publicado. Depois de Adler, Stekel foi portanto o segundo dissidente da história da psicanálise* em Viena. Na medida em que estava em jogo um caso de plágio, esse conflito também foi a repetição daquele que ocorreu entre Sigmund Freud e Wilhelm Fliess*. Em sua Autobiografia, Stekel declarou que Freud lhe roubara suas idéias: “Ele usou minhas descobertas, escreveu, sem mencionar meu nome. Em seus escritos posteriores, nem se refere à primeira edição do meu livro, no qual defini a angústia como uma reação do instinto de vida contra o ataque do instinto de morte. Assim, muitos acreditam que


Sterba, Editha

o instinto de morte é uma das descobertas de Freud.” Depois da ruptura, Stekel tentou voltar ao seio da Sociedade. Mas Freud se mostrou de uma terrível intransigência, pois procurava, a partir de então, livrar-se dos discípulos extravagantes da primeira hora, que, segundo ele, prejudicavam o trabalho científico. No fim de 1923, depois que Stekel lhe enviou uma carta desejando-lhe um pronto restabelecimento, após a confirmação de seu câncer, Freud lhe respondeu: “Quero desmentir sua afirmação, tantas vezes repetida, de que me separei do sr. em conseqüência de divergências científicas. Isso causa um excelente efeito no público, mas não corresponde à verdade. São apenas e unicamente suas qualidades pessoais — o que se chama caráter e comportamento — que tornaram, aos meus amigos e a mim, qualquer colaboração com o sr. impossível [...]. Não sentirei nenhum despeito se ficar sabendo que suas ações médicas e literárias lhe granjearam o sucesso. Reconheço que o sr. continuou fiel à psicanálise* e foi muito útil a ela, mas também muito a prejudicou.” Ao contrário de Adler e de Jung, Stekel continuou sendo, efetivamente, um adepto da psicanálise, ao mesmo tempo que prosseguia sua atividade literária, ora sob seu nome, ora sob o pseudônimo de Serenus. Em suas peças de teatro ou em suas narrativas, contava histórias de doentes que pareciam mais reais do que suas observações clínicas. Imitando Freud, reuniu discípulos em torno de si e fundou uma escola. Mas, principalmente, como Sandor Ferenczi* e os futuros fundadores da Escola de Chicago (de Franz Alexander* a Heinz Kohut*), foi um dos primeiros clínicos a criticar as análises intermináveis dos freudianos e a propor um modelo de tratamento psicanalítico fundado nos princípios da técnica ativa. Quando os nazistas anexaram a Áustria, conseguiu fugir para a Suíça*, e já em 1938 chegou à Inglaterra, onde fez uma brilhante carreira. Quando Freud também emigrou, Stekel enviou-lhe uma carta amistosa, evocando com melancolia os primeiros momentos da psicanálise vienense. Mais uma vez, reivindicou seu status de ex-aluno do mestre venerado. Sofrendo de diabete e sabendo-se atingido de

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gangrena no pé, suicidou-se em Londres, a 25 de junho de 1940, em um quarto de hotel, com uma alta dose de insulina. A entrada dos nazistas em Paris e a perspectiva de ver a peste negra espalhar-se pela Europa inteira o tinham mergulhado na melancolia*. • Wilhelm Stekel, Nervöse Angstzustände und ihre Behandlung, Viena e Berlim, Urban und Schwarzenberg, 1908, com prefácio de Sigmund Freud, retomado in ESB, IX, 255-6; GW, VII, 467-8; SE, IX, 250-1; Technique de la psychothérapie analytique (Londres, 1938), Paris, Payot, 1975; Autobiography. The Life Story of a Pioneer Psychoanalyst, Emil A. Gutheil (org.), N. York, Liveright Publishing Co., 1950 • Les Premiers Psychanalystes. Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (19621975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992 • Vincent Brome, Les Premiers disciples de Freud (Londres, 1967), Paris, PUF, 1978 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Paul Roazen, Freud e seus discípulos (N. York, 1976), S. Paulo, Cultrix, 1978 • Jean-Baptiste Fages, Histoire de la psychanalyse après Freud (Toulouse, 1976), Paris, Odile Jacob, 1996.

➢ BISSEXUALIDADE; SEXUALIDADE; SUICÍDIO; TÉCNICA PSICANALÍTICA.

Sterba, Editha, née Radanowicz-Hartmann von (1895-1986) psicanalista americana

Nascida em Budapeste, em uma família católica, Editha Sterba fez seus estudos secundários em Praga, onde seu pai tinha um alto posto no comando do exército austríaco. Em Viena*, estudou filosofia e musicologia, antes de se orientar para a psicanálise* e tornar-se secretária de Otto Rank* na Verlag. Trabalhou depois na realização da primeira edição das obras completas (Gesammelte Schriften) de Sigmund Freud*, tratou de crianças, em contato com Anna Freud* e August Aichhorn*, e teve o mesmo destino que seu marido Richard Sterba*. ➢ PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

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Sterba, Richard

Sterba, Richard (1898-1989) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Viena* em uma família católica, Richard Sterba foi um dos raros membros da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), no período entre as duas guerras, que não era judeu. Depois de estudar medicina e de seu casamento com Editha von RadanowiczHartmann (Editha Sterba*), orientou-se para o freudismo*, fez sua análise didática em 1924 com Eduard Hitschmann* e exerceu ele próprio a psicanálise*, formando alunos. Em 1931, a pedido do editor Albert Josef Storfer, que realizou a primeira edição das obras completas de Sigmund Freud* (Gesammelte Schriften), começou a redação de um dicionário de psicanálise (Handwörterbuch der Psychoanalyse), que deveria ser publicado em 16 etapas. O primeiro fascículo saiu no dia 6 de maio de 1936, por ocasião do octogésimo aniversário de Freud, que redigiu uma carta-prefácio, dizendo que o caminho da letra A à letra Z era muito longo. Quatro outros fascículos vieram depois, até o momento em que a ocupação da Áustria pelos nazistas pôs fim ao empreendimento. Em 1938, Sterba teve a coragem de recusar a política de “salvamento” da psicanálise, que lhe propôs Ernest Jones*, como único não-judeu do conselho de administração da WPV. Jones o aconselhou a se instalar em Johannesburgo, na África do Sul, a fim de ajudar Wulf Sachs* a formar alunos. Este se mostrou interessado, encontrou-se com Sterba e sua mulher em Paris e tentou obter para eles um visto de emigração. As autoridades de Pretória não o concederam. Depois de um desvio pela Suíça* e pela Itália*, os Sterba emigraram para os Estados Unidos* no fim do mês de janeiro de 1939. Instalaram-se primeiro em Chicago, e depois integraram-se à Sociedade Psicanalítica de Detroit. No fim de sua vida, Richard Sterba redigiu um belo depoimento sobre a prática da psicanálise em Viena, durante os anos 1920. • Richard Sterba, Handwörterbuch der Psychoanalyse, 5 vols., Viena, Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1936-1938; Réminiscences d’un psychanalyste viennois (Detroit, 1982), Toulouse, Privat, 1986 • Sigmund Freud, “Prefácio ao Dicionário de psicanálise, de Richard Sterba (1936), ESB, XXIII, 309; GW,

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Nachtragsband, 761; SE, XXII, 253; OC, XIX, 287-9 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen MittwochGesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

➢ NAZISMO; SOCIEDADE PSICOLÓGICA DAS QUARTAS-FEIRAS.

Stoller, Robert (1925-1991) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Nova York, no Bronx, Robert Stoller pertencia à terceira geração* psicanalítica americana. Estudou na Universidade de Columbia e depois instalou-se na costa oeste dos Estados Unidos*. Obteve seu doutorado em medicina em São Francisco, e foi nomeado em 1954 professor de psiquiatria na Universidade da Califórnia de Los Angeles, onde criou a Gender Identity Research Clinic. Apaixonado por história, antropologia e literatura, tornou-se, depois da Segunda Guerra Mundial, o maior especialista americano em perversões* sexuais, notadamente na questão do transexualismo*. Analisado por Hannah Fenichel, integrou-se à Los Angeles Psychoanalytic Society (LAPS), e foi na costa californiana, verdadeiro laboratório hollywoodiano da sexualidade humana, que ele inventou, para a psicanálise, a noção de gênero* (gender). Esta seria utilizada depois em muitas áreas do saber. Stoller foi pois o pioneiro iconoclasta de uma renovação radical das interrogações freudianas sobre a identidade sexual, a diferença sexual*, o fetichismo* e a sexualidade* em geral. Contestou a teoria clássica da sexualidade feminina*, particularmente a noção de falocentrismo*, assim como a de perversão polimorfa, mostrando que, longe de serem simples fixações em um estado infantil, as perversões sexuais são revanches ou tentativas de cura de feridas antigas, recebidas na infância. Seu livro magistral, Sex and Gender, publicado em 1968, e traduzido para o francês sob o título Recherches sur l’identité sexuelle, o tornou célebre no mundo inteiro e fez dele, com Michel Foucault (1926-1984), Thomas Laqueur, Élisabeth Badinter e muitos outros, um dos principais representantes da historiografia moderna em matéria de estudos sobre a sexualidade. Dedicou sua última obra a uma pesquisa


Strachey, Alix

sobre o sadomasoquismo*, praticado nas diferentes saunas da comunidade gay de São Francisco e nos pontos de encontro para heterossexuais. Efetivamente, Stoller não foi apenas um clínico de consultório, mas também um pesquisador de campo e um notável antropólogo das formas modernas da sexualidade humana. Nunca publicou seus casos sem a concordância dos pacientes. Suas teses inovadoras seriam contestadas por muitos psicanalistas. Morreu prematuramente em um acidente de carro, no famoso Sunset Boulevard. • Robert Stoller, Recherches sur l’identité sexuelle (Londres, N. York, 1968), Paris, Gallimard, 1979; L’Excitation sexuelle (N. York, 1979), Paris, Payot, 1984; Pain and Passion: A Psychoanalyst explores the World of S & M, N. York, Plenum, 1991 • Moustapha Safouan, “Contribuição à psicanálise da transexualidade”, in Estudos sobre o Édipo (Paris, 1974), Rio de Janeiro, Zahar • Agnès Faure-Oppenheimer, Le Choix du sexe. A propos des théories de Robert J. Stoller, Paris, PUF, 1980.

➢ HOMOSSEXUALIDADE; LIBIDO; SEXOLOGIA; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

Strachey, Alix, née Sargant-Florence (1892-1973) psicanalista inglesa

O itinerário de Alix Strachey é inseparável do Grupo de Bloomsbury, formado por escritores ingleses do início do século XX, que se reuniram em torno de Lytton Strachey (18701932), Virginia Woolf (1882-1941), Dora Carrington (1893-1932) e Roger Fry (1856-1934) com o firme propósito de combater o espírito vitoriano e afirmar uma nova concepção do amor, na qual pudessem expandir-se livremente as tendências profundas do ser, principalmente a bissexualidade* e a homossexualidade*. Todos consideravam o puritanismo a mais ameaçadora forma de ditadura para a Grã-Bretanha*, e foi no centro dessa contestação estética e literária que surgiu a primeira escola inglesa de psicanálise*, contemporânea do nascimento da pintura pós-impressionista. Nascida em Nutley, em New Jersey, Alix era a segunda entre os filhos de Mary Sargant (1857-1954) e de Harry Smyth (1864-1892), que adotara o nome de solteira de sua mãe (Florence) quando se casou. Morreu afogado

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acidentalmente, algum tempo depois do nascimento da filha. Pintora e feminista, Mary Sargant estimulou sua filha, contra a vontade desta, a estudar artes plásticas. Como seu irmão mais velho, Philip, Alix se interessava por antropologia*, filosofia e literatura. Em 1911, entrou para o Newnham College de Cambridge, e durante seus estudos descobriu as obras de Sigmund Freud*. Desde a infância, recusava-se a usar roupas femininas e, aos 20 anos de idade, após um período de anorexia mental, teve sua primeira crise de melancolia*. Depois de fazer uma longa viagem, que a levou à Finlândia e à Rússia*, onde assistiu à irrupção da Primeira Guerra Mundial, voltou a Londres e viveu com o irmão em um apartamento do bairro de Bloomsbury. Foi nesse grupo de intelectuais que encontrou James Strachey; já o conhecia de Cambridge e apaixonou-se por ele. Seduzido por seu aspecto de rapaz melancólico, James, que era homossexual, achou-a encantadora, como confidenciou a seu irmão Lytton: “As mulheres são detestáveis, exceto uma deliciosa senhorita de Bedales [...], um verdadeiro rapaz.” Casaram-se em junho de 1920. Ambos apaixonados pelo freudismo, foram a Viena*, onde James, levado por Ernest Jones*, tinha uma hora marcada com Freud para começar uma análise. Depois de uma crise de palpitações, Alix pediu a opinião do “Professor”. Freud não hesitou em analisá-la também, e os dois tratamentos continuaram simultaneamente até o inverno de 19211922. Durante esse período, Alix e James começaram a realizar a grande obra de suas vidas: a tradução* completa da obra de Freud para o inglês, a futura Standard Edition (SE). Em Berlim, junto a Karl Abraham*, Alix Strachey prosseguiu seu trabalho analítico em condições bem melhores do que em Viena. Ali, descobriu realmente o movimento psicanalítico em pleno desenvolvimento, encontrando no famoso Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI) todos os astros da saga freudiana, sobretudo Melanie Klein*. Durante algum tempo, Alix levou uma vida trepidante: “O que ela preferia acima de tudo, nessa época, escreverem Perry Meisel e Walter Kendrick, era a dança, e isso durou por toda a vida; freqüentava inúmeros bailes, sempre à procura, infelizmente vã na

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Strachey, James

maior parte do tempo, do parceiro adequado, que teria o seu porte e seus talentos. O espetáculo de Alix e Melanie, uma de camisola de seda e com um cesto de vime servindo de chapéu, outra fantasiada de Cleópatra, evoluindo na pista de dança às quatro da manhã [...] teria dado o que pensar aos analistas de hoje.” Membro da British Psychoanalytical Society (BPS) em 1922, começou a praticar a psicanálise e, em 1926, retomou um tratamento com Edward Glover* e depois com Sylvia Payne (1880-1976). Em 1950, fazia portanto 30 anos que estava em análise. Ela própria, como seu marido, conservava seus pacientes indefinidamente. Durante as Grandes Controvérsias*, recusou-se, como James, a se filiar a um dos dois lados e aderiu ao terceiro grupo: os Independentes*. Como James, permaneceu o que sempre fora na juventude: uma não-conformista. Fiel ao ideal Bloomsbury, que tanto contribuiu para o desenvolvimento da psicanálise na Inglaterra, levou assim uma vida contrária a todas as regras da BPS e não hesitou em exibir sua bissexualidade*. Se James gostava de homens amando Alix ao mesmo tempo, Alix gostava de mulheres, continuando a ser a melhor companheira de James. • Viviane Forrester, Virginia Woolf, Paris, L’Équinoxe, 1984 • Perry Meisel e Walter Kendrick, Bloomsbury/Freud. James et Alix Strachey, Correspondance 1924-1925 (Londres, 1985), Paris, PUF, 1990.

➢ ALEMANHA; KLEIN, MELANIE; MELANCOLIA.

Strachey, James (1887-1967) psicanalista inglês

Tradutor da obra completa de Sigmund Freud*, James Strachey não deveu ao acaso a realização da famosa Standard Edition (SE), mais lida no mundo inteiro, a partir dos anos 1970, do que o original alemão. Para ter sucesso em semelhante empreendimento, era preciso ser capaz de assumir a obra de outro a ponto de fazê-la sua ao longo de toda uma vida. Foi através dessa exigência de humildade e graças à colaboração de sua mulher e de Anna Freud* que Strachey adquiriu uma verdadeira identidade de escritor.

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A família Strachey se parecia com os personagens que Lytton Strachey (1870-1932), irmão de James, descreveu em um livro intitulado Alguns vitorianos célebres. À noite, Sir Richard, o pai, lia romances que lhe eram trazidos sobre uma bandeja de prata, e durante o dia absorvia-se em longos trabalhos científicos. A mãe governava a casa. Entrando para o Trinity College de Cambridge em 1905, James logo fez parte do Cenáculo dos Apóstolos que combatiam a hegemonia de Oxford na formação do “gosto inglês”, e depois da Sociedade da Meia-Noite, pequeno círculo de intelectuais, que formariam posteriormente o Grupo de Bloomsbury, com Leonard Woolf, Lytton Strachey, Virginia Woolf (1882-1941), Dora Carrington (1893-1932), Roger Fry (1856-1934) e John Maynard Keynes (1883-1946). Homossexual como o irmão, James teve uma paixão amorosa por um estudante, Rupert Brooke, antes de encontrar Alix Sargant-Florence*, que se tornaria sua mulher. Descobriu a obra de Freud pela leitura dos livros de Frederick Myers*, e foi graças a Ernest Jones* que decidiu ir a Viena* com Alix para fazer uma análise com o “Professor”. Esta começou em 1920, e logo James iniciou a grande obra de sua vida: traduzir Freud. Em Londres, retomou uma análise com James Glover (1882-1926). As primeiras traduções*, realizadas antes da guerra por Abraham Arden Brill*, eram medíocres. No período entre as duas guerras, a fim de contrabalançar os Estados Unidos* no seio da International Psychoanalytical Association* (IPA), Jones teve a idéia de realizar a tradução da obra completa, graças ao financiamento das sociedades psicanalíticas americanas, mas colocando o empreendimento sob a égide da Grã-Bretanha*, fortaleza avançada do freudismo* na Europa. Assim, baseou-se no talento de Strachey e no público conquistado pelos Bloomsbury, depois da criação em 1917, por Leonard e Virginia Woolf, da prestigiosa Hogarth Press. Em setembro de 1939, Marie Bonaparte* se dispôs a financiar o projeto, e Jones o confiou a Strachey, com a idéia de publicar 24 volumes em 21 anos. Os primeiros foram publicados em 1953 e o vigésimo terceiro em 1966, um ano


Strømme, Irgens Johannes

antes da morte do tradutor. O vigésimo quarto saiu em 1974, depois da morte de Alix. A Standard Edition é uma realização admirável, que nenhum tradutor no mundo conseguiu igualar. As notas e o aparato crítico são retomados em numerosas edições estrangeiras da obra freudiana. Quanto à própria tradução, nunca deixou de ser atacada. Como todos os bons tradutores, James Strachey não foi servil ao texto original. Seu trabalho refletia suas próprias orientações, sua fantástica erudição, sua paixão pela língua inglesa e seu apego à tradição de Bloomsbury. Também tinha a marca das transformações que sofrera a escola inglesa de psicanálise depois da Segunda Guerra Mundial. Assim, ele tendia a desprezar tudo o que ligava o texto freudiano ao romantismo alemão e à Naturphilosophie, privilegiando seu aspecto médico, científico e técnico. Na verdade, Strachey obedecia à vontade do próprio Freud de transformar a psicanálise em uma ciência, mesmo não fazendo justiça às qualidades literárias do mestre. Na língua inglesa, essa vontade se expressava pela escolha de certas palavras latinas e gregas e por uma certa “anglicização”. Assim, para traduzir o Isso* (Es), o Eu* (Ich) e o Supereu* (Uberich), Strachey utilizou os pronomes latinos Id, Ego, Superego e, para investimento* (Besetzung) e ato falho* (Fehlleistung), recorreu a termos gregos: cathexis, parapraxis. Enfim, cometeu o erro de traduzir pulsão* por instinct, a pretexto de que o termo drive não existia em inglês. Assim, Strachey contribuiu para acentuar o processo irreversível de anglofonização da doutrina freudiana, processo ligado à situação política: o nazismo* e, mais ainda, o Tratado de Versalhes foram responsáveis pela migração para a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da totalidade dos psicanalistas de língua alemã. Quanto aos russos e aos húngaros, estes já estavam germanizados por razões políticas por volta dos anos 1920, e todos se tornaram anglófonos a partir de 1933. Por conseguinte, é difícil acusar Strachey de ser o único responsável por essa evolução. Foi Bruno Bettelheim*, que também se tornou anglófono pela sua emigração para os Estados Unidos, que se mostrou mais virulento em relação a Strachey. Em 1982, em uma obra que

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teve grande repercussão, Freud e a alma humana, acusou-o de ter despojado o texto freudiano de sua “alma alemã” e de seu “espírito vienense”. Mas, principalmente, atribuiu-lhe injustamente a responsabilidade pela esclerose e pela medicalização das sociedades da International Psychoanalytical Association* (IPA). Como muitos autores, confundiu a problemática da tradução com questões políticas e ideológicas. Também cedia, além disso, à idéia muito discutível segundo a qual uma tradução pode ser a transcrição fiel da alma ou do espírito de um povo ou uma nação. Em 1987, por ocasião do congresso da IPA em Montreal, Emmet Wilson se opôs a Bettelheim, solicitando ao mesmo tempo o estabelecimento de uma nova edição da obra completa de Freud em língua alemã. • James Strachey, “Bibliography. List of english translation of Freud’s works”, IJP, XXVI, 1-2, 1945, 67-76; “Editor’s note”, in The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, 24 vols., Londres, The Hogarth Press, 1953-1974, t.III, 1962, 71-3; “General preface”, ibid., t.1, 1966, XIII-XXII • James Strachey e A.Tyson, “A chronological hand-list of Freud’s works”, IJP, XXXVII, 1, 1956, 19-33 • Viviane Forrester, Virginia Woolf, Paris, L’Équinoxe, 1984 • Perry Meisel e Walter Kendrick, Bloomsbury/Freud. James et Alix Strachey, Correspondance 1924-1925 (Londres, 1985), Paris, PUF, 1990 • Bruno Bettelheim, Freud e a alma humana (N. York, 1982), S. Paulo, Cultrix, 1984 • Emmet Wilson, “Did Strachey invent Freud?”, International Revue of Psycho-Analysis, 14, 1987, 299-315 • Ilse Grubrich-Simitis, “Histoire de l’édition des oeuvres de Freud en langue allemande” (1989), Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 13-71 • Riccardo Steiner, “Une marque internationale universelle d’authenticité. Quelques observations sur l’histoire de la traduction anglaise de l’oeuvre de Sigmund Freud, en particulier sur les termes techniques”, ibid., 71-188.

➢ BISSEXUALIDADE; HOMOSSEXUALIDADE; ISSO; NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE; ORTEGA Y GASSET, JOSÉ; PICHON, ÉDOUARD; RIVIERE, JOAN; WINNICOTT, DONALD WOODS.

Strømme, Irgens Johannes (1876-1961) psiquiatra e psicanalista norueguês

Analisado por Oskar Pfister*, formado na clínica do hospital Burghölzli por Eugen Bleuler*, Johannes Strømme foi um dos pioneiros

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Studienausgabe

da psicanálise* na Noruega. Durante algum tempo esteve próximo de Carl Gustav Jung* e de Herbert Silberer*, e foi marcado pela passagem de Wilhelm Reich* pelo seu país. Como muitos escandinavos, desviou-se da psicanálise clássica, preferindo outras práticas psicoterapêuticas. Com Poul Bjerre* e Sigurd Naesgaard*, participou, em dezembro de 1933, da criação do grupo Psykoanalytisk Samfund. Entrou em conflito com Harald Schjelderup*, que continuava a defender o freudismo*, e propôs uma técnica de tratamento fundada em atos. Preconizava, por exemplo, a masturbação como meio terapêutico. Essas transgressões não o impediram de ser um bom terapeuta. Desenvolveu teses sobre a doença mental que seriam retomadas pelos artífices da antipsiquiatria*. Em 1927, analisou durante um ano o escritor Knut Hamsun (1859-1952), que sofria de depressão e inibição. O trabalho foi benéfico. Posteriormente, Marie Hamsun, esposa do escritor, tornou-se sua paciente. ➢ ESCANDINÁVIA.

Studienausgabe ➢ FREUD, SIGMUND; MITSCHERLICH, ALEXANDER; TRADUÇÃO (DAS OBRAS DE SIGMUND FREUD).

subconsciente ➢ INCONSCIENTE.

sublimação al. Sublimierung; esp. sublimación; fr. sublimation; ing. sublimation Termo derivado das belas-artes (sublime), da química (sublimar) e da psicologia (subliminar), para designar ora uma elevação do senso estético, ora uma passagem do estado sólido para o estado gasoso, ora, ainda, um mais-além da consciência. Sigmund Freud* conceituou o termo em 1905 para dar conta de um tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade*, mas que extrai sua força da pulsão* sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo

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não sexual, investindo objetos socialmente valorizados.

Em vez de utilizar a noção hegeliana de Aufhebung (revezamento, substituição), que designa o próprio movimento da dialética em sua capacidade de converter o negativo em ser, Sigmund Freud adotou o termo sublimação, mais nietzschiano, oriundo do romantismo alemão, para definir um princípio de elevação estética comum a todos os homens, mas do qual, a seu ver, só eram plenamente dotados os criadores e os artistas. Sem dúvida, Freud atribuía à sublimação um lugar ainda maior, na medida em que ele mesmo declarou que, a partir dos 40 anos de idade, após o nascimento de seu quinto filho, havia praticamente suspendido qualquer relação carnal e posto sua atividade pulsional a serviço de sua obra, assim se inscrevendo no panteão dos grandes homens a quem admirava. Foi em 1905, em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, que ele deu sua primeira definição da sublimação. Depois disso, em toda a sua obra, e especialmente nos textos reunidos sob a categoria de psicanálise aplicada*, a sublimação serviu para compreender o fenômeno da criação intelectual. Com a introdução da noção de narcisismo* e a elaboração de sua segunda tópica*, Freud acrescentou à idéia de sublimação a de dessexualização. Assim, em O eu e o isso*, sublinhou que a energia do eu*, como libido* dessexualizada, é passível de ser deslocada para atividades não sexuais. Nesse sentido, a sublimação tornou-se dependente da dimensão narcísica do eu. Entre os herdeiros de Freud, o conceito de sublimação quase não sofreu modificações. Não obstante, os partidários de Anna Freud consideram esse mecanismo como uma defesa* que leva à resolução dos conflitos infantis, ao passo que os de Melanie Klein* vêem nele uma tendência a restaurar o objeto bom* destruído pelas pulsões agressivas. Em 1975, o psicanalista francês Cornelius Castoriadis elaborou uma teoria original da sublimação, transpondo o conceito para o campo do fato social. • Anna Freud, O ego e os mecanismos de defesa (Londres, 1936), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,


sugestão 1982, 6ª ed. • Melanie Klein, “Situações de ansiedade infantil refletida numa obra de arte e no impulso criador” (1929), in Contribuições à psicanálise (Londres, 1948), S. Paulo, Mestre Jou, 1970 • Baldine Saint-Girons, “Sublimation”, Encyclopaedia universalis, 15, 1968, 468-71 • Cornelius Castoriadis, L’Institution imaginaire de la société, Paris, Seuil, 1975.

➢ DELÍRIOS E SONHOS NA “GRADIVA” DE JENSEN; LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFÂNCIA .

Suécia ➢ ESCANDINÁVIA.

Sugar, Nikola (1897-1945) psiquiatra e psicanalista iugoslavo

Nascido em Subotica, na Eslavônia, e oriundo de uma família judia, Nikola Sugar tentou, no período entre as duas guerras, com Stjepan Betlheim*, implantar um movimento psicanalítico na Iugoslávia. Analisou-se em Berlim com Felix Boehm*, futuro colaborador dos nazistas, tornou-se membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) em 1925 e trabalhou com Paul Schilder*, antes de se integrar à Sociedade Psicanalítica de Budapeste. Deportado em 1944, morreu no campo de extermínio de Theresienstadt, a 15 de maio de 1945. • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

➢ HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; HUNGRIA; VIENA.

sugestão al. Suggestion; esp. sugestión; fr. suggestion; ing. suggestion Termo que designa um meio psicológico de convencer um indivíduo de que suas crenças, suas opiniões ou suas sensações são falsas, e de que, inversamente, as que lhe são propostas são verdadeiras. Na história da psiquiatria dinâmica*, dá-se o nome de sugestão a uma técnica psíquica, inicialmente herdada do magnetismo de Franz Anton Mesmer* e, mais tarde, do hipnotismo (hipnose*) de James Braid (1795-1860), que repousa na idéia

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de que, através da fala, uma pessoa pode influenciar outra e, com isso, modificar seu estado afetivo. Foi ao abandonar a sugestão em favor da catarse* que Sigmund Freud inventou a psicanálise*.

Após sua temporada em Paris, no serviço de Jean Martin Charcot*, em 1885, Sigmund Freud começou a tratar seus pacientes por meio das mais variadas técnicas, dentre elas a sugestão hipnótica. Em pouco tempo, ouviu falar dos trabalhos da Escola de Nancy, fundada por Auguste Liébeault*, e dos avanços que lhe eram trazidos por Hippolyte Bernheim*. Este sustentava a idéia de que a hipnose era um efeito da sugestão: por isso se opunha a Charcot e à concepção que ele tinha da hipnose como um estado patológico próprio dos histéricos. Herdeiro da primeira psiquiatria dinâmica, Bernheim inventou então, “contrariando” Charcot, o princípio da psicoterapia*, passando da sugestão hipnótica para a sugestão verbal: com efeito, mostrou que o olhar já não era necessário para mergulhar o paciente num estado de sonambulismo e que, através da fala, obtinham-se os mesmos resultados. Em 1889, Freud traduziu o livro de Bernheim sobre a sugestão e suas aplicações terapêuticas. Em seguida, foi a Nancy e a Paris, para assistir ao I Congresso Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico. Até 1893, hesitou entre três orientações terapêuticas: a hipnose de Charcot, a sugestão de Bernheim e a catarse de Josef Breuer*. Por fim, afastou-se sucessivamente de todas três e, no último capítulo dos Estudos sobre a histeria*, expôs sua própria concepção da psicoterapia, organizada em torno do método das associações livres (ou livre associação*). No ano seguinte, esse método assumiria o nome de “psico-análise” (psicanálise). Para ilustrar o que distinguia esse método de todos os que se inspiravam na sugestão, Freud apoiou-se, num artigo publicado em 1905, “Über Psychotherapie”, na diferença estabelecida por Leonardo da Vinci (1452-1519) entre a pintura e a escultura. A técnica da sugestão, disse Freud, era comparável à pintura, que procede per via di porre, isto é, por uma aplicação, “sem se preocupar com a origem, a força e a significação dos sintomas mórbidos”. A sugestão, portanto, era tida como suficientemente

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forte para poder “entravar as manifestações patogênicas”. Quanto ao método analítico, Freud o comparou à escultura: ele procede per via di levare. Em outras palavras, visa “retirar, extirpar alguma coisa, e, para tanto, preocupa-se com a gênese dos sintomas mórbidos e das ligações destes com a idéia patogênica que ele pretende suprimir”. Freud esclarece então: “Renunciei rapidamente à técnica da sugestão e, com ela, à hipnose, porque não tinha esperança de tornar os efeitos da sugestão suficientemente eficazes e duradouros para levar uma cura definitiva.” Essa renúncia à sugestão como recurso técnico não implicou o esquecimento da idéia de sugestão como modalidade do funcionamento psíquico, como demonstram estas afirmações de Freud sobre a questão da transferência: “Uma análise sem transferência é impossível”, escreveu; “Não se deve supor que é a análise que cria a transferência e que esta só se encontra nela.” De fato, Freud preservou a idéia do tratamento pela fala e mostrou que sua fonte se encontrava na transferência. Como fenômeno geral da relação afetiva, induzindo uma cura pelo amor ou pelo espírito, a transferência tinha que ser analisada, para não se reduzir à sugestão: “Com muita freqüência”, disse ele, “a transferência, por si só, é o bastante para suprimir os sintomas mórbidos, porém temporariamente e apenas enquanto dura. Em tais casos, o tratamento não pode ser qualificado de psicanálise, tratando-se apenas de sugestão. O nome psicanálise só se aplica aos processos em que a intensidade da transferência é utilizada contra as resistências*.” Em 1920, Freud deparou pela segunda vez com a problemática da sugestão, no momento em que, desejoso de abrir “o caminho que vai da análise do indivíduo à compreensão da sociedade”, empreendeu a redação da Psicologia das massas e análise do eu*. Antes dele, Gustave Le Bon (1841-1931), William McDougall, fundador da psicologia social norte-americana, e Gabriel Tarde (1843-1904) haviam abordado esse campo, explicando o comportamento coletivo através da sugestão. Contrariando esses autores, Freud recusouse a utilizar a “mágica” palavra sugestão e sublinhou que Le Bon reduzia a dois fatores o

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conjunto das manifestações sociais (ou multidões): a sugestão recíproca dos indivíduos, isoladamente considerados, e o prestígio dos líderes: “Somos assim preparados para a afirmação de que a sugestão (mais exatamente, a sugestionabilidade) é de fato um fenômeno primário e irredutível, um fato fundamental da vida psíquica do homem. Isso era o que também pensava Bernheim, de cuja espantosa habilidade fui testemunha em 1889. Mas não perdi a lembrança da hostilidade surda que já então eu experimentava contra essa tirania da sugestão (...). Minha resistência orientou-se, posteriormente, para a revolta contra o fato de a sugestão, que tudo explicaria, dever, por seu turno, ser dispensada de explicação.” Na Psicologia das massas, portanto, Freud preferiu abolir a fronteira entre os fenômenos da psicologia individual e os do âmbito da psicologia coletiva. Por isso formulou a hipótese de que “as relações amorosas (ou, em termos neutros, os laços sentimentais) constituem, igualmente, a essência da alma das multidões”, e esclareceu que, em Gustave Le Bon ou em McDougall, “não se trata dessas relações”, pois “o que corresponderia a elas é manifestamente dissimulado por trás da tela, do anteparo da sugestão”. Ali onde a explicação tautológica da sugestão explicava a transformação psíquica do indivíduo na multidão (fascinação pelo líder e conduta imitativa dos indivíduos uns em relação aos outros), Freud estabeleceu que se tratava, na realidade, de uma limitação aceita do narcisismo*, gerada pela relação com o “líder”. Com efeito, para cada indivíduo imerso na multidão, o líder ocupa o lugar do ideal do eu*, e sua onipotência é limitada pela instauração de um laço amoroso horizontal entre os membros da massa. A sugestão (como técnica psíquica) seria conservada, sob diversas formas, por numerosas escolas de psicoterapia. Do mesmo modo, a idéia de sugestão seria periodicamente reatualizada para explicar, em termos de engodo, fascínio ou simulação, os fenômenos transferenciais. Era nesse impasse que se encontrava o historiador Marc Bloch (1886-1944) em 1924. Totalmente desconhecedor da reflexão freudiana, mas procurando compreender a natureza do


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poder terapêutico dos reis taumaturgos, aos quais a multidão medieval atribuía curas milagrosas (e em especial a capacidade, através do toque, de tratar a escrófula), Bloch denunciou esse pretenso poder como pura tapeação e não conseguiu captar a essência da cura psíquica induzida pela transferência. Com efeito, distinguiu dois tipos de doentes: os verdadeiros, os doentes “orgânicos” atacados de escrófula (adenite tuberculosa) e, portanto, incuráveis pelo toque, e os falsos, os doentes “psíquicos”, atacados, no dizer do historiador, por “doenças falsas” e, portanto, simuladores ou histéricos. Todos seriam vítimas de uma ilusão coletiva, e o milagre do rei não teria passado de uma gigantesca falsa notícia, nascida da sugestão. • Hippolyte Bernheim, Hypnotisme, suggestion, psychothérapie (1891), Paris, Fayard, col. “Corpus des oeuvres de philosophie en langue française”, 1995 • Joseph Delboeuf, Le Sommeil et les rêves (1885), Paris, Fayard, col. “Corpus des oeuvres de philosophie en langue française”, 1993 • Marc Bloch, Les Rois thaumaturges (1924), Paris, Gallimard, 1983 • Michel de Certeau, Histoire et psychanalyse entre science et fiction, Paris, Gallimard, col. “Folio”, 1987 • Léon Chertok e Raymond de Saussure, Naissance du psychanalyste (1973), Paris, Synthélabo, col. “Les empêcheurs de penser en rond”, 1997 • François Duyckaerts, “Sigmund Freud: lecteur de Joseph Delboeuf”, Frénésie, 8, 1989, 71-88 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Sigmund Freud, “Sobre a psicoterapia”, ESB, VII, 267-82; GW, V, 13-26; SE, 7, 255-68; Paris, PUF, 1977; Correspondance 1873-1939 (Londres, 1960), Paris, Gallimard, 1966 • Sigmund Freud e Karl Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt, 1965), Paris, Gallimard, 1969 • Gustave Le Bon, Psychologie des foules, Paris, Alcan, 1895 • Serge Moscovici, L’Âge des foules, Paris, Fayard, 1981 • Michel Plon, “‘Au-delà’ et ‘en deçà’ de la suggestion”, Frénésie, 8, 1989, 89-114 • Gabriel Tarde, Écrits de psychologie sociale, selecionados e apresentados por A.-M. Rocheblave-Spenlé e Jean Milet, Toulouse, Privat, 1973.

➢ AB-REAÇÃO; ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO, UM; HISTERIA; MAIS-ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER; RESISTÊNCIA; TRANSFERÊNCIA.

Suíça Por muitas vezes, Sigmund Freud* prestou homenagem à Suíça, enfatizando seu papel essencial na difusão da psicanálise*. Primeiro país a se abrir para as teses freudianas desde o

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início do século, a Suíça deve essa situação excepcional à sua estabilidade política, ao poder de seu movimento psiquiátrico descentralizado, à sua tradição pedagógica e enfim à originalidade e ao talento de grandes personagens, freudianos como Oskar Pfister*, Hermann Rorschach*, Emil Oberholzer*, Philipp Sarasin*, Hans Zulliger*, Raymond de Saussure*, Madeleine Rambert*, Henri Flournoy*, companheiros de percurso como Eugen Bleuler*, Ludwig Binswanger* ou dissidentes, entre os quais o mais célebre, Carl Gustav Jung*. Graças a seu bilingüismo, a Suíça foi também um ponto de passagem privilegiado para a introdução das idéias freudianas na França*. Convicto de ter encontrado uma “terra prometida” capaz de provar que a psicanálise podia transformar a nosografia psiquiátrica e aplicarse ao tratamento das psicoses*, Freud pensava que o acolhimento entusiástico dos protestantes permitiria demonstrar que sua doutrina não era uma “ciência judia”, limitada ao espírito vienense. Como observou Henri F. Ellenberger*, a psiquiatria se desenvolveu na Suíça com certo atraso em relação aos outros países ocidentais. Foi em meados do século XIX que foram criados asilos, chamados clínicas ou sanatórios, distribuídos por diferentes cantões, tendo à sua frente alienistas formados na tradição nosográfica da escola alemã, e principalmente na de Wilhelm Griesinger (1817-1868). No fim do século XIX, dois grandes pioneiros começaram a criticar o niilismo terapêutico da escola alemã: August Forel* e Eugen Bleuler. Diretor da famosa clínica do Hospital Burghölzli a partir de 1879, Forel abandonou as classificações rígidas e voltou-se para a hipnose* e para a psiquiatria dinâmica*. Quanto a Bleuler, seu sucessor, experimentou com Jung a técnica da psicanálise no tratamento da loucura*. Em um primeiro tempo, o movimento freudiano se desenvolveu na Suíça germânica com a criação, por Jung, em 1907, da Sociedade Freud, que se tornaria a Associação Psicanalítica de Zurique. Entre seus membros, estavam Alfons Maeder*, Ludwig Binswanger, Frank Riklin*, que organizaram o congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA)

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em Nuremberg, em 1910, durante o qual foi criado o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen*. “Em nenhum outro lugar, escreveu Freud em 1914, os partidários da psicanálise formavam um grupo tão compacto, embora pouco numeroso; em nenhum outro lugar uma clínica oficial estava à disposição da psicanálise e em nenhum outro lugar um professor de clínica teria a coragem de introduzir as teorias psicanalíticas no programa do ensino psiquiátrico [...]. A maioria dos meus partidários e colaboradores atuais veio a mim passando por Zurique, até aqueles que, geograficamente, estavam bem mais próximos de Viena do que a Suíça.” Depois da ruptura de 1913, os psicanalistas suíços, já divididos em duas tendências (Jung e Freud), enfrentaram uma situação ainda mais difícil, pois a doutrina freudiana era violentamente atacada, como por toda a parte, por seu pansexualismo*. O movimento só pôde renascer depois da Primeira Guerra Mundial. Em 24 de maio de 1919, em Zurique, Oskar Pfister fundou a Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), composta de 11 membros, entre os quais Emil Oberholzer e sua mulher, Hermann Rorschach e Hans Walser. Quando da sessão de inauguração, presidida por Ernest Jones* e Sandor Ferenczi*, a psicanálise foi apresentada como um “movimento espiritual”. Ao fim de dois meses, Hanns Sachs*, encarregado de patrocinar o pedido de adesão do novo grupo à IPA, desencadeou um conflito. Não confiando em Pfister, acusava os membros da SSP por sua tendência à “junguização” e pelo esquecimento da teoria da sexualidade*. Pfister interveio então junto a Freud, que se encarregou de arbitrar o debate insistindo para que os suíços não tomassem Sachs como “bode expiatório da alta Inquisição, encarregado de zelar pela alta ortodoxia”. “Em um movimento científico, escreveu em 27 de maio de 1919, seria melhor perguntar se não haveria muito a aprender de um homem instruído pela experiência.” A SSP logo teria entre os seus aderentes, além de Binswanger, Gustav Bally (18931966), Maeder Boss, Heinrich Meng*, Ernst Blum (1892-1981), Zulliger, Max Müller. Posteriormente, novos membros viriam de Berna e Basiléia.

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Em Genebra, psicólogos, pedagogos e moralistas continuaram a tradição inaugurada por Théodore Flournoy*. O movimento psicanalítico suíço românico se organizou então em torno de algumas grandes famílias de Genebra: os Flournoy, os Saussure, os Bovet. Em setembro de 1919, constituiu-se, sob a presidência de Édouard Claparède*, o Círculo Psicanalítico de Genebra, composto de médicos e analistas leigos, reunindo notadamente Charles Odier*, Raymond de Saussure*, Pierre Bovet (1878-1965) e Henri Flournoy*. Todos também pertenciam à SSP, que agrupava assim os românicos e os germânicos, como Charles Baudouin*, próximo tanto de Jung quanto dos freudianos. Em 1927, Saussure e Odier participaram da fundação da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Analisado por Sabina Spielrein, Jean Piaget (1896-1980) começou a se interessar pela psicanálise depois de seguir os cursos de Jung, Bleuler e Pfister. Em 1921, aderiu à SSP e no ano seguinte encontrou-se com Freud no congresso da IPA em Berlim. Orientou-se depois para a psicologia e para a epistemologia genética. Em 1927, uma nova crise surgiu em torno da questão da análise leiga*. Procurando afastar Pfister, cujo não-conformismo os incomodava, e com o objetivo de alijar os “pseudo-analistas”, excessivamente próximos, em sua opinião, da religião e do tratamento de almas, os médicos anunciaram sua intenção de realizar uma cisão*. Liderados por Oberholzer e Rudolph Brun (1885-1969), fundaram uma Associação Médica de Psicanálise, que só aceitava médicos como membros. Descontente com o ataque a seu amigo Pfister e decidido a apoiar a análise leiga, Freud interveio para que esse grupo não obtivesse o reconhecimento da IPA. “Emil Oberholzer é um velho imbecil cabeçudo, escreveu ele, que é melhor abandonar à sua própria sorte.” A executiva da IPA exigiu que os conflitos fossem resolvidos no interior do grupo, e a nova Associação não conseguiu obter sua filiação. Favorável aos médicos, Saussure criticou duramente Pfister, mas inclinou-se diante do apoio de Freud. Depois da partida de 22 membros,


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Philipp Sarasin* foi eleito presidente da SSP. Conservaria suas funções durante 32 anos. Entre 1928 e 1937, a SSP beneficiou-se com a passagem dos exilados, que fugiam da Alemanha* nazista (Hermann Nunberg*, Frieda Fromm-Reichmann*, Heinrich Meng). Quanto à Associação Médica, foi dissolvida depois da partida de Oberholzer para os Estados Unidos*. Finalmente, seus membros aderiram à SSP. O conflito de 1927-1928 anunciava crises posteriores. Desde 1934, uma nova tempestade se abateu sobre a SSP com a adesão de Gustav Bally. Psiquiatra formado por Hanns Sachs* em Berlim e amigo de Franz Alexander*, pregava, na pesquisa e na prática, um olhar livre e crítico sobre os dogmas estabelecidos. Recusando certos elementos da doutrina freudiana e se interessando, como Binswanger, pela análise existencial*, viu-se acusado de freqüentar excessivamente o “Clube Junguiano”. A isso, ele respondeu que efetivamente conhecia bem os junguianos, o que não o impedira de publicar um artigo hostil às posições de Jung quanto ao nacional-socialismo. Maeder Boss também foi acusado de manter demasiada distância do freudismo e de se interessar pela ontologia heideggeriana. Depois da Segunda Guerra Mundial, a psiquiatria dinâmica*, na Suíça e no mundo, voltou-se para outros tratamentos: as sonoterapias e os eletrochoques suplantaram a psicoterapia*. Entretanto, Manfred Bleuler, filho de Eugen Bleuler, reintroduziu a psicanálise no Hospital Burghölzli sob a forma não do freudismo* clássico, mas da análise direta*, inspirada em John Rosen. Em 1948, chamou Bally e Boss, que se orientaram nitidamente para a fenomenologia. Mais tarde, ambos se desinteressaram da análise didática* e se afastaram da SSP. Em Zurique, além da escola junguiana, todas as correntes de psicoterapia se desenvolveram: gestalt-terapia*, terapia familiar*, método de Leopold Szondi*, psicodrama* etc. Em Genebra, foi Saussure quem reorganizou o grupo românico ao voltar dos Estados Unidos em 1952. Instituiu um conjunto de seminários clínicos e teóricos com a colaboração de Germaine Guex (1904-1984), companheira de Odier, Michel Gressot (1918-1975) e Marcelle Spira, que se interessava particularmente

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pelas teorias kleinianas. Georges Dubal (19091993), analisado por Odier e próximo da revista Esprit, foi o primeiro psicanalista a trabalhar em Lyon; instalou-se depois em Genebra. Em 1968, a SSP enfrentou a grande onda de contestação que atingiu o conjunto das sociedades da IPA, provocando cisões e rupturas individuais. Foi assim que se fundou em 1970 o Psychoanalytisches Seminar de Zurique (PSZ). Sob a orientação de três antropólogos, Paul Parin, Goldy Parin e Fritz Morgenthaler, especialistas em etnopsicanálise* na África, o PSZ reuniu todos os que protestavam contra a esclerose da formação didática e a visão apologética do passado, veiculadas pelas sociedades da IPA, sobretudo quanto ao que se referia ao período do nazismo*. Os membros do seminário, que em geral aderiam à tradição da esquerda freudiana, do freudo-marxismo* e de Herbert Marcuse*, deixariam finalmente a SSP. Em 1985, no Congresso da IPA em Hamburgo, eles organizaram um contra-congresso, a fim de protestar contra o silêncio da direção da IPA sobre a antiga política de “salvamento”, no momento em que eram publicados livros relatando a colaboração dos freudianos com Matthias Heinrich Göring*. Posteriormente, seminários semelhantes foram criados em Basiléia e Berna. Foi nesse contexto “alternativo”, aberto à dissidência, que foram apresentadas as primeiras exposições do pensamento de Jacques Lacan*. Em 1986, Peter Widmer criou a revista RISS, destinada a difundir a obra lacaniana na Suíça germânica, em ligação com grupos alemães. “O nome RISS, escreveu Widmer, contém as iniciais dos registros lacanianos: o real*, o imaginário*, o simbólico*, o sintoma (ou escrita, Schrift, em alemão). Ao mesmo tempo, lembra Freud (Esboço de psicanálise* ou Abriss der Psychoanalyse, em alemão) e Marx (Grundrisse der politischen Oekonomie).” Na Suíça românica, a SSP fechou-se em si mesma, revelando um gosto pronunciado pelo academicismo. Todavia, a historiografia* freudiana se desenvolveu com o estímulo de André Haynal. Analisado por Saussure, membro da redação da revista Psychothérapies e responsável pelos arquivos de Michael Balint*, Hay-

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suicídio

nal logo manifestou interesse por todos os trabalhos modernos em línguas alemã, francesa ou inglesa. Analisado por Georges Dubal em Genebra e por Jenny Aubry* em Paris, Mario Cifali começou a ensinar a obra de Lacan na Suíça românica, criando em 1975, à margem da SSP, um seminário de estudos de textos e de formação, que tomou o nome de Círculo de Estudos Psicanalíticos (CEP) em dezembro de 1982. Paralelamente, publicou, com Mireille Cifali, uma revista, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, aberta à historiografia e a todas as correntes do freudismo. Quanto ao lacanismo de inspiração milleriana, este é representado por duas filiais da Escola Européia de Psicanálise (EEP), uma em Genebra, outra em Lausanne, ambas membros da Associação Mundial de Psicanálise* (AMP). No fim do século XX, a SSP tem 126 membros, ou seja 30 psicanalistas (IPA) por milhão de habitantes, em uma população global de sete milhões. A estes acrescentam-se muitos psicoterapeutas de todas as tendências e cerca de 40 freudianos não-filiados à IPA. • Sigmund Freud, A história do movimento psicanalítico (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 7-66; Paris, Gallimard, 1991 • Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Imago, 1993 • Correspondance de Sigmund Freud avec le pasteur Pfister, 1909-1939 (Frankfurt, 1963), Paris, Gallimard, 1966 • Henri F. Ellenberger, La Psychiatrie suisse, série de artigos publicados de 1951 a 1953 em L’Évolution Psychiatrique, Aurillac • Paul Parin, Fritz Morgenthaler e Goldy Parin-Matthey, Fürchte deinen Nächsten wie dich selbst, Frankfurt, Fischer, 1971 • Fritz Meerwein, “Réflexion sur l’histoire de la Société suisse de Psychanalyse en Suisse alémanique”, Bulletin de la Société Suisse de Psychanalyse, 9, 1979, 40-52 • M. Roch, “A propos de l’histoire de la psychanalyse en Suisse romande”, ibid., 10, 1980, 17-30 • Mireille Cifali, Freud pédagogue, Paris, InterÉditions, 1982; “Le Fameux couteau de Lichtenberg”, in Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 4, 171-85; “De quelquer remous helvétiques autour de l’analyse profane”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 145-59; “La Cure des enfants en Suisse: de l’hypnotisme à la psychanalyse”, Études Freudiennes, 36, novembro de 1995, 170-88; “Les Débuts de la psychanalyse en Suisse”, Nervure, t.VIII, novembro de 1995, 11-7 • André Haynal, “’Les Suisses’- En psychanalyse”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 4, 1984, 163-70 • Pier Cesare Bori, “Oskar Pfister, ‘pasteur à Zurich’, et analyse laïque”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 129-45 • Peter

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Widmer, “Situation de la psychanalyse en Suisse alémanique”, Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 10, 1991, 69-81 • Laurent Lethiais, Oskar Pfister et la cure d’âme psychanalytique, monografia de DESS de psicologia clínica e patológica, Universidade de Paris X, junho de 1995.

➢ BÉLGICA; ÉCOLE FREUDIENNE DE PARIS; FEDERAÇÃO EUROPÉIA DE PSICANÁLISE; FENICHEL, OTTO; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; KLEINISMO; LACANISMO; REICH, WILHELM; SECHEHAYE, MARGUERITE.

suicídio al. Selbstmord; esp. suicidio; fr. suicide; ing. suicide Termo cunhado a partir do latim sui (si) e caedes (matança), introduzido na língua inglesa em 1636 e na língua francesa em 1734, para expressar o ato de matar a si mesmo, no sentido de uma doença ou uma patologia, em oposição à antiga formulação “morte voluntária”, sinônima de crime contra si mesmo.

Se, a partir de meados do século XVII, a palavra suicídio substituiu progressivamente as outras denominações empregadas para designar a morte voluntária, foi preciso esperar pela segunda metade do século XIX para que esse ato, considerado heróico nas sociedades antigas ou no Japão* feudal, fosse visto como uma patologia. Sob esse aspecto, o destino do suicídio nas sociedades ocidentais é comparável ao da homossexualidade*, da loucura* ou da melancolia*. Rejeitado pelo cristianismo como um pecado, um crime contra si mesmo e contra Deus, ou então, como uma possessão demoníaca, o suicídio escapou à condenação moral no fim do século XIX, transformando-se em sintoma não de uma necessidade ética, de uma revolta ou de uma dor de viver, mas de uma doença social ou psicológica, estudada com a objetividade de um olhar científico. O instigador dessa ruptura foi Émile Durkheim (1858-1917). Opondo-se aos adeptos da teoria da hereditariedade-degenerescência*, ele demonstrou, em seu magistral estudo de 1897, que o suicídio é um fenômeno social que não depende da “raça”, nem da psicologia, nem da hereditariedade, nem da insanidade nem da degenerescência moral. Nesse sentido, Durkheim encarou o suicídio como fez Sigmund Freud*


suicídio

com a sexualidade*: fez dele um verdadeiro objeto de estudo. Entretanto, a comparação termina aí. Com efeito, a abordagem sociológica de Durkheim não dá conta de uma dimensão essencial do suicídio, presente em todas as formas de morte voluntária: o desejo* de morte, isto é, o aspecto psíquico do ato suicida. Por isso é que o livro de Durkheim não se aplica aos grandes casos de suicídio narrados pela literatura, como o de Emma Bovary. Perfeitamente integrado em seu meio, à primeira vista, esse personagem de mulher constitui um exemplo contrário à análise durkheimiana. Para compô-lo, no entanto, Gustave Flaubert (1821-1880) entregou-se a uma pesquisa tão dedicada quanto a do sociólogo. Na sociedade vienense do início do século, eram numerosos os suicídios entre os intelectuais, particularmente entre os judeus, para quem a morte voluntária era uma maneira de acabar com uma judeidade* vivenciada à maneira do “ódio judeu de si mesmo”. Freud tinha perfeita consciência disso, em especial com respeito a Otto Weininger*. Quanto ao suicídio de seu amigo Nathan Weiss (1851-1883), um jovem neurologista de grande futuro, que pôs fim à vida enforcando-se, Freud o atribuiu a uma incapacidade de o rapaz aceitar o menor ataque a seu narcisismo*, como explicou numa carta à sua noiva (Martha Freud*), datada de 16 de setembro de 1883: “Foi o conjunto de seus traços de caráter, de seu egocentrismo mórbido e nefasto, aliado a suas aspirações a objetivos mais nobres, que ocasionou sua morte.” Muito antes de conceituar a noção de pulsão de morte e de teorizar o narcisismo*, o luto e a melancolia*, Freud interessou-se pela questão do suicídio, abordada com muita freqüência na Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*. Foi por iniciativa de Alfred Adler* que a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) organizou, em 20 de abril de 1910, uma reunião muito terna, dedicada ao suicídio de crianças e adolescentes. Em seguida, Freud retornaria a essa questão, numa tentativa de relacionar a forma do suicídio e a diferença sexual*: “A escolha de uma forma de suicídio revela o simbolismo sexual mais primitivo; o homem se mata com um revólver, ou seja, joga com seu pênis, ou então se enforca, isto é, transforma-se em algo

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que pende em todo o seu comprimento. A mulher conhece três maneiras de se suicidar: saltar de uma janela, atirar-se na água ou se envenenar. Pular da janela significa dar à luz, atirar-se na água significa trazer ao mundo, e se envenenar significa a gravidez (...). Assim, mesmo ao morrer a mulher cumpre sua função sexual.” Freud também atribuiu certos suicídios de crianças ao medo do incesto*. Em seu artigo de 1917 intitulado “Luto e melancolia”, ele apresentou o suicídio como uma forma de autopunição, um desejo de morte dirigido contra outrem que se vira contra o próprio sujeito. Assim, confirmou as três tendências suicidas definidas pelo discurso da psicopatologia*: desejo de morrer, desejo de ser morto e desejo de matar. Nessa perspectiva, o suicídio é o ato de matar a si mesmo para não matar a outrem. O suicídio não é conseqüência de uma neurose* nem de uma psicose*, mas de uma melancolia ou de um distúrbio narcísico grave: não um ato de loucura, mas a atualização da pulsão de morte através de uma passagem ao ato (acting out*). Freud e seus discípulos não chegaram propriamente a inovar nessa matéria. E o suicídio foi mais bem compreendido pelos escritores e filósofos, suicidas ou não, do que pelos psicanalistas ou sociólogos. Isso decorre, em especial, do incômodo que o movimento psicanalítico sempre experimentou diante dos suicídios de alguns membros da comunidade freudiana: Viktor Tausk*, Herbert Silberer*, Tatiana Rosenthal*, Clara Happel* e Eugénie Sokolnicka*. Na condição de método terapêutico, a psicanálise* viu-se confrontada com a concepção psicopatológica do suicídio, que o reduz a uma doença, e não a uma ética da liberdade que o valorize como expressão de um heroísmo supremo. Em outras palavras, a psicanálise foi forçada a cuidar de pacientes suicidas considerados depressivos. Daí a freqüência com que teve de confessar sua impotência para curá-los. Com efeito, sabemos que, quando um sujeito realmente quer tirar a própria vida, nenhuma terapia consegue impedir que o faça. Entretanto, numerosos depoimentos mostram que essa questão é mais complexa e que a análise permitiu que alguns melancólicos evitassem o suicídio.

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sujeito

Um dos livros mais “freudianos” sobre a questão do suicídio foi escrito por Maurice Pinguet, em 1984. A partir do caso japonês, ele mostrou como a extensão do saber psiquiátrico, no fim do século XIX, acarretou a depreciação de um ato sumamente valorizado na sociedade dos samurais. Diversos psicanalistas redigiram estudos belíssimos sobre casos de suicídio de natureza psicótica. Ernest Jones* escreveu relatos de suicídios a dois, enquanto Georges Devereux* contou a história de Cleômenes, rei de Esparta, cujo suicídio foi, acima de tudo, um ato de loucura: em vez de simplesmente se matar, ele se submeteu à tortura, rasgando com sua arma seu corpo e suas entranhas. • Sigmund Freud, “Luto e melancolia” (1915-1917), ESB, XIV, 275-92; GW, X, 427-46; SE, XIV, 237-58; OC, XIII, 259-78; Correspondance 1873-1939 (Londres, 1960), Paris, Gallimard, 1966 • Émile Durkheim, O suicídio (1897), Rio de Janeiro, Zahar, 1982 • Les Premiers psychanalystes, Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (N. York, 1962-1975), Paris, Gallimard, 1976-1983, com uma “Introdução” de Hermann Nunberg • Ernest Jones, Essais de psychanalyse appliquée, I, Essais divers (Londres, 1964), Paris, Payot, 1973 • Alfred Alvarez, Le Dieu sauvage. Essai sur le suicide, Paris, Mercure de France, 1972 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle et sociale 1848-1938 (N. York, 1972), Paris, PUF, 1985 • Maurice Pinguet, La Mort volontaire au Japon, Paris, Gallimard, 1984 • Christian Baudelot e Roger Establet, Durkheim et le suicide, Paris, PUF, 1984 • Michel Braud, La Tentation du suicide dans les écrits autobiographiques, Paris, PUF, 1992 • Georges Minois, Histoire du suicide, Paris, Fayard, 1995 • Georges Devereux, Cléomène, le roi fou, Paris, Aubier, 1995.

➢ ABERASTURY, ARMINDA; BENUSSI, VITTORIO; BETTELHEIM, BRUNO; CRIMINOLOGIA; FEDERN, PAUL; MORGENSTERN, SOPHIE; STEKEL, WILHELM; ZWEIG, STEFAN.

sujeito al. Subjekt; esp. sujeto; fr. sujet; ing. subject Termo corrente em psicologia, filosofia e lógica. É empregado para designar ora um indivíduo, como alguém que é simultaneamente observador dos outros e observado por eles, ora uma instância com a qual é relacionado um predicado ou um atributo.

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Em filosofia, desde René Descartes (15961650) e Immanuel Kant (1724-1804) até Edmund Husserl (1859-1938), o sujeito é definido como o próprio homem enquanto fundamento de seus próprios pensamentos e atos. É, pois, a essência da subjetividade humana, no que ela tem de universal e singular. Nessa acepção, própria da filosofia ocidental, o sujeito é definido como sujeito do conhecimento, do direito ou da consciência*, seja essa consciência empírica, transcendental ou fenomênica. Em psicanálise*, Sigmund Freud* empregou o termo, mas somente Jacques Lacan*, entre 1950 e 1965, conceituou a noção lógica e filosófica do sujeito no âmbito de sua teoria do significante*, transformando o sujeito da consciência num sujeito do inconsciente*, da ciência e do desejo*. Foi em 1960, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”, que Lacan, apoiando-se na teoria saussuriana do signo lingüístico, enunciou sua concepção da relação do sujeito com o significante: “Um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante.” Esse sujeito, segundo Lacan, está submetido ao processo freudiano da clivagem* (do eu). • Jacques Lacan, “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” (1960), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 80742 • Bertrand Ogilvie, Lacan: a formação do conceito de sujeito (Paris, 1987), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

➢ EGO PSYCHOLOGY; EU; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; IDEAL DO EU; METAPSICOLOGIA; SELF PSYCHOLOGY; SIGNIFICANTE; SUPEREU.

Sullivan, Harry Stack (1892-1949) psiquiatra americano

Como Horace Frink* e muitos outros de sua geração, Harry Stack Sullivan foi um dos personagens inusitados que enfrentaram os mesmos sofrimentos psíquicos que os pacientes de quem tratavam, e por sua conduta “desviante” foram marginalizados pelo movimento psicanalítico e psiquiátrico. Tornaram-se contestatários do conjunto dos saberes ortodoxos provenientes da psicopatologia*, seja adotando os princípios da antipsiquiatria*, seja adotando o culturalismo*.


Sullivan, Harry Stack

Entretanto, Sullivan também pertencia à longa linhagem de psicoterapeutas originais que, como Poul Bjerre* e Erich Fromm*, sem fundar verdadeiramente uma escola, recusaram as principais teses freudianas sobre o inconsciente*, a libido*, a sexualidade* ou o Édipo*. Querendo apresentar-se, como Sigmund Freud*, como chefes de escola, desenvolveram sua própria doutrina, seja oralmente, seja em obras escritas. Nascido em Norwich, no estado de Nova York, Sullivan era de um meio rural e de uma família de imigrantes irlandeses. Aos 4 anos de idade, depois da morte da mãe, que fora tratada de depressão melancólica, desenvolveu uma forte fobia* por aranhas, que identificaria posteriormente com um terror às mulheres. Teve uma escolaridade difícil, o que não o impediu de entrar para a Escola de Medicina de Chicago e sair diplomado em 1917. Já melancólico, foi, como disse, “salvo da depressão” ocupando no exército americano diferentes funções terapêuticas, especialmente com veteranos. A partir de 1923, psiquiatra no Sheppard and Enoch Pratt Hospital, em Maryland, e professor na universidade, dedicou toda sua energia a tratar de pacientes esquizofrênicos. Revoltado, alcoólatra e homossexual, relacionou-se de um modo curioso com a psicanálise*: afirmava ter feito um tratamento de “75 horas” com um desconhecido e estimulou sua amiga Clara Thompson (1893-1958), de origem húngara, a fazer-se analisar “em seu lugar” por Sandor Ferenczi*. A cada verão, esta ia a Budapeste para encontrar o grande discípulo de Freud e, ao voltar, compartilhava sua experiência do tratamento com Sullivan, durante uma relação transferencial de 300 horas, como ele diria depois. Inicialmente aluno de William Alanson White*, Sullivan freqüentou o Zodiac Club, no qual, durante o período entre as duas guerras, muitos dissidentes do freudismo — Erich Fromm e Karen Horney* entre outros — se encontravam e faziam contato com os culturalistas: Margaret Mead* e Ruth Benedict (1887-1939). Entretanto, foi por influência do antropólogo Edward Sapir (1884-1948), de quem se tornou amigo em 1926, e inspirando-se nas teses de Alfred Adler*, que elaborou uma

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doutrina pessoal, à qual deu o nome de self-system. A partir da observação das tribos indígenas da América do Norte, Sapir opunha as culturas “autênticas” às culturas “falsificadas”, para demonstrar que uma cultura marginal podia ser superior, do ponto de vista da autenticidade, a uma cultura supostamente evoluída e universal. Daí, deduzia que a língua, a cultura, o inconsciente e a personalidade formavam um “sistema imerso”, que impunha aos membros de uma determinada sociedade categorias conceituais que modelavam, sem que eles soubessem, suas condutas e modos de relação com terceiros. Inspirando-se nessa tese, Sullivan rejeitou os conceitos freudianos de inconsciente e de sexualidade, para formular uma nova doutrina psicoterapêutica, a “psiquiatria interpessoal”, que insistia no condicionamento. Segundo ele, o self de cada indivíduo era construído pelos reflexos que os julgamentos dos pais e dos próximos faziam sobre ele desde a sua infância. Por conseguinte, a técnica adequada de tratamento consistia em fazer com que o paciente tomasse consciência, de modo ativo e dinâmico, dos modos de pensamento que pesavam sobre ele, sem que ele soubesse. Como clínico do Sheppard and Enoch Pratt Hospital, e do Saint Elizabeth Hospital de Nova York, como fundador da Washington School of Psychiatry e como membro dissidente da Washington-Baltimore Psychoanalytic Society (WBPS), desempenhou um papel importantíssimo em uma das quatro grandes cisões* do movimento psicanalítico americano. Sua principal aluna, Frieda Fromm-Reichmann*, ex-esposa de Erich Fromm, inventou um método de tratamento dos psicóticos, a psicoterapia intensiva, inspirado em seus trabalhos. Recusando igualmente o divã dos psicanalistas ortodoxos e a nosografia fossilizada da psiquiatria clássica, Sullivan foi, no campo do tratamento da loucura*, um dos artífices mais brilhantes da corrente social da psicoterapia* dinâmica, que se tornaria a origem da contestação antipsiquiátrica. Inspirando-se no modelo neojacksoniano, considerava a esquizofrenia* como uma regressão filogenética em estado “selvagem”; daí seu culturalismo. Foi também militante político, não hesitando em criticar abertamente o puritanismo americano. Denun-

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superego

ciou a barbárie atômica de Hiroshima, participou da fundação da Organização Mundial de Saúde, ao mesmo tempo em que se arruinava em operações financeiras extravagantes. Morreu em Paris, aos 57 anos, esgotado por uma vida turbulenta. • Harry Stack Sullivan, Conceptions of Modern Psychiatry, Washington, William Alanson White Psychiatric Foundation, 1947; The Interpersonal Theory of Psychiatry, Londres, 1953; The Fusion of Psychiatry and Social Sciences, 1964 • George W. Goethals, “Sullivan, Harry Stack (1892-1949)”, in A Lexicon of Psychology, Psychiatry and Psychoanalysis, Jessica Cooper (org.), Londres, N. York, Routledge, 1988, 431-4 • Edward Sapir, Le Langage (N. York, 1921), Paris, Payot, 1967 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans, The Rise and Crisis of Psychoanalysis in the United States, 1917-1985, t.II, N. York, Oxford, Oxford University Press, 1995 • Helen S. Perry, Psychiatrist of America, the Life of Harry Stack Sullivan, Cambridge, Harvard University Press, 1982 • S.P. Fullinwider, Technicians of the Finite. The Rise and Decline of the Schizophrenic in American Thought 1840-1960, Westport e Londres, Greenwood Press, 1982 • Leonard Zusne, Names in the History of Psychology. A Biographical Sourcebook, N. York, Halsted Pressbook, 1975, 430-2 • Philip Cushman, Constructing the Self, Constructing America. A Cultural History of Psychotherapy, Reading e N. York, Addison-Wesley Publishing Company, 1995 • Thierry Vincent, “Pendant que Rome brûle”. La Clinique psychanalytique de la psychose de Sullivan à Lacan, Estrasburgo, Arcanes, 1996.

➢ ANTROPOLOGIA; ESTADOS UNIDOS; JACKSON, HUGHLINGS; SELF PSYCHOLOGY.

superego ➢ SUPEREU.

supereu al. Über-Ich; esp. superyó; fr. surmoi ou sur-moi; ing. super-ego Conceito criado por Sigmund Freud* para designar uma das três instâncias da segunda tópica*, juntamente com o eu* e o isso*. O supereu mergulha suas raízes no isso e, de uma maneira implacável, exerce as funções de juiz e censor em relação ao eu. No Brasil também se usa “superego”.

Em seu texto de 1924 sobre a economia do masoquismo, Freud declarou: “O imperativo categórico de Kant é (...) o herdeiro direto do

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complexo de Édipo*.” Seria impossível situar melhor o conceito de supereu, que apareceu em 1923, em O eu e o isso*. Ele foi o produto de uma longa elaboração, iniciada em 1914 no artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”. Freud construiu então a noção de ideal, substituto do narcisismo* infantil e que seria, supostamente, o instrumento de medida utilizado pelo eu para observar a si mesmo. A transformação da concepção do eu, a partir do exame clínico da patologia do luto e da melancolia*, levou Freud a abandonar progressivamente a idéia de uma equivalência entre o eu e a consciência* em prol de um eu em grande parte inconsciente. Tratou-se, a partir daí, de um eu dividido, uma parte do qual parece separar-se para observar e julgar a parte restante. Essa idéia de clivagem* foi substituída por Freud pela de componente estrutural, transformando-se a instância da vigilância e do julgamento no elemento do eu cujas características e funções é preciso estudar. Em O eu e o isso, o supereu ainda é mal diferenciado do ideal do eu*, mas é considerado inconsciente, a exemplo de grande parte do eu. Em seguida, Freud é levado a esclarecer a natureza dessas relações do supereu com o eu: “Enquanto o eu é essencialmente o representante do mundo externo, da realidade, o supereu colocase diante dele como mandatário do mundo interno, do isso. Os conflitos entre o eu e o ideal refletirão, em última análise, como agora estamos mais dispostos a admitir, a oposição entre o real e psíquico, o mundo externo e o mundo interno.” Entretanto, na medida em que o supereu ainda é sinônimo do ideal do eu, suas funções permanecem ambíguas. Ora estão ligadas ao ideal e à proibição, ora, noutros momentos, à função repressora. Foi em 1933, na trigésima primeira conferência de introdução à psicanálise, que, depois de haver apresentado a instância do supereu (particularmente em O mal-estar na cultura*) como um censor, por delegação das instâncias sociais, junto ao eu, Freud forneceu o quadro exaustivo da formação do supereu e de suas funções. Essa formação é correlata do apagamento da estrutura edipiana. Num primeiro tempo, o supereu é representado pela autoridade parental


supereu

que dá ritmo à evolução infantil, alternando as provas de amor com as punições, geradoras de angústia. Num segundo tempo, quando a criança renuncia à satisfação edipiana, as proibições externas são internalizadas. Esse é o momento em que o supereu vem substituir a instância parental por intermédio de uma identificação*. Se Freud distinguiu bem o processo de identificação do processo de escolha do objeto, ele se revelou insatisfeito, entretanto, com sua explicação, e manteve a idéia de uma instituição do supereu “como um caso bem-sucedido de identificação com a instância parental”. Na medida em que o supereu é concebido como herdeiro da instância parental e do Édipo, como o “representante das exigências éticas do homem”, seu desenvolvimento é distinto no menino e na menina. Enquanto, no menino, o supereu se reveste de um caráter rigoroso, às vezes feroz, que resulta da ameaça de castração* vivida durante o período edipiano, na menina o percurso é diferente: o complexo de castração instala-se muito antes do Édipo. O supereu feminino, por conseguinte, seria menos opressivo e menos implacável. Embora Freud recorra com freqüência às metáforas da herança e da descendência para caracterizar a formação do supereu — desde O mal-estar na cultura até o Esboço de psicanálise*, passando pelo texto de 1924 sobre a economia do masoquismo* —, essa concepção e as representações que ela pode induzir devem ser temperadas por duas considerações importantes. A severidade e o caráter repressivo do supereu não devem ser concebidos como pura e simples repetição* das características parentais. Essa severidade e essa tendência repressora manifestam-se com força ainda maior, com efeito, nos casos em que o sujeito recebe uma educação benevolente que exclua toda e qualquer forma de brutalidade; essas características são o produto do adestramento precoce das pulsões* sexuais e agressivas por um supereu colocado a serviço das exigências da cultura. Freud sublinhou também que o supereu não se constrói segundo o modelo dos pais, mas segundo o que é constituído pelo supereu deles. A transmissão dos valores e das tradições perpetua-se, dessa maneira, por intermédio dos

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supereus, de uma geração para outra. O supereu é particularmente importante no exercício das funções educativas. Quanto a esse aspecto, portanto, Freud censurou as “chamadas concepções materialistas da história” por ignorarem a dimensão do supereu, veículo da cultura em seus diversos aspectos, em prol de uma explicação fundamentada unicamente na determinação econômica. Estava concluída a instauração do conceito de supereu: a nova instância passou a ser, desse momento em diante, a sede da auto-observação, o depositário da consciência moral, tornandose, enfim, “o portador do ideal do eu, com o qual o eu se compara, ao qual ele aspira e do qual se esforça por atender a reivindicação de um aperfeiçoamento cada vez mais avançado”. Se o ideal do eu não foi completamente apagado do instrumental conceitual freudiano, tornou-se secundário a ponto de às vezes se apagar em benefício do supereu. Prova disso é a modificação, introduzida pelas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise*, da concepção do processo de constituição das massas: enquanto, em 1921, tratava-se de indivíduos que haviam colocado “um único e mesmo objeto no lugar de seu ideal do eu”, o texto de 1933 fala de “uma reunião de indivíduos que introduziram a mesma pessoa em seu supereu”. A concepção freudiana do supereu não obteve unanimidade entre os psicanalistas. Em 1925, Sandor Ferenczi* insistiu na internalização de certas proibições muito antes da dissolução do Édipo, em particular aquelas que dizem respeito à educação esfincteriana: “A identificação anal e uretral com os pais, que já apontamos antes, parece constituir uma espécie de precursora fisiológica do Ideal do eu ou do Supereu no psiquismo da criança.” Melanie Klein* situou as “primeiras fases do supereu” no momento das “primeiras identificações da criança”, quando, muito pequena, ela “começa a introjetar seus objetos”; o medo que ela sente em decorrência disso determina processos de rejeição e projeção* cuja interação parece ter “uma importância fundamental, não somente para a formação do supereu, mas também para as relações com as pessoas e a adaptação à realidade”.

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supervisão

Na obra de Jacques Lacan*, o conceito de supereu é objeto de múltiplas elaborações, relacionadas com a teorização do par supereu/ideal do eu. Nessa perspectiva, o supereu continua dominante, mas, diferentemente de Freud, Lacan o concebe como a inscrição arcaica de uma imagem materna onipotente, que marca o fracasso ou o limite do processo de simbolização. Nessas condições, o supereu encarna a falha da função paterna e esta, por conseguinte, é situada do lado do ideal do eu. • Sigmund Freud, “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; Psicologia das massas e análise do eu (1921), ESB, XVIII, 91-184; GW, XIII, 73-161; SE, XVIII, 65-143; OC, XVI, 1-83; O eu e o isso (1923), ESB, XIX, 23-76; GW, XIII, 237-89; SE, XIX, 12-59; OC, XVI, 255-301; “Um estudo autobiográfico” (1925), ESB, XX, 17-88; GW, XIV, 33-96; SE, XX, 7-70; OC, XVII, 51-122; “O problema econômico do masoquismo” (1924), ESB, XIX, 199-216; GW, XIII, 371-83; SE, XIX, 139-45; OC, XVII, 9-23; O mal-estar na cultura (1930), ESB, XXI, 81-178; GW, XIV, 421-506; SE, XXI, 64-145; OC, XVIII, 245333; Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 167 • Sandor Ferenczi, “Psicanálise dos hábitos sexuais” (1925), in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 327-60 • Melanie Klein, Psicanálise da criança (Londres, 1932), S. Paulo, Mestre Jou, 1975, 2ª ed. • Jacques Lacan, “A agressividade em psicanálise” (1948), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 104-26; “Variantes do tratamento-padrão” (1953), in ibid., 325-64; “A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise” (1955), ibid., 402-37; “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: ‘Psicanálise e estrutura da personalidade’” (1958), ibid., 653-91; O Seminário, livro 7, A ética da psicanálise (1959-1960) (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Bernard Penot, “L’Instance du surmoi dans les Écrits de Jacques Lacan”, in “Surmoi II. Les Développements postfreudiens”, sob a direção de Nadine Amar, Gérard Le Gouès e Georges Pragier, monografias da Revue Française de Psychanalyse, Paris, PUF, 1995, 69-94.

supervisão al. Kontrollanalyse; esp. supervisión, análisis de control; fr. contrôle; ing. supervision Termo introduzido por Sigmund Freud* em 1919 e sistematizado em 1925 pela International Psychoa-

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nalytical Association* (IPA), na condição de prática obrigatória, para designar uma psicanálise* conduzida com um paciente por um psicanalista que, por sua vez, encontra-se em análise didática*, e que concorda em ser supervisionado ou controlado, isto é, em prestar contas dessa psicanálise a outro psicanalista (o supervisor). A supervisão refere-se, de um lado, à análise que o supervisor faz da contratransferência* do supervisionando para seu paciente, e de outro, à maneira como se desenrola a análise do paciente. A palavra “controle” impôs-se em alemão, inicialmente, e, mais tarde, em francês e em espanhol, sob a influência de Jacques Lacan*, ao passo que o termo supervisão se impôs nos países anglófonos e nas sociedades psicanalíticas pertencentes à IPA, onde substituiu a palavra alemã. No Brasil também se usam “controle” e “análise de controle”.

O termo Kontrollanalyse foi empregado por Freud pela primeira vez num artigo redigido em húngaro, em 1919, dedicado ao ensino da psicanálise nas universidades, e que indicava a necessidade de o futuro praticante assegurar-se da orientação ou do controle de um psicanalista experiente a fim de poder conduzir, por sua vez, as chamadas análises terapêuticas. A evolução dessa prática acompanhou o desenvolvimento, no movimento psicanalítico, de uma reflexão sobre a contratransferência e sobre a chamada análise didática. Foi em 1925, no congresso de Bad-Homburg, que a análise de controle foi tornada obrigatória por Max Eitingon*, juntamente com a análise didática, em todas as sociedades componentes da IPA. Sob a influência progressiva da poderosa American Psychoanalytical Association (ApsaA), o termo supervisão, por volta de 1960, substituiu o vocábulo “controle”, que foi resgatado na França* por Jacques Lacan e adotado de um modo geral pelo movimento lacaniano. Note-se que o termo inglês control, tal como os termos francês e alemão, coloca a ênfase na idéia de dirigir e dominar, ao passo que a palavra supervision remete a uma atitude não diretiva, inspirada nos métodos da terapia de grupo. Há, pois, uma diferença entre a terminologia lacaniana (que reintegra na análise de controle um certo dirigismo interpretativo, a ponto de fazer dela uma espécie de segunda análise) e a terminologia adotada pela IPA (que


Szondi, Leopold

presume que a supervisão não é da mesma natureza da análise pessoal ou da análise didática). Todas as correntes do freudismo (annafreudismo*, kleinismo*, lacanismo*, Ego Psychology*, Self Psychology*) admitem como norma a necessidade de o futuro psicanalista complementar sua análise didática através de pelo menos uma supervisão, em geral conduzida por outro psicanalista que não o didata. Entretanto, as modalidades desse processo são diferentes, conforme essas correntes pertençam ou não à IPA. • Sigmund Freud, “Sobre o ensino da psicanálise nas universidades” (1919), ESB, XVII, 217-24; SE, XVII, 169-73; in Résultats, idées, problèmes, Paris, PUF, 1904, 239-43 • On forme des psychanalystes. Rapport original sur les dix ans de l’Institut Psychanalytique de Berlin, apresentação de Fanny Colonomos, Paris, Denoël, 1985 • Max Eitingon, “Allocution au IXe Congrès Psychanalytique” (1925), in Moustapha Safouan, Philippe Julien e Christian Hoffmann, Malaise dans la psychanalyse, Estrasburgo, Arcanes, 1995, 105-13.

➢ CISÃO; ÉCOLE FREUDIENNE DE PARIS; FILIAÇÃO; PASSE; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; TÉCNICA PSICANALÍTICA; TRANSFERÊNCIA.

supressão ➢ REPRESSÃO.

Swoboda, Hermann (1873-1963) jurista austríaco

Doutor em direito e em filosofia, professor de psicologia na Faculdade de Viena*, Hermann Swoboda era amigo de Otto Weininger* e analisando de Sigmund Freud* em 1900. Durante seu tratamento, Freud lhe expôs sua teoria da bissexualidade*, cujo cerne ele devia aos trabalhos de Fliess*. Swoboda transmitiu essas idéias a Weininger, que com elas fez um livro célebre, Sexo e caráter, publicado em 1903. Depois do suicídio de Weininger, Swoboda, que o acusara de ter roubado as suas hipóteses, redigiu, por sua vez, uma obra que provocou em 1904 um incrível caso de plágios em série. Estimulado por seu amigo Richard Pfennig, Fliess acusou Freud de ter “roubado suas idéias” sobre a bissexualidade por intermédio de Swoboda e Weininger.

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• Hermann Swoboda, Die Perioden des menschlichen Organismus in ihrer psychologischen und biologischen Bedeutung, Leipzig e Viena, Franz Deutike, 1904 • Otto Weininger, Sexe et caractère (Viena, 1903), Lausanne, L’ãge d’homme, 1975 • Érik Porge, Vol d’idées, Paris, Denoël, 1994.

➢ AUTO-ANÁLISE; JUDEIDADE.

Szondi, Leopold (1893-1986) psiquiatra e psicanalista suíço

Nascido em Nytria, na Eslováquia, Leopold Szondi era de uma família judia ligada às tradições religiosas. Vivendo em Budapeste desde a infância, participou com Michael Balint*, Melanie Klein* e Imre Hermann* do desenvolvimento da escola húngara de psicanálise*. Com a chegada ao poder do almirante Horthy, foi demitido de seu posto universitário. Deportado pelos nazistas para o campo de concentração de Bergen-Belsen, conseguiu fugir para a Suíça* em 1944 e foi abrigado pelo filho de August Forel*, o que lhe permitiu depois instalar-se em Zurique e exercer a psicanálise. Marcado pelo freudismo*, pela escola alemã de psiquiatria e pelos trabalhos da genética, inventou o termo Schiksalsanalyse (análise do destino), análise das genealogias fundada no inconsciente*. Segundo ele, cada sujeito* teria um “genotropismo”, uma espécie de inconsciente familiar, que determinaria suas escolhas não só no campo amoroso, onde estas se efetuariam em função de semelhanças latentes inscritas no código genético, mas também no campo profissional, onde a escolha se operaria a partir de afinidades pulsionais. Dessa concepção genealógica do destino, elaborada entre 1937 e 1944, Szondi tirou, em 1947, um teste projetivo que o tornou célebre no mundo inteiro. Constituído de 48 fotografias de doentes mentais, o teste devia revelar a personalidade profunda de um sujeito a partir de suas reações de simpatia ou hostilidade. • Leopold Szondi, Schiksalanalyse, Basiléia, Benno Schwabe, 1944; Experimentelle Triebdiagnostik, Basiléia, Huber, 1947 • Jacques Schotte (org.), Szondi avec Freud. Sur la voie d’une psychiatrie pulsionnelle, Louvain, Éditions Universitaires, 1991 • Pierre Morel (org.), Dicionário biográfico psi (Paris, 1996), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

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T Tamm, Alfhild (1876-1959)

Judeu originário da Morávia, Julius Tandler se estabeleceu em Viena* como médico. Teve ocasião de se encontrar com Freud por várias vezes, primeiro como perito em neuroses de guerra*, quando era membro da comissão em que trabalhava Julius Wagner-Jauregg*, depois a respeito da análise leiga*. Sempre muito receptivo à psicanálise*, interveio a seu favor como conselheiro da cidade de Viena.

psiquiatra e psicanalista sueca

Primeira mulher sueca psiquiatra, Alfhild Tamm se interessou inicialmente pelos distúrbios da linguagem, depois pelos problemas de pedagogia. Em 1914, criou em Estocolmo uma clínica para crianças afásicas, aproximando-se da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), da qual se tornou membro em 1926. Fez três análises muito curtas, com Paul Federn*, August Aichhorn* e Helene Deutsch*, e abriu um consultório particular em 1909. Mulher moderna e esclarecida, foi pioneira da psicanálise* em seu país. Formou um casal com uma mulher na época em que o movimento psicanalítico não tolerava a homossexualidade* entre seus membros. Em 1930, publicou um livro sobre a sexualidade* que causou escândalo. Em agosto de 1931, ao lado de Harald Schjelderup* e Sigurd Naesgaard*, foi representante da Suécia em um grupo de estudos que levaria, em 1934, à criação da Sociedade Psicanalítica Fino-Sueca, da qual seria presidente. Permaneceu membro até a morte, mantendo também uma atividade didática limitada. Dentro da orientação de seus primeiros trabalhos, interessou-se pela gagueira, que considerava como uma neurose* ligada à culpa e a uma incapacidade de sublimação*.

• Karl Sablik, “Sigmund Freud et Julius Tandler: une mystérieuse relation”, Sigmund Freud House Bulletin, 9, 2, inverno de 1985, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 3, 1990, 89-103.

Tausk, Viktor (1879-1919) advogado, psiquiatra e psicanalista austríaco

Certamente, foi Lou Andreas-Salomé*, que foi sua amante, quem fez o retrato mais impressionante de Viktor (ou Victor) Tausk, em seu Diário de um ano. Ela percebeu nele a presença de uma força primitiva, o “animal de rapina”, como dizia Sigmund Freud*, e era sensível à maneira como ele se obrigava a pensar “analiticamente”: “Desde o início, senti em Tausk essa luta da criatura humana, e era isso que me tocava mais profundamente. Animal, meu irmão, você.” Nascido em Zsilina, na Eslováquia, em uma família judia de língua alemã, Tausk passou a infância na Croácia, educado por um pai tirânico e uma mãe masoquista e perseguida. Tornando-se advogado e pai de dois filhos (Marius e Victor-Hugo), separou-se da mulher, Martha Frisch-Tausk (1881-1957), e instalou-se em Berlim, onde tentou fazer carreira na literatura. Atingido por uma doença pulmonar, permaneceu em uma clínica e mergulhou em profunda depressão. Quando se recuperou, reuniu-se a

• Alfhild Tamm, Ett sexual problem, Estocolmo, Tidens Förlag, 1930 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

➢ ESCANDINÁVIA.

Tandler, Julius (1869-1936) médico vienense

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Tausk, Viktor

Martha e aos filhos em Viena* para iniciar o processo de divórcio. Como muitos pioneiros de sua geração*, Tausk se voltou para a psicanálise* esperando que a nova ciência o ajudasse a superar os fracassos de sua vida amorosa e intelectual. Cheio de entusiasmo, começou em 1908 a fazer estudos de medicina, parcialmente financiados por membros da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*: Ludwig Jekels*, Paul Federn*, e Eduard Hitschmann*. Tausk tornou-se então um dos mais brilhantes freudianos da primeira geração. Obcecado pelo ódio ao pai, adotou para com Freud uma atitude feita simultaneamente de rebelião, adoração e submissão. No turbilhão dessa relação ambivalente, acabou acusando-o de roubar suas idéias. Durante a Primeira Guerra Mundial, esteve na frente sérvia. Voltou depois a Viena, para assistir à derrocada do Império Austro-Húngaro. Suas múltiplas ligações amorosas terminavam muitas vezes em rupturas violentas, o que o tornava cada vez mais infeliz. Assim, quando a crise econômica o atingiu em cheio, viu-se num impasse. Pediu então a Freud que o analisasse. Este recusou-se categoricamente. Entretanto, diante da obstinação e do sofrimento do discípulo, Freud armou uma dessas confusões transferenciais, que tinha o hábito de fazer nessa época: em janeiro de 1919, enviou Tausk, para ser analisado, a Helene Deutsch, que estava, ela mesma, em tratamento com Freud. Pensava que poderia assim, “supervisionar”, através de Helene, o desenrolar da análise de Tausk. O caso terminou em desastre. Tausk usou a maioria de suas sessões para despejar agressões contra Freud, sabendo perfeitamente que Helene Deutsche relataria tudo a este. Em março de 1919, a conselho de Freud, ela interrompeu o tratamento no momento em que Tausk estava a ponto de se casar com Hilde Loewi, uma de suas ex-pacientes, que estava grávida dele. Três meses depois, em 3 de julho, Tausk se suicidou, estrangulando-se com um cordão de cortina e dando um tiro na têmpora. Acabava de redigir um admirável texto, que se tornaria um clássico, intitulado “Da gênese do aparelho de influenciar no curso da esquizofrenia”. Nas entrelinhas, aparecia a trágica despersonaliza-

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ção de que fora vítima ao longo de sua relação triangular com Freud e Deutsch. Freud redigiu um necrológio elogioso sobre Tausk, e escreveu estas palavras a Lou-Andreas Salomé: “O pobre Tausk, que foi distinguido por sua amizade durante algum tempo, se suicidou da maneira mais radical. Ele regressara exausto, minado pelos horrores da guerra, e sentira-se na obrigação de tentar recuperar-se em Viena, nas circunstâncias mais desfavoráveis de uma existência arruinada pela entrada das tropas; tentou introduzir uma nova mulher na sua vida, iria casar-se dentro de oito dias, no máximo — mas tomou outra decisão. Suas cartas de adeus à sua noiva, à sua primeira mulher e a mim são ternas, mostram sua perfeita lucidez, não acusam ninguém senão sua própria insuficiência e sua vida fracassada, e assim não dão nenhum esclarecimento sobre seu ato supremo.” Depois, acrescentou: “Confesso que não sinto realmente sua falta. Há muito tempo, eu o considerava inútil e até uma ameaça para o futuro.” Em 1926, quando estudava medicina, Marius Tausk encontrou-se com Federn, que o acolheu calorosamente e lhe falou de seu pai com emoção. Posteriormente, Victor-Hugo Tausk fez uma análise gratuita com Hitschmann. Como acontecia freqüentemente, a comunidade psicanalítica assumiu os filhos de seu infeliz companheiro. Desejando pagar as dívidas do pai, Marius Tausk dirigiu-se a Freud, que lhe respondeu que não tinha nenhuma lembrança da soma emprestada e que isso não tinha a menor importância. Em 1938, quando os nazistas entraram em Viena, Jelka, irmã de Tausk, se suicidou com seu marido e o irmão deste. As circunstâncias do suicídio* de Tausk foram cuidadosamente mascaradas pela historiografia* oficial, e a última frase de Freud foi censurada por Anna Freud* por ocasião da publicação da correspondência deste com LouAndreas Salomé. Anna temia que Marius Tausk ficasse ofendido com a dureza de Freud para com seu pai. Em 1969, Paul Roazen trouxe à tona essa terrível história em um livro contestável, que fazia de Tausk a vítima de um complô transferencial, inteiramente fabricado por Freud. Dois

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Tavistock Clinic

anos depois, em Talent and Genius, e depois em 1983 em outra obra, Kurt Eissler lhe respondeu, glorificando a bondade de Freud e apresentando Tausk como um personagem odioso, sádico, exibicionista e sobretudo inteiramente “responsável” por seu suicídio. Foi Marius Tausk quem soube achar os melhores termos para falar de seu pai e restabelecer a verdade. Esse caso mostra até que ponto Freud era ambivalente quando estava diante desse gênero de rebelião contra o pai ou de situações que lhe lembravam os “roubos de idéias” de Wilhelm Fliess*. Ele também mostra a deficiência da psicanálise diante do suicídio em geral. • Victor Tausk, Oeuvres psychanalytiques, Paris, Payot, 1975 • Sigmund Freud, “Viktor Tausk” (1919), ESB, XVII, 339; GW, XII, 316-8; SE, XVII, 273-5; OC, XV, 203-9 • Freud/Lou Andreas-Salomé: correspondência completa (Frankfurt, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1975 • Paul Roazen, Irmão animal (N. York, 1969), Rio de Janeiro, Imago, 1995 • Kurt Eissler, Talent and Genius: The Fictitious Case of Tausk Contra Freud, N. York, Quadrangle, 1971; Le Suicide de Victor Tausk. Avec les commentaires du professeur Marius Tausk (N. York, 1983) Paris, PUF, 1988.

➢ ESQUIZOFRENIA; FRINK, HORACE; GROSS, OTTO; MACK-BRUNSWICK, RUTH; MELANCOLIA; SUPERVISÃO.

Tavistock Clinic ➢ BION, WILFRED RUPRECHT; GRÃ-BRETANHA.

técnica ativa ➢ FERENCZI, SANDOR; PSICANALÍTICA.

RANK, OTTO; TÉCNICA

técnica psicanalítica al. psychoanalytische Technik; esp. técnica psicoanalítica; fr. technique psychanalytique; ing. technique of psychoanalysis Na história do movimento freudiano, chama-se técnica psicanalítica* aos procedimentos clínicos, terapêuticos e interpretativos de intervenção que permitem definir o quadro do tratamento psicanalítico. Ao lado da reflexão sobre a transferência*, a contratransferência*, a regra fundamental* ou a abstinência*, e no próprio interior das modalidades de aparecimento da análise didática* e da supervisão*, esse quadro é delimitado por regras tidas

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como técnicas. A duração das sessões, a duração da própria análise, o número de sessões por semana, o modo de intervenção (ativo ou passivo) do analista, a posição do analisando (deitado ou frente a frente), todas essas questões foram objeto de múltiplos debates, que sempre conduziram à definição de novas maneiras de conduzir as análises conforme se estivesse lidando com crianças, com neuróticos ou psicóticos e com psicanalistas em formação, ou conforme se pertencesse a uma das grandes correntes do freudismo*: annafreudismo*, Ego Psychology*, Self Psychology*, kleinismo* ou lacanismo*.

No que concerne a esse ponto, a história da psicanálise, no sentido clínico e terapêutico do termo, é sempre a história das inovações técnicas introduzidas por seus grandes clínicos, tenham eles sido ou não dissidentes da International Psychoanalytical Association* (IPA). A psicanálise nasceu da contestação ao niilismo terapêutico que dominava a psiquiatria alemã do final do século XIX, através da nosografia de Emil Kraepelin*. A atitude niilista levava a que se observasse o doente sem escutá-lo e a que se classificassem as doenças da alma sem procurar tratá-las. Em conseqüência disso, Freud manifestou, desde seus primeiros tempos como clínico, uma vontade indomável de curar os homens de seus sofrimentos psíquicos e, acima de tudo, de provar que seu método era o mais eficaz por ser o mais científico e o mais coerente. Em outras palavras, a psicanálise teve, originalmente, a meta terapêutica de curar depressa e bem: daí o nascimento de uma nova utopia, correlata a uma nova doutrina. Em pouco tempo, entretanto, foi preciso perder as ilusões: como todos os métodos terapêuticos, como toda a medicina, a psicanálise não conseguiu definir os cânones do tratamento perfeito. Houve fracassos, falhas e desastres provocados pela rotina, pela lentidão e pela esclerose da escuta. Daí a idéia de refletir sobre uma nova temporalidade da análise e, por conseguinte, de organizar de outra maneira sua duração. Foi assim que nasceu a noção de “pressa terapêutica”, que marcaria o conjunto das inovações técnicas do freudismo durante cem anos: “A tentação seria dupla”, escreveu Jean-Baptiste Fagès: “encurtar o tratamento e precipitá-lo, a fim de obter uma eficácia tangível.”


técnica psicanalítica

O primeiro a contestar o caráter interminável da análise freudiana e a empregar um método chamado de “ativo” foi Wilhelm Stekel*. Ele propôs limitar as análises a 50 a 150 sessões, ao ritmo de três a seis por semana. Depois dele, foi Sandor Ferenczi*, o mais brilhante clínico de toda a história da psicanálise, quem inventou, em 1919, o princípio da “técnica ativa”, segundo o qual, em vez de se limitar a interpretações, o analista deveria intervir durante as sessões através de ordens e proibições. Mais tarde, Ferenczi levaria esse ativismo ao extremo de permitir que alguns pacientes o abraçassem ou beijassem a fim de instaurar uma identificação com um genitor amoroso que houvesse faltado durante a infância. Em 1932, ele foi ainda mais longe, com a idéia da análise mútua, segundo a qual o terapeuta podia inverter os papéis: ir à casa do paciente, em vez de fazê-lo vir a seu consultório; deixar que ele conduzisse a análise conforme sua vontade, ou, ainda, concordar em se deitar no divã em lugar dele, ou em lhe pagar honorários. Em suma, tratava-se de instaurar uma reciprocidade maternalizadora, a fim de obter resultados cada vez melhores. Freud denunciou o furor sanandi (loucura de curar) de seu discípulo predileto. Por sua vez, Otto Rank* desenvolveu a idéia de uma “terapia ativa”: as análises deveriam ser curtas (alguns meses) e limitadas de antemão. Ele sustentou também que, em vez de conduzir incessantemente o paciente à sua história passada e a seu inconsciente, interpretando os sonhos e o complexo de Édipo*, era preferível apelar para a vontade consciente dele, para sua situação atual e seu desejo de cura, única maneira de fazê-lo sair de uma passividade masoquista. Em seguida vieram as inovações de Wilhelm Reich*, Franz Alexander* e da Escola de Chicago, e por último, de Michael Balint*, amplamente inspiradas na filiação* ferencziana. Freud levou em conta as modificações introduzidas por seus alunos e sublinhou, no fim de sua vida, o caráter “interminável” da psicanálise. Renunciando a qualquer ideal de um tratamento perfeito ou uma cura completa, ele formulou a idéia, tanto para os analistas quanto para os pacientes, de renovar indefinidamente,

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através de etapas sucessivas, a experiência da análise, caso necessário. Entre os sucessores de Freud que eram adeptos da “pressa terapêutica”, Jacques Lacan* foi o único a empregar uma inovação técnica que consistiu em abreviar a duração das sessões em vez da duração da análise. Ele invocou a necessidade de pontuar o discurso do analisando a partir do enunciado de um significante*. Essa inovação levou a corrente lacaniana a um alongamento considerável da duração das análises e terminou, para o próprio Lacan, num desafio faustiano: a dissociação radical do tempo da sessão. Essas inovações técnicas trouxeram a prova de que a psicanálise, longe de permanecer cristalizada numa doutrina monolítica, soube modificar sua prática ao longo dos anos, enfrentando tanto a concorrência das outras psicoterapias* quanto as transformações radicais decorrentes da demanda e do desejo* dos analisandos. Uma das grandes revoluções da psicanálise foi abolir a separação tradicional entre o médico e o paciente. Ao dar a palavra ao paciente, e não à nosografia, e ao considerar que o próprio sujeito podia verbalizar seus sintomas, a doutrina freudiana permitiu que antigos pacientes se transformassem, por sua vez, em terapeutas. Ela como que apagou a fronteira tradicional entre o saber e a verdade, entre a ciência e a dor, entre a razão e a loucura*. Portanto, o próprio estatuto da cura psíquica modificou-se consideravelmente no intervalo de um século. Mais do que eliminar os sintomas ou pretender erradicá-los, a psicanálise apontou o caminho para uma certa sabedoria: a cura equivale tanto a uma transformação quanto a uma aceitação de si mesmo. • Sigmund Freud, “Análise terminável e interminável” (1937), ESB, XXIII, 247-90; GW, XVI, 59-99; SE, XXIII, 209-53; in Résultats, idées, problèmes, vol.2, Paris, PUF, 1985, 231-69 • Sandor Ferenczi, “A técnica psicanalítica” (1919), in Psicanálise II, Obras completas, 1913-1919 (Paris, 1970), S. Paulo, Martins Fontes, 1992, 357-68; Diário clínico, janeiro-outubro de 1932 (Paris, 1985), S. Paulo, Martins Fontes, 1990 • Sandor Ferenczi e Otto Rank, Perspectives de la psychanalyse (Viena, 1924), Paris, Payot, 1994; “Contra-indicações da técnica ativa”, in Psicanálise III, Obras completas, 1919-1926 (Paris, 1974), S. Paulo, Martins Fontes, 1993, 365-76 • Otto Rank, La Technique de la psychanalyse (1926), traduzido para o francês sob o título La

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Tegel, Sanatório do Castelo de

Volonté du bonheur, Paris, Stock, 1934 • Jacques Lacan, “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” (1953), in Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 238-324; O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979 • Jean-Baptiste Fagès, Histoire de la psychanalyse après Freud (Toulouse, 1976), Paris, Odile Jacob, 1996 • André Haynal, La Technique en question. Controverses en psychanalyse, Paris, Payot, 1987 • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Ernst Falzeder, “Filiations psychanalytiques: la psychanalyse prend effet” (1994), in André Haynal (org.), La Psychanalyse: cent ans déjà (Londres, 1994), Genebra, Georg, 1996, 255-89.

➢ ANÁLISE DIRETA; ANÁLISE EXISTENCIAL; ÉCOLE FREUDIENNE DE PARIS; ESPIRITISMO; FENICHEL, OTTO; FILIAÇÃO; GLOVER, EDWARD; KOHUT, HEINZ; LACANISMO; PASSE; QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA, A; TELEPATIA.

Tegel, Sanatório do Castelo de ➢ SIMMEL, ERNST.

telepatia al. Telepathie; esp. telepatía; fr. télépathie; ing. telepathy Termo criado por Frederick Myers*, em 1882, a partir do grego tele (longe) e pathos (emoção), para designar uma comunicação à distância através do pensamento (ou transmissão de pensamento) entre duas pessoas reputadas como estando numa relação psíquica. O fenômeno foi descrito por Sigmund Freud*, em 1921, na categoria de uma transferência* de pensamento. Na história da psicanálise* e de suas origens, a telepatia e o espiritismo* (ou comunicação com os mortos por intermédio de um médium) são incluídos na categoria de fenômenos do âmbito do ocultismo*.

Em 1921, a uma carta do psiquiatra norteamericano Hereward Carrigton, que lhe havia pedido sua opinião sobre os fenômenos ocultos, Sigmund Freud* respondeu com as seguintes palavras: “Se eu me encontrasse no início de minha carreira científica, e não em seu fim, talvez escolhesse outros campos de pesquisa.” Depois, pediu a seu destinatário que não mencionasse seu nome, pois não acreditava na “so-

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brevivência da personalidade após a morte” e, acima de tudo, porque fazia questão de instaurar uma linha demarcatória muito clara entre a psicanálise como ciência e “esse campo de conhecimento ainda inexplorado”, a fim de não criar o menor mal-entendido a esse respeito. O fato de Freud sempre haver querido manter afastado de sua doutrina aquilo a que gostava de chamar de “maré negra do ocultismo” não o impediu de se sentir fascinado por esse campo, a ponto de se mostrar de uma extrema ambivalência a propósito do assunto. Esse fascínio pelos fenômenos ligados ao estranho, ao irracional ou ao inexplicável confirma perfeitamente que Freud pertence à linhagem dos descobridores do inconsciente e dos cientistas que foram herdeiros da “Aufklärung sombria”, para retomarmos a expressão do filósofo israelense Yirmiyahu Yovel. Ele foi um cientista perpassado pela divisão entre o cogito e a loucura, caminhando através da dúvida desde o erro até a verdade e abraçando as teorias mais extravagantes de sua época (como as de Wilhelm Fliess*, por exemplo), para depois transformálas ou assimilá-las. Quanto à psicanálise, que ganhou impulso a partir de um mergulho interpretativo no domínio do sonho*, ela foi, segundo a bela fórmula de Thomas Mann*, um “romantismo que se tornou científico”. É nesse movimento de hesitação permanente da doutrina psicanalítica entre a sombra e a luz, entre a paixão e a razão, entre o irracional e a ciência, bem como entre Sandor Ferenczi* e Ernest Jones*, que convém compreendermos a história das relações de Freud com a telepatia. Essa “história” de ocultismo começou em 1909, em Viena*, quando Carl Gustav Jung* expôs ante o olhar assombrado de Freud seus talentos de ilusionista, fazendo tilintarem alguns objetos colocados sobre os móveis do apartamento da rua Berggasse 19. Depois de procurar imitar seu jovem discípulo, Freud esqueceu-se desse episódio, que tornou a vir à baila em 1910, quando Ferenczi começou a caçar videntes e profetisas pelos arredores de Budapeste, a fim de provar a seu mestre a existência da transmissão de pensamento. Freud fez então meia-volta e contou a seu discípulo a história de um astrólogo de Munique que era capaz de prever o futuro a partir das


telepatia

datas de nascimento. Encantado, Ferenczi respondeu-lhe: “Quando estiver em Viena, vou me apresentar como astrólogo da corte dos psicanalistas.” Em 1913, nova meia-volta: Freud encerrou o debate, condenando implacavelmente, em nome da ciência, as experiências telepáticas de um certo professor Roth que Ferenczi levara à Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). A partir de 1920 e até 1933, a questão do oculto tornou a surgir quando o movimento psicanalítico, sob a direção de Max Eitingon*, estabeleceu as grandes regras padronizadas da análise didática*, que fariam da International Psychoanalytical Association* (IPA) um movimento organizado segundo os princípios do racionalismo positivista. Nesse contexto, no qual o ideal de uma possível cientificidade da psicanálise caminhava de mãos dadas com a progressiva institucionalização dos princípios da análise, Freud tomou a defesa da telepatia. Com sua filha Anna e com Ferenczi, “fez mesas girarem” e se entregou a experiências de transmissão de pensamento, durante as quais desempenhou o papel de médium, analisando suas associações verbais. Jones e Eitingon tentaram então refrear-lhe o ardor, argumentando com o fato de que a conversão da psicanálise à telepatia aumentaria as resistências do mundo anglosaxão à doutrina freudiana e a apresentaria como obra de um charlatão. A fim de fazer a psicanálise ingressar na era da ciência e de marcar o término definitivo de sua ancoragem no velho mundo austro-húngaro, povoado de ciganos e magos, Jones propôs banir dos debates da IPA as investigações sobre o ocultismo. Freud concordou e impediu Ferenczi de apresentar, no congresso de Bad-Homburg, uma comunicação sobre suas experiências de telepatia. Entretanto, em 1921 ele voltou a mudar de idéia, redigindo um artigo sem título, o qual se propôs apresentar em 1922 no congresso de Berlim. Eitingon e Jones dissuadiram-no de fazê-lo. Freud retirou seu texto, que seria enfim publicado em 1941, postumamente, com o título de “Psicanálise e telepatia”. Depois dessa recusa, ele voltou à carga, no mesmo ano, com um outro artigo, “Sonhos e telepatia”, que tinha o mesmo sentido. E mandou publicá-lo na Imago*. Dez anos depois, Freud faria uma confe-

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rência sobre o tema “Sonho e ocultismo”, na qual integraria o material introduzido em 1921 e, em particular, o famoso caso de David Forsyth*, que deveria figurar em “Psicanálise e telepatia”. Essa conferência seria publicada em 1933, no âmbito das Novas conferências introdutórias sobre psicanálise*. Logo no início de “Psicanálise e telepatia”, Freud explica seu interesse pelo assunto. O ocultismo e a psicanálise têm, segundo ele, um ponto em comum: ambos sofreram, por parte da ciência oficial, um tratamento desdenhoso e arrogante. O progresso das ciências (descoberta do rádio e da relatividade) — é o que ele acrescenta, em síntese — talvez tenha como duplo efeito tornar pensável aquilo que a ciência anterior rejeitara no ocultismo e, ao mesmo tempo, despertar novas forças obscurantistas. Daí o perigo: pessoas irresponsáveis podem enfiar na cabeça a idéia de manipular certas técnicas ligadas ao ocultismo, a fim de entorpecer a credulidade dos homens em proveito próprio. Na seqüência do texto, Freud narra diversas pretensas experiências de telepatia, em especial as de um adivinho cujas profecias nunca se cumpriram. Ele conta também a história do rapaz que foi consultar uma profetisa, fornecendo-lhe a data de nascimento de seu cunhado. A mulher afirmou prontamente que o cunhado em questão morreria de envenenamento por ostras e siris. Estarrecido, o rapaz constatou que o fato anunciado já havia acontecido: grande amante de frutos do mar, o cunhado, de fato, por pouco não morrera de envenenamento por ostras no ano anterior. Freud conclui disso que um fenômeno de telepatia entre o rapaz e a vidente esteve na origem da previsão: “Esse saber foi transferido para ela, a suposta profetisa, por vias desconhecidas, que excluem as modalidades de comunicação que conhecemos. Ou seja, é mister concluirmos: existe transferência de pensamento.” Assim, vemos que Freud abandonou o terreno do oculto e da crença na telepatia pelo da interpretação psicanalítica. Com isso, mostrou um dos aspectos mais fascinantes de seu talento clínico, que tanto encontramos em seu texto sobre Leonardo da Vinci (1452-1519) quanto na análise de Serguei Constantinovitch Pankejeff* ou de Marie Bonaparte*. Com efeito,

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Freud nunca hesitou em endossar, em nome da psicanálise e por encará-la como uma ciência, um verdadeiro papel de feiticeiro, xamã ou vidente. Tal como Fausto, ele brincava com o diabo. Mas, para Jones, essas histórias de vidência eram puras elucubrações que punham em perigo a política racional conduzida pela IPA: “O senhor poderia ser bolchevista”, escreveu ele a Freud, “mas não favoreceria a aceitação da psicanálise se o anunciasse.” Ao que Freud respondeu: “É realmente difícil não ferir as suscetibilidades inglesas. Não se abre para mim nenhuma perspectiva de apaziguar a opinião pública na Inglaterra, mas eu gostaria ao menos de explicar a você minha aparente inconseqüência no que concerne à telepatia (...). Quando alegarem em sua presença que caí em pecado, responda calmamente que minha conversão à telepatia é assunto pessoal meu, tal como o fato de eu ser judeu, de fumar apaixonadamente e muitas outras coisas, e que o tema da telepatia é essencialmente alheio à psicanálise.” Esses conflitos mostram que as incoerências de Freud constituíram menos um sintoma da rejeição ou aceitação da telepatia em si do que um sinal de sua condição de cientista visionário e de sua resistência passiva à linha política preconizada por Jones. Esta consistia em apoiar os norte-americanos na defesa da análise medicalizada, em detrimento da análise leiga*, e em fazer com que o conjunto da doutrina freudiana entrasse numa espécie de cientificismo de onde fossem expurgadas todas as escórias de seu “irracionalismo” original: espiritismo, sonambulismo, magnetismo etc. Sob esse aspecto, a crise ocultista que perpassou o movimento psicanalítico freudiano entre 1920 e 1930 remete ao grande debate sobre o abandono da hipnose*, também ele recorrente na história da psicanálise*. Freud abandonou a prática do hipnotismo e da sugestão* para basear a psicanálise no método da associação livre* e na análise da transferência*, isto é, numa concepção do sujeito segundo a qual este aceita conscientemente a existência de seu inconsciente. Da mesma maneira, ele transformou a telepatia, fenômeno oculto que pressupõe uma intervenção do Além (dos astros, da vidência ou do demoníaco), numa pura transferência de pensamento, à qual

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convinha dar uma interpretação psicanalítica. Entretanto, fingindo aderir à telepatia, brincou de retornar a uma visão como que “pré-freudiana”, pré-hipnótica ou magnética da relação transferencial. Isso porque, se a transmissão de pensamento existia independentemente de uma situação analisável em termos de transferência, ela só podia ser compreendida sob a categoria de um “fluido” capaz de colocar os sujeitos em estado de hipnose: um fluido virtual, sem dúvida, e sem nenhum esteio físico-químico, mas ainda assim um fluido, um fluido oculto, escondido, espiritual, digno dos gurus e das seitas, e que agiria à revelia do próprio inconsciente, numa espécie de anterioridade mítica. O jogo a que se entregou Freud, bem nas barbas de Jones, confirma que, em cada crise da história do movimento psicanalítico, a questão da telepatia retornou juntamente com a da hipnose. Tratou-se sempre de reivindicar, em oposição a uma primazia excessivamente racional, excessivamente universalista, ou excessivamente dogmática da ciência, um saber regional, mágico e sobretudo libertário, um saber que escapava às restrições da ordem estabelecida. Que Freud tenha querido a tal ponto brincar de profetisa e de vidente do velho Império AustroHúngaro, divertindo-se em fazer de conta que acreditava na telepatia, muito embora a reduzisse a uma manifestação do inconsciente e da transferência, mostra claramente o estatuto particular da psicanálise em sua relação violenta, contraditória e ambígua com a ciência, a loucura* e a medicina, assim como o caráter reiterado de sua interrogação sobre suas origens. A melhor tradução* francesa de “Psicanálise e telepatia” foi publicada em 1983 por Wladimir Granoff e Jean-Michel Rey, e foi Jacques Derrida quem forneceu, em 1981, o comentário mais notável sobre o texto: “A psicanálise, portanto”, escreveu ele, “(...) assemelha-se a uma aventura da racionalidade moderna para engolir e rejeitar, ao mesmo tempo, o corpo estranho denominado Telepatia, para assimilá-lo e vomitá-lo, sem conseguir decidir-se por uma coisa nem por outra (...). A ‘conversão’ não é uma resolução nem uma solução, é ainda a cicatriz eloqüente do corpo estranho. Já meio século comemora a grande Virada (...) Telepatia, vinde a nós (...).”


tópica • Sigmund Freud, “Psicanálise e telepatia” (1941 [1921]), ESB, XVIII, 217-38; GW, XVII, 27-44; SE, XVIII, 177-93; OC, XVI, 99-119; “Sonhos e telepatia” (1922), ESB, XVIII, 239-70; GW, XIII, 165-91; SE, XVIII, 197-220; OC, XVI, 119-45; “Sonho e ocultismo”, in Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933), ESB, XXII, 15-226; GW, XV; SE, XXII, 5-182; OC, XIX, 83-268; Correspondance 1873-1939 (Londres, 1960), Paris, Gallimard, 1966 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondência, 1908-1914, vol.I, 2 tomos (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Imago, 1994, 1995 • Thomas Mann, Freud et la pensée moderne (1929), Paris, Aubier-Flammarion, 1970 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1955), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Jacques Derrida, “Télépathie” (1981), in Psyché. Invention de l’autre, Paris, Galilée, 1987, 237-71 • Élisabeth Roudinesco, História da psicanálise na França, vol.1 (Paris, 1982), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1989 • Wladimir Granoff e Jean-Michel Rey, L’Occulte, objet de la pensée freudienne, Paris, PUF, 1983 • Luisa de Urtubey, Freud et le diable, Paris, PUF, 1983 • Yirmiyahu Yovel, Spinoza et autres hérétiques, Paris, Seuil, col. “Libre examen”, 1991.

➢ LEONARDO DA VINCI E UMA LEMBRANÇA DE SUA INFÂNCIA .

terapia ativa ➢ FERENCZI, SANDOR; PSICANALÍTICA.

RANK, OTTO; TÉCNICA

terapia de família al. Familie Therapie; esp. terapia de familia; fr. thérapie familiale; ing. family therapy

A terapia de família é um método de psicoterapia* coletiva que visa cuidar da patologia psíquica de um sujeito* a partir de sua história familiar e da inclusão dos membros da família no tratamento, entendendo-se que, conforme as diferentes escolas, a família é considerada uma estrutura normativa onde se elabora a identidade do sujeito, ou um meio patogênico dominado por um double bind (ou duplo vínculo*), ou, ainda, um sistema (teoria sistêmica) onde o sujeito é visto como o produto biológico, social e psíquico de um conjunto de elementos interativos regidos por suas regras próprias. Na história da psiquiatria dinâmica*, a terapia de família nasceu da transformação do modelo da família patriarcal no fim do século XIX, da generalização do tratamento da esquizofrenia* e, por fim, do desenvolvimento da antro-

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pologia* e da etnopsicanálise*. Sob esse prisma, ela está ligada à antipsiquiatria*, ao neofreudismo*, ao culturalismo*, às diversas psicoterapias de grupo e à psicoterapia institucional*, sejam esses métodos atravessados ou não pelos princípios da psicanálise*.

terapia (ou psicoterapia) de grupo ➢ BION, WILFRED RUPRECHT; BURROW, TRIGANT; PSICOTERAPIA.

tópica al. Topik; esp. tópica; fr. topique; ing. topic Termo derivado do grego topos (lugar) e que designa, na filosofia, de Aristóteles (385-322 a.C.) a Immanuel Kant (1724-1804), a teoria dos lugares, isto é, das classes gerais em que podem ser incluídas todas as teses ou elaborações. Sigmund Freud* utilizou o termo como adjetivo e como substantivo, para definir o aparelho psíquico em duas etapas essenciais de sua elaboração teórica.

Na primeira concepção tópica, chamada de primeira tópica freudiana (1900-1920), Freud distinguiu o inconsciente*, o pré-consciente* e o consciente*; na segunda concepção, ou segunda tópica (1920-1939), fez intervirem três instâncias ou três lugares, o isso* o eu* e o supereu*. A história do movimento psicanalítico forneceu pelo menos duas leituras da segunda tópica freudiana. Uma consiste em acentuar o eu, em detrimento do isso, e deu origem à Ego Psychology*, enquanto a outra privilegia mais o isso, para repensar o estatuto do eu e lhe acrescentar um si mesmo (self) ou um sujeito*, como no kleinismo*, na Self Psychology* e no lacanismo*. Designa-se igualmente pelo nome de tópica a trilogia lacaniana do simbólico*, do imaginário* e do real*. Essa tópica passou por duas organizações sucessivas: na primeira (19531970), o simbólico exerceu a primazia sobre as outras duas instâncias (S.I.R.) e, na segunda (1970-1978), o real é que foi colocado na posição dominante (R.S.I.). • André Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia (Paris, 1926), S. Paulo, Martins Fontes, 1993.

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Törngren, Pehr Henrik

➢ MAIS-ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER; MATEMA; METAPSICOLOGIA; NÓ BORROMEANO; PULSÃO; RECALQUE.

Törngren, Pehr Henrik (1908-1965) médico e psicanalista sueco

Filho de médico, Pehr Henrik Törngren, que fez parte do conselho de redação da revista sueca Spektrum, logo se apaixonou pela psicanálise*. Formado no divã de Ludwig Jekels*, quando este encontrava-se em Estocolmo, entrou em conflito com ele. Em 1936, publicou Striden om Freud (Querela a propósito de Freud), que constitui um dos documentos mais antigos da história da psicanálise na Suécia. Nesse livro, respondeu aos ataques clássicos dos adversários da doutrina vienense e mostrou de que modo o nacionalismo era utilizado contra o freudismo* na Escandinávia*. Como muitos freudianos do primeiro círculo vienense, interessou-se pela aplicação da psicanálise às questões sociais. Tornou-se membro da Sociedade Fino-Sueca em 1938. Traduziu também Moisés e o monoteísmo*. Nietzschiano de longa data, apaixonou-se depois pela obra de Max Stirner (1806-1856), criticou certos aspectos da doutrina freudiana e voltou-se para a reflexologia. Espírito original e independente, era mal considerado no seio de sua sociedade, muito conformista, da qual, entretanto, continuou sendo membro. Morreu em Estocolmo, só e esquecido. • Pehr Henrik Törngren, Striden om Freud, Estocolmo, Albert Bonniers Förlag, 1936 • Gösta Harding, “De la psychanalyse à la réflexologie. Quelques mots sur Pehr Henrik Törngren”, Nordisk Medicin, t.73, 25, 1965, 615-7.

➢ PSICANÁLISE APLICADA; RÚSSIA.

Totem e tabu Livro de Sigmund Freud*, publicado pela primeira vez em quatro partes, na revista Imago* (entre 1912 e 1913), sob o título “Über einige Übereinstimmungen im Seelenleben des Wilden und der Neurotiker”, e depois, em 1913, sob o título Totem und Tabu: Einige Übereinstimmungen im Seelenleben des Wilden und der Neurotiker. Traduzido para o francês pela primeira vez em 1924, por Samuel

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Jankélévitch, sob o título Totem et tabou, e por Marielène Weber, em 1993, com o título Totem et tabou. Quelques concordances entre la vie psychique des sauvages et celle des névrosés. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1918, por Abraham Arden Brill*, sob o título Totem and Taboo, e por James Strachey*, com o mesmo título, primeiro em 1950 e, depois, em 1953, com algumas modificações.

Ao lado de Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância* e de Moisés e o monoteísmo*, Totem e tabu figura entre os livros mais criticados de Freud. Os três encerram, com efeito, erros patentes e interpretações equivocadas que não escaparam ao olhar vigilante dos especialistas em arte, antropologia* e história das religiões. Ainda assim, esses três livros são verdadeiras obras-primas, tanto por sua redação, digna da melhor literatura romanesca do século XIX, quanto pelo desafio que lançam ao raciocínio científico. É na correspondência com Sandor Ferenczi*, seu discípulo favorito, que melhor captamos a exaltação que se apoderou de Freud quando ele abordou o campo da antropologia, para ocupá-lo à maneira de um general. Com essa história de totem e tabu, ele julgou estar produzindo seu melhor trabalho desde A interpretação dos sonhos*, e se regozijou com a idéia de provocar uma nova tempestade de indignação. E cabe dizer que esse era um desafio de porte. Em 1911, um ano após a criação da International Psychoanalytical Association* (IPA), Freud já não era o pai primevo de uma horda selvagem, mas o mestre reconhecido de uma doutrina que acabava de se prover de um aparelho político que escapava ao seu poder. Descentrando-se de Viena*, o movimento psicanalítico havia passado do estado de tribo primitiva para o de sociedade moderna. Daí o duplo distanciamento do pai em relação aos filhos e destes em relação ao pai. O primeiro corria o risco do abandono, da infidelidade, da heresia, da humilhação e da derrota, ao passo que os outros poderiam um dia se sentir tentados a se rebelar e a destronar o déspota. Já Wilhelm Stekel* e Alfred Adler* haviam abandonado o navio, e em breve chegaria a vez de Carl Gustav Jung*.


Totem e tabu

Como evitar esse tipo de dissidência? Como promulgar leis que preservassem a liberdade de cada um, sem entravar a dos outros? Como inventar para a psicanálise* regras técnicas e éticas que fossem válidas em todos os países, mas respeitassem as diferenças culturais? Como, enfim, dar uma significação universal ao complexo de Édipo*, eixo conceitual do edifício freudiano? Tais eram, na ocasião, as questões debatidas entre Freud e seus dois representantes principais: Jung e Ferenczi. Enquanto Jung afirmava que o pai é sempre aquele que proíbe o incesto*, Ferenczi sustentava que o homem primitivo se desenvolvera, desde a noite dos tempos, em simbiose com o destino geológico da terra-mãe. Freud, por sua parte, ansiava por dar uma explicação global da origem das sociedades e da religião a partir dos dados da psicanálise, ou, dito de outra maneira, dando um fundamento histórico ao mito de Édipo e à proibição do incesto e mostrando que a história individual de cada sujeito não é mais do que a repetição da história da própria humanidade. Os quatro ensaios que compõem o livro foram redigidos durante o segundo semestre de 1911 e ao longo de 1912, no que concerne aos três primeiros, e na primavera de 1913, no que diz respeito ao último. Saíram publicados na revista Imago*, sendo posteriormente reunidos num livro composto de quatro partes: (1) O horror ao incesto; (2) O tabu e a ambivalência dos sentimentos; (3) Animismo, magia e onipotência dos pensamentos; (4) O retorno infantil do totemismo. Freud não lhes introduziu nenhuma modificação por ocasião das edições posteriores. O título do livro deixou transparecer sua ambição teórica e o inscreveu na tradição da antropologia evolucionista do fim do século XIX. Extraída da língua algonquiana, falada nos Grandes Lagos norte-americanos, a palavra totem fora introduzida em 1791. Em seguida, através da obra de John Fergusson McLennan (1827-1881), dera origem à teoria do totemismo que havia apaixonado a primeira geração dos antropólogos, assim como a histeria* fascinava os médicos: “A moda da histeria e a do totemismo foram contemporâneas”, escreveu Claude Lévi-Strauss, “nasceram no mesmo meio de

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civilização e se explicam, antes de mais nada, pela tendência, comum a vários ramos da ciência por volta do fim do século XIX, a constituir em separado (...) fenômenos humanos que os estudiosos preferiam considerar externos a seu universo moral (...).” O totemismo consistia em estabelecer uma ligação entre uma espécie natural (um animal) e um clã exogâmico, a fim de explicar uma hipotética “unidade” original das diversas realidades etnográficas. Proveniente da Polinésia e introduzida pelo capitão Cook em 1777, a palavra tabu (taboo ou Tabu) tinha feito fortuna num duplo sentido: um, específico das culturas de onde proviera, outro, expressando a proibição em sua generalidade. Quanto à palavra selvagem (Wilder), utilizada por Freud, ela remetia à própria história da antropologia evolucionista e a um de seus fundadores, Lewis Morgan (1818-1881), que tinha dividido a história da humanidade em três estádios*: a Selvageria (a caça), a Barbárie (objetos de cerâmica e utensílios de ferro) e a Civilização (a escrita). Em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Freud já havia retomado a seu modo a noção de estádio, para descrever a evolução do sujeito* em função da libido*. No prefácio de 1913, ele apresentou Totem e tabu como uma aplicação da psicanálise a “problemas não esclarecidos da psicologia dos povos”, ao mesmo tempo pretendendo opor-se a Wilhelm Wundt (1833-1920), de um lado, e a Jung, de outro. O primeiro, disse ele, pôs a serviço de uma “mesma meta as hipóteses e os métodos de trabalho da psicologia não analítica”, e o segundo, ao contrário, “esforça-se por lidar com problemas da psicologia individual recorrendo ao material da psicologia dos povos”. E acrescentou: “Reconheço de bom grado ter sido dessas duas vertentes que proveio a instigação mais imediata para meus próprios trabalhos.” De fato, Freud redigiu esse prefácio em setembro de 1913, um mês depois do congresso da IPA realizado em Munique, que assistira à partida definitiva de Jung do movimento psicanalítico. À primeira vista, o livro se apresenta, ao mesmo tempo, como um devaneio darwiniano sobre a origem da humanidade, uma digressão sobre os mitos fundadores da religião monoteís-

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ta, uma reflexão sobre a tragédia do poder, de Sófocles até Shakespeare, e uma longa viagem iniciática ao interior da literatura etnológica da virada do século. Eis sua essência. Num tempo primitivo, os homens viviam no seio de pequenas hordas, cada qual submetida ao poder despótico de um macho que se apropriava das fêmeas. Um dia, os filhos da tribo, rebelando-se contra o pai, puseram fim ao reino da horda selvagem. Num ato de violência coletiva, mataram o pai e comeram seu cadáver. Todavia, depois do assassinato, sentiram remorso, renegaram sua má ação e, em seguida, inventaram uma nova ordem social, instaurando simultaneamente a exogamia (ou renúncia à posse das mulheres do clã do totem) e o totemismo, baseado na proibição do assassinato do substituto do pai (o totem). Totemismo, exogamia, proibição do incesto: foi esse o modelo comum a todas as religiões, em especial o monoteísmo. Sob essa perspectiva, o complexo de Édipo, trazido à luz pela psicanálise*, nada mais é, segundo Freud, do que a expressão dos dois desejos* recalcados (desejo do incesto e desejo de matar o pai) contidos nos dois tabus próprios do totemismo: a proibição do incesto e a proibição de matar o pai-totem. Assim, ele é universal, uma vez que traduz as duas grandes proibições fundadoras de todas as sociedades humanas. Para mostrar como se efetuara, na sociedade primitiva, a transferência da representação do pai morto para um animal (totem), Freud recorreu a sua teoria da sexualidade infantil, à história de Herbert Graf* (o Pequeno Hans) e, acima de tudo, a uma observação exemplar fornecida por Ferenczi: o caso de “Arpad, o homenzinho-galo”. Bicado no pênis aos dois anos e meio de idade, quando urinava num galinheiro, Arpad havia renunciado à linguagem humana e se transformara num galo, cacarejando e soltando cocorocós. Aos cinco anos, tinha voltado a falar, mas só se interessava por histórias de aves. Ora assistia, deleitado, à degolação dos frangos, e depois acariciava voluptuosamente o corpo dos animais, ora afirmava que seu pai era um galo e ele, um pintinho, que depois se transformaria numa galinha e, mais tarde, num galo. Nesse exemplo, Freud

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constatou duas analogias com o totemismo: a identificação completa com o animal-totem e a ambivalência dos sentimentos em relação a ele. E concluiu que, uma vez que as duas proibições do totemismo (matar o totem e servir-se sexualmente de uma mulher pertencente ao clã do totem) coincidiam com os dois crimes de Édipo (que matou o pai e se casou com a mãe), o complexo de Édipo era a condição do totemismo. Assim postulando a existência primeva de um complexo universal, próprio de todas as sociedades humanas e na origem de todas as religiões, Freud pretendeu trazer, através da psicanálise, uma solução para a antropologia evolucionista, que via na instauração do totem a prefiguração da religião e, na do tabu, a passagem da horda selvagem para a organização em clãs. Para construir essa fábula, Freud se apoiou na literatura evolucionista. De Charles Darwin ele extraiu, em primeiro lugar, a famosa história da horda selvagem, relatada em A descendência do homem, em segundo, a teoria da recapitulação, no dizer da qual o indivíduo repete as principais etapas da evolução das espécies (a ontogênese repete a filogênese), e, por último, a tese da hereditariedade dos caracteres adquiridos. Popularizada por Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) e retomada por Darwin e Ernst Haeckel*, essa tese, chamada de “neolamarckiana”, foi contestada a partir de 1883 por August Weismann (1834-1914), tendo sido definitivamente abandonada em 1930. De James George Frazer (1854-1941) — autor da famosa epopéia O ramo de ouro, história do rei homicida da Antigüidade latina que foi assassinado por seu sucessor, embora ele mesmo houvesse obtido seu poder pelo assassinato de seu predecessor — Freud tomou emprestada uma concepção do totemismo como modo de pensamento arcaico das chamadas sociedades “primitivas”. De William Robertson Smith (1846-1894) retomou a tese do banquete totêmico e da substituição da horda pelo clã. Em James Jasper Atkinson foi buscar a idéia de que o sistema patriarcal chegara ao fim na revolta dos filhos e na devoração do pai. E da obra de Edward Westermarck (1862-1939) extraiu


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considerações sobre o horror ao incesto e a nocividade dos casamentos consangüíneos. Do mesmo modo que, em 1905, havia utilizado os trabalhos da sexologia* para construir uma doutrina da sexualidade muito distante da dos sexólogos, em 1911-1913 Freud se inspirou na antropologia evolucionista, mas colocandoa em contradição consigo mesma e, por fim, fornecendo uma nova definição da universalidade da proibição do incesto e da gênese das sociedades humanas. Se fez do selvagem um equivalente da criança e preservou os estádios da evolução, Freud abandonou, em contrapartida, toda a teoria antropológica da “superioridade” da civilização e da “inferioridade” do estado primitivo, nisso se aproximando da etnologia moderna (de Bronislaw Malinowski* a Marcel Mauss), para a qual não existe hierarquia entre as culturas. Por conseguinte, não fez do totemismo um modo de pensamento mágico menos elaborado do que o espiritualismo ou o monoteísmo: considerou-o, ao contrário, como algo que sobrevivia no interior de todas as religiões. E, pela mesma razão, só comparou o selvagem à criança para provar a adequação entre a neurose infantil e a condição humana em geral, assim erigindo o complexo de Édipo num modelo universal. Por último, no tocante à proibição do incesto e à origem das sociedades, Freud trouxe um novo esclarecimento. Por um lado, renunciou à própria idéia de origem, afirmando que a famosa horda não existira em parte alguma: o estado original era, de fato, a forma internalizada em cada sujeito (ontogênese) de uma história coletiva (filogênese) que se repetia ao longo das gerações; por outro lado, sublinhou que a proibição do incesto não havia nascido, como supunha Westermarck, de um sentimento natural de repulsa dos homens por essa prática, mas que, ao contrário, havia um desejo de incesto, e que este tinha por corolário a proibição instaurada sob a forma de uma lei e de um imperativo categórico. Com efeito, por que se haveria de proibir um ato que causasse tamanho horror à coletividade? Em outras palavras, Freud introduziu dois temas na antropologia: a lei moral e a culpa. Em lugar da origem, um ato real: o assassinato necessário; em vez do horror ao incesto, um ato

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simbólico: a internalização da proibição. Nessa perspectiva, toda sociedade seria baseada no regicídio, mas só sairia da anarquia homicida ao ser esse regicídio acompanhado por uma sanção e uma reconciliação com a imagem do pai, a única capaz de possibilitar a consciência*. Totem e tabu é mais um livro político de inspiração kantiana do que um livro de antropologia propriamente dito. Nessas condições, propõe uma teoria do poder democrático que está centrada em três necessidades: a necessidade de um ato fundador, a necessidade da lei e a necessidade da renúncia ao despotismo. Sem dúvida, nesse ponto Freud estava pensando em Cromwell, seu herói, na tão admirada democracia inglesa e no Império Austro-Húngaro, a cujo declínio vinha assistindo. Mesmo inspirando-se no grande afresco de Johann Jakob Bachofen (1815-1887) sobre o império materno, ele não opôs o patriarcado* ao matriarcado nem valorizou um sistema em detrimento do outro. Não obstante, tal como em sua teoria da libido, renunciou ao dualismo evolucionista, associando a gênese da instituição social a um princípio masculino: esse princípio era, de fato, a razão, porém o “macho” já não era seu detentor, uma vez que a instauração da sociedade dos filhos havia permitido a abolição do despotismo do pai e sua revalorização sob a forma da lei. Totem e tabu não foi acolhido como um livro político, mas como o que pretendia ser: uma contribuição da psicanálise à antropologia, procurando conferir a esta um fundamento psicanalítico. Não provocou a indignação esperada, mas suscitou severas críticas, muitas delas justificadas. Com efeito, não apenas Freud se mantivera apegado aos quadros do evolucionismo dos quais a etnologia do começo do século vinha se emancipando, ao renunciar às fábulas e aos mitos para estudar meticulosamente as sociedades reais, como, além disso, tinha a pretensão de dominar um campo do qual não tinha nenhum conhecimento sem levar em conta os trabalhos modernos. Tal como James Frazer, Freud passou então por um estudioso de outrora, encerrado em seu gabinete e dialogando com os adeptos do folclore totêmico, num momento em que os pesquisadores deixavam o ambiente fechado das universidades e partiam para viagens pela Melanésia.

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A crítica elaborada em 1920 pelo antropólogo norte-americano Alfred Kroeber (18761960), especialista nos índios da América do Norte, teve o mesmo sentido, que foi retomado por inúmeros representantes dessa disciplina. Soou como um “golpe de misericórdia”, embora Kroeber conferisse ao conjunto da obra freudiana uma importância considerável no tocante à elucidação do psiquismo humano. Por fim, foi pelas resistências que suscitou que Totem e tabu serviu de ponto de partida para disputas entre Malinowski, Ernest Jones* e Geza Roheim*, as quais deram origem a uma escola anglófona de antropologia psicanalítica. • Sigmund Freud, Totem e tabu (1913), ESB, XIII, 17-92; GW, IX; SE, XIII, 1-161; Paris, Gallimard, 1993, 9-59 • Edward Burnett Tylor, La Civilisation primitive 2 vols. (Londres, 1871), Paris, Reinwald, 1876-1878 • William Robertson Smith, Lectures on the Religion of the Semites: The Fundamental Institutions (1889), N. York Macmillan, 1927 • Edward Westermarck, Histoire du mariage humain (Londres, 1891), Paris, Mercure de France, 1934-1938; L’Origine et le développement des idées morales (Londres, 1906-1908), Paris, Payot, 1928-1929 • James Jasper Atkinson, “Primal Law”, in A. Lang (org.), Social Origins, Londres, 1903 • Sandor Ferenczi, “Um pequeno homem-galo” (1913), in Psicanálise II, Obras completas, 1913-1919 (Paris, 1970), S. Paulo, Martins Fontes, 1992, 61-8 • James George Frazer, O ramo de ouro (Londres, 1911-1916, Paris, 1925-1935), ed. resumida, ilustrada e com prefácio de Darcy Ribeiro, Rio de Janeiro, Zahar/Círculo do Livro, 1982 • Alfred L. Kroeber, “Totem and taboo. An ethnologic psychoanalysis” (1920), American Anthropologist, 22, 1920, 48-55 • Bronislaw Malinowski, Argonautas do Pacífico Ocidental (Londres, 1922), S. Paulo, Abril Cultural, 1984; La Sexualité et sa répression dans les sociétés primitives (Londres, 1927), Paris, Payot, 1932 • Ernest Jones, Essais de psychanalyse appliquée, vol.II (Londres, 1951), Paris, Payot, 1973 • Claude Lévi-Strauss, Le Totémisme aujourd’hui, Paris, PUF, 1962 • Eugène Enriquez, De la horde à l’État, Paris, Gallimard, 1983 • Guy Rosolato, Le Sacrifice. Repères psychanalytiques, Paris, PUF, 1987 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work 18931939, Madison, International Universities Press, 1988 • Lucille B. Ritvo, A influência de Darwin sobre Freud (N. York, 1991), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Pierre Bonte e Michel Izard (orgs.), Dictionnaire de l’ethnologie e de l’anthropologie, Paris, PUF, 1991 • George W. Stocking, “L’Anthropologie et la science de l’irrationnel. La Rencontre de Malinowski avec la psychanalyse freudienne” (1983), Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 449-91 • Bertrand Pulman, “Ernest Jones et l’anthropologie”, ibid. 493-521.

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➢ DEVEREUX, GEORGES; ETNOPSICANÁLISE; KARDINER, ABRAM; MEAD, MARGARET.

tradução (das obras de Sigmund Freud) As obras de Sigmund Freud* foram traduzidas em cerca de trinta línguas, com variações importantes conforme seus títulos (artigos ou livros). Foram traduzidas na íntegra para o francês, em três quartos para o russo e o sueco, e em metade para o romeno, o dinamarquês e o norueguês. Todavia, o estabelecimento sistemático de uma obra integral, organizada de maneira coerente e na ordem cronológica, só foi efetuado para quatro línguas — inglês, espanhol, italiano e japonês —, sem que essas diferentes Obras completas incluam os 22 artigos de Freud chamados de “pré-analíticos” (sobre a cocaína, as enguias, a sífilis etc.), publicados entre 1877 e 1886, e sem que incluam seu primeiro livro, datado de 1891 e intitulado Contribuição para uma concepção das afasias*. Foi José Ortega y Gasset* quem esteve na origem da primeira tradução de uma edição integral da obra freudiana, antes mesmo que ela estivesse terminada. Em 1921, ele confiou sua realização a Luis Lopez Ballesteros e recebeu prontamente a aprovação de Freud: 17 volumes foram lançados até 1934. Essa iniciativa, única no gênero em virtude de suas qualidades literárias e sua precocidade, nem por isso permitiu que o freudismo* se expandisse na Espanha*. A guerra civil, e sobretudo a vitória do franquismo, impuseram uma suspensão a qualquer forma de implantação da psicanálise naquele país, e foi na Argentina* que teve prosseguimento o trabalho iniciado por Ortega y Gasset. Em 1942, na época da criação da Asociación Psicoanalítica Argentina (APA), iniciou-se em Buenos Aires um novo projeto em 22 volumes, que incluíam os 17 de Ballesteros. Foi a Ludovico Rosenthal que se confiou a tradução dos cinco volumes novos. Nascido em Buenos Aires, filho de mãe alemã, ele fora analisado em Viena* por Heinz Hartmann*: saiu-se admiravelmente bem em sua tarefa, realizando uma edição completa de alta qualidade. Introduziu


tradução (das obras de Sigmund Freud)

algumas modificações na terminologia de Ballesteros, inspirou-se em James Strachey*, sem imitá-lo servilmente, e participou da pesquisa de textos perdidos ou esquecidos de Freud: “Ele estava projetando um volume suplementar”, escreveu Hugo Vezzetti, “que nunca foi publicado e que deveria incluir um dicionário de psicanálise e uma bibliografia sucinta, acrescida ao índice temático dos 22 volumes”. Essa tradução inacabada foi inicialmente “plagiada” por outros autores e, mais tarde, abandonada em favor da Standard Edition, utilizada pelos terapeutas kleinianos, que se haviam tornado majoritariamente anglófonos. Em 1975, Horacio Amorrortu tomou a iniciativa de produzir uma nova versão da obra completa, que confiou a José Etcheverry, auxiliado por Santiago Dubrovsky e Fernando Ulloa. Embora conservando a organização da Standard, os tradutores apoiaram-se no Vocabulário da psicanálise de Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, que acabara de ser lançado em espanhol e permitia contrabalançar a onipotência da tradução de Strachey. Ao mesmo tempo, eles reconheceram sua dívida para com Ballesteros e Rosenthal. Fruto de uma renovação e da aceitação de diversas heranças, essa tradução, parcialmente realizada durante a ditadura militar, correspondeu bem às modalidades de transmissão e de filiação* da psicanálise na Argentina. É a James Strachey que devemos a mais bela tradução crítica integral, coerente e unificada: a Standard Edition. Sua principal falha reside no apagamento do estilo literário de Freud em prol de um vocabulário técnico e científico. Os conceitos foram latinizados: ego (eu*), superego (supereu*), id (isso*), parapraxia (ato falho*) e cathexis (investimento*). Alguns erros flagrantes e já conhecidos foram cometidos: pulsão* (Trieb) foi traduzida por instincto, recalque* (Verdrängung), por repression (repressão*) etc. Duas edições completas da obra freudiana foram publicadas em língua alemã (entre 1924 e 1952), em duas cidades diferentes: as Gesammelte Schriften, em Viena, entre 1924 e 1934 (durante a vida de Freud), e os Gesammelte Werke, em Londres, entre 1940 e 1952. Essas datas mostram que a destruição imposta pelo

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nazismo* (entre 1933 e 1939) a todas as iniciativas editoriais psicanalíticas germanófonas foi bem-sucedida. Com efeito, foi em Londres, durante a segunda Guerra Mundial, que se produziu a nova versão da obra completa de Freud em alemão. Ela continua a ser utilizada no fim do século XX: “Hoje em dia, 45 anos depois do fim da guerra”, sublinhou Ilse Grubrich-Simitis em 1991, “é difícil imaginar a que ponto o regime nazista conseguiu fazer desaparecer do mercado livreiro alemão os textos de Freud e banir da consciência coletiva o universo conceitual que sua esplêndida prosa havia revelado.” Após a segunda Guerra Mundial, graças ao impulso de Alexander Mitscherlich* e do Instituto Sigmund Freud, de Frankfurt, a obra de Freud em língua original foi reintroduzida na Alemanha e publicada pela Fischer Verlag. Mitscherlich também produziu uma edição de textos seletos (os Studienausgabe), destinados a estudantes, a qual contou com a colaboração de James Strachey, na época o melhor especialista na obra freudiana em inglês e em alemão. No início da década de 1960, Ilse GrubrichSimitis começou a cuidar, na Fischer, da atualização dos Gesammelte Werke. Entregou-se então a um confronto minucioso da edição alemã (GW) com a Standard Edition, concluindo que a edição de Strachey era imensamente superior à alemã. Daí nasceu o projeto de lançar uma nova edição “crítica” das Obras completas de Freud em alemão. Ilse Grubrich-Simitis desejava, justificadamente, incluir os artigos préanalíticos e a correspondência, mas os herdeiros (Ernst Freud* e Anna Freud*) não consentiram, sob o pretexto de que Freud não havia prezado seus trabalhos neurológicos nem seu talento de missivista. Foi assim que não se produziu na Alemanha nenhuma edição crítica completa. No fim do século XX, existem em língua alemã apenas uma edição crítica de textos seletos, os Studienausgabe, e uma edição integral, mas não crítica: os Gesammelte Werke, enriquecidos por um índice geral e um volume de suplementos (Nachtragsband), que contém um aparato crítico. Este, aliás, foi reintegrado na nova edição revista da Standard Edition. Em razão de suas qualidades, do lugar preponderante da língua inglesa no movimento psicanalítico internacional a partir do fim da

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década de 1930, e também da implantação do movimento em diversos países anglófonos (Canadá*, Austrália*, Índia* e Estados Unidos*), a Standard Edition transformou-se, no mundo inteiro, na edição de referência. E contribuiu, como seria inevitável, para formar a visão que se tem do freudismo*. Assim, o aparato crítico de Strachey foi retomado, em parte ou na íntegra, nas outras edições das obras completas. Esse predomínio da língua inglesa levou a algumas aberrações. Assim, as Obras completas publicadas no Brasil* entre 1970 e 1977 foram diretamente traduzidas do inglês, isto é, da Standard. Daí um certo número de divagações lingüísticas: “A versão brasileira de Freud”, escreveu Marilene Carone, “é inteiramente carregada de termos extravagantes, cuja escolha só se explica por sua proximidade do som dos termos correspondentes em inglês; embora figurem no dicionário, esses termos soam artificiais a nossos ouvidos. É o caso, por exemplo, da substituição de relações recíprocas por relações mútuas (mutual relationships), de posse por possessão (possession), ou de absurdo por absurdidade (absurdity).” Na Itália*, a edição das Opere de Freud foi realizada, a partir de 1960, por Cesare Musatti*, com a colaboração de diversos tradutores, dentre eles Elvio Fachinelli*. Embora retomando o aparato crítico de Strachey, essa edição corrigiu os erros evidentes deste último e, acima de tudo, resgatou o estilo literário de Freud. Cuidadosamente realizada por finos conhecedores da língua alemã, igualmente preocupados com a língua italiana e com a inutilidade de acrescentar à conceituação freudiana um jargão específico, ela se beneficiou do distanciamento temporal. E é tão bem-sucedida quanto as Obras de Ballesteros-Rosenthal. A situação da França* (e, por extensão, dos países francófonos) é única no mundo. As obras de Freud (livros e artigos) encontram-se disponíveis na íntegra e em diversas versões, mas os oito (dos vinte) volumes das Oeuvres complètes (OC), produzidos em 1980 por uma equipe de cerca de quinze pessoas, sob a direção de Jean Laplanche, Pierre Cotet, André Bourguignon (1920-1996) e François Robert, têm como grande inconveniente, apesar da boa vontade e da competência da equipe, o fato de serem

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muito pouco legíveis em francês. Isso decorre, ao mesmo tempo, da história particularíssima da França freudiana e do lugar soberano conferido ao estatuto da língua nesse país. Na França*, as iniciativas de tradução são quase sempre fruto de batalhas conceituais e brigas de escola referentes à arte e à maneira de traduzir. Os primeiros tradutores de Freud, Samuel Jankélévitch, Ignace Meyerson (1888-1983), Blanche Reverchon-Jouve (1897-1974), Paul Jury (1878-1953) e, acima de tudo, Marie Bonaparte*, despenderam muita energia e talento, mas não tiveram a menor preocupação de unificar os conceitos. Assim, os termos freudianos foram traduzidos de maneira diferente conforme os autores. Por seu lado, Édouard Pichon* criou, no seio da Société Psychanalytique de Paris (SPP), uma Comissão para a Unificação do Vocabulário Psicanalítico Francês, que se reuniu quatro vezes, entre maio de 1927 e julho de 1928. Seu objetivo era livrar a psicanálise de seu pretenso caráter germânico (Kultur), passando-a pelo filtro da civilização francesa. Sem ser chauvinista, no entanto, e sem adotar a tese do genius loci, que fazia do freudismo a expressão de um pansexualismo* germânico, Pichon considerava que a diferença das mentalidades devia traduzir-se na língua. Assim, inventou toda uma terminologia: amância [aimance] para libido*, actorium para Ich (eu*), pulsorium para Es (isso*) etc. Por fim, introduziu o pronome neutro (ça [isso]) para traduzir o conceito alemão. Daí esta situação paradoxal no seio da SPP: Pichon pensava uma verdadeira conceituação e não traduzia nenhum texto, enquanto Marie Bonaparte traduzia textos sem propor qualquer reflexão conceitual. Durante a década de 1950, essa clivagem se reproduziu. Com efeito, Jacques Lacan* incitou a terceira geração* psicanalítica francesa a ler a obra freudiana em alemão, ao mesmo tempo atualizando a tradução dos conceitos freudianos para a língua francesa, trabalho esse cujos vestígios encontramos no Vocabulário da psicanálise de Laplanche e Pontalis. Essa renovação teórica quase não surtiu efeito nas atividades de tradução. Ao contrário, entre 1945 e 1963, elas foram menos importantes do que na época dos pioneiros. Todavia, Daniel Lagache*, iniciador


tradução (das obras de Sigmund Freud)

do Vocabulário, pôs em andamento na Presses Universitaires de France (PUF) um projeto de Opus magnum pelo qual Laplanche e Pontalis deveriam ser os responsáveis. As duas cisões* e, mais tarde, as discordâncias entre esses três protagonistas impediram a realização do projeto. Instalado na editora Gallimard, Pontalis, ele mesmo um excelente tradutor, renunciou a publicar as obras completas, mas mandou retraduzir, traduzir ou revisar um grande número de textos de Freud, que foram publicados em sua coleção “Connaissance de l’Inconscient”: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade*, Moisés e o monoteísmo*, A questão da análise leiga* etc. Todas essas traduções são notáveis, tendo sido feitas em geral por bons profissionais, conhecedores do alemão, da conceituação freudiana e da língua francesa. Editadas na PUF por Bourguignon, Laplanche e Cotet, as Oeuvres complètes (OC) estão longe de ter a qualidade dos textos da Gallimard. Em completa contradição com o Vocabulário da psicanálise (do qual Laplanche foi co-autor), elas são fruto de um trabalho de equipe, o que tende a desumanizar o manejo das palavras e da escrita em prol de uma espécie de anonimato do léxico. Além disso, os responsáveis adotaram uma ideologia inversa à de Pichon, que consiste em retranscrever a pretensa germanidade original do texto freudiano. Por isso eles se deram o título de “freudólogos”, convencidos de que a língua freudiana não é o alemão, mas o “freudiano”, isto é, uma “língua freudiana”, um “dialeto do alemão que não é o alemão”, e sim uma língua “inventada” por Freud (no sentido em que os espíritas falavam da “língua marciana” no início do século). Essa teoria os conduziu a algumas aberrações e, acima de tudo, a inventarem, eles próprios, uma língua imaginária que não é mais o francês, e sim um idioma de freudólogos que supostamente representa essa “língua freudiana”. Daí a eliminação de alguns termos que se haviam imposto no vocabulário francês há cinqüenta anos, mas que foram agora substituídos: souhait [anseio] para traduzir Wunsch, em lugar de désir [desejo*], fantaisie para Phantasie, em vez de fantasme [fantasia*], trait d’esprit [tirada espirituosa, rasgo espirituoso] para Witz, em

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lugar de mot d’esprit [chiste], négation [negação] para Verneinung, em vez de dénégation [denegação*], souvenir-couverture [lembrança cobertura] em vez de souvenir-écran [lembrança encobridora*], e mise à mort du père [execução/ assassinato do pai] em vez de parricide [parricídio]. A nova equipe também suprimiu lapsus [lapso* de linguagem] (Versprechen) em favor de défaillance [falha], a pretexto de que Freud não utiliza aquele termo; e, por último, reativou ou fabricou alguns neologismos: désirance [desejança] (em vez de désir, desejo), animique [o anímico] (em vez de âme, a alma), frustrané (em vez de vain, futile [vão, fútil]), désaide [desassistência] (em vez de détresse, desamparo), retirement [retirada, afastamento] (em vez de retrait, retraimento), vicarier [vicariar] (em lugar de remplacer, substituir), refusement [recusamento] (em vez de frustration, frustração*), surmontement [superamento] (como at o de surmonter, dépasser [superar, ultrapassar]), ou ainda os termos rétrofantasier, fantaste e fantasier, referidos a todas as atividades ligadas à fantasia. Note-se que o adjetivo substantivado Unheimlich (uncanny, em inglês), utilizado por Freud num célebre artigo de 1919 (e que significa, ao mesmo tempo, inquietante, familiar e desconhecido), foi traduzido por “inquietante estranheza” e, depois, por “o inquietante”, embora François Roustang propusesse “o estranhamente familiar”. Aliás, “inquietante estranheza” acabou se impondo como um sintagma freudiano na língua francesa, a ponto de ser delicado ter-se a pretensão de modificá-lo. • Sigmund Freud, “O estranho” (1919), ESB, XVII, 275-314; GW, XII, 229-68; SE, XVII, 217-56; OC, XV, 147-88; Gesammelte Schriften, 12 vols., Viena, Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1924-1934; Gesammelte Werke (GW), 17 vols., Imago Publishing Co. (Londres, 1940-1952), Frankfurt, Fischer, 1960-1988; Index, vol. XVIII, e Nachtragsband, volume de suplementos, realizado por A. Richards e Ilse Grubrich-Simitis, Frankfurt, Fischer, 1987; Studienausgabe, 11 vols., Frankfurt, Fischer, 1969-1975; Obras completas, 22 vols., B. Aires, Amorrortu, 1922-1978; The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (SE), org. James Strachey, 24 vols., Londres, Hogarth Press, 1953-1974; Opere di Sigmund Freud, 12 vols., Turim, Boringhieri, 1967-1980; Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (ESB), 24 vols., Rio de Janeiro, Imago, 1970-1977; Oeuvres complètes (OC),

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training autógeno

21 vols., org. Jean Laplanche, Pierre Cotet, André Bourguignon e François Robert, Paris, PUF, a partir de 1989 (8 vols. publicados) • James Strachey, “Bibliography. List of English translation of Freud’s works”, IJP, XXVI, 1-2, 1945, 67-76; “Editor’s Note”, SE, III, 71-3; “General preface”, ibid., I, xiii-xxii • James Strachey e A. Tyson, “A chronological hand list of Freud’s works”, IJP, XXXVII, 1, 1956, 19-33 • Alexander Grinstein, Sigmund Freud’s Writings. A Comprehensive Bibliography, N. York, International Universities Press, 1977 • Ingeborg Meyer-Palmedo e Gerhard Fichtner, FreudBibliographie und Werkkonkordanz, Frankfurt, Fischer, 1989 • Bruno Bettelheim, Freud e a alma humana (N. York, 1982), S. Paulo, Cultrix, 1984 • Antoine Berman, L’Épreuve de l’étranger. Culture et traduction dans l’Allemagne romantique, Paris, Gallimard, 1984 • Emmet Wilson, “Did Strachey Invent Freud?”, International Revue of Psycho-Analysis, 14, 1987, 299-315 • André Bourguignon, Pierre Cotet, Jean Laplanche e François Robert, Traduzir Freud (Paris, 1989), S. Paulo, Martins Fontes, 1992 • Ilse Grubrich-Simitis, “Histoire de l’édition des oeuvres de Freud en langue allemande” (1989), Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 13-71; De volta aos textos de Freud (Frankfurt, 1993), Rio de Janeiro, Imago, 1995 • Riccardo Steiner, “Une marque internationale universelle d’authenticité. Quelques observations sur l’histoire de la traduction anglaise de l’oeuvre de Sigmund Freud, en particulier sur les termes techniques”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 4, 1991, 71188 • Hugo Vezzetti, “Freud en langue espagnole”, ibid., 189-209 • Alain de Mijolla, “L’Édition en français des oeuvres de Freud jusqu’en 1940”, ibid., 209-71 • Michele Ranchetti, “Les Oeuvres complètes et l’édition des Opere”, ibid., 331-56 • Marilene Carone, “Freud en portugais”, ibid., 361-9 • Irina Manson, “Comment dit-on psychanalyse en russe?”, ibid., 407-27.

training autógeno ➢ NAZISMO; PSICOTERAPIA; SCHULTZ, JOHANNES.

transacional, análise ➢ ANÁLISE TRANSACIONAL.

transexualismo al. Trans-Sexualismus; esp. transexualismo; fr. transsexualisme; ing. transsexualism Termo introduzido em 1953, pelo psiquiatra norteamericano Harry Benjamin, para designar um distúrbio puramente psíquico da identidade sexual, caracterizado pela convicção inabalável que tem um sujeito* de pertencer ao sexo oposto.

O desejo de mudar de sexo existia muito antes da criação do termo “transexualismo”,

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como bem mostra a história do abade Choisy (1644-1734), que usava roupas de mulher e se fazia chamar de condessa de Barres, ou ainda a de Charles de Beaumont, cavaleiro d’Éon (1728-1810), que serviu à diplomacia secreta de Luís XV vestindo-se de homem ou de mulher conforme as circunstâncias. A famosa doença dos citas, descrita por Heródoto, serviu igualmente de ponto de partida para as reflexões da etnopsiquiatria (etnopsicanálise*). Na mitologia grega, três personagens dão conta desse fenômeno: Cibele, Átis e Hermafrodito. Grande deusa-mãe da Frígia, Cibele era cultuada em todo o mundo antigo, a ponto de ser confundida com Deméter, a mãe de todos os deuses. Seu amante, Átis, era ao mesmo tempo seu filho e guardião de seu templo. Quando quis se casar, ela o fez enlouquecer: Átis então se castrou e se matou. Essa lenda explica por que os sacerdotes da deusa eram eunucos. Foi em homenagem ao ato de Átis que os adeptos do culto dessa deusa-mãe adquiriram o hábito de se mutilar, em meio à embriaguez e ao êxtase, durante os festejos ritualísticos. Quanto a Hermafrodito, filho de Hermes e Afrodite, foi amado por uma ninfa que rogou aos deuses que os unissem num só corpo. O rapaz foi assim dotado de um pênis e dois seios. O tema do hermafroditismo, a lenda de Cibele e Átis e o mito da androginia encontram-se nas descrições das diferentes patologias sexuais recenseadas pela psiquiatria do fim do século XIX. Entretanto, nos estudos clínicos, a dupla anatomia (hermafroditismo) e a separação da mãe ou do sexo originário são vividos como tragédias que desembocam na morte, na loucura* ou no suicídio*, ao passo que a atividade sexual dupla (bissexualidade*) parece ser mais bem tolerada, na medida em que não põe em jogo uma transformação do corpo. No século XIX coligiram-se inúmeros casos de transformação da identidade sexual, aos quais se deu o nome de travestismo ou hermafroditismo (ou intersexualidade). Em geral, é ao alienista francês Jean-Étienne Esquirol (17721840) que se atribui a primeira descrição de um caso de transexualismo, e é a Richard von Krafft-Ebing* que devemos o estabelecimento de uma escala de inversões sexuais que vão do


transexualismo

“hermafroditismo psicossexual” até a “metamorfose sexual paranóica”. Como sublinhou Michel Foucault em 1978, em sua exposição da “vida paralela” da hermafrodita Herculine Barbin (1838-1868), houve uma abundante bibliografia médico-libertina sobre esse assunto no final do século XIX. O caso de Herculine chamou a atenção de Ambroise Tardieu (1818-1879), que se especializara no estudo dos maus-tratos infligidos às crianças. Herculine Barbin foi chamada de Alexina por seus pais e criada num convento de moças, embora se sentisse um menino e seu sexo fosse ao mesmo tempo masculino e feminino (um pênis pequeno, uma uretra com uma fenda e lábios). Depois de conseguir que seu estado civil fosse transformado por um tribunal, não conseguiu suportar o novo estado e se suicidou, usando um aquecedor a carvão. Foi necessário o advento dos progressos da cirurgia e da medicina, e sobretudo das inovações da genética que permitiram, em 1956, identificar definitivamente a fórmula cromossômica do homem (XY) e da mulher (XX) — ou o “sexo genético” —, para que se estabelecessem distinções claras entre o hermafroditismo, o travestismo, as anomalias genéticas e o verdadeiro transexualismo, que surgiu então como um enigma fascinante, fazendo reemergirem todos os grandes mitos fundadores das deusas-mães. Daí a necessidade de inventar uma palavra para designar um fenômeno que não decorria nem do desejo de se travestir nem da anomalia anatômica. Se o travestismo (ou eonismo), muito bem descrito por Havelock Ellis* e pelos representantes da sexologia*, é um disfarce que pode conduzir a uma perversão* ou a um fetichismo*, e se o hermafroditismo é um acidente das gônadas cujo tratamento depende de cirurgia, somente o transexualismo leva o sujeito não apenas a mudar de estado civil, mas também a transformar, através de uma intervenção cirúrgica, seu órgão sexual normal num órgão artificial do sexo oposto. Assim, o transexual masculino tem a convicção de ser uma mulher, embora, anatomicamente, seja um homem normal. Do mesmo modo, a mulher transexual está convencida de ser homem, muito embora seja mulher em termos anatômicos.

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Foi nos Estados Unidos*, na década de 1950, que esses casos começaram a ser estudados. O médico Harry Benjamin criou o termo e propôs, para aliviar o sofrimento moral dos pacientes, um tratamento hormonal e uma experiência de vida social, durante um prazo mínimo de seis meses, nos moldes do sexo desejado. Somente na última etapa é que ele considerava a cirurgia, caso o desejo de mudança de sexo persistisse. Depois de Benjamin, o psicanalista Robert Stoller* foi o primeiro, em seu livro Sex and Gender, publicado em 1968 e traduzido para o francês sob o título de Recherches sur l’identité sexuelle, a propor uma classificação e um estudo sistemático desse distúrbio, revisando a teoria freudiana da sexualidade infantil* e da diferença sexual*. De início, fez uma distinção radical entre o transexualismo, o travestismo, a homossexualidade* e o hermafroditismo. Depois, simultaneamente marcado pela Self Psychology* e pelo kleinismo*, fez do transexualismo um distúrbio da identidade (e não da sexualidade), diferente nos homens e nas mulheres, e ligado à relação particular e sempre idêntica da criança com a mãe. Daí a idéia de diferenciar o gênero* (gender), como sentimento social de identidade (masculina ou feminina), do sexo, como organização anatômica masculina ou feminina. (No transexualismo, a dissimetria entre os dois é radical.) A palavra gender seria posteriormente retomada, nos Estados Unidos, em inúmeros trabalhos históricos e literários. A partir do estudo de numerosos casos, Stoller traçou o retrato típico e quase estrutural da “mãe do transexual”: uma mulher depressiva, passiva, bissexual ou sexualmente neutra, ou então sem um interesse verdadeiro pela sexualidade nem um apego particular pelo pai da criança. Essa mãe busca uma simbiose perfeita com o filho, que lhe serve ao mesmo tempo de objeto transicional* e de substituto fálico. Quanto ao pai, é sempre ausente, mas sua atitude difere conforme o filho seja menino ou menina. Tanto ele se mostra indiferente à mudança de trajes exibida pelo filho, quando este se veste de mulher, quanto favorece as atividades masculinas da filha, encontrando nela um cúmplice para sua solidão. Às vezes, quando tem dois filhos de sexos opostos, incita o meni-

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no a se feminizar e a menina a se masculinizar. Para Stoller, o transexualismo masculino, de longe o mais freqüente e paradigmático, aproxima-se da psicose*. A mudança de sexo através da cirurgia, portanto, só tem efeitos benéficos na medida em que o transexual nunca aceita sua anatomia real, que não corresponde ao gênero que ele sente como seu. O tratamento psicanalítico só é possível na infância, em caráter preventivo, ou depois da intervenção cirúrgica: permite então ao paciente enfrentar a tarefa nunca resolvida de sua identidade impossível. Isso porque o mais surpreendente é que o transexual varão, apesar de suas alegações, suas denegações* e suas renegações*, nunca fica satisfeito com a mudança de sexo, ainda que lhe seja impossível renunciar a ela. Com o desenvolvimento espetacular da cirurgia plástica e a extraordinária publicidade dada pela televisão aos grandes casos de emasculação voluntária, de mudança de órgãos e de estado civil, o transexualismo provocou um vasto debate a partir de 1970. Num livro rancoroso, a feminista norte-americana Janice Raymond acusou os homens de pretenderem, através desse meio, sujeitar ainda mais as mulheres, roubando-lhes seu sexo, sua identidade e sua anatomia. Na França*, foi Jean-Marc Alby quem introduziu o termo na nosografia psiquiátrica, em 1956. Depois disso, foram publicados diversos trabalhos que comentaram a obra magistral de Stoller, em particular os de Élisabeth Badinter. Numa perspectiva lacaniana, Catherine Millot deu o nome de “horsexe” [extra-sexo] ao transexualismo, mostrando que, na mulher, o desejo de ser amada como “um” homem é mais decorrente de um processo histérico, ao passo que, no homem, a vontade de erradicação do órgão peniano consiste numa identificação psicótica com A Mulher, isto é, com uma totalidade impossível. Essa tese confirmou o que todos os casos observados já haviam mostrado, em especial nas histórias de incesto*: o distúrbio da identidade sexual é simultaneamente mais freqüente e mais psicotizante no homem do que na mulher, na medida em que a simbiose original se deu com uma pessoa do sexo oposto: a mãe. Se os estudos sobre o transexualismo confirmaram a lenda de Átis e a tragédia de Herculine

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Barbin, eles também permitiram estabelecer um paralelismo entre os trabalhos da embriologia, que provam a primazia do embrião feminino em relação ao embrião masculino e fazem o segundo derivar do primeiro, e as teses kleinianas, que vêem no exercício patológico da onipotência materna a origem das psicoses e das formas mais destrutivas da relação de objeto*. Não obstante, a teoria freudiana da libido* única e do falocentrismo* conserva toda a sua validade, uma vez que o estudo dos casos de transexualismo feminino mostra que as mulheres suportam melhor do que os homens a transformação anatômica que as torna varões. Em suma, o transexualismo feminino parece decorrer de um distúrbio da identidade, de natureza histérica ou perversa, que evidencia a maneira como toda mulher se serve de seu “protesto viril”, ao passo que o transexualismo masculino atesta, antes, uma vontade indomável de emasculação, que não passa da tradução de uma opção de aniquilamento através da qual toda a feminilidade é ridicularizada: daí a fetichização, nos homens que se transformam em mulheres, dos símbolos mais marcantes da diferença sexual (roupas e sapatos espalhafatosos, perucas, maquiagem exagerada etc.). • Harry Benjamin, “Transvestism and transsexualism”, International Journal of Sexology, 7, I, 12-14 • JeanMarc Alby, Contribution à l’étude du transsexualisme, tese de medicina, Paris, 1956 • Robert Stoller, Recherches sur l’identité sexuelle (1968), Paris, Gallimard, 1978 • Herculine Barbin dite Alexina B., apresentação de Michel Foucault, Paris, Gallimard, 1978 • Janice Raymond, L’Empire transsexuel (N. York, 1979), Paris, Seuil, 1981 • Catherine Millot, Horsexe. Essai sur le transsexualisme, Paris, Point Hors Ligne, 1983 • Élisabeth Badinter, Um e outro. As relações entre homens e mulheres (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986; XY: sobre a identidade masculina (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, 2ª ed.

transferência al. Übertragung; esp. transferencia; fr. transfert; ing. transference Termo progressivamente introduzido por Sigmund Freud* e Sandor Ferenczi* (entre 1900 e 1909), para designar um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos* incons-


transferência cientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocado na posição desses diversos objetos. Historicamente, a noção de transferência assumiu toda a sua significação com o abandono da hipnose*, da sugestão* e da catarse* pela psicanálise*.

O termo transferência não é próprio do vocabulário psicanalítico. Utilizado em inúmeros campos, implica sempre uma idéia de deslocamento, de transporte, de substituição de um lugar por outro, sem que essa operação afete a integridade do objeto. Todas as correntes do freudismo* consideram a transferência essencial para o processo psicanalítico. Entretanto, conforme as escolas, as divergências são múltiplas quanto a seu lugar no tratamento, seu manejo pelo analista e o momento e os meios de sua dissociação. Um século depois do nascimento da psicanálise, o conceito de transferência ainda é objeto de um debate contraditório, cuja origem se encontra na história de seu reconhecimento, de sua avaliação teórica e de sua utilização por Freud a partir do abandono da hipnose e da catarse. Primeiramente, seguindo Henri F. Ellenberger*, consideremos que a existência da transferência é atestada, antes de Freud, por uma terminologia abundante: afinidade, influência sonambúlica, necessidade de direção, transposição afetiva etc. Na verdade, a inovação freudiana consistiu em reconhecer nesse fenômeno um componente essencial da psicanálise, a ponto, aliás, de esse novo método se distinguir de todas as outras psicoterapias* por empregar a transferência como instrumento da cura no processo de tratamento. Todavia, esse reconhecimento não se deu espontaneamente e, até o fim da vida, Freud continuaria impressionado com a recorrência do fenômeno (Esboço de psicanálise*). A princípio, nos Estudos sobre a histeria* e em A interpretação dos sonhos*, ele apreendeu a transferência sob o prisma de um deslocamento do investimento no nível das representações psíquicas, mais do que como um componente da relação terapêutica. Retrospectivamente, podemos reconhecer a função essencial da transferência no relato do

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caso Anna O. (Bertha Pappenheim*) feito por Josef Breuer*, ainda que, examinando-o de perto, o comentário que acompanha esse relato ainda seja muito pouco teórico. Foi por ocasião da análise de Dora (Ida Bauer*), em 1905, que Freud teve realmente sua primeira experiência, negativa, com a materialidade da transferência. Ele atestou, a contragosto, que o analista de fato desempenha um papel na transferência do analisando. Ao se recusar a ser objeto do arroubo amoroso de sua paciente, Freud opôs uma resistência* que, em contrapartida, desencadeou uma transferência negativa por parte dela. Alguns anos depois, ele qualificaria esse fenômeno de contratransferência*. Desde 1909, Sandor Ferenczi observou que a transferência existia em todas as relações humanas: professor e aluno, médico e paciente etc. Mas ele notou que, na análise, tal como na hipnose e na sugestão, o paciente colocava inconscientemente o terapeuta numa posição parental. Na mesma época, em sua exposição da análise de um caso de neurose obsessiva* (Ernst Lanzer*), Freud começou a discernir o fato de que os sentimentos inconscientes do paciente para com o analista eram manifestações de uma relação recalcada com as imagos* parentais. Em 1912, em “A dinâmica da transferência”, primeiro texto exclusivamente dedicado a essa questão, ele distinguiu a transferência positiva, feita de ternura e amor, da transferência negativa, vetor de sentimentos hostis e agressivos. A estas se acrescentariam transferências mistas, que reproduzem os sentimentos ambivalentes da criança em relação aos pais. Em 1920, em Mais-além do princípio de prazer*, Freud tornou a se surpreender com o caráter repetitivo da transferência. Constatando que essa repetição* sempre se referia a fragmentos da vida sexual infantil, ele ligou a transferência ao complexo de Édipo* e concluiu que a neurose* original era substituída, na análise, por uma neurose artificial, ou “neurose de transferência”. No processo analítico, esta devia conduzir o paciente a um reconhecimento da neurose infantil. Segundo a teoria da sedução*, abandonada em 1897, mas cujos vestígios nunca seriam totalmente apagados, a transferência foi considerada por Freud como um obstáculo ao trabalho de rememoração e uma forma particularmente tenaz

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de resistência, indício da proximidade do retorno dos elementos recalcados mais cruciais. Com o desenvolvimento da teoria da fantasia*, Freud afastou-se da idéia de rememoração. Embora continuasse a ligar a resistência à transferência, colocou a ênfase na importância de sua utilização como via de acesso ao desejo* inconsciente. Em 1923, em “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido”, a transferência foi concebida por Freud como um terreno no qual é preciso conseguir uma vitória. Utilizada pelo analista, ela é, na verdade, “o mais poderoso adjuvante do tratamento”. A partir daí, foi o amor transferencial que passou a reter toda a atenção de Freud. Com esse termo ele designou os casos em que o paciente — em geral, uma mulher — declara estar apaixonado por seu analista. Havendo observado que esse era realmente um processo transferencial, uma vez que a mudança de analista era acompanhada pela repetição do sentimento, Freud sublinhou a absoluta necessidade de o terapeuta respeitar a regra da abstinência*, não apenas por razões éticas, mas sobretudo para que o objetivo da análise pudesse ser perseguido. Nesses casos, com efeito, a resistência à análise reveste-se da forma de um amor: o trabalho passa a ter por objetivo encontrar as origens inconscientes dessa manifestação que invade a transferência. Depois de Freud, uma multiplicidade de trabalhos foi dedicada à questão da transferência, cada qual se esforçando por repensar esse conceito em harmonia com as inflexões ou modificações sucessivamente introduzidas na teoria original. Em Melanie Klein*, a transferência é concebida como uma reencenação (reenactment), durante a sessão, de todas as fantasias* inconscientes (ou phantasias*) do paciente. Na perspectiva kleiniana, com efeito, a fantasia não é somente a expressão de defesas* mentais contra a realidade, mas também a manifestação das pulsões*. Por conseguinte, o eu* se constitui de maneira mais complexa do que concebia Freud e, acima de tudo, num período anterior: “Afirmo”, escreveu Melanie Klein, “que a transferência tem origem nos mesmos processos [de amor e ódio, agressão e culpa] que, nas fases mais precoces, determinam as relações objetais

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(...). Durante anos, e, em certa medida, ainda hoje, tem-se compreendido a transferência em termos de uma referência direta ao analista. Minha concepção de uma transferência enraizada nas fases [estádios*] mais precoces do desenvolvimento e nas camadas profundas do inconsciente é muito mais ampla, acarretando uma técnica mediante a qual se deduzem da totalidade do material apresentado os elementos inconscientes da transferência. Por exemplo, os ditos dos pacientes sobre sua vida cotidiana, seus relacionamentos e suas atividades não fazem compreender unicamente o funcionamento do eu; revelam também, se explorarmos seu conteúdo inconsciente, as defesas contra as angústias despertadas na situação de transferência.” Depois disso, kleinianos e pós-kleinianos, em especial Wilfred Ruprecht Bion*, construíram um novo quadro da análise, muito diferente daquele dos freudianos, com regras precisas e, sobretudo, com um manejo da transferência que tende a excluir da situação analítica qualquer forma de realidade material em prol unicamente da realidade psíquica*. Esta, portanto, é conforme à imagem que o psicótico tem do mundo e de si mesmo. Para os kleinianos, todo ato (gesto ou palavra) que se produz no tratamento deve ser interpretado como a própria essência de uma manifestação contratransferencial, sem ser relacionado com uma realidade externa. Daí a criação do termo acting in, ao lado de acting out*. Se um paciente esfregar a mão no divã, se tiver dor de cabeça, isso não será escutado somente em função da possível realidade somática de sua irritação cutânea ou de sua enxaqueca, mas relacionado, em primeiro lugar, através de uma interpretação*, com o universo fantasístico do analista, persuadido de haver “induzido” inadvertidamente esse ato. Essa concepção kleiniana e pós-kleiniana da transferência, que consiste em fazer pender para o lado do analista uma modalidade da relação de objeto* que é própria da psicose*, a fim de compreender melhor a natureza da transferência psicótica, aproxima-se da sugestão e da telepatia*, ou, mais exatamente, como dizia Freud, da “transferência de pensamento”. À parte a orientação kleiniana, os desenvolvimentos da reflexão pós-freudiana caracterizam-se


transferência

por uma consideração cada vez mais insistente da eficiência e da participação inconsciente do analista na instauração da transferência. A partir do primado conferido à relação com a mãe na evolução do sujeito*, Donald Woods Winnicott* desenvolveu uma concepção da transferência como repetição do vínculo materno. Daí o abandono da neutralidade rigorosa, o qual não deixa de lembrar a técnica ativa de Ferenczi. O management (gestão, direção) winnicottiano consiste em deixar que o paciente aproveite as falhas e deficiências do analista. É particularmente eficaz no caso dos pacientes frágeis em quem a subjetividade se manifesta por um falso self*. Na década de 1970, Heinz Kohut*, desejoso de transformar o enquadre da análise, que julgava por demais ortodoxo, inventou uma noção de transferência narcísica ou “transferência especular”. Na ótica kohutiana, o analista é vivido pelo paciente como um prolongamento dele mesmo, cabendo-lhe aceitar essa relação transferencial, na medida em que ela permita um resgate do self (ou “eu profundo” do paciente), cuja ferida, verdadeira patologia narcísica, é relacionada com as dificuldades encontradas na relação arcaica com a mãe. Jacques Lacan* discorreu inicialmente sobre a transferência em sua leitura do caso Dora feita em 1951, “Intervenção sobre a transferência”. Naquele ano, definiu a relação transferencial como uma seqüência de inversões dialéticas, e sublinhou que os momentos “fortes” da transferência inscreviam-se nos tempos “fracos” do analista. A cada inversão, o analisando avança na descoberta da verdade. Posteriormente, em seu seminário do ano de 1954-1955, dedicado ao eu e aos escritos técnicos de Freud, Lacan inscreveu a transferência numa relação entre o eu do paciente e a posição do grande outro* (Outro). Sua problemática ainda não estava em ruptura total com as leituras psicologizantes do texto freudiano: o Outro continuava a ser concebido como sujeito e, se o analista podia criar obstáculos ao estabelecimento ou à consumação da transferência, era em virtude da ostentação laudatória de seu eu. Foi no âmbito de seu seminário do ano de 1960-1961, consagrado à transferência, que Lacan introduziu o desejo do psicanalista para

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esclarecer a verdade do amor transferencial. Para sua demonstração, uma das mais luminosas sobre o assunto, ele se apoiou no Banquete de Platão. Esse diálogo põe em cena, em torno de Sócrates, seis personagens, cada um dos quais expressa uma concepção diferente do amor. Entre eles estão o poeta Agatão, aluno de Górgias, cujo triunfo é celebrado, e Alcibíades, político de grande beleza, de quem Sócrates renunciou a ser amante por preferir a ele o amor ao Bem Supremo e o desejo de imortalidade, ou seja, a filosofia. Desde a Antigüidade, os comentadores sempre enfatizaram a maneira como Platão utilizou a arte do diálogo para fazer com que esses personagens enunciassem sobre o amor teses sempre decorrentes de um desejo conscientemente nomeado. Pois bem, a originalidade de Lacan consistiu em colocar Sócrates no lugar daquele que interpreta o desejo de seus discípulos. Transformado em psicanalista, Sócrates não escolhe a abstinência por amor à filosofia, mas por deter o poder de expressar a Alcibíades que o verdadeiro objeto do desejo deste não é ele, Sócrates, mas Agatão. É exatamente nisso que consiste a transferência: ela é feita do mesmo estofo que o amor comum, mas é um artifício, uma vez que se refere inconscientemente a um objeto que reflete outro: Alcibíades acredita desejar Sócrates quando deseja Agatão. Depois desse avanço, Lacan introduziu em seu seminário do ano de 1961-1962, dedicado à identificação, uma nova perspectiva. A transferência aparece ali como a materialização de uma operação que se relaciona com o engano e que consiste em o analisando instalar o analista no lugar do “sujeito suposto saber”, isto é, em lhe atribuir o saber absoluto. Por fim, em seu seminário do ano de 1964, Lacan fez da transferência um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ao lado do inconsciente, da repetição e da pulsão. Definiu-a como a encenação, através da experiência analítica, da realidade do inconsciente*. Essa perspectiva o levou a ligar a transferência à pulsão. • Sigmund Freud e Josef Breuer, Estudos sobre a histeria (1893-1895), ESB, II; SE, II; Paris, PUF, 1956 • Sigmund Freud, A interpretação dos sonhos (1900), ESB, IV-V, 1-660; GW, II-III, 1-642; SE, IV-V, 1-621; Paris, PUF, 1967; Fragmento da análise de um caso

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transmissão (da psicanálise)

de histeria (1905), ESB, VII, 5-128; GW, V, 163-286; SE, VII, 1-122; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 1-91; “Notas sobre um caso de neurose obsessiva” (1909), ESB, X, 159-258; GW, VII, 381-463; SE, X, 151-249; in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, 199-261; “A dinâmica da transferência” (1912), ESB, XII, 133-48; GW, VIII, 364-74; SE, XII, 97-108; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, 50-60; “Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III)” (1915), ESB, XII, 208-21; GW, X, 306-21; SE, XII, 157-71; in La Technique psychanalytique, Paris, PUF, 1953, 116-30; Mais-além do princípio de prazer (1920), ESB, XVIII, 17-90; GW, XIII, 3-69; SE, XVIII, 1-64; in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981, 41-115; “Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da libido” (1923), ESB, XVIII, 287-307; GW, XIII, 211-33; SE, XVIII, 235-59; OC, XVI, 181-208; Esboço de psicanálise (1938), ESB, XXIII, 168-246; GW, XVII, 67-138; SE, XXIII, 139-207; Paris, PUF, 1949, 167 • Sigmund Freud e Sandor Ferenczi, Correspondência, 1908-1914, vol.I, 2 tomos (Paris, 1992), Rio de Janeiro, Imago, 1994-1995, 1914-1919, vol.II, Paris, CalmannLévy, 1996 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Sandor Ferenczi, “Transferência e introjeção” (1909), in Psicanáise I, Obras completas, 1908-1912 (Paris, 1968), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 77-108 • E. Porge, “Transferência”, in Pierre Kaufmann (org.), Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan (Paris, 1993), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, 548-56 • Melanie Klein, Le Transfert et autres écrits, Paris, PUF, 1995 • Heinz Kohut, Análise do self (N. York, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1988 • Jacques Lacan, Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998; O Seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) (Paris, 1973), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979; O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955) (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985; O Seminário, livro 8, A transferência (1960-1961) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992 • Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, Vocabulário da psicanálise (Paris, 1967), S. Paulo, Martins Fontes, 1991, 2ª ed. • Élisabeth Roudinesco, Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento (Paris, 1993), S. Paulo, Companhia das Letras, 1994 • Donald Woods Winnicott, O brincar e a realidade (Londres, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1979.

➢ CONTRATRANSFERÊNCIA; NÓ BORROMEANO.

transmissão (da psicanálise) ➢ ANÁLISE DIDÁTICA; INTERNATIONAL PSYCHOANALYTICAL ASSOCIATION; PASSE.

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trauma ➢ HISTERIA; NEUROSE DE GUERRA; RANK, OTTO; SEDUÇÃO, TEORIA DA.

travestismo ➢ FETICHISMO; PERVERSÃO; STOLLER, ROBERT; TRANSEXUALISMO.

Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Livro de Sigmund Freud*, publicado pela primeira vez em 1905, sob o título Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie. Traduzido para o francês pela primeira vez por Blanche Reverchon-Jouve (18971974), em 1923, sob o título Trois Essais sur la théorie de la sexualité, e depois, em 1987, por Philippe Koeppel, sob o título Trois Essais sur la théorie sexuelle. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1910, por Abraham Arden Brill* e James Jackson Putnam*, sob o título Three Contributions in the Sexual Theory, e depois em 1949, por James Strachey*, sob o título Three Essays on the Theory of Sexuality. Retomado sem modificações em 1953.

Ao contrário do que disse Sigmund Freud em sua autobiografia de 1925 e da lenda posteriormente forjada por Ernest Jones*, os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade não foram acolhidos por uma chuva de impropérios e não tornaram seu autor “universalmente impopular”. Publicado depois dos múltiplos trabalhos dos sexólogos, nos quais, aliás, se havia inspirado, e depois do famoso Sexo e caráter, de Otto Weininger*, o belo ensaio de Freud foi elogiosamente recebido por todos os especialistas na questão sexual. Como estabeleceram Henri F. Ellenberger* e, depois dele, Norman Kiell, o lançamento foi saudado por uma maioria de artigos favoráveis, dentre eles os do criminologista Paul Naecke (1851-1913), da escritora feminista Rosa Mayreder (1858-1938), do neurologista Albert Eulenberg (1840-1917), do jornalista Otto Soyka (1882-1945) e também os de Magnus Hirschfeld* e Adolf Meyer*. Freud e os adeptos da historiografia* oficial falaram numa reação de rejeição porque o livro do mestre não foi recebido, quando de sua publicação, como o livro inaugural de uma teoria inteiramente inédita da sexualidade* humana.


Três ensaios sobre a teoria da sexualidade

Simplesmente, teve uma saída normal na época — mil exemplares vendidos no primeiro ano e 200 por ano nos quatro anos seguintes —, e foi considerado pelos especialistas como um livro científico entre outros. Ora, desde 1886 vinha surgindo a cada ano, sobretudo na Alemanha*, na Áustria e na Inglaterra, uma multiplicidade de livros dedicados à sexualidade em geral e à sexualidade infantil em particular. Daí a amargura de Freud e seus discípulos, posto que o mestre tinha consciência, justificadamente, de haver produzido uma teoria revolucionária da sexualidade. A lenda fabricada por Jones implantou-se tão solidamente no meio psicanalítico que, em 1987, o prefaciador da nova tradução francesa não hesitou em apresentar Freud como o herói de uma cruzada da verdade contra o obscurantismo, capaz, aos 49 anos, de sacrificar tudo — a honra, a vida social, a clientela e a reputação — para lançar no rosto de uma comunidade científica ignorante e estúpida o grande desafio da “verdadeira” sexualidade. Não foi o lançamento dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, portanto, que desencadeou a cruzada antifreudiana que procurou assimilar a psicanálise* a um pansexualismo*, e sim alguns acontecimentos posteriores. Primeiro, foi preciso que saísse publicada a análise do Pequeno Hans (Herbert Graf*), onde a teoria freudiana foi diretamente aplicada a uma criança, e, depois, a de Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância*, onde ela tocou na infância de um pintor universalmente sacralizado; em seguida, foi preciso que se desenvolvesse o movimento psicanalítico, com a criação da International Psychoanalytical Association* (IPA) e a implantação progressiva da psicanálise em numerosos países; e por fim, foi preciso que se desse o rompimento com Carl Gustav Jung* a propósito da libido*. Foi então, entre 1910 e 1913, que o freudismo começou a ser encarado, em todas as partes do mundo, como uma “obscenidade”, uma “pornografia”, uma “coisa sexual” ou até uma “ciência boche”. A rigor, foi no momento em que a doutrina freudiana angariava o reconhecimento internacional que eclodiram contra ela as acusações de pansexualismo. A resistência à teoria da sexualidade foi então o sintoma evidente de seu

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progresso atuante. Foi por isso que, retroativamente, os Três ensaios foram considerados o livro inaugural do “escândalo freudiano” da sexualidade, sobretudo em razão dos trechos sobre as teorias sexuais infantis e sobre a disposição perverso-polimorfa. Em conseqüência disso, esse texto não tem a mesma situação dos demais livros de Freud: é como que determinado pela história de suas sucessivas acolhidas e pela história dos comentários, interpretações e violências que provocou. Essa história, aliás, acha-se inscrita no próprio cerne do livro, que se mostra em diversas versões. Com efeito, Freud nunca reescreveu, corrigiu e retificou tanto um livro quanto fez com este, a ponto de não mais sabermos distinguir o original de suas versões sucessivas. Entre 1905 e 1920, houve quatro edições dos Três ensaios, havendo Freud introduzido em cada uma delas modificações consideráveis à medida que ia aperfeiçoando sua teoria da libido em função da evolução geral de sua própria doutrina, organizando o “dualismo pulsional” e desenvolvendo sua concepção do narcisismo*. O escândalo dos Três ensaios reside no abandono da concepção sexológica da sexualidade (com sua infindável descrição de anomalias e aberrações) em favor de uma abordagem psíquica do sexual. Foi sua maneira de “sexualizar” a totalidade da vida individual e coletiva que provocou a perturbação e a acusação de pansexualismo. Ao arrancar a libido sexualis do gozo dos médicos, Freud fez dela o determinante fundamental do psiquismo humano. Mas também a devolveu ao próprio homem (doente, paciente, criança). Daí o emprego do termo “teoria sexual” (Sexualtheorie) para designar, ao mesmo tempo, as hipóteses do cientista e as “teorias” inventadas pelas crianças, ou mesmo pelos adultos, para resolver o enigma da copulação, do nascimento e da diferença sexual*. A obra é dividida em três partes. Na primeira, dedicada às aberrações sexuais, Freud introduz pela primeira vez a palavra pulsão*, a fim de descrever os “desvios em relação ao objeto sexual”, entre os quais inclui a “inversão” e os “imaturos sexuais e animais tomados como objetos sexuais”. Através dessa terminologia, saída do vocabulário corrente, ele designa três formas de comportamento sexual consideradas

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“taras” pelos médicos do fim do século: a homossexualidade*, a pedofilia (relação sexual entre um adulto e uma criança pré-púbere) e a zoofilia (relação sexual entre um ser humano e um animal). A rejeição das palavras eruditas, derivadas do latim e do grego, reveste-se em sua pena de uma significação precisa: para Freud, trata-se de mostrar que essas “aberrações”, por mais diferentes que sejam umas das outras, não podem de maneira alguma ser vistas como a expressão de uma degenerescência, a homossexualidade menos ainda que as outras. Não apenas Freud diversifica as formas possíveis da homossexualidade, como também faz desta um componente “adquirido”, e não “inato”, da sexualidade humana. Assim, ela pode ser diferentemente encarada conforme as culturas e os estágios de civilização. Para ampliar ainda mais sua definição, Freud faz da homossexualidade, no capítulo seguinte, uma inclinação inconsciente e universal presente em todos os neuróticos, isto é, em qualquer sujeito*. Daí esta formulação célebre, na qual ele já havia pensado em 1896: “A neurose* é, por assim dizer, o negativo da perversão.” Aliás, é a tal ponto o negativo dela que Freud sublinha, em sua recapitulação final, de que maneira, através do recalque*, uma mesma pessoa pode passar de uma para a outra. Após uma intensa atividade sexual perversa na infância, freqüentemente se produz uma reviravolta, e a neurose substitui a perversão segundo o provérbio: “Moça dissoluta, velha beata.” Nessa mesma perspectiva, Freud faz da pedofilia e da zoofilia comportamentos que se mascaram sob uma aparência de extrema “normalidade”. Essas duas aberrações não estão ligadas, a seu ver, a uma doença mental, mas a um estado infantil da própria sexualidade. Daí o fato de os pedófilos e os zoófilos aparecerem como indivíduos covardes, mas perfeitamente adaptados à vida social burguesa ou camponesa. A continuação dessa parte é dedicada a uma vasta análise das outras perversões* (fetichismo* e sadomasoquismo*), bem como às formas particulares de práticas eróticas ligadas à boca (felação, cunilíngua). Todas são reintegradas por Freud no quadro geral de um funcionamento pulsional organizado em torno de um conjunto de zonas erógenas.

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A segunda parte do livro, a mais essencial, consiste numa exposição, a um tempo simples e divertida, das variações da sexualidade infantil. Verdadeira matriz da teoria da libido, essa dissertação magistral, à qual seriam acrescentadas diversas passagens, serve também para a elucidação do complexo de castração*, da idéia de inveja do pênis e, por último, da gênese da noção de estádio* (oral, anal, fálico e genital) retirada da biologia evolucionista. O componente central da organização da sexualidade infantil continua a ser o que Freud denomina de “disposição perverso-polimorfa”. Ao mostrar que as atividades infantis — os tipos de sucção, a masturbação, as brincadeiras com o corpo ou com as fezes, a alimentação, a defecação etc. — são fontes de prazer e de auto-erotismo*, Freud destrói o velho mito do “paraíso dos amores infantis”. Antes dos quatro anos, a criança é um ser de gozo*, cruel, inteligente e bárbaro, que se entrega a toda sorte de experiências sexuais, às quais renunciará ao se transformar num adulto. No que concerne a esse aspecto, a sexualidade infantil não conhece lei nem proibição, e leva em conta, para se satisfazer, todos os objetos e todos os alvos possíveis. Testemunho disso, se necessário, são as “teorias” fabricadas pelas crianças a propósito de sua origem: a teoria da cloaca, segundo a qual os bebês vêm ao mundo pelo reto e são equivalentes às fezes, com sua variação, o parto através do umbigo, e a teoria do caráter sádico-anal do coito parental, que faz do parto um ato de sodomia, acompanhado de uma violência originária semelhante a um estupro. Em 1908, em “Sobre as teorias sexuais das crianças”, Freud acrescentaria diversas outras “teorias” a essas: por exemplo, a idéia de que as crianças são concebidas pela urina ou pelo beijo, ou de que nascem logo depois do coito, ou ainda de que os homens, tal como as mulheres, podem ter bebês. Nesse mesmo ano, em “Caráter e erotismo anal”, Freud associaria a atividade anal ao desenvolvimento posterior das melhores qualidades espirituais no sujeito. O terceiro ensaio é dedicado a um estudo da puberdade e, portanto, da passagem da sexualidade infantil para a sexualidade adulta, através do complexo de Édipo* e da instauração de uma escolha de objeto fundamentada, de um modo


Trieb

geral, na diferença entre os sexos*. A isso se soma um capítulo sobre a libido, redigido em diversas etapas entre 1904 e 1924. É nele que Freud desenvolve sua tese do monismo sexual, sublinhando que a libido é de natureza masculina e, portanto, de essência viril. Essa tese, proposta desde 1905 e desenvolvida sobretudo em 1915, seria contestada pelos adeptos da escola inglesa, no contexto do grande debate da década de 1920 sobre a sexualidade feminina*. A essas três partes Freud acrescenta uma “recapitulação”, na qual descreve os efeitos que o recalque, a hereditariedade, a sublimação* e a fixação surtem na sexualidade. Com esse livro fundamental, Freud abriu caminho para o desenvolvimento da psicanálise de crianças e para a reflexão sobre a educação sexual: insistiu, por exemplo, em que os adultos nunca mentissem para as crianças no que concerne à origem delas e em que a sociedade se mostrasse tolerante para com a sexualidade em geral.

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scher’s Medizinische Buchhandlung, H. Kornfeld, 1897; Das Sexualleben des Kindes, Berlim, H. Walter, 1908 • Havelock Ellis, Études de psychologie sexuelle, vol.I (Londres, 1897), Paris, Mercure de France, 1904 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, 3 vols. (N. York, 1953, 1955, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1989 • Henri F. Ellenberger, Histoire de la découverte de l’inconscient (N. York, Londres, 1970, Villeurbanne, 1974), Paris, Fayard, 1994 • Jean Laplanche, Vida e morte em psicanálise (Paris, 1970), P. Alegre, Artes Médicas, 1985 • Frank J. Sulloway, Freud, Biologist of the Mind, N. York, Basic Books, 1979 • Norman Kiell, Freud without Hindsight. Review of his Work, 1893-1939, Madison, International Universities Press, 1988.

➢ CENA PRIMÁRIA; DOLTO, FRANÇOISE; ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO, UM; FANTASIA; FREUD, ANNA; HISTERIA; INVEJA; KLEIN, MELANIE; PAPPENHEIM, BERTHA; ROMANCE FAMILIAR; SEDUÇÃO, TEORIA DA; SOKOLNICKA, EUGÉNIE; WINNICOTT, DONALD WOODS.

Triandafilidis, Manolis (1883-1959) pedagogo grego

• Sigmund Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ESB, VII, 129-237; GW, V, 29-145; SE, VII, 123-243; Paris, Gallimard, 1987; “O esclarecimento sexual das crianças” (1907), ESB, IX, 137-48; GW, VII, 19-27; SE, IX, 129-39; in La vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 7-13; “Sobre as teorias sexuais das crianças” (1908), ESB, IX, 213-32; GW, VII, 171-88; SE, IX, 205-26; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 14-27; “Caráter e erotismo anal” (1908), ESB, IX, 17586; GW, VII, 203-9; SE, IX, 167-75; in Névrose, psychose et perversion, Paris, PUF, 1973, 143-9; “Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens” (Contribuições à psicologia do amor, I) (1910), ESB, XI, 149-62; GW, VIII, 66-77; SE, XI, 163-75; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 47-55; “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914), ESB, XIV, 89-122; GW, X, 138-70; SE, XIV, 73-102; in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 80-105; “As transformações da pulsão exemplificadas no erotismo anal” (1917), ESB, XVII, 159-70; GW, X, 402-10, SE, XVII, 125-133; in La vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 106-12, “A organização genital infantil da libido: uma interpolação na teoria da sexualidade” (1923), ESB, XIX, 179-88; GW, XIII, 293-8; SE, XIX, 141-5; OC, XVI, 303-9; “A dissolução do complexo de Édipo” (1924), ESB, XIX, 217-28; GW, XIII, 395-402, SE, XIX, 173-9; OC, XVII, 25-33; “Tipos libidinais” (1931), ESB, XXI, 251-8; GW, XIV, 509-513; SE, XXI, 215-20; in La vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, 156-9 • S. Lindner, “Das Saugen an den Fingern, Lippen, bei der Kindern (Ludeln)”, in Jahrbuch für Kinderheitkunde und Physische Erziehung, Neue Folge, XIV, 1879 • Richard von Krafft-Ebing, Psychopathia Sexualis (Stuttgart, 1886, Paris, 1907), Paris, Payot, 1969 • Albert Moll, Untersuchungen über die Libido Sexualis, Berlim, Fi-

Professor e gramático, fundador, em 1910, de um Círculo Pedagógico que reunia militantes favoráveis à criação de uma língua “demótica” (ou língua do povo), e de uma nova educação para as crianças, Manolis Triandafilidis foi o primeiro autor grego a publicar, em 1915, um artigo sobre a psicanálise* que teve grande repercussão: “O princípio da língua e da psicologia freudiana”. Expunha como a teoria do inconsciente*, ao esclarecer a alma e o psiquismo, podia contribuir para o desenvolvimento de uma nova pedagogia neo-helênica. Interessado tanto nas teorias socializantes de Alfred Adler* quanto nas de Sigmund Freud*, teve com eles algum intercâmbio epistolar. • Eleni Atzina, “L’Introduction de la psychanalyse en Grèce à travers ses relations avec les instituitions psychiatriques (1910-1950)”, Monografia de DEA, GHSS, Universidade de Paris VII, 1996.

➢ EMBIRICOS, ANDREAS; FEDERAÇÃO EUROPÉIA DE PSICANÁLISE; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; KOURETAS, DIMITRI.

Trieb ➢ PULSÃO.

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U/V Unheimlich

Viena

➢ ESTRANHO, O.

A idéia de que a psicanálise* era apenas um mero produto do espírito vienense — e, além disso, do espírito “judeu vienense”, — fazia parte daqueles clichês que exasperavam Sigmund Freud* e o levaram a querer “desjudaizar” seu movimento e colocar um não-judeu (Carl Gustav Jung*) à frente da International Psychoanalytical Association* (IPA), a fim de que ninguém pudesse dizer que a psicanálise era uma “ciência judia”. A tese do genius loci ou do Zeitgeist (gênio do lugar, espírito do tempo) serviu primeiro para desqualificar a descoberta freudiana e reduzi-la a um pansexualismo*, isto é, a uma doutrina “obscena” surgida num cérebro degenerado no coração da cidade “artificial” e obcecada pelos demônios do sexo. Popularizada por Adolf Albrecht Friedländer (1870-1949) por ocasião de um congresso internacional de medicina realizado em Budapeste em 1909, e ingenuamente retomada por Pierre Janet*, ela reduzia a conceitualidade freudiana a uma moda, a uma epidemia psíquica ou ainda a um assunto cultural desprovido de racionalidade científica. A essas críticas Freud respondia que o inconsciente* era universal, como a histeria* e outras entidades clínicas. Quanto à cidade de Viena, ele disse um dia a Ernest Jones* que tinha por ela profunda aversão. “No começo de minhas relações com ele, escreveu Jones, e antes de conhecer sua aversão, disse-lhe inocentemente um dia que, em minha opinião, devia ser muito interessante morar numa cidade transbordante de idéias novas. Para minha grande surpresa, ele se levantou bruscamente e me disse em tom seco: ‘Há cinqüenta anos que estou aqui e nunca encontrei uma idéia nova!’” Essa observação prova que Freud não estava interessado em Art Nouveau,

Unterdrückung ➢ REPRESSÃO.

Varendonck, Juliaan (1879-1924) psicanalista belga

Membro da Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP), esse pioneiro da psicanálise* na Bélgica* era doutor em filosofia, letras e pedagogia. Analisado por Theodor Reik* em Viena* em 1922, Juliaan (ou Julien) Varendonck participou do Congresso da International Psychoanalytical Association* (IPA) em Berlim. Morreu prematuramente durante uma intervenção cirúrgica banal. Sigmund Freud* redigiu em inglês o prefácio de sua obra The Psychology of Day-Dreams, publicada em 1921, e Anna Freud* a traduziu para o alemão, • Juliaan Varendonck, The psychology of day-dreams, Londres, George Allen and Unwin, 1921 • “Introdução a The psychology of day-dreams, de V. Varendonck”; ESB, XVIII, 271-328; GW, XIII, 439-40, SE, XVIII, 2712; OC, XVI, 151-2.

Verdrängung ➢ RECALQUE.

Verleugnung ➢ RENEGAÇÃO.

Verwerfung ➢ FORACLUSÃO. 774

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e sabe-se que ele não manifestava nenhuma atração pelos pintores e artistas da Sezession, por exemplo, preferindo ficar com os “clássicos”: o século XIX, a Grécia antiga, os grandes autores, Goethe, Shakespeare, Cervantes. Assim, também ignorou a maneira com que os surrealistas apreciavam sua obra e sua teoria. Só foi possível superar essa problemática e detectar quais foram as verdadeiras relações de Freud com a cultura vienense graças aos trabalhos dos historiadores dos anos 1960. Carl Schorske foi o primeiro, em um artigo de 1961 e depois em um livro admirável, Viena fin-de siècle, publicado em 1981, a mostrar que as repercussões da desintegração progressiva do Império Austro-Húngaro tinham feito da cidade “uma das mais férteis matrizes da cultura a-histórica de nosso século. Os grandes criadores, na música, na filosofia, na economia, na arquitetura e, evidentemente, na psicanálise romperam mais ou menos deliberadamente todos os laços com a perspectiva histórica que estavam nos fundamentos da cultura liberal do século XIX e na qual eles tinham sido educados.” Schorske constatou que, na sociedade vienense dos anos 1880, o liberalismo era uma promessa sem futuro, que afastava o povo do poder e o abandonava aos demagogos anti-semitas. Diante do niilismo social e da explosão de ódio, os filhos da burguesia rejeitavam as ilusões de seus pais e expressavam outras aspirações: fascínio pela morte e pela intemporalidade em Freud, sonho de uma terra prometida (Estado judeu) em Theodor Herzl (1860-1904), desconstrução do eu* em Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), em sua famosa Carta a Lord Chandos de 1902, suicídio*, negação ou conversão entre os intelectuais habitados pelo “ódio de si judeu” (Karl Kraus*, Otto Weininger*), invenção de novas formas literárias em Joseph Roth (1894-1939) e Arthur Schnitzler*. Robert Musil (1880-1942) deu a Viena o nome de Cacanie, palavra fabricada a partir de kaiserlich-königlich (imperial-real), e Hofmannsthal a via como a “monstruosa residência de um rei já morto e de um deus por nascer”. Quanto a Stefan Zweig*, ele a descreveria com nostalgia em O mundo de ontem, às vésperas de se suicidar.

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Depois de Schorske, outros trabalhos, de William Johnston a Jacques Le Rider, lançaram um novo olhar sobre a modernidade vienense e esclareceram um dos fundamentos da invenção psicanalítica: o sentimento do declínio da função paterna e a preocupação em reavaliar sua posição simbólica. Em 1986, Jean Clair organizou em Paris uma exposição importante sobre o tema “Viena, o apocalipse alegre”, que teve grande sucesso e reavivou o interesse pelos trabalhos históricos sobre a questão. De fato, foi em Viena, capital do Império Austro-Húngaro, e não na Áustria, que se formou o grupo freudiano das origens, a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras*, quase exclusivamente composta de judeus nascidos em Viena, mas oriundos dos descendentes das comunidades distribuídas pelo vasto território da Mitteleuropa. Transformada em Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) em setembro de 1908, a Sociedade perdeu sua posição central depois da Primeira Guerra Mundial, quando Berlim se tornou a capital européia da psicanálise, com a criação do Berliner Psychoanalytisches Institut* (BPI). Todavia, a presença de Freud e a autoridade dos grandes vienenses da primeira geração (Paul Federn*, Siegfried Bernfeld*, August Aichhorn* etc.) lhe garantiram durante ainda vinte anos um lugar importante no seio da International Psychoanalytical Association* (IPA). Em maio de 1938, dois meses depois da invasão da Áustria pelas tropas alemãs, Carl Müller-Braunschweig* dirigiu uma carta a Richard Sterba* na qual lhe propunha colaborar com o Instituto Göring para “salvar” a psicanálise na Áustria. Como todas as missivas oficiais do Instituto, essa carta terminava com “Heil Hitler!”. Freud e seus companheiros se reuniram então para pôr fim à atividade da WPV, e Anna Freud* perguntou a Sterba quais eram suas intenções. Único não-judeu do grupo, ele podia, como desejavam Ernest Jones* e Müller-Braunschweig, tomar a direção da política de “salvamento” em questão. Ele se recusou. E Freud pronunciou estas palavras: “Depois da destruição por Tito do povo de Jerusalém, o rabino Hochanaan ben Sakkai pediu a Javé autorização para abrir uma escola dedicada ao estudo da Torá. Vamos fazer o mesmo. Pela

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nossa história, nossas tradições, estamos habituados a ser perseguidos.” Depois, voltando-se para Sterba, acrescentou: “Com uma exceção.” A 3 de junho de 1938, Freud deixou Viena pelo Expresso do Oriente, para nunca mais voltar. Deixou ali suas quatro irmãs, Rosa Graf*, Maria Freud*, Adolfine Freud*, Pauline Winternitz*, que desapareceriam nas trevas da “solução final”. Freud levava consigo sua biblioteca, seus objetos, móveis, cartas, seus manuscritos: vestígios e lembranças de uma vida inteira. O apartamento de Berggasse 19 foi então inteiramente esvaziado, e tudo o que continha foi transferido para Londres, para a nova casa de Maresfield Gardens 20. Dez dias antes da partida, a pedido de Aichhorn, que desejava organizar, algum dia, um museu no apartamento da Berggasse, Edmund Engelman, jovem fotógrafo vienense, fez uma série de fotos do local, ainda intacto. Também obrigado a deixar Viena, confiou os negativos a Aichhorn, que os fez chegar a Londres: “Voltei a Viena, escreveu Engelman, depois da partida do último locatário. Vi como haviam estragado os cômodos. Subsistiam poucos sinais de sua antiga dignidade; as belas estufas de porcelana tinham desaparecido para darem lugar a horrorosos aparelhos de aquecimento.” Reunidas em um álbum intitulado A casa de Freud. Berggasse 19, as fotografias de Engelman foram vendidas no mundo inteiro: elas davam o testemunho vivo de 47 anos (1891-1938) de vida dedicados à ciência, à arte, à cultura. Quando Henri F. Ellenberger* foi à Berggasse em 24 de agosto de 1957, constatou que a Federação Mundial de Saúde Mental tinha mandado afixar uma placa em memória de Freud. Mas a locatária lhe declarou: “De fato, é aqui mesmo, mas não há nada para ver. Tudo foi mudado. Não posso lhe mostrar nada. O tempo todo, as pessoas vêm pedir para visitar o apartamento. É muito irritante. Já me queixei várias vezes às autoridades, pedi que comprassem o apartamento e me arrumassem outro. Mas eles dizem que não têm dinheiro.” Em 1969, foi fundada a Sigmund Freud Gesellschaft, com o objetivo de restaurar o apartamento e criar nele um museu, que conteria apenas fotografias e os móveis da antiga sala de espera de Freud.

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Em vida, Freud recusara a proposta do conselho municipal de Viena, de dar seu nome à Berggasse. Depois da Segunda Guerra Mundial, o esquecimento de Freud em Viena foi tal que os guias turísticos nem mencionavam seu nome. “A indiferença do público e sua hostilidade latente dão o que pensar, escreveu Peter Gay. Freud, que foi o primeiro a descrever os mecanismos da ambivalência, certamente teria encontrado nessa cidade, que ele detestava mas não podia deixar, matéria para estudar os sentimentos ambíguos: parece que Viena recalcou Freud.” Entretanto, a psicanálise continuou a viver em Viena depois da Libertação graças a três aristocratas: o conde Igor Caruso*, o barão Alfred von Winterstein* e o conde Wilhelm Solms-Rödelheim, último médico de Serguei Constantinovitch Pankejeff*. Com Aichhorn, reconstituíram a WPV, que seria presidida por Winterstein até 1958. Entretanto, já em 1947 Caruso se separou sem discussões da WPV, cuja orientação lhe parecia excessivamente médica, excessivamente materialista, excessivamente “americana”, em resumo. Criou logo o primeiro Círculo de Trabalho Vienense sobre a psicologia das profundezas, que seria o primeiro elo de uma internacional: a Internationale Föderation der Arbeitskreise für Tiefenpsychologie* (IFAT). Mesmo continuando a ser freudiano, Caruso não aceitava os padrões de formação da IPA. No fim do século XX, dominada pela forte personalidade de Harald Leupold-Löwenthal, que encarna o antigo espírito vienense, a WPV conta em suas fileiras com 60 membros, ou seja um índice de sete e meio por milhão de habitantes. Os outros terapeutas freudianos estão em Viena e em várias cidades da Áustria (Linz, Salzburgo, Innsbruck, Graz) e fazem parte dos Círculos de Caruso, nos quais alguns se interessam pela obra de Jacques Lacan*, como August Ruhs, por exemplo. • Hugo von Hofmannsthal, La Lettre de Lord Chandos et autres textes, Paris, Gallimard, 1992 • Joseph Roth, La Marche de Radetzky (Viena, 1932), Paris, Seuil, 1982 • Robert Musil, L’Homme sans qualités, 2 vols. (1931-1933), Paris, Seuil, 1979 • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vol. 3 (N. York, 1957), Rio de Janeiro, Imago, 1990 • Henri F. Ellenberger, “Une visite à la Berggasse” (1957), in Médecines de l’âme.


Vlad, Constantin Essais d’histoire de la folie et des guérisons psychiques, Paris, Fayard, 1995, 91-4 • Carl Schorske, Viena fin-de-siècle (N. York, 1981), S. Paulo, Companhia das Letras, 1990 • La Maison de Freud. Berggasse 19 Vienne, fotografias de Edmund Engelman e nota biográfica de Peter Gay (N. York, 1976), Paris, Seuil, 1979 • Wolfgang Huber, Psychoanalyse in Österreich seit 1933, Viena, Geyer, 1977; “L’Histoire de la psychanalyse en Autriche depuis l’exil de Sigmund Freud”, Vienne et la Psychanalyse, número especial da revista Austriaca, 21, novembro de 1985, 95-101 • William M. Johnston, L’Esprit viennois. Une histoire intellectuelle et sociale 1848-1938 (N. York, 1972), Paris, PUF, 1985 • Allan Janik e Stephen Toulmin, Wittgenstein, Vienne et la modernité (N. York, 1973), Paris, PUF, 1978 • Richard Sterba, Réminiscences d’un psychanalyste viennois (Detroit, 1982), Toulouse, Privat, 1986 • Michael Pollak, Vienne 1900, Paris, Gallimard, 1984 • Hans-Martin Lohman (org.), Psychoanalyse und National-sozialismus, Frankfurt, Fischer, 1984 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et le lien viennois”, in Vienne et la psychanalyse, número especial da revista Austriaca, 21, novembro de 1985, 11-21 • Raoul Schindler, “L’Édification de la personnalité par la psychanalyse. Igor Caruso et les cercles de travail sur la psychologie des profondeurs”, ibid., 101-9 • Vienne 1880-1938. L’Apocalypse joyeuse, catálogo da exposição, sob a direção de Jean Clair, Paris, Centre Georges Pompidou, 1986 • Célia Bertin, La Femme à Vienne au temps de Freud, Paris, Stock/Laurence Pernoud, 1989 • Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises de l’identité (1990), Paris, PUF, 1994; Hugo von Hofmannsthal. Historicisme et modernité, Paris, PUF, 1995 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992 • Max Nordau, 1849-1923, Delphine Bechtel, Dominique Bourel e Jacques Le Rider (org.), Paris, Cerf, 1996 • Jean Clair, Malinconia. Motifs saturniens dans l’art de l’entre-deux-guerres, Paris, Gallimard, 1996.

➢ BAUER, IDA; BENEDIKT, MORIZ; BISSEXUALIDADE; BREUER, JOSEF; FREUD MUSEUM; HUG-HELLMUTH, HERMINE VON; JUDEIDADE; KRAFFT-EBING, RICHARD VON; MAHLER, GUSTAV; PAPPENHEIM,

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BERTHA; PATRIARCADO; SADGER, ISIDOR; SEXOLOGIA; SEXUALIDADE; WAGNER-JAUREGG, JULIUS; WITTELS, FRITZ.

vitalismo Doutrina médica proveniente de Paul Joseph Barthez e da escola de Montpellier, segundo a qual existe em cada indivíduo um princípio vital, distinto tanto da alma quanto do pensamento e das propriedades físico-químicas dos organismos vivos.

Vlad, Constantin (1892-1971) psiquiatra e psicanalista romeno

Originário de Bucovina, província oriental do Império Austro-Húngaro, Constantin Vlad foi o pioneiro da psicanálise* na Romênia*. Estudou medicina em Viena* e foi por suas leituras pessoais que se iniciou na psicanálise*. Em 1923, defendeu uma tese de doutorado em Bucareste, na qual apresentou seis casos de análise. Psiquiatra do serviço sanitário do exército, melhorou o tratamento dos soldados com a aplicação do método freudiano. A partir de 1925, publicou várias obras e, especialmente em 1932, um célebre estudo psicobiográfico sobre o poeta Mihail Eminescu (18501889). Criou em 1935 a Revista Romana de Psihanaliza, que teve apenas um número. Em 1946, foi o primeiro presidente da Sociedade Romena de Psicopatologia e Psicoterapia. Durante os períodos de ditadura, nunca renegou a psicanálise. • Gheorghe Bratescu, Freud si psihanaliza in Romania, Bucareste, Humanitas, 1994.

➢ COMUNISMO; HISTÓRIA DA PSICANÁLISE; POPESCU-SIBIU, IOAN.

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W Wagner-Jauregg, Julius, né Wagner Ritter von Jauregg (1857-1940)

Watermann, August (1880-1944)

psiquiatra austríaco

Depois de estudar medicina em Göttingen, August Watermann formou-se no Instituto de Berlim e tornou-se membro da Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG) em 1927. Em 1930, com Clara Happel*, fundou em Hamburgo um grupo de estudos psicanalíticos. Depois da tomada do poder pelos nazistas, emigrou para os Países Baixos*, onde teve dificuldade para se integrar à Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP). Finalmente, instalou-se em Haia. Casou-se com uma neerlandesa, Deena Vecht, com quem teve um filho. Depois da invasão da Holanda pelas tropas alemãs, tentou em vão emigrar para os Estados Unidos*, mas foi detido e preso no campo de trânsito de Wremdelingen, em Westerbork. Em 18 de janeiro de 1944, foi deportado com sua família para o campo de concentração de Theresienstadt, e depois para o de Auschwitz. Todos os três foram exterminados.

médico e psicanalista alemão

Contemporâneo e amigo de Sigmund Freud*, apesar de uma oposição radical à psicanálise* em nome de posições organicistas, Julius Wagner-Jauregg foi todavia um reformador do asilo em Viena*. Inventou a malarioterapia, que permitiu tratar da paralisia geral, o que lhe valeu o Prêmio Nobel de medicina em 1927. Atacado em 1920 e acusado de falta grave por ter chamado de simuladores doentes neuróticos de guerra que submetera a tratamentos com eletricidade, foi convocado por uma comissão de inquérito, da qual Freud participou como perito. Através desse debate, foi relançada a questão da neurose traumática e da simulação. Furioso por ser criticado (embora com muita moderação) por Freud, Wagner-Jauregg o acusou depois de ter-se aproveitado dessa ocasião para atacá-lo e valorizar sua doutrina. Conservador e desesperado com a derrocada da monarquia josefista, abraçou a causa do nacionalismo alemão e, no fim da vida, aderiu ao Partido Nacional-Socialista, mesmo nunca tendo sido anti-semita.

• Ici la vie continue de manière surprenante. Contribution à l’histoire de la psychanalyse en Allemagne (Hamburgo, 1985), seleção de textos traduzidos por Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire de la Psychanalyse (AIHP), 1987.

• Julius Wagner-Jauregg, Lebenserinnerungen, L. Schönbauer e M. Jantsch (org.), Viena, Springer, 1950 • Magda Whitrow, Julius Wagner-Jauregg, Londres, Smith Gordon and Company, 1993 • Peter Berner, “Freud et Wagner-Jauregg: psychanalyse, neurologie, psychiatrie”, conferência inédita • Colóquio internacional sobre o tema “Psycho-analyse, premier siècle”, organizado pelo Institut Français de Vienne, junho de 1996.

Weininger, Otto (1880-1903) escritor austríaco

Como Wilhelm Fliess*, o nome de Otto Weininger está ligado à construção, por Sigmund Freud*, da noção de bissexualidade*. Seu destino foi sintomático da ascensão de alguns dos grandes fanatismos do fim do século XIX: anti-semitismo, antifeminismo, culto à pureza racial. Nascido em Viena*, era filho de um artesão judeu, anti-semita e violento, que se casara com

➢ BABINSKI, JOSEPH; CHARCOT, JEAN MARTIN; HISTERIA; NEUROSE; SEDUÇÃO, TEORIA DA. 778

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Weiss, Edoardo

uma mulher deprimida, doente e submissa à sua tirania. Poliglota e aluno brilhante, mas taciturno e melancólico, o jovem Otto admirava August Strindberg (1849-1912) e adotara as teses anti-semitas de Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), genro de Richard Wagner (1813-1883) e teórico da superioridade da “raça alemã”. Em 1902, por ódio à sua judeidade*, converteu-se ao protestantismo e, um ano depois, publicou sua única obra, Sexo e caráter, verdadeiro manifesto da bissexualidade e do ódio às mulheres e aos judeus. Em outubro do mesmo ano, preparou seu suicídio*. Alugou um quarto na antiga casa de Ludwig van Beethoven (1770-1827), e ali deu um tiro no coração. Traduzido em dez línguas, seu livro foi um fantástico best-seller e teve 28 reimpressões até 1947, antes de cair no esquecimento. Freud foi envolvido na vida de Weininger por causa de Hermann Swoboda*. Em uma nota de 1909 a respeito da análise de Herbert Graf* (o Pequeno Hans), Freud fez uma crítica severa de Weininger: “O complexo de castração* está na raiz inconsciente do anti-semitismo. O desprezo pelas mulheres jovens também não tem outra raiz. Weininger, esse jovem filósofo eminentemente dotado e sexualmente perturbado, que se suicidou depois de escrever o curioso livro Sexo e caráter, tratou, em um capítulo que causou sensação, do judeu e da mulher com a mesma hostilidade, lançando-lhes os mesmos insultos. Weininger era um neurótico inteiramente dominado por complexos infantis; nele, era o complexo de castração que fazia a ligação entre o judeu e a mulher.” • Otto Weininger, Sexe et caractère (Viena, 1903), Lausanne, L’Âge d’Homme, 1975 • Jacques Le Rider, Le Cas Otto Weininger. Racines de l’antiféminisme et de l’antisémitisme, Paris, PUF, 1982; Modernité viennoise et crises de l’identité (1990), Paris, PUF, 1994 • Érik Porge, Vol d’idées, Paris, Denoël, 1994.

Weiss, Edoardo (1889-1970) psiquiatra e psicanalista americano

Nascido em Trieste, Edoardo Weiss era filho de um empresário judeu da Boêmia. Fez os estudos secundários em sua cidade natal, onde também nascera sua mãe. Em 1908, como muitos de seus contemporâneos, Weiss decidiu estudar medicina em Vie-

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na*. Logo que chegou à capital austríaca, solicitou uma consulta a Sigmund Freud*, com quem se encontrou pela primeira vez em 7 de outubro de 1908. Nessa ocasião, encontrou na sala de espera uma criança de cinco anos, que mais tarde saberia tratar-se do Pequeno Hans (Herbert Graf*), que fora visitar Freud algum tempo depois de terminar seu tratamento. Freud parece ter manifestado imediatamente grande simpatia por esse jovem italiano, que lhe participou o desejo de se dedicar à psicanálise*. Seria porque comparava, com bom humor, Wilma Federn com Mussolini e o seu marido com o rei da Itália, Vítor Emanuel, que Freud enviou o jovem Weiss a Paul Federn* para começar logo uma análise? A história não diz... De todo modo, Weiss se tornaria amigo de Federn depois de ser analisado por ele e adotaria grande parte de suas concepções teóricas, particularmente a que se referia à psicologia do eu*. Weiss começara a se interessar pela psicanálise muito cedo. Ainda no liceu, em Trieste, lera A interpretação dos sonhos* e contou, em suas “Lembranças de Sigmund Freud”, publicadas com as cartas que Freud lhe enviou, que desde essa época estava informado da “inimizade que os dirigentes da psiquiatria e da neurologia alimentavam contra a psicanálise”. Em 1913, antes mesmo de acabar o curso de medicina, Weiss se tornou membro da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Quando a guerra estourou, foi mobilizado pelo exército austríaco como médico militar. Isso não o impediu de publicar seus primeiros trabalhos no Internationale ärztlische Zeitschrift für Psychoanalyse* (IZP), nem de se casar, em 1917, com Wanda Shrenger, que conhecera quando era estudante. Voltando a Trieste em 1919, Weiss foi admitido como médico psiquiatra no hospital psiquiátrico da província e começou a analisar pacientes, tornando-se assim o primeiro psicanalista em exercício na Itália. Bem inserido nos meios intelectuais de Trieste, muito abertos à influência austríaca — Giorgio Voghera comparou a paixão da intelligentsia de Trieste pela psicanálise com um verdadeiro “ciclone” — Weiss entrou em contato com o escritor Italo Svevo (1861-1928) e com o poeta Umberto Saba (1883-1957). Criticou severa-

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Weiss, Edoardo

mente o primeiro por seu uso incorreto da psicanálise no célebre romance A consciência de Zeno e tornou-se analista do segundo em 1929. Mas a intensidade dessa vida intelectual não deve esconder as dificuldades que Weiss encontrou em sua cidade e na Itália inteira. No fim da guerra, o país se sentia humilhado e, longe de se interessar pela doutrina freudiana, a classe dirigente italiana e os meios intelectuais se voltavam para as ideologias nacionalistas e as concepções positivistas da ciência. Weiss tentou fazer contatos com alguns raros defensores da psicanálise, em especial Marco Levi-Bianchini*. Ao mesmo tempo, Enrico Morselli (18521929), eminente representante da psiquiatria organicista em Trieste, lhe pediu que o iniciasse na teoria freudiana. Gentilmente, Weiss respondeu à sua solicitação e Morselli o convidou a fazer uma comunicação no XVIII Congresso Nacional de Psiquiatria, que se realizou em Trieste em 1925. Mas a decepção de Weiss foi grande: depois de uma recepção fria, sofreu os ataques tão violentos quanto inesperados do próprio Morselli. Alguns meses depois, este publicou uma obra em dois volumes, intitulada La psicoanalisi, na qual a psicanálise e seu fundador eram francamente caricaturados. Weiss sentiu uma grande amargura. A isso acrescentava-se a tristeza que lhe causava a atitude ambivalente de Freud em relação a seu país. Com a esperança de ver suas idéias se implantarem na Itália, Freud estava pronto a fazer concessões, a fingir que não via a agressividade ou a ignorância de certas pessoas, desde que estas manifestassem um mínimo de interesse pela psicanálise. A propósito do livro de Morselli, Freud parecia compartilhar a indignação de Weiss. Efetivamente, pediu-lhe que fizesse uma crítica impiedosa dessa obra “miserável e maldosa”, cujo autor não passava de um “burro”. Mas nem por isso deixou de escrever, no mesmo momento, uma carta a Morselli, cujo tom era dos mais amáveis. Por duas vezes, Freud adotaria a mesma atitude a respeito de Levi-Bianchini. Às advertências que Weiss lhe fizera, quanto ao turbulento fundador do Archivio de Neurologia, Psichiatria e Psicoanalisi, que considerava pouco confiável, Freud respondeu de maneira benevolente, e até insistiu com Weiss para que

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este confiasse ao mesmo Levi-Bianchini a edição de sua tradução para o italiano das Conferências introdutórias sobre psicanálise*, coisa que ele fez muito mal. Desses diversos incidentes, das dificuldades manifestadas mais ou menos explicitamente por Freud quando estava diante dos efeitos da transferência dos seus alunos sobre a sua pessoa, Weiss seria um dos poucos a falar posteriormente sem cair na adulação nem no rancor. A partir de 1927, Weiss encontrou cada vez mais obstáculos. Recusando-se a italianizar seu nome e a aderir ao partido fascista, foi obrigado a renunciar a seu posto no hospital. Pensou então em emigrar e abriu-se com Freud, que lhe respondeu, em 10 de abril de 1927, para desaconselhá-lo a fazer isso: “Sei que há épocas particularmente desfavoráveis e outras em que tendemos ao desânimo, mas espero que elas passem e que você ainda se encontre bem na Itália, onde é o representante legítimo da psicanálise”. Em 1930, um certo Silvio Tissi, que Weiss em uma carta a Paul Federn de 16 de junho de 1930 qualificou de “charlatão”, fez em Trieste uma conferência sobre a psicanálise, que teve certa repercussão, a despeito de sua mediocridade. Weiss foi então solicitado, por uma sociedade médica local, a dar um curso de psicanálise, como resposta. Ministrou assim, para um público numeroso e apaixonado, cinco aulas, que seriam publicadas sob o título Elementi di psicoanalisi, acompanhadas de um caloroso prefácio de Freud. O livro teve logo um certo sucesso. Tratava-se de uma apresentação rigorosa e exaustiva da doutrina freudiana, à qual se acrescentavam desenvolvimentos sobre os trabalhos de Federn e algumas notas sobre as pesquisas do próprio Weiss. Anexo, havia um glossário de termos psicanalíticos, que durante muito tempo foi o único do gênero na Itália. Nesse mesmo ano de 1931, aceitando uma proposta do psiquiatra Sante De Sanctis (18621935), Weiss deixou Trieste e foi para Roma, onde logo fez amizade com Emilio Servadio* e Nicola Perrotti*, que seriam, com ele, os pioneiros da psicanálise na Itália. Cesare Musatti* se juntou a eles pouco depois. Em 1932, Weiss fundou novamente, sobre bases sérias, a Società Psicoanalitica Italiana


Weiss, Edoardo

(SPI), inicialmente criada, em 1925, por LeviBianchini. A sede da Sociedade foi transferida para Roma, no domicílio de Weiss, na Via dei Gracchi, e a International Psychoanalytical Association* (IPA) a reconheceria oficialmente em 1936. Também em 1932, Weiss fundou a Rivista Italiana di Psicoanalisi, que publicou artigos de Ernest Jones*, Marie Bonaparte*, Paul Federn e traduções de Freud por Weiss e Servadio, assim como os trechos fortes de uma violenta controvérsia com certos representantes da nova geração crociana (Benedetto Croce, 1866-1952). Em 1933, produziu-se um acontecimento cuja interpretação ainda hoje é problemática. Nesse ano, Weiss, como fazia de vez em quando, foi a Viena para apresentar a Freud uma paciente sua, cujo tratamento levantava alguns problemas. Weiss e ela estavam acompanhados do pai desta, Gioacchino Forzano, autor de comédias e amigo de Benito Mussolini (18831945). Ao fim da consulta, o pai pediu a Freud que dedicasse um de seus livros para o Duce. Em consideração a Weiss, Freud consentiu, escolhendo o texto “Por que a guerra?”, escrito com Albert Einstein (1879-1955). Posteriormente, Weiss contou o ocorrido a Ernest Jones*, pedindo-lhe expressamente que não o publicasse. Mas, no terceiro volume de sua biografia de Freud, Jones ignorou esse pedido e deu uma versão do incidente que contribuiria para obscurecer seu sentido. Traduziu para o inglês a dedicatória de Freud e atribuiu a Weiss, a quem acusou de manter contatos estreitos com o ditador italiano, a indicação de uma intervenção de Mussolini junto a Hitler para garantir a proteção de Freud. Com moderação, Weiss retificou os fatos, lembrando sua oposição feroz e precoce ao fascismo mussoliniano, a interdição, em 1934, da Rivista Italiana di Psicoanalisi e as perseguições que o levariam, como muitos de seus amigos, a deixar o país. Aliás, ajudado por Kurt Eissler, então secretário dos Arquivos Freud, Weiss encontrou o exemplar do livro com a dedicatória de Freud e expôs o caráter aproximativo da tradução que Jones fizera dela. A sinceridade e a autenticidade dos sentimentos antifascistas de Weiss eram indubitáveis e o pedido a Jones mostrava seu constrangimento por ocasião do encontro.

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Comparando, a partir do alemão, a verdadeira dedicatória de Freud e a versão de Jones em inglês, Paul-Laurent Assoun tentou interpretar a intenção de Freud. Enfatizou que este escolhera deliberadamente esse livro sobre a guerra, escrevendo esta dedicatória: “A Benito Mussolini, com a saudação respeitosa de um velho homem que reconhece, na pessoa do dirigente, um herói da cultura.” Paul-Laurent Assoun evidenciou que não havia como detectar nenhuma ambigüidade nessa frase; no máximo uma certa ingenuidade no desejo de que o “dirigente” (Machthaber) demonstrasse heroísmo, pondo a força de que dispunha a serviço do direito, única arma capaz de assegurar o caminho da cultura até a razão. Em 1936, por ocasião do octogésimo aniversário de Freud, os psicanalistas italianos, sempre sob a direção de Weiss, se manifestaram coletivamente, pela primeira e última vez antes do exílio, consagrando um número de sua revista proibida à obra do fundador. Freud respondeu agradecendo calorosamente, acrescentando especialmente para Weiss: “Os psicanalistas da Itália, sob a sua direção, provaram nesta ocasião, de modo particularmente impressionante, sua adesão à comunidade dos psicanalistas. O nome de Edoardo Weiss é garantia de um rico futuro.” Mas, como sabemos, a história logo se encarregaria de desmentir essa declaração. As perseguições racistas se multiplicaram, até o decreto de 1938, que proibiu aos judeus qualquer possibilidade de exercer uma profissão. Weiss viu-se obrigado ao exílio. Em janeiro de 1939, embarcou, em Nápoles, para a América. Como escreveu Anna Maria Accerboni, “a cortina caiu definitivamente sobre o fim do primeiro ato da história da psicanálise na Itália.” Nos Estados Unidos*, Weiss começou trabalhando durante algum tempo na clínica de Karl Menninger*, em Topeka, no Kansas. Repetiu os estudos de medicina, a fim de poder exercer oficialmente a psicanálise, e uniu-se à equipe de Franz Alexander* em Chicago, onde ficaria até a morte. Mas a guerra e o fascismo estariam presentes em seu espírito e em seu coração. Seu cunhado, sua irmã e a família de sua mulher desapareceriam nos campos de extermínio nazistas. A Paul Federn, mais do que nunca seu amigo, que lhe expressava sua sim-

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White, William Alanson

patia, Weiss respondeu em uma carta de 17 de novembro de 1942, mostrando simultaneamente seu ódio, seu desejo de vingança e seu abatimento. Com mais de sessenta publicações, livros e artigos, Weiss deixou o esboço de uma obra organizada em torno de uma concepção da teoria do eu, que tomou por empréstimo a Paul Federn e desenvolveu a propósito de temas tão variados quanto a clínica da paranóia*, o amor heterossexual, a problemática da identificação* ou a agorafobia, à qual dedicou uma obra publicada nos Estados Unidos em 1964. Depois da morte de Federn, em 1950, que se afastara progressivamente das concepções freudianas originárias da segunda tópica, sem com isso aderir às teses da Ego Psychology*, então dominantes além-Atlântico, Weiss fez com que as idéias do amigo não fossem esquecidas. Assim, publicou sob o título Ego Psychology and the Psychoses, o conjunto de seus escritos e, depois, no âmbito de uma obra coletiva dirigida principalmente por Alexander, um capítulo sobre a teoria da psicose* segundo Federn. Em 1970, não sem se chocar com a frontal oposição de Anna Freud*, Weiss publicou, com um cuidado especial, as cartas que Freud lhe dirigira, restituindo-os a seu contexto original, conferindo assim a esse pequeno livro um rigor histórico exemplar. • Edoardo Weiss, Elementi di psicoanalisi (Milão, 1937), Pordenone, Edizioni Studio Tesi, 1995, com prefácio de Sigmund Freud; Ego Psychology and the Psychoses, Edoardo Weiss (org.), N. York, Basic Books, 1952; The Structure and Dynamics of the Human Mind, N. York, 1960; Agoraphobia in the Light of Ego Psychology, N. York, Grune and Stratton, 1964; “Paul Federn, 1871-1950, A teoria da psicose”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Sigmund Freud e Edoardo Weiss, Lettres sur la pratique psychanalytique (N. York, 1970), Toulouse, Privat, 1975 • Anna Maria Accerboni, “Psicanálise e fascismo. Duas abordagens incompatíveis. O difícil papel de Edoardo Weiss”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 1 (1988), Rio de Janeiro, Imago, 1990, 199-216 • Paul-Laurent Assoun, “Freud et la politique”, Pouvoirs, 11, 1981, 155-81 • Contardo Calligaris, “Petite histoire de la psychanalyse en Italie”, Critique, 333, fevereiro de 1975, 175-95 • Marco Conci, “Psychoanalysis in Italy: a reappraisal”, Int. forum. Psychoanal., 3, 1994, 117-26 • Michel David, La psicoanalisi nella cultura italiana (1966), Turim, Bollati Boringhieri, 1990;

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“La Psychanalyse en Italie”, in Roland Jaccard (org.), Histoire de la psychanalyse, vol.II, Paris, Hachette, 1982 • Octave Mannoni, Ficções freudianas (Paris, 1978), Rio de Janeiro, Taurus, 1986 • Jacques Nobécourt, “Freud et le ‘Triskeles’”, Critique, 435-6, agostosetembro de 1983, 599-622; “La Transmission de la psychanalyse freudienne en Italie via Trieste”, Critique, 435-6, agosto-setembro de 1983, 623-7 • Arnaldo Novelletto, “Italy”, in Peter Kutter (org.), Psychoanalysis International. Guide to Psychoanalysis throughout the World, Stuttgart-Bad Cannstatt, Frommann-Holzboog, 1992 • Michele Ranchetti, “Un pioniere della psicoanalisi”, L’indice dei libri del mese, 1985, 10 • Paul Roazen, “Questions d’éthique psychanalytique: Edoardo Weiss, Freud et Mussolini”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 1992, 5, 151-67 • Silvia Vegetti Finzi, Storia della psicoanalisi, Milão, Mondador, 1986 • Giorgio Voghera, Gli anni della psicoanalisi, Pordenone, Edizioni Studio Tesi, 1980.

➢ BIBLIOTECA DO CONGRESSO; FOBIA.

White, William Alanson (1870-1937) psiquiatra americano

Em 1903, William Alanson White foi nomeado por Theodore Roosevelt (1858-1919) diretor do Government Hospital for the Insane de Washington. Logo se interessou pela psicanálise*, cujas principais teses introduziu no saber psiquiátrico americano. Assim, desempenhou um papel considerável como formador de opinião, tradutor, escritor e clínico junto aos jovens psiquiatras da geração* seguinte, interessados no freudismo* e em uma extensão social da psiquiatria ao campo da esquizofrenia*. Foi em especial o inspirador de Harry Stack Sullivan*. Com Ely Smith Jelliffe*, criou a Psychoanalytic Review, primeira publicação em língua inglesa dedicada ao freudismo no solo americano. Durante toda a vida, manteve uma certa distância em relação a Sigmund Freud* (que ele chamava “o papa de Viena”) e fez uma curta análise com Otto Rank*. • L’Introduction de la psychanalyse aux États-Unis. Autour de James Jackson Putnam (Londres, 1968), Nathan G. Hale (org.), 1978, Paris, Gallimard, 17-86 • Nathan G. Hale, Freud and the Americans. The Beginnings of Psychoanalysis in the United States, 18761917, t.I (1971), N. York, Oxford University Press, 1995 • E. James Lieberman, La Volonté en acte. La Vie et l’oeuvre d’Otto Rank (N. York, 1985), Paris, PUF, 1991.


Winnicott, Donald Woods

Winnicott, Donald Woods (1896-1971) médico e psicanalista inglês

Dotado de um excepcional gênio clínico, esse grande pediatra, considerado por seus colegas como um espírito independente, e muitas vezes comparado na França* a Françoise Dolto*, foi o fundador da psicanálise de crianças* na Grã-Bretanha, antes da chegada a Londres de Melanie Klein*. Posição paradoxal, pois em geral eram as mulheres que ocupavam esse lugar na história do freudismo*. Por sua obra e suas posições no seio do Grupo dos Independentes*, diante dos kleinianos, por um lado, e dos annafreudianos, por outro, deixou uma herança conceitual fundamental, embora nunca tivesse fundado escola ou corrente. Donald Woods Winnicott nasceu em Plymouth, a 7 de abril de 1896, em um meio não-conformista da costa oeste da Inglaterra. Era o terceiro filho, o único menino, de Sir Frederick Winnicott, rico comerciante enobrecido que ocupou por duas vezes as funções de prefeito de sua cidade. Criança bem tratada, cercado dos cinco jovens primos que moravam na casa vizinha à sua e foram seus melhores companheiros, cresceu num universo marcado pela presença das mulheres. A mãe, a avó, uma babá, uma governanta e as duas irmãs tiveram um papel maior na sua educação, enquanto o lugar do pai permanecia vago. Absorvido por seus negócios e suas diversas funções administrativas, Sir Frederick não tinha tempo para os filhos: “Meu pai, contou Winnicott, tinha uma fé religiosa simples. Um dia, quando lhe fiz uma pergunta que poderia nos levar a uma discussão sem fim, ele se limitou a dizer: ‘Leia a Bíblia que você encontrará a resposta certa.’ Foi assim que ele deixou — graças a Deus — que eu me virasse sozinho.” Aos 13 anos de idade, o jovem Donald foi enviado a Cambridge para ser aluno interno da Leys School. Em suas lembranças, ele evocou a saudade que sentiu de sua cidade natal depois da separação, mas também a despreocupação que lhe permitiu adaptar-se à sua nova vida. Logo se apaixonou pela biologia darwiniana e decidiu, depois que fraturou a clavícula, estudar medicina. Entrou para o Jesus College de Cambridge para formar-se em biologia. Durante a Primeira Guerra

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Mundial, foi designado como cirurgião estagiário a bordo de um contratorpedeiro. Em 1923, orientou-se para a pediatria e para a psicanálise*. Nessa data, foi nomeado médico-assistente no Padington Green Children’s Hospital, lugar que ocuparia durante 40 anos, tratando de mais de 60 mil casos. No mesmo ano, começou, com James Strachey*, um tratamento que se prolongou durante dez anos. Casou-se com Alice Taylor, uma jovem artista que obteve uma modesta reputação de ceramista. As cartas trocadas entre James e Alix Strachey*, em 1924 e 1925, mostram claramente que “Winnie” sofria de problemas sexuais, a ponto de não conseguir consumar seu casamento. O lugar de Alice Taylor na complicada vida de Winnicott foi apagado pela história oficial, mas sabe-se que a jovem foi internada várias vezes em hospitais psiquiátricos. Em 1951, dois anos depois de seu divórcio, Winnicott casou-se com Clare Britton, uma assistente social que ele encontrara durante a Segunda Guerra Mundial, tratando da instalação, no campo, de crianças evacuadas das cidades. Ela própria se tornaria psicanalista, com o nome de Clare Winnicott, continuando ao mesmo tempo uma brilhante carreira de professora na London School of Economics e no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Winnicott não teve filhos. No momento em que Winnicott começou sua formação psicanalítica, a British Psychoanalytical Society (BPS), fundada por Ernest Jones* em 1913, estava em crise. Violentos conflitos opunham os partidários de Anna Freud* aos de Melanie Klein a propósito da psicanálise de crianças*. Em 1926, a pedido de Jones, Melanie se instalou em Londres. Contra Anna Freud, que continuava apegada a uma concepção pedagógica do tratamento de crianças, ela desenvolveu um ensino centrado na técnica dos jogos e na observação das psicoses* infantis. Por volta de 1930, o conflito teórico resultou em conflito institucional. Melanie Klein se tornou tirânica e sua prática foi denunciada por sua própria filha, Melitta Schmideberg*, analisada por Edward Glover*. No centro dessa terrível confusão familiar, Winnicott afirmou sua independência. Embora admirasse Melanie Klein, com quem, a conselho

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de Strachey, fez uma supervisão entre 1935 e 1941, recusou-se a ceder às suas exigências. Assim, quando ela quis obrigá-lo a analisar seu filho Erich, a fim de supervisionar o tratamento, ele o fez mas não aceitou nenhum tipo de supervisão*. Todavia, foi no grupo kleiniano que ele continuou sua formação, fazendo outra análise com Joan Riviere* entre 1933 e 1938. Por sua vez, Clare Winnicott seria analisada por Melanie Klein. Durante o período das Grandes Controvérsias*, escolheu o Grupo dos Independentes, o que convinha muito bem à sua posição doutrinária, que consistia em tentar elaborar uma concepção pessoal e original da relação de objeto*, do self (si) e do brincar. Em sua obra Da pediatria à psicanálise, publicada em 1958, apresentou o conjunto de suas posições sobre o tema. Ao contrário de Melanie Klein, interessava-se menos pelos fenômenos de estruturação interna da subjetividade do que pela dependência do sujeito* em relação ao ambiente. Não aceitava a explicação freudiana da agressividade em termos de pulsão* de morte e definiu a psicose* como um fracasso da relação materna. Daí sua crença em uma certa normalidade fundada nos valores de um humanismo criador. Segundo ele, era o “bom funcionamento” do laço com a mãe que permitia à criança organizar o seu eu* de maneira sadia e estável. Vemos aqui que Winnicott era menos marcado pela tradição da psiquiatria do que pela da pediatria. Como Françoise Dolto posteriormente, foi a medicina educativa, mais do que o fascínio pela loucura, que marcou o seu itinerário. Depois, foi o trabalho durante a guerra com crianças refugiadas e conseqüentemente privadas presença materna que levou Winnicott a desenvolver um conjunto de novas noções. Em sua opinião, a dependência psíquica e biológica da criança em relação à mãe tem uma importância considerável. Daí o célebre aforismo de 1964: “O bebê não existe.” Winnicott queria dizer com isso que o lactente nunca existe por si só, mas sempre e essencialmente como parte integrante de uma relação. Se a mãe estiver incapaz, ausente ou, pelo contrário, demasiadamente intrusiva, a criança se arrisca à depressão ou a condutas anti-sociais, como o roubo ou a

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mentira, que são maneiras de reencontrar, por compensação, uma “mãe suficientemente boa”. Todos os grandes conceitos winnicottianos construídos a partir de 1945 fazem parte de um sistema de pensamento fundado na noção de relação: a mãe devotada comum (ordinary devoted mother), a mãe suficientemente boa (good enough mother), o jogo da espátula ou do rabisco (spatula game, squiggle game) ou ainda o falso e o verdadeiro self* e o objeto transicional*. Pela importância que atribui à mãe e à relação de maternagem, Winnicott se inscreve na lógica do freudismo no período entre as duas guerras, quando o interesse pelo pai, pelo patriarcado* e pelo Édipo* clássico foi abandonado, em benefício de uma redefinição do materno e do feminino. Nessa perspectiva, a good enough mother era realmente uma mãe ideal: atenta a todas as formas de diálogo e de brincar criativo, ela devia se mostrar capaz de inspirar à criança uma frustração* necessária, a fim de desenvolver seu desejo* e sua capacidade de individuação. Essa relação, que reduz o lugar do pai ao mínimo indispensável, aparece como exclusiva e não-erotizada. A partir de 1945, a obra winnicottiana tomou importância no mundo anglófono, na medida em que as mulheres foram estimuladas a voltar ao lar, depois do esforço de guerra e da volta dos homens à vida civil. Quanto ao próprio Winnicott, tornou-se uma figura popular em seu país, depois de fazer, entre 1939 e 1962, cerca de 50 conferências radiofônicas na BBC, quase todas dirigidas aos pais. O famoso doutor Benjamin Spock, renovador americano da ideologia familiarista, se diria adepto de suas teorias e faria o prefácio de uma de suas obras póstumas. Winnicott tinha verdadeira paixão pela infância, como mostra o relatório do tratamento da “pequena Piggle”, publicado depois de sua morte. Esta tinha dois anos quando foi paciente de Winnicott. Ele a viu durante três anos, a pedido, e fez com ela 16 sessões memoráveis. Gostava de brincar com as crianças, com suas palavras, com seus brinquedos de pelúcia. Mas não mostrava nenhuma complacência para com a infância. Comparava o bebê a um “fardo carregado pelos pais”, e quando abrigou em sua casa um menino de 9 anos que fugira de casa, escreveu estas palavras: “Três meses de inferno


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[...]. O que importa, penso eu, é a maneira pela qual a evolução da personalidade do menino gerou o ódio em mim e o que eu fiz com isso.” Sua técnica psicanalítica* sempre esteve em contradição com os padrões da International Psychoanalytical Association* (IPA). Winnicott não respeitava nem a neutralidade nem a duração das sessões, e não hesitava, na linhagem da herança ferencziana, em manter relações de amizade calorosa com seus pacientes, reencontrando sempre a criança neles e em si mesmo. Via na transferência* uma réplica do laço materno. Assim, oferecia a seus analisandos um “ambiente” especial. Às vezes, tomavaos nos braços e prolongava a sessão durante três horas. Dedicou a sua última obra, O brincar e realidade, aos seus pacientes que “pagaram para me ensinar”. Esse não-conformismo, essa ausência de ortodoxia nunca lhe foram realmente reprovados por seus colegas da BPS. Em suas Cartas vivas, publicadas depois de sua morte, descobre-se até que ponto ele soube descrever a esclerose que atingia a BPS, à qual pertencia. Ao longo de uma rica correspondência, Winnicott se mostrou capaz de comentar os costumes e hábitos de seu país e os acontecimentos cotidianos da instituição freudiana de que era membro, e que se encontrava submetida à tirania de duas mulheres: Anna Freud e Melanie Klein. Impiedoso, ele descreveu com ferocidade os defeitos tão característicos dos grupos psicanalíticos (jargão, idolatria etc.). Assim, em uma carta que se tornou célebre, datada de 3 de junho de 1954, denunciou a hipocrisia das duas “chefes” da escola inglesa: “Considero, escreveu ele, que é de importância vital para a Sociedade [a BPS], que ambas destruam seus grupos em seu aspecto oficial [...]. Não tenho razões para pensar que viverei mais tempo que as sras., mas ter que lidar com agrupamentos rígidos, que com a sua morte se tornariam automaticamente instituições de Estado, é uma perspectiva que me apavora.” A partir de sua experiência terapêutica, Winnicott transmitiu um ideal de “não-ruptura” que repercutiu em suas posições institucionais. Em sua ótica, nenhuma instituição era melhor ou pior do que outra, pois todas dependiam do fingimento e só a instauração de um justo meio podia favorecer a expressão do verdadeiro. Pre-

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servação das aparências, salvaguarda de uma posição “transicional”, distanciamento crítico, ceticismo apaixonado: essas foram as escolhas de Winnicott, que preferiu criticar a instituição psicanalítica a partir de seu interior a separar-se dela. Diante de Ernest Jones, e muitas vezes contra ele, foi a própria encarnação da situação inglesa da psicanálise. Sua posição, nesse ponto, está apenas em aparente oposição com a de Jacques Lacan*, que, por sua vez, não cessaria de colocar em ato, às vezes sem querer, uma prática de ruptura, de cisão* e de reformulação, como se a arte da revolução permanente fosse, na situação francesa, o único caminho possível. Ao contrário da maioria dos psicanalistas ingleses, e como Masud Khan*, que foi seu aluno e amigo, Winnicott não ignorou a doutrina lacaniana. Teve com Lacan uma relação epistolar assídua e inspirou-se na noção de estádio do espelho* para escrever o seu artigo de 1967 sobre “O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento da criança”. Mas, no momento das cisões do movimento francês, permaneceu prudente, defendendo até por vezes posições “ortodoxas”, sobretudo a respeito da prática de Françoise Dolto, a quem acusou, em 1953, de uma atitude excessivamente “carismática”, com o risco de favorecer uma idolatria por parte dos alunos. Independente sem ser solitário, não gostava de seitas, de discípulos, de imitadores. Foi por isso que, mostrando-se ao mesmo tempo transgressor em sua prática e rigoroso em sua doutrina, não hesitou em apoiar os rebeldes e os dissidentes — principalmente Ronald Laing*, um dos artífices da antipsiquiatria*. Sofrendo de problemas cardíacos desde 1948, Winnicott morreu subitamente em 1971. Na França, a revista L’Arc e a Nouvelle Revue de Psychanalyse lhe prestaram uma vibrante homenagem: “Talvez não haja nenhum sucessor, escreveu J.-B. Pontalis, ninguém para se dizer seu seguidor. E é melhor assim. Com mestres, a psicanálise pode sobreviver durante algum tempo. Sem juízes nem mestres, ela tem a possibilidade de viver indefinidamente.” • Donald Woods Winnicott, Clinical Notes on Disorders of Childhood, Londres, Heineman, 1931; L’Enfant et sa famille. Les Premières relations (Londres, 1957), Paris, Payot, 1971; L’Enfant et le monde extérieur. Le Déve-

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Winternitz, Pauline

loppement des relations (Londres, 1957), Paris, Payot, 1972; Da pediatria à psicanálise (Londres, 1958), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988; O ambiente e os processos de maturação (Londres, 1965), P. Alegre, Artes Médicas, 1983; O brincar e a realidade (Londres, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1979; Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (Londres, 1971), Rio de Janeiro, Imago, 1979; Fragment d’une analyse (Londres, 1975), Paris, Payot, 1975; The Piggle. Relato do tratamento psicanalítico de uma menina (Londres, 1977), Rio de Janeiro, Imago, 1979; Privação de delinqüência (Londres, 1984), S. Paulo, Martins Fontes, 1995; Os bebês e suas mães (Londres, 1987), S. Paulo, Martins Fontes, 1988; Lettres vives (Londres, 1987), Paris, Gallimard, 1989; Conversando com os pais (Londres, 1993), S. Paulo, Martins Fontes, 1993 • Madeleine Davis e David Wallbridge, Limite e espaço. Uma introdução à obra de Winnicott (N. York, 1981), Rio de Janeiro, Imago, 1982 • Perry Meisel e Walter Kendrick, Bloomsbury/Freud, James et Alix Strachey, Correspondance, 1924-1925 (Londres, 1985), Paris, PUF, 1990 • Nouvelle Revue de Psychanalyse, 4, outono de 1971 • L’Arc, 69, 1977.

➢ BORDERLINE; DIFERENÇA SEXUAL; ESTADOS UNIDOS; GÊNERO; KOHUT, HEINZ; SELF PSYCHOLOGY.

Winternitz, Pauline, dita Paula, née Freud (1864-1942), irmã de Sigmund Freud Nascida em Viena*, Paula era a sétima entre os filhos de Jacob e Amalia Freud* e a quinta irmã de Sigmund Freud*. Casada com Valentin Winternitz, com quem teve uma filha, Rose Beatrice, apelidada Rosi, ficou viúva muito cedo. Esquizofrênica desde a infância, Rose se casaria, entretanto, com um jovem poeta, Ernst Waldinger, com quem teria uma filha. Emigrou para Nova York e foi analisada por Paul Federn*. Em 29 de junho de 1942, Paula Winternitz foi deportada com suas irmãs Adolfine Freud*, chamada Dolfi, e Marie Freud*, chamada Mitzi, para o campo de concentração de Theresienstadt. Dali, foi transferida em 23 de setembro para o campo de extermínio de Maly Trostinec, onde desapareceu, certamente morta na câmara de gás, ao mesmo tempo que Mitzi. • Ernest Jones, A vida e a obra de Sigmund Freud, vols.1 e 3 (N. York, 1953 e 1957). • Peter Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo (N. York, 1988), S. Paulo, Companhia das Letras, 1995 • Élisabeth Young-Bruehl, Anna Freud: uma biografia (N. York, 1988), Rio de Janeiro, Imago, 1992 • Harald Leupold-Löwenthal, “A emigração da família Freud em 1938", Revista Interna-

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cional da História da Psicanálise, 2 (1989), Rio de Janeiro, Imago, 1992.

➢ FREUD, JACOB; GRAF, ROSA; NAZISMO.

Winterstein, Alfred Freiherr, barão von (1885-1958) psicanalista austríaco

Nascido em Viena*, Alfred von Winterstein era de uma antiga família da nobreza católica. Estudou direito e filosofia e participou, a partir de 1910, das reuniões da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). No ano seguinte, formou-se em medicina e psicologia em Leipzig, e posteriormente em Zurique, na clínica do Hospital Burghölzli, onde começou uma análise com Carl Gustav Jung*. Voltando a Viena, foi mobilizado pelo exército imperial e, depois da Primeira Guerra Mundial, continuou sua formação didática com Eduard Hitschmann*. Em 1938, como Richard Sterba* e o conde Wilhelm Solms-Rödelheim, recusou a política de “salvamento” da psicanálise* promovida na Alemanha* por Ernest Jones*. Durante toda a guerra, permaneceu em Viena. Reduziu sua clientela, mas foi molestado e vigiado pela Gestapo, que confiscou seus livros de psicanálise*. Com a Libertação, juntamente com August Aichhorn*, reconstituiu a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), da qual foi presidente até a morte. • Wolfgang J.A. Huber, “L’Histoire de la psychanalyse en Autriche depuis l’exil de Sigmund Freud”, Austriaca, 21, novembro de 1985, 95-100 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992.

➢ GÖRING, MATTHIAS HEINRICH; NAZISMO.

Wittels, Fritz (1880-1950) médico e psicanalista americano

Como seu tio Isidor Sadger*, esse médico vienense, oriundo de um meio de financistas judeus, adotou as teorias freudianas com um fanatismo que exasperava o próprio Sigmund Freud*. Em 1906, aderiu à Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras* e distinguiu-se pelas várias exposições nas quais “aplicava” os prin-


Wittels, Fritz

cípios da psicanálise* de qualquer maneira, vendo por toda a parte “causas sexuais”. Profundamente misógino, publicou em 1907, na revista de Karl Kraus* Die Fackel, um artigo sob pseudônimo, no qual declarava que as mulheres que queriam se tornar médicas, isto é, exercer uma profissão, se desviavam de sua verdadeira natureza. Em sua opinião, elas eram neuróticas, histéricas e até prostitutas, incapazes, de qualquer forma, de assumir seu papel de mães. Wittels era obcecado pelo movimento feminista e fascinado com as representações da feminilidade provenientes das teorias de Otto Weininger* sobre a inferioridade do sexo feminino e a bissexualidade*. Não perdia uma ocasião de atacar aquelas que, como ele pensava, “queriam tornar-se homens”. Freud o criticou muitas vezes, mas aceitou algumas de suas teses e lhe pediu principalmente que se mostrasse cortês com as mulheres e prudente sobre o futuro da condição feminina. Adepto da patografia, Wittels tomou como objeto de estudo o próprio personagem que acolhera seu artigo na revista Die Fackel: Karl Kraus. Dedicou-se a interpretações* caricaturais sobre esse “caso”. A 12 de janeiro de 1910, durante uma conferência na Sociedade das Quartas-Feiras, explicou que o famoso jornal vienense Neue Freie Press era o “órgão do pai”, isto é o pênis paterno da comunidade judaica vienense. Daí seu sucesso. A esse grande pênis opunha-se, segundo ele, o “pequeno pênis” impotente de Karl Kraus, representado pela revista Die Fackel, que só servia para rivalizar de modo neurótico com o “grande órgão” do pai. No mesmo ano, publicou um romance que tratava disfarçadamente de Karl Kraus. A obra causou escândalo e o escritor se aproveitou disso para denunciar mais uma vez os perigos da psicanálise. Com seu talento habitual, redigiu esta frase terrível, que se tornaria célebre em Viena: “A psicanálise é a doença do espírito que se considera a si mesma como o seu remédio.” Descontente com esse caso, Freud se indispôs com Wittels, que se demitiu imediatamente da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Em 1924, publicou a primeira biografia do mestre, que continuava a venerar de maneira ambivalente. Essa obra foi traduzida em várias línguas e garantiu uma sólida notoriedade a seu

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autor. Wittels fazia uma crítica feroz, e às vezes exata, do funcionamento do círculo freudiano. Denunciava a tirania de seu fundador e o ridículo de seus epígonos, dos quais ele mesmo fazia parte, aliás, a partir de sua participação na Sociedade das Quartas-Feiras: “Freud, escreveu ele, tornou-se um imperador, sobre o qual já se forma uma lenda. Ele reina, reconhecido e absoluto, sobre seu reino [...]. Tornou-se um tirano que não admite nenhum desvio em relação ao que ensina, mantém as suas reuniões secretas e quer conseguir, por uma espécie de sanção pragmática, que as doutrinas da psicanálise continuem como um todo indivisível.” Freud ficou muito irritado com esse livro, que continha muitos erros e enviou ao autor uma lista de retificações. Era um modo de provar que, em quaisquer circunstâncias, ele se preocupava com a exatidão dos fatos. A respeito da gênese do conceito de pulsão* de morte, que Wittels atribuía ao desaparecimento de Sophie Halberstadt*, ele escreveu: “Certamente, em um estudo analítico sobre outrem, eu teria defendido a correlação entre a morte de minha filha e a trajetória do pensamento em Maisalém. E no entanto, isso não é exato. Mais-além foi escrito em 1919, quando minha filha tinha excelente saúde. Ela morreu em janeiro de 1920. Foi em setembro de 1919 que confiei o manuscrito do pequeno livro a vários amigos de Berlim, para que o lessem. Só faltava a parte sobre a mortalidade ou imortalidade dos protozoários. Nem sempre o verossímil é verdade.” Em 1925, Wittels foi reintegrado à WPV, com o apoio de Freud. Mas suas relações com o grupo vienense estavam terrivelmente deterioradas e, em 1928, ele emigrou para os Estados Unidos*, onde continuou sua carreira na New York Psychoanalytic Society (NYPS). Antes de morrer, dedicou um livro às mulheres americanas. • Fritz Wittels, Ezechiel der Zugereiste, Berlim, 1910; Freud, l’homme, la doctrine, l’école (Viena, Leipzig, Zurique, 1924), Paris, Alcan, 1929; Six Habits of the American Women, N. York, 1951 • Sigmund Freud, “Carta a Fritz Wittels”, ESB, XIX, 359-61; GW, Nachtragsband, 754-8; SE, XIX, 286-8; OC, XVI, 35763; Les Premiers psychanalystes. Minutes de la Société Psychanalytique de Vienne, 1906-1918, 4 vols. (1962-1975), Paris, Gallimard, 1976-1983 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinig-

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Witz

ung von 1902-1938, Tübingen, Diskord, 1992 • Alain de Mijolla, “Freud, la biographie, son autobiographie et ses biographes”, Revue Internationale d’Histoire de la Psychanalyse, 6, PUF, 1993, 81-108.

➢ ESTUDO AUTOBIOGRÁFICO, UM; HISTORIOGRAFIA; JUDEIDADE; MAIS-ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER; VIENA.

Witz ➢ CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE, OS.

Wo Es war ➢ NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE.

Wortis, Joseph (1906-1995) psiquiatra americano

Nascido em Nova York no bairro de Brooklyn, Joseph Wortis era de um meio de intelectuais judeus socialistas. Seu pai era um imigrante russo e sua mãe era de origem francesa. Muito cedo, engajou-se na esquerda e foi membro, durante algum tempo, do Partido Comunista Americano. Em 1927, fez sua primeira viagem à Europa e visitou Havelock Ellis*, que teria um papel considerável em sua vida. Em 1932, fascinado com a personalidade de Sigmund Freud*, enviou-lhe uma carta para dizer que desejava muito encontrá-lo, acrescentando todavia que não queria abusar de seu tempo. Com bom humor, o velho mestre respondeu: “Agradeço suas palavras amistosas e a boa vontade que mostra em renunciar à sua visita.” Um ano depois, quando fazia um estágio como residente no Bellevue Psychiatric Hospital sob a direção de Paul Schilder*, recebeu uma carta de Ellis, que lhe oferecia uma bolsa de estudos para fazer uma pesquisa sobre a homossexualidade*. O projeto foi apoiado por Adolf Meyer* e Wortis decidiu ir a Viena*. Ellis lhe desaconselhara a fazer análise, recomendando-lhe, caso decidisse o contrário, que fizesse essa experiência com o próprio Freud: “Quanto a ser analisado, meu sentimento pessoal, decididamente, é que seria melhor seguir o seu exemplo [de Freud] do que seus preceitos. Ele não começou por fazer-se psicanalisar (e

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nunca o foi!) ou por ligar-se a uma seita, a uma escola, mas seguiu seu próprio caminho livremente, estudando os trabalhos dos outros, mas conservando sempre sua independência.” Levando em consideração esse conselho e revoltado contra toda forma de submissão transferencial, Wortis se analisou com Freud durante quatro meses. A experiência se traduziu em um corpo-a-corpo intelectual, durante o qual Freud se mostrou ora feroz com seus adversários ou ex-discípulos (como Wilhelm Stekel*, por exemplo), ora exasperado com as resistências do jovem, com seu engajamento comunista, com seu fanatismo, e também com o papel insidioso que desempenhava, nesse caso, seu velho cúmplice Havelock Ellis. O tratamento resultou na decisão, tomada por Wortis, de se desviar da psicanálise*. A partir de 1935, introduziu nos Estados Unidos* o método do “choque hipoglicêmico”, ou insulinoterapia, no tratamento da esquizofrenia*, método que o médico austríaco Manfred Sakel (1900-1957) acabava de elaborar e que seria utilizado durante vinte anos, antes do aparecimento dos neurolépticos. Sempre engajado na extrema esquerda, Wortis colaborou com os republicanos durante a guerra da Espanha* e, em seu país, aderiu à Benjamin Rush Society, uma associação de psiquiatras marxistas criada em 1944. Assim, participou da campanha antifreudiana organizada pelo conjunto dos partidos do movimento comunista internacional e denunciou a psicanálise como “ciência burguesa”. Em 1950, depois de uma viagem à Rússia*, publicou o primeiro estudo sério e documentado sobre a psiquiatria dita “soviética”. Quatro anos depois, redigiu o relato de sua análise com Freud, e a obra teve grande sucesso. Pouco antes de sua morte, em uma entrevista com Todd Dufresne, manifestou mais uma vez um antifreudismo fanático, o que mostrava que o mestre de Viena fora uma figura obsessiva em sua longa existência. • Joseph Wortis, La Psychiatrie soviétique (Baltimore, 1950), Paris, PUF, 1953; Psychanalyse à Vienne, 1934. Notes sur mon analyse avec Freud (N. York, 1954), Paris, Denoël, 1974; “Entretien avec Todd Dufresne”, inédito • Benjamin Harris, “The Benjamin Rush Society and marxist psychiatry in the United States 1944-1951", History of Psychiatry, VI, 1995, 309-31.


Wulff, Moshe ➢ COMUNISMO; FREUDO-MARXISMO; KARDINER, ABRAM.

Wulff, Moshe (1878-1971) psiquiatra e psicanalista israelense

Nascido em Odessa, Moshe Wulff (ou Woolf) foi o primeiro médico a praticar a psicanálise* na Rússia*. Estudou psiquiatria em Berlim, sendo assistente, no Hospital da Caridade, de Theodor Ziehen (1862-1950), inventor da noção de complexo*. Orientou-se então para a psicanálise depois de se encantar com a leitura dos Estudos sobre a histeria*, e entrou em contato com Otto Juliusburger* e com Karl Abraham*, que foi seu iniciador mais do que seu analista. Posteriormente, praticou a autoanálise*. Entre 1911 e 1921, participou regularmente, em Viena*, dos trabalhos da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV), da qual era membro, e em 1909 criou, com Nicolas Vyrubov (1869-?) a revista Psychotherapia. Voltando à Rússia em 1911, começou a introduzir os princípios da psicanálise nos meios psiquiátricos, em Odessa e depois em Moscou. Paralelamente, começou a tradução das obras de Freud para o russo. Favorável à Revolução de Outubro, permaneceu em seu país para continuar a desenvolver suas atividades, principalmente abrindo em Moscou, numa grande clínica psiquiátrica, um departamente especializado no tratamento de doentes pela psicanálise. Nomeado professor na universidade, fundou em 1921, com Otto Schmidt (18911956) e Ivan Dimitrievitch Emarkov*, a Associação Psicanalítica de Pesquisas sobre a Criação Artística, que foi a primeira sociedade freudiana russa. Tinha oito membros, dos quais três eram médicos psiquiatras. No ano seguinte, Wulff participou da criação da Sociedade Psicanalítica da Rússia, com sete membros suplementares, entre os quais Vera Schmidt*, o psicólogo Pavel Petrovitch Blonski (1884-1941) e o psiquiatra Yuri Kannabikh. Posteriormente, o psicólogo Stanislas Theophilovitch Chatski (1878-1948) se juntou ao grupo. Logo surgiram conflitos entre a Sociedade russa, instaurada em Moscou, e a de Kazan, fundada por Aleksandr Romanovitch Luria*. Finalmente, chegou-se a um acordo que permitiu

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a criação, em Moscou, de uma Associação Psicanalítica Russa, reunindo todos os grupos (Moscou, Kazan, Kiev, Rostov). Em 1927, quando a radicalização do regime comunista levou à extinção do movimento psicanalítico, Moshe Wulff foi obrigado a emigrar, abandonando seus bens. Foi para Berlim, onde ficou até 1933, quando o advento do nazismo* o obrigou a um novo exílio. Foi então que decidiu instalar-se na Palestina, onde criou, em Jerusalém, em 1934, com Max Eitingon*, também exilado, a primeira sociedade psicanalítica do futuro Estado de Israel. Ela se tornaria a Hachevra Hapsychoanalytit Be-Israel (HHBI). Depois da morte de Eitingon, Wulff foi seu presidente e formou a primeira geração* psicanalítica israelense. Responsável pela tradução das obras de Freud para o hebraico, professor na Universidade de Tel-Aviv e clínico especializado em fobia* e fetichismo*, teve o destino típico dos pioneiros judeus do freudismo europeu, que se defrontaram, através de emigrações sucessivas, com os grandes acontecimentos da história do século: sionismo, comunismo* e nazismo. • Moshe Woolf, “Fetichism and object choice in early childhood”, Psychoanalytic Quarterly, 15, 1941, 45071; “Prohibitions against the simultaneous consumption of milk and flesh in Orthodox Jewish law”, IJP, 26, 1945, 169-77 • Ruth Jaffe, “Moshe Woolf, 1878, Pioneiro na Rússia e em Israel”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981 • Ruth Jaffe, “Moshe Woolf (1878-1971), Obituary”, IJP, 1972, 330 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988 • Elke Mühlleitner, Biographisches Lexikon der Psychoanalyse. Die Mitglieder der Psychologischen Mittwoch-Gesellschaft und der Wiener Psychoanalytischen Vereinigung von 19021938, Tübingen, Diskord, 1992 • Megan Marshack, “Dr. Moshe Wulff and the Wolf Man”, The American Psychoanalyst, vol.24, 1, 1990 • Hans Lobner e Vladimir Levitin, “Notes on the history of psychoanalysis in the USSR”, Sigmund Freud House Bulletin, vol.II, 1, 1978, 5-29 • Sigmund Freud, Chronique la plus brève. Carnets intimes 1929-1939, anotado e apresentado por Michael Molnar (Londres, 1992), Paris, Albin Michel, 1992.

➢ COMUNISMO; OSSIPOV, NIKOLAI IEVGRAFOVITCH; ROSENTHAL, TATIANA; SPIELREIN, SABINA; ZALKIND, ARON BORISSOVITCH.

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 06.05.98 2ª revisão – 31.07.98 3ª revisão – 15.09.98 4ª revisão – 23.09.98 – Letra W Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


Z Erziehung der Jungpioniere”, Das proletarische Kind, 12, 1/2, 1932 • Wilhelm Reich, A revolução sexual (Copenhague, 1936, Frankfurt, 1966), Rio de Janeiro, Zahar, 1982 • Alberto Angelini, La psicoanalisi in Russia, Nápoles, Liguori Editore, 1988 • Alexandre Etkind, Histoire de la psychanalyse en Russie (1993), Paris, PUF, 1995.

Zalkind, Aron Borissovitch (1888-1936) médico e psicanalista russo

Aluno do psiquiatra Vladimir Petrovitch Serbski (1858-1917), reformador dos asilos russos, Aron Borissovitch Zalkind nasceu em Kharkov, e antes da Primeira Guerra Mundial, começou a se interessar pelas teses de Alfred Adler*. Orientou-se depois para o freudismo* e publicou artigos na revista Psychotherapia, criada por Nicolas Vyrubov (1869-?) e Moshe Wulff*. Exerceu a psicanálise* em Kiev no começo dos anos 1920 e formou um pequeno grupo de psicoterapeutas. Depois da Revolução de Outubro, voltou-se para a reflexologia e para a pedologia*. Posteriormente, no âmbito do debate entre os freudo-marxistas e os antifreudianos, adotou as teses dos primeiros e se convenceu da idéia de que a doutrina vienense era compatível com o marxismo, com a condição de ser amputada da teoria da sexualidade (excessivamente “bestial”) e do conceito de pulsão* de morte (excessivamente “pessimista”). Zalkind fez sua autocrítica em 1930, quando de um congresso sobre o comportamento humano, “confessando” ser “objetivamente” responsável pela difusão do freudismo em seu país. Mas isso não lhe serviu de nada: foi qualificado por seus adversários de “menchevique idealista e eclético” e perdeu seu posto de diretor do Instituto de Psicologia, Pedologia e Psicotécnica. Em 1932, foi violentamente criticado por Wilhelm Reich* por um artigo sobre a sexualidade infantil. Morreu de infarto, depois de renunciar a toda atividade institucional.

➢ COMUNISMO; ERMAKOV, IVAN DIMITRIEVITCH; FREUDO-MARXISMO; OSSIPOV, NIKOLAI IEVGRAFOVITCH; ROSENTHAL, TATIANA; RÚSSIA.

Zentralblatt für Psychoanalyse. Medizinische Monatschrift für Seelenkunde (Folha Central de Psicanálise. Revista Médica Mensal de Psicologia) Criada por Sigmund Freud* em julho de 1910, a Zentralblatt foi o primeiro órgão oficial da International Psychoanalytical Association* (IPA), fundada em março do mesmo ano. Na chefia de sua redação contou com Carl Gustav Jung* e Wilhelm Stekel*. Depois que este último deixou a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV) em 1912, o periódico teve apenas mais uma edição. Para substituí-lo, Freud criou em 1913 a Internationale ärztlische Zeitschrift für Psychoanalyse* (IZP), que depois faria uma fusão com a revista Imago, dando origem à Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse und Imago* (IZP-IMAGO), que deixaria de ser publicada em 1941. Foi então que o International Journal of Psycho-analysis* (IJP), fundado por Ernest Jones* em 1920, tornou-se o órgão oficial da IPA.

Zilboorg, Gregory (1890-1959)

• Aron Borissovitch Zalkind, “Freudisme et marxisme”, in Rouges Semailles, 4, Moscou, 1924; “Les Sciences neuropsychologiques et l’édification socialiste”, Pedologija, 3, 1930, 309-22; “Einige Fragen der sexuellen

psiquiatra e psicanalista americano

Gregory Zilboorg era de uma família judia ortodoxa da Ucrânia. Estudou medicina em São 790

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Zweig, Arnold

Petersburgo e foi marcado pelo ensino de Vladimir Bekhterev (1856-1927), criador da palavra “reflexologia”. Socialista, mostrou-se favorável ao governo de Aleksandr Kerenski (18811970), mas violentamente hostil ao bolchevismo. Em 1919, emigrou para os Estados Unidos* e em 1930 instalou-se como psiquiatra e psicanalista em Nova York. Em 1941, publicou, em colaboração com George W. Henry, a primeira grande obra consagrada à história da psiquiatria. Forjou a expressão “psiquiatria dinâmica”*, para definir uma área da psiquiatria, dinâmica ou dialética, cujo objetivo era secularizar o fenômeno mental, arrancando-o à demonologia, por um lado, e ao organicismo, isto é, à medicina, por outro. Esse termo seria retomado por Henri F. Ellenberger* com uma perspectiva um pouco diferente. Zilboorg se distinguiu por um comportamento extravagante com certos pacientes, levando-os a dar-lhe “presentes” e a pagar-lhe somas astronômicas. Assim, foi desconsiderado no interior da New York Psychoanalytic Society (NYPS). • Gregory Zilboorg e George W. Henry, History of Medical Psychology, N. York, Norton, 1941 • Susan Quinn, A Mind of her Own. The Life of Karen Horney, N. York, Summit Books, 1987.

zona erógena ➢ LIBIDO; SEXOLOGIA; SEXUALIDADE; TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE.

Zulliger, Hans (1893-1965) psicanalista suíço

Como muitos médicos ou pedagogos suíços marcados pela ética protestante e pela tradição do “tratamento de almas”, Hans Zulliger se interessou pelo freudismo* com a intenção de reformar os métodos educativos aplicados às crianças. Assim, ele se inscreve na linhagem dos missionários modernos do psiquismo humano que, de Oskar Pfister* a Adolf Meyer*, passando por Hermann Rorschach* até Eugen Bleuler*, foram os iniciadores de uma renovação do tratamento dos desvios, da loucura* ou simplesmente da normalidade, cujos efeitos se fizeram sentir até os anos 1970.

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Nascido no cantão de Berna, Zulliger pertencia a um meio modesto de operários relojoeiros. Para não depender por muito tempo dos pais, renunciou a estudar medicina e pensou em se tornar professor. Na primavera de 1912, foi nomeado professor primário no burgo de Ittingen, onde formou, durante cerca de 50 anos, gerações de filhos de camponeses, com ajuda de sua mulher, também professora. Foi na Escola Normal de Hofwil-Berne, dirigida por Ernst Schneider (1878-1957), pedagogo de vanguarda analisado por Carl Gustav Jung* e Oskar Pfister, que Zulliger ouviu falar pela primeira vez da doutrina freudiana. O interesse que dedicava a seus pequenos alunos o levou então para a psicanálise*. Depois de um tratamento com Pfister, praticou as “pequenas psicoterapias* de crianças”, destinadas a curar sintomas como gagueira, enurese, compulsão ao roubo ou à masturbação. Estimulado por Sigmund Freud*, a quem visitou duas vezes, Zulliger foi convidado em 1921 a prosseguir a sua atividade e a reunir-se à Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), que acabava de ser fundada e da qual seria secretário. Rorschach iniciou-o no método do Psychodiagnostik e, na linhagem de Anna Freud*, adotou a técnica do desenho livre e da terapia pelo brinquedo, mas divergiu da técnica da análise de crianças, preferindo permanecer educador a tornar-se psicanalista, no sentido clássico. Publicou muitos livros, que foram traduzidos em várias línguas. • Hans Zulliger, La Psychanalyse à l’école (Berna, 1921), Paris, Flammarion, 1930; Les Enfants difficiles (Berna, 1935), Paris, L’Arche, 1959; Le Test Z individuel (Berna, 1948), Paris, PUF, 1959; Chapardeurs et jeunes voleurs (Stuttgart, 1956), Paris, Bloud et Gay, 1969; L’Angoisse de nos enfants (Frankfurt, 1970), Paris, Salvator, 1975 • Adolf Friedemann, “Hans Zulliger, 1893, Psicanálise e educação”, in Franz Alexander, Samuel Eisenstein e Martin Grotjahn (orgs.), A história da psicanálise através de seus pioneiros (N. York, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1981.

➢ PSICANÁLISE DE CRIANÇAS; LEINE; SUÍÇA.

RAMBERT, MADE-

Zweig, Arnold (1887-1968) escritor alemão

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Zweig, Arnold

Como Stefan Zweig* ou Romain Rolland*, Arnold Zweig manteve com Sigmund Freud*, entre 1927 e 1939, uma rica correspondência. Nela, encontram-se muitas considerações sobre os acontecimentos políticos, o comunismo*, a judeidade*, o nazismo*, a literatura. Além disso, ambos evocam livremente questões referentes ao incesto* e à homossexualidade*, assim como as dificuldades encontradas pelo escritor durante o tratamento psicanalítico que fez em Berlim, por motivo de graves sintomas de depressão, com um certo doutor K. Em 1968, no momento da publicação dessa correspondência, Ernst Freud* e Adam Zweig, filho de Arnold, decidiram suprimir 25 cartas, julgadas excessivamente confidenciais e pouco “científicas” para constarem dessa seleção. Essa censura faz pensar na que atingiu duas outras correspondências de Freud: com Wilhelm Fliess* e com Oskar Pfister*. Como observou Marthe Robert (1914-1996) no prefácio à edição francesa, tratava-se de uma censura feita por dois filhos para “proteger” a vida dita “privada” de dois pais célebres: “Aqui, como sempre, o objeto do escândalo é evidentemente a análise — certamente não a análise como bem incorporado há muito na cultura, mas como experiência pessoal, com tudo o que ela implica de efetivamente indiscreto, e tudo o que ela põe em perigo quanto às conveniências e preconceitos.” Nascido em Glogau, na Silésia, Arnold Zweig era de uma família judia. Seu pai, inicialmente seleiro, adquirira uma empresa de transportes que levava carvão e forragem para o exército. Em conseqüência de uma onda de anti-semitismo, sua vida ficou desorganizada e teve que deixar a cidade, para retomar a antiga profissão. Essa experiência marcou profundamente o destino do jovem Arnold. Depois de fazer estudos brilhantes, foi mobilizado e participou das sangrentas batalhas da Grande Guerra, voltando-se posteriormente para o sionismo e o pacifismo. A partir de 1925, consagrou-se à literatura, tomando como modelo Thomas Mann* e os grandes autores realistas do século XIX. Adquiriu notoriedade depois da publicação, em 1927, do Caso do sargento Grischa, romance em que narrava a história de um soldado russo evadido e condenado à morte por espionagem pelo alto estado-maior alemão, em-

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bora fosse inocente. Zweig abordava a grave questão dos “fuzilados para dar exemplo”. Depois da tomada do poder pelo nacionalsocialismo, emigrou para a Palestina. Ficou 14 anos em Haifa, fazendo muitas viagens, das quais uma a Nova York, ocasião em que encontrou as grandes figuras da emigração alemã. Essa permanência não lhe trouxe a satisfação esperada, e logo sentiu saudades de Berlim e da nação alemã, com a qual se identificara. Seu romance De Vriendt kehrt heim (De Vriendt está de volta) foi mal acolhido pelos meios intelectuais sionistas, que o julgaram escandaloso. Zweig relatava o assassinato em Jerusalém, por um sionista radical, de Jacob Israel De Haan, escritor judeu holandês, ao mesmo tempo incrédulo, ortodoxo e homossexual, que mantinha uma relação amorosa com um jovem árabe: “Para mim, escreveu ele a Freud, é uma velha história. A figura desse ortodoxo que maldiz ‘Deus em Jerusalém’ em poemas secretos [...] essa figura importante e complicada me fascinou, porque era ainda atual [...]. As tendências homossexuais desse livro, que estou ditando com um desprazer particular, [...] logo me levaram a fazer confissões. Eu era os dois personagens ao mesmo tempo, o rapaz árabe (semita) e o amante, o escritor simultaneamente ortodoxo e ímpio. Temo que o surgimento dessas coisas recalcadas seja a causa principal de minha depressão. Fui longe demais, não é?...” Em 1948, Zweig se instalou em Berlim Oriental, tornou-se deputado da jovem república socialista e sucedeu a Heinrich Mann (18711950) na presidência da Academia de Artes. Tornou-se então um escritor oficial, seguidor do Partido Comunista, e recebeu as mais altas distinções, entre elas o Prêmio Lenin, esforçandose, como Anna Seghers (1900-1983) e Bertolt Brecht (1898-1956), para abrir caminho para uma literatura especificamente alemã. • Arnold Zweig, Le Cas du sergent Grischa (Berlim, 1927), Paris, Albin Michel, 1930; De Vriendt kehrt heim, Berlim, Kiepenheuer Verlag, 1932; L’Éducation héroïque devant Verdun (Amsterdam, 1935), Paris, Plon, 1938; Freundschaft mit Freud, Berlim, Aufbau-Verlag, 1996 • Arnold Zweig e Sigmund Freud, Correspondance, 1927-1939 (Frankfurt, 1968), Paris, Gallimard, 1973.


Zweig, Stefan

Zweig, Stefan (1881-1942) escritor austríaco

Nascido em Viena*, em uma família da burguesia judaica liberal, de pai empresário na indústria têxtil, originário da Morávia, e de mãe descendente de judeus alemães, Stefan Zweig viveu a infância e a adolescência com bem-estar material e despreocupação. Do pai, herdou a discrição e o sentido das conveniências sociais. Da mãe, a sensibilidade e uma fragilidade psicológica que muitas vezes o deixaram desarmado diante da depressão quando teve que enfrentar os trágicos acontecimentos que marcariam sua vida adulta. De seus estudos secundários no Maximilian Gymnasium, Zweig guardou apenas o tédio e a opressão que depois inspirariam sua crítica aos métodos de educação autoritários, repressores e hipócritas adotados pela burguesia vienense. Desde essa época, apaixonou-se pela música, especialmente a de Johannes Brahms (18331897), pelo teatro e pela literatura. Começou a estudar filosofia na universidade, mas freqüentava com mais assiduidade ainda os cafés, as salas de espetáculo e outros lugares de encontros intelectuais. Logo manifestou gosto pela vanguarda, assistiu aos primeiros concertos de Arnold Schönberg (1874-1951), tornou-se admirador de Rainer Maria Rilke (1875-1926) e mais ainda de Hugo von Hofmannsthal (18741929), seu modelo. Em 1901, Zweig teve seu primeiro sucesso com um livro de poemas, A corda de prata, saudado por toda a crítica de língua alemã. Logo teria a consagração, com a publicação de um dos seus textos na primeira página do prestigioso diário Neue Freie Press, com seu nome ao lado dos maiores escritores europeus do momento, dos quais muitos se tornariam seus amigos. Temendo ficar seduzido por essa celebridade precoce, sentindo que Viena era pequena demais, Zweig permaneceu durante algum tempo em Berlim, onde se ligou à intelligentsia da capital alemã, descobrindo, ao acaso de seus encontros com jovens poetas e escritores, o outro lado da vida boêmia, marcado pela fome, o alcoolismo e a miséria. Certo tempo depois, começou a viajar. Percorreu primeiro a Europa, apaixonou-se pela Itália* e pelas costas mediterrâneas, partiu para a Ásia, descobriu a Amé-

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rica Central, a costa leste dos Estados Unidos* e o Canadá*. Instalado numa bela casa em Salzburgo, recebeu ali praticamente todos os artistas e intelectuais da Europa. Zweig era então um escritor célebre, conhecido por sua generosidade. Entretanto, por trás desse sucesso brilhante, a fragilidade psicológica persistia. Em 1908, pouco depois de fazer amizade com Arthur Schnitzler*, Zweig começou a trocar cartas com Sigmund Freud*. Essa correspondência e essa relação seriam até o fim marcadas pelo entusiasmo e pelo afeto filial, por parte de Zweig, e por uma mistura de distância, prudência e às vezes até irritação, por parte de Freud. Mas em 1920, quando Zweig se tornou célebre, Freud lhe dirigiu uma longa carta. Acabava de receber e ler Três mestres, obra que reunia três ensaios biográficos que Zweig dedicara a Honoré de Balzac (17991850), Charles Dickens (1812-1870) e Fiodor Mikhailovitch Dostoievski (1821-1881). Depois de alguns elogios, Freud assumiu o tom do professor que não está completamente satisfeito com o trabalho do aluno brilhante: “Se eu pudesse, escreveu Freud, avaliar a sua apresentação por critérios mais severos, diria que você esgotou inteiramente Balzac e Dickens. Mas isso não é tão difícil, são tipos simples, planos. Em contrapartida, com esse russo complicado, não foi tão satisfatório. Sente-se que há lacunas, enigmas que não foram resolvidos. [...] Acho que você não deveria deixar Dostoievski com sua pretensa epilepsia. É muito improvável que ele tenha sido epilético. Os [...] grandes homens que foram considerados epiléticos eram simplesmente histéricos. Acho que você poderia ter construído todo o Dostoievski sobre sua histeria.” Oito anos depois, Freud redigiu a sua própria versão da história de Dostoievski, comparando Os irmãos Karamazov à tragédia de Édipo*. Em 1931, Zweig publicou um ensaio muito audacioso, A cura pelo espírito, no qual contava a história das psicoterapias desde Franz Anton Mesmer*, que considerava o ancestral da psicanálise*. O contraste entre sua abordagem e a de Freud é impressionante. Freud, em seu artigo “Sobre a história do movimento psicanalítico”, desprezou seus antecessores. Assim, resolveu re-

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Zweig, Stefan

tificar o que lhe parecia errôneo em seu retrato e na apresentação de sua obra feitos por Zweig: “Eu poderia contestar, escreveu ele, o modo como você sublinha exclusivamente a correção pequeno-burguesa do meu caráter; apesar de tudo, este cidadão aqui é um pouco mais complicado.” Na verdade, Freud, que tivera conhecimento desse texto antes de sua publicação, falara dele em termos pouco amáveis com Arnold Zweig, em uma carta de 10 de setembro de 1930. Evocando o lapso* que fizera com que ele atribuísse a Arnold o título de doutor que queria dar ironicamente a Stefan, escreveu: “A análise imediata do ato falho* me levou naturalmente para um terreno difícil: o elemento perturbador era o outro Zweig, que sei que está se referindo a mim num ensaio, mostrando-me ao público em companhia de Mesmer e de Mary Eddy Baker. Durante os seis últimos meses, ele me deu uma séria razão de descontentamento.” Por duas vezes, Stefan lhe deu novamente razões de insatisfação. Primeiro, trabalhando para que atribuíssem a Freud o Prêmio Nobel, depois quando mandou escrever, por engano, em um cartaz anunciando uma conferência de Charles Emil Maylan (1886-?), o seu nome ao lado do de Carl Gustav Jung*. Maylan era autor de um livro anti-semita sobre Freud e afirmava que a psicanálise era a expressão de uma vingança dos judeus humilhados contra Roma e o catolicismo... Ao longo dos anos, a relação entre os dois melhorou. Zweig continuou a manifestar a Freud sua admiração e sua fidelidade. Em 1938, acolheuo em Londres com um bilhete afetuoso e pouco tempo depois foi à sua casa acompanhado de alguns amigos, entre os quais Salvador Dali (1904-1989). O pintor esboçou então dois retratos do mestre, que Stefan Zweig não teve a coragem de lhe mostrar, tal era neles a presença da morte. Depois dessa visita, Freud escreveu a Zweig: “Na verdade, é preciso que eu lhe agradeça por ter trazido à minha casa os visitantes de ontem. Justamente, eu estava disposto a considerar os surrealistas, que parece que me elegeram para santo padroeiro, como loucos absolutos (digamos, a 95%, como o álcool)”. Em 1940, exilado em Nova York, Zweig começou a redação de suas memórias, O mundo

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de ontem. Nesse livro, carregado de uma saudade e de uma melancolia* que pressagiavam a tragédia final, traçou um dos mais belos retratos de Freud que jamais foram escritos: “Foi em Viena, na época em que ainda era qualificado de pensador caprichoso, obstinado e difícil, e por isso detestado, que conheci Sigmund Freud, esse grande e severo espírito, que, mais do que ninguém nestes tempos, aprofundou e ampliou o conhecimento da alma humana. Fanático pela verdade, mas perfeitamente consciente dos limites de toda verdade [...] ele se aventurou nas zonas inexploradas e aterrorizantes do mundo terreno e subterrâneo das pulsões, justamente na esfera que aquele tempo declarara solenemente como ‘tabu’[...]. Pela primeira vez, descobri um verdadeiro sábio, que se elevou acima de sua própria situação, para quem até o sofrimento e a morte não eram mais percebidos como uma experiência pessoal, mas como objetos de consideração que iam além de sua pessoa; sua morte, como sua vida, foi um grande feito moral.” Em 22 de fevereiro de 1942, quando estava instalado havia seis meses em Petrópolis, cidade próxima do Rio de Janeiro, Stefan Zweig se suicidou com sua jovem esposa, Lotte Altmann, tomando comprimidos de veronal. • Stefan Zweig, Le Monde d’hier. Souvenirs d’un européen (Estocolmo, 1944), Paris, Belfond, 1993; La Guérison par l’esprit (1931), Paris, Belfond, 1982; Journaux 1912-1940, Paris, Belfond, 1986; Trois maîtres (1920), Paris, Belfond, 1988. Pays, villes, paysages, Écrits de voyage (Londres, 1980), Paris, Belfond, 1996 • Sigmund Freud, “A história do movimento psicanalítico” (1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV, 1-66; Paris, Gallimard, 1991; “Dostoievski e o parricídio” (1928), ESB, XXI, 205-24; GW, XIV, 399-418, SE, XXI, 177-94; OC, XVIII, 205-25 • Sigmund Freud e Stefan Zweig, Correspondance (1987), Paris, Rivages, 1991 • Charles E. Maylan, Freuds tragischer Komplex: Eine Analyse der Psychoanalyse, Munique, Ernst Reinhardt, 1929 • Donald Prater, Stefan Zweig (Oxford, 1972), Paris, La Table Ronde, 1988 • Serge Niémetz, Stefan Zweig. Le Voyageur et ses mondes, Paris, Belfond, 1996 • Dominique Bona, Stefan Zweig. L’Ami blessé, Paris, Plon, 1996 • Klaus Mann, Le Tournant (1960), Paris, Solin, 1984 • Jacques Le Rider, Modernité viennoise et crises de l’identité, Paris, PUF, 1990 • Carl E. Schorske, Viena fin-de-siècle (N. York, 1981), S. Paulo, Companhia das Letras, 1990.

➢ FRANÇA; JUDEIDADE; NAZISMO; MAIN; SUICÍDIO.

ROLLAND, RO-


CRONOLOGIA

1856 6 de maio Nascimento de Sigmund Freud em Freiberg, na Morávia. Recebe o nome de Schlomo Sigismund. Seu pai, Jacob Freud, nascido em Tysmenitz em 18 de dezembro de 1815, era comerciante de lãs. Sua mãe, Amalia Nathanson, nascida em Brody em 18 de agosto de 1835, era a terceira mulher de Jacob, com quem se casou em 29 de julho de 1855. Do primeiro casamento, Jacob Freud teve dois filhos: Emanuel, nascido em abril de 1833 e Philipp, nascido provavelmente em outubro de 1834. Ambos viviam com os pais. Emanuel tinha dois filhos, nascidos em 1855 e 1856. Do casamento de Jacob Freud com Amalia Nathanson nasceriam mais sete filhos: Julius, em outubro de 1857, Anna, em 31 de dezembro de 1858, Regine Debora (Rosa) em 21 de março de 1860, Maria (Mitzi) em 22 de março de 1861, Esther Adolfine (Dolfi) em 23 de julho de 1862, Pauline (Paula) em 3 de maio de 1864 e Alexander em 19 de abril de 1866.

1859 27 de fevereiro Nascimento de Bertha Pappenheim.

1870 7 de fevereiro Nascimento de Alfred Adler.

1871 março Jean Martin Charcot interessa-se pela histeria no Hospital da Salpêtrière. 13 de outubro Nascimento de Paul Federn. dezembro Início da correspondência entre Sigmund Freud e Eduard Silberstein. A última carta é datada de 24 de janeiro de 1881. Ambos se apaixonam pelo pensamento de Ludwig Feuerbach. Durante seus estudos no Gymnasium, Sigmund Freud lê o manual de psicologia empírica de Johann Friedrich Herbart. 795

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 13.08.98 2ª revisão – 31.08.98 3ª revisão – 24.09.98 4ª revisão – 29.09.98 – Cronologia Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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cronologia

1872 julho-setembro Sigmund Freud confidencia ao amigo Eduard Silberstein o seu amor por Gisela Fluss.

1873 26 de fevereiro Nascimento de Oskar Pfister em Zurique. março Franz Brentano aceita dirigir a tese de Sigmund Freud. Este abandona a filosofia pela psicologia. 7 de julho Nascimento de Sandor Ferenczi. outubro Sigmund Freud entra na Universidade de Viena, para estudar medicina.

1874 1º de outubro Nascimento de Abraham Arden Brill.

1875 26 de julho Nascimento de Carl Gustav Jung. Durante o outono de 1875, Sigmund Freud vai à Inglaterra, hospedando-se na casa de seu meio-irmão Emanuel.

1876 março Sigmund Freud vai a Trieste fazer uma pesquisa sobre o hermafroditismo das enguias. É aluno do fisiologista empirista Ernst Brücke, herdeiro do pensamento de Hermann von Helmholtz.

1877 17 de março Nascimento de Otto Gross. 3 de maio Nascimento de Karl Abraham.

1878 Sigismund Freud decide mudar de prenome, adotando o de Sigmund. No laboratório de Ernst Brücke, faz amizade com Ernst von Fleischl-Marxow. 5 de outubro Nascimento de Moshe Wulff. Bourneville e Regnard publicam a Iconografia fotográfica da Salpêtrière. São apresentadas nessa obra as histéricas mais célebres examinadas por Jean Martin Charcot, notadamente Blanche Whittmann e a famosa Augustine. As fotografias foram feitas a partir de 1876. Vários volumes são publicados até 1880.

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cronologia

1879 1º de janeiro Nascimento de Ernest Jones.

1880 janeiro Nascimento de Hanns Sachs. novembro Josef Breuer inicia o tratamento de Bertha Pappenheim. Atribui-lhe a invenção das expressões talking cure (tratamento pela palavra) e chimney sweeping (limpeza de chaminé).

1881 março Sigmund Freud forma-se em medicina. 26 de junho Nascimento de Max Eitingon.

1882 2 de janeiro Criação, por iniciativa de Léon Gambetta, de uma cátedra de clínica de doenças nervosas. Pela primeira vez no mundo, a neurologia é reconhecida como uma disciplina autônoma. Jean Martin Charcot é nomeado titular dessa cadeira. 13 de fevereiro Jean Martin Charcot apresenta na Academia de Ciências uma conferência sobre os estados nervosos determinados pelo hipnotismo. 30 de março Nascimento de Melanie Klein. abril Sigmund Freud é apresentado a Martha Bernays. 27 de junho Noivado de Martha Bernays e Sigmund Freud. 2 de julho Nascimento de Marie Bonaparte. 12 de julho Bertha Pappenheim é hospitalizada no Sanatório Bellevue de Kreuzlingen, perto do lago de Constança, dirigido por Robert Binswanger, filho de Ludwig Binswanger (sênior) e pai de Ludwig Binswanger (júnior). 31 de julho Sigmund Freud entra para o Hospital Geral de Viena, no serviço de Hermann Nothnagel, professor de medicina interna na universidade. Georg von Schoenerer começa sua carreira política em Viena, adotando as teses do anti-semitismo e do nacionalismo alemão.

1883 maio Sigmund Freud torna-se assistente de Theodor Meynert, professor de psiquiatria na Universidade de Viena, grande expoente da anatomia cerebral comparada.

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1884 janeiro Em Viena, Sigmund Freud começa a tratar de uma paciente atingida por uma doença nervosa. 22 de abril Nascimento de Otto Rank. Sigmund Freud pesquisa as virtudes energéticas e antidepressivas da cocaína. Seu amigo Carl Koller descobrirá as propriedades anestésicas da cocaína sobre o olho. 14 de junho Nascimento de Eugénie Sokolnicka. 9 de outubro Nascimento de Helene Deutsch. novembro O jurista Daniel Paul Schreber é tratado de uma doença mental e nervosa em Leipzig pelo professor Paul Fleschig.

1885 janeiro Sigmund Freud trata seu amigo Ernst von Fleischl com injeções de cocaína. Provoca nele grave intoxicação. 20 de junho Sigmund Freud obtém uma bolsa da Universidade de Viena para fazer um estágio em Paris. 31 de agosto Sigmund Freud destrói seus manuscritos. setembro Sigmund Freud é nomeado Privatdozent. 13 de outubro Chegada de Sigmund Freud a Paris. Começa seu estágio no Hospital da Salpêtrière, no serviço de Jean Martin Charcot. Mora em um hotel da rua Royer-Collard. 7 de novembro Sigmund Freud assiste a uma representação de Théodora, de Victorien Sardou. O papel é interpretado por Sarah Bernhardt.

1886 28 de fevereiro Sigmund Freud deixa Paris e vai para Wandsbeck. março Sigmund Freud vai a Berlim, para estudar. 25 de abril Sigmund Freud volta a Viena e se estabelece como médico particular na Rathausstrasse, 7. Dirige o departamento de neurologia da Steindglasse, primeiro instituto público para crianças doentes, dirigido por Max Kassowitz. julho Sigmund Freud termina a tradução das Lições das terças-feiras, de Jean Martin Charcot (tomo II). 14 de setembro Sigmund Freud se casa com Martha Bernays. 15 de outubro Sigmund Freud faz uma conferência sobre a histeria masculina na Sociedade dos Médicos de Viena. A reação é hostil, pois ele atribui a Charcot a paternidade de noções que já eram conhecidas em Viena. Arthur Schnitzler faz um relatório da conferência. Estão presentes Heinrich von Bamberger e Theodor Meynert. Em 26 de novembro, Sigmund Freud faz a apresentação clínica de um caso de histeria masculina.

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1887 18 de março Sigmund Freud é eleito membro da Sociedade Médica de Viena. julho Sigmund Freud passa férias em Semmering (Alpes austríacos). 16 de outubro Nascimento de Mathilde Freud, filha mais velha de Sigmund Freud e Martha Bernays-Freud. O nome da criança é uma homenagem à mulher de Josef Breuer. Sigmund Freud terá ainda cinco filhos: Jean-Martin (prenome de Charcot), nascido em 7 de dezembro de 1889, Oliver (prenome de Cromwell), nascido em 19 de fevereiro de 1891, Ernst (prenome de Brücke), nascido em 6 de abril de 1892, Sophie, nascida em 12 de abril de 1893, Anna (provavelmente em homenagem a Anna Lichtheim, paciente de Freud e filha de seu professor de hebraico), nascida em 3 de dezembro de 1895. novembro Sigmund Freud conhece Wilhelm Fliess. O pintor André Brouillet apresenta A lição de Charcot no Salão dos Independentes.

1889 1º de maio Sigmund Freud inicia o tratamento de Fanny Moser (o caso Emmy von N.). julho Sigmund Freud vai a Nancy, para aperfeiçoar-se junto a Hippolyte Bernheim e Ambroise Liébeault na técnica da sugestão hipnótica. agosto Sigmund Freud assiste ao I Congresso Internacional de Hipnotismo em Paris. No Eldorado, ouve a cantora Yvette Guilbert. novembro Início do surgimento, em Viena, de um partido cristão-social, sob a direção de Karl Lueger.

1891 6 de maio Jacob Freud oferece ao filho a Bíblia familiar, com uma dedicatória em hebraico. Sigmund Freud publica o seu primeiro livro: Sobre a concepção das afasias, dedicado a Josef Breuer. 20 de setembro Sigmund Freud se instala com a família na Berggasse, 19. Trata dos pacientes pelo método catártico.

1892 12 de maio Nascimento de Siegfried Bernfeld. 4 de julho Nascimento de Marguerite Pantaine (futuro “caso Aimée” de Jacques Lacan), que se casará com René Anzieu em 1917. novembro Sigmund Freud trata, pelo método catártico, Elisabeth von R., Frau Katharina e Miss Lucy. Progressivamente, elabora o método das associações livres. Colabora com Josef Breuer e continua a se corresponder com Wilhelm Fliess.

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1893 abril Sigmund Freud vai a Berlim para se encontrar com Wilhelm Fliess. Doravante, os dois amigos se encontrarão regularmente para realizar “congressos” particulares. 30 de maio Sigmund Freud escreve a Wilhelm Fliess a propósito da sedução sexual cometida por adultos contra crianças pequenas. Vê nisso a causa principal e traumática das neuroses posteriores: teoria dita “da sedução”. 16 de agosto Morte de Jean Martin Charcot em Quarré-les-Tombes, no Morvan. Sigmund Freud redige um necrológio para a Wiener Medizinische Wochenschrift, no qual o compara a Philippe Pinel. Elogia suas qualidades visuais e cita Charcot: “Teoria é bom, mas isso não impede de existir.”

1894 abril Sigmund Freud tem problemas cardíacos e tenta parar de fumar. 2 de agosto Nascimento de Raymond de Saussure. 5 de novembro Nascimento de René Laforgue. 25 de dezembro Wilhelm Fliess dispõe-se a praticar uma operação de nariz em Emma Eckstein.

1895 maio Sigmund Freud e Josef Breuer publicam os Estudos sobre a histeria, em que são relatados os casos Anna O., Emmy von N., Miss Lucy etc. Sigmund Freud volta a fumar. julho Sigmund Freud se hospeda no castelo de Bellevue, perto de Viena. Na noite de 23 para 24 de julho, tem um sonho: “A injeção de Irma”. Pela primeira vez, interpreta esse sonho, que de certa forma é a encenação de um romance familiar das origens e da história da psicanálise. agosto Sigmund Freud viaja para o norte da Itália com seu irmão Alexander e sua cunhada Minna Bernays (nascida em 1865). setembro Sigmund redige o Projeto de uma psicologia científica. 20 de outubro Sigmund Freud envia a Wilhelm Fliess o seu esquema da sexualidade. dezembro Adesão de Sigmund Freud à associação judaica B’nai B’rith. Pierre Janet é eleito para o Collège de France, para a cátedra de Théodule Ribot. Karl Lueger é eleito burgomestre da cidade de Viena. O imperador Francisco-José recusa-se a empossá-lo em virtude de suas opiniões antiliberais e anti-semitas. Gustave Le Bon: Psicologia das multidões. A obra será reeditada trinta vezes, até 1925.

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1896 20 de março Sigmund Freud emprega pela primeira vez o termo “psicoanálise” em um artigo redigido em francês: “L’hérédité et l’étiologie des névroses”. 21 de abril Sigmund Freud faz uma conferência sobre a etiologia da histeria na Associação pela Neurologia e pela Psiquiatria em Viena. Enuncia a sua “teoria da sedução” (que abandonará no ano seguinte). Richard von Krafft-Ebing a qualifica de “conto de fadas científico”. 23 de outubro Morte de Jacob Freud. Minna Bernays decide morar em Viena com a família Freud. 6 de dezembro Nascimento de Michael Balint. Em uma carta a Wilhelm Fliess, Sigmund Freud utiliza pela primeira vez a expressão “aparelho psíquico” e designa os seus três componentes: o consciente, o pré-consciente, o inconsciente.

1897 abril O imperador Francisco-José aceita, a contragosto, a investidura de Karl Lueger na prefeitura de Viena. junho Sigmund Freud começa a sua “auto-análise” através de sua correspondência com Wilhelm Fliess: “O doente que me preocupa mais sou eu mesmo.” setembro Em uma carta a Wilhelm Fliess, datada do dia 21, Sigmund Freud explica por que renunciou à sua teoria da sedução. outubro Em uma carta a Wilhelm Fliess, Sigmund Freud faz a sua primeira interpretação da tragédia Édipo Rei, de Sófocles: “Cada ouvinte foi um dia, em germe, em imaginação, um Édipo.” dezembro Em uma carta a Wilhelm Fliess, Sigmund Freud evoca pela primeira vez o seu amor por Roma e a sua admiração por Aníbal, o general semita.

1898 26 de agosto Em uma carta a Wilhelm Fliess, Sigmund Freud analisa pela primeira vez o esquecimento de um nome próprio. Trata-se do poeta Julius Moser.

1899 3 de janeiro Sigmund Freud recebe o livro de Havelock Ellis Hysteria in Relation to the Sexual Emotions. julho-agosto Sigmund Freud redige Die Traumdeutung (A interpretação dos sonhos) em uma fazenda de Berchtesgaden. A obra será publicada em 4 de novembro, porém datada do ano de 1900.

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1900 26 de abril Nascimento de Ernst Kris. 12 de junho Em uma carta a Wilhelm Fliess, Sigmund Freud declara que um dia uma placa seria afixada na casa de Bellevue com a inscrição: “Foi nesta casa, a 24 de julho de 1895, que o mistério do sonho foi revelado a Freud.” agosto Último encontro entre Wilhelm Fliess e Sigmund Freud, no Tirol. outubro Ida Bauer começa uma análise com Sigmund Freud (caso Dora). O tratamento cessa no fim do mês de dezembro. Hermann Swoboda começa uma análise com Sigmund Freud. Wilhelm Fliess acusa Freud de roubar as suas idéias sobre a bissexualidade e transmiti-las a Hermann Swoboda, para o livro de Otto Weininger. O caso desse “roubo de idéias” terminará nos tribunais, em 1906.

1901 13 de abril Nascimento de Jacques Marie Émile Lacan. julho Sigmund Freud publica A psicopatologia da vida cotidiana. setembro Sigmund Freud faz sua primeira viagem a Roma.

1902 5 de março Sigmund Freud é nomeado professor-extraordinário. O ato é assinado pelo imperador Francisco-José. agosto Sigmund Freud viaja para o sul da Itália com seu irmão Alexander e sua cunhada Minna Bernays. Descobre Pompéia. setembro Fim da correspondência entre Sigmund Freud e Wilhelm Fliess. outubro Criação, em Viena, da Psychologische Mittwoch Gesellschaft (Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras), primeira sociedade psicanalítica do mundo.

1903 abril Nascimento de Herbert Graf (apelidado “Pequeno Hans”). Filho de Max Graf, será analisado com a idade de 5 anos por seu pai, sob a direção de Sigmund Freud. Será a primeira psicanálise de crianças. 4 de junho Suicídio de Otto Weininger em Viena.

1904 17 de agosto Sabina Spielrein, estudante russa nascida em Odessa em 1895, é hospitalizada na Clínica do Hospital Burghölzli em Zurique, para tratar-se e estudar. Ficará até 1º de junho de 1905. Carl Gustav Jung, assistente de Eugen Bleuler, assume o seu tratamento e torna-se seu amante.

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25 de agosto Viagem a Atenas de Sigmund Freud com seu irmão Alexander. Trinta anos depois, em uma carta a Romain Rolland, Freud analisará seu “distúrbio de memória na Acrópole”. outubro Sigmund Freud fica sabendo, através de Eugen Bleuler, que a psicanálise é praticada na Clínica do Burghölzli por Carl Gustav Jung. Sigmund Freud é apresentado a Otto Gross.

1905 dezembro Sigmund Freud publica Os chistes e sua relação com o inconsciente e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.

1906 abril Início da correspondência entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung. Sandor Ferenczi apresenta à Associação dos Médicos de Budapeste um texto sobre “Os estados sexuais intermediários”. Defende os homossexuais, chamados “uranianos”. maio Para celebrar o aniversário de Sigmund Freud, seus discípulos vienenses lhe oferecem uma medalha tendo no anverso o perfil de Freud, no reverso Édipo, e a inscrição em grego do verso de Sófocles: “Que resolveu o enigma e foi um homem de grande poder”.

1907 30 de janeiro Max Eitingon é o primeiro estrangeiro a participar das reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras. 27 de fevereiro Carl Gustav Jung visita Sigmund Freud. Começa a assistir às reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras em companhia de Ludwig Binswanger Jr. Sigmund Freud publica Delírios e sonhos na “Gradiva” de Jensen. 1º-7 de setembro Primeiro congresso de psiquiatria, neurologia e assistência aos alienados em Amsterdam. Ernest Jones encontra-se com Carl Gustav Jung. 22 de setembro Sigmund Freud propõe, em uma carta circular, a dissolução da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras. Carl Gustav Jung cria em Zurique a Sociedade Freud, que se tornará a Associação Psicanalítica de Zurique. 1º de outubro Ernst Lanzer (apelidado “Homem dos Ratos”) começa uma análise com Sigmund Freud. 15 de dezembro Karl Abraham visita Sigmund Freud.

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1908 2 de fevereiro Primeiro encontro, em Viena, entre Sigmund Freud e Sandor Ferenczi. Início de uma longa amizade e de uma magnífica correspondência. abril I Congresso Internacional de Psicanálise em Salzburgo. Título do congresso: “Encontro dos psicólogos freudianos”. Quarenta e dois membros de seis países (Estados Unidos, Áustria, Inglaterra, Alemanha, Hungria e Suíça) participam. Sigmund Freud apresenta as “Observações sobre um caso de neurose de compulsão (o Homem dos Ratos)” e fala durante várias horas diante de um público silencioso e estupefato. Nessa ocasião, é criado por Eugen Bleuler e Carl Gustav Jung o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen (abreviação: Jahrbuch). Debates entre os profissionais de Zurique e os de Berlim sobre a etiologia da demência precoce. Primeiro encontro entre Freud e Ernest Jones. maio Abraham Arden Brill e Ernest Jones vêm dos Estados Unidos para visitar Sigmund Freud. 21 de agosto Criação, por Karl Abraham, da Associação Psicanalítica de Berlim. 13 de setembro Nascimento de Georges Devereux. 26 de setembro Ernest Jones instala-se em Toronto. A Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras torna-se a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). 6 de novembro Nascimento de Françoise Dolto. Em Viena, Hermine von Hug-Hellmuth começa uma análise com Isidor Sadger, que a apresenta a Sigmund Freud. Torna-se, depois dele, a primeira psicanalista de crianças.

1909 6 de janeiro Joseph Babinski pronuncia em Paris uma conferência sobre o pitiatismo e o desmembramento da histeria segundo Charcot. 25 de abril O pastor Oskar Pfister visita Sigmund Freud em Viena. agosto-setembro Sigmund Freud vai aos Estados Unidos em companhia de Carl Gustav Jung e Sandor Ferenczi. Criação em Moscou da revista Psychoterapia, em torno de Nicolas Vyrubov e Moshe Wulff. O primeiro número será publicado em janeiro de 1910. Criação, por Nicolas Ossipov, de uma “ambulância terapêutica” em Moscou.

1910 janeiro Início da análise de Serguei Constantinovitch Pankejeff (1887-1979), apelidado Homem dos Lobos, com Sigmund Freud. 30-31 de março II Congresso Internacional de Psicanálise em Nuremberg, organizado por Carl Gustav Jung. Sandor Ferenczi propõe, com a concordância de Sigmund Freud, fundar uma organização internacional que reunisse sociedades de diferentes países. Será a International Psychoanalytical Association (IPA). Progres-

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sivamente, essa sigla se imporá em todos os países, exceto na França. O hábito de numerar os congressos da IPA será adotado a partir do ano de 1908. A fundação da IPA é acompanhada da criação de dois periódicos, o Correspondenzblatt e o Zentralblatt für Psychoanalyse, que se unirão em setembro de 1911. Carl Gustav Jung é eleito primeiro presidente da IPA. Filiação da Associação Psicanalítica de Zurique. junho Sigmund Freud publica Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância. julho-agosto Enquanto passa férias na Holanda, Sigmund Freud atende a um apelo de Gustav Mahler. Analisa-o por algumas horas, percorrendo com ele as ruas de Leiden. Viaja depois para a Sicília, passando por Paris, Roma e Nápoles, em companhia de Sandor Ferenczi. Em Buenos Aires, German Greve, médico chileno, expõe pela primeira vez na América Latina as teses freudianas em um congresso de medicina.

1911 fevereiro Abraham Arden Brill funda a New York Psychoanalytic Society (NYPS). Wilhelm Stekel e Alfred Adler deixam suas funções de direção na WPV. 14 de abril Morte de Daniel Paul Schreber. Sigmund Freud analisará o caso, através das Memórias de um doente dos nervos. maio Ernest Jones e James Jackson Putnam fundam a American Psychoanalytic Association (APsaA). 21-23 de setembro III Congresso da IPA em Weimar (presidente: Carl Gustav Jung). A IPA conta com 106 membros. Lou Andreas-Salomé participa do congresso e o médico sueco Poul Bjerre faz uma intervenção. 25 de novembro Sabina Spielrein expõe, na WPV, suas teses sobre o instinto de morte. Primeira formulação dessa noção, que será retomada depois por Sigmund Freud. Pierre Ernest Morichau-Beauchant: “A relação afetiva no tratamento das neuroses”. Primeiro artigo de psicanálise publicado na França e reconhecido por Sigmund Freud. Eugen Bleuler publica Dementia praecox ou Grupo das esquizofrenias.

1912 janeiro Publicação da revista Imago, consagrada à psicanálise aplicada, sob a direção de Sigmund Freud, Otto Rank e Hanns Sachs. junho Com a concordância de Sigmund Freud, Ernest Jones funda em torno deste um Comitê Secreto, composto de seus discípulos mais próximos e encarregado de zelar pela difusão da causa psicanalítica. Reúne Sandor Ferenczi, Otto Rank, Karl Abraham, Hanns Sachs, Sigmund Freud e Ernest Jones. Este passa dois meses em Budapeste, para analisar-se com Ferenczi.

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setembro Sigmund Freud faz uma viagem a Roma. Ernest Jones instala-se em Londres. 25 de outubro Lou Andreas-Salomé chega a Viena. É apresentada a Freud por Poul Bjerre. Participará das sessões da WPV até abril de 1913. Wilhelm Stekel deixa definitivamente a WPV. Hermine von Hug-Hellmuth é consagrada como especialista em psicanálise de crianças em Viena, por Sigmund Freud. dezembro Publicação nos Estados Unidos do primeiro livro dedicado à psicanálise.

1913 janeiro Início do conflito entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung. 1º de maio Criação, por Sandor Ferenczi, da Sociedade Psicanalítica de Budapeste. Em torno dele: Sandor Rado, Istvan Hollos e Ignotus. A partir de 1919, virão Imre Hermann, Melanie Klein, Geza Roheim, René Spitz e Eugénie Sokolnicka. 25 de maio Primeira reunião do Comitê Secreto. Sigmund Freud oferece a seus discípulos um anel com uma pedra grega de sua coleção. 7 de agosto Congresso Internacional de Medicina em Londres. Pierre Janet apresenta uma exposição, “A psicanálise”, em que ataca as teorias de Freud, na presença, notadamente, de Ernest Jones e Carl Gustav Jung. 7 de setembro IV Congresso da IPA em Munique (presidente: Carl Gustav Jung). Os partidários de Freud obrigam Carl Gustav Jung a se demitir de suas funções de redator-chefe do Jahrbuch. Início da segunda dissidência no movimento freudiano. A Associação Psicanalítica de Zurique será dissolvida. Sigmund Freud começa a escrever Sobre o narcisismo: uma introdução, e redige um prefácio para Totem e tabu, publicado no ano anterior. 30 de outubro Ernest Jones funda a London Psychoanalytic Society, com Douglas Bryan, David Eder, David Forsyth, Bernard Hart e Owen Berkeley-Hill. Havelock Ellis se recusa a tornar-se membro. Ruptura definitiva entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung. Criação da Internationale ärztliche Zeitschrift für Psychoanalyse, novo órgão da IPA. A partir de 1939, ela se fundirá com Imago, e deixará de ser publicada em 1941. Criação, nos Estados Unidos, da Psychoanalytic Review. Sigmund Freud publica O interesse científico da psicanálise. Primeira tradução de um texto de Sigmund Freud para o francês, escrito para a revista Scientia de Bolonha. No Peru, Honorio Delgado difunde as idéias freudianas.

1914 janeiro Sigmund Freud publica o primeiro estudo dedicado à história do movimento que fundou: “A história do movimento psicanalítico”.

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setembro Bronislaw Malinowski vai à Nova Guiné, visita os Mailu, e depois às ilhas Trobriand. novembro Sigmund Freud publica na revista Imago “O Moisés de Michelangelo”, sem nome de autor. Emmanuel Régis e Angelo Hesnard publicam A psicanálise das neuroses e das psicoses.

1917 24 de março Criação, nos Países Baixos, da Nederlandse Vereniging voor Psychoanalyse (NVP). maio Georg Groddeck adere à WPV. Sigmund Freud projeta escrever um ensaio sobre as repercussões das teorias de Jean-Baptiste Lamarck sobre a psicanálise.

1918 28-29 de setembro V Congresso da IPA em Budapeste (presidente: Karl Abraham). O congresso se realiza na Academia de Ciências, na presença dos representantes dos governos alemão, austríaco e húngaro. Sigmund Freud considera que o centro da psicanálise se encontra na Hungria. Durante o congresso, Hermann Nunberg propõe pela primeira vez que uma das condições exigidas para tornar-se psicanalista seja ter feito uma análise. Otto Rank e Sandor Ferenczi se opõem a que essa moção seja votada.

1919 janeiro Criação da Internationaler Psychoanalytischer Verlag. Viktor Tausk começa uma análise com Helene Deutsch, esta também em análise com Sigmund Freud. Ele pensa que Freud “rouba as suas idéias”. 20 de fevereiro Ernest Jones dissolve a Sociedade Psicanalítica de Londres e funda a British Psychoanalytical Society (BPS), sétimo componente da IPA. 28 de fevereiro Publicação, no jornal vienense Der freie Soldat, de um artigo acusando os psiquiatras e os neurologistas, sobretudo Julius Wagner-Jauregg, de utilizar o tratamento elétrico como terapia das neuroses de guerra. Uma investigação será pedida a Sigmund Freud em 11 de fevereiro de 1920. 20 de março Insurreição na Hungria. Bela Kun proclama a república dos conselhos. Sandor Ferenczi obtém na universidade a primeira cátedra de ensino da psicanálise. 24 de março Oskar Pfister funda a Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP). Entre seus onze fundadores: Emil Oberholzer, Hermann Rorschach e Hans Walser. maio Philippe Soupault e André Breton redigem Os campos magnéticos, com o auxílio da técnica de escrita automática de Pierre Janet. 3 de julho Suicídio de Viktor Tausk.

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1920 20 de janeiro Morte de Anton von Freund, amigo de Sigmund Freud, que dedicara parte de sua fortuna à Verlag. 25 de janeiro Morte de Sophie Halberstadt, em Hamburgo, de uma pneumonia gripal. Criação do International Journal of Psycho-Analysis. 25 de fevereiro Sigmund Freud entrega às autoridades médicas vienenses o resultado de sua investigação sobre o tratamento elétrico das neuroses de guerra. Condena o tratamento em nome da necessidade de reconhecer uma causa psíquica para essas neuroses. Criação da Policlínica de Berlim e do Berliner Psychoanalytisches Institut (BPI), por Max Eitingon e Ernst Simmel. Berlim se torna então o centro da psicanálise e o lugar de passagem e formação de todos os pioneiros do freudismo no mundo. Entre estes: Melanie Klein, Wilhelm Reich, Karen Horney, Helene Deutsch, James e Alix Strachey, Sandor Rado, Franz Alexander, Michael Balint, Hanns Sachs, Otto Fenichel, Rudolph Loewenstein, Clara Happel, Siegfried Bernfeld. maio Sigmund Freud termina de redigir Mais-além do princípio de prazer. 8-11 de setembro VI Congresso da IPA em Haia (presidente: Ernest Jones). Início dos grandes debates sobre a terapia, sua técnica e seus métodos. Sandor Ferenczi apresenta uma exposição sobre a “terapia ativa”. Georg Groddeck, depois da publicação de sua obra O investigador de almas, se qualifica como “psicanalista selvagem”. dezembro Sigmund Freud termina a redação de Psicologia das massas e análise do eu. No Brasil, em São Paulo, Durval Marcondes começa a orientar-se para a psicanálise.

1921 janeiro Melanie Klein se instala em Berlim. 21 de março Chegada de Eugénie Sokolnicka a Paris. No outono, será acolhida pelos escritores da Nouvelle Revue Française. Analisará André Gide, Sophie Morgenstern, Blanche Reverchon, René Laforgue e Édouard Pichon. Criação, em Moscou, da Associação Psicanalítica de Pesquisas sobre a Criação Artística, com Otto Schmidt, Ermakov e Moshe Wulff. Muitos americanos vão a Viena para analisar-se com Freud: Horace Frink, Clarence Oberndorf, Monroe Meyer, Abram Kardiner. agosto Criação em Moscou, por Vera Schmidt, do Lar Experimental para Crianças, onde são aplicados métodos de educação baseados na psicanálise e no marxismo. A experiência terminará em 1927. Sigmund Freud termina a redação de “Psicanálise e telepatia”. Com Sandor Ferenczi, e contra a opinião de Ernest Jones, interessa-se pelos fenômenos ocultos.

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11 de dezembro Discussão entre os membros do Comitê sobre a admissão dos homossexuais nas sociedades psicanalíticas. Otto Rank e Sigmund Freud não se opõem e defendem que a decisão seja tomada em função da competência de cada um. Ernest Jones se opõe e enfatiza que a homossexualidade é um “crime repugnante”. Sandor Ferenczi acha que os homossexuais são “demasiado anormais” para serem admitidos nas sociedades freudianas. Criação, na Bulgária, da Sociedade Psicológica de Sófia. Entre seus membros está Ivan Kinkel, professor de direito na Universidade e membro da IPA.

1922 11 de janeiro Representação, em Genebra, de uma peça de teatro de Henri Lenormand, dedicada à psicanálise: O comedor de sonhos. Início em Paris, da “temporada Freud”. Os meios literários põem a psicanálise na moda. março Criação, em Kazan, de uma sociedade psicanalítica, sob a direção de Aleksandr Romanovitch Luria, reunindo uma maioria de médicos. Publicação, em Paris, do primeiro número da revista Littérature, contendo a entrevista com Sigmund Freud por André Breton, depois do encontro do outono de 1921. 14 de maio Sigmund Freud escreve a Arthur Schnitzler para confessar-lhe que o evitou, temendo encontrar-se com o seu duplo. Criação, em Moscou, da Sociedade Psicanalítica da Rússia por Moshe Wulff e Ivan Dimitrievitch Ermakov (15 membros). 22 de setembro André Breton, René Crevel e Robert Desnos fazem experiências com o espiritismo na rua Fontaine. 25-27 de setembro VII Congresso da IPA em Berlim (presidente: Ernest Jones). Início do grande debate sobre a sexualidade feminina. Filiação da Sociedade Indiana de Psicanálise, criada por Girîndrashekhar Bose, em Calcutá. Sigmund Freud defende a adesão à IPA da Sociedade Psicanalítica de Moscou. Ernest Jones é contrário. Defende Kazan contra Moscou, os médicos contra os leigos, e desconfia dos marxistas.

1923 fevereiro Início da correspondência entre Sigmund Freud e Romain Rolland. Primeira manifestação do câncer de mandíbula, do qual Freud morrerá 16 anos depois. 20 de abril Sigmund Freud sofre uma intervenção cirúrgica para retirar um tumor da mandíbula superior direita e do palato. Felix Deutsch, seu médico, lhe esconde a natureza da doença. junho Morte de Heinerle, neto favorito de Sigmund Freud.

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4 de setembro Publicação, no jornal La Presse, de um artigo intitulado “Sobre o freudismo: as teorias de um sábio boche”. Essa campanha germanófoba se sucede à que acaba de ser feita contra Albert Einstein em 1922. 27 de setembro Léon Trotski escreve a Ivan Pavlov sobre as relações entre a doutrina freudiana e a dos reflexos condicionados. Segundo ele, a doutrina freudiana é materialista e um caso particular da teoria dos reflexos. Criação, em Moscou, da Associação Psicanalítica Russa, que reúne o grupo de Moscou e o grupo de Kazan. 4-11 de outubro Sigmund Freud é operado por Hans Pichler. Doravante, terá que usar uma enorme prótese, chamada “o monstro”. Sofrerá ainda trinta e uma operações. 25 de outubro Início da correspondência entre Sigmund Freud e René Laforgue, que continuará até 1937. 28 de outubro Primeiro encontro entre Max Eitingon e René Laforgue, para criar uma sociedade psicanalítica em Paris. Geza Roheim vai à Austrália central e à ilha Normanby. Defenderá as teorias de Freud contra Bronislaw Malinowski. Otto Rank publica O trauma do nascimento. Primeira difusão das obras de Sigmund Freud traduzidas para o espanhol no continente latino-americano.

1924 abril VIII Congresso da IPA em Salzburgo (presidente: Ernest Jones). Filiação da Associação Psicanalítica Russa. junho Publicação em Bruxelas de um número especial da revista Le Disque Vert, dedicada à psicanálise. 8 de setembro Hermine von Hug-Hellmuth é assassinada em Viena por seu sobrinho Rolf Hug. novembro Criação por Otto Fenichel, no quadro da DPG, de um “seminário de crianças”, no qual são abordados simultaneamente os problemas da psicanálise de crianças e a questão das ligações entre a política e a psicanálise. Ruptura entre Sigmund Freud e Otto Rank. Este vem despedir-se em Viena. 1º de dezembro Publicação do primeiro número de La Révolution Surréaliste. 17 de dezembro Melanie Klein apresenta uma exposição sobre a psicanálise de crianças na WPV. Início do grande debate que a oporá a Anna Freud.

1925 fevereiro Samuel Goldwyn propõe a Sigmund Freud colaborar em um filme sobre os amores célebres. Freud se recusa. Sigmund Freud publica sua autobiografia: Selbsdarstellung.

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Início das discussões, na URSS, entre freudo-marxistas, marxistas e pavlovianos sobre o estatuto materialista da psicanálise. Fim dos debates em 1929. Extinção da psicanálise em 1930. Theodor Reik, membro da WPV, é acusado de charlatanismo porque pratica a psicanálise sem ser médico. Sigmund Freud reage vivamente publicando A questão da análise leiga. 2-5 de setembro IX Congresso da IPA em Bad-Hombourg (presidente: Karl Abraham). Max Eitingon instaura as regras da psicanálise didática aplicáveis a todas as sociedades componentes da IPA, através de uma International Training Commission (ITC). Início da burocratização da IPA. 30 de setembro Marie Bonaparte vai a Viena para se analisar com Freud. 25 de dezembro Morte de Karl Abraham. Criação da primeira sociedade psicanalítica italiana, em torno de Edoardo Weiss e Marco Levi-Bianchini. No Chile, Fernando Allende Navarro, analisado na Suíça por Emil Oberholzer, começa a formar psicanalistas.

1926 24 de março Projeção, em Berlim, do filme de Wilhelm Pabst Os mistérios da alma, realizado com a assessoria de Hanns Sachs. 4 de novembro Criação da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP).

1927 25 de junho Publicação do primeiro número da Revue Française de Psychanalyse (RFP). 27 de setembro X Congresso da IPA em Innsbruck (presidente: Max Eitingon). O comitê é dissolvido e reforma-se como comitê administrativo, composto de Sandor Ferenczi, Ernest Jones, Anna Freud, Johan Van Ophuijsen. Melanie Klein apresenta sua comunicação sobre “Os estádios precoces do conflito edipiano”, em que responde às teses de Anna Freud. Ernest Jones apresenta a sua comunicação sobre “A fase precoce do desenvolvimento da sexualidade feminina”. Debate sobre a questão do dualismo e do monismo sexual, que opõe os vienenses e os ingleses. Início dos conflitos entre os europeus e os americanos sobre o estatuto da psicanálise leiga e a admissão de não-médicos na IPA. Criação em São Paulo, por Durval Marcondes e Franco da Rocha, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, primeira sociedade freudiana do continente latino-americano.

1928 10 de janeiro Conflito na SSP sobre a questão da psicanálise leiga. Emil Oberholzer pede demissão, junto com 22 membros, e funda a Associação Médica de

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Psicanálise, reservada aos médicos. Esta nunca se filiará à IPA. Philipp Sarasin torna-se presidente da SSP. 28 de março André Breton e Louis Aragon celebram o cinqüentenário da histeria, “a maior descoberta política do fim do século”. Criação, por Durval Marcondes, da Revista Brasileira de Psicanálise, primeira revista freudiana do continente latino-americano. Criação em Tóquio, por Yackichi Yabe e Kenji Otsuki, de um Instituto Psicanalítico Japonês.

1929 10 de fevereiro Criação do Instituto Psicanalítico de Frankfurt, sob a direção de Karl Landauer e Erich Fromm. março Max Schur se torna médico particular de Sigmund Freud. julho XI Congresso da IPA em Oxford (presidente: Max Eitingon). A NYPS aceita a filiação de psicanalistas não-médicos, mas aprova uma cláusula que permite às sociedades psicanalíticas americanas recusar a filiação de psicanalistas formados na Europa. Filiação da Sociedade Brasileira de Psicanálise. setembro Wilhelm Reich, membro do Partido Comunista Austríaco desde 1928, vai a Moscou. Lá, encontra-se com Vera Schmidt. Ao voltar, deixa Viena e vai para Berlim, encontra-se com a esquerda psicanalítica e adere ao Partido Comunista Alemão.

1930 17 de outubro William Bullit, embaixador dos Estados Unidos em Berlim, leva a Sigmund Freud 1.500 páginas de anotações sobre Thomas Woodrow Wilson. O texto será concluído em 4 de dezembro. Freud escreverá o prefácio. A obra será publicada em 1967.

1931 22 de agosto Reunião entre Alfhild Tamm, Harald Schjelderup e Sigurd Naesgaard para fundar um grupo psicanalítico escandinavo.

1932 janeiro Criação, por Edoardo Weiss, em Roma, da Società Psicoanalitica Italiana (SPI), com Niccola Perrotti e Emilio Servadio. 4 de setembro XII Congresso da IPA em Wiesbaden (presidente: Max Eitingon). Organizado por Karl Landauer, é o último congresso da IPA a reunir-se na Alemanha. Filiação do Instituto Psicanalítico Japonês de Tóquio.

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7 de setembro Jacques Lacan termina a redação da sua tese de medicina sobre o caso Aimée, publicada sob o título Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade. Envia um exemplar a Freud.

1933 fevereiro Max Eitingon e Sigmund Freud defendem a existência do Instituto Psicanalítico de Berlim. Edith Jacobson, membro da DPG, entra para a Resistência antinazista. Ernst Kretschmer pede demissão da Allgemeine ärztliche Gesellschaft für Psychoterapie (AÄGP), sociedade composta de psiquiatras e psicoterapeutas. É substituído por Carl Gustav Jung, que declarará em dezembro que o inconsciente da “raça judia não pode ser comparado ao inconsciente ariano”. abril A terminologia freudiana começa a ser banida do vocabulário da psiquiatria e da psicologia na Alemanha. A psicanálise é qualificada de “ciência judaica”. 1º de maio Wilhelm Reich chega a Copenhague. Em novembro, instala-se em Malmö, na Suécia. Publica Psicologia de massas do fascismo. 22 de maio Morte de Sandor Ferenczi. setembro Max Eitingon pede demissão de todas as suas funções e deixa a Europa, indo para a Palestina, onde cria uma sociedade psicanalítica. Moshe Wulff reúne-se a ele. Início da emigração maciça dos psicanalistas alemães para a Argentina, a Inglaterra, os Estados Unidos. Serão seguidos pelos austríacos e pelos húngaros. Crise na NVP por causa da chegada dos imigrantes à Holanda. Johan Van Ophuijsen pede demissão para criar a Vereniging voor Psychoanalyse in Nederland (VPN), que se fundirá com a NVP em 1938. Os livros de Sigmund Freud são queimados na Alemanha. Criação em Sendai, por Heisaku Kosawa, de um grupo de estudos psicanalíticos.

1934 janeiro Jacques Lacan faz o curso de Alexandre Kojève sobre a Fenomenologia do espírito na École Pratique des Hautes Études. fevereiro Gustav Bally denuncia o papel de Carl Gustav Jung na presidência da AÄGP, que tem como missão excluir os judeus de suas fileiras. Início da polêmica sobre a adesão de Jung ao nazismo. abril Ludwig Jekels se instala em Estocolmo para favorecer o desenvolvimento da psicanálise na Suécia. 5 de maio Criação em Jerusalém, por Max Eitingon, da Sociedade Psicanalítica da Palestina, que se tornará a Hachevra Hapsychoanalytit Be-Israel (HHBI). 19 de maio Suicídio de Eugénie Sokolnicka. 26-31 de agosto XIII Congresso da IPA em Lucerna (presidente: Ernest Jones). Nessa data, 24 dos 36 membros do Instituto Psicanalítico de Berlim já deixaram a Alemanha. Wilhelm Reich é excluído da IPA. A língua inglesa começa a impor-se

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nos congressos internacionais. A cláusula aprovada no congresso de Oxford de 1929 é anulada. Filiação de duas sociedades escandinavas: uma fino-sueca, outra dano-norueguesa. A primeira será a origem de duas sociedades separadas, uma sueca, em 1943, outra finlandesa, em 1969; a segunda será a origem de duas outras sociedades, uma dinamarquesa, em 1957, outra norueguesa, em 1975.

1935 dezembro Em uma sessão da DPG, presidida por Ernest Jones, que defende uma política de “salvamento da psicanálise na Alemanha”, os titulares judeus são obrigados a pedir demissão. Bernardt Kamm, que não é judeu, se solidariza com eles. John Rittmeister, membro da rede Orquestra Vermelha, será executado pelos nazistas. Karl Landauer será deportado. Marie Langer, membro do Partido Comunista Austríaco, emigra para a Espanha a fim de lutar contra o fascismo; dali, irá para a América Latina.

1936 julho Negociações, em Basiléia, entre Ernest Jones, Abraham A. Brill, Felix Boehm e Carl Müller-Braunschweig, para ligar a DPG ao instituto de Matthias Göring. O Instituto Psicanalítico de Berlim será convertido em instituto “arianizado”. 2-8 agosto XIV Congresso da IPA em Marienbad (presidente: Ernest Jones). Filiação de um Grupo de Estudos tchecoslovaco, criado por Theodor Dosuzkov e de um Grupo de Estudos helênico criado por Andreas Embiricos. Violentos conflitos entre os vienenses (partidários de Anna Freud) e os membros da BPS (que defendem as teses de Melanie Klein). Conflitos entre esta e sua filha Melitta Schmideberg, defendida por Edward Glover. Jacques Lacan faz a sua exposição sobre o estádio do espelho. Ernest Jones lhe corta a palavra ao fim de dez minutos. Jacques Lacan vai depois às Olimpíadas de Berlim. Voltando a Noirmoutier, redige “Mais-além do princípio de realidade”. outubro Chegada a São Paulo de Adelheid Koch. Roland Dalbiez publica O método psicanalítico e a doutrina freudiana, primeira tese de mestrado de filosofia, na França, sobre Freud. Thomas Mann publica Freud e o pensamento moderno.

1937 5 de fevereiro Morte de Lou Andreas-Salomé. Sigmund Freud publica Análise terminável e interminável. Jacques Lacan redige para a Enciclopédia francesa um texto sobre a família, que será corrigido por Lucien Febvre. julho Ludwig Jekels volta a Viena, sem ter conseguido organizar a psicanálise na Suécia. Instala-se em Nova York, depois de passar pela Austrália.

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setembro Na Noruega, começa uma vasta campanha de difamação contra Wilhelm Reich, que é qualificado de “psicopata”, “charlatão” e “pornógrafo judeu”.

1938 31 de março A WPV decide dissolver-se e transferir-se “para onde Freud for morar”. 3 de junho Graças à intervenção de William Bullitt e ao pagamento de um resgate por Marie Bonaparte, Sigmund Freud consegue deixar Viena com sua mulher e sua filha. Minna Bernays e dois dos filhos de Freud já estão em Londres. 5 de junho Sigmund Freud chega a Paris de manhã. À noite, há uma recepção em sua homenagem na rua Adolphe-Yvon, na casa de Marie Bonaparte, e na presença dos psicanalistas franceses. Jacques Lacan não está presente. 6 de junho Partida de Sigmund Freud para Londres. Instala-se em Maresfield Gardens, 20. 19 de julho Salvador Dali visita Sigmund Freud e faz o seu retrato. Freud revê o seu conceito sobre o surrealismo. 29 de julho XV Congresso da IPA em Paris (presidente: Ernest Jones). No discurso de encerramento, Jones anuncia o triunfo da sua política de “salvamento” na Alemanha e se alegra com a “autonomia” da nova DPG. À noite, uma festa é organizada em homenagem a todos os participantes (cuja maioria é de exilados vienenses) em Saint-Cloud, na casa de Marie Bonaparte. Yvette Guilbert canta Dites-moi que je suis belle. Na Itália, são promulgadas leis anti-semitas de exceção. Os psicanalistas judeus emigram.

1939 janeiro Chegada de Michael e Alice Balint a Manchester. Edoardo Weiss deixa a Itália para ir a Topeka, no Kansas, à Menninger Clinic (fundada por Karl Menninger). Reúne-se depois a Franz Alexander em Chicago. abril Matthias Göring vai a Oslo para criar um instituto arianizado, de acordo com o modelo de Berlim. Vários psicanalistas noruegueses entram para a resistência antinazista. Harald Schjelderup é internado em um campo de concentração. Paul Bernstein é deportado e morre na Alemanha, em um campo. 23 de setembro Morte de Sigmund Freud, às três horas da manhã, em sua casa de Londres. A seu pedido, e com o consentimento de Anna Freud, Max Schur lhe injeta uma dose de três centigramas de morfina, por três vezes.

1940 janeiro Vindo da Espanha, François Tosquelles aceita um cargo no Hospital Psiquiátrico de Saint-Alban en Lozère, dirigido por Paul Balvet. Início do movimento de psicoterapia institucional.

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dezembro René Laforgue encontra-se em Paris com funcionários nazistas. Georges Parcheminey reorganiza o serviço psiquiátrico do Hospital Sainte-Anne, sob a direção do professor Laignel-Lavastine, e depois de Jean Delay.

1941 Em Nova York, cisão na NYPS, em torno de Karen Horney, que funda a Association for the Advancement of Psychoanalysis (AAP).

1942 janeiro Fases preparatórias das Grandes Controvérsias que oporão Melanie Klein e Anna Freud no seio da BPS. fevereiro O psicanalista Georges Mauco, colaborador de Georges Montandon, publica em L’Ethnie Française um artigo racista e anti-semita sobre a “imigração estrangeira” na França. 29 de junho Maria Freud, Adolfine Freud e Paula Winternitz são deportadas para o campo de concentração de Theresienstadt. Em 23 de setembro, Maria e Paula serão transferidas para o campo de Maly Trostinec. 27 de julho Morte de Sabina Spielrein, executada pelos alemães em Rostov. 28 de agosto Rosa Graf, quarta irmã de Sigmund Freud, é deportada para o campo de Theresienstadt. 21 de outubro Início das Grandes Controvérsias na BPS. Edward Glover levanta a questão da validade das teses kleinianas. dezembro Criação da Associación Psicoanalítica Argentina (APA), por Celes Ernesto Cárcamo, Angel Garma, Enrique Pichon-Rivière, Marie Langer, Arnaldo Rascovsky, Guillermo Ferrari Hardoy.

1943 janeiro René Laforgue recebe a última carta de Matthias Göring. No sul da França, conseguiu ajudar Oliver Freud e sua mulher a escapar pela fronteira espanhola. Ele é então analista de Eva Freud, filha de Oliver Freud, neta de Sigmund Freud. 5 de fevereiro Morte de Adolfine Freud no campo de Theresienstadt. No México, formação de um Grupo de Estudos sobre a Psicanálise, dirigido por Santiago Ramirez, José Luiz Gonzales, Ramon Parres. No Chile, Ignacio Matte-Blanco consolida o Grupo Psicanalítico de Santiago. Dissolução da Sociedade Psicanalítica Fino-Sueca e criação da Svenska Psykoanalytisk Föreningen (SPF, Suécia).

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1944 5 de junho Criação do Grupo Psicanalítico de São Paulo, por Adelheid Koch, Durval Marcondes, Flávio Dias, Virgínia Bicudo, Darcy de Mendonça Uchoa e Frank Philips. Será filiado, como sociedade componente, no Congresso da IPA em Amsterdam, em 1951.

1945 14 de julho Otto Fenichel tenta convencer James Strachey a publicar a Standard Edition nos Estados Unidos. Ernest Jones se torna biógrafo de Sigmund Freud. Constituição, pelos herdeiros diretos de Freud, de uma história oficial baseada nos arquivos. outubro Instalação de Michael Balint em Londres. dezembro Reconstituição da WPV sob a direção de August Aichhorn, com Wilhelm Solms e Alfred von Winterstein.

1946 janeiro Criação, por Maryse Choisy, da revista Psyché. Primeiro congresso para a reconstituição da Società Psicoanalitica Italiana, em torno de Cesare Musatti, Niccola Perrotti e Alessandra Tomasi (princesa de Lampedusa, esposa do autor do Leopardo). 26 de junho Fim das Grandes Controvérsias. A BPS se divide em três grupos: os annafreudianos, os kleinianos e os independentes. julho Criação, em Bucareste, da Sociedade Romena de Psicopatologia e Psicoterapia. No Rio de Janeiro, realiza-se o I Congresso Latino-Americano de Psicanálise. Efetua-se uma fusão entre a APA e o Grupo Psicanalítico de São Paulo. Formado na Argentina, Valentin Pérez Pastorini volta a Montevidéu, no Uruguai, para formar psicanalistas.

1947 20 de janeiro Criação, por Maurice Dugautiez e Fernand Lechat, da Associação dos Psicanalistas da Bélgica. Será filiada à IPA durante o Congresso Internacional de Zurique em julho de 1949, e se tornará a Sociedade Belga de Psicanálise (SBP). dezembro Criação da revista Psyche por Alexander Mitscherlich, para promover um humanismo psicanalítico. Início da reflexão sobre o nazismo e a psicanálise na Alemanha. Cisão na Washington-Baltimore Psychoanalytic Society e criação de duas sociedades distintas: a Washington Psychoanalytic Society (WPS) e a Baltimore Psychoanalytic Society (BaPS). Criação da revista Samiska, por Girîndrashekhar Bose.

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1948 Retorno a Bogotá, na Colômbia, de Arturo Lizararo, analisado no Chile por Fernando Allende Navarro. Forma um grupo de psicanalistas que será reconhecido pela IPA como Grupo de Estudos no Congresso de Paris, em 1957. Cisão na Philadelphia Psychoanalytic Society (PPS) e criação, um ano depois, da Philadelphia Association for Psychoanalysis (PAP).

1949 27 de janeiro O jornal L’Humanité publica, assinado por Guy Leclerc, um artigo intitulado “A psicanálise, ideologia de baixa civilização e de espionagem”. Por iniciativa da URSS, lançamento da campanha jdanoviana contra a psicanálise no PCF. março Criação da Deutsche Gesellschaft für Psychoterapie und Tiefen-psychologie, composta de várias tendências: Carl Müller-Braunschweig (freudianos), Harald Schultz-Hencke (neopsicanálise), aos quais se reúnem independentes como Alexander Mitscherlich. junho Publicação, em La Nouvelle Critique, de “A psicanálise, uma ideologia reacionária”, artigo condenando a psicanálise, assinado por Serge Lebovici, Lucien Bonnafé, Sven Follin, Jean e Evelyne Kestemberg, Louis Le Gaillant, Jules Monnerot e Salem Shentoub. 15 de agosto XVI Congresso da IPA em Zurique (presidente: Ernest Jones). Admite-se o princípio da reconstituição da DPG (Alemanha), composta de dois grupos rivais. Filiação da Asociación Psicoanalítica de Argentina (APA), da Asociación Psicoanalítica Chilena (APC) e da Sociedade Belga de Psicanálise (SBP). Nessa data, doze sociedades, distribuídas por dez cidades, se filiam à American Psychoanalytic Association (APA): Nova York, Washington, Baltimore, Chicago, Boston, Filadélfia, Topeka, Detroit, São Francisco e Los Angeles. Jacques Lacan: “O estádio do espelho como formador da função do Eu”.

1950 18-27 de setembro I Congresso da Associação Mundial de Psiquiatria, organizado por Henri Ey, em Paris. Primeira publicação em alemão da correspondência (1887-1902) de Sigmund Freud com Wilhelm Fliess, sob o título Aus den Anfängen der Psychoanalyse. (Versão expurgada. Tradução inglesa, 1954. Tradução francesa, 1956.) Criação, por Werner Kemper, de um Centro de Estudos Psicanalíticos, que se tornará a Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), filiada à IPA em 1955. Criação, pelos alunos de Otto Fenichel e de Ernst Simmel, de um grupo californiano da IPA favorável à análise leiga: Southern California Psychoanalytic Society (SCPS). Dissolução do Grupo de Estudos Helênico.

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1951 7 de agosto XVII Congresso da IPA em Amsterdam (presidente: Leo Bartemeier). Depois de uma cisão no seio da DPG, uma nova sociedade alemã, a Deutsche Psychoanalitische Vereinigung (DPV), se filia à IPA, sob a direção de Carl Müller-Braunschweig. A DPG, sob a direção de Harald Schultz-Hencke, fica fora da IPA. Filiação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). 10 de novembro Conferência de Siegfried Bernfeld sobre a formação dos psicanalistas no Instituto de Psicanálise de São Francisco.

1952 15 de abril Discurso de Pio XII no Congresso Internacional de Psicoterapia e de Psicologia Clínica: evocação dos “perigos” da psicanálise. 17 de junho Criação do Instituto de Psicanálise. Na SPP, início da crise que levará à primeira cisão da história do movimento psicanalítico francês. Episódio da “Discórdia dos mestres”, com a eleição do grupo de Sacha Nacht para o comitê diretor do Instituto.

1953 4 de abril Morte de Siegfried Bernfeld. 16 de junho Demissão da SPP de Juliette Favez-Boutonier, Daniel Lagache, Françoise Dolto, Jacques Lacan e Blanche Reverchon-Jouve. Fim da primeira cisão na França. 18 de junho Anúncio oficial da criação, por Daniel Lagache, da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP). 8 de julho Conferência de Jacques Lacan na SFP: “O Simbólico, o Imaginário e o Real”. 26 de julho XVIII Congresso Internacional da IPA em Londres (presidente: Heinz Hartmann). Este recusa a filiação dos demissionários da SPP e confia o exame de sua candidatura a uma comissão de investigação composta por Donald W. Winnicott, Jeanne Lampl-De Groot, Phyllis Greenacre, Willi Hoffer. Exposição de Ernest Jones sobre as primeiras viagens de Freud. agosto Jacques Lacan redige o “Discurso de Roma”: “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise”. outubro Criação da Canadian Psychoanalytic Society (CPS), que será filiada à IPA em 1957.

1955 26 de julho XIX Congresso da IPA em Genebra (presidente: Heinz Hartmann). Recusa oficial de reconhecer a SFP. Relatório da comissão presidida por Donald

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W. Winnicott. Filiação da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Criada por Heisaku Kosawa, a Sociedade Japonesa de Psicanálise se filia à IPA. setembro Criação, por Willy Baranger, da Asociación Psicoanalítica del Uruguay (APU). Será filiada à IPA em 1961. 7 de novembro Conferência de Jacques Lacan em Viena: “A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise”. Anuncia que, segundo uma informação transmitida por Carl Gustav Jung, Sigmund Freud teria dito ao chegar a Nova York: “Eles não sabem que lhes trazemos a peste”. Início do mito francês da peste na história da psicanálise. dezembro A Congregação do Santo Ofício inclui no Index obras de Angelo Hesnard: Moral sem pecado (1954), O universo mórbido do pecado (1959), Manual de sexologia normal e patológica (1951).

1956 março Publicação do primeiro número de La Psychanalyse, revista da SFP, sobre o tema: “Do uso da fala e das estruturas de linguagem na condução do tratamento e no campo da psicanálise”. Com Émile Benveniste, Jean Hyppolite, Daniel Lagache e Jacques Lacan. 5-6 de maio Celebração, em Londres, do centésimo aniversário do nascimento de Sigmund Freud.

1957 janeiro A revista La Raison, dirigida por Henri Wallon e Lucien Bonnafé, anuncia que a publicação de A psicanálise de hoje marca um momento importante na evolução da psicanálise. Essa declaração coincide com o fim da campanha do PCF contra a psicanálise. 28 de julho XX Congresso da IPA em Paris (presidente: Heinz Hartmann). Filiação da Canadian Psychoanalytic Society (CPS) e da Dansk Psykoanalytisk Selskat (DPS, Dinamarca). Reconhecimento, como grupo de estudos, da Sociedade Psicanalítica Luso-Ibérica, patrocinada pela Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP). 3 de novembro Morte de Wilhelm Reich.

1959 16-30 de julho XXI Congresso da IPA em Copenhague (presidente: William H. Gillespie). A executiva central pede a criação de um novo comitê consultivo para examinar a candidatura francesa. Filiação da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), fundada por alunos de Mark Burke e por Danilo e Marialzira Perestrello e Alcyon Baer Bahia.

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1960 21 de março Carta de William Gillespie, presidente da IPA, a Angelo Hesnard, para anunciar a ida a Paris de um novo comitê consultivo, composto por Paula Heimann, Ilse Hellman, P.J. Van der Leeuw, e presidido por Pierre Turquet. abril Serge Leclaire inicia uma longa correspondência com Pierre Turquet. Começo do “grande jogo”, que levará à segunda cisão do movimento psicanalítico francês. Constituição da tróica: Serge Leclaire, Wladimir Granoff e François Perrier. 5-9 de setembro Colóquio internacional em Amsterdam sobre a sexualidade feminina, com Jacques Lacan, Daniel Lagache, Françoise Dolto, François Perrier, Wladimir Granoff e Franz Alexander. 22 de setembro Morte de Melanie Klein. Criação de um Conselho Coordenador das Organizações Psicanalíticas da América Latina (COPAL), destinado a defender os interesses das sociedades psicanalíticas latino-americanas filiadas à IPA.

1961 21 de maio Defesa de tese de Michel Foucault sobre a História da loucura na idade clássica. 2 de agosto XXII Congresso da IPA em Edimburgo (presidente: William Gillespie). A SFP é obrigada a retirar sua candidatura à filiação como sociedade componente, para aceitar o estatuto de grupo de estudos patrocinado por um comitê ad hoc. Dezenove recomendações são emitidas pela executiva central, entre as quais um pedido de afastamento de Jacques Lacan, Françoise Dolto e Angelo Hesnard das análises didáticas. Serge Leclaire é admitido como membro da IPA a título pessoal. Filiação da Sociedad Colombiana de Psicoanalisis e da Asociación Psicoanalítica del Uruguay (APU). outubro Ola Andersson publica Studies in the Prehistory of Psychoanalysis, primeira pesquisa de história erudita sobre as origens do freudismo por um autor sueco membro da IPA.

1962 5 de agosto Suicídio de Marilyn Monroe: a conselho de Marianne Kris, sua analista, ela se recusara a interpretar o papel de Cecily no filme de John Huston Freud, além da alma, segundo o roteiro de Jean-Paul Sartre. novembro No mosteiro beneditino de Cuernavaca, no México, o padre Grégoire Lemercier realiza uma experiência de tratamento psicanalítico com diversos monges. No concílio, enfatiza a necessidade de submeter os religiosos à análise.

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1963 31 de julho XXIII Congresso da IPA em Estocolmo (presidente: Maxwell Gitelson). A SFP conserva o seu estatuto de grupo de estudos. Wladimir Granoff é admitido como membro da IPA a título pessoal. Filiação da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, oriunda de um grupo original formado por Mário Martins, David Zimmermann e Zaira Bittencourt Martins. 2 de agosto Decisão da executiva central da IPA, conhecida sob o nome de “Diretiva de Estocolmo”: pedido de supressão do nome de Jacques Lacan da lista de didatas da SFP. A supressão deve se efetivar antes de 31 de outubro. Uma análise suplementar será exigida dos candidatos ainda em formação com ele. 19 de novembro Fim da segunda cisão da história do movimento psicanalítico francês. A terceira geração será doravante dividida em três grupos psicanalíticos: dois pertencentes à IPA e outro, sempre freudiano mas de orientação lacaniana, fora da legitimidade da IPA. 20 de novembro Última conferência de Jacques Lacan no Hospital Sainte-Anne: “Os nomes do pai”. Graças a Louis Althusser, Lacan instala-se na École Normale Supérieure. Aceita a proposta de François Wahl de publicar uma obra nas Éditions du Seuil.

1964 janeiro Muriel Gardiner: “A velhice do Homem dos Lobos”. (Primeira etapa de um trabalho sobre a história e a identificação de um grande caso de Freud.) 3 de abril Criação da coleção “O Campo Freudiano”, dirigida por Jacques Lacan, nas Éditions du Seuil. 26 de maio Criação da Associação Psicanalítica da França (APF). Principais membros: Daniel Lagache, Georges Favez, Juliette Favez-Boutonier, Jean-Bertrand Pontalis, Jean Laplanche, Didier Anzieu e Wladimir Granoff. 21 de junho Criação, por Jacques Lacan, da École Française de Psychanalyse, que se tornará École Freudienne de Paris (EFP) em setembro. O discurso “Eu fundo...” é gravado. John Huston realiza o filme Freud, além da alma. Jean-Paul Sartre retirou seu nome dos créditos. Seu roteiro será publicado em 1984, depois de sua morte.

1965 28 de julho XXIV Congresso da IPA em Amsterdam (presidente: William Gillespie). Filiação da APF. Nessa data, existem na França três sociedades psicanalíticas: a SPP (83 membros), a APF (26 membros), a EFP (134 membros). Só as duas primeiras são filiadas à IPA, ou seja, 109 psicanalistas. O freudismo francês de inspiração lacaniana é majoritário e encontra-se fora da IPA. Com o fim da segunda cisão do movimento psicanalítico francês, começa a expansão do movimento lacaniano. Em uma conferência no congresso, Ola Andersson revela a verdadeira identidade de Emmy von N., primeira paciente de Freud tratada pela psicanálise.

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Ao mesmo tempo que Muriel Gardiner, ele abre caminho para o estudo histórico dos grandes casos de Freud. Sua conferência será publicada em 1979.

1966 Publicação em Paris do primeiro número da revista Cahiers pour l’Analyse, pelo círculo de epistemologia da École Normale Supérieure. 18-21 de outubro Simpósio sobre o estruturalismo na Universidade Johns Hopkins em Baltimore. Entre os convidados franceses, Jacques Derrida, Jean-Pierre Vernant, Tzvetan Todorov e Jacques Lacan. 15 de novembro Publicação dos Écrits de Jacques Lacan.

1967 25 de julho XXV Congresso da IPA em Copenhague (presidente: P.J. Van der Leeuw). Depois de uma cisão na Sociedade Luso-Espanhola, três sociedades são filiadas: a Sociedade Portuguesa de Psicanálise, a Sociedad Española de Psicoanalisis (Barcelona), a Asociación Psicoanalítica de Madri. 9 de outubro Discurso de Jacques Lacan na EFP para propor o passe, isto é, um novo modo de acesso ao estatuto de psicanalista didata. Haverá duas versões dessa proposta. Início da crise que levará a EFP à cisão. Publicação do Vocabulário da psicanálise, redigido por Jean Laplanche e JeanBertrand Pontalis. A obra será traduzida no mundo inteiro (22 línguas).

1969 17 de março Criação, pelos demissionários da EFP, da Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF), também chamada Quarto Grupo. Fim da terceira cisão da história do movimento psicanalítico francês. Nessa data, duas sociedades de inspiração freudiana estão fora da IPA. André Stéphane: O universo contestatário. Esse é o pseudônimo de Janine Chasseguet-Smirgel e Bela Grunberger, psicanalistas conservadores da SPP. Os contestatários de maio são qualificados de “cristãos novos” e Daniel Cohn-Bendit de “mau judeu”, de tendência “anal”. Anne-Lise Stern, membro da EFP, protesta no Le Nouvel Observateur, assinando com seu número de deportada. 8 de julho Criação da Escola Belga de Psicanálise (EBP) por Antoine Vergote, Jacques Schotte, Paul Duquenne e Jean-Claude Quintart. Presidente de honra: Alphonse de Waelhens. 25 de julho XXVI Congresso da IPA em Roma (presidente: P.J. Van der Leeuw). Filiação da Società Psicanalitica Italiana (SPI). Grande movimento de contestação no seio das sociedades européias filiadas à IPA visando uma reforma dos currículos e da formação. À margem do congresso, reúne-se um grupo de psicanalistas contestatários, em torno de Elvio Fachinelli. Formação do grupo Plataforma por psicanalistas argentinos, entre os quais Marie Langer. É destinado a estender a

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revolta a todas as sociedades psicanalíticas. Filiação da Suomen Psykoanallyytinen Yhdistys (SPY, Finlândia) e da Asociación Venezolana de Psicoanálisis (AVP). Criação da Federação Européia de Psicanálise (FEP), destinada a controlar a contestação. 12 de setembro Criação, por Maud Mannoni e Robert Lefort, da Escola Experimental de Bonneuil-sur-Marne. Será reconhecida como hospital-dia em 17 de março de 1975.

1970 fevereiro Henri F. Ellenberger publica The Discovery of the Unconscious. The History and Evolution of Dynamic Psychiatry, primeiro livro extenso de história escrito por um autor não-pertencente à IPA. O modelo biográfico da historiografia oficial é efetivamente questionado.

1971 27 de julho XXVII Congresso da IPA em Viena (presidente: Leo Rangell). Primeiro congresso na Áustria desde 1927. Os membros do grupo Plataforma deixam a APA. Outro grupo assume o nome de Documento para continuar a contestação no interior da APA. No fim do ano, trinta psicanalistas pedem demissão da APA, além de vinte candidatos. Primeira ruptura na APA.

1973 26 de julho XXVIII Congresso da IPA em Paris (presidente: Leo Rangell). Eleição para a presidência de Serge Lebovici, primeiro francês a ocupar essa função. Unificação das duas sociedades componentes francesas da IPA, a APF e a SPP. Filiação da Australian Psychoanalytical Society (APS). outubro Marie Langer revela publicamente que Amílcar Lobo, psicanalista em formação no Rio de Janeiro e analisado por Leão Cabernite, é um torturador a serviço da ditadura. Leão Cabernite, presidente da SPRJ, foi analisado por Werner Kemper, ex-nazista colaborador de Matthias Göring. Informado do caso por Helena Besserman Vianna, Serge Lebovici, presidente da IPA, escreve a Cabernite. 16-19 de dezembro Armando Verdiglione, criador do grupo Semiótica e Psicanálise e analisado por Jacques Lacan, organiza o seu primeiro colóquio internacional em Milão, sobre o tema “Psicanálise e política”. Presença de muitos psicanalistas e intelectuais franceses. Início das reuniões de confrontação, animadas por René Major e Dominique Geahchan em Paris. Dissidência na SPP. O grupo assumirá em seguida o nome de Confrontação e suas atividades terão fim em 1982.

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1974 28 de junho Fundação, por dezenove psicanalistas, entre os quais Oscar Masotta e Isidoro Vegh, da Escuela Freudiana de Buenos Aires (EFBA), a partir do modelo da EFP. Início da expansão do movimento lacaniano na Argentina.

1975 20 de janeiro Um grupo separatista no interior da APA toma o nome de Ateneo Psicoanalítico, com a intenção de propor uma reforma da formação didática. Início de um processo de cisão. 25 de julho XXIX Congresso da IPA em Londres (presidente: Serge Lebovici). Filiação da Norsk Psykoanalytisk Forening (NPF, Noruega).

1977 11 de fevereiro Criação, por Oscar Masotta, da Biblioteca Freudiana de Barcelona. 27 de julho XXX Congresso da IPA em Jerusalém (presidente: Serge Lebovici). A direção da IPA apresenta um projeto de nova constituição e define a nova divisão do mundo psicanalítico em três zonas: 1) tudo o que se acha ao norte da fronteira mexicana; 2) tudo o que se acha ao sul da mesma fronteira; 3) o resto do mundo. Anna Freud dirige ao congresso um texto no qual declara que o qualificativo de “ciência judaica” para a psicanálise representa, na ocasião, um título de glória. O grupo Ateneo Psicoanalítico torna-se sociedade provisória, sob o nome de Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires (ABdeBA). Fim da cisão na Argentina. Criação de um instituto de psicanálise no Peru.

1978 13 de novembro Por recomendação de Kurt Eissler, diretor dos Arquivos Freud, Anna Freud dá consentimento a Jeffrey Moussaïev Masson para tratar da publicação da correspondência entre Sigmund Freud e Wilhelm Fliess. Início de uma grande turbulência nos Arquivos Freud, que inaugura a “revisão” da historiografia freudiana.

1979 27 de julho XXXI Congresso da IPA em Nova York (presidente: Edward Joseph). A pedido de um membro da APS (Austrália), a IPA condena, em votação aberta, a violação dos direitos humanos na Argentina e a utilização dos métodos psiquiátricos e psicoterápicos para fins de privação da liberdade.

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Dissolução da COPAL, que será substituída um ano depois pela Federación Psicoanalítica de America Latina (FEPAL). 30 de setembro Início do Simpósio Internacional sobre o Inconsciente em Tbilissi, na Geórgia, organizado por Léon Chertok e Philippe Bassine. Assembléia geral da EFP assinalando o começo do processo de dissolução. Jacques Lacan não fala mais.

1980 5 de janeiro Em Paris, difusão de uma carta de dissolução da EFP, com a assinatura de Jacques Lacan. Será publicada no jornal Le Monde. 8 de janeiro Jacques Lacan lê essa carta em seu Seminário e acrescenta: “Foi o que assinei com meu nome, Jacques Lacan, em Guitrancourt, no dia 5 de janeiro de 1980.” setembro Colóquio no Rio de Janeiro sobre o tema “Psicanálise e fascismo”. Um prisioneiro político testemunha que viu Amílcar Lobo participar da tortura. Debates na imprensa brasileira. Helena Besserman Vianna é reabilitada.

1981 3 de janeiro Em Paris, a Causa Freudiana anuncia, por correspondência, a criação de uma Escola da Causa Freudiana (ECF). Seus dirigentes pertencem majoritariamente à quinta geração psicanalítica francesa. fevereiro Encontro franco-latino-americano em Paris, organizado por René Major, para criticar a política da IPA quanto aos regimes ditatoriais. Conferência de Jacques Derrida denunciando o terror, as concessões da IPA e a divisão em “zonas”. 25 de julho XXXII Congresso da IPA em Helsinki (presidente: Edward Joseph). A nova constituição é adotada. A psicanálise é definida como uma terapia e sua teoria como emanando das descobertas de Sigmund Freud. A divisão do mundo em três zonas (América do Norte, América do Sul, Europa) é confirmada. 18-25 de agosto Publicação, no New York Times, de dois artigos de Ralph Blumenthal sobre a publicação da correspondência entre Sigmund Freud e Wilhelm Fliess, e sobre as declarações de Jeffrey Moussaïev Masson a respeito da renúncia à teoria da sedução. Escândalo nos Arquivos Freud. Masson será demitido de suas funções em novembro. 9 de setembro Morte de Jacques Lacan.

1982 26 de junho Criação em Paris, por Charles Melman, da Associação Freudiana (AF), que se tornará internacional em 1992. 9 de julho Criação por Octave Mannoni, Maud Mannoni e Patrick Guyomard do Centre de Formation et de Recherches Psychanalytiques (CFRP).

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9 de outubro Morte de Anna Freud em Londres. Sua casa, em Maresfield Gardens, 20, se tornará o Freud Museum.

1983 26 de julho XXXIII Congresso da IPA em Madri (presidente: Adam Limentani). Filiação da Asociación Psicoanalítica de Mendoza (APM) e de um novo grupo de estudos helênico.

1984 abril Simpósio da IPA em Taunton (Inglaterra) sobre o tema “As mudanças ocorridas nos analistas e em sua formação”. Nessa ocasião, Adam Limentani, presidente da IPA, declara a propósito de Jacques-Alain Miller: “O genro de Lacan é extremamente ativo e tem a intenção de apoderar-se de uma boa parte da Europa, inclusive Londres e especialmente a Tavistock Clinic”.

1985 janeiro Os membros do Psychoanalytisches Seminär de Zurique planejam a formação de um contra-congresso em julho, em Hamburgo, para criticar a linha oficial da IPA e a ocultação do passado no caso do “salvamento” da psicanálise sob o nazismo. 30 de maio Morte de Georges Devereux. 26 de julho XXXIV Congresso da IPA em Hamburgo (presidente: Adam Limentani). Primeiro congresso na Alemanha desde 1932. A direção da IPA decidiu não falar da política de Ernest Jones, mas organizou-se uma exposição sobre o período nazista, com a publicação de um catálogo.

1987 27 de julho XXXV Congresso da IPA em Montréal (presidente: Robert S. Wallerstein). Nessa data, a IPA compreende 6.300 membros, 23 sociedades componentes, 4 grupos de estudos. A progressão é de 500 membros por ano. É decidido que o XXXVII Congresso se realizará em uma cidade da América Latina. Filiação da Sociedad Peruana de Psicoanalisis. Início da reconstrução da psicanálise nos antigos países comunistas, sob a influência da política de Mikhail Gorbachev. Essa reconstrução se fará essencialmente sob a égide da IPA, e pela difusão das teorias da escola inglesa, principalmente a kleiniana.

1988 27 de agosto Morte de Françoise Dolto. 1º de novembro Primeiro colóquio da Associação dos Psicanalistas de Praga sobre a sexualidade feminina, organizado com a SPP (Paris). Integração dessa

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associação como componente do ramo “psicoterapia” da seção psiquiátrica da Sociedade Médica Tcheca.

1989 27 de julho XXXVI Congresso da IPA em Roma (presidente: Robert S. Wallerstein). Toma-se a decisão de realizar o próximo congresso em Buenos Aires, na Argentina. 23 de setembro Qüinquagésimo aniversário da morte de Sigmund Freud. Uma celebração oficial é organizada em Maresfield Gardens, 20, que se tornou o Freud Museum desde 1986, graças à Fundação New-Land, criada por Muriel Gardiner. Nessa data, a IPA está implantada em 15 países da Europa. A Hungria é o único país comunista em que se manteve um grupo freudiano. Na França, a IPA reúne duas sociedades componentes: a SPP (431 membros) e a APF (52 membros). As associações psicanalíticas oriundas da dissolução da EFP são dezessete, às quais se acrescentam dois outros grupos: a OPLF (1969) e o Colégio dos Psicanalistas (1980). Dos vinte grupos franceses, nove funcionam por simples cooptação, enquanto os onze outros realizam uma formação didática. Duas sociedades de história da psicanálise foram criadas: a SIHPP e a AIHP. Nessa data, 36 periódicos atuam no campo do freudismo francês.

1990 fevereiro Criação, em Bucareste, da Societatii Romane de Psihanaliza (SRP). Criação em Moscou, por Aron Belkin, de uma Associação Psicanalítica da União Soviética, que se tornará a Associação Psicanalítica Russa. 24-27 de maio Colóquio internacional (tema: “Lacan com os filósofos”) na Unesco, em Paris. O colóquio é organizado por René Major, no âmbito do Collège International de Philosophie, com a colaboração de Philippe Lacoue-Labarthe e Patrick Guyomard. Reúne muitos pesquisadores franceses e estrangeiros que trabalham a partir da obra de Jacques Lacan. 22-23 de setembro Criação em Barcelona, por Jacques-Alain Miller, de uma Escola Européia de Psicanálise, primeiro passo do legitimismo lacaniano em direção a uma mundialização de seu movimento. A crise institucional da ECF resulta assim na consolidação da corrente dogmática em escala internacional.

1991 28 de julho XXXVII Congresso da IPA em Buenos Aires (presidente: Joseph Sandler). Pela primeira vez desde a sua criação, a IPA realiza o seu colóquio anual na América Latina, e pela segunda vez fora da Europa (depois de Nova York em 1979). Nessa ocasião, é eleito presidente da IPA Horacio Etchegoyen, primeiro presidente de língua espanhola e de nacionalidade latino-americana. Durante esse congresso, o conselho executivo da IPA reafirma que todas as sociedades componentes devem aplicar os padrões em vigor: as supervisões e as análises didáticas

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devem ter quatro sessões por semana, de 45 minutos cada uma, em dias diferentes. Uma nova categoria de grupo de estudos é criada, os “Convidados”. Esse estatuto permite convidar grupos recentemente criados em países onde a psicanálise não existia. Trata-se, doravante, de integrar os grupos que se formam nos países liberados do comunismo. 6 de setembro Criação em Varsóvia da Sociedade Polonesa para o Desenvolvimento da Psicanálise, à qual se reunirá um Instituto de Psicanálise e de Psicoterapia.

1992 1º de fevereiro Criação, por Jacques-Alain Miller, da Associação Mundial de Psicanálise (AMP). Essa associação reúne a Escuela del Campo Freudiano de Caracas (ECF, Caracas, 1985), a Escola Européia de Psicanálise (EEP, BarcelonaParis, 1990), a ECF (França, 1981) e a Escuela de la Orientación Lacaniana del Campo Freudiano (Buenos Aires, Argentina, 1992). O texto legislativo pelo qual é fundada essa primeira internacional lacaniana toma o nome de “pacto de Paris”. A língua dominante é o espanhol. 27 de julho XXXVIII Congresso da IPA em Amsterdam (presidente: Horacio Etchegoyen). Filiação do Grupo de Estudos Tcheco. Criação da Sociedade Psicanalítica da Bulgária.

1993-1996 Criação da Sociedad Psicoanalítica de Caracas, filiada à IPA (SPC, 1994). Criação em Paris, por Maud Mannoni, do grupo Espaço Analítico (EA, outubro de 1994) e, por Patrick Guyomard, da Sociedade de Psicanálise Freudiana (SPF, 1994), oriundos de uma cisão do CFRP. Em julho de 1995, 42 pesquisadores enviam uma petição à Biblioteca do Congresso de Washington, contestando a realização da exposição sobre o centenário da psicanálise, prevista para outubro de 1996, sobre o tema “Freud, conflito e cultura”. Exigem o reconhecimento de seus próprios trabalhos. A exposição é então adiada para o ano de 1998. Em março de 1996, uma petição internacional é lançada na França, para aprovar a realização da exposição e exigir a abertura de todos os arquivos a todos os pesquisadores de todas as tendências. É assinada por 400 pessoas. Em outubro, o Conselho Executivo da IPA recusa-se a excluir Leão Cabernite, mas reconhece a sua cumplicidade com a tortura no Brasil. O caso se reacende e divide as sociedades filiadas à IPA.

1997 Cem anos depois do nascimento da psicanálise, o freudismo está implantado em 41 países do mundo, e a IPA em 32 países, com 45 sociedades psicanalíticas, uma

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associação regional e nove grupos de estudos. Esses países estão, na maioria, situados em dois continentes: a Europa e a América. O freudismo (incluindo-se todas as tendências: annafreudismo, kleinismo, Ego Psychology, Self Psychology, lacanismo) é adotado por cerca de 25 mil profissionais no mundo, dos quais 10 mil fazem parte da IPA. A França é o país que possui o maior número de psicanalistas por habitante, seguido pela Argentina, a Suíça, os Estados Unidos e o Brasil. A obra de Sigmund Freud é lida majoritariamente em inglês. Está traduzida em cerca de trinta línguas. Os grandes teóricos da escola inglesa de psicanálise deram origem à corrente mais importante no interior da IPA, enquanto o lacanismo é a corrente dominante fora da IPA. Esta continua sendo a internacional freudiana mais poderosa do mundo, mas não representa mais a legitimidade do freudismo no mundo. Essa situação mostra que a psicanálise está dividida em múltiplas tendências, e que sua força reside no abandono total de qualquer forma de monolitismo doutrinário ou institucional. Continua sendo o método mais eficaz, de longo prazo, para o tratamento de todas as afecções psíquicas. A psicanálise sofre a concorrência de 500 escolas de psicoterapia, distribuídas em quase todos os países do mundo. É violentamente atacada pelos partidários do organicismo e do tratamento farmacológico das doenças mentais e psíquicas, que nunca puderam apresentar, como desejariam, a menor prova consistente da inferioridade da psicanálise em relação às outras terapias.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

A

AICHHORN, August, 9, 60, 138, 179, 229, 258, 283, 299, 435, 483, 547, 567, 609, 724, 729, 748, 775, 776, 786 Aimée, caso. Ver ANZIEU, Marguerite Ajase, 9, 381, 411, 412, 439 ALBERONI, Francesco, 247 ALBU-EICHHOLTZ, Enid. Ver BALINT, Enid ALBY, Jean-Marc, 655, 766 ALCIBÍADES, 769 ALDINGTON, Richard, 161 ALEXANDER, Franz, 14-5, 61, 95, 138, 140, 152, 169, 179, 195, 198, 199, 230, 269, 281, 283, 297, 318, 341, 356, 359, 414, 436, 443, 508, 555, 623, 624, 640, 643, 655, 679, 685, 687, 716, 717, 728, 729, 739, 751, 781, 782, 789, 791 ALEXANDRE, O Grande, 255, 269 ALEXANDRE II, czar, 673 ALEXANDRIAN, Sarane, 396, 724 ALLAIRE, Jean-Paul, 582 ALLAIS, Claude, 295 ALLEN, David, 192 ALLENDY, René, 15-6, 81, 84, 111, 251, 454, 643 ALLOUCH, Jean, 31 ALMEIDA PRADO, Mario Pacheco de, 88 ALNAES, Randolf, 185, 641, 688 ALTHUSSER, Louis, 124, 125, 165, 253, 445, 449, 451, 457, 501, 580 ALTMAN, Lotte, 794 ALTOUNIAN, Janine, 467, 484, 543, 613, 635 AMADOU, Robert, 509 AMAR, Nadine, 746 AMBROISE, Claude, 248 AMENÓFIS IV, 520, 521, 522. Ver AQUENATON AMIEL, Henri, 375 AMÍLCAR, 255, 264 AMORRORTU, Horacio, 761 AMÓS, 519 ANCONA, Leonardo, 247, 403, 701 ANDERSSON, Carl, 21 ANDERSSON, Ola, 21-2, 45, 185, 186, 205, 272, 293, 331, 346, 347, 525 ANDRADE, Mário de, 579 ANDRASSY, Gyula, 359 ANDREAS, Friedrich-Carl, 23 ANDREAS-SALOMÉ, Lou, 22-5, 76, 77, 82, 104, 126, 130, 181, 257, 258, 272, 358, 470, 484,

ABERASTURY, Arminda, 1, 34, 89, 463, 501, 592, 609, 644 ABERASTURY, Frederico, 1, 592 ABERASTURY, Maximiliano, 1 ABOU, Sélim, 420 ABRAÃO, 520 ABRAHAM, Karl, 1-2, 10, 11, 14, 57, 60, 67, 80, 95, 115, 117, 122, 126, 130, 151, 168, 172, 190, 193, 194, 211, 234, 238, 239, 240, 256, 272, 276, 293, 295, 353, 355, 356, 379, 385, 401, 405, 419, 420, 422, 431, 432, 433, 434, 441, 469, 470, 479, 507, 508, 513, 521, 526, 531, 533, 551, 552, 553, 554, 555, 556, 594, 595, 607, 608, 615, 616, 622, 623, 630, 632, 635, 639, 642, 643, 655, 678, 690, 694, 716, 717, 731, 737, 789 ABRAHAM, Nicolas, 2-3, 103, 253, 567 ABRAHAM, Hilda, 2 ABRAHAMSEN, Karla, 178 ABRAMS, Samuel, 226, 324, 699 ACCERBONI, Anna Maria, 405, 673, 781, 782 ACTON, Lord, 65 ADLER, Alfred, 6-8, 23, 73, 76, 118, 122, 176, 223, 276, 281, 282, 293, 297, 317, 327, 335, 345, 352, 385, 400, 410, 423, 440, 470, 472, 534, 547, 574, 592, 594, 616, 618, 625, 630, 631, 641, 642, 670, 674, 675, 694, 704, 719, 720, 728, 729, 741, 743, 756, 773, 790 ADLER, Ernest, 53 ADLER, Gisela, 463, 465 ADLER, Ida (caso Dora). Ver BAUER, Ida; Dora. ADLER, Viktor, 7, 52, 289 ADLER, Sigmund, 7 ADORNO, Theodor, 11, 14, 284, 499, 500, 534, 615, 616 ADY, Endre, 359 AENIGMATIS (pseudônimo de Franz BRENTANO), 92-3 Afrodite, 208, 764 AGATÃO, 769 AGOSTINHO, santo, 662 AHRENFELD, R.H., 661 831

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice onomástico

485, 489, 499, 512, 513, 519, 521, 525, 533, 618, 651, 666, 748, 749, 750 ANGELINI, Alberto, 180, 480, 538, 677, 690, 789, 790 ANÍBAL, 242, 255, 264, 269, 391, 467 Anna O., caso. Ver PAPPENHEIM, Bertha Antão, santo, 655 ANTONESCU, Ion, 670 ANZIEU, Didier, 30-1, 45, 46, 69, 71, 107, 133, 168, 169, 226, 252, 390, 391, 396, 398, 405, 449, 456, 457, 504, 621, 718 ANZIEU, Marguerite (caso Aimée), 30-1, 120, 139, 205, 341, 445, 446, 458, 486, 572, 574 ANZIEU, René, 30 APPIGNANESI, Lisa, 54, 207, 476, 556, 664, 708 APULEIO, 703 AQUENATON, 520 ARAGON, Louis, 41 ARENDT, Hannah, 201, 534 ARHEX, Paule, 143 ARIÈS, Philippe, 177, 355, 609, 611, 703, 705 ARISTÓTELES, 38, 107, 108, 393, 505, 507, 722, 755 ARLT, Roberto, 501, 502, 592 ARNAL, Mélanie, 370 ARNIM, Bettina von, 92 ARON, Raymond, 456 Arpad, caso, 243, 758 ARTAUD, Antonin, 16, 191, 250, 479 ASSAGIOLI, Roberto, 401, 623 ASSOUN, Paul-Laurent, 227, 238, 324, 330, 331, 362, 363, 460, 513, 561, 556, 563, 616, 659, 660, 777, 781 Átis, 764, 766 ATKINSON, James Jasper, 758, 760 Aton, 2, 520, 521 ATZINA, Eleni, 177, 773 AUBRY, Pierre, 40 AUBRY, Jenny, 40-1, 48, 252, 310, 357, 449, 610, 740 AUGÉ, Marc, 209 AUGUSTINE, 41, 109, 204, 458 AULAGNIER, Piera, 41, 66, 164, 165, 253, 450, 548, 577, 582, 586, 587, 590 AULARD, Alphonse, 175 AVAREZ, Alfred, 742 AVENARIUS, Richard, 492 ÁVILA DE CARVALHO, Cíntia, 92 AVRANE, Patrick, 589 AZEVEDO, Roberto, 88 AZOURI, Chawki, 575, 693

B BABINSKI, Joseph, 40, 41, 47, 110, 249, 251, 341, 442, 701 BABITS, Mihaly, 359 BACHELARD, Gaston, 224, 226 BACHOFEN, Johann Jakob, 72, 284, 578, 579 BACON, Francis, 261 BADINTER, Élisabeth, 156, 292, 355, 609, 611, 705, 708, 730, 766 BAER BAHIA, Alcyon, 88 BAGINSKY, Adolf, 274 BAHR, Hermann, 56 BAIR, Deirdre, 16, 71, 643, 644 BAK, Robert C., 238 BAKER, Grace, 100 BAKER, Mary Eddy, 794 BAKHTINE, Mikhail, 675, 677 BAKKAN, David, 420, 521 BALADIER, Charles, 540, 684 BALÁN, Jorge, 1, 37, 291, 644 BALINT, Alice, 47-8, 235 BALINT, Enid, 48, 49, 379 BALINT, Michael, 18, 42, 47-9, 134, 170, 185, 195, 232, 235, 238, 239, 301, 304, 359, 360, 379, 512, 517, 553, 739, 747, 751 BALITEAU, Catherine, 213 BALL, Benjamin, 333 BALLESTEROS, Luis Lopez, 557, 760, 762 BALLY, Charles, 684, 686, 696 BALLY, Gustav, 55, 423, 424, 738, 739 BALMARY, Marie, 271 Balsamo, Joseph (personagem de Alexandre DUMAS), 509 BALSEINTE, Anne, 287 BALVET, Paul, 626 BALZAC, Honoré de, 58, 189, 204, 278, 793 BAMBERGER, Heinrich von, 515 BANFI, Antonio, 527 BANGAR DALY, Claud, 380, 381 BANUS, José Sanchis, 186 BARANGER, Willy, 36, 49 BARBIN, Herculine, 765, 766 BARCHILLON, Jose, 98 BÄRMARK, Jan, 77 BARNAY, Paul, 150 BARNES, Mary, 26 BARONCINI, Luigi, 401 BARRAUD, Henri-Jean, 108, 409 BARRÈS, Maurice, 667 BARTHEZ, Paul Joseph, 777 BARTHES, Roland, 185, 253, 580 BASAGLIA, Franco, 25, 49, 404, 462 BASS, Alan, 477 BASSINE, Philippe, 676, 677

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


índice onomástico BASTIDE, Roger, 209 BATAILLE, Georges, 28, 84, 102, 156, 221, 250, 300, 301, 354, 370, 447, 448, 479, 542, 576, 586, 645, 646, 684 BATAILLE, Laurence, 447 BATAILLE, Sylvia, 447-8, 542 BATESON, Gregory, 26, 49-50, 136, 162, 190, 209, 504, 564, 625, 628 BAUDELAIRE, Charles, 249, 456 BAUDELOT, Christian, 742 BAUDOUIN, Charles, 50, 738 BAUDRY, Émilie. Ver LACAN, Émilie BAUER, Ida (caso Dora), vii, 6, 50-4, 150, 161, 272, 273, 275, 302, 340, 364, 376, 392, 396, 445, 460, 463, 472, 525, 564, 569, 604, 617, 621, 691, 704, 718, 725, 767, 769 BAUER, Otto, 52, 289 BAUER, Philipp, 51, 52 BAUER, Wilma. Ver FEDERN, Wilma BEARD, George, 534 BEAUFRET, Jean, 448 BEAUNIS, Henri, 62, 250 BEAUVOIR, Simone de, 82, 151, 154, 155, 156, 193, 707 BECHTEL, Delphine, 332, 777 BECK, Marie-Christine, 153 BECKER, Y., 695 BECKETT, Samuel, 69, 70, 71 BEETHOVEN, Ludwig van, 666, 779 BEIGBDER, Isabeau, 160 BEIRNAERT, Louis, 54, 368, 369, 656 BÉJIN, André. Ver ARIÈS, Philippe BEKHTEREV, Vladimir, 480, 564, 673, 791 BEL, Dominique, 159 BELBEY, José, 104 Belerofonte, 505 BELKIN, Aron, 676 BELLEMIN-NOËL, Jean, 143 BELTRÁN, Juan, 33 BENDER, Lauretta, 686 BENEDICT, Ruth, 27, 140, 154, 412, 425, 504, 743 BENEDIKT, Moriz (ou Moritz), 56, 95, 422, 471, 482, 669, 722 BENJAMIN, Harry, 764, 765, 766 BENKERT, Karoly Maria, 350 BENNANI, Jalil, 456 BENUSSI, Vittorio, 56-7, 526 BENVENISTE, Émile, 449 BENVENUTO, Bice, 453 BENVENUTO, Sergio, 220, 405, 527, 708 BENZ, Sophie, 320 BERCHERIE, Paul, 120, 441, 442, 623 BERENY, Robert, 359 BERGE, André, 504 BERGER, Denise, 390

BERGERET, Jean, 310, 312 BERGHOFF, Ludwig, 670 BERGLER, Edmund, 114, 414 BERGSON, Henri, 33, 68, 407, 640 BERHEIMER, Charles, 54 BERKE, Joseph, 26 BERKELEY-HILL, Owen, 84, 303, 380, 381 BERMAN, Anne, 204, 518, 543, 546 BERMAN, Antoine, 764 BERNARD, Claude, 109 BERNAYS, Anna, 57-8, 257, 263, 265, 267, 270, 313 BERNAYS, Berman, 265 BERNAYS, Eli, 58, 265, 267 BERNAYS, Isaac, 265 BERNAYS, Jacob, 107, 265, 267 BERNAYS, Martha. Ver FREUD, Martha BERNAYS, Michael, 265 BERNAYS, Minna, 58-9, 257, 265, 266, 274, 348, 374, 525, 718 BERNE, Eric, 21 BERNER, Peter, 60, 778 BERNFELD, Manfred, 60 BERNFELD, Rosemarie, 60 BERNFELD, Ruth, 60 BERNFELD, Siegfried, 9, 18, 60-1, 65, 96, 98, 149, 170, 183, 198, 229, 231, 242, 243, 255, 258, 261, 263, 264, 270, 272, 293, 329, 331, 345, 438, 716, 775 BERNHARDT, Ernst, 403, 405 BERNHARDT, Sarah, 274 BERNHEIM, Hippolyte, 22, 33, 61-2, 79, 109, 110, 131, 164, 181, 245, 247, 249, 275, 327, 335, 336, 339, 340, 375, 407, 475, 476, 482, 515, 522, 601, 603, 613, 624, 625, 673, 691, 701, 722, 735, 736, 737 BERNINI, 300, 443, 560 BERTGANG, Zoé, 144 BERTHELSEN, Detlef, 267, 268 BERTILLON, Alphonse, 137 BERTIN, Célia, 81, 83, 254, 268, 680, 777 BESOUCHET, Inês, 91 BESSERMAN VIANNA, Helena, 90, 92, 97, 335, 427, 429, 580 BETLHEIM, Stjepan, 62-3, 218, 735 BETTELHEIM, Bruno, 43, 44, 63-5, 186, 230, 610, 733, 764 BETTELHEIM, Charles, 616 BEZZOLA, Doumeng, 623 BIBRING, Edward, 66, 101, 457 BIBRING-LEHNER, Grete, 66, 483 BICK, Esther, 306 BICK, Robert, 279 BICUDO, Virginia Leone, 88, 90, 435 BIGRAS, Élisabeth, 67

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar

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índice onomástico

BIGRAS, Julien, 66-7, 102 BIJUR, Anjelika, 283 BILLINSKY, John M., 59 BINET, Alfred, 62, 235, 250, 238, 530, 583 BINION, Rudolph, 25 BINSWANGER, Ludwig, 19, 57, 67-9, 93, 133, 134, 146, 172, 190, 192, 203, 302, 422, 485, 489, 507, 516, 570, 588, 606, 608, 622, 623, 626, 627, 695, 700, 724, 737, 738, 739 BINSWANGER, Ludwig Senior, 67 BINSWANGER, Otto, 67, 695 BINSWANGER, Robert, 67 BION, Wilfred Ruprecht, 15, 19, 42, 48, 69-71, 85, 88, 90, 118, 190, 247, 293, 301, 303, 305, 306, 381, 411, 434, 435, 516, 537, 553, 616, 625, 750, 755, 768 BIRMAN, Joel, 92, 580 BIRRAUX, Annie, 244 BISMARCK, Otto, príncipe von, 316 BITTENCOURT, Zaira, 88 BJERRE, Andreas, 75 BJERRE, Poul, 17, 23, 74-7, 181, 182, 184, 185, 623, 625,694, 734, 743 BLÉANDONU, Gérard, 71, 595 BLEGER, Leopoldo, 78 BLEGER, José, 77-8, 501 BLEULER, Eugen, 2, 10, 17, 26, 38, 43, 44, 67, 78-80, 94, 98, 120, 122, 135, 143, 172, 192, 189, 190, 191, 197, 218, 247, 302, 319, 333, 360, 407, 415, 421, 441, 454, 473, 478, 509, 514, 516, 524, 536, 549, 557, 572, 573, 575, 595, 622, 623, 626, 630, 671, 692, 733, 737, 738, 739, 791 BLEULER, Manfred, 79, 80, 737, 739 BLOCH, Albert, 213 BLOCH, Ivan, 2, 11, 337, 420, 702 BLOCH, Marc, 175, 250, 457, 736 BLOCH, Olivier, 119 BLONDEL, Charles, 33, 250, 402, 457 BLONDIN, Marie-Louise. Ver LACAN, Marie-Louise BLONDIN, Sylvain, 446 BLONSKY, Pavel Petrovitch, 578, 674, 879 BLOOMAH, Matilda, 270 BLOS, Peter, 178, 259 BLOY, Léon, 111 BLUM, Antoinette, 668 BLUM, Ernst, 738 BLUM, Harold P., 266, 438, 477 BLUMGART, Hermann, 481 BLUMGART, Leonard, 481, 198, 283 BOADELLA, David, 654 BOAS, Franz, 28, 29, 504, 633 BOEHM, Felix, 12, 13, 80-1, 173, 297, 298, 384, 403, 406, 417, 526, 661, 662, 694, 735

BOLK, Louis, 194, 195 BOLLACK, Jean, 169 BOLTRAFFIO, Giovanni, 618, 671 BONA, Dominique, 794 BONAPARTE, Lucien, 81 BONAPARTE, Marie, 22, 55, 81-3, 111, 114, 123, 138, 140, 143, 151, 162, 163, 201, 230, 237, 240, 251, 252, 254, 257, 266, 267, 268, 278, 286, 343, 345, 373-4, 398, 402, 409, 443, 448, 454, 456, 457, 459, 464, 466, 467, 477, 481, 569, 570, 572, 590, 599, 600, 601, 608, 635, 655, 665, 680, 695, 706, 716, 721, 732, 753, 762, 781 BONAPARTE, Napoleão. Ver NAPOLEÃO I BONAPARTE, Roland, 45, 81 BONDUELLE, Michel, 110 BONDY, Ida, 239, 240, 398, 443 BONDY, Margarethe. Ver NUNBERG, Margarethe BONDY, Melanie. Ver RIE, Marianne BONNAFÉ, Lucien, 626 BONNET, Gérard, 587 BONNET, Marguerite, 724 BONTE, Pierre, 29, 760 BORCH-JACOBSEN, Mikkel, 337, 451, 571, 572 BOREL, Adrien, 81, 84, 119, 251, 333 BORI, Pier Cesare, 589, 740 BORIE, Jean, 332 BORINGHIERI, Paolo, 527 BOROSSA, Julia, 307, 379, 430 BORROMEU, família, 541 BOSCH, Hieronymus, 243, 318, 479 BOSE, Girîndrashekhar, 84-5, 342, 380-1, 679 BOSS, Maeder. 55, 318, 738, 739 BOSSÉ, Claude, 582 BOSWELL, John, 351, 354, 705 BOTHOREL, Jean, 334 BOTTICELLI, Sandro, 618 BOUCHEREAU, Hervé, 582 BOUKOVSKY, Vladimir, 677 BOULANGER, Jean Baptiste, 66, 101, 103, 119 BOUREL, Dominique, 332, 777 BOURGERON, Jean-Pierre, 83, 254, 456 BOURGUIGNON, André, 114, 145, 147, 148, 174, 246, 279, 358, 456, 467, 484, 543, 590, 613, 635, 762, 763, 764 BOURGUIGNON, Odile, 467, 635 BOURNEVILLE, Désiré-Magloire, 41, 109, 110 BOUTROUX, Émile, 407 BOUVET, Maurice, 85, 111, 456, 457, 529, 554, 582 Bovary, Emma (personagem de Gustave FLAUBERT), 741 BÓVEDA, Xavier, 33 BOVET, Pierre, 738 BOWIE, Malcolm, 451

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índice onomástico BOWLBY, John, 40, 85-6, 301, 303, 306, 315, 379, 609, 642 BRAATOY, Trygve, 183 BRABANT-GERÖ, Eva, 235, 332, 350, 361 BRAHMS, Johannes, 93, 348, 793 BRAID, James, 335, 339, 475, 509, 624, 735 BRANCO, Castello, 89 BRANDELL, Gunnar, 185 BRANDES, Georg, 181 BRASCH, Lucie. Ver FREUD, Lucie BRATESCU, Gheorghe, 524, 594, 671 BRAUD, Michel, 742 BRAUDEL, Fernand, 87 BRAULT, Jacques, 66 BRAUN, Heinrich, 273 BRAUNSTEIN VIEYRA, Rosita, 713 BRÉA, Clotilde, 667 BRECHT, Bertolt, 447, 497, 777, 792 BRECHT, Karen, 81, 299, 406-7, 429, 526, 663 BREDIN, Jean-Denis, 410 BRENTANO, Clemens, 92 BRENTANO, Franz, 92-3, 96, 107, 273, 323, 330, 713 BRESSON, Robert, 84 BRETEAU, J.-L., 330 BRETON, André, 41, 139, 177, 188, 250, 396, 528, 543, 593, 723, 724 BREUER, Bertha, 718, 569 BREUER, Dora, 570 BREUER, Josef, ix, 3, 4, 22, 56, 92, 93-4, 96, 107-8, 116, 121, 131, 133, 141, 142, 181, 204-7, 213, 224, 239, 265, 272, 274, 275, 328, 337, 340, 341, 348, 375, 378, 390, 398, 408, 409, 443, 476, 486, 524, 568-72, 601, 603, 604, 621, 649, 656, 658, 660, 704, 705, 716, 718, 735, 767, 769, 777 BREUER, Mathilde, 348, 569, 570 BREUER, Robert, 94 BRIERLEY, Marjorie, 303, 315 BRILL, Abraham Arden, 20, 94-5, 112, 113, 197, 198, 204, 276, 283, 385, 390, 398, 414, 417, 467, 549, 550, 617, 634, 636, 640, 643, 686, 698, 732, 756, 770 BRIQUET, Pierre, 339 BRITTON, Clare. Ver WINNICOTT, Clare BRJNKGREVE, C., 523, 563 BROCA, Paul, 27, 28, 137 BROD, Max, 320 BROME, Vincent, 177, 418, 420, 720, 729 BROMLEY, Alexander, 297 BROOKE, Rupert, 732 BROUILLET, André, 41, 47, 110 BRÜCKE, Ernst Wilhelm von, 93, 95-6, 239, 274, 323, 515, 713 BRUN, Rudolf, 550, 589, 738

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BRUNIUS, Jacques-Bernard, 447 BRUNO, Giordano, 653 BRUNO, Pierre, 125 BRUNO DE JÉSUS-MARIE, 459 BRUNSWICK, Mark, 481 BRUNSWICK, Mathilde, 481 BRUSSET, Bernard, 384 BRYAN, Douglas, 303 BRYANT, Louise, 598 BRYHER, Winifred, 689 BUBER, Martin, 60, 68, 508 BUCHERBERGER, Hertha, 67 BUCHMAN, Frank, 482 BUJHOF, L., 563 BULHOF, Ilse, 460, 556 BULLIT, William, ix, 203, 272, 278, 598-601, 608 BUNKER, H.A., 381 BUÑUEL, Luis, 186 BÜRGNER, Hedwig, 2 BURGOS, Élisabeth, 153 BURKE, Mark, 88, 96-7, 428 BURLINGHAM, Bob (Robert), 97, 258, 260 BURLINGHAM, Dorothy, 97, 178, 258, 260, 305, 354, 460, 716 BURLINGHAM, Mabbie (Mary), 258, 260 BURLINGHAM, Mickey (Michael), 97, 258 BURLINGHAM, Robert, 97 BURLINGHAM, Tinky (Katrina), 258, 260 BURNESS, E., viii, 148, 281 BURNHAM, Donald, 199 BURROW, Trigant, 97-8, 625 BURT, Cyril, 358 BURTON, Robert, 506 BUSONI, Ferruccio, 666 BUSSCHER, Jacques De, 54 BUSSIÈRES, Raymond, 447 BUTLER, Judith, 292, 293, 355 BUTTINGER, Joseph, 289, 290 BYCHOWSKI, Gustav, 98 BYCHOWSKI, Sigmund, 98

C CABERNITE, Leão, 90, 428, 429, 579 CABRED, Domingo, 33 Cäcilie M., caso. Ver LIEBEN, Anna von CAGLIOSTRO, Giuseppe BALSAMO (dito Alexandre; conde de) 509 Caliban (personagem de William SHAKESPEARE), 497, 498 Caligari (papel cinematográfico), 678 CALLAS, Maria, 312 CALLIGARIS, Contardo, 57, 91, 220, 248, 405, 527, 583, 701, 782

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice onomástico

CAMBON, Fernand, 201 CAMERON, Donald, 42 CAMPO, Emiliano del, 502 Campuzano (pseudônimo de CERVANTES), 713 CANETTI, Elias, 616 CANGUILHEM, Georges, 4, 165, 224, 236, 238, 294, 329, 456, 457, 626, 627 CANTOR, Georg, 502 CARASSO, Françoise, 324, 638 CÁRCAMO, Celes Ernesto, 1, 34, 89, 103-4, 291, 461, 592 CARLSON, Eric T., 201 CARMICHAEL, Hugh, 100 CARMICHAEL, Stockeley, 136 CARO HOLLANDER, Nancy, 34, 37, 462 CAROL II (rei da Romênia), 670 CARONE, Marilene, 762, 764 CAROTENUTO, Aldo, 420, 725, 726 CARPINACCI, Jorge, 501 CARRIGTON, Hereward, 752 CARRINGTON, Dora, 303, 731, 732 CARROY, Jacqueline, 62, 410, 583 CARSTENS, Erik, 182, 183, 530 CARTY, Michel, 140 CARUS, Carl Gustav, 375 CARUSO, Igor, 19, 90, 104-5, 118, 146, 284, 293, 384, 386, 387, 426, 700, 776 CASSEL, Solange, 40 CASSIRER, Ernst, 68 CASSIRER-BERNFELD, Suzanne, 60, 61, 96, 255, 261, 263, 264 CASSIRER-PARET, Peter, 60 CASSIRER-PARET, Renate, 60, 136 CASTEL, Françoise, 201 CASTEL, Robert, 200, 201, 254, 626 CASTEX, Mariano, 103 CASTILLO, José Ruiz, 557 CASTORIADIS, Cornelius, 253, 734 CASTRO, Fidel, 462 Catarina (mãe de Leonardo da Vinci), 469 CEAUCESCU, Constantin, 670 Céfiso, 530 CENACS, Michel, 140 CENDRARS, Blaise, 320 CERTEAU, Michel de, 204, 236, 301, 325, 370, 459, 737 CERVANTES, Miguel de, 112, 317, 713, 775 CÉSAIRE, Aimé, 222, 223, 498 CHABROL, Claude, 446 CHALIAND, Gérard, 344 CHAMBERLAIN, Houston Stewart, 418, 779 CHAMPARNAUD, F., 125, 677 CHANDOS, Lord (personagem de HOFMANNSTHAL), 775, 776 CHAPLIN, Charlie, 200

CHAPSAL, Madeleine, 160 CHARCOT, Jean Martin, 22, 33, 41, 47, 56, 72, 79, 109-10, 119, 131, 176, 181, 204, 205, 249, 267, 274, 321, 327, 333, 336, 337, 339-41, 375, 407, 409, 414, 472, 475, 476, 507, 513, 514, 515, 522, 535, 537, 538, 601, 621, 670, 673, 701, 704, 705, 718, 735 CHARRAUD, Nathalie, 503 CHASE, H.W., 114 CHASLIN, Philippe, 121, 122 CHASSEGUET-SMIRGEL, Janine, 82 CHASTEL, André, 470 CHATEL, Marie-Magdeleine, 577 CHATSKI, Stanislas Theophilovitch, 578, 674, 789 CHATTEMER, Lotte, 319 CHAUMON, Frank, 49 CHAVAFAMBIRA, John, 680 CHAZAUD, Jacques, 77, 174, 319, 344, 405, 482, 558 CHEBABI, Wilson de Lyra, 579 CHEMOUNI, Jacquy, 43, 318 CHENTRIER, Théodore, 101, 110-1 CHERTOK, Léon, 62, 111, 336, 475, 625, 678, 685, 737 CHIANTARETTO, Jean-François, 49 CHODOROW, Nancy, 292 CHOISY, François Timoléon (abade de), 764 CHOISY, Maryse, 77, 111, 368, 369, 582 CHROBACK, Rudolf, 328, 340 Cibele, 71, 105, 764-5 CIFALI, Mario, 696, 740 CIFALI, Mireille, 50, 589, 605, 686, 740 Cipião (personagem de CERVANTES), 713 CIXOUS, Hélène, 54 CLAIR, Jean, 262, 775, 777 CLAPARÈDE, Édouard, 119, 241, 696, 726, 738 CLARK-WILLIAMS, Margaret, 638 CLARKE, Charles Kirk, 99, 119, 514 CLARKE, L. Pierce, 381 CLASTRES, Pierre, 723, 724 CLAUDE, Henri, 16, 104, 119-20, 218, 446, 454 CLAUS, Carl, 79, 96, 120, 274, 323 CLAUZEL, Delia, 455 CLAVÉ, Antoni, 186 CLAVREUL, Jean, 253, 548, 586, 587 CLEMENCEAU, Georges, 599 CLÉMENT, Catherine, 125 CLEMENTE XIV, papa, 105 Cleômenes, 742 CLÉRAMBAULT, Gaëtan GATIAN DE, 120-1, 139, 237, 252, 408, 446, 456, 572, 574, 723 CLERK, Gabrielle, 100 CLIFT, Montgomery, 444 CLYNE, Eric, 431. Ver KLEIN, Erich COBLINER, Godfrey, 727

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índice onomástico COCKS, Geoffrey, 9, 14, 81, 297, 298, 406, 429, 438, 534, 663, 695 CODET, Henri, 251, 333 CODREANU, Corneliu, 670 COHEN, Yechezkiel, 671 COIMBRA, Cecília, 92 COLLOMB, Henri, 27, 122, 209 COLOMBO, Cristóvão, 255, 269 COLONOMOS, Fanny, 14, 18, 57, 534, 747 COMTE, Auguste, 86, 236, 238 CONCI, Marco, 405, 782 CONDORCET, Antoine de DARITAT (marquês de), 707 CONRY, Yvette, 324, 332 CONTI, Leonardo, 13 CONTRI, Giacomo, 404, 577 COOK, James, 757 COOPER, David, 25, 26, 49, 135-6, 159, 191, 209, 301, 458 COOPER, Jessica, 744 COOPER, Judy, 430 COPÉRNICO, Nicolau, 659 CORBIN, Henry, 423 CORIAT, Isador, 136, 197, 302 CORNUBERT, Colette, 668 CORREA, Ivan, 91 CORREAS, Carlos, 501, 502 COTET, Pierre, 114, 146, 147, 148, 174, 201, 279, 484, 490, 543, 613, 635, 467, 590, 762, 763, 764 COTTET, Serge, 134 COUÉ, Émile, 50 COURBET, Gustave, 448 COUTHON, Georges, 249 COUVREUR, Catherine, 384 COWLES, Edward, 196 Creonte, 166 CREVEL, René, 16, 250, 446 CRICHTON-MILLER, Hugh, 303 CRISÓSTOMO, irmão, 324. Ver HAITZMANN, Christopher CRISTO, 614, 728. Ver JESUS CRISTO CROCE, Benedetto, 400, 781 CROMWELL, Oliver, 269, 759 Cronos, 351, 506 CUCURULLO, Antonio, 1, 104, 593 CULLEN, William, 339, 534 CURCIO, Renato, 247 CURIE, Marie, 152 CUSHMAN, Philip, 74, 201, 438, 700 CUVIER, Georges, 109 CUVIER, Georges (barão), 472 CZINNER, Alice, 332

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D DACHET, François, 312, 313 DADOUN, Roger, 666, 668 DALBIEZ, Roland, 75, 77 DALI, Salvador, 186, 278, 446, 794 DAMOURETTE, Jacques, 145, 245, 246, 591, 592 DARMON, Marc, 503 DARNTON, Robert, 510 DARWIN, Charles, 27, 44, 72, 86, 96, 120, 179, 322, 324, 414, 416, 521, 659, 719, 758 DAUDET, Léon, 111 DAUMEZON, Georges, 626, 627 DAUTREY, Charles, 361 DAVID, Michel, 57, 220, 248, 370, 405, 471, 527, 583, 701, 783 DAVID, tenente, 464 DAVID-MÉNARD, Monique, 148 DAVIDSON, Andrew, 42 DAVIDSON, Frederic, 303 DAVIS, Madeleine, 786 DAVIS, Natalie Zemon, 292 DE BROSSES, Charles, 236, 237 DECKER, Hannah S., 14, 54 DECOBERT, Simone, 383, 580 DEFFAND, Marie (marquesa de), 506 DE GREEFF, Étienne, 138, 140 DE HANN, Jacob Israel, 792 DÉJERINE, Jules, 407 DEKKER, Edward Douwes, 561 DELACAMPAGNE, Christian, 180, 186 DELARBRE, Jean-Gilbert, 287 DELAY, Jean, 142-3, 449, 608 DELBOEUF, Joseph, 336, 737 DELCOURT, Marie, 169 DELEUZE, Gilles, 26, 136, 169, 191, 192, 320, 450, 580, 683 DELGADO, Honorio, 33, 37, 202, 271 DELRIEU, Alain, 279 DELUMEAU, Jean, 244 DELUY, Henri, 724 DELUZ, Ariane, 153 Deméter, 764 DEMMLER, Pierre, 157 DEMÓCRITO, 505 DERRIDA, Jacques, 3, 36, 37, 102, 156, 222, 253, 292, 445, 450, 479, 489, 707, 711, 754 DERRIDA, Marguerite, 431 DE SANCTIS, Sante, 56, 401, 780 DESCARTES, René, 130, 375, 389, 478, 479, 707, 722, 742 DESNOS, Robert, 191 DESOILLE, Jacques, 336 DESPINE, Dr., 583 DESSUANT, Pierre, 533

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índice onomástico

DETIENNE, Marcel, 140 DEUTICKE, Franz, 694 DEUTSCH, Adolf Abraham, 149 DEUTSCH, Felix, 53, 149-50, 277, 639, 695 DEUTSCH, Helene, 1, 74, 149, 150-1,167, 193, 230, 348, 357, 442, 457, 483, 546, 639, 640, 643, 670, 706, 708, 748, 749 DEUTSCH, Martin, 150 DEVEREUX, Georges, 26, 29, 151-3, 201, 207, 209, 414, 425, 505, 509, 584, 622, 664, 742 DEVINE, Dr., 303 DEVREESE, D., 693 DE WAELHENS, Alphonse, 55, 479 DIAS, Flávio Rodrigues, 435 DIATKINE, René, 610 Dick, caso, 153, 433 DICKENS, Charles, 793 DICKS, H.V., 306 DIDEROT, Denis, 708 DIDI-HUBERMAN, Georges, 110, 341 DIX, Dorothée, 196 DOLLFUSS, Engelbert, 289, 461 DOLTO, Boris, 158 DOLTO, Françoise, 41, 82, 85, 157-60, 195, 249, 251, 252, 254, 301, 334, 369, 370, 371, 448, 449, 454, 456, 466, 504, 524, 529, 532, 580, 591, 610, 783, 784, 785 Dom Quixote, 601 Dominique, caso, 159, 161 DONATO, Eugenio, 450 DONN, Linda, 424 DONNET, Jean-Luc, 218, 650 DOOLITTLE, Hilda, 161, 689 DOR, Joël, 114, 226, 246, 286, 301, 365, 375, 378, 445, 451, 587, 703, 711, 715 Dora, caso. Ver BAUER, Ida DORER, Maria, 135, 351, 515, 516 DORMANDI, Olga, 48 DORON, Joël, 381 DORON, Roland, 381 DOSTOIEVSKI, Fedor Mikhailovitch, 139, 167, 169, 557, 564, 667, 673, 793 DOSUZKOV, Theodor, 161, 322, 557 DOWLING, A. Scott, 226, 324, 699 DOWNEY, H.M., 143 DOYLE, Iracy, 90, 161-2, 384, 579 DOYLE, sir Arthur Conan, 137 DRACOULIDIS, Nicolas, 177 Drácula, 243 DRAZIEN, Muriel, 577 DREYFUS, Alfred (e caso), 245, 249, 332, 407, 420, 667 DREYFUS, Mathieu, 407 DROIT, Roger-Pol, 381 DRONES, Leonid, 674, 675

DROUIN, Michel, 420, 668 DROZNES, Leonid, 564 DRUCKER, Ernestine (dita Esti). Ver FREUD, Ernestine (dita Esti) DUBAL, Georges, 739, 740 DUBOIS, Cora, 140, 425, 426 DUBOIS, Rosalie, 109 DU BOIS-REYMOND, Emil Heinrich, 95, 330, 673 DUBOW, Saul, 681 DUBROVSKY, Santiago, 761 DUESS, Luisa (caso Renée), 696 DUFLOS, Huguette, 30 DUFRESNE, Roger, 101, 272, 279 DUFRESNE, Todd, 788 DUGAUTIEZ, Maurice, 54, 55, 162, 466, 498 DUHAMEL, Pascale, 721 DUKES, Geza, 361 DUMAS, Alexandre, 58, 335, 509 DUMAS, Georges, 28, 87, 250, 408, 446, 456 DUMÉRY, H., 192 DUMITRESCU, Alfred, 670 Dupin, cavaleiro Auguste (personagem de Edgar POE), 710 DUPONT, Judith, 48, 235 DUPUIS, Gilles, 582 DURANT DE BOUSINGEN, R., 695 DURAS, Marguerite, 155 DÜRER, Albrecht, 179 DURING, Arnold, 635 DURKHEIM, Émile, 29, 236, 373, 493, 741 DURRELL, Lawrence, 318 DUYCKAERTS, François, 737 DZIAK, John J., 173

E EARMAN, J., 201 EBNER-ESCHENBACH, Marie von, 93 ECKSTEIN, Emma (injeção de Irma), 45, 72-3, 110, 163-4, 240, 275, 346, 349, 391, 392, 398, 645, 661, 718 ECKSTEIN, Rudolf, 61 Eco, 530 EDELMAN, Nicole, 188, 583 EDER, David, 165-6, 248, 302, 303 EDINGER, Dora, 570 Édipo: mito, 166-7; complexo de —, 166-9 passim EGEA, Francisco Carles, 186, 188, 453, 557 EIDELBERG, Ludwig, viii, 6, 148, 281, 613, 616 EINSTEIN, Albert, 250, 278, 645, 653, 716, 781 EISENHOWER, Dwight David, 64

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


índice onomástico EISENSTEIN, Samuel, 15, 18, 61, 95, 230, 281, 283, 297, 414, 508, 640, 679, 687, 717, 728, 782, 789, 791 EISENSTEIN, Serguei Mikhailovitch, 675 EISLER, Josef, 361 EISSLER, Kurt R., 9, 59, 65, 66, 163, 272, 313, 345, 346, 347, 417, 435, 461, 469, 470, 537, 538, 564, 566, 654, 658, 698, 750, 781 EISSLER-SELKE, Ruth, 435, 438 EITINGON, Chaïm, 171 EITINGON, Esther, 171 EITINGON, Fanny, 171 EITINGON, Leonid, 173, 174, 640 EITINGON, Max, 2, 10, 11, 12, 15, 18, 47, 57, 60, 67, 80, 122, 171-4, 182, 183, 202, 234, 258, 269, 276, 278, 282, 293, 297, 326, 342, 415, 432, 508, 544, 575, 594, 626, 635, 636, 637, 640, 642, 651, 688, 689, 698, 716, 746, 753, 789 EITINGON, Vladimir, 171 EKMAN, Tore, 184 ELIACHEFF, Caroline, 384 ELIADE, Mircea, 423 ÉLISABETH DE WITTELSBACH (imperatriz da Áustria), 359 Elisabeth von R., caso, 174, 205, 206, 524 ELLENBERGER, Henri F., 8, 17, 19, 21, 22, 38, 45, 53, 56, 62, 69, 74, 78, 80, 93, 94, 108, 112, 117, 142, 152, 175-6, 188, 205, 207, 208, 209, 210, 213, 226, 242, 247, 264, 272, 279, 293, 312, 324, 332, 336, 338, 341, 346, 347, 375, 378, 390, 392, 396, 424, 459, 475, 509, 510, 516, 525, 570, 571, 583, 598, 602, 603, 625, 627, 633, 644, 658, 672, 685, 724, 737, 740, 744, 767, 770, 773, 776, 791 ELLIS, Henry Havelock, 42, 43, 46, 80, 176-7, 302, 303, 337, 351, 353, 373, 469, 472, 473, 475, 522, 530, 586, 682, 702, 703, 765, 773, 788 ÉLUARD, Paul, 626 EMBIRICOS, Andreas, 177 EMDEN, Jan Van, 177, 556, 561 EMERSON, Louville Eugene, 177 EMINESCU, Mihail, 777 Emmy von N. caso. Ver MOSER, Fanny ENCKELL, Mikael, 185 ENCKELL, Robbe, 185 ENGELMAN, Edmund, 59, 776, 777 ENGELS, Friedrich, 123, 284, 578, 651 ENRIQUEZ, Eugène, 760 ÉON, Charles de BEAUMONT (cavaleiro de), 764 ÉPINAY, Louise TARDIEU D’ESCLAVELLES (marquesa de), 708 EPSTEIN, Raïssa, 7 ERASMO, 479, 496 ERIBON, Didier, 30, 69, 443, 711 ERIKSON, Erik, 169, 178-9, 259, 600, 601, 609

839

ERICKSON, Milton H., 336 ERIKSON, Paulette, 454, 455 ERLICH, Michel, 107, 587 ERMAKOV, Ivan Dimitrievitch, 179-80, 480, 557, 674, 675, 689, 789 ÉSQUILO, 572 ESQUIROL, Jean-Étienne, 33, 249, 506, 764 ESTABLET, Roger, 742 Estella (caso de personalidade múltipla), 583 ESTERHAZY, Marie Charles, 245 ESTERSON, Aaron, 136 ETCHEGOYEN, Horacio, 37, 387, 587, 639 ETCHEVERRY, José, 761 ETCHEVERY, Justine, 109 ETKIND, Alexandre, 174, 180, 558, 677, 690, 790 EULENBERG, Albert, 770 EURÍPIDES, 572 EVANS, Dylan, 148, 226, 301, 371, 451, 453, 552 EVANS, Elida, 414 EVANS, Richard, 424 EVARD, Jean-Luc, 14, 81, 298, 429, 460, 526, 534, 663, 695 EXNER, Franz, 330 EY, Henry, 15, 119, 142, 218-9, 251, 252, 378, 406, 409, 446, 455, 456, 467, 479, 516, 724

F FACHINELLI, Elvio, 34, 220, 404, 762 FAGES, Jean-Baptiste, 19, 69, 105, 285, 337, 729, 752 FAGIOLI, Massimo, 404 FAIMBERG, Haydée. Ver CUCURULLO, Antonio FAIRBAIRN, Ronald, 42, 78, 220, 307, 379, 553, 595 FALCK, Erling, 182 FALCONER, Sir Robert Alexander, 99 FALLEND, Karl, 61 FALRET, Jean-Pierre, 506, 623 FALRET, Jules, 538 FALZEDER, Ernst, 2, 18, 238, 273, 279, 416, 418, 640, 644, 720, 752 FANON, Frantz, 27, 209, 222-3, 498 Faria, abade (personagem de Alexandre DUMAS), 335 FARIA, José Custódio de, 335, 475 FARROW, E. Pickworth, 44, 46 FASS, Paula S., 95 FAULKNER, William, 501 Fausto, 509, 754 FAVEZ-BOUTONIER, Juliette, 111, 140, 226, 250 FAVRET-SAADA, Jeanne, 479 FEBVRE, Lucien, 175, 179, 447, 591

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índice onomástico

FECHNER, Gustav Theodor, 175, 227, 375, 485, 512 FEDERN, Ernst, 61, 64, 229, 230, 696 FEDERN, Paul, 9, 64, 163, 190, 228-30, 231, 276, 293, 304, 347, 349, 357, 402, 410, 439, 444, 461, 508, 549, 622, 670, 686, 693, 719, 720, 742, 748, 749, 775, 779, 780, 782, 786 FEDERN, Walter, 229, 230 FEDERN, Wilma, 229, 230, 779 FELIX-HESNARD, Édith, 334 FELLINI, Federico, 405 FENICHEL, Hannah, 730 FENICHEL, Otto, 10, 11, 63, 83, 100, 123, 170, 183, 199, 229-30, 230-2, 277, 281, 282, 284, 290, 293, 295, 297, 320, 427, 435, 457, 557, 639, 640, 651, 653, 654, 716 FERENCZI, Bernat, 232 FERENCZI, Sandor, 5, 18, 45, 46, 47, 48, 68, 69, 75, 90, 115, 117, 122, 133, 134, 134, 138, 139, 165, 173, 182, 190, 193, 194, 197, 213, 232-5, 238, 243, 244, 251, 256, 257, 257, 262, 268, 270, 272, 273, 276, 278, 293, 318, 324, 325, 326, 332, 333, 334, 345, 349, 350, 352, 353, 358, 360, 366, 379, 384, 385, 387, 397, 415, 416, 418, 419, 420, 422, 426, 430, 431, 433, 436, 454, 470, 471, 483, 512, 513, 544, 549, 565, 574, 588, 604, 607, 609, 610, 615, 618, 621, 622, 633, 637, 639, 641, 643, 644, 650, 652, 660, 664, 674, 686, 689, 690, 698, 706, 707, 716, 721, 725, 727, 729, 738, 743, 745, 751, 752, 755, 756, 758, 760, 766, 767, 769, 770 FERNANDES, Claudia, 1 FERRARI HARDOY, Guillermo, 34, 104, 592, 644 FERRER, Elfriede, 1 FEUCHTERSLEBEN, Ernst von, 621 FEUERBACH, Ludwig, 92, 713 FIASCHE, Dora e Angel, 185 FICHTE, Johann Gottlieb, 210, 330 FICHTL, Paula, 268 FICHTNER, Gerhard, 69, 272, 279, 556, 764 FIGUEIRA, Sérvulo, 92 FILIPE II (rei da Macedônia), 255 FINCK, Jean, 496, 497 FINE, Bernard D., viii, 148, 281 FINK, Bruce, 453 FINZI, Sergio e Virginia, 404 FISCHER, Edwin, 68 FISCHER, Eugenia, 161, 322 FLAMMARION, Camille, 241 FLANDRIN, Jean-Louis, 705 FLAUBERT, Gustave, 204, 655, 667, 741 FLEISCHL-MARXOW, Ernst von, 96, 239, 274, 398, 438 FLEISCHMAN, Otto, 724 FLEISCHNER, Karoline, 641

FLEM, Lydia, 58 FLESCHER, Joachim, 483, 527, 582 FLESCHSIG, Paul, 691, 692 FLEURY, Mireille, 524 FLIESS, Charles, 240 FLIESS, Jacob, 239 FLIESS, Pauline, 203 FLIESS, Robert, 239, 398, 481 FLIESS, Wilhelm, 10, 44, 45, 46, 56, 60, 65, 72, 73, 74, 93, 94, 105, 107, 108, 131, 132, 135, 141, 142, 143, 148, 163, 167, 169, 203, 211, 212, 224, 226, 239, 239-40, 260, 263, 264, 266, 270, 271, 272, 274, 275, 276, 277, 279, 315, 319, 324, 345, 347, 363, 365, 370, 373, 376, 378, 390, 391, 392, 396, 398, 443, 467, 470, 472, 481, 507, 511, 513, 527, 539, 541, 546, 573, 574, 584, 596, 606, 612, 617, 619, 628, 647, 648, 649, 651, 656, 657, 658, 660, 697, 698, 704, 717, 728, 747, 750, 752, 778, 792 FLOURNOY, Ariane, 242, 684 FLOURNOY, Henri, 50, 119, 241, 242, 685, 737, 738 FLOURNOY, Olivier, 242 FLOURNOY, Théodore, 119, 188, 196, 241-2, 407, 421, 528, 583, 598, 601, 602, 684, 705, 738 FLUGEL, John Carl, 303, 399 FLUSS, Eleonora, 242 FLUSS, Emil, 242 FLUSS, Gisela, 242-3, 266, 270, 273, 713 FLUSS, Ignaz, 242 Fobos, 243 FODOR, Nandor, 281 FONDA, Jane, 289 FOREL, August, 78, 246-7, 407, 508, 513, 514, 737, 747 FOREST, Jean, 582 FOREST, Philippe, 254 FORNARI, Franco, 247-8, 405, 701 FORRESTER, John, 207, 54, 476, 556, 569, 572, 664, 708 FORSBERG, Signhild, 77 FORSTER, Elisabeth, 24 FORSYTH, David, 248, 302, 303, 545, 753 FORZANO, Gioacchino, 781 FOUCAULT, Michel, 19, 26, 44, 46, 68, 136, 139, 140, 185, 191, 219, 253, 292, 325, 331, 339, 341, 351, 354, 450, 479, 507, 580, 622, 705, 707, 709, 730, 765 FOUCHÉ, Joseph, 345 FOUCHER, Michel, 344 FOUTRIER, Bernard, 254 FRAENKEL, Baruch. Ver FERENCZI, Bernat FRAENKEL, Ernest, 381 FRANCE, Anatole, 667

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índice onomástico FRANCISCO-FERDINANDO DE HABSBURGO, 564 FRANCISCO-JOSÉ I, 275, 359, 367 FRANCO BAHAMONDE, Francisco, 187 FRANÇOIS, Charles, 55 FRANKEL, Bianca, 447 FRANKEL, Theodor, 447 Frankenstein (personagem de Mary SHELLEY), 653 FRANKL, Viktor, 19 FRANKLIN, Benjamin, 510 FRANZ, Kurt, 314 Franziska (personagem do caso Katharina), 555 FRAZER, James George, 27, 493, 758, 759, 760 FREEMAN, Lucy, 571, 572 FREIRE COSTA, Jurandir, 92, 580 FREUD, Abae, 263 FREUD, Adolfine (dita Dolfi), 254-5, 265, 273, 776, 786 FREUD, Alexander, 255, 267, 273 FREUD, Amalia, 57-8, 242, 255-7, 262, 264, 265, 266, 271, 273, 313, 349, 374, 707, 786 FREUD, Anna, 9, 12, 24, 25, 40, 60, 61, 65, 66, 97, 104, 126, 142, 150, 163, 178, 179, 182, 183, 212, 213, 231, 239, 240, 244, 255, 257-60, 261, 266, 267, 268, 269, 272, 274, 277, 278, 279, 282, 290, 296, 297, 304, 305, 306, 310, 312, 314, 315, 321, 326, 328, 346, 348, 353, 354, 357, 374, 379, 398, 411, 416, 425, 429, 432, 433, 434, 437, 443, 444, 459, 460, 481, 483, 522, 523, 526, 547, 554, 563, 588, 600, 610, 640, 651, 654, 660, 663, 695, 696, 698, 706, 713, 717, 727, 729, 732, 734, 749, 753, 761, 774, 775, 782, 783, 785, 791 FREUD, Anna (irmã de S. Freud), 260, 273. Ver BERNAYS, Anna FREUD, Bertha, 260 FREUD, Emanuel, 260-1, 263, 269, 270, 271, 272, 273, 314 FREUD, Ernestine (dita Esti), 267, 268 FREUD, Ernst, 2, 11, 57, 172, 261-2, 265, 267, 268, 272, 274, 279, 281, 298, 349, 588, 654, 716, 761 FREUD, Ernst W., 326. Ver HALBERSTADT, Ernstl FREUD, Eva, 262, 269, 455 FREUD, Harry, 255 FREUD, Henny, 262, 269 FREUD, Jacob, 57, 242, 254, 255, 256, 260, 261, 262, 263-5, 270, 271, 273, 313, 349, 391, 412, 419, 696, 786 FREUD, Johann (dito John), 260, 261, 271 FREUD, Josef, 65, 262, 263 FREUD, Julius, 58, 263, 273 FREUD, Sir Klemens, 261

841

FREUD, Lucian, 261 FREUD, Lucie, 261, 262, 265, 279, 281 FREUD, Maria (dita Mitzi), 254, 265, 273, 776, 786 FREUD, Martha, 58, 107, 202, 257, 261, 263, 265-7, 268, 269, 274, 325, 348, 390, 398, 419, 438, 569, 741 FREUD, Martha Gertrud, 265 FREUD, Martin, 112, 149, 256, 261, 262, 267-8, 269, 274, 326, 349, 459, 471, 565 FREUD, Mathilde, 268. Ver HOLLITSCHER, Mathilde FREUD, Moritz, 265 FREUD, Morris, 271 FREUD, Oliver, 14, 261, 262, 267, 268, 269-70, 274, 349, 455 FREUD, Pauline, 260, 261, 270 FREUD, Pauline (dita Paula), 270, 273. Ver WINTERNITZ, Pauline FREUD, Pauline (dita Polly). Ver HARTWIG, Pauline FREUD, Philipp, 255, 260, 263, 264, 269, 270-1, 272, 273 FREUD, Rebekka, 264, 271, 412 FREUD, Regina Debora (dita Rosa), 272, 273. Ver GRAF, Rosa FREUD, Sally, 260, 263, 270, 272, 273 FREUD, Samuel, 271 FREUD, Sigmund, 272-9 FREUD, Sophie, 267, 268 FREUD, Sophie (filha de S. Freud), 274, 349. Ver HALBERSTADT, Sophie FREUD, Stefan, 261 FREUD, Walter, 267, 268 FREUND, Anton von, 122, 172, 248, 282, 325, 485, 543 FREYRE, Gilberto, 87, 92 FRIEDEMANN, Adolf, 508, 791 FRIEDLÄNDER, Adolf Albrecht, 408, 409, 567, 568, 774 FRIEDLÄNDER, Kate, 230, 282-3, 304 FRIEDMANN, Malvine, 52 FRIEDRICH, Volker, 327 FRINK, Horace W., 95, 197, 283-4, 425, 742 FRISCH-TAUSK, Martha, 748 FRITH, C.D., 192 FROMM, Erich, 10, 11, 18, 123, 182, 195, 284-5, 297, 356, 384, 413, 500, 534, 625, 685, 743 FROMM-REICHMAN, Frieda, 66, 83, 190, 284, 285, 739, 743 FRUTOS SALVADOR, Angel de, 445, 451 FRY, Roger, 303, 731, 732 FUCHS, Henny. Ver FREUD, Henny FULLINWIDER, S.P., 744 FURER, Manuel, 483, 484

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índice onomástico

FURTMULLER, Carl, 8 FURTWÄNGLER, Wilhelm, 68

G GABEL, Marceline, 699 GADDINI, Eugenio, 289 GADELIUS, Bror, 182, 185 GADET, Françoise, 685, 711 GALENO, 292, 706 GALILEU, 44 GALL, Franz Josef, 137 GALLIMARD, Gaston, 254, 721 GALLOP, Jane, 156 GALSWORTHY, John, 248 GALTON, Francis, 38 GALUPPI, Baldassare, 666 GAMBETTA, Léon, 109 GAMBIER ALVAREZ DE TOLEDO, Luisa, 34, 592, 644 GAMWELL, Lynn, 269 GANDHI, Mohandias Karamchand (dito Mahatma), 179, 667 GANSER, Sigbert, 189 GANTHERET, François, 760 GARATE, Ignacio, 122, 148, 441, 451, 453 GARCIA, Germán Leopold, 36, 502 GARDINER, Julian, 289 GARDINER, Muriel, 3, 138, 269, 289-90, 481, 564, 566, 567 GARDNER, D.E.M., 399 GARMA, Angel, 1, 34, 104, 186, 187, 290-1, 461, 592, 639, 644 GARNIER, F., 318 GAROFALO, Rafaele, 137 GARRABÉ, Jean, 80, 189, 192, 623, 727 GASSNER, Johann Josef, 338, 510 GAUCHET, Marcel, 4, 337, 479 GAULLE, Charles de, 504, 600 GAULTIER, Jules de, 341 GAUPP, Robert, 290 GAY, Peter, 58, 59, 96, 114, 130, 174, 180, 218, 255, 257, 262, 264, 268, 269, 279, 288, 314, 326, 346, 347, 348, 349, 392, 396, 420, 465, 469, 470, 485, 490, 492, 608, 617, 621, 638, 695, 776, 777, 786 GAYNOR, Frank, 281 GAYTHIER CANO, Mona, 582 GEBER, Marcelle, 41 GEBSATTEL, Viktor Emil Freiherr, 104 GEETS, Claude, 699 GEIJERSTAM, Emanuel af, 181 GEISSMANN, Claudine e Pierre, 484 GELFAND, Toby, 110, 720

GEMELLI, Agostino, 367, 368, 402-3, 701 GENET, Jean, 446 GENTILE, Giovanni, 400, 402 GEORGE, Davis Lloyd, 599 GEORGE, Stefan, 319 GEORGIN, Robert, 445 GERBER-BAUER, Katharina, 51 GERÖ, Georg, 183, 230 GÉRONIMI, Charles, 223 GICKLHORN, Renée, 261, 263, 265, 271 GIDE, André, 74, 143, 250, 608, 667 GILBERT, Dr., 407 GILLESPIE, Sadie, 681 GILLESPIE, William, 238, 303, 587 GILLOT, Hendrik, 22 GILMAN, Sander L., 293, 705 GILTELSON, Frances H., 119 GIMES, Miklos, 361 GINESTE, Thierry, 611 GIOCONDO, Francesco del, 467 GIORDANO, Raúl, 37, 104, 291, 502, 593, 644 GIRARD, Claude, 306, 418 GIRARD, René, 450 GISSELBRECHT, André, 497 GLAS, Marie. Ver LANGER, Marie GLASSCO, Gerald Stinson, 99, 295 GLOVER, Edward, 1, 235, 259, 282, 295-7, 303, 304, 305, 314, 389, 390, 410, 433, 457, 535, 536, 637, 660, 688, 692, 717, 732, 783 GLOVER, James, 295, 303, 708, 732 GLUCKER, John, 267 GOBETTI, Piero, 57 GODIN, J., 337 GOETHALS, George W., 744 GOETHE, Johann Wolfgang von, 256, 263, 347, 421, 655, 755 GOETZ, Christopher G., 110 GOGOL, Nicolau, 179, 557 GOLDBERG, Arnold, 438, 700 GOLDMANN, Emma, 116 GOLDSTEIN, Jan, 627 GOLDSTEIN, Kurt, 68, 135, 294 GOLTZ-NEUMANN, Else, 316 GOMBOS, Zsuza, 359 GOMBRICH, Ernst, 442, 443 GOMPERZ, Theodor, 92, 274 GOODMAN, P., 294 GORBATCHEV, Mikhail, 676 GORDON, Emma Leila, 99 GORDON, Lewis R., 223 GÓRGIAS, 769 GÖRING, Erna, 298, 662 GÖRING, Ernst, 298 GÖRING, Hermann, 297, 662

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índice onomástico GÖRING, Matthias Heinrich, 9, 12, 35, 57, 77, 80, 88, 96, 184, 252, 278, 297-9, 356, 417, 423, 426, 428, 442, 455, 456, 526, 533, 537, 661, 662, 687, 694, 739 GÖSCHL, Barbara, 555 GOSLING, E., 49 GOTTWALD, Klement, 322 GOULART, João, 89 GOUREVITCH, Michel, 721 GOUX, Jean-Joseph, 169 GOYA Y LUCIENTES, Francisco de, 479 Gradiva, 143-5, 203, 237, 276, 393, 607, 694 GRAF, Caecilia (dita Mausi), 314 GRAF, Heinrich, 314 GRAF, Herbert (caso Pequeno Hans), 105, 106, 243, 244, 259, 269, 272, 273, 286, 307-12, 313, 445, 463, 468, 604, 609, 631, 702, 704, 721, 758, 771, 779 GRAF, Hermann, 314 GRAF, Joseph, 312 GRAF, Max, 145, 307, 310, 311, 312-3, 347, 463, 604, 606, 609, 694 GRAF, Regina Debora (dita Rosa), 260, 271, 313-4, 776 GRAF-NOLD, Angela, 358 GRAHAM, Dr., 303 GRAHAM, F.W., 43 GRAMSCI, Antonio, 403 GRANOFF, Wladimir, 82, 145, 156, 158, 164, 204, 235, 237, 238, 239, 248, 252, 300, 301, 449, 451, 456, 466, 548, 582, 586, 587, 708, 754, 755 GRASSET, Bernard, 334 GREEN, André, 69, 83, 107, 169, 253, 397, 532, 533 GREEN, Julien, 366 GREEN, Martin, 320 GREENLAND, Cyril, 103 GRESSOT, Michel, 739 GREVE, Germán, 32 GRIAULE, Marcel, 209 GRIBINSKI, Michel, 773 GRIESINGER, Wilhelm, 210, 514, 572, 574, 737 GRINBERG, Leon, 36, 37, 187, 587 GRINBERG, Rebecca, 187, 188 GRINKER, Roy, 15, 198 GRINSTEIN, Alexander, 397, 764 GRODDECK, Carl Theodor, 316 GRODDECK, Caroline, 316 GRODDECK, Georg, 10, 11, 47, 181, 213, 214, 218, 315-8, 399, 414, 624 GRODDECK, Lina, 316 GROEN-PRAKKEN, H., 523, 562, 563 GROS, Martine, 122 GROSRICHARD, Alain, 165 GROSS, Hans, 137, 319

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GROSS, Otto, 10, 56, 137, 302, 319-20, 422, 651 GROSSKURTH, Phyllis, 103, 123, 174, 177, 297, 329, 355, 306, 379, 399, 398, 418, 431, 433, 434, 435, 551, 661, 664, 677, 679, 688, 689, 717 GROSSMAN, Carl e Sylvia, 318 GROTE, Dr. L.R., 201 GROTJAHN, Martin, 15, 61, 95, 230, 281, 283, 297, 414, 508, 640, 679, 687, 717, 728, 782, 789, 791 Grouscha (governanta de Serguei Constantinovitch PANKEJEFF), 564, 565, 566 GRUBRICH-SIMITIS, Ilse, 14, 207, 225, 226, 261, 262, 265, 272, 281, 310, 323, 324, 512, 518, 521, 600, 635, 699, 733, 761, 763, 764 GRÜNBAUM, Adolf, 200 GRUNBERGER, Bela, 3, 102, 532, 533 GUATTARI, Félix, 26, 136, 169, 191, 192, 320-1, 626 GUDDEN, Bernhard von, 440 GUERLAIN, Jean-Claude. Ver DAUTREY, Charles GUEX, Germaine, 535, 536, 739 GUIBAL, Michel, 420, 727 GUILBAULT, Georges Th., 541 GUILBERT, Yvette, 259, 321 GUILHERME II, 438 GUILLAIN, Georges, 110 GUILLAUME, Paul, 457 GUILLERAULT, Gérard, 370 GUINSBERG, Enrique, 462 GUTHEIL, Emil, 729 GUTTMAN, Samuel, 279, 290 GUYOMARD, Patrick, 301, 451 Gynt, Peer, 651

H HAAGER, Juta, 283 HAAS, Ladislav, 161, 322 HADDAD, Antonietta e Gérard, 405 HAECKEL, Ernst Heinrich, 120, 225, 322-4, 512, 659, 758 HAED, Henry, 370 HAIM, Ella, 269 HAITZMANN, Christopher, 324-5, 367 HALBERSTADT, Ernst (dito Ernstl), 97, 325, 326, 486 HALBERSTADT, Heinz (dito Heinerle), 262, 325, 326, 349 HALBERSTADT, Max, 325 HALBERSTADT, Sophie, 257, 258, 262, 268, 282, 325-6, 349, 485, 486, 615, 787 HALE, Nathan G., 61, 95, 103, 195, 200, 201, 232, 327, 348, 414, 509, 514, 633, 634 HALE, William Bayard, 601

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índice onomástico

HALL, Stanley Grandville, 115, 116, 126, 197, 276, 326-7, 410, 513, 633 HALLE, Morris, 710 HALMOS, Claude, 160 HALSMANN, processo, 139 HAMBURGER, Tony, 681 Hamlet (personagem de SHAKESPEARE), 167, 169, 275, 389, 418, 437, 439, 506, 560, 605, 680, 708 HAMMERSCHLAG, Emil, 325 HAMMERSCHLAG, Samuel, 398 HAMMETT, Dashiell, 289, 501 HAMON, Marie-Christine, 548, 556, 664, 708 HAMSUN, Knut, 183, 348, 734 HAMSUN, Marie, 734 HANDLBAUER, Bernhard, 720 Hanold, Norbert (personagem de JENSEN), 143, 144 Hans, Pequeno (caso). Ver GRAF Herbert HANSEN, Finn, 185 HAPPEL, Clara, 327, 741, 778 HARARI, Roland, 269 HARDING, Gösta, 756 HARGREAVES, Ronald, 305 HARNIK, Jenö, 182, 183, 290, 670 HARRIS, Benjamin, 788 HART, Bernard, 303 HARTMANN, Daniel, 287 HARTMANN, Eduard von, 376, 596 HARTMANN, Heinz, 169, 198, 212, 260, 293, 327-8, 411, 442, 454, 457, 461, 478, 529, 639, 685, 699, 727, 760 HARTNACK, Christiane, 381 HARTWIG, Frederick, 270, 271 HARTWIG, Pauline, 271 HASSOUN, Jacques, 254 HÄUTLER, Adolf, 606 HAWTHORNE, Nathaniel, 137, 633 HAYNAL, André, 4, 18, 46, 48, 49, 93, 235, 312, 344, 361, 589, 640, 691, 739, 752 HAZAN, Marie, 582 Hécuba, 669 HEENEN-WOLFF, Susann, 638 HEFFERLINE, R., 294 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, 146, 147, 236, 237, 559, 645, 723 HEIDEGGER, Martin, 19, 55, 68, 383, 448, 449, 476, 477, 499 HEIM, Cornelius, 115, 518, 714, 717 HEIMANN, Paula, 91, 134-5, 304, 328-9, 433, 517, 639 HEINE, Heinrich, 112, 113 HEINROTH, Johann Christian, 572 Helena de Tróia, 150 HELLENS, Franz, 55

HELLER, Hugo, 324, 329, 367, 561, 606, 693 HELLER, Peter, 259, 260 HELLMAN, Lillian, 289 HELMHOLTZ, Hermann Ludwig Ferdinand von, 93, 95, 175, 227, 239, 274, 329-30, 375, 673 HEMECKER, Wilhelm W., 331 HENRION, Jean-Louis, 453, 552 HENRY, George W., 627, 791 HENRY, Victor, 242 Hera, 351 HERÁCLITO, 722 HERBART, Johann Friedrich, 22, 92, 175, 330-1, 375, 515, 647, 713 HERBELOT (pseudônimo de Paul Schiff), 104 HERING, Ewald, 93 HÉRITIER, Françoise, 156, 374 Hermafrodito, 71, 764-5 HERMANN, Imre, 227, 234, 332, 350, 359, 360, 361, 664, 747 HERMANNS, Ludger M., 61, 81, 299, 406, 429, 526, 663, 716 Hermes, 764 HERMES TRISMEGISTO, 15 HERÓDOTO, 27, 208, 764 HERZL, Theodor, 149, 419, 686, 775 HERZLICH, C., 210 HESNARD, Angelo, 41, 119, 213, 250, 251, 332-4, 368, 409, 455, 484, 590, 613, 615, 685 HESNARD, Oswald, 333 HEUYER, Georges, 40, 158, 226, 446, 524 HIDAS, Gyorgy, 361 HIGGINS, Mary, 654 Hilda. Ver ABRAHAM, Hilda HILDEBRAND, R. e P., 49 HILFERDING, Margarethe, 334-5 HILFERDING, Rudolf, 335 HILL, Carl Fredrik, 181 HILLER, Eric, 303 HIMMLER, Heinrich, 497 HINSHELWOOD, R.D., 6, 71, 119, 220, 306, 329, 366, 399, 431, 434, 435, 551, 554, 587, 596 HIPÓCRATES, 208, 210, 338, 505, 572, 624 Hirsch-Hyancinth (personagem de Heinrich HEINE), 113 HIRSCHFELD, Magnus, 2, 11, 72, 74, 337, 351, 420, 472, 702, 770 HIRSCHMANN, Eduard, 357 HIRSCHMÜLLER, Albrecht, 59, 60, 93, 94, 107, 108, 205, 207, 341, 515, 516, 555, 570, 571, 572 HIRST, Albert, 163 HITCHCOCK, Alfred, 200, 509 HITLER, Adolf, vii, 12, 52, 77, 179, 198, 261, 278, 298, 360, 437, 533, 534, 569, 652, 662, 781 HITSCHMANN, Eduard, 347-8, 618, 687 HOBBES, Thomas, 491

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


índice onomástico HOBMAN, J.B., 166 HOCH, August, 348 HOCH, P.H., 727 HOEL, Nic. Ver WAAL, Nic HOESLI, Henri, 145 HOFFER, Hedwig, 61, 304 HOFFER, Wilhelm (dito Willi), 9, 60, 229, 258, 304, 326 HOFFMANN, Christian. Ver SAFOUAN, Moustapha HOFFMANN, Ernst Paul, 54, 162, 348, 466 HOFMANNSTHAL, Hugo von, 613, 691, 775, 776, 793 HÖLDERLIN, Friedrich, 191, 192 HOLLIER, Denis, 646 HOLLITSCHER, Mathilde, 257, 258, 267, 274, 325, 348-9, 374, 481 HOLLITSCHER, Robert, 349 HOLLOS, Isvan, 234, 332, 349-50, 359, 360, 621 Holmes, Sherlock (personagem de Conan DOYLE), 137 HOLMES, Jeremy, 86 HOLSTIJN, Westerman, 460, 562 HOMANS, Peter, 424, 605 HOMBURGER, Erik. Ver ERIKSON, Erik HOMBURGER, Theodor, 178 Homem dos Lobos, caso. Ver PANKEJEFF, Serguei Constantinovitch Homem dos Ratos, caso. Ver LANZER, Ernst HOMERO, 505 HORKHEIMER, Max, 11, 12, 14, 232, 281, 284, 460, 499, 500, 578, 615, 616 HORNEY, Karen, 1, 10, 18, 62, 167, 169, 185, 193, 195, 199, 230, 284, 290, 293, 294, 355-6, 377, 432, 500, 534, 625, 639, 640, 688, 706, 707-8, 743 HORNEY, Marianne, 356 HORNEY, Oskar, 355 HORTHY DE NAGYBNYA, Miklos, 11, 14, 57, 234, 350, 360, 747 HUBBACK, C.J.M., 484 HUBER, Winfried, 55 HUBER, Wolfgang J.A., 358, 777, 786 HUG, Rolf, 357 HUG-HELLMUTH, Hermine von, 17, 258, 310, 346, 357-8, 432, 472, 609, 636, 681, 694, 721 HUG VON HUGENSTEIN, Antonia, 357, 358 HUGHES, Judith, 220 HUGO, Victor, 50, 188, 506, 666, 748 HUGUES, Athol, 611, 664 HUNT, Lynn, 292, 293, 705 HUNTER, Daniel, 238, 575 HUNTER, Richard A., 325, 574, 623, 692 HURWITZ, Emmanuel, 320

845

HUSSERL, Edmund, 3, 10, 14, 19, 55, 68, 92, 130, 138, 499, 516, 742 HUSTON, John, 200, 444 HUXLEY, Thomas Henry, 416 HUYSMANS, Karl, 331 HYPPOLITE, Jean, 145, 213, 246, 449, 559 I IBOR, Lopez, 186 IBSEN, Henrik, 51, 181, 497, 546, 642, 651 IDELER, Karl Wilhelm, 628 IGNOTUS, Hugo (Hugo Vegelsberg), 234, 349, 359, 366-7 IGOIN, Laurence, 384 IHANUS, Juhani, 185 ILIAN, Matyas, 669 INGENIEROS, José, 33 INOCÊNCIO VIII, papa, 367 IOFFE, Adolf Abramovitch, 7 IRIGARAY, Luce, 156, 222, 301, 311, 312, 548, 580 Irma. Ver ECKSTEIN, Emma ISAACS, Susan, 224, 303, 306, 226, 399, 590 ISAÍAS, 519 ISRAEL, Han, 693 ISRAEL, Lucien, 91, 253 ITARD, Jean-Marc-Gaspard, 609 IZARD, Michel. Ver BONTE, Pierre J JACCARD, Roland, 1, 14, 57, 104, 188, 248, 306, 361, 405, 497, 518, 549, 583, 593, 677, 701, 782 JACKSON, Edith, 259, 523 JACKSON, John Hughlings, 135, 196, 219, 275, 302, 406, 415, 513, 633 JACOBSON, Edith, 100, 230, 231, 406, 483 JACOBY, Russel, 230, 231, 232, 285, 407, 655 JACQUOT, Benoît, 445 JAFFÉ, Edgar, 319 JAFFE, Ruth, 789 JAKOBSON, Roman, 29, 149, 448, 676, 685, 711 JALLEY, Émile, 195 JAMBET, Christian, 445, 451 JAMES, William, 197, 327, 408, 513-4, 601, 633, 673 JAMIN, Jean, 29 JANET, Hélène, 591 JANET, Jules, 407 JANET, Pierre, 28, 33, 42, 50, 107, 108, 110, 121, 131, 138, 142, 176, 181, 196, 197, 202, 226, 241, 248, 249, 250, 302, 306, 332, 333, 336, 341, 400, 402, 407-10, 410, 421, 456, 457, 458,

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índice onomástico

535, 536, 567, 569, 571, 582, 583, 590, 601, 611, 612, 701, 705, 721, 723, 774 JANIK, Allan, 347, 420, 442, 483, 777 JANKÉLÉVITCH, Samuel, 126, 213, 612, 615, 617, 756, 762 JANTSCH, M., 778 JARDINE, Betty, 70 JASPERS, Karl, 10, 57, 68, 191, 192, 456, 517, 622 JAVAL, Émile, 40 JAY, Martin, 14, 285, 500, 578 JDANOV, Andreï, 124, 125, 675, 677 JEKELES, Louis. Ver JEKELS, Ludwig JEKELS, Ludwig, 98, 178, 184, 413-4, 549, 749, 756 JELGERSMA, Gerbrandus, 177, 459, 556, 561 JELLIFFE, Ely Smith, 197, 229, 414-5, 634, 686, 782 JENSEN, Reimer, 185, 530 JENSEN, Wilhelm, 143-5, 203, 237, 276, 393, 607, 694 JERVIS, Giovanni, 404 JESUS CRISTO, 179, 520, 668, 669 JOÃO XXIII, papa, 367, 369 JOÃO DA CRUZ, 560 Jocasta, 166, 167, 169 JOHACHIMSEN, Paul, 517 JOHANSSON, Per Magnus, 186, 523 JOHNSON, Virginia E., 702, 703 JOHNSTON, William M., 52, 54, 93, 94, 96, 114, 279, 331, 346, 347, 360, 361, 420, 483, 516, 678, 679, 691, 742, 775, 777 JOINVILLE, Jean de, 346 JOLK, Katherine. Ver JONES, Katherine JONES, Ernest, 8, 10, 11, 12, 13, 16, 22, 27, 30, 42, 45, 46, 51, 53, 57, 59, 61, 74, 80, 84, 88, 95, 96, 97, 99, 100, 102, 103, 104, 112, 119, 121, 122, 123, 125, 126, 130, 144, 151, 154, 165, 167, 169, 174, 175, 180, 182, 183, 195, 197, 201, 203, 204, 205, 207, 221, 222, 230, 231 234, 235, 243, 248, 251, 255, 256, 257, 258, 262, 264, 265, 267, 270, 272, 276, 278, 279, 281, 282, 293, 295, 297, 298, 302-4, 306, 312, 315, 319, 323, 328, 331, 345, 346, 347, 353, 355, 359, 374, 380, 383, 385, 387, 388, 389, 396, 397, 401, 402, 406, 407, 409, 410, 411, 415-8, 419, 420, 422, 427, 430, 432, 433, 447, 457, 463, 467, 469, 470, 475, 494, 499, 508, 515, 516, 525, 526, 543, 544, 548, 562, 569-72, 581, 588, 600, 601, 608, 615, 617, 618, 621, 633, 635, 636, 637-8, 642, 643, 644, 651, 652, 660, 662, 663, 665, 674, 679, 680, 686, 688, 689, 690, 694, 695, 698, 730, 731, 732, 738, 742, 753-4, 760, 770, 771, 773, 774, 775, 777, 781, 783, 785, 786, 790 JONES, Gwenith, 417

JONES, Herbert (dito Jones II), 416 JONES, Katherine, 417, 518 JONES, Lewis, 417 JONES, Maxwell, 49, 70, 626 JONES, Mervyn, 417 JONES, Nesta, 417 JORGE V, 302, 415 JORGE DA GRÉCIA, 81 JOSÉ II (imperador germânico), 263 JOSEF, Albert, 730 JOSEFSSON, Ernst, 181 JOSEPH, B., 434 JOSEPH, Edward D., 18, 35, 119 JOUANNA, Jacques, 210 JOUVE, Pierre Jean, 250, 667 JOYCE, James, 70, 429, 446, 541, 542, 543 JOYCE, Lucia, 70 JOZSEF, Attila, 359 JULIEN, Philippe, 451. Ver SAFOUAN, Moustapha JÚLIO II, papa, 519 JULIUSBURGER, Otto, 2, 11, 337, 420, 789 JUNG, Agathe, 421 JUNG, Anna, 421 JUNG, Carl Gustav, 2, 6, 10, 13, 17, 38, 42, 43, 44, 50, 54, 58, 67, 70, 76, 79, 80, 94, 95, 115, 117, 118, 119, 122, 123, 133, 134, 143, 144, 145, 165, 172, 174, 176, 188, 197, 223, 233, 234, 241, 242, 250, 267, 272, 276, 293, 297, 298, 302, 303, 312, 313, 319, 333, 345, 357, 371, 385, 388, 397, 400, 407, 412, 415, 419, 420, 421-4, 442, 454, 465, 467, 472, 474, 482, 490, 499, 508, 514, 519, 536, 540, 547, 549, 557, 561, 562, 573, 575, 587, 588, 592, 594, 597-8, 602, 604, 607, 608, 618, 622, 624, 626, 633, 634, 641, 649, 651, 661, 662, 670, 671, 681, 692, 694, 695, 704, 712, 721, 725, 726, 727, 728, 729, 734, 737, 738, 740, 752, 756, 757, 771, 774, 776, 786, 790, 791, 794 JUNG, Carl Gustav (dito Sênior), 421, 598 JUNG, Franz, 421 JUNG, Franz Ignaz, 421 JUNG, Marianne, 421 JUNG, Paul, 598 JÜNGER, Ernst, 517 JURANVILLE, Alain, 451 JURGENSEN, Geneviève, 65 JURY, Paul, 111, 381, 762

K K., Sr. Ver ZELLENKA, Hans K., Sra. Ver ZELLENKA, Giuseppina KAFKA, Franz, 243, 244, 320

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índice onomástico KAHANE, Claire, 54 KAHANE, Max, 276, 719, 728 KAHN, Pierre, 160 KAKAR, Sudhir, 85, 381 KAMES, Henry Home, 375 KAMM, Bernhard, 12 KANN, Loe, 100, 258, 416-7 KANNABIKH, Youri, 674, 675, 789 KANNER, Leo, 43, 44, 162 KANNER, Sally. Ver FREUD, Sally KANT, Immanuel, 130, 300, 301, 330, 586, 684, 742, 755 KARDINER, Abram, 27, 140, 150, 152, 169, 198, 284, 356, 425-6, 550, 625, 640, 665 Karin, caso, 75 KARLIN, Daniel, 63 KAROLYI, Mihaly, 360 KARPINSKA, Luise von, 330, 331 KARUSH, Aaron, 640 KASSOWITZ, Max, 274 KATAN, Maurits, 562 Katharina, caso. Ver ÖHM, Aurelia KATZ, Chaim Samuel, 14, 81, 89, 92, 298, 426, 526, 534, 663, 695 KAUDERS, Walter, 537 KAUFMANN, Pierre, 142, 148, 169, 281, 286, 301, 365, 370, 384, 453, 533, 575, 587, 597, 658, 684, 770 KAWAÏ, H., 412 KAZAN, Elia, 200, 509 KELLER, Else, 564 KELLER, Teresa, 564, 565, 566 KEMPER, Ana Katrin, 90, 426-7, 428, 579 KEMPER, Christian, 426, 428 KEMPER, Jochen, 426, 429 KEMPER, Mathias, 42, 428 KEMPER, Werner, 12, 13, 80, 81, 88, 89, 96, 296, 297, 298, 426, 427-9, 526, 661, 662, 694-5 KEMPNER, Salomea, 13, 429, 435 KENDRICK, Walter, 731, 732, 733, 786 KENNEDY, Hansi, 260 KENNEDY, Roger, 453 KERENSKI, Aleksandr, 76, 791 KERNBERG, Otto, 83 KERNER, Justinius, 597, 671 KERR, John, 720, 727 KERSHAW, Ian, 534 KESTEMBERG, Jean e Evelyne, 383 KEY, Ellen, 76 KEYNES, John Maynard, 303, 732 KHAN, Masud, 18, 134, 135, 235, 306, 379, 381, 429-30, 785 KHOURY, Gérard D., 285 KIELL, Norman, 114, 117, 130, 202, 204, 207, 396, 470, 521, 548, 621, 718, 763, 770, 773

847

KIERKEGAARD, Søren, 19, 181, 383 KILBORNE, Benjamin, 153 KILLINGMO, Björn, 185 KINBERG, Olof, 182 KING, Pearl, 86, 119, 297, 303, 306, 315, 329, 379, 399, 434, 661 KINSEY, Albert, 702, 703 KIPLING, Rudyard, 678 KLAGES, Ludwig, 319 KLAJN, Hugo, 430 KLEIN, Arthur, 431 KLEIN, Erich, 431, 784 KLEIN, Hans, 431, 595 KLEIN, Melanie, viii, 1, 17, 69, 70, 71, 74, 78, 82, 85, 88, 91, 100, 103, 121, 134, 142, 147, 151, 154, 155, 158, 168-9, 174, 185, 190, 193, 194, 212, 221, 222, 230, 232, 234, 244, 247, 257, 258, 273, 277, 293, 295, 296, 304, 305, 306, 310, 314, 315, 328, 329, 332, 342, 354, 355, 357, 359, 360, 366, 377, 379, 397, 398, 399, 411, 413, 417, 426, 429, 430-4, 434, 457, 481, 484, 522, 532, 550, 551, 552, 553, 554, 566, 572, 590, 592, 594-5, 610, 622, 623, 632, 642, 646, 660, 663, 664, 671, 672, 688, 696, 704, 706, 707, 717, 731, 734, 735, 745, 747, 768, 770, 783, 784, 785 KLEIN, Melitta S, 431, 783. Ver SCHMIDEBERG, Melitta KLEX (apelido de Hermann RORSCHACH), 671 KLIBANSKY, Raymond. Ver PANOFSKY, Erwin KLOTZ, H.P., 41 KNIEPER, Eva, 662 KOBERSTEIN, August, 316 KOCH, Adelheid Lucy, 88, 96, 435, 499 KOENIGSBERG, Harold W., 83 KOEPPEL, Philippe, 770 KOFMAN, Sarah, 145, 204, 548 KOGON, Eugen, 14, 534 KOHUT, Heinz, viii, 66, 83, 97, 118, 156, 168, 170, 171, 190, 199, 212, 273, 293, 328, 389, 435-8, 516, 532, 533, 536, 700, 704, 729, 752, 769, 770, 786 KOJÈVE, Alexandre, 147, 194, 370, 412, 447, 559, 645, 709 KOKOSCHKA, Oskar, 311 KOLLER, Carl, 239, 274, 438 KOLLONTAÏ, Alexandra, 673 KÖNIG-GRAF, Olga, 310, 312-3 KÖNIGSTEIN, Leopold, 438 KÖRBER, Heinrich, 2, 11, 337, 420 KORNILOV, M., 480 KORSAKOV, Serguei, 674 KOSAWA, Heisaku, 9, 84, 381, 411, 412, 413, 438-40, 622 KOSMA, Joseph, 447

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice onomástico

KOSSUTH, Lajos, 359 KOUPSKAÏA, Nadejda, 690 KOURETAS, Dimitri, 177, 440 KOVACS, Frederic, 47 KOVACS, Wilma, 47, 48, 184, 332, 664 KOYRÉ, Alexandre, 45, 224, 370, 447, 709 KRAEPELIN, Emil, 10, 38, 79, 80, 99, 115, 119, 150, 152, 180, 189, 207-8, 290, 297, 319, 331, 342, 368, 401, 402, 410, 440-1, 442, 506, 523, 550, 564, 572, 573, 574, 595, 596, 622, 623, 630, 750 KRAFFT-EBING, Richard von, 52, 56, 72, 150, 176, 235, 238, 275, 331, 337, 340, 350, 441, 471, 475, 501, 522, 538, 681, 682, 684, 702, 703, 764, 773 KRAMMER, Heinrich. Ver SPRENGER, Jacob KRAUS, Karl, 7, 72, 112, 312, 350, 419, 441-2, 775, 787 KRESS-ROSEN, Nicolle, 575 KRETSCHMER, Ernst, 13, 190, 298, 423, 442 KRIS, Anna, 661 KRIS, Ernst, 45, 163, 169, 171, 230, 240, 260, 293, 323, 328, 398, 442-3, 661, 727 KRIS, Marianne, 239, 240, 260, 398, 442, 443, 460 KRISTEVA, Julia, 155, 156, 253, 301, 507, 548 KROEBER, Alfred, 152, 760 Krokovski, Edhin (personagem de T. MANN), 375 KRONICH, Julius, 555 KRÜLL, Marianne, 261, 262-3, 264, 265, 270, 271, 257, 412, 420 KUBIE, Lawrence, 686 KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, Juscelino, 89 KUBO, Yoshihide, 410, 413 KUCERA, Otakar, 161, 322 KUHN, Roland, 135 KULOVESI, Yrjö. 182, 184, 444, 529, 687 KUN, Bela, 274, 360, 432 KURELLA, Hans, 717 KURTZ, Stanley, 381 KURZ, Otto, 442, 443 KURZWEILL, Édith, 281, 344 KUTTER, Peter, 188, 228, 248, 289, 322, 344, 387, 583, 671, 782

L LABERGE, Jacques, 91 LABICA, Georges, 125 LACAN, Alfred, 30, 446, 542 LACAN, Caroline, 447 LACAN, Émile, 446, 542 LACAN, Émilie, 446 LACAN, Jacques, viii, 5, 6, 9, 10, 14, 18, 19, 29, 30, 32, 36, 37, 39, 40, 41, 45, 46, 49, 51, 53, 54,

55, 66, 69, 70, 71, 74, 82, 83, 85, 90, 91, 104, 106, 111, 113, 114, 115, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 126, 134, 139, 142, 144, 145, 147, 148, 149, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 164, 165, 168, 169, 170, 171, 185, 187, 193, 194-5, 196, 197, 205, 212, 213, 218, 220, 221, 223, 225, 226, 228, 237, 238, 244, 245, 246, 247, 249, 251, 252, 254, 273, 286, 290, 293, 299-301, 305, 310-1, 312, 318, 320, 328, 334, 341, 344, 354, 356, 363, 365, 369, 370, 371, 372, 377, 378, 381, 383, 387, 389, 390, 394, 397, 413, 435, 436, 442, 445-50, 451, 453, 456, 457, 465, 466, 477, 479, 490, 491, 492, 498, 500, 501, 502-3, 512, 513, 516, 518, 527, 529, 532, 541-2, 546, 547, 548, 551-2, 553, 554, 558-60, 563, 567, 572, 574, 575-7, 578, 581, 582, 586, 587, 591, 592, 593, 604, 608, 610, 614, 616, 617, 621, 622, 632, 644-6, 650, 657-8, 661, 676, 684, 685, 692-3, 701, 703, 704-6, 707, 714, 715, 724, 740, 742, 746, 751, 752, 762, 769, 770, 776, 785 LACAN, Judith, 447 LACAN, Madeleine, 446 LACAN, Marc-François, 446 LACAN, Marie-Louise (dita Malou), 446, 447 LACAN, Raymond, 446 LACAN, Sibylle, 447 LACAN, Thibaut, 447 LACASSAGNE, Alexandre, 137 LACOSTE, Patrick, 679 LACOUE-LABARTHE, Philippe, 711 LAFON, J., 140 LAFORA, Gonzalo Rodriguez, 33, 186, 453-4 LAFORGUE, René, 16, 60, 81, 84, 111, 119, 145, 157, 159, 173, 177, 190, 226, 245, 246, 251, 262, 270, 288, 334, 368, 449, 454-6, 477, 504, 535, 585, 608, 657, 721 LAFORTUNE, Mireille, 66, 67 LAGACHE, Daniel, vii, 10, 30, 85, 111, 138, 140, 158, 213, 226, 250, 251, 252, 363, 370, 448, 449, 456-7, 466, 477, 504, 529, 608, 612, 762 LA GRANGE, Henri-Louis de, 312, 313, 483 LAINÉ, René, 115, 201, 490 LAINÉ, Tony. Ver KARLIN, Daniel LAINER, Grete, 358 LAING, Ronald, 19, 25, 49, 135, 136, 159, 191, 209, 301, 305, 458, 785 Laio, 166, 351 LAIR LAMOTTE, Pauline (caso Madeleine Lebouc), 408, 458-9 LAKS, André, 267 LALANDE, André, 568, 755 LALIVE D’EPINAY, Michel, 318 LAMARCK, Jean-Baptiste, 512, 758

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índice onomástico Lambert, Louis (personagem de Honoré de BALZAC), 189 LAMBOTTE, Marie-Claude, 384, 507, 533 LAMPL, Hans, 258, 314, 459, 563 LAMPL-DE GROOT, Jeanne, 74, 151, 257, 459-60, 461, 481, 563, 599, 639, 678, 706 LANDAUER, Karl, 11, 13, 284, 297, 460, 508, 556, 562 LANG, A., 760 LANGBEIN, Hermann. Ver KOGON, Eugen LANGER, Ana, 461 LANGER, Marie, 1, 18, 34, 35, 78, 90, 91, 104, 118, 281, 293, 426, 435, 460-3, 501, 516, 592, 639, 652 LANGER, Martin, 461 LANGER, Max, 461 LANGER, Tomas, 461 LANGER, Veronica, 461 LANGSNER, Maximilien, 87 LANTÉRI-LAURA, Georges, 37, 104, 122, 291, 502, 536, 587, 593, 623, 626, 627, 644 LANTOS, Barbara, 230, 282, 304 LANZER, Ernst (caso Homem dos Ratos), 50, 244, 273, 307, 463-5, 472, 539, 540, 542, 564, 604, 621, 691, 704, 767 LANZER, Heinrich, 463, 464, 465 LA PAYONNE LIDBOM, A. de, 77 LAPLANCHE, Jean, viii, 4, 5, 32, 66, 74, 106, 107, 108, 114, 117, 126, 133, 142, 145, 147, 148, 149, 164, 174, 191, 192, 195, 213, 224, 226, 244, 246, 252, 273, 279, 281, 286, 299, 301, 318, 341, 358, 363, 366, 378, 383, 388, 390, 449, 456, 457, 466, 470, 475, 484, 485, 490, 532, 533, 536, 553, 554, 575, 590, 590, 595, 597, 603, 605, 616, 623, 630, 632, 644, 647, 649, 650, 658, 660, 682, 684, 699, 715, 719, 761, 762, 763, 764, 770, 773 LAPLANTINE, François, 210 LAQUEUR, Thomas, 292, 293, 705, 730 LARDREAU, Guy, 451 LATIF, Israil, 381 LA TOURETTE, Georges Gilles de, 525 LAUBSCHER, B.J.F., 679 LAURIN, Camille, 101 LAUTRÉAMONT, Isidor DUCASSE (dito conde de), 593 LAVOISIER, Antoine de, 510 LAWRENCE, David Herbert, 319 LAZAR-GEROE, Clara, 42, 43 LEÃO I, papa, 105 LEÃO XIII, papa, 367 LE BON, Gustave, 316, 331, 608, 613, 653, 736, 737 LEBOUC, Madeleine (caso). Ver LAIR LAMOTTE, Pauline

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LEBOVICI, Serge, 18, 35, 90, 125, 252, 387, 429, 610 LECHAT, Camille, 54 LECHAT, Fernand, 54, 55, 162, 466 LECLAIRE, Serge, 36, 164, 252, 378, 449, 450, 466-7, 501, 567, 580, 582 LECOURT, Dominique, 125, 324, 677 LECUYER, Roger, 605 LEDEBOURG, Georg, 23 LEDERER, Regina, 312 LEDOUX, Michel H, 160 LEES, Edith, 176 LEFEBVRE, Marie-Félicité (caso), 82, 83, 140 LEFKOWITZ, Mary R., 341 LEFORT, Robert, 626, 627 LEGENDRE, Pierre, 139, 140 LÉGER, Christian, 541 LEGROS, Hélène, 717 LE GOUES, Gérard, 226, 746 LEIRIS, Michel, 28, 84, 209, 250 LEJEUNE, Philippe, 204 LE LAY, Yves, 115, 119 LEMA, Zito, 593 LEMAIRE, Anika, 451, 715 LE MALÉFAN, Pascal, 188, 641 LEMERCIER, Grégoire, 369, 370 LEMPÉRIÈRE, Thérèse, 341 LENIN, 52, 323, 508, 598, 675, 690, 726 LENNMALM, Frithiof, 181 LENORMAND, Henri, 529 LEONARDO DA VINCI, 203, 237, 266, 276, 353, 389, 400, 467-70, 473, 517, 531, 532, 574, 599, 608, 609, 671, 735, 753, 756, 771 Léonie, caso, 407 LE PICHON, Yann, 269 LEPOIS, Charles, 338, 339 LE RIDER, Jacques, 10, 14, 23, 318, 320, 332, 358, 344, 418, 420, 442, 517, 518, 522, 533, 616, 775, 777, 779 LEROUX, Rosalie, 41 LEROY, Maxime, 389, 390 LESCHE, Carl, 185 LESKY, Erna, 56, 94, 96 LESSING, Gottlob Ephraim, 107, 497 LETHIAIS, Laurent, 589, 740 LEUBA, John, 85, 162, 455, 466 LEUPOLD-LÖWENTHAL, Harald, 265, 314, 638, 776, 786 LÉVESQUE, Claude, 102, 103, 646 LEVI-BIANCHINI, Marco, 401, 470, 582, 780, 781 LEVILLAIN, Philippe, 107, 370, 470 LEVIN, D.C., 700 LÉVI-STRAUSS, Claude, 28-9, 87, 152, 153, 154, 156, 169, 185, 209, 373, 374, 448, 465, 501,

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índice onomástico

542, 559, 575, 578, 685, 709, 710, 714, 715, 757, 760 LEVITIN, Vladimir, 789 LÉVY, Danièle, 254 LÉVY, François, 114 LEVY, Jacob. Ver MORENO, Jacob Levy LEVY, Moreno Nissim, 523 LÉVY-BRUHL, Lucien, 28, 152, 493 LÉVY-FRIESACHER, Christine, 516 LEWES, Kenneth, 355 LEWIN, Bertram D., 549 LEWIN, Kurt, 173, 328 LEWINTER, Roger, 318 LEWIS, N.D.C., 414 LIBERMAN, David, 36, 78 LICHTENBERG, Georg Christoph von, 112, 114 LICHTHEIM, Anna, 398 LIÉBEAULT, Ambroise Auguste, 61, 62, 75, 335, 339, 475, 735 LIEBEN, Anna von (caso Cäcilie M.), 62, 92, 205, 275, 476, 524 LIEBEN, Ida von, 92 LIEBERMANN, E. James, 98, 123, 146, 355, 383, 384, 418, 641, 644, 782 LIEBERMANN, Herman, 150 LIEBSCHTUZ, Serge. Ver LECLAIRE, Serge LIÉGEOIS, Jules, 62 LIENDO, Cesar, 36 LIMENTANI, Adam, 430 LINDENBERG, Elsa, 653 LINDNER, Gustav Adolf, 330 LINDNER, S., 773 LINDROTH, Sten, 185 LINTON, Ralph, 140, 425 LIPPS, Theodor, 112, 114, 132, 376-7 LIPTON, Samuel D., 465 Liríope, 530 Lisa, caso, 688 LISZT, Franz, 666 LITTLE, Margaret, 135, 639 LITVO, Lucille B., 120 LOBNER, Hans, 789 LOBO MOREIRA DA SILVA, Amílcar, 90, 428, 579 LOCKOT, Regine, 12, 14, 81, 297, 298, 406, 526, 534, 695 LODGE, R. Anthony, 254 LOEWALD, Hans, 476-7 LOEWENSTEIN, Paul, 268 LOEWENSTEIN, Rudolph, 81, 104, 111, 169, 171, 230, 252, 293, 328, 373, 442, 454, 457, 477-8, 529, 679, 685, 686 LOEWI, Hilde, 749 Lohengrin, 439, 668, 669 LOHMAN, Hans Martin, 518, 777

LOMBROSO, Cesare, 137, 139, 331, 400, 402, 419, 606 LONDON, Jack, 633 LONG, Constance, 303 LOPEZ REGA, José, 35 LORAND, Sandor, 100 LORIN, Claude, 235, 354 LORTIE, cabo, 139, 140 LOTHANE, Zvi, 693 LOTI, Pierre, 333 LOVELL, Anne, 201 LOW, Barbara, 165, 303, 489, 602 LÖWENFELD, Leopold, 717 LOWENTHAL, Leo, 12, 499, 578 LOWENTHAL, Uri, 671 LOWIE, R., 30 LOYOLA, Inácio de, 54, 110 Lucy, Miss (caso), 205, 206, 275, 479, 524 LUEGER, Karl, 418 LUÍS DA BAVIERA, 265 LUKACS, Georg, 359, 360 LUQUET, André, 66 LURIA, Aleksandr Romanovitch, 480, 674, 675, 789 LUSSIER, André, 101 LUTERO, Martinho, 179, 517 LUTTENBERGER, Franz, 185 LUXEMBURGO, Rosa, 150 LYOTARD, Jean-François, 722, 724 LYSSENKO, Trofim, 675

M MACALPINE, Ida, 325, 574, 575, 623, 692 Macbeth, Lady (personagem de William SHAKESPEARE), 136, 462 MACCIOCCHI, Maria-Antonietta, 450 MACCULLOGH, Jock, 223 MACH, Ernst, 492 MACHADO DIAS, Magno (dito MDMagno), 91 MACHEREY, Pierre, 246 MACK-BRUNSWICK, Ruth, 18, 74, 151, 198, 239, 257, 289, 290, 346, 459, 481-2, 508, 522, 564, 566, 567, 695, 706, 716 MACKENZIE, Leslie, 303 MACLEAN, George, 358 MACLENNAN, John Fergusson, 757 MACLEOD, Alastair, 101 MACMILLAN, Malcolm, 337 MACPHEDRAN, Marie-Lou, 102 MAEDER, Alphonse, 76, 482 MAERKER-BRANDEN, A.P., 635 MAGNAN, Valentin, 79, 333, 350 MAHLER, Alma-Maria, 483

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índice onomástico MAHLER, Gustav, 311, 312, 313, 482-3, 655 MAHLER, Margaret, 43, 483-4, 610 MAHLER, Maria-Ana (dita Putzi), 483 MAHLER, Paul, 483 MAHONY, Patrick J., 45, 46, 50, 54, 65, 102, 279, 312, 463, 465, 540, 565, 567, 582 MAILLET, Chantal, 159, 160 MAILLOUX, Noël, 100, 102, 111 MAINE, Henry, 575 MAÎTRE, Jacques, 459 MAJOR, René, 3, 36, 66, 102, 238, 253, 290, 297, 390, 420, 429, 521, 616, 663 MALAMOUD, Charles, 370 MALAREWICZ, Jacques-Antoine, 337 MALCOLM, Janet, 59, 65, 699 MALINOWSKI, Bronislaw, 28, 29, 42, 167, 209, 222, 373, 412, 425, 492-4, 664, 665, 759, 760 MALRAUX, Clara, 358 MAN, Hendrik (Henri) De, 54 MANASSEIN, Michel de, 708 MANN, Carla, 495 MANN, Elisabeth, 495 MANN, Erika, 495, 497 MANN, Golo, 495 MANN, Heinrich, 495, 792 MANN, Klaus, 152, 495, 497, 794 MANN, Michael, 495 MANN, Monika, 495 MANN, Thomas, 10, 152, 239, 275, 315, 494-7, 546, 549, 752, 755, 792 MANNHEIMER, Isaac Noah, 255 MANNONI, Maud, 26, 36, 136, 159, 252, 449, 498, 501, 610, 693 MANNONI, Octave, 27, 36, 46, 136, 209, 222, 252, 392, 394, 449, 497-9, 510, 619, 621, 656, 693, 724 MANSON, Irina, 690, 764 MANTEGAZZA, Paolo, 52 MAPELLI, James, 103 MAQUIAVEL, Nicolau, 601 MARAÑON, Gregorio, 290 MARCINOWSKI, Jaroslaw, 499 MARCONDES, Durval, 37, 87, 88, 428, 435, 499, 523, 594, 664 MARCOU, Lilly, 125 MARCUSE, Herbert, 11, 123, 136, 220, 281, 284, 499-500, 534, 739 MARETTE, Philippe, 157 MARETTE, Suzanne, 157 MARIE-JÉSUS, Bruno de, 368 MARINAS, José Miguel, 122, 148, 445, 451, 453 MARINEAU, René, 524, 611 MARINESCU, Gheorghe, 670, 671 MARINI, Marcelle, 169, 451, 621 MARSHACK, Megan, 789

MARTI, Jean, 180, 480, 557, 673, 677, 690 MARTIN, Reginald T., 43 MARTIN DU GARD, Roger, 666, 721 MARTINO, Richard de, 413 MARTINS, Mario, 37, 88 MARTY, Pierre, 624 MARUI, Kiyoyasu, 410, 411, 439, 440 MARX, Karl, 123, 176, 284, 461, 462, 651, 739 MASARIK, Thomas, 92 MASCARENHAS, Eduardo, 579 MASKIN, Meyer, 162 MASOTTA, Oscar, 36, 42, 187, 501-2, 593 MASSIN, Brigitte e Jean, 312 MASSON, André, 447, 448 MASSON, Jeffrey Moussaïeff, 45, 65, 163, 239, 241, 347, 698 MASSON, Rosa, 447 MASSUCCO, Angiola, 677 MASTERS, William H., 702, 703 Mathilde H., caso, 503 Matrona (personagem do caso de Serguei Constantinovitch PANKEJEFF), 564 MATTE-BLANCO, Ignacio, 503 Matthias, Pr. (papel cinematográfico), 678 MAUCO, Georges, 28, 226, 252, 334, 456, 503-4, 638 MAUGER, Jacques, 102, 582 MAURRAS, Charles, 111, 157, 446, 590 MAURY, Alfred, 723 MAURY, Liliane, 324 MAUSS, Marcel, 28, 29, 152, 209, 236, 238, 714, 715, 759 MAYER, Hans, 350, 354 MAYLAN, Charles Emil, 794 MAYREDER, Rosa, 770 MAZARS, Guy, 380 MCDOUGALL, Joyce, 253, 292, 587, 708 MCDOUGALL, William, 613, 736 MCLEOD, Fiona (pseudônimo de Morton PRINCE), 602 MEAD, Margaret, 27, 50, 140, 152, 154, 356, 425, 504-5, 665, 743 Medusa, 645 MEDVEDEV, Roy, 677 MEERWEIN, Fritz, 740 MEIJI, era, 410, 411 MEISEL, Perry, 731, 732, 733, 786 MEISL, Alfred, 606 MEKKING, R.U., 563 MELENDEZ, Lucio, 32 MELLO, Roberto, 580 MELO CARVALHO, Maria Teresa de, 230 MELSHON, Isaias, 88 MELTZER, Donald, 305 MENG, Heinrich, 11, 230, 507-8, 738, 739

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índice onomástico

MENNINGER, Karl, 12, 152, 175, 183, 412, 481, 508-9, 544, 781 MENNINGER, William, 508 MERCADER, Ramon, 174 MEREJKOVSKI, Dmitri Sergueïevitch, 468, 671 MERLEAU-PONTY, Maurice, 55, 246, 294, 448, 501, 616 Merope, 166 MERZBACHER, Luis, 33 MESMER, Franz Anton, 176, 208, 335, 338, 345, 375, 509-10, 624, 627, 685, 737, 794 MESSERSCHMIDT, Franz Xaver, 443 MESSIER, Denis, 111, 114 MEUER-PALMEDO, Ingeborg, 279, 764 MEYER, Adolf, 137, 162, 192, 194, 197, 241, 247, 283, 302, 326, 342, 410, 414, 439, 513-4, 606, 633, 673, 686, 770, 788, 791, 793 MEYER, Conrad Ferdinand, 143, 605 MEYER, Michael, 185 MEYER, Monroe, 198, 199, 283 MEYER, Robert, 227 MEYERHOLD, Vsevolod, 675 MEYERS, Donald Campbell, 99, 514 MEYERSON, Émile, 645, 646 MEYERSON, Ignace, 390, 762 MEYNERT, Theodor, 92, 131, 210, 247, 274, 323, 327, 331, 340, 441, 476, 514-6, 633, 647, 674, 691 MEYSENBUG, Malvida von, 22, 666 MICHAELIS, Edgar, 203 MICHAUD, E., 337 MICHEL, André, 313 MICHELANGELO, 400, 519, 521, 607, 666 MICHELET, Jules, 338 MIGUEL I (rei da Romênia), 670 MIJOLLA, Alain de, 14, 81, 204, 254, 262, 298, 406, 429, 456, 460, 526, 534, 611, 663, 695, 717, 764, 778, 788 MIJOLLA-MELLOR, Sophie de, 611 MIKHALEVITCH, Alexandre, 677 Milady de Winter (personagem de Alexandre DUMAS), 137 MILAN, Betty, 91 MILET, Jean, 737 MILL, John Stuart, 274 MILLER, Alice, 697, 699 MILLER, general, 173 MILLER, Gérard, 301 MILLER, Jacques-Alain, 37, 38, 39, 91, 165, 188, 254, 413, 445, 448, 450, 451, 453, 503, 577 MILLER, Judith, 39, 165, 447, 450, 451, 453, 542 MILLOT, Catherine, 766 MILNER, Jean-Claude, 165, 301, 445, 451, 453, 503, 541, 646 MINCER, Beata (dita Tola). Ver RANK, Tola

MINELLI, Vincente, 200 MINKOWSKA, Françoise, 516 MINKOWSKI, Eugène, 10, 19, 68, 190, 192, 251, 516, 524 MINOIS, Georges, 742 MIQUÉIAS, 519 MIRA Y LOPEZ, Emilio, 186 Miss Lucy, caso. Ver Lucy, Miss MITCHELL, John Kearsley, 583 MITCHELL, Juliet, 135, 156, 222 MITSCHERLICH, Alexander, 10, 13, 272, 318, 341, 516-8, 624, 761 MITSCHERLICH, Eilhard, 516 MITSCHERLICH, Harbord, 516 MITSCHERLICH, Margarete, 517, 518 MODENA, Gustavo, 401 MOEBIUS, Paul Julius, 337, 541 MOELLENHOFF, Fritz, 679 Moisés, 2, 225, 226, 255, 275, 278, 367, 368, 370, 389, 420, 439, 467, 512, 513, 518-21, 607, 608, 666, 668, 669, 756, 763 MOLIÈRE (Jean-Baptiste POQUELIN), 112 MOLL, Albert, 167, 471, 475, 522, 702, 773 MOLNAR, Michael, 255, 257, 261, 265, 267, 268, 269, 270, 278, 279, 326, 350, 414, 440, 459, 558, 601, 679, 717, 789 MOLONEY, James Clark, 413 Mona Lisa, 467, 469 MONCHY, René De, 21, 184, 522-3, 460, 556, 562 MONETTE, Lise, 102 MONEY KYRLE, R.E., 434 MONIZ, Egas, 192 MONNIER, Adrienne, 446 MONOD-HERZEN, Édouard, 667 MONROE, Marilyn, 200, 444 MONTANDON, Georges, 28, 504 MONTESSORI, Maria, 60, 63, 178, 259, 459, 523, 727 Montiela (personagem de CERVANTES), 713 MONTRELAY, Michèle, 155, 156, 301, 533, 549, 580 MOOIJ, A.W.N., 563 MOORE, M.D. viii, 148 MOORE, Nigel, 185, 523 MORAVIA, Alberto, 247 MORDIER, Jean-Pierre, 254, 482 MOREAU, Pierre-François, 281, 295, 378, 568 MOREAU-RICAUD, Michelle, 174, 361, 498 MOREIRA, Juliano, 86, 87, 523, 594, 641 MOREL, Bénédict-Augustin, 189, 350 MOREL, Pierre, 44, 62, 69, 80, 96, 174, 219, 247, 320, 337, 441, 475, 677, 747 MORENO, Jacob Levy, 294, 523-4, 611, 625 MORGAN, Lewis Henry, 373, 575, 578, 757

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índice onomástico MORGENSTERN, Sophie, 1, 40, 158, 251, 252, 524, 609, 610 MORGENTHALER, Fritz, 739, 740 MORICHAUT-BEAUCHANT, Pierre Ernest, 250 MORPURGO, Enzo, 220, 404 MORSELLI, Enrico, 33, 57, 402, 419, 701, 780 MOSCOVICI, Marie, 324 MOSCOVICI, Serge, 125, 254, 737 MOSER, Fanny (caso Emmy von N.), 21, 107, 131, 178, 205, 275, 524-5 MOSER, Fanny (filha), 525 MOSER, Mentona, 525 MOUCHET, Enrique, 33 MOUSSEAU, Jacques, 281, 295, 378, 568 MOZART, Wolfgang Amadeus, 509 MUCCHIELLI, Laurent, 140 MUENSTERBERGER, Werner, 30 MÜHLLEITNER, Elke, viii, 63, 66, 98, 230, 282, 313, 329, 348, 414, 429, 444, 459, 484, 499, 661, 679, 687, 720, 729, 730, 735, 748, 777, 786, 787, 789 MÜLLER, Catherine Élise, 188, 241-2, 583, 684 MÜLLER, Fritz, 323 MÜLLER, Johannes Peter, 95, 322, 323, 329, 330 MÜLLER, John P., 451, 711 MÜLLER, Josine, 151, 706 MÜLLER, Karl Alexander von, 517 MÜLLER, Max, 738 MÜLLER-BRAUNSCHWEIG, Carl, 12, 13, 80, 81, 183, 187, 297, 298, 406, 417, 427, 526, 661, 694, 695, 775 MULTATULI (pseudônimo de Edward Douwes DEKKER), 561 MUNCH, Edvard, 181 MUNOZ, Maria Luisa, 188 MURRAY, A., 602 MUSATTI, Cesare, 57, 247, 402, 403, 526-7, 582, 701, 762, 780 MUSATTI DE MARCHI, Silvia, 57 MUSIL, Robert, 775, 776 MUSSOLINI, Benito, 229, 360, 779, 781 MUTHMANN, Arthur, 10 M’UZAN, Michel de, 6, 253, 467, 490, 624, 683 MYERS, Frederick, 188, 241, 302, 407, 528, 724, 732, 752

N NACHT, Sacha, 40, 85, 251, 252, 448, 456, 457, 477, 529, 638 NÄCKE, Paul, 530, 770 NADEAU, Maurice, 125, 254 NAESGAARD, Sigurd, 181, 184, 529-30, 734, 748 NANCY, Jean-Luc, 337, 711

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Nania (governanta de Serguei Constantinovitch PANKEJEFF), 564, 565 NAPOLEÃO I, 52, 81, 255, 414 NAPOLEÃO III, 109 NAPOLITANI, Diego, 220, 404 Narciso, 168, 436, 530, 533 NARJANI, A.E. (pseudônimo de Marie BONAPARTE), 81, 83 NASIO, Juan-David, 501 NASSIF, Jacques, 62, 135, 337, 378, 406 NATHAN, Marcel, 111 NATHAN, Tobie, 153 NATHANSON, Amalia. Ver FREUD, Amalia NAVARRO, Allende, 503 NEIDISCH, Sara, 673 NEL DUMOUCHEL, Yvonne, 16 NEMECZEK, capitão, 463 NEMES, Livia, 361 Nêmesis, 530 NEUBAUER, Peter B., 226, 324, 699 NEUMAN, Justin, 670 NEUMANN, Élisabeth, 60 NEUMANN, Heinrich Wilhelm, 628 NEWTON, Isaac, 509, 227 NICOLL, Maurice, 303 NIEKISCH, Ernst, 517 NIELSEN, Margarete, 517. Ver MITSCHERLICH, Margarete NIEMETZ, Serge, 794 NIETZSCHE, Friedrich, 22, 23, 24, 67, 76, 175, 221, 317, 348, 375, 488, 495, 496, 628, 642, 643, 647, 666, 723 NILSSON, Ingemar, 77 NIN, Anaïs, 16, 643 NIN, Joaquin, 16, 643 NITZSCHKE, Bernd, 712 NIZAN, Paul, 446, 456 NOBÉCOURT, Jacques, 405, 420, 727 NOBLE, Douglas, 100 NOGUEIRA, Luiz Carlos, 91 NOLIN, Bertil, 185 NORA, Pierre, 204 NORDAU, Max, 331, 332 NOTHNAGEL, Hermann, 229, 274, 275, 514, 543 NOVALIS, Friedrich, 488, 496 NOVELLETTO, Arnaldo, 289, 405, 583, 701, 782 NUMANTIUS, Numa (pseudônimo de Carl Heinrich ULRICHS), 351, 354 NUNBERG, Hermann, 7, 18, 66, 229, 240, 241, 293, 398, 482, 549, 642, 644, 654, 661, 693, 720, 739, 742 NUNBERG, Margarethe, 239, 240, 398, 549, 661 NUNEZ, Molina, 187

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índice onomástico

O OAKESHOTT, Edna, 48 OBERHOLZER, Emil, 550, 589, 671, 685, 737, 738, 739 OBERHOLZER-GINGBURG, Mira, 550 OBERNDORF, Clarence Paul, 95, 198, 201, 229, 283, 383, 550 OBHOLZER, Karin, 567 ODIER, Charles, 14, 50, 104, 251, 368, 477, 490, 555, 685, 739 Oesterline (paciente de Franz Anton MESMER), 509 OGILVIE, Bertrand, 195, 371, 451, 742 ÖHM, Aurelia (caso Katharina), 204, 205, 206, 207, 275, 426, 524, 555-6 OKONOGI, Keigo, 412, 413, 440, 558 OLIVEIRA LIMA, Denise de, 641 OLLENDORF-REICH, Ilse, 653, 654 ONGANIA, general, 501 OPHUIJSEN, Johan H.W. VAN, 177, 241, 460, 522, 556, 561-3 OPPENHEIMER, Agnès, 213, 436, 438, 700, 731 OPPENHEIMER, David Ernst, 8 OPPENHEIMER, Franz, 454 OPPENHEIMER, Hermann, 10, 302, 537 OPPOLZER, Johann, 93 ORAISON, Marc, 368-9, 370 ORLANDO, Vittorio Emanuele, 590 ORTEGA Y GASSET, José, 33, 186, 556-7, 760 ORTIGUES, Edmond e Cecile, 209 ORTLIEB, Gilles, 177 OSÉIAS, 519 O’SHAUGHNESSY, E., 434 OSSIPOV, Nikolai Ievgrafovitch, 161, 557-8, 674, 675 OTSUKI, Kenji, 410, 411, 558 OURY, Jean. 320, 626 OURY-PULLIERO, Yannick, 321 OUTUBRO (Grupo), 447 OVÍDIO, 530 OVTCHARENKO, Victor Ivanovitch, 727 OWEN, Miss (governanta de Serguei Constantinovitch PANKEJEFF), 564, 565 OWEN, Morfydd, 417 P PABST, Wilhelm, 678 PAIKIN, Henning, 185, 530 PALACIO, Jaime del, 462 PALMIER, Jean-Michel, 361, 497, 677 PALMSTIERNA, Vera, 184, 522 PALOS, Elma, 233 PALOS, Gizella, 233

PALOS, Magda, 233 PANKEJEFF, Anna, 564 PANKEJEFF, Nicolau, 564 PANKEJEFF, Pedro, 564 PANKEJEFF, Serguei Constantinovitch (caso Homem dos Lobos), 50, 108, 151, 244, 246, 273, 289, 389, 445, 463, 464, 472, 481, 564-7, 604, 621, 674, 691, 704, 776 PANOFF, Michel, 494 PANOFSKY, Erwin, 505, 507 PAPADIMA, Eugen, 670 PAPAFAVA, Novello, 57 PAPIN, as irmãs, 139, 140, 446, 574 PAPPENHEIM, Bertha (caso Anna O.), 26, 30, 50, 93, 94, 108, 116, 200, 204, 205, 224, 275, 341, 444, 524, 525, 568-72, 603, 725, 767 PAQUET, Alfons, 12 PARADIS, Maria-Theresia, 510 PARCHEMINEY, Georges, 85, 251, 524 PARIN, Paul, 739 PARIN-MATTHEY, Goldy, 739, 740 Páris, 668, 669 PARKIN, Alan, 103, 119, 295, 514, 717 Parsifal, 669 PASCAL, Blaise, 375, 560 PASKAUSKAS, Andrew R., 103, 306, 418 PASSOS, A., 52, 523 PATAI, Raphael, 665 PAULO, são, 520 PAULO VI, papa, 367, 369 PAVLOV, Ivan Petrovitch, 124, 673, 675, 679 PAYNE, Sylvia, 303, 315, 661, 732 PEDRO I (imperador do Brasil), 86 PEDRO II (imperador do Brasil), 86 PEDRO DA GRÉCIA, 373 PÉGUY, Charles, 667, 668 PELLEGRINO, Hélio, 162, 426, 428, 579-80 PENOT, Bernard, 746 Pequeno Hans, caso. Ver GRAF, Herbert PERALDI, François, 66, 102, 111, 159, 160, 355, 580-2 PERCHEMINIER, Colette, 160 PERESTRELLO, Marialzira, 88, 92, 523, 594, 641, 653, 664 PERLS, Frederick, 294, 462 PERÓN, Eva Duarte, 34, 462 PERÓN, Isabelita, 35 PERÓN, Juan, 34, 35, 462 PERRAULT, Gilles, 661, 663 PERRIER, François, 41, 82, 158, 164, 165, 237, 238, 252, 253, 300, 301, 449, 450, 466, 577, 582, 586, 587 PERRON, Roger, 226 PERROT, Michelle, 609, 611

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índice onomástico PERROTTI, Nicola, 402, 403, 527, 548, 582-3, 701, 780 PERRY, Helen S., 744 PÉTAIN, Philippe, 222 PETER, H.F., 25 PETERS, H.G., 22, 23, 24, 76 PETO, Andrew, 42 PETOFI, Sandor, 359 PETRARCA, 496 PEWZNER, Evelyne, 540 PFEIFER, Zsigmond, 360, 361 PFENNIG, Richard, 747 PFISTER, Oskar, 76, 115, 175, 183, 272, 278, 287, 288, 317, 326, 369, 485, 489, 514, 550, 588-9, 607, 609, 671, 685, 687, 733, 737, 738, 740, 791, 792 PHILIPP, Emilie, 265 PHILIPPSOHN, Ludwig, 263, 271 PHILIPS, Frank Julien, 88 PIAGET, Jean, 551, 641, 726, 738 PICHLER, Hans, 277 PICHON, Édouard, 81, 145, 158, 245, 246, 249, 251, 328, 333, 334, 409, 446, 454, 455, 477, 590-2, 721, 762, 763 PICHON, Étienne, 591 PICHON-RIVIÈRE, Enrique, 1, 33, 34, 36, 78, 104, 291, 461, 501, 592-3, 644 PICHOT, Pierre, 142 PICHT, Carl, 50 PIEL, Jean, 447 PIEL, Simone, 447 PIGEAUD, Jackie, 479, 507, 623 Piggle, a Pequena (caso), 784. Ver WINNICOTT, Donald Woods PIGNARRE, Philippe, 627 PINE, Fred, 484 PINEL, Philippe, 32, 78, 80, 86, 110, 180, 196, 208, 249, 301, 339, 535, 609, 624, 627, 674 PINEL, Scipion, 249 PINELES, Friedrich, 23 PINES, Malcolm, 98, 119 PINGSHEIM, Katja, 495 PINGUET, Maurice, 411, 413, 742 PINHEIRO, Teresa, 335 PINK, Annie. Ver REICH-RUBINSTEIN, Annie PINOCHET UGARTE, Augusto, 35 PIO IX, papa, 92 PIO XII, papa, 367, 368, 369, 403 PIRON, Herman, 55 PISCATOR, Erwin, 60, 447 PITRES, Albert, 333 PIZARRO CRESPO, Emilio, 36 PLATÃO, 71, 134, 164, 338, 341, 353, 453, 552, 769 PLAUT, Fred, 424

855

PLÉ, Albert, 368, 369 PLEVITSKAIA, Nadezhda, 172, 173, 174 PLON, Michel, 160, 281, 332, 420, 605, 616, 711, 737 PLOTKIN, Mariano Ben, 37 POE, Edgar, 82, 83, 608, 658, 710, 711 POIRIER, Jean, 30 POIZAT, Michel, 107 Políbio, 166 POLITZER, Georges, 78, 125, 250, 501 POLLAK, Michael, 77 POLLOCK, Georges, 571, 572 POLON, Albert, 283 PONCE, Annibal, 33 PONTALIS, Jean-Bertrand, 31, 145, 164, 114, 116, 213, 252, 273, 383, 397, 430, 449, 456, 469, 582, 590, 595, 605, 615, 616, 632, 636, 638, 722, 724. Ver LAPLANCHE, Jean POPESCU-SIBIU, Ioan, 593-4, 670 POPPER, Emil, 242 POPPER, Gisela, 242 POPPER, Karl, 390, 605 PORGE, Erik, 74, 204, 241, 699, 747 PORTILLO, Ramón del, 187 PORTILLO, Ronald, 232 PORTO-CARRERO, Júlio Pires, 86, 594 POSSE, Frederick, 75 POSSE, Gunhild, 75 POSTEL, Jacques, 44, 80, 192, 306, 337, 441, 442, 479, 514, 516, 536, 575, 602, 623, 627 PÖTZL, Otto, 523 POUILLON, Jean, 238 POULAIN DE LA BARRE, François, 707 POUND, Ezra, 161 PRADO DE OLIVEIRA, Luis Eduardo, 315, 693, 575 PRADOS, Miguel, 67, 100, 101, 103, 111, 596 PRAGIER, Georges, 746 PRANGISHVILI, A.S., 677 PRAPER, Theodor, 174 PRATER, Donald, 794 PREDA, Gheorghe, 669 PREISWERK, Emilie, 421, 598 PREISWERK, Hélène (caso S.W.), 188, 242, 421, 597-8, 725 PREISWERK, Louise, 598 PREISWERK, Rudolf, 598 PREISWERK, Samuel, 421, 598 PRESTRELLO, Danilo, 88 PRÉVERT, Jacques, 447 PRÉVERT, Pierre, 447 PRÉVOST, Claude M., 409 Príamo, 669 PRINCE, Morton, 136, 196, 197, 241, 601-2, 673 PRINZHORN, Hans, 191, 192

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índice onomástico

PROCTER-GREGG, Nancy, 354, 635 PROSNITZ, Wilma. Ver KOVACS, Wilma Próspero (personagem de SHAKESPEARE), 497, 498 PROUST, Marcel, 51, 350 PUCHKIN, Alexandre Sergueievitch, 179, 557 PULMAN, Bertrand, 30, 494, 760 PUMPIAN-MINDLIN, Eugène, 179 PUSKAS, Daniel, 582 PUTNAM, James Jackson, 95, 99, 100, 103, 197, 201, 276, 327, 360, 385, 414, 513, 601, 602, 633-4, 673, 770, 782 PUYSÉGUR, Armand de, 62, 335, 336, 475, 624 Q QUALCKELBEEN, J., 693 QUEN, Jacques M., 201 QUENEAU, Raymond, 250, 447 QUÉTEL, Claude, 80, 306, 514, 623 QUINN, Susan, 356, 791 QUINTAVALLE, Giorgio, 248 R RABAIN, Jean-François, 611 RACE, Victor, 335 RACKER, Heinrich, 37, 639 RADANOWICZ-HARTMANN, Editha von. Ver STERBA, Editha RADO, Emmy, 639 RADO, Sandor, 1, 62, 151, 173, 199, 231, 234, 327, 332, 356, 359, 426, 639-40, 643, 652, 694 RAGEAU, Jean-Pierre, 344 RAGLAND-SULLIVAN, Ellie, 634 RAIGORODSKY, Mirra Jacovleina, 172 RAIMBAULT, Ginette, 41, 48, 49, 253, 383, 483, 611 RAKNES, Ola, 183, 640-1 RAMANA, C.V., 85, 381 RAMBERT, Madeleine, 641, 737 RAMNOUX, Clémence, 169 RAMOS DE ARAÚJO PEREIRA, Arthur, 86, 641 RANCHETTI, Michele, 405, 528, 764, 782 RAND, Nicolas, 145, 263, 397, 608 RANK, Otto, 2, 7, 16, 18, 97, 106, 107, 118, 122, 172, 195, 213, 234, 235, 242, 251, 259, 276, 277, 282, 292, 293, 345, 353, 355, 372, 382, 383, 399, 414, 415, 418, 422, 436, 439, 547, 549, 606, 607, 618, 641-4, 647, 664, 668, 669, 674, 694, 719, 727, 754, 782 RANK, Tola, 642, 644 RAPAPORT, David, 169 RAPPEN, Ulrich, 358

RASCOVSKY, Arnaldo, 1, 33-4, 104, 291, 592, 644 RASCOVSKY, Luis, 33, 592, 644 RAUSCHENBACH-JUNG, Emma, 67, 421 RAUZY, Alain, 467, 484, 543, 613, 635 RAY, Nicholas, 200 RAYER, Pierre, 109 RAYMOND, Fulgence, 119 RAYMOND, Janice, 766 RAYNER, Eric, 86, 220, 297, 306, 379, 554, 661 REDGRAVE, Vanessa, 289 RÉE, Paul, 22, 23, 24 REED, Gail S., 201 REED, John, 598 REES, John, 304, 305 REETH, Claude van, 135 REGER, Max, 666 RÉGIS, Emmanuel, 334, 335 REGNARD, Paul. Ver BOURNEVILLE, Désiré-Magloire REGNAULT, François, 165 REICH, Eva, 653 REICH, Léon, 651 REICH, Lore, 653 REICH, Peter, 653 REICH, Wilhelm, 10, 11, 12, 118, 123, 181, 182, 183, 185, 191, 195, 220, 231, 251, 277, 278, 281, 284, 293, 294, 315, 320, 322, 345, 356, 415, 428, 462, 474, 530, 535, 639, 640, 650-4, 687, 688, 690, 697, 702, 734, 751, 790 REICHMANN, Frieda. Ver FROMMREICHMANN, Frieda REICHMAYER, Johannes, 61 REICH-RUBINSTEIN, Annie, 135, 161, 230, 231, 653, 654-5 REIK, Theodor, 97, 114, 198, 278, 284, 290, 293, 328, 435, 556, 562, 618, 635, 636, 637, 638, 655, 667, 679, 774 REINHOLD, Josef, 150 REITLER, Rudolf, 276, 719, 728 REITMAN, Ben, 116 REIZES, Emmanuel, 431 REIZES, Libussa, 431, 433 REIZES, Melanie. Ver KLEIN, Melanie RELANDER, Konrad, 181 RENARD, Élizabeth, 121 Renée, caso. Ver DUESS, Luisa RENOIR, Jean, 447, 591 REUCHLIN, Maurice, 612 REVAULT D’ALLONNES, Myriam, 616 REVERCHON-JOUVE, Blanche, 250, 762, 770 REVESZ, Erzsebet, 332, 360, 639 REY, Jean-Michel, 204, 248, 548, 754, 755 REY, Pierre, 451 REY DE CASTRO, Alvaro, 37, 272 REYNAUD, Paul, 600

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índice onomástico REYNOLDS, Mary (caso de personalidade múltipla), 583 RIBOT, Théodule, 28, 250, 406, 583, 602, 612 RICHARD, Lionel, 497 RICHARD, Robert, 582 RICHARDS, Angela, 272, 279, 763 RICHARDSON, William, 451, 581, 711 RICHELIEU, Armand Jean DU PLESSIS (cardeal de), 345 RICHER, Paul, 110 RICHET, Charles, 188, 407 RICHTOFEN, Else, 319 RICHTOFEN, Frieda, 319 RICKMAN, John, 13, 48, 70, 81, 296, 301, 303, 315, 427, 429, 526, 537, 637, 660-1 RICOEUR, Paul, 68, 390 RIE, Margarethe, 398. Ver NUNBERG, Margarethe RIE, Marianne, 398. Ver KRIS, Marianne RIE, Melanie, 493 RIE, Oskar, 240, 398, 413, 443, 481, 549, 661 RIEGER, Conrad, 105 RIFFLET-LEMAIRE, Anika, 378 RIKLIN, Franz, 661, 694 RILKE, Rainer Maria, 22, 23, 24, 104, 793 RIMBAUD, Arthur, 26, 177, 249, 458, 593 RITTMEISTER, John, 13, 298, 407, 428, 661-3 RITVO, Lucille B., 96, 323, 324, 516, 760 RITZ, Jean-Jacques, 114 RIVERS, Williams, 27, 30, 493 RIVET, Paul, 28 RIVIÈRE, Jacques, 250, 667, 721 RIVIERE, Joan, 85, 126, 213, 303, 304, 306, 399, 434, 459, 490, 610, 663-4, 784 RIVIÈRE, Pierre, 139, 140 RIZZO, Francis, 307 ROAZEN, Paul, 95, 150, 151, 179, 267, 268, 270, 283, 346, 348, 349, 358, 482, 640, 687, 712, 729, 749, 782 ROBERT-FLEURY, Tony, 110 ROBERT, François, 146, 148, 174, 762, 764, 800 ROBERT, Marthe, 420, 521, 792 ROBERT, Robert Coles, 179 ROBESPIERRE, Maximilien de, 249 ROBIN, Régine, 581 ROBINSON, Paul, 500 ROBOZ, Vera, 42 ROBSON-SCOTT, W.D., 287 ROCH, M., 740 ROCHA, Francisco Franco da, 87, 435, 499, 664 ROCHA, Gilberto S., 641 ROCHEBLAVE-SPENLÉ, A.-M., 737 RODRIGUÉ, Emilio, 1, 34, 91, 501 RODRIGUES, Nelson, 579 ROGER, Jacques, 324 ROGERS, Carl, 625

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ROGOW, Arnold, 53 ROHEIM, Geza, 26, 27, 42, 151, 152, 167, 200, 207, 209, 222, 232, 234, 324-5, 359, 360, 373, 425, 494, 500, 504, 584, 664-6, 679, 760 ROHEIM, Llonka, 664 ROKACH, Maria, 260 ROKITANSKY, Karl, 93, 514, 543 ROLLAND, Romain, 203, 250, 255, 272, 287, 288, 312, 490, 492, 613, 666-8, 792 ROMAINS, Jules, 666 ROMM, May E., 95 Rômulo, 668 RONDEAU, Joseph-Marie, 213 ROOSEVELT, Theodore, 600, 782 RORSCHACH, Hermann, 221, 236, 516, 550, 589, 671-2, 685, 737, 738, 791 RORSCHACH, Olga, 671 Rosalie H., caso, 205, 206, 275, 672 ROSE, Jacqueline, 156, 681 ROSEN, John, 700, 739 ROSENBACH, Emil, 150 ROSENBACH, Gizela, 150 ROSENBACH, Regina, 150 ROSENBERG, Hans, 718 ROSENBERG-KATAN, Anny, 564 ROSENBLUM, Eva, 457 ROSENFELD, Eva, 178, 259, 321 ROSENFELD, Herbert, 89, 190, 306, 672 ROSENFELD, Otto. Ver RANK, Otto ROSENFELD, Simon, 641 ROSENTHAL, Ludovico, 761, 762 ROSENTHAL, Tatiana, 609, 672-3, 674, 689, 741 ROSOLATO, Guy, 2, 145, 148, 236, 238, 533, 548, 577, 586, 587, 608, 693, 760 ROSS, Dorothy, 199, 327 ROTH, Joseph, 67, 69, 463, 775, 776 ROTH, Pr., 753 ROTHSCHILD, barão de, 113 ROUDINESCO, Alexandre, 40 ROUDINESCO, Élisabeth, 1, 3, 16, 18, 30, 31, 41, 47, 59, 62, 65, 69, 83, 85, 110, 117, 119, 120, 121, 125, 136, 146, 149, 160, 174, 195, 201, 204, 213, 219, 226, 228, 246, 254, 265, 267, 281, 306, 321, 328, 332, 334, 337, 341, 344, 347, 366, 370, 371, 378, 387, 397, 398, 409, 413, 444, 445, 451, 453, 455, 456, 457, 462, 465, 467, 478, 479, 503, 504, 507, 513, 516, 524, 529, 541, 543, 555, 572, 575, 577, 582, 588, 592, 593, 612, 616, 626, 638, 646, 654, 668, 677, 685, 686, 690, 693, 696, 708, 711, 720, 721, 724, 752, 755, 770 ROUQUIÉ, Alain, 37, 92 ROUSSEAU-DUJARDIN, Jacqueline, 54 ROUSSEL, Raymond, 67, 408 ROUSTANG, François, 318, 337, 451, 646, 763

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice onomástico

ROYCE, Josiah, 197, 601, 633, 673 ROYER, Pierre, 41, 48 RUBENS, Petrus Paulus, 110 RUBINSTEIN, Arnold, 654 RUDDICK, Bruce, 101 RUDNYTSKY, Peter L., 311, 312 RUHS, August, 776 RUKERL, Adalbert. Ver KOGON, Eugen RUPP-EISENREICH, Britta, 324 RUSH, Benjamin, 196, 197, 249, 301, 627 RUTTER, M., 44 RYAN, Edward, 99, 514 RYCROFT, Charles, viii, 148, 244, 281, 305, 458

S SAADA, Denise, 529 SABA, Umberto, 779 SABLIK, Karl, 748 SABORSKY, Rosa, 463 SACCO E VANZETTI, 289 SACHER-MASOCH, Leopold, 501, 683, 703 SACHER-MASOCH, Wanda, 684 SACHS, Anna, 713 SACHS, Hanns, 2, 11, 14, 40, 47, 57, 60, 122, 276, 282, 284, 293, 327, 355, 459, 477, 508, 526, 607, 618, 644, 678-9, 684, 688, 708, 716, 738, 739 SACHS, Wulf, 27, 342, 679-81, 730 SACRISTAN, Miguel, 290 SADE, Donatien Alphonse François (conde de; dito marquês de), 221, 300, 301, 354, 441, 472, 586, 681, 684 SADGER, Isidor, 276, 352, 357, 472, 530, 531, 606, 681, 694, 719, 786 SADOUL, G., 143 SAFO, 351 SAFOUAN, Moustapha, 18, 61, 91, 135, 169, 174, 252, 449, 571, 572, 577, 708, 731, 747 SAHLEANU, Victor, 670 SAINT DENYS, marquês Hervey de, 723 SAINT-GIRONS, Baldine, 735 SAINT-JARRE, Chantal, 582 SAINT-SIMON, Louis DE ROUVROY (duque de), 345 SAJNER, Josef, 263, 264, 271 SAKEL, Manfred, 192, 788 SAKKAÏ, Hochanaan, 775 SALAN, Raoul, 222 SALAZAR, Antonio de Oliveira, 187 SALOMON, Anne, 60 SAMUELS, Andrew, 424 SANCHEZ-GARNICA, J.M. Gomez, 291 SANDLER, Joseph, 25, 260, 366, 603

SANDOR, Vera, 670 Santana (da Vinci), 469, 470 SANZ, Enrique Fernandez, 186 SAPIR, Edward, 425, 743, 744 SARASIN, Philipp, 641, 684-5, 737, 739 SARDAN, Olivier de, 426 SARDOU, Victorien, 274 SARGANT, Mary, 731 SARGANT, Philip, 731 SARGANT-FLORENCE, Alix. Ver STRACHEY, Alix SARTRE, Jean-Paul. 19, 46, 200, 201, 240, 265, 444, 456, 498, 501, 516, 699 SASAKI, Tagatsuku, 412, 413 Saturno, 506, 507 SAUL, Léon J., 15 SAUSSURE, Ferdinand de, 29, 241, 684, 686, 696, 708, 709, 711, 714, 715 SAUSSURE, Henri de, 684 SAUSSURE, Horace Bénédict de, 684 SAUSSURE, Raymond de, 14, 62, 81, 111, 241, 242, 251, 328, 337, 477, 555, 589, 625, 684-6, 696, 716, 737, 738, 739 SAUVERZAC, Jean-François de, 160 SAXL, Fritz. Ver PANOFSKY, Erwin SAYERS, Janet, 356, 640 SCHAPIRO, Meyer, 469, 470 SCHEFTEL, Pavel Naoumovitch, 726 SCHEIDHAUER, Marcel, 482, 724 SCHELLING, Wilhelm von, 210, 375, 723 SCHERNER, Karl Albert, 723 SCHIFF, Paul, 104, 456, 516, 686 SCHILDER, Paul, 70, 158, 294, 370, 430, 686-7, 735, 788 SCHILLER, Max, 321 SCHILLER-MARMOREK, Hilda, 52 SCHINDLER, Alma-Maria. Ver MAHLER, Alma-Maria SCHINDLER, Raoul, 105, 777 SCHJELDERUP, Harald, 182, 183, 184, 444, 529, 640, 652, 687-8, 734, 748 SCHJELDERUP, Kristian, 181, 687 SCHLOFFER, Frieda, 319 SCHLUMBERGER, Marc, 111, 152 SCHMIDEBERG, Melitta, 170, 295, 304, 306, 314, 315, 433, 434, 688-9, 708, 783 SCHMIDEBERG, Walter, 433, 689, 688 SCHMIDT, Joël, 533 SCHMIDT, Otto, 179, 674, 675, 689, 690, 789 SCHMIDT, Vera, 179, 557, 652, 673, 674, 675, 689-90, 726, 789 SCHMIDT, Wilhelm, 28, 367, 368, 370, 402 SCHNAIDERMAN, Regina, 88 SCHNEIDER, Ernst, 791 SCHNEIDER, Michel, 320, 638, 719, 720

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índice onomástico SCHNITZLER, Arthur, 51, 613, 690-1, 775, 793 SCHOENERER, Georg von, 418 SCHÖNBAUER, L., 778 SCHÖNBERG, Arnold, 311, 793 SCHÖNBERG, Ignaz, 58 SCHOPENHAUER, Arthur, 175, 348, 375, 485, 488, 495, 496, 497, 546, 547, 602, 642, 647, 662, 723 SCHOPLER, E. Ver RUTTER, M. SCHOPP, Georges, 638 SCHORSKE, Carl, 255, 265, 272, 279, 346, 347, 420, 442, 616, 775, 777, 794 SCHOTTE, Jacques, 55, 747 SCHÖTTLER, Peter, 179 SCHREBER, Daniel Gottlieb Moritz, 691, 693 SCHREBER, Daniel Paul, 72, 190, 246, 273, 325, 445, 470, 559, 573, 574, 604, 621, 646, 691-3 SCHREIBER, Sophie, 255 SCHREINER, Olive, 176 SCHRÖTER, Michael, 716 SCHUBERT, Gothulf Heinrich von, 488, 723 SCHUBERT, Franz, 348 SCHULT-VENRATH, Ulrich, 716 SCHULTZ, Johannes Heinrich, 13, 298, 336, 625, 695 SCHULTZ-HENCKE, Harald, 12, 13, 80, 297, 298, 426, 428, 526, 625, 661, 662, 694-5 SCHULZE-BOYSEN, Harro, 662 SCHUR, Max, 59, 126, 150, 163, 164, 239, 263, 264, 272, 277, 278, 279, 326, 346, 347, 481, 485, 490, 497, 600, 601, 695-6 SCHWAG, Sophie, 325 SCHWARZ, Paul, 670 SCHWARZWALD, Frau, 612 SCHWENINGER, Ernst, 316 SCOTT, Joan, 293 SEARL, Nina, 85 SEARLE, John R., 293 SEARLES, Harold, 83, 134, 135 SEBEK, Michael, 161, 322 SEBRELI, José, 501 SECHEHAYE, Albert, 684, 696 SECHEHAYE, Marguerite, 190, 696 SÉDAT, Jacques, 365 SEGAL, Hanna, 306, 398, 431, 434, 462, 551, 595, 610, 672 SEGAL, Naomi, 103 SEGANTINI, Giovanni, 2 SEGHERS, Anna, 792 SÉGLAS, Jules, 572, 574 SEGOND, Pierre, 262, 270 SEGOVIA, Tomas, 502 SEIDMANN, Jacob, 265 SELESNICK, S.T., 623 SELIGMAN, Charles, 27, 30, 493, 494

859

SELLIN, Ernst, 519, 521 SELZER, Michael A., 83 SEMI, Antonio Alberto, 289, 528 SEMMELWEIS, Philippe Ignace, 232 SENIK, André, 160 SERBSKI, Wladimir Petrovitch, 179, 557, 674, 676, 790 SERENUS (pseudônimo de Wilhelm STEKEL), 729 SERSON, Joan Moivat, 178 SERVADIO, Emilio, 289, 402, 403, 527, 701, 781 SETCHENOV, Ivan Mikhailovitch, 673 SEVE, Lucien, 125 SÉVÉRIN, Gérard, 159 SHAKESPEARE, William, 136, 176, 275, 497, 560, 666, 667, 708, 758 SHAMDASANI, Sonu, 424 SHARPE, Freeman Ella, 85, 303, 315, 379, 429, 688, 708 SHARPLEY-WHITING, T. Denean, 223 SHELLEY, Mary, 289, 653 SHEROZIA, A.E., 677 SHEVRIN, Howard, 126 SHIELDS, Clarence, 97 SHORTER, Bani, 424 SHORTER, Edward, 720 SHRENGER, Wanda, 779 SICHERE, Bernard, 445, 451 SIGNORELLI, Luca, 618, 619 SILBERER, Herbert, 712, 734, 741 SILBERER, Viktor, 712 SILBERSTEIN, Eduard, 92, 242, 272, 273, 290, 557, 712-4 SILBERSTEIN, Theodora, 713 SÍMILE-FREUD (apelido de Theodor REIK), 655 SIMMEL, Ernst, 1, 10, 11, 57, 172, 199, 231, 297, 427, 508, 509, 598, 715-7 SIMMEL, Georg, 626 SINHA, T.C., 85, 381 SIXTO IV, papa, 470 SKOBLINE, Nicolas, 173 SKODA, Josef, 93 SLIGHT, David, 100, 717 SMITH, Harry, 731 SMITH, Preserved, 179 SMITH, Watson, 303 SMITH, William Robertson, 27, 758, 760 SÓCRATES, 164, 769 SÓFOCLES, 45, 168, 169, 275, 465, 605, 758 SOKOLNICKA, Eugénie, 80, 119, 234, 251-2, 454, 477, 524, 590, 609, 610, 721-2, 741 SOLLERS, Philippe, 156, 253, 254, 301, 684 SOLMI, Edmondo, 468 SOLMS, Hugo, 312

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índice onomástico

SOLMS-RÖDELHEIM, Wilhelm, 104, 564, 567, 776, 786 SOLNIT, Albert J., 18, 226, 324, 699 SOMVILLE, Pierre, 108 SOUBRENIE, Dominique, 358 SOUPAULT, Philippe, 251 SOURY, Pierre, 541 SOUSTELLE, Jacques, 104 SOUZA, Edson Luiz André de, 658 SOYKA, Otto, 770 SPANJAARD, J., 563 SPANUDIS, Theon, 724-5 SPEER, Ernst, 77 SPERBER, Manès, 7, 8, 275 SPIELMANN, Claude, 254 SPIELREIN, Eva, 726 SPIELREIN, Renata, 726 SPIELREIN, Sabina Nicolaievna, 18, 58, 172, 319, 326, 420, 422, 488, 490, 673, 675, 725-7, 738 SPINOZA, Baruch, 118, 146, 375, 446, 666, 667, 722 SPIRA, Marcelle, 739 SPITTELER, Carl, 371, 372 SPITZ, René, 17, 40, 60, 88, 101, 234, 260, 328, 357, 359, 457, 484, 609, 643, 696, 727 SPOCK, Benjamin, 784 SPRENGER, Jacob, 367 SPROTT, W.J.H., 543 STALIN, 653 STÄRKE, August, 177, 556, 561, 727-8 STÄRKE, Johan, 727 STAROBINSKI, Jean, 4, 167, 169, 507, 528, 724 STAUB, Hugo, 138, 140 STEADMAN, Ralph, 113, 114 STEIN, Conrad, 66, 253 STEIN, Fulop, 232 STEINACH, Eugen, 460 STEINBACH, Margarete, 187 STEINBECK, John, 581 STEINER, Riccardo, 103, 248, 297, 306, 315, 329, 379, 399, 418, 434, 659, 661, 733, 764 STEKEL, Wilhelm, 7, 8, 17, 118, 122, 129, 243, 244, 276, 293, 319, 334, 382, 395, 594, 618, 625, 641, 655, 670, 674, 712, 719, 720, 723, 728-9, 751, 756, 788, 790 STENGEL, E., 135 STEPANSKY, Paul E., 8, 207, 476, 556, 727 STEPHEN, Adrien, 303 STEPHEN, Karin, 303 STERBA, Editha, 729 STERBA, Richard, vii, 63, 101, 260, 278, 348, 411, 413, 439, 461, 680, 730, 775, 776, 777, 786 STERN, Adolph, 198 STERN, Anne-Lise, 466 STERN, Mikhail, 677

STERNHELL, Zeev, 332 STIRNER, Max, 756 STOCKER, Bram, 243, 244 STOCKING, George W., 494, 760 STODDART, H.B., 303 STOLLER, Robert, 74, 237, 238, 291, 292, 586, 587, 730-1, 765, 766 STORFER, Adolf Josef, 694 STRACHEY, Alix, 204, 303, 382, 432, 731-2, 783 STRACHEY, James, 95, 96, 112, 114, 126, 135, 143, 147, 170, 180, 201, 204, 206, 213, 272, 275, 279, 287, 303, 305, 306, 315, 382, 390, 399, 415, 432, 484, 490, 518, 543, 546, 613, 615, 628, 635, 659, 663, 717, 732-3, 756, 761, 762, 764, 770, 783 STRACHEY, Lytton, 303, 731, 732 STRACHEY, Richard, 732 STRAUSS, Richard, 311 STRINDBERG, August, 72, 185, 181, 191, 561, 779 STROEKEN, Harry, 54, 311, 312, 460, 556, 563 STRØMME, Johannes, 181, 184, 733-4 STROZIER, Charles B., 438 STRÜMPELL, Adolf, 206 STUTE-CADIOT, Johanna, 115, 490 SUARÈS, André, 666 SUCHET, Emmanuel, 114 SUGAR, Nikola, 62, 735 SULLIVAN, Harry Stack, 83, 162, 190, 197, 199, 234, 318, 356, 384, 458, 534, 625, 643, 742-4, 782 SULLOWAY, Frank J., 45, 46, 74, 94, 177, 207, 238, 324, 475, 516, 522, 572, 703, 705, 773 SUPLIGEAU, Marie-Odile, 136 SURÉNA, Guillaume, 223, 499 SURYA, Michel, 84 SUTHERLAND, Jock, 305 SUTHERLAND, W.D., 303 SUTTON, Nina, 63 SUZUKI, D.T., 413 SVEVO, Italo, 779 SWAIN, Gladys, 110, 338, 342, 479, 623, 625 SWALES, Peter, 59, 205, 207, 240, 476, 556, 569, 571, 572 SWEDENBORG, Emmanuel, 191, 348 SWOBODA, Hermann, 73, 240, 319, 747, 779 SZASZ, Thomas, 26 SZÉKELY, Lajos, 21, 184 SZÉKELY, Olga. Ver DORMANDI, Olga SZÉKELY-KOVACS, Alice. Ver BALINT, Alice SZONDI, Leopold, 739, 747

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


índice onomástico T TADIÉ, M., 598 TAFT, Jessie, 644 TAILLANDIER, Jérôme, 221 TAINE, Hippolyte, 331 TAKEO, Doi, 412, 413 TALLEYRAND (Charles Maurice de TALLEYRAND-PÉRIGORD), 456 TAMM, Alfhild, 182, 184, 444, 529, 687, 748 TANDLER, Julius, 635, 748 TARDE, Gabriel, 736, 737 TARDIEU, Ambroise, 765 TARRAB, Gilbert, 31 TAUSK, Jelka, 749 TAUSK, Marius, 748, 749, 750 TAUSK, Victor-Hugo, 748, 749 TAUSK, Viktor, 23, 150, 165, 319, 346, 485, 618, 712, 728, 741, 748-50 TAYLOR, Alice, 783 TELEMANN, Georg Philipp, 666 TELLENBACH, Hubertus, 507 TERESA DE ÁVILA, santa, 300, 459, 560 THEILER, Pauline, 713 THÉNON, Jorge, 33 THOMAS, A.L, 708 THOMÉ, Michel, 541 THOMPSON, Clara, 234, 356, 743 THOMPSON, Nellie L., 119, 201 THOMSON, Geoffrey, 70 THUILLIER, Pierre, 355 THURN, R. Payer, 324 TIFFANY, Charles, 97 TIMMS, Edward, 103 TISSI, Silvio, 780 TITO, 775 TOCQUEVILLE, Alexis de, 201 TOKUGAWA (dinastia), 410 TOLSTOI, Léon, 666 TOMÁS, são, 541 TOMASI, Alessandra, 403 TONE, Franchot, 524 TONNESMANN, Margareet, 329 TORNGREN, Pehr Henrik, 182, 756 TOROK, Maria, 3, 145, 263, 397, 567, 608 TORT, Michel, 381 TORT, Patrick, 324 TOSCANINI, Arturo, 311 TOSQUELLES, François, 222, 498, 626 TOULMIN, Stephen, 347, 420, 442, 483, 777 TOULOUSE-LAUTREC, Henri de, 321 TOURETTE, TURGIS, Catherine, 484 TOURNE, Yvette, 358 TOWER, Lucia, 135 TREPPER, Leopold, 111, 662

861

TRIANDAFILIDIS, Manolis, 773 TRILLAT, Étienne, 110, 207, 341, 510 TROMBETTA, Carlo, 420, 725, 727 TROTSKI, Léon, 7, 174, 675, 677 TROTTER, Wilfred Ballen Lewis, 302, 415 TRUFFAUT, François, 609 TUKE, William, 196, 249, 301, 627 TURQUET, Pierre, 449, 334 TUSTIN, Frances, 43 TWAIN, Mark, 113, 260 TYLOR, Edward Burnett, 760 TYSON, Alan, 467, 617, 733, 764 TYSON, Phyllis, 44, 477 TYSON, Robert L., 44, 260, 477 TYTELL, Pamela, 145, 178, 179, 290, 318, 484 TZARA, Tristan, 593 TZOULADZÉ, Serge, 676 U UEXKÜLL, Jakob von, 371 ULLOA, Fernando, 34, 78, 462, 501, 761 ULRICHS, Carl Heinrich, 351, 354 Urânia, 351 Urano, 351, 506 URBAN, Suzan (caso), 68 URTUBAY, Luisa, 190, 192, 325, 755 V VACHER DE LAPOUGE, Georges, 331 VALABREGA, Jean-Paul, 41, 165, 253, 450, 548, 577, 582, 587 VALENTIN-CHARASSON, Simone, 153 VALLE Y ALDABALDE, Rafael, 186 VAN DER CHJS, A., 177, 556, 561 VAN DER HOOP, J.H., 460, 562 VAN DER LEEUW, Pieter Jan, 563 VAN DER SPOEL, Maud. Ver MANNONI, Maud VAN GOGH, Vincent, 191, 479 VANIER, Alain, 638 VAN RENTERGHEM, Albert Willem, 177, 556, 561 VARENDONCK, Juliaan, 54, 774 VARGAS, Getúlio, 87 VARVIN, Sverre, 185 VASARI, Giorgio, 468, 470 VASSE, Denis, 160 VAUGHAN, Megan, 680 VEBELSBERG, Hugo. Ver IGNOTUS, Hugo VECHT, Deena, 778 VEGETTI FINZI, Silvia, 57, 220, 248, 528, 583, 701, 782 VEGH, Isidoro, 36, 502, 593

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


862

índice onomástico

VERDEAUX, Jacqueline, 68 VERDIGLIONE, Armando, 577 VERGÈS, Françoise, 223 VERGOTE, Antoine, 55 VERMOREL, Henri e Madeleine, 288, 492, 666, 668 VERNANT, Jean-Pierre, 168, 169 VERNE, Jules, 241 VERNY, Françoise, 370 VEZZETTI, Hugo, 37, 78, 454, 462, 502, 557, 593, 761, 764 VIANU, Ion, 670 Victor de l’Aveyron, 609, 611 VIDELA, Jorge, 35, 36, 462 VIKAR, Gyorgy, 361 Villenoix, Mlle. de, 189 VILTARD, Mayette, 301, 312, 313, 502 VINCENT, Clovis, 40 VINCENT, Thierry, 623, 744 VIREL, André, 424 VITAL BRAZIL, Horos, 162 VÍTOR-EMMANUEL III, 229, 779 VLAD, Constantin, 590, 670, 777 VOGHERA, Giorgio, 405, 779, 782 VOGT, Ragnar, 181 VOIGT, Emmy von, 316 VOLOCHINOV, Valentin, 675 VOLTAIRE (François Marie AROUET), 496 VOS, George A. de, 413 VOYER, Victorien, 66 VULPIAN, Alfred, 109 VYGOTSKI, Lev Semenovitch, 480 VYRUBOV, Nicolas, 557, 674, 789, 790

W W., S. (caso). Ver PREISWERK, Hélène WAAL, Nic, 183 WAELDER, Robert, 199, 304, 306, 483 Wagner, caso, 290 WAGNER, Richard, 116, 312, 313, 666, 779 WAGNER-JAUREGG, Julius, 150, 277, 328, 442, 463, 523, 537, 555, 635, 686, 748, 778 WAHL, Charles W., 297 WAHL, François, 445, 450 WÄLDER, Robert. Ver WAELDER, Robert WÄLDER-HALL, Jenny, 199 WALDINGER, Ernst, 786 WALD LASOWSKI, Patrick, 332 WALLBRIDGE, David, 786 WALLENBERG, Raoul, 350, 361 WALLON, Henri, 194-5, 371, 447, 559, 591, 714 WALSER, Hans, 550, 589, 738 WALTER, Bruno, 311, 483, 666

WATERMANN, August, 13, 327, 556, 562, 778 WEBER, Marianne, 319 WEBER, Marielène, 756 WEBER, Max, 319, 328 WEEKLEY, Ernest, 319 WEIL, Patrick, 504 WEININGER, Otto, 7, 72, 73, 74, 240, 318, 350, 419, 441, 642, 741, 747, 770, 775, 778-9, 787 WEISMANN, August, 521, 758 WEISS, Edoardo, 126, 230, 272, 401-3, 405, 471, 527, 582, 607, 701, 779-82 WEISS, Ilona, 206, 207 WEISS, Louise, 40 WEISS, Nathan, 274, 741 WEISZÄCKER, Viktor von, 517 WELLS, H.G., 241 WELLS, Richard, 269 WENCELBLAT, Matilde, 34, 592, 644 WENCELBLAT, Simon, 34, 52, 644 WENDER, Leonardo. Ver CUCURULLO, Antonio WERNICKE, Karl, 319 WEST, Ellen (caso), 190 WESTERMARCK, Edward, 373, 493, 758, 759, 760 WESTPHAL, Carl, 351 WETTERSTRAND, Otto, 75, 181 WHITE, Renée, 223 WHITE, William Alanson, 197, 199, 414, 524, 634, 743, 782 WHITROW, Magda, 778 WHYTE, Lancelot, 331, 375, 378, 423 WIDLÖCHER, Daniel, 2, 18, 252, 449, 119, 513, 721 WIDMER, Peter, 589, 739, 740 WIENE, Robert, 678 WIER, Jean, 338 WILDE, Oscar, 176, 350 WILL, H., 318 WILLIS, Thomas, 506, 623 WILSON, Emmet, 733, 764 WILSON, Thomas Woodrow, ix, 203, 598-601, 608 WINN, Roy Coupland, 42, 202 WINNICOTT, Clare, 784 WINNICOTT, Donald Woods, viii, 18, 42, 48, 74, 118, 134, 135, 147, 155, 156, 159, 170, 171, 185, 190, 195, 247, 273, 289, 293, 303, 306, 310, 315, 342, 379, 399, 426, 429, 430, 433, 435, 441-2, 458, 477, 484, 533, 536, 551, 552, 553, 554, 594, 609, 610, 642, 670, 696, 699, 700, 704, 769, 783-6 WINNICOTT, sir Frederick, 783 WINNIK, Heinrich, 670 WINTERNITZ, Pauline (dita Paula), 265, 776, 786 WINTERNITZ, Rose Beatrice (dita Rosi), 786

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


índice onomástico WINTERNITZ, Valentin, 786 WINTERSTEIN, Alfred von, 104, 567, 776, 786 WITMER, Lightner, 612 WITTELS, Fritz, 202, 203, 204, 272, 276, 326, 345, 422, 424, 441, 472, 615, 681, 719, 786-8 WITTGENSTEIN, Ludwig, 442, 483, 502, 541 WITTKOVER, Eric, 101, 102 WITTMANN, Blanche, 41, 47, 109, 110, 458 WITTMAYER BARON, Salo, 518, 521 WOLFRAM, Sybil, 282 WOOLF, Leonard, 303, 732 WOOLF, Virginia, 303, 731, 732 WORTIS, Joseph, 198, 788 WRIGHT, Elizabeth, 136, 156, 301, 435, 453 WRIGHT, Maurice, 303 WULFF, Moshe, 173, 179, 342, 480, 557, 670, 674, 675, 789, 790 WUNDERLI, Erika, 588 WUNDT, Wilhelm, 38, 241, 375, 400, 440, 492, 673, 757 WYRSCH, Jakob, 19

Y YABE, Yaekichi, 410, 411, 558 YAMAMURA, Tooru, 413 YERUSHALMI, Yosef Hayim, 65, 255, 265, 370, 420, 424 YOSHIDA, Kiyoschi, 439 YOUNG, Thomas, 109 YOUNG-BRUEHL, Élisabeth, 97, 260, 262, 266-7, 268, 270, 283, 326, 349, 355, 418, 444, 459, 786 YOVEL, Yirmiyahu, 419, 420, 752, 755

863

Z Z., Sr., 437, 438 ZAJIC, Monica (dita Nannie), 257, 271, 273 ZAK, E., 143 ZALKIND, Aron Borissovitch, 578, 675, 790 ZAMFIRESCU, Vasile, 670 ZANGWILL, Israel, 160 ZAVITZIANOS, Georges, 101, 177 ZEITLIN, Rose-Marie, 143 ZELLENKA, Giuseppina (ou Peppina = Sra.K), 51, 52, 53 ZELLENKA, Hans (= Sr.K.), 51, 52, 53 ZETZEL, Elizabeth R., 465, 543 ZIEGLER-JUNG, Sophie, 421 ZIEHEN, Theodor, 10, 302, 564, 789 ZILBOORG, Gregory, 61, 101, 198, 338, 627, 791 ZIMMERMANN, David, 90 ZINNEMANN, Fred, 289 ZIZEK, Slavoj, 453 ZOLA, Émile, 331, 667 ZUBIN, J., 727 ZULLIGER, Hans, 737, 738, 791 ZUMSTEIN-PREISWERK, Stéfanie, 598 ZUPPINGER-URNER, Martha, 588 ZUSNE, L., 327, 744 ZWEIG, Adam, 792 ZWEIG, Arnold, 8, 202, 204, 269, 272, 402, 405, 497, 543, 548, 599, 791-2, 794 ZWEIG, Stefan, 63, 202, 204, 266, 267, 272, 273, 277, 278, 279, 345, 347, 348, 349, 358, 496, 510, 537, 569, 666, 667, 668, 675, 720, 775, 792, 793-4

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 24.09.98 2ª revisão – 29.09.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice Onomástico Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 13.08.98 2ª revisão – 31.08.98 3ª revisão – 24.09.98 4ª revisão – 29.09.98 – Cad. 0 Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


ÍNDICE DOS VERBETES

A

Anzieu, Marguerite (caso Aimée), 30-1 apoio, 31-2 a posteriori, 32 Argentina, 32-7 Arpad, o homenzinho-galo, 37 Arquivos Freud, 37 Ásia, 37 Associação Brasileira de Psicanálise, 37-8 associação livre, regra da, 38 Associação Psicanalítica Internacional, 38 associação verbal, teste de, 38 Association Mondiale de Psychanalyse, 38-9 atenção flutuante, 39 ato falho, 40 atuação, 40 Aubry, Jenny, 40-1 Augustine, 41 Aulagnier, Piera, 41 Austrália, 41-3 Áustria, 43 autismo, 43-4 auto-análise, 44-6 auto-erotismo, 46 automatismo mental (ou psicológico), 46

Aberastury, Arminda, 1 Abraham, Karl, 1-2 Abraham, Nicolas, 2-3 abreação, 3-4 abstinência, regra de, 4-5 acting out, 5-6 Adler, Alfred, 6-8 Adler, Ida, 8 afânise, 8 África, 9 Aichhorn, August, 9 Aimée, caso, 9 Ajase, complexo de, 9 Alemanha, 10-4 Alexander, Franz, 14-5 alfa, função, 15 Allendy, René, 15-6 Ambulatorium, 16 América, 16 American Psychoanalytic Association, 16-7 amor de transferência, 17 anaclítica, depressão, 17 análise didática, 17-9 análise direta, 19 análise existencial (Daseinanalyse), 19 análise leiga, 20 análise mútua, 20 análise originária, 20 análise profana, 21 análise selvagem, 21 análise transacional, 21 Andersson, Ola, 21-2 Andreas-Salomé, Lou, 22-5 androginia, 25 angústia, 25 annafreudismo, 25 Anna O., caso, 25 ansiedade, 25 antipsiquiatria, 25-6 antropologia, 26-30

B Babinski, Joseph, 47 Balint, Michael, 47-9 Baranger, Willy, 49 Basaglia, Franco, 49 Bateson, Gregory, 49-50 Baudoin, Charles, 50 Bauer, Ida (caso Dora), 50-4 Beirnaert, Louis, 54 Bélgica, 54-6 Bellevue, Clínica Psiquiátrica de, 56 Benedikt, Moriz, 56 Benussi, Vittorio, 56 Berliner Psychoanalytisches Institut, 57 Bernays, Anna, 57-8 865

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 06.05.98 2ª revisão – 29.05.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice dos Verbetes Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice dos verbetes

Bernays, Minna, 58-60 Bernfeld, Siegfried, 60-1 Bernheim, Hippolyte, 61-2 Betlheim, Stjepan, 62-3 Bettelheim, Bruno, 63-5 Biblioteca do Congresso, 65 Bibring, Edward, 66 Bigras, Julien, 66-7 Binswanger, Ludwig, 67-9 Bion, Wilfred Ruprecht, 69-71 bissexualidade, 71-4 Bjerre, Poul, 74-7 Bleger, José, 77-8 Bleuler, Eugen, 78-80 Bloomsbury, Grupo de, 80 Boehm, Felix, 80-1 Bonaparte, Marie, 81-3 borderline, 83-4 Borel, Adrien, 84 Bose, Girîndrashekhar, 84-5 Bouvet, Maurice, 85 Bowlby, John, 85-6 Brasil, 86-92 Brentano, Franz, 92-3 Breuer, Josef, 93-4 Brill, Abraham Arden, 94-5 Brücke, Ernst Wilhelm von, 95-6 Burghölzli, Clínica do, 96 Burke, Mark, 96-7 Burlingham, Dorothy, 97 Burrow, Trigant, 97-8 Bychowski, Gustav, 98

C Cäcilie M., caso, 99 Canadá, 99-103 Cárcamo, Celes Ernesto, 103-4 Caruso, Igor, 104-5 castração, complexo de, 105-7 catarse, 107-8 catexia, 108 cena primária (ou originária), 108 censura, 108-9 Charcot, Jean Martin, 109-10 Chentrier, Théodore, 110-11 Chertok, Léon, 111 Chestnut, Lodge Clinic, 111 chiste, 111

Chistes e sua relação com o inconsciente, Os, 111-4 Cinco lições de psicanálise, 114-7 cisão, 117-9 civilização, 119 Claparède, Édouard, 119 Clarke, Charles Kirk, 119 Claude, Henri, 119-20 Claus, Carl, 120 Clérambault, Gaëtan Gatian de, 120-1 clivagem (do eu), 121-2 cocaína, 122 Collomb, Henri, 122 colonização, 122 Comitê Secreto, 122-3 complexo, 123 compulsão, 123 comunismo, 123-5 condensação, 125-6 Conferências introdutórias sobre psicanálise, 126-30 Congresso (da IPA), 130 consciência, 130-1 consciente, 131-3 construção, 133 conteúdo (latente e manifesto), 133 contratransferência, 133-5 Contribuição à concepção das afasias, 135 controle, análise de, 135 conversão, 135 Cooper, David, 135-6 Coriat, Isador, 136-7 criminologia, 137-40 Cuernavaca, Mosteiro de, 140 culturalismo, 140 D Daseinanalyse, 141 defesa, 141-2 Delay, Jean, 142-3 Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen, 143-5 demanda, 145 denegação, 145-6 depressão, 146 desejo, 146-8 deslocamento, 148-9 desmentido, 149 des-ser, 149 destituição subjetiva, 149

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Deutsch, Adolf Abraham, 149 Deutsch, Felix, 149-50 Deutsch, Helene, 150-1 Devereux, Georges, 151-3 Dick, caso, 153 didática, 153 diferença sexual, 154-6 Dinamarca, 157 discordância, 157 dissidência, 157 dissociação, 157 divisão (do eu), 157 Documento, 157 Dolto, Françoise, 157-60 Dominique, caso, 161 Doolittle, Hilda, 161 Dora, caso, 161 Dosuzkhov, Theodor, 161 double bind, 161 Doyle, Iracy, 161-2 Dugautiez, Maurice, 162 duplo vínculo, 162

Espanha, 186-8 espelho, estádio do, 188 espiritismo, 188-9 esquizo-análise, 189 esquizofrenia, 189-93 esquizo-paranóide, posição, 193 estádio (oral, anal, fálico, genital), 193-4 estádio do espelho, 194-5 estados fronteiriços, 195 Estados Unidos, 195-201 estranho, o, 201 Estudo autobiográfio, Um, 201-4 Estudos sobre a histeria, 204-7 etnografia, 207 etnologia, 207 etnopsicanálise, 207-10 eu, 210-3 eu autônomo, 213 Eu e o isso, O, 213-8 eu ideal, 218 Europa, 218 excomunhão, 218 Ey, Henri, 218-9

E F Eckstein, Emma, 163-4 École de Nancy, 164 École de la Salpêtrière, 164 École Freudienne de Paris, 164-5 Eder, David, 165-6 Édipo, complexo de, 166-9 ego, 169 Ego Psychology (psicologia do eu), 169-71 Eitingon, Max, 171-4 elaboração, 174 Elisabeth von R., caso, 174 Ellenberger, Henri F., 175-6 Ellis, Henry Havelock, 176-7 Embiricos, Andreas, 177 Emden, Jan Van, 177 Emerson, Louville Eugène, 177 Emmy von N., caso, 178 Erikson, Erik, 178 Ermakov, Ivan Dimitrievitch, 179-80 eros, 180 Esboço de psicanálise, 180 Escandinávia, 180-6 Escola Ortogênica de Chicago, 186 escotomização, 186 escrita automática, 186

Fachinelli, Elvio, 220 Fairbairn, Ronald, 220-1 falo, 221 falocentrismo, 221-2 Fanon, Frantz, 222-3 fantasia, 223-6 fantasma, 226 Favez-Boutonier, Juliette, 226 Fechner, Gustav Theodor, 227 Federação Européia de Psicanálise, 227-8 Federação Psicanalítica da América Latina, 228 Federn, Paul, 228-30 feminismo, 230 Fenichel, Otto, 230-2 Ferenczi, Sandor, 232-5 fetichismo, 235-8 filiação, 238-9 Finlândia, 239 Fleischl-Marxow, Ernst von, 239 Fliess, Robert, 239 Fliess, Wilhelm, 239-41 Flournoy, Henri, 241 Flournoy, Théodore, 241-2 Fluss, Gisela, 242-3

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fobia, 243-5 foraclusão, 245-6 forclusão, 246 Forel, August, 246-7 Fornari, Franco, 247-8 Forsyth, David, 248 fort/da, 248 França, 248-54 Freud, Adolfine, 254-5 Freud, Alexander, 255 Freud, Amalia, 256-7 Freud, Anna (filha de Freud), 257-60 Freud, Anna (irmã de Freud), 260 Freud, Emanuel, 260-1 Freud, Ernst, 261-2 Freud, Eva, 262 Freud, Josef, 262-3 Freud, Julius, 263 Freud, Kallamon Jacob, 263-5 Freud, Marie, 265 Freud, Martha, 265-7 Freud, Martin, 267-8 Freud, Mathilde, 268 Freud Museum, 268-9 Freud, Oliver, 269-70 Freud, Pauline (irmã de Freud), 270 Freud, Pauline (sobrinha de Freud), 270 Freud, Philipp, 270-1 Freud, Rebekka, 271-2 Freud, Regina Debora, 272 Freud, Sally, 272 Freud, Sigmund, 272-9 Freud, Sophie, 279 freudismo, 280-1 freudo-marxismo, 281 Freund, Anton von, 282 Friedländer, Kate, 282-3 Frink, Horace, 283-4 Fromm, Erich, 284-5 Fromm-Reichmann, Frieda, 285 frustração, 285-6 Futuro de uma ilusão, O, 286-8 G Gaddini, Eugenio, 289 Gardiner, Muriel, 289-90 Garma, Angel, 290-1 gênero (gender), 291-3 geração, 293-4

Gesammelte Schriften, 294 Gesammelte Werke, 294 gestalt-terapia, 294-5 Glassco, Gerald, 295 Glover, Edward, 295-7 Göring-Institut, 297 Göring, Matthias Heinrich, 297-9 gozo, 299-301 Grã-Bretanha, 301-7 Graf, Herbert (caso Pequeno Hans), 307-12 Graf, Max, 312-3 Graf, Rosa, 313-4 Grandes Controvérsias (Controversial Discussions), 314 gratidão, 315 Groddeck, Georg, 315-9 Gross, Otto, 319-20 Guattari, Félix, 320-1 Guilbert, Yvette, 321 H Haas, Ladislav, 322 Haeckel, Ernst, 322-4 Haitzmann, Christopher, 324-5 Halberstadt, Sophie, 325-6 Hall, Stanley Granville, 326-7 Hampstead Child Therapy Clinic, 327 Hans, Pequeno (caso), 327 Happel, Clara, 327 Hartmann, Heinz, 327-8 Heimann, Paula, 328-9 Heller, Hugo, 329 Helmholtz, Hermann Ludwig von, 329-30 Herbart, Johann Friedrich, 330-1 hereditariedade-degenerescência, 331-2 hermafroditismo, 332 Hermann, Imre, 332 Hesnard, Angelo, 332-4 heterologia, 334 Hilferding, Margarethe, 334-5 hipnose, 335-7 Hirschfeld, Magnus, 337 histeria, 337-42 histeria de angústia, 342 histeria masculina, 342 história da psicanálise, 342-5 historiografia, 345-7 Hitschmann, Eduard, 347-8 Hoch, August, 348

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Hoffmann, Ernst Paul, 348 Hollitscher, Mathilde, 348-9 Hollos, Istvan, 349-50 Homem dos Lobos, caso, 350 Homem dos Ratos, caso, 350 homossexualidade, 350-5 horda primitiva, 355 Horney, Karen, 355-6 hospitalismo, 356 Hug-Hellmuth, Hermine von, 357-8 Hungria, 358-61

introjeção, 397 introversão, 397 inveja, 397-8 inveja do pênis, 398 investimento, 398 IPA, 398 Irma, injeção de, 398 Isaacs, Susan, 399 isso, 399-400 Itália, 400-5 J

I Ichspaltung, 362 id, 362 ideal do eu, 362-3 identificação, 363-6 identificação projetiva, 366 Ignotus, Hugo, 366-7 Igreja, 367-70 imagem do corpo, 370 imaginário, 371 imago, 371-2 Imago (Revista sobre aplicação da psicanálise às ciências do espírito), 372 incesto, 372-4 inconsciente, 374-8 incorporação, 378-9 Independentes, Grupo dos, 379 Índia, 380-1 Inglaterra, 381 Inibições, sintomas e angústia, 381-4 injeção de Irma, sonho da, 384 instinto, 384 instituição (psicanalítica), 384 Instituto Psicanalítico de Berlim, 384 International Federation of Psychoanalytic Societies, 384 International Journal of Psycho-Analysis, 384 International Psychoanalytical Association (IPA), 384-7 Internationale Föderation der Arbeitskreise für Tiefenpsychologie, 387 Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse und Imago, 388 Internationale Psychoanalytische Vereinigung, 388 interpretação, 388-90 Interpretação dos sonhos, A, 390-7

Jackson, Hughlings, 406 Jacobson, Edith, 406-7 Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen (Anais de pesquisas psicanalíticas e psicopatológicas), 407 Janet, Pierre, 407-10 Japão, 410-3 Jekels, Ludwig, 413-4 Jelliffe, Smith Ely, 414-5 Jones, Ernest, 415-8 judeidade, 418-20 Juliusburger, Otto, 420 Jung, Carl Gustav, 421-4 K Kardiner, Abram, 425-6 Katharina, caso, 426 Kemper, Ana Katrin, 426-7 Kemper, Werner, 427-9 Kempner, Salomea, 429 Khan, Masud, 429-30 Kingsley, Hall, 430 Klajn, Hugo, 430 Klein, Melanie, 430-4 kleinismo, 434-5 Koch, Adelheid, 435 Kohut, Heinz, 435-8 Koller, Carl, 438 Kosawa, Heisaku, 438-40 Kouretas, Dimitri, 440 Kraepelin, Emil, 440-1 Krafft-Ebing, Richard von, 441 Kraus, Karl, 441-2 Kretschmer, Ernst, 442

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Kris, Ernst, 442-3 Kris, Marianne, 443-4 Kulovesi, Yrjö, 444 L Lacan, Jacques, 445-51 lacanismo, 451-3 Lafora, Gonzalo Rodriguez, 453-4 Laforgue, René, 454-6 Lagache, Daniel, 456-8 Laing, Ronald David, 458 Lair, Lamotte Pauline (caso Madeleine Lebouc), 458-9 Lampl, Hans, 459 Lampl-De Groot, Jeanne, 459-60 Landauer, Karl, 460 Langer, Marie, 460-3 Lanzer, Ernst (caso Homem dos Ratos), 463-5 lapso, 465-6 Lechat, Fernand, 466 Leclaire, Serge, 466-7 lembrança encobridora, 467 Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância, 467-70 Levi-Bianchini, Marco, 470-1 libido, 471-5 Library of Congress, 475 Liébeault, Ambroise, 475 Lieben, Anna von (caso Cäcilie M.), 476 Loewald, Hans, 476-7 Loewenstein, Rudolph, 477-8 logoterapia, 478 loucura, 478-9 Lucy, Miss (caso), 479 Luria, Aleksandr Romanovitch, 480 luto, 480 M Mack-Brunswick, Ruth, 481-2 Madeleine Lebouc, caso, 482 Maeder, Alphonse, 482 magnetismo, 482 Mahler, Gustav, 482-3 Mahler, Margaret, 483-4 Mais-além do princípio de prazer, 484-90 Mal-estar na cultura, O, 490-2 Malinowski, Bronislaw, 492-4

Mann, Thomas, 494-7 Mannoni, Octave, 497-9 Marcinowski, Jaroslaw, 499 Marcondes, Durval, 499 Marcuse, Herbert, 499-500 masoquismo, 500-1 Masotta, Oscar, 501-2 matema, 502-3 Mathilde H., caso, 503 Matte-Blanco, Ignacio, 503 Mauco, Georges 503-4 Mead, Margaret, 504-5 melancolia, 505-7 Meng, Heinrich, 507-8 Menninger, Karl, 508-9 Mesmer, Franz Anton, 509-10 metáfora, 510 metapsicologia, 511-3 método catártico, 513 metonímia, 513 Meyer, Adolf, 513-4 Meyers, Donald Campbell, 514 Meynert, Theodor, 514-6 Middle Group, 516 Minkowski, Eugène, 516 Mitscherlich, Alexander, 516-8 Moisés e o monoteísmo, 518-22 Moll, Albert, 522 Monchy, René De, 522-3 Monografias de Psicanálise Aplicada, 523 Montessori, Maria, 523 Moreira, Juliano, 523 Moreno, Jacob Levy, 523-4 Morgenstern, Sophie, 524 Moser, Fanny (caso Emmy von N.), 524-5 mulheres, 525 Müller-Braunschweig, Carl, 526 Musatti, Cesare, 526-8 Museu Freud, 528 Myers, Frederick, 528 N Nacht, Sacha, 529 Naesgaard, Sigurd, 529-30 narcisismo, 530-3 narco-análise, 533 nazismo, 533-4 necessidade, 534 neofreudismo, 534

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índice dos verbetes 871

neopsicanálise, 534 neurastenia, 534 neurose, 534-6 neurose atual, 536 neurose criadora, 536 neurose de abandono, 536 neurose de angústia, 536 neurose de caráter, 537 neurose de defesa, 537 neurose de destino, 537 neurose de fracasso, 537 neurose de guerra, 537-8 neurose demoníaca (ou diabólica), 538 neurose de transferência, 538 neurose fóbica, 538 neurose narcísica, 538 neurose obsessiva, 538-40 neurose traumática, 540 nó borromeano, 541 Nome-do-Pai, 541-3 Noruega, 543 Nothnagel, Hermann, 543 Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, 543-9 Nunberg, Hermann, 549

O Oberholzer, Emil, 550 Oberndorf, Clarence, 550 objeto, 550 objeto (bom e mau), 550-1 objeto parcial, 551 objeto (pequeno) a, 551-2 objeto, relação de, 552-4 objeto transicional, 554 Oceania, 554 ocultismo, 555 Odier, Charles, 555 Öhm, Aurelia (caso Katharina), 555-6 Ophuijsen, Johan H.W. van, 556 oral, estádio, 556 organodinamicismo, 556 orgonoterapia (ou vegetoterapia), 556 Ortega y Gasset, José, 556-7 Ossipov, Nikolai Ievgrafovitch, 557-8 Otsuki, Kenji, 558 outro, 558-60

P Países Baixos, 561-3 Palo Alto, Escola de, 563 Pankejeff, Serguei Constantinovitch (caso Homem dos Lobos), 564-7 pansexualismo, 567-8 Pappenheim, Bertha (caso Anna O.), 568-72 parafrenia, 572 paranóia, 572-5 parentesco, 575 passagem ao ato, 575 passe, 575-7 patriarcado, 577-8 pavlovismo, 578 pedofilia, 578 pedologia, 578-9 Pellegrino, Hélio, 579-80 pênis, 580 pênis, inveja do (Penisneid), 580 Pequeno Hans, 580 Peraldi, François, 580-2 perlaboração, 582 Perrier, François, 582 Perrotti, Nicola, 582-3 personalidade múltipla, 583 perversão, 583-7 peste, 587-8 Pfister, Oskar, 588-9 phantasia, 590 Pichon, Édouard, 590-2 Pichon-Rivière, Enrique, 592-3 Piggle, Pequena (caso), 593 Plataforma, 593 Popescu-Sibiu, Ioan, 593-4 Popper, Gisela, 594 Porto-Carrero, Júlio Pires, 594 posição depressiva/posição esquizo-paranóide, 594-6 posterioridade, 596 Prados, Miguel, 596 preclusão, 596 pré-consciente, 596-7 Preiswerk, Hélène, 597-8 Presidente Thomas Woodrow Wilson, O, 598-601 Prince, Morton, 601-2 princípio de constância, 602 princípio de Nirvana, 602 princípio de prazer/princípio de realidade, 603

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projeção, 603 psicanálise, 603-5 psicanálise aplicada, 605-8 psicanálise de crianças, 608-11 psicanálise selvagem, 611 psicastenia, 611 psicobiografia, 611 psicocrítica, 611 psicodrama, 611 psicogênese, 611 psico-história, 611 psicologia, 611 psicologia analítica, escola de, 612 psicologia clínica, 612 Psicologia das massas e análise do eu, 612-6 psicologia das profundezas, 616 psicologia do self, 616 psicologia individual, 616 psicopatologia, 616-7 Psicopatologia da vida cotidiana, A, 617-21 psicose, 621-3 psicose maníaco-depressiva, 623 psicossíntese, 623 psicossomática, medicina, 623-4 psicoterapia, 624-6 psicoterapia existencial, 626 psicoterapia institucional, 626-7 psiquiatria, 627 psiquiatria colonialista, 627 psiquiatria dinâmica, 627 psiquiatria institucional, 627 psiquiatria (ou psicanálise) transcultural, 628 pulsão, 628-33 Putnam, James Jackson, 633-4 Q Questão da análise leiga, A, 635-8 R Racker, Heinrich, 639 Rado, Sandor, 639-40 Raknes, Ola, 640-1 Rambert, Madeleine, 641 Ramos de Araújo Pereira, Arthur, 641 Rank, Otto, 641-4 Rascovsky, Arnaldo, 644 real, 644-6

realidade psíquica, 646-7 recalque, 647-9 recusa (da realidade), 649 regra fundamental, 649-50 Reich, Wilhelm, 650-4 Reich-Rubinstein, Annie, 654-5 Reik, Theodor, 655 rejeição, 656 religião, 656 renegação, 656 repetição, compulsão à, 656-8 repressão, 658-9 repúdio, 659 resistência, 659-60 Rêve Éveillé Dirigé, Groupe International du, 660 Rickman, John, 660-1 Rie, Oskar, 661 Riklin, Franz, 661 Rittmeister, John, 661-3 Riviere, Joan, 663-4 Rocha, Francisco Franco da, 664 Roheim, Geza, 664-6 Rolland, Romain, 666-8 romance familiar, 668-9 Romênia, 669-71 Rorschach, Hermann, 671-2 Rosalie H., caso, 672 Rosenfeld, Herbert, 672 Rosenthal, Tatiana, 672-3 Royce, Josiah, 673 Rússia (e União Soviética), 673-7 S Sachs, Hanns, 678-9 Sachs, Wulf, 679-81 Sadger, Isidor, 681 sadismo, 681 sadomasoquismo, 681-4 Saint-Alban, Hospital de, 684 Salpêtrière, Hospital da, 684 Sarasin, Philipp, 684 Saussure, Raymond de, 684-6 Schiff, Paul, 686 Schilder, Paul Ferdinand, 686-7 Schjelderup, Harald, 687-8 Schloss Tegel, Sanatório do, 688 Schmideberg, Melitta, 688-9 Schmideberg, Walter, 689

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índice dos verbetes 873

Schmidt, Vera, 689-90 Schnitzler, Arthur, 690-1 Schreber, Daniel Paul, 691-3 Schriften zur Angewandten Seelenkunde (Monografias de Psicanálise Aplicada), 693-4 Schultz-Hencke, Harald, 694-5 Schultz, Johannes, 695 Schur, Max, 695-6 Sechehaye, Marguerite, 696 sedução, teoria da, 696-9 self, 699 self falso e verdadeiro, 699 self grandioso, 699 Self Psychology, 699-700 Servadio, Emilio, 701 sessão curta, 701 sexologia, 701-3 sexuação, fórmulas da, 703-4 sexualidade, 704-5 sexualidade feminina, 705-8 sexualidade infantil, 708 sexualidade masculina, 708 Sharpe, Ella Freeman, 708 Sigmund Freud Archives, 708 significante, 708-12 Silberer, Herbert, 712 Silberstein, Eduard, 712-4 simbólico, 714-5 simbolismo, 715 Simmel, Ernst, 715-7 Slight, David, 717 Sobre os sonhos, 717-8 sobredeterminação, 718-9 Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, 719-21 só-depois, 721 Sokolnicka, Eugénie, 721-2 sonambulismo, 722 sonho, 722-4 Spaltung, 724 Spanudis, Theon, 724-5 Spielrein, Sabina, 725-7 Spitz, René Arpad, 727 Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, The, 727 Stärcke, August, 727-8 Stekel, Wilhelm, 728-9 Sterba, Editha, 729 Sterba, Richard, 730

Stoller, Robert, 730-1 Strachey, Alix, 731-2 Strachey, James, 732-3 Strømme, Irgens Johannes, 733-4 Studienausgabe, 734 subconsciente, 734 sublimação, 734-5 Suécia, 735 Sugar, Nikola, 735 sugestão, 735-7 Suíça, 737-40 suicídio, 740-2 sujeito, 742 Sullivan, Harry Stack, 742-4 superego, 744 supereu, 744-6 supervisão, 746-7 supressão, 747 Swoboda, Hermann, 747 Szondi, Leopold, 747

T Tamm, Alfhild, 748 Tandler, Julius, 748 Tausk, Viktor, 748-50 Tavistock Clinic, 750 técnica ativa, 750 técnica psicanalítica, 750-2 Tegel, Sanatório do Castelo de, 752 telepatia, 752-5 terapia ativa, 755 terapia de família, 755 terapia (ou psicoterapia) de grupo, 755 tópica, 755-6 Törngren, Pehr Henrik, 756 Totem e tabu, 756-60 tradução (das obras de Sigmund Freud), 760-4 training autógeno, 764 transacional, análise, 764 transexualismo, 764-6 transferência, 766-70 transmissão (da psicanálise), 770 trauma, 770 travestismo, 770 Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 770-3 Triandafilidis, Manolis, 773 Trieb, 773

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 06.05.98 2ª revisão – 29.05.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice dos Verbetes Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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índice dos verbetes

U Unheimlich, 774 Unterdrückung, 774 V Varendonck, Juliaan, 774 Verdrängung, 774 Verleugnung, 774 Verwerfung, 774 Viena, 774-7 vitalismo, 777 Vlad, Constantin, 777 W Wagner-Jauregg, Julius, 778 Watermann, August, 778 Weininger, Otto, 778-9 Weiss, Edoardo, 779-82

White, William Alanson, 782 Winnicott, Donald Woods, 783-6 Winternitz, Pauline, 786 Winterstein, Alfred Freiherr von, 786 Wittels, Fritz, 786-8 Witz, 788 Wo Es war, 788 Wortis, Joseph, 788-9 Wulff, Moshe, 789

Z Zalkind, Aron Borissovitch, 790 Zentralblatt für Psychoanalyse (Folha Central de Psicanálise), 790 Zilboorg, Gregory, 790 zona erógena, 791 Zulliger, Hans, 791 Zweig, Arnold, 791-2 Zweig, Stefan, 793-4

Dicionário de Psicanálise (PSI) 1ª revisão – 06.05.98 2ª revisão – 29.05.98 3ª revisão – 30.09.98 4ª revisão – 02.10.98 – 5ª revisão – 05.10.98 – Índice dos Verbetes Produção: Textos & Formas Para: Ed. Zahar


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