A Maratona da Vida

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O ESPORTE COMO SAÚDE E PRAZER

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“Os navios não alcançam as estrelas, mas é através delas que se lançam ao mar.” – Anônimo

“Pois eu assim corro, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar.” – 1Coríntios 9.26

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Terça-feira, 6 Volto a correr, finalmente! Eu estava desesperado para fazer isto. No início de dezembro passado, exagerei no tênis de quadra, na corrida e no futebol. Foi muita coisa junta, em dois dias seguidos, e o joelho direito acabou indo para o espaço. Dei um tempo, certo de que um bom descanso seria o melhor remédio, mas as dores aumentavam cada vez mais. Tive de esperar pela consulta com um bom ortopedista, no início de janeiro, quando comecei a fisioterapia: 14 sessões, três vezes por semana. Em seguida, fui liberado para andar, cotidianamente, de 30 a 40 min, por dez dias. Só depois fui autorizado a correr. A alegria de voltar a correr, essa rotina, superou a agonia dos limites de tempo e de batimentos cardíacos que meu personal trainer impõe. É quase uma liturgia! Correr tantos minutos, andar tantos metros, controlar a frequência cardíaca... argh! Detesto, mas estou feliz demais para me chatear com essas minúcias.

Quarta-feira, 14 Faz duas semanas que voltei a correr, porém, longe do ritmo anterior. Para chegar a determinado ponto, levo 20 min, em vez dos 14 ou 15 que eram minha marca normal, há dois meses. Vejo, com tristeza, as pessoas passarem por mim em uma velocidade bem maior do que permite, agora, meu programa de treinamento: nada além dos 150 batimentos cardíacos por minuto (bpm). Quase parado!

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Meu primeiro contato com corridas foi aos 16 anos, em 1984, quando tive de optar entre essa modalidade ou judô, para efeitos de crédito de Educação Física, na Faculdade de Direito. Preferi a arte marcial. Dois anos depois, quando comecei a prestar serviço militar no Centro Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR), não tive escolha: as corridas faziam parte da rotina, obrigação que eu cumpria a duras penas. Sentia um peso na região inguinal e, quando tentava acelerar, sentia dor. Em 1987, precisava fazer 3.200 m em, no máximo, 12’20”, sob pena de ser reprovado no exame para fazer o curso de paraquedismo no Exército. Por pouco, 10” para ser exato, não consegui. Foi uma derrota imensa, e sem segunda chance. Um verdadeiro tormento para quem estava acostumado a estar entre os primeiros – exatamente minha colocação na Infantaria, em 1986. Talvez tenha sido essa a única coisa que eu desejei e não consegui ter. Suprema ironia: se tivesse logrado meu intento (e me esforcei muito para isso), descobri depois, o estágio atrasaria minha formatura e poderia mudar todo o curso de minha vida. Foi uma incrível experiência de vitória e derrota. Tive outras experiências com esse esporte, mas esporádicas. Voltei à prática mais disciplinada só em 1998, embora tivesse de interrompê-la em 1999, para me submeter a uma cirurgia de extração de vesícula e hérnia umbilical, além de correção de uma hérnia de hiato, no estômago. A retomada foi lenta. Até que, em novembro de 2000, decidi correr a maratona de Nova York de 2001.

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Quinta-feira, 15 Hoje, não corri. É dia de descanso, para a recuperação de músculos e articulações. Tempo parado não é necessariamente tempo perdido. Ao contrário, pode ser muito bem usado, inclusive para o merecido lazer, com a família e os amigos. Não raro, é nesses momentos que surgem as grandes ideias. Assim, de estalo. Não raro, também, é quando nos entregamos a reflexões. Quando me contundi, em dezembro, morria de medo que o médico me proibisse de tentar a maratona. Esqueci de um detalhe fundamental, algo a que eu recorria antes, ao estudar para concursos muito difíceis. Eu implorava a ajuda de Deus. Sabia que era fundamental contar com Sua bênção. E Ele nunca me faltou. Ao me tornar adulto, muito seguro de mim, por conquistar bons empregos, ter amplos recursos para tudo o que desejasse, esqueci um pouco daquela ajuda preciosa. Deus continuava presente em minha vida, pela oração, leitura da Bíblia, frequência à igreja, gratidão. Mas eu jamais O invocava, quando o tema era a corrida. Inconscientemente, talvez eu imaginasse que poderia vencer essa “guerra” sozinho. Afinal, eu tinha tudo à minha disposição: massagistas, ortopedistas, fisioterapeutas, o melhor e mais avançado tênis de corrida, a alimentação correta. Esqueci de orar, pedindo ajuda para completar a maratona. Até que, num dia de manhã, me encontrei com meu joelho direito. Em busca de diagnóstico, soube que o problema era uma artrose, que causava intensa dor. Descobri, também, que, em ambos os joelhos eu tinha “cisto de Backer”; ironicamente o

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do esquerdo era quatro vezes maior que o do direto, mas sem sintomas. Pois é... num instante, ruíram os castelos que eu construíra. Todas as minhas seguranças foram embora, junto com a água do banho e a espuma do sabão, direto pelo ralo do boxe do banheiro onde eu tomava banho. Minha badalada força de vontade, minha disposição de ferro e minha determinação foram derrotadas pelo meu joelho direito. Nesse momento, de profunda angústia, orei a Deus: quero meu joelho direito de volta. Lembrei que precisava d’Ele para chegar à minha meta. Precisava de Suas mãos seguras para me guiar e proteger, até cruzar a linha de chegada. Pedi que Ele, o meu patrocinador, me desse forças para que eu fizesse a minha parte e fé para que Ele cuidasse do imponderável. Se meu joelho direito não tivesse me ensinado mais nada, bastaria ter me lembrado da minha finitude e da minha extrema dependência de Deus para superar a mim mesmo e as circunstâncias e surpresas da vida. Nada é mais seguro que estar nas mãos firmes e misericordiosas do Senhor. Recebi, com alívio e gratidão, a notícia do médico: eu poderia correr. Na verdade, estava liberado para tentar, desde que tivesse uma série de cuidados.

Sábado, 17 Pela primeira vez, volto a correr uma hora, embora com pausas. Foi com 1:20h que acabei de arrebentar meu joelho. É bem verdade que não vinha fazendo o alongamento direito

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e estava indo rápido demais, então a coisa havia de estourar mais cedo ou mais tarde. Foi até bom acontecer logo. Perdi só metade de dezembro e mais janeiro. Pior se isso acontecesse mais para a frente. Às vezes, o agravamento do problema é a sua solução! Isso acontece em muitas situações. Há pessoas que ficam sendo dependentes ou ficam enrolando, mas têm de fazer alguma coisa quando a situação fica crítica. É quando reassumem o controle e a responsabilidade por suas vidas. A sensação de correr é uma delícia. Apesar de ter todas as limitações e dúvidas deste mundo, foi muito bom sentir o movimento e o mundo andar mais rápido, à minha passagem. Houve um momento em que cheguei a 166 bpm, ou seja, acima do recomendado pelo treinador. Mas senti que ia tudo bem: prazer intenso, nada doendo, nenhum cansaço. Desobediência consciente. Logo lembrei que a última contusão aconteceu em um momento assim, quando quis ir um pouco mais rápido do que devia, quando desrespeitei os limites do corpo. Então, a contragosto, mas com medo de voltar ao estaleiro, reduzi as passadas e voltei aos 160 bpm. Quando queremos resultados rápidos, na pressa esquecemos – como diz o Decálogo do Advogado, de Eduardo Coutore – que “o tempo se vinga de tudo que é feito sem a sua colaboração”. É o erro da pressa.

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“o tempo se vinga de tudo que é feito sem a sua colaboração.” Outro erro é a arrogância de não atender aos mestres. Quem entende de corridas é o treinador, quem entende de joelho é o ortopedista. Se eles dizem para ir devagar, tenho de ir devagar. Alunos de cursinho são, muitas vezes, arrogantes. Querem definir formas, métodos, prazos e caminhos para os professores ou não aceitam a orientação deles para se preparar melhor. Embora no estudo eu tenha sido mais humilde, na corrida, algumas vezes, me vi querendo ser mais especialista do que o especialista. Outro equívoco é lutar contra o tempo: por mais que eu queira, não dá para fazer milagres com meus músculos. Eles vão precisar de um período de maturação, para aguentar o que quero exigir deles. E, ainda, há o erro de lutar contra a natureza: os princípios que regem minha vontade são diferentes dos que regem meus joelhos. Minha vontade não tem limites, mas meus joelhos têm. Em qualquer tipo de competição, o sistema é duro e muitas vezes injusto. Não adianta se martirizar com um resultado injusto; isso acontece. Mas não deve desanimar. A gente luta contra os limites do corpo e da mente, com o imponderável, com a sorte ou azar na hora

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da prova ou da competição, com a sorte ou azar de haver alguém melhor do que nós naquele dia ou na empresa... Com juízes que erram ou até corruptos. É coisa demais, tanta que dá vontade de desistir. Aqui se aplica a máxima: “O fracasso jamais me surpreenderá se a minha vontade de vencer for suficientemente forte”, dita por Og Mandino, no livro “O maior vendedor do mundo”. Essa frase, pra mim, tem o seguinte sentido: eu fracasso quando não faço a minha parte. Se tiver feito minha parte, o resultado é o que menos importa. Se não deu agora, tento de novo depois. Os vikings diziam que a vitória e a derrota é uma decisão dos deuses, que a gente deve se alegrar com a batalha. Acho que é por aí.

Terça-feira, 20 Todas as terças corro com o Rodrigo, meu personal trainer. Dei três voltas andando na pista olímpica, fiz oito séries de uma volta correndo (400 m) por meia volta (200 m) andando, e depois teria de dar mais duas voltas, mas só completei uma, pois o sol estava muito forte e eu, sem protetor. Rodrigo me mandou parar. Logo no início, eu quis somar quantos metros daria, mas ele falou para eu parar de pensar no tanto que estava correndo e me concentrar na atividade. Isso se aplica a quase tudo: a gente tem pressa em verificar resultados. O Rodrigo ensinou o que poucos entendem: há fases em que só há uma coisa a fazer, a atividade em si, livre do estresse de mensurar resultados.

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Não dá para ficar contando o quanto já se está pronto e o quanto falta para estar “no ponto” de conseguir. É uma forma errada de pensar. Quando o aluno pensa no tamanho da matéria, em relação ao tempo disponível até o prazo fatal, ele desanima. Se pensar no tamanho do problema pode desanimar, mas se começar a estudar o mais cedo possível e planejar ações parciais em relação ao tempo disponível até o prazo fatal, ela tem melhores condições psicológicas e de realização do que deseja. Isso vale para tudo: empresas, esportes, escrever livros, projetos intelectuais, o que for. E não pode ter pressa, achar que tudo se resolverá rápido. Projetos grandes levam tempo para acontecer. É como pensar em 42 km, quando você ainda não está correndo nem 6,5. Quem estuda deve focar tão somente o aprendizado, a cada momento. Entre tantas reflexões, me vem a das comparações entre os homens. Hoje, onde eu treinava, tinha um rapaz que literalmente voava. Passava por nós gemendo, urrando, implorando ajuda a Jesus (literalmente), mas sem parar de correr. Eu disse ao Rodrigo que um dia vou correr assim. E ele respondeu que aquele rapaz corria há quatorze anos. “Eu é que não quero estar na pele dele”, comentou Carla, esposa do Rodrigo. Eu, ao contrário, queria muito, especialmente ter os joelhos sãos para acelerar, mesmo que gemendo. A verdade, porém, é que uma das tolices da vida é nos compararmos com terceiros. Cada um tem sua história, sabe “a dor e a delícia de ser o que é”, como diz a canção de Caetano Veloso. O máximo que se pode fazer, no esporte, é comparar qual entre dois ou mais, passa primeiro por uma linha de chegada,

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