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I Minha Primeira Aparição no Palco II Minha Primeira Aparição num Palco Verdadeiro com
from Loie Fuller
I
Minha Primeira Aparição no Palco
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De quem é esta criança? - Eu não sei. - Bem, de qualquer maneira, não vamos deixá-la aqui. É melhor levá-la. E nisso, um dos dois interlocutores carregou a pequenina coisa e levou-a para o salão de dança. Era um pacotinho humano inusitado, de longos cabelos pretos encaracolados e não pesando sequer três quilos. Os dois homens deram uma volta pelo salão perguntando a cada mulher se a criança era dela: ninguém a conhecia. Logo após, duas mulheres entraram no quarto que servia de vestiário e dirigiram-se diretamente para a cama, onde, em desespero de causa, tinham recolocado o bebê. Uma delas disse, como o homem minutos antes: - De quem é esta criança? E a outra replicou: - Pelo amor de Deus! Mas o que ela faz aqui? Esta criança é da Lile. Tem só seis semanas e ela a trouxe pra cá! Aqui não é um lugar para um bebê desse tamanho. Cuidado, se segurar assim você vai quebrar o pescoço dela. Tem só seis semanas! Nesse momento, uma mulher veio correndo do outro lado do salão de dança. Ela deu um grito e apoderou-se da criança. Ainda toda enrubescida, ela estava prestes a levá-la, quando um dos dançarinos disse: - Ela fez sua entrada no mundo, agora ela tem que ficar.
Desse momento até o final do baile, o bebê tornou-se a atração da
noite. Ele balbuciou, riu, agitou as mãozinhas e circulou por todo o salão até o último dos convidados ter ido embora.
Pois bem, essa criança era eu. E eis como se deu essa aventura:
Estávamos em janeiro, e o inverno era terrivelmente rigoroso. Fa
zia quarenta graus abaixo de zero. Naquele época, meu pai, minha mãe e meus irmãos moravam numa propriedade a dezesseis milhas de Chicago. Quando o momento da minha entrada no mundo se aproximou, a tempe
ratura estava tão fria que se tornou impossível aquecer adequadamente
a casa. Meu pai andava preocupado com a saúde da minha mãe. Ele foi então ao vilarejo de Fullersburg 15 – cuja população era composta quase que exclusivamente por nossos primos em primeiro, segundo e terceiro
graus – e fez um acordo com o proprietário da única taberna do local. Na sala comum havia um enorme fogão de ferro fundido. Era o único fogão em toda a região capaz de produzir um calor considerável. O bar foi então transformado num quarto e foi aí que vi pela primeira vez a luz. Naquele
dia, uma espessa camada de gelo recobria os vidros das janelas, e a água congelava nos jarros a dois metros do famoso fogão. Tenho certeza de todos esses detalhes, pois peguei um resfriado bem no instante do meu nascimento e nunca mais me curei. Contudo,
como do lado paterno eu contava com sólidos antepassados, entrei na
vida com uma certa dose de resistência; e se não cheguei a me livrar dos efeitos daquele frio inicial, ao menos consegui, com o tempo, dominá-lo. Um mês depois, estávamos de volta à nossa propriedade, e a ta
berna retomara o seu aspecto habitual. Disse que esse era o único bar do
lugar, e, como ocupamos o salão principal, impusemos um rude sacrifício aos moradores, que tiveram de renunciar ao seu passatempo favorito por
mais de quatro semanas.
Numa noite, quando eu tinha um mês e meio, uma multidão parou
em frente da nossa casa. Todos ali iam fazer uma festa surpresa 16 a al
guém que morava a vinte milhas dali.
15 Hoje, Hinsdale. 16 Nota do príncipe sérvio Bojidar Karageorgevitch na primeira edição francesa: Nos
Estados Unidos, uma surprise-party consiste em ir, à noite e em grupo, na casa dos amigos,
Eles buscavam todo mundo pelo caminho, e tinham parado em nossa casa para levar meus pais. Deram-lhes cinco minutos para se arrumarem. Meu pai era um amigo íntimo das pessoas a quem se ia fazer a surprise party; e como ele era, além disso, um dos melhores músicos da região, não podia se dispensar de colocar todo o grupo para dançar. Ele foi então se preparar para se juntar à vizinhança. Mas todos insistiram para que minha mãe também os acompanhasse. O que ela faria do bebê? Quem lhe daria leite? Só havia uma coisa a fazer nestas condições: levar junto a criança. Minha mãe tentou resistir como pôde, alegando que ela não tivera tempo para fazer os preparativos necessários. Porém, o festivo grupo não se deu por vencido. Enrolaram-me em um cobertor, e fui embarcada em um trenó que me conduziu até o baile. Quando chegamos, pensaram que, como um bebê bem-educado, eu dormiria a noite toda, e instalaram-me na cama do quarto transformado em vestiário. Cobriram-me cuidadosamente e deixaram-me por minha própria conta. Foi aí que os dois homens mencionados no início deste capítulo acharam o bebê a sacudir os pés e as mãos. Ele vestia um vestidinho de flanela amarela e um saiote de chita que lhe davam uma aparência de pobrezinho. Imaginem vocês os sentimentos da minha mãe quando ela viu a própria filha surgir assim tão desleixada. E foi desse modo que fiz minha primeira aparição em público, com seis semanas de vida e visto que eu não podia agir de outra maneira. Durante toda a minha vida, tudo o que fiz teve um ponto de partida idêntico: jamais pude “agir de outra maneira”. Também continuei a não me preocupar muito com o meu guarda -roupa...
os quais não foram informados de tal visita. Acorda-se todo mundo da casa. Levam-se os víveres e os músicos. E organizam-se a festa e a ceia.