Reflexão do conceito de marca no B2B

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Opinião

Uma Reflexão sobre o Conceito de Marca no B2B

Paulo Bittencourt

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Marca é o conjunto de associações – positivas ou negativas – sobre uma empresa, instituição, personalidade ou, até mesmo, um território que dão sentido à sua existência. Assim, as marcas Nike, Greenpeace, Pelé ou Vale do Silício, por exemplo, constituem representações das próprias realidades dessas organizações, pessoas ou lugares, nas relações com seus mais diversos públicos. Por serem representações, nem sempre possuem uma correspondência direta com a realidade que evocam, e sim com os significados construídos e reconhecidos nas relações com pessoas com as quais têm contato. É claro que quanto maior for a proximidade entre o sentido produzido por esse contato e a realidade, melhor para todos, pois diminui-se o risco e a margem para dissonâncias e frustrações. O contato é efetivado a partir das manifestações da marca. Como exemplo, imaginemos a seguinte situação: uma pessoa vê um anúncio de um novo automóvel em uma revista; vai até a loja, é atendido por um vendedor; faz um test-drive e compra o veículo; volta alguns dias depois para retirá-lo; começa a usá-lo; gosta tanto que indica o carro para amigos no Facebook. Temos aí um conjunto orquestrado de manifestações da marca, algumas executadas diretamente pela empresa fabricante do veículo (o projeto e fabricação do produto, o anúncio publicitário), outras gerenciadas ou influenciadas por ela (atendimento na revenda) e ainda outras com as quais ela não tem nenhum poder (comentários do dono do carro com amigos). Inspirado nos estudos semióticos do lituano Algirdas Greimas, podemos chamar esse conjunto de sequência narrativa, e é por ele que as pessoas formam a percepção sobre uma empresa (ou a imagem de marca). As manifestações e a sequência narrativa são a parte visível do processo de construção/gestão de uma marca (ou branding). Atrás dela, estão

os valores fundamentais (ou essência) da marca, nem sempre muito claros para os públicos com os quais a empresa se relaciona, e muitas vezes nebulosos até mesmo para a própria empresa. Esses valores precisam ser muito genuínos e, ao mesmo tempo, capazes de proporcionar uma posição única para a empresa no seu mercado de atuação. Já as manifestações, por sua vez, devem ser concebidas em sintonia com eles a fim de torná-los explícitos na sequência narrativa. Sendo assim, resumidamente, o projeto de construção ou de gestão de uma marca envolve:   • Identificação dos valores fundamentais da marca; • Planejamento das manifestações da marca; • Acompanhamento das sequências ­narrativas.   O grande desafio é que somente a primeira etapa (identificação dos valores fundamentais) depende exclusivamente da empresa, que não tem controle sobre diversas das manifestações da marca e, menos ainda, sobre as sequências narrativas, que dependem sempre da interação com os seus públicos. Essa lógica valores-manifestações-narrativas vale tanto para empresas produtoras de bens de consumo (B2C) como para as fabricantes de produtos industriais (B2B), ou ainda para personalidades ou territórios. O que diferencia então a marca no marketing industrial? Basicamente, a natureza das manifestações capazes de tornarem explícitos os valores da marca. No B2C, por exemplo, as relações do consumidor com a empresa são, na maioria das vezes, mediadas pelo produto, seja no ponto de venda ou na experiência de uso posterior. A comunicação também exerce um papel forte, chamando atenção para a oferta, estimulando a experimenno 54

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tação, persuadindo, lembrando e relembrando. Raros são os contatos feitos diretamente com a empresa, ou melhor dizendo, com as pessoas que formam a empresa. Como as manifestações relativas ao produto e à comunicação podem ser diretamente planejadas e executadas pela empresa, pode-se dizer que a empresa tem um controle maior sobre o processo de gestão da marca. No B2B é diferente. São muito raras, talvez nem existam de fato, transações comerciais sem um contato pessoal. São as pessoas de uma empresa que se relacionam com as pessoas de outra empresa, e aí são estabelecidas as relações de confiança, os vínculos e, em última análise, as sequências narrativas que constituem a imagem de marca. Nesse caso, as manifestações da marca mais importantes e decisivas são efetivadas pelas pessoas, que atendem e servem ao cliente. A comunicação tem o papel (até certo ponto, coadjuvante) de apoiar essas relações. E o produto, muitas vezes, é consequência de uma íntima proximidade entre os representantes da empresa fornecedora e os da empresa compradora, que permite a configuração conjunta da oferta. O desafio aqui é, então, o de projetar (e garantir) o alinhamento de valores da marca com manifestações que dependam, fundamentalmente, de pessoas, com suas diferenças, limitações e expectativas. De toda forma, a relevância das pessoas não diminui a importância das manifestações vindas dos produtos que, no B2B, diferentemente do B2C, valem mais por suas características pragmáticas e funcionais. Além disso, há diversas outras manifestações que não podem ser desprezadas: as instalações ou a fábrica da empresa, as tecnologias empregadas, o portfólio de clientes, o testemunho de um cliente, certificações que atestem qualidade e várias outras. A outra diferença entre a marca no B2C e no B2B é a sua importância relativa no processo de decisão de compra. Comprar de uma 80

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empresa “conhecida” equivale a dizer comprar de uma empresa com boa imagem de marca, ou de uma empresa que tem sequências narrativas consistentes, capazes de deixar transparentes os seus valores. Como vimos, os produtos ofertados, os serviços prestados, a comunicação, os depoimentos de clientes são manifestações de uma marca. Mas vamos considerar, para efeitos de raciocínio, que eles sejam postos lado a lado com a marca como itens a serem avaliados durante uma compra. No caso do B2C, a marca é, em geral, predominante, pois tem o poder de potencializar os significados capazes de diferenciar seus usuários nas suas relações sociais por meio do consumo de determinado bem. Nesse sentido, a marca chega a ser, muitas vezes, mais importante do que os produtos ou serviços em si. Já nas relações B2B, o papel da marca é diferente. Ela dá segurança para o comprador ao diminuir o risco inerente ao processo de decisão de uma compra corporativa, especialmente no caso de bens que representam investimentos elevados para a companhia ou são determinantes na composição da oferta geral da empresa. Entretanto, há outros aspectos a serem observados, principalmente a configuração da oferta (produtos e serviços) e o relacionamento entre as pessoas de uma empresa e outra. Sendo que a predominância de um ou de outro se dá caso a caso, dependendo da situação, não havendo regras prévias para n isso. PAULO BITTENCOURT, sócio-diretor da Sarau Comunicação entre Empresas, é executivoprofessor da Escola de Marketing Industrial


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