Ciências e sexualidade em uma perspectiva interdisciplinar Adielle de Almeida Silva Janine Paim Santana Portugal Jilvan Evangelista da Silva Mônica Fernandes dos Santos Rodrigo Santos Dultra Subprojeto: Linguagens e Educação Colégio Estadual Dr. Luiz Viana Filho Contato: samara_azevedo@hotmail.com; raquelneryb@gmail.com
Resumo Este trabalho resulta de uma reflexão sobre a iniciação à docência dos bolsistas do PIBID do Subprojeto de Linguagem e Educação, por meio das práticas e experiências vivenciadas no Colégio Estadual Dr. Luiz Viana Filho, situado em Góes Calmon, zona rural do Município de Simões Filho - Bahia. Pensar em ser professor vai além do planejamento, e nós, grupo de trabalho atuante no Colégio Estadual dr Luiz Viana Filho(localizado em Góes Calmon), chegamos a esta conclusão na prática, que de forma peculiar fez com que mudássemos quase todo o nosso planejamento em prol das necessidades apresentadas pela escola. Entramos no colégio em um momento delicado, o momento pós greve, e começar algo novo nessas circunstâncias, com demandas importantes como a preparação para o vestibular sendo gritadas pela escola, fez com que recuássemos o nosso planejamento inicial, e perceber com os resultados positivos obtidos a importância de se estabelecer uma relação de “dialogicidade” com a escola, relação esta que escuda os educandos, e considera como ponto de partida para qualquer trabalho o contexto no qual eles estão inseridos. Pensando assim, promovemos oficinas voltadas para o vestibular, alcançando assim, duas aprovações em universidades, o que não era a realidade do colégio em questão, e podemos considerar uma vitória. Palavras chave: docência, planejamento, dialogicidade, linguagem e educação
INTRODUÇÃO
As vivencias a serem discutidas nesse relato estão baseadas nas observações do cotidiano da escola, realizadas pelos bolsistas durante os eventos ocorridos no Colégio Estadual dr Luiz Viana Filho. Neste espaço refletimos o desafio de articular em um único planejamento, formações distintas numa perspectiva interdisciplinar em meio ao conflito de identidades que se confrontam no cenário multicultural pertinente na escola. Planejamos um projeto voltado para as oficinas sobre a sexualidade, tendo em vista o índice de gravidez na adolescência e o número de identidades de gêneros diversos no ambiente escolar. O Luiz Viana vive um contexto cultural de extremos, pois enquanto alguns estudantes não se permitem sequer falar sobre sexualidade, outros assumem a sua transexualidade. Nessas circunstâncias, percebemos a dificuldade em encontrar uma linha de pensamento dentro do tema que não fosse tendenciosa e não agredisse a ideologia de nenhum dos estudantes, pois estamos em uma sociedade em meio aos costumes e comportamentos que por tantos anos resiste a sair do tradicionalismo, e por muitos séculos o sexo e a sexualidade tornaram-se tabus. Mas o PIBID existe por causa da escola, e não o contrário. E por isso, mesmo tendo todo um planejamento e orientação para a realização do nosso projeto, as demandas da escola se sobrepuseram ao que tinha sido programado, então, realizamos oficinas voltadas para o vestibular as quais eram de grande necessidade dos alunos. Esta reflexão nos remete a pedagogia freireana como suporte teórico para refletirmos a docência. E o diálogo é a base de tudo, pois temos consciência de que a escola não é simplesmente um espaço físico, ela tem identidade e a sua própria personalidade. E a base da pedagogia de Paulo Freire diz respeito ao diálogo libertador e não o monólogo opressivo do educador sobre o educando.
OBJETIVOS O principal objetivo do projeto PIBID é proporcionar a nós bolsistas, alunos de licenciatura e futuros professores, a experiência da prática a docência no ensino básico através do contato direto com a escola, pois para a formação pedagógica completa é preciso muito mais que teorias com modelos prontos de planejamento e metodologia.
Para Ângela Kleiman o ensino por muito tempo se caracterizou pelo seguimento do livro didático e pela ordem linear que ele apresenta. Apesar da flexibilidade exigida em todos os níveis pela LDB, ainda prevalece o ensino baseado em livros didáticos que apresentam um conhecimento linear , seqüencial e dividido em unidades arbitrárias. O currículo tradicional escolar é alienante e individualista, nele cabe ao aluno só responder o que está previsto no material disponibilizado, sem realmente ter entendimento do que se trata. O aluno realiza atividades que não
possuem
nenhuma
ligação
com
sua
realidade
sociocultural. Segundo Romero (2010) apud KLEIMAN,1999.
Essa reflexão nos faz pensar também na ideia do ensino como depósito bancários como acusa Paulo Freire. Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão. – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. FREIRE, 1970, pag. 36.
No livro “A pedagogia do oprimido” Freire aponta a ideia de que a educação não pode ser um depósito de informações do professor sobre o aluno, tais como os depósitos bancários. A educação bancária expressa uma visão epistemológica que concebe o conhecimento como sendo uma transferência de informações, sendo que a educação que pensamos visa à troca de conhecimentos entre o educador e os educandos. Deve-se respeitar o papel do aluno na educação, pois nem sempre o planejamento vai sair da forma como foi planejado inicialmente, isso porque acreditamos, tal como Paulo Freire que a educação não pode ser deposito dos “saberes”, pois os alunos são sujeitos e não objetos da aprendizagem. Desse modo,
passamos a trabalhar com as atividades voltadas para o vestibular com as oficinas de produção de textos, atendendo à demanda apresentada pelos estudantes. E como parte da nossa colaboração, a escola contou com a nossa participação nos eventos, tais como a gincana, o evento do halloween e o campeonato de soletração.
REFERENCIAL TEÓRICO Nossa fundamentação teórica está na base da teoria libertadora de Paulo Freire, através de seu livro “Pedagogia do oprimido”, publicado em 1970. Nossa escolha teórica baseou-se no contexto específico da escola, que nos conduz a acreditar, assim como Freire, que o aluno não deve ser “recipientes a serem enchidos com seus depósitos”, uma vez que a educação não é algo que deva ser memorizado e repetido. Assim, nossa perspectiva busca contornar uma tendência, que o Freire coloca da seguinte maneira: Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. (FREIRE, 1987, p 33)
Cada escola vive contextos sociais específicos, e por isso em cada uma deveriam ser trabalhos conteúdos diferenciados, adequados à própria realidade, e não é isso que vem acontecendo no atual ensino brasileiro, os educandos não são “depósitos”, são seres livres com multi-inteligências que devem ser ouvidas, a educação deve ser um processo de libertação, não se fechando a modelos prontos para ensino de massa, como já foi dito por Paulo Freire:
“A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo encha de conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicista compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo.” (FREIRE, 1987, p 39)
Portanto, podemos perceber o quanto o docente tradicional oprime seus educandos, pois eles não veem a finalidade construtiva do educador, muito menos a deles. A visão que tradicionalmente o educador apresenta é a de uma pessoa que detém
o
conhecimento,
enquanto
os
educandos
são
meros
seres
em
desenvolvimento, os quais precisam daquele determinado conhecimento para se igualar ao educador, e assim transmitir o ensino tradicional como vem acontecendo ao longo das décadas.
PERÍODO DE REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE
Nossa atividade começou a ser executada em Agosto de 2013, com as reuniões de formação. Devido ao período de greve nas escolas estaduais, a atividade dentro da escola começou em Setembro e durou até Dezembro de 2012 METODOLOGIA
Nosso plano de trabalho versa sobre a sexualidade na perspectiva interdisciplinar, mantendo um diálogo entre as disciplinas de Ciências e Língua Portuguesa com as turmas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. O educador, como um dos sujeitos envolvidos no processo de alfabetização, precisa de uma preparação adequada, tanto na sua base teórica, pedagógica e metodológica, quanto na questão da adequação da realidade vivida pelos educandos, pois antes mesmo de ser aplicada a metodologia de ensino na sala de aula, o educador precisa conhecer o aluno, e ter consciência da realidade na qual ele se insere, por isso iniciamos o nosso projeto participando de reuniões de formação onde discutimos temas relevantes a nossa atividade, utilizando a bibliografia de Paulo Freire, tendo como base o livro: Pedagogia do Oprimido, Cultura escrita e letramento, Formação do professor como agente letrador e Educação cientifica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Após essa etapa de formação teórica partimos para a visitação à escola, a partir da qual decidiríamos junto com os estudantes o tema e a metodologia a serem trabalhados, tornando os alunos sujeitos ativos na escolha das questões a serem
abordadas dentro do tema proposto sobre a sexualidade. No diálogo inicial, os alunos foram ouvidos para, assim, sabermos quais temas eram do seu interesse. Como o projeto se tratava de uma novidade na escola, procuramos nos aproximar dos alunos, mostrá-los nossos objetivos, deixando claro para eles o porquê do nosso projeto. Foram formas de atrair o interesse dos alunos para o que o subprojeto PIBID, tem a oferecer. Nos deparamos com o período de greve das escolas estaduais, e por esse motivo ao retorno das atividades na escola percebemos o pouco tempo da instituição para cumprir todas as obrigações acadêmicas anuais, e os alunos sobrecarregados de atividades e ansiosos pelos exames vestibulares que se aproximavam, sentindo-se despreparados e prejudicados pela extensa greve dos professores. Percebemos, então, que iríamos passar por obstáculos ao tratar sobre o corpo, os hormônios, sexo etc. E que esse seria um trabalho que exigiria uma dedicação que não caberia às circunstâncias da escola naquele momento, e por isso decidimos recuar os nossos planejamentos e executar oficinas direcionadas para o exame nacional do ensino médio (ENEM), sendo trabalhados de maneira crítica trazendo o aluno para a posição de sujeito participante e não apenas um receptor de informações passivo.
Todos os bolsistas participaram ativamente dos eventos da escola, pois mesmo que não estivéssemos executando o nosso projeto, as prioridades da escola eram mais importantes. Em Outubro de 2012, ocorreu uma Gincana Cultural em homenagem a Luiz Gonzaga, que mobilizou a comunidade escolar envolvendo várias atividades e todos os alunos da escola, uma das provas era dançar uma música de Luiz Gonzaga, a partir daí, os alunos do 3º ano resolveram protestar. A maioria dos alunos é religiosa e não aceitou a obrigatoriedade de dançar forró. Ouvimos pairar na sala dos professores muitas ideologias, e de forma nenhuma discriminamos as crenças dos alunos, mas refletimos a respeito do comportamento que lhes foi peculiar, pois mostraram ter voz, eles defendiam suas ideias, e nesse momento se abriu uma oportunidade de pensarmos, juntamente à supervisora, como orientá-los para que pudessem ser mais abertos quanto aos assuntos do nosso projeto que estavam enquadrados nos nossos planos para posteriormente aplicarmos, sobre a sexualidade, pois sabíamos que seria um grande desafio. Em Novembro de 2012 houve apresentações artísticas relacionadas à semana da Consciência Negra e ainda no mês de novembro participamos do Hallowen literário onde os alunos fizeram apresentações sobre o “Sítio do pica pau amarelo” obra do escritor Monteiro Lobato, podemos perceber o emprenho deles não só em fazer as
apresentações artística mas também na qualidade das pesquisas. Os alunos fizeram apresentações do autor situando seu contexto de escrita e logo após uma descrição de cada personagem e sua relação com a obra. O que há de mais relevante em destacar nessa apresentação é a sacada em se apropriar de uma manifestação cultural estrangeira sem deixar de contemplar aquilo que é nacional, pois o halloween em sua tradução literal é dia das bruxas e os alunos deram destaque à cuca uma bruxa que é um jacaré antropomorfizado.
RESULTADOS
A experiência nos fez viver a escola, e perceber que elas estão inseridas em contextos sociais diferentes, exigindo especificidades na prática do ensinoaprendizagem, pois, como já foi tratado por Paulo Freire, um professor que não considera esses fatores, se torna um transmissor de elementos sem significação. Nossa experiência foi muito positiva, e não caberia aqui apenas UM resultado. Colhemos experiências significativas do que fizemos na escola, não só do ponto de vista dos resultados das oficinas, por exemplo, em que dois alunos passaram no vestibular, o que é muito significativo devido à realidade das escolas públicas estaduais, mas como resultado para a nossa própria formação, pois nós fomos confrontados com as adversidades da escola, como já mencionado, e tiramos disso uma forma de compreender e refletir melhor o planejamento do professor, que é de extrema importância para contribuir para a formação do aluno. E um dos resultados mais significativos para nós, o grupo de trabalho do Colégio Dr. Luiz Viana Filho, foi compreender que o planejamento não se sobrepõe a escola. E, ainda, a interação construída com a escola foi fundamental para uma grande produtividade e para uma melhor qualidade na efetivação futura do projeto. Nós bolsistas conhecemos a “alma” da escola, podendo participar de diversas atividades com os alunos, estreitando nossas relações e construindo importantes laços para a garantia de uma jornada produtiva dentro do Colégio Estadual Dr. Luiz Viana Filho. Compreendemos que um planejamento deve estar sempre aberto a alterações e renúncias. Nos tornamos sujeitos participantes no processo de formação dos alunos, principalmente os alunos do terceiro ano, pois tínhamos o relato de que
naquela comunidade escolar os alunos não mostravam o interesse em ingressar na universidade ou mesmo em dar continuidade aos estudos. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das nossas maiores experiências, independentemente da execução do projeto, foi entender que podemos tirar de situações inesperadas um aprendizado significativo, ou seja, lidamos com situações em que a realidade da escola nos estimulou. Conforme afirma Paulo Freire “Distanciando-se de seu mundo vivido, problematizando-o, “descodificando-o” criticamente, no mesmo movimento da consciência o homem se re-descobre como sujeito instaurador desse mundo de sua experiência”. (FREIRE, 1970) Pretendemos continuar executando o subprojeto de forma dinâmica, o qual desejamos que em forma crescente vá ganhando consistência e aumentando a gama de dados para confirmar a funcionalidade do diálogo entre as disciplinas. Como exemplo disto, iremos explorar alguns gêneros textuais, a partir de textos científicos. Para além das intenções em relação a interdisciplinaridade, ajudamos aos alunos, que antes não se interessavam e/ou não conheciam as possibilidades de ingressar no ensino superior, incentivando através das oficinas de formas diretas e/ou indiretas, a prosseguir com a carreira acadêmica. E por fim como diria Paulo Freire: "Ninguém pode ser um caderno vazio,todos nascem pra contribuir e transformar a história!"
REFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, Stela Maris; MACHADO, Veruska Ribeiro; CASTANHEIRA, Salete Flores. Formação do professor como agente letrador. São Paulo: Contexto, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. MORTIMER, Eduardo F.; VIEIRA; Ana Clara F. R.; ARAÚJO, Angélica Oliveira de. In.MARINHO, Marildes e CARVALHO, Gilcinei Teodoro (org). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. MARTINS, Isabel. Letramento científico em aulas de Química de e Letramento científico: um diálogo entre educação em ciências e estudos do discurso. In. MARINHO, Marildes e CARVALHO, Gilcinei Teodoro (org). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007. KLEIMAN, Ângela B.; MORAES, Silvia E. Leitura e Interdisciplinaridade: Tecendo Redes nos Projetos da Escola. Campinas: Mercado das Letras, 1999.