Livro CONSAD

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Seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados

Realização:

Consad e Fundap 2006


Créditos Produção Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad) Edição e Coordenação LucianaLima Costa Revisão JoelitaAraújo Projeto Gráfico e Capa JorgeRibeiro


Su mário

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Prefácio

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Manifesto em defesa da Gestão Pública de qualidade

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Agenda, aprendizado e coalizão

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As políticas de Recursos Humanos adotadas pelos governos estaduais: um diagnóstico da situação atual e possibilidades de avanços

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Gestão das Compras Governamentais: perspectivas para a consolidação dos avanços

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Governo Eletrônico

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Novas Formas de Gestão Pública

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Atendimento ao Cidadão nos estados brasileiros: tendências e desafios

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Formas de Estruturação do Governo Estadual em busca da boa arquitetura governamental


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Pref ácio

O Estado é, de um lado, uma ordem jurídica ou um sistema político e, de outro, um aparelho ou organização. Como sistema político, o Estado moderno nos países mais avançados nasce absoluto, transita no século 19 para liberal e, no século 20, para democrático. Paralelamente, como organização, nasce patrimonial, passa a burocrático no século 19, e a gerencial no final do século 20. A “administração pública” foi a maneira de administrar o Estado burocrático; a “gestão pública” é a forma de administrar um Estado que está se tornando gerencial. Definida s as nossa s ca tegorias nesses termos, depreende-se que na história do Estado moderno só houve duas reformas administrativas fundamentais: a reforma burocrática que, na segunda metade do século 19, promoveu a transição para o Estado burocrático weberiano; e a reforma da gestão pública que hoje baliza a transição para o Estado gerencial. Essas duas reformas não aconteceram ou estão acontecendo de forma arbitrária. Elas são a mudança necessária da forma de organizar e administrar o Estado como sistema político. Enquanto no Estado Absoluto a administra ção podia ser patrimonial, já que a necessidade do monarca de separar o seu patrimônio e o de sua aristocracia do patrimônio público era uma necessidade muito relativa, dado seu poder sobre os súditos, depois das grandes revoluções liberais (Gloriosa, Americana e Francesa), essa necessidade se tornou imperiosa, porque no Estado Liberal tornou-se imperioso distinguir com clareza o patrimônio dos


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governantes do patrimônio dos cidadãos burgueses, que pagam impostos e exigem a garantia de suas liberdades: a reforma do serviço público e o decorrente Estado burocrático passaram a ser condições necessárias para a efetividade da organização estatal. Quando, no século 20, o Estado se torna democrático, e os cidadãos deixam de ser apenasos burgueses para serem todo o povo, suas funções socia is se ampliam enormemente, e a reforma da gestão pública, visando a transformar o Estado meramente burocrático em gerencial e, portanto, eficiente, torna-se inevitável. O Brasil, ao iniciar em 1995 sua reforma da gestão pública, foi o primeiro país em desenvolvimento que tomou essa iniciativa, depois que a Inglaterra ou os Estados Unidos iniciassem reforma do mesmo tipo, mas antes de países que haviam sido pioneiros na reforma burocrática, como a Alemanha ou a França, o fizessem. No final dos anos 60, o Decreto 200 havia apontado nessa direção, mas foi só a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que o processo de reforma ganhou consistência e abrangência. Desde então, a reforma da gestão pública vem avançando no País, como os trabalhos neste livro demonstram. Não há nada surpreendente nesse fato, se considerarmos que essa é uma reforma inevitável para um país cujo Estado já adquiriu a dimensão que o Estado brasileiro tem. Como a reforma da gestão p ública é historicamente a segunda reforma administrativa relevante do Estado moderno, mais cedo ou mais tarde ela ocorrerá em todos os países. E, uma vez iniciada, não há alternativa senão darlhe prosseguimento. Os caminhos serão vários porque a reforma tem uma amplitude de instituições e de práticas muito grande. Em alguns momentos ela se acelerará, em outros, os grupos que se sentem prejudicados a obriga-


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rão a marcar passo, mas o caminho no sentido de tornar mais eficiente e, por isso mesmo, mais legítimo o gasto público na área social (inclusive de segurança) e científica, que todas as sociedades democráticas demandam, terá necessariamente de ser percorrido. A administração pública burocrática era adequada para tornar efetivo um Estado pequeno como era o Estado Liberal; a gestão pública é essencial p ara tornar gerencial o Estado Democrático e, portanto, eficiente. A administração pública burocrática podia ser centralizada e baseada em regulamentos rígidos; a gestão pública ou administraçãopública gerencial deve necessariamente ser descentralizada e se apoiar no controle por resultados.Na administração pública burocrática, o Estadopode executar diretamente todos os poucos serviços a que se obriga (principalmente serviços de justiça e polícia); na gestãopública, oEstado deve necessariamente terceirizar para empresas os serviços auxiliares, e para entidades públicas não-estatais (as organizações sociais), os serviços sociais e científicos; além disso, suas próprias atividades exclusivas devem ser delegadas para agências executivas e reguladoras. Lendo os trabalhos que estão publicados neste livro - relatórios das reformas que estão ocorrendo principalmente em nível estadual - o avanço da Reforma da Gestão Pública de 1995 fica claríssimo. É verdade que no âmbito federal, nos últimos três anos e meio, a reforma quase parou por questões ideológicas. Mesmo aí, porém, se ex aminarmos bem o programa mais ambicioso do governo, a Bolsa Família, verificaremos que seu êxito se deve em g rand e p arte à a doção d e uma estratég ia gerencial de descentra lização para os municípios, de caráter estritamente gerencial. No âmbito dos estados, por sua vez, os avanços são impressionantes. Enquanto


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se continua a fortalecer o núcleo estratégico do Estado com a criação de carreiras de gestores, busca-se descentralizar atividades, criar organizações sociais, agências executivas e controlar por resultados, aprofundar o governo eletrônico. Cada trabalho mostra essa tendência de uma maneira diferente, mas todos indicam a mesma direção. Esses avanços nos estados não estão ocorrendo apenas porque a reforma da gestão pública é inevitável. Há dois outros motivos mais específicos. Primeiro, porque entre 1995 e 1998 os secretários de Administração dos estados participaram de forma intensa da formulação da reforma e dos esforços para fazer aprovar a Emenda 19 a emenda da gestão pública. Segundo, porque os estados (e os municípios) dedicam uma parte muito maior de suas atividades a servir diretamente aos cidadãos-clientes do que o governo federal, cujos contatos diretos são limitados principalmente aos problemas relativos à previdência, à saúde (SUS) e às bolsas de renda mínima. Os governos estaduais e municipais precisam, portanto, dramaticamente da eficiência que a gestão pública moderna garante. O governo federal também precisa dessa eficiência, mas muitas de suas atividades são ainda mais de formulação de políticas do que de prestação de serviços e, por isso mesmo, não têm a eficiência como condição. No governo federal, nos três setores citados, houve progressos importantes, principalmente nos dois últimos. Na saúde, os avanços já ocorreram a partir de 1996, nas bolsas o avanço acelerou-se mais recentemente; apenas na área da previdência e das universidades e escolas técnicas federais, os avanços não têm ocorrido ou são muito pequenos. O Consad (Conselho Nacional de Secretários de Administração) tem tido um papel relevante na difusão


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das experiências inovadoras queestão ocorrendo emtoda parte. Este livro representa mais uma contribuição nesse sentido. Evelyn Levy, que o organizou, e os demais secretários estaduais, assim como os autores deste livro - quase todos membros da equipe da Reforma da Gestão Pública de 1995 - mostram que a reforma caminha, que os obstáculos são muitos, que muita inovação e muito espírito republicano serão necessários para continuá-la, mas que trabalhar nela é trabalhar no sentido da história ou do progresso - um progresso que os críticos sociais põem em dúvida, cumprindo assim sua tarefa, assoberbados pelas incertezas e pelos desafios que os novos problemas que estão sempre surgindo apresentam, mas que é inegável. Luiz Carlos Bresser Pereira Professor Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getúlio Vargas – FGV


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Manifesto em defesa da gestão pública de qualidade

A aproximaçã o de um novo processo eleitoral nos estados e na União, ao logo do qual a nação deverá debater as agendas prioritárias para o desenvolvimento do país, faz com que o Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad) chame a atenção da sociedade, particularmente dos candidatos aos cargos eletivos em disputa e partidos políticos,para o fato de que a melhoria da gestão pública é fator primordial para alcançarmos o objetivo de elevar a qualidade de vida da população. A construção de um serviço público de qualidade é fundamental para o exercício dos direitos de cidadania. De que adianta termos direito à saúde, educação, etc., se não tivermos a garantia do seu exercício? E com que qualidade esses direitos serão exercidos? No mundo de hoje, a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento da competitividade do país requer também um setor público eficiente. O debate sobre os desafios da gestão pública tem se limitado aos aspectos quantitativos da despesa pública. Realmente o aumento da despesa tem levado os governos a aumentar a carga tributária que já é, hoje, considerada um entrave a o desenvolvimento do país por muitos analistas. Portanto, o controle do gasto é fundamental e o país tem enfrentado essa questão, como por exemplo com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, outros passos precisam ser dados,


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particularmente na área de previdência social. Mas consideramos que é preciso adicionar a esse debate a questão da qualidade do gasto público. Qualquer que seja o volume de recursos disponibilizados ao setorpúblico, ele tem de seraplicado com qualidade. Para gastar com qualidade, o Estado tem de desenvolver competência de formulação de políticas, de implantação de políticas e de gestão de recursos, ou seja, tem de aprimorar a gestão pública. A democracia tem estimulado o aparecimento de demandas sociais crescentes que precisa m ser atendidas sob pena de estimular o descrédito na própria democracia. Como atendermos a essas demandas no quadro de restrições fiscais, e sem aumentar a carga tributária?Acreditamos que só temos uma saída: investir na melhoria da gestão pública para que possamos aumentar a produtividade do setor público. As administrações estaduais vêm sabendo responder aos desafios que lhes foram impostos pelo ajuste fiscal e pela s pressões feitas pela sociedade. Iniciativas absolutamente inovadoras e eficientes são encontradas em todos os quadrantes. Infelizmente, esses esforços ainda nã o são amplamente reconhecidos pela sociedade. O que se difunde, pela mídia, majoritariamente, são os exemplosnegativos, o que impede a sociedade de ter uma avaliação equilibrada sobre o setor público que tem. Além disso, a sociedade não dispõe de instrumentos para avaliar o desempenho dos governos, o que também a afasta de acompanhar suas realizações. Os candidatos e os partidos políticos procuram expressar os anseios da sociedade, portanto cabe a ela


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valorizar as propostas dos candidatos para a melhoria da gestão pública, de forma que o tema se torne prioridade nos programas de governo. Por tudo isso, o Consad entende ser necessário conclamar a sociedade, particularmente os candidatos aos principais cargos eletivos, no pleito de outubro/2006, a cerrar fileiras conosco na defesa de uma política pública de gestão que tenha como objetivo direcionar o setor público para a promoção do desenvolvimento e da inclusão social, com práticas de gestão transparentes, e aberto à participação da sociedade. CONSAD Conselho Nacionalde Secretários de Estado de Administração


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CONSAD - CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO

Presidente: Geraldo de Vitto Junior - Mato Grosso 1º Vice-Presidente: Valter Oliveira Silva - Alagoas 2º Vice-Presidente: Ricardo de Oliveira - Espírito Santo


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Agenda, aprendizado e coalizão Relatores: Fernando Abrucio - FGV-SP/PUC-SP Francisco Gaetani - PNUD/Brasil


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Avanços e perspectivas da gestão pública nos estados: agenda, aprendizado e coalizão

Fernando Luiz Abrucio1 Francisco Gaetani2

Introdução O ciclo de reformas nas políticas de gestão pública, iniciado no governo federal em 1995, desdobrou-se de forma escalonada pelas administrações públicas estaduais nos últimos 12 anos. Enquanto alguns estados deram início a políticas inovadoras simultaneamente às reformas implementadas pelo Ministério da Administração e Reforma do E stad o (M are) , outros iniciaram ciclos modernizadores em 1999, ou mesmo em 2003. Sugestivamente, os avanços que têm ocorrido no âmbito estadual muitas vezes não estão relacionados a uma parceria ou indução da União, embora vários deles tenham recebido 1

Doutor em Ciência Política pela USP e coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo da FGV (SP). Autor de vários artigos e livros, no Brasil e no estrangeiro, sobre reforma do Estado e federalismo. 2 Doutor em Ciência Política pela London Schoolof Economicsand Political Science. Coordenador da área de Governo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).


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a influência das propostas defendidas pelo ministro Bresser Pereira no primeiro governo FHC. É como se a irrupção das idéias disseminadas a partir do debate em torno do Plano Diretor da Reforma do Estado constituísse um passo impulsionador, mas com impactos temporais e de intensidade heterogêneos. Diante desta múltipla realida de, coube um papel especial ao Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração (Consad). Criado em 2000, ele atuou especialmentena discussão e disseminação de inovações e modelos de modernização administrativa. Para fortalecer o papel dessa importante instituição, é preciso fazer um balanço das reformas estaduais, analisando o que ocorreu, as motivações e os atores vinculados ao processo de mudança, os acertos e os erros, além de mostrar a agenda que falta colocar na ordem do dia, definindo que passos seriam necessários para realizá-la. Esse é o desafio deste seminário e do presente artigo: decifrar a trajetória recente da gestão pública estadual e vislumbrar o caminho a ser percorrido. O cenário da gestão pública estadua l no período 1995-2006 apresenta uma dupla feição. De um lado, diversos governos estaduais tiveram a vitalidade e a capacidade de inovar no âmbito das políticas de gestão pública de forma bastante autônoma em relação à União. Seguindo uma característica do federalismo, as unidades estaduais brasileiras puderam ser um campo propício à experimentação de reformas. Nesse sentido, tais avanços verificados no â mbito estadual sugerem um comportamento mais próximo do identificado por David Osborne em Laboratórios de Democra cia, livro que realçava a s inovações realizadas pelos governos estaduais norte-americanos e que antecederam o debate reformista proposto por Bill Clinton


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para o nível federal. A diferença é que, no Brasil, as mudanças não se processaram antes das reformas federais da década de 1990, mas simultaneamente e/ou depois, embora, no geral, sem nenhum tipo de relação de subordina ção. Por outro lado, no entanto, há uma desigualdade muito grande entre os estados brasileiros no que se refere à capacidade reformista, como mostrou a radiografia mais ampla sobre o assunto. Realizado entre 2003 e 2004, o diagnóstico do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal, conhecido como Pnage, revelou que também existem vários governos estaduais atrasados em termos de reforma (Abrucio, 2004). O fato é que as disparidades socioeconômicas e, sobretudo, de qualidade entre as elites burocráticas realçam a necessidade de forças indutoras de mudança. Dada a natureza essencialmente democrática do federalismo (Elazar, 1987), auxílios ou parcerias com governos devem ser feitos mantendo a autonomia e a independência de cada ente. Assim, para enfrentar o problema da desigualdade de situações e para potencializar as experiências estaduais bem sucedidas, é fundamental fortalecer formas de cooperação federativa, feitas livremente entre os governos estaduais, ou então com a ajuda do Consad, e mesmo de forma articulada com o governo federal, contanto que se respeite a peculiaridade de cada estado e a sua autonomia decisória. Para analisar a trajetória recente e as perspectivas de modernização das administrações públicas estaduais, o texto busca centrar sua atenção em três aspectos do debate: a agenda de reformas, o aprendizado em curso nos últimos anos e as vicissitudes de uma eventual coalizão reformista capaz de impulsionar as reformas.


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Em primeiro lugar, a agenda reformista vem sofrendo mudanças desde seu lançamento em 1995. É preciso, portanto, descobrir quais foram as continuidades e as descontinuidades e, especialmente, as razões que explicam as mudanças, se elas se relacionam a um aprendizado ou aperfeiçoamento, ou então à falta de uma visão de mais longo prazo sobre a modernização do Estado. Em segundo lugar, os processos de aprendizados e de transferência de políticas para e entre os governos estaduais que se processaram nos últimos 12 anos não tiveram uma única fonte inspiradora, vinda de um centro irradiador hegemônico. Nem os estados passaram a copiar as reformas do governo federal – muitas das quais descontinuada s –, tampouco o processo de disseminação de idéias e conceitos inovadores se deu por meio de comunidad es ep istêmicas entrincheira das em redutos aca dêmicos consolida dos. Lições fora m extraídas da União, mas, no geral, sem que isso fosse mera clonagem (Rose, 1993) – ao contrário, o resultado conformou uma variedade de experiências. Ocorreram formas de aprendizado direto e indireto (Levit e March, 1990), como se discutirá no texto, porém de modo fluido e fragmentado. Terceiro ponto: a constituição de coalizões reformistas, tanto no plano federal como estadual, vem se revelando um desafio dinâmico, marcado p or marcha s e contramarchas. No governo federal, as reformas de 19992002 guardam pouca relação com as do ciclo 1995-1999 e nenhuma das duas reformasgerenciais de Cardoso teve desdobramentos no Governo Lula (Gaetani, 2005). Isso não quer dizer que não tenha havido continuidades, inclusive bem sucedidas; acima de tudo, o q ue ocorreu foi a perda de uma agenda integradora das reformas, tal qual havia com o Plano Diretor e com o M are (Abrucio, 2005b). Na maioria dos estados, as alianças reformistas são também frá geis em função do maior grau de descon-


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tinuidade administrativa e de o ponto de p artida para as reformas ser mais complicado do que o colocado para a União. Destrincha r os elementos constituintes de coalizões reformistas potencialmente ganhadoras é condição para sua comp reensão, construção e fortalecimento. Além das três questões balizadoras do artigo (agenda, aprendizado e coalizões), procura-se, inicialmente, entender os vetores impulsionadores das mudanças. Nas seções finais, ademais, há um esforço para a identificação demaiores fragilidades dos governos estaduais e dos temas que constituem uma espécie de “agenda perdida”, isto é, assuntos que volta e meia aparecem na discussão, mas, por alguma razão, retornam a seguir ao campo dos “grandes silêncios”. O texto conclui com um comentário sobre os dilemas que os próximos governos – federal e estaduais – encontrarão na esfera das políticas de gestão pública. 1. Os vetores impulsionadores das reformas Os governos estaduais passaram por várias modificações nas duas últimas décadas. Primeiramente, ganharam maior poder e autonomia com a redemocratização, iniciada pelas eleições para governador em 1982 e consolida da com a ap rovação da Constituição d e 19 88 (Abrucio, 1998). Nessa nova situação, governos comandados por políticos vindos da oposição ao regime militar trouxeram inovações para a gestão pública, particularmente no campo dos progra mas sociais. O p rojeto de descentralização e participação popular no mandato de Franco Montoro (1983-1986) em São Paulo foi um dos maiores exemplos dessa experimentação bem sucedida. Entretanto, a redemocratização impulsionou mudanças insuficientes no modelo de gestão dos governos es-


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taduais. Ainda permaneceu um quadro clientelista e de uma burocracia defasada na maioria dos casos. Para piorar, aconteceu uma novidade perversa, que foi a constituição de uma postura predatória por parte dos estados, que aumentaram em demasia o endividamento e criaram instrumentos para produzir “recursos” sem base orçamentária clara, repassando tais custos à União. Não bastasse isso, acentuaram o conflito entre eles, particularmente por meio da guerra fiscal, a qual, em nome da busca de investimentos e empregos, abdicou de receitas sem obter os resultados esperados – e normalmente tal processo foi realizado contra as normas legais do Confaz, com impactos negativos para a cooperação entre os governos esta duais (Ab rucio e Ferreira Costa, 19 98 ). Com a implementação do Plano Real, em 1994, começou uma séria crise financeira nos estados, o que acabou com vários instrumentos predatórios e, como veremos adiante, foi um estímulo forçado ao ajuste fiscal. Outra modificação recente para os estados foi o novo cenário derelações intergovernamentais. Nele, destacamse dois aspectos. Um é o fortalecimento dos municípios, que ganharam um status constitucional inédito. O resultado principal disso foi a municipalização de várias políticas públicas, algo que retirou os governos estaduais da execução direta de diversos serviços, dando-lhes o papel de coordenação, financiamento suplementar ou de ação conjunta junto ao poder local – tarefas que ainda não foram completamente digeridas pelos estados. Além disso, a Constituição de 1988 e o front intergovernamental dos últimos 20 anos produziram uma espécie de federalismo compartimentalizado (Abrucio, 2005a). Trata-se de uma situação na qual há poucos incentivos ao entrelaçamento e compartilhamento de tarefas entre os níveis de governo, dificultando a articulação entre as


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várias competência s comuns e concorrentes estabelecidas pela Carta constitucional. Em outras palavras, a coordenação federativa é frágil no Brasil. Decerto que algumas área s têm maior articulação intergovernamental do que outras. O melhor exemplo disso é o da Saúde, com o SUS, uma política nacional estruturante que garante a autonomia e a interdependência dos entes segundo os princípios do federalismo democrático. Não por acaso, na pesquisa Pnage, supracitada, os integrantes dos governos estaduais disseram que a política de Saúde é a mais bem sucedida na coordenaçã o federa tiva e na integração entre formulação e implementação (Abrucio, 2004). Graças ao Fundef, um mecanismo coordenador de ações entre os níveis de governo, embora muito focado no aspecto financeiro, a Educação teve uma razoável avaliação pelos estados. Já a Segurança Pública é o setor com pior avaliação, pois não tem diretriz federativa clara, dado que não há definição do papel dos entes e da maneira como se deve dar o entrelaçamento entre os três âmbitos. Nessa linha, poderia ainda ser incluído o Saneamento Básico, bem como certas questões urbano-metropolitanas. Mesmo nos casos em que a articulação intergovernamental funciona melhor, geralmente o papel dos estados é o mais indefinido, como também o é seu modo de articulação com os outros níveis de governo em diversas políticas. Essa realidade dificulta as reformas da gestão pública estadual, uma vez que a modernização dos meios não necessariamente melhora o desempenho das atividades-fim. A articulação entre gestão e políticas, geralmente complicada na história do Estado brasileiro, é ainda mais nebulosa no plano estadual. O q uadro heterogêneo da s política s púb licas de âmbito estadual contribuiu para que as pressões por trans-


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formações no âmbito das políticas de gestão pública tivessem origens muitas vezes d istintas das inovações setoriais. Nesse sentido, as políticas de gestão pública – recursos humanos, modelagem organizacional, planejamento e orçamento, auditoria e controle, compras governamentais, atendimento ao cidadão e governo eletrônico – tiveram modificações cujos impulsos normalmente não vieram de influências das áreas-fim de governo. As reformas na gestão pública no âmbito estadual vêm sendo impulsionadas, desde a metade da década de 1990, por cinco fatores que interagem e se reforçam mutuamente: 1) a crise financeira dos governos estaduais e a construção de uma coalizão e de instituições pró-ajuste fiscal; 2) a propagação das idéias da Nova Gestão Pública após 1995, com o reforço recente de técnicos com passagempelo governo federal,os quais, sobretudo desde 2003, migraram para governos estaduais; 3) disseminação de boas práticas e inovações administrativas pelo País; 4) fortalecimento de fóruns federa tivos interestaduais, como o Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração (Consad); 5) o processo de construção de rede entre a União e os estados em prol do Pnage, em termos de diagnóstico, montagem e negociação do programa. Com a promulgação do Plano Real e a vitória de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, o governo federal se fortaleceu no front federativo e ganhou poder suficiente para atacar os mecanismos financeiros predatórios que os estados detiveram ao longo da redemocratização. O fim da inflação, a falência e posterior privatização da grande maioria dos bancos es-


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taduais, a renegociação das dívidas em termos mais restritivos (em 1997), a aprovação da Lei Kandir e, por fim, as legislações que visara m a enquadrar as finanças subnacionais, particularmente no que se refere aos gastos com pessoal, foram fatores que obrigaram os estados a reduzir gastos e a buscar maior eficiência. Premidos por essa situação, os governos estaduais tiveram, no início, dois tipos de caminho. Um foi o de aceitar a ajuda da União para diminuir o endividamento e obter algum fôlego fiscal. Nesse quesito, foram muito importantes o processo de privatização e os programas de demissã o voluntária , ambos financiados por a gências públicas federais – BNDES e Caixa Econômica Federal, respectivamente. Embora esse padrão de reformas tenha sid o essencial pa ra reduzir custos e para diminuir a politização da burocracia das estatais, seu saldo final foi mais o de desmontar o antigo aparato do que o de propor um novo modelo de gestão pública. Para o “dia seguinte” da reforma do Estado, nada se colocava no lugar – e isso foi especialmente p erverso na falta de um ma rco regulatório para os setores recém-privatizados. Outra forma deatuação contra a crise fiscal foi a criação de novas tecnologias de gestão para racionalizar os gastos da máquina administrativa, com impactos econômicos e, em certa medida, de eficiência. Estados pioneiros, particularmente São Paulo, investiram pesa do na informatização e no governo eletrônico para controlar a folha de pagamento, reduzir o valor das compras governamentais e diminuir os desperdícios por toda a administração pública. As novidades no campo das compras eletrônicas colocaram os governos estaduais na dianteira desse processo em relação à União. Além disso, a burocracia do fisco estadual foi reforçada , em termos de recursos e treinamento.


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Esse movimento de fortalecimento da capa cidade burocrática e modernização tecnológica das Secretárias de Fazenda estaduais ganhou impulso com a criação do Programa Nacional de Apoioà Administração Fiscal para os Estados Brasileiros (Pnafe), apoiado por recursos do BID e gerenciado pelo governo federal. Participaram do Pnafe 84% dos estados, e 65% do total informou à pesquisa Pnage que o programa havia sido bem sucedido. É bem verdade que houve uma diversidade de resultados, mas o fato é que a questão fiscal favoreceu a modernização das estruturas de gestão pública. Após os avanços na área fazendária, muitos estados entraram numa nova etapa do ajuste fiscal. Trata-se da adoção do Plano Plurianual (PPA) como instrumento central da gestão pública. O fortalecimento do binômio Orçamento-Pla nejamento fora impulsiona do, primeiramente, pelo governo federal no segundo mandato do presidente Fernando Henrique, depois ganhou força com a incorporação desse tema pelo Fórum de Secretários Estaduais de Planejamento e Consad, ativando-se ainda mais no último quadriênio governamental com a vinda de técnicos que ocuparam postos federais para a esfera estadual. Ressalte-se que o avanço foi mais na linha da integração das políticas com a lógica orçamentária, havendo poucos avanços no que se refere à articulação entre políticas por meio da gestão por programas – em resumo, tem-se nos estados (bem como na União) mais um OPA (“Orçamento Plurianual”) do que um PPA. Um segundo vetor de modernização dos estados foram as propostas do Plano Diretor da Reforma do Estado, concebido pelo ministro Bresser Pereira. Seus efeitos podem ser constatados em quatro níveis. O primeiro diz respeito ao apoio que o então ministro dera aos encontros de representantes dos governos estaduais, ajudando a reforçar os laços interestaduais. É possível dizer, in-


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clusive, que a criação do Consad, em 2000, tenha sido, em boa medida, uma reação à diminuição do ímpeto reformista no segundo governo FHC, procurando assim voltar à dinâmica impulsionada por Bresser. A ad oção de modelos institucionais derivados da reforma Bresser constitui uma segunda demonstração de sua importância. Embora os estados não tenham assimilado da mesma maneira as propostas, algumas delas se difundiram em mais de um caso. Um dos maiores exemplos é o das Organizações Sociais (OSs), que foram adotadas por 12 governos estaduais, perfazendo hoje 67 OSs pelo País – São Paulo, com 25, e o Pará, com sete, são as unidades com maior número dessas instituições (Sano e Abrucio, 2006). Não há, ressalte-se, um modelo único, do mesmo modo que não houve uma cópia da proposta do Plano Diretor, mas sim um estímulo à imaginação institucional dos estados, o que gerou adaptações e aperfeiçoamentos. Mas a maior importância da reforma Bresser advém das idéias disseminadas para os estados. Trata-se de um nível de difícil mensuração. Na verdade, a partir do debateque se instalou durante quatro anos (1995-1998),essa concepção foi utilizada como pano de fundo das reformas, mesmo quando houve o arrefecimento desse modelo no plano federal. Desse “caldo de cultura” estabeleceu-se um referencial geral de modernização, capaz de fornecer motivações para a adoção de um novo modelo de gestão pública. Num primeiro momento, tais propostas eram classificadas como gerenciais e, depois do primeiro governo FHC, nem tinham necessa riamente esse rótulo colado a elas. E foi nessa última etapa, quando ficaram mais livres das brigas ideológicas e nomológicas, que as idéias germinadas pioneiramente pelo ministro Bresser ganharam


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mais força. As resistências iniciais de políticos e burocratas foram paulatinamente reduzidas à medida que as propostas era m implementadas segundo as condições locais e começavam a mostrar resultados. Obviamente que há ainda vetos e pressões contra elas, mas hoje é mais difícil abandonar as novas práticas num conjunto significativo de estados. Completando o processo de propagação das idéias presentes na reforma Bresser, houve no quadriênio 20032006 uma migração de técnicos de alto escalão que tinham trabalhado no governo federal, especialmente durante o p rimeiro governo FHC, para os governos estaduais. Outros deles se tornaram consultores para modernização da administração pública dos estados. Em estados com maior presença direta dessas pessoas, como Minas Gerais e São Paulo, houve avanços significativos em prol da agenda defendida pela Nova Gestão Pública, a ncorad a em idéia s como a contra tua liza çã o, a flexibilização das estruturas organizacionais e da política de recursos humanos, além da busca de maior transparência e accountability (Clad, 2000). Lugares até então com pouca penetração dessas idéias também foram beneficiados pelo trabalho de consultoria desses especialistas muito vinculados à Era Bresser. Cabe ressaltar que a experiência deles não só teve de ser adaptada à nova realidade, como incorporou uma série de críticas ao modelo do Plano Diretor no que tange a certas propostas e, sobretudo, à forma de implementar as reformas. O terceiro vetor imp ulsionador das mudanças na gestão pública estadual é a disseminação pontual de boas práticas em praticamente todas as esferas de governo. Os bancos de experiências acumuladas ao longo dos últimos 12 anos em premiações como as promovidas pela FGV-SP/Fundação Ford, Enap, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e BNDES, entre os princi-


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pais, revelam que, se por um lado a agenda da reforma do Estado vem enfrentando dificuldades para avançar no plano das macropolíticas, muitas iniciativas bem sucedidas estão se multip licando no pla no micro – loca l ou organizaciona l –, ind ependentemente do equa cionamento de pendências estruturais ou da adoção de uma agenda integradora no plano nacional. O fato é que a multiplicação de inovações de diversas naturezas no âmbito das políticas de gestão pública tem gerado um ambiente propício para que a esfera estadual reflita sobre suas possibilidades de melhoria, modernização e transformação a partir da s mudanças em seu entorno e da crescente consciência d e que reformas não são apena s necessárias, como também possíveis e factíveis. A proliferação de reformas da gestão pública teve impulso num quarto vetor: o papel dos fóruns federativos. Embora não se tenha a tradição norte-americana de relações interestaduais (Zimmerman, 1996), o Brasil avançou muito nesse sentido nos últimos 12 anos. Não são apenas os encontros de especialistas em planejamento e administração; houve crescimento e forta lecimento das reuniões em outras áreas de políticas públicas. Em alguns casos, o governo federal e/ou políticas nacionais estruturantes tiveram um peso decisivo, mas noutras vezes foi exatamente a falta de diretrizes e/ou de recursos que levou à associação entre os governos estaduais. Mais especificamente, o modelo do Consad constituiu um híbrido diante destas duas alternativas, ou seja, houve tanto incentivos de ações federais para sua consolidação como as idéias de Bresser, a montagem de uma coalizão pró-PPA e recentemente o Pnage, como ações autônomas interestaduais, impulsionadas por alguns dos estados interessados em multiplicar suas exp eriências


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bem sucedidas, ou então motivadas pela necessidade de pleitear um papel mais sólido por parte do governo federal. Em qualquer uma das hipóteses, teve um papel central um grupo seleto de lideranças estaduais, composta por uma elite concomitantemente técnica e política. Ressalte-se que a gestão pública é tradicionalmente considerada secundária no contexto das chamadas políticas sistêmicas, como a fazendária e o planejamento. São percebidas como residuais e titulares de uma agenda negativa e pouco atrativa politicamente. Além disso, não possuem a força e a vitalidade das comunidades dos setores vinculados às atividades-fim, organizadas já há décadas a partir de suas bases acadêmicas e agendas específicas, com “constituencies” aguerridas e articuladas – como é o caso típico da Saúde. A criação e institucionalização do Consad estão mudando este quadro e trazendo os problemáticos temas da agenda de gestão pública – tradicionalmente implícitos e pouco transparentes – para o debate público. Graças em esp ecial à s suas última s direções, o Consad institucionalizou uma arena interestadual de gestão pública, com autonomia em relação aos altos e baixos do tratamento do tema no plano federal. Assim sendo, o Consad transformou em realidade concreta uma rede nacional de políticas de gestão pública constituída a partir da experiência dos governos estaduais, cuja agenda é distinta da federal, apesar de sabidamente haver sobre-posições entre elas. A periodicidade dos encontros do Consad, ademais, em um contexto de redução do ímpeto da agenda de reformas do Estado no âmbito federal, possibilitou a manutenção do debate sobre os temas constitutivos das políticas de gestão pública em um contexto de instabilidade institucional na União. Um indicador dessa volatilidade


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é o fato de o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ter tido, no período 1999-2006, seis ministros, cinco secretários executivos e cinco secretários de Gestão. O quinto elemento propulsor das políticas de gestão pública nos governos estaduais é o Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados e do Distrito Federal (Pnage). Ele foi montado juntamente com o Programa de Modernização do Controle E xterno d os E stad os e M unicíp ios Brasileiros (Promoex), embora ambos fossem autônomos no diagnóstico e na articulação com o governo federal. Na verdade, houve a preocupação de que ocorresse um diálogo entre os dois programas, procurando integrar a atividade de gestão e execução, a cargo do Executivo, com a de controle externo, desempenhada pelos Tribunais de Contas subnacionais. Embora suas primeiras formulações tenham sido feitas no segundo governo FHC, a efetiva montagem e implementação do Pnage e do Promoex vêm ocorrendo desde 2003, com o início do mandato do presidente Lula. O Pnage e o Promoex não são os primeiros programas de modernização das instituições subnacionais comandados pelo governo federal. No mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso houve o a vanço, já comentado, do Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os EstadosBrasileiros (Pnafe), que teve um caráter pioneiro no auxílio aos governos estaduais na á rea fina nceira. No enta nto, os dois programas supracitados são diferentes – e mesmo representam um corte no projeto de reforma do Estado coordenado pela União – em razão de tratarem basicamente da temática da gestão pública. Depois de duas décadas de reformas nas quais a redução ou o aumento da eficiência do aparato e dos gastos estatais constituíram os fios condutores do processo, o Pnage representou uma consciência cada


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vez maior da importância de variáveis vinculadas ao planejamento, aos recursos humanos, à sua interconexão com as políticas públicas eao atendimento dos cidadãos, neste último em termos de produção de serviços e de criação de mecanismos de accountability. Em linhas gera is, é possível identificar quatro inovações presentes no modelo Pnage/Promoex levado adiante pelo Governo Lula (Abrucio, 2004a). A primeira diz respeito à primazia do aspecto da gestão pública dentro dos propósitos do programa, sem desmerecer a questão fiscal, mas não se subordinando a ela. Nesse sentido, trata-se de uma mudança dialética em relaçã o à trajetória de reforma do E stado no Brasil, pois se incorporou o lado positivo da a genda de modernização das finanças públicas e foram agregadas questões de cunho gerencial e de responsabilização da administração pública. Conseguiu-se, com isso, sair de um dos dilemas d a reforma Bresser, conforme pesquisa de Flávio Rezende: a tensão entre o ajuste fiscal e as mudanças institucionais, com a derrota da segunda para a primeira no período FHC (Rezende, 2004). Além disso, como segunda novidade, o Pnage baseou-se num amplo e prévio diagnóstico, indo contra a lógica “solução em busca de problemas”, a qual é norteada por um blueprint que deve ser mimetizado pelos governos, característica marcante de muitas das reformas na América Latina. O diagnóstico, ademais, envolveu a participação dos estados na confecção do modelo de pesquisa, bem como no recolhimento e consolidação dos dados. Na realidade, os governos estaduais conheceram melhor, ao longo do processo, uma série de lacunas e dificulda des que não tinha m sido tematizad as ou que ganharam um novo olhar a partir de então. O Pnage também representou, em terceiro lugar, o


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primeiro programa efetivamente nacional de modernização da administração pública estadual, sob coordenação, e não imposição verticalizada, da União. Diante da heterogeneidade da Federação brasileira, em termos de situação administrativa e de recursos públicos à disposição, é preciso levar em conta que muitos governos estaduais não têm conseguido, sozinhos, modernizar a gestão pública. Isso só será possível no curto prazo com a ajuda do governo federal, por meio da cooperação interestadual e, em boa medida, mediante o repasse de fundos internacionais – no caso em questão, o dinheiro emprestado pelo BID é importa nte como aspecto estabilizador do impulso reformista nos estados. Devido à enorme assimetria que caracteriza a Federação brasileira, o governo federal tem de cumprir uma função essencial em políticas que busquem corrigir as diversas desigualdades entre estados e regiões do País. Por essa razão, precisa auxiliar os governos subnacionais, em termos financeiros e administrativos, mas deve exercer essa tarefa respeitando e levando em consideração a autonomia dos outros entes. Esse é o desafio do federalismo brasileiro e que foi enfrentado com bastante sucesso pelo Pnage e pelo Promoex, pois ambos estabeleceram programas nacionais com ampla e igual participação dos atores subnacionais, em parceria com a União. A natureza nacional do Pnage responde, portanto, aos ditames da Federação brasileira. Essa característica fica mais evidenciada quando o programa é comparado ao Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros (Pnafe). A principal diferença entre eles é que o Pnafe não teve abrangência completa, isto é, ocorreu em muitos, mas não em todos os estados, ao passo que o Pnage – como o Promoex, no que se refere aos Tribunais de Contas subnacionais – abarcou todo


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o universo estadual. Ressalte-se que tal distinção não se refere apenas a uma variável numérica, e sim a um modo de construir a ação reformista. A proposta do Pnage era de, necessariamente, abarcar todos os governos estaduais, ao contrário do que historicamente tem ocorrido nesse tipo de programa, no qual se privilegiam os mais ricos e/ou mais preparados e depois se procura incorporar alguma parcela a mais, partindo do pressuposto de que certo contingente de ad ministrações públicas subnacionais não está preparado para participar de um processo de modernização. Assim, enqua nto os modelos anteriores de atuação do governo fed eral junto às instâncias subnacionais davam maior imp ortância ao sucesso dos ma is qualificados – pensando em “não desperdiçar recursos e esforços com quem não tinha condições” –, o Pnage foi verdadeiramente o primeiro programa nacional a incluir desde o início todas as unidades, pois seu ponto de partida era o de que o ataque à desigualdade regional brasileira implica tentar incorporar, sobretudo, as que têm piores condições. A mais relevante novidade do Pnage foi o trabalho em rede entre a União e os estados, e destes entre si. Esse tipo de articulação intergovernamental deve ser incentivado, seja para disseminar as experiências bem sucedidas, seja para ajudar os governos estaduais com mais carências administrativas. A lição desse programa deve ir além dos seus resultados intrínsecos. O modelo cooperativo, vertical e horizontal, precisa estar presente numa lógica reformista de longo prazo, para a qual o Consad pode ser um dos atores centrais. A conj ug a ção d esses cinco fa tores gerou um arcabouço favorável aos esforços de reformas nos estados, mesmo em um momento em que a agenda da ges-


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tão púb lica tinha perdido o ímpeto no p lano federal (Gaetani, 2005) – paradoxalmente, o presidente Lula foi incapaz de dar centralidade à modernização da Administração Federal e teve um papel estratégico para incentivar o processo reformista nos governos estaduais, por meio do Pnage. O desafio é descobrir que variáveis permitem dar maior perenidade às mudanças, independentemente dos governantes eleitos no próximo ciclo eleitoral. O primeiro passo nesse sentido é diagnosticar o que foi feito até agora de forma consistente, gerando experiências e medidas com força suficiente para convencer os políticos e a sociedade de sua necessidade. 2. A agenda reformista dos estados: temas, inovações e path dependence Ao contrário do atual quadro de indeterminação, instabilidade e paralisia que marca a área de gestão pública no governo federal, partesignificativa dos estados vive um momento de experimentação e efervescência. Há um movimento em torno de três objetivos: procurar implantar medidas inovadoras, construir uma agenda que compatibilize o ajuste fiscal com políticas gerenciais e melhorar a prestação dos serviços públicos. O ponto de partida é heterogêneo, como se ressaltou antes, mas já há atualmente uma intenção de priorizar a reforma da administração pública num número substantivo e crescente de governos estaduais, algo que é evidenciado pelo papel cada vez mais relevante do Consad. Antes de tudo, o aspecto que salta à vista, dentro da nova agenda reformista dos governos estaduais, é a relevância da questão fiscal. Medidas como governo eletrônico, comp ras governamentais, aperfeiçoamento do fisco estadual, maior descentralização e desconcentração,


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todas elas, em suma, visavam à redução de gastos e de custos. Houve um considerável aumento da consciência fiscale foram produzidos resultados palpáveis. Basta lembrar que há oito anos apenas quatro estados cumpriam os limites da chamada Lei Camata, referente às despesas com pessoal, e hoje, em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), somente dois têm ficado numa linha perigosa. Não obstante tais avanços, há dilemas financeiros mal resolvidos, p a rticularmente a questã o previdenciária do funcionalismo público e a existência em alguns estados de fundos extra-orçamentários que escondem ou subvertem a verdadeira situação das contas públicas. Em pelos menos três temas, os governos estaduais foram precursores na administração pública brasileira. O primeiro deles se refere aos Centros de Atendimento Integrado. Na década de 1990, Bahia e São Paulo foram pioneiros, respectivamente com o SAC e o Poupatempo. Hoje, 23 das 27 unidades – incluindo aí o Distrito Federal – gerenciam algum tipo de Centro de Atendimento Integrado. Em alguns casos, o modelo se aperfeiçoou com a criação de mutirões e centros móveis, como há, por exemplo, em Tocantins e no Maranhão (Vaz, 2006). Ainda são poucos os casos em que essa forma de provisão de serviços tenha se incorporado à dinâmica cotidiana do restante das políticas públicas – quando isso acontece, normalmente é na área de Justiça. Mas a existência dos Centros de Atendimento Integrado leva a uma pressão enorme sobre os outros setores estaduais, criando um movimento “bola de neve” em prol de um Estado voltado mais aos cidadãos. Até que ponto esse vetor avançará, ninguém sabe; todavia, é quase impossível que se retroaja nessa questão. Os estados também estiveram na vanguarda no chamado governo eletrônico. São Paulo teve um papel pre-


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cursor, mas g overnos como Pernambuco, Bahia, Paraná e Minas Gerais deram passos importantes nos últimos anos. A clareza estratégica do governo pernambucano ou a abrangência e a qualidade dos porta is de Minas e Distrito Federal são bons exemplos de reformismo bem sucedido (Fernandes, 2006). Sua aplicaçã o se deveu, em parte, ao ava nço da área de TI em termos de equipamentos e treinamento – embora o planejamento dessa política tenha diversas falhas na grande maioria dos estados, bem como é frágil sua articulação com os outros setores governamentais (Abrucio, 2004). M as a principal motivação para investir nesta política foi a busca do equilíbrio fiscal. Nesse sentido, suas ações se concentraram na organização administrativa e, sobretudo, no processo de compras eletrônicas, com menor espaço para medidas de democratização da informação pública e de seu acesso. E foi por essa mesma linha em prol do ajuste que a terceira medida vanguardista de gestão foi propiciada. Fala-se aqui das compras governamentais. Como os estados precisavam urgentemente reduzir custos e estavam se aperfeiçoando na área de TI e governo eletrônico, o modelo de compras e licitações ganhou terreno fértil para avançar. A principal característica dessa política, similarmente aos Centros de Atendimento Integrado, foi sua disseminação impressionantepara diversos estados, com grande apoio do Consad – talvez essa tenha sido a política disseminadora mais bem sucedida deste fórum interestadual. Destaque também para a visão de “coordenação descentralizada”, propugnada por Pernambuco, e para as licitações sustentáveis, concebidas por São Paulo (Marini, 2006). Além dos problemas de legislação, os desafios para essa área se relacionam à qualidade dos bens comprados, o que mostra o quão difícil é coadunar eficiência com eficácia e efetividade.


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A necessidade do ajuste fiscal, sem dúvida alguma, foi o maior propulsor das reformas e inovações nos estados. Uma área como Recursos Humanos preocupou-se, antes de mais nada, com a tarefa de “arrumar a casa” (Marconi, 2006). Mas não se pode dizer que esse tenha sido o único leitmotiv das mudanças. A preocupação com a melhoria da articulação intergovernamental junto aos municípios foi a maior obra do último governo catarinense (Martins, 2006). O tema da regionalização também está presente no Espírito Santo, que criou um Fórum de Secretá rios Municip ais d e Administração, nos moldes do Consad. A montagem de uma coalizão pró-PPA, abarcando um universo enorme de estados, é outro tema que, apesar de sua inegável preocupação fiscal, ampliou o horizonte reformista. A questão das metas e indicadores para as política s púb licas tivera m d estaque nos PPAs de Sergipe e do Ceará. Além disso, há uma preocupação geral em atuar em prol da intersetorialidade, a despeito dessa empreitada não ter tido ainda muito sucesso, pois normalmente a estrutura organizacional e a posição insulada dos setores dificultam a coordenação e a integração intragovernamentais – talvez a grande exceção aqui seja o exemplo bem sucedido de Minas Gerais (Vilhena et alli, 2006). A preocupação com a efetividade das políticas públicas foi outra orientadora das ações estaduais. De um lad o, isso p ode ser cap tad o na p reocup a çã o em implementar a gestão por resultados, por meio de formas de contratualiza ção, como apa receram nos casos de Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais. Por outro, diversos governos estaduais procuraram melhorar a prestação dos serviços públicos, até mesmo dando aos cidadãos meios para avaliar melhor as políticas públicas,


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como foi o caso do Paraná com o Portal da Gestão do Dinheiro Público (Pacheco, 2006). Além dos temas e motivações, vale compreender as reformasestaduais por sua capacidadede se orientar pela Nova Gestão Pública. Mesmo que num número ainda restrito de estados a contratualização dos serviços apareça com desta que, principalmente nas ex periência s de Pernambuco – onde 15 entidades da administração indireta e cinco organizações sociais já assinaram contrato de resultados –, São Paulo – particularmente com as Organizações Sociais que gerenciam 16 hospitais – e Minas Gerais, com o chamado Acordo de Resultados. Ressalte-se mais uma vez: a maioria dos estados ainda não trilhou esse caminho reformista. Na área de Recursos Humanos, a profissionalização da burocracia estadual teve alguns avanços. Entre eles, dignas de nota foram as medidas vinculadas à criação de carreira d e g estores – como ocorre u em Goiás e Sergipe, por exemplo –, ao aumento do número de Escolas de Governo e, sobretudo, à enorme ampliação dos recursos e programas de capacitação – não obstante essas políticas de formação e treinamento nem sempre terem o foco adequado. Uma análise incauta consideraria tais ações mais próximas do chamado modelo burocrático. O erro desse tipo de visão está em pensar de uma forma etapista e completamente separada tais paradigmas, quando, à luz da experiência internacional, constata-se mais intersecção entre eles do que uma trajetória meramente evolutiva. No caso dos governos subnacionais brasileiros, reformar o Estado é, ao mesmo tempo, combinar iniciativas meritocráticas relacionadas à burocracia clássica e à Nova Gestão Pública. Segundo a literatura e a experiência internacionais, o que hoje dá um sentido modernizador à área de RH é a


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capacidade de pensar estrategicamente o planejamento da força de trabalho, isto é, trata-se de definir o perfil da burocracia, com suas atribuições e incentivos. Nessa linha, estaria a flexibilização das formas de contratação de pessoal. E aqui apenas um ente, o governo do DF,avançou em prol do instrumento do emprego público. De resto, afora Bahia e Minas Gerais, a maioria dos estados não consegue articular a gestão de pessoas com as outras políticas públicas (Marconi, 2006). No campo das inovações da Nova Gestão Pública, portanto, o tema dos Recursos Humanos tem um enorme caminho pela frente. Mas é no campo da democratização e accountability do Poder público que os estados pouco evoluíram em relação à Nova Gestão Pública. A governança democrática interna – junto aos servidores – e externa – em relação à sociedade e aos outros poderes – dos estados não avançou muito, o que pode prejudicar o restante das reformas, uma vez que as mudanças dependem decisivamente de coalizões reformistas e da transformação dos valores dos funcionários públicos e da população. Medidas destinadas a aumentar a transparência da administração pública não receberam a mesma atenção dos reformadores estaduais. O exemplo das Ouvidorias é paradigmático nesse sentido: apesar de 5 9% dos governos estaduais adotarem esse instrumento, 48% dos ouvidores não têm mandato fixo e são severamente subordinados ao governador. Pior: apenas 30% das Ouvidorias dos estados divulgam suas atividades e a avaliação de seu desempenho regularmente (Abrucio, 2004: 162-163). Como contraponto, alvissareira é a percepção dos estados de que devem estabelecer parcerias entre si. Para além da vontade, já há uma realidade: segundo a pesquisa Pnage, 63% dos governos estaduais afirmaram que a participação em fóruns federativos teve papel recente


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na melhoria de sua administração pública (Abrucio, 2004: 172). Trata-se, então, de uma situação que, por conta de seus resultados, dificilmente será abandonada pelos futuros g overnantes. Estab elece-se uma forma d e pa th dependence, ou seja, são criados obstáculos ao retorno para o antigo modelo e, mais do que isso, há fatores que impulsionam a continuidade de tais políticas, muitas vezes tendo um efeito diagonal, pois outras áreas são afetadas. Esse fenômeno de path dependence se rep ete em medidas da área fiscal, em ações de governo eletrônico e compra s governamentais e, evid entemente, é muito marca nte nos Centros de Atendimento Integrado, bem como o aumento da capacitação de pessoal e a criação de carreiras e Escolas de Governo favorecem a demanda futura por maior profissionalização. Sucesso tanto em termos de eficiência como de efetividade, os hospitais administrados por Organizações Sociais em São Paulo têm poucas chances de serem desativados por um novo governador. Em suma, todos esses exemplos ressaltam casos em que a alteração do que já foi constituído torna-se mais custosa do que a continuidade. Ficam duas dúvidas, entretanto. Primeira: qual é a abrangência, no conjunto dos estados, das reformas com efeito de path dependence? Segunda: qual é a capacidade de essas medidas impulsionarem, em cada lugar em que foram instaladas, transformações em outros setores da máquina pública? Dada a curta série histórica do reformismo no nível dos estados, torna-se difícil imaginar um padrão esperado de resultados. Por isso, mais relevante é entender quais são os atores que podem conformar uma coalizão de longo prazo, como eles podem aprender com o processo e que temas deveriam entrar na pauta dado que estariam, por enquanto, fora do debate.


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Para seguiressa trilha deperguntas, vale realçar um ponto essencial mostrado por esta seção: os estados já têm uma história de reformas e, portanto, devem partir do caminho construído, com o aprendizado daí retirado. 3. Os atores da reforma: possibilidades e dificuldades para a coalizão Políticas de gestão pública não são neutras em relação a processos políticos e estruturas de poder. Múltiplos atores estão direta ou indiretamente envolvidos com os processos de transformação da administração pública. Uma breve análise de como esses grupos se posicionam é útil para a compreensão das potenciais alianças em torno de coalizões reformistas. Antes de descrever a estrutura de interesses, valores e poder que envolve a q uestão, vale ressaltar que políticas d e gestã o pública costumam ter menor visib ilidad e do que a s ativida des-fim, a lém d e serem mais difusas, pois ating em vária s áreas. Por essas razões, gera lmente não têm tido grande apelo eleitoral e p ouco mobilizam os potenciais beneficiários, mesmo porque seus ganhos são “ dividid os” com outros temas e, sobretudo, manifestam-se mais claramente, aos olhos da socied ade, do médio para o longo prazo. Não há hoje, ad emais, uma comunid ade acadêmica no Bra sil em número e força suficientes para colocar o assunto no topo da ag enda. Por fim, a maior parcela da classe política aind a não compreend eu a importância das a ções da Nova Gestão Pública, uma vez que seu cálculo eleitora l ainda se move por ações vinculadas à distribuição de serviços e recursos aos eleitores, de forma clientelista ou não, ma s com uma preocupação pequena em relação ao m odo de produ zir os programas governa-


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mentais e no que tange a os impa ctos ma is amplos e intertemporais da a ção política. Mas quatro aspectos favorecem as políticas de gestão no plano dos atores e das alianças. O primeiro relaciona-se com a necessidade imperiosa do ajuste fiscal, pelo menos num nível capaz de dar conta dos ditames da LRF e, mais p articula rmente, da poup ança estadual exig ida pa ra p a ga r a s ob rig a ções vincula d a s à renegociação das dívidas, efetuada no final da década de 1990. Desse modo, não há como um novo governador chega r ao poder e atacar as ações que aumentam a economicida de e eficiência da má quina p ública – no máximo, ele pode aperfeiçoar tais medidas. Além disso, já há uma consciência nos formadores de opinião contrária à “cultura da gastança” sem bases fiscais sustentáveis. E os governos se posicionam num ponto muito distante da visão mediana da opiniãopública ou sofrem uma pressão irrefreável, ou então têm de conseguir construir um novo pa rad ig ma , convencendo a socied ad e da pertinência de seus programas. Não parece haver no horizontealgum modelo, com sustentação teórica e empírica, capaz de se contrapor à responsabilidade fiscal, pelo menos de forma radical. Conclui-se que a responsabilidade fiscal é o primeiro – e sólido – pilar das alianças reformistas estaduais. Tão importante quanto são os tipos de path dependence criados pelos últimos governos estaduais, isto é, as políticas que chegaram a um estágio de “não-retorno”. Para tanto, tais ações devem ter um resultado muito bem avaliado e, ao mesmo tempo, congregar apoio social em torno de si. Do ponto de vista da literatura, trata-se de um padrão em queas policies geram politics (Couto eAbrucio, 2003). Nesse caso, estariam com certeza os Centros de Atendimento Integrado, as compras governamentais, o


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uso do governo eletrônico e a coalizão em prol do PPA vinculando o Orçamento a metas de planejamento. Além desses, num conjunto menor de casos e com graus distintos de aceitação, poder-se-ia elencar medidas vinculadas à maior profissionalização da administração pública – carreiras de gestores e particularmente Escolas de Governo geram aliados essenciais –, à contratua-lização bem sucedida de resultados – o maior exemplo são as Organizações Sociais em certos estados – e outros programas inovadores específicos de um estado, cujos impactos tenham sido bem avaliados política e administrativa mente, como p a rece ser o ca so d a g estã o regionalizada em Santa Catarina. As coalizões em torno das políticas de gestão pública nos estados são beneficiadas por um terceiro aspecto: a constituiçã o, nos últimos a nos, de “policies entrepreneurs”, na linha definida por John Kingdon ( 1995). Esses “empreendedores de políticas” seriam constituídos atualmente por um grupo formado por funcionários de carreira e, especialmente, por um híbrido de técnico e de político, composto pelos líderes no processo de mudança administrativa – trata-se daqueles que Aberbach, Putnam e Rockman (1981) chamam de policy-makers, os quais alia m o conhecimento especializa do com habilid ades políticas. Tais lideranças por vezes vêm da burocracia estadual, em alguns casos têm experiência no governo federal, enquanto outros tiveram trajetória no setor privado e/ ou na academia. O que os unifica são três coisas: uma visão de mundo, isto é, valores compartilhados em termos de gestão pública, a ocupação de uma posição comum em termos de problemas a enfrentar e, por fim, a utilizaçã o de medid as semelhantes para reformar a administração pública. A percepção dessa situação que


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os agrega tem sido p ossibilita da p elo Consad e foi fortalecida pelo Pnage. Assim, quanto mais houver formas de articulação horizontal e vertical, mais chances haverá de essa coalizão se tornar mais sólida. É bem verdade que há, nesse ponto, diferenças razoáveis entre os estados. Com base nas entrevistas e na comparaçã o do d esempenho d os governos estaduais fornecidas pela pesquisa Pnage, é possível dizer que há lugares em que os “policies entrepreneurs” são fortes o suficiente para manter o processo reformista independentemente da mudança de governo; noutros eles são capazes de, no mínimo, evitar retrocessos; e num conjunto substancial de estados, em razão das reformas terem andado muito pouco, é possível dizer que não há policy-makers suficientes com capacidade para pressionar e se articular com os políticos e a sociedade em prol da modernização da gestão pública. Para evitar a postura voluntarista, cabe frisar que os “policies entrepreneurs” não podem sozinhos liderar o processo reformista. Eles dependem de condições políticas para exercer seu papel. Entre essas, destacam-setrês: o padrão de atuaçãoda União, a situação política de cada estado e a ação do Consad como fórum capaz de fortalecer os laços interestaduais. No primeiro caso, a inconstância da política de gestão pública do governo federal nos últimos anos não é um bom alento; contudo, a aprovação do Pnage, um mérito do Governo Lula, deu ao Executivo federal o papel de coordenação do programa, o que constitui um forte incentivo à sua participação como indutor de reformas nos governos estaduais na próxima gestão. Esse fator vertical favorável poderá ser potencializado quanto mais a articulação horizontal entre os estados se fortalecer, de modo que o sucesso do ciclo em prol da Nova Gestão Pública dependerá da atividade


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política do Consad, de como suas lideranças vão aumentar o tamanho da coalizão, tanto entre os agentes públicos como junto à sociedade. O apoio dos governantes e políticos eleitos no estado é estratégico para a continuidade das reformas. Esse aspecto poderá ser pressionado pela força que a idéia mobilizadora presente no slogan “Choq ue de Gestão” começa a adquirir. Aqui está o quarto e último fator capaz de potencializar uma coalizão reformista mais sólida em prol de reformas da gestão pública estadual. O fato é que foi aberta uma “janela de oportunidade”, a partir da capacidade de atores políticos centrais, em especial os governadores de Minas Gerais e de São Paulo, colocarem um novo tema na agenda pública, para o qual conquistaram uma aceitação ampla e difusa, baseada não só na demanda da sociedade, mas em práticas administrativas já testadas. Essa idéia mobilizadora tende a ganhar a arena eleitoral, mobilizando alianças e confrontos em torno dessa questão, particularmente entre os formadores de opinião. É possível concluir que nem todos os governadores seguirão essa agenda, porém muitos deles serão pressionados ou perceberão benefícios políticos em fazer o seu “Choque de Gestão”. Em resumo, os quatro fatores que favorecem as alianças e coalizões em torno da política de gestão pública nos estados são: o efeito da questão fiscal, as inovações administrativas que geraram path dependence, o peso dos “policies entrepreneurs” e a “janela de oportunidade” aberta pela idéia mobilizadora do “Choque de Gestão”. Tais aspectos potencializadores, obviamente, dependerão da efetiva articulação com os atores que sempre afetam o processo de reforma. Primeiramente, os governadores são atores decisivos. Os chefes do Executivo estadual de Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Goiás,


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Bahia Ceará e Santa Catarina, entre os que manifestaram maior intensidade de preferências, buscaram associar suas gestões a símbolos e retóricas reformistas. Nesse sentido, não só apoiaram as reformas como as tornaram um elemento estratégico em seu cálculo político. Para juntar a percepção técnica com a estratégia política, esses governadores inovaram ao dar ao tema da gestão pública um sentido positivo na agenda governamental. Trata-se de uma abordagem mais rara e difícil, pois os fracassos da proposta de Bresser Pereira e de outros projetos de reforma pelo mundo afora relacionamse intensamente com a dificuldade de mostrar quais seriam os benefícios contidos nas reformas. Tratava-se, em suma, de anunciar uma promessa de mundo novo para o “dia seguinte” da reforma doEstado (Nogueira, 2004). Ressalte-se que Bresser fora muito prejudicado no governo FHC pela hegemonia de economistas e tecnocratas cuja visão era meramente desconstrutiva do processo reformista – estavam mais para o “ajuste” do que para a “reconstrução” do aparelho estatal. A reforma da gestão pública nos estados também é condicionada pela sua relação com a área econômica, usualmente liderada pelas Secretarias de Fazenda. Aí está um essencial protagonista no cenário político-administrativo estadual. Sem o apoio efetivo da burocracia fazendária, ou pelo menos sem a oposição dela, não há como realizar grandes mudanças na administração pública. Uma lição depreendida das dificuldades observadas pelo Mare é que não basta o alinhamento das reformas com objetivos de ajuste fiscal e eficiência gerencial. É preciso a compreensão e o comprometimento da área econômica com a implementação das políticas de gestão pública, que precisam de suporte financeiro inicial antesde produzir resultadosdo pontode vista estritamente


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econômico. Os governos estaduais que aparentemente têm produzido modificações e inovações mais duradouras e sustentáveis são aqueles em que as esferas econômica e administrativa possuem um relacionamento mais harmonioso, cooperativo e sinérgico – ou, pelo menos, com grau baixo de conflito. Outro ator estratégico são as secretarias-fim, vinculadas às políticas setoriais. Elas condicionam o processo reformista, acima de tudo, porque se as medidas de modernização administrativa não chegarem a elas, direta ou indiretamente, será mais difícil obter apoio dentro e fora do governo, uma vez que a capitalização política é maior nos órgãos de linha, que desempenham um papel potencial de catalisadores de inovações nas administrações estaduais. Isso significa que políticas públicas, como Educação e Saúde, que avaliem a possibilidade de ter ganhos potenciais com a implementação de reformas, podem ser importantes parceiros na sua formulação, negociação e implementação, com impactos intragovernamentais e nos usuários de serviços públicos. Ademais, a fa lta de participação ou a oposição das secretarias-fim é um dos maiores obstáculos às reformas de gestão pública. No primeiro caso, a d ependência de um centro irra diador único aumenta os custos políticos do processo reformista. No segundo, o efeito é ainda pior: o órgão e os policy-makers responsáveis pela política de gestão pública ficam isolados, têm grandes dificuldades para mostrar resultados concretos aos cida dãos e, no limite, são “derrubados” pelos setores mais articulados e poderosos. Este último aspecto deve ser ressaltado: existem fortes corporações e “cartórios” nas administrações públicas estad uais e eles devem ser, no mínimo, neutraliza dos. A relação com os demais poderes é uma condição


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importante para o sucesso das reformas. As Assembléias Legislativas têm sido um dos atores políticos mais alheios, quando não resistentes, a processos de modernização do Estado – aqui, sobretudo nas questões previdenciárias do setor público. No entanto, os Executivos estaduais possuem um grau de controle sobre seus Legislativos muito maior do que o governo federal (Abrucio, 1998), embora os governos estaduais, em sua maioria, pudessem mexer mais no modelo de patronagem se não precisassem montar maiorias parlamentares pela via do fisiologismo. De qualquer modo, as Assembléias Legislativas não vêm constituindo obstáculo significativo às mudanças. Só que o maior envolvimento dos deputados estaduais daria maior legitimidade ao processo, seja porque eles mudariam o foco de seu cálculo político – que seria menos centrado na patronagem e no clientelismo –, seja porque poderiam atuar mais no processo de controle do poder público e da burocracia. E aqui está um dos maiores déficits das reformas recentes: as inovações administrativas incorporam pouco o elemento da accountability em sua lógica. Parte da culpa está na fraqueza institucional dos Legislativos estaduais. Os outros órgãos de controle dos governos estaduais geralmente não têm a mesma autonomia de atuação e a capacidade de intervençãoque marcam seus congêneres federais como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal. O mais fraco deles no plano estadual são os Tribunais de Contas. Os TCs estaduais ainda são fortemente afetados pela composiçãoextremamente politizada de sua cúpula e pela adoção majoritária de padrões formalistas de fiscalização. Ressalve-se aqui o primeiro gérmen de mudança: a realização do Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios Brasi-


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leiros (Promoex), com apoio financeiro do BID, poderá alterar parte do quadro descrito, não obstante a variável p olítica ser o nó g órd io d os Tribuna is de Conta s subnacionais (Arantes, Abrucio e Teixeira, 2005). Até mesmo os procuradores estaduais, pertencentes ao mais autônomo dos três “watchdogs”, não possuem a mesma capacidade de fiscalização e controle de seus análogos federais, embora tenham ganhado importância com o uso crescente do Ajustamento de Conduta, forma importante de garantir os direitos dos cidadãos, mas que poderá ser melhorado à medida que as noções da Nova Gestão Pública forem incorporadas ao ideário do Ministério Público estadual, ainda muito formalista em sua visão administra tiva. A sensibilização desses atores institucionais para os processos de reformas da administração pública pode fazer a diferença entre se posicionarem como aliados ou opositores de mudanças, mas, acima de tudo, dará outra qualidade ao processo aumentando os pontos de accountability do sistema. As recentes iniciativas do Conselho Nacional de Justiça em relação às questões do nepotismo e do teto salarial no Judiciário sugerem que a pressão da opinião pública, combinada com o esforço de reformistas estrategicamente situados, pode dar origem a importantes mudanças. A sociedade civil vem se fortalecendo no Brasil nas últimas décadas, desde o processo de redemocratização. Tanto a mídia quanto organizações não governamentais e formadores de opinião vêm recorrentemente abordando a questão da reforma do Estado, embora de forma superficial. A atenção desses atores é, em geral, motivada por denúncias de nepotismo, corrupção ou desperdício dos recursos públicos – tradicionais justificativas para a deflagração de reformas na administra ção púb lica


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(Light, 1998). Com poucas exceções, a maioria das lideranças sociais não tem se engajado em processos de reforma da administração pública com conteúdos positivos, sejam eles próximos de uma agenda burocrática ou mais gerencialista. Nos estados mais desenvolvidos, a vitalidade da sociedade civil não tem sido um fator impeditivo de casos dedegradação da administração pública estadual – como ocorreu no Rio de Janeiro –, tampouco consegue ser uma grandeimpulsionadora de processos modernizadores. Há muito a ser feito em termos de persuadir a sociedade de que o Estado – aqui, os governos estaduais – pode ter seu desempenho significativamente melhorado à medida que os cidadãos e suas associações se engajarem num debate sobre como reconstruir a gestão pública, não ficando apenas na perspectiva negativa – por vezes privatista, por outras, meramente udenista. Nessa linha, três ações em prol da ampliação da coalizão reformista devem ser feitas. Uma é a articulação com a universidade, com empresas privadas ou consultorias, com o intuito de agregar conhecimento técnico e experiência de gestão. Isso ainda é raro, mas os governos da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco já vêm fazendo essa articulação de forma mais constante. A articulação com a sociedade precisa contemplar também a inclusão das associações civis no debate da agenda de reformas. Isso precisa ser feito de forma mais perene, por meio da criação, em cada estado, de um conselho de reforma da gestão pública, e precisa ser ativado por poucas e sintéticas idéias mobilizadoras, capazes de colocar na pauta política esse tema. Daí que a “janela de oportunidades” aberta pelo slogan “Choque de Gestão” deve ser aproveitada para criar a mesma pressão social que, no final da década de 1990, estabeleceu uma coali-


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zão pró-responsabilidade fiscal, só que agora em prol da modernização da administração pública. Não se pode esquecer, em hipótese alguma, da necessidade de atrair o cida dão comum, em especial os mais pobres, para o processo de reformas. Ações nesse sentido aumentariam a legitimidade social do reformismo estadual. A melhor maneira de fazê-lo é aprimorar os canais de participação dos usuários de serviços públicos, tanto nos conselhos de políticas públicas – impulsionados pela Constituição de 1988 –, como principalmente na gestão e avaliação dos equipamentos sociais. Obviamente esse processo vai exigir uma maior articulação entre os projetos diagonaisda área de gestão com a lógica das secretárias-fim. Soma-se a isso a necessidade de mudar a cultura predominante entre os funcionários públicos, muito ensimesmada e pouco voltada para responder à sociedade. E não se pode negar que esta mudança do ethos público depende significativamente do reforço do Estado nas áreas mais carentes e hoje carcomidas por uma situação hobbesiana – em outras palavras, o professor e o médico da periferia precisam de condições profissionais e institucionais para cumprir o seu d ever de servir aos cidadãos. As orga niza ções fina nceiras interna ciona is – notadamente o BID e o Banco Mundial – são importantes atores nos processos de formulação, implementação e avaliação de políticas de gestão pública. Ambos vêm atuando com mais ênfase na viabilização de recursos em escala necessária para programas mais ambiciosos de modernização do Estado. Além disso, eles têm contribuído também com a realização de diagnósticos e com o desenvolvimento de pesquisas que contribuem para a qualidade das políticas públicas no País. Embora sejam atores secundários nos processos decisórios, o BID e o


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Banco Mundial têm sido parceiros engajados no enfrentamento dos problemas das administrações públicas federal e estaduais, e seu potencial será mais bem explorado se os governos evitarem o mimetismo, utilizando esse auxílio para agregar instrumentos à capacidade da gestão estadual de resolver os problemas. Transferências de recursos ou tecnologias somente são boas se estabelecem alicerces para os governantes e suas sociedades tomarem decisões autônomas e com qualidade. Há outras organizações estrangeiras, como as Nações Unidas, a OCDE e o Clad, que têm influenciado o debate sobre a gestão pública no Brasil. Todas têm sido importantes para aumentar a massa crítica relacionada ao tema, mas, sem dúvida, o Clad vem constituindo a principal delas para os governos estaduais, em função da crescente participação de dirigentes, acadêmicos e consultores brasileiros nos seus congressos anuais. A ausência no campo da administração pública de uma policy community brasileira de maior número e força acadêmica fazcom que o debate latino-americano seja ainda mais relevante como instância aglutinadora da discussão. Ressalte-se que o ganho daí advindo não substitui a lacuna principal: é preciso fortalecer e ampliar o número de pesquisadores e centros de pós-graduação dedicados à gestão pública. E os estados poderiam ter um papel importante neste processo de adensamento de conhecimento, pois seriam beneficiários imediatos e de longo prazo dessa ação. Feito o mapa dos fatores que favorecem a coalizão e dos atores estratégicos no plano estadual, é necessário entender o que leva ao aprendizado em relação às inovações e ao próprio processo de reforma – sua formulação e implementação bem sucedidas.


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4. Aprendizado em políticas de gestão pública: formatos e lições do reformismo estadual Gestão pública é um campo de conhecimento peculiar. Trata-se de uma área por definição interdisciplinar que depende de conhecimento advindo da ciência política, da economia, da administração, da sociologia, do direito, da história e da cibernética. Acrescente-se aí o forte componente aplicado do aprendizado. A ênfase no aprendizado prático chega até mesmo a gerar desconfianças em relação às potenciais contribuições de teóricos e acadêmicos sem vivência no setor. No Brasil, o número ínfimo de instituições e pesquisadores dedicados ao assunto, a pouca atenção que as áreas correlatas dão à questão e a ausência de um espaço de reflexão mais sistemático que agregue acadêmicos e administradores públicos são aspectos que tornam ainda mais necessário pensar sobre como ativar o aprendizado reformista. O processo de aprendizado pode se dar de duas formas: direta e indireta. No âmbito das experiências estaduais, as duas formas estão ocorrendo. A forma direta diz respeito ao aprendizado em primeira mão, isto é, à capacidade de refletir, elaborar e aprender com a própria experiência. Os estados onde tem se verificado maior continuidade da administração e aqueles onde a mudança de governo não gera descontinuidades administrativas são os que mais têm vivenciado essa forma de aprendizado. Já o aprendizad o indireto é o que se processa mediante o a proveitamento das experiências de outros. Trata-se de aprender com modelos alheios, o que p or um lado elimina os custos do pioneirismo, mas, por outro lad o, pod e dificulta r a internalizaçã o dos ganhos do aprendizado d ireto. E ssa modalidade tem sido p oten-


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cializa da em temas como Centros de Atendimento Integrado e Compras Eletrônicas. Vários estados estão se beneficiando d os acertos, erros e desenvolvimentos de outros, graças em especial à dinâmica de funcionamento em rede possibilita da pelo Consad e, mais recentemente, com o Pnage, que poderá propicia r um salto de modernização que alguns g overnos estaduais nã o dariam sozinhos. Cabe um comentário em relação ao fato de as lições poderem ser positivas ou negativas. No caso da aprendizagem direta, a tendência é que aprendamos mais com nossos fracassos que com nossos acertos. Com a aprendizagem indireta ocorre o inverso: experiências bem sucedidas são disseminadas com mais facilidade. Observando as administrações públicas estaduais, ambos os processos se verificaram. A circulação das idéias e de processos inovadores se deu por meio de dirigentes estaduais que estã o envolvidos com os processos de reformas há mais de uma década e por intermédio de pessoas que participaram dos processos relacionados com as reformas de 1995-1998 e 1999-2002, que depois se deslocaram para posições de direção nos estados e para a área de consultoria a governos estaduais. Além disso, já há impactos do Pnage e do auxílio federal na Era Lula aos estados mais atrasados em termos de reforma. O aprendizado nos estados é influenciado por um conjunto de fatores que inclui recursos de poder, acesso a redes d e conhecimento, nível de inserção no debate acadêmico nacional e internacional, familiaridade com o posicionamento dos especialistas da área, os valores dos tomadores de decisão (que podem incentivar ou inibir o processo de aprendizado e disseminação de boas práticas) e, por último, mas não menos importante, o grau de necessidade imposto pelarealidade – caso de proble-


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mas cujo agravamento força os dirigentes a se posicionarem, como a questão fiscal e a necessidade de maior eficiência. Ressalte-se o fato de que a recuperação dessas trajetórias e rotas por onde o debate sobre as políticas de gestão pública se manteve ativo, mesmo estando em declínio no plano federal, é revelador do sentido profundamente prático e aplicado d o aprendizad o nessa área. A experiência dos integrantes do Consad revela uma tomada de consciência em relação a uma série de dimensões dos processos de políticas públicas. Em primeiro lugar, há clareza de que políticas e programas na área de gestão são construções institucionais e que este processo de formulação não se dá de forma espontânea. Ainda, existe a compreensão de que há experiências, tecnologias, metodologias e conceituações que são transferíveis e que outras, não, da mesma forma que se percebeu que elementos não intencionais afetam esses processos. Muitos estados também constataram que, ao se buscar transplantar experiências de outro contexto e momento, esta apropriação passa por avaliação pragmática das possibilidades de transferência. Finalmente, há toda uma variedade de formas de se extrair lições de outras iniciativas, todas ocorrendo em maior ou menor freqüência no âmbito do Consad3. Essa densidade de interações pode e deve ser celebrada como um dos maiores ativos dessa rede que percebe no aprendizado mútuo uma importante ferramenta para ação.

3 O planoestadual tem realizado as cinco variantes doprocesso deaprendizado com base em outras experiências, segundo a definição de Rose (1993: 30: cópia, adaptação, construçãode híbridos, geração de sínteses e inspiração.


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5. Por onde o reformismo não avança: fragilidades da gestão estadual e a agenda perdida O Brasil vem passando por sucessivas reformas da administração pública desde os anos 1930, com resultados variados, mas sempre deixando a sensação deincompletude (Gaetani, 2005). Quase todos os presidentes desde Vargas assumiram seus mandatos com o propósito de reestruturar, de forma mais ou menos profunda, conforme o caso, o modo de funcionamento da administração pública federal. Sete décadas depois, o País é outro, as linguagens, as tecnologias e as ferramentas gerenciais mudaram igualmente, bem como a complexidade doPaís. O interessante, no entanto, é entender por que certas coisas não se alteraram substancialmente, ou pelo menos por que tem mudado tão lentamente e por que tem sido tão difícil promover essas transformações. E, nesse sentido, os governos estaduais vêm enfrentando dificuldades semelhantes, senão maiores, que o governo federal. A compreensão do reformismo nos estados deve passarpela descoberta de suas maiores fragilidades e, sobretudo, das razões que levam a constituir uma agenda de temas silenciados ou retirados do núcleo do debate. Além dos aperfeiçoamentos que devem ser realizados nos pontos em que os estados já deram, em maior ou menor grau, passos reformistas, é preciso analisar quais são suas maiores fragilidades, aquelas em que até houve percepção e discussão dos problemas, mas a respeito das quais pouca coisa foi feita. Tomando como base o Diagnóstico Pnage (Abrucio, 2004), entre as várias questões problematizadas, é possível selecionar, sinteticamente, cinco centrais. A primeira diz respeito às informações que os governos estaduais têm sobre si mesmos. Há uma quantidade enorme de dados básicos e estratégicos que ou não exis-


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tem, ou então não são atualizados, ou ainda ficam concentra dos num setor e não são conhecidos por policymakers importantes. É possível imaginar que, neste último caso, certos “cartórios” ganhem com essa situação, em detrimento do planejamento e do cidadão. Não que nada tenha sido feito até agora, mas, a despeito do avanço do governo eletrônico, alguns sistemas de informação ainda são bastante precários. Sem uma base sustentável e organizada de informações, não é possível dar solidez às reformas. Elas, ademais,dependem de subsídios informacionaispara que decisõesde melhor qualidade gerencial sejam tomadas. Se o Consad quiser impulsionar de forma contínua, consistente e estratégica as reformas da gestão pública, ele terá de construir um banco de dados contendo informações de todos os estados, ajudando-os assim a constituir um alicerce fundamental à modernização do aparelho estatal. Talvez essa seja uma das medidas mais prioritárias para tornar o Consad um ator estratégico na reforma do Estado brasileiro. O que mais salta à vista na radiografia dos governos estaduais é a fragmentação e a descoordenação entre as partes. Essa segunda fragilidade dificulta a adoção de uma visão mais sistêmica, capaz de articular gestão e políticas públicas, questão fulcral para a reforma do Estado. Trata-se de um problema estrutural que tem como grande característica a conformação de uma série de “caixinhas”, que são as secretárias e os órgãos, com baixa capacidade de comunicação entre si. Isso cria uma série de obstáculos à articulação intersetorial, o que, por sua vez, torna mais difícil a gestão por programas, instrumento central do PPA. Produz-se, enfim, um déficit de coordenação nas políticas de gestão pública, o que explica, em boa medida,


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o parad oxo dos avanços ocorridos em áreas-meio enquanto pouca coisa muda nas áreas-fim. É surpreendente o descasamento entre umas e outras. Isso não significa que políticas setoriais não tenham obtido sucesso isoladamente. Mostra apenas que os desdobramentos da implementação de boas ações de gestão pública – como nos diversos estados que têm procurado implementar iniciativas como contratualização de resultados ou radicais inovações nos processos de procurement – ainda não foram capazes de produzir impactos no âmbito das áreas finalísticas. Há exceções, mas a regra acompanha o paradoxal contraste relativo à modernização dos meios descolada de avanços nas atividades-fim. A prestação dos serviços públicos nas três principais áreas-fim dos governos estaduais deixa muito a desejar. Segurança, Educação e Sa úde precisam aprimorar a implementação de suas políticas. Em certa medida, as Organizações Sociais resolveram em parte o problema da provisão no campo da Saúde, porém, a maior parte d os estad os não utiliza a ind a este instrumento d e contratualização e gestão. Há graves falha s gerenciais e de articulação intergovernamental nos ca mpos educacional e da Segurança, sobretudo nesta última política. O fato é que a reforma da gestão pública de nada adiantará se não atingir essas três políticas, especialmente a Segurança, dad o que ela é vista como a a tividade mais importante dos governos estaduais, de ma neira que sua fragilidade se transforma, assim, num problema de legitimidade socia l dos governantes. No cenário otimista, ao contrário, o sucesso nesse setor, por meio da modernização administrativa, fortaleceria as coalizões reformistas estaduais. A quarta e maior fragilidade dos estados encontrase na área de Recursos Humanos. Trata-se de uma variá-


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vel diagonal, ou seja, que afeta a todos os outros setores da administração pública. Cita-se abaixo trecho da pesquisa Pnage para mostrar a importância dessa questão para a reforma do Estado: Os Recursos Humanos preparam o Estado para formular e implementar as mudanças colocadas pela política democrática. Se a Segurança Pública se torna prioridade nacional número 1, não basta vontade política; é preciso ter funcionários capacitados e motivados. Certas políticas corretamente tornadas prioritárias, como o PPA, falharão caso não haja um quadro de pessoal adequado – serão boas idéias sem os devidos realizadores. Por fim, qualquer mudança administrativa passa pelo corpo burocrático existente, e a falta de uma política consistente de RH cria cenários entrópicos, em que o “salve-se quem puder” prevalece. De modo que é preciso criar incentivos necessários para que os servidores sejam convencidos a se comp rometer com a mu dança (Abrucio, 2004: 176-177).

A despeito da comprovada importância, os Recursos Humanos constituem a área em que houve menos reflexão e açã o administrativa no campo da Nova Gestão Pública em todo o mundo, em particular nas reformas feitas na América Latina (Abrucio, 2005b). Diagnosticando a situação dos estados, constata-se a falta de articulação da variável de RH com as outras partes do sistema administrativo, a ausência de informações básicas sobre o assunto em quase todos os governos estaduais – mesmo nos mais reformistas – e, conseqüentemente, a enorme dificuldade para fazer o planejamento da força de trabalho, definindo um perfil da burocracia que dê conta dos novos desafios propostos ao Estado contemporâneo.


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É bem verdade que a premência da questão fiscal obrigou os estados a se concentrar muito no problema do excesso de gastos com pessoal – embora a maior parcela disso tenha a ver com a Previdência. Contudo, sem colocar essa questão no top o das prioridades, o reformismo dos últimos dez anos não se tornará sustentável, especialmente quando se constata a existência de desafios, como a necessidade de prestar melhores serviços, de aprimorar a regulação e coordenação das atividades e, como veremos mais adiante, de sepultar o modelo de patronagem construído historicamente no plano subnacional, ao qual se soma hoje um corporativismo que distancia o Estado da sociedade. Na seleção aqui proposta, a quinta e última fragilidade relaciona-se com a gestão da mudança. Fazer reformas é preparar o terreno para uma nova institucionalidade. E esta depende fundamentalmente da disseminação de valores referentes a um novo ethos público. Nesse sentido, salvo num conjunto pequeno de estados, a atual safra de reformistas não tem criado políticas mais amplas para mudar a lógica dos servidores públicos e motivá-los a se incorporar no novo modelo. Dois exemplos neste sentido. Primeiro: de acordo com a pesquisa Pnage, somente 30% dos estados têm políticas para disseminação de valores éticos e um menor número deles, 19%,criou Comitêsde Ética, a despeitode 74% terem constatado desvios de conduta ética nos últimos quatro anos (Abrucio,2004: 161). Sem adoção de políticas nessa área, com certeza haverá um confronto entre a cultura organizacional dominante, com fortes traços burocratizantes acopladosà lógica clientelista, e os modelos institucionais da Nova Gestão Pública. Ademais, como esperar que funcionário público responda ao cidadão de forma pública sem garantir instrumentos para o predomínio do republicanismo dentro do Estado?


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Um segundo exemplo bem interessante é o da governança interna, mais especificamente o da relação com os servidores. Somente 37% dos estados têm uma política ativa de comunicação com os funcionários públicos e, pior, apenas 22% dos governos têm formas institucionalizadas de relacionamento com os sindicatos. A pesquisa Pnage mostra, inclusive, que as relações dos governos estaduais com a sociedade têm mais instrumentos e formas de efetivação do que a própria articulação governamental junto ao conjunto da burocracia. Nesse cenário, a gestão da mudança precisa começar de um ponto fundamental: fazendo a “lição de casa”. Está aí uma das frentes mais importantes da reforma da gestão pública estadual nos próximos anos. Em boa medida, as fragilidades aqui descritas já foram tematizadas num conjunto de estados, além de não constituírem questões interditadas ao debate. Há um outro leque de assuntos, entretanto, que se transformou numa “agenda perdida”. Esta pode ser definida de duas maneiras: de um lado há os problemas que alguns estados (a minoria, ressalte-se) vêm até enfrentando, mas procuram retirá-los do centro do debate, pela dificuldade em realizar reformas aí e/ou para evitar que novos adversários ou os costumeiros se coloquem contra o governo; e, de outro, existem “grandes silêncios”, temas que são tabus ou ainda não foram completamente compreendidos em sua importância. A “agenda perdida” contém, basicamente, cinco pontos. O primeiro se relaciona com uma questão histórica e estrutural: a estrutura de patronagem e clientelismo. Seja pela expansão de cargos deconfiança cujo preenchimento serve para responder à lógica localista e personalista da classe política, seja por meio de sucessivas manobras para estender a contratados os direitos de servidores públicos estatutários contratados mediante concurso públi-


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co, a profissionalização dos quadros burocráticos está longe de ser uma realidade em muitos dos governos estaduais. Decerto que alguns deles têm se esforçado para fortalecer – por vezes, criar – um núcleo meritocrático duro na administra ção direta, mas os resulta dos ainda são indeterminados tendo-se em vista a magnitude do desafio. Trata-se, é bom dizer, d e um padrão que ultrapassa a esfera estadual, abarcando os municípios – em pior situação – e o governo federal, que ainda mantém, surpreendentemente, mais de 20 mil cargos em comissão, em grande parte com provimento completamente livre. E ssa estrutura política, portanto, é mais profunda. Para modificá-la, é preciso alterar a visão que orienta a carreira da classe política brasileira, bem como a percep ção que parte da população tem do Estado, que seria “naturalmente” um provedor de empregos, e não o responsável pela produção de serviços públicos de qualidade, garantindo os direitos de cidadania. Talvez esteja aqui a principal reforma d o Estado brasileiro, pois ela daria o sentido republicano e democrático capaz de impulsionar a Nova Gestã o Pública. A patronagem nos estados se combina, de maneira perversa, com uma profunda assimetria na organização dos recursos humanos. De um lado, funcionários do fisco e procuradores com remunerações extremamente competitivas. De outro, grandes contingentes de mão-de-obra em atividades-fim, como nas esferas de educação e segurança, com condições insa tisfatórias de trabalho em relação à importância de suas funções. No meio de tudo isso, há tanto os indicados para responder às necessidades da classe política quanto um conjunto enorme de funcionários da área-meio, muitas vezes sem qualificação para lidar com os desafios do governo contemporâneo. O pior é que um corporativismo ensimesmado e cada vez mais distante da sociedade, principalmente das parce-


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las mais pobres que precisam de serviços públicos, trabalha pela reivindicação das áreas realmente essenciais e as coloca no mesmo barco, por meio do discurso da isonomia, de outra enorme parcela de servidores que pouco ou quase nada tem a ver com as tarefas estratégicas do Estado. Nesse jogo, os princípios do mérito e do funcionário público – a origem da palavra, tal como definida inicialmente por Robespierre – perdem para lógicas particularistas de atuação. Um segundo ponto da “agenda perdida” refere-se à questão previdenciária. Desde o day after da Constituição de 1988, a massa crítica sobre a Previdência do funcionalismo tem aumentado consideravelmente. A administração federal vem tentando promover mudanças de toda sorte nos últimos 12 anos, de forma a atacar e/ou mitigar o problema, seja mediante mudanças constitucionais seja por meio de medidas administrativas. Esses esforços têm incluído suporte para que os governos estaduais se habilitem para produzir diagnósticos, estudos técnicos e desenhos organizacionais para equacionarem seusquadros atuariais. Em várioscasos,a proporção entre ativos/inativos/pensionistas nos estados aproxima-se da razão 60%/40%, e a idade média dos primeiros é geralmente superior a 40 anos. Detalhe: a pesquisa Pnage revelou a precariedade dos dados da maioria dos governos estaduais sobre o assunto, algo estranho diante da magnitude do problema. E mesmo no conjunto dos que têm informações bem organizadas, poucos são os que têm um modelo previdenciário, incluindo um Fundo de Previdência específico. Alg uns governos esta duais, como do Paraná, da Bahia e de Pernambuco, estão buscando equacionar de forma estruturada seus desafios nessa área. Mas a atitude dominante tem sido a de procrastinação para além do


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calendário dos mandatos dos atuais governantes. Interessante é que os estados mais desenvolvidos e que têm tido bom d esempenho reformista, Sã o Paulo e Minas Gerais, estão bem atrasados nessa questão – embora o pior caso, entre os estados mais ricos, seja o do Rio Grande do Sul, conhecido por ter uma meritocracia acima da média nacional, mas cujo futuro é bastante incerto caso não se resolva esse problema. É este o “x” da questão: se os governos estaduais não equacionaremadequadamente o impasse previdenciário – e eles têm menos saídas fiscais que a União para fugir do tema –, o futuro de suas burocracias e dos cidadãos servidos por elas é sombrio. A accountability foi o a specto que menos avançou entre os temas da Nova Gestão Pública que informaram as reformas estaduais recentes. Isso a habilita a entrar no rol dos assuntos da “agenda perdida”. Analisando um dos aspectos da questão, o do controle, constata-se que, no plano interno aos Executivos, a maioria dos órgãos de auditoria encontra-se profundamente atrofiada e, em geral, suscetível à influência política do governo do momento. No plano do controle externo, as Assembléias Legislativas exercem muito pouco o papel de fiscalização e concentram-se mais em construir redes de patronagem que sustentam a carreira da maioria de seus parlamentares. A situação dos Tribunais de Contas subnacionais é bastante preocupante também. A politização de sua cúpula, geralmente vinculada aos grupos políticos que dominam a política local, sua distância em relação à sociedade – salvo raras exceções, como Pernambuco e Santa Catarina – e o controle de tipo formalista que exerce enfraquecem seu papelde responsabilização dos governantes e representantes da população. Alvissareira é a ação do Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros (Promoex), com apoio


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do BID, que poderá melhorar a capacidade de fiscalização dos TCs. Mas, no quadro atual, é possível dizer que há, na grande maioria dos casos, uma forte intersecção entre o grupo dominante instalado no Executivo, sob o comando do governador, e os outros poderes. Não necessariamente isso gera problemas de desvio de conduta e malversação de recursos públicos. Só que na medida em que a administração pública estadual compartilha a informação de que há poucas estruturas zelando pela legalidade e pela qualidade dogasto, o convite à corrupção é uma realidade, que fica menos visível hoje nos estados do quena União exatamente por conta da fragilidade dos mecanismos de controle no plano subnacional – trata-se, assim, de um típico círculo vicioso. Os estados desenvolveram muito pouco suas capacidadesregulatórias– eis o quartoponto da “agenda perdida”. Os governos estaduais têm espaço para regulação em uma série de atividades privatizadas ou sob concessão pública. Não obstante, poucos foram os que se beneficiaram dos erros cometidos pelo governo federal na condução dos processos de privatização e de criação de Agências Reguladoras para os serviços correspondentes, questão, aliás, que continua mal resolvida no nível da União. Se o governo federal tem caminhado lentamente em relação à regulação, os governos estaduais também não têm tirado partido da oportunidade para se posicionar de forma consistente sobre o assunto. Conforme dados d a pesq uisa Pna g e, há ma is esta dos que fizeram privatização ou concessão do que aqueles que possuem agência e marco regulatório nítidos. Com a entrada de um tema na agenda como as parcerias público-privadas – as PPPs –, adquire maior relevância o papel regulador dos estados, uma vez que essa iniciativa poderá alavan-


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car positivamente os investimentos, porém isso não garante a qualidade de sua realização e, em alguns casos, da futura provisão de serviços. No fundo, parece que as administrações estaduais dão maior importância à necessidade de haver regulação do que à construção de instrumentos para exercer esta função. De forma mais prosaica, pode-se medir esse descompasso: novamente segundo os dados do Diagnóstico Pnage, todos os estados usam formas de terceirização, mas a maioria não tem controle sobre esse processo, seja em relação ao quanto se gasta, seja em relação à avaliação do desempenho dessas atividades. Mesmo admitindo os diversos avanços da gestão pública estadual nos últimos anos, um “drama existencial” os acompanha: o que cabe aos governos estaduais fazerem no desenho federativo brasileiro? Essa é a pergunta mais distante da agenda atual dos estados – ela é o verdadeiro elo perdido. É possível que as administrações estaduais estejam fazendo as “coisas certas”, mas sem que isso tenha o impacto desejado, em razão da indefinição de suas funções. Suas competências geralmente são fluidas, à exceção da Segurança Pública, exatamente a política mais complexa e que envolve profundo relaciona mento com as demais. Mais do que uma heterogeneidade setorial, constata-se que os governos estaduais hoje não possuem um mandato nítido em muitas políticas públicas. De resto, o papel das outras instâncias governamentais e da ação que elas têm nas diversas áreas, como Educação, não se articula adequadamente com a atuação dos governos estaduais. As formas de relacionamento dos estados com os municípios ainda não foram adaptadas ao novo cenário descentralizador. Por muitas vezes, a solução é utilizar o velho modus operandi da cooptação política de prefeitos


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e líderes locais, com resultados ruins para a prestação dos serviços p úblicos. Interações com modelos consorciados de governos locais também não têm avançado significativamente. Na verdade, falta aos governos estaduais descobrir de que maneira devem atuar cooperativamente e em prol da coordenação das diversas partes de seu território. Esse dilema é maior ainda nas regiões metropolitanas. Trata-se do espaço mais importante da opinião pública brasileira, onde se concentram as maiores riquezas e os maiores problemas do País, em intensidade e capacidade de expressão. E aqui a confusão, a indefinição, a beligerância entre os governos estaduais e os atores locais – e mesmo o nacional – é enorme. O resultado típico desse impasse, em muitos estados, é a diminuição do espaço na agenda de políticas para as questões metropolitanas, como forma de evitar um tema de difícil resolução. O problema é que o melhor dos reformismos não pode existir sem o público a que se destina, o qual, normalmente, se organiza por dinâmicas especiais. Se estas são mal resolvidas, nem mesmo a melhor gestão pública pode curá-las. A desarticulação federativa e a indefinição do papel dos estados são igualmente relevantes para definir a relação com a União. Isso vale para diversas políticas públicas, entre as quais a de gestão pública. O fato é que uma maior articulação entre os governos federal e estaduais para estabelecer uma agenda nacional de reformas do Estado encontra um grande obstáculo na forma compartimentalizada e pouco coordenada da Federação brasileira. Entretanto, olhando por um outro ângulo, que procura trazer à tona o que está fora do debate, é possível que a ampliação da discussão e a implementação de reformas nos governos estaduais possam recolocar, no


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seu devido lugar, o pacto federativo. E, desse modo, o déficit de coordenação que aparece tanto nas várias políticas públicas, incluindo a de gestão pública, como entre os níveis de governo, poderia ser enfrentado de forma mais efetiva e nas suas profundezas. Conclusão: os grandes desafios adiante O dinamismo existente no âmbito das políticas de gestão pública nos estados contrasta com o declínio dessa agenda no plano federal. Mas a situação geral da União é melhor por conta de seu legado histórico, marcado por um número maior de reformas ao longo do tempo, incluindo aí as realizações do projeto Bresser. Noutras palavras, embora os governos estaduais vivam um momento mais reformista, o governo federal ainda conta com um aparato estatal mais efetivo e bem estruturado em comparação aos estados. Uma das principais diferenças está na existência de um núcleo de carreiras estratégicas – as chamadas carreiras do ciclo de gestão –, que dá uma ossatura consistente às ações do governo federal. Em contraste, os estados ainda se apóiam excessivamente em estruturas de cargos de confiança e nos quadros fazendários, o que não contribui para a estruturação de administração pública profissionalizada e equilibrada. Em comum, ambas a s instância s federativas enfrenta m problemas no equacionamento das necessidades de pessoal e de modelos organizacionais adequados nas áreas finalísticas. Uma década depois da publicação do Plano Diretor da Reforma do Estado, o resultado geral é de um avanço lento, em que pese o fato de ainda perdurar o impulso que ele produziu. Há de se dar visibilidade às mudanças em curso nos


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estados para que realimentem as iniciativas em curso em outras unidades estaduais – e mesmo municipais ou, por que não, como exemplo para a União. A publicização é importante também para garantir a sustentabilidade desse processo reformista. O problema da descontinuidade administrativa é, no mais das vezes, maior no plano estadual do que no federal, de modo que as eleições de 2006 sem dúvida serão um teste para muitas das reformas em fase de consolidação. Para tanto, o Consad e os atores organizados em torno do Pnage precisam se mobilizar politicamente para ampliar a coalizão de apoiadores. Este debate remete a um outro desafio maior, conforme mencionado no início do texto: afinal qual será o papel a ser desempenhado pelas administrações públicas estaduais no futuro? Os debates em relação à renegociação do pacto federativo têm sido dominados pelas disputas em torno d e distribuições de recursos, mas sem avançar a discussão sobre papéis e atribuições. Nesse sentido, a aprovação da nova Lei de Consórcios Públicos tem grand es chances de possibilitar a emergência de novos arranjos intermediários envolvendo municípios e estados, bem como entre estes e a União. Mas em um modelo de competências compartilhadas como o brasileiro é importante o País estabelecer consensos mínimos sobre a forma como se deve dar a relação entre níveis de governo e entre estes e a sociedade. E, na maioria das políticas públicas, essa questão não foi resolvida, com impactonegativo maior para os governos estaduais, cujas funções são as mais indefinidas dentro da Federação. A clarificaçã o dos novos papéis dos g overnos estaduais remete à redefinição do perfil da burocracia estadual, à definição de uma estratégia de profissionalização correspondente e à valorização da função pública. Esses três itens fazem parte de uma agenda positiva que


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passa por um conjunto de medidas combinadas que incluem programas de capacitação, estruturas remuneratórias, introdução de mecanismos de ava liação de desempenho e alinhamento de estruturas de carreiras – sem concessões a corporativismos. O desafio de trazer a discussão de recursos humanos para o campo positivo não será trivial. É preciso insistir no seguinte fato: o aprimoramento das políticas de gestão pública pode trazer significativos impactos para o conjunto do governo. Exemplos históricos não faltam, como Vargas e Rossevelt nos anos 1930 e, mais recentemente, a presidência Clinton-Gore nos Estados Unidos e os sucessivos mandatos de Thatcher, Major e Blair no Reino Unido, além das amplas reformas feitas recentemente pelos países nórdicos. Esses casos têm em comum o fato de os governantes terem utilizado o fortalecimento dessa agenda reformista como instrumento para modelar e perseguir políticas setoriais prioritárias, mas sempre articuladas com um centro irradiador esupervisor das mudanças. Desse modo, a reforma do Estado deve servir para fortalecer e legitimar uma coalizão voltada à melhoria da prestação dos serviços públicos, garantindo assim, de forma eficiente, efetiva, ética e com eqüidade, os direitos de cidadania. O maior desafio está, porém, no ponto de partida, isto é, nos primeiros passos que levam à construção de uma coalizão reformista capaz de impulsionar e dar sustentação às políticas de gestão pública. Em geral, os ganhos produzidos pela modernização administrativa são difusos e de longo prazo. As reformas precisam, portanto, de uma articulação política que coordene seus processos, sua formulação, decisão e implementação, mesmo quando o tema já está na agenda do governo. Isso exige um trabalho permanente de advocacy, negociação e aprendizado coletivo para viabilizar-se.


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A crise política recente e suas conexões com o grave problema da corrupção, as enormes deficiências na provisão de serviços públicos, o caos das grandes cidades e a perda de autoridade dos governos junto aos cidadãos nos colocam num momento estratégico: ou o País reformula o seu Estado, ou o desenvolvimento ficará como um sonho distante. Para mudar essa situação, o conjunto de reformas necessárias é amplo, envolvendo os três níveis de governo e todos os ramos de poder. Por isso, dificilmente essas transformações se processarão apenas pelos esforços dos integrantes do sistema político-administrativo. Reside aí o maior desafio para as políticas da gestão pública: serem percebidas e demandadas pela sociedade a ponto de ela lhe dar suporte suficiente para o redesenho d as estruturas governamentais do Estado brasileiro. O conhecimento sobre a trajetória das reformas estaduais pode ser um estímulo para que os cidadãos e os grupos sociais comecem a se mobilizar em prol da Nova Gestão Pública. Referências Bibliográficas ABE RBACH, Joel, PUTNAM, Robert e ROCKMAN, B ert ( 19 81). Burea ucra ts a nd p oliticia ns in We ste rn Democracies. Harvard: Harvard University Press. ABRUCIO, Fernando Luiz(1998). Os Barões da Federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Hucitec/USP. __________eFERREIRA COSTA, Valeriano Mendes (1998). Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer. __________(1999). “O longo caminho das reformas dos governos estadua is: crise, mudanças e impa sses”. In:


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

As políticas de Recursos Humanos adotadas pelos governos estaduais: um diagnóstico da situação atual e possibilidades de avanços Relator: Nelson Marconi


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As políticas de Recursos Humanos adotadas pelos governos estaduais: um diagnóstico da situação atual e possibilidades de avanços

Nelson Marconi Professor da Fundação Getúlio Vargas e da PUC de SP e consultor na área de Recursos Humanos do setor público

Este trabalho visa a avaliar o estágio atual das políticas de recursos humanos desenvolvidas nos estados da Federação e sugerir medidas que possam implicar avanços significativos no futuro. Para tal, está organizado da seguinte forma: em seu início, analisa as experiências de alguns estados, apresentadas no seminário do Consad “Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados”, de 8 a 10 de março de 2006 em São Paulo; depois discute os três estágios de reformas no âmbito da gestão de recursos humanos pelos quais, invariavelmente, passam as organizações p úblicas e, por fim, apresenta possíveis medidas para o futuro visando ao alcance dos estágios mais avançados de reforma,nos quais a contribuição das políticas de recursos humanos para a melhoria do resultado das organizações é muito significativo. 1. As experiências dos estados Durante o seminário do Consad, foram apresenta-


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das as atuais experiências na área de recursos humanos no Distrito Federal e em cinco estados: Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte. Adicionalmente, serão comentadas também as experiências relevantes indicadas por outros nove estados, quais sejam, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins. A seguir, são relatadas e avaliadas suas principais características(com maior ênfase para os estados que participaram da apresentação, o que possibilita uma descrição mais detalhada), e a análise dos avanços se norteará pelos objetivos mais gerais de uma política de recursos humanos, quais sejam, oalcance do perfil e do quantitativo desejado para a força de trabalho e a sua atuação de forma motivada e eficiente, de modo a contribuir para os resultados desejados pela organização e para o atendimento satisfatório aos cidadãos. 1.1. A experiência de Alagoas A área de recursos humanos teria sido muito negligenciada pelos governos anteriores doestado de Alagoas, sendo suas atividades centradas na produção da folha; não havia uma gestão consistente de recursos humanos quando o atual governo assumiu. O estado passava por uma séria crise fiscal e os salários estavam atrasados em oito meses. Somente 20% dos servidores eram capacitados a cada ano. Com a posse do atual governo, foi necessário fazer um ajuste nas contas públicas e, portanto, a primeira fase da reestruturação da gestão de recursos humanos envolveu, como de costume e necessário, a redução das despesas e o seu maior controle. Primeiramente, a unidade que trata desse tema assumiu maior relevância na estrutura organizacional, situando-se apenas um nível hierár-


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quico abaixo do secretário, e depois ad otou diversas medidas, tais como a implantação de um sistema único de gestão da folha, o aumento dos controles sobre as despesas e o número de servidores; a disponibilização de um maior volume de informações sobre seu quadro de pessoal e os gastos; a realização de um censo geral de servidores; a instituição do subsídio para diversas carreiras; a revisão do regime jurídico; a instituição do código de ética do servidor e o sistema de sorteio para auditorias de folhas de pagamento. Essa fase de ajuste está sendo muito bem sucedida, o que representa um mérito muito relevante. E tudo isso ocorreu em um cenário no qual aumentou o número de servidores e os salários voltaram a ser pagos na data correta. Também foram adotadas importantes medidas para atribuir um caráter estratégico à administração de recursos humanos no estado, entre as quais se d estaca a criação da carreira dos gestores. Esta última é fundamental para aumentar a capacidade gerencial do Estado, pois são servidores de carreira (logo, não necessariamente comissionados) cujo perfil é direcionado à formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e à gestão das diversas atividades inerentes a uma organização pública. Adicionalmente, foi criada a escola de governo, fortalecida a gestão dos concursos e estruturada a avaliação de desempenho. Para o futuro, desejam melhorar a qualificação técnica do grupo q ue trabalha na área de recursos humanos, o que também constitui medida acertada. 1.2. A experiência da Bahia A gestão de recursos humanos no governo do esta-


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do da Bahia se encontra em uma fase de aprimoramento de seus instrumentos estratégicos e tem se destacado por implementar medidas com tais características. As carreiras são estruturadas a partir da gestão por competências, isto é, as regras de progressão estão associadas à aquisição de competência s, o q ue constitui uma inova ção importante na gestão pública. O critério para a promoção é a certificação ocupacional, que corresponde a uma “ISO 9000” para os servidores; a remuneração inclui componentes fixos - vencimento básico e gratificações - e um variável, que corresponde a um prêmio por resultados, vinculado ao cumprimento de metas previstas no planejamento institucional. O planejamento e o orçamento de recursos humanos são estruturados em conformidade com a finalidade e a estratégia da organização, e o dimensionamento do quadro de pessoal foi feito de acordo com as atividades e os processos de trabalho realizados nas secretarias. Ressalta-se que essas duas medidas são fundamentais para tornar a gestão de recursos humanos estratégica, isto é, para associá-la aos objetivos gerais da organização e voltá-la para o seu alcance. O recrutamento tem sido organizado com base nesse planejamento da força de trabalho, e para viabilizar um sistema de gestão por comp etências está sendo cria da uma universida de corporativa. Existe também um sistema de informações gerenciais de recursos humanos já estruturado. A lógica de todo o sistema de gestão de recursos humanos é consistente, baseada em aspectos gerenciais, possui visão estratégica e se aproxima muito das características vigentes no setor privado, o que é bastante saudável. É uma experiência que deve ser disseminada, e, mantidas as peculiaridades de cada governo, vários aspectos podem ser adaptados e aproveitados. Foram apresentados alguns desafios para o futuro,


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que aliás são comuns à gestão de recursos humanos em todos os órgãos públicos: um elevado contingente de servidores que somente poderá se ajustar ao dimensionamento necessário no longo prazo; limitações legais, financeiras e culturais para implementar mudanças que possibilitem o aprofundamento da gestão estratégica e gerencial de recursos humanos; a necessidade de aprimorar e consolidar as informações cadastrais. De toda forma, o governo do estado da Bahia já se encontra em um estágio mais avançado das reformas nessa área e, por isso, sua experiência deve ser utilizada como um exemplo para outros governos. 1.3. A experiência do Distrito Federal O governo do DF também implementou uma série de mudanças imp ortantes na gestão d e seus recursos huma nos. Inicialmente, do p onto de vista das despesas, foi unificada a folha de pagamento para todos os órgãos, o que é fundamental para o controleapropriado dos gastos. Sob o prisma gerencial, também foi adotada uma série de medidas relevantes. Foram criadas carreiras com atribuições amplas e cargos multifuncionais, o que aumenta a mobilidade dos servidores e propicia novas oportunidades de capacitação e de atividades a serem desempenhadas. Foram realinhados os salários das diversas carreiras, o que também contribui para aumentar a mobilidade e equalizar os salários relativos (isto é, adequar o seu patamar a critérios como atribuições, responsabilidades, desempenho e competências adquiridas). A composição remuneratória foi simp lificada, e com isso torna-se mais fácil a gestão da estrutura e hierarquia salarial, dada a maior transparência. Os níveis remuneratórios foram recompostos.


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Foi criada uma gratificação de titulação, a q ual é compa tível com uma estratégia q ue visa a fortalecer a capa citaçã o como um importante instrumento de gestão d e recursos humanos. Também foi estabelecido um fundo para o p rograma de capacitação, fa to que elimina o caráter residual e eventua l dos recursos destinados a esta atividade; tal programa está subdividido em temas escolhidos como p rioritários, o q ue pa rece ser basta nte razoável. Uma outra medida adotada que foi fundamental e não foi observada nas demais experiências apresentadas, e, ao que tudo indica, também não vem sendo utilizada em outros governos, é a criação do emprego público, neste caso, destinado aos Agentes Comunitários de Saúde. Essa modalidade de regime de trabalho, por ser mais flexível que o estatutário, possibilita a contratação por prazo determinado para o desenvolvimento de funções que são eventuais, temporais ou sazonais, de forma a solucionar o problema gerado pela incompatibilidade entre a estabilidade e as oscilações na demanda por serviços públicos que ocorre em algumas áreas. O caso do agente comunitário é típico; a demanda por serviços públicos se altera à medida que surgem focos de doença e epidemias, e, por ser muito variável, é fundamental que exista um mecanismo que permita a contratação de servidores apenas durante o período de maior procura. O regime estatutário não abre essa possibilidade, apenas em situações emergenciais; assim, o emprego público será muito útil para essa situação e, entre as experiências apresentadas, apenas o governo do Distrito Federal o está adotando. 1.4. A experiência de Minas Gerais O governo do estado de Minas Gerais também imple-


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mentou uma série de medidas que muda ram substancialmente a gestão de recursos humanos, vinculando fortemente os seus incentivos ao desempenho dos servidores e reorganizando as carreiras e a estrutura salarial. Foram reformuladas todas as carreiras da administração pública, por meio da agregação de diversas delas, tornando as suas atribuições mais amplas, e da alteração das regras de progressão e promoção, vinculando-as ao desempenho e à formação (as carreiras passaram a possuir diversos níveis de escolaridade); em alguns casos, é também possível o ingresso em níveis distintos da carreira, de acordo com a escolaridade do servidor, e, ao mesmo tempo, a progressão desde os níveis iniciais até os finais (é um mecanismo de entrada “lateral” associado ao da promoção). A estrutura remuneratória também foi simplificada, por meio da agrega ção e redução d o número de pa rcelas que a compõem; diversa s tabelas sala riais foram unificadas, de forma a tornar a gestão salarial mais racional e transparente; o adicional por tempo de serviço foi substituído pa ra os futuros servidores, e aqueles que assim optarem, por uma gra tificação associada ao desemp enho; foi criad o um bônus de desempenho institucional vinculado à economia de d espesas ou aumento de receitas. O processo de avaliação de desempenho individual, importante para definir tanto o grupo de funcionários a ser promovido como o pagamento da gratificação e do bônus citado acima, foi desenvolvido e aplicado à grande maioria dos servidores do estado de Minas. Essa é uma iniciativa muito relevante e que está passando por um processo de aprimoramento em sua segunda rodada de aplicação. Assim, a gestão de recursos humanos deixou de se


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pautar por mecanismos que privilegiavam a progressão e as melhorias salariais associadas ao tempo de serviço, logo praticamente automáticos, e passou a se vincular a instrumentos que incentivem o desempenho. Essa mudança, do ponto de vista estratégico, é fundamental. Foi estabelecida uma política de desenvolvimento dos servidores, na qual são estabelecidas as diretrizes e prioridades do estado na área de capacitação, bem como especifica uma fonte estável de recursos para financiar os programas d e treinamento. Tal política constitui um instrumento fundamental para tornar consistente a avaliação de desempenho (é preciso treinar para avaliar e utilizar a avaliação, em um segundo momento, como um importante insumo para a capacitação). A fim de aprimorar a política, estão sendo desenvolvidos projetos piloto de alinhamento das metas estratégicas e das incluídas na avaliação de desempenho, de planejamentoda força de trabalho, que visa a definir o quantitativo e o perfil desejado de servidores, dadas as funções desempenha das pelo esta do, e de certificação ocupacional de servidores, que visa a definir a qualificação necessária para ocupar determinados cargos e avaliar se os servidores as possuem. Portanto, pode-se afirmar que a gestão de recursos humanos está inovando consideravelmente no governo de Minas Gerais e caminhand o para um direcionamento estratégico bastante adequado, objetivo este que vem sendo perseguido pelos seus gestores, e sua experiência também deve ser uma referência para os demais estados. 1.5. A experiência do Piauí O governo do estado do Piauí está combinando algumas medidas de ajuste na área de recursos humanos


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com outras que visam a definir uma política para o tema. O atual governo reduziu em 50% o número de secretarias (não está claro se também reduziu o número de servidores); foram criados novos controles sobre a folha de pagamento, e as consignações foram restringidas. Foi definida uma carreira única para todos os servidores que desempenham as funções não caracterizadas como típicas de Estado (em geral, são aquelas relacionadas às atividades de apoio administrativo e logístico). Ainda que o nível de agregação possa ter sido demasiado (tal afirmação é um tanto quanto arbitrária, pois não foi apresentado o detalhamento do projeto), essa medida é salutar, pois possibilita, conforme já citado, uma flexibilidade e mobilidade muito maior para os servidores, e, além disso, a padronização da estrutura e das regras de progressão da carreira facilita muito a sua gestão e contribui para reduzir os conflitos entre os ocupantes dos diversos cargos. Uma outra medida fundamental que foi adotada, e que aliás seria interessante que se disseminasse pelos estados que ainda não o fizeram, foi a criação de uma escola de governo, ou de uma universidade corporativa, como costuma ser denominada atualmente. Qualquer governo que queira implementar uma boa gestão de recursos humanos deve priorizar a capacitação de seus servidores, e, para tal, uma escola de governo é um instrumento muito importante. 1.6. A experiência do Rio Grande do Norte A apresentação da política de recursos humanos do governo do Rio Grande do Norte incluiu um destaque marcante ao seu programa de qualidade de vida e saúde no trabalho. Ainda que o tópico ressaltado seja muito


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distinto daquele que foi relatado pelos demais estados, não deixa de ser interessante - e talvez por isso mesmo o seja - avaliar uma experiência sobre um assunto tão importante que os estados ainda estão relegando a um segundo plano. Para desenhar esse programa de qualidade de vida, foi definido um plano de ação que se iniciou na própria Secretaria de Administração com uma pesquisa na qual a maioria dos servidores (49%) indicou a realização pessoal nas atividades profissionais como a sua maior motivação para o trabalho; em relação à qualidade de vida, os servidores priorizaram, em suas respostas, primeiramente o a mbiente físico e o bom relacionamento para depois citar a questão salarial. O resultado da pesquisa é muito interessante e deveria ser considerado por todos os gestores de recursos humanos no setor público ou, ainda melhor, dada a singularidade das respostas, seria interessante que todos se preocupassem em realizar pesquisa semelhante. Com base nas respostas da pesquisa, os gestores da política de recursos humanos adotaram uma série de medidas, como a revisão médica laboral periódica, a realização de eventos de convivência, palestras educacionais, a criação de espaços para prática de esportes e de um coral. A Secretaria de Administração pretende elaborar um plano de saúde no trabalho, um curso de qualidade de vida e disseminar essa experiência para as demais secretarias. O programa parece estar sendo muito bem aceito pelos servidores, que se encontram satisfeitos, e certamente deve ser mais bem avaliado pelos demais governos estaduais, pois a adoção de iniciativas semelhantes pode constituir um forte incentivo e resultar em melhoria da qualidade de vida para os servidores.


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1.7. As experiências importantes relatadas pelos demais estados Apesar de não participarem da apresentação no seminário, outros estados indicaram experiências na área que também serão comentadas neste trabalho. Porém, o relato será mais sucinto, pois, pelo fato de não terem integrado o painel das apresentações, o volume de informações disponíveis é menor. Serão destacadas aquelas experiências consideradas por este autor como as mais relevantes entre as apontadas pelos gestores de recursos humanos de cada estado. O governo do estado de Goiás desenvolveu uma universidade corporativa. A iniciativa é importante porque possibilita a definição de cursos que estejam alinhados às necessidades de capacitação do conjunto de servidores, as quais, por seu turno, devem ser definidas a partir do planejamento estratégico do governo estadual. Por conseqüência, a estratégia de desenvolvimento dos servidores fica atrelada aoobjetivo de alcançar o seu perfil desejado, compatível com a missão e metas da organização. É uma iniciativa muito importante. No Mato Grosso, está sendo unificada, em etapas, a estrutura de todas as carreiras (no tocante a interstício, númerode classes, critériospara progressão entre asclasses e percentual de acréscimo salarial entre as classes e níveis). Essa medida é fundamental para reduzir o engessamento das carreiras, ampliar a mobilidade dos servidores entre as áreas, eliminar diferenças indesejáveis entre as regras de desenvolvimento do servidor (por constituírem incentivos, tais regras não devem ser distintas) e facilitar a gestão das carreiras por parte das unidades de recursos humanos. Na Paraíba, foram aprimorados os controles sobre a


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folha de pagamento, inclusive com a introdução de novo sistema informatizado, implicando redução das despesas. A definição dos programas de treinamento passou a considerar as competências requeridas para o exercício de um cargo e foi criado um banco de talentos. Assim, ao mesmo tempo em que o governo se preocupou em reduzir as despesas, também atentou para a necessidade de criar instrumentos que possibilitem o desenvolvimento profissional dos servidores. No Pa raná, foi criado um sistema de informações gerenciais com base na interface dos diversos sistemas existentes de recursos humanos e um Boletim Mensal das Informações de RH. A iniciativa é importante, pois foi adotada com base nos dispersos recursos existentes, e o processo decisório foi, possivelmente, aprimorad o em função da maior disponibilidade de informações. Foi criada uma escola de governo, a exemplo de outros estados, ampliada a rede de assistência à saúde - que é um incentivo importante para os servidores - e há um Fundo de Previdência estruturado sob o regime de capitalização. Do ponto de vista fiscal, esta última é talvez a medida mais importante para os governos estaduais e necessita ser planejada e adotada urgentemente por aqueles que ainda não o fizeram. E m Perna mb uco, foi concebida a ca rreira dos gestores públicos, a qual se faz funda menta l para o surgimento de um quadro de servidores estável com competências administrativas e gerenciais e para eliminar a prática, bastante comum nas organizações públicas, da criação de cargos em comissão para possibilitar o recrutamento de pessoas com esse perfil. Assim, essa carreira é muito importante para a consolidaçãoda reforma gerencial. Foi também criada e consolidada a Escola de Governo, cuja ênfase está voltada para a disseminação dos


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conceitos da administra ção p ública gerencia l. Foram reintroduzidos mecanismos de avaliação de desempenho e definidas as atividades exclusivas e não-exclusivas de Estado, o que também constitui ponto de partida para o estabelecimento de regimes de trabalho diferenciados e adequados às características de cada atividade. O governo do estado de Santa Catarina está desenvolvendo um sistema de gestã o de recursos huma nos muito interessante, pois, mais q ue uma ferramenta de controle cadastral e da folha de pagamento, seus módulos estão estruturados de modo a ofertar diversos instrumentos de gerenciamento do desenvolvimento profissional do servidor, o que não é usual na administração pública, tais como a nálise de perfil e a valiações de competências, gerenciamento de carreiras, planos de sucessão, planeja mento e alocação de p essoal, desenvolvimento de capacitação eavaliação dos treinamentos. Adicionalmente, o governo catarinense também instituiu uma política de capacitação e criou um plano de saúde para os servidores, de forma que ambos constituem importantes incentivos de uma política de recursos humanos. O governo do estado de São Paulo desenvolveu uma estratégia bastante massiva e bem sucedida de desenvolvimento de seu quadro de servidores. Foram capacitados durante 2004 e 2005 aproximadamente 60 mil servidores, em cursos voltados para a qualidade do atendimento, ao aprendizado da legislação de pessoal, à formação de pregoeiros, à gestão de contratos e por meio dos Programas de Desenvolvimento Gerencial e Avançado em Gestão Pública Contemporânea e do Seminário de Gestão de Pessoas, entre outros eventos. Buscou-se, com essa estratégia, capacitar os grupos de servidores entre os quais foram identificadas carências relevantes de treinamento e os gerentes, dado que a formação des-


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tes últimos é fundamental para a melhoria da gestão pública, mesmo porque eles exercem uma forte influência multiplicadora sobre os demais funcionários das organizações. No âmbito de uma estratégia de planejamento da força de trabalho, adotou-secomo diretriz o fortalecimento do chamado núcleo estratégico, composto pelas carreiras que desempenham as ações mais essenciais e características de Estado. Dessa forma, as decisões relativas às políticas e ações de RH vêm se pautando por essa diretriz. Nesse sentido, a retomada do desenvolvimento e aprimoramentoda carreira dos executivos públicos (equivalentes aos gestores públicos em outros estados) constituiu ação muito importante, dado seu impacto sobre a qualidade da gestão das organizações públicas, conforme já discutido anteriormente. A fim de subsidiar o processo decisório, duas importantes medidas foram adotadas, quais sejam, a criação do Observatório do Emprego Público, que possui a atribuição de identificar e acompanhar tendências, desenvolver pesquisas e elaborar cenários e perspectivas sobre aspectos relativos à gestão de recursos humanos, bem como realizar estudos de benchmark como, por exemplo, para o dimensionamento adequado do quadro de servidores, e a elaboração do Boletim Estatístico, que traz informações importantes sobre o perfil do quadro de servidores e a evolução das despesas, o que constitui uma importante ferramenta para o processo decisório na área. Adicionalmente, também há uma publicação sobre o perfil da estrutura d a administração pública paulista que constitui um importante documento de consulta para a ela boração d e política s na área . A Revista Sp.Gov ainda traz uma série de artigos sobre o tema da g estão pública, torna ndo-se fonte de d isseminação de informa-


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ções para a lém do âmbito da administra ção púb lica paulista. Em relação à gestão operacional, foi desenvolvida uma abrangente auditoria de folha de pagamento, e os processos de trabalho na área de recursos humanos vêm sendo simplificados. Atualmente está sendo revista e consolidada a legislação, o que é um iniciativa fundamental para o próprio processo decisório, bem como estão sendo elaborados manuais de procedimentos e formulários de utilização. O governo de Sergipe adotou uma importante iniciativa para flexibilizar as formas de regime e contrato de trabalho ao regulamentar o regime de emprego no estado. Esta é uma das principais medidas que a administração pública dos diversos níveis de governo no Brasil possui à sua disposição, bastando regulamentá-la para, por exemplo, possibilitar a contratação de pessoas por prazo determinado quando assim se fizer necessário. Existem diversas situações que demandam esse tipo de regime de trabalho, as quais dependem das características desenvolvidas no âmbito de cada governo. A existência de um único regime, característica comum a diversos entes da Federação, enrijece gravemente a gestão de recursos humanos. As primeiras vagas para emprego público em Sergipe foram criadas para os cargos de médico regulador, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, telefonista e condutor de veículo de urgência. Foi também estabelecida a rede de gestores de recursos humanos de Sergipe, que visa a articulação e intercâmbio de experiências, conhecimentos e soluções entre os gestores de recursos humanos da administração pública estadual. É uma iniciativa simples, que envolve um custo reduzido, mas possui um impacto muito significativo na gestão da área. A exemplo de outros estados,


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foi também criada a Escola de Administração Pública e Gestão Governamental. Em Tocantins, foi instituído o Fundo de Modernização da Gestão Pública para financiar projetos direcionados à modernização da gestão pública e à valorização dos servidores públicos. Suas receitas são oriundas dos custos operacionais referentes às consignações em folha de pagamento repassados pelas entidades conveniadas com o estado. Essa é uma iniciativa interessante, pois aloca recursos oriundos de uma atividade bastante operacional e trabalhosa no desenvolvimento dos servidores, destinando dessa forma tais receitas a uma atividademuito relevante. Foramtambém criadas diversascarreiras das áreas meio e finalísticas, foi implementada a avaliação de desempenho individual e reestruturada a unidade que gera os cursos de capacitação, bem como foi implementado um programa de educação a distância. Conformepode se depreender das experiências analisadas, existe uma extensa série de iniciativas bastante relevantes, em alguns casos muito criativas e implementadas a baixo custo nos estados. Tais ações estão contribuindo para a melhoria da gestão de recursos humanos nesses entes da Federação e, ainda que sejam necessários muitos avanços, como discutiremos mais adiante, os governos estaduais são aqueles que, entre os três níveis de governo, estão realizando as mais significativas reformas da gestão de recursos humanos no setor público. 2. Os estágios de uma reforma da gestão de recursos humanos Conforme pode ser observado, os estados estão em estágios distintos em relação à gestão das políticas de recursos humanos, mas todos os casos apresentados in-


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dicam melhorias e avanços, isto é, todos os governos estão se esforçando para aprimorar uma área que foi negligenciada por muitos anos e é fundamental para o sucesso da gestão pública. Os estados apresentam características institucionais e culturais distintas, bem como a gestão de seus governos, fato que leva estes últimos a se situarem em diferentes estágios no processo de avanço rumo à modernização. Na verdade, esse processo realmente ocorre mediante algumas etapas; começa pelo ajuste, que é seguido pela implementação de políticas mais consistentes mas desarticuladas; por fim, estas últimas se tornam integradas aos objetivos estratégicos da organização. A implantação de todo esse ciclo é lenta porque envolve uma série de decisões políticas e mudanças institucionais que encontram grande resistência por ferirem uma série de interesses. Assim, é natural que os estágios de reforma pelos quais os estados estejam passando sejam distintos, mas seguem em geral a seqüência descrita a seguir, e é importante que os governos visualizem a possibilidade de atingir as últimas etapas, que correspondem àquelas em que a gestão de recursos humanos passa a contribuir primordialmente para o alcance dos resultados desejados pela organização. A seguir serão discutidos e analisados esses distintos estágios das reformas, destacando as medidas mais importantes apresentadas no seminário, e sugeridos, com base nos estágios descritos abaixo, os próximos passos das reformas que deveriam ser implementadas pelo setor público estadual. No primeiro estágio, a ordem é realmente “arrumar a casa”, isto é, eliminar os descontroles e distorções preexistentes, reduziras despesas, estabelecer uma série de controles. Nessa fase, todos os governos se preocupam, em


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geral, em centralizar a folha de pagamento e o cadastro de servidores, estabelecer rígidos controles sobre o lançamento de despesas salariais e a ocupação de vagas, restringir os aumentos salariais, realizar auditorias de folha, enfim, uma série de medidas que possibilitem retomar de fato a gestão das despesas com pessoal e frear a sua evolução, pois, em geral, quando uma situação de descontrole está caracterizada, as despesas se encontram evoluindo significativamente, criandouma forte pressão sobre as contas públicas. Nesse estágio, é fundamental que também seja desenvolvido um sistema de informações gerenciais para subsidiar adequadamente o processo decisório na área de recursos humanos. Assim, em um primeiro momento, as atenções estão voltadas para a retomada do controle da gestão de recursos humanos, antes de torná-la consistente ou buscar aprimorá-la. No segundo estágio das reformas, à medida que as contas começam a se equilibrar e os controles são recompostos, os governos começam a desenhar medidas voltadas ao estabelecimento de uma política de recursos humanos mais consistente. A gestão começa a direcionar sua atenção para questões como o recrutamento e a estrutura de incentivos para o servidor, isto é, para as carreiras, a remuneração, a capacitação e a avaliação de desemp enho. Dessa forma, o governo passa a planejar de forma mais adequada os seus concursos, direcionando as contratações para as áreas que realmente se encontram com um quadro de pessoal insuficiente; os gestores se preocupam em criar carreiras com atribuições mais amplas, que flexibilizem a movimentação de servidores, possibilitem a eles desempenhar uma gama maior de atribui-


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ções e substituam regras de promoção automáticas, associadas à antigüidade, por outrasassociadas aodesempenho e/ou à capacitação (seja formação escolar ou aquisição de habilidades intrínsecas ao trabalho), isto é, os dirigentes visam ao desenho de carreiras que possuam uma estrutura que incentive o servidor a se aprimorar e atingir o seu final em um prazo não muito distante de sua aposentadoria. A estrutura de remunerações é, em geral, simp lificada, isto é, o número de parcelas remuneratórias é reduzido, a fim de tornar mais transparentes os valores de salário efetivamente pagos,tanto para a sociedade como para os próprios gestores de recursos humanos; buscase corrigir as distorções observadas na hierarquia salarial (cuja consistência interna está baseada em uma escala que segue as atribuições, responsabilidades, competências e desempenho e a externa, as remunerações praticadas no mercado de trabalho, seja público ou privado); são criados mecanismos de remuneração variável a fim de premiar o desempenho. Enfim, busca-se organizar a hierarquia salarial para que a remuneração se torne efetivamente um incentivo para os servidores e não um desestímulo(que ocorre se houver um grande desequilíbrio em tal hierarquia) que implique um gasto que não gera retorno substancial para a sociedade. Em relação à capacitação, os gestores da política de recursos humanos procuram definir uma estratégia que seja cond izente com as demandas e necessidades da organização e de qualificação para os integrantes de cada carreira e para os servidores do ponto de vista individual (neste último caso, o vínculo com a avaliação de desempenho é fundamental). Freqüentemente é criada uma escola de g overno, hoje intitula da universid ade corporativa, que implemente tal estratégia. Com essas medidas, as ações de capacitação assumem maior re-


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levância, e o seu caráter eventual, esporádico, e desvinculado de qualquer planejamento é eliminado. Por seu turno, no tocante à avaliação de desempenho, existe uma grande discussão sobre o modelo mais eficiente e que gera melhores resultados. Enquanto alguns apregoam a necessidade de avaliar o desempenho individual, outros defendem a tese de que um modelo que concentre a avaliação em metas institucionais ou de grupos tende a ser ma is eficaz por elimina r o caráter personalista da avaliação e possibilitar a cobrança de resultados vinculados às metas da organização. Entretanto, sua adoção requer a realização de um planejamento e um alinhamento estratégico, com a definição de metas para toda a organização e um alinhamento estratégico amplo, desde as mais gerais até o seu desdobramento para as áreas, equipes e servidores. Assim, este último modelo parece ser mais adequado, porém sua implementação também é mais difícil. Os governos têm entendido, em geral, que a avaliação de desempenho é um instrumento muito importante, mas, dadas as questões apresentadas, tendem a ser cautelosos no momento da escolha de um modelo específico. Por conseq üência, há diferentes está gios de implementação de modelos de avaliação de desempenho nos estados. Alguns estão bastante avançados, outros menos e alguns adotam modelos para apenas algumas carreiras ou áreas específicas, sendo tais modelos, em alguns casos, baseados na avaliação de desempenho individual e outros na institucional. Essa característica não é observada apenas no Brasil, pois no âmbito da própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) há muita controvérsia sobre o tema e seus resultados, apesar de sempre ser reconhecida a sua relevância.


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É fundamental que esses modelos de avaliação de desempenho sejam um insumo para a definição de ações de capacitação e que, posteriormente, tais ações sejam utilizadas também como um insumo para a própria avaliação de desempenho, e ambas sejam utilizadas como critérios para progressão. A adoção dessa sistemática constitui um importante embrião para um modelo de gestão de recursos humanos baseado nas competências, isto é, que vincule os incentivos à aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes, o que têm se mostrado uma boa prática na gestão de recursos humanos, pois a correlação entre qualificação e desempenho é muito estreita. Dessa forma, esses são os principais componentes do segundo estágio das reformas na área de recursos humanos.Apesar de adotaremmedidas distintas, a maioria dos estados se encontra nessa etapa. É um estágio já avançado e que demonstra a disposição e a preocupação com a melhoria da gestão de recursos humanos, porém muitas vezes as medidas adotadas são isoladas e desvinculadas dos objetivos organizacionais. O terceiro estágio, mais avançado, ainda não está difundido, mas alguns estados já adotam medidas que visam ao seu alcance, mostrando já terem se conscientizado de sua necessidade. Nesse terceiro estágio, há uma grande preocupação em alinhar a política de recursos humanos com os objetivos da organização, de modo a torná-la mais estratégica. Na verdade, o desenho da política estaria todo voltado para o alcance do perfil e do quantitativo de servidores necessário e para estimulá-los a desenvolver suas ativida des de forma eficiente, d e forma a garantir o alcance dos resultados desejados pela organização. A definição das metas da organização antecede a escolha dos objetivos da política de recursos humanos e


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os instrumentos adotados (muitos deles já implementados no segundo estágio das reformas) voltam-se para o alcance das primeiras. Nessa etapa, a política de recursos humanos encontra-se totalmente articula da com as demais áreas da organização e assume um papel que nunca deveria ser relevado, qual seja, o de contribuir decisivamente para o alcance dos resultados desejados pela organização. Além dos instrumentos tradicionais já citados na análisesobre o segundo estágio dasreformas, outros também assumem importância por possuíremum caráter mais estratégico. São eles o planejamento da força de trabalho, que possibilita definir o quantitativo e o perfil desejado de servidores de acordo com as necessidades e objetivos d as organizações; a definição de um modelo de gestão que possibilite articular todos os instrumentos da política de recursos humanos, geralmente baseado na aquisição de competências e na avaliação de desempenho; e a constante avaliação dos resultados alcançados pela política. O alcance desse estágio da política de recursos humanos deve ser o objetivo de médio prazo de toda a gestão nesta área, e, portanto, seria interessante que os governos direcionassem suas ações, mesmo as atuais, para esse sentido estratégico. 3. Os estágios das reformas nos estados A partir das apresentações das unidades de recursos humanos dos estados e da discussão na seção anterior podemos destacar as ex periências que têm contribuído para o avanço desse tema, as quais se enquadram em estágios distintos das respectivas reformas. Entre elas, podemos destacar:


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a) os ajustes na folha de pagamento e a parametrização das rotinas de cálculo, visando a eliminar distorções e pagamentos indevidos; b) a centralização do processamento da folha de pagamento e do controle sobre as operações cadastrais, visando a reduzir a possibilidade de ocorrerem irregularidades e erros; c) a criação da carreira de gestor, que é muito importante para viabilizar a constituição de um corpo de administradores bastante capacitados para implementar as políticas públicas e também atuar na gestão das diversas áreas das organizações públicas; d) a reestruturação das carreiras em geral, buscando sua agregação, simplificação e alterações na estrutura, e regras de progressão que privilegiem o desempenho, a capacitação e a ampliação das atribuições dos servidores; e) a reorganização da estrutura remuneratória, visando a objetivos muito parecidos com os definidos para a reestruturação das carreiras e, adicionalmente, o equilíbrio da hierarquia salarial de forma a resgatar o caráter de incentivo dos salários; f) o desenvolvimento de políticas de capacitação, de modo a eliminar o caráter eventual e esporádico (e, adicionalmente, desvinculado dos objetivos estratégicos das organizações) de tais ações; em alguns casos, os grandes grupos de temas de capacitação estão claramente definidos; g) a criação ou fortalecimento das escolas de governo, fato que contribui para implantar e aprimorar a política de capacitação; h) a criação de mecanismos de remuneração variável, que reforçam os incentivos vinculados ao desempe-


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nho e ao alcance de metas (individuais e institucionais) e reduzem o caráter automático das melhorias salariais; i) a criação de mecanismos de avaliação de desempenho, que podem tanto estar vinculados à remuneração como à progressão; há experiências que vinculam esse processo aos resultados individuais e outras aos organizacionais, mas todos reconhecem a sua importância, independentemente do modelo adotado; j) a implantação de modelos de certificação de competências ocupacionais, que são muito importantes para estimular o servidor a se capacitar, pois via de regra resultam em algum benefício para ele (por exemplo, caso as nomeações para alguns cargos em comissão exijam a prévia certificação); k) o planejamento da força de trabalho, apesar de ainda incipiente, já começou a ser implementado, e sua adoção deve ser amplamente estimulada, pois constitui instrumento mais importante para estabelecer o vínculo entre a gestão estratégica da organização e a de recursos humanos; l) a criação de modelos alternativos de contratação, como o emprego público, que permitem flexibilizar o contrato de trabalho e adequar o quadro de servidores às necessidades esporádicas e sazonais em virtude das oscila ções d a d ema nd a p or serviços p úb licos e d a temporalidade de algumas atividades desenvolvidas no âmbito do estado; m) o desenvolvimento de programas de qualidade de vida que possibilitam ao servidor sentir-se mais satisfeito e estimulado no ambiente de traba lho e demonstram que o salário não é o único incentivo, em relação aos servidores, do qual dispõe a empresa. Os avanços são significativos, mas por outro lado


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também se observa que ainda há muito a fazer. Logo, é importante que os estados continuem avançando, pois já obtiveram muitos êxitos e possuem condições para produzir outros maiores. Segueuma relação de medidas que podem se consubstanciar nos próximos passos a serem adotados pelos gestores de recursos humanos dos estados e que, certamente, contribuiriam para o sucesso das organizações e governos em que atuam. 4. Próximos passos para as reformas da gestão de recursos humanos nos estados A fim de alcançar os estágios mais avançados da reforma da gestão de recursos humanos, sugere-se que os esta dos concentrem seus esforços nos seguintes aspectos compreendidos como relevantes e que, ao mesmo temp o, são aqueles em que os avanços precisam ser maiores e há possibilidade para tal: a) a adoção de um maior alinhamento estratégico entre os objetivos organizacionais e da área de recursos humanos; ainda são poucas as experiências que retratam um desenho sistêmico e articulado de medidas nessa área que estejam vinculadas aos objetivos da organização. As seguintes perguntas devem ser formuladas e as políticas devem ser orientadas para o alcance das respostas a essas questões: Qual é o perfil de funcionários que queremos e precisamos? Em que quantidade? Quais serão os passos necessários para alcançar esse perfil? Como eles serão estimulados a apresentar bom desempenho e como serão cobrados? Como avaliaremos se as políticas e instrumentos que escolhemos estão atingindo os resultados desejados? A definição das respostas e sua posterior implementação praticamente garantem o sucesso da política de recursos humanos em sua integralidade;


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b) o ponto de partida para a definição das diretrizes da política e dos instrumentos a serem adotados deve ser o planejamento da força de trabalho, pois esse já define grande partedas respostas às perguntas expostas noitem anterior, as quais devem orientar a concepção da ação na área de recursos humanos; c) a definição de uma política de concursos que possibilite o ingresso constante e planejado de novos servidores na administração pública, incluindo a publicação de um cronograma com o número de vagas ofertadas a cada ano por cargo. Essa política permite a renovação de quadros, possibilita às pessoas planejarem a sua participação em concursos, tornando essa prática comum e reconhecida pela sociedade e estimulando as pessoas a ingressar no serviço público, bem como inibe a formação de grupos herméticos de servidores. É uma das medidas mais simples entre as que necessitam ser adotadas, pois gera resultados muito satisfatórios em relação ao alcance do perfil desejado para os servidores e, por isso, é altamente recomendada; d) a criação de mecanismos para flexibilizar os regimes de trabalho: os problemas hoje enfrentados em relação às regras de contratação, como termos de ajuste de conduta, contratação de temporários por prazo superior ao razoável e excesso de terceirizados, vêm ocorrendo porque não há atualmente uma alternativa bem estruturada de contratação que seja mais flexível que o regime estatutário e possibilite, ao mesmo tempo, contratar esporadicamente de acordo com as necessidades da administração pública, estabelecendo limites temporais e direitos e deveres do contratado. O regime de emprego pode suprir essa lacuna, basta regulamentá-lo da forma desejada. Os governos não o adotam, porém, porque prevêem


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que seus encargos trabalhistas, semelhantes aos do regimeceletista, seriam muitoelevados. Mas tal regimedeve ser utilizado em situações específicas, naquelas em que a contratação deve ocorrer por prazo determinado, fato que o regime estatutário permite apenas em casos emergenciais. Nesse cenário, é fácil demonstrar que o custo de contratação, ainda que inclua diversos encargos, é muito inferior ao da manutenção de um servidor que se torna desnecessário, mas que pela regra da estabilidade deve permanecer nos quadros do governo até sua aposentadoria, se ele não se desligar por livre iniciativa ou tiver cometido alguma falta grave. De toda forma, o regime de emprego precisa serregulamentado, e nada impede quecada estado oadapte às suaspeculiaridades, respeitadas as regras definidas para o regime celetista. e) o ponto destacado acima está vinculado a outra questão mais geral, qual seja, a possibilidade de conciliar e compatibilizar a necessidade de flexibilização com a preservação de regras de isonomia importantes no serviço público. Por exemplo, é importante premiar de forma distinta os servidores que se destacarem em suas organizações, a o mesmo tempo em que é justo e importante manter uma certa paridade entre as remunerações daqueles que se situam na mesma posição de uma determinada carreira e possuam competências semelhantes. Dessa forma, a maioria das regras relativas à gestão de recursos humanos deve propiciar, ao mesmo tempo, tratamento isonômico aos servidores e a premiação ao desempenho diferenciado e prever formas de abordar (ou flexibilizar) situações específicas como a descrita para o regime de emprego. Essa é uma importante orientação para as regras desenhadas no futuro; f) a reorganização da estrutura remuneratória, principalmente no que tange ao equilíbrio de sua hierarquia


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e à introdução de mecanismos de premiação vinculados ao resultado organizacional. Os estados ainda dispõem de poucas informações sobre os níveis salariais praticados no mercado privado e em seus pares, bem como nas prefeituras, e só conseguem reorganizar a hierarquia salarial aos poucos, dada o impacto fiscal de tal correção; não podem, porém, perdê-la de vista, pois, se assim for, o salário perderá seu caráter de incentivo e o governo estará desperdiçando um volume extraordinário de recursos com funcionários desmotivados, ainda que a remuneração não seja a única forma de estimulá-los; g) a regulamentação da possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho. A avaliação deve ser utilizada como um incentivo positivo, certamente, e essa é sua principal função: estimular o desenvolvimento e o desempenho. Mas também é fundamental que seja possível desligar os servidores que nãopretendem fazer qualquer esforço para desempenhar suas funções de forma adequada ou melhorá-la. Aausência de regulamentação desse dispositivo constitucional impede que essa medida seja adotada, a qual se insere na racionalidade de qualquer sistema de incentivos; h) os gerentes de todas as áreas têm de estar profundamente envolvidos na gestão de recursos humanos, principalmente nos aspectos relacionados à avaliação, progressão e capacitação. Atualmente, predomina a visão de que o gerente não é responsável por esses temas, cuja atribuição pertenceria à área de recursos humanos. Mas qualquer modelo simples de gestã o, e princip almente aqueles que privilegiam o trabalho em equipe, define que o papel dos gerentes no desenvolvimento profissional de seus subordinados é fundamental. São eles que estão próximos dos integrantes de suas equipes e reconhecem as necessidades de capacitação, têm condições de ava-


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liar o desempenho e de escolher aqueles que devem ser promovidos. A área de recursoshumanos, nesse caso, deve disponibilizar os instrumentos possíveis e necessários para viabilizar essas ações. Essa posição é pouco difundida e sua prática constituium dos principais desafios da gestão das organizações, pois se os gerentes acharem que não possuem nenhuma responsabilidade sobre a definição desses aspectos, não há desenho bem concebido de política que possibilite o alcance dos resultados desejados. i) o estreitamento e a melhoria das relações entre as áreas de recursos humanos e de finanças dos diversos governos. O gasto com pessoal é um dos principais itens, se não o principal, das despesas dos governos estaduais e recebe atenção especial da área econômica, que quer controlá-lo e participar de todas as decisões, não sem razão, que lhe digam respeito. A área de recursos humanos, por sua vez, possui freqüentemente uma preocupação maior com a melhoria da gestão e menor com a evolução das despesas e, por isso, ambas estão constantemente em conflito. Entretanto, os dois objetivos não são inconciliáveis; o controle das despesas faz parte da gestão e o aprimoramento desta última, por sua vez, melhora o primeiro. Devem-se buscar o diálogo e uma linguagem mais comum às duas áreas, bem como fazer compreender que os objetivos não são antagônicos, mas sim complementares. Os profissionais da área de recursos humanos devem entender as restrições impostas pela área econômica e apresentar todas as vantagens da melhoria da gestão que podem decorrer das medidas desejadas; devem pensar mais em custos, enquanto a equipe da área de finanças deve se preocupar mais com a modernização da gestão. Somente assim poderão ser implementadas


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as medidas necessárias para incrementar os resultados da organização. j) a questão do financiamento da Previdência do Servidor Público: os representantes dos estados presentes ao seminá rio não falaram praticamente nad a sobre o tema,talvezpor já existir umfórum específicopara debatêlo. De toda forma, esse problema constitui uma verdadeira bomba-relógio do ponto de vista fiscal e, por conseqüência, para a própria gestão de recursos humanos em todo o setor público brasileiro. Atenção especial deve ser atribuída a essa questão, buscando regulamentar adequadamente as emendas constitucionais sobre o tema e criar urgentemente, para os que ainda não o fizeram, alternativas de cap italização e fundos de pensão q ue desonerem as contas públicas. Por fim, é importante ressaltar que uma palavra bastante recorrente na análise aqui apresentada foi “incentivos”. Os gestores de uma política de recursos humanos devem, permanentemente, buscar a criação de incentivos ou avaliar quais deles estão sendo gerados pelas políticas e instrumentos adotados. Em última análise, o destaque dado a essa palavra decorre do fato de que são os incentivos que guiarão a atuação dos servidores, como aliás o desempenho profissional de qualquer pessoa (a própria preferência por atuar no serviço público, se existir, já corresponde a um mecanismo de incentivo). Dessa forma, a política de recursos humanos constitui, simplificadamente, uma estrutura de incentivos que implica tanto estímulos positivos como outros associados à cobrança de resultados, ambos os quais visam a melhoria do desempenho das organizações. É fundamentalsempre recordar essa definição, pois seu reconhecimento e consideração já são um passo importante para o sucesso das políticas escolhidas e implementadas.


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Gestão das compras governamentais: perspectivas para a consolidação dos avanços Relator: Caio Marini - Professor da Fundação Dom Cabral


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Gestão das compras governamentais: perspectivas para a consolidação dos avanços4

Caio Marini Professor da Fundação Dom Cabral

1. A necessidade da adoção de um novo padrão para a gestão das compras governamentais O movimento contemporâneo de reformas da administração pública tem destacado, entre outros aspectos, a necessidadede reorientar a gestão para resultados num contexto que combina crescente elevação das exigências por parteda sociedade coma baixa capacidadedo Estado em atender a essas demandas devido à, ainda presente, crise fiscal. Dessa forma, as iniciativas empreendidas nos diversos âmbitos governamentais, tanto no cenário nacional como no internacional, vêm colocando em relevo questões como o aumento da cobertura da presta4 Texto elaboradocom base nas experiências submetidas ao Painel Gestão de Compras e Suprimentos no âmbito do seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública realizado em São Paulo durante os dias 8, 9 e 10 de março de 2006. Foram apresentadas as experiências dos estados: Bahia, Ceará, Mato Grosso e São Paulo. Além desses estados, foram encaminhados relatos sobre as experiências dos estados: Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins e Pernambuco e do Distrito Federal.


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ção do serviço, a melhoria da qualidade dos serviços entregues ao cidadão e a busca incessante de incremento da eficiência do aparato governamental, ou seja, o desafio é o de fazer mais e melhor com menos. Assim, para enfrentar esse contexto, a questão da qualidade do gasto - incluindo-se aí o investimento e o custeio - tornase central nas estratégias de modernização adotadas. É exatamente dentro dessa perspectiva que otema dascompras governamentais entra em cena em função do peso expressivo que representa na realização de qualquer função pública. Comprar bem é requisito fundamental para a qualidade da gestão. Entretanto, o debate e as práticas adotadas nesta importante área da gestão pública vêm sendo influenciados por duas forças, uma impulsionadora e outra restritiva: • Por um lado, adotar um modelo de gestão orientado a resultados com o objetivo de melhorar a eficiência na prestação d os serviços sociais básicos, como os de saúde, educação, segurança e outros, significa implementar um novo padrão na gestão das compras e suprimentos de bens e serviços requeridos para a prestação adequada desses serviços à sociedade. • Por outro, a predominância de uma forte cultura burocrática inibe a inovação e a criatividade nesse campo. O pressuposto geral é o de que se forem flexibilizadas as regras a conseqüência será, inevitavelmente, a expansão de práticas patrimonialistas. 2. O processo de compras governamentais no Brasil: elementos de fundamentação Segundo Fernandes (2003), os componentes do processo de compras governamentais no Brasil são os seguintes:


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Preparação: que compreende a elaboração de documentos técnicos e termos de referência q ue irão subsidiar o estabelecimento de especificações para o edital. O órgão está obrigado a designar um dirigente responsável por cada processo de compra e é ex igida uma reserva orçamentária com indicação da resp ectiva rubrica. As ações, nessa etapa, que são realizadas internamente no órgão, culminam com o edital que contém a d escrição p ormenoriza da d o ob jeto d a comp ra ou contratação, d os requisitos para particip ação do fornecedor na licitação, dos critérios de julga mento das propostas e de ap resentação de recursos pelos participantes, durante o processo. Convocação: que corresponde à fase de divulgação, por meio da publicação de aviso, obrigatória na imprensa oficial. A tendência recente é a de obrigatoriedade de publicação, também, na Internet. Habilitação: que consiste na verificação da capacidade do licitante em participar do certame, atendendo aos requisitos estabelecidos no edital. Compreende o exame dos aspectos jurídicos e econômico-financeiros e fiscais da empresa. Competição: que é o evento público em que serão abertas, examinadas e julgadas as propostas encaminhadas pelos licitantes. O julgamento resulta na classificação das propostas, e a vencedora só terá efetividade se o licitante também cumprir os requisitos de habilitação. Contratação e execução: que consiste na adjudicação - convocação do licitante vencedor para celebração do contrato - e na execução, propriamente dita, do objeto contratado, ou seja, na entrega do bem adquirido ou na prestação do serviço contratado. O gestor de compras emite um “ateste” de cumprimento do contrato e a respectiva ordem de pagamento - denominada empenho -


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para, em seguida, proceder à liquidação, na forma de crédito bancário. O ordenamento jurídico que disciplina o processo de compras governamentais no País remonta a 1993 com a edição da Lei 8.666, que regulamenta o art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da administração pública. O contexto era de emergência de profunda crise institucional decorrente do impeachment do então presidente Collor de Melo e os legisladores temiam qualquer tipo de iniciativa de flexibilização na operação e funcionamento da máquina pública, sob o argumento de que poderia implicar o aumento da corrupção. Como conseqüência, a receita clássica foi a de aumentar amarras burocráticas (a Lei 8.666 é exemplar nesse sentido), o que provocou tentativas de fuga, tanto dentro dos limites da lei (é bastante expressivo o número de dispensa de licitação) como fora deles (é também expressiva a corrupção nesse campo). As críticas, em especial as relativas ao ordenamento jurídico, que se sucederam ao longo do tempo provocaram uma série de iniciativas que culminaram no estabelecimento de um novo padrão para o processo de compras. Os principais marcos, nesse debate, foram os seguintes: • A crítica original era a de que a lei, por ser muito detalhada, impedia a adoção deregulamentos para aplicação em realidades específicas. A realidade dos órgãos que compõem a administração direta não é a mesma dos da administração indireta. E com a visão excessivamente detalhista, o que acabou ocorrendo foi a generalização da rigidez burocrática para todos os órgãos e entidades, praticamenteeliminando asdiferenças, em termos de graus de autonomia, entre a administração indireta e a direta. • Em seguida, no contexto da reforma gerencial de 1995, o assunto da flexibilização volta à cena. O Plano


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Diretor de Reforma do Aparelho do Estado destacava a necessidade de adoção de um novo modelo de gestão orientado a resultados num ambiente caracterizado pelo agravamento da crise fiscal do Estado. O capítulo “Diagnóstico” do referido plano apontava três áreas críticas que contribuíam para o encarecimento do custeio da máquina administrativa: a de gestão de recursos humanos, a de gestão orçamentária financeira e a de gestão de compras. O argumento dominante, para o caso das compras, era o de que exigências excessivas de controles sacrificam a eficiência e provocam a morosidade. Na prática foram iniciadas negociações no âmbito interno de governo no sentido de alterar a legislação vigente e editado decreto instituindo o Prog rama de Racionalização das Unidades Descentralizadas do Governo Federal. • Em 1999, outra iniciativa foi tentada, porém com base em uma nova abordagem. A constatação dominante era a de que persistiam problemas de perda de eficiência, não só por problemas de natureza legal, mas também pelo fato de que o governo não utilizava seu poder de compra na relação com os fornecedores. A ausência de uma política e a debilidade dos órgãos centrais normativos faziam com que cada órgão agisse ao seu próprio modo. E , em q ue pese o ava nço no camp o da tecnologia da informação, pouco havia sido incorporado na gestão dos processos administrativos (gestão de compras incluída). Assim, tomou-se a decisão de adotar uma nova estratégia para os serviços administrativos no âmbito do governo federal. A idéia era a de se criar uma Agência Nacional de Serviços5, que concentraria a presta-

5 GRS – Gerências Regionais de Serviço do Governo Federal, inspirada na experiência norte-americana, sob a liderança da Seap – Secretaria de Estado de Administração e do Patrimônio. A iniciativa chegou a constituir formalmente um dos programas do PPA de então.


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ção de serviços administrativos aos órgãos da administração direta, numa única agência, com os objetivos de obter ganhos de escala e permitir a focalização dos ministérios em suas atividades finalísticas. A experiência não evoluiu e foi descontinuada em 2001. • Em 2001 foram retomadas as iniciativas de revisão do ordenamento jurídico. Em janeiro desse ano foi elaborado o Anteprojeto de Lei Geral de Contratações da Administração Pública, e durante o ano de 2002 foram realizadas sessões de Consulta Pública e outros eventos com a participação de, aproximadamente, 500 pessoas, 55 entidades colaboradoras, o que gerou 350 sugestões. • Ainda em 2001, inicialmente por medida provisória, o governo federal instituiu a modalidade de licitação6 denominada Pregão, mais tarde expandida para uso nas esferas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Lei 10.520/02). Na nova modalidade, a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública (presencial) ou por meio eletrônico. 3. Situação encontrada nas administrações estaduais: um ambiente favorável a mudanças A situaçã o dos estad os da Federação não difere muito da situa ção da administração pública federal no que se refere ao processo de compras e aquisição. Os procedimentos careciam de pa dronizaçã o, reg ras e normatização que regulamentassem a matéria. As compras eram pulverizadas pelas diversas unidades da administração pública estad ual. Como conseqüência , o

6 Que veio somar-se às outras modalidades, tais como: conc orrência, tomada de preços, convite, leilão, concursos e registro de preços.


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estado não ap roveitava a oportunidade d e obtenção de ganhos de escala. Outra característica típica do contexto original era a ausência de estatísticas (séries históricas) e sistemas de informações q ue permitissem uma maior racionalização das atividades, já que os procedimentos eram intensivos em mão-de-obra, quase sempre repetitivos e marcados p elo re-tra ba lho permanente. Como conseqüência , inexistiam práticas de transparência e de controles efetivos sobre as necessidades e qualidade das compras, além da perda de oportunidade de desenvolver a capacidade de aprendizagem com os erros e acertos ao longo do processo. Por fim, o a mbiente de compras era caracterizado pela baixa profissionalização. Tradicionalmente, asáreas de compras era m depositárias de funcioná rios de baixa qualificação, desmotivados e sem as cond ições mínimas requeridas para o adequado exercício da função. É importante ressa ltar que uma compra é, antes de tudo, um processo de negociação entre as partes que exige elevado grau de profissionalização. Comprar aquém das necessidades compromete a qualidade dos serviços e comprar além da medida eleva os custos. O sucesso desse processo pressupõe o estabelecimento d e uma relação de parceria. A ausência desses atributos acabou por gerar, como conseqüência, um cenário, quase caótico, resumido da seg uinte forma: comprava-se mal, a preços elevados, sem atender aos requisitos de q ualidade estabelecidos e, a lém disso, não eram honrad os os compromissos contratuais com os forneced ores. O que contribuiu para a consolidação de uma cultura (perversa) baseada na desconfiança e d escompromisso na relação cliente-fornecedor, com reflexos nos prazos de entrega, no cumprimento das especificações definidas, na não


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conformidade normativa e no custo dos serviços prestados ao cidadão. Esse cenário foi determinante para promover-se uma verdadeira “guinada nos princípios utilizados para gerir as atividades de suprimento no Poder Executivo (...) passando-se de mero comprador de bense serviços para uma postura estratégica de compras” (Villhena et al, 2006). 4. A emergência de um novo padrão de gestão das compras governamentais: as soluções adotadas nas administrações estaduais e resultados apresentados O momento atual tem se caracterizado pela profusã o, em ritmo b astante a celera do, de inicia tivas de melhoria da gestão nos níveis estaduais da Federação. Não seria exagero afirmar que o que melhor se produz neste momento, em termos de experiências no campo da modernização do setor público, acontece justamente em alguns estados da Federação. A cria ção do Conselho Nacional de Secretários d e Estado de Administra ção (Consad) tem contribuído para a disseminação e intercâmbio dessas experiências e para a consolidação do tema na agenda nacional. Em particular, no que se refere às compras governamentais, duas diretrizes foram propostas durante a realização do LIX Fórum de Secretários: • Recomendar a necessidade de reestruturar a gestão de Compras Governamentais, utilizando mecanismos disponíveis e eficazes do Poder de Compras dos Estados para aumentar a economia local, reduzir gastos eotimizar os processos licitatórios. • Adotar o uso do Pregão Eletrônico como instrumento capaz de propiciar agilização, transparência, racionalização, controle e redução de custos na aquisição de bens


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e serviços, tendo em vista a economia já propiciada de 25%, em média, nos estados. A seguir, serão apresentadas as principais iniciativas desenvolvidas no âmbito das administrações públicas estaduais agrupadas segundo duas dimensões: do aperfeiçoamento do modelo de gestão, que trata dos avanços realizados na estratégia, política e estrutura de funcionamento, incluindo a adoção de novas ferramentas de gestão e do aperfeiçoamento do ordenamento jurídico-legal, que trata das medidas orientadas para a revisão da legislação vigente. 4.1. Dimensão da gestão A principal iniciativa nesse campo foi a do fortalecimento institucional do sistema de compras governamentais com base na definição de uma política de compras contendo as principais diretrizes e na definição clara dos papéis dos órgãos centrais e descentralizados na execução das compras. Como exemplos: • O estado do Ceará, que definiu um Projeto de Inovação em Suprimentos, no bojo do Sistema Integrado de Gestão Governamental, contendo: a estratégia (papel e princípios), os processos (adequação e otimização), as pessoas (papéis e perfil profissional), a tecnologia da informação (sistemas de suporte) e o monitoramento (avaliação do desempenho da organização e do processo). A fase I incluiu medidas nas áreas de telefonia, combustíveis, medicamentos, limpeza e mão-de-obra administrativa. A fase II, em implementação, prevê importantes mudanças nas rotinas - foco na racionalização e gestão dos gastos - e inclui as áreas de: obras, alimentação, material de expediente e tecnologia da informação. • O estado da Bahia, que mudou o foco do Órgão


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Central de Compras de executor para normatizador. A gestão de compras e contratação de serviços atualmente ocorre de forma descentralizada, cabendo às unidades administrativas a execução e o gerenciamento de seus respectivos orça mentos. Compete ao Órg ão Central atuar de forma centralizada apenas na gestão de gastos relevantes para o estado: veículos, abastecimento, seguro d e imóveis, bem como na d eleg ação de compras, disponibilização de Registros de Preços para itens de consumo relevante e freqüente pelas unidades gestoras. • O estado de Goiás, que mudou a atribuição da Diretoria de Gestão, Logística e Patrimônio passando de fornecimento de materiais de uso comum, para o desenvolvimento de políticas de gestão. • O estado de São Paulo inovou ao introduzir, como uma das diretrizes, o conceito de licitações sustentáveis: introduzir critérios de ordem socioambiental nos procedimentos de aquisição de bens, serviços, obras e serviços de engenharia, compatíveis com as políticas do governo (Agenda 21 ). Decreto 50.170/05 - instituiu o selo socioambiental. • O Distrito Federal, que introduziu política orientada para a otimização, controle e racionalização dos custos operacionais. • O estado de Minas Gerais introduziu a prática de treinamento de fornecedores visando a fomentar a participação das micro e pequenas empresas nas compras governamentais. Nesse sentido, foi assinado convênio entre a Secretaria de Planejamento e Gestão com o Sebrae e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte. • O estado d o Mato Grosso, que decid iu pela centralização dos pregões na Secretaria de Estado de Administração.


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• O estado de Pernambuco onde a Secretaria de Administração e Reforma do Estado passou a atuar como órgão disciplinador dos sistemas de compras, licitações e contratos. O modelo administrativo passou a ser caracterizado como “coordenado descentralizado”. • O estado de Sergipe criou uma Central de Compras que administra os contratos de energia, correios, telefonia, água, passagens aéreas, combustíveis, locação de veículos, manutenção de veículos, fábrica de software. Outra importante iniciativa foi a intensificação do uso da tecnologia de informação, tanto na melhoria do processo de compras (interface com fornecedores, por exemplo) como no desenvolvimento de sistemas corporativos de gestão das compras governamentais. A tendência tem sido a de construção de um Portal de Compras com funcionalidades7 nas duas dimensões a nteriormente mencionadas. Como exemplos: • O estado de São Paulo instaurou 44.171 pregões, sendo 887 eletrônicos e 43.284 presenciais, dos quais 37.187 encontram-se encerrados envolvendo um volume da ordem de R$ 13,49 bilhões negociados. Também vem utilizando o sistema BEC (www.bec.sp.gov.br), que, na perspectiva do estado, estimula transparência, permite a redução dos custos operacionais e dos preços pagos pelas unidades compradoras, além de agilizar o processo 7 Estão consagradas várias inovações neste campo, tais como: pregão (modalidade de licitação utilizada para a aquisição de bens e de prestação de serviços comuns nas formas presencial e eletrônico); registro de preços (segundo Hely Lopes Meirelles, é o sistema de compras pelo qual os interessados em fornecer materiais, equipamentos ou gêneros ao Poder Público concordam em manter os valores registrados no órgão competente, corrigidos ou não, por um determinado período, e a fornecer as quantidades solicitadas pela Administração, no prazo previamente estabelecido); Bolsa Eletrônica de Preços – BEC (negociação do preço dos bens adquiridos pelo setor público, por meio de procedimen tos eletrônicos, c om a garantia, por parte do governo, do pagamento aos fornecedores na data de seu vencimento ajustada no contrato).


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de aquisição e fornecer informações agregadas e rapidamente disponíveis para os sistemas de controle interno e externo. Para o setor privado, proporciona maior interação com a administração estadual e também com os municípios do estado, ampliando as oportunidades de negociação de seus produtos com o governo, via Internet. A sociedade, por sua vez, terá a oportunidade de controlar todas as negociações efetuadas pelo portal. Por fim, vale destacar a solução e-negócios públicos que d isponibiliza para toda a sociedade, por meio da Internet, as informações completas de todas as modalidades de licita ção definida s p elas Leis 8.666 /93 (Licitações) e 10.520/02 (Pregão) - desde o aviso da licitação até a assinatura do contrato e o Relógio da Economia (www.relogio da economia .sp .gov.b r), uma ferramenta tecnológica implementada pela Casa Civil (em parceria com a Fundap e Prodesp) para explicitar - de forma concisa - as economias feitas pelo governo do estado de São Paulo, após a implementação de inovações no modo de prestação de serviços públicos. Na dimensão interna, o estado implementou o sistema integrado de gestão de frotas. • O estado do Mato Grosso criou dois portais (do cidadão e do servidor). No Portal do Cidadão, é possível baixar editais; participar das compras diretas; verificar fornecedores ativos, inativos e suspensos e a agenda de licitações; acompanhar pregão em andamento; e verificar resultados de licitações e compras diretas. Já o do servidor contém as funcionalidades de: controle de datas de vencimento; envio de e-mail sobre cadastro vencido; informação sobre como se cadastrar; impressão de certificado via Web; gerenciamento de penalidades; e-mail de solicitação de pesquisa de preço. • Pernambuco, instituiu o RedeCompras - moderno conceito de negociação eletrônica - que implementa pro-


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cessos de aquisição debens por meio da rede mundial de computadores Internet. Tem como principais vantagens: maior transparência e rapidez nos processos de negociação; grande alcance na divulgação das oportunidades de negócios; facilidades operacionais para fornecedores e compradores; padronização dos procedimentos das comissões de licitação; estímulo à competitividade do mercado; e obtenção de significativa economia para o estado. • Santa Catarina, Sistema de Divulgação de Editais de Licitação. • Paraná, Portal de Compras voltado para a racionalização de custos, transparência e melhoria da qualidade dos serviços prestados à população, tornando acessível a todos as informações sobre as transações dos órgãos estaduais com seus fornecedores e prestadores de serviços. • Paraíba, sistema “on-line” para operacionalização da Central de Compras em 23 órgãos da administração direta. 4.2. Dimensão legal A principal ação nesse campo foi a de revisão do ordenamento jurídico. Inspirada inicialmente na proposta do governofederal de 2001, o estado da Bahia tomou a iniciativa de editar lei estadual (9.433/05) que logo foi acolhida pelo Consad, o qual vem negociando com o governo federal com vistas à edição de lei federal que substitua a atualmente em vigor (8.666). As principais mudanças são, entre outras: • A inversão das fases do procedimento, com a abertura das propostas de preço, julgamento e classificação antes da análise da habilitação dos licitantes.


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• Criação de órgão central de controle de contratos e convênios, acompanhamento e avaliação financeira dos contratos e convênios. • Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica nas hipóteses de fraude na criação de novas entidades empresariais. • Incorporação do pregão, como modalidade de licitação, nos moldes da Lei Federal 10.520/2002, aproveitando a disciplina já existente em sede de decretos estaduais. • Disciplina do credencia mento, como hipótese de inexigibilidade de licitação, quando, em razão da natureza do serviço, revela-se a impossibilidade prática de confronto entre interessados, podendo a necessidade da administração ser mais bem atendida mediante contratação do maior número possível de prestadores de serviço. • Adequação técnica das sanções administrativas, estendendo as sanções, além dos licitantes e contratados, também aos candidatos ao cadastramento e cadastrados. Outros estados também investiram na revisão da legislação sobre compras. A seguir alguns exemplos de legislação editada: No Ceará , foram ed itados os seguintes d ecretos: 28.086/2006, que regulamenta o Sistema de Compras na Administração Pública Estadual; 28.087/2006, que regulamenta o uso do Sistema de Registro de Preços (de que trata o artigo 15 da Lei Federal 8.666 e o artigo 11 da Lei Federal 10.520); 28.088/2006, que dispõe sobre a implantação de compras eletrônicas, denominada cotação eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns de pequeno valor; e 28.089/2006, que regulamenta a licitação na modalidade de pregão instituída pela Lei Federal 10.520.


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Em São Paulo, os Decretos 47.297/2002, que dispõe sobre o pregão (Lei 10.520); 47.820/2003, que dispõe sobre a política do patrimônioimobiliário; 47.945/2003, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços; 48.999/2004, que fixa competência das autoridades para aplicação da sanção administrativa (artigo 7º da Lei Federal 10.520); 49.722, que dispõe sobre o pregão realizado por meio da utilizaçã o d e recursos de tecnologia da informaçã o; 50.170/2005, que institui o selo socioambiental no âmbito da administração pública. Ainda sobre a regulamentação do pregão: Pernambuco (Lei Estadual 12.340/ 2003); Minas Gerais (Decreto 42.408/2002); Espírito Santo (Decreto 1178-R/2003); Ceará (Decreto 26.972/2003). EmGoiás, o Decreto 5.566/2002, institui o Sistema Eletrônico de Administração de Compras e Serviços. Sergipe adotou uma nova lei (5.848, de 13 de março de 2006) que dispõe sobre procedimentos licitatórios no âmbito da administração pública direta e indireta do estado. 4.3. Os principais resultados O resultado prático da aplicação dessas iniciativas, tanto na dimensão da gestão como na legal, vem produzindo enormes economias para os cofres públicos estaduais. Entretanto, a dificuldade está na medição efetiva dos ganhos conq uistados. A a usência de estatísticas confiáveis e de p rocedimentos p a d roniza d os d e mensuração dificulta a precisão dessa importante informação. A seguir, são apresentados alguns dados brutos informados pelos estados no âmbito do seminário: O Ceará prevê, na fase I do Projeto de Inovação, economias entre R$ 20 e R$ 35 milhões, dos quais R$ 15 milhões já foram efetivadas em 2005. Na fase II estima-se uma economia da ordem de R$ 36 milhões ao ano.


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São Paulo estima uma economia global de 18,99% (aproximadamente R$ 3,16 bilhões). Dados complementares: • 25,32% de economia nas modalidades dispensa convite e pregão. Somente no pregão, as economias foram: R$ 79 milhões (8,84%) no eletrônico; R$ 3 trilhões (19,57%), totalizando R$ 3,164 trilhões (18,99%); • a economia na Gestão de Contratos de Serviços Terceirizados, no período compreendido entre janeiro de 1995 a janeiro de 2005, atingiu em termos de valor médio o percentual de 31,7%, o que representa uma economia de R$ 11,49 bilhões. Pernambuco estima uma economia de 31,94% (R$ 175,5 milhões) com as modalidades pregão eletrônico e presencial. Além disso, destaca a redução de prazos de conclusão em mais de 60% e o fato de que os processos têm alcançado uma economia média em torno de 18%, em referência ao preço inicialmente estimado. Minas Geraisprevê uma economia de R$ 233 milhões em 2005 graças aos pregões e de 14,37% em 2005 devido à cotação eletrônica; Tocantins, uma economia de até 25% na aquisição de bens e serviços comuns; Sergipe, uma economia mensal de R$ 310 mil com gerenciamento de controle de combustível e frota; e a Paraíba, uma redução de 42% no consumo de combustível, de 30% dos custos de aquisição de suprimentos em 2005, via pregão, e uma adesão de 98% dos órgãos da administração direta ao sistema on-line de Compras. 5. Desafios, à guisa de conclusão Sem dúvida, a cultura emergente de gestão orientada a resultados vem produzindo importantes mudanças


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na administração pública brasileira, em especial nas administrações estaduais. Até aqui, o mote tem sido o da necessidade de promover ajustes em função da crise financeira do estado, o que vem provocando ondas de inovação em diversas áreas como no caso das compras governamentais. Nesse sentido, os desafios apresentados apontam a adoção de estratégias em duas direções. Em primeiro lugar, é fundamental avançar mais, aumentando a abrangência com relação aos resultados já obtidos visando a consolidar o processo de mudança em curso. Mas é absolutamente essencial enfrentar problemas decorrentes dos novos tempos que se aproximam e que vão exigir o desenvolvimento da capacidade do estado em alcançar os resultados de desenvolvimento. As medidas para o primeiro caso indicam a necessidade de aprofundar o debate sobre as limitações legais ainda vigentes e a definição de estratégia conjunta - de estados, municípios e governo federal - junto aos respectivos Legisla tivos para a edição de novo ordenamento jurídico. Alguns dilemas estão colocados: como combinar vantagens da centralização (o tamanho, a escala e a diversidade) e os benefícios da descentralização (a flexibilidade, a sensibilidade e a criatividade)? Quais os limites da desregulamentação e os riscos decorrentes em termos de perd a de controle? Como estimular a competitividade e o desenvolvimento de fornecedores locais e, ainda assim, assegurar eficiência operacional nos processos de compras? Ainda dentro dos desafios de consolidação dos avanços já obtidos está a questão da integração dos processos e sistemas de compra s com os dema is sistemas corporativos de gestão aproveitando as oportunidades decorrentes da revolução tecnológica. É necessária a criação de um ambiente único e confiável de compras para


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facilitar a vida dos diversos agentes envolvidos. Outro aspecto, de natureza normativa, diz respeito à questão da incidência do ICMS nas compras governamentais. Com relação ao segundo aspecto, o desafio é o de estabelecer uma estratégia para a gestão das compras governamentais em linha com os pressupostos da nova geraçã o d e reformas da administração pública q ue enfatiza a questão do desenvolvimento econômico-social em bases sustentáveis e a questão da integ ração dos instrumentos da política de gestão pública. Nesse sentido, a questão da avaliação dos resultados é essencial. É fundamental medir de forma objetiva os resultados decorrentes das inovações realizadas. Não basta avaliar a eficiência dos novos instrumentos propostos (grau de redução de custos, economias e outros), nem simplesmente ampliar a cobertura na aplicação das inovações (estender as inovações a todos os processos de compras, a todos os estados). É fundamental avaliar a efetividade do processo de compras. Não se trata simplesmente de avaliar se houve economia ou redução de gastos, ou se o processo teve conformidade normativa. É preciso avaliar o impacto das compras governamentais (no valor público); quanto elas contribuíram para que o governo alcance seus objetivos, o que significa, em muitos casos, a revisão sistemática de macroprocessos de gestão. É preciso alargar o conceito de compras e redefinir o papel da área de suprimento, passando de (mera) compradora de insumos para gestora de serviços administrativos, na qual a compra é, apenas, um elemento do processo. Significa, em última instância, introduzir o conceito de compras com va lor ag rega do e fa zer do a gente d e comp ra s um prestador de serviços especializados, que conhece a anatomia das funções públicas básicas e suas necessidades. Finalmente, à guisa de conclusão, e levando em consideração os desafios em suas duas dimensões, recomen-


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da-se a necessidade de fortalecer a rede de cooperação que se formou ao longo dos últimos anos simbolizada pelo Consad. Consolidar os avanços e enfrentar os novos desafios supõem, cada vez mais, a institucionalização dessa bela prática e exemplo que as administrações públicas estaduais vêm dando ao País. Referências Bibliográficas FERNANDES, Ciro (2003). Transformações na gestão de comp ra s d a ad ministraçã o pública b rasileira - VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Panamá, 28-31, oct/2003. VILLHENA, Renata et al (2006). O choque de gestão em Minas Gerais: políticas de gestão pública para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora UFMG.


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Governo Eletrônico Relator: Ciro Campos Christo Fernandes


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Governo Eletrônico

Ciro Campos Christo Fernandes Especialista em políticapúblicas e gestão governamental

Introdução Este texto sistematiza e analisa a situação atual e as tendências e desafios aos estados em relação às suas políticas e projetos em governo eletrônico. Foi elaborado com base nas informações encaminhadas por 12 administrações estaduais, na forma de relatórios sintéticos. Desse conjunto, as experiências do Distrito Federal e de três estados foram selecionadas para apresentação neste painel: Paraíba, Paraná e Pernambuco. Não obstante, fa zemos referências ta mb ém a outras experiências destacáveis colhidas dos relatórios. O propósito da análise não é o balanço exaustivo de experiências estaduais, mas a identificação de tendências e desafios com base em uma amostra limitada, porém representativa e diversificada. Todas as informações apresentadas se referem a experiências iniciadas no período dos atuais governos estaduais, desde 2003. Assim, deixam de ser considerados avanços expressivos que tenham ocorrido anteriormente a essa data.


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Por governo eletrônico entendem-se, de forma ampla, a estratégia, política, programas, projetos e atividades relacionados com a aplicação da Tecnologia da Informação (TI) à administração pública. Esse conceito comporta definições descritivas, quando se refere a graus de assimilação da TI e conseqüente aproveitamento de suas potencialidades: desde a simples utilização como ferramenta para o apoio a rotinas administrativas até a sua aplicação intensiva na transformação dos processos de trabalho, estruturas e formas de relacionamento internas e externas à administração pública. De particular importância são as possibilidades de integração abertas pela comunicação intensiva propiciada p ela TI, facilitando relacionamentos de articulação, colaboração e parceria sob múltiplos níveis: entre governos, entre órgãos e entidades, entre unidades administrativas e equipes, entre governo e fornecedores, entidades do terceiro setor e cidadãos. Com um sentido prescritivo, o governo eletrônico refere-se a uma situação desejável de assimilação da TI na administração pública, potencializando a transformação nas estruturas organizacionais, a transparência e democratizaçã o do processo decisório, a melhoria da qualidade da formulação e do controle das políticas públicase a oferta de serviços ao cidadãosob padrõessubstancialmente melhores. As referências de análise e avaliação adotadas neste trabalho consideram os seguintes parâmetros: • Assimilação do conceito de governo eletrônico na formulação da política de TI; • Centralidade estratégica e transversalida de de imp lementação da p olítica, consid erand o a estrutura organizacional adotada para o governo eletrônico; • Nível de desenvolvimento da oferta de serviços e


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informações por meio eletrônico, considerando em especial a utilização da Internet; • Nível de aplicação das tecnologias da informação nos processos e rotinas da administração pública para o seu desenvolvimento e integração, aproveitando os potenciais da TI, e • Avanço na construção da infra-estrutura do governo eletrônico, contemplando o acesso e a utilização de equipamentos e programas e a comunicação entreórgãos e entidades por meio de infovias. O item 1 analisa os aspectos relacionados com a visão estratégica e o planejamento do governo eletrônico, indicando que somente alguns estados demonstram uma assimilação mais abrangente desse conceito e das suas potencialidades de aplicação na gestão pública. O item 2 enfoca a estrutura organizacional considerando em especial a existência de instâncias e mecanismos de coordenação intra-governamental, de articulação com parceiros fora do governo e de implementação transversal do governo eletrônico na administração pública como um todo. Verifica-se quehá experiências positivas de construção de comitês de coordenação e de inserção do governo eletrônico no nível estratégico de decisão. A expansão da oferta de serviços eletrônicos e os avanços relatados na disseminação de portais integradores de serviços e informações na Internet sãoanalisados no item 3. A construção da infraestrutura de comunicações e o desenvolvimento de sistemas e bancos de dados são objetos do item 4. O fortalecimento dos sistemas corporativos de apoio à gestão é uma relevante tendência identificada. O item 5 extrai das tendências delineadas um conjunto de desafios a serem enfrentados em futuro próximo, com vistas à consolidação do governo eletrônico como política pública.


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1. Visão estratégica e planejamento De forma geral, a política de governo eletrônico é novidade ainda incipiente, que se reflete no tratamento da TI como ferramenta assimilada como simples aquisição de equipamentos e sistemas. Uma visão mais desenvolvida está emergindo em alguns estados, focalizando o governo eletrônico como prestação de serviços e informações ao cida dão em meio eletrônico, por meio da Internet. Formulações da política mais desenvolvidas são encontradas no Distrito Federal, Paraíba, Pernambuco e São Paulo. São experiências nas quais, ao lado da preocupação com serviços, constata-se certo equilíbrio e articulação entre as componentes desejáveis em uma política abrangente: estratégia e planejamento, serviços eletrônicos, sistemas e bancos de dados e infra-estrutura do governo eletrônico. Vale destacar o avanço de Pernambuco na formulação abrangente da política, apoiada em uma estrutura organizacional para sua implementação. Nesse estado, o governo eletrônico, sob a denominação de governo digital, foi objeto de detalhada elaboração, com ênfase na aplicação da TI sobre a gestão e os serviços prestados pela administração pública. As ações estão alinhadas a uma visão estratégica voltada para a reforma do estado, combinando informatização de serviços, capacitação dos servidores públicos, aquisição de equipamentos e programas, integração entre sistemas e construção de uma infovia. O estado estabeleceu o Programa Governo Digital, em sucessivas leis e decretos, desde 2003. Esses atos definiram diretrizes, resultados esperados e providências p ara a cria ção das instâncias d e coordena ção e operacionalização d o programa, assegurando alinhamento estratégico e coerência entre as diversa s ações desencadeadas (veja item 2).


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A coordenação de projetos e atividades na área de TI sob um planejamento global abrangendo a administração pública integralmente é um requisito necessário para a efetividade da política de governo eletrônico. As despesas em equipamentos, sistemas, serviços de rede e treinamento, embora vultosas no seu conjunto, são planejadas e decididas de forma isolada, acarretando dispersão de esforços, duplicação de infra-estrutura, perda de escala p ara investimento e a profundamento d as disparidades entre os órgãos. Os relatos das experiências estaduais não apresentam nenhum caso de planejamento unificado de TI abrangendo todos os órgãos e entidades, apesar do registro de algum avanço inicialnessa direção: levantamento recente dá conta de que quatro estados de um total de 21 realizam planejamento de TI (Pnage, 2004). Os relatos deste seminário informam que o Distrito Federal realizou um dia gnóstico estruturado, incorporando o conceito de governo eletrônico no planejamento das ações em TI e que em Minas Gerais está prevista a elaboração de um plano diretor de investimentos em TI. Na maioria dos estados, as políticas de TI estão voltadas para atender às necessidades de informação e serviços internas à administração pública. A evolução da política de governo eletrônico para a exploração mais ampla dos nexos com outras políticas públicas é ainda circunscrita ao caso de Pernambuco. Em outros estados como Bahia, Paraná e Roraima essa evolução, por enquanto, está ocorrendo por meio da incorporaçã o de ações de inclusão digital à política de governo eletrônico. As iniciativas de governo eletrônico podem se combinar com as políticas voltadas para a construção da sociedade da informação, quando a assimilação da TI pela administração pública é articulada com a ampliação do acesso da sociedade a essa s novas tecnologias, o de-


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senvolvimento científico e tecnológico, a capacitação da população em TI e a disseminação do comércio eletrônico. De forma análoga ao conceito de governo eletrônico, a sociedade da informação refere-se a um estágio de intensa assimilação da TI no ambiente social e econômico que proporcione o acesso aos recursos da informática por todos os segmentos da sociedade. Em Pernambuco, a p olítica de d esenvolvimento tecnológico incorpora o governo digital como componente estratégico, ao lado dos componentes economia digital e conhecimento e educação. Trata-se da única experiência relatada de inserção da política de governo digital no marco mais abrangente de uma política de desenvolvimento da TI, explorando as complementaridades com as áreas de capacitação e pesquisa científica e tecnológica, mobilizando os centros acadêmicos e o segmento industrial de empreendedores em informática. A implementação de políticas ou ações voltadas para a inclusão digital é um desdobramento constatado em várias experiências estaduais, conforme mencionado. A viabilização do acesso do cidadão aos recursos da TI é requisito necessário ao governo eletrônico no contexto sócio-econômico brasileiro, marcado por níveis de renda per capita que dificultam uma disseminação em massa de equipamentos, conectividade a redes e capacitação nas novas tecnologias. Algumas experiências incorporaram a extensão do governo eletrônico para ações de inclusãodigital, comoé o caso de Bahia, Paraná eRoraima. Mas não há um desenho estratégico claro da inserção dessa nova componente na política de governo eletrônico, particularmente o envolvimento de órgãos e entidades da área social e educacional. Na Bahia, as ações de inclusão digital foram estruturadas em programa com planejamento e metas defini-


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das, voltadas para a criação de telecentros de acesso público gratuito, com oferta de programação educativa e de atividades culturais e de socialização. Foram implantados 120 telecentros em todo o estado. No Paraná, destaca-se a implantação de telecentros sob concepção inovadora, voltada para o desenvolvimento local de comunidad es carentes e pa ra a capa citação de ag entes multiplicadores inseridos nas comunidades. Já estão implantadas 70 unidades em todo o estado e capacitados 1.230 agentes de inclusão digital. Como projeto inovador ao promover a articulação entre níveis de governo, merece atenção também a experiência do Espírito Santo no apoio à disseminação de sítios na Internet criados pelos municípios. A hospedagem é oferecida gratuitamentepela empresa estad ual de informática e o a poio inclui o software para a construção dos sítios. Essa iniciativa já atende a cerca de um terço dos municípios do estado. 2. Estrutura organizacional A incipiência das políticas de governo eletrônico nos estados é acompanhada pela fragmentaçãoinstitucional, com a prevalência nos estados da atuação dispersa dos órgãos e entidades. Nãoobstante, a criação de instâncias de coordenação entre as secretarias é um notável avanço registrado em quatro estados: Pernambuco, Roraima, Santa Catarina e São Paulo e o Distrito Federal. De uma forma geral, são comitês que coordenam as secretarias adotando diretrizes e ações de alcance horizontal para abranger o conjunto da administração estadual. O mod elo organiza cional mais comp leto é o de Pernambuco, que insere a política de governo eletrônico no nível de decisão estratégico, cria instâncias de coordenação intragovernamental e de articulação com a so-


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ciedade e, ainda, a ssegura a gerência e operacionalização das ações em cada órgão e entidade, por meio de unidades setoriais. As estruturas adotadas recentemente em São Paulo e em Roraima inovaram ao integrar as suas instâncias de coordenação da política de governo eletrônico com as de gestão, fortalecendo a construção de uma visão estratégica voltada para o desenvolvimento da gestão. Nesses estados foram também implantadas estruturas de coordenação técnica e decapilarização da política noâmbito de cada órgão e entidade, por meio de instâncias setoriais. Assim, em Pernambuco, o governo eletrônico é conduzido pelo órgão de administração (Secretaria de Administração e Reforma do Estado), o qual dispõe de uma instância técnica colegiada de coordenação interna do governo: o Comitê d e Informá tica. Particip am desse colegia do as secreta rias responsáveis pelas á reas de administração, ciência e tecnologia, planejamento e fazenda, além do gabinete do governador e da agência prestadora de serviços de informática ao estado. Em nível de decisão estratégica, asdiretrizes, prioridades, planos e avaliação da política são atribuições de um colegiado de secretários que trata globalmente das políticas e assuntos institucionais: a Câmara Político-Institucional. As decisões dessa Câmara são instruídas pela análise técnica previamente realizada pelo Comitê de Informática. A articulação ampliada entre governo eletrônico, empreendedores de informática e centros acadêmicos se realiza por intermédio de um conselho com representação mista estado-sociedade, responsável pela condução do projeto articulador das ações de parceria em TI: o Porto Digital. A coordenação intragovernamental é apoiada pela Rede de Gestão do Governo Digital, que articula as secretarias por meio de unidades administrativas setoriais de TI (denominadas Núcleos Setoriais de Informática -


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NSI), com atribuições de planejamento, gestão e operação dos serviços de apoio informatizado aos seus órgãos e entidades. Em São Paulo, o governo eletrônico ganhou uma estrutura de coordenação com maior densidade estratégica a partir da incorporação ao comitê de gestão pública, das atribuições relacionad as com a TI. Essa mudança integrou as políticas de gestão (recursos humanos, suprimentos, contratações, atividades administrativas complementares) com as de informática e telecomunicações, anteriormente conduzidas por órgãos específicos. Essa ampliação de abrangência possibilita a construção de uma visão capaz de incorporar a abordagem maisabrangente do governo eletrônico. O comitê está inserido na Casa Civil, o que lhe assegura centralidade e efetiva capacidade de coord enaçã o. U ma estrutura d e órg ãos setoriais foi implantada, com a disseminação de núcleos de TI em cada órgão ou entidade da administração estadual, que se coordenam por meio de reuniões periódicas. As empresas públicas de informática são componente fundamental da estrutura organizacional do governo eletrônico, atuando na formulação técnica e implementação dos projetos e na prestação de serviços em TI. Os relatos indicam iniciativas de fortalecimento e/ou mudança em profundidade nessas empresas, embora ainda restrita a um número reduzido de estados. Pioneiras na introdução da computação no País, essas empresas públicas em sua maioria ainda mantêm estruturas centralizadas, verticalizadas e voltadas para a prestação de serviços de alta especializaçãodesconectada da participação mais intensa do cliente. Esse modelo herdado do paradigma tecnológico do processamento centralizado tornou-se defasado com as sucessivas ondas de mudança tecnológica na área de informática: as novas tecnologias da microcom-


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putação pressupõem o relacionamento interativo e cotidiano do usuário com os equipamentos e sistemas de TI. Além disso, a importância assumida pelos investimentos em TI e sua implicação estratégica impõem cada vez mais o alinhamento entre as decisões nessa área e a estratégia das organizações. O mod elo institucional d as empresas públicas de informática necessita atualização: não há fórmulas rígidas a serem seguidas, masuma tendência emergente tem sido a adoção de formatos que possibilitem maior proximidade com o dia-a-dia dos clientes, alinhamento mais estrito dos investimentos com a construção do governo eletrônico e rápida atualização tecnológica em equipamentos, sistemas e infra-estrutura de comunicações. Em muitos casos, essa atualização pode envolver mudanças jurídico-legais e organizacionais, da qual é exemp lificativa a experiência de Pernambuco. A conjugação entre a mudança institucional e tecnológica nessas empresa s com a utilização estrategica mente orienta da da terceirização é outra experiência a ser considerada, em conexão com o reposicionamento das empresas de TI: novamente Pernambuco, ao lado da Bahia e do Espírito Santo, apresenta avanços nesse sentido. Por outro lado, o revigoramento e fortalecimento da empresa pública de informática tem sido o caminho seguido no Paraná. Nesse estado, a empresa assumiu um papel estratégico na condução do programa de governo eletrônico e de projetos de inclusão digital. De forma similar, na Paraíba foi atribuída à empresa pública de processamento de dados a condução de uma política unificada de TI para a administração pública. Em Pernambuco, a tra nsforma ção jurídico-leg al e institucional da empresa púb lica d e informática em autarquia resultou na criação da Agência de Tecnologia


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da Informação (ATI). Essa solução procurou atender à necessidade de revigoramento institucional e de redução de despesas, particularmente o ônus tributário que incide sobre a forma jurídica de empresa. A antiga empresa foi sucedida pela ATI, e as estruturas e equipes em atuação junto aos diversos órgãos foram absorvidas por estes. A nova agência passou a atuar com estrutura enxuta, orientada por planejamento estratégico e contrato de gestão para controle de resultados com base em metas e indicadores de desempenho. A experimentação da terceirização dos serviços de informática sob novas moda lidades que tiram proveito da conectividade em rede está sendo implementada na Bahia, com a implantação de data center pela empresa de processamento de dados estadual, para realizar o processamento, conexão, hospedagem de sistemas, sítios e armazenamento de conteúdo para os órgãos e entidades da administração estadual. Essa modalidade possibilita a redução de custos de aquisição e manutenção de equip amentos, com melhor desempenho e padrões superiores de segurança. No Espírito Santo, um piloto de terceirização unificada do serviço de apoio em microinformática para as secretarias estaduais está sendo experimentado. Em Pernambuco, a infovia PE-Multidigital foi implantada por meio da contratação unificada de acesso e serviços de rede para tráfego de dados, voz e imagem. Além de obter escala e redução de custos, o novo modelo viabilizou o estabelecimento de padrões de desempenho e tecnologia mais elevados, para toda a administração estadual. A PE-Multidigital teve seu contrato celebrado em 2005. Modelo semelhante está em implantação nesse estado para a disseminação de equipamentos de informática e para os serviços de armazenamento de dados e provisão de aplicativos (data center).


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3. Serviços e informações pela internet A oferta de serviços e informações ao cidadão é a mais evidente materialização do governo eletrônico, permitindo uma clara e direta experimentação das suas potencialidades, de grande valia para a divulgação, obtenção de resultados imediatos e conseqüente sustentação para o aprofundamento da implementação da política. A aplicação da TI possibilita o amplo acesso a informações, a agilização de prazos, com possibilidade de prestação instantânea do serviço, a eliminação ou redução da necessidade de deslocamento físico do cidadão e a disponibilidade do serviço em tempo integral (24 horas + 7 dias). O desenvolvimento dos serviços oferecidos em meio eletrônico pode se orientar para o atingimento de níveis crescentes de interatividade e de resolutividade. Os relatos dos estados indicam que, de uma forma geral, verificou-se o aumento na oferta de serviços e informações pela Internet e a melhoria da sua apresentação e acesso em sítios eletrônicos. Entretanto, a p obreza em dados quantitativos e levantamentos abrangentes e sistemáticos sobre o perfil da oferta de serviços é ainda uma limitação para a avaliação dos avanços verificados. As exceções são o acompanhamento e a avaliação sistemáticos dos serviços por meio de indicadores, implantados em Minas Gerais. A criação de portais únicos é avanço verificado em seis estados. Trata-se de portais que oferecem canal de acesso a todos os serviços e informações da administração estadual disponíveis na Internet. A padronização de layout e a fixação de padrões de desempenho é outra importante tendência emergente. Implantaram portais únicos integradores dossites de informações e serviços mantidos pelos órgãos e entidades: Distrito Federal (www.distritofederal.df.gov.br), Minas Gerais (www.mg.gov.br/), Paraíba (www.portal.paraiba.


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pb .g ov.br/), Pernambuco ( www.p e. gov.b r/) , Roraima (www.rr.gov.br/) , São Paulo (www.cida dao.sp.gov.br) e Tocantins (www.portaldocidadao.to.gov.br/). A oferta de informações pela Internet complementarmente aos serviços de atendimento ao cidadão (SAC) é inovação relatada no caso da Bahia (www.sac.ba.gov.br). Outro registro digno de nota é a implantação de sistemas de pregão eletrônico e d e divulgação das licitações na Internet, ampliando o acesso dos fornecedores às compras governa mentais. Esse a vanço é relata do em Goiás (www. comprasnet.go.gov.br), Paraná (www.pr.gov.br/compraspr), Pernambuco (www.pe.gov.br/) e São Paulo (www.bec.sp. gov.br). A prestação de informações à sociedade sobre a ação governamental avançou com a criação de sistemas de informação e de portais na Internet voltados para a transparência, como em Goiás e no Paraná (www.gestao dinheiropublico.p r.gov.br). O p ortal de transparência para naense oferece informações sobre o orçamento e execução financeira e sobre resultados dos programas e projetos, com atualização contínua e design de fácil navegação. No Espírito Santo, foi relatado o uso do canal eletrônico na Internet para o encaminhamento de denúncias à auditoria estadual. Duas experiências são exemplares na sua abrangência e qualidade, como referências de criação de portais integradores conjugada à padronização do design e dos serviços pela Internet: o Distrito Federal e Minas Gerais. No Distrito Federal, a integração dos sítiosna Internet foi apoiada pela padronização de layout, definição de regras para a publicação de conteúdos e criação de instâncias de coordenação com a participação dos órgãos responsáveis pelos serviços. Os resultadosindicam o crescimento do canal eletrônico na prestação de serviços e informações a o cidadã o, com a perspectiva futura de ampliar o rol de serviços e introduzir mecanismos para


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sua avaliação. Há um canal de acesso geral - o Portal do Distrito Federal - que oferece ao usuário orientação para a remissão aos demais portais, noticiário de divulgação das ações de governo e documentos de planejamento e orçamento. O Portal do Cidadão é canal de acesso a 79 serviços eletrônicos oferecidos pelos órgãos e entidades de toda a administração estadual. O Portal do Servidor oferece serviços e informações da área de recursos humanos, como a consulta ao contracheque (holerite), a atualização de dados cadastrais, a divulgação de currículo profissional, a inscrição em eventos de capacitação e a realização de treinamento a distância. O Portal de Empresa s publica informações de interesse do seg mento produtivo, industrial e de prestadores de serviço e divulga ações no g overno nessa área. O Portal de Governo publica informações institucionais sobre a estrutura organizacional da administração estadual, cad astro de dirigentes oferecendo o acesso à versão eletrônica do Diário Oficial. Em Minas Gerais, a padronização dos sítios governamentais na Internet contemplou a fixação de padrões de usabilidade, de design e de conteúdos, definida por resolução da Secretaria de Planejamento e Gestão. A fixação de padrões foi acompanhada do estabelecimento de parâmetros para a avaliação do desenvolvimento dos serviços. Esses parâmetros estabelecem estágios de desenvolvimento dos sítios, possibilitando a comparação entre os órgãos e o incentivo à melhoria dos seus serviços na Internet. Os resultados obtidos evidenciam o aumento do percentual dos sítios em estágio avançado de desenvolvimento, de 35,7% para 49% em 2005. O portal integrador publica o noticiário governamental, possibilitando o acesso orientado aos sítios de serviços e informações voltados para as clientelas: cidadãos, empresas, governo e servidores públicos. Há ainda um sítio para


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informa ções turística s sobre o estado. Importante novidade foi a implantação de um sistema de gestão de conteúdo para a capacitação do pessoal e atualização permanente das informações e dos serviços. A atualização é realizada de forma descentralizada pelos órgãos e entidades responsáveis pelos serviços, mas obedece a diretrizes e mecanismos estabelecidos para toda a administração estadual. 4. Infra-estrutura, sistemas e informações De uma forma geral, constata-se a carência de informações sobre a construção da infra-estrutura do governo eletrônico nos estados, o que reflete a dificuldade de obtenção de dados gerenciais e o padrão ainda prevalecente de fragmentação do orçamento e do planejamento de comp ras e contratações em TI. O crescimento do acesso a equipamentos (microcomputadores) pelos servidores púb licos é rela tad o p or Pernambuco. Em Roraima, há o registro de investimentos na aquisição de equipamentos e na ampliação da comunica ção eletrônica no âmbito d a administração estadual. Avanços na implantação de infra-estrutura de rede interligando os órgãos da administração estadual e na oferta de serviços de rede unificados ocorreram em Pernambuco e Paraíba. Em Pernambuco foi implantada a infovia PE -Multidigital, oferecendo acesso e serviços de rede para tráfego de dados, voz e imagem. A informatização de processos e rotinas avançou na maioria dos estados, indicando um movimento importante de integ raçã o que é impulsionado pelos sistemas corporativos, em sua maioria voltada para o apoio às funções administrativas comuns aos órgãos e entidades. A penetração horizontal desses sistema s e seu uso com-


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pulsório nas rotinas e trâmites da administração geram impactos sistêmicos com repercussão na eficiência da administração como um todo. A agilização de procedimentos, o fortalecimento de controles automáticos, que não acarretam criação de etapas de controle, e a melhoria da qualidade das rotinas de orçamento, planejamento, pessoal e compras e contratações trazem benefícios ao conjunto da administração pública. Grande parte das iniciativas em automação de processos ainda ocorre de forma isolada , permanecend o seus efeitos circunscritos a um órgão ou processo, sem o aproveitamento das facilidades integradoras proporcionadas pela TI. Sistemas corporativos de apoio à gestão foram desenvolvidos para as áreas de recursos humanos no Espírito Santo, na Paraíba e em Tocantins; para o apoio às compras e contratações, na Pa raíba, Paraná e Santa Catarina; para o gerenciamento de contratos e convênios e para o apoioà preparação do planejamento plurianual (PPA), na Paraíba. Em Minas Gerais, foi criado um sistema de informação institucional para apoiar e controlar mudanças na estrutura organizacional dos órgãos e entidades. Em São Paulo, um sistema de apoio ao planejamento setorial em projetos de TI. Em Tocantins, foram implantados sistemas e sítio na Internet para atendimento às rotinas da área de administração tributária. A ampliação de abra ngência dos sistemas corporativos é outra tendência que merece registro porque reflete seu fortalecimento institucional: na Paraíba, foram incorporados os hospitais estaduais ao sistema de administração financeira. Esse mesmo sistema incorp orou os p rocessos de empenho e de paga mento a o seu fluxo eletrônico. Outra tendência é a migração de sistemas corp orativos para p lataforma web, que está sendo realiza da na Paraíba , Perna mb uco e Ba hia . Sistemas corp ora tivos d e recursos huma nos, de comunicação


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administrativa, d e gestã o de frotas e de administração orça mentária e fina nceira estão em implantação no estado de Rora ima. Sistemas gerenciais para apoioao processo decisório representam promissora novidade para o aproveitamento dos potenciais de extração e tratamento da informação acumulada nos sistemas corporativos. O uso dessa informação pelos gerentes públicos pode ser viabilizado por meio da sua organização em relatórios estruturados. No Paraná foi implantado um sistema de geração de boletins gerenciais com estatísticas sobre os recursos humanos. A Bahia desenvolveu sistemas para a integração dos seus canais de relacionamento com o cliente (pesquisa em formulário, e-mail e call center) e para o monitoramento da rotina de atendimento no âmbito do Serviço de Atendimento ao Cida dão (SAC). Esses sistemas possibilitam o tratamento global das demandas dos cidadãos processadas por esses canais. Sistemas de controle de despesas correntes são ainda pouco disseminados, embora representem novidade de baixo custo e elevado potencial de impacto no controle gerencial de despesas correntes. No Paraná foi desenvolvido sistema de controle do consumo de serviços de fornecimento contínuo (água , luz, telefone) e de manutenção de frota automotiva. Sistemas de controle da emissão de passagens aéreas foram implantados no Espírito Santo. Sistemas de apoio à gestão de frotas, protocolo e emissão de passagens aéreas estão sendo desenvolvidos na Bahia. Os sistemas de apoio a políticas públicas setoriais avançaram em algumas áreas de importância crítica para o desempenho dos governos. Na área de segurança pública, um sistema de processamento informatiza do do atendimento telefônico da autoridade policial (190) foi


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implantado no Espírito Santo; o sistema de consultas ao Sistema Nacional de Segurança Pública (Infoseg) e de registro naciona l de infrações do trânsito (Sistema de Registro Nacional de Infrações - Renainf) na Paraíba e o boletim d e ocorrências eletrônico, em Pernamb uco e Tocantins. Na área de educação, o sistema eletrônico de matrícula na rede pública de ensino foi implantado em Pernambuco e, na área de saúde, nesse mesmo estado, o sistema de reserva de leitos hospitalares. Com relação à segurança da informação, é item ainda ausente nas políticas da maioria dos estados, o que também reflete a fragmentação da ação e o isolamento entre os órgãos e entidades, muitos dos quais certamente já avançaram isoladamente na construçãode sua infraestrutura de comunicações eletrônicas. Porém, o tema da segurança nas comunicações requer uma abordagem global: os riscos de violação e de falhas de sistemas ou eq uipa mentos representam ponderável ob stáculo ao avanço na integração dos sistemas e bancos de dados e da utilização da comunicação eletrônica no cotidiano da administração pública. Conforme mencionado, o tema não aparece nos relatos dos estados, à exceção de Minas Gerais, que elaborou um modelo de gestão da segurança da informação em implantação inicial. Outro aspecto relacionado à segurança é a certificação digital e a preparação para a realização de trâmites administrativos por canal eletrônico. Esse é requisito indispensável para a sustentação em longo prazo dos novos formatos orga nizacionais e de comunicação emergentes com o avanço do governo eletrônico. Há relato de avanços novamente em Minas Gerais, com a informatização de processos acoplada à sua validação por meio de assinatura digital, que está sendo implantada para atos normativos de governo e para rotinas de aposentadoria dos servidores públicos.


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5. Desafios para o futuro Os desafios delineados nesse item são recomendações para a consolidação da política de governo eletrônico, formuladas de forma tentativa, com o propósito de estimular a reflexão a partir das evidências e tendências identificadas nos estados. Na medida do possível, procuram refletir os caminhos que vêm sendo trilhados pelas experiências mais avançadas, sem necessariamente expressar um consenso. Esses desafios referem-se em primeiro lugar à formulação e implementação da política: considera-se recomendável a elaboração de uma visão de governo eletrônico convergente com o ideário da reforma e transformação da administração pública, a inserção dessa política num marco amplo de construção da sociedade da informação e a sua aplicação no fortalecimento da transparência e da participação do cidad ão nos a ssuntos de g overno. Pa ra uma efetiva implementação do governo eletrônico, impõe-se a construção de instâncias e mecanismos de coordenação e sua capilarização por toda a estrutura da administração pública. A coordenação dos investimentos em TI, revertendo a atual pulverização de recursos, é outro desafio de natureza institucional a ser enfrentado. Em segundo lugar, o governo eletrônico deve avançar em direção ao desenvolvimento da resolutividade dos serviços na Internet. Importante barreira a ser transposta é a da transformação de processos e estruturas que estão na retaguarda dos sítios da Internet. Em terceiro lugar, os desafios da integração de sistemas e da construção da infra-estrutura do governo eletrônico, na forma de infovias abrangendo a administração pública como um todo. Esses temas são desenvolvidos nos itens que se seguem.


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5.1. Dotar o governo eletrônico de visão e planejamento estratégico alinhados com a transformação da administração pública Trata-se de ultrapassar a visão limitada do governo eletrônico como simples p rovisão de ferra mentas de tecnolog ia da informaçã o, entend endo-o como potencializador de muitas das concepções e práticas que têm norteado as experiências de reforma da administração pública. Essa afinidade do governo eletrônico com a agenda das áreas de gestão está fartamente evidenciada nas próprias experiências relatadas neste seminário: os serviços d e atendimento integrado a o cidadão, a s novas modalidades de compra e contratação, como o pregão, as metodologias e ferramentas de controle por resultados são apenas alguns dos exemplos em que a aplicação da TI proporciona benefícios substanciais. Assim, considera-se fundamental fazer convergir agendas, equipes, processos de formulação e de planejamento entre as áreas de modernização administrativa e gestão e as de governo eletrônico. A construção de uma visão estratégica e, de forma subseqüente, sua tradução em processos de planejamento e na fixação de metas deve ocorrer em sintonia com a visão e os objetivos prioritários de governo, de forma que sejam oferecidas efetivas soluções que contribuam com a agenda crítica das administrações estaduais. As agendas do governo eletrônico e da reforma e modernização da administração pública, em criativa convergência, certamente terão muito a contribuir para a melhoria do desempenho sistêmico da máquina administrativa, sobretudo de suas áreas-meio, a oferta de formas inovadoras de atendimento ao cidadão, a redução de despesas por meio de controles inteligentes e eficazes, a viabilização de soluções inovadoras em áreas de política pública de


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alto impacto como ed ucação, seg urança e ap oio ao empreendedorismo na área empresarial. Um possível caminho nessa direção seria a elaboração de documentos de política, construindo nesse processo redes de apoio com a mobilização de técnicos e dirigentes disseminados por toda a administração pública. O aproveitamento dos relacionamentos e da experiência já acumulada no âmbito de iniciativas como a do Pnage seria certamente muito positivo. Inserir o governo eletrônico na visão estratégica de governo pressupõe assegurar a presença de conteúdos estratégicos relativos às TIs no desenho da visão e dos objetivos do governo como um todo. De forma específica, incluem a elaboração de uma visão setorial do governo eletrônico e de projetos e ações para a reestruturação, realinhamento, atualização tecnológica e gestão dessa área. 5.2. Inserir o governo eletrônico em políticas mais amplas voltadas para a sociedade da informação Há inúmeros caminhos a percorrer no desbordamento da política de governo eletrônicopara aproveitar sinergias com outras políticas públicas com alto potencial de aplicação da TI. As experiências relatadas indicam a abertura para atuação em projetos de inclusão digital em estados como Bahia, Paraná e Roraima, embora sem um claro alinhamento estratégico. Em Pernambuco há uma visão mais elaborada dos nexos entre o governo eletrônico e projetos de desenvolvimento científico e tecnológico e de fortalecimento do segmento empresarial de TI. A articulação com outras políticas públicas amplia os impactos d o governo eletrônico, aumenta sua visibilid ade e apoio público e permite construir parcerias interessantes para aportar recursos que sejam escassos na área públi-


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ca. Particularmente promissoras são ações integradas, envolvendo o governo eletrônico na capacitação da população em TI, nos projetos de inclusão digita l, no fomento a empresas inovadoras na área de TI e na preparação para o comércio eletrônico, sobretudo entre pequenas empresas. A interveniência dos projetos de governo eletrônico poderá ocorrer sob diversas formas, entre as quais: o compartilhamento de infovias públicas para a inclusão digital; o uso do poder de compra da administraçã o pública no estímulo ao comércio eletrônico e a melhoria de serviços públicos que tenha impacto direto sobre esses segmentos, a exemplo da desburocratização de procedimentos de registro de empresas e de cumprimento de obrigações fiscais, valendo-se da comunicação eletrônica pela Internet. 5.3. Explorar a aplicação do governo eletrônico na transparência e fortal ecimento da democracia Os potenciais da TI na transformação do processo decisório e do relacionamento dos governos com a sociedade representam um dos horizontes mais ousados de construção do governo eletrônico. Porém, envolve questões de grande complexidad e que, em última análise, imp õem a discussão dos mecanismos da d emocra cia representativa e das instituições que lhe estão historicamente associadas. O tema emergente da democracia eletrônica pressupõe que a TI, no seu estágio de desenvolvimento atual, abre possibilidades inéditas de acesso à informação e de interação direta entre cidadão e governo que certamente conduzirão, no futuro, a novos formatos de governança. De imediato, há dois eixos a serem explorados: o primeiro é o da ampliação da transparência dos governos, que representa um desafio bastante palpável porque as possibilidadestecnológicas permitem


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uma ampla abertura do dia-a-dia da administração ao escrutínio público. Formas relativamente fáceis de avançar nesse sentido são a criação de portais integradores de informação, que muitos estados já implementaram, e a abertura de informações dos sistemas corporativos à Internet. Há uma agenda de interesse imediato referente a temas sensíveis geralmente objeto da atenção da imprensa e de formadores de opinião: a abertura de informações sobre orçamento, ex ecução financeira, convênios, compras e contratações, remunerações, agendas de autoridades governamentais, auditorias e prestações de contas. Experiência interessante nesse sentido é a do Paraná, conforme relato neste painel. Uma agend a mais sofistica da de transparência refere-se à ampla divulgação de documentos, inclusive planos e projetos que dêem conta da ação governamental e seus resultados. Embora aparentemente simples, a prática da divulgação de documentos muitas vezes implica mudança no estilo prevalecente na administração pública, que é de temor à exposição pública: dirigentes e equipes devem ser persuadidos das vantagens da contínua disponibilização de documentos, relatórios, boletins e informações que sejam de interesse público, valendo-se da flexibilidade e rapidez da Internet. Essa abertura traz benefícios consideráveis em construção de apoio, conhecimento de críticas e abertura de novos canais de interlocução mais amplos e diversificados. A participação do cidadão no processo decisório, tirando proveito das facilidades da comunicação eletrônica, é outra perspectiva a ser desenvolvida, embora ainda incipiente porque envolve o desenvolvimento d e mecanismos e formatos institucionais que possibilitem a consulta e participação. Formas de mais simples operacionalização já são freqüentemente praticadas, como é o


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caso das consultas públicas referentes a atos normativos ou políticas, que têm na Internet e nos canais eletrônicos uma extraordinária ferramenta. 5.4. Dotar a política de governo eletrônico de estruturas de coordenação e articulação A criação de instâncias e mecanismos de coordenação e articulação em nível estratégico é essencial para a consolidação do governo eletrônico. Um modelo recomendável, que reflete experiências estaduais mais desenvolvidas, como Pernambuco e São Paulo, é o que prevê instâncias em nível estratégico de decisão, instâncias técnicas com dirigentes das áreas de TI e gestão e instâncias e mecanismos de penetração em cada órgão e entidade para implementação da política em nível operacional. A instância estratégica do governo eletrônico pode assumir a forma de colegiado com participação de dirigentes dos órgãos, secundados por comitês técnicos integrados por gerentes e técnicos. Um órgão central, em nível de secretaria, deve receber competências de formulação da política, normatização, fixação de padrões e avaliação do desempenho da política como um todo. As competências desse órgão podem incluir os temas de gestão, inclusive aqueles relacionados com as políticas de serviços gerais e recursos humanos. Trata-se de traduzir, no âmbito organizacional, a inserção do governo eletrônico no campo da gestão pública de forma orgânica, conforme preconizadono item 5.1. Instâncias de articulação com a sociedade também devem ser construídaspara dar sustentação a parcerias com segmentos que tenham um papel crucial na implementação de projetos voltados para a sociedade da informação.


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5.5. Coordenar os investimentos e projetos em TI A coordenação de investimentos é importante não somente para fazer frente à escassez de recursos como também para evitar duplicação, desperdício e desenvolvimentos incompatíveis com a integração entre os sistemas. Essa coordenação poderá ocorrer por meio de mecanismos de escrutínio e seleção de projetos, da aplicação de critérios para a liberação de recursos, da fixação de padrões pactuados de integração de sistemas e da concentraçã o de recursos orçamentários. Além disso, poderão ser criados incentivos na forma de dotações orçamentárias a dicionais destinadas especificamente ao financiamento de projetos por órgãos que estejam efetivamente engajados na implementação das diretrizes estratégicas na área de governo eletrônico. Conforme analisado no item 1, esse é um desafio em relação ao qual a experiência dos estados pouco avançou. 5.6. Reposicionar estrategicamente as unidades de TI nos órgãos e as empresas públicas de informática Ao lado da criação das instâncias de coordenação e articulação, indicada no item 5.4, a consolidação do governo eletrônico exig e capacidade de implementação transversal por toda a administração pública. Estruturas de coordenação acopladas a unidades setoriais representam o modelo adotado de forma mais acabada em Pernambuco e em São Paulo. Essas duas experiências podem servir de referência para o reposicionamento hierárquico e a reestruturaçãodas unidades administrativas que atuam na área de TI em cada órgão e entidade. Sugere-se, entretanto, que essas unidades sejam reorganizadas como unidades setoriais voltadas aos assuntos de gestão, que poderiam incluir, além da TI, as áreas de re-


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cursos humanos, compras e contratações e modernização administrativa. No que se refere especificamente às competências em TI, uma nova forma de atuação deveria ser delineada em conexão com o revigoramento das empresas públicas de informática. Assim, as unidades setoriais de gestão poderiam atuar na coordenação de projetos de governo eletrônico e na especificação e gestão dos contratos de prestação de serviços em TI no âmbito dos seus órgãos. Essas unidades, enxutas e dotadas de quadro técnico qualificado e multifuncional, poderiam ser comandadas por dirigente inserido no nível estratégico da organização. O reposicionamento das unidades de TI nos órgãos deve romper com o perfil atualmente predominante, voltado para a atuação operacional com limitada capacidade técnica e precária negociação dos contratos de terceirização. A responsabilidade técnica pela condução dos principais projetos na área de governo eletrônico continuará a ser naturalmente assumida pelas empresas públicas de informática, que necessitam de atualização tecnológica e, em muitos casos, de mudanças institucionais, por meio de processos internos de reestruturação e de melhoria da sua administração. Essas entidades poderiam passar a uma atuação direcionada para a prospecção de tecnologias e a proposição e análise de especificações técnicas e padrões e para a prestação de serviços à administração pública mediante contratos de gestão, naquelas atividades em que sejam detentoras de competências competitivas em relação ao mercado, ou que envolvam requisitos de segurança dos bancos de dados. É indisp ensá vel que sua conformação jurídico-legal se mantenha como empresa ou como autarquia, dotada das necessárias condições de operação com agilidade, fle-


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xibilidade e autonomia administrativa. Um novo modelo de prestação de serviços de informática poderá ser colocado em prática, incluindo o relacionamento com o cliente em moldes que privileg iem a maior aproximação e interação com o usuário, bem como o alinhamento e atuação em parceria na implementação das estratégias de governo eletrônico. 5.7. Transformar em profundidade a prestação de serviços ao cidadão por meio da aplicação da TI A transformação dos serviços prestados ao cidadão, oferecend o p a d rões sup eriores aos dos serviços presenciais, é uma das mais visíveis promessas do governo eletrônico e seu principal impulsionador. Avanços consistentes ocorreram nos estados com a criaçã o de portais integradores de serviços e informações na Internet. Esses portais interligam os sítios mantidos pelos órgãos e entid ades, via bilizando um primeiro passo rumo à integraçã o entre estruturas e processos. Exp eriências exemplares como as do Distrito Federal e de Minas Gera is d emonstram que o p ortal p ode se converter em impulsionador da melhoria dos serviços, por meio da fixação de padrões e do acompanhamento sistemático do seu desenvolvimento rumo a estágios mais avançados de resolutividade. Esse é um caminho promissor de indução de melhorias nesse sentido, alcançando toda a administração pública. A transformação dos serviços em direção a estágios mais avançados pode ser impulsionada pelo sucesso que se obtenha da unificação e padronização dos portais e sítios. Esse desafio, entretanto, exige a remoção de obstáculos legais e burocráticos.


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5.8. Oferecer serviços e processos contínuos que potencializam os efeitos da TI sobre a estrutura organizacional As TIs potencializam a adoção de estruturas inovadoras, desenhadas com base em funções ou em perfis de cliente. A transformação de estruturas pode adotar como premissa a revisão de rotinas e processos dirigida ao cidadão-usuário de serviços, a ruptura com as divisões tradicionais e a reestruturação da administração pública com base nas demandas por serviços e informações do cidadão ou com base em processos ou funções básicas. Não há evidências mais significativas de integração e transformação de serviços e estrutura s na experiência relatada dos estados. É um avanço que necessariamente se imporá na medida em que sejam aprofundadas duas importantes experiências que ainda se desenvolvem em paralelo: a primeira é a dos portais integradores de serviços e informações a qual, como mencionado, tende a evoluir em direção à fixação de padrões e de mecanismos de acompanhamento e avaliação dos serviços. A segunda são os serviços de atendimento ao cidadão, que exercem saudável pressão pela melhoria das estruturas e processos de trabalho nos órgãos e entidades que, na sua retaguarda, são responsáveis últimos pelo serviço oferecido ao cidadão. 5.9. Desenvolver e integrar sistemas e bancos de dados combinando definições estratégicas com avanços imediatos A integração entre sistemas e bancos de dados é um complexo p rocesso de convergência d os acervos de informação acumulados historicamente sob diferentes formatos tecnológicos, impond o considerável dificuldade


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para sua operacionalização. Envolve também tensões em torno do controle sobre a informação, não raro objeto de disputa entre instituições. Não há avanços relatados nas experiências estaduais: a integração de sistemas está no horizonte de planejamento de estados como o Paraná e Pernambuco. Para a construção do governo eletrônico, será necessário estabelecer quanto antes parâmetros e outras definições estratégicas para orienta r a progressiva convergência entre os sistemas. A fix ação em 2004, pela administração federal, dos padrões de interoperabilidade, denominado E-PING, é um importante ponto de partida a ser levado em conta pelos esta dos na definição das suas estratégias. A integração é requisito necessário para a oferta, em futuro não muito distante, de serviços contínuos a o cidadão, interligando diferentes órgãos, ultrapassando barreiras formais, a té mesmo entre níveis de governo. Em curto prazo, a integração poderia avançar com benefícios imediatos impulsionada pelo desenvolvimento dos sistemas corporativos, aplicando a TI na transformação em profundidade dos processos das áreas-meio da administração pública. Como se sabe, além dos problemas relacionados a excessos normativos, formalismo e lentid ão d e proced imentos q ue a feta m de forma sistêmica a administração pública, há conhecidas deficiências de controle que geram desgaste de imagem: é o caso sobretudo d as despesas com compras e contratações, pessoal e convênios. Os sistemas de administração financeira podem servir de base para o desenvolvimento dos demais sistemas corporativos - em áreas como pessoal, compras, orçamento e planejamento - integrando a realização da despesa com os trâmites e rotinas que lhe dão causa, proporcionando níveis de controle e transparência da informação que só são possíveis com a utilização da TI. Outras possibilidades a serem exploradas


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são o desenvolvimento e a integração entre os sistemas corporativos, adotando como eixos comuns para o intercâmbio de dados e informações os sistemas de administração financeira e a estrutura de órgãos e entidades, possibilitando a obtenção de relatórios gerenciais. 5.10. Integrar o governo pela infra-estrutura de redes A construção da infra-estrutura de comunicação do governo eletrônico deverá sematerializar nas infovias que interligam a administração pública, para as quais confluirão todos os fluxos de comunicação, substituindo progressivamente mídias tradicionais como a telefonia, com melhor desempenho e economia de despesas. As infovias são a plataforma sobre a qual será constituído um novo cenário de comunicação intensiva (dados, voz e imagem integrados) necessário aos avanços na transformação de processos e estruturas organizacionais. Em Pernambuco, a construção da infovia é uma das componentes fundamentais da estratégia e do planejamento de governo eletrônico. Em Minas Gerais, a introdução da telefonia sobre IP nas comunicações intragovernamentais é projeto em elaboração. Um primeiro passo necessário é a unificação de projetos e iniciativas de contratação de redes, revertendo a situação ainda prevalecente de pulverização de ações com perda de escala e custos onerosos. As estratégias para a construção de infovias deverão considerar, além dos aspectos tecnológicos, os mod elos de contratação e a perspectiva de utilização otimizada da infra-estrutura instalada no País. Uma possibilidade a ser considerad a é a articulaçã o entre governos pa ra o compartilhamento de suas infra-estruturas de rede.


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Referência B ibliográfica Pesquisa PNAGE (2004). Diagnóstico geral das administrações públicas estaduais. Brasília, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Novas Formas de Gestão Pública Relator: Regina Silvia Pacheco


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Novas formas de gestão pública

Regina Silvia Pacheco Professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

Introdução No Seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados, o último tema proposto abrangia uma série bastante amp la d e subtemas: “Coordenação e intersetorialidade. Gestão por resultados e indicadores. Integraçã o entre pla nej amento, orçamento e g estã o. Contratualização. Controle interno. Transparência e ética. Ouvidorias. Política e gestão da qualidade. Desburocratização. Ganhos de produtividade. Inovação. Gestão do conhecimento e memória administrativa”. O entendimento sobre o tema, por parte dos 14 estados que relataram suas iniciativas, foi bastante variado. Alguns estados compreenderam que d everiam relatar projetos específicos, enquanto outros consideraram adequado relatar experiências abrangentes. Entre as iniciativas relatadas, incluíam-se: • Criação de um prêmio de inovação na gestão pública;


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• Atividades relativas à capacitação de funcionários; • Melhorias introduzidas nas normas e funcionamento dos processos disciplinares; • Criação e funcionamento de sistemas informatizados de apoio à gestão; • Implantação de programa de qualidade; • Articulação do estado com municípios, com o objetivo de promover a melhoria da gestão pública; • E stabelecimento de parceria s púb lico-priva das (PPPs); • Criação e funcionamento de organizações sociais; • Promoção da transparência nos assuntos de governo, com a criação de portal; • Implementação de mecanismos voltados à gestão por resultados; • Monitoramento de prioridades de governo e programas estratégicos; e • Contratualização de resultados. Os três últimos tópicos - gestão por resultados, monitoramento de programas estratégicos e contratualização de resultados - constituíram os aspectos mais relatados pelos estados. Durante o seminário, apresentaram suas experiências os estados de Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Roraima e Sergipe. Nossa síntese dará ênfase à gestão e contratualização de resultados, buscando comentar as experiências relatadas à luz da experiência internacional sobre o tema. Procura remos extrair lições da experiência internacional, confrontandoas com as experiências das administrações estaduais. Assim, além de buscar refletir os esforços em curso, nosso objetivo é tecer comentários e sugestões que sirvam à melhoria das experiências em andamento.


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1. Experiências estaduais relatadas 1.1. Espírito Santo Dois projetos foram relatados: o Conselho Estadual de Secretários de Gestão e a iniciativa denominada Gestã o de Va lores. O Conselho de Gestão (Cesg ) é um colegiado, liderado pelo secretário estadual de Gestão e Recursos Humanos, criado por um decreto do governo do estado que estabelece regras para seu funcionamento e prevê a participação de municípios por meio de adesão. Vêm participando regularmente das atividades do conselho cerca de 40% dos municípios do Espírito Santo. O objetivo do conselho é articular os municípios e coordenar esforços do governo estadual e municípios em prol da melhoria da gestão pública. Desde sua criação, foram realizadas três reuniões trimestrais para troca de experiências e aportes conceituais; há também um site dedicado ao conselho. Com essa iniciativa, o governo do estado promove o desenvolvimento da gestão pública junto aos municípios; incentiva a troca de informações e experiências e dissemina práticas inovadoras e bem sucedidas. A divulgação de iniciativas positivas contribui para mobilizar a opinião pública, buscando contrapor a imagem constantemente difundida de “inoperância do setor público”. A iniciativa Gestão de Valores corresponde a um sistema de acompanhamento de metas mobilizadoras definidas pelo governo do estado. A partir das metas, são identificadas ações prioritárias, monitoradas por um sistema de a companhamento intensivo, coordenado pela Secretaria Estadual de Economia e Planejamento (SEP). O andamento das ações é avaliado conjuntamente pelo secretário da área e secretário da SEP. Os resultados são


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acompanhados pelo governador, que realiza pelo menos uma reunião anual com os secretários responsáveis. 1.2. Minas Gerais Após breve explicação das mudanças efetuadas na macroorganização do estado, foram relatadas duas iniciativas: a implantação dos acordos de resultados e as PPPs (parcerias público-privadas). Entre as mudanças na macroestrutura, foram destacadas: a fusão das Secretarias de Planejamento e Administração, dando origem à Secretaria de Planejamento e Gestão, reunindo num só órgão as funções de planejamento, orçamento e gestão; a fusão da s funções de corregedoria e auditoria; fusão da Procuradoria-Geral do Estado e Procuradoria da Fazenda Estadual; a criação de uma única ouvidoria-geral do estado com seis áreas de atuação. Foram definidos projetos estruturadores que passaram a receber gerenciamento intensivo; entre eles, o projeto Choque de Gestão definiu as iniciativas e instrumentos para a melhoria da gestão pública. O acordo de resultados representa um instrumento de negociação entre dirigentes para fixar compromisso com resultados a serem alcançados em troca da ampliação de algum grau de autonomia para a entidade que assume o compromisso - iniciando pela definição clara de missão da entidade. Os programas são organizados em uma matriz de resultados e desdobrados em iniciativas a cargo de diferentes secretarias. Os resultados dos programas devem apontar para a visão de futuro - alteração positiva do Índice de Desenvolvimento Humano do estado (IDH). Ca da secreta ria, voluntariamente, pode aderir à celebração de um acordo de resultados, reunin-


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do sua contribuição aos diferentes programas estaduais; há a possibilidade de pagamento de prêmio aos servidores, em função do atingimento de metas. Até março de 2006, haviam sido celebrados 17 acordos de resultados, enquanto outros nove estão em fase de concretização. A segunda iniciativa relatada foi a implantação das PPPs. O estado contou com consultoria inglesa (organização Partnership UK), já que a Inglaterra foi pioneira na adoção dessa modalidade de provisão de serviços públicos. Minas Gerais foi o primeiro ente federativo, no Brasil, a aprovar sua legislação sobre PPPs - antes mesmo da União. Por meio das PPPs, até março de 2006 haviam sido providas 3 mil vagas prisionais, obras de saneamento, a construção de estrada e do campus administrativo. 1.3. Paraná O estado do Paraná também apresentou duas iniciativas, ambas apoiadas no uso de tecnologia da informação para promover a transparência na gestão da coisa pública. A iniciativa Portal da Gestão do Dinheiro Público visa a propiciar o controle social das ações do estado, ao lado de outras iniciativas em curso - ouvidoria interna, controle de metas, controles contratuais formais, auditorias interna e externa, controle j udicial, controle ad ministrativo. O p ortal www.gestaod inheiropub lico. pr.gov.br, de acesso aberto, permite acompanhar em tempo real toda a movimentaçã o financeira do estado, os pagamentos realizados, precatórios existentes e pagos, repasses aos municípios,Lei de Diretrizes Orçamentárias, Plano Plurianual, Lei do Orçamento Anual, balanço geral do estado. A outra experiência relatada é o Sistema de Informações para a Educação, com interface com o portal ante-


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rior. Provê informações sobre os gastos de cada escola, com cada item de despesa; freqüência dos professores e servidores em cada unidade; relação de alimentos comprados pela escola; material de consumo adquirido - e permite extrair relatórios gerenciais. Assim, o estado do Paraná entende estar fazendo uso da tecnologia da informação para que o cidadão o controle e, em um segundo momento, ajude a construir o estado fundado e comprometido com a idéia republicana. 1.4. Pernambuco Nas duas últimas gestões, a partir de 1999, o estado vem imp lementando a contratualização de resultados, com avanços já bastante expressivos. As iniciativas buscam articular dois campos de tecnologia: as tecnologias de gestão (compromisso e monitoramento de resultados) e as tecnologias de comunicação e informação (informatizando o monitoramento de resultados). As experiências foram consolidadas em lei, em 2003 (Lei da Reforma do Estado - Lei Complementar nº 49, de 31/1/2003), determinando a realização do planejamento estratégico em todos os órgãos públicos. A elaboração dos planos estratégicos tem o auxílio de servidores estaduais, que voluntariamente se candidatam a receb er ca pacitaçã o em “tecnologia da gestão” provida pela Escola de Governo, em parceria com a UniversidadeEstadual de Pernambuco. As entidades estão adotandoo BSC - Balanced Scorecard para monitorar seus resultados. A contratualização de resultados abrange oito metas comuns a todas as entidades (entre elas: realização da auto-avaliação da gestão, pesquisa de satisfação de clientes, implantação de ouvidoria, realização de pesquisa de clima organizacional), acrescidas de metas espe-


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cíficas. Entre as 27 entidades da administração indireta do estado, 15 já firmaram um contrato de resultados, dez estão em vias de assiná-lo, duas entidades (transportes, universida de) estão ag uardando definição sobre sua natureza jurídica. O estado já firmou contratos de resultados também com cinco organizações sociais. Outro aspecto a ressaltar é o desdobramento dessa iniciativa até atingir entidades da ponta: entre as 1.111 escolas da rede pública de Pernambuco, 940 já firmaram contratos de gestão - sem dúvida, um recorde no País! O ciclo de monitoramento e avaliação dos resultados é quadrimestral e envolve também as entidades que ainda não formalizaram contratos de gestão. Nos quatro ciclos já realizados, é possível perceber uma evolução positiva em termos da porcentagem de atingimento de metas d as entidades (contratualizadas ou não) e das metas gerais do estado. Os relatórios de avaliação divulgam os resultados obtidos e fazem recomendações para a melhoria. O estado estima que a soma das economias obtidas alcance R$ 22,9 milhões. No estágio atual, o estado considera como desafio a implantação dos sistemas de conseqüência - por exemplo, a adoção da remuneração variável segundo resultados alcançados pela instituição, pelo indivíduo e por sua equipe de trabalho. Também está em discussão a concessão de flexibilidade orçamentária para órgãos que cumprirem 100% das metas estipuladas. 1.5. Roraima O apresentador de Roraima destacou as especificidades do estado, criado há apenas 15 anos. Destacou a tradição clientelista, a necessidade de recuperar a imagem governamental perante a sociedade, a insuficiência


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de infra-estrutura, a existência de sistemas de gestão frágeis e fragmentados, para situar a amplitude do desafio do Programa de Reforma da Administração (Proage).Esse p rograma iniciou-se via construçã o de um mod elo conceitual, depois transformado em modelo institucional (duas leis pub licadas em 2005), em seguida construído como modelo org aniza ciona l, seg uido pela fase de manualização. Estão sendo a rticuladas as Secretaria de Planejamento (dá o rumo), Fazenda (imprime o ritmo) e Gestão Estratégica (faz acontecer) - via organiza ção das atividades do esta do em programas e projetos, articulados em uma matriz de resultados esperados x entidades responsá veis. A iniciativa busca articular a administração indireta à administração direta, com resistência de secretarias, que não querem abrir mão da execução direta de atividades de prestação de serviços - o que seria desejável, visando a concentrar esforços das entidades da administração direta na formulação de políticas públicas. Outras iniciativas do estado foram a instituição do prêmio à inovação na gestão, a criação do Instituto de Modernização Pública (reunindo Escola de Governo e Centro de Tecnologia da Informação) e a realização de acordos de parcerias entre o estado e municípios. Finalmente, o rela tor destacou a importância do Pnage como âncora e salvaguarda institucional para a continuidade dos esforços em curso. 1.6. Sergipe O estado de Sergipe relatou seus avanços na implementação da gestão por resultados. O planejamento es-


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tratégico do governo colocou como meta mobilizadora a elevação do IDH de forma a atingir0,815 em 2008.A adoção do IDH, indicador que se move com lentidão e dificilmente reflete o impacto das ações, é justificada por seu poder de conferir àsações a dimensão da visão de futuro. Assim, a pa rtir do PPA elaborad o no governo a nterior, fora m selecionados 15 programa s estruturantes aqueles cuj o conteúdo permite maior impacto positivo no IDH. Os 15 prog ramas foram reagrupad os nos três setores que compõem o IDH - saúde (abrange segurança p ública e energia elétrica), educação (escola pública d e qualidade) e geração de renda; soma m-se a eles os p rograma s Gestã o Pública Emp reended ora e E xcelência na Gestão Fiscal. O estado tem contra to de gestão com uma organização social, que apóia desenvolvimento de empresas de base tecnológica e mantém duas incubadoras de empresas. O programa Gestão Pública Empreend edora estab elece, como nos ca sos anteriores, uma estrutura matricial p ara os p rograma s, rela cionando suas a ções e responsa bilidades dos diferentes órgãos públicos; sua implementação foi apoiada por servidores do estado, formados para atuar como multiplicadores da nova forma de gestão. Cada programa dá origem a um contrato de g estão, cujos resultad os são monitorados pela “Central de Resultad os”, órgão próximo a o Gabinete do governador. Segundo o relator da experiência, a implementação da gestão por resultados vem sendo acompanhada de uma verdadeira mudança de cultura, voltada à resolução de problemas - o que implica dinamismo, flexibilidade e nova mentalidade. Entre os fatores críticos de sucesso, foram ressaltados o diálogo franco com todos os ór-


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gãos, a a doção de soluções de baixo custo, o ap oio irrestrito do governador e dos secretários e a utilização de “mão-de-obra própria” (servidores), sem utilização de consultoria externa. 2. Diálogo com as lições da experiência internacional 2.1. Características do contrato de resultados O acordo de resultados (ou acordo-quadro, contrato de gestão) é um instrumento de gestão que relaciona ministérios ou secretarias responsáveis pela formulação de políticas públicas e entidades prestadoras de serviços públicos (genericamente denominadas agências) vinculadas aos órgãos formuladores da política. Tem por objetivos promover mais flexibilidade, transparência de custos, melhor desempenho, aumento da qualidade, produtividade, eficiência e efetividade na prestação de serviços públicos. Promove um par de atributos inseparáveis, à luz das reformas gerenciais: autonomia de gestão em troca de compromisso prévio com resultados. Por meio de metas pré-acordadas entre as partes, a serem alcançadas pela entidade prestadora do serviço em troca de algum grau maior de flexibilidade ou apenas de previsibilidade, a contratualização de resultados no setor público substitui o controle clássico político (pela hierarquia) e burocrático (pelo cumprimento de normas) pelo controle baseado em resultados e uma certa competição administrada que dá visibilidade a os resultados alcançados. Essa nova forma de relacionamento entre entidades públicas emerge no âmbito das reformas em curso desde os anos 198 0, inicialmente nos países anglo-saxões, com inspirações e conteúdos diversos; ainda assim, vem


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contribuindo para a melhoria do desempenho das organizações públicas. Apesar das críticas e d e excessos cometidos nos primeiros esforços de reforma em alguns países tidos como paradigmáticos, a utilização de contratos de resultados tem sido efetiva contra a independência autárquica das organizações, facilitando formulação, revisão e implementação de prioridades. A experiência tem avançado, apesar dos receios freqüentes que têm algumas a gências de perder autonomia, e muitos ministérios (ou secretarias), de perder controle (Jann e Reichard, 2002). 3. Por que medir resultados no setor público? Acreditamos ser bastante difundida, entre as administrações estaduais, a importância de medir resultados alcançados pelas organizações públicas. A experiência internacional tem mostrado que mensurar resultados não se justifica apenas para avaliar as ações empreendidas em programas e projetos; conforme Behn (2004), há pelo menos sete outras razões para medir resultados: controlar, orçamentar, motivar, promover, celebrar, aprender e melhorar. Outros autores apontam o risco de utilizar a mensuração e comparação de resultados apenas como instrumento de controle - ou para o fato de que assim seja compreend ida pelas entidad es que têm seus resultad os mensurados. No Reino Unido, país de sistema centralizado degoverno, a mensuração de resultados foi introduzida pelo governo central para monitorar as ações dos governos locais. Segundo Bovair e Halachmi (2001), tal medida foi inicialmente vista pelos governos locais como uma forma de controle e punição: performance measurement under the Best Value re-


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gime8 is reachinga newlevel of maturity. This is partly because it is now regardedin a more relaxed light by many local authorities, as theybecome conscious that the use of performance comparisons for 'find and puni sh' pur poses by central gover nment is more difficult, and therefore less of a danger, than they had originally believed.

Por outro lad o, são pertinentes as ob servações de Behn (2004) quanto aos diversos motivos que justificam a introdução de medidas de desempenho: o autor afirma que a mensuração de resultados não é um fim em si mesmo; só tem sentido se utilizada para melhorar o desempenho organizacional. Esse nos parece ser o sentido que está sendo dado à mensuração de resultados nas administrações estaduais. Não se trata apenas de uma nova forma de controle, mas sim de uma mudança substancial quanto aos desafios a enfrentar - o alcance de mais e melhores resultados, apesar da limitação de recursos. No Brasil, estamos falando de uma mudança de mentalidades e de cultura vigentes no setor público, que foi sempre marcado pela preocupação com a conformidade dos atos e a formalização de procedimentos, e não pelo compromisso com resultados a alcançar. Às administrações estaduais cabe o desafio da mudança cultural, por meio da introdução da mensuração de resultados. Para obtê-la, sugerimos aprender com as lições da experiência internacional, aprofundando a vi-

8 Best Value foi o sistema de mensuração de resultados introduzido pelo gover no Blair, a partir de 1997, como experiência p iloto e g eneraliza do em 2000, em sub stituição ao CCT (Compulsory Competitive Tendering), vigente nos governos Thatcher e Major.


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são de múltiplos objetivos a alcançar, resumidos em torno da melhoria de desempenho de organizações públicas. As administrações estaduais devem buscar evitar a concepção da nova iniciativa - mensuração de resultados - exclusivamente como uma nova forma de controle. 4. O que contratar: produtos (outputs) ou impactos (outcomes) ? As experiências estaduais de contratualização têm focado seus acordos de resultados nos serviços públicos a serem prestados pelas diversas entidades: segundo a literatura especializada, trata-se da contratação de produtos (outputs). Entre os casos relatados, algumas das experiências estão utilizando como indicador final (ou meta mobilizadora) o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um exemplo do que na literatura é chamado de contrato baseado nos impactos a alcançar (outcomes). A utilização de um alvo tão amplo - o IDH - remete ao debate que vem sendo travado em vários países, do qual podemos extrair lições. Esperar um imp acto das a ções no IDH do estado é ambicioso; ajuda a a pontar a finalidade última da ação pública, coloca uma visã o de futuro, ajuda a evitar o risco de foco exclusivo no curto pra zo, restrito ao cumprimento das metas preestabelecid as. Mas sabemos que o IDH é um indicador pouco sensível à variação no prazo de poucos anos, de um mandato de governo. Há o risco de o impacto da s ações nã o se trad uzir em mudança positiva do IDH, por diversos motivos - entre eles, os que escap am ao controle de uma administração esta dual, como queda na a tividade econômica, queda no poder de compra dos salários etc. E a não tradução dos esforços em termos de mudança positiva no IDH pode a fetar


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o moral das eq uipes, d esmotivando-as em vez de servir como visão de futuro. Por outro lado, o foco exclusivo em metas pré-fixadas para a provisão de serviços pode levar a distorções importantes. Trosa (2001) relata o caso de hospitais na Nova Zelândia que, na fase inicial da introdução de contratos de resultados, quiseram suspender atendimentos porque haviam atingido suas metas. Trata-se claramente de um desvio da intenção inicial, voltada à melhoria do desempenho das organizações públicas. O risco é o de utilizar um novo instrumento - o compromisso prévio com resultados a alcançar - com uma menta lidade a ntiga baseada no cumprimento de obrigações e procedimentos formais. Como evitar, por um lado, que o desafio amplo voltado aos impactos desejados não provoque desmotivação, caso o impacto não seja mensurável no prazo estipulado? Por outro lado, como colocar as metas na perspectiva da melhoria global de desempenho, sem tomá-las como um fim em si mesmo? Esse tem sido, na experiência internacional da última década, o debate entre especialistas: o que contratar - a prestação de determinados serviços previamente especificados (outputs) ou a contrib uiçã o efetiva p ara a resoluçã o d e um problema (outcomes) . Do ponto de vista do contrato de resultados como instrumento de gestão, ambas as opções apresentam vantagens e inconvenientes. Contrata r outcome s - impactos que venham a alterar significativa mente a situação inicial que se quer a lterar - traz, entre as dificuldades, aquela relativa às rela ções de causalidad e: em que as ações realizadas são responsáveis pela alteração da situa ção inicial? Como isolar, entre as inúmeras variáveis que afeta m a situação, aquelas diretamente liga-


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das a os serviços prestados por uma determinada organiza ção pública? Trosa (200 1) aponta para um ba lanço p ragmático: amba s as formas de contratação sã o importantes, até porq ue resp ondem a duas perguntas distintas. O contrato formulado com base nos outputs permite conhecer o que é efetivamente produzido com os recursos públicos; já a preocup ação com outcomes ou impactos permite indaga r sobre a eficácia e utilid ade da quilo q ue é produzido. A autora sugere uma via prag mática, começando pelos serviços prestados, como primeira etapa do esforço de mensuração do desempenho; ir construindo uma relação de confiança entre contratante e contratado, ao mesmo tempo em que ambos buscam tornar menos ambiciosa a visão dos impactos a serem alcançados; ainda nessa fase inicial, ambos os parceiros devem buscar construir uma cadeia lógica de execução dos objetivos, relacionand o impactos, resultados intermediários e ações, além de buscar inscrever serviços prestados e impactos visados dentro de objetivos claros. Tomemos como exemplo os nexos causais entre cursos de qualificaçã o profissional (outputs) e diminuição do desemprego (outcomes). Asaída pragmática recomenda mensurar o serviço efetivamente prestado - quantidade de concluintes em cursos de qualificação profissional -, o que permite conhecer como é utilizado o recurso público, evolução da produtividade, percentual do públicoalvo atendido - os serviços efetivamente prestados são mensuráveis por indicadores quantitativos. Em paralelo, devem ser também mensurad os resultados intermediários - por exemplo, quantid ade d e d esemp reg ad os concluintes que obtiveram recolocação ap ós o curso, e ainda avançar na construção lógica da cadeia de resul-


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tados entre impactos e serviços prestados. Os impa ctos devem ser a valiados, mais do que apenas mensura dos, explorando relações de causalidade - “o que provocou tal evoluçã o da tax a de desempreg o no período analisado?” No caso das administrações estaduais, sugerimos manter o foco último na alteração positiva do IDH (meta de impacto), buscando construir alvos intermediários que permitam mensurar esforços na direção do alvo-maior perseguido. 5. Com quem contratar? Pode ser adotada uma visão abrangente de sucessivos contratos de resultados, como vários elos da cadeia estratégica de valor: um contrato entre o governo e a sociedade, estabelecido por meio do Plano Plurianual (PPA); tomando o PPA como matriz estratégica, desdobrar em seguida contratos macros entre o governo e cada secretaria, por meio da elaboração de sua política pública específica; na cadeia de valor, segue-se o contrato de resultados entre cada secretaria e suas entidades vinculadas da administração indireta e com as organizações sociais, para a provisão de serviços que concretizem as políticas públicas formuladas. O desdobramento da cadeia de valor indica o interesse em desdobrar a lógica da contratualização de resultados até a ponta - como faz Pernambuco com suas 940 escolas públicas com contratos firmados em prol de resultados. Dessa forma, o esforço do compromisso com resultados chega até a unidade efetivamente produtora do serviço público, alavancando a melhoria de desempenho de cada organização pública. O desdobramento seguinte inclui o compromisso de cada equipe com resul-


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tados a alcançar sob sua responsabilidade. E pode-se ainda antever o interessede que cada unidadeprestadora de serviço estabeleça um compromisso de resultados com a comunidade a que serve - na forma de “carta-compromisso” ou “cartas de serviço”. 6. Contratualização de resultados: controle x aprendizagem Contratualizar resultados é também uma alternativa concreta p ara responder às d emanda s crescentes de accountability, entendida como a obrigação permanente de prestar contas sobre o uso de recursos públicos e os resultados a lca nça dos. A concordância em torno da accountability tem pelo menos duas vertentes diversas: os defensores da eficiência e da diminuição do gasto público, os reformadores comprometidos com a elevação do desempenho do setor público. Segundo Jann e Reichard (2002), tais vertentes estão por trás da adoção de contratos de resultados no setor público. Sob a primeira vertente, a inspiração vem da escolha racional e da teoria da agência, que vê o contrato de resultados como um novo instrumento de controle que permite mais eficazmente enfrentar o problema do comportamento maximizador do auto-interesse, característico de tod o indivíduo em geral e em particular dos agentes públicos. Tal inspiração foi predominante entre os reformadores de primeira geração da Nova Zelândia e do Reino Unido. Já na segunda vertente, representada pela Dinamarca e Suécia, o desafio central não é o controle, mas sim o desempenho; o contrato de resultados é instrumento pa ra proporcionar coordenação, ajuste e aprendizado organizacional. Segundo os mesmos autores, a realidade mostra-se mais adaptativa e instigante


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do que pretendem os teóricos da escolha racional: A gestão por contrato é raramente encontrada no Est ado pur o, tecn ocr at a, da l it eratu r a so br e gerenciamento. Existem poucos contratos rígidos, com metas específicas e quantificáveis e sanções positivas ou negativas - tangíveis, como prega a abordagem teórica. Mas há muitos processos contínuos, mais abertos e sistemáticos, de negociação e ajuste de objetivos, processos edesempenho, e de contínuo aprendizado mútuo. A gestão por contrato é vista cada vez menos como um jogo de soma zero de autonomia e controle, e mais como um processo compart il hado de apr endiz agem e aj us te. (Jann e Reichard, 2002, p.39).

As observações acima indicam o interesse da prudência no estabelecimento de punições ou incentivos relacionados a o alcance de metas. Recomendamos aos estados b rasileiros avançar com cuid ado na monetarização da gestão por resultados - seja em vincular orçamento a resultados, ou ainda em vincular parte da remuneração de servidores ao cump rimento de metas preestabelecidas. Tal recomendação parte do reconhecimento de que a verdadeira adoção da gestão por resultados implica cuid ar atentamente d a muda nça de menta lid ad e requerida. Trata-se de uma revolução cultural, que não será produzida apenas por novas normas de controle e novos instrumentos de gestão. Aqui, a aprendizagem é fundamental. E deve-se destacar o importante papel de gerentes e dirigentes na promoção dessa aprendizagem. Gerentes e dirigentes também precisa m da nova aprendizagem para que possam promovê-la. Esse deve ser o sentido de programas de desenvolvimento gerencial.


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Já os dirigentes devem ter oportunidades de intercambiar entre pares suas experiências, e talvez contar com um coaching que lhes dê apoio para que ajudem a implementar a mudança cultural desejada. 7. Autonomia x Controle A partir do avanço das experiências de contratualização de resultados, o debate internacional indaga como equilibrar, nessa nova visão da gestão, autonomia e controle de cada entidade que assume o compromisso prévio com resultados. Aqui, nosso d esafio ainda é o de encontrar maneiras de avança r na concessão de alguma autonomia e flexibilidade - pois aqui impera a menta lidade do controle. Isso se deve ao legado repleto de exemplos de abuso da flexibilidade (como os que sucederam ao DecretoLei 200, nos a nos 1970/80), combinado com os desafios do ajuste fiscal. Para conseguir algum avanço, teremos de conquistar as áreas econômica, jurídica e de controle - portadoras da bandeira da responsabilidade no uso dos recursos públicos, da obediência às normas estatuídas, da proteção contra o mau uso do dinheiro público. Teremos de convencer aquelas áreas de que a concessão de algum grau de autonomia e flexibilidade, se combinada com o forte compromisso com resulta dos e seu monitoramento intensivo, contribuirão, em médio prazo, para a melhoria do gasto público. Nos três casos - área econômica, jurídica e de controle - estamos na maioria das vezes diante de burocracias bem constituídas, insuladas e zelosas de seu ethos profissional. O desafio é trazê-las como aliadas para a implantação da gestão por resultados. Em vários países,


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isso foi facilitado pelas práticas de mobilidade de altos funcionários, que devem trabalhar em áreas meio e áreas finalísticas, quebrando de certa forma a cultura setorial e estabelecendo uma “cultura de Estado” que se coloca acima das identidades setoriais. 8. Estratégias utilizadas Seg undo a experiência internacional, não há um caminho único para impulsionar a gestão por resultados. Alguns países utilizaram a estratégia top-down, com a formulação da política de gestão e seus instrumentos por um órgão central, geralmente situado no centro do poder de governo, a ser implementada simultanea mente por todos os órgãos públicos. Em outros casos, foi adotada a estratégia da cooperação e aprendizado mútuo, sistematicamente baseada no diálogo entre as partes, com adesão voluntária das organizações. Também nas experiências analisadas dos estados brasileiros há múltiplas estratégias. Foram citadas como estratégias positivas a adoção de soluções de baixo custo - apropriadas ao cenário de recursos escassos - e o envolvimento de pessoal próprio - por meio da capacitação como agentes multiplicadores da gestão por resultados, atuando como uma rede de “consultores internos”. 9. Mais algumas recomendações As lições extraídas da experiência internacional indicam a importância de publicizar os compromissos de resultados e os resultados alcançados. A transparência ajuda a mudar mentalidades, a ganhar adeptos, a promover certa competição saudável pelo prestígio do atingimento de bons resultados. Não se trata, como afirma-


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mos anteriormente, de competir por mais recursos financeiros; o aspecto mobilizador de energias é a disputa em termos de prestígio e reputação profissional - além da satisfação de contribuir com resultados palpáveis para a diminuição dos prob lemas sociais, econômicos ou ambientais do País (Bresser Pereira, 1996/2001). Assim, recomendamos aos estados dar publicidade aos resultados sistematicamente - por exemplo, publicando na Internet todos os contratos/acordos de resultados firmados, bem como o acompanhamento do cumprimento das metas, ainda que de forma agregada, e das avaliações realizadas. Dirigimos ao Consad a última recomendação: organizar um seminário específico sobre contratualização de resultados, para troca de experiências eaprofundamento dos temas relativos aos indicadores utilizados, capacitação de agentes públicos, lições aprendidas e outras. Talvez seja possível realizar tal seminário em parceria com o Conselho dos Secretários Estaduais da Fazenda (Confaz), buscando o objetivo de aproximar as lógicas da gestão e das finanças públicas. Referências bibliográficas BEHN, Robert (2004). “¿Por qué medir el desempeño?” Bob Behn´s Public Management Report, vol. 1, no 11, julho de 200 4. Versão em espa nhol: TOP - Tecnología para la Organización Pública www.top.org.ar BOVAIR, Tony e HALACHMI Arie (2001). “Performance measurement and B est Va lue: an international perspective” . Artigo submetido a o Interna tiona l Journal of Business Performance Measurement, março de 2001. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1996). “A administração


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pública gerencial: estratégia e estrutura para um novo Estado.” Enap, Revista do Serviço Público, 48(1):5-25,jan/ abr/1997. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (2001). “Uma nova gestão para um novo Estado: liberal, social e republicano.” Revista do Serviço Público, 52 (1) 5-24. The 2001 John L. Manion Lecture, Ottawa, Canadá. JANN, Werner e REICHARD Christoph (2002). “Melhores práticas na modernização do Estado.” Revista do Serviço Público, 53(3):31-50. TROSA, Sylvie (200 1). Gestã o pública por resultados. Quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: Enap.


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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Atendimento ao Cidadão nos estados brasileiros: tendências e desafios Relator: José Carlos Vaz


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Atendimento ao Cidadão nos estados brasileiros: tendências e desafios

José Carlos Vaz Professor da Fundação Getúlio Vargas

Introdução Este artigo aponta de maneira sintética uma caracterização das iniciativas de atendimento ao cidadão iniciadas ou continuadas pelos governos estaduais no período 2003/2006. Além disso, procura refletir sobre as tendências que essas realizações indicam e os desafios colocados à sua frente, do ponto de vista da ampliação dos serviços de atendimento e da ampliação dos direitos de cidadania. A realização da pesquisa baseou-se nos trabalhos inscritos pelos governos estaduais e nas apresentações dos representantes das experiências inscritas no painel Atendimento ao Cidadão do Seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados, realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração e pela Fundap, em março de 2006 (neste texto, referido apenas como seminário). Foram inscritos trabalhos


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pelas seguintes unidades da Federação: Bahia, Goiás, Maranhão, São Paulo, Tocantins (estados que apresentaram trabalhos no painel) e Paraíba, Minas Gerais, Distrito Federale Espírito Santo (unidades da Federação que apenas enviaram trabalhos). As conclusões, especialmente sobre a caracterização das experiências, são apresentadas em caráter sintético e generalizadas, com base na análise das informações sobre cada uma das experiências. Com interesse de tornar a leitura mais fácil, as quantificações foram omitidas na ma ior parte dos casos, apesa r de encontrarem-se disponíveis. 1. O foco no cidadão e a reorganização dos serviços de atendimento Segundo Bresser Pereira (1999), o mod elo gerencial resolve uma limitação do modelo burocrático: a falta de focalização nas necessidades dos cidadãos-usuários dos serviços públicos. O modelo burocrático tem um efeito inibidor sobre o processo decisório, por sua base na regulamentação intensiva das ações dos agentes públicos com vistas à g arantia da impessoalidade no acesso aos serviços. Com isso, o aparato estatal assume uma postura auto-referida e perde agilidade para atendimento das demandas. Constitui a inversão de propósitos apontada por Kettl (2000), em que a máquina pública dedica -se a atender prioritariamente os seus interesses e apenas subsidiariamente os d a população. Ou, dito de outra forma: O modelo tradicional de atendimento ao público nos órgãos governamentais é marcado pela fragmentação e pela falta de conexão ágil e racional entre os diversos serviços e informações. Os vícios


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burocráticos e compor-tamentais foram se acumulando ao longo dos anos, transformando cada setor da máquina pública em algo com início e fim em si mesmo. Dessa forma, os serviços oferecidos não seapresentam como soluções aos problemas dos cidadãos e, sim, como soluções administrativas internas aos própr ios setores. (Prefeitura Mun icipal de Santo André, 2000).

Segundo Soares (2002, p. 48), a colocação do cidadão no centro das ações do setor público é a “resposta que o modelo gerencial pretende dar para combater as distorções da administração auto-referida.” A mesma autora prossegue afirmando que, com o deslocamento do foco da administração pública em direção aos resultados, “o quesito dos padrões de qualidade na provisão dos serviços públicos destacou-se como um aspecto essencial para as práticas de administração pública”. O modelo gerencial, a despeito de suas várias nuances e linhas distintas, consistentemente direciona esforços em termos do atendimento ao cidadão. Cunha-se a expressão “foco no cidadão” como síntese de princípios que Soares (2002, p. 47) destaca: • Velocidade e agilidade de resposta do prestador de serviços; • Utilização de sistemas flexíveis de atendimento ao cidadão, com maiores condições de atendimento segmentado ou personalizado, em substituição à prestação de serviços padronizada; • B usca da excelência dos serviços com o esta belecimento de padrões e metas de qua lidad e de atendimento; • Ma nutençã o de ca nais de comunicação com os usuários; e


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• Avaliação da qualidade dos serviços prestados. A adoção do foco no cidadão situa-se, entre os princípios do modelo gerencial, como um princípio central de reorganização do Estado. Não somente a prestação de serviços em si é reestruturada, mas se pretende que todo o funcionamento do a parelho esta tal redirecione-se e mude suas prioridades a partir das demandas entendidas como aquelas prioritárias dos cidadãos. A orientação para o cidadão levou à disseminação de uma série de instrumentos de atendimento. Esses instrumentos buscam atender às necessidades de simplificação dos procedimentos, como expresso por Osborne e Gaebler (1994, p.210): (...) um sistema dirigi do ao cliente deve ser descom-plicado para o cliente, que não deve ser confrontado com um fabuloso labirinto de programas fragmentados, (...) e uma infinidade de formulários parapreencher. O sistema deve ser transparentepara que os clientes sejam capazes de transitar por entre as muitas opções disponíveis, sem necessariamente ter que transitar pelas burocracias que se ocultam por trás de cada uma delas.

O desenvolvimento de soluções de atendimento orientado ao cidadão pode ocorrer por meio do atendimento setorial, com o oferecimento de soluções obedecendo à estrutura setorial existente na administração pública (ou uma estrutura já fruto de uma revisão organizacional), incorporando recursos tecnológicos e redesenho de processos. Nesse modelo, a principal preocupação se encontra na revisão dos processos com foco nas necessidades do cidadão. A inovação concentra-se no back-office, ou seja, na realizaçãopelas tarefas pelos órgãos públicos e requer maior nível de integração interna na execução de tarefas


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entre os vários departamentos de um mesmo órgão, mas requer menor grau de integração entre distintos órgãos. Alternativamente, e de maneira crescente nas experiências brasileiras e internacionais, os governos têm recorrido a práticas de atendimento integrado, valendo-se de recursos únicos para o atendimento ao cidadão, independentemente d a natureza de sua demanda. Ne sse modelo, o foco está na redução do deslocamento e do gasto de tempo do cidadão. A inovação concentra-se no modelo de contato do cidadão com a administração pública, que requer maior integração entre órgãos distintos e a implantação de estruturas comuns. No caso brasileiro, os governos estad uais têm sido um importante agente de transformação da s práticas de atendimento a o cidadão desde meados d os anos 1990, quandoduas experiências emblemáticas foram iniciadas: o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC), do governo do estado da B ahia, e o Poupatempo, do g overno do estado de São Paulo. Desde então, esse modelo tem ampliado sua abrangência, seu nível de integ ração e a profundidade dos serviços prestados. Além dos governos estaduais, municípios e a União investiram, ainda que desigualmente, em equipamentos e serviços de atendimento ao cidadão, e o movimento atingiu também os demais poderes. Passada já uma década da implantação do SACe do Poupatempo, pode-se observar que o modelo de atendimento por meio de centrais de atendimento consolidou-se como referência entre os governos estaduais e, não sem motivo, foi o principal destaque apontado pelos próprios governos em termos de atendimento ao cidadão, na quasetotalidade dos estadosparticipantes do Seminário Avanços e Perspectivas da Gestã o Pública nos Estados. Tal modelo, apesar da relativa maturidade atingida, apresen-


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ta largo espaço para inovações e aperfeiçoamentos em várias dimensões, comoos trabalhos apresentados aolongo do seminário demonstram e será visto adiante. 2. As práticas de atendimento ao cidadão nos governos estaduais brasileiros (2003/2006) O período 2003/2006 apresenta uma consolidação do modelode centrais deatendimento integrado como a principal referência nas práticas de atendimento ao cidadão pelos governos estaduais no Brasil. Paralelamente, outras práticas foram implantadas total ou parcialmente, em tentativas de atingir públicos específicos ou atender a demandas setoriais. 2.1 Centrais de atendimento integrado Pode-se afirmar, com base na análise das experiências apresentadas no seminário, que já existe um modelo de centrais de atendimento consolidado entre os estados brasileiros. Observa-se que das 23 unidades da Federaçãoparticipantes do seminário,nove delas (39%) inscreveram trabalhos e manifestaram interesse em apresentá-los no tema Atendimento ao Cidadão. Dessas unidades da Federação, oito (89%) enviaram trabalhos sobre centrais de atendimento integrado. No Anexo 1 é apresentado um quadro que sintetiza as experiências de atendimento ao cidadão inscritas. Nas discussões ocorridas no seminário, foi possível observa r que o conjunto de experiências significativas hoje disseminadas no País (não somente em governos estaduais) constitui uma referência para a implantação de novos serviços naqueles estados que ainda não dispõem de centrais de atendimento integrado ou as têm


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ainda em número reduzido ou oferecendo uma gama pequena de serviços. As experiências de maior destaque (SAC, do estado da Bahia, e Poupatempo, do estado de São Paulo) alcançaram repercussão interna cional, até mesmo gerando iniciativas de replicação do modelo em outros países na África e na América Latina. O nível de implantação do modelo predominante, entretanto, não é uniforme. Observa-se que algumas experiências, especialmente as mais antigas, apresentam um nível de consolidação maior que outras. Mesmo assim, o modelo de centrais de atendimento que atualmente constitui referência para os governos estaduais pode ter destacadas as características comuns apresentadas a seguir. a) Avaliação dos serviços pelos cidadãos-usuários As experiências apresentadas valem-se de recursos de avaliação da satisfação dos usuários quanto aos serviços prestados. As avaliações realizadas baseiam-se na realização depesquisas quantitativas (predominantemente) e qualitativas e em avaliação de reação (avaliação realizada imediatamente após a prestação do serviço). As avaliações espontâneas por escrito são bastante disseminadas. Também são apontados como recursos importantes para a avaliação as ouvidorias e outros recursos de comunicação direta com os gestores do serviço. Algumas experiências promovem a divulgação de resultados de avaliação para os cidadãos-usuários, mas esta não é uma prática homogeneamente realizada. As pesquisas de satisfação realizadas apontam um grande nível de satisfação dos usuários. Observe-se que tratam de pesquisas conduzidas pelas próprias centrais de atendimento e não por entidades independentes.


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b) Práticas de gestão profissionalizadas As práticas de gestão empregadas apresentam um grau relativamente alto de profissionalização, ou seja, começa a conformar-se um campo especializado no País, baeado nas experiências dos estados, formado por profissionais e gestores envolvidos na operação dos serviços nas centrais de atendimento integrado. Essa profissionalização pode ser vista na adoção de práticas de gestão comuns aos vários estados, pela circulação de informações e profissionais e pela preocupação demonstrada por vários estados em aprimorar suas práticas de gestão dos serviços, promovendo avanços significativos como a utilização de sistemas informatizados de controle e gestão dos serviços, cres-centemente integrados ao uso de indicadores de desempenho bastante desenvolvidos, até mesmo com o emprego da metodologia do Balanced Scorecard (estado de Goiás). c) Valorização dos recursos humanos As experiências apresentadas no seminário apontaram os recursos humanos como fator de sucesso do atendimento oferecido aos cidadãos-usuários. A preocupação com a formação de pessoal capacitado materializa-se na existência de iniciativas de capacitação em praticamente todos os estados que apresentaram experiências, com alguns casos de vultosos programas. Ex periência s d e remuneração variável têm sido implementadas, mas ainda são em pequeno número e não parece ser possível avaliar seu impacto sobre a qualidade dos serviços prestados. A avaliação de desempenho dos funcionários envolvidos é apontada como um elemento importante para a garantia do sucesso dos serviços, sendo bastante disse-


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minada entre as centrais d e atendimento dos estados, mas as experiências apresentadas ainda não demonstram a existência de práticas comuns ou compartilhadas de avaliação de desempenho, conformando um padrão adotado pela maioria das experiências. É ba stante comum a coexistência de funcioná rios terceirizados e servidores públicos nas mesmas centrais de atendimento, como resultado da busca de mecanismos mais ágeis de contratação e de tentativas de contornar restrições à contratação de servidores públicos para os serviços. Entretanto, constata-se uma ampliação do uso de funcionários terceirizados, que tendem a ter uma crescente participação na força de trabalho envolvida com o atendimento ao cidadão. d) Predomínio da integração física nas centrais de atendimento Em trabalho anterior, Vaz (2003) chamou a atenção para o fato de que é preciso levar em conta que, sob o rótulo d e single window services ou one-stop service shops, ou seja, p ontos únicos de atendimento ao cidadão-usuário, podem ser enquadrados serviços com muitas diferenças em termos de integração entre os órgãos envolvidos, de acordo com a seguinte escala: • Ausência de integração: não são utilizadas centrais de atendimento. Cada órgão organiza o atendimento em suas instalações, de acordo com seus processos; • Compartilhamento de instalações e protocolo: como na categoria anterior, as organizações compartilham um espaço, nele reproduzindo uma lógica setorial. Entretanto, existe um protocolo mínimo de atendimento utilizado por todas as organizações ou departamentos que compartilham o equipamento. Esse protocolo pode envolver


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disposição de instalações, organização do atendimento e fluxo de usuários, papelaria e identidade visual, padronização de mobiliário, vestuário de atendentes e procedimentos de atendimento; • Interface única de atendimento: as organizações se relacionam compartilhando os recursos de contato com o cidadão. Este recebe um atendimento único, preferencialmente por um único funcionário, ficando a cargo da integração entre os órgãos o encaminhamento da resolução do problema do cidadão para o órgão competente, utilizando cada um seus processos individuais; e • Integração de atendimento e processos: não somente a interface é única, como as organiza ções compartilham sistemas e bases de dados, a partir de processos integrados. Assim, não somente o cidadão tem economia de tempo e deslocamento, como se produzem ganhos de eficiência na operação dos processos. Essa categorização é apresentada de maneira resumida no quadro a seguir. Quadro 1 - Níveis de integração em centrais de atendimento integrado


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O modelo predominante apresenta um nível ainda incomp leto de integração d e serviços prestados pelas centrais de atendimento. Predominam experiências que oferecem soluções para a integração física do atendimento e para o compartilhamento de protocolos de atendimento, investindo em criações de marcas de referência do serviço com padrões visuais e arquitetônicos próprios. A criação de interfaces únicas de atendimento vem ganhando espaço, enquanto a integração de processos e bases de dados tem poucos avanços a oferecer. 2.2 Outros instrumentos de atendimento Apesar da hegemonia das centrais de atendimento integrado como principal prática de melhoria do atendimento prestado aos cidadãos, outros instrumentos têm um emprego que merece destaque, pelo volume de atendimento gerado, por contribuir de maneira significativa para o atendimento de públicos vulneráveis ou excluídos ou por seu caráter inovador para os governos estaduais. a) Mutirões de atendimento itinerante Os mutirões de atendimento itinerante caracterizamse por realizar um conjunto de ações de atendimento concentradas em uma dada localidade, por um curto período de tempo. Em geral atendem áreas rurais ou periféricas com problemasde acessibilidade, distância dosgrandes centros ou ca rência de infra-estrutura d e serviços públicos. Ocorre o deslocamento de equipes de diversos órgãos públicos à localidade escolhida para, durante o período de mutirão, realizar prestação de serviços de diversas naturezas como emissão de documentos, atendimento social e assistência jurídica, levantar demandas dos cidadãos e realizar contatos com a sociedade local.


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Altos dirigentes estaduais normalmente participam desses mutirões, buscando conferir aos eventos a imagem de proximidade entre governo e cidadãos. Esse instrumento tem sido particularmente empregado em articulação com ações de assistência social e de extensão do alcance de outras políticas sociais. É visto como instrumento de atendimento para populações privadas de acesso a direitos básicos de cidadania. Não pode ser visto como solução definitiva para o problema dessas populações, uma vez que não oferece uma solução permanente ou sistemática para suas carências, e também pelo esforço necessário para organizar os eventos. Entretanto, é um meio de atender demandas reprimidas ereduzir níveis de carências básicas nas regiõesatendidasaté que políticas públicas específicas e estruturadas dêem conta dos problemas de maneira definitiva. A título de exemplo, Tocantins apresenta um total de 500 mil atendimentos em mutirões realizados em nove municíp ios (atendendo à população de 57 municípios), em um período de três anos. Os mutirões de atendimento itinerante também têm a vantagem de gerar condições favoráveis à criação de uma cultura de atendimento ao cidadão com alto nível de serviço. Sua realização exige preparação dos órgãos envolvidos, capacitação de servidores e orientação dos gestores para o atendimento ao cidadão. Nesse sentido, são vistos pelos estados que os adotam como instrumentos capazes de auxiliar a preparação da implantação de centrais de atendimento. b) Centrais móveis de atendimento Além dos mutirões de atendimento, uma outra forma de prover atendimento a localidades carentes de estruturas permanentes de atendimento ao cidadão são as cen-


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trais móveis de atendimento. As experiências apresentadas no seminário apontam para sua utilização não somente para atendimento de carências básicas em localidades de extrema pobreza ou dificuldadesde acesso aos grandes centros, mas também para aquelas cujas dimensões ainda não justificaram a implantação de estruturas permanentes de atendimento integrado. As centrais móveis de atendimento caracterizam-se por oferecer serviços de atendimento ao cidadão de maneira volante, porém sistemática e obedecendo a protocolos similares aos das centrais de atendimento fixas. Dessa maneira, suprem a falta de capilaridade dos sistemas de atendimento que, baseados no emprego de centrais de atendimento ao cidadão de grande porte, não conseguem atender a todos os municípios do estado. Segundo Soares e Vaz (20 00), esses serviços ampliam a capacidade de identificar as demandas da sociedade, o que, por outro lado, multiplica o volume de demandas para a máquina pública, gerando conseqüente pressão para aumento de eficiência nas ações do governo. Apontam, ainda, outro impacto importante: a possibilidade de melhora na qualidade de atendimento e da imagem do serviço público. As centrais de atendimento móveis têm utilizado predominantemente o transporte rodoviário para seu deslocamento,mas registra-se a busca de outros modosde transporte adequados à realidade local, como o transporte fluvial e ferroviário, como no caso do estado do Maranhão. c) Sistemas setoriais de atendimento ao cidadão O sucesso das experiências de atendimento ao cidadão com alto nível de serviço, capitaneadas pelas centrais integradas de atendimento ao cidadão, tem levado os estados a implantar sistemas de atendimento de cará-


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ter setorial, ou seja, aplicados ou articulados especificamente a determinadas políticas públicas. Esses sistemas setoriais de atendimento ao cidadão procuram resolver demandas específicas de setores da administração pública que necessitam realizar volumes consideráveis de atendimento e, portanto, requerem um nível de estruturação e sistematização capaz de permitir um nível de serviço elevado, combinand o qualidade e quantidade de atendimentos realizados. Pode-se caracterizar esses sistemas setoriais de atendimento ao cidadão como voltados a públicos ou setores específicos, d otados de procedimentos e protocolos de atendimento estruturados, infra-estrutura exclusiva para a realiza ção do atendimento, pessoal especializado e realização do atendimento sob gestão orientada para a obtenção de altos níveis de serviço. Vários estados implantaram, nos últimos anos, sistemas setoriais. São Paulo, com base no acúmulo gerado pela experiência do Poupatempo, desde 1996, é o estado que apresentou uma quantidade maior de novos serviços implantados recentemente. Entre os setores que têm recebido atenção dos estados na implantação de sistemas setoriais de atendimento, pode-se destacar Saúde, Segurança Pública, Educação, Previdência, Transportes, Assistência Social. 3. Tendências a) Consolidação de padrões de atendimento O sucesso das experiências de centrais de atendimento ao cidadão nos estados e a configuração de um modelo de referência com base nessas experiências bem sucedidas, levando à sua adoção generalizada, fortale-


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ce a continuidade dessas experiências e a consolidação de padrões de atendimento de alto nível de serviço. Por outro lad o, consolidação de um pa drão de qualidade dos serviços de atendimento encontra reforço na própria socied ade: uma vez expostos a um padrão superior de atendimento, os cidadãos não aceitam menos, conforme relatado por vários gestores participantes do seminá rio. Assim, esses padrões em franco processo de disseminação consolidam-se crescentemente como referência em atendimento ao cidadão pelos órgãos estaduais. É razoável supor que nos anos seguintes esses padrões verse-ão fortalecidos, salvo episódicas situações de redução do padrão de qualidade dos serviços em alguns casos isolados e transitórios, em função da falta de continuidade administrativa. b) Ampliação das redes de atendimento No seminário, os estadosque apresentaram trabalhos foram unânimes em mencionar planos e ações em andamento para a ampliaçãodas redes de atendimento. A expansão das redes encontra como maior obstáculo a necessidade de recursos relativamente altos para sua realização, o que tem levado os governos estaduais a buscar parcerias com prefeituras e empresas para a implantação de centrais deatendimento e para sua operação, ou seja, imagina-se realizar a expansão por meio do investimento direto dos estados e também de recursos de terceiros. c) Terceirização da operação de centrais de atendimento Uma outra tendência, diretamente vinculada à anterior, diz respeito ao crescimento da terceirização da ope-


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raçãode centraisde atendimento. Essa terceirização toma dois caminhos, ambos de adoção crescente: • Ampliação do uso de funcionários terceirizados na operação de centrais de atendimento. • Terceirização integral das centrais de atendimento, pela via da contratação de empresas para desempenhar as atividades ou pela sua realização por prefeituras municipais. Essa tendência ancora-se tanto nas dificuldades de contratação de pessoal para a realização dos serviços quanto no entendimento de que a operação direta de redes de serviços em expansãotraz dificuldades adicionais para os órgãos estaduais. A consolidação de padrões de operação das centrais de atendimento, com o acúmulo de experiência na operação e gestão pelos órgãos estaduais diretamente envolvidos, é um fator facilitador da terceirização, uma vez que esta pode ocorrer obedecendo a padrões estritos de realização dos serviços pelas empresas contratadas. A visão daqueles que propõem este tipo de operação é a de concentrar-se nas atividades de gestão do atendimento, eximindo-se das tarefas de controle e organização do nível operacional. d) Diversificação das formas de atendimento Observa-se nos governos estaduais, especialmente naqueles de maior tradição na operação de centrais de atendimento integrado e de outras formas de atendimento ao cidadão com alto nível de serviço, uma tendência à diversificação das formas de atendimento. Novos instrumentos têm sido experimentados: a ampliação do uso da prestação de informações e serviços pela Internet explicita uma tendência de crescente articu-


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lação com as práticas de governo eletrônico dos governos estaduais. Além disso, as práticas de auto-atendimento, com ou sem articulação com o uso da Internet, são apontadas como crescentes em volume. Também o uso do correio como instrumento complementar, normalmente encarregado de etapas dos processos de atendimento, tem sido intensificado. A diversificação das formas de atendimento é particularmente importante para uma outra dimensão da diversificação, que é a criação de instrumentos de atendimento ao cidadão voltados para atingir novos públicos, anteriormente excluídos, ou públicos específicos. De igual dimensão é sua relevância para a ampliação da quantidade de serviços prestados, criando-se novas formas de atendimento adequadas às especificidades desses novos públicos e serviços. e) Ampliação do nível de integração nas centrais de atendimento Como visto acima, o modelo mais difundido de centrais de atendimento ao cidadão caracteriza-se por um nível ainda incompleto de integração de serviços prestados pelas centrais de atendimento. Não se pode negar, no entanto, que a tendência do modelo de centrais de atendimento integrado de responsabilidade dos governos estaduais é a de ampliar o nível de integração disponível. Ob servam-se j á esforços d e imp la ntação d e interfaces únicas de atendimento, o que se percebe pelos avanços na padronização de protocolos de atendimento e pelas tentativas de constituição de equipes de funcionários generalistas, preparados para atender todos os tipos de demandas atendidas pelas centrais, e não somente prestar os serviços correspondentes a um órgão específico nelas representado.


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Os esforços de integração de processos e bases de dados utilizados por serviços de atendimento ao cidadão de responsabilidade de órgãos estaduais ainda são insuficientes p ara configurar uma tendência de aumento da integração a esse nível. No entanto, o próprio desenvolvimento da tecnologia da informação deverá levar, no futuro, à materialização dessa tendência. O ritmo dessa integração, por sua vez, pode ser bastante lento, em função dos custos e esforços necessários, da complexidade dos sistemas envolvidos e da interveniência de múltiplos fatores sobre o processo. f) Aprimoramento das técnicas de gestão Como fruto do processo de consolidação do modelo de centrais de atendimento integrado e da disseminação de práticas de atendimento com elevado nível de serviço, pode-se observar que a profissionalização dos serviços de atendimento levará a esforços significativos de aprimoramento da gestão. As experiências apresentadas no seminário corroboram esta afirmação e permitem apontar a tendência de aprimoramento das técnicas de gestão dos sistemas de atendimento. Nessas experiências e nos depoimentos dos dirigentes estaduais pode-se constatar a existência de ações de implementação de sistemas de gestão mais potentes. Essas ações podem ser observadas no desenvolvimento de técnicas e recursos de avaliação do desempenho dos serviços baseadas em sistemas de informações gerenciais; no aperfeiçoamento de técnicas de gerenciamento da operação e de gestão da produção dos serviços de atendimento; e nos investimentos em capacitação de pessoal para a gestão de serviços.


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4. Desafios a) Ampliação dos serviços prestados A ampliação dos serviços prestados surge como desafio de duas frentes. De um lado, tem-se a demanda por expansão das redes de centrais de atendimento, o que encontra dificuldades econômicas e orça mentárias por conta dos investimentos exigidos e da ampliação de gastos de custeio decorrente. Do ponto de vista econômico, qualquer movimento de expansão das redes de centrais de atendimento (gerais ou setoriais) exige uma redução dos custos unitários dos serviços. Além disso, é preciso levar em conta os impactos institucionais dessa expansão. Os governos estaduais precisam criar soluções que permitam a ampliação dos serviços sem produzir estruturas grandiosas, situações precárias, questionamentos jurídicos ou riscos para a cidadania. A outra frente da ampliação dos serviços prestados diz respeito à implantação de novos serviços, o atendimento de novos públicos ou novas formas de provimento de serviços já existentes. Evidentemente, a ampliação d os serviços d e a tendimento deve ser p a ralela à desburocratização, produzindo ganhos de produtividade ao longo dos processos envolvidos, não somente nas suas etapas diretamente envolvidas com o atendimento ao cidadão. Voltar-se para esse desafio forçosamente evidencia a questão do ritmo adequado para a incorporação de novas tecnologias, como m-gov (uso de dispositivos móveis como celulares e PDAs para prestação de serviços públicos) e TV digital. Paralelamente, é preciso criar condições para superar carências de infra-estrutura de comunicação de dados que, a despeito de ações expressivas de alguns estados, ainda se mantêm em pauta. A ampliação dos serviços prestados, tanto pela ex-


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pansão da rede de atendimento como pela incorporação de novos serviços, torna inevitável uma articulação dos serviços de atendimento ao cidadão presenciais com os programas de governo eletrônico e com programas de inclusão digital. Esse desafio também exige transformações no interior dos próprios governos estaduais, uma vez que é preciso garantir que o atendimento ao cidadão ganhe espaço na agenda desses governos. b) Aprofundamento da integração dos serviços Como dito acima, a integração de processos, sistemas e bases de dados nos sistemas de atendimento ao cidadão ainda possui uma jornada longa a realizar. Trata-se de um desafio que não fica restrito às dificuldades em termos de desenvolvimento de soluções em tecnologia da informação.É preciso considerar a dimensão de maior complexidade desse desafio, que é a superação das barreiras na cultura política que alimentam a fragmentação e isolamento de órgãos públicos e imp edem o g erenciamento compartilhado das informações e a integração física e lógica de processos, sistemas e bases de dados. c) Aperfeiçoamento das práticas de avaliação dos serviços Aperfeiçoar as práticas de avaliação dos serviços é um passo fundamental para a profissionalização da gestão dos serviços de atendimento e para criar condições para sua expansão. Superar esse desafiodemanda a utilização de sistemas d e avalia ção de d esempenho de maior robustez, notadamente pela utilização de sistemas de indicadores que permitam comparações de desempenho e a realização de análises em profundidade. Deman-


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da, ainda, uma atenção maior à participação do cidadão-usuário na avaliação dos serviços. Os autores que defendem a orientação ao cidadão recomendam a utilização de recursos de oitivas de opiniões e avaliação dos serviços pelos usuários, uma vez que a qualidade dos serviços é vista em função das expectativas destes ede sua satisfação (Parasuraman, 1991; Blythe e Marson, 1999; Dinsdale e Marson, 2000). As experiências mais consolidadas de centrais de atendimento têm utilizado alguma forma de avaliação dos serviços pelos cidadãos. De modo geral, essas iniciativas se baseiam em pesquisas de avaliação de reação e pesquisas quantitativas e qualitativas sem periodicidade definida. Faz-se necessária, portanto, a efetivação de práticas sistemáticas de avaliação com participação dos cidadãos. A experiência internacional (Enap, 2001) destaca a importância de sistemas de avaliação permanente, com emprego de grupos de referência e oficinas de desenho de processos com participação dos usuários. d) Ampliação da participação da sociedade civil no atendimento ao cidadão O risco de a abordagem d o provimento de serviços públicos com foco no cidadã o levar à sub stituiçã o do cida dão pelo cliente já foi explorado amplamente na literatura. Segund o Politt (1990) , o termo cliente ou consumidor parte de um p onto de vista individualizante, que prioriza os direitos ind ividua is e o mercado em detrimento dos d ireitos coletivos e da participaçã o na esfera pública. A equiparação (ou redução) de cidadão-usuário a cliente é criticada como uma visão frágil, por limitar o alcance do conceito de cidadania. Entender o cidadãousuário como cliente dos serviços públicos significa, em


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última instância, eleger o mercado como mediador da cidadania. O exercício da cidadania passa, no caso dos serviços públicos, a remeter às práticas, princípios e valores de mercado, o que não necessariamente se coaduna com o princípio da universalidade dos direitos. Enquanto a relação de consumo é uma relação de atendimento a demandas individualizadas e desconectadas entre si, a relação entre o cidadão-usuário dos serviços públicos e os órgãos provedores dos serviços necessariamente inclui vinculações que ultrapassam os limites do atendimento individualizado, como “justiça, representação,participação e igualdade de oportunidades” (Politt, 1990, p.129). Não é sem motivo, portanto, que, com base no modelo gerencial, tenham surgido novas abordagens que buscam retomar a cidadania como categoria relevante na prestação de serviços públicos. Abrucio (2001) indica que a ab ordagem denominada Public Service Orienta tion surge como nova corrente com essa preocupação, vendo o usuário dos serviços públicos como cidadão, portanto portador de direitos, não mais como cliente de serviços providos sob lógica que tentava copiar a de mercado. Segundo o autor, a Public Service Orientation retoma os temas do repub lica nismo e democra cia baseada na valorização de conceitos como accounta bility, tra nsparência, participação política, eqüidade e justiça, “questões praticamente ausentes” no modelo gerencial puro. Ta mbém valoriza a particip açã o em nível local e a descentra -lização, não somente como meios ma is eficientes de prestar serviços, mas como meios mais eficazes para capacitar os cidadãos para a participação nas decisões p úblicas (Hamb leton, 19 92, p. 11, citad o p or Abrucio, 2001, p. 190). Ainda segundo o autor, a visão do cidadão na Public Service Orientation tem uma conotação


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coletiva, pensando-se a cidadania como um conjunto de cidadãos portadores de direitos e deveres. Dar conta dessa visão exige que os sistemas de atendimento ao cidadão vinculados aos governos estaduais coloquem para si o desafio da incorporação da participação dos cidadãos-usuários na avaliação e gestão dos serviços. Esse desafio impõe-se não somente como oportunidade dedemocratização da gestão,mas pode ser visto também como instrumento d e prevençã o da d escontinuidade administrativa. A gestão das centrais de atendimento integrado provavelmente seria o espaço mais propício para avançar neste campo, por sua abrangência, pelos ganhos de qualidade de gestão acumulados e por sua visibilidade. Indo mais além, pode-se enxergar nas dificuldades para a ampliação dos serviços uma oportunidade para ampliar o envolvimento da sociedade civil na sua própria operação. A exemplo do que já acontece em diversos outros campos da administração pública, entidades da sociedade civil podem assumir papéis relevantes não somente no controle social dos serviços prestados, mas também no levantamento de demandas e em sua própria operação. Nesse caso, um novo desafio surge: promover a participação da sociedade civil na gestão, operação e controle social dos serviços de atendimento ao cidadão sem abrir espaço para relaçõesde dependência que reduzam a autonomia das entidades de sociedade civil e atrelemnas aos movimentos conjunturais das disputas políticopartidárias presentes na sociedade.


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Referências Bibliográficas ABRUCIO, F.L. (2001). “Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz d a ex periência interna cional recente.” In: BRESSER PEREIRA, L.C. e SPINK, P. K. Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV. BLYTE, D.M. and MARSON, D. B. (1999). Good practices in citizen - centred service. Otawwa: Canadian Centre for Management Development. BRESSER PEREIRA, L.C. (1999). “Uma reforma geren-cial da administração pública no Brasil.” In: PETRUCCI, V. e SCHWARZ, L. (org.). Administração Pública Gerencial: a reforma de 1995. Ensaios sobre a reforma administrativa brasileira no limiar do século XXI. Brasília: Editora Universidade de Brasília e Enap. DINSDALE, G. MARSON, D. B. (2000). Metodologia para medir a satisfação do usuário no Canadá: desfazendo mitos e redesenhando roteiros. Brasília: Enap (Cadernos Enap,nº 20). ENAP - Escola Nacional de Administração Pública - Pesquisa Enap. (2001b). Experiências internacionais voltadas para a satisfação de usuários-cidadãos com os serviços públicos. Brasília: Enap (Cadernos Enap nº 42). HAM B LETON, R. ( 1992 ) . “ Descentra liza tion and democracy in UK local government.” In: Public Money and Management, jul/sep/1992. KETTL, Donald (2000). “The transformation of governance: globalization, devolution and the role of government.” Trabalho a presentado no Spring Meeting of the N ational Academy of Public Administration, Jun/2000.


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Anexo 1 - Quadro sintético das experiências dos estados e DF inscritas no tema Atendimento ao Cidadão no Seminário Avanços e Perspectivas da Gestão Pública nos Estados.

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Fonte: trabalhos apresentados pelas secretarias estaduais, sem verificação direta pelo pesquisador.

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AVANÇOS E PERSPECTIVAS DAGESTÃO PÚBLICANOS ESTADOS

Formas de Estruturação do Governo Estadual em busca da boa arquitetura governamental Relator: Humberto Falcão Martins


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Formas de Estruturação do Governo Estadual Em busca da boa arquitetura governamental

Humberto Falcão Martins 9

Introdução Este capítulo trata das formas de estruturação do governo estadual e possui um triplo propósito: a) demarcar o campo conceitual e identificar tendências contemporâneas (que se encontram de forma fragmentada na literatura), propondo um referencial para análise; b) identificar e descrever sucintamente experiências estaduais relevantes e inovadoras; e c) elaborar inferências gerais e questões específicas que poderão ser objeto de discussões em políticas e avaliações específicas. O texto está estruturado em quatro segmentos. O primeiro está relaciona do ao primeiro propósito e busca

9 Doutor em Administração pela EBAPE/FGV e professor da Universidade de Br asília. Já ocu pou posições g erenciais em empresas privad as e na administração federal. É associado honorário do Instituto Publix, palestrante na área de gestão pública em eventos acadêmicos e profissionais no Brasil e exterior e autor de publicações sobre gestã o estratégic a, transform ação do Estadoe desenvolvimentogerencial. E-mail: hfmartins@uol.com.br; Homepage: http://hfmartins.sites.uol.com.br/.


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elaborar conceitos de partida e identificar tendências contemporânea s, propondo a tese de que, em linha com o conceito de arquitetura organizacional, a função da estrutura é realizar a estratég ia. O seg undo seg mento trata de elaborar inferências gerais e identificar, em perspectiva macrogovernamental, ca sos de relevo em relação a três elementos da s estruturas governamenta is: cúpula, linha intermediá ria e sup orte técnico. O terceiro segmento também está voltado à elab oração de inferências gerais e identificação de casos de relevo, mas em relação a d ois outros elementos das estruturas macrogovernamentais: o núcleo opera cional e as atividades de suporte. U m quarto segmento tece, à guisa de conclusão, considerações finais acerca da racionalidade dos d esenhos organiza cionais em perspectiva micro e macrogoverna menta is. 1. Da estrutura à arquitetura governamental: conceitos de partida e tendências contemporâneas 10 A estrutura organizacional é “o conjunto recorrente de relacionamentos entre os membros d a organização [....] o que inclui (sem se restringir a isto) os relacionamentos de autoridade e de subordinação como representados no organograma, os comportamentos requeridos p elos reg ula mentos da org aniza çã o e os pa drões adotados na tomada de decisão, como descentralização, padrões de comunicação e outros padrões de compor-

10 Este segmento inclui ex certos de Humber to Martins: “A m odelagem matricial da estrutura organizacional : o caso da Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São Paulo”, X Congresso Interamericano do Clad sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, Santiago, Chile, outubro de 2005; e Governo do E sta do de São Pau lo, G uia d e M od ela gem d e Estrutur as Organizacionais.


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tamento.” 11 Segundo Mintzberg 12, as estruturas organizacionais possuem cinco elementos ou blocos lógicos: a) cúpula, onde se inclui a estrutura de governança corporativa (as instâncias máximas deliberativas que controlam a organização); b) núcleo operacional, o espaço onde os processos de trabalho finalísticos são operados para produzir os resultados; c) suporte administrativo, onde se situam os processos de gestão de insumos (recursos humanos, financeiros, logísticos, materiais e outros) que serão aplicados nos processos finalísticos; d) suporte técnico-corporativo, onde se incluem os processos de definição de requisitos técnicos, desenvolvimento de produtos, planejamento corporativo e desenvolvimento institucional; e e) linha intermediária, a estrutura de coordenação que deve proporcionar integração horizontal (entre os processos finalísticos e entre estes e os de suporte) e vertical (entre o nível operacional, finalístico e de suporte e a cúpula). A figura 1 ilustra a inter-relação entre esses blocos. Figura 1. Modelo genérico de estrutura proposto por Mintzberg.

11 DONALDSON, Lex., “Teoria da contin gência estrutura l, in: CLE GG, Stewart R., HARDY, Cynthia e NORD, Walter R. (organizadores), Handbook de estudos organizacionais , vol. 1, cap. 3 (p. 105-136), Atlas, 1999, p. 105. 12 MINTZBERG, H., The structuring of organizations: A synthesis of the research, New Jersey, Prentice-Hall Inc, 1979.


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As estruturas organizacionais de governos possuem, nesse sentido, uma dimensão macrog overnamental (a estrutura d o governo) e uma dimensã o microgovernamental (a estrutura das distintas organizações que formam o governo como um todo). O quadro 1 ilustra o significado dos elementos da estrutura nessas duas dimensões. Quadro 1. Elementos da estrutura nas dimensões macro e microgovernamentais.

A pergunta seminal por detrás desse modelo genérico é: qual o melhor desenho de estrutura governamental? As respostas sucintas assim se desdobram: a) não há um único melhor desenho, as opções de desenho são sempre específicas e contingenciais (distintas configurações de blocos estruturais segundo os tipos e contextos das organizações); b) as estruturas são dinâmicas e mudam, em maior ou menor extensão, em função de determinantes internos e externos (demandas, tecnologias); c) a escolha dos desenhos organizacionais não é puramente racional, há, com efeito, funções simbólicas (modismos, rituais e cerimônias) e limitações à racionalidade


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(jogos de poder, determinantes políticos externos, perfis e preferências pessoais etc.); e, sobretudo, c) o melhor desenho é aquele que melhor realiza a estratégia. Nesse sentido, o conceito de arquitetura organizacional proporciona um enquadramento normativo para o conceito de estrutura. A arquitetura governamental é conjunto de princípios e padrões que orientam como as atividades devem se organizar (analogamente à estrutura) para implementar a estratégia organizacional. O conceito de arquitetura organizacional propõe que a principal função da estrutura é realizar a estratégia13, proporcionando a integração das unidades/áreas funcionais mediante o menor custo possível. Dessa forma, a arquitetura governamental deve se posicionar como uma ponte entre a estratégia de governoe as atividades que a transforma m em realida de. Coerente com o p rincíp io da congruência14, um desenho organizacional que promova o alinhamento da estrutura com a estratégia promoverá um melhor desempenho da organização. A figura 2 busca ilustrar esta função ponte (entre estratégia e plataforma implementadora) da arquitetura organizacional.

13

Veja-s e HOOGER VORST, J.A.P. , En terp ris e ar chitecture: en abling integration, agilityand the abilityto change,Proceedings Landelijk Architectuur Congres, Nieuwegein, 2003; GHOSHAL, S, BARTLETT, C.A., Theindividualized corporation, New York, Harper Business, 1997; HAMEL, G., PRAHALAD, C.K., Com peting for the futur e, Boston, Harv ard Bus ines s Sc hool Pr ess, 1994; HANNAN, M. e FREEMAN, J. H., Organization al ecology, Harvard University Press, 1989; KAPLAN, R.S. e NORTON, D.P., Thestrategy-focussed organization, Boston, Harvard Business School Press, 2001; KOTTER, J.P., Leading change: why transformation efforts fail, Harvard Business Review, vol. 71, nº. 2, p. 59-67, 1995; MALHOTRA, Y., Enterprise architecture: an overview, Brint Institute, 1996; e KANTER, R. Moss, eVolve!, Boston, Harvard Business School Press, 2001. 14 NADLER, D.A. e TUSHMAN, M.L., Competing by design, New York, Oxford University Press, 1997.


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Figura 2. Arquitetura organizacional - com adaptações baseadas em Hoogervorst (2003).

Uma arquitetura organizacional adequada, coerente, é aquela que proporciona um alinhamento entre a estratégia (ou conjunto de propósitos e resultados visados) e a estrutura. A resposta à pergunta seminal (qual o melhor desenho de estrutura governamental?) ainda permanece, dessa forma, genérica, mas a modelagem organizacional ou a análise da arquitetura em casos particulares pode ser iluminada por alguns balizamentos e movimentos contemporâneos. Assim, estratégias alinhadas com contextos de baixa complexidade, caracterizados pela previsibilidade e estabilidade de demandas (baixa variabilidade nas necessidades dos beneficiários e, por conseguinte, nos produtos/serviços) e ofertas tecnológicas (baixo grau de inovação do produto e do processo), alinham-se, por sua vez, com arquiteturas mais burocrático-mecanicistas. Há duas variáveis-chave que devem ser consideradas: porte e incerteza da tarefa. Organizações de grande porte estão mais sujeitas à burocratização. Por outro lado, ambientes estáveis proporcionam baixa incerteza da tarefa, que, nesse caso, impõe, em nome da eficiência (a relação ótima entre recursos e produtos), um desenho organizacional mais rígido e programável. Com efeito, os modelos de


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gestão mecanicistas possuem as seguintes características: a) a estra tégia é mais estável e reativa; b) o conjunto de produtos (bens ou serviços) é mais padronizado, menos ou pouco diferenciado; c) os processos de trabalho são mais rotinizados, programáveis, regulamentados e autônomos (circunscritos dentro da organização); d) as estruturas são mais rígidas, verticalizada s e reproduzem uma “separaçã o entre mãos e cérebros” (uns pensam, outros executam; quem pensa não executa ; quem executa, não pensa) , demarcando de forma muito contundente instâncias de decisão e planejamento/formulação (uma cúpula pensante) e instâncias de execução (uma base operacional); e) os quadros funcionais são mais fixos (mais emprega dos do quadro que colaboradores eventuais),as competências são pré-definíveis e a capacitação é orientada por conhecimentos disponíveis “no mercado”; f) a cultura organizacional tende a destacar valores tais como disciplina, obediência e impessoalidade; g) a liderança ema na mais da autoridade do cargo formal; h) a comunicação é mais formal e tende a seguir a hierarquia; e i) os sistemas de informação são centralizados e herméticos (caixa preta). Uma arquitetura com essas características proporciona maior eficiência em ambientes estáveis. Já estratégias alinhadas com contextos de alta complexidade, caracterizados pela incerteza, ambigüidade, pluralidade e instabilidade das demandas (alta variabilidade nas necessidades dos beneficiários e, por conseguinte, nos produtos/serviços) e ofertas tecnológicas (alta inovação do produto e do processo), alinham-se, por sua vez, com modelos de gestão de feição mais orgânica. Ambientes instáveis ou turbulentos proporcionam alta incerteza da tarefa,que, nesse caso, impõe, em nome da efetividade (o impacto necessário, com base nos produtos necessários), um desenho organizacional mais flexível e ca-


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paz de se reprogramar para atender rapidamente às variações do contexto. Com efeito, os modelos de gestão orgânicos possuem as seguintes características: a) a estratégia mutante, emergente e proativa, voltada, inclusive, para criação do futuro em bases autopoiéticas (na qual a organização passa a modelar o ambiente maisque este modela a organização); b) o conjunto de produtos (bens ou serviços) é mais diversificado, mais ou muito diferenciado, podendo, no limite, ser totalmente customizado; c) os processos de trabalho são estruturados, mas menos rotinizados, menos programáveis e menos regulamentados e sujeitos a constantes inovações e integrações lateraiscom organizações parceiras; d) as estruturas sãomais flexíveis, horizontalizadas (menos níveis hierárquicos e eliminaçãode “intermediários” na média gerência) e buscam uma integração entre mãos e cérebros (a cúpula pred ominantemente p ensa nte se envolve em q uestões operacionais e a base operacional pensa estrategicamente e ganha maior autonomia/empowerment); e) os quadros funcionais são mais variáveis (menos empregados do quadro e mais colaboradores eventuais e parceiros), algumas competências são pré-definíveis, mas há competências emergentes e conhecimentos gerados exclusivamente dentro da organização; f) a cultura organizacional tende a destacar valores tais como iniciativa, ousadia e sensibilidade; g) a liderança emana da capacidade de resolver problemas e lidar com pessoas e situações difíceis sob pressão; h) a comunicação é mais informal e multidirecional; e i) os sistemas informacionais são descentralizados e acessíveis a todos. Uma arquitetura com essas características proporciona melhor capacidade de resposta em ambientes instáveis. Modelos mecanicistas ou orgânicos não são bons nem maus a priori, sua adequação é sempre contingente, embora todas as organizações tenham traços de am-


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bos (é muito usual que áreas como atendimento, produçã o ou operações e área a dministrativa seja m ma is mecanicistas; ao passo que áreas de formulação, pesquisa e desenvolvimento e comunicação sejam mais orgânicas) formando, para usar a expressão de Dee Hock15, um conjunto caórdico (com elementos da ordem e controle mecanicistas e da anarquia caótica orgânica). Esses ba lizamentos se a plicam aos governos em ambasas perspectivas, macro e microgovernamentais. De uma perspectiva ampla, caberia até afirmar que um dos argumentos da Nova Gestão Pública é a necessidade de os governos e suas organizações adotarem uma arquitetura mais orgânica, em lugar de uma mais burocráticomecanicista, tendo em vista a emergência de novos cenários ( a reestruturaçã o produtiva, a g lob aliza çã o, a revitalização da sociedade civil e outras). Em todocaso, é possível identificar tendências mais específicas do design organizacional/governamental contemporâneo a partir desses balizamentos, conforme expressos no quadro 2. Essas tendências apontampara um perfil de dirigentes p úb licos com a lta cap acida de d e p ensa mento sistêmico, tolerância integradora, foco e capacidade de articulação e relacionamento. E ssas tendência s poderã o ser utilizad as como referencial para análise de casos concretos - que demandariam levantamentos e tratamentos mais sistemáticos, embora seja possível avançar algumas inferências a respeito, tendo em conta os casos apresentados e a experiência. Os próximos segmentos buscam caracterizar casos relevantes e elaborar inferências gerais na perspectiva macrogovernamental. 15 Veja-se HOCK, Dee, Birth of theChaortic Age, Berrett-Koehler Publishers, Inc., San Francisco, 1999.


Quadro 2. Elementos da estrutura nas dimens천es macro e microgovernamentais

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2. Cúpula, linha intermediária e suporte técnico A cúpula constitui o núcleo estratégico do governo. Em geral, o desenho na cúpula é mais conservador, basead o em temas e funções. Os estados possuem uma administração central formada por governadores e vicegovernadores, como executivos principais, secretários de estado (organizados por tema de política pública e funções estatais) e outras posições de primeiro escalão (tais como coma ndantes das forças policiais, controladoria, procuradoria e outras). Regimentalmente, há uma ênfase nas funções de formulação, regulação e supervisão/coordenação de políticas, ma s há unidades de primeiro escalão envolvidas diretamente no desempenho de funções estatais (polícias e bombeiros, procuradoria, controladoria e outras) e, portanto, dotadas de uma estrutura mais operacional. Mas os principais problemas em relação à natureza do trabalho burocrático nas instâncias de primeiro escalão são: a) a drenagem da agenda dos secretários e equivalentes p or questões operaciona is (usualmente em razão de obstá culos burocráticos na implementa ção das política s, que refluem dos níveis operacionais), em detrimento de uma maior concentração nas funções de formulação e supervisão; e b) a instabilidade (qualitativa e quantitativa) e volatilidade da força de trabalho técnico-formuladora (formada por cargos comissionados em grande medida) e a conseqüente perda de memória e aprendizado organizacionais, decorrentes da alta rotatividade de secretários. A relação entre cúpula e linha intermediária e núcleo operacional é usualmente estabelecida na base do comando e controle, embora esse padrão possa estar combinado com modelos de gestão por resultados (como se verá adiante). Em geral, a cúpula é bastante horizontalizada, formada por um grande número de unidades de primeiro


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escalão: média de 24 e moda de 27 com mínimo de 16 e má ximo d e 41 . Mesmo ad mitind o-se q ue a s nova s tecnologias gerencias logrem expandir significativamente os limites de amplitude de coma ndo (imagina dos por autores clássicos, tais como Fayol, Graicunas e Gulick, entre cinco e sete subordinados no máximo16), o perfil dos dirigentes executivos no Brasil, de corte presidencialista, carrega muito nas funções políticas e gerenciais dos executivos principais (que, além das funções cerimoniais a que seus cargos obrigam, necessitam, para governar, fazer política e exercer a “gerência geral” de seus governos). Em síntese, a sobrecarga de funções torna virtualmente impossível que um executivo principal coordene, por supervisão direta, duas dúzias de sub ordinados (tomand o-se, g enerosa mente, a média de secretarias estaduais). Como resultado, a sup ervisão direta do governador torna -se cad a vez mais focada em algumas secretarias nucleares (predominantemente nas área s da fazenda, desenvolvimento econômico e desenvolvimento social), impondo arranjos de coordenação delegada por parte de secretários nuclea res e/ou outra s posições a ele próximas. Ademais, a macroestrutura é altamente d inâmica, sujeita a reorga nizações mais baseadas em determinantes políticos (composição da equipe de governo para viabilizar coalizões política s) ou fiscais (extinção e/ou fusão deórgãos para redução de despesas) quepara alinhamento com estratégias degoverno. As reorganizações políticas, aliadas à ampla horizontalização, constituem um foco com grande potencial de fragmentação (a perda 16 Veja-se Fayol, Gener al princ iples of managem ent, In: PUG H, D. S., Organization theory, London, Penguin Books 1990; GULICK, L. e URWICK, L (editors), Papers onthe scienceof administration, Columbia University’s Institute of Public Ad ministration. Gulic k, 1937; e Gr aicu nas, V.A. , Relations hip in organization. In: GULICK, L. e URWICK, L. (1937: 183-187).


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de referência da estratégia, conflitos entre áreas de governo e baixa articulação). Embora não implique, necessariamente, fragmentação, exige, em todo caso, uma coordenação mais eficaz. As reorga niza ções fisca is são prob lemáticas porq ue usualmente pioram o desenho macrogovernamental, deslocando-o da estratégia. Embora logrem reduzir despesas (com cargos comissionados e outras despesas administrativas decorrentes de ganhos de escala com fusões) e preservem secretarias nucleares, geram paralisia, conflito de culturas organizacionais distintas e, não raro, atonia dos servidores (até porque as redefinições de competências raramente implicam de forma coerente reorganização de processos, redefinindo tarefa s e resultados individuais). A questão, nesse caso, é permitir ajustes estruturais, mas num nível tal que não haja, por conta disso, instabilidade estrutural, o que gera descontinuidade, perda de memória e fragmentação. O ideal é uma cúpula mais estável e uma base operacional mais flexível e dinâmica, mas os governos tendem a ser mais instáveis no topo e mais estáveis na base, o que aumenta muito a necessida de d e sucessivos realinha mentos d a b ase operacional. Estes problemas podem ser (e vêm sendo em variada extensão) mitigados de duas principais maneiras: verticalização da macroestrutura e adoção de modelos integradores de gestão por resultados. 2.1. A verticalização no Pará, em Alagoas e no Distrito Federal A verticalização da macroestrutura consiste na criação de um nível hierárquico adicional na cúpula (de denominação variada: secretaria especial no Pará, secreta-


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ria celular coordenadora em Alagoas e agência de desenvolvimento no Distrito Federal) para melhorar a coordenação por supervisão. A verticalização da macroestrutura tende a promover o enxugamento da cúpula e a “empurrar” os outrora escalões superiores para a linha intermediária (o que sugeriria,em princípio, um enxugamento da linha intermediária). A verticalização é uma alternativa ortodoxa porque se b aseia na cria çã o d e posições e/ou unid a des organizacionais para melhorar a coordenação de forma hierárquica - principalmente nos casos do Pará e Alagoas; embora no caso do Distrito Federal também tenha havido criação de unidades, não houve acréscimo de um nível hierárquico. A alternativa ortodoxa pressupõe uma agenda, quer sob a forma de um plano ou de um conjunto claro de diretrizes, que, de fato, possui mais chance de coesão dentro de um círculo mais restrito de posições (a partir da verticalização da macroestrutura), quer entre dezenas de secretários. A alternativa ortodoxa também se apóia num processo mais tradicional de planejamento, no qual a definição da estratégia segue os ritos legais dos planos plurianuais elaborados com base em programas, cujo monitoramento é central mas dependente de uma rede de gerentes de programa. A forma de transmissão e interlocução estratégica com a linha intermediária e a base se opera, sobretudo, a partir do comando e do controle hierárquicos, embora alguns gerentes de programa possam desempenhar uma importante açã o integradora. Há três casos emblemáticos de verticalização: Pará, Alagoas e Distrito Federal. No estado do Pará, a administração direta é formada por 34 órgãos e a indireta por 32 entidades. O projeto “Novo Pará” propunha um modelo de gestão cuja construção repousasse fundamentalmente na capacidade de


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promover a integração das políticas governamentais; e estruturação d os grupos de integração de p olíticas organizadas por afinidades de atribuições, b uscando agregar esforços e eficiência, por meio de atua ção articulada com outras áreas de governo. Foram, portanto, criadas sete Secretarias Especiais de Estado, com a atribuição de coordenar e integrar todas as intervenções governamentais, e um Colegiado de Gestão Estratégica, atuando como instância superior de articulaçãoe de integração das ações e da s políticas públicas. O Colegiado de Gestão Estratég ica é composto por sete secretários especiais de estad o. No seu âmbito, operam o Comitê Intersetorial de Avaliação e Controle de Gastos, para acompanhar o desempenho dos órgãos da administração direta e indireta e propor medidas de controle e racionaliza ção dos g astos, e, dentro d e cada área, Comitês Setoriais de Gestão, voltados à deliberação sobre políticas públicas setoriais. Às sete Secretarias Especiais (de Governo, de Integração Regional, de Prod ução, de Proteção Social, de Promoção Social e de Defesa Social) subordinam-se hierarquicamente, por sua vez, tanto secretarias (administração direta) quanto entidades (administração indireta) em sua área de atuação. De acordo com a valiação d o estado, a introdução desse modelo proporcionou maior alinhamento e integração, redução de gastos e um melhor controle e acomp anhamento das áreas de governo. No estado de Alagoas, a administração direta é composta de 35 órgãos, entre os quais 24 secretarias, todos subordinados diretamente ao governador. Foram criadas nove Secretarias Celulares, a ssim denominadas para denotar, tal qual a metáfora da célula orgânica, especializações de função, graus de liberdade, objetivos predefinidos e funcionamento harmônico. Assim, a nova arquitetura celular seria composta pelo governador e vice, um


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conjunto de órgãos auxiliares (gabinetes e assessorias do governador, procuradoria, defensoria, controladoria e outras) e três categorias de células: estratégicas, instrumentais e programáticas. Cada célula, dentro de cada conjunto, é encabeçada por uma Secretaria Celular Coordenadora e as entidades da administração indireta aparecem subordinadas tanto às secretarias quanto à Secretaria Celular Coordenadora em distintos arranjos. O conjunto de Células Estratégicas é formado pela Célula de Articulação Governamental (cuja Secretaria Celular Coordenadora possui três secretarias: da Articulação Externa, da Mulher e de Minorias) e pela Célula de Articulação Regional, com as representações por macrorregiões subordinadas à Secretaria Celular. O conjunto de Células Instrumentais é formado pela Célula de Planejamento, Gestão e Finanças (na qual estão, além da Secretaria Celular Coordenadora, trêssecretarias: da Fazenda, do Planejamento e da Administração, Recursos Humanos e Patrimônio) e pela Célula de Regulação e Controle Social (na qual estão vinculadas cinco entidades à Secretaria Celular). O conjunto das Células Programáticas éformado por cinco Células Finalísticas: Educação e Desenvolvimento Humano, Saúde e Bem-Estar Social, Justiça e Defesa Social, Infra-Estrutura e Desenvolvimento Econômico. Subordinadas à Secretaria Celular de Educação e Desenvolvimento Humano estão quatro secretarias (Educação; Cultura,Esportes e Ciência e Tecnologia); à Secretaria Celular de Saúde e Bem-Estar Social estão três secretarias (Saúde, Assistência e Recursos Naturais); à Secretaria Celular de Justiça, cinco órgãos (Secretaria de Justiça e as Polícias Civil e Militar e oCorpo deBombeiros); à Secretaria Celular de Infra-Estrutura, as empresas públicas prestadoras de serviços de utilidade; e à Secretaria Celular de Desenvolvimento Econômico, cinco secretarias (Indústria e Comércio, Renda, Agricultura e Turismo).


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No Distrito Federal, a ad ministração direta é composta por 37 órgãos diretamente subordinados ao governador, entre os quais estão 31 secretarias. Foram criadas, entre os órgãos de staff diretamente subordinad os ao governador, três agências: de Desenvolvimento Econômico e Comércio Exterior, de Desenvolvimento Social e de Infraestrutura e de Desenvolvimento Urbano. Essas estruturas têm o papel de planejar, articular, supervisionar e avaliar as diversas ações e programas de governo dentro de suas áreas em consonância com as diretrizes fixadas pelos respectivos conselhos (entidades colegiadas formadas por secretários de governo, outras autoridades e representantes da sociedade civil com caráter consultivo e deliberativo, responsável pela validação de políticas e programas governamentais). Trata-se, portanto, essencialmente, de unidades integra doras no sentido vertical (trazem a estratégia, a formulação de políticas emanada dos conselhos, para a base implementadora nas secretarias de governo) e no horizontal (buscam acompanhar e gerar convergência nas ações de diversas secretarias), que exercem uma coordenação delegada que não constitui, como nos casos anteriores, coordenação por supervisão hierárquica, o que torna matricial este modelo de estrutura, combinando critérios funcionais e programáticos de departamentalização ma crogovernamental, propenso ao conflito e dependente de alta legitimidade, de proximidade ao governador e capacidade de negociação dos dirigentes das agências. A verticaliza ção prova-se válida em circunstâncias fragmentárias, permitindo livrar a agenda das secretarias coordenadoras das questões operacionais e possibilitando que estas se concentrem no seu papel integrador lateral (entre as outras secretarias coordenadoras) e vertical ( entre suas secretarias vinculadas hierárq uica ou funcionalmente), ao mesmo tempo que desonera a carga


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de supervisão direta do executivo principa l, liberando-o para suas funções estratégicas e políticas. Em todo caso, o fundamental é a forma como esses modelos são, na prática, operados, principalmente no que concerne à postura do executivo principal - o principal risco é este “furar” a hierarq uia e enfraquecer o papel da s posições coordenadoras (sejam de linha, com subordinação hierárquica, nos casos do Pará e Alagoas, seja de staff, no caso do Distrito Federal, com vinculação funcional) acessando as secretarias, na condição de linha intermediária, diretamente. 2.2. Modelos integradores e contratuais de gestão para resultados em Sergipe, Alagoas e Minas Gerais Já os modelos integradores e contratuais de gestão para resultados, a exemplo da abordagem denominada Governo Matricial17, estão baseados em desdobramentos de concepções de gestão por programas, por meio da formação de redes de governança (intra e extragovernamentais) que buscam estabelecer mecanismos de gestão de conjuntos específicos de organizações (governamentais ou não) envolvidas na geração dos resultados dos programas prioritários de governo e, ao mesmo tempo, promover um enquadramento das organizações com o conjunto de programas queas perpassam. Patente está, nessas concepções, a insuficiência da gestão por programas (a partir do enunciado de resultados e ações e das atribuições do gerente de programa) em promover, per se, o devido enquadramento e engajamento das estrutu17 Veja-se MARINI, Caio e MARTINS, Humberto, “Um Governo Matricial – estruturas em rede para geração de resultados de desenvolvimento”, IX Congresso Interamericano do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, realizado em Madrid, em novembro de 2004.


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ras envolvidas na sua implementação. A adoção de modelos integradores de gestão por resultados constitui uma alternativa heterodoxa porque prescinde da criação de posições suplementares intermediárias, proporcionando uma nova forma de atuação (baseada no detalhamento da agenda estratégica de governo sob a forma de metas mobilizadoras e programas prioritários, sem prejuízo de outros programas do plano plurianual) sobre a estrutura existente - que poderá ou nã o sofrer ajustes racionalizadores, mas não necessitará de ajustes de alinhamento estratégico. A alternativa heterodoxa também pressupõe uma agenda, mas esta agenda é compartilhada e compromissada com o conjunto de unidades da estrutura de governo como um todo responsável pela sua implementação, a partir de dois tipos cruzados de alinhamento, um horizontal (alinhamento, no âmbito de cada programa, das organizações envolvidas na sua implementação, formando-se redes de governança com modelos peculiares de gestão e sob pactuação de resultados) e outro vertical (alinhamento, no âmbito de cada organização, dos programas que as perpassam de modo a inserir em suas agendas estratégicas suas contribuições à geração dos resultadosvisados, que tambémsão objeto depactuação), e um sistema de controle central localizado junto ao executivo principal - alternativa esta que não depende do arranjo hierárquico da linha intermediária, embora alguns elementos da linha intermediária possam e devam fazer parte das redes de governança nas quais essa alternativa se baseia. Há três casos emblemáticos de modelos integradoresde gestão para resultados: Sergipe, Alagoas e Minas Gerais. Sergipe foi o berço do Governo Matricial18. A partir 18 Veja-se MEND ES, Gilmar et al, Gestão pública e Desenvolvimento, Banese, 2005.


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de 2003 iniciou-se uma série de ações racionalizadoras na estrutura e cogitações sobre como voltar a administração estadual para a geração de resultados de desenvolvimento. Seguiu-se uma série de discussões a partir das quais se foi constatando a necessidade de consolidação do planejamento governamental sob a forma d e uma agenda estratégica coerente que exprima uma visão, que esta se trad uza em um conjunto reduzid o d e metas mobilizadoras, que, por sua vez, embasariam a modelagem de uma carteira de poucos, mas significativos programas prioritá rios. Assim é q ue, a pa rtir da meta mobilizadora de ter o maiorIDH do Nordeste em 2008 (expressão da visão política do governador), foram modelados 15 programas prioritários, construiu-se um modelo relacional quantitativo que simulava o impacto dos resultados dos programas na meta mobilizadora (permitindo uma fina calibragem dos indicadores e metas para os 15 programas prioritários), gerou-se uma matriz de inter-relação programas-organizações (definindo-se as redes de implementação para cada programa prioritário) e firmaram-se15 contratos de gestão (denominados transversais, um para cada rede de imp lementação de p rogramas prioritários, envolvendo os gerentes de programa e os dirigentes das organizações envolvidas, caso a caso). Paralelamente, foi constituída a Central de Resultados (seu dirigente com status de secretário próximo do governador), definida a sistemática de monitoramento e avaliação e implementadas as plataformas de suporte (baseadas em sistemas informatizados). Em Alagoas, há dois pontos de partida para a implantação (ainda em andamento) do Governo Matricial: a consolidação da agenda estratégica de governo e a implantação do modelo celular de estrutura macrogovernamental (já mencionado). A consolidação da agenda estratégica de governo partiu, por sua vez, de uma


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meta mobilizadora (incluir 1,5 milhão de alagoanos, consoante a visão do governador), de um vasto conjunto de programas do Plano Plurianual e do Plano de Negócios do Estado, documento referencial produzido para atração e investimentos privados. Esses referenciais foram, mediante um processo de interlocução com a sociedade, consolidados em 12 programas prioritários, tendo-se definido, para cada programa:a) sua cadeia de valor (seus públicos de interesse, impactos visados, produtos gerados, ações e recursos necessários); b) seus indicadores de resultado e plano de ação; c) o conjunto de organizações que as implementam (alinhamento horizontal); e d) os termos de pactuação de resultados, sob a forma de um contrato de gestão a ser firmado entre cada gerente de programa e o governador, com a interveniência das organizações que as implementam, caso a caso. Complementarmente, procedeu-se ao alinhamento (vertical) de cada uma das nove secretarias celulares no sentido de inserir em suas agendas estratégicas as contribuições necessárias à implementação dos programas que as perpassam, resultando em outro conjunto de pactuações sob a forma de contratos de gestão a serem firmados entre os secretários celulares e o g overnador. Paralelamente a esses movimentos de alinhamentos horizontal e vertical, tem-se avançado na constituição da Central de Resultados, a instância de gestão dos contratos de gestão responsável pelo gerenciamento intensivo da agenda estratégica de governo. Minas Gerais representa o caso mais abrangente e avançado de alinhamento integrador entre estratégia e estrutura, cúpula e núcleo operacional. Tal alinhamento tem-se estabelecido por meio de quatro dispositivos básicos: a) gestão intensiva de projetos estruturadores de investimentos estratégicos, constituindo uma carteira de 31 projetos prioritários denominada Geraes (alinhamen-


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to horizontal); b) modelos contratuais de gestão tais como o Acordo de Resultados (pactuação intragovernamental entre diferentes níveis hierárquicos, totalizando, até o presente momento, 17 Acordos de Resultados celebrados), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) (mediante termo de parceria com entidades nãogovernamentais) e Parceria Público-Priva da (PPP) (mediante contrato de PPP), constituindo todos modalidades de alinhamento vertical; c) Câ mara de Planejamento, Gestão e Finanças, colegiado de secretários que delibera sobre e realiza o acompanhamento estratégico dos projetos estruturadores e modelos contratuais; e d) Junta de Programa ção Orçamentá ria e Financeira (JPOF), colegiado de secretários que delibera sobre a garantia de recursos para geração d os resultados visados. Em Minas, a abordagem do Governo Matricial não estava presente na concepção desses elementos, mas foi muito útil para consolidá-los e, sobretudo, contribuir para ordená-los e integrá-los. Complementarmente, ressalta-se a importância e a integração, nesse conjunto de elementos, do processo de planejamento. Minas pôs em prática o conceito de Duplo Planejamento, promovendo um intenso diálogo entre dois enfoques, o de “hoje para hoje” (a carteira Geraes) e o “hoje para amanhã” (o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI)), que parte de uma visão de futuro, traça opções estratégicas e objetivos prioritários, aos quais os 31 projetos estruturadores se vinculam de forma cruzada). Embora experimental, complexa e, portanto, sujeita a inúmeros desafios, a adoção de modelos integradores e contratuais de gestão por resultados constitui uma iniciativa muito promissora dado seu caráter pragmático: estabelecer pontes mais firmes (que a concepção de gestão por programas stricto sensu) entre a estratégia e a estrutura existente, sem tentar, antes, reorganizá-la. E


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entre os desafios que estes modelos integrados de gestão para resultados enfrentam, destacam-se: a) os incentivos (a necessidade de ma nter ganhos reais pa ra os agentes públicos envolvidos na promoção dos resultados); b) a qualidade do monitoramento e avaliação (que deverão não apenas gerar informações sobre o andamento de programas e organizações, mas, sobretudo, ações de ajustamento); e c) a flexibilidade dos planos (no sentido de incorporar redirecionamentos decorrentes domonitoramento da implementação e dos cenários cambiantes). Embora as alternativas da verticalização e dos modelos integradores de gestão por resultados sejam válidas e, em particular, a heterodoxa seja potencialmente mais pragmática e alinhada com as arquiteturas mais orgânicas, destaca-se que, a exemplo de Alagoas, essas alternativas não são mutuamente excludentes e uma combinação de ambas pode potencializar as vantagens sem que haja um acréscimo de seus riscos ou limitações. 3. Núcleo operacional e suporte administrativo Em geral, a base operacional combina, de forma nem sempre harmônica, estruturas burocráticas esta tais de feição mecanicista com estruturas mais orgânicas, sejam entidades não-governamentais envolvidas na implementação d e políticas públicas, sejam redes multiinstitucionais que se formam a partir de estruturas estaduais, federais e/ou municipais com ou sem o envolvimento de entes não-governamentais, sujeitas a um grau variável de regulamentação e controle. Ainda assim, de um modo geral, a estrutura do núcleo operacional ainda possui um desenho mais mecanicista, ba sead o na ordem e na previsibilida de, deveras em desacordo com o contexto dinâmico e fluido dos problemas e intervenções de políti-


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cas públicas (mais pautados pelo “caos” e pela imprevisibilidade de emergentes redes transversais que não obedecem a fronteiras políticas, territoriais ou programáticas). Em síntese, o núcleo operacional é, em geral, rígido demais para desempenhar bem sua função de geração de resultados - pois são as organizações e unidades do núcleo operacional que entregam aos beneficiários a prestação de serviços e a implementação das políticas públicas. Na base da relativa rigidez do núcleo operacional (e, por extensão do suporte administrativo, que também é operacional) está uma plêiade de problemas e limitações à autonomia e à flexibilidade operacionais, decorrentes de limitações dos modelos institucionais, na regulamentação administrativa típica do setor público e nas dificuldades de gestão de parcerias (integração em redes instáveis e semi-regulamentáveis). Primeiramente, os modelos de instituições públicas estatais disponíveis na legislação (órgãos da administração direta, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações, serviços sociais autônomos etc.) não oferecem mais praticamente nenhuma diferenciação de autonomia ou flexibilidade operacional (oque discrepa até dos cânones doutrinários do Direito Administrativo), além de imporem uma padronização que alcança, não raro, o próprio desenho organizacional (a partir não apenas de tradições e modismos, mas da necessidade de existência de certos tipos de unida des-pa drã o, muitas da s q uais p artes setoriais ou seccionais de sistemas administrativos centrais). Todo tipo de entidadeestatal (e, de resto, parceiros não governamentais que recebem dinheiro público) está indistintamente (com raras exceções, aplicáveis mais às empresas públicas e sociedades deeconomia mista) abrigado sob o pesado e incapacitador manto regulamentar administrativo do setor público. Esse quadro torna secun-


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dário o problema de haver, no núcleo operacional, órgãos da administração direta voltados a prestação de serviços porque, na prática, seu grau de autonomia e flexibilidade é igual aos órgãos da administração indireta que deveriam estar, por definição, servindo de modelo para tais funções opera cionais implemen-tadoras - embora recentes iniciativas de autarquização de empresas públicas, em razão de desoneração tributária, agrave ainda mais este quadro. Não obstante lidarem com diferentes públicos de interesse, desempenharem diferentes tipos de atividades, mediante processos e recursos de diferentes naturezas, sujeitos a condições diferenciadas, as organizações estatais estão obrigadas a regras únicas para gestãode seus recursos (mormente compras e contratos, recursos humanos, orçamento e finanças), que, ademais, possuem uma concepção altamente centralizada (em órgãos centrais) que limita ainda mais a capacidade de gestão de recursos para a promoção de resultados. Acrescenta-se a este quad ro a questã o d a escassez, da p ura e simples indisponibilidade de recursos, seja por problemas fiscais (mediante contingenciamentos orçamentários), seja pelo subdimensionamento (qualitativo e quantitativo) e dificuldades deaproveitamento da força de trabalho. Por outro lado, a questão da autonomia e da flexibilidade não pode ser tomada de forma polar, uma vez que padroniza ções, regulamenta ções e centraliza ções também atendem a propósitos válidos: eficiência e controle. A questão, portanto, é: como assegurar um maior grau de autonomia e flexibilidade para que as organizações do núcleo operacional possam resga tar sua capacidade operacional e melhor produzir, em rede, com outros agentes públicos (governamentais e não-governamentais) seus resultados, alca nçando-se, ao mesmo tempo, um nível adequado de controle e transparência?


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Mesmo que os resultados de governo estejam claros, essas limitações estruturais acabam por produzir, no plano microorganizacional (em relação às organizações, em particular), o fenômeno da drenagem da agenda dos dirigentes orga nizacionais por q uestões operacionais diuturnas em detrimento de suas funções estratégicas, podendo levar à desorientação estratégia e descolamento da estratégia macrogovernamental. As soluções não excludentes passam por duas linhas básicas de ação: a) mudar as reg ras para reverter o engessamento padronizador e restabelecer níveis de autonomia e flexibilidade dos modelos institucionais públicos e suas formas de vinculação a redes de modo a que alguns processos de implementação possam receber um tratamento regulamentar condizente com sua natureza e complexidade; e b) descentralizar intra e extragovernamental (parcerias e terceirizações, esta última principalmente na área de suporte administrativo) e desconcentrar para aproximar a decisão e o atendimento ao lócus da demanda, do ponto de vista regional e programático. Em linha com esses direcionamentos, são exemplos de movimentos correntes na base operacional a experiência de regionalizaçãoda gestão (via descentralização e desconcentração regional) emSanta Catarina e deparceirização com o terceirosetor (OSe Oscip) einiciativa privada (PPP), de forma pioneira, em São Paulo e em Minas Gerais. 3.1. A regionalização em Santa Catarina Em Santa Catarina, em 2003, um diagnóstico da administração estadual apresentava, entre outros problemas, uma estrutura organizacional pesada, burocrática e centralizada como um dos fatores que proporcionavam um péssimo atendimento aosanseios da sociedade catari-


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nense. A primeira etapa da Reforma Administrativa instituída a partir da Lei Complementar nº 243/03 definiu as grandes linhas orienta doras d a descentralização, da desconcentração do poder eda regionalização do desenvolvimento, buscando transferir as ações de governo para instâncias mais próximas do cidadão, tais como Conselhos de Desenvolvimento Regional, de modo a promover o d esenvolvimento sustentá vel (a mbiental, econômico, social e tecnológico), a redução das desigualdades entre cidadãos e entre regiões e a elevação da qualidade de vida de sua população. Isso implicou nova estrutura do Poder Executivo, a partir da criação, num primeiro momento, de 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs) e, num segundo momento, na consolidação de seu modelo de gestão, além da criação da 30ª SDR e respectivo Conselho, uma em cada microrregião. Posteriormente, a Lei Complementar nº 284 aprofundou as reformas iniciadas em 2003 desburocratizando, descentralizando e desconcentrando os circuitos de decisão. Essas estruturas estão voltadas, em parceria com a sociedade civil, para a realização de diagnóstico da situação de cada região; a identificação das potencialidades, vocação e elaboração de planos integrados de desenvolvimento; a consolidação dos diversos aglomerados produtivos do estado; e a melhoria do atendimento social. Ainda não há elementos que permitam uma avaliação dos resultados da implantação desse modelo, mas é importante registrar que, de um modelo claramente voltado ao desenvolvimento em bases regionais, suas características indicam um alto potencial de organização e canalização (do aparente “caos”) das redes locais (multiinstitucionais e de d istintos graus de estabilid ade) de desenvolvimento nas quais a administração estadual se insere de várias formas.


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3.2. As organizações da sociedade civil de interesse público Oscips em Minas Gerais As Or ganizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) mineiras constituem um híbrido de OS e Oscip federais, sendo um título concedido (mediante ato vinculado) a organizações d e direito privado, sem fins lucrativos, que atuam no desenvolvimento de projetos e programas sociais (não apenas voltados à prestação de serviços, mas, também, admitindo-se defesa de direitos e apoio administrativo) nas mesmas áreas de atuação das Oscips federais (espectro de áreas mais amplo que as OSs) e com ampla possibilidade de cessão de servidores e patrimônio (característica intrínseca das OSs, não das Oscips federais) mediante firmatura de termo de parceria (sob escolha direta ou competição de projetos). Analogamente ao modelo federal, o termo de parceria constitui o instrumento de pactuação de resultados que regula as relações entre Poder Público e Oscip, dispondo sobre o objeto, o quadro de indicadores e metas dos resultados previstos, o cronograma de desembolso, os critérios para avaliação de desempenho e a previsão de receitas e despesas. O monitoramento é feito pelo órgão estatal parceiro com o auxílio de uma comissão de avaliação e fiscalização, sem prejuízo de fiscalização pelo Conselho de Políticas Públicas da área correspondente, pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas Estadual e pela Advocacia-Geral do Estado. Ressalta-se, no caso mineiro, a presença na Oscip de um supervisor do termo de parceria na estrutura de governança interna. Há, até o presente momento, 65 Oscips qualificadas e seis termos de parceria celebrados em áreas diversas (emprego e renda, prevenção da criminalidade, desenvolvimento ambiental, esportes, TV educativa e cultura).


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A incipiência da implementação ainda não permite avaliações, mas louva-se, no caso mineiro, a concepção do modelo, reunindo as vantagens dos dois modelos de parceria federais (OS e Oscip) num só modelo - eliminando, ademais, as principais suscetibilidades jurídicas do modelo OS, na medida em que a qualificação não se faz mediante ato discricionário, e a celebração de termo de parceria pode sujeitar-se à competição. 3.3.As parcerias público-privadas em Minas Gerais Também em Minas Gerais iniciou-se um programa de Parcerias Público-Privadas. Na qualidade de empreendimento público com recursos públicos e privados, as PPPs mineiras poderão ser materializadas por meio de: a) concessão de um serviço público, para o qual é necessário o aporte de uma contribuição pecuniária do estado para tornar economicamente viável a sua exploração (trata-se, na verdade, de serviços públicos para os quais a cobrança de tarifas não é suficiente para cobrir os investimentos realizados pelo operador); b) execução compartilhada de “atividade” deinteresse público, que será transferida para o parceiro privado, que se tornará responsável pela sua instalação, execução e gestão, segundo níveis de desempenho preestabelecidos; e c) compa rtilhamento objetivo de riscos entre os parceiros, na remuneração do concessionário segundo a sua performance no contrato, no prazo de vigência dos contratos (nunca superior a 30 anos, nem inferior a cinco), e na constituição de garantias que assegurem seu pagamento diante do risco de inadimplência do Poder Público. Foram instituíd os, nesse sentido, uma lei estadual (nº 14.868/03) que regulamenta o Programa de PPP, um Plano Estadual de Parcerias Público-Privadas (com obje-


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tivos e ações de governo e uma carteira de projetos a serem executados), um Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (órgão colegiado, presidido pelo governador que aprova o Plano de PPP), uma Unidade Operacional de Coordenação do Programa de PPP (no âmbito da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), responsável pela compilação e sistematizaçãodas ex periência s, metodolog ias e conceitos d e PPP, pelo assessoramento técnico do CGP, pelo acompanhamento e análise técnica dos projetos), um Arranjo de Garantias (ativos de alta liquidez e os mecanismos necessários para a sua liberação automática, na hipótese de se constatar eventual inadimplemento do estado para com as obrigações assumidas em decorrência de uma PPP, a partir do Fundo E sta dua l de Parceria s Púb lico-Privad as e da Codemig), um Manual de Operações (metodologia de análise e critérios para nortear a seleção das propostas apresentadas pelas entidades da Administração ao Conselho Gestor) e uma Rede PPP (conjunto de unid ades setoriais, que, em conjunto com a unidade central, atua para garantir a criação de vínculos institucionais entre os diversos órgãos e entidades do estado, bem como efetivar a transmissão e consolidação d as informa ções e conceitos). Há atualmente um plano de PPP aprovado e cinco projetos-piloto de PPP em Minas Gerais: recuperação da infra-estrutura da Rodovia MG-050 (cuja modelagem já foi finalizada e aprovada pelo CGP, além da publicação de aviso de licitação e edital, passando a integrar o 1º Plano Estadual de Parcerias Público-Privadas do estado); construção de 3 mil vagas penitenciárias; projeto de saneamento básico nas regiões com menores IDH do estado; Projeto Estruturador Centro Administrativo Mineiro; e construção do campus de Belo Horizonte da UEMG.


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3.4. As organizações sociais em São Paulo A experiência do governo do estado de São Paulo com OS está concentrada nas áreas da saúde e da cultura. Já em 1998, São Paulo implementou um modelo pioneiro de organizações sociais de saúde, a partir da edição da LC nº 846 e da inauguração de funcionamento de seis hospitais (cujas obras de conclusão se estenderam de 1995 a 1998), sob gerenciamento de organizações sociais de saúde por meio de contrato de gestão. A adoção do modelo de OS de saúde fundamentou-se na existência de prob lemas g erencia is sem possibilid ad e de equacionamento satisfatório no ambiente regulamentar da administração pública, entre os quais se ressaltam: restrições fiscais que impediam a contratação de pessoal por concursos, baixa remuneração de gerentes, dificuldades de reposição de pessoal, dificuldade em praticar pagamento por produtividade, rigidez de prazos e controles. E nfim, ha via a p remente necessid a d e d e operacionalizar hospitais novos em curto prazo (mais de 3.500 leitos em 16 hospitais a partir de 1996). Dessa forma, foram firmados contratos de gestão apenas com hospitais novos, garantindo-se os princípios do SUS, com exclusividade para usuários desse sistema, fiscalizados pela Secretaria da Saúde, e o perfil hospitalar e as metas pactuadas de acordo com a demanda regional. Entre 1998 e 2000, numa primeira fase, havia dois instrumentos de relação OS-Poder Público, o contrato padrão SUS e o contrato de gestão com metas de produção semelhantes para todos os hospitais. Também nesse período, a forma de pagamento da OS englobava faturamento ao SUS e suplementação para cobertura da diferença entre receitas e despesas. No biênio 2000/2001 foram elaborados novos contratos de gestão e atualmente há 16 hospitais gerenciados por esse tipo de contrato. A partir de 2001, numa segunda fase, a relação OS-Poder


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Público foi unificada no contrato de gestão e a produção passou a pautar-se por quantificação prévia com revisões periódicas, implantação de sistemas de coleta de dados/ divulgação de informações e implantação da Comissão de Acompanhamento para cada hospital. Também a forma de pagamento sofreu modificações, passando a comportar um orçamento prévio, 90% do qual executado em 12 parcelas fixas ligado à produção e 10% em 12 parcelas mensais vinculadas a indicadores de qualidade. No que respeita à governança interna, há em cada OS um Conselho de Administração (sem nenhuma participação do Poder Público, o que, além do foco nas áreas de saúde e cultura, constitui praticamente a única diferença em relação à OS federal) ao qual cabe aprovar o balanço, demonstrativos financeiros, orçamento; admitir e demitir os membros da diretoria do hospital; aprovar o quadro de pessoal eseus salários; e cobraro cumprimento da s obrig ações contida s na Lei 846 /9 8. No modelo paulista, o peso maior do controle sobre a OS está depositado no contrato de gestão. Os mecanismos de governança e transparência externa incluem critérios de escolha da entidade (exige-se experiência de cinco anos em gestão de serviços de saúde), Comissão de Avaliação da Execução dos Contratos de Gestão (formada por membros de renomado saber na área da saúde pública, designados pelo secretário da Saúde), relatórios gerenciais com a composição e custos enviados à Secretaria Estadual de Saúde, Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (ao qual cabe fiscalizar os contratos de gestão) e publicação anual de seus balanços no Diário Oficial do estado de São Paulo. Recente a valiação19 mostra que os hospitais OS, 19

COSTA, Nilson do Rosário e RIBEIRO, José Mendes, “Estudo dos Modelos das Organizações em Hospitais Públicos”, realizado com financiamento da Fundação para o DesenvolvimentoCientífico eTecnológico em Saúde (Fiotec) e do Banco Mundial, durante o ano de 2005.


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compara dos com hospitais estatais, apresentam muitas evidências de eficiência e q ualidade: menor taxa de mortalidade, menor tempo de p ermanência em leitos e em cirurgia, maior taxa de ocupaçã o de leitos e maior taxa de rotação de leitos. As OSs tamb ém prova ram ser melhor em eficiência técnica (mais altas ano/leitos) e menor gasto/leito e gasto/alta. Um ranq ueamento pelo Índice de Eficiência Organizacional demonstra que nove entre os dez hosp itais mais eficientes são OSs. O estudo também d emonstra que a variação percentual de 1 ponto nos recursos alocados nas OS gera um incremento de 0 ,47 na q uantida de de altas, e a variação percentual de 1 ponto nos recursos a locados nos hospitais tradicionais gera um incremento de 0,22 na quantidade de altas. Em síntese, a compa ração entre hospitais OS e tradicionais revela q ue a s OSs possuem um orçamento 8,1% maior, mas sa ída 42,8% maior, ocupação 2 2,6% maior e custo médio 24,3% menor. Na área da cultura, a implantação de OS em São Paulo é mais recente e motivada por prob lemas distintos, tais como: a) falta de organização e rotinas de trabalho para a formulação, execução e controle de políticas públicas de cultura; b) acúmulo de funções operacionais no núcleo estra tégico; c) falta de controle sobre as atividades realizad as nos equipamentos de cultura; d) termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público para substituição de quadros temp orários; e) inadequação regulamentar da administração direta para produção de serviços de cultura; e f) dificuldades de contratação de quadros adequa dos (tendo em conta os perfis específicos, não típicos de estado e salários incompatíveis com o mercado). Esse quadro motivou a assinatura de nove contratos de gestão com OS (Associação de Amigos e Fundações) na área da cultura - além de promover a reestruturação


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da Secretaria Estadual. Diferentemente dos hospitais na área da saúde, cada equipamento cultural possui objeto diferente, o que dificulta a construção de indicadores e a fix ação de metas de p rod ução, org anizacionais e sociais. Há, com efeito, cinco OSs em fase adiantada de implantação op eracional (incluindo a Orq uestra Sinfônica do Estad o de São Paulo (Osesp)) e negociação de quatro contra tos de gestão com novas OSs (MIS, Paço, MAS e MLP). 3.5. As parcerias público-privadas em São Paulo O objetivo das parcerias público-privadas em São Paulo é apoiar a implementação de projetos públicos ligados, em grande parte, à melhoria de infra-estrutura. Foram dados quatro passos nessa direção. Primeiramente, editou-se uma lei estadual de PPP em maio/2004. Em segundo lugar, constituiu-se o Conselho Gestor, órgão de coordenação e fiscalização ligado ao Gabinete do governador, integrado por secretários e presidido pelo vicegovernador, ao qual cabe garantir que os projetos de PPP estejam em sintonia com as prioridades estabelecidas. Em terceiro lugar, formou-se a Unidade de PPP, vinculada à Secretaria de Economia e Planejamento com a função de prop orcionar suporte técnico ao Conselho Gestor e avaliar a s propostas e proj etos de PPP, analisando as modelagens de PPP, avaliando os impactos orçamentários e financeiros e divulgando as metodologias. O quarto passo foi a criação da Companhia Paulista de Parcerias, empresa estatal não-dependente do Tesouro que operará o fundo garantidor das PPPs estaduais e atuará na contratação de estudos, na prestação de garantias e na contratação de empréstimos e emissão de títulos. No presente momento, há oito principais projetos que


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montam R$ 7,5 bilhões: Metrô - Linha 4, Corredor Noroeste de Campinas, Corredor deExportação, Sistema de Travessias Litorâneas, Complexo Desportivo Vaz Guimarães, Estação de Tratamento de Água de Taiaçupeba, Expresso Aeroporto e Trem de Guarulhos, Governo Eletrônico Intragov e Datacenter. Dentre as realizações, destacam-se a audiência pública e edital para projeto Metrô - Linha 4 (out/2005) com investimento previsto de R$ 3,29 bilhões, com cerca de R$ 890 milhões do setor privado. Os casos demonstram a emergência de novos padrões de estrutura e governança social baseada na formação de parcerias e redes - no caso das OSs em saúde representando, por exemplo, redes mais estáveis e regulamentadas, como o SUS, e no caso da cultura representando redes mais instáveis e menos institucionalizadas. Há, pelo Brasil afora , muitas outra s redes multiinstitucionais em rápida formação e que se consolidarão segundo padrões muito variáveis de forma, abrangência, participação de atores e regulamentação -a exemplo dos processos de transferência de renda e outros programas assistenciais com injunções federal, estadual, municipal, comunitária e de organismos internacionais. Merece também menção a recente possibilidade de formação de consórcios intergovernamentais (Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos), que podem constituir adequada vestimenta institucional para várias modalidades de redes intergovernamentais de caráter mais temporário. Sobretudo, os casos evidenciam iniciativas de comprovado sucesso, tal como as OSs na área da saúde em São Paulo - que não as credencia como modelo a ser utilizado apenas na área de saúde, mas revela sua superioridade gerencial diante da administração pública. Toda-


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via, nos demais estados ainda predominam apenas os modelos (estima-se que 20 estados possuam modelos de OS ou congênere, comporta ndo variações em torno do modelo federal) e tímida implementação - em boa parte motivadas por desconfianças dos dirigentes públicos em relação à inovação, resistências de setores estatais (ao se tratar de transferência de atividades de entes estatais para OS) e barreiras e incompreensões de Tribunais de Contas e Ministério Público, tudo isso amparado na paralisia da implementação federal das OSs e na Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei de OS federal, que repousa no Supremo Tribunal Federal há quase uma década. Por um lado, as experiências de sucesso podem ajudar a dissipar as desconfianças. Por outro, complementarmente, é preciso que modelos de parceria (sejam com a iniciativa privada sob a forma de PPP, sejam com entidades não-governamentais sob a forma de OS, Oscip ou congêneres) se tornem instrumentos de políticas públicas com expectativas realistas de implementação (sem serem considerad as utop ias gerenciais, fada das ao insucesso ou ao engessamento, ou panacéias), não apenas de políticas de gestão pública - a exemplo do que vem ocorrendo com as Oscips na g estão de recursos hídricos e em muitos campos específicos de política assistencial. Mas, no que concerne ao campo das políticas de gestão, é fundamental que a concepção e utilização dos modelos de parceria, embora possam ser genéricos, seja precedida de uma definição das áreas prioritárias ou tipos de atividades com maior potencial de ganho e agregação de valor público. Por fim, tanto em relação aos modelos de parceria quanto de regionalização, ressalta-se que o grande desafio é colocá-los a serviço da estratégia e, nesse particular, a questão mais crítica é a capacidade do contratante ou da administração central (tanto na cúpula quan-


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to, também, no núcleo operacional) de bem gerir relações contratuais (com parceiros públicos ou privados), tendo muito cla ros os resultados a serem alcançad os (o que requer um adequado posicionamento estratégico e clareza de políticas públicas) e com capacidade de monitorar e avaliar os resultados obtidos. Conclusões O trabalho focou na perspectiva macrogovernamental, ma s o nível microgovernamental, apesar d e muito específico (o que apontaria para análises caso-a-caso), comporta algumas inferências gerais. Primeiramente, nos processos de revisão de estrutura das organizações públicas em geral, há uma tendência para desenhos burocrático-ortodoxos, personalísticos e d esequilibra dos. A tendência burocrático-ortodoxa se revela nas categorizações padrão (embora nem sempre haja legislação ordenadora) de nomenclaturas deunidades e posições gerenciais, uma vez que a estrutura está inexoravelmente vinculada a cargos comissionados padrão. Por essa razão, os redesenhos estruturais tornam-se excessiva mente formalistas (tanto no sentido de que as estruturas formais acabam se descolando das estruturas “reais” quanto no sentido da primazia da forma sobre o conteúdo), resultando mais na montagem da estrutura com as “peças” (os cargos comissionados existentes) disponíveis segundo os padrões de nomenclatura burocrática vigentes que num exercício de alinhamento com as estratégias organizacionais segundo critérios técnicos de ajustamento. Não raro, os designers organizacionais se baseiam em analogias exógenas (reproduzindo padrões de organização de determinadas funções estatais ou organizações de outros contextos) sem atentar para a funcionalidade dessas concepções vis-à-vis o contexto local e seus requisi-


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tos peculiares. A ausência de uma metodologia de modelagem que busque resgatar a função da estrutura em implementar a estratégia também possibilita a construção de soluções personalísticas nas quais as posições são definidas, sobretudo para acomodar pessoas. Na ausência de método e de um crivo técnico, essas tendências do design microorganizacional acabam promovendo severas deformações na estrutura, a exemplo do que se verifica no Poder Executivo Federal: enxugamento excessivo da base operacional e inchaço da linha intermediária (alta gerência) e das unidades de apoio à cúpula. Uma alternativa para melhoria da racionalidade dos desenhos organizacionais que merece menção é o Guia de Modelagem de Estruturas Organizacionais elab orado pelo governo do estado de São Paulo, que deverá servir de orientação metodológica apoiando o processo de revisão de estruturas. Tanto na perspectiva macro quanto microgovernamental, os problemas de estrutura, além de envolverem questões políticas e culturais, estão muito intrincados com questões legais de razoável complexidade, tais como o modelo de dirigentes públicos (entre os quais se incluem os cargos comissionados) e os modelos de instituições públicas. Em relação ao primeiro, ressalta-se que uma boa concepção estrutural sem a devida integração das pessoas que a animam se prova inútil - e esta questão é particularmente relevante no que respeita à relação entre estilos de liderança executiva e a funcionalidade do desenho da cúpula. Portanto, a funcionalidade das estruturas está visceralmente vinculada à capacidade de os modelos de direção pública proporcionarem o adequado provimento de quadros dirigentes. Poroutro lado, a funcionalidade dos desenhos também depende do alargamento de algumas limitações decorrentes dos modelos institucionais, resgatando-se-lhes a diferenciação e permitindo


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o advento de modelos híbridos (tais como entes intergovernamentais e modelos de parcerias entre estado, mercado e sociedade civil). Nesse sentido, é necessário que surja um novo direito administrativo tendo em conta a imensa brecha que se firmou, nesse campo, entre o direito (as regras vigentes e a doutrina) e o fato social (muito mais dinâmico em se tratando de gestão no cenário da governança social contemp orânea ). Nesse quadro de intrincados problemas em múltiplas dimensões é natural que as soluções também tenham de ser múltiplas - o que desagrada e desconforta os que crêem que apenas uma Lei Orgânica da Administração Pública bastará. Por fim, é necessário que se invista na criação de metodologias e na realização de estudos de avaliação da estrutura e de modelos de parceria, de modo que um quadro mais nítido dos problemas (e suas causas) possa ser identificado e tratado. De a mbos os pontos de vista micro e macroorganizacional, o propósito deste texto foi contribuir para a desconstrução de alguns mitos muito nocivos à boa modelagem organizacional. O primeiro é de que estrutura é “bom senso” à base de analogias (conservadoras) e métodos de “corte e colagem” personalistas. O segundo é de que estrutura obedece sobretudo a determinantes políticos, seja pela aceitação passiva de composições de coalizões políticas, seja pelas preferências pessoais dos dirigentes nomeados. O terceiro é de que estrutura é apenas um custo (fixo), o que justificaria imperativos de cortes para ajuste de contas, sem importar com a capacidade de gerar resultado. Este trabalho buscou, sobretudo, lançar um alento no sentido de sugerir que há soluções otimizadoras, que podem levar em conta determinantes políticos e fiscais de uma forma mais racional e, ainda assim, permitir que as estruturas, mesmo com limitações, possam cumprir sua função de gerar resultados.


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Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração PRESIDÊNCIA

Presidente: Geraldo de Vitto Junior - Mato Grosso 1º Vice-Presidente: ValterOliveira Silva - Alagoas 2º Vice-Presidente: Ricardo de Oliveira - Espírito Santo JUNTA FISCAL

Flora Valladares Coelho - Acre Redomarck Nunes Castelo Branco - Amazonas Eugênio Pacceli de Freitas Coelho - Tocantins SECRETÁRIOS DE ADMINISTRAÇÃO

Acre – Flora Valladares Coelho Membro da Junta Fiscal Alagoas – ValterOliveira Silva 1º Vice-Presidente do CONSAD Amapá – Haroldo Vitor de Azevedo Santos Secretário de Estado de Administração Amazonas – Redomarck Nunes Castelo Branco Membro da Junta Fiscal Bahia – Ana Lucia Barbosa Castelo Branco Secretária de Administração do Estado da Bahia Ceará – Marcus Augusto Vasconcelos Coelho Secretário de Administração do Estado do Ceará Distrito Federal – Maria Cecília Landim Secretária de Estado de Gestão Administrativa Espírito Santo – Ricardo de Oliveira 2º Vice-Presidente do CONSAD Goiás – Manoel Xavier Ferreira Filho Presidente da Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos


Maranhão – Simão Cirineu Dias Secretário de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão Mato Grosso – Geraldo Aparecido de Vitto Junior Presidente do Consad Mato Grosso do Sul – Ronaldo de Souza Franco Secretário de Estado de Gestão Pública Minas Gerais – Renata Maria Paesde Vilhena Secretária de Estado de Planejamento e Gestão Pará – Alice Viana Soares Secretária-Executiva de Estado de Administração Paraíba – José Aguinaldo Ramos de Brito Secretário de Estado de Administração Paraná – Maria Marta Renner Weber Lunardon Secretária de Estado de Administração e da Previdência Pernambuco – Maurício Eliseu Costa Romão Secretário de Administração e Reforma do Estado Piauí – Lucile de Sousa Moura Secretária de Estado de Administração Rio de Janeiro – Sheila Luci Abel de Mello Secretária de Administração e Reestruturação do Estado Rio Grande do Norte – Paulo Cézar Medeiros de Oliveira Jr. Secretário de Administração e Recursos Humanos Rio Grande do Sul – Pedro Gabril Kenne da Silva Secretário de Administração e dos Recursos Humanos Roraima – Luciano Fernandes Moreira Secretário de Estado de Administração Rondônia – Valdir Alves da Silva Secretário de Estado de Administração Santa Catarina – Constâncio Alberto Salles Maciel Secretário de Estado de Administração São Paulo – Evelyn Levy Subsecretária de Gestão e RH do Governo do estado de São Paulo Sergipe – Marilene Souza Alves Secretária de Estado de Administração Tocantins – Eugênio Pacceli de Freitas Coelho Membro da Junta Fiscal



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