Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento sadd Consulta Nacional Saúde e Direitos Humanos
Ação Profética da Diaconia Dom Saulo Barros
julho - 2012
SADD reafirma sua caminhada de serviço “Os que semeiam em lágrimas, ceifarão com alegria. O que leva chorando a preciosa semente para semear, tornará cantando de alegria, sobraçando grandes feixes” Salmo 126.6-7
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ecorridos dois anos da primeira publicação do SADD, temos a alegria de compartilhar este novo número. Como matéria central, as reflexões
e partilhas da Consulta Nacional Saúde e Direitos Humanos realizada em São Paulo nos dias 3 a 6 de novembro de 2011 que teve um papel muito importante na consciência de diaconia e envolvimento com as Políticas Públicas na IEAB ampliando o compromisso da Missão Anglicana com a sociedade brasileira. A Consulta não terminou, já que vários desdobramentos tem ocorrido nas Áreas Provinciais, a partir da construção coletiva de projetos de formação ou de capacitação que estão sendo aplicados nas respectivas dioceses. A reflexão teológica desta vez esteve a cargo de Dom Saulo Maurício de Barros, Bispo da Diocese Anglicana da Amazônia, que nos traz o sentir da caminhada da IEAB nessa região do Brasil. Agradecemos à Comissão Nacional de Diaconia formada por Carmen Duarte, Mara Luz, Reverenda Magda Pereira e Sandra Andrade pelos vários trabalhos do SADD desenvolvidos na Província e por editar esta publicação. Que mais consultas e publicações ocorram na nossa Igreja, para reforçar, cada dia mais, o nosso testemunho e as nossas práticas diaconais. Reverendo Arthur Cavalcante – Secretário Geral da IEAB.
Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento - SADD
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Nota: todas as fotos desta publicação são do arquivo de fotos do SADD.
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Ação Profética da Diaconia Q
Por Dom Saulo Barros - Bispo da Diocese Anglicana da Amazônia
uase final de tarde e o sol inclemente continuava castigando o quilombo e seus moradores. O mormaço causava um estranho torpor, por isso Antônio olhava perdido um pô-pô-pô que passava ao longe quebrando o silêncio das águas. As palavras saiam com dificuldade, ficavam presas preguiçosas na boca, mesmo assim ele retomou sua narrativa: “A gente não sabia dos nossos direitos”... Com um gesto rápido da mão esmagou o carapanã que havia pousado em sua perna. Um riso tímido surgiu do seu rosto: “Égua, o carapanã tomou o farelo”. “Pois bem”, disse finalmente, “foram os padres e as freiras que mostraram como a gente deveria fazer para ter nossa própria terra”. Um vizinho gritou próximo à cerca: “Vai pra Belém hoje?” Antônio coçou a cabeça, quis sair daquela sonolência, mas não teve forças. “Mas quando, estou sem dinheiro”, respondeu. Curvou-se na minha direção, chegando bem perto, como quem vai contar um segredo, uma subversão, seus olhos cresceram tanto que pareciam que iam espocar, e disse: “Na Bíblia nós aprendemos os nossos direitos. Aprendemos que a terra não tem dono, é de todos”. Antônio, nome fictício de um agricultor de verdade, sabia muito bem que “os padres e as freiras” da comunidade eclesial de base não tinham sido os primeiros religiosos a falar de direito e justiça. Por varias vezes fez referência aos “profetas do Antigo Testamento” que lutaram em favor da vida e, até mesmo, improvisou uma versão de um trecho da Bíblia: “Corra a justiça como um igarapé que nunca seca” (Amós 5:24). Nessa hora, quando a maresia da conversa começava a me despertar, Antônio levantou-se para ir buscar o suco de cupuaçu que sua esposa acabara de preparar... Voltei ao meu estado de inércia e fiquei pensando sobre esses homens e mulheres do antigo Israel, profetas e profetizas, que se sentiam inspirados pela própria divindade para animarem a resistência do povo. Sei que não poderíamos traçar uma linha contínua, mas com certeza veríamos brotar, como nascentes, aqui e acolá expressões do profetismo em toda a história humana, criando algo parecido com esse tal de “igarapé que nunca seca”. Parece correto afirmar que a profecia é o centro da Bíblia, tudo mais gira em torno dela. É o poço no qual nossa espiritualidade deve beber sempre para buscarmos a energia que nos faça permanecer na caminhada. Mas profecia não aponta para a quietude, para o “refrigério para a alma”. Profecia é água grande destruindo os barrancos das margens e arrancando fora os açaizeiros. Profecia é o lado “nervoso” das Escrituras, “é sentir o pulsar de intensa e indomável paixão” . Apesar de toda diversidade do movimento profético nos nossos textos sagrados, profetas e profetizas tinham em comum o sentimento de serem mensageiros e mensageiras de Deus. Por isso, quase sempre iniciavam seus oráculos com a frase: “Assim diz o Senhor”... Porém, “são mensageiros com situação e contextos específicos e com palavras peculiares” . Determinadas características norteavam o ministério dessas pessoas que atendiam de forma apaixonada o chamado divino em suas vidas. O ministério profético incluía a função de interpretar a história, ajudando o povo a entender o momento no qual estava vivendo. “Todo povo tem necessidade de quem o ajude a ver com clareza o rumo a tomar no emaranhado das circunstâncias da vida” . Tinha a função de denunciar, desmascarar, tornar visível aquilo que a ideologia dos poderosos pretendia encobrir. E ainda envolvia o engenho de construir projetos futuros que reforçavam um sonho de um mundo melhor, onde as armas de guerra seriam convertidas em instrumentos de trabalho (Isaías 2:4) e os animais selvagens e domésticos coabitariam em paz conduzidos por uma criança (Isaías 11:6).
O profeta da Galileia, Jesus de Nazaré, incorporou muito bem esses elementos no seu ministério, restituiu a visão aos cegos que passaram a enxergar para além de homens-árvores (Marcos 8:24), denunciou as injustiças do seu tempo e apontou para a utopia da construção do reino de Deus. Sua proposta manifesta-se com clareza no evangelho de Lucas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4:18-19). Ainda estava envolto nessas reflexões e na manimolência da tarde quando Antônio retornou com uma jarra cheia até a boca de suco de cupuaçu e uma vasilha com gelo. “Eras, o calor tá demais”, disse enquanto tomava o primeiro gole do suco. “Mas nós”, continuou, “só conseguimos reconhecimento como quilombola e ter a posse da terra porque criamos uma associação”. Pensei até em dizer alguma coisa sobre os pensamentos que povoaram minha mente enquanto ele esteve fora, mas em seguida descobri que seria desnecessário... Antônio pegou uma palha para espantar uma caba que o estava incomodando e continuou: “Deu muito trabalho pra registrar a associação, mas quando conseguimos, eu disse a irmã: Essa associação vai ser a voz dos que não têm voz”. Novamente tomou conta o silêncio das águas e o sol começou a perder seu ardor. Sem muita pavulagem algumas questões vieram a minha mente: Nas nossas Igrejas a atividade sociopolítica é uma ferramenta de melhoria das condições de vida ou de perpetuação da situação atual? Nossas instituições têm trabalhado na “transformação dos reinos deste mundo no Reino de nosso Senhor Jesus Cristo” ou são simplesmente espaços para práticas assistencialistas? Atualmente é preciso redobrar os cuidados, muitas vezes o compromisso facilitado com as entidades mantenedoras, principalmente quando se trata de órgãos públicos, nos coloca numa situação de sujeição servil... Penso que nossa ação diaconal para ter alguma relevância precisa ser profética, considerar como parte intrínseca do seu papel interpretar a realidade, denunciar as injustiças e arquitetar um futuro onde todos tenham qualidade de vida (João 10:10). Lembrei como fiquei entusiasmado ao consultar o estatuto de uma organização não governamental aqui na Amazônia, pois encontrei algo tão diferente do formalismo jurídico para atender o código civil, no primeiro artigo estava escrito que sua função última é “trabalhar na construção de uma sociedade justa, fraterna, sem exclusões”. Não seria esse o sentimento dos primeiros seguidores e seguidoras de Jesus ao apontar a profecia como o elemento criador das primeiras comunidades? Para os apóstolos isso parecia bem claro e se revela nas palavras explicativas da gênese do movimento: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, os vossos idosos terão sonhos” (Atos 2:17). “Não vai beber o suco?”, a pergunta de Antônio me trouxe novamente para a realidade. Mas antes de deixar definitivamente o mundo dos encantados e desfrutar do suave azedo do cupuaçu, veio a minha mente a frase sussurrada por um profeta do nosso tempo, Dom Helder Câmara, já no final dos seus dias: “Não deixe cair a profecia ”. 1. SOARES, Sebastião Armando Gameleira. Denúncia profética e utopia do reino. In Curso de Verão: ano XV. Produzir a esperança: projetos de sociedade e utopia do reino. São Paulo: Paulus/CESEP, 2001.Pg. 122. 2. SCHWANTES, Milton. A profecia durante a Monarquia. In SCHWANTES, Milton e MESTERS, Carlos. Palavra na vida nº 17/18. Profeta: saudade e esperança. São Leopoldo: CEBI, 1989. Pg. 24. 3.SOARES, Sebastião Armando Gameleira. Denúncia... Pg. 128. 4. Maribondo na região Norte. 5. Expressão que significa enfeites 6. BARROS, Marcelo. Dom Helder Câmara: profeta para os nossos dias. Goiana: Editora Rede da Paz, 2006. pg. 20. Serviço Anglicano de Diaconia e desenvolvimento - SAdd | 2012
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Consulta Nacional
Saúde e Direitos Humanos
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m novembro de 2011 o SADD organizou, com o apoio da Christian Aid uma exitosa consulta nacional sobre o tema dos direitos humanos com a ampla participação de bispos, clérigos, clérigas e lideranças leigas. Essa consulta rendeu frutos e após a sua realização as áreas Provinciais organizaram seus encontros de aprofundamento do tema com propostas de ações práticas nas comunidades diocesanas. O encontro se iniciou com as palavras de boas-vindas do Reverendo Arthur Cavalcante, Secretario Geral da IEAB a todos os delegados das diferentes Dioceses do Brasil, reforçando “a importância de existir a harmonia entre os irmãos e irmãs para trabalhar juntos pela justiça” e do Bispo Primaz, Dom Mauricio Andrade, pelo encontro “permitir renovar os nossos votos para que profeticamente possamos trabalhar pelas nossas comunidades”. A coordenadora do SADD, Sra. Sandra Andrade destacou que “de acordo com a Confelider de 2010, foi sugerido que para o próximo triênio houvesse um trabalho especificamente sobre Direitos Humanos e por essa razão a Consulta teve muito a ver com os trabalhos desenvolvidos pelo SADD que sempre se pautam pelo ouvir, aprender e partilhar todos juntos, todas as dioceses do Brasil, para melhor estabelecer a forma em que a Igreja deve proceder”. A seguir, os principais destaques a partir da memória realizada pelo Prof. David Morales, da Diocese Anglicana de São Paulo.
Você tem fome de que? Você tem sede de que? O primeiro painel da Consulta que foi proferido pelo Dr. Pedro Montenegro, advogado e especialista em Direitos Humanos, da Diocese Anglicana de Brasília. Duas perguntas nortearam a palestra: Você tem fome de que? Você tem sede de que? . Com isso, foi chamada a atenção sobre o paradoxo existente entre a conquista dos Direitos Humanos e a realidade dos países, onde os direitos inalienáveis não são implementados na sua totalidade. Referiu-se ao cientista social Boaventura dos Santos quando este falou do fascismo social que opera com a idéia de não pessoas, não sujeitos de direitos, apartados da proteção dos direitos humanos, no qual “os princípios de humanidade não são questionados por práticas desumanas”. Direitos Humanos é um conceito polissêmico e tautológico, e também não há direito que não seja resultado de uma luta. É por isso válido dizer que o conceito de Direitos Humanos não está estagnado e se encontra em plena evolução, há direitos e deveres 4
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humanos, porém os deveres já estão implementados. O que fazer então? Para o palestrante, é crucial “contribuir para um novo pensamento: o cosmopolitismo subalterno que compreende um amplo espectro de redes, iniciativas de organizações e movimentos que lutam contra a exclusão social, econômica, política e cultural, que confronta a monocultura da ciência moderna com uma ecologia de saberes”. Nesse sentido, a igreja não pode silenciar um quadro sistemático de violação de direitos humanos, por exemplo, a tortura, uma prática medieval, que ainda é praticada e deve ser condenada. Terminou reforçando que “por isso devemos defender os Direitos Humanos que necessariamente são universais e a proteção da dignidade humana é superior ao conceito da soberania de um país”. O Reverendo Luiz Carlos Gabas, da Diocese Anglicana de Curitiba, ilustrou a discussão a partir de um depoimento sobre a situação social complexa da região oeste do Estado do Paraná, marcada por uma crescente violência. Em 2006 houve um problema de repercussão nacional e internacional devido à instalação da multinacional Singenta que se instalou na zona de amortização do Parque Nacional de Iguaçu, contribuindo para a poluição do ambiente nas áreas protegidas do parque. A deterioração ambiental foi tão evidente que até os pássaros deixaram de freqüentar as áreas ocupadas pela multinacional devido ao alto grau de poluentes emitidos. Apesar das multas impostas pelos governos, a multinacional continuou funcionando. Frente a esta situação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou então o espaço para chamar a atenção pelas conseqüências advindas das atividades desta empresa multinacional. Como reação, os milicianos atacaram com violência os camponeses e outros militantes, em um pleno desrespeito aos direitos humanos, deixando muitos feridos e também uma pessoa morta. Nesse caso, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil esteve presente para dar apoio aos necessitados e lutar pelos direitos dos acampados. Em 2007, em outro episódio dessa natureza, os milicianos destruíram o templo anglicano. A partir desses exemplos, o Reverendo Gabas destacou “o papel importante da Igreja na formação de ações concretas para fomentar o respeito pelos direitos humanos nas comunidades locais e nas regiões onde se inserem e que existem várias dimensões na ação da igreja para a sociedade: a dimensão da fé, a dos direitos humanos, a radicalidade da opção do Evangelho”. Nesse sentido, é importante atentar para as autonomias de cada sujeito, por exemplo, do movimento social e da igreja, pois esta deve ser apoiadora dos projetos que tragam bem estar à sociedade. A conclusão dos debates neste momento é que “não somente uma ação política, mas também visionária deve
ser assumida pela Igreja para o fortalecimento do Povo de Deus. A melhor forma de quebrar com o preconceito que causa desgraças e morte é fomentar o diálogo e educar nos direitos humanos, é descobrir que os outros são gente como a gente. Isto é uma atividade evangélica própria do cristianismo, pois contém a mensagem da divindade de Deus revelada à humanidade”.
Reflexões coletivas
1.Como a Igreja pode atuar com ações concretas nos Direitos Humanos? •Através da existência do SADD como meio da Província, para animar as ações concretas da IEAB como uma Igreja inserida na sociedade que tem atividades desenvolvidas através de projetos que fortalecem a promoção dos direitos humanos, mas que necessita avançar em posicionamentos concretos. • Internamente, através de estudos bíblicos, liturgias contextualizadas, sermões, cartilha sobre direitos humanos. Externamente, com posicionamentos que se somam os eventos sociais através de articulação direta com organizações que trabalham a questão dos direitos humanos. • Com ações sociais concretas, acompanhada pela multiplicação de experiências, a partir de um conhecimento profundo da realidade local, entendendo as demandas da localidade nas quais as comunidades da IEAB estão inseridas. • Formalização das ações, procurando uma incidência pública, com a participação nas redes, fomentando o diálogo em grupos para analisar a conjuntura.
2.Como a Igreja pode atuar para quebrar o elo da opressão? •Trabalhando a consciência e articulando projetos sociais que levem a visibilidade da ação da IEAB, no sentido da denúncia do elo e do anúncio do projeto de Deus. Tratase de um trabalho de formação e de informação.
3.Que ações políticas podemos tomar para resolver problemas de direitos humanos (políticas públicas)? •Fomento de projetos de educação sobre direitos humanos nas comunidades, fortalecendo, nestas ações, a Comissão Provincial de Direitos Humanos. •Conhecimento da realidade local, pois podemos estar preocupados com os direitos humanos no mundo, porém precisamos conhecer a nossa localidade e as muitas demandas que pode haver, utilizando o poder das redes sociais para denunciar e anunciar. •Organização e ou apoio de movimentos e ONGs, incentivando as pessoas para participar de organizações ligadas à sua vocação. •Parcerias com outras organizações previamente estabelecidas, fortalecendo redes de trabalho, pois é importante não agir sozinho. •Investimento na formação e educação, por exemplo, sobre o conhecimento das políticas públicas que estão atualmente sendo fomentadas pela sociedade civil e governos.
4.Qual o compromisso profético da Igreja frente a questões de direitos humanos. •O compromisso é com a vida plena. •Inclusão do tema nos estudo bíblicos e teológicos, nos meios de comunicação, com a divulgação dos documentos oficiais da IEAB e a ocupação de espaços públicos para os pronunciamentos. •Promoção dos direitos de todas as populações e comunidades que sofrem a violação dos seus direitos. •Denúncia e anúncio. Ás vezes a IEAB é omissa e não participa, por essa razão é importante reafirmar e fortalecer os projetos sociais e pastorais. O mapeamento das organizações e redes seria importante para facilitar a harmonia e o fluxo de informações.
•Denunciando o que está acontecendo é a primeira ação para quebrar o ciclo de opressão. Divulgando, maciçamente os direitos humanos que já foram conquistados para uma efetiva consciência dos próprios direitos. •Diagnosticando o entorno das comunidades, para que ação da IEAB seja realmente profética. •Incluindo a temática dos Direitos Humanos na formação teológica. •Começando com ações concretas, mobilizando através de cartilhas, com apoio do CEBI, por exemplo. Pedro Montenegro - Assessor e Revd. Arthur Cavalcante
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Direito à Saúde: Sistema Único de Saúde, princípios gerais, perspectivas e desafio
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segundo painel do encontro foi apresentado pelo sociólogo Cláudio Monteiro, mestre em Infectologia e Saúde Pública e assessor sociocultural da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e da Pastoral da Saúde. A palestra teve início com a história da lógica do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Antes de 1923 não existia nada e foi nesse ano que surgiram as caixas previdenciárias, de acordo com categorias profissionais e esse beneficio começou a ser estendido aos trabalhadores para não que não continuassem a mercê da caridade e da filantropia. Em 1960 é organizado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que reunia todos os institutos agrupados pelas categorias profissionais. O Estado estava encarregado dos postos de saúde e a União era a responsável pela infra-estrutura e a rede hospitalar do país. Nos anos 1960 entrou o movimento sanitário. Em 1975 é criado o Sistema Nacional de Saúde, no qual o município tinha a obrigação de prestar atendimento em urgências. Em 1980 foi criado a CIPLAN onde eram articuladas as funções da União, dos Estados e dos municípios. Em 1981, o PAIS foi criado para facilitar a cooperação entre as instancias oferecedoras de saúde pública. Em 1988 a Constituição coloca a saúde como um direito e, nos anos 1990, foram estabelecidas as Normas Operacionais Básicas. Antes de 1990, os municípios assinavam convênios com o Estado para emitir orçamentos destinados à saúde. Com as Normas Operacionais, surgiu uma lógica convenial, mas os municípios continuaram a ser prestadores de serviços. A emenda constitucional 29 do ano de 2000 determinou as taxas de transferência de orçamento. Para a saúde, portanto, a União tem que aportar 5% do orçamento, os Estados 12% e os municípios 15%. É suficiente colocar dinheiro? Quem fiscaliza o financiamento do SUS? Para o custeio, os blocos de financiamento são: atenção básica, de média e alta complexidade, vigilância em saúde, assistência farmacêutica e gestão do SUS. A co-responsabilidade social tem um papel fundamental que é dado pela Constituição e as leis do SUS. Hoje no Brasil, apesar das leis, somente o 7% do Teto Financeiro Global do Município (TFGM) é usado ao fim que se destina. Há ainda a necessidade da aprovação do projeto de lei 4010 sobre responsabilidade sanitária, que será o tema principal na Campanha da Fraternidade de 2012 da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), centrada na imediata aprovação da Lei de Responsabilidade Sanitária. Para obter a informação da verba direcionada para cada município, para ser implementada na área de saúde, através do site www. datasus.org.br. A Reverenda Dilce Regina de Paiva Oliveira, contato diocesano do SADD da Diocese Anglicana de Pelotas socializou a ação da Pastoral da Saúde na cidade de 6
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Claudio Monteiro - assessor
Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul. Nessa cidade, sempre houve muitos assentamentos dos sem terra e a IEAB decidiu criar a Pastoral de Saúde da Diocese com várias áreas de atuação. Uma, a da Saúde da Mulher, onde as mulheres são trazidas para a cidade para fazer tratamento ginecológico e prevenção da gravidez. O trabalho com homens foi um outro passo, pois a maiorias deles somente consultam o médico quando a situação de saúde já está muito comprometida e o programa foi direcionado a tratar da próstata para evitar o crescimento dos casos de câncer. Outro programa foi relacionado ao luto quando há uma enorme perda na família. Segundo a Reverenda, “quando o luto é trabalhado adequadamente, pode causar sérias consequências e o objetivo desse trabalho partia do entendimento de que a saúde não é somente do indivíduo, mas sim de toda a família. Daí a importância de cuidar cada um da sua saúde como se fosse a saúde de todos os membros da família”. A Pastoral da Saúde também trabalha com ervas, através de tratamentos fito-terapêuticos, que tem trazido muito resultado positivo às pessoas, através de medicamentos homeopáticos. Durante o debate, foi ressaltada a necessidade de dar maior importância à divulgação e veiculação desses tipos de dados e experiências. É necessária uma pastoral direcionada ao cuidado do cuidador, a quem cuida de quem cuida. A IEAB deveria procurar escutar as outras organizações sociais sobre temáticas específicas como associações de luta contra o câncer, Alzheimer, Parkinson, etc. A conclusão é que se torna necessário incentivar a prevenção em todas as áreas da saúde dentro das paróquias, divulgando dados científicos, procurando cuidar aos que cuidam para não deixar o círculo aberto, formando uma consciência cidadã através das pastorais de saúde. Para tudo isso, é fundamental “fortalecer as articulações sociais e estabelecer parcerias de apoio e de fomento à integralidade da saúde”.
Reflexões coletivas
1. Que ações poderemos ter como Igreja para fazer valer o que a Constituição nos garante? Lembrando: Gestão e fiscalização, auditoria dos fundos de saúde e responsabilidade sanitária.
•A busca de potencial na comunidade da área de direito à saúde para trabalhar em conjunto. Organizar palestras para incentivar reflexões comunitárias, trazendo profissionais para formar e orientar as pessoas. Igualmente procurar a forma de se inserir em instituições de trabalho afins a esta temática. •O fomento à educação em direitos humanos para que a população entenda quais são as instâncias certas para acudir em caso de violação dos seus direitos. A IEAB deve ocupar um espaço político no qual a sua incidência dentro da sociedade deve ser necessária, por exemplo, via a participação nos conselhos locais de saúde. •Discussões sobre a próxima Campanha da Fraternidade. •A criação de pastorais da saúde onde não têm. •A inclusão, no banco de dados do SADD, dentro do site, sobre profissionais da saúde, para acudir em caso de emergência e uma bibliografia de apoio para instrumentalizar as ações. •A mobilização da juventude na linha das políticas públicas para que as demandas locais se identifiquem na ação social. •Estabelecimento de uma rede de trabalho entre os membros da IEAB que trabalham nos conselhos de saúde, pois muitas pessoas participam e até se destacam, porém existe uma separação preocupante entre a liturgia e a ação e a falta de um curso de formação política para conselheiros e conselheiras. A IEAB deve continuar apoiando e também facilitar informação aos que já estão inseridos nesse trabalho.
2.Que estratégias a Igreja pode construir para a consciência de saúde integral? •A IEAB deve ser um espaço de informação e formação na prevenção e na construção de práticas saudáveis, organizando encontros sobre áreas especificas de saúde tais como prevenção de câncer de mama, de pele e outros. •A IEAB deve procurar estar sempre articulada com os movimentos sociais e somar forças com aqueles que já estão na caminhada. •A IEAB deve estabelecer mecanismos de formação e capacitação nessa área e uma constante qualificação para fazer a fiscalização e monitoramento das políticas públicas na área da saúde, trabalhando a influência política positiva da Igreja, mobilizando parceiros ecumênicos, inter-religiosos e da sociedade civil. Para isso é importante uma maior inserção nos conselhos municipais, estaduais e federais. •Trabalho nos eixos culturais, espiritual, jurídicos e físicos. •A busca de uma presença efetiva da IEAB nas diversas instâncias políticas para exercer o seu papel profético de denunciar as injustiças. H I V A I D S : preven ç ã o e cuidado como direitos
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terceiro painel foi apresentado pela Sra. Ester Lisboa, assistente social, coordenadora do Programa Saúde e Direitos de Koinonia Presença Ecumênica e Serviço/escritório em São Paulo. A palestra iniciou com uma atividade lúdica que consistiu em adquirir informação do colega através de uma entrevista •A inclusão do tema nos planejamentos pastorais das coletiva a outras pessoas e logo após foram evidenciadas as informações obtidas dessa pesquisa. A palestrante paróquias. questionou o porquê as pessoas erraram tanto em conseguir a informação correta. A resposta é que se deve sempre procurar informação na pessoa e no local correto, o mesmo acontece no caso da AIDS. No Brasil estimase que 630 mil pessoas vivem com o vírus HIV e desde 1980 até 2009 houve aproximadamente 230 mil mortes derivadas da doença. No mundo são mais de 33 milhões que vivem com o vírus HIV e 69% das novas infecções se concentram na região da África Subsaariana.
Revd. Marinez Oliveira; Revd. Hugo Sanches; Ilcelia Soares - Assessora
A epidemia tem avançado no Brasil desde o primeiro caso evidenciado em 1980. Hoje o número de casos é maior entre homens do que entre mulheres, porém essa diferença foi recentemente igualada. Aproximadamente 207 mil casos de AIDS são de mulheres, das quais 87% foram infectadas via relação sexual. Ester Lisboa salientou que “vários fatores tornam as mulheres mais vulneráveis ao HIV: a dificuldade de acesso à educação, ao emprego, à informação, a violência, a pobreza e a dificuldade na negociação do uso do preservativo entre o casal. Porém, Serviço Anglicano de Diaconia e desenvolvimento - SAdd | 2012
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porque é tão difícil para a mulher negociar prevenção?”. Existem muitos mecanismos que podem ajudar ou facilitar essa atitude. A camisinha feminina tem uma distribuição muito inferior à camisinha masculina e ela deve ser bem colocada para evitar desconforto, o risco de estourar é praticamente mínimo. No caso da camisinha masculina, ela igualmente deve ser bem colocada e retirada. Mas surge uma pergunta: se é assim tão fácil, por que a camisinha não é usada? Porque não se muda o comportamento? A AIDS é uma questão econômica, moral, cultural, espiritual, ética e social. É moral por várias razões. Existe uma diferença social enorme quando a pessoa passa a ser reconhecida como “portador” do vírus HIV e perde seu valor enquanto pessoa que é. A AIDS classifica as pessoas dependendo do seu comportamento. A epidemia da AIDS se encontra num terreno bastante complexo difícil de lidar. As pessoas “portadoras” do vírus da AIDS são injustiçadas e, no caso das mulheres que são infectadas muitas vezes, devem comprovar que não foram elas as primeiras em adquirir o vírus e também devem enfrentar a reação da sociedade que vai culpá-las. Precisa-se conversar sobre sexualidade dentro do casal, discutir o uso de camisinha masculina ou feminina para evitar o contágio. É necessário socializar e criar espaços seguros para falar sobre sexualidade. “A autoestima, a solidariedade e a justiça social ajudam à organização a favor de mudanças nas normas e desigualdades relativas aos sexos”. Neste tema, há várias questões delicadas e/ou polêmicas: o sigilo, a introdução da camisinha em casais que convivem muito tempo juntos, a inserção de uma pessoa que vive com HIV na comunidade religiosa, como trabalhar com as campanhas na TV e o que fazer diante da erotização precoce. A partir da experiência de Koinonia, foi salientado que todas as pessoas soropositivas estão garantidas com o direito do sigilo e que, com relação do uso da camisinha em casais que estão juntos há muito tempo, não é nada fácil, pois “para falar de companheirismo e de fidelidade é necessário falar de um pacto, de um acerto de não ter relações sexuais fora do acordo”. Nestes temas, as comunidades terapêuticas têm ajudado consideravelmente na inserção das pessoas que vivem com HIV, mas dentro dela, a comunicação e a conversa para afastar os medos e preconceitos é importante para preparar a comunidade em como ser acolhedora. Com relação à erotização prematura, de fato é necessário estabelecer mecanismos de educação para orientar, é necessário falar hoje com as crianças de 8 e 9 anos sobre sexualidade, pois a tecnologia facilita o acesso ao conhecimento por diversos meios. Aroldo Carlos, contato diocesano do SADD da Diocese Anglicana de Brasília, apresentou a Ação Concreta, um trabalho desenvolvido pelo movimento LGBT na cidade de Palmas, Estado do Tocantins. Ele enfatizou o momento atual de aumento de novos casos de contágio com o vírus HIV pelas novas gerações de jovens e que, “nos últimos anos a epidemia se 8
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Participantes da Consulta e Aroldo Carlos,no centro, assessor
pauperizou, se feminizou e se interiorizou”. Para a discussão, foi realizada uma atividade lúdica que consistiu em que cada um dos delegados copiou em uma folha, o desenho que tinha a pessoa mais próxima, e assim por diante até 5 desenhos diferentes. O objetivo foi verificar com quantas pessoas diferentes cada um se relacionou. Com isso se demonstrou que o HIV não está relacionado somente com um grupo específico, mas sim com o comportamento de todos, com o risco iminente de não se usar camisinha. Em Tocantins, foi construída uma casa para acolher pessoas que vivem com HIV, porém ainda se encontra com dificuldades burocráticas para ser estabelecida. A Casa conhecida como Casa A+, é uma casa com dois quartos e móveis para hospedar várias pessoas e garantir um bom acolhimento social às pessoas que vivem com HIV na cidade de Palmas. O Estado de Tocantins tem uma verba destinada para a dotação da Casa, pois é a única em todo o Estado destinada a esta natureza. Nesse empreendimento houve apoio do Arcebispo de Cantuária, da Diocese Anglicana de Brasília, da UMEAB e da CESE. O problema burocrático que atualmente enfrenta a Casa para iniciar suas operações é a repentina mudança da portaria de funcionamento, que veio modificar a legislação sobre esse tipo de casas destinadas ao apoio social. Isto tem sido um sonho de muitas pessoas e de instituições engajadas na luta e Aroldo, através do seu testemunho como anglicano e militante a favor dos direitos da população GLBTT e da sua experiência de ter sofrido o preconceito em todas as categorias, “hoje espera poder ver realidade esse trabalho”. Foi destacado pelos palestrantes que os trabalhos nas paróquias não têm um bom desenvolvimento sem a efetiva participação das lideranças, pois “nada avança se não existe uma concordância entre as lideranças”. É possível sentar em um mesmo espaço homens e mulheres para falar de sexualidade e de AIDS a partir de uma reconstrução social e de gênero dentro dos espaços de ação dentro das igrejas. “Quando falamos de sensibilizar com relação à AIDS, muitas igrejas pentecostais oferecem a cura milagrosa, o que leva às pessoas que vivem com HIV a deixar o tratamento”. Para a inclusão e a formação, KOINONIA oferece gratuitamente programas com cartilhas e livros que oferecem ferramentas para preparação e formação nessa temática. Os textos e os vídeos educativos e informativos podem ser baixados diretamente no site www.koinonia.org.br .
Reflexões coletivas 1. Como a IEAB pode inserir temas como preconceito, discriminação, sexualidade humana, nos espaços de aprendizado nas comunidades? •A IEAB pode agir através de debates entre a comunidade paroquial e a comunidade social, abrindo espaços litúrgicos e também fomentando estudos bíblicos. Também pode agir de forma mais prática facilitando a abertura dos templos para atividades da comunidade relacionada com este aspecto, organizando e distribuindo materiais informativos de qualidade. •Criando mecanismos que levem a uma preparação do clero sobre este tema, para que, principalmente, saibam ouvir os que sofrem. •Tem que haver um reconhecimento tanto do “outro” quanto da realidade que pode existir dentro das nossas comunidades. A preocupação é que a comunidade não sempre está preparada para enfrentar esses casos. Como lideranças, devemos estar preparados com a capacidade suficiente para lograr abordar essa temática. •Potencializando as ações das lideranças para trabalhar os temas de forma profissional. Por ser temáticas muito delicadas, precisam de orientação profissional para pensar também na homossexualidade feminina, para incentivar os homens na prática do teste. •Dentro das paróquias devem ser abertos espaços para discutir as diferentes situações que possam envolver esta temática e ver como as crianças vão entender essas inclusões e acolhimentos nas comunidades.
2. Como a IEAB pode atender as pessoas que vivem e convivem com HIV AIDS? Que ações podemos desenvolver para incentivar a participação e inclusão das mesmas em todos os âmbitos sociais? •Preparando as comunidades para conviver, estimulando a adesão para o tratamento e dando voz a essas pessoas para que possam se expressar. •Criando programas para promover inclusão através dos valores e de material já existente como uma campanha permanente. •Agindo com acolhimento e reeducando o olhar, não como postura inferior ou de sofrimento, mas sim como inserção, olhando o conjunto das pessoas e não a partir da nossa “misericórdia”. •Formando grupos de apoio para criar laços que ajudem superar as dificuldades derivadas dessas situações, pois gestos solidários antecedem palavras e ações.
V iol ê ncia contra a crian ç a e o adolescente : a I greja permanece no sil ê ncio ?
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quarto painel da consulta foi apresentado pela psicóloga Ilcélia Soares, especialista em Violência Doméstica e mestre em Psicologia Clínica na área de Família e Interação Social, e contato diocesano do SADD na Diocese Anglicana do Recife. A palestra tratou o tema de como mulheres, crianças adolescentes e pessoas idosas sofrem todo tipo de violência doméstica. “Todo mundo já ouviu falar de violência doméstica e pelo menos todos temos um familiar que está sofrendo ou já sofreu esse tipo de violência. A violência é um fenômeno multifacetado, não é um fenômeno único e deve ser compreendido a partir de diversos fatores tais como culturais, de relacionamento, individuais e também ambientais”. Assim sendo, a violência diz respeito às relações de convivência com abuso de poder entre as pessoas que estabelecem vínculos de afeto e/ou de parentesco. A violência acontece independentemente de credo, religião, ideologia, etnia, raça, orientação sexual, gênero, profissão e classe social. Nos anos 1980, se pensava que a violência doméstica estava somente relacionada com as classes mais pobres, mas logo se desmistificou esse fato, pois ela não escolhe classe social e atinge a todos e todas, principalmente mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Quando a mulher denuncia um caso de violência ela está apavorada e está pedindo proteção ao Estado diante às agressões. Hoje existem delegacias de apoio e proteção para as crianças, adolescentes e mulheres, porém com relação aos idosos e idosas, com exceção de São Paulo e Recife, não há delegacias especificas nessa temática para atender as necessidades dessa população no país. Na maioria das vezes, o grande autor da violência doméstica é pai ou mãe. Por isso que para quem recebe a agressão é difícil denunciar, pois significa romper esse laço tradicional de amor que deveria existir. Muitas vezes o perfil é que o homem é quem pratica violência sexual e a mulher é quem pratica violência física e psicológica, portanto, a violência contra a criança e o adolescente está intimamente relacionada com a violência vivida pelo casal parental. Violência física está intimamente ligada à violação de direitos humanos e também está estritamente relacionada com a tortura. A violência implica numa transgressão de poder, numa coisificação do outro como também na indiferença. Com relação à violência sexual, é importante esclarecer que criança e adolescente não são prostitutos e sim são prostituídos, são agenciados por esse comportamento dos adultos. O pacto de silencio é o que mais chama a atenção. Crianças e mulheres são submetidas a um complô de silêncio sob ameaça de retaliações caso revelem ou tornem pública as agressões e a violência recebida. Nesse sentido, qual a relevância da Igreja discutir essa temática? “Não estamos isentos de viver em situação de violência. Serviço Anglicano de Diaconia e desenvolvimento - SAdd | 2012
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A Igreja deve construir liturgias que ajudem na reflexão. Igualmente a Igreja deve discutir e repensar atualizando os textos bíblicos que “fomentam violência física” e que são lidos fora do contexto e da cosmovisão da época em que foram escritos”.
Por tanto, precisamos da capacitação da liderança dos clérigos, dos leigos para escutar as partes envolvidas e saber agir em cada caso. A partir de um processo de formação, se faz necessário organizar grupos multidisciplinares para fortalecer o combate à qualquer tipo de violência dentro e fora das nossas comunidades
Por outro lado, existem posicionamentos da Comunhão Anglicana que incentivam a denúncia e a Reflexões coletivas promoção de trabalhos que levem ao fim da violência contra mulher, crianças e adolescentes, tais como resoluções das diferentes províncias, da Conferência 1.Qual a relevância da Igreja em discutir esta temática? de Lambeth, como também encontros ecumênicos e •A IEAB trabalha com pessoas e está vinculada com nacionais que tratam essa questão. demandas sociais concretas. Ela encaminha o Evangelho, O Reverendo Hugo Sanchez do Distrito Missionário, é menos preconceituosa dentre outras igrejas e está falou sobre uma ação concreta relacionada com esta chamada a cumprir a Lei Sumária de Deus. Por essa temática, a “Casa de Apoio para Mulheres Vítimas de razão, cumpre as missões de evangelizar, e nisso está Violência Noeli dos Santos.” A partir de um caso de chamada a romper com todas as violências. violência contra mulher na cidade de Ariquemes, estado de Rondônia, surgiu a idéia de organizar uma casa •A partilha é fundamental, porque pode até funcionar para oferecer apoio as mulheres vítimas de todo tipo como forma terapêutica para as pessoas que vivenciam de violência. A partir de um projeto governamental de a violência. fomento da Lei Maria da Penha, o reverendo Hugo foi •Necessário ampliar a visão sobre o que é violência e consultado para assumir esse projeto e administrá-lo. suas diferentes formas. Reconhecer que a violência está Para tanto, foi criada a Associação Anglicana Desmond também do nosso lado. Nós também podemos carregar Tutu, conforme os requerimentos do Estado para esse tipo de violência. Para isso, é importante repensar seu funcionamento. A Casa foi fundada em fevereiro o nosso jeito de ser igreja, os nossos discursos e a ação de 2012 e em 12 de junho de 2011 foi aberta para o cotidiana para que exista coerência no trabalho pastoral funcionamento, acolhendo as primeiras mulheres que e compatibilizar o discurso com a prática. eram vitimas da violência doméstica, física, psicológica, de negligência e sexual. A Delegacia da Mulher da Cidade é quem encaminha as vítimas à Casa, e na maioria 2.Como reconhecer os sinais de violência na comunidade das vezes, é comprovado que o agressor é o esposo, e entorno e o que fazer? padrasto e/ou pai. A casa conta com profissionais •Capacitar as lideranças, clérigas e clérigos para altamente qualificados para o devido atendimento das que sejam mais sensíveis diante dessa situação, para mulheres e seus filhos. No município de Ariquemes que saibam ouvir, acolher e dar encaminhamentos as estatísticas evidenciam 80 denúncias por mês em apropriados. relação à violência contra mulher, porém a Casa tem •Identificar sinais diversos, físicos e comportamentais capacidade de atender no máximo 10 pessoas, o que traz que podem revelar situações de violência. a necessidade de ampliar as instalações. No período de •Conscientizar as pessoas de que a Igreja não pactua acolhimento, as mulheres aprendem diferentes ofícios com qualquer tipo de violência. Educar e reeducar nossos tais como artesanato, segundo o lema da IEAB: acolher olhares e nossos toques, com capacidade de identificar e servir. e verificar os limites para não invadir as privacidades. No debate que seguiu as apresentações, foi •Apoiar a todas as pessoas, sem exclusão, a partir das discutida a relevância do trabalho psicológico, que deve 5 marcas do anglicanismo, evitando o julgamento ser realizado para o agressor de violência. É essencial prematuro e a exclusão. trabalhar com ele, mesmo sendo necessário ser punido, •Aproveitar e socializar os recursos que já existem sobre ele deve também ser tratado para evitar futuros casos de essa temática para toda a Província. Usar os espaços violência. Também é importante trabalhar as temáticas para conscientizar. da sexualidade, gênero, AIDS através de pastorais e que •Fomentar uma formação teológica contextualizada eles sejam incluídos nos planejamentos estratégicos na qual os futuros reverendos e reverendas sejam das paróquias. Foi destacada a importância das redes capacitados para enfrentar esse tipo de situações que de apoio e de proteção que nesses casos fornecem um acontecem mais do que frequentemente se pensa. suporte enorme e que o sigilo e a confiança devem ser •Estabelecer relações de confiança entre as pessoas considerados, “porém jamais podemos ficar no pacto da comunidade e além da própria Igreja para formar do silêncio, porque seríamos coniventes, omissos e equipes multidisciplinares. O reverendo não é o único injustos, portanto devemos agir e romper com essa que deve resolver tudo o que acontece dentro da prática de calar... devemos repudiar denunciar e tornar Igreja. É bom ter uma equipe de trabalho nos diferentes vivo e real, dentro do nosso discurso cotidiano”. ministérios.
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“A IEAB repudia todos os tipos de violência e se coloca como comunidade terapêutica que deve assumir compromissos como tal. É importante apoiar a lei de responsabilidade sanitária como instrumento de efetivação da saúde integral das pessoas de maneira a incluí-las dentro da sociedade. Deve ser intensificada a capacitação das lideranças, clérigas e clérigos para que sejam mais sensíveis diante dessa situação, identificando os diversos sinais, físicos e comportamentais que podem revelar situações de violência. Conscientizar as pessoas de que a Igreja não pactua com qualquer tipo de violência. Educar e reeducar nossos olhares e nossos toques”.
Parceria SADD e Christian Aid
Por Ana Luiza Cernov Rocha*
A parceria entre Christian Aid e SADD nos permitiu participar da Consulta Nacional sobre Direitos Humanos, um momento especial de amadurecimento do engajamento e compromisso do trabalho de diaconia desenvolvido pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Além da abertura para debater e se engajar em temas de direitos humanos, em sua promoção, defesa e ampliação, a consulta realizada reforçou o compromisso da Igreja em garantir que as ações sociais sejam direcionadas pelas necessidades reais dos grupos marginalizados e mais vulneráveis. A ativa participação das dioceses brasileiras e os desdobramentos em cada uma dessas áreas somente reforça a busca por um amplo diálogo com as bases da Igreja e com uma avaliação criteriosa das necessidades e dos desafios que o Brasil real enfrenta hoje. Certamente, as repostas oferecidas pelo SADD serão mais completas e mais duradouras já que a Igreja Anglicana tem investido em um debate detalhado das causas estruturantes da pobreza e da desigualdade no Brasil. O olhar vai além do Brasil emergente que não chegou às franjas de nossa sociedade e garante com que a propaganda oficial não nos iluda: seguimos sendo um dos países mais desiguais do mundo e enquanto nossas estruturas e sistemas não forem reformados, não haverá distribuição real dos benefícios logrados através do crescimento econômico. A riqueza de um país só pode ser medida pela garantia de direitos a seus cidadãos e cidadãs para que possam viver uma vida plena e abundante. Dessa forma, saudamos o compromisso do SADD na luta por direitos humanos e em sua contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, como agente de mudança e usando sua voz profética contra qualquer injustiça e violação de direitos. Nestes momentos de nova estratégia institucional da Christian Aid, baseada na parceria por mudanças e no Salmo 99:4 “amante da justiça; tu firmas a eqüidade” esperamos que essa parceria se fortaleça e continue dando frutos. Ana Luiza Cernov Rocha é Assessora de Projetos da Christian Aid no Brasil
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Consulta Nacional Saúde e Direitos Humanos
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