HIDROLOGIA APLICADA TEXTO BÁSICO Disciplina Ministrada na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, para o curso de graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia na unidade de Caxias do Sul.
Adriano Rolim da Paz adrianorpaz@yahoo.com.br
Setembro/2004
Capítulo
1 Introdução à hidrologia
Aspectos gerais A Hidrologia pode ser entendida como a ciência que estuda a água, como a própria origem da palavra indica (do grego): hidrologia = hydor (“água”) + logos (“ciência” ou “estudo”). Entretanto, uma boa definição adotada por vários autores é a seguinte: “Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação e distribuição, suas propriedades físicas e químicas e sua reação com o meio ambiente, incluindo sua relação com as formas vivas” (Definição do U.S. Federal Council of Service and Technology, citada por Chow, 1959, apud Tucci, 2000). Como se pode perceber pela definição acima, a hidrologia é uma ciência consideravelmente ampla, cujo escopo de trabalho abrange diversas sub-áreas mais específicas, como por exemplo: -
Hidrometeorologia: trata da água na atmosfera;
-
Limnologia: estuda os lagos e reservatórios;
-
Potamologia: estuda os rios;
-
Oceanografia: estuda os oceanos;
-
Hidrogeologia: estudas as águas subterrâneas;
-
Glaciologia: trata da ocorrência de neve/gelo na natureza.
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Entretanto, cabe salientar que a maioria dos estudos envolve mais de uma das sub-áreas, já que os fenômenos e processos envolvendo a água na natureza (ocorrência, distribuição, propriedades físico-químicas, etc.) estão interrelacionados de tal forma que a explicação e o entendimento dos mesmos só são alcançados mediante a reunião dos conhecimentos das diversas sub-áreas. Por exemplo, como estudar os processos de deposição de nutrientes e sedimentos em um reservatório (limnologia) sem a caracterização do aporte dessas substâncias oriundo do curso d’água (rio) barrado para formar o reservatório (potamologia)? Tornando a análise um pouco mais geral, face ao caráter de escassez atribuído à água atualmente, sendo reconhecida a importância em preservar e usar racionalmente esse recurso, uma vasta gama de profissionais tem se dedicado a estudar a hidrologia, entre eles os engenheiros, economistas, estatísticos, químicos, biólogos, químicos, matemáticos, geólogos, agrônomos, geógrafos, etc. Os problemas relacionados à água geralmente requerem um enfoque multidisciplinar, segundo o qual diversos especialistas contribuem em suas áreas para entender a situação e alcançar a melhor alternativa, sob determinados critérios. Um exemplo disso é um projeto que vise o barramento de um rio para formação de um reservatório, com o objetivo de captar água para abastecimento humano e irrigação. Simplificadamente, poder-se-ia dizer que o hidrólogo seria responsável pela caracterização da área contribuinte ao reservatório, estimando a vazão afluente e dimensionando a barragem; ao especialista em hidráulica caberia projetar o sistema de captação, bombeamento e distribuição da água; o biólogo analisaria o impacto do barramento do rio sobre o ecossistema, em particular sobre a biota aquática, bem como no levantamento das espécies que habitam a região a ser alagada; o sociólogo (e psicólogo) estaria envolvido com a remoção da população residente na área alagada pela barragem, a qual seria realocada; a vegetação que ficaria submersa com o enchimento do lago iria se degradar, merecendo o devido monitoramento da qualidade da água, que poderia ser realizado por um especialista na área de saneamento/química; o agrônomo iria definir as condições de irrigação das culturas agrícolas atendidas, e assim por diante.
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Por outro lado, também cabe salientar que, a despeito dos vários profissionais envolvidos na problemática da água, os estudos hidrológicos, propriamente ditos, geralmente envolvem técnicas originárias ou desenvolvidas a partir de conceitos de outras áreas, mas que o profissional que lida com a hidrologia deve estar familiarizado e ser capaz de aplica-las e entender seus resultados. Entre tais técnicas pode-se citar: teoria estocástica, séries temporais, análise multicritério, teoria das decisões, análise econômica, programação dinâmica, inteligência artificial, otimização, interpretação de imagens de satélite, etc. Breve histórico da hidrologia A importância da água na história da humanidade é identificada quando se observa que os povos e civilizações se desenvolveram às margens de corpos d’água, como rios e lagos. A seguir serão listados alguns fatos marcantes da história da hidrologia, de maneira superficial, sendo maiores detalhes encontrados na bibliografia pesquisada, citada ao final deste documento. •
Diversos autores citam registros de que no Egito Antigo, na época dos faraós, existiram obras de irrigação e drenagem. Também na Mesopotâmia, na região conhecida como Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates, a água já era usada para irrigação.
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Os filósofos gregos são considerados os primeiros a estudar a hidrologia como ciência. Por exemplo, Anaxágoras, que viveu entre 500 e 428 a. C, tinha conhecimento de que as chuvas eram importantes na manutenção do equilíbrio hídrico na Terra.
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Mas apenas na época de Leonardo da Vinci é que o ciclo hidrológico veio a ser melhor compreendido. Um fato relevante foi o realizado por Perrault, no século 17, que analisou a relação precipitação-vazão, comparando a precipitação com dados de vazão.
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No século 19 dá-se o início de medições sistemáticas de vazão e precipitação;
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Até a década de 30, prevalece o empirismo, procurando descrever os fenômenos naturais, enquanto até a década de 50 é predominante o uso de indicadores estatísticos dos processos envolvidos;
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Com o advento do computador em conjunto com o aprimoramento de técnicas estatísticas e numéricas, deu-se um grande avanço na hidrologia. Foram desenvolvidos modelos precipitação-vazão e avanços na hidrologia estocástica. O escoamento subterrâneo, a limnologia e a modelação matemática de processos constituem outros desenvolvimentos importantes. A modelagem ajuda a entender e explicar padrões de ocorrência e possibilita
simular cenários futuros, fornecendo subsídios importantes para responder a perguntas do tipo “o que aconteceria se...?”. Um exemplo de modelagem de processos é a simulação da circulação da água e do transporte de poluentes em um lago ou rio. Com um modelo computacional, é possível inferir sobre o que aconteceria se ocorresse um vazamento de óleo próximo a um lago, em termos de áreas atingidas, tempo de deslocamento da mancha de óleo, etc. Isso tudo sem o processo estar ocorrendo, apenas hipoteticamente, o que permite prever impactos e traçar alternativas de combate previamente.
Ocorrência de água na Terra Considera-se, atualmente, que a quantidade total de água na Terra, estimada em cerca de 1.386 milhões de km3, tem permanecido de modo aproximadamente constante durante os últimos 500 milhões de anos. Entretanto, as quantidades de água estocadas na Terra sob as diferentes formas (ou nos diferentes “reservatórios”) variaram substancialmente nesse período. Na Figura 1.1 é apresentada a distribuição da água na Terra, conforme Shiklomanov (1997) apud Setti et al. (2001). Verifica-se que cerca de 97,5% do volume total de água na Terra estão nos oceanos (água salgada), sendo apenas 2,5% do total constituído por água doce. Por sua vez, a água doce é encontrada principalmente sob a forma de geleiras, que representam 68,7% do total de água doce. Considerando que as águas doces contidas em rios e lagos constituem as formas mais acessíveis ao uso humano e de ecossistemas, tem-se um percentual muito pequeno de água disponível – em torno de 0,27% da água doce o que corresponde a 0,007% do volume total de água.
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Assim, embora a Terra apresente 1.386 milhões de km3 de água, considera-se que o que está disponível ao uso humano é apenas 0,007% dessa quantidade.
Reservatório
% do volume total
Volume 3 3 (x 10 km )
% do volume de água doce
Oceanos Subsolo: Água doce Água salgada Umidade do solo Áreas congeladas Antártida Groenlândia Ártico Montanhas Solos congelados Lagos Água doce Água salgada Pântanos Rios Biomassa Vapor d'água na atmosfera
1.338.000,0 23.400,0 10.530,0 12.870,0 16,5 24.064,0 21.600,0 2.340,0 83,5 40,6 300,0 176,4 91,0 85,4 11,5 2,1 1,1 12,9
96,5379 1,6883 0,7597 0,9286 0,0012 1,7362 1,5585 0,1688 0,0060 0,0029 0,0216 0,0127 0,0066 0,0062 0,0008 0,0002 0,0001 0,0009
30,0607 0,0471 68,6971 61,6629 6,6802 0,2384 0,1159 0,8564 0,2598 0,0328 0,0061 0,0032 0,0368
Armazenamento total de água salgada Armazenamento total de água doce Armazenamento total de água
1.350.955,4 35.029,1 1.385.984,5
97,4726 2,5274 100,0
100,0 -
Água doce 2,5%
outros 1%
água congelada Água salgada
30% água doce no subsolo
69%
97,5%
Figura 1.1 – Distribuição da água na Terra (adaptado de Shiklomanov, 1997, apud Setti et al. 2001).
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Capítulo
2 Ciclo hidrológico
Descrição geral Embora tenham sido estimados os volumes em cada um dos “reservatórios” na Terra (ver Figura 1.1), é importante lembrar que a água está em constante movimento, constituindo o que se denomina de ciclo hidrológico. Esse ciclo tem o Sol como principal fonte de energia, através de sua radiação, e o campo gravitacional terrestre como a principal força atuante. A Figura 2.1 apresenta um esquema do ciclo hidrológico, identificando as diversas etapas que o compõem.
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Figura 2.1 – Ciclo hidrológico (fonte: adaptado de EPA, 1998). De maneira simplificada, o ciclo hidrológico pode ser descrito da seguinte forma: -
ocorre evaporação da água dos oceanos e formação do vapor de água;
-
sob determinadas condições, o vapor precipita na forma de chuva, neve, granizo, etc (precipitação);
-
parte da precipitação não chega nem a atingir a superfície terrestre, sendo evaporada;
-
boa parte da precipitação atinge diretamente a superfície de lagos e oceanos, daí evaporando parcela;
-
da precipitação que atinge a superfície terrestre, uma parte é interceptada pela cobertura vegetal (interceptação), de onde parte evapora e parte acaba escorrendo até o solo;
-
da precipitação que chega ao solo, parcela infiltra sub-superficialmente (infiltração), e desta uma parte escoa até corpos d’água próximos, como rios e lagos (escoamento sub-superficial);
-
uma parte infiltrada percola atingindo os aqüíferos (percolação), que escoam lentamente até rios e lagos (escoamento subterrâneo);
-
ainda quanto à parte da precipitação que atinge o solo, esta vai escoar superficialmente (escoamento superficial), sendo retida em depressões do solo, sofrendo infiltração, evaporação ou sendo absorvida pela vegetação. O “restante” do escoamento superficial segue para rios, lagos e oceanos, governada pela gravidade;
-
a vegetação, que retém água das depressões do solo e infiltrações, elimina vapor d’água para a atmosfera (transpiração), através do processo de fotossíntese;
-
a água que alcança os rios, seja por escoamento superficial, sub-superficial ou subterrâneo, ou mesmo precipitação direta, segue para lagos e oceanos, governada pela gravidade. Cabe ressaltar que o ciclo hidrológico não apresenta um “começo” nem um
“fim”, já que a água está em movimento contínuo, sendo o início da descrição do ciclo realizado a partir da evaporação dos oceanos apenas por questões didáticas.
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Outro fato a ser ressaltado é que a evaporação está presente em quase todas as etapas do ciclo. Um termo normalmente usado para denotar a evaporação associada à transpiração da vegetação é a evapotranspiração. Apesar de haver algumas divergências quantos aos valores estimados de autor para autor, convém comentar que cerca de 383.000 km3 de água evaporam por ano dos oceanos (Wundt, 1953, apud Esteves, 1988). Isso equivaleria à retirada de uma camada de 106 cm de espessura dos oceanos por ano. Desse total evaporado, estima-se que 75% retornem diretamente aos oceanos sob a forma de precipitação, enquanto os 25% restantes precipitam sobre os continentes. Uma curiosidade evidenciada por Esteves (1988) é que a composição química da precipitação oceânica difere nitidamente da continental, particularmente no que diz respeito à concentração de íons como Na+, Mg2+ e Cl-, maior na precipitação oceânica. O ciclo hidrológico, como já colocado anteriormente, promove a movimentação de enormes quantidades de água ao redor do planeta. Entretanto, algumas das fases do ciclo são consideradas rápidas e outras muito lentas, se comparadas entre si. A Tabela 2.1 ilustra esse comentário, ao apresentar alguns períodos médios de renovação da água nos diferentes “reservatórios”. Tais valores dizem respeito ao tempo necessário para que toda a água contida em cada um dos reservatórios seja renovada – dentro de uma visão bastante simplificada, é claro, da “entrada”, “circulação” e “saída” de água neles.
Tabela 2.1 – Período de renovação da água em diferentes reservatórios na Terra. Fonte: Shiklomanov (1997) apud Setti et al. (2001). Reservatórios Período médio de renovação Oceanos 2.500 anos Águas subterrâneas 1.400 anos Umidade do solo 1 ano Áreas permanentemente congeladas 9.700 anos Geleiras em montanhas 1.600 anos Solos congelados 10.000 anos Lagos 17 anos Pântanos 5 anos Rios 16 dias Biomassa algumas horas Vapor d'água na atmosfera 8 dias
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A princípio, as etapas de precipitação e evaporação são consideradas as mais importantes dentro do ciclo hidrológico, pensando em termos de volume de água movimentado. Entretanto, à medida que se diminui a escala de análise, as demais fases do ciclo se tornam muito importantes. Por exemplo, analisando uma determinada área de dezenas de hectares, a interceptação, infiltração, percolação e escoamento superficial são bastante relevantes para entendimento dos processos hidrológicos.
Impactos sobre o ciclo hidrológico Observando a descrição do ciclo hidrológico, é fácil perceber o quanto ele é condicionado pelas características locais, como clima, relevo, tipo de solo, uso e ocupação do solo, geologia, tipo de cobertura vegetal, rede hidrográfica (rios), etc. Por exemplo, a interceptação que ocorre em uma área com mata nativa é muito superior à de áreas agrícolas, como o cultivo de fumo e arroz. Em áreas com solo tipo argiloso, pouco permeável, a infiltração se dá em menor quantidade do que em áreas com solo arenoso, mais permeável, enquanto que em áreas pavimentadas essa fase já não ocorre praticamente. Como o escoamento se processa movido pela ação da gravidade, em terrenos mais íngremes a tendência é ocorrer menor retenção da água em depressões do solo, com escoamentos mais rápidos do que em terrenos mais planos, onde há maior propensão ao acúmulo de água, facilitando a infiltração. O homem vem modificando o meio em que vive, de modo à “adequá-lo” às suas necessidades, o que repercute em sensíveis alterações do ciclo hidrológico. Por exemplo, pode-se citar o barramento de rios, que modifica o regime de escoamento, aumenta a evaporação e eleva o nível das águas subterrâneas (lençol freático), além de outras conseqüências sobre a biota aquática. Outro exemplo é a impermeabilização do solo devido à urbanização, o que diminui a parcela infiltrada e aumenta o escoamento superficial, causando alagamentos. O desmatamento é outro exemplo, na medida em que diminui a interceptação, deixando os solos expostos à ação das gotas de chuva e do escoamento superficial, que erodem o solo e carreiam nutrientes e sedimentos para rios e lagos. Para ilustrar o efeito da substituição da cobertura natural do solo pela urbanização sobre o ciclo hidrológico, tem-se a Figura 2.2. Observa-se que, após uma impermeabilização entre 30% e 50% da superfície, o escoamento superficial passa a 10
corresponder a 55% do total precipitado, enquanto esse percentual era equivalente a apenas 10% da precipitação para a situação de cobertura natural do solo.
Figura 2.2 – Ilustração do efeito da urbanização sobre o ciclo hidrológico (os percentuais se referem à parcela da precipitação que “segue” cada uma das fases do ciclo). Fonte: adaptado de EPA (1998).
Além de alterar as fases do ciclo hidrológico, as atividades antrópicas1 têm uma série de repercussões sobre o meio ambiente, tais como: contaminação de corpos d’água, devido ao lançamento de efluentes de origem industrial, agrícola ou doméstico (esgoto das cidades); introdução de espécies exóticas (espécies que não eram encontradas na região na região e foram introduzidas pelo homem); ocupação de planícies de inundação; mudanças globais no clima; desmatamento; contaminação do ar, ocasionando chuvas ácidas, etc (Tabela 2.2). 1
atividade antrópica = aquela relativa à ação humana. 11
Tabela 2.2 – Atividade humana e seus impactos sobre a disponibilidade hídrica. (Fonte: adaptado de Tundisi, 2000). Atividade humana Impacto nos ecossistemas aquáticos
Valores/serviços em risco
Construção de represas
Alteração do fluxo dos rios, transporte de nutrientes e sedimentos, intereferência na migração e reprodução de peixes
Habitats, pesca comercial e esportiva, deltas e suas economias
Construção de diques e canais
Destruição da conexão do rio com as áreas inundáveis
Fertilidade natural das várzeas e controles das enchentes
Alteração do canal Danos ecológicos dos rios. Modificação natural dos rios dos fluxos dos rios
Drenagem de áreas alagadas
Desmatamento/uso do solo
Eliminação de um componente fundamental dos ecossistemas aquáticos
Habitats, pesca comercial e esportiva. Produção de hidroeletricidade e transporte. Biodiversidade. Funções naturais de filtragem e reciclagem de nutrientes. Habitats para peixes e aves aquáticas.
Mudança de padrões de drenagem, Qualidade e quantidade da água, inibição da recarga natural dos pesca comercial, biodiversidade aquíferos, aumento da sedimentação e controle de enchentes.
Poluição não controlada
Prejuízo da qualidade da água
Suprimento de água. Custos de tratamento. Pesca comercial. Biodiversidade. Saúde humana.
Remoção excessiva de biomassa
Diminuição dos recursos vivos e da biodiversidade
Pesca comercial e esportiva. Ciclos naturais dos organismos.
Introdução de espécies exóticas
Supressão das espécies nativas. Alteração dos ciclos de nutrientes e ciclos biológicos
Poluentes do ar (chuva ácida) Mudanças globais no clima
Habitats, pesca comercial. Biodiversidade natural e estoques genéticos. Pesca comercial. Biota aquática. Perturbação da composição química de Recreação. Saúde humana. rios e lagos Agricultura Alteração drástica do volume dos recursos hídricos, dos padrões de distribuição da precipitação e evaporação, riscos de enchente
Suprimento de água, transporte, produção de energia elétrica, produção agrícola, pesca.
Crescimento da Aumento na pressão para construção Praticamente todas as atividades população e padrões de hidroelétricas, da poluição da água, econômicas que dependem dos gerais do consumo da acidificação de lagos e rios. serviços dos ecossistemas Modificação do ciclo hidrológico. aquáticos. humano
Usos da água Os setores usuários das águas são diversos, utilizando-as para diferentes fins. Dependendo do uso, há a necessidade de derivação da água e ocorre um consumo (uso consuntivo), retornando determinada parcela da água aos corpos d’águas. Outros usos, 12
como a navegação, por exemplo, são considerados não consuntivos, pois não alteram a quantidade deste recurso na natureza. Na Tabela 2.3 são listados os principais usos da água, explicitando algumas características: existência ou não de derivação de águas do seu curso natural; a finalidade e os tipos de uso; as perdas por uso consuntivo da água; os requisitos de qualidade exigidos para cada uso e; os efeitos da utilização, especialmente de qualidade. Tabela 2.3 – Usos da água (Fonte: adaptado de Barth, 1987, apud Setti et al., 2001). Forma
Finalidade
Tipo de uso
abastecimento urbano
abastecimento doméstico, industrial, comercial e público
Uso consuntivo
Requisitos de qualidade
baixo, de 10%, sem altos ou médios, influindo contar as perdas nas no custo do tratamento redes
sanitário, de processo, médio, de 20%, abastecimento incorporação ao médios, variando com o variando com o tipo de produto, refrigeração e industrial tipo de uso uso e de indústria geração de vapor Com derivação de águas
sem derivação das águas
Efeitos nas águas Poluição orgânica e bacteriológica Poluição orgânica, substâncias tóxicas, elevação de temperatura
irrigação
irrigação artificial de culturas agrícolas segundo diversos métodos
alto, de 90%
Médios, dependendo do tipo de cultura
Carreamento de agrotóxicos e fertilizantes
abastecimento
doméstico ou para dessedentação de animais
baixo, de 10%
Médios
Alterações na qualidade com efeitos difusos
aqüicultura
estações de piscicultura e outras
baixo, de 10%
Altos
Carreamento de matéria orgânica
geração hidroelétrica
acionamento de turbinas hidráulicas
perdas por evaporação do reservatório
baixos
alterações no regime e na qualidade da água
navegação fluvial
manutenção de calados mínimos e eclusas
não há
baixos
lançamento de óleo e combustíveis
lazer contemplativo
altos, especialmente recreação de contato primário
não há
natação e outros recreação, lazer esportes com contato e harmonia direto, como iatismo e paisagística motonáutica
pesca
com comerciais de espécies naturais ou introduzidas através de estações de piscicultura
diluição, autodepuração e assimilação de esgotos transporte de esgotos urbanos e industriais usos de preservação
vazões para assegurar o equilíbrio ecológico
não há
altos, nos corpos d'água, alterações na qualidade correntes, lagos, ou após mortandade de reservatórios artificiais peixes
não há
não há
poluição orgânica, física, química e bacteriológica
não há
médios
melhoria da qualidade da água
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Escassez da água Há algum tempo atrás, predominava a idéia da abundância da água na natureza, o que não gerava preocupação quanto à quantidade de água consumida ou desperdiçada por determinado uso. Entretanto, atualmente tem-se tentado tornar cada vez mais consensual a noção de escassez de água, pelo menos em termos relativos, em virtude da crescente demanda por esse valioso recurso. São diferenciados dois tipos de escassez: (a) escassez quantitativa e (b) escassez qualitativa. A escassez quantitativa decorre da falta de água em quantidade suficiente para atender àqueles usos pretendidos, sendo comum a ocorrência no Nordeste brasileiro (região semi-árida, principalmente). Cabe salientar aqui a irregular distribuição temporal (precipitações concentradas em poucos meses do ano) e espacial (abundância de água na Amazônia e escassez no semi-árido nordestino). A escassez qualitativa é resultante da falta de qualidade suficiente da água para atender os usos pretendidos, ocasionada principalmente pelo lançamento de esgotos das várias origens. Assim, por ser um recurso escasso, a água é considerada dotada de valor econômico, como dispõe a Lei 9.433 de 19972, a chamada Lei das Águas. Por isso, além da gestão da oferta de água (busca de novos mananciais de abastecimento ou aumento da exploração dos existentes), praticada há mais tempo, tem-se ressaltado a necessidade da gestão da demanda pela água. Isso visa proporcionar um uso racional desse recurso e, para tanto, diversos instrumentos estão previstos na referida lei, entre eles alguns instrumentos econômicos, como a outorga e a cobrança pela água. A outorga se refere basicamente à concessão do direito de utilização da água, seja para captá-la, para usá-la como diluição de esgotos (efluentes) ou para geração de energia elétrica, a ser emitida pelo órgão responsável. A cobrança diz respeito ao pagamento de um valor pela retirada da água do corpo d’água ou pelo lançamento de efluentes no mesmo.
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Lei Federal n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e dá outras providências. 14
Capítulo
3 Bacia Hidrográfica
Conceito de bacia hidrográfica A expressão bacia hidrográfica é usada para denotar a área de captação natural da água de precipitação que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, que é chamado de exutório. A bacia é constituída por um conjunto de superfícies vertentes – terreno sobre o qual escoa a água precipitada – e de uma rede de drenagem formada por cursos d’água que confluem até resultar um leito único no exutório.
Superfícies Superficies Vertentes vertentes
Rede de Rede de drenagem drenagem Fonte: adaptado de EPA (1998)
Figura 3.1 – Superfícies vertentes e rede de drenagem que compõem uma bacia hidrográfica.
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Relembrando os processos envolvidos no ciclo hidrológico (Capítulo 2), a bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico, cuja entrada é o volume de água precipitado e cuja saída é o volume de água escoado pelo exutório. Entretanto, esse é um sistema aberto, já que nem toda a precipitação (entrada de água) se torna escoamento no exutório (saída) ou fica armazenada na própria bacia. Há perdas intermediárias, relativas aos volumes evaporados, transpirados (pela vegetação) ou infiltrados profundamente (Figura 3.2). Tais volumes de água representam parcela da entrada no sistema que é “perdida” para a atmosfera ou para camadas profundas do subsolo.
limite da bacia hidrográfica
Precipitação
evaporação transpiração
rede de drenagem
Vazão
percolação profunda
Figura 3.2 – Representação da bacia hidrográfica como um sistema aberto. Mesmo com esse aspecto de sistema aberto, o estudo hidrológico se dá a nível de bacia hidrográfica, cujo papel hidrológico é entendido como sendo o de transformar uma entrada de volume de água concentrada no tempo (que é a precipitação) em uma saída de água de forma mais distribuída no tempo (escoamento pelo exutório). Nesse meio termo, ou seja, entre a ocorrência da precipitação e a vazão de saída da bacia, decorrem todos os processos descritos no Capítulo 2, compondo o Ciclo Hidrológico. Há interceptação pela vegetação, erosão do solo, evaporação, transpiração, armazenamento da água em depressões do solo, infiltração sub-superficial e profunda, etc. Ocorrem também os diversos usos da água pela população residente na bacia, como captação de água para abastecimento doméstico, uso para lazer, banho, lançamento de esgotos e efluentes industriais, entre outros. Entretanto, como acontece cada processo do ciclo ou cada uso da água e em que intensidade vai variar conforme as características da
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bacia, como relevo, topografia, cobertura vegetal, tipo de solo, geologia, presença de áreas urbanas, atividades agropecuárias ou industriais, etc. Na Figura 3.3 são apresentados dois gráficos, denominados de hietograma e hidrograma. O primeiro se refere à representação da precipitação ocorrida ao longo do tempo, enquanto o hidrograma retrata o comportamento da vazão ao longo do tempo. Tais gráficos são apenas exemplos típicos e serão discutidos em mais detalhes no Capítulo referente ao Escoamento Superficial, mas permitem visualizar o papel hidrológico da bacia, transformando a entrada de água concentrada no tempo em uma saída mais distribuída.
precipitacao
tempo (Hietograma) Hietograma)
vazao
tempo (Hidrograma) Hidrograma)
Figura 3.3 – Exemplo de gráficos da precipitação ao longo do tempo (hietograma) e da vazão (hidrograma), ilustrando o papel hidrológico de uma bacia hidrográfica.
Simplificadamente, pode-se descrever o processo de transformação da precipitação em vazão do seguinte modo: a precipitação que cai sobre as vertentes (superfícies que contribuem para os cursos d’água da rede de drenagem) infiltra-se totalmente no solo até saturá-lo. Nesse instante, decresce a taxa de infiltração, que passa a ser inferior à precipitação e aumenta o escoamento superficial (Figura 3.4), que segue até a rede de drenagem e daí até o exutório da bacia. Esse processo de formação do escoamento superficial é geralmente caracterizado como uma “produção de água” pelas vertentes.
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À medida que se processa o escoamento superficial nas vertentes, ocorre também o transporte de partículas do solo (sedimentos), devido à força erosiva das gotas da chuva e à própria ação do escoamento. Isso é referido como “produção de sedimentos” pelas vertentes, de forma análoga à produção de água, e será melhor discutido no Capítulo referente ao Transporte de Sedimentos. Importante ressaltar que as superfícies vertentes e a rede de drenagem são indissociáveis, visto que estão em constante interação. Durante a precipitação, as vertentes contribuem para os arroios e rios com água e sedimentos carreados. Entretanto, quando ocorre cheia no rio, este extravasa da sua calha principal, alcançando a planície de inundação, ocorrendo fluxo inverso de água e sedimentos (agora no sentido calha do rio para planície de inundação).
Figura 3.4 – “Produção” de escoamento superficial nas superfícies vertentes de uma bacia hidrográfica.
Delimitação da bacia hidrográfica Como já mencionado, a bacia hidrográfica é vista como o conjunto de áreas que contribuem para um determinado ponto. Entretanto, como definir tal área de contribuição, também conhecida como área de drenagem? Normalmente, os limites da bacia são estabelecidos analisando a topografia do terreno (relevo), através das curvas de nível (linhas indicativas da altitude do terreno – cotas – em relação a um referencial, como o nível do mar). Seja utilizando mapas impressos ou arquivos eletrônicos, a bacia hidrográfica é delimitada identificando as áreas de maior cota, que constituem os
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chamados divisores topográficos da bacia. Como o escoamento se dá pela ação da gravidade, e a bacia é definida como o conjunto de áreas que contribuem para um ponto, é fácil perceber que as regiões de terreno mais elevado estabelecem uma divisão entre a parte do terreno cujo escoamento segue até o rio em questão e a parte cujo escoamento segue para outro rio de outra bacia. Também é importante ter em mente o conceito de “bacias dentro de bacias”, o qual é ilustrado pela Figura 3.5. Tendo o ponto A como base, a área contribuinte, ou seja, sua bacia hidrográfica é a indicada em tal figura. Entretanto, essa bacia está inserida na bacia do ponto B que, por sua vez, está contida na bacia do ponto C. Assim, conforme a escala em que se trabalhe e, principalmente, o interesse do estudo a ser realizado, serão tomadas as bacias “maiores” ou as sub-bacias e micro-bacias.
A B
C Figura 3.5 – Delimitação da área contribuinte conforme o ponto considerado (A, B ou C, cuja localização é indicada pelas setas). Voltando à questão da delimitação de uma bacia, a rigor existem três tipos de divisores de bacias: divisor topográfico, baseado no relevo; divisor geológico, em função das características geológicas; e divisor freático, estabelecido de acordo com a posição do lençol freático (nível das águas subterrâneas no subsolo) (Figura 3.6). Mas, devido à falta de informações e à não praticidade no estabelecimento dos divisores geológicos e freáticos, geralmente são empregados apenas os divisores topográficas para identificar e delimitar uma bacia.
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Fonte: Villela (1975)
Figura 3.6 – Indicação dos divisores topográficos e freáticos de uma bacia hidrográfica (Fonte: Villela, 1975).
Bacia hidrográfica x gestão dos recursos hídricos Com base nas definições de bacia hidrográfica, percebe-se porque se adota a bacia hidrográfica como unidade para a gestão dos recursos hídricos. Como a bacia define todas as áreas contribuintes para um ponto, isso significa que os impactos, ações, intervenções, projetos em um ponto da bacia poderão repercutir em toda a área a jusante da área afetada inicialmente. Por exemplo, o lançamento de efluentes de uma indústria em um determinado ponto de um arroio irá influir na qualidade da água em todo o restante do arroio a jusante, bem como nos demais cursos d’água para o qual tal arroio conflui. Outro exemplo diz respeito ao desmatamento de uma parte da área da bacia, cujo efeito (maior geração de escoamento superficial) será sentido nos trechos a jusante da bacia. Assim, os problemas relativos à água são comumente tratados pensando na bacia hidrográfica onde estão inseridos, cuja delimitação prevalece sobre os limites municipais e estaduais, por exemplo. Por isso, a Lei 9.433 (1997) estabelece como um dos princípios a definição da bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos.
20
O território brasileiro foi dividido inicialmente em 8 regiões hidrográficas (R. H.), mas atualmente, segundo a Resolução 32 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) de 15 de outubro de 2003, são estabelecidas 12 regiões hidrográficas (Figura 3.6): R. H. do Amazonas; R. H. do Tocantins; R. H. do Paraguai; R. H. do Paraná; R. H. do Atlântico Nordeste Ocidental; R. H. do Atlântico Nordeste Oriental; R. H. do Parnaíba; R. H. do São Francisco; R. H. do Atlântico Leste; R. H. do Atlântico Sudeste; R. H. do Atlântico Sul; R. H. do Uruguai.
R.H. Atlântico Nordeste Ocidental
R.H. do Parnaíba R.H. Amazônica
R.H. Atlântico Nordeste Oriental
R.H. do Tocantins
R.H. do São Francisco R.H. Atlântico Leste
R.H. do Paraguai R.H. do Paraná
R.H. Atlântico Sudeste
R.H. do Uruguai R.H. Atlântico Sul
Figura 3.7 – Divisão hidrográfica nacional (Fonte: adaptado de ANA, 2004). O Estado do Rio Grande do Sul, portanto, está inserido nas Regiões Hidrográficas do Uruguai e do Atlântico Sul. Por outro lado, o próprio Estado foi dividido em três regiões hidrográficas menores, que são: a Região Hidrográfica do Uruguai, a Região Hidrográfica do Guaíba e a Região Hidrográfica do Litoral (Figura 3.8). Vale ressaltar aqui que o conceito de região hidrográfica difere um pouco de bacia hidrográfica. As regiões hidrográficas foram traçadas com base nas bacias hidrográficas mas respeitando alguns limites geopolíticos. Por exemplo, tem-se a Região Hidrográfica Amazônica. Parte da bacia contribuinte ao rio Amazonas está além
21
da fronteira do Brasil, de modo que o traçado da região correspondente seguiu a delimitação do país na parte norte. No caso do Rio Grande do Sul, a Região Hidrográfica do Uruguai constitui o conjunto de áreas que drenam para o Rio Uruguai, embora haja uma parcela de área contribuinte a esse corpo d’água situada na Argentina e no Uruguai. A Região Hidrográfica do Guaíba contempla todas as áreas cuja contribuição segue para o Lago Guaíba. Já a Região Hidrográfica do Litoral é composta pelas áreas que drenam diretamente para o oceano ou para o sistema de lagoas Mirim, Mangueira e Lagoa dos Patos.
Figura 3.8 – Divisão hidrográfica do Estado do Rio Grande do Sul.
22
Fisiografia da bacia hidrográfica A caracterização física da bacia hidrográfica, em termos de relevo, rede de drenagem, forma e área de drenagem, constitui o que se denomina de fisiografia. Para essa caracterização são utilizados mapas, fotografias aéreas, imagens de satélite (sensoriamento remoto) e levantamentos topográficos. Até um tempo atrás utiliza-se instrumentos como o curvímetro e o planímetro, que permitiam calcular comprimentos e áreas sobre mapas impressos. Entretanto, hoje em dia são empregados programas computacionais específicos, facilitando e agilizando enormemente essa tarefa. A seguir serão apresentadas algumas características fisiográficas mais utilizadas. Área da bacia A área da bacia (A) corresponde a sua área de drenagem, cujo valor corresponde à área plana entre os divisores topográficos projetada verticalmente. O conhecimento da área da bacia permite estimar qual o volume precipitado de água, para uma certa lâmina de precipitação3, pela expressão: volume precipitado = lâmina precipitada x área da bacia Como exemplo, a bacia do rio Caí tem uma área estimada em 4.983 km2, enquanto a área da bacia dos rios Taquari-Antas é de cerca de 26.536 km2. Forma da bacia A forma da bacia, obviamente, é função da delimitação da área da bacia e tem influência no tempo transcorrido entre a ocorrência da precipitação e o escoamento no exutório. Em bacias de formato mais arredondado esse tempo tende a ser menor do que em bacias mais compridas, como ilustra a Figura 3.9 para três bacias hipotéticas. Dois coeficientes são comumente empregados como indicativos da forma da bacia: fator de forma e coeficiente de compacidade. -
Fator de forma: esse coeficiente é definido pela relação entre a largura média da bacia e o comprimento axial do curso d’água principal (LC ) . A largura média L é calculada pela expressão:
3
O conceito de lâmina de precipitação é definido no Capítulo 4 – Precipitação. 23
L=
A , Lc
e, portanto, o fator de forma K f é determinado por: Kf =
L A = 2 Lc Lc
Esse coeficiente dá uma idéia da tendência da bacia a cheias e, a princípio, comparando-se duas bacias, aquela de maior fator de forma estaria mais propensa a cheias do que a outra. -
Coeficiente de compacidade: esse coeficiente é definido como a relação entre o perímetro da bacia e a circunferência de um círculo de mesma área da bacia. Assim, considerando uma bacia de área A e um círculo também de área A, temse que: Kc =
Pbacia P = Pcículo 2πr
e
A = πr 2
Logo: K c = 0,28
P A
Pela sua definição, se K c = 1 a forma da bacia é um círculo, sendo mais “irregular” quanto maior o valor desse coeficiente, o que implica em uma menor tendência a cheias.
b. 1
b. 2
b. 3
Figura 3.9 – Bacias hipotéticas de mesma área, onde o tempo entre a precipitação e a vazão no exutório tende a ser na seguinte ordem: t2<t1<t3, devido à forma da bacia.
24
Rede de drenagem A rede de drenagem é constituída pelo rio principal e seus afluentes. O rio principal é identificado a partir do exutório da bacia, “subindo o rio”, ou seja, percorrendo o sentido inverso do fluxo da água, até percorrer a maior distância (em outras palavras, o rio principal é aquele maior curso d’água do exutório até a cabeceira da bacia). Quatro indicadores são utilizados, geralmente, para descrever a rede de drenagem de uma bacia: ordem dos cursos d’água, densidade de drenagem, extensão média do escoamento superficial e sinuosidade do curso d’água principal, os quais serão descritos a seguir. -
Ordem dos cursos d’água: esse parâmetro dá uma idéia do grau de ramificação da rede de drenagem, sendo a regra mais usual de classificar cada curso d’água a que considera que todos os cursos d’água que não recebem afluência de outros são de ordem 1; dois de ordem n formam um curso d’água de ordem n+1; dois de ordens diferentes formam um de ordem igual àquele formador de maior ordem. A bacia hipotética da Figura 3.10 exemplifica esse processo.
1
1
1
1
2
2
2
1 1
2
1 3
3
Figura 3.10 – Classificação dos cursos d’água de uma bacia quanto à ordem. -
Densidade de drenagem: esse índice é definido pela relação entre o comprimento total dos cursos d’água da bacia (∑ lc ) e sua área: Dd =
∑l
c
A
Os valores mais usuais da densidade de drenagem são: 0,5 ≤ Dd ≤ 3,5 km / km 2 . -
Extensão média do escoamento superficial: representa a distância média que água teria que percorrer, em linha reta, do ponto onde atingiu o solo até a rede de drenagem. Para sua determinação, considera-se um retângulo de área igual à da 25
bacia e com o maior lado igual à soma do comprimento total dos cursos d’água, como exemplifica a Figura 3.11.
2lm
lm
4lm
x = ∑ lC
Figura 3.11 – Retângulo auxiliar de área igual à da bacia, para determinação da extensão média do escoamento superficial. Interpretando o retângulo anterior como sendo a bacia, é fácil perceber que a distância média que a água precipitada percorre até alcançar a rede de drenagem é um quarto do seu lado menor. No caso do retângulo, a rede de drenagem se limita ao curso d’água central, cujo comprimento é equivalente ao comprimento total dos cursos d’água da bacia original. Como o retângulo da Figura 3.11 tem área igual à da bacia, tem-se que: A = x ⋅ 4lm
-
⇒ lm =
A 4∑ lc
Sinuosidade do curso d’água principal: representa a relação entre o comprimento do rio principal ( Lc ) e a distância entre a nascente (cabeceira) e a foz (dc ) , medida em linha reta. Esse termo dá uma idéia da “quantidade” de curvatura do rio, sendo determinado pela expressão: Sc =
Lc dc
A Figura 3.12 ilustra a definição das variáveis Lc e dc , enquanto a Figura 3.13 mostra um rio nos EUA que apresenta grande sinuosidade, evidenciada pela quantidade de meandros.
26
dC
LC
Figura 3.12 – Representação do comprimento do rio principal ( Lc ) e a distância entre sua foz e nascente (dc ) .
Fonte: EPA (1998)
Figura 3.13 – Foto de um rio nos EUA dando idéia da sinuosidade de um curso d’água natural.
Relevo da bacia As características do relevo da bacia têm influência direta sobre o escoamento superficial, principalmente na velocidade do escoamento e na maior ou menor tendência ao armazenamento da água na superfície ou depressões do solo. Entretanto, o relevo também influencia a evaporação, a precipitação e a temperatura, por serem função da altitude, dentre outras variáveis.
27
-
Declividade da bacia: bacia com maior declividade tende a ter maior velocidade do escoamento e ser mais susceptível à erosão do solo, caso este esteja descoberto; a declividade da bacia é geralmente estimada pelo método das quadrículas, analisando as curvas de nível do terreno. O referido método foge ao escopo desta disciplina e não é descrito neste texto.
-
Declividade do curso d’água principal: para dois pontos quaisquer do curso d’água, a declividade é determinada pela relação entre a diferença total de elevação do leito (cotas) e a distância horizontal entre eles: DC =
-
∆Cota1 dist.horiz.
Curva hipsométrica: representação gráfica do relevo médio da bacia, indicando para cada cota do terreno a porcentagem da área da bacia situada acima ou abaixo dessa cota. A Figura 3.14 mostra um exemplo típico de uma curva hipsométrica, na qual 38% da área da bacia está situada acima da cota 50 m.
Cota (m) 150 100 50
38% 20%
40%
60%
80%
100%
Figura 3.14 – Exemplo de uma curva hipsométrica, segundo a qual, por exemplo, 38% da área da bacia está em cotas superiores à 50 m.
28
Capítulo
4 Precipitação
Aspectos gerais
A precipitação é entendida como qualquer forma de água proveniente da atmosfera que atinge a superfície terrestre, como, por exemplo, neve, granizo, chuva, orvalho, geada, etc. O que diferencia as várias formas de precipitação é o estado em que a água se encontra. Devido a sua capacidade de gerar escoamento, a chuva constitui a forma de precipitação de maior interesse para a hidrologia. Como visto nos Capítulos 2 e 3 anteriores, parcela da chuva que atinge o solo gera escoamento nas vertentes da bacia hidrográfica, alcançando a rede de drenagem e daí seguindo até o exutório da bacia. Como a precipitação constitui a “entrada” de água na bacia hidrográfica, tomando-a como um sistema físico, a estimativa da precipitação em uma bacia dá idéia da disponibilidade hídrica nela, servindo para avaliar a necessidade de irrigação, a previsão de enchentes nos rios, a operação de hidroelétricas, o atendimento às demandas para abastecimento público, etc. Mecanismo de formação da precipitação
A precipitação ocorre a partir da presença de vapor d’água na atmosfera, que sob determinadas condições precipita na forma de neve, gelo, chuva, etc. Para a ocorrência de chuva, deve-se haver condições propícias para o crescimento das gotas de água, até que elas possuam peso superior às forças que as mantêm em suspensão na atmosfera. Esse crescimento se dá principalmente devido à presença dos chamados núcleos de condensação nas nuvens, que são partículas orgânicas, sais, cristais de gelo, produtos resultantes da combustão, entre outros. As gotas de chuva tendem a condensar sobre tais partículas e, mediante alguns processos
29
físicos, ocorre o crescimento das gotas, em parte devido ao choque das primeiras com outras gotas menores. Ao atingir peso suficiente, as gotas precipitam. Classificação da precipitação
A ocorrência de precipitação está geralmente relacionada à ascensão de ar úmido, após o qual se dá o processo de condensação sobre os núcleos e de crescimento das gotas, descritos no item anterior. Mas há diferentes mecanismos agindo no sentido de causar a referida ascensão do ar úmido e, conforme o tipo de mecanismo, as precipitações são classificadas em: -
Convectivas: a ascensão do ar úmido e quente decorrente de uma elevação excessiva de temperatura; como o ar quente é menos denso, ocorre uma brusca ascensão desse ar que, ao subir, sofre um resfriamento rápido, gerando precipitações intensas com pequena duração, cobrindo pequenas áreas; ocorrem com freqüência em regiões equatoriais;
-
Orográficas: a ascensão do ar quente e úmido, proveniente do oceano, ocorre devido a obstáculos orográficos, como montanhas e serras; ao subir, ocorre o resfriamento e em seguida a precipitação; são caracterizadas por serem de pequena intensidade, mas longa duração, cobrindo pequenas áreas; como as montanhas constituem um obstáculo à passagem do ar úmido (com “potencial” para formar precipitação), normalmente existem áreas no lado oposto caracterizadas por baixos índices de precipitação, sendo chamadas de “sombras pluviométricas”;
-
Frontais: neste tipo de precipitação, a ascensão do ar decorre do “encontro” entre massas de ar frias e quentes; como resultado, o ar mais quente e úmido sofre ascensão, resfria-se e ocorre a precipitação, caracterizada por longa duração e intensidade média, cobrindo grandes áreas.
30
Caracterização da precipitação
Uma precipitação, no caso chuva, é caracterizada pelas seguintes grandezas: -
altura pluviométrica (P): representa a espessura média da lâmina de água precipitada, sendo geralmente adotada como unidade o milímetro (mm); significa a espessura da lâmina de água que recobriria toda a região, supondo-se que não houvesse infiltração, evaporação nem escoamento para fora da região;
-
duração (t): representa o período de tempo durante o qual ocorreu a precipitação; geralmente se utilizam horas (h) ou minutos (min) como unidade;
-
intensidade (i): fazendo-se a relação da lâmina de água precipitada com o intervalo de tempo transcorrido, obtém-se a intensidade dessa precipitação, geralmente em mm/h ou mm/min; assim i = P/t;
-
tempo de recorrência (Tr): representa o número médio de anos durante o qual se espera que uma determinada precipitação seja igualada ou superada; por exemplo, ao se dizer que o tempo de recorrência de uma precipitação é de 10 anos, tem-se que, em média, deve-se esperar 10 anos para que tal precipitação seja igualada ou superada.
Medição da precipitação
Os instrumentos usuais de medição da precipitação são o pluviômetro e o pluviógrafo, descritos sucintamente a seguir. O pluviômetro é constituído por um recipiente metálico dotado de funil com anel receptor (Figura 4.1), geralmente com uma proveta graduada para leitura direta da lâmina de água precipitada. Esse instrumento armazena a água da chuva e, fazendo-se a leitura da proveta, tem-se a lâmina precipitada (P). Normalmente, a leitura é feita diariamente, às 7h da manhã, por uma pessoa encarregada (operador) – geralmente, um morador da região, cujo acesso diário ao equipamento seja fácil, e que recebe orientação do órgão/empresa responsável pelo monitoramento.
31
Assim, o pluviômetro indica a precipitação ocorrida nas últimas 24 horas, desde a última leitura, a qual é anotada pelo operador em uma caderneta diariamente.
Fonte: Studart, 2003.
Figura 4.1 – Foto de um pluviômetro. (Fonte: Studart, 2003). O outro instrumento utilizado para registrar a precipitação, o pluviógrafo, difere do pluviômetro basicamente por possuir um mecanismo de registro automático da precipitação, gerando informações mais discretizadas no tempo, isto é, informações em intervalos de tempo menores. Os equipamentos mais antigos utilizam um braço mecânico para traçado de um gráfico em papel graduado com os valores precipitados (Figura 4.2). Os pluviógrafos mais modernos armazenam tais informações em meio magnético (Figura 4.3) ou enviam em tempo real por sistema de transmissão remoto de dados. Para acionamento do mecanismo de registro, seja em papel ou em meio magnético, há dois tipos principais de sensores: cubas basculantes, cujo enchimento e vertimento aciona o registro; reservatório equipado com sifão, sendo a variação do nível no reservatório a responsável pelo acionamento do registro. Dessa forma, o pluviógrafo permite ter informações mais detalhadas ao longo do tempo, além de uma maior precisão também. Outra grande vantagem é não necessitar da visita diária do operador, cuja visita fica restrita à troca de papel ou para descarregar os dados em um computador portátil, em períodos como 15 dias ou um mês. Em tais casos, 32
o operador já passa a ser alguém com conhecimento mais especializado, geralmente um técnico.
Figura 4.2 – Foto de pluviógrafo com mecanismo de registro em papel graduado. (Fonte: Studart, 2003).
Figura 4.3 – Foto de pluviógrafo com mecanismo de registro em meio magnético. (Fonte: Hobeco, 2003).
33
Análise de dados de precipitação
Um posto de medição de chuva (posto pluviométrico) é instalado e mantido com o objetivo de obter uma série ininterrupta de dados de precipitação ao longo dos anos. Entretanto, é comum a ocorrência de problemas mecânicos ou com o operador, de modo que normalmente existem períodos sem registros das precipitações ou com falhas nas observações. Como falhas são designados dados cujos valores são incoerentes ou denotam erros grosseiros, os quais são detectados por análise visual no primeiro contato com a série histórica de dados ou mesmo só no momento do processamento das informações, durante os estudos hidrológicos. São comuns as falhas cuja origem é o preenchimento errado da caderneta pelo operador, constando valores absurdos de tão elevados ou com casas decimais acima da precisão do instrumento. Por exemplo, em dados diários, uma precipitação de 1000 mm com certeza representa uma falha de leitura, pois esse valor equivale ao precipitado anual em algumas regiões. Outro exemplo é um valor de 1,25 mm, sabendo que o pluviômetro usado tem graduação de 0,1 mm. Também pode ocorrer que o operador não pôde comparecer ao local e “estime” um valor para leitura, que, às vezes, é perceptível – o operador repete o último valor anotado ou coloca zero, por exemplo. Entretanto, as falhas também podem ter origem em problemas mecânicos no sensor ou no registrador do instrumento, causado por intempéries ou até por animais ou vandalismo. Enfim, é normal que as séries históricas de precipitação contenham falhas, as quais devem ser identificadas e excluídas, tornando as séries com “espaços” sem informação. Isso por que os estudos hidrológicos requerem séries contínuas de precipitação. Vale lembrar que, por exemplo, um dia com falha já incapacita o uso do valor da precipitação mensal naquele mês, dada pela soma das precipitações diárias. Preenchimento de falhas Para realizar o preenchimento de falhas em séries de dados de precipitação, tornando-as contínuas, são usualmente empregados os métodos da ponderação regional, regressão linear e uma combinação dos dois anteriores. A seguir tais métodos serão 34
brevemente apresentados, sendo a descrição detalhada encontrada na bibliografia indicada ao final deste documento. - Método da ponderação regional Este método consiste em estimar a precipitação ocorrida no posto com falha considerando-a proporcional às precipitações em postos vizinhos, sendo o fator de proporcionalidade função da precipitação média em tais postos, levando em consideração ainda a precipitação média no próprio posto com falha. Tal método é utilizado selecionando ao menos três postos vizinhos àquele com falha, os quais devem estar localizados em região climatologicamente semelhante ao posto com falha. Por exemplo, considerando que em uma série de dados de um posto X tenham sido encontradas falhas, e considerando que existem os postos Y, Z e W situados em regiões de clima semelhante e com dados disponíveis, as falhas citadas podem ser preenchidas pela seguinte equação, conforme o método da ponderação regional: P P 1 P PX = Z + Y + W 3 PZm PYm PWm
⋅ PXm ,
onde PXm, PYm, PZm e PWm são as precipitações médias nos postos X, Y, Z e W, respectivamente; PX, é a precipitação no posto X a determinar; PY, PZ e PW são as precipitações nos postos Y, Z e W, respectivamente, no intervalo de tempo referente àquele da precipitação no posto X a determinar. Esse método é normalmente usado para séries mensais ou anuais, não sendo recomendado para séries diárias, devido à grande variabilidade temporal e espacial da precipitação. - Método da regressão linear Outro método de preenchimento de falhas de dados de precipitação consiste em utilizar a técnica da regressão linear simples ou múltipla, segundo a qual a precipitação no posto com falhas é correlacionada estatisticamente com a precipitação em um posto vizinho com dados disponíveis, no caso da regressão simples, ou vários postos vizinhos, no caso da regressão múltipla. Basicamente, o referido método consiste em ajustar uma equação do tipo (para regressão linear múltipla):
35
PX = a ⋅ PY + b ⋅ PZ + c ⋅ PW + d , onde Px é a precipitação a ser determinada no posto X com falha; Py, Pz e Pw são as precipitações nos postos vizinhos Y, Z e W, respectivamente; a, b, c, d são coeficientes a ajustar com base nas séries de dados disponíveis dos quatro postos. O método mais comum de determinar os coeficientes a, b, c, d é o método dos mínimos quadrados, que procura ajustar tais valores de modo a minimizar o somatório do quadrado das distâncias de cada valor em relação à média e cuja descrição foge ao escopo deste texto, mas é facilmente encontrada em qualquer livro de Estatística, como por exemplo Spiegel (1972). - Método da ponderação regional com base em regressões lineares Sendo uma combinação dos dois métodos anteriores, este consiste em estabelecer regressões lineares entre o posto com falhas e cada um dos postos vizinhos selecionados. Para cada regressão linear, obtém-se um coeficiente de correlação (que estima o “grau de correlação” em cada regressão) e a partir desses coeficientes são determinados os pesos de cada posto na equação de determinação da precipitação no posto com falha. Assim, a precipitação no posto com falha é determinada por uma ponderação das precipitações nos postos vizinhos, sendo os pesos de cada posto estabelecidos em função do grau de correlação dos seus dados com os do posto com falhas, obtidos mediante regressão linear. Maiores informações sobre esse método podem ser encontradas em Tucci (2000). Análise de consistência Dispondo das séries de precipitação sem falhas, preenchidas por algum dos métodos descritos anteriormente, convém realizar uma análise de consistência, para avaliar a homogeneidade das informações entre os postos pluviométricos. Embora à primeira vista os dados possam estar com valores supostamente coerentes, é possível haver inconsistência nas informações dos totais precipitados, oriundos de problemas como troca de operador, troca de equipamento, mudança nas condições vizinhas ao local onde o equipamento está instalado, etc.
36
Caso sejam identificadas inconsistências, devem ser revistas as falhas preenchidas bem como tentar identificar outras falhas não apontadas inicialmente. Para detectar tais inconsistências, geralmente são empregados os métodos da Dupla Massa e do Vetor Regional. O primeiro método é descrito resumidamente a seguir, enquanto o segundo pode ser encontrado em detalhes em Tucci (2000). - Método da Dupla Massa Este é um método simples, desenvolvido pelo U.S. Geological Survey (Tucci, 2000), o qual consiste em traçar em um gráfico os totais acumulados de precipitação do posto a consistir (posto cuja consistência se quer analisar) versus os totais acumulados de um posto base de comparação. Se os pontos de tal gráfico se alinharem em uma reta aproximada, isso indica uma proporcionalidade entre os dados dos dois postos em questão, como ilustra a Figura 4.4-a.
Posto Y
Posto Y
Posto X
(a)
Posto Y
(c)
Posto X
(b)
Posto Y
Posto X
(d)
Posto X
Figura 4.4 – Exemplos de resultados da análise de consistência do Posto Y tendo como base o posto X (totais precipitados acumulados).
37
Entretanto, pode ocorrer que os pontos se alinhem em uma reta até certo instante e em outra a partir daí, sendo duas retas de declividades diferentes (Figura 4.4-b). Isso indica uma mudança de tendência no posto a consistir (no caso, posto Y), que pode ser causada por erros sistemáticos (por exemplo, mudança do operador, que está fazendo a leitura do instrumento erroneamente), por alterações climáticas, como a construção de um lago artificial próximo ao local de medição, entre outras. Também pode ocorrer dos pontos se alinharem em duas ou mais retas de mesma declividade (paralelas) (Figura 4.4-c). A principal causa são erros de transcrição dos dados, causados pelo operador ou durante o processamento das informações. Quando o gráfico dos totais acumulados apresenta a forma da Figura 4.4-d, onde os pontos estão distribuídos de forma dispersa, sem haver nenhuma tendência clara, isso indica, geralmente, que os postos em questão apresentam regimes pluviométricos distintos, não devendo ser usados conjuntamente nos estudos hidrológicos. Análise de freqüência dos totais precipitados
Uma análise simples e rápida de se fazer sobre os totais precipitados é verificar com qual freqüência eles ocorreram historicamente, com base nos dados observados disponíveis. Para tanto, os dados são dispostos em ordem decrescente de valores, sendo atribuído a cada um deles um número (m) correspondente a sua ordem – o primeiro (maior valor) recebe o valor m = 1, o segundo m = 2, e assim sucessivamente até o número de dados ou registros disponíveis, representado por n. O valor de m varia então de 1 até n. A freqüência (F) é determinada pelas equações abaixo, conforme se opte pelo método da Califórnia ou de Kimball:
F=
m n
(método da Califórnia)
F=
m n +1
(método de Kimball)
Convém ressaltar que o valor de F representa a freqüência com que o valor da precipitação de ordem m foi igualada ou superada, tendo como fonte de informações a série de dados disponíveis. Como já ressaltado, a precipitação é um fenômeno aleatório,
38
de grande variabilidade temporal e espacial, e a estimativa da freqüência F apenas dá uma idéia da probabilidade de ocorrência de cada valor da precipitação na área em estudo, havendo técnicas estatísticas mais complexas para realizar previsões mais confiáveis. Precipitação média em uma bacia
Os postos pluviométricos registram a precipitação pontual, naquele local onde estão instalados e, devido à variabilidade espacial e temporal da precipitação, as medições em postos geograficamente próximos são distintas. Para os estudos hidrológicos acerca de uma bacia hidrográfica, uma das informações mais imprescindíveis é o regime pluviométrico da região. Uma forma, então, de incorporar as medições pontuais dos postos e espacializar tais informações para a área da bacia é determinando a precipitação média. A precipitação média em uma bacia é entendida como sendo a lâmina de água de altura uniforme sobre toda a sua área, associada a um período de tempo (um dia, um mês, etc.). Obviamente, isso constitui uma simplificação, mas que permite inferir sobre o regime pluviométrico da região e servir de comparação entre bacias. Com base nos dados disponíveis de postos inseridos na área da bacia hidrográfica ou em regiões próximas, costuma-se estimar a precipitação média em uma bacia empregando o método aritmético, o método de Thiessen ou o método das isoietas, os quais serão descritos a seguir. Método artimético Esse método é o mais simples e consiste apenas em obter a precipitação média a partir da média aritmética das precipitações nos postos selecionados. Assim, supondo que estejam disponíveis dados dos postos X, Y, Z e W, a precipitação média na bacia da Figura 4.5 pode ser estimada como:
Pm =
PX + PY + PZ + PW , 4
onde PX, PY, PZ, PW, são as precipitações nos postos X, Y, Z e W, respectivamente, e Pm é a precipitação média na bacia.
39
Figura 4.5 – Postos com dados disponíveis para estimativa da precipitação média da bacia do exemplo.
Esse método não considera a localização geográfica dos postos, relativamente à bacia. Para o exemplo dado, a precipitação registrada no posto W tem a mesma “importância” daquela medida em Y, situada no interior da bacia, na estimativa da precipitação média via o método aritmético. Método de Thiessen Esse método determina a precipitação média em uma bacia a partir das precipitações observadas nos postos disponíveis, incorporando um peso a cada um deles, em função de suas “áreas de influência”. Com base na disposição espacial dos postos, são traçados os chamados polígonos de Thiessen, que definem a área de influência de cada posto em relação à bacia em questão. Dessa forma, a precipitação média é obtida pela ponderação dos valores registrados em cada posto e de suas áreas de influência. Considerando quatro postos com informação disponível (postos X, Y, Z e W), a precipitação média estimada por esse método é:
Pm =
AX ⋅ PX + AY ⋅ PY + AZ ⋅ PZ + AW ⋅ PW , A
onde: PX, PY, PZ, PW são as precipitações nos postos X, Y, Z e W, respectivamente; AX, AY, AZ, AW são as áreas de influência dos postos X, Y, Z e W; Pm é a precipitação média na bacia; A é a área da bacia que, no caso, corresponde à soma das áreas AX, AY, AZ, AW.
40
Para o traçado dos polígonos de Thiessen, inicialmente os postos são unidos por linhas retas formando um polígono fechado (Figura 4.6-b); em seguida, são traçadas retas perpendiculares aos segmentos que unem os postos, dividindo-os em duas partes iguais (Figura 4.6-c); essas retas perpendiculares são prolongadas até o cruzamento com as demais, definindo os polígonos de Thiessen e, portanto, as áreas de influência de cada posto na bacia (Figura 4.7).
(a)
(c)
(b)
Figura 4.6 – Exemplo do traçado dos polígonos de Thiessen, para estimativa da precipitação média na bacia, com base nos dados dos postos X, Y, Z e W.
(a)
(b)
Figura 4.7 – Definição dos polígonos de Thiessen e das áreas de influência dos postos X, Y, Z e W para estimativa da precipitação média na bacia do exemplo. Esse método incorpora, portanto, a questão da disposição espacial dos postos, relativamente à bacia, diferindo a “importância” de cada posto através da hipótese que
41
cada um teria sua área de influência na bacia. Como essas áreas não variam, visto que os postos têm localização fixa, o cálculo pode ser automatizado, agilizando o processo. Entretanto, uma crítica a esse método é que ele não leva em conta as características do relevo, apresentando bons resultados parar terrenos levemente ondulados e também quando há uma boa densidade de postos de medição da precipitação. Método das isoietas O método das isoietas, como o próprio nome sugere, utiliza as isoietas para determinação da precipitação média em uma bacia. As isoietas são linhas de igual precipitação, traçadas para um evento específico ou para uma determinada duração. Por exemplo, pode-se ter um mapa com as isoietas referentes ao evento chuvoso ocorrido em tal data, ou as isoietas de precipitação mensal na bacia. Enquanto a primeira seria obtida a partir dos dados do evento especificado, a segunda seria com base nas séries de dados mensais disponíveis. As isoietas são determinadas por interpolação a partir dos dados disponíveis nos postos da área em estudo, podendo depois ser ajustadas conforme o relevo. Na Figura 4.8 é apresentado um exemplo fictício das isoietas em uma bacia hidrográfica, correspondendo a valores mensais.
Figura 4.8 – Exemplo de isoietas mensais, com valores em mm.
42
A precipitação média na bacia pode ser obtida, portanto, a partir das isoietas traçadas, fazendo uma média ponderada em função das áreas entre duas isoietas consecutivas e o valor médio entre elas, como mostra a expressão a seguir:
∑ A Pm =
i , i +1
P + Pi +1 ⋅ i 2 , A
onde Ai,i+1 é a área entre a isoieta i e a consecutiva i+1; Pi e Pi+1 são as precipitações referentes às isoietas i e i+1; Pm é a precipitação média na bacia; e A é a área da bacia que, no caso, é equivalente ao somatório das áreas entre as isoietas. O emprego das isoietas para determinação da precipitação média em uma bacia tem a vantagem de que leva em consideração a disposição espacial dos postos na bacia, quando realiza a interpolação para traçado das isoietas, e também o relevo da bacia, ao permitir ajustar o traçado por ele. Precipitações máximas
A precipitação máxima é entendida como aquela ocorrência extrema, com duração, distribuição espacial e temporal críticas para uma área ou bacia hidrográfica. Em diversos estudos hidrológicos, o maior interesse é justamente conhecer ou estimar qual a precipitação máxima, ou seja, qual o total de precipitação, sua duração e distribuição espacial e temporal que sejam críticas para a área em estudo. Geralmente, para os estudos de drenagem urbana e de previsão de enchentes torna-se imprescindível a caracterização das precipitações máximas. Além disso, os dados de vazão estão menos disponíveis do que de precipitação e, com base nestes, pode-se determinar a precipitação máxima e então estimar a vazão de enchente na bacia. É importante perceber que uma precipitação máxima deve ser caracterizada pelas grandezas intensidade, duração e freqüência ou tempo de retorno. Dizer que a precipitação máxima em uma certa bacia é 120 mm não permite saber nada, sem informar a duração, pois esse total precipitado pode ocorrer em um dia ou em um mês, representando situações completamente distintas. E ao associar a intensidade e duração da precipitação com seu tempo de retorno, é possível ter uma idéia da freqüência de ocorrência da precipitação máxima especificada e, portanto, o quanto determinado projeto está “vulnerável” ou “seguro” ao considerar tal precipitação máxima. 43
Assim, para caracterizar a precipitação máxima em uma área, são normalmente empregadas as chamadas curvas i-d-f ou curvas intensidade-duração-freqüência. Tais curvas são obtidas a partir de dados de pluviógrafos, como apresentado por Tucci (2000). Para um determinado tempo de retorno (Tr), a curva i-d-f estabelece as máximas intensidades da precipitação (i) para cada duração (t), tendo geralmente a seguinte forma: c
i=
c1 ⋅ Tr 2 , (t + c3 )c 4
onde c1, c2, c3, c4, são coeficientes ajustados para cada região; i é a intensidade da precipitação em mm/h; t é a duração em minutos e Tr é o tempo de retorno em anos. Por exemplo, as curvas i-d-f para a cidade de Curitiba (PR) e para a região do Parque da Redenção, em Porto Alegre (RS), são: 5950 ⋅ Tr0, 217 i= (t + 26)1,15 i=
1265 ⋅ Tr0, 052 (t + 12)0,88
(curva i-d-f de Curitiba – PR) (curva i-d-f da Redenção, Porto Alegre –RS)
Assim, para um tempo de retorno de 10 anos, a precipitação máxima com duração de 2 horas, para a área próxima ao Parque da Redenção, em Porto Alegre, tem intensidade de 19 mm/h. Já para Curitiba, essa precipitação tem intensidade de 32 mm/h. Outra forma de apresentar a curva i-d-f é graficamente, como exemplifica a Figura 4.9, referente à cidade de Caxias do Sul, na qual são traçadas as curvas para os tempos de retorno de 2, 5 e 10 anos. Por exemplo, para um Tr = 10 anos e uma duração de 2 h, a intensidade da precipitação máxima em Caxias do Sul é em torno de 30 mm/h.
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Figura 4.9 – Curva i-d-f de Caxias do Sul, para os tempos de retorno de 2, 5 e 10 anos (nas ordenadas, tem-se a intensidade da precipitação, em mm/h; nas abscissas, a duração da precipitação, em horas) (Fonte: IPH, 2001).
45
Capítulo
5 Escoamento Superficial
Introdução
Conforme visto no Capítulo 2, uma das etapas do ciclo hidrológico compreende o escoamento superficial, cuja principal origem é a precipitação. Notadamente, dentre as várias formas de precipitação (granizo, neve, chuva, etc), ao se estudar o escoamento superficial o maior interesse e praticamente o único se resume à chuva, pela própria capacidade de gerar escoamento superficial. Relembrando o ciclo hidrológico, a precipitação que atinge o solo vai sendo armazenada nas depressões do solo e infiltrando até saturá-lo, quando então o escoamento superficial fica mais intenso. Esse é o chamado escoamento superficial “livre”, que ocorre sobre as diversas superfícies que compõem a bacia hidrográfica. Tal escoamento passa, então, a constituir a microrrede de drenagem, formando pequenos canaletes de água que procuram seguir caminhos preferenciais no solo, conforme a topografia (relevo), a presença de obstáculos, como rochas, raízes, plantas, etc, sob ação da gravidade. Ocorre, então, a formação de pequenos cursos d’água, os córregos, que também vão confluindo uns aos outros até alcançarem os rios. Nota-se, portanto, que há um longo caminho da água precipitada na bacia até o curso d’água principal, escoando inicialmente sobre o solo nas superfícies vertentes e daí seguindo o direcionamento da rede de drenagem, dos menores filetes de água até os maiores rios. Entretanto, a água que corre nos rios não tem como origem apenas o escoamento superficial sobre as superfícies vertentes da bacia. Uma parte da vazão4 do rio é proveniente do escoamento sub-superficial e subterrâneo, como descrito no Capítulo 2. Ou seja, parcela da água precipitada que infiltra vai escoar sub-superficialmente e outra 4
Vazão = volume por unidade de tempo, geralmente em m3/s ou l/s. 46
parcela vai se juntar ao escoamento subterrâneo, alimentando os rios. A rigor, há ainda a parcela da precipitação que cai diretamente sobre a superfície dos rios, mas que é geralmente desprezível, se for considerada relativamente às demais contribuições. Resumindo, em um corpo d’água o escoamento tem como origem as seguintes componentes: - precipitação direta sobre a superfície do corpo d’água; - escoamento superficial nas vertentes da bacia; - escoamento sub-superficial; - escoamento subterrâneo. Hidrograma
Para estudar ou avaliar o escoamento superficial, é de grande utilidade o traçado do hidrograma, que consiste em um gráfico da evolução da vazão ao longo do tempo. Para um rio, o hidrograma se refere a uma seção transversal específica, já que ao longo do seu curso o rio vai recebendo mais contribuições (volumes de água) e aumentando sua vazão5, de jusante para montante. Assim, tomando uma determinada seção de um rio, o hidrograma correspondente indica o volume de água escoado por unidade de tempo através daquela seção. Como comentado anteriormente, há um longo percurso para a água precipitada percorrer até atingir uma determinada seção do rio principal na bacia, além de “intervirem” ao longo desse caminho outras etapas do ciclo hidrológico, como evaporação, transpiração, infiltração, etc. Portanto, o comportamento da vazão ao longo do tempo é o resultado de todos os processos e etapas do ciclo hidrológico que ocorreram na bacia hidrográfica em questão, desde a ocorrência da precipitação até a composição dessa vazão. Vendo a bacia hidrográfica como um sistema físico, cuja entrada é a precipitação e a saída é a vazão no seu exutório, como comentado no Capítulo 3, entende-se que o hidrograma representa a “resposta” da bacia, naquele ponto ou seção considerada, à precipitação que ocorreu na sua área de contribuição. E o modo como ocorre essa “resposta”, ou seja, o formato do hidrograma (como evoluiu a vazão ao longo do
5
Em capítulo posterior, será dado maior ênfase às características do fluxo de água em um rio propriamente dito (fluxo fluvial). 47
tempo), é reflexo direto das particularidades de cada bacia hidrográfica, estando envolvidos fatores como grau de urbanização, tipo de solo, área, etc. A título de curiosidade e ilustração, na Figura 5.1 é apresentado um hidrograma composto por dados observados (vazões diárias medidas no próprio rio)6 no Rio Uruguai, na seção localizada em Garruchos, a cerca de 300 km a montante de Uruguaiana. Esse hidrograma é referente ao período entre julho e setembro de 1965, com destaque para a cheia que ocorreu entre os dias 16 e 30 de agosto.
Vazão no Rio Uruguai (RS), seção em Garruchos 35.000 30.000
vazão (m3/s)
25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 27/jul
06/ago
16/ago
26/ago
05/set
15/set
25/set
data (ano de 1965)
Figura 5.1 – Hidrograma na seção transversal do Rio Uruguai localizada em Garruchos, no período de 27/jul/1965 a 15/set/1965.
O hidrograma no Rio Uruguai apresentado ilustra bem a questão da resposta da bacia a um evento chuvoso. Observa-se que a vazão no rio oscilava em torno de 1.000 m3/s até 16 de agosto, quando começa a aumentar relativamente rápido, superando 30.000 m3/s por volta do dia 24 de agosto. Claramente, essa ascensão do hidrograma foi devido à ocorrência de uma precipitação intensa na área de contribuição a montante. Antes da precipitação, praticamente apenas o escoamento subterrâneo estava contribuindo para a formação daquela vazão no rio, em torno de 1.000 m3/s. Então, dada à ocorrência de um evento chuvoso, a resposta da bacia ou o hidrograma resultante tem tipicamente o aspecto daquele mostrado na Figura 5.2, ao qual se aproxima bem o hidrograma observado no Rio Uruguai. 6
Também no capítulo sobre Fluxo Fluvial serão descritos os métodos de medição de vazão. 48
Figura 5.2 – Hidrograma típico resultante da ocorrência de uma precipitação na área contribuinte.
No hidrograma esquemático da Figura 5.2, convém destacar alguns pontos interessantes: - em resposta à precipitação ocorrida, apresentada no alto da figura, a vazão no rio começa a subir a partir do instante correspondente ao ponto A, alcançando o pico (ponto de máxima vazão) em B e depois decrescendo; - o trecho de subida do hidrograma, entre os pontos A e B, é a curva de ascensão do hidrograma, enquanto o trecho B-C é a curva de depleção; - no hidrograma em questão, parte da vazão é devido ao escoamento superficial nas vertentes e parte é devido à alimentação do rio pelas águas subterrâneas (escoamento subterrâneo), sendo cada parcela correspondente indicada na figura – do eixo horizontal até a curva azul claro corresponde à vazão contribuinte do escoamento subterrâneo; de tal curva até a curva azul escuro (hidrograma propriamente dito) corresponde à contribuição do escoamento superficial na bacia;
49
- o ponto C caracteriza o instante de tempo em que não há mais escoamento superficial devido àquela precipitação contribuindo para essa seção do rio; esse ponto C é conhecido como ponto de inflexão; - também é interessante a caracterização do tempo de pico (tpico), ou seja, o tempo transcorrido desde o centro de massa da precipitação até o hidrograma atingir seu máximo. O traçado da curva indicativa da parcela do hidrograma referente à contribuição do escoamento subterrâneo (curva azul claro) compreende o que se chama de separação do escoamento superficial. Geralmente são adotados métodos gráficos para o traçado dessa curva, cuja descrição foge ao propósito deste texto, podendo ser encontrados alguns exemplos em Tucci (2000). Convém ressaltar que, desde o início da precipitação (instante de tempo t0), transcorreu um certo tempo até que essa água precipitada atingisse o curso d’água na seção em questão, o que só ocorreu no instante de tempo tA, referente ao ponto A, que já foi indicado como o início da ascensão do hidrograma. Novamente, isso é decorrente de todos os processos que estão envolvidos de certa forma no caminho desde a ocorrência da precipitação até a vazão no rio. Tempo de Concentração Uma característica importante do hidrograma de uma bacia é o tempo de concentração (tc), definido como sendo o tempo necessário para que toda a bacia hidrográfica contribua para o ponto (seção) analisado. Em outras palavras, o tempo de concentração também pode ser entendido como o tempo necessário para que a água precipitada no ponto mais distante da bacia se desloque até a seção analisada. Na prática, há diversas equações empíricas que correlacionam aspectos físicos da bacia com o tempo de concentração, sendo uma forma usual de estimar esse parâmetro. A equação de Kirpich e a desenvolvida pelo California Culverts Practice são dois exemplos: tC = 3,989 ⋅ L0, 77 ⋅ S −0,385
(Kirpich)
tC = 57 ⋅ L1,155 ⋅ H −0,385
(Califonia Culverts Practice)
50
onde: tC é o tempo de concentração (min); L é o comprimento do rio principal (km); S é a declividade do rio principal (m/m); H é a diferença de cota entre o exutório da bacia e o ponto mais a montante (m). Fatores intervenientes no hidrograma
Como já comentado, o hidrograma constitui a resposta da bacia à ocorrência de uma determinada precipitação, sendo resultado de todos os processos envolvidos que acontecem na bacia desde o instante em que a chuva cai até atingir o rio. Então, ao imaginar esse caminho e os processos envolvidos, percebe-se que há diversos fatores que influenciam no modo como a bacia vai responder à precipitação, ou seja, em como é o comportamento da vazão ao longo do tempo – o hidrograma. Os seguintes fatores podem ser listados como os principais: características fisiográficas da bacia; tipo de solo; uso e ocupação do solo; intervenções no rio; características da precipitação. Características fisiográficas da bacia Aspectos como forma, área, relevo e rede de drenagem têm grande influência na forma do hidrograma. Por exemplo, uma bacia com formato arredondado tende a apresentar o pico do hidrograma maior do que o de uma bacia de formato mais alongado, considerando semelhantes as demais condições. Como o escoamento ocorre pela ação da gravidade, é intuitiva a percepção de que uma bacia com maiores declividades do terreno também está sujeita a maiores cheias (hidrogramas mais acentuados) do que aquelas mais planas. No mesmo sentido, o fato de apresentar uma rede de drenagem melhor distribuída espacialmente (mais ramificada e com menor “espaço” entre os cursos d’água) também facilita o escoamento superficial e aumenta a vazão de pico no exutório da bacia. Tipo de solo Conforme a bacia apresente solos mais ou menos permeáveis, haverá maior ou menor infiltração, respectivamente, ditando portanto a geração de escoamento superficial. Solos argilosos, por exemplo, apresentam menor permeabilidade do que solos arenosos. Também influencia a questão da umidade inicial do solo, ou seja, a umidade do solo no instante em que ocorre a precipitação. Obviamente, se o solo já está 51
saturado ou com uma certa umidade, decorrente de uma precipitação anterior, ao ocorrer a nova precipitação sua capacidade de absorver essa água será nula ou bem inferior àquela se ele estivesse em condições normais, repercutindo na maior geração de escoamento superficial7. Uso e ocupação do solo Analogamente ao tipo de solo, o tipo de atividade ou de ocupação da bacia reflete diretamente no escoamento superficial, pois áreas urbanas, florestas e campos agrícolas, por exemplo, apresentam diferentes comportamentos quanto à capacidade de infiltração e de armazenamento da água precipitada. Áreas urbanas apresentam praticamente toda a área coberta por superfícies impermeáveis, fazendo com que quase todo o total precipitado escoe superficialmente, ao passo que em áreas rurais uma parcela da precipitação infiltra no solo. Assim, no primeiro caso, o hidrograma apresenta um pico mais acentuado e que ocorre mais rápido do que no segundo caso, como ilustra a Figura 5.3.
urbanizada
rural
Figura 5.3 – Comparação esquemática entre os hidrogramas de uma bacia rural e depois na situação urbanizada (Fonte: adaptado de Tucci, 2000).
Intervenções no rio Procurando atender suas necessidades, o homem tem alterado substancialmente os rios e arroios, seja na forma de barramentos como através de desvios, retificação e canalização do rio. A construção de barragens altera drasticamente a variação natural da vazão no rio a jusante da obra e, portanto, o hidrograma no trecho em questão é 7
Esse processo será melhor discutido em capítulo específico referente à Infiltração. 52
totalmente dependente do modo como é operada a barragem, do quanto de vazão ela “deixa passar” para jusante – a vazão no rio a jusante de uma barragem é normalmente referida como vazão regularizada (Figura 5.4). As intervenções humanas no sentido de retificar e canalizar o curso d’água também repercutem na forma do hidrograma, já que a canalização geralmente possibilita um fluxo mais rápido, com maiores velocidades do escoamento.
natural
regularizada
Figura 5.4 – Comparação esquemática dos hidrogramas em um rio a montante (hidrograma natural) e a jusante de uma barragem (hidrograma regularizado) (Fonte: adaptado de Tucci, 2000).
Características da precipitação Além dos demais fatores mencionados, que são função da própria bacia, as características da precipitação também influenciam bastante o formato do hidrograma. Chuvas rápidas mas com maior intensidade tendem a provocar hidrogramas com maiores picos do que chuvas de menor intensidade e maior duração, cujo hidrograma é “mais achatado”, ou seja, a vazão é mais uniforme ao longo tempo, relativamente ao primeiro caso – a Figura 5.5 traz um exemplo. Mas a distribuição espacial da chuva também repercute significativamente no aspecto do hidrograma, pois a ocorrência da precipitação em uma área próxima à seção do rio em análise vai gerar maiores vazões do que se essa mesma precipitação ocorresse apenas na cabeceira da bacia.
53
P2 P1
P1 P2
Figura 5.5 – Comparação esquemática entre os hidrogramas resultantes de uma precipitação mais concentrada no tempo (P1) e uma uniformemente distribuída no tempo (P2) (Fonte: adaptado de Tucci, 2000).
Precipitação efetiva
Como já comentado, a principal origem do escoamento superficial é a precipitação. Entretanto, apenas uma parcela da precipitação que atinge o solo gera escoamento superficial, já que parte evapora, infiltra ou fica armazenada em depressões do solo (Figura 5.6).
evapora
total precipitado
arm. depres. infiltra gera escoam. superficial
Figura 5.6 – Principais “destinos” do total precipitado que atinge o solo. À parcela da precipitação que produz escoamento superficial dá-se o nome de precipitação efetiva. Para sua determinação, os principais métodos são aqueles que utilizam equações de infiltração, índices e o método SCS. 54
Na tentativa de representar o processo de infiltração da água no solo, foram desenvolvidas algumas equações, que serão descritas em capítulo posterior deste texto. Tais equações não são normalmente empregadas para a determinação da precipitação efetiva por requererem uma caracterização do solo da região, para estimar os parâmetros da infiltração, o que nem sempre está disponível. Índices O uso de índices consiste em um método simplificado de determinar a precipitação efetiva, através do emprego de um fator constante, chamado índice. Tal fator pode ser estimado a partir dos dados de vazão ou adotando-se um valor préajustado com base em eventos anteriores de chuva ou com base no valor estimado para outras bacias com características semelhantes. O índice α é um fator constante multiplicativo da precipitação total (P), cujo resultado é a precipitação efetiva (Pef), sendo seu valor geralmente entre 0,8 e 0,9 (Tucci, 2000): Pef = α ⋅ P
Outro índice é o φ, cujo valor também constante deve ser subtraído do total precipitado para obter a precipitação efetiva: Pef = P − φ ,
onde φ pode ser determinado dividindo-se a diferença entre o total precipitado e o total escoado pelo número de intervalos de tempo em que a precipitação foi discretizada:
φ=
∑ P − ∑Q t
t
nt
,
onde Pt e Qt é a precipitação e a vazão no instante de tempo t, e nt é o número de intervalos de tempo. Seguindo o mesmo raciocínio, o índice w também constitui um valor constante a ser descontado da precipitação total para obter a precipitação efetiva: Pef = P − w ,
sendo que na estimativa de tal índice é considerado explicitamente um termo para contabilizar as perdas iniciais de precipitação – parâmetro S, cujo valor é adotado –:
55
w=
∑ P −∑Q − S t
t
nt
Método SCS Esse método foi desenvolvido pelo Soil Conservation Service, do Departamento de Agricultura dos EUA, em 1957, baseado em estudos que procuraram correlacionar a precipitação total e a efetiva. Tais estudos indicaram uma relação do tipo:
(
)
Pef = P n + d n − d , onde P é a precipitação total, Pef é a precipitação efetiva, n é um coeficiente empírico e d = P - Pef. Fazendo algumas suposições e considerações, foi obtida a seguinte expressão para determinação da precipitação efetiva: Pef =
(P − 0,2S )2 P + 0,8S
(se P > 0,2S)
onde S representa a retenção potencial do solo, isto é, a sua capacidade de armazenar água. Este método considera que para cada precipitação ocorrem perdas iniciais (evaporação, infiltração, etc) da ordem de 0,2S e, portanto, caso a precipitação seja inferior a tais perdas iniciais, não há formação de escoamento superficial, ou seja, a precipitação efetiva é zero: Pef = 0
(se P < 0,2S)
Para estimar o valor de S, estabeleceu-se a relação desse parâmetro com um outro, o chamado CurveNumber (CN), que não possui significado físico em si mas tem seu valor diretamente relacionado ao tipo e umidade do solo e à ocupação da bacia. A relação entre S e CN é: S=
25400 − 254 CN
A definição do valor de CN é feita por consulta a valores tabelados, em função do tipo do solo, da umidade antecedente do solo (condições de umidade do solo anteriormente à ocorrência da precipitação que está sendo analisada), e do tipo de atividade/ocupação que é desenvolvida na bacia.
56
Inicialmente deve-se escolher o tipo de solo dentre os quatro grupos especificados na Tabela 5.1. Em seguida, é definida a condição de umidade antecedente do solo, sendo estabelecidas três condições especificadas na Tabela 5.2. Independente de qual condição de umidade do solo foi escolhida na tabela anterior, o próximo passo consiste em escolher o valor do CN para a condição de umidade II, conforme o uso do solo e o tratamento feito na sua superfície (Tabela 5.3). Por fim, caso a condição de umidade não seja a II, procede-se à conversão do valor do CN escolhido no passo anterior, utilizando-se da Tabela 5.4. Tabela 5.1 – Tipos de solo considerados pelo SCS para escolha do CN. Grupo A
Descrição Solos arenosos com baixo teor de argila total, inferior a 8%, não havendo rocha nem camadas argilosas, e nem mesmo densificadas até a profundidade de 1,5 m. O teor de húmus é muito baixo, não atingindo 1%.
B
Solos arenosos menos profundos que os do Grupo A e com menor teor de argila total, porém ainda inferior a 15%. No caso de terras roxas, esse limite pode subir a 20% graças à maior porosidade. Os dois teores de húmus podem subir, respectivamente, a 1,2 e 1,5%. Não pode haver pedras e nem camadas argilosas até 1,5m, mas é, quase sempre, presente camada mais densificada que a camada superficial.
C
Solos barrentos com teor de argila de 20 a 30%, mas sem camadas argilosas impermeáveis ou contendo pedras até profundidades de 1,2m. No caso de terras roxas, esses dois limites máximos podem ser de 40% e 1,5m. Nota-se a cerca de 60 cm de profundidade, camada mais densificada que no Grupo B, mas ainda longe das condições de impermebialidade.
D
Solos argilosos (30 - 40% de argila total) e ainda com camada densificada a uns 50 cm de profundidade. Ou solos arenosos como do Grupo B, mas com camada argilosa quase impermeável, ou horizonte de seixos rolados.
Fonte: Porto (1995).
Tabela 5.2 – Condições de umidade antecedente do solo considerados pelo SCS para escolha do CN. Condição I II
III
Descrição Solos secos: as chuvas, nos últimos cinco dias, não ultrapassaram 15 mm. Situação média na época das cheias: as chuvas, nos últimos cinco dias, totalizaram de 15 a 40 mm. Solo úmido (próximo da saturação): as chuvas, nos últimos cinco dias, foram superiores a 40 mm, e as condições meterológicas foram desfavoráveis a altas taxas de evaporação.
Fonte: Porto (1995).
57
Tabela 5.3 – Valores de CN em função da cobertura do solo e do tipo hidrológico de solo, para a condição de umidade II. Uso do solo/Tratamento/Condições hidrológicas Uso residencial Tamanho médio do lote % Impermeável 2 até 500 m 65 2 1000 m 38 2 1500 m 30 Estacionamentos pavimentados, telhados Ruas e estradas: pavimentadas, com guias e drenagens com cascalho de terra Áreas comerciais (85% de impermebialização) Distritos industriais (72% de impermebialização) Espaços abertos, parques, jardins: boas condições, cobertura de grama > 75% condições médias, cobertura de grama > 50% Terreno preparado para plantio, descoberto plantio em linha reta Culturas em fileira linha reta condições ruins condições boas curva de nível condições ruins condições boas Cultura de grãos linha reta condições ruins condições boas curva de nível condições ruins condições boas Pasto linha reta condições ruins condições médias condições boas curva de nível condições ruins condições médias condições boas Campos condições boas Florestas condições ruins condições médias condições boas
A
Grupo hidrológico de solos B C D
77 61 57 98
85 75 72 98
90 83 81 98
92 87 86 98
98 76 72 89 81
98 85 82 92 88
98 89 87 94 91
98 91 89 95 93
39 49
61 69
74 79
80 84
77
86
91
94
72 67 70 65
81 78 79 75
88 85 84 82
91 89 88 86
65 63 63 61
76 75 74 73
84 83 82 81
88 87 85 84
68 49 39 47 25 6 30 45 36 25
79 69 61 67 59 35 58 66 60 55
86 79 74 81 75 70 71 77 73 70
89 84 80 88 83 79 78 83 79 77
Fonte: Porto (1995).
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Tabela 5.4 – Conversão dos valores de CN conforme as condições de umidade antecedente do solo. I 100 87 78 70 63 57 51 45 40 35 31 27 23 19 15
Condições de umidade II 100 95 90 85 80 75 70 65 60 55 50 45 40 35 30
III 100 99 98 97 94 91 87 83 79 75 70 65 60 55 50
Fonte: Porto (1995).
Transformação da precipitação em vazão
Com já foi comentado em capítulos anteriores, o papel hidrológico da bacia hidrográfica é o de transformar uma entrada de volume de água concentrada no tempo – a precipitação – em uma saída de água mais distribuída no tempo – a vazão –. Isso é o que se chama de transformação chuva-vazão. Um dos principais interesses da hidrologia consiste justamente em estimar a transformação chuva-vazão, ou seja, tentar estimar qual a resposta da bacia hidrográfica dada a ocorrência de uma determinada precipitação. Isso tem grandes aplicações como, por exemplo, estimar os impactos sobre a vazão em um rio e sobre o meio ambiente decorrentes de mudanças na ocupação do solo, como a impermeabilização de áreas pela urbanização ou o desmatamento. Outro exemplo é a previsão e controle de enchentes. Há duas formas mais usadas para realizar a transformação chuva-vazão: (i) métodos simplificados que procuram estimar características do hidrograma; (ii) modelagem do processo “chuva-vazão”. No primeiro caso, são empregadas equações empíricas que estimam parâmetros como a vazão e o tempo de pico do hidrograma, por exemplo, sendo mais comuns os métodos racional e do hidrograma unitário. Utilizando modelos hidrológicos (modelos chuva-vazão), no outro caso, procura-se reproduzir os processos físicos envolvidos na
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transformação chuva-vazão, sendo necessária uma grande quantidade de informações, como dados históricos observados chuva e vazão, caracterização espacial do tipo e uso do solo, parâmetros específicos para diversas equações, informações de relevo, rede de drenagem, etc, além de um alto custo de recursos e de tempo. Em função de fatores como objetivo do estudo, características da bacia (área, tempo de concentração, homogeneidade, rede de drenagem), escala de trabalho, disponibilidade e qualidade de informações, tempo e recursos disponíveis, deve-se optar entre as duas metodologias citadas para estimar a transformação chuva-vazão. Em projetos de drenagem urbana, geralmente são empregados métodos simplificados, como o racional e do hidrograma unitário, os quais são descritos a seguir. Método racional
Esse método consiste apenas em estimar a vazão de pico do hidrograma para uma determinada bacia, considerando que a vazão é diretamente proporcional à área da bacia e à intensidade da chuva. Essa consideração assume que a precipitação ocorre uniformemente em toda a área da bacia, e também que a intensidade é constante ao longo da duração da precipitação – em outras palavras, distribuição espacial e temporal uniformes da precipitação. A expressão do método racional, adotando unidades usuais para a área da bacia e a intensidade da chuva, é: Q p = 0,275 ⋅ C ⋅ i ⋅ A ,
onde Qp é a vazão de pico do hidrograma; i é a intensidade da chuva (mm/h); A é a área da bacia (km2); C é o coeficiente de escoamento superficial (adimensional); e o valor 0,275 é usado para conversão de unidades. O valor do coeficiente C é escolhido conforme o tipo de ocupação do solo, denotando uma maior ou menor tendência à geração de escoamento superficial (Tabela 5.5). Caso a ocupação da bacia seja relativamente diversificada, podendo-se identificar sub-áreas homogêneas, correspondendo a diferentes valores do coeficiente de escoamento superficial, o valor a adotar pode ser determinado pela média ponderada daqueles referentes a cada sub-área: Cm =
1 n ∑ (C j ⋅ Aj ) , A j =1
60
onde: Cm é o coeficiente médio de escoamento superficial; A é área total da bacia; Cj e Aj são o coeficiente de escoamento superficial e a área da bacia correspondentes ao tipo
de ocupação j, respectivamente; n é a quantidade de tipos de ocupação identificados na bacia. Em função das simplificações consideradas no método, a aplicação do mesmo é recomendada para pequenas bacias, com área inferior a 3 km2 ou tempo de concentração inferior a 1 h. Em bacias de tal ordem de grandeza, a consideração de distribuição espacial e temporal uniforme da precipitação é mais aceitável. Tabela 5.5 – Coeficientes de escoamento superficial em função da ocupação do solo. Ocupação do solo Edificações muito densas : partes centrais, densamente construídas de uma cidade com ruas e calçadas pavimentadas
C 0,70 a 0,95
Edificações não muito densas : partes adjacentes ao centro, de menor densidade de habitações, mas com ruas e calçadas pavimentadas
0,60 a 0,70
Edificações com poucas superfícies livres : partes residenciais com construções cerradas, ruas pavimentadas
0,50 a 0,60
Edificações com muitas superfícies livres : partes residenciais com ruas macadamizadas ou pavimentadas, mas com muitas áreas verdes
0,25 a 0,50
Subúrbios com alguma edificação : partes de arrabaldes e subúrbios com pequena densidade de construções
0,10 a 0,25
Matas, parques e campos de esportes : partes rurais, áreas verdes, superfícies arborizadas, parques ajardinados e campos de esporte sem pavimentação
0,05 a 0,20
Fonte: adaptado de Porto (1995).
Método do hidrograma unitário
Como já comentado diversas vezes, a resposta da bacia a uma dada precipitação é a vazão no seu exutório, representada pelo hidrograma. Nesse sentido, desenvolveu-se o conceito de hidrograma unitário (HU), que corresponde à resposta da bacia a uma precipitação unitária. O HU está associado a uma duração específica da precipitação, ou seja, o HU é a resposta da bacia a uma precipitação unitária com determinada duração (Figura 5.7). Para outra duração de chuva, já corresponderia um outro HU. Tais HUs representam uma característica da bacia, sendo reflexo de todos aqueles fatores intervenientes no processo de transformação chuva-vazão que dizem respeito à bacia (área, rede de drenagem, relevo, tipo e cobertura do solo, etc). Entretanto, o conceito de hidrograma unitário assume simplificadamente a uniformidade das distribuições espacial e temporal da precipitação. 61
precipitação unitária duração d HU
Figura 5.7 – Esquema ilustrativo do conceito de Hidrograma Unitário.
A Figura 5.8 ilustra o processo de estimar o hidrograma da bacia a partir do hidrograma unitário. Esse constitui a resposta da bacia a uma precipitação unitária de determinada duração (por exemplo, d) e, ao ocorrer uma outra precipitação de mesma duração d, o hidrograma correspondente é estimado com base naquele HU. A forma como é feita tal estimativa é fundamentada em dois princípios básicos que norteiam a idéia central do método, que são os princípios da proporcionalidade e da superposição. Segundo o princípio da proporcionalidade, para uma precipitação P de duração igual à da precipitação unitária do HU, a resposta da bacia a tal precipitação P tem a mesma duração do HU, sendo as vazões proporcionais ao HU, como ilustra a Figura 5.9.
Sabendo-se a resposta d abacia a uma precipitação unitária de duração d (ou seja, o HU) Dado que ocorreu uma precipitação P de mesma duração d na bacia
Determina-se a resposta da bacia a essa precipitação P (ou seja, o hidrograma resultante)
Figura 5.8 – Resumo simplificado do método do hidrograma unitário.
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P = 2 x precipitação unitária
precipitação unitária
Hidrograma devido à P
duração d
HU
2Q Q
duração do escoam. superficial Figura 5.9 – Princípio da proporcionalidade no conceito do HU. Já pelo princípio da superposição, o método do HU considera que, dada a ocorrência de precipitações consecutivas no tempo, cada uma delas produz uma resposta na bacia independente da outra (proporcional ao HU, pelo primeiro princípio). Como ilustra a Figura 5.10, o hidrograma 1 representa a resposta da bacia à precipitação P1, enquanto o hidrograma 2 corresponde à precipitação P2. Tais hidrogramas são calculados
independentemente
da
ocorrência
do
outro,
apenas
fazendo
a
proporcionalidade em relação ao HU (na figura em questão, embora P1 e P2 tenham graficamente o mesmo valor, a regra é válida para quaisquer volumes precipitados). O hidrograma resultante da ocorrência das duas precipitações (P1 e P2), que ocorreram em intervalos de tempo consecutivos, é dado pela soma das ordenadas dos hidrogramas 1 e 2, para cada instante de tempo. A partir de dados históricos observados de vazão e precipitação, há alguns procedimentos para estimar o HU da bacia para determinada duração, como aqueles descritos em Tucci (2000). Entretanto, não é comum a disponibilidade de tais informações, impossibilitando a aplicação desses procedimentos. Para contornar essa dificuldade foram desenvolvidos hidrogramas unitários “artificiais”, estimados com base em relações empíricas a partir de características físicas da bacia e do tempo de concentração – são os chamados hidrogramas unitários sintéticos (HUS). 63
P1 P2
Hidrog. 2
duração d Hidrog. 1
Q = Q1 + Q2 Q2 Q1
Figura 5.10 – Princípio da superposição no conceito do HU. Um dos hidrogramas unitários sintéticos (HUS) mais comuns é o do SCS, que possui uma forma triangular (Figura 5.11), sendo suas dimensões especificadas pelas relações abaixo: d = 0,133 ⋅ tC tP =
d + 0,6 ⋅ tC 2
tb = 2,67 ⋅ t P QP = 2,08
A tP
onde: d é a duração da precipitação (h); tc é o tempo de concentração da bacia (h); tp é o tempo de pico do HUS (h); tb é o tempo de base do HUS (duração do escoamento superficial – h); Qp é a vazão de pico do HUS (m3/s); A é a área da bacia (km2).
precipitação
d
Qp
tp
escoamento superficial
tempo tb
Figura 5.11 – Hidrograma Unitário Sintético do SCS.
64
Assim, segundo o SCS, a resposta da bacia à precipitação unitária é um hidrograma triangular, cuja vazão de pico é estimada pela relação apresentada anteriormente, assim como o tempo de pico e a duração do escoamento superficial (ou tempo de base). Valem para o HUS os mesmos princípios que norteiam o HU (proporcionalidade e superposição). Dada a ocorrência de precipitações consecutivas de diferentes lâminas de água, aplicando-se os princípios de proporcionalidade e superposição obtém-se o hidrograma final resultante da bacia, como ilustrado na Figura 5.10 para o caso de duas precipitações. Em tal exemplo, a superposição foi realizada graficamente, o que se torna inviável quando se pensa em um maior número de precipitações. Convém aqui fazer um esclarecimento. Ao se falar em precipitações consecutivas, está se referindo aos volumes precipitados em cada intervalo de tempo igual à duração estabelecida na precipitação unitária do HU (lembrando: o HU é definido para uma determinada duração da chuva). Na prática, tem-se um volume total precipitado que é discretizado (dividido) no tempo em tais intervalos de tempo. Para realizar a superposição dos hidrogramas de cada precipitação individual, ou seja, para aplicar o método do hidrograma unitário, faz-se o que se chama de convolução. Esse processo nada mais é do que: (i) cálculo das ordenadas do hidrograma (as vazões propriamente ditas) referentes a cada precipitação individual em intervalos de tempo discretizados; e (ii) a soma das ordenadas dos diversos hidrogramas nos intervalos de tempo correspondentes. A atenção maior deve-se dar ao “deslocamento” no tempo dos hidrogramas de cada precipitação, conforme o instante de tempo em que ocorreu cada uma delas. A seguir é apresentado um exemplo ilustrativo da convolução. Seja um hidrograma unitário da bacia definido pelos seguintes pontos (Figura 5.12): no tempo t = 1, vazão q1; no tempo t = 2, vazão q2; no tempo t = 3, vazão q3; no tempo t = 4, vazão q4.
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q2 q3
q1
q4 1
2
3
4
t
Figura 5.12 – Hidrograma Unitário Sintético do SCS do exemplo. Agora, supondo que ocorreu uma precipitação P1 no instante de tempo t = 0 e em seguida outra precipitação P2 em t = 1 (volumes de água precipitados iguais a P1 e P2, respectivamente), tem-se que: -
o hidrograma resultante exclusivamente da precipitação P1 tem as seguintes ordenadas: em t = 0, Q0 = 0; em t = 1, Q1 = P1.q1; em t = 2, Q2 = P1.q2; em t = 3, Q3 = P1.q3; em t = 4, Q4 = P1.q4.
-
o hidrograma resultante exclusivamente da precipitação P2 é: em t = 0, Q0 = 0; em t = 1, Q1 = 0; em t = 2, Q2 = P2.q1; em t = 3, Q3 = P2.q2; em t = 4, Q4 = P2.q3; em t = 5, Q5 = P2.q4. Deve ser ressaltado que cada a resposta da bacia a cada precipitação foi
considerada tendo início no intervalo de tempo seguinte à ocorrência da precipitação (no HUS desse exemplo, a precipitação ocorreu em t = 0 e a vazão gerada iniciou-se em t = 1). Dessa forma, a precipitação P1 ocorreu em t = 0, provocando uma vazão na seção considerada que se inicia em t = 1. Analogamente, a primeira resposta à precipitação P2 (ocorrida em t = 1), foi no tempo t = 2. 66
Assim, o hidrograma resultante das duas precipitações é: em t = 0, Q0 = 0; em t = 1, Q1 = P1.q1; em t = 2, Q2 = P1.q2 + P2.q1; em t = 3, Q3 = P1.q3 + P2.q2; em t = 4, Q4 = P1.q4 + P2.q3; em t = 5, Q5 = P2.q4.
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Capítulo
6 Interceptação e Retenção Superficial
Introdução
Como já visto em capítulos anteriores, apenas uma parcela da precipitação gera efetivamente escoamento superficial, em uma bacia hidrográfica. Do total precipitado, parte é interceptada pela vegetação, parte evapora, parte infiltra, parte é absorvida pela vegetação e eliminada pela transpiração e ainda uma parte fica retida em depressões do solo. Todos esses processos compõem (juntamente com outros não mencionados) o chamado ciclo hidrológico e representam “perdas” na bacia hidrográfica. Vendo a bacia como um sistema físico, que transforma uma entrada de água concentrada no tempo (precipitação) em uma saída de água mais distribuída (escoamento superficial), e sabendo então que o escoamento representa apenas uma parte da precipitação, as demais parcelas do total precipitado são comumente referidas como perdas, por representarem volumes de água de difícil utilização direta para aproveitamento humano. Neste capítulo, serão tratadas especificamente as etapas de interceptação e retenção superficial (ou armazenamento em depressões do solo). Interceptação
A interceptação pode ser definida como a retenção de parte da precipitação acima da superfície do solo, o que pode ocorrer devido à vegetação ou outras formas de obstrução, sendo normalmente considerada apenas a primeira. A maior parte do volume de água interceptado é então “perdida” através da evaporação, ou seja, “deixa” de gerar escoamento superficial por evaporar. Dependendo 68
do estudo hidrológico desenvolvido, a interceptação pode ser desprezível ou ser considerada embutida junto com outras perdas em um termo ou coeficiente único. Entretanto, dependendo principalmente do tipo e densidade da cobertura vegetal na bacia e das características da precipitação, o volume retido na vegetação pode ser bem significativo e merecer um tratamento específico no processo de transformação chuvavazão. Por exemplo, Linsley (1949) apud Tucci (2000) menciona que, sob determinadas condições, a interceptação pode ser de 25% do total precipitado anual em uma bacia hidrográfica. Já segundo Wingham (1970) apud Tucci (2000), o volume interceptado pela vegetação pode atingir 250 mm ao ano em regiões úmidas com florestas. Processo de interceptação
O processo de interceptação pela cobertura vegetal é ilustrado pela seqüência da Figura 6.1, apresentada abaixo.
(a)
(b)
(c)
Figura 6.1 – Processo de interceptação da precipitação pela vegetação. Considerando a não ocorrência de precipitação por um certo período de tempo, ou seja, sem precipitação anterior, a cobertura vegetal se apresenta “seca”, isto é, sem volume de água acumulado na superfície das folhas. Ao iniciar uma precipitação (Figura 6.1-a), parte atravessa a folhagem, passando entre os espaços entre as folhas, e parte é interceptada por elas. À medida que a precipitação continua, as folhas passam a acumular um volume de água na sua superfície (Figura 6.1-b), o que vai variar de acordo com o tamanho, forma, estrutura, etc, de cada folha. Esse volume acumulado na vegetação passa a sofrer ação da radiação solar e parte evapora. Chega-se a um ponto em que o volume de água armazenado nas folhas é tanto que passa a escoar pelos galhos e troncos ou “precipitando” novamente pelas suas bordas (Figura 6.1-c).
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Pode-se perceber, pelo processo descrito anteriormente, que o volume de água interceptado pela vegetação varia ao longo do tempo, desde o início da precipitação, quando estava “sem água acumulada” (ou seja, podia ocupar toda a sua capacidade de armazenamento) até passado algum instante de tempo, quando fica com sua capacidade preenchida. Conclui-se, então, que a maior parte da interceptação ocorre no início da precipitação e vai diminuindo ao longo do tempo, tendendo a zero. Um gráfico típico do volume interceptado pela vegetação no decorrer do tempo, em termos percentuais do total precipitado, tem a forma apresentada na Figura 6.2.
Interceptação (%) 80
40
20
tempo
Figura 6.2 – Comportamento típico da evolução da interceptação ao longo do tempo transcorrido de precipitação, em uma bacia hidrográfica, em termos de percentual do total precipitado.
Fatores intervenientes na interceptação
Os principais fatores que determinam o processo de interceptação são: as características da precipitação, as condições climáticas, as características da vegetação e a época do ano, que envolve os anteriores. Tais fatores são brevemente comentados a seguir: - Características da precipitação: com base na descrição do processo de interceptação, feito anteriormente, é fácil perceber que a intensidade, duração e volume da precipitação vão influenciar tal processo. Como descrito, a maior parcela da interceptação ocorre no início da precipitação e, portanto, uma chuva com maior duração implica em um maior
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período de tempo com menores taxas de interceptação. Da mesma forma, chuvas mais intensas tendem a ter uma parcela menor do total precipitado sendo interceptada, já que dificultam a retenção da água na folhagem e mais rapidamente “saturam” a capacidade de armazenamento da vegetação. O gráfico da Figura 6.3 apresenta duas curvas do percentual de interceptação ao longo do tempo, referentes a precipitações de intensidades diferentes, que ilustram o comentário anterior.
Interceptação (%) 80
Intensidade da chuva i2 > i1
40 20
i1 i2 Tempo de precipitação
Figura 6.3 – Comportamento relativo de duas precipitações de mesma duração e intensidades diferentes, em termos do percentual que é interceptado.
- Condições climáticas: as condições de vento, umidade e temperatura do ar vão influir na taxa de evaporação da água interceptada pela vegetação; ao evaporar mais, “liberase” a capacidade de armazenamento da vegetação, que pode então acumular mais água. - Características da vegetação: a densidade de folhas (número de folhas por unidade de área) vai representar a área de cobertura vegetal e, portanto, a área de interceptação; o tamanho e a forma das folhas vai influir na capacidade da vegetação em armazenar água; também interfere a disposição dos troncos, facilitando ou não o escoamento por eles. - Época do ano: como o regime de chuvas, o clima e a própria vegetação (devido aos ciclos de crescimento, reprodução e troca de folhagem) variam ao longo do ano, conclui-se que a interceptação é um processo que também varia durante o ano.
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Balanço hídrico da interceptação
A equação da continuidade ou o balanço hídrico da interceptação pode ser escrito simplificadamente da seguinte forma (Figura 6.4): Pi = P – T – C,
onde Pi é a precipitação interceptada, P é a precipitação total, T é a precipitação que atravessa a cobertura vegetal e C é a precipitação que escorre pelos galhos e troncos.
Figura 6.4 – Representação das variáveis do balanço hídrico da interceptação. Interceptação: medição das variáveis
A medição das parcelas que compõem o balanço hídrico do processo de interceptação merece uma atenção especial, como comentado a seguir: - total precipitado (P): como se precisa saber o quanto está precipitando sem a “interferência” da vegetação (antes que ocorra a interceptação), os equipamentos comuns (pluviômetros ou pluviógrafos) são utilizados com a ressalva da sua localização, procurando-se dispor os mesmos acima do topo da vegetação ou em áreas próximas sem cobertura vegetal (clareiras); - precipitação que atravessa a vegetação (T): esta variável representa a parcela da precipitação que passa entre a folhagem e atinge a superfície e, portanto, os instrumentos utilizados devem estar dispostos abaixo da vegetação; podem ser usados pluviômetros, com um maior número de equipamentos para diminuir o efeito da variabilidade espacial da interceptação, ou instrumentos específicos desenvolvidos para cada caso; na Figura 6.5 é apresentado um equipamento desenvolvido por Silva et al. (2000) para a região do Cariri paraibano. - escoamento pelos troncos (C): geralmente, essa parcela representa apenas de 1% a 15% do total precipitado e é de difícil quantificação, requerendo o desenvolvimento de instrumentos específicos para cada situação em particular, conforme o objetivo do estudo, o tipo de vegetação e o regime de chuvas da região. 72
Figura 6.5 – Equipamento desenvolvido por Silva et al. (2000) para medição da parcela da precipitação que atravessa a vegetação, no Cariri paraibano, sendo composta por calha que capta a água e conduz a um pluviômetro digital.
Estimativa da interceptação
Para a estimativa da interceptação, existem fórmulas conceituais que relacionam o volume interceptado durante uma precipitação com a capacidade de interceptação da vegetação e a taxa de evaporação, procurando descrever o processo em si, ou seja, embutindo um significado físico. Um exemplo é a equação de Horton (modificada por Meriam), apresentada a seguir:
(
)
Pi = Sv ⋅ 1 − e − P / Sv +
Av ⋅E ⋅d , A
onde Pi é a precipitação interceptada (mm); Sv é a capacidade de interceptação da vegetação (mm) P é a precipitação total (mm); Av é a área coberta pela vegetação; A é a área total; E é a taxa de evaporação (mm/h); d é a duração da chuva (h). É freqüente ainda a utilização de equações empíricas, desenvolvidas com base no ajuste de equações relacionando as variáveis envolvidas a uma série de dados monitorados, para a estimativa da interceptação. Um exemplo é a equação da forma: Pi = a + b ⋅ P n ,
onde Pi é a precipitação interceptada, P é a precipitação total e a, b, n são coeficientes, os quais podem ser ajustados para um determinado tipo de vegetação, por exemplo.
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Retenção superficial
Tão logo tem início a precipitação e o escoamento superficial, parcela do volume de água é “impedida” de escoar, ficando armazenada em depressões do solo, formando poças, ou mesmo áreas maiores como lagoas e banhados, situados em áreas mais baixas do terreno. Esse processo é chamado de retenção superficial. O volume retido e armazenado superficialmente só diminui, então, sob ação da evaporação ou por infiltração. O processo de retenção superficial varia principalmente em função do relevo (declividade do terreno e depressões), tipo de solo (mais ou menos permeável) e cobertura do solo (áreas urbanas, matas, campos, etc). Assim, é mais predominante a retenção superficial em áreas rurais, que apresentam uma superfície mais irregular, com depressões no solo. Em bacias urbanas, podem ser projetados reservatórios de detenção, para acumular água da precipitação, aliviando os condutos de drenagem pluvial. A retenção superficial é de difícil quantificação, podendo, para grandes bacias, serem analisadas as curvas de nível do terreno e empregadas técnicas de sensoriamento remoto, como a interpretação de imagens de satélite, para identificação e estimativa das áreas mais baixas do terreno, onde possivelmente podem ser acumulados volumes de água.
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Capítulo
7 Infiltração
Aspectos gerais
O processo de infiltração pode ser definido como a passagem de água da superfície para o interior do solo, o qual depende fundamentalmente da disponibilidade de água para infiltrar, da natureza do solo, do estado da sua superfície, e das quantidades inicialmente presentes de ar e água no seu interior. Simplificadamente, pode-se considerar o solo dividido em duas zonas, que são a zona de aeração e a zona de saturação. A primeira é caracterizada por apresentar os vazios do solo parcialmente ocupados pela água, variando conforme a ocorrência de precipitação, características do solo, etc. Por ser a camada em contato com a superfície, a água nela presente sofre ação da evaporação e também é absorvida pelas raízes das plantas, sendo eliminada depois pela transpiração, em função da fotossíntese. Também ocorre a ascensão da água devido ao efeito de capilaridade, mas, conforme os vazios do solo vão sendo ocupados pela água, esta tende a romper as forças capilares e se deslocar verticalmente para baixo, sob ação da gravidade. A zona de saturação, como o próprio nome sugere, é caracterizada pela presença de água nos vazios do solo em sua capacidade máxima, isto é, pela saturação do solo. Tal camada constitui as águas subterrâneas, sendo válida a distribuição hidrostática de pressões (pressão varia linearmente na vertical conforme a altura da camada saturada acima) e ocorre o escoamento sob ação da gravidade. Também ocorre ascensão da água da zona de saturação para a zona de aeração, por efeito da capilaridade.
zona de aeração zona de saturação
Figura 7.1 – Zonas de aeração e de saturação no solo.
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Grandezas características
A caracterização da infiltração basicamente envolve a capacidade de infiltração e a taxa de infiltração, grandezas que facilmente podem ser confundidas entre si, mas que denotam aspectos bem distintos. A capacidade de infiltração pode ser entendida como a quantidade máxima que um solo, sob determinadas condições, pode absorver (por unidade de tempo e por unidade de área horizontal, ou seja, lâmina de água por unidade de tempo). Em outras palavras, a capacidade de infiltração representa o potencial do solo em absorver água, naquele instante, sob tais condições. Já a taxa de infiltração é a taxa efetiva com que está ocorrendo, naquele instante, a infiltração no solo. Percebe-se, então, que taxa de infiltração ≤ capacidade de infiltração. Então em um determinado instante de tempo, para o solo sob as condições desse instante, tem-se a quantidade máxima que pode infiltrar (capacidade de infiltração) e a quantidade que efetivamente está infiltrando nesse momento (taxa de infiltração). A infiltração só ocorrerá em uma taxa igual à capacidade de infiltração quando a intensidade da precipitação for superior à capacidade, ou seja, quando a água disponível para infiltrar for superiora à capacidade do solo em absorvê-la. Perfil de umidade do solo
Considerando que já passou um certo tempo sem a ocorrência de precipitação, ao iniciar uma precipitação as camadas superiores do solo vão se umedecendo de cima para baixo. Nesse instante, o perfil típico da umidade do solo é aquele mostrado na Figura 7.2-a, no qual a umidade é maior próximo à superfície e diminui à medida que se percorre o solo para baixo. Continuando o aporte de água, isto é, continuando a precipitação, a tendência é a saturação de toda a profundidade do solo. Mas, normalmente, a precipitação é capaz de saturar apenas as camadas mais superficiais do solo. Quando a precipitação cessa, a umidade no interior do solo se redistribui, e a água das camadas superficiais tende a descer para camadas mais profundas, sendo parte também evaporada ou absorvida pela vegetação. Resulta com isso que o perfil de
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umidade no solo fica invertido, relativamente ao início da precipitação, sendo a maior umidade do solo agora nas camadas inferiores do solo (Figura 7.2-b).
superfície do solo
umidade
profundidade
umidade
profundidade
superfície do solo
(a)
(b)
Figura 7.2 – Perfis de umidade do solo: (a) transcorrido algum tempo do início da precipitação; (b) e algum tempo depois de cessar a precipitação.
Evolução da capacidade de infiltração durante a precipitação
O exame do processo de infiltração desde o início da precipitação até após esse aporte de água cessar também pode ser feito enfocando-se a evolução da capacidade de infiltração do solo. Suponha-se que ocorra uma precipitação de intensidade menor do que a capacidade de infiltração do solo, para as condições em que ele se encontrava. Então, se o aporte de água é menor do que a capacidade que o solo tem de absorver água, toda a precipitação vai infiltrar. Tem-se que, nesse instante de tempo, está ocorrendo uma taxa de infiltração inferior à capacidade de infiltração do solo. Como descrito anteriormente, à medida que a água vai infiltrando no solo, este vai se umedecendo e, conseqüentemente, vai “perdendo” capacidade de infiltração ou sua capacidade de absorver água. Caso a precipitação continue, atinge-se um estágio em que a capacidade de infiltração diminuiu tanto que se iguala à precipitação. Ou seja, perdeu-se a “folga” que tinha anteriormente, quando o solo apresentava uma certa capacidade de infiltração e não era preciso utilizá-la por completo para infiltrar toda a água. A umidade do solo aumentou de tal maneira que sua capacidade de absorver água diminuiu e está igual à precipitação (nesse instante, a taxa de infiltração é igual à capacidade infiltração).
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Supondo-se a continuação da precipitação, tem início a formação do escoamento superficial, e a taxa e a capacidade de infiltração diminuem exponencialmente, sendo iguais entre si. Caso a precipitação cesse, é interrompido o aporte de água na superfície e não ocorre mais infiltração. Logo, a taxa de infiltração é nula, enquanto a capacidade de infiltração inicia a crescer, à medida que a água tende a descer para as camadas mais profundas ou ser evaporada/absorvida pela vegetação na parte mais superficial. Ao ocorrer nova precipitação, todo o processo acontece novamente. Dessa forma, tem-se que a capacidade de infiltração do solo, durante a precipitação, varia ao longo do tempo, sendo a curva típica de infiltração da forma daquela apresentada na Figura 7.3. Em tal curva, a capacidade de infiltração é máxima no início da precipitação (com valor Io) e vai decaindo com o tempo, tendendo assintoticamente a um valor constante, que é a capacidade de infiltração do solo saturado (Is).
Capacidade de infiltração (I) Io
Is
tempo
Figura 7.3 – Curva de infiltração típica. Para estimativa da infiltração foram desenvolvidas várias equações empíricas, como a equação de Horton por exemplo, desenvolvida a partir de experimentos de campo: I t = I s + (I 0 − I s ) ⋅ e − kt ,
onde It é a taxa de infiltração no instante de tempo t; Is é a taxa mínima de infiltração (solo saturado); I0 é a taxa de infiltração inicial (em t=0); k é uma constante.
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Tal equação representa o decaimento da taxa de infiltração ao longo do tempo, sendo válida para uma precipitação sempre superior à capacidade de infiltração (Tucci, 2000). Fatores intervenientes no processo de infiltração
Os principais fatores que intervêm no processo de infiltração são: - tipo de solo: aspectos como porosidade, tamanho e arranjo das partículas do solo vão influir na capacidade do solo em absorver água (exemplo: solos arenosos apresentam maior tendência à infiltração do que solos argilosos, mais impermeáveis) (Pinto, 1976); - umidade do solo: conforme o solo se apresente com maior ou menor teor de umidade, menor ou maior será sua capacidade de infiltração, ou seja, sua capacidade de “receber mais água”; - estado da superfície do solo: o mesmo tipo de solo pode apresentar regiões com diferentes capacidades de infiltração, face ao estado da superfície; por exemplo, solos compactados, seja devido ao trânsito de veículos, rebanhos, etc, tornam-se menos aptos a infiltrar (mais impermeáveis) do que o mesmo solo no seu estado “natural”; - cobertura vegetal: a presença de uma densa cobertura vegetal favorece a infiltração, visto que dificulta o escoamento superficial (obstrução ao escoamento pelas raízes, troncos, restos de folhas, etc), aumentando a disponibilidade de água para infiltrar; além disso, ao cessar a precipitação, as raízes absorvem parcela da água na camada de aeração, agilizando o processo de aumento da capacidade de infiltração; - temperatura: o fator temperatura influi por alterar a viscosidade da água, sendo mais fácil a infiltração para uma menor viscosidade (capacidade de infiltração nos meses frios < capacidade nos meses quentes); - precipitação: como a infiltração depende de haver água disponível para infiltrar, a intensidade, duração e o volume total da precipitação irão influir substancialmente nesse processo. Tendo em vista os fatores enumerados anteriormente, percebe-se que a capacidade de infiltração em uma bacia hidrográfica varia espacialmente, já que apresenta áreas com diferentes tipos de solo, com diferentes estados de compactação e de umidade, áreas de cobertura da vegetação variáveis, etc. 79
Além disso, a capacidade de infiltração varia temporalmente, tanto ao longo do ano, devido à sazonalidade da precipitação, à variação da cobertura vegetal, à temperatura, etc, como também durante o próprio evento chuvoso, à medida que a umidade do solo vai variando, conforme foi descrito no item anterior. Determinação da capacidade de infiltração
Os instrumentos mais comuns para a determinação da capacidade de infiltração são os chamados infiltrômetros, constituídos por 2 cilindros (anéis) metálicos, de diâmetro entre 20 e 90 cm. Tais anéis são cravados verticalmente no solo, deixando uma certa altura livre acima da superfície do solo. Em seguida, é adicionada água continuamente aos dois cilindros, mantendo-se uma lâmina de água entre 5 e 10 mm. A capacidade de infiltração é determinada dividindo-se o volume de água adicionado ao cilindro inferior pelo tempo e pela área da sua seção transversal. O anel externo tem a função meramente de tornar a infiltração da água no cilindro interno exclusivamente (aproximadamente) na vertical (Figura 7.4). Caso contrário, o solo com baixa umidade nas laterais iria absorver parcela da água que infiltrou pelo cilindro interno, e o volume de água infiltrado, portanto, não representaria a capacidade de infiltração daquela área do solo definida pela sua seção transversal.
Figura 7.4 – Representação da determinação da capacidade de infiltração com a utilização de anéis concêntricos (infiltrômetros).
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Na Figura 7.5, é apresentada uma foto de ensaio de infiltração realizado na região do Cariri paraibano por Silva et al. (2000), empregando anéis concêntricos. Face ao objetivo daquele estudo, que procurou analisar a interação solo-vegetação-atmosfera, quanto aos balanços radiativo, de energia e hídrico, a infiltração foi determinada a partir do perfil de umidade do solo, utilizando equipamento especializado (sonda TDR e resistores em cápsulas porosas, instaladas em diferentes profundidades do solo) (Figura 7.6).
Figura 7.5 – Foto de ensaio de infiltração usando anéis concêntricos, realizado por Silva et al. (2000) no Cariri paraibano.
Figura 7.6 – Foto apresentando instalação de sonda TDR e resistores em cápsula porosa, para obtenção do perfil de umidade do solo na região do Cariri paraibano por Silva et al. (2000).
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Capítulo
8 Evaporação e Evapotranspiração
Evaporação
Dentro do ciclo hidrológico, a evaporação é o processo físico no qual se transfere água do estado líquido para a atmosfera no estado de vapor, ocorrendo principalmente devido à radiação solar e aos processos de difusão turbulenta e molecular. De uma superfície líquida qualquer, exposta à ação da radiação solar (ou a outra fonte de energia), devido à evaporação partículas de água escapam para a atmosfera. Entretanto, simultaneamente a esse processo ocorre uma “troca” de partículas no sentido inverso, na medida que partículas de água na forma gasosa presentes na atmosfera se chocam com a superfície líquida e são absorvidas por esta. A evaporação continua então até que ocorra um equilíbrio entre o número de partículas que escapam para a atmosfera e o número de partículas que são absorvidas pela superfície líquida. Quando esse equilíbrio acontece, tem-se que o ar em contato com a água está saturado, isto é, está com sua capacidade máxima de vapor de água preenchida, para aquelas condições de temperatura e pressão. Conforme a pressão e temperatura, tem-se diferentes graus de saturação do ar. Portanto, a evaporação compreende uma troca de água entre dois corpos, que são a superfície evaporante e a atmosfera. Para que esse processo ocorra, é necessária uma fonte de energia (no caso, a radiação solar) e de um gradiente de concentração de vapor. Tal gradiente é dado pela diferença entre a pressão de saturação do vapor, na temperatura da superfície evaporante, e a pressão de vapor do ar. Em outras palavras, esse gradiente pode ser entendido como a diferença entre a pressão de vapor quando o ar está saturado (que seria a pressão máxima, pois estaria com a máxima quantidade de vapor) e a pressão de vapor do ar nas condições reais, no instante em que está sendo analisado o processo.
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Fatores que influenciam o processo de evaporação
Pode-se dizer que a ocorrência da evaporação em uma bacia hidrográfica é função de: - radiação solar: constitui a principal fonte de energia para o processo de evaporação, que consome cerca de 585 cal/g (à 25o C) (Tucci, 2000). A quantidade de radiação emitida pelo Sol que atinge a superfície terrestre não é uniforme, variando com a posição geográfica, a presença de gases na atmosfera, a época do ano e as condições climáticas locais; - pressão de vapor: como já comentado, a existência de um gradiente de concentração de vapor é uma das condições necessárias para a ocorrência do processo, sendo a evaporação diretamente proporcional a tal gradiente; - temperatura do ar: a temperatura tem influência no sentido de que, quanto maior a temperatura, maior é a capacidade do ar em ter vapor de água (o ar suporta uma maior quantidade de vapor), sendo maior a pressão de saturação do ar, aumento o gradiente de concentração de vapor e, assim, aumentando a evaporação; - umidade do ar: a umidade do ar representa a quantidade de vapor de água presente no ar, interferindo na pressão exercida por essa quantidade de vapor. Quanto maior a umidade, tem-se que a quantidade de vapor presente é mais próxima da quantidade máxima possível (saturação) e, portanto, mais próxima é a pressão exercida por essa quantidade de vapor em relação à pressão de saturação (ou seja, menor é o gradiente), e menor é a evaporação; - vento: o vento atua no sentido de renovar o ar saturado acima da superfície evaporante (ele retira o ar com maior umidade ou saturado e repõe com ar mais seco), permitindo sempre a ocorrência de um gradiente de concentração de vapor. Balanço de energia
A radiação solar, que tem comprimento de onda curto, constitui a principal fonte de energia para o processo de evaporação na superfície terrestre. Entretanto, apenas parcela da radiação emitida pelo Sol atinge a superfície, já que uma parte do total emitido é absorvida pela atmosfera (gases e outras partículas presentes) e outra parte é dispersa para o espaço, como ilustra a Figura 8.1. Da parcela de radiação que atinge a superfície, parte é refletida e parte é absorvida.
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A radiação absorvida pela superfície resulta no aquecimento desta, provocando a evaporação e a emissão de radiação térmica em direção à atmosfera. Ao contrário da radiação emitida pelo Sol, a radiação térmica emitida pela superfície aquecida tem comprimento de onda longo, fazendo com que ela seja muito absorvida pelos gases presentes na atmosfera, como H2O, CO2, NO3, etc. O aquecimento da atmosfera resulta na emissão de radiação de volta para a superfície, constituindo o que se chama de Efeito Estufa.
Figura 8.1 – Balanço de energia esquemático (Fonte: adaptado de Schneider, 1987, apud Tucci, 2000).
Estimativa da evaporação
Existem diversos métodos para estimar a evaporação que ocorre em uma determinada bacia hidrográfica, sendo os principais: - métodos de transferência de massa: baseados na primeira Lei de Dalton, segundo a qual a evaporação é relacionada com a pressão de vapor da seguinte forma: E = b ⋅ (es − ea ) ,
onde E é a evaporação, b é um coeficiente empírico, es é a pressão de vapor de saturação (na temperatura da superfície evaporante) e ea é a pressão de vapor em uma certa altura acima da superfície evaporante. - balanço de energia: alguns métodos procuram representar o balanço de energia descrito no item anterior (Figura 8.1), empregando equações empíricas e/ou conceituais,
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para determinar a evaporação. O mais conhecido é o método de Penman, cuja descrição pode ser encontrada em Tucci (2000) e foge aos objetivos desse texto. - equações empíricas: com base em medições e observações de campo, foram desenvolvidas algumas equações empíricas para estimar a evaporação. Entretanto, elas geralmente são restritas para uso nas regiões onde foram desenvolvidas e para algumas condições específicas. - balanço hídrico: uma forma de estimar a evaporação de um lago ou reservatório é através do balanço hídrico, pelo qual são computadas as entradas e saídas de volumes de água. Já que a evaporação constitui uma das saídas, caso se tenha conhecimento das demais componentes do balanço, pode-se estimá-la. A equação geral é da forma: variação do volume armazenado
volume afluente da bacia contribuinte
=
+
-
volume efluente (captações, comportas, etc)
volume precipitado sobre a superfície líquida
-
+
volume evaporado da superfície líquida
- evaporímetro: também pode-se estimar a evaporação que ocorre em uma bacia hidrográfica com o emprego de evaporímetros, que medem diretamente o poder evaporativo da atmosfera, estando sujeitos aos efeitos de radiação, temperatura, vento e umidade do ar (Tucci, 2000). Os dois tipos mais usuais são os atmômetros e os tanques de evaporação. Os primeiros, como o de Piché (mais conhecido), são constituídos basicamente por um recipiente com água conectado a uma placa porosa, onde ocorre a evaporação, cuja medida é feita no recipiente. Os tanques de evaporação são empregados com maior freqüência e constituem tanques de aço ou ferro galvanizado, dispostos enterrados, na superfície, fixos ou flutuantes. O chamado tanque Classe A é o mais conhecido (Figura 8.2), devendo ser disposto sobre um estrado de madeira. A evaporação é estimada pela medição do rebaixamento da lâmina de água no tanque, mas, como este proporciona condições mais propícias à evaporação, por ter dimensões reduzidas, ser de material condutor, etc, normalmente é aplicado um coeficiente de valor entre 0,6 e 0,8 na medição do tanque, para estimar a evaporação na bacia (ou seja, a evaporação que ocorre na bacia é considerada como 60 a 80% daquela medida no tanque Classe A).
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Figura 8.2 – Evaporímetro tipo tanque Classe A (Fonte: Villela, 1975).
Evapotranspiração
O termo evapotranspiração é empregado para denotar a evaporação que ocorre a partir do solo em conjunto com a transpiração dos vegetais, em uma bacia hidrográfica. Além dos estudos hidrológicos de modo geral, a evapotranspiração constitui um interesse especial para o balanço hídrico agrícola, onde são avaliadas as disponibilidades e as demandas hídricas, servindo para verificar a necessidade de irrigação (época, quantidade). A evapotranspiração é um dos processos envolvidos na interação solovegetação-atmosfera, através da qual ocorrem trocas de calor, energia e água, e que constitui objeto de estudo de muitas pesquisas atualmente. Praticamente o total de água eliminada pelas plantas ocorre a partir dos estômatos, situados na superfície das folhas, sendo tal perda de água motivada pela diferença de pressão de vapor no ar acima da superfície da folha e a pressão de vapor no espaço interno da folha. Percebe-se, assim, que o processo de evapotranspiração é complexo e dinâmico, já que envolve organismos vivos, o que resulta na escassez de informações e na dificuldade de quantificação. Evapotranspiração potencial x real
Costuma-se usar um valor de referência para evapotranspiração, em alguns estudos hidrológicos, que é o que se chama de evapotranspiração potencial, cuja definição é:
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Evapotranspiração potencial (ETP) é a quantidade de água transferida para a atmosfera por evaporação e transpiração, na unidade de tempo, de uma superfície extensa completamente coberta de vegetação de porte baixo e bem suprida de água (Penman, 1956, apud Tucci, 2000). Enquanto que a evapotranspiração real é a quantidade de água transferida para a atmosfera por evaporação e transpiração, nas condições reais (existentes) de fatores atmosféricos e umidade do solo. Logo, a evapotranspiração real é igual ou menor que a evapotranspiração potencial (ETR ≤ ETP). Por serem escassas as informações a respeito da evapotranspiração real, são usados, geralmente, os valores de evapotranspiração potencial (estimados por equações conceituais ou empíricas), sendo depois aplicadas relações entre a ETR e a ETP. Estimativa da evapotranspiração
Existem alguns métodos desenvolvidos para a estimativa da evapotranspiração, como aqueles baseados na temperatura (exemplo: método de Thornthaite) ou na radiação. Também existem formas de medição direta, como através do emprego do lisímetro, ou indireta, através de medições sucessivas da umidade do solo. O lisímetro é constituído por um reservatório de solo de volume em torno de 1 m3, no qual tem-se controle dos volumes de água fornecidos, infiltrados e armazenados no solo, de modo que o balanço de volume (ou de peso) permite estimar o quanto foi absorvido pela vegetação e transpirado.
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Capítulo
9 Fluxo Fluvial
Generalidades
Até meados do século XX, o estudo sobre rios se limitava, principalmente, aos aspectos hidrológicos envolvidos tendo objetivos econômicos como a geração de energia hidroelétrica e projetos de canalização e retificação de rios. Assim, procurava-se saber o “funcionamento” do rio visando tão somente determinar possíveis locais para barramento e construção de hidroelétricas. Entretanto, com o tempo passou-se a fazer uma abordagem sistêmica de rio, considerando-o como um local onde ocorrem múltiplos eventos físicos, químicos e biológicos (Schwarzbold, 2000). Dentro dessa nova visão, o rio é entendido como um sistema pulsátil, regulado pelo regime hidrológico de sua bacia hidrográfica, já que se encontra sujeito a uma grande variação dos níveis de água e vazões ao longo do tempo, com a ocorrência de cheias periódicas (pulsos de inundação). Todo o ecossistema do rio é dependente dessa “pulsação”, de forma que a sua interrupção ou alteração (que ocorre principalmente devido à ação antrópica) repercute na biota aquática, no transporte de sedimentos e nutrientes, etc. O rio também é visto como um sistema de fluxo extremamente aberto, contínuo e que está em permanente busca de equilíbrio dinâmico. Ele interage com o ambiente ao redor de diversas formas, como na troca de sedimentos e nutrientes, regulando a formação da paisagem e dando condições de vida para diversas espécies e, de acordo com a evolução das condições do meio, procura se re-adaptar. Ainda segundo Schwarzbold (2000), ao rio é atribuída uma função renal na paisagem, na medida que ele “recebe”, “transforma” e “entrega”. O rio recebe tudo que é drenado pela sua bacia hidrográfica, seja de forma pontual ou difusa. De forma pontual tem-se, por exemplo, o lançamento dos efluentes de uma indústria, cuja localização se identifica claramente. De forma difusa estão referidos todos os materiais e substâncias carreados pelo escoamento superficial sobre o solo – a passagem da água
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erode o solo e leva consigo nutrientes, poluentes, restos de vegetais, sedimentos, etc, disponíveis sobre a superfície do solo, até o rio. Boa parte das substâncias que aporta ao rio é transformada por ele: fisicamente, ocorre a transformação dos materiais em solução por dissolução ou por abrasão (atrito com o leito do rio e com outras partículas em suspensão); quimicamente, ocorre a transformação dos nutrientes, a formação de soluções eletrolíticas, a oxidação de moléculas, etc; biologicamente, no rio também ocorrem oxi-reduções de compostos pela atividade bacteriana. A função de entrega está associada ao fato de que, tanto o que o rio transformou quanto o que se manteve inalterado é transferido por ele, trecho a trecho, para jusante. Geralmente, um rio é caracterizado por apresentar três regiões distintas, que são: (i)
curso superior ou terras altas: composta por um canal estreito, corredeiras e cachoeiras, onde a água tem temperaturas mais baixas e alta oxigenação; corresponde à região da cabeceira da bacia, onde nasce o rio e o terreno apresenta maiores declividades;
(ii)
curso médio: região de transição entre o curso superior e o curso inferior;
(iii)
curso inferior ou terras baixas: por se situar na parte mais baixa da bacia, e com menor declividade, o rio tende a apresentar maior largura nessa região, formando grandes planícies de inundação, com uma diversidade de formas de canais e meandros.
Na Figura 9.1 é apresentado o perfil longitudinal típico de um rio, ou seja, o traçado da cota do leito do rio desde sua nascente até a sua foz. Obviamente, como o escoamento ocorre devido à ação da gravidade, a nascente do rio é em terras mais altas (de maiores cotas do terreno), “descendo” até a sua foz. Em geral, no trecho inicial as declividades são maiores, enquanto que, na parte inferior já próximo à foz, apresenta-se praticamente plano (Figura 9.2). Já na Figura 9.3 é apresentada uma seção transversal do rio, formada pela calha principal e pela planície de inundação. O nível da água permanece na calha principal na grande parte do tempo, ocorrendo o extravasamento para a planície de inundação na época de cheia. Quando isso ocorre, o escoamento passa a se dar também pela planície, embora nessa região o escoamento se processe com menores velocidades (relativamente ao escoamento na calha principal), devido à resistência proporcionada pela vegetação, árvores, rochas, etc, que ocupam a planície. 89
cota nascente
foz
distância
Figura 9.1 – Exemplo típico do perfil longitudinal de um rio, da nascente à foz (a distância se refere ao comprimento do próprio rio, desde a sua nascente).
(1) (2) (3) Figura 9.2 – Ilustração da topografia do terreno ao longo do rio, caracterizando as partes alta (1), média (2) e baixa (3). (Fonte: adaptado de EPA, 1998).
planície de inundação (b) (a) calha principal do rio
Figura 9.3 – Seção transversal de um rio, com indicação da calha principal e da planície de inundação, onde: (a) nível da água no rio quando o escoamento está apenas na calha principal; (b) nível da água no rio na época de cheia, ocupando a planície de inundação.
90
É importante ter em mente sempre que a vazão do rio está diretamente relacionada à seção transversal do rio especificada – para cada seção, há uma vazão correspondente, podendo ser semelhantes ou bastante distintas entre si, conforme a distância no rio entre elas e outros fatores. Na Figura 9.4 são indicadas, para uma determinada seção transversal do rio, a profundidade, a largura, a área e a velocidade do escoamento.
Figura 9.4 – Indicação das variáveis profundidade, largura, área e velocidade do escoamento em uma seção transversal de um rio (Fonte: adaptado de EPA, 1998).
Equacionamento matemático do escoamento em rios
O escoamento em rios ou fluxo fluvial é regido por leis físicas, que são a equação da conservação da massa (ou equação da continuidade), equação da conservação da energia e a conservação da quantidade de movimento. Para representar o escoamento, são utilizadas as variáveis vazão, velocidade e profundidade do escoamento. Considerando o escoamento em superfície livre (como é o fluxo fluvial), pode-se dividir em dois tipos de escoamento principais: (a) permanente, quando não há variação ao longo do tempo da velocidade do escoamento e do nível da água; (b) nãopermanente: quando há tal variação. Embora constitua uma simplificação na maioria das vezes, a consideração de um escoamento permanente geralmente é adotada para estudos envolvendo cálculo de remanso, análise de cheias, análise de qualidade de água e dimensionamento de obras hidráulicas. Esse tipo de escoamento pode ainda ser dividido em: (i) uniforme, quando a velocidade e profundidade do escoamento são constantes no espaço; (ii) não-uniforme: quando há variação no espaço das variáveis do escoamento.
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O escoamento não-permanente constitui uma situação que ocorre na maioria dos problemas hidrológicos envolvendo o escoamento em rios e canais, sendo caracterizado pela variação no tempo e no espaço das condições do escoamento. Normalmente, são adotadas diversas simplificações para a definição das equações que descrevem o escoamento em rios, sendo as principais as listadas a seguir: -
água como fluido incompressível e homogêneo: despreza-se os efeitos de compressibilidade da água e consideram-se propriedades homogêneas em todo o rio (massa específica e viscosidade constantes, por exemplo).
-
pressão hidrostática na vertical: considera-se que na vertical a pressão em um determinado ponto no interior da coluna de água varia conforme a sua profundidade (pressão atmosférica + pressão da coluna de água acima);
-
aproximação da declividade do fundo do rio;
-
escoamento unidimensional: a rigor, a água se movimenta dentro do rio nas três dimensões espaciais, mas como o escoamento na direção longitudinal (direção do comprimento) do rio é preponderante, normalmente se desprezam as demais;
-
aproximação da seção transversal: a geometria natural da seção transversal do rio é aproximada por retas, formando trapézios e retângulos;
-
variação gradual das seções transversais: em um rio, a seção transversal varia ao longo do seu comprimento, e se considera, então, uma variação gradual entre duas seções transversais diferentes consecutivas, o que não necessariamente pode ser verdade a rigor. Para um trecho de rio de comprimento dx (Figura 9.5), cuja vazão de entrada
pela seção de montante é I e vazão de saída pela seção de jusante é O, tendo ainda uma contribuição lateral q ao longo de todo o seu comprimento, tem-se que a variação do volume de água S armazenado em tal trecho é dado por: dS = I − O + q ⋅ dx dt
A contribuição lateral q representa uma vazão por unidade de comprimento, resultante do escoamento superficial sobre as vertentes da bacia, que contribui para o rio ao longo do seu percurso.
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A expressão anterior representa o balanço de massa no trecho dx, de onde podese derivar a equação abaixo, que constitui a equação da continuidade na sua forma usualmente empregada: ∂A ∂Q =q + ∂t ∂x
onde: A é a área da seção transversal ao escoamento; t é o tempo; Q é a vazão; x é a distância ao longo do comprimento do rio; q é a vazão de contribuição lateral.
q I S O dx
Figura 9.5 – Trecho de um rio de comprimento dx, com representação das vazões nas seções de montante (I) e de jusante (O), da contribuição lateral (q) e do volume armazenado (S). Considerando que as principais forças que atuam sobre o escoamento são: gravidade; atrito (resistência ao escoamento proporcionada pelas paredes do fundo e das laterais); pressão (hidrostática), pode-se deduzir a seguinte equação da conservação da quantidade de movimento para o escoamento em um rio (sendo levadas em conta as simplificações enumeradas anteriormente): ∂Q ∂ (Q 2 / A) ∂y + + g ⋅ A = g ⋅ A ⋅ S0 − g ⋅ A ⋅ S f ∂t ∂x ∂x
onde Q é a vazão, t é o tempo, A é a área da seção transversal, g é a aceleração da gravidade, y é a profundidade do escoamento, S0 é a declividade do fundo, Sf é a tensão de atrito no fundo. Os dois primeiros termos do lado esquerdo da equação anterior representam as forças de inércia e o terceiro termo a força de pressão; no lado direito, o primeiro termo representa a ação da gravidade e o segundo a resistência ao escoamento provocada pelo atrito com o fundo e laterais da seção transversal.
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A equação da continuidade e a equação da conservação da quantidade de movimento apresentadas anteriormente constituem as chamadas Equações de Saint Venant, que são as equações unidimensionais do escoamento não-permanente gradualmente variado. Caso se considere o escoamento em corpos d’água como lagoas, banhados, estuários e áreas costeiras, observa-se que a circulação da água já não é preponderante apenas em uma única direção, mas sim em duas dimensões. Nessa situação, são empregadas as equações bidimensionais do escoamento. Maiores detalhes sobre o escoamento unidimensional ou bidimensional fogem ao objetivo desse texto, podendo ser encontrados em Tucci (2000) e Rosman (1989), por exemplo. Variação temporal do escoamento
Em função da aleatoriedade da precipitação e dos processos envolvidos desde a sua ocorrência até o escoamento superficial contribuindo para a vazão do rio, esta tem grande variação ao longo do tempo, como ilustra a Figura 9.6. Tal figura mostra o fluviograma (= hidrograma) de um período de quase 6 meses, onde se observa a variação da vazão, havendo picos de até 220 m3/s, enquanto durante boa parte do período a vazão oscilou em torno de menos de 20 m3/s. Convém ressaltar que, no capítulo referente ao Escoamento Superficial, analisou-se o hidrograma resultante de um evento chuvoso específico, ou seja, a resposta da vazão no rio devido à ocorrência de uma determinada precipitação. Esse caso compreendeu, portanto, a análise de um pico de vazão isolado, ou seja, como se isolasse um determinado pico do hidrograma da Figura 9.6. Uma forma de analisar o comportamento da vazão de um rio ao longo do tempo, em uma determinada seção transversal, é através da elaboração da curva de permanência. Trata-se da curva cumulativa de freqüência da série temporal contínua dos valores de vazão, que indica a porcentagem do tempo que um determinado valor de vazão foi igualado ou superado durante o período de observação. Um exemplo de curva de permanência está apresentado na Figura 9.7, onde está indicada a vazão cujo valor foi superado ou igualado durante 90% do tempo de observação. Tal vazão é referida como a Q90, e é muitas vezes empregada como referência na determinação da máxima vazão outorgável, ou seja, no estabelecimento da máxima vazão que pode ser “usada” do rio (mediante concessão de outorga – direito de 94
uso da água) pelo conjunto de todas as demandas, de modo a permanecer uma vazão mínima escoando pelo rio e evitar o conflito entre usuários do rio.
250
Vazão (m3/s)
200
150
100
50
0 0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
tempo (dias)
Figura 9.6 – Exemplo de hidrograma ou fluviograma para um período longo de observação.
Q (m3/s)
Q90 90%
% do tempo
Figura 9.7 – Curva de permanência, com indicação da Q90.
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Curva-chave
No estudo do comportamento do escoamento em rios, para uma determinada seção transversal do rio pode ser traçada a curva-chave, que constitui a relação entre a cota (nível da água) e a descarga (vazão) naquela seção (Figura 9.8). A relação biunívoca entre nível da água e vazão, ou seja, para cada vazão corresponde um único nível da água e vice-versa, constitui uma simplificação, sendo considerada válida quando o rio apresenta morfologia constante e a geometria da seção transversal não se modifica ao longo do tempo. Por exemplo, durante uma cheia, enquanto está ocorrendo a ascensão do hidrograma, ou seja, as vazões estão aumentando com o tempo, a relação entre a cota do nível da água e a vazão é diferente da relação quando o rio está diminuindo sua vazão, isto é, quando está ocorrendo a recessão do hidrograma. Simplificadamente, entretanto, costuma-se considerar uma relação única entre cota e vazão. Cota (m)
Vazão (m3/s)
Figura 9.8 – Curva-chave para uma determinada seção transversal de um rio. Uma dificuldade reside na extrapolação da curva-chave, que consiste em estender a curva para além do intervalo de vazões/cotas observadas. Por exemplo, é muito raro haver dados de vazão e cotas confiáveis para grandes cheias no rio, quando o escoamento está ocorrendo sobre a planície de inundação. Nesse caso, a relação cotavazão é determinada extrapolando-se o “final” da curva-chave, processo ao qual estão associadas muitas incertezas, principalmente devido à mudança na seção do escoamento, que antes era limitada à calha principal e que passou a ocupar a planície de inundação, cuja geometria tende a ser mais irregular, além da presença de vegetação rasteira, árvores e outras obstruções que afetam o escoamento.
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Medição de vazão
A vazão de um rio está associada a uma seção transversal específica, visto que o rio continua recebendo contribuição da bacia hidrográfica ao longo de todo o seu trajeto. Dessa forma, o primeiro passo na medição de vazão constitui a escolha da seção transversal. Obviamente, o objetivo do estudo vai determinar em que trecho do rio é necessária a caracterização do regime fluvial, mas a escolha de qual seção propriamente dita vai se dar conforme uma série de fatores, podendo-se enumerar os seguintes (Santos et al., 2001): - seção localizada em um trecho mais ou menos retilíneo; - margens bem definidas e livres de pontos singulares que possam perturbar o escoamento; - natureza do leito, sendo preferível leito rochoso que não sofre alterações; - obras hidráulicas existentes; - facilidade de acesso ao local; - presença de observador em potencial (em caso de instrumento lido por um observador). Tais fatores podem ser vistos como critérios para garantir que a geometria da seção transversal escolhida permaneça praticamente constante ao longo do tempo, permitindo comparações entre as medições em diversas épocas, que o escoamento na seção não seja influenciado por características específicas daquele local e assim seja considerado “representativo” do escoamento no trecho do rio em questão. A medição da vazão compreende a obtenção de grandezas geométricas da seção, como área, perímetro molhado, largura etc, e grandezas referentes ao escoamento da água, como velocidade e vazão. É importante ressaltar que, em uma determinada seção transversal do rio, a velocidade do escoamento varia ao longo da coluna de água (profundidade) e ao longo da largura do rio (Figura 9.9). Por isso, alguns métodos a seguir descritos procuram medir a velocidade da água em diversos pontos espalhados pela seção transversal. Os métodos mais usuais de medição da vazão são: uso de molinete; método acústico; método químico; com flutuadores; uso de dispositivos regulares; e indiretamente pela medição do nível da água.
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Figura 9.9 – Exemplo do comportamento da velocidade do escoamento dentro de três seções transversais do rio (variando ao longo da profundidade e da largura da seção) – em cada seção, as regiões com tonalidade mais escura de azul indicam maior velocidade do escoamento da água (Fonte: adptado de EPA, 1998).
Medição com molinete hidrométrico
Esse método consiste em determinar a área da seção transversal do rio e medir a velocidade do escoamento em diversos pontos da seção com o emprego de molinetes, obtendo-se a velocidade média em cada vertical da seção e daí calculando-se a vazão. O molinete é um instrumento de formato alongado dotado de hélice, sendo a velocidade determinada em função do número de ciclos por segundo que a hélice realiza, quando submetida ao fluxo. Dependendo das condições locais (profundidade, correntes, largura, etc) a medição pode ser efetuada a vau (atravessando-se o rio “caminhando”), em barcos ou a partir de passarelas. Método acústico
Esse método consiste na obtenção das profundidades e velocidades a partir da análise do eco de pulsos de ultrasom (ondas acústicas de alta freqüência) refletidas pelas partículas sólidas em suspensão na massa líquida e pela superfície sólida do fundo (Santos et al., 2001) – ADCP (Acoustic Doppler Current Profiler). Assim, simultaneamente, durante uma travessia do rio com uma embarcação na qual o
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instrumento é afixado, é feita a batimetria (levantamento da “topografia” do fundo do rio), o levantamento da trajetória de travessia e dos perfis e direções de velocidades – informações que integradas fornecem a vazão que atravessa a vazão. Método químico
Esse método é geralmente adotado para rios de pouca profundidade e com leito rochoso, onde o uso de molinete é dificultado, e consiste em injetar uma substância concentrada e medir a concentração em um certo ponto a jusante. A partir das concentrações injetada e medida a jusante é determinada a vazão do rio. A escolha da substância deve levar em conta os custos de aquisição, não ser corrosivo nem tóxico, ser de fácil medição da concentração, ser bem solúvel e não estar presente naturalmente na água do rio (Santos et al., 2001). Segundo tais autores, o bicromato de sódio é bastante usado, além de isótopos radiativos (Na24, Br82, P32) ou mesmo sal comum (NaCl). Medição com flutuadores
Esse método consiste simplesmente em determinar a velocidade de deslocamento de um objeto flutuante, medindo o tempo necessário para que ele percorra um trecho de rio de comprimento conhecido. É geralmente empregado quando não se dispõe de outros tipos de equipamentos ou quando da ocorrência de vazões muito altas, que colocam em risco a medição por parte dos técnicos ou danificam os instrumentos. Uso de dispositivos regulares
Determinados dispositivos, como vertedores triangulares ou calhas Parshall, têm a relação entre o nível da água e a vazão que os atravessa bem conhecidas, regidas por equações da hidráulica, as quais foram determinadas teoricamente ou com experimentos em laboratório. Assim, em alguns casos (geralmente vazões muito pequenas), pode-se optar por instalar algum desses dispositivos na seção transversal e, a partir da observação do nível da água, calcular a vazão pela equação hidráulica correspondente. Medição do nível da água
Como já comentado, em alguns casos a consideração de uma relação única entre o nível da água e a vazão em uma seção transversal do rio é aceitável, constituindo o que se chama de curva-chave. Assim, medindo-se o nível da água obtém-se a vazão correspondente através de tal curva. 99
A medição do nível da água é geralmente realizada com o emprego de réguas linimétricas ou linígrafos. As réguas (hastes de madeira ou metal graduadas) são instaladas ao longo da seção transversal (fincadas no solo) e a leitura é feita diretamente por um observador, que comparece ao local periodicamente – geralmente, uma ou duas leituras diárias, às 7h e às 17h. Os linígrafos são instrumentos que registram continuamente a variação do nível da água, havendo os linígrafos de bóia e os de pressão. Os primeiros (bóia) registram o nível da água a partir da transmissão do movimento de flutuador preso a um cabo, enquanto o segundo tipo determina o nível da água em função da pressão detectada por um sensor específico.
100
Capítulo
10 Transporte de sedimentos (baseado em Tucci, 2000, e Santos et al., 2001)
Introdução
Após ocorrida uma precipitação, descontados os volumes interceptados pela vegetação, evapotranspirados, infiltrados e retidos nas depressões do solo, forma-se um escoamento superficial pelas superfícies vertentes da bacia hidrográfica. A trajetória e a velocidade desse escoamento são ditadas pelos “obstáculos” encontrados, como irregularidades na superfície do solo, depressões, inclinação, rochas, árvores, etc. Por isso, o fluxo perde uma parcela da energia durante seu percurso pelas vertentes (função do atrito), sendo parte dessa energia gasta para desagregar solos e rochas, deslocando partículas do seu local de origem até pontos a jusante, seja na própria superfície ou até arroios e rios. Durante o escoamento nos rios, também ocorre o deslocamento de partículas do seu leito (fundo e paredes laterais), as quais são levadas pelo fluxo para jusante, assim como aquelas partículas que aportaram vindo do escoamento das vertentes. Assim, paralelo ao ciclo hidrológico, tem-se o que se denomina de ciclo hidrossedimentológico, referente ao transporte de sedimentos na bacia hidrográfica.
Por sedimentos são entendidos os materiais erodidos e suscetíveis ao transporte e deposição. O ciclo hidrossedimentológico é intimamente vinculado e dependente ao ciclo hidrológico, visto que o primeiro necessita de escoamento superficial nas vertentes e na rede de drenagem, o qual é “proporcionado” pelo segundo, para haver o deslocamento, transporte e deposição de partículas sólidas. O ciclo hidrossedimentológico é visto como um ciclo aberto, já que o deslocamento e transporte de sedimentos sempre ocorrem para trechos a jusante da bacia hidrográfica. Por exemplo, uma partícula sólida antes localizada na superfície vertente da bacia, ao ser carreada pelo escoamento superficial até um rio, não mais retorna àquele ponto na vertente, podendo ser levada para trechos a jusante do rio ou ser depositada em planícies de inundação, também a jusante do local de origem.
101
Importância do estudo do transporte de sedimentos
Pode-se afirmar que o interesse pelo estudo do ciclo hidrossedimentológico é relativamente recente, sendo motivado pelo aspecto de integração da gestão dos recursos hídricos e da gestão ambiental, preconizado na legislação atual (Lei n. 9.433, de 08/01/1997, que institui a Política Nacional dos Recursos Hídricos), bem como pela maior conscientização geral a respeito dos riscos de degradação dos solos, leitos dos rios e dos ecossistemas fluviais e também dos riscos de contaminação dos sedimentos por produtos químicos, com sérios impactos ambientais. A seguir são enumerados e comentados alguns dos principais problemas associados aos transportes de sedimentos, que muitas vezes acarretam custos econômicos e ambientais: (a) remoção intensa de solos, fertilizantes e pesticidas: de acordo com o tipo de solo e a ocupação que se faz dele (mata nativa, lavoura, área de desmatamento, etc), pode haver uma perda intensa de solos, levando junto fertilizantes e pesticidas, trazendo prejuízos para a agricultura (custos com mais adubos e agrotóxicos) e ambientais, na medida que tais substâncias interferem no ecossistema de diversas maneiras; por isso, o manejo do solo e da lavoura como um todo (preparo do solo, época de adubação, forma de irrigação, etc) devem ser avaliados para minimizar o problema; (b) recobrimento de áreas de lavoura por sedimentos estéreis, ocorrendo perdas de produção agrícola; isso ocorre devido a sedimentos carreados de áreas da superfície vertente a montante das lavouras e também pelo próprio rio, quando este extravasa e parte dos sedimentos transportados é depositada na planície de inundação; (c) assoreamento de reservatórios: a construção de reservatórios ou açudes obstrui o transporte natural de sedimentos pelos rios, e pela menor velocidade do escoamento da água nos açudes (em relação ao rio), as partículas que estão sendo transportadas se depositam no fundo, causando o assoreamento; dependendo da intensidade com que esse processo ocorra, o reservatório pode perder boa parte de sua capacidade de armazenagem de água; convém ressaltar que isso tem uma série de impactos no ambiente a jusante da barragem, já que tais sedimentos vão “fazer falta em algum lugar” – por exemplo, no caso de rios que correm para o mar, o impedimento do aporte de sedimentos trazidos pelo rio pode intensificar o processo de erosão das áreas costeiras pelo mar, já que este antes retirava os sedimentos trazidos pelo rio; 102
(d) necessidade de manutenção de sistemas de irrigação e drenagem: o acúmulo de sedimentos depositados nos sistemas de irrigação e drenagem, como valas de derivação e condução de águas, prejudica o funcionamento adequado para o qual foram projetados, necessitando de manutenção e, com isso, provocando mais custos econômicos; (e) necessidade de dragagem de vias navegáveis e portos: as vias navegáveis, seja em rios ou lagos, necessitam de certa profundidade para que navios de maior porte (que possuem maior calado8) possam passar; dependendo da dinâmica de sedimentos na bacia, essas vias podem necessitar de dragagens periódicas, a fim de retirar os sedimentos depositados e manter uma profundidade desejada; por exemplo, no Lago Guaíba (RS) há um Canal de Navegação (na verdade, uma série de canais escavados, com profundidades maiores que o restante do lago, em torno de 6 m, ligando o Delta do Jacuí até a Lagoa dos Patos), onde há a necessidade de dragagem dos sedimentos trazidos principalmente pelos rios formadores do lago – rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí – para manter a profundidade e mantê-la navegável para navios de maior calado; (f) degradação da qualidade de água: a maior presença de partículas sólidas na água de rios e lagos (em suspensão ou dissolvidos) traz prejuízos ao ambiente, ao aumentar a turbidez e diminuir a passagem da luz solar, entre outros, e também prejuízos econômicos, por aumentar os custos de remoção dessas partículas na água captada para abastecimento público de água ou de indústrias; (g) erosão de rodovias, ferrovias e oleodutos: o manejo do solo incorreto e a ausência de estruturas de contenção (como valas de drenagem) podem acarretar na erosão de rodovias, ferrovias e oleodutos, devido ao escoamento superficial, com grandes transtornos e prejuízos financeiros; (h) necessidade de remoção de sedimentos em áreas inundadas: com a passagem da onda de cheia, os sedimentos depositados precisam ser removidos, acarretando custos adicionais. Ciclo hidrossedimentológico
O ciclo hidrossedimentológico descreve os processos que regem o deslocamento de partículas sólidas em uma bacia hidrográfica, que são: desagregação, erosão, transporte, decantação, depósito e consolidação. Cada um deles é comentado a seguir: 8
Calado: termo usado para se referir à altura das embarcações que fica abaixo da linha da água, função do tipo de embarcação e do peso da carga que está sendo transportada. 103
- desagregação: refere-se ao desprendimento de partículas sólidas do meio ao qual fazem parte, causada por variações de temperatura, reações químicas, ações mecânicas, etc; além de ações antrópicas, o impacto das gotas da chuva é o principal agente desagregador, daí resultando a importância em se manter uma cobertura vegetal na bacia e o impacto causado pelo desmatamento; como resultado, a desagregação “gera” uma massa de partículas sólidas exposta à ação do escoamento superficial; - erosão: processo de deslocamento do local de origem das partículas da superfície do solo (vertentes) ou dos leitos dos rios, sob efeito do escoamento da água; tal deslocamento ocorre quando as forças hidrodinâmicas exercidas pelo escoamento ultrapassam a resistência oferecida pelas partículas (peso próprio de cada partícula e forças de coesão entre elas) – para as partículas mais finas, é mais importante a força de coesão, enquanto para as maiores a resistência devido ao peso próprio predomina; - transporte: refere-se ao processo de transporte do material erodido pela água; as partículas mais pesadas se deslocam sobre ou junto ao fundo, por rolamento, deslizamento e/ou através de pequenos “saltos”; nesse caso, o material transportado é exclusivamente material localizado no fundo dos rios, constituindo o que se chama de arraste ou descarga sólida de fundo; as partículas mais leves, por sua vez, são deslocadas no seio do escoamento (“flutuando”) e, nesse caso, o material é originado tanto das superfícies vertentes quanto do próprio fundo dos rios e constitui a chamada descarga sólida em suspensão; - decantação ou sedimentação: processo pelo qual as partículas mais finas transportadas em suspensão tendem a restabelecer contato com o fundo sob efeito da gravidade; - depósito: refere-se à parada total das partículas em suspensão recém decantadas sobre o fundo ou daquelas transportadas por arraste; - consolidação: após o depósito, consiste no acúmulo de partículas sobre o fundo do rio e na compactação do depósito resultante, sendo motivada pelo próprio peso das partículas, pela pressão hidrostática (peso da coluna de água acima), entre outros. Convém esclarecer bem a diferença entre os processos de depósito e decantação, já que, por exemplo, uma partícula recém decantada pode continuar movimentando-se após entrar em contato com o fundo do rio – ou seja, ela decantou mas não se depositou.
104
Observa-se, claramente, que o transporte de sedimentos pelo rio constitui um fenômeno complexo, sendo dependente tanto do fornecimento de material, cuja origem são os processos erosivos nas vertentes e no leito/margens do rio, quanto da energia do fluxo. Isso atribui ao transporte de sedimentos uma grande variação no tempo e no espaço. Embora as atividades antrópicas interfiram substancialmente em alguns casos, o ciclo hidrossedimentológico é um processo natural e faz parte da evolução da paisagem. Como resultado, tem-se a moldagem das feições das bacias hidrográficas, incluindo os perfis longitudinais dos rios, as redes de drenagem, a forma dos leitos dos rios, etc. Em uma bacia hidrográfica, podem ser identificadas três “peças” principais do sistema natural de produção de sedimentos, que são (Figura 10.1): (i) interflúvios ou vertentes; (ii) leitos ou calhas dos rios; (iii) planícies aluviais ou várzeas. (i)
interflúvios ou vertentes: área de captação da precipitação e produção de
sedimentos; às vertentes, é atribuído o papel principal de “geração de sedimentos” na bacia, tal qual a “geração de escoamento”; (ii)
calhas dos rios: nelas ocorre a concentração do escoamento e tem como
papel principal o de transportar o conjunto água+sedimentos produzido nas vertentes até a saída da bacia; também “produz” sedimentos, devido à erosão das margens e do próprio leito do rio; (iii)
planícies aluviais ou várzeas: são as áreas que “envolvem” os rios,
principalmente nas áreas baixas da bacia, funcionando ora como produtoras de sedimentos ora como fornecedoras; quando o escoamento do rio está limitado à calha principal (época de estiagem ou baixas vazões), as planícies contribuem produzindo sedimentos para o rio, ao ocorrer escoamento superficial devido a uma precipitação; por outro lado, quando o escoamento do rio extravasa a calha principal (época de cheia) e passa a ocorrer também pela planície, esta passa a receber sedimentos transportados pelo rio, que nela se depositam devido a menor velocidade do escoamento nessa região e aos obstáculos (árvores, pedras, vegetação, etc).
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interflúvios leito do rio
planícies aluviais
Figura 10.1 – Principais “peças” do sistema natural de produção de sedimentos em uma bacia hidrográfica.
Estimativa da produção de sedimentos
Com o objetivo de estimar a produção de sedimentos em uma bacia hidrográfica, foram desenvolvidos alguns métodos, sendo o principal aquele baseado na Equação Universal da Perda de Solos (USLE – Universal Soil Loss Equation). Tal método consiste na previsão da erosão de origem hídrica e, por ser relativamente simples quanto aos parâmetros adotados e por permitir a obtenção de parte das informações necessárias através de geoprocessamento (interpretação de imagens de satélite), é bastante utilizado. Segundo o referido método, a perda de solo calculada por unidade de área (A – t/ha/ano) é estimada da seguinte forma: A = R ⋅ K ⋅ LS ⋅ C ⋅ P ,
onde R é um índice de erosividade da chuva; K é um fator de erodibilidade do solo; LS é um fator topográfico; C é um fator de uso e manejo do solo; P é um fator de prática conservacionista. Observa-se, portanto, que o método USLE estima a perda de solo devido à erosão hídrica levando em conta a “capacidade” da chuva em causar erosão, as características do solo e do uso/manejo feito nele, além da topografia (relevo) da bacia. Por geoprocessamento, vários daqueles fatores podem ser obtidos de forma distribuída espacialmente na área da bacia, permitindo fazer uma estimativa da perda de solos também distribuída. Isso possibilita inferir sobre quais áreas são mais propensas à perda de solos, bem como prever qual o impacto de mudanças na ocupação da bacia ou na forma de manejo do solo sobre a perda de solos. Tais informações são bastante úteis no
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planejamento e gerenciamento da bacia, tanto em termos de recursos hídricos quanto de desenvolvimento urbano e ocupação do solo. Transporte fluvial de sedimentos
Os sedimentos são transportados ao longo dos cursos d’água sobre três formas principais: (a) dissolvidos na água, constituindo a carga dissolvida; (b) em suspensão no escoamento (carga em suspensão); (c) deslizando ou rolando no fundo do rio (carga do leito). A ocorrência de cada um dos tipos de transporte vai depender de vários fatores, tais como a disponibilidade de sedimentos (quantidade e granulometria) e as características do escoamento nas vertentes e no rio. Em particular, a concentração dos sedimentos em suspensão varia ao longo de uma dada seção transversal do rio, na medida que a velocidade do escoamento também varia, como foi visto no capítulo sobre Fluxo Fluvial (ver Figura 9.9). Assim, tal concentração varia da superfície até o fundo do rio, e também ao longo da largura da seção transversal, sendo que o maior transporte (máxima descarga sólida) ocorre na região de maiores velocidades do escoamento. Distribuição dos sedimentos ao longo dos cursos d’água
Como a morfologia do rio e o fluxo fluvial apresentam características distintas ao longo do comprimento do rio, desde a cabeceira até sua foz (ver capítulo sobre Fluxo Fluvial), os sedimentos transportados também variam conforme o trecho de rio considerado (alto, médio ou baixo curso). Embora possa haver variações conforme as particularidades de cada bacia, de modo geral pode-se considerar o seguinte: - alto curso: área da bacia com maior degradação, devido às maiores declividades e maiores velocidades do escoamento; o rio transporta elevadas quantidades de material grosseiro, havendo, portanto, o predomínio de arraste; - médio curso: corresponde à área de maior estabilidade, de modo que não há elevados acréscimos ou perdas de volume de sedimentos transportados, os quais apresentam granulometria média; - baixo curso: região onde ocorre o predomínio da deposição de sedimentos, já que morfologicamente o rio tende a apresentar menores velocidades do escoamento, desenvolvendo-se em áreas mais planas e com seções transversais mais largas; nessa região, o rio transporta praticamente só partículas finas (em suspensão ou dissolvidas). 107
Entretanto, como a vazão do rio apresenta comportamento temporal bastante variável, função do regime de precipitação na bacia contribuinte, entre outros fatores, o transporte de sedimentos também varia ao longo do tempo. Assim, as maiores vazões transportam os maiores volumes de sedimentos, estando fortemente correlacionados entre si. Deve ser ressaltado, contudo, que tal relação não é linear, isto é, o volume de sedimentos transportados não é linearmente proporcional à vazão, havendo relações empíricas desenvolvidas para determinadas regiões, geralmente da forma exponencial. Medição do transporte de sedimentos
Ao se medir o transporte de sedimentos efetuado por um rio, o objetivo é determinar a descarga sólida, ou seja, a quantidade de sedimentos que passa em uma seção transversal do rio por unidade de tempo. Logo, assim como a vazão, a medição da descarga sólida está associada a uma determinada seção transversal do rio, sendo esperados diferentes resultados para distintas seções, função de uma série de fatores, como já mencionado anteriormente. Embora não haja uma distinção bem clara, o transporte total de sedimentos ou a descarga sólida total é composto pela descarga sólida dissolvida, descarga sólida em suspensão e pela descarga sólida do leito. O conjunto da primeira e da segunda é chamado geralmente de sólidos totais em suspensão. Para a medição direta do transporte de sedimentos em um rio, o método mais comum é o emprego de técnicas de amostragem e o posterior cálculo do volume transportado. O objetivo nesse caso é a obtenção de amostras representativas dos sedimentos transportados na seção transversal, caracterizando sua tipologia e concentração, sendo usado para isso amostradores padronizados e técnicas apropriadas. A medição dos sólidos totais em suspensão (carga dissolvida e em suspensão) é feita através da coleta de amostras que são analisadas em laboratório. Há dois tipos principais de procedimento de amostragem: (i) amostragem por integração na vertical, quando o amostrador é deslocado na vertical com velocidade constante; (ii) amostragem pontual, quando o amostrador dispõe de mecanismo de abertura/fechamento, o qual é acionado apenas para determinados pontos da seção transversal, onde vão ser coletadas as amostras. Em ambos os casos os amostradores constituem recipientes de formato semelhante a alguns molinetes hidrométricos (usados para medir a velocidade do escoamento), mas com abertura na parte frontal ao escoamento, por onde é feita a coleta da água com sedimentos. 108
Um método mais moderno de estimar o transporte de sedimentos em suspensão e dissolvidos é através do emprego de equipamento ADCP (Acoustic Doppler Current Profiler), o qual emite ondas sonoras e, através da recepção das respostas a essas ondas,
estima os sedimentos na água, além da velocidade do escoamento e da batimetria (“relevo do fundo”) do corpo d’água. A medição da descarga sólida do leito diretamente é bastante dificultada pela própria característica dos sedimentos (tamanho, peso, etc), tornando tal medição de complexa operacionalização e pouco uso prático. Há espécies de armadilhas desenvolvidas para realizar a coleta, bem como certos tipos de amostradores portáteis de fundo. Um meio mais comum é através da medição indireta. Nesse caso, são medidas variáveis mais facilmente obtidas, como velocidade do escoamento, quantidade e granulometria da descarga sólida em suspensão e granulometria do material do fundo, sendo estimada então a descarga sólida do fundo em função de tais variáveis, através de uma relação semi-empírica.
109
Capítulo
11 Desertificação
Introdução
Alguns autores atribuem a criação do termo desertificação ao período no final dos anos 40, com o objetivo de caracterizar as áreas que estavam se tornando “parecidas” com desertos ou desertos que estavam se expandindo. Considera-se que o primeiro registro, ou o evento que deu início à discussão sobre o processo de desertificação, tenha sido ainda nos anos 30, decorrente de um fenômeno ocorrido no meio-oeste americano, conhecido como Dust Bowl, onde intensa degradação dos solos afetou área de cerca de 380.000 km2 nos estados de Oklahoma, Kansas, Novo México e Colorado (MMA, 1999). Outro evento histórico marcante e decisivo para o reconhecimento da ocorrência de um processo que gera intensos impactos econômicos, ambientais e sociais foi a grande seca ocorrida no início dos anos 70, na região localizada abaixo do deserto do Saara, conhecido como Sahel, na qual mais de 500.000 pessoas morreram de fome (MMA, 1999). Nesse período, de modo geral foram identificados grandes movimentos migratórios e intensos processos de devastação ambiental em toda a África. Assim, inicialmente se pensava em fatores isolados locais como os geradores desse processo de desertificação, ainda não completamente compreendido, ou seja, o problema ocorria em regiões específicas e era decorrente de particularidades regionais. Com o passar dos anos, os estudiosos verificaram que o referido processo ocorria em todos os continentes, principalmente em países que tinham parte do seu território com clima do tipo semi-árido e sujeito à seca. Também houve muita discussão e até uma certa polêmica quanto às causas da desertificação, sendo atribuída ora a processos naturais e ora a processos induzidos pelo homem (havia estudiosos defendendo cada uma das hipóteses). Em meio a esse contexto, deu-se início, portanto, ao entendimento de que a desertificação constituía um problema de escala mundial, necessitando de ações de caráter global.
110
Essa crescente importância dispensada ao tema pode ser compreendida observando as conferências e debates promovidos ao longo dos anos. Em 1972, em Estocolmo (Suécia), durante a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, foram discutidas diversas questões ambientais, entre elas a desertificação. Nesse evento, ficou acertado que tal assunto merecia uma atenção especial e, em 1977, em Nairóbi (Quênia), foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação – tratavase, agora, de uma conferência exclusiva sobre a desertificação. Já em 1992, durante a ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) no Rio de Janeiro, foi aprovada a Agenda 21 (documento constituído por um conjunto de diretrizes e recomendações sobre desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente). O capítulo 12 desse documento trata especificamente da desertificação, sendo intitulado “Manejo de ecossistemas frágeis: a luta contra a desertificação e a seca”. Ainda durante a ECO-92 ficou acertado sobre a necessidade da realização de uma convenção sobre a desertificação e, em 26/12/1996 foi aprovada então a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação. A convenção é um instrumento jurídico considerado “forte”, pois obriga as partes signatárias (aqueles que assinaram a convenção) a assumir uma série de compromissos, estabelecidos na própria convenção. Com relação à referida convenção sobre desertificação, os países signatários ficaram obrigados a elaborar um Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação, o qual é conhecido como PAN. Cita-se que, até 1992, cerca de 179 países eram signatários da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação. O Brasil aderiu em junho de 1997, tendo lançado seu PAN em agosto de 2004. A consulta ao PAN brasileiro pode ser feita através da página eletrônica da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, cujo endereço eletrônico é http://desertificacao.cnrh-srh.gov.br. A descrição e comentários sobre o referido programa brasileiro de combate à desertificação fogem ao escopo desse texto. Conceito de desertificação
A definição mais aceita para o termo desertificação é a proposta durante a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, segundo a qual “desertificação é a degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas
111
secas resultante de fatores diversos tais como as variações climáticas e as atividades humanas”.
A classificação de uma região em árida, semi-árida, etc, é usualmente determinada em função do grau de aridez, que é estabelecido por sua vez em função da quantidade de água advinda da precipitação e da perda máxima possível de água por evaporação e transpiração (evapotranspiração potencial). É adotado o seguinte índice indicativo do grau de aridez: índice de aridez =
precipitação evapotranspiração potencial
A classificação da região segundo o índice de aridez segue os seguintes valores: Hiper-árido
< 0,03
Árido
0,03 – 0,20
Semi-árido
0,21 – 0,50
Sub-úmido seco
0,51 – 0,65
Sub-úmido úmido
> 0,65
No que diz respeito às variações climáticas, a seca é um fenômeno típico das regiões semi-áridas. Então, de certa forma a fauna e a flora de tais regiões está adaptada às variações climáticas que ocorrem, embora, claro, possam ocorrer variações não muito freqüentes de maior intensidade, tendo maior impacto sobre todo o ecossistema. Já no que diz respeito às ações de degradação da terra induzidas pelo homem, deve-se entendê-las como tendo, pelo menos, cinco componentes principais: -
degradação das populações animais e vegetais: refere-se principalmente à degradação biótica e à perda de biodiversidade9;
-
degradação do solo: efeito físico (erosão hídrica e eólica; compactação pelo uso de mecanização pesada) e/ou químico (salinização – acúmulo de sais – ou sodificação – acúmulo de sódio);
-
degradação das condições hidrológicas de superfície: principalmente através da perda da cobertura vegetal, que desempenhava a importante função de reter o escoamento superficial, aumentando a infiltração no solo, além de proteger as
9
Sobre o tema biodiversidade há a publicação muito interessante intitulada “Seria melhor mandar ladrilhar? Biodiversidade – como, para que, por quê”, Nurit Bensusan (org.), UnB, 2002. 112
camadas do solo do impacto das gotas e do transporte de sedimentos, os quais atingem os corpos d’água; -
degradação das condições hidrogeológicas (águas subterrâneas): principalmente devido a modificações nas condições de recarga;
-
degradação da infra-estrutura econômica e da qualidade de vida nos assentamentos humanos. Dessa forma, é possível entender desertificação como um processo no qual
ocorre a degradação das terras, consistindo na perda de produtividade biológica e econômica das terras agrícolas, das pastagens e das áreas de mata nativa, devido às variabilidades climáticas e às atividades humanas. Principais causas e conseqüências da desertificação
Além das variações climáticas, já comentado a respeito, as principais causas da desertificação devido às atividades humanas são: -
desmatamento (a retirada da cobertura vegetal causa uma série de impactos, como a menor capacidade do ambiente em suportar a vida animal, diminuição da biodiversidade, exposição do solo à erosão hídrica e eólica, lixiviação do solo, etc);
-
salinização dos solos por irrigação, devido ao manejo inadequado: diminui a capacidade do solo em suportar o crescimento da flora, tornando-o menos fértil, o que por sua vez acarreta outros impactos;
-
sobre-pastoreio (pastoreio em excesso): pode causar a compactação excessiva do solo, diminuindo a infiltração da água, e também contribuir para o esgotamento dos recursos naturais, no caso das pastagens;
-
esgotamento dos solos e dos recursos hídricos por procedimentos intensivos e não adaptados às condições ambientais;
-
manejo inadequado da agropecuária;
-
aumento da demanda por alimentos, água e energia, em virtude do crescimento populacional;
-
inadequação dos sistemas produtivos (exploração além da capacidade de suporte do ambiente).
113
Pelo exposto anteriormente, já se pode visualizar uma série de conseqüências decorrentes do processo de desertificação. As principais delas podem ser agrupadas e enumeradas do seguinte modo: -
degradação da terra causa sérios problemas econômicos: •
setor agrícola é o principal afetado, devido à diminuição da produção, perda da capacidade produtiva de áreas agrícolas, aumento dos custos com adubação, etc;
•
com a maior susceptibilidade do solo à erosão, ocorre também o assoreamento de rios e reservatórios, desencadeando uma gama de conseqüências, como custos de tratamento da água para consumo, remoção de sedimentos, etc.
-
extinção de espécies nativas: •
extinção de espécies com valor econômico (usadas na indústria para extração de subprodutos, etc);
•
extinção de espécies com potencial uso na agropecuária, melhoramento genético, indústrias farmacêutica, química, etc;
•
-
perda da biodiversidade.
problemas sociais agravados: •
redução da qualidade de vida;
•
diminuição da renda;
•
aumento da desnutrição;
•
migração para centros urbanos (e daí decorrem outros problemas, como de infra-estrutura, desemprego, violência urbana, etc);
•
com isso, verifica-se que a desertificação agrava o desequilíbrio regional, na medida que as regiões mais pobres são mais prejudicadas e se tornam ainda mais “distantes” das áreas mais desenvolvidas;
Panorama do processo de desertificação atual
Apenas para dar uma idéia da dimensão do problema da desertificação, são apresentados alguns números a respeito desse processo. Por exemplo, dados mundiais indicam que cerca de 60.000 km2 de terras férteis são colocadas fora de produção
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devido à desertificação, por ano. Alguns estudos também apontam que quase 1/3 de toda a superfície do planeta pode ser afetada direta ou indiretamente as conseqüências da desertificação, abrangendo em torno de 100 países. Estima-se que, em todo o mundo, nas áreas susceptíveis à desertificação e à seca, vivem hoje cerca de 900 milhões de pessoas e, dessas, cerca de 200 milhões já estão afetadas por este processo, conforme dados do relatório “Status of Desertification and Implementation of the U. N. Plan of Action to Combat Desertification”, elaborado pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Outros estudos indicam que, na América do Sul, cerca de 170 milhões de hectares foram degradados, devido ao desmatamento e superpastagem, enquanto no Caribe a urbanização acelerada e mal planejada resultou na perda de terras para uso agrícola, proteção de bacias e conservação da biodiversidade. A seguir é apresentada uma série de fotografias de regiões atingidas pelo processo de desertificação (Figuras 11.1 e 11.2), as quais ilustram a grave situação de degradação decorrente desse processo.
Figura 11.1 – Fotografias de diversas regiões em todo o planeta atingidas por intenso processo de desertificação. (Fonte: IICA, 2004). 115
Figura 11.2 – Fotografias de diversas regiões em todo o planeta atingidas por intenso processo de desertificação. (Fonte: IICA, 2004).
No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente elaborou um mapa de susceptibilidade à desertificação (Figura 11.3). Como é observado em tal figura, esse processo atinge predominantemente a região Nordeste do país, além da parte norte de Minas Gerais. Segundo esse levantamento, as áreas consideradas com muito alta susceptibilidade à desertificação foram estimadas em cerca de 238.600 km2, enquanto na categoria de alta e moderada susceptibilidade as áreas foram de 384.000 km2 e 358.000 km2, respectivamente.
Figura 11.3 – Mapa de susceptibilidade à desertificação no Brasil.
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No Nordeste do Brasil, o processo de desertificação ocorre sob duas formas principais: (i)
difusa no território: abrangendo diferentes níveis de degradação do solo, vegetação e recursos hídricos;
(ii)
concentrada em pequenas porções do território, com intensa degradação dos recursos da terra; existem quatro núcleos de desertificação: Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Seridó (RN) e Cabrobó (PE). Na Figura 11.4 é ilustrado um exemplo da gravidade do problema, no município de Gilbués.
Figura 11.4 – Foto da Ponte do Boqueirão (Gilbués, PI), com 12 m de vão, mostrando a situação do rio completamente assoreado. (Fonte: PAN-Brasil, 2004). Segundo estimativas de 1992, cerca de 98.600 km2 foram considerados com situação muito grave em relação à desertificação e 81.900 km2 com situação tida como grave (Figura 11.5), o que ressalta a necessidade de implementação de ações para amenizar o problema. Em tal figura também consta a localização dos quatro núcleos de desertificação já citados. Considerando o mapa de grau de afetamento da desertificação para todo o Brasil (Figura 11.6), observa-se que, além das áreas afetadas na região Nordeste e na parte norte de Minas Gerais, há uma área no Rio Grande do Sul classificada como “áreas de atenção especial”, situada na porção sudoeste do estado. O sudoeste do Rio Grande do Sul vem sofrendo ao longo dos anos um intenso processo de degradação ambiental, representado pela transformação de grandes
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extensões de terra em areia. Tal processo é motivado principalmente por fatores naturais, mas intensificado pela adoção de práticas de manejo do solo inadequadas.
Figura 11.5 – Mapa do grau de afetamento das áreas devido ao processo de desertificação no Nordeste do Brasil.
Figura 11.6 – Mapa do grau de afetamento da desertificação no Brasil.
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Há uma discussão sobre o processo de degradação ambiental que ocorre no sudoeste gaúcho, onde diversos autores consideram a existência de um processo chamado de arenização. Esse termo é descrito por Suertegaray et al. (2001) como o processo de retrabalhamento de depósitos arenosos pouco ou não consolidados que acarreta nestas áreas uma dificuldade de fixação da cobertura vegetal, devido à intensa mobilidade dos sedimentos pela ação das águas e dos ventos. Conseqüentemente, arenização indica uma área de degradação relacionada ao clima úmido, onde a diminuição do potencial biológico não resulta em definitivo em condições de tipo deserto – ao contrário, a dinâmica dos processos envolvidos nesta degradação dos solos é fundamentalmente derivada da abundância da água. Ainda segundo Suertegaray et al. (2001), a região de ocorrência dos areais está localizada no sudoeste do Rio Grande do Sul, a partir do meridiano de 54º em direção oeste até a fronteira com a Argentina e o Uruguai. A degradação do solo nesta área apresenta-se sob a forma de areais, que ocupam uma larga faixa onde localizam-se os municípios de Alegrete, Cacequi, Itaquí, Maçambará, Manuel Viana, Quaraí, Rosário do Sul, São Borja, São Francisco de Assis e Unistalda. A seguir é transcrito texto descritivo sobre o processo de arenização no Rio Grande do Sul, extraído da referência citada anteriormente. A formação dos areais, interpretada a partir de estudos geomorfológicos, associada à dinâmica hídrica e eólica indica que os areais resultam inicialmente de processos hídricos. Estes, relacionados com uma topografia favorável permitem, numa primeira fase, a formação de ravinas e voçorocas. Estas, na continuidade do processo, desenvolvem-se por erosão lateral e regressiva, conseqüentemente, alargando suas bordas por outro lado, à jusante destas ravinas e voçorocas em decorrência do processo de transporte de sedimentos pela água durante episódios de chuvas torrenciais, formam-se depósitos arenosos em forma de leques. Com o tempo esses leques vão se agrupando e em conjunto dão origem a um areal. O vento que atua sobre essas areias, em todas as direções, permite a ampliação deste processo, o qual pode ser observado na Figura 11.7, onde se percebe a existência de uma vertente de elevada declividade à montante do areal. Este contato abrupto derivado de litologias diferentes favorece o escoamento das águas e o surgimento de ravinas. Estas ravinas, por entalhamento de seu canal, atingem o lençol freático e desencadeiam processos de voçorocamento. A ampliação dessas voçorocas, cuja evolução é remontante, possibilita
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a jusante o alargamento do canal de escoamento, deposições em forma de leques e a formação de areais. Os areais ocorrem sobre unidades litológicas frágeis (depósitos arenosos) em áreas com baixas altitudes e declividades. São comuns nas médias colinas ou nas rampas em contato com escarpas de morros testemunhos (Figuras 11.7 e 11.8). Sobre outro aspecto a formação de ravinas e voçorocas, processos que estão na origem dos areais, podem também ser resultado do pisoteio do gado e do uso de maquinaria pesada na atividade agrícola, originando sulcos e desencadeando condições de escoamento concentrado.
Figura 11.7 – Representação da formação de areais em rampas (Fonte: Suertegaray et al., 2001).
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Figura 11.8 – Representação da formação de areais em colinas (Fonte: Suertegaray et al., 2001).
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Capítulo
12 Controle de enchentes (baseado em Tucci, 2000)
Origem das enchentes
A ocorrência de enchentes está vinculada principalmente à ocorrência de uma precipitação intensa – grande volume de água precipitado em um curto período de tempo –, que acarreta um grande aporte de água ao rio rapidamente. Esse aporte de água concentrado corresponde a um volume de água maior do que aquele que o rio tem capacidade de transportar, normalmente, na sua calha principal. Dessa forma, ocorre o extravasamento do rio, ou seja, o rio “sai” da sua calha principal e “invade” a planície de inundação e áreas ribeirinhas, caracterizando a ocorrência de inundações. É importante frisar que um mesmo volume precipitado caindo na mesma região pode não acarretar em inundações, dependendo do tempo que essa precipitação levou para acontecer. Caso a intensidade da precipitação seja relativamente pequena, isto é, o volume precipitado tenha ocorrido ao longo de uma grande duração, o rio pode ser capaz de escoar toda a água resultante da transformação chuva-vazão. É fácil perceber que quanto maior a intensidade da chuva maior é a tendência de causar inundações, mantidas as demais características constantes – basta lembrar dos processos envolvidos na transformação chuva-vazão (saturação do solo, infiltração, interceptação, etc). Problemática das enchentes
A problemática da ocorrência de enchentes está associada principalmente à ocupação das áreas de várzeas (ou planícies de inundação) pela população e à freqüência da ocorrência das enchentes. Essa última se refere ao fato de que a ocorrência de enchentes está vinculada à aleatoriedade do regime de precipitação na bacia contribuinte, fazendo com que o rio extravase e inunde suas planícies de inundação com uma certa freqüência, determinada nos estudos hidrológicos empregando técnicas estatísticas. Os prejuízos proporcionados pelas inundações são decorrentes principalmente da ocupação das planícies de inundação pela população, seja para habitação, recreação, uso 122
agrícola, comercial, industrial, etc. Tal ocupação é associada, muitas vezes, ao próprio desenvolvimento histórico da região, na medida que a proximidade com os corpos d’água (rios, arroios, lagos, etc) facilita o consumo de água, proporciona opção de lazer, banho, pesca, etc, além do uso dos rios como via de transporte. Entretanto, a despeito das razões históricas de ocupação das áreas próximas a rios e lagos, o que tem ocorrido é o crescimento desordenado e acelerado das cidades, principalmente dos grandes centros urbanos. Isso causa uma pressão para ocupação das áreas ribeirinhas, na busca de áreas para expansão da cidade, seja irregularmente ou não. Paralelo a isto, a urbanização da bacia contribuinte ao rio proporciona um aumento no escoamento superficial, fazendo com que, para um mesmo volume precipitado durante o mesmo tempo, passe a ocorrer um aporte maior de água ao rio e que chega mais rápido – devido à redução da infiltração, armazenamento nas depressões, interceptação, etc (ver capítulo sobre Escoamento Superficial). Esse aporte maior e mais concentrado no tempo faz com que as inundações sejam mais intensas (impactando áreas maiores) e mais freqüentes. Observa-se, portanto, que a ocorrência de enchentes tem trazido prejuízos maiores, tanto em termos de perdas de vidas quanto em termos econômicos, intensificados justamente pela ocupação das áreas ribeirinhas e pela urbanização da bacia contribuinte (Figura 12.1).
crescimento desordenado e acelerado das cidades urbanização da bacia contribuinte
pressão para ocupação de áreas ribeirinhas ocorrência de enchentes trazendo prejuízos maiores (econômicos e perdas de vidas)
aumento do escoamento superficial
Figura 12.1 – Esquema ilustrativo do agravamento dos prejuízos causados pelas enchentes.
Apesar de haver ocupação regulamentada de áreas sujeitas a inundações, o principal tipo de ocupação é feito irregularmente e pela população mais carente, por não ter condições de ocupar áreas “seguras” na cidade, geralmente de elevados custos, e nem de residir em áreas mais distantes (devido aos custos de deslocamento). Essa
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população prefere então ocupar as áreas ribeirinhas, mesmo às vezes sabendo do risco de inundações. Enquanto isso, a população com melhores condições financeiras ocupa áreas da bacia geralmente com pequeno risco de inundação. Assim, a ocorrência das enchentes traz prejuízos principalmente à população mais carente, agravando ainda mais os problemas sociais. É importante não deixar de ressaltar que a ocupação das áreas ribeirinhas também está associada à freqüência de ocorrência das cheias. Cada região tem um regime pluviométrico específico que condiciona a ocorrência periódica de precipitações mais intensas e, conseqüentemente, de inundações. A despeito da aleatoriedade do regime de chuvas e de vazões no rio, estatisticamente há uma tendência de que as enchentes ocorram com uma certa freqüência, caracterizando o tempo de retorno, ou seja, o tempo estimado para que um determinado evento seja igualado ou superado pelo menos uma vez. No caso de enchentes associadas a tempos de retorno relativamente altos, como 10 ou 20 anos, por exemplo, o que ocorre muitas vezes é que a população “ganha confiança” de que a área é segura e ignora avisos e esforços das autoridades competentes para removê-los. As pessoas têm a percepção errada das enchentes, supondo que, por habitarem o local há vários anos e nunca terem presenciado alguma enchente, duvidam que ocorram inundações ali. Condições hidrológicas que influenciam a ocorrência de enchentes
Os fatores que regem ou influenciam a ocorrência de enchentes, em uma determinada bacia hidrográfica, podem ser agrupados em (a) naturais e (b) artificiais, os quais são descritos e comentados a seguir. (a) Fatores naturais
Tais fatores são propiciados pela bacia no seu estado natural (relevo, forma da bacia, tipo de precipitação, cobertura vegetal, capacidade de drenagem, tipo de solo, etc). Além das características físicas da bacia, como as já enumeradas, há características climatológicas que influenciam o processo, com destaque para a distribuição temporal e espacial da precipitação (ou seja, onde ocorre a precipitação e como ela se desenvolve ao longo da sua duração). Geralmente, as precipitações mais intensas atingem justamente pequenas áreas localizadas. As áreas mais planas nas margens dos rios estão mais sujeitas à ocorrência de inundações, também sendo geralmente as preferidas para ocupação pela população. 124
Conforme as características da rede de drenagem (dimensões das seções transversais dos arroios e rios, grau de ramificação, sinuosidade dos rios, etc), pode ocorrer a subida do nível da água de vários metros em um curto intervalo de tempo, até mesmo em poucas horas. A presença da cobertura vegetal natural aumenta a infiltração de parte da precipitação e protege o solo contra erosão, já que o impacto das gotas de chuva é o principal fator natural de desagregação das partículas do solo, tornando-as expostas ao escoamento superficial (ver capítulo sobre Transporte de Sedimentos). O aporte de sedimentos em excesso aos cursos d’água provoca o assoreamento dos mesmos, diminuindo sua capacidade de escoamento, na medida que os sedimentos depositados no fundo diminuem a seção transversal disponível para o escoamento. O efeito das características físicas da bacia sobre a maior ou menor tendência à ocorrência de cheias foi apresentado em capítulos anteriores deste texto (“Bacia Hidrográfica” e “Escoamento Superficial”), não sendo novamente discutido aqui. (b) Fatores artificiais
O principal agravante de origem “artificial” para o problema das cheias é a urbanização da bacia contribuinte, que acarreta na impermeabilização da superfície, diminuindo a infiltração e aumentando o escoamento superficial. Isso torna as inundações mais freqüentes e mais intensas – cheias ocorrem mais rapidamente e com picos de vazão maiores, atingindo níveis de água maiores. Previsão de cheias
Como já foi colocada antes, a ocorrência de enchentes pode trazer prejuízos econômicos e perdas de vidas, dependendo de sua intensidade e do local. Por isso muita atenção tem sido dispensada ao que se chama de previsão de cheias, que é caracterizada sob duas formas principais, quanto ao tempo de antecedência da previsão: (i) previsão de curto prazo; (ii) previsão de longo prazo. (i) Previsão de curto prazo
A previsão de curto prazo, também conhecida como previsão em tempo atual ou em tempo real, é utilizada para alertar a população ribeirinha e os operadores de obras hidráulicas durante a ocorrência de um evento, com uma antecedência de horas ou dias, função do tempo de deslocamento da água na bacia até a seção do rio em questão. 125
Para a previsão em tempo real é necessário um sistema de coleta e transmissão de dados, geralmente precipitação e nível de água no rio, estando associado geralmente a um Plano de Defesa Civil, constituído por um conjunto de ações visando combater a situação. Esse tipo de previsão pode ser realizado com base em: - previsão da precipitação: é feita a previsão da precipitação com radar e sensoriamento remoto, estimando em seguida a subida do nível da água no rio através da representação do processo de transformação chuva-vazão na bacia contribuinte; - conhecida a precipitação ocorrida: é feita a medição da precipitação ocorrida, cujo registro é transmitido (geralmente via rede telemétrica, rádio ou telefonia celular) para uma central, onde é feita a estimativa da cheia no rio, através da transformação chuvavazão – este caso difere do anterior apenas pelo fato da precipitação ser medida e não estimada; - conhecida a vazão no rio em uma seção a montante: é realizada a medição do nível do rio em uma seção a montante (a partir da qual se estima a vazão correspondente, com o uso da curva-chave – ver capítulo sobre Fluxo Fluvial) e estimada a vazão e nível da água no rio em uma seção de interesse a jusante. Também aqui é necessário algum sistema de transmissão das informações recém registradas, como rede telemétrica, rádio ou telefone. Essa forma proporciona um menor tempo de previsão, o qual é função do tempo de deslocamento da cheia da seção de montante onde se mediu a vazão até a seção de interesse – dependendo do trecho e do rio, pode ser de apenas algumas horas. - conhecida a precipitação ocorrida e a vazão no rio em uma seção a montante: este caso compreende uma combinação dos dois anteriores, sendo feita a estimativa da transformação chuva-vazão com base no valor medido de precipitação e, em seguida, estimado o deslocamento da onda de cheia até a seção de interesse, usando a vazão na seção a montante. (ii) Previsão de longo prazo
A previsão de longo prazo é caracterizada pela quantificação das chances de ocorrência de uma determinada inundação, estatisticamente, sem precisar quando ocorrerá.
126
Medidas para controle das enchentes
Apesar de que se possa afirmar que as variações climáticas existem e os fenômenos naturais são aleatórios, medidas devem ser tomadas no sentido de minimizar os danos potenciais das cheias. Tais medidas são comumente divididas em dois grandes grupos, as medidas estruturais e as não-estruturais. O primeiro grupo compreende medidas que modificam o sistema fluvial, procurando evitar os prejuízos decorrentes das inundações, embora não propiciem uma proteção completa, havendo um risco de que ocorra uma cheia para a qual as medidas tomadas não suportem. Já as medidas ditas não-estruturais visam reduzir os prejuízos com as enchentes pela “melhor convivência” da população com tais eventos. O ideal geralmente apontado é composto por uma combinação de medidas estruturais e não-estruturais. A seguir, cada um desses grupos é descrito e comentado em mais detalhes. (a) Medidas estruturais
-
controle da cobertura vegetal: a vegetação interfere no processo chuva-vazão, reduzindo o pico da cheia, amortecendo o escoamento, retardando-o, reduzindo a erosão, etc;
-
controle da erosão do solo: uma maior erosão implica no assoreamento do rio e conseqüente diminuição da área transversal disponível para conduzir as águas; geralmente, é recomendado o reflorestamento, estabilização das margens, práticas agrícolas adequadas (agroecologia), etc;
-
construção de diques: constituem muros laterais aos rios ou arroios, geralmente de concreto ou terra, protegendo áreas ribeirinhas contra o extravasamento da água da calha principal do rio; geralmente essa medida apenas transfere o problema para jusante;
-
modificações no rio: o objetivo no caso é permitir uma maior capacidade de condução do escoamento no rio, o que é alcançado geralmente aumentando a velocidade do escoamento ou a área da seção transversal do rio, com custos elevados na maioria das situações; para aumentar a velocidade, geralmente aumenta-se a declividade do fundo do rio, através de escavação do leito, ou retiram-se obstruções ao escoamento, como restos de árvores, rochas, etc; o aumento da área transversal é realizado com dragagens do fundo do rio ou alargamento da seção;
127
-
construção de reservatórios: a implantação de barragens nos rios permite reter boa parte do volume de água da cheia, o qual é liberado para o trecho de jusante do rio de forma mais distribuída no tempo.
(b) Medidas não-estruturais
-
regulamentação de áreas ribeirinhas, visando definir regras de ocupação de tais áreas, como por exemplo a finalidade do uso (recreação, comercial, etc);
-
regulamentação do uso no solo da bacia contribuinte, com o intuito de amenizar o aumento do escoamento superficial decorrente do processo de urbanização; um exemplo é a definição de um percentual da área dos empreendimentos a ser mantida permeável;
-
zoneamento de áreas de inundação, procurando identificar e mapear as áreas mais sujeitas às inundações;
-
serviço de previsão e alerta contra cheias, para antever com algum tempo de antecedência a ocorrência de cheias e acionar uma série de ações previamente estabelecidas, de modo a minimizar os prejuízos;
-
plano de evacuação: baseado no zoneamento e no sistema de previsão e alerta, pode ser traçado um plano de evacuação direcionado para as áreas mais sujeitas às cheias ou com maiores riscos, o qual é acionado conforme o sistema de alerta. Para o zoneamento de áreas de inundação, é feito anteriormente um estudo para
determinação dos riscos associados a diversos níveis de enchentes, sendo traçado para cada uma delas um mapa indicativo das áreas atingidas, sobre o qual define-se o zoneamento das áreas de inundação. Isso permite elaborar um conjunto de regras de ocupação para as áreas com maior risco de inundação, com o objetivo principal de minimizar perdas materiais e de vidas humanas com as grandes enchentes.
128
Capítulo
13 Modelos hidrológicos (baseado em Tucci, 1998)
Introdução
Antes de discutir os principais aspectos da modelagem hidrológica convém esclarecer o conceito de um “modelo”. A definição citada por Tucci (1998) é que se trata da “representação de algum objeto ou sistema, em uma linguagem ou forma de fácil acesso e uso, com o objetivo de entendê-los e buscar suas principais respostas para diferentes entradas”. Assim, considerando um modelo que represente um
determinado sistema, quanto mais complexo este sistema for, mais desafiador e necessário é o modelo. No caso de uma bacia hidrográfica, o uso de modelos hidrológicos visa fundamentalmente entender seu comportamento para utilizar seus recursos e proteger suas características. Empregando os modelos hidrológicos, é possível prever ou estimar a resposta do sistema (uma bacia hidrográfica, um trecho de rio, uma parte do solo, um aqüífero, uma lagoa, etc) a diferentes situações, tais como a ocorrência de eventos extremos (precipitações de grande intensidade com elevado tempo de retorno), modificações do uso do solo, ocorrência de períodos de estiagem e cenários de planejamento e desenvolvimento da região. Em outras palavras, o modelo propicia simular situações que virão ou poderão vir a acontecer, como a urbanização de parte da bacia, o desenvolvimento das atividades econômicas, etc, procurando avaliar como o sistema modelado irá responder a tais alterações. Para sistema uma definição bastante citada é a de Doodge (1973) apud Tucci (1998), segundo a qual sistema “é qualquer estrutura, esquema ou procedimento, real ou abstrato, que num dado tempo de referência interrelaciona-se com uma entrada, causa ou estímulo de energia ou informação, e uma saída, efeito ou resposta de energia ou informação”. Simplificadamente, considera-se que o funcionamento do sistema
consiste em responder a uma determinada entrada produzindo uma saída. Dentro desse contexto, o modelo seria, então, a representação do sistema. 129
Convém também deixar claro que o modelo hidrológico constitui uma ferramenta, de grande potencial e utilidade, mas que não deve ser encarado como um objetivo. O desenvolvimento de um modelo sem as informações necessárias para “alimentá-lo” e sem a devida interpretação dos seus resultados gerados não auxilia no entendimento do comportamento dos sistemas. Por isso é fundamental que o profissional encarregado pelo uso do modelo tenha conhecimento dos processos físicos e do sistema que estão sendo modelados, bem como do próprio modelo. Dificuldades na aplicação de modelos hidrológicos
A modelagem hidrológica geralmente é dificultada ou limitada por: - heterogeneidade física da bacia: uma bacia hidrográfica geralmente apresenta uma grande diversificação espacial do tipo do solo, cobertura vegetal, topografia, presença de áreas urbanas/impermeáveis, ocupação do solo, características da rede de drenagem, etc, o que dificulta a sua representação dentro de um modelo hidrológico; - heterogeneidade dos processos envolvidos: associada à heterogeneidade física da bacia, há a variação espacial da “forma” e da “intensidade” com que acontecem os processos que ocorrem e influenciam o sistema modelado; por exemplo, a infiltração da água precipitada no solo pode ocorrer de modo bastante distinto entre áreas relativamente próximas da bacia, dependendo do tipo de solo, da ocupação do terreno, do estado de umidade e compactação desse solo, etc; - informações disponíveis: a escassez de informações é, muitas vezes, um dos principais limitantes no detalhamento e representação dos processos dentro dos modelos hidrológicos; seja em termos quantitativos quanto qualitativos, a falta de informações que permitam uma caracterização suficiente do sistema a ser modelado pode levar a resultados gerados pelo modelo distantes do fenômeno representado ou mesmo incapacitar a realização da modelagem; - objetivo do estudo: este fator atua mais no sentido de direcionar a escolha do modelo a ser empregado, visto que, muitas vezes, o que se procura obter como resposta da modelagem pode não justificar o emprego de modelos hidrológicos mais complexos, que requeiram um maior esforço computacional, maior número de informações, etc; - recursos disponíveis: a limitação de recursos computacionais, de tempo, financeiros, e de pessoal qualificado também pode acabar restringindo a aplicação de modelos mais complexos, ou com um detalhamento maior dos processos a serem representados. 130
Assim, o que ocorre geralmente é a simplificação do comportamento espacial das variáveis e dos fenômenos representados no modelo em diferentes graus, dependendo dos fatores anteriormente enumerados, motivada também pela dificuldade em formular matematicamente alguns processos. Questionamento sobre o uso de modelos
Após o início do contato com os modelos hidrológicos, é comum surgirem algumas dúvidas a respeito do tema, motivadas principalmente por uma percepção errada da aplicação da modelagem. Um dos principais questionamentos consiste em discutir o por quê da necessidade dos modelos hidrológicos, já que é possível medir as variáveis hidrológicas. O uso dos modelos visa, principalmente, tentar estimar como seria ou será a resposta do sistema estudado a eventos futuros, antecipando-os. Sem eles, os modelos, a avaliação só seria possível após o acontecimento do evento em si, monitorando-o através de equipamentos (pluviômetros, linígrafos, etc). A essa altura (quando está ocorrendo o evento), poucas ações poderiam ser feitas para minimizar seus prejuízos ou gerir seus impactos, no caso de uma precipitação intensa, por exemplo – esse é o caso típico da aplicação do modelo almejando avaliar o impacto da ocorrência de um evento extremo estatisticamente possível. O modelo permite investigar ainda sobre possíveis mudanças futuras na bacia, como urbanização, desmatamento, modificações em um rio, construção de reservatórios, etc. Por outro lado, outra questão que surge é justamente em sentido contrário à dissertação anterior, ao discutir qual a necessidade de continuar o monitoramento de variáveis hidrológicas, já que se dispõe de um modelo que representa o sistema. Esse pensamento é totalmente errôneo, pois o que subsidia a validade do modelo é justamente a alimentação do mesmo com informações, entre elas as variáveis hidrológicas medidas. O ideal é que, sempre que possível, novas informações (recém coletadas) sejam incorporadas e o modelo tenha seu desempenho re-avaliado e seja novamente ajustado. Então, o que ocorre é que, quanto menos informações estão disponíveis, geralmente maiores são as incertezas dos prognósticos dos modelos. Tipos de modelos
Uma classificação básica dos modelos é quanto à forma com que representam os sistemas, sendo divididos em modelos físicos, analógicos e matemáticos. Os modelos 131
físicos representam o sistema por um protótipo em escala menor. São bastante utilizados na hidráulica, como modelos de vertedor de barragens, modelos de praias, de portos, etc. Já os modelos analíticos são caracterizados por funcionarem fazendo analogia com equações que regem diferentes fenômenos. O exemplo mais comum desse caso é a analogia entre as equações do escoamento hidráulico e de um circuito elétrico. O modelo matemático, por sua vez, representa a natureza do sistema através de equações matemáticas. Isso os torna mais versáteis, permitindo facilmente que sejam modificados e que seja obtida uma análise rápida de diferentes situações de um mesmo sistema ou até de vários sistemas. Imagine um modelo matemático desenvolvido para representar a circulação da água e o transporte de contaminantes em um rio. Caso seja interesse estudar como a dispersão e a propagação para jusante do contaminante é influenciada pelas dimensões da seção transversal do rio, bastaria alterar os valores no modelo matemático e executar o cálculo novamente. Por outro lado, a mesma análise sendo feita em um modelo físico, constituído por um “protótipo” do rio (por exemplo, usando argila), requereria um enorme esforço, na medida que para cada seção transversal estudada seria necessário reconstruir todo o modelo reduzido. As desvantagens do modelo matemático residem principalmente na dificuldade de representar matematicamente alguns processos físicos e na necessidade de discretizar os processos no tempo e no espaço. Sabe-se que os processos naturais são contínuos (por exemplo, a vazão em um rio varia continuamente de um valor em um determinado instante do tempo a outro – ou seja, por mais rápida que seja a variação, não ocorrem “saltos” de um valor para outro). Entretanto, na modelagem matemática, simplificadamente, os processos são estudados em intervalos de tempo e em alguns pontos do espaço. Em outras palavras, o modelo matemático calcula as variáveis hidrológicas em passos de tempo pré-determinados (por exemplo, a cada minuto, hora, dia, etc) e em alguns pontos do sistema. A forma como é feita tal discretização no tempo e no espaço é função de uma série de fatores, não cabendo aqui discorrer sobre a questão, mas é interessante perceber que quanto mais fina seja a discretização (menor passo de tempo e distância entre os pontos no espaço), mais próxima da realidade do sistema está sendo a sua representação no modelo, caso haja informações tão detalhadas para alimentar o modelo.
132
Aplicação dos modelos hidrológicos
Antes de comentar sobre a aplicação dos modelos hidrológicos, é interessante apresentar algumas definições fundamentais para a compreensão da modelagem: - fenômeno: processo físico que produz alteração no estado do sistema (exemplos: evaporação, infiltração, precipitação, etc); -variável: valor que descreve quantitativamente um fenômeno, variando no espaço e no tempo (exemplo: vazão em um rio, que é a variável que descreve o estado do escoamento); - parâmetro: valor que caracteriza o sistema, podendo também variar no tempo e no espaço (exemplos: área da bacia, coeficiente de permeabilidade do solo, rugosidade do rio, coeficiente de difusão, etc). - simulação: processo de utilização do modelo. A simulação ou uso do modelo envolve basicamente três etapas: (i) estimativa ou ajuste; (ii) verificação; (iii) previsão. (i) Estimativa ou ajuste dos parâmetros: essa fase é também conhecida como calibração do modelo e consiste na determinação dos valores dos parâmetros do mesmo; a estimativa de tais valores depende da disponibilidade de dados históricos, da medição de amostras e da determinação de características físicas do sistema. Há diferentes formas de se estimar os parâmetros do modelo: i.a – Estimativa sem dados históricos: esse caso é usado quando não há registros das variáveis dos sistemas, sendo os valores dos parâmetros determinados em função da caracterização física do sistema. Normalmente, a literatura especializada estabelece faixas de valores (intervalo de variação) para cada parâmetro, em função de observações em campo/laboratório ou do significado físico do parâmetro. i.b – Ajuste por tentativas: nessa situação, os parâmetros têm seus valores variados, sendo comparados os resultados do modelo com os valores das variáveis medidas. Por exemplo, em um modelo que simula a transformação chuva-vazão, um determinado parâmetro pode ser ajustado variando-se seu valor e observando como o hidrograma gerado pelo modelo se comporta em relação ao hidrograma medido – 133
obviamente, procura-se o valor do parâmetro que melhor ajuste os valores calculados aos observados (que os torne mais próximos entre si). A decisão do melhor ajuste é baseada geralmente na análise visual (graficamente) ou através de coeficientes estatísticos. Este método requer a existência de valores medidos das variáveis de entrada e saída do modelo; i.c – Ajuste por otimização: esse caso é semelhante ao anterior, diferindo basicamente na forma com que os valores dos parâmetros são variados, buscando o melhor ajuste entre os valores calculados pelo modelo e os observados por medições. Neste caso, é empregado algum método matemático que propicie o valor ótimo de cada parâmetro, como programação linear, não-linear, algoritmos genéticos, etc. i.d – Amostragem: aqui o valor do parâmetro é obtido por medição da característica específica do sistema; por exemplo, pode ser feita a análise em laboratório para determinação do coeficiente de permeabilidade do solo. (ii) Verificação: nesta fase o modelo já calibrado (ou seja, com os valores dos parâmetros ajustados) é verificado ou testado com outro conjunto de dados – valores das variáveis de entrada e saída distintos dos utilizados na fase de ajuste. Agora, os valores das variáveis de saída são usados apenas para comparação com o resultado gerado pelo modelo, sendo verificado se o modelo simula o sistema satisfatoriamente. (iii) Previsão: esta é a fase da simulação onde o modelo, estando ajustado e verificado, é utilizado para representar a saída do sistema para situações desconhecidas, como alternativas de projeto (intervenções na bacia) ou modificações futuras possíveis na bacia. É importante ressaltar que a qualidade dos resultados da previsão com o modelo é função da representatividade dos períodos de dados usados nas fases anteriores (ajuste e verificação), da discretização do sistema e da capacidade do modelo em simular as novas condições impostas.
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Classificação dos sistemas e modelos
Neste item são apresentadas algumas classificações dos sistemas e dos modelos, fazendo-se já a ressalva que nem sempre um sistema classificado como um certo tipo será representado por um modelo do mesmo tipo – as classificações são independentes. * Concentrado x distribuído O modelo concentrado é caracterizado por não levar em conta a variabilidade espacial das variáveis, que são consideradas funções apenas do tempo. Já o modelo dito distribuído têm variáveis e parâmetros que variam ao longo do espaço (além do tempo). O exemplo mais clássico são os modelos chuva-vazão (que simulam a transformação da chuva em vazão), onde os concentrados consideram a bacia como um elemento único e os distribuídos subdividem-na em áreas menores, fazendo a referida transformação em cada uma dessas sub-áreas. A rigor, não existiria modelo distribuído, pois ele seria concentrado em cada subdivisão menor. * Estocástico x determinístico Na modelagem estocástica, é considerada a chance de ocorrência das variáveis, ao ser introduzido o conceito de probabilidade. O modelo determinístico, por sua vez, segue uma lei definida, sem considerar as chances de ocorrência dos valores das variáveis. Simplificadamente, pode-se afirmar que enquanto o modelo determinístico “produz” a mesma saída para uma mesma entrada, no modelo estocástico a relação entre entrada e saída é estatística (há chances de ocorrência para cada determinado valor). * Conceitual x empírico Um modelo é referido como conceitual quando as funções utilizadas levam em consideração os processos físicos, enquanto no modelo empírico as funções empregadas foram
desenvolvidas
para
ajustar
os
valores
medidos
e
observações
em
campo/laboratório, sem retratar o processo físico em si. Dentro do contexto de gerenciamento dos recursos hídricos, pode-se dividir os modelos em três categorias principais: -
modelos de comportamento, que são utilizados para descrever o comportamento dos sistemas e, desse modo, prognosticar a resposta do sistema a diferentes
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situações; exemplos: modelo de circulação da água e transporte de contaminantes em um rio; modelo chuva-vazão; etc. -
modelos de otimização, que procuram obter a “melhor” solução para uma determinada situação, atendendo a objetivos pré-definidos; exemplo: modelo de operação de reservatório;
-
modelos de planejamento, que simulam condições globais de um sistema maior (acoplam modelos de comportamento e de otimização);
A seguir são enumerados alguns exemplos de modelos hidrológicos: -
modelos que simulam o escoamento da água em rios, lagos, banhados, etc, como os modelos hidrodinâmicos uni, bi ou tridimensionais;
-
modelos de transformação chuva-vazão;
-
modelos de escoamento das águas subterrâneas;
-
modelos de operação de reservatórios;
-
modelo de balanço hídrico no solo;
-
modelo de previsão de cheias;
-
modelo de transporte de constituintes e de reações cinéticas (modelagem de qualidade de água), os quais podem estar acoplados a modelos de circulação da água, a modelos chuva-vazão, modelos de águas subterrâneas, etc.
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eletrônico
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telemetria
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